Quando questões teóricas − e mesmo práticas − são propostas sem fundamentação na metafísica, elas... more Quando questões teóricas − e mesmo práticas − são propostas sem fundamentação na metafísica, elas se revelam superficiais e inconsistentes. Nela vai se dar a discussão de como se entende o ser humano, o que poderia ser o "cosmos" no qual se encontra e desencontra, quais são os valores mais relevantes que guiam sua visão de mundo e sua ação. A metafísica tem estado fora de moda em vários momentos, especialmente quando se supõe que ela possa ser substituída pelo catecismo e pela doutrinação catequética.
The revision of the conception of truth implies the questioning of the metaphysical duplication o... more The revision of the conception of truth implies the questioning of the metaphysical duplication of the world, that has in Plato's Republic a definitive formulation, but has there also, in the parable of the cave, a fiction that allows an inverse interpretation to what is formulated in the logical argumentation.
Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do... more Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do interior de Goiás para a capital cada semana para assistir aulas na pós-graduação. Parecia comum, mas seios fartos e ancas largas pareciam anunciar uma boa parideira. Os olhos espertos e ternos, o sorriso largo e confiante, pareciam dizer que seria boa mãe. Não tinha filhos, no entanto. Isso, que para uma boa europeia seria um alívio, para não sobrecarregar o mundo com mais uma irresponsabilidade, era para ela uma acusação, como se não tivesse cumprido um dever. Ela amava o marido e não podia acusá-lo por produzir tão poucos espermatozoides que era quase estéril: quando um gritava, os outros não o escutavam, não sabiam que deviam se sacrificar por ele para que ele tivesse a glória de ser campeão. Todos somos, afinal, filhos de um premiado, talvez de um campeão. Depois do veredito médico, que deixava transparecer que ele poderia ser pai, Maria Amélia disse ao marido que o útero virado dela também traria dificuldades para engravidar (embora ele já tivesse se revirado há tempos). Sabia que, somadas tais deficiências, mesmo que a chance fosse quase nula, ela dizia que sempre havia esperança, era preciso confiar em Deus. Entre o zero e o quase zero há, no entanto, sempre ainda uma infinidade de números possíveis. Ela ficou matutando qual seria a sua melhor aposta. Quanto menor a escolha, mais probabilidade se tem de escolher o certo. Quando não havia mais outra opção senão uma, não se tinha mais liberdade, ou melhor, a liberdade se reduzia a escolher o necessário. Não havia mais jeito de errar. O único que restaria a fazer era o que se tinha de fazer. O necessário, sem remorso. Não há erro quando não há escolha. O casal era bem brasileiro do interior, numa época em que não havia ainda fertilização in vitro nem ovelhas clonadas: queria filhos e era otimista. Acreditava que Deus iria ajudá-lo. Os dois rezavam bastante, rezavam até antes das refeições, como se Jeová tivesse colocado maná na mesa, e não o trabalho. Deus estava, no entanto, muito ocupado com explosões galácticas, buracos negros e multiversos, não tinha tempo para os vermes tão pequenos da Terra. Maria Amélia pensou, então, em apelar para um santo, mas estava difícil achar um santo especializado em fecundação de mulheres, havia algo que o professor de
Tanto se sugere desconstruir a alegoria quanto examinar o processo de desconstrução inerente à al... more Tanto se sugere desconstruir a alegoria quanto examinar o processo de desconstrução inerente à alegoria, desconstrução pela alegoria. Ela se torna uma chave metafísica. O que se pretende, no entanto, é algo que não seja apenas a dicotomia dos procedimentos, mas algo nos dois e entre os dois para, aos poucos, buscar algo que fique além deles.
desleituras: Literatura, Filosofia, Cinema e outras artes, 2021
A mímese foi fundante na tradição judaico-cristã por causa da crença de que Jeová teria feito o h... more A mímese foi fundante na tradição judaico-cristã por causa da crença de que Jeová teria feito o homem “à sua imagem e semelhança”. Isso poderia ter sido entendido que o homem teria sido feito semelhante a si mesmo, mas ele preferiu acreditar que era parecido com Deus. Não entendeu que a divindade poderia ser parecida com ele, uma projeção cósmica. Descartes observou que Deus e homem seriam antitéticos: um seria eterno, o outro finito; um onisciente, outro de parco saber; um todo poderoso, outro de poucas forças; um onipresente, outro estando em um só lugar. A vaidade se sobrepõe à racionalidade.
As categorias lógicas foram reduzidas basicamente a uma, a quantidade, pretendendo-se com ela def... more As categorias lógicas foram reduzidas basicamente a uma, a quantidade, pretendendo-se com ela definir a qualidade. São examinados aqui os conceitos de Aristóteles e se discutem algumas proposições de Kant e Heidegger sobre arte.
A revisão da concepção de verdade implica no questionamento da duplicação metafísica do mundo, qu... more A revisão da concepção de verdade implica no questionamento da duplicação metafísica do mundo, que encontra na “República” de Platão uma formulação lapidar, mas tem lá também, na parábola da caverna, uma ficção que permite uma interpretação inversa ao que formulado na argumentação lógica.
É necessário desenvolver o que no momento poderíamos chamar de uma “comparatística nihilista”, ou... more É necessário desenvolver o que no momento poderíamos chamar de uma “comparatística nihilista”, ou seja, sempre ter uma noção do que não foi desenvolvido por uma obra de arte ou um ensaio filosófico. A comparação de obras com pontos estratégicos de similaridade é um primeiro passo para isso, mas nós precisamos considerar uma parte obscura da obra para entender a sua configuração, as suas características, a sua qualidade. O “abscôndito” é uma parte da obra, assim como temos um lado da Lua que normalmente não vemos. Isso significa que deveríamos permitir a imaginação ser uma parte da hermenêutica.
A obra para ser arte precisa ir além dos ideologemas nela contidos. A própria teoria estética pod... more A obra para ser arte precisa ir além dos ideologemas nela contidos. A própria teoria estética pode ser ideologia, não apenas sendo a propaganda manifesta de uma convicção religiosa, moral ou política, mas também na estrutura profunda: a obra ser considerada arte serve para disfarçar o repasse de crenças e valores, a propaganda de uma escola, nação ou época. Se o transmitido é apenas ideologia, ela precisa ser mais camuflada quando o espírito esclarecido avança. Para conseguir maior objetividade na avaliação das obras precisa-se do método comparativo, examinando as variantes em torno de um tema ou topos.
Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do... more Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do interior de Goiás para a capital cada semana para assistir aulas na pós-graduação. Parecia comum, mas seios fartos e ancas largas pareciam anunciar uma boa parideira. Os olhos espertos e ternos, o sorriso largo e confiante, pareciam dizer que seria boa mãe.
Cabe perguntar se não apenas a arquitetura pode ser arte, mas também o urbanismo. Hegel sugeriu ‒... more Cabe perguntar se não apenas a arquitetura pode ser arte, mas também o urbanismo. Hegel sugeriu ‒ na segunda parte da Estética, no sistema das artes ‒ que a arquitetura foi se descobrindo como arte, deixando de ser apenas espaço construído, à medida que se deixou inspirar pela escultura. A Esfinge do Egito ou um obelisco são esculturas que, por suas dimensões, têm caráter arquitetônico; a pirâmide é uma arquitetura que tem o caráter de escultura; uma série de esfinges colocadas na entrada de um palácio também tem caráter arquitetônico, podendo-se acrescentar que, com o ajardinamento ao redor, tinha um caráter urbanístico. Tem-se falado, na tradição filosófica, de arquitetura como arte, como também na arte da jardinagem. Até que ponto o urbanismo pode ser arte?
Quando questões teóricas − e mesmo práticas − são propostas sem fundamentação na metafísica, elas... more Quando questões teóricas − e mesmo práticas − são propostas sem fundamentação na metafísica, elas se revelam superficiais e inconsistentes. Nela vai se dar a discussão de como se entende o ser humano, o que poderia ser o "cosmos" no qual se encontra e desencontra, quais são os valores mais relevantes que guiam sua visão de mundo e sua ação. A metafísica tem estado fora de moda em vários momentos, especialmente quando se supõe que ela possa ser substituída pelo catecismo e pela doutrinação catequética.
The revision of the conception of truth implies the questioning of the metaphysical duplication o... more The revision of the conception of truth implies the questioning of the metaphysical duplication of the world, that has in Plato's Republic a definitive formulation, but has there also, in the parable of the cave, a fiction that allows an inverse interpretation to what is formulated in the logical argumentation.
Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do... more Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do interior de Goiás para a capital cada semana para assistir aulas na pós-graduação. Parecia comum, mas seios fartos e ancas largas pareciam anunciar uma boa parideira. Os olhos espertos e ternos, o sorriso largo e confiante, pareciam dizer que seria boa mãe. Não tinha filhos, no entanto. Isso, que para uma boa europeia seria um alívio, para não sobrecarregar o mundo com mais uma irresponsabilidade, era para ela uma acusação, como se não tivesse cumprido um dever. Ela amava o marido e não podia acusá-lo por produzir tão poucos espermatozoides que era quase estéril: quando um gritava, os outros não o escutavam, não sabiam que deviam se sacrificar por ele para que ele tivesse a glória de ser campeão. Todos somos, afinal, filhos de um premiado, talvez de um campeão. Depois do veredito médico, que deixava transparecer que ele poderia ser pai, Maria Amélia disse ao marido que o útero virado dela também traria dificuldades para engravidar (embora ele já tivesse se revirado há tempos). Sabia que, somadas tais deficiências, mesmo que a chance fosse quase nula, ela dizia que sempre havia esperança, era preciso confiar em Deus. Entre o zero e o quase zero há, no entanto, sempre ainda uma infinidade de números possíveis. Ela ficou matutando qual seria a sua melhor aposta. Quanto menor a escolha, mais probabilidade se tem de escolher o certo. Quando não havia mais outra opção senão uma, não se tinha mais liberdade, ou melhor, a liberdade se reduzia a escolher o necessário. Não havia mais jeito de errar. O único que restaria a fazer era o que se tinha de fazer. O necessário, sem remorso. Não há erro quando não há escolha. O casal era bem brasileiro do interior, numa época em que não havia ainda fertilização in vitro nem ovelhas clonadas: queria filhos e era otimista. Acreditava que Deus iria ajudá-lo. Os dois rezavam bastante, rezavam até antes das refeições, como se Jeová tivesse colocado maná na mesa, e não o trabalho. Deus estava, no entanto, muito ocupado com explosões galácticas, buracos negros e multiversos, não tinha tempo para os vermes tão pequenos da Terra. Maria Amélia pensou, então, em apelar para um santo, mas estava difícil achar um santo especializado em fecundação de mulheres, havia algo que o professor de
Tanto se sugere desconstruir a alegoria quanto examinar o processo de desconstrução inerente à al... more Tanto se sugere desconstruir a alegoria quanto examinar o processo de desconstrução inerente à alegoria, desconstrução pela alegoria. Ela se torna uma chave metafísica. O que se pretende, no entanto, é algo que não seja apenas a dicotomia dos procedimentos, mas algo nos dois e entre os dois para, aos poucos, buscar algo que fique além deles.
desleituras: Literatura, Filosofia, Cinema e outras artes, 2021
A mímese foi fundante na tradição judaico-cristã por causa da crença de que Jeová teria feito o h... more A mímese foi fundante na tradição judaico-cristã por causa da crença de que Jeová teria feito o homem “à sua imagem e semelhança”. Isso poderia ter sido entendido que o homem teria sido feito semelhante a si mesmo, mas ele preferiu acreditar que era parecido com Deus. Não entendeu que a divindade poderia ser parecida com ele, uma projeção cósmica. Descartes observou que Deus e homem seriam antitéticos: um seria eterno, o outro finito; um onisciente, outro de parco saber; um todo poderoso, outro de poucas forças; um onipresente, outro estando em um só lugar. A vaidade se sobrepõe à racionalidade.
As categorias lógicas foram reduzidas basicamente a uma, a quantidade, pretendendo-se com ela def... more As categorias lógicas foram reduzidas basicamente a uma, a quantidade, pretendendo-se com ela definir a qualidade. São examinados aqui os conceitos de Aristóteles e se discutem algumas proposições de Kant e Heidegger sobre arte.
A revisão da concepção de verdade implica no questionamento da duplicação metafísica do mundo, qu... more A revisão da concepção de verdade implica no questionamento da duplicação metafísica do mundo, que encontra na “República” de Platão uma formulação lapidar, mas tem lá também, na parábola da caverna, uma ficção que permite uma interpretação inversa ao que formulado na argumentação lógica.
É necessário desenvolver o que no momento poderíamos chamar de uma “comparatística nihilista”, ou... more É necessário desenvolver o que no momento poderíamos chamar de uma “comparatística nihilista”, ou seja, sempre ter uma noção do que não foi desenvolvido por uma obra de arte ou um ensaio filosófico. A comparação de obras com pontos estratégicos de similaridade é um primeiro passo para isso, mas nós precisamos considerar uma parte obscura da obra para entender a sua configuração, as suas características, a sua qualidade. O “abscôndito” é uma parte da obra, assim como temos um lado da Lua que normalmente não vemos. Isso significa que deveríamos permitir a imaginação ser uma parte da hermenêutica.
A obra para ser arte precisa ir além dos ideologemas nela contidos. A própria teoria estética pod... more A obra para ser arte precisa ir além dos ideologemas nela contidos. A própria teoria estética pode ser ideologia, não apenas sendo a propaganda manifesta de uma convicção religiosa, moral ou política, mas também na estrutura profunda: a obra ser considerada arte serve para disfarçar o repasse de crenças e valores, a propaganda de uma escola, nação ou época. Se o transmitido é apenas ideologia, ela precisa ser mais camuflada quando o espírito esclarecido avança. Para conseguir maior objetividade na avaliação das obras precisa-se do método comparativo, examinando as variantes em torno de um tema ou topos.
Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do... more Maria Amélia não era especialmente bonita, mas resplandecia saúde no alto dos seus 30 anos. Ia do interior de Goiás para a capital cada semana para assistir aulas na pós-graduação. Parecia comum, mas seios fartos e ancas largas pareciam anunciar uma boa parideira. Os olhos espertos e ternos, o sorriso largo e confiante, pareciam dizer que seria boa mãe.
Cabe perguntar se não apenas a arquitetura pode ser arte, mas também o urbanismo. Hegel sugeriu ‒... more Cabe perguntar se não apenas a arquitetura pode ser arte, mas também o urbanismo. Hegel sugeriu ‒ na segunda parte da Estética, no sistema das artes ‒ que a arquitetura foi se descobrindo como arte, deixando de ser apenas espaço construído, à medida que se deixou inspirar pela escultura. A Esfinge do Egito ou um obelisco são esculturas que, por suas dimensões, têm caráter arquitetônico; a pirâmide é uma arquitetura que tem o caráter de escultura; uma série de esfinges colocadas na entrada de um palácio também tem caráter arquitetônico, podendo-se acrescentar que, com o ajardinamento ao redor, tinha um caráter urbanístico. Tem-se falado, na tradição filosófica, de arquitetura como arte, como também na arte da jardinagem. Até que ponto o urbanismo pode ser arte?
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