OntII - Apostila
OntII - Apostila
OntII - Apostila
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO
Wellington Dias
DIAGRAMADOR
Joaquim Carvalho de Aguair Neto
2
Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que
participam do programa de Educação à Distância da Universidade
Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI) Universidade Estadual do Piauí
(UESPI), Centro Federal de Ensino Tecnológico do Piauí (CEFET-PI),
com apoio do Governo do estado do Piauí, através da Secretaria de
Educação.
3
UNIDADE 1. ONTOLOGIA E DIALÉTICA EM HEGEL..............
1.1. Quem era, realmente, Hegel?........................................... 07
1.2. O platonismo de Hegel: o absoluto................................ 17
1.3. A dialética em Hegel: o caminho do Ser........................ 23
1.3.1. A dialética do Amor............................................................ 26
1.4. O percurso ao Ser: a ontologia da Fenomenologia do 32
Espírito..............................................................................
1.5. Um exemplo da ontologia dialética de Hegel – 42
enxertos do Prefácio da Fenomenologia do Espírito.............
1.6. Exemplos da Dialética nos textos de Hegel................... 54
1.6.1. Enciclopédia das Ciências Filosóficas................................ 54
1.6.2. Fenomenologia do Espírito................................................. 56
4
5
UNIDADE 1. ONTOLOGIA E DIALÉTICA EM HEGEL..............
1.1. Quem era, realmente, Hegel? ?........................................ 07
1.2. O platonismo de Hegel: o absoluto................................ 17
1.3. A dialética em Hegel: o caminho do Ser........................ 23
1.3.1. A dialética do Amor............................................................ 26
1.4. O percurso ao Ser: a ontologia da Fenomenologia 32
do Espírito.........................................................................
1.5. Um exemplo da ontologia dialética de Hegel – 42
enxertos do Prefácio da Fenomenologia do Espírito. ...........
1.6. Exemplos da Dialética nos textos de Hegel................ 54
1.6.1. Enciclopédia das Ciências Filosóficas............................. 54
1.6.2. Fenomenologia do Espírito.............................................. 56
6
1. ONTOLOGIA E DIALÉTICA EM HEGEL
7
modesto, como modestas nossas forças para abordar uma obra
extremamente rica e intricada que está muito além da nossa
capacidade e, que, por este motivo, pode, por necessidades
pedagógicas, levar-nos a desvirtuamentos do seu Sistema. Também
não intentamos, sequer, apresentar as clássicas objeções feitas a
Hegel – nesse sentido nosso propósito é apenas propedêutico e
pedagógico; e, por isso mesmo, nos limitaremos a esquemas muito
sucintos, fundamentados em reconhecidos mestres brasileiros cujos
trabalhos sobre Hegel são internacionalmente reconhecidos.1
1
Sobretudo nos trabalhos de Carlos Cirne-Lima, Cláudio Henrique e Lima
Vaz (+ 2002) e Paulo Meneses. As imperfeições são de inteira
responsabilidade nossa.
8
um monumento da estupidez alemã. (2005, p.
540)
9
máxima prudência antes de emitirmos juízos sobre pensadores,
sejam quais forem, sem antes procurarmos diligentemente conhecer
seus pensamentos expressos em suas obras.
―[…] das Wissen nur als Wissenschaft oder als System wirklich
ist und dargestellt werden kann. [o saber somente é efetivo como
PhG é a abreviatura
Ciência ou como Sistema, e não pode ser exposto senão como tal.]‖ universalmente
utilizada para se referir
(PhG, § 24)2. à Phenomenologie des
Geist, Fenomenologia
do Espírito, publicada
Neste sentido, não é gratuito que Filosofia, para Hegel – e para em 1807.
os Idealistas do seu tempo, fosse denominada de Wissenschaftslehre,
―doutrina das ciências‖, pois enquanto as ciências particulares tratam
de objetos determinados, de campos do saber específicos, a tarefa da
Filosofia é procurar apreender o próprio saber. Rosenfield, num belo
livreto dedicado a Hegel (2005, p. 65) conseguiu expressar com
maestria o objetivo da filosofia de Hegel:
2
PhG é a abreviatura universalmente utilizada para se referir à
Phenomenologie des Geist, Fenomenologia do Espírito, publicada em 1807.
Os parágrafos seguem a tradução da Fenomenologia publicada pela Editora
Vozes, cujo tradutor, Paulo Meneses, os inseriu. Seguimos esta tradução, a
do Lima Vaz (Prefácio, Introdução e capítulos 1 e 2 da seção A –
consciência), e a tradução de Jean-Pierre Lefebvre. Quanto ao texto alemão
utilizado, consultar bibliografia desta unidade.
11
outras disciplinas do espírito. A tarefa deste Geist, Espírito, filosófico
foi acalantada, em pleno século XX, por ninguém menos que Albert
Einstein, que durante sua maturidade procurou incessantemente uma
teoria que unificasse os grandes campos da física contemporânea –
eletricidade, magnetismo, gravidade e mecânica quântica.
12
―Was vernünftig ist, das ist wirklich;
und was wirklich ist, das ist vernünftig.‖
E arremata:
13
Est ist ebenso töricht zu wähnen, irgendeine
Philosophie gehe über ihre gegenwärtige Wert
hinaus, als, ein Individuum überspringer seine Zeit‖
(ibid.: É completamente tolo sonhar que alguma
filosofia vá ultrapassar seu mundo presente, como,
igualmente, um indivíduo que transponha seu
Os hegelianos de tempo)
esquerda, críticos do
Estado e da religião,
herdeiros direto da É oportuno recordar que foram os ‗hegelianos de esquerda‘,
filosofia de Hegel, sobretudo Karl Marx, não Hegel, que propuseram à Filosofia a voz
enfatizaram a reflexão
filosófica sob forte cunho profética anunciadora do futuro, que complementaram à ‗coruja de
revolucionária, no
sentido de que a tarefa Minerva‘ o ‗cantar do galo gaulês‘: ―Quando forem cumpridas todas
da filosofia estaria em as condições internas, o dia a ressurreição da Alemanha será
mudar a sociedade: ―Os
filósofos apenas anunciado com o cantar do galo gaulês.‖ (Marx, 2005, p. 156). É
interpretam o mundo de
diferentes maneiras, mas sempre salutar recordar, como o fez Lima Vaz (1995, p. 226) que em
trata-se de ranformá-lo.‖ Hegel ―não é a verdade que é histórica, mas a história que é
(Marx). Os mais
conhecidos foram: verdadeira.‖ Por isto mesmo Eric Weil (1985, p. 6), um dos maiores
Ludwig Feuerbach
intérpretes de Hegel no século XX, afirmou que a
(1804-1872), Bruno
Bauer (1802-1872),
Arnold Ruge (1802-
1880), Max Stiner, Karl razão não se descreve do exterior, como algo
Marx (1818-1883), exterior. Ela se descreve a si mesma, é movimento
Friedrich Engels (1820- que se engendra e se produz. Ela não é objeto,
1895). pois é sujeito, e é sujeito quando se opõe a tudo
que é objeto.
14
o contrário: a parte só pode ser compreendida se antes
compreendermos o todo.‖ (2006, p. 87).
15
sempre de novo, enquanto o mesmo é tarefa
específica dos filósofos, é o falar, o légein no
sentido do dialégesthai, o falar como diálogo.
Quanto a este ponto vale expor uma breve reflexão feita por
Albert Einstein numa carta enviada a um amigo seu, Maurice
Solovine, na qual o brilho das palavras empregadas chegam a ofuscar
quando nelas nos detemos meditantes e as ruminamos
pacientemente, pois expressa uma verdade tão óbvia que causam
espanto, pois o dizer de Einstein, ―pelo fato mesmo de ser conhecido,
não é reconhecido‖ (Hegel, PhG, § 31): ―Cada período é dominado
por um estado de espírito, e o resultado é que a maioria dos homens
não consegue enxergar o tirano que os governa.‖
16
da indeterminação. Aliás, a sociedade se encarrega bem de os empurrar, e o
amor das coisas de os manter ali; eles são os embaixadores do mundo
mudo. Como tais, balbuciam, murmuram, se encravam na noite do logos, –
até que enfim se encontrem ao nível das RAÍZES, onde se confundem as
coisas e as formulações.]
É por isto que o ―philosophical way of thing é tão difícil por ser
tão simples‖ (Porta, 2002, p.46).
17
coisas estão implicadas mas não pode ser reduzido às coisas,
condicionado ou dependente destas, mas o contrário.
3
Tradução do Prof. Dr. Reinhold Aloysio Ullmann. (cf. Bibliografia)
18
absoluto é cair na aporia do regresso ao infinito: ―já que todo não-
máximo é finito, ele tem que ter um princípio. Será necessário que
derive de um outro. Do contrário, se desse origem a si mesmo, já teria
existido, quando ainda não era.‖ Aporia: uma
perplexidade cognitiva
produzida por
Sob outro prisma, negar o Absoluto, o Ser, do qual todas as afirmações que, em
separado, são
coisas procedem seria cair em aporia, justamente por que o finito não
plausíveis, porém
tem a causa de si em si mesmo. Logo, ou a causa procede de si inconsistentes
coletivamente.
mesmo, causa sui, ou de um outro e, portanto, a causa lhe é externa.
19
Per Deum intelligo ens absolute infinitum, hoc est, substantiam
constantem infinitis attributis, quorum unumquodque æternam, &
infinitam essentiam exprimit. (Por Deus entendo um ser absoluto
infinito, ou seja, uma substância constante de atributos infinitos,
donde cada um exprime uma essência eterna e infinita).
21
por meio das formas determinadas de sua
necessária manifestação de si; e não (como aquela
psicologia acreditava) uma alma-coisa, que está
somente em uma relação exterior para com o corpo,
se não interiormente ligado ao corpo pela unidade
do conceito.
22
a) o Ser implica o conjunto lógico-ontológico de toda a
efetividade, Wirklichkeit;
23
qualidade e quantidade nossas definições. Heidegger, muito afeito à
etimologia, procura explicá-la: logos provém de leguei, que é um ato
de versammelt, recolher, reunir (1976, p. 430). Quando, em alemão,
falamos em versammlung, indicamos com esta palavra uma reunião,
uma assembléia.
24
diversidade numa unidade, numa síntese que superou mas foi capaz
de guardar a diversidade das divergências. Através, diá, do logos, que
recolheu e conservou a diversidade, a Lei acordada se manifestou.
4
Lembremo-nos de que a figura do Deus-Amor só ocorre, efetivamente,
enquanto tema teológico e filosófico a partir dos livros que compõem o Novo
Testamento. Aqui, conforme Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino,
Lutero etc, há uma confluência entre o Divino e o humano. Mas a confluência
25
Em latim plica significa dobra. Para que um origame seja feito
são necessárias muitas plicae, muitas dobras. O processo de
confecção dos origames implica várias dobraduras (tautologia) no
papel até que a figura desejada surja. Se, ao contrário, procuro
desmontar um origame necessito desfazer, ex-plicare, essas plicae,
essas dobras. É por este motivo que quando dizemos que algo
implica muito esforço estamos afirmando que são necessárias muitas
dobras para se atingir o objetivo desejado. Quando, ao contrário,
temos de explicar alguma coisa, fazemos o caminho inverso: do
resultado, do objetivo, fazemos um percurso contrário, desdobrando-
o, explicando o meu percurso. Aqui, por exemplo, estamos
procurando explicar aquilo que está implicado em nossos
pressupostos teóricos sobre a diá-leguei, o teor da dialética.
26
Veremos adiante como ele – e Platão – apresenta o Amor, a
manifestação dialética do Amor. É importante recordar que o tema é
clássico na Filosofia e é o tema de um dos mais intrigantes diálogos
de Platão, o ΣΥΜΠΟΣΙΟΝ, normalmente traduzido como ‗O
banquete‘.
27
A palavra método, não esqueçamos, significa ‗estar no
caminho‘. Método é o percurso no qual o próprio Ser se torna
manifesto. Na tradição platônica, Hegel entre eles, pois, a dialética é
essencialmente ontologia, o percurso aporemático do finito ao
Aporemático deriva
de aporia. Cf. acima Absoluto e deste ao finito. É por este motivo, afirma Lima Vaz (2002,
p. 9)
28
Agora, voltemos a Santo Agostinho e atentemos bem para a
tensão dialética implicada no Amor (De Trinit., VIII, 10.14):
Tese: amans;
Antítese: amatur; Dialética do Amor em
Santo Agostinho:
Síntese: amor. unidade e
multiplicidade.
Para que o Amor aconteça é necessário quem ame, de um lado,
e o amado, de outro. São dois polos distintos que permanecem
distintos. Se o amans for correspondido pelo amatur teremos uma
síntese que superou/guardou (Aufhebung) os dois polos inicialmente
opostos, no Amor.
29
O Amor representa, pois, a síntese que superou/guardou a
oposição inicial, mas as conservou num nível superior. Aqui, pois, não
existe Amor se não há quem ame e quem seja amado. Se faltar um
dos três elementos que compõe o Amor, este não se manifesta. Se
fôssemos utilizar um recurso de diagrama, para expressar o Amor,
poderia ser o seguinte:
amado Amor
amante
30
ponto que se concentram toda a religião e toda a
ciência; é unicamente a partir desta concentração
que a história mundial pode ser concebida.
(Encicl., § 251)
31
negativa, que se encontra com freqüência e
aparece até mesmo em Platão. [...] Ao invés, a
dialética superior do conceito consiste no produzir
e compreender a determinação não meramente
como limitação e como contrário, mas a produzir e
a compreender a partir dela o conteúdo positivo e
o resultado; somente assim ela é desenvolvimento
e progressão imanente.]
32
percurso do espírito fechado em-si-para si até ao Absoluto, no qual as
divergências iniciais podem ser devidamente avaliadas a partir do
conceito. Nesse sentido, como magistralmente destacou Lima Vaz
(2001, p. 123),
5
O substantivo neutro, Consciência, é grafado diferente no alemão
contemporâneo: Bewusstsein.
33
consciência‖ – a consciência que se torna consciente de si-mesma
no percurso mesmo dessa experiência, que é, também, Ciência:
34
no singular, e para dirigir seu olhar para as estrelas
como se eles, totalmente esquecidos do divino,
estivessem a ponto de se contentar com o verme da
terra, com lama e água] (PhG, § 8)
35
que, se não tomados apenas como sinal de algo mais elevado,
podem enganar a alma no seu percurso ao Absoluto – Platão sabia
disso, e Hegel com ele:
Por este motivo é sempre salutar ter em mente que, para Hegel,
cabe à Filosofia a permanente tarefa imposta pela Erinnerung, a
recordação: um sempre trazer de novo aquilo do qual nos
esquecemos. Deste processo contínuo sempre emergem problemas a
partir da tradição, do percurso da própria Filosofia.
Consequentemente, o novo é sempre devedor do antigo, no qual está
radicado. Filosofar é, pois, procurar a síntese que supera/conserva,
pela Erinnerung, a tradição.
Das Wahre ist das Ganze. Das Ganze aber ist nur
das durch seine Entwicklung sich vollendende
Wessen. Es ist con dem Absoluten zu zagen, daß
es wesentlich Resultat, daß es erst am Ende das
ist, was es in Wahrheit ist […] [O verdadeiro é o
36
todo. Mas o todo é somente a essência que atinge
a completude por meio do seu desenvolvimento.
Deve-se dizer do Absoluto que ele é
essencialmente resultado e que é o que na
verdade é, apenas no fim (PhG, § 20)]
37
Neste plano, o imediato empírico é mediatizado pelo conceito, a
intenção do objeto é formalmente universal, sua expressão se refere
à posição do sujeito como unidade inteligível.
Bewusstsein (consciência):
6
Na tradução francesa de Jean-Pierre Lefebvre elas recebem os seguintes
títulos, a saber: (i) A certeza sensível ou o aqui e o ponto de vista íntimo; (ii)
A percepção, ou a coisa e ilusão; (iii) Força e Entendimento, Fenômeno e
mundo suprassensível; (iv) A verdade da certeza de si-mesmo; (v) Certeza e
verdade da razão; (vi) O Espírito; (vii) A Religião; (viii) O Saber Absoluto.
38
na totalidade (que é a relação de ambos na sensação atual) essa
verdade imediata que pretende.
39
Cap. 3º – O Infinito – A identificação dos opostos implica o
conceito de Infinito, e este, por sua vez, revela, com o Interior dos
objetos, a própria consciência-de-si. E assim se atinge outro patamar
do movimento dialético: a consciência-de-si (p. 44).
IV – Selbstbewusstsein (Consciência-de-si):
40
V – Vernunft (razão):
41
abstrata, da arte viva, enfim, da arte espiritual, em que se distinguem
a epopeia, a tragédia e a comédia.
Metáfora: Hegel não teve como objetivo primeiro tratar da ética como um
transferência do
sentido imediato tema específico da Filosofia. Para ele Filosofia é Sistema que visa à
das palavras para
um sentido
totalidade, ao Absoluto. Entretanto, no percurso da consciência finita
figurado ao Absoluto, surge a necessidade de lidar com o outro. Inicialmente
fechadas em-si, duas consciências travam uma batalha em que uma
7
Os números indicam os parágrafos, conforme a edição-tradução feita por
Paulo Menezes.
42
subjuga e a outra, com medo diante da morte, recua e prefere manter
a vida. Desta luta, uma consciência é a dominadora e a outra,
dominada. Mas o percurso da consciência que toma consciência de si
segue adiante. Num dado momento desse percurso as duas se
reconhecem como iguais, não apenas formalmente, mas de fato,
constituindo aquilo que Hegel denomina o Reino da Eticidade. Esse
imenso périplo, explica Lima Vaz (2002, 107),
É por este motivo que Lima Vaz (ibid., pp. 183-184) afirma que a
dialética do Senhor e do Escravo, ou do Senhorio e da Servidão,
43
Esta dialética entre necessidade e liberdade, afirma Lima Vaz,
continua presente e atuante em nossos dias, pois a relação entre
Senhorio e Servidão ―continuam a inscrever-se como figuras
dramaticamente reais no corpo de uma história impelida pelas
pulsões da necessidade e do desejo.‖ (ibid., p. 184).
O problema da
dialética entre De um lado, acossado pelas necessidades básicas para a
physis e nomos: manutenção da própria vida, muitos abdicam, inclusive, à condição de
reino da
necessidade, reino liberdade. Por outro, existem aqueles poucos que detêm os meios
da liberdade.
para a manutenção das coisas tais quais elas estão e, por isso
mesmo, continuam na condição de Senhorio.
44
necessário expor essa diferença, e o faremos por meio de um artigo
magistral de Luiz Bicca (1997, p. 128):
O texto da dialética
do Senhor e do
[178] – A consciência-de-si é em si e para si quando e porque é Escravo na
Fenomenologia do
em si e para si uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. O Espírito.
conceito dessa unidade em sua duplicação, [ou] da infinitude que se
realiza na consciência-de-si, é um entrelaçamento multilateral e
polissêmico. Assim seus momentos devem, de uma parte, ser
mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença,
devem ser tomados ao mesmo tempo como não-diferentes, ou seja,
8
Seguimos a tradução de Paulo Meneses. Os números iniciais
correspondem aos parágrafos da referida tradução.
45
devem sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação
oposta.
O duplo sentido do diferente reside na [própria] essência da
consciência-de-si: [pois tem a essência] de ser infinita, ou de ser
imediatamente o contrário da determinidade na qual foi posta. O
desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua
duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento.
[179] – Para a consciência-de-si há uma outra consciência-de-si
[ou seja]: ela veio para fora de si. Isso tem dupla significação:
primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra
essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê o
Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro.
[180] – A consciência-de-si tem de suprassumir esse seu-ser-
Outro. Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo: primeiro, deve
proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim
vir-a-se a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a
suprassumir a si mesmo, pois ela mesmo é esse Outro.
[181] – Esse suprassumir de sentido duplo do seu ser-Outro de
duplo sentido é também um retorno, de duplo sentido, a si mesma
mediante esse suprassumir, pois se torna de novo, igual a si mesma
mediante esse suprassumir do seu ser-Outro; segundo, restitui
também a ela mesma a outra consciência-de-si, já que era para si no
Outro. Suprassume esse seu ser no Outro, e deixa o Outro livre, de
novo
[182] – Mas esse movimento da consciência-de-si em relação a
uma outra consciência-de-si se representa, desse modo, como o agir
de uma (delas). Porém esse agir de uma tem o duplo sentido de ser
tanto o seu agir como o agir da outra; pois a outra é também
independente, encerrada em si mesma, nada há nela que não seja
mediante ela mesma.
A primeira consciência-de-si não tem diante de si o objeto como
inicialmente é só para o desejo; o que tem é um objeto independente,
para si essente, sobre o qual portanto nada pode fazer para si, se o
objeto não fizer em si o mesmo que ela ele faz. O movimento é assim,
pura e simplesmente, o duplo movimento das duas consciências-de-
si. Cada uma vê a outra fazer o que ela faz; cada uma faz o que da
outra exige – portanto faz somente enquanto a outra faz o mesmo. o
46
agir unilateral seria inútil; pois, o que deve acontecer, só pode efetuar-
se através de ambas as consciências.
[183] – Por conseguinte, o agir tem duplo sentido, não só
enquanto é agir quer sobre si mesmo, quer sobre o Outro, mas
também enquanto indivisamente é o agir tanto de um quanto de
Outro.
[184] – Vemos repetir-se, nesse movimento, o processo que se
apresentava como jogo de forças; mas [agora] na consciência. O que
naquele [jogo de forças] era para nós, aqui é para os extremos
mesmos. O meio termo é a consciência-de-si que se decompõe nos
extremos; e cada extremo é essa troca de sua determinidade, e
passagem absoluta para o oposto.
Como porém é consciência, cada extremo vem mesmo para
fora de si; todavia ao mesmo tempo, em seu ser-fora-de-si, é retido
em si; é para-si; e seu ser-fora-de-si é para ele. É para ele que
imediatamente é e que é e não é outra consciência; e também que
esse Outro só é para si no ser-para-si do Outro. Cada extremo é para
o Outro o meio termo, mediante o qual é consigo mesmo mediatizado
e concluído; cada um é para si e para o Outro, essência imediata
para si essente; que ao mesmo tempo só é para si através dessa
mediação. Eles se reconhecem como reconhecendo-se
reciprocamente.
[185] – Consideremos agora este puro conceito do
reconhecimento, a duplicação da consciência-de-si em sua unidade,
tal como seu processo se manifesta para a consciência-de-si. Esse
processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade de ambas
[as consciências-de-si] ou o extravasar-se do meio termo nos
extremos, os quais, como extremos, são opostos um ao outro; um
extremo é só o que é reconhecido; o outro, só o que reconhece.
[186] – De início, a consciência-de-si é ser-para-si simples,
igual a si mesma mediante o excluir de todo o outro. Para ela, sua
essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa imediatez ou nesse ser
de seu ser-para-si é [um] singular. O que é Outro para ela, está como
objeto inessencial, marcado com o sinal do negativo. Mas o Outro é
também uma consciência-de-si; um indivíduo se confronta com outro
indivíduo. Surgindo assim imediatamente, os indivíduos são um para
o outro, à maneira de objetos comuns, figuras independentes,
47
consciências imersas no ser da vida – pois o objeto essente aqui se
determinou como vida. São consciências que ainda não levaram a
cabo, um para outra, o movimento da abstração absoluta, que
consiste em extirpar todo ser imediato, para ser apenas o puro ser
negativo da consciência igual-a-si-mesma. Quer dizer: essas
consciências ainda não se apresentaram, uma para a outra, como
puro ser-para-si, ou seja, como consciências-de-si. Sem dúvida, cada
uma está certa de si mesma, mas não da outra; e assim sua própria
certeza de si não tem verdade nenhuma, pois sua verdade só seria
se seu próprio ser-para-si lhe fosse apresentado como objeto
independente ou, o que é o mesmo, o objeto [fosse apresentado]
como essa pura certeza de si mesmo. Mas, de acordo com o
conceito do reconhecimento, isso não é possível a não ser que cada
um leve a cabo essa pura abstração do ser-para-si: ele para o outro,
o outro para ele; cada um de si mesmo, mediante seu próprio agir, e
de novo, mediante o agir do outro.
[187] – Porém a apresentação de si como pura abstração da
consciência-de-si consiste em mostrar-se como pura negação de sua
maneira de ser objetiva, ou em mostrar-se como pura negação de
sua maneira de ser objetiva, ou em mostrar que não está vinculado a
nenhum ser-aí determinado, nem à singulariadade universal do ser-aí
em geral, nem à vida.
Esta apresentação é o agir duplicado: o agir do Outro e o agir
por meio de si mesmo. enquanto agir do Outro, cada um tende, pois,
à morte do Outro. Mas aí está também presente o segundo agir, o
agir por meio de si mesmo, pois aquele agir do Outro inclui o arriscar
a própria vida. Portanto, a relação das duas consciências-de-si é
determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e uma a
outra através de uma luta de vida ou morte.
Devem travar essa luta, porque precisam elevar à verdade, no
Outro e nelas mesmas, sua certeza de ser-para-si. Só mediante o
pôr a vida em risco, a liberdade [se conquista]; e se prova que a
essência da consciência de-si não é o ser, nem o modo imediato
como ela surge, nem o seu submergir-se na expansão da vida; mas
que nada há na consciência-de-si que não seja para ela momento
evanescente; que ela é somente puro ser-para-si. O indivíduo que
não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas
48
não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma
consciência-de-si independente. Assim como arrisca sua vida, cada
um deve igualmente tender à morte do outro; pois para ele o Outro
não vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como
um Outro, está fora dele; deve suprassumir seu ser-fora-de-si. O
Outro é uma consciência essente e de muitos modos enredada; a
consciência-de-si deve intuir seu ser-Outro como puro ser para-si, ou
como negação absoluta.
[188] – Entretanto, essa comprovação por meio da morte
suprassume justamente a verdade que dela deveria resultar, e com
isso também [suprassume] a certeza de si mesmo em geral. Com
efeito, como a vida é a posição natural da consciência, a
independência sem a absoluta negatividade, assim a morte é a
negação natural dessa mesma consciência, a negação sem a
independência, que assim fica privada da significação pretendida do
reconhecimento.
Mediante a morte, sem dúvida, veio-a-ser a certeza de que
ambos arriscavam sua vida e a desprezavam cada um em si e no
Outro; mas essa [certeza] não é para os que travam essa luta.
Suprassumem sua consciência posta nesta essencialidade alheia,
que é o ser aí natural, ou [seja], suprassumem a si mesmos, e vêm-
a-ser suprassumidos como os extremos que querem ser para si.
Desvanece porém com isso igualmente o momento essencial nesse
jogo de trocas: o momento de se decompor em extremos de
determinidades opostas; e o meio termo coincide com uma unidade
morta, que se decompõe em extremos mortos, não opostos, e
apenas essentes. Os dois extremos não se dão nem se recebem de
volta, um ao outro indiferentemente livres, como coisas. Sua
operação é a negação abstrata, não a negação da consciência, que
suprassume de tal modo que guarda e mantém o suprassumido e
com isso sobrevive a seu vir-a-ser-suprassumido.
[189] – Nessa experiência, vem-a-ser para a consciência-de-si.
Na consciência-de-si imediata, o Eu simples é o objeto absoluto; que
no entanto para nós ou em si é a mediação absoluta, e tem por
momento essencial a independência subsistente.
A dissolução daquela unidade simples é o resultado da
primeira experiência; mediante essa experiência se põem um pura
49
consciência-de-si, e uma consciência que não é puramente para si,
mas para um outro, isto é, como consciência essente, ou consciência
na figura da coisidade. São essenciais ambos os momentos; porém
como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não resultou sua
reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras
opostas da consciência: uma, a consciência independente para a
qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente
para a qual a essência é a vida, ou o ser para um Outro. Uma é o
senhor, outra é o escravo.
[190] – O senhor é a consciência para si essente, mas já não é
apenas o conceito dessa consciência, senão uma consciência para si
essente que é mediatizada consigo por meio de uma outra
consciência, a saber, por meio de uma consciência a cuja essência
pertence ser sintetizada como um ser independente, ou com a
coisidade em geral. O senhor se relaciona com estes dois momentos:
com uma coisa como tal, o objeto do desejo, e com a consciência
para a qual a coisidade é o essencial. Portanto, o senhor.
a) como conceito da consciência-de-si é a relação imediata do
ser-para-si; mas,
b) ao mesmo tempo como mediação, ou como um ser-para-si
que só é para si mediante um Outro, se relaciona
a’) imediatamente como os dois momentos; e
b’) imediatamente, como cada um por meio do outro.
O senhor se relaciona mediatamente com o escravo por meio
do ser independente, pois justamente ali o escravo está retido; essa
é a sua cadeia, da qual não podia abstrair-se na luta, e por isso se
mostrou dependente, pois justamente ali o escravo está retido; essa
é a sua cadeia, da qual não podia abstrair-se na luta, e por isso se
mostrou dependente, por ter sua independência na coisidade. O
senhor, porém, é a potencia sobre esse ser, pois mostrou na luta que
tal ser só vale para ele como um negativo. O senhor é a potência que
está por cima desse ser; ora, esse ser é a potência que está sobre o
Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo de si: é este o
silogismo [da dominação].
O senhor também se relaciona mediatamente por meio do
escravo com a coisa; o escravo, enquanto consciência-de-si em
geral, se relaciona também negativamente com a coisa, e a
50
suprassume. Porém, ao mesmo tempo, a coisa é independente para
ele, que não pode portanto, através o seu negar, acabar com ela até
a aniquilação; ou seja, o escravo somente a trabalha. Ao contrário,
para o senhor, através dessa mediação, a relação imediata vem-a-
ser como a pura negação da coisa, ou como gozo – o qual lhe
consegue o que o desejo não conseguia: acabar com a coisa, e
aquietar-se no gozo. O desejo não o conseguia por causa da
independência da coisa; mas o senhor introduziu o escravo entre ele
e a coisa, e assim se conclui somente com a dependência da coisa, e
puramente a goza; enquanto o lado da independência deixa-o ao
escravo, que a trabalha.
[191] – Nesses dois momentos vem-a-ser para o senhor o seu
Ser-reconhecido mediante uma outra consciência [a do escravo].
Com efeito, essa se põe como inessencial em ambos os momentos;
uma vez na elaboração da coisa, e outra vez, na dependência para
com um determinado ser-aí; dois momentos em que não pode
assenhorar-se do ser, nem alcançar a negação absoluta. Portanto,
está aqui presente o momento do reconhecimento no qual a outra
consciência se suprassume como ser-para-si, e assim faz o mesmo
que a primeira faz em relação a ela. Também está presente o outro
momento, em que o agir da segunda consciência é o próprio agir da
primeira, pois o que o escravo faz é justamente o agir do senhor,
para o qual somente é o ser-para-si, a essência: ele é a pura
potência negativa para a qual a coisa é nada, e é também o puro agir
essencial nessa relação. O agir do escravo não é um agir puro, mas
um agir inessencial.
Mas, para o reconhecimento propriamente dito, falta o
momento em que o senhor opera sobre o outro o que o outro opera
sobre si mesmo; e o escravo faz sobre si o que também faz sobre o
Outro. Portanto, o que se efetuou foi um reconhecimento unilateral e
desigual.
[192] – A consciência inessencial é, nesse reconhecimento,
para o senhor o objeto que constitui a verdade da certeza de si
mesmo. claro que esse objeto não corresponde ao seu conceito; é
claro, ao contrário, que ali onde o senhor se realizou plenamente,
tornou-se para ele algo totalmente diverso de uma consciência
51
independente; para ele, não é uma tal consciência, mas uma
consciência dependente.
Assim, o senhor não está certo do ser-para-si como verdade;
mas sua verdade é de fato a consciência inessencial e o agir
inessencial dessa consciência.
[193] – A verdade da consciência independente é por
conseguinte a consciência escrava. Sem dúvida, esta aparece de
início fora de si, e não como a verdade da consciência-de-si. Mas,
como a dominação mostrava ser em sua essência o inverso do que
pretendia ser, assim também a escravidão, ao realizar-se
cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário do que é
imediatamente; entrará em si como consciência recalcada sobre si
mesma e se converterá em verdadeira independência.
[194] – Vimos somente o que a escravidão é no
comportamento da dominação. Mas a consciência escrava é
consciência-de-si, e importa considerar agora o que é em si e para si
mesma. Primeiro, para a consciência escrava, o senhor é a essência;
portanto, a consciência independente para si essente é para ela a
verdade; contudo para ela [a verdade] ainda não está nela, muito
embora tenha de fato nela mesma essa verdade da pura
negatividade e do ser-para-si; pois experimentou nela essa essência.
Essa consciência sentiu a angústia, não por isto ou aquilo, não por
este ou aquele instante, mas sim através de sua essência toda, pois
sentiu o medo da morte, do senhor absoluto. Aí se dissolveu
interiormente; em si mesma tremeu em sua totalidade; e tudo que
havia de fixo, nela vacilou.
Entretanto, esse movimento universal puro, o fluidificar-se
absoluto de todo o subsistir, é a essência simples da consciência-de-
si, a negatividade absoluta, o puro ser-para-si, que assim é nessa
consciência. É também para ela esse momento do puro ser-para-si,
pois é seu objeto no senhor. Alias, aquela consciência não é só essa
universal dissolução em geral, mas ela se implementa efetivamente
no servir. Servindo, suprassume em todos os momentos sua
aderência ao ser-aí natural; e, trabalhando, o elimina.
[195] – Mas o sentimento da potência absoluta em geral, e em
particular o do serviço, é apenas a dissolução em si; e embora o
temor do senhor seja, sem dúvida, o início da sabedoria, a
52
consciência aí é para ela mesma, mas não é o ser-para-si; porém
encontra-se a si mesma por meio do trabalho. No momento que
corresponde ao desejo na consciência do senhor, parecia caber à
consciência escrava o lado da relação inessencial para com a coisa,
porquanto ali a coisa mantém sua independência. O desejo se
reservou o puro negar do objeto e por isso o sentimento-de-si-
mesmo, sem mescla. Mas essa satisfação é pelo mesmo motivo,
apenas um evanescente, já que lhe falta o lado objetivo ou o
subsistir. O trabalho, ao contrário, é desejo refreado, um desvanecer
contido, ou seja, o trabalho forma. A relação negativa para com o
objeto torna-se a forma do mesmo e algo permanece, porque
justamente o objeto tem independência para o trabalhador. Esse
meio-termo negativo ou agir formativo é, ao mesmo tempo, a
singularidade, ou o puro ser-para-si da consciência, que agora no
trabalho se transfere para fora de si no elemento do permanecer; a
consciência trabalhadora, portanto, chega assim à intuição do ser
independente, como [intuição] de si mesma.
[196] – No entanto, o formar não tem só este significado
positivo, segundo o qual a consciência escrava se torna para si um
essente como puro ser-para-si. Tem igualmente um significado
negativo frente a seu primeiro momento, o medo. Com efeito: no
formar da coisa, torna-se objeto para o escravo sua própria
negatividade, seu ser-para-si, somente porque ele suprassume a
forma essente oposta. Mas esse negativo objetivo é justamente a
essência alheia ante a qual ele tinha tremido. Agora, porém, o
escravo destrói esse negativo alheio, e se põe, como tal negativo, no
elemento do permanecer: e assim se torna, para si mesmo, um para-
si-essente.
No senhor, o ser-para-si é para o escravo um Outro, ou seja, é
somente para ele. No medo, o ser-para-si está nele mesmo. No
formar, o ser-para-si ser torna para ele como o seu próprio, e assim
chega à consciência de ser ele mesmo em si e para si.
A forma não se torna um outro que a consciência pelo fato de
se ter exteriorizado, pois justamente essa forma é seu puro ser-para-
si, que nessa exteriorização vem-a-ser sua verdade. Assim,
precisamente no trabalho, onde parecia ser apenas um sentido
53
alheio, a consciência, mediante esse reencontrar-se de si e por si
mesma, vem-a-ser sentido próprio.
Para que haja tal reflexão são necessários os dois momentos;
do momento do medo e do serviço em geral, e também o momento
do formar; e ambos ao mesmo tempo de uma maneira universal.
Sem a disciplina do serviço e da obediência, o medo fica no formal, e
não se estende sobre toda a efetividade consciente do ser-aí. Sem o
formar, permanece o medo como interior e mudo, e a consciência
não vem-a-ser para ela mesma. Se a consciência se formar sem
esse medo absoluto primordial, então será apenas um sentido
próprio vazio; pois sua forma ou negatividade não é a negatividade
em si, e seu formar, portanto, não lhe pode dar a consciência de si
como essência.
Se não suportou o medo absoluto, mas somente alguma
angústia, a essência negativa ficou sendo para ela algo exterior: sua
subst6ancia não foi integralmente contaminada por ela. Enquanto
todos os conteúdos de sua consciência natural não forem abalados,
essa consciência pertence ainda, em si, ao ser determinado. O
sentido próprio é obstinação [eigne Sinn = Eigensinn], uma liberdade
que ainda permanece no interior da escravidão. Como nesse caso a
pura forma não pode tornar-se essência, assim também essa forma,
considerada como expansão para além do singular, não pode ser um
formal universal, conceito absoluto; mas apenas uma habilidade que
domina uma certa coisa, mas não domina a potência universal e a
Leia atentamente este essência objetiva em sua totalidade.
Texto da
Enciclopédia, § 81, e
observe a relação que HEGEL, G. W. F. A – independência e dependência da
Hegel tece entre
physis e nomos, consciência-de-si: dominação e escravidão. Disponível em: <
discutindo no item
anterior, na
http://br.geocities.com/jacqueslacan19011981/textos2/hegeldominaca
introdução ao texto da oeescravidao.htm >. Acesso em 02.03.2009.
metáfora do Senhorio
e da Servidão.
54
[§81] – Tudo o que nos rodeia pode ser considerado como um
exemplo do dialético. Sabemos que todo o finito, em lugar de ser algo
firme e ultimo, é antes variável e passageiro; e não é por outra coisa
senão pela dialética do finito que ele, enquanto é em si o Outro de si
mesmo, é levado também para alem do que ele é imediatamente, e
converte-se em seu oposto. Se foi dito antes (§ 80) que o
entendimento podia ser considerado como o que está contido na
representação da bondade de Deus, assim há que notar agora [a
respeito] da dialética, tomada no mesmo sentido (objetivo), que seu
princípio corresponde à representação da potência de Deus. Dizemos
que todas as coisas (isto é, todo o finito enquanto tal) vão a juízo, e
temos nisso a intuição da dialética como da potência universal
irresistível diante da qual nada pode resistir – por seguro e firme que
se possa julgar. Como essa determinação sem dúvida não está ainda
esgotada a profundeza da essência divina – o conceito de Deus –;
mas ela forma, na certa, um momento essencial em toda a
consciência religiosa. O adágio, summum
jus, summa injuria,
Além do mais, a dialética se faz vigente em todas as esferas e retirado de Cícero
(Off, 1, 10, 33),
formações do mundo natural e do mundo espiritual. Assim, por significa: ―Suprema
exemplo, no movimento dos corpos celestes. Um planeta está agora justiça, suprema
injustiça‖. Quer
nesta posição, porém é em si [por natureza] estar também em outra dizer: levar a
justiça a seu
posição; e, movendo-se, leva à existência esse seu ser-Outro. Do extremo pode
mesmo modo, os elementos físicos se mostram como dialéticos, e o resultar em
injustiça. O
processo metereológico é a aparição de sua dialética. É o mesmo imperador
Fernando I, da
princípio que forma a base de todos os outros processo naturais; e Hungria, teria
pelo qual, ao mesmo tempo, a natureza é impelida para alem de si levado ao extremo
quando afirmou:
mesma. No que toca à presença da dialética no mundo do espírito, e Fiat justicia et
pereat mundus
mais precisamente no âmbito do jurídico e do ético, basta recordar
(faça-se a justiça e
aqui como, em virtude da experiência universal, o extremo de um pereça o mundo).
Esta mesma frase
estado ou de um agir costuma converter-se em seu contrário; [uma] foi modificada por
Hegel: Fiat justicia
dialética que com freqüência encontra seu reconhecimento nos
ne pereat mundus
adágios. Diz-se, por exemplo: summum jus, summa injuria; pelo que (faça-se a justiça
para que o mundo
se exprime que o direito abstrato, levado a seu extremo, se converte não pereça).
em agravo. Igualmente é bem conhecido como, no [campo] político,
os extremos da anarquia e do despotismo costumam suscitar-se
mutuamente, um ao outro. A consciência da dialética no âmbito da
ética, em sua figura individual, encontramos nesse adágio bem
55
conhecido por todos: ―O orgulho precede a queda‖; ―Lâmina demais
fica cega‖, etc.
(Texto extraído da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (§ 81,
Adendo, 1995, p. 165)
56
[28] – A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado
inculto até ao saber, devia ser entendida em seu sentido universal, e
tinha de considerar o indivíduo universal, o espírito consciente-de-si
na sua formação cultural. No que toca à relação entre os dois
indivíduos, cada momento no indivíduo universal se mostra conforme
o modo como obtém sua forma concreta e sua configuração própria.
O indivíduo particular é o espírito incompleto, uma figura concreta:
uma só determinidade predomina em todo o seu ser-aí, enquanto
outras determinidades ali só ocorrem como traços rasurados. No
espírito que está mais alto que um outro, o ser-aí concreto inferior
está rebaixado a um momento invisível: o que era antes a Coisa
mesma, agora é um traço apenas: sua figura está velada, tornou-se
um simples sombreado. O indivíduo, cuja substância é o espírito
situado no mais alto, percorre esse passado da mesma maneira
como quem se apresta a adquirir uma ciência superior, percorre os
conhecimentos-preparatórios que há muito tem dentro de si, para
fazer seu conteúdo presente; evoca de novo sua rememoração, sem
no entanto ter ali seu interesse ou demorar-se neles. O singular deve
também percorrer os degraus-de-formação-cultural do espírito
universal, conforme seu conteúdo; porém, como figuras já
depositadas pelo espírito, como plataformas de um caminho já
preparado e aplainado. Desse modo, vemos conhecimentos, que em
antigas épocas ocupavam o espírito maduro dos homens, serem
rebaixados a exercícios — ou mesmo a jogos de meninos; assim
pode reconhecer-se no progresso pedagógico, copiada como em
silhuetas, a história do espírito do mundo. Esse ser-aí passado é
propriedade já adquirida do espírito universal e, aparecendo-lhe
assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme
esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do
indivíduo consiste em adquirir o que lhe é apresentado, consumindo
em si mesmo sua natureza inorgânica e apropriando-se dela. Vista
porém do ângulo do espírito universal, enquanto é a substância, a
formação cultural consiste apenas em que essa substância se dá a
sua consciência-de-si, e em si produz seu vir-a-ser e sua reflexão.
57
[29] – A ciência apresenta esse movimento de formação
cultural em sua atualização e necessidade, como também apresenta
em sua configuração o que já desceu ao nível de momento e
propriedade do espírito. A meta final desse movimento é a intuição
espiritual do que é o saber. A impaciência exige o impossível, ou
seja, a obtenção do fim sem os meios. De um lado, há que suportar
as longas distâncias desse caminho, porque cada momento é
necessário. De outro lado, há que demorar-se em cada momento,
pois cada um deles é uma figura individual completa, e assim cada
momento só é considerado absolutamente enquanto sua
determinidade for vista como todo ou concreto, ou o todo [for visto]
na peculiaridade dessa determinação. A substância do indivíduo, o
próprio espírito do mundo, teve a paciência de percorrer essas
formas na longa extensão do tempo e de empreender o gigantesco
trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na
medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem
poderia o espírito do mundo com menor trabalho obter a consciência
sobre si mesmo. E por isso que o indivíduo, pela natureza da Coisa,
não pode apreender sua substância com menos esforço. Todavia, ao
mesmo tempo tem fadiga menor, porque a tarefa em si já está
cumprida, o conteúdo é a efetividade reduzida à possibilidade. Foi
subjugada a imedia tez, a configuração foi reduzida à sua
abreviatura, à simples determinação-de-pensamento. Sendo já um
pensado, o conteúdo é propriedade da substância; já não é o ser-aí
na forma do ser-em-si, porém é somente o que — não sendo mais
simplesmente o originário nem o imerso no ser-aí, mas o Em-si
rememorado — deve ser convertido na forma do ser-para-si. Convém
examinar mais de perto a natureza desse agir.
[30] – O que nesse movimento é poupado ao indivíduo é o
suprassumir do ser-aí; mas o que ainda falta é a representação e o
modo-de-conhecer com as formas, O ser-aí, recuperado na
substância, é, através dessa primeira negação, apenas transferido
imediatamente ao elemento do Si; assim, tem ainda o mesmo caráter
da imediatez não - conceitual, ou da indiferença imóvel que o ser-aí-
mesmo: ou seja, ele apenas passou para a representação. Ao
mesmo tempo, o ser-aí se tomou por isso um bem-conhecido; um
desses [objetos] com que o espírito aí-essente já acertou as contas,
58
e no qual portanto já não aplica sua atividade e com isso seu
interesse. A atividade, já quite com o ser-aí, é só movimento do
espírito particular que não se concebe a si mesmo; mas o saber, ao
contrário, está dirigido contra a representação assim constituída,
contra esse ser-bem-conhecido; o saber é o agir do Si universal, e o
interesse do pensar.
BIBLIOGRAFIAS
_____. Confessionum:
http://www.augustinus.it/latino/confessioni/index.htm
9
Este livro, organizado pelo autor, que também traduziu os textos ai
constantes, acompanhados de rico comentário, é uma preciosidade, pois
constam vários escritos ―menores‖ do período de Kant a Hegel, conhecido
como Idealismo alemão.
59
COPLESTON, Frederick. História de la Filosofia: de Fichte a
Nietzsche. 4 ed. Barcelona: Ariel, 2001.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000058.pdf
http://www.lusosofia.net/textos/hegel_prefacio_linhas_filosofia_direito.
pdf
http://www.uruguaypiensa.org.uy/imgnoticias/747.pdf
60
_____. Lineamenti di Filosofia del Dirito. Edição do texto alemão,
introdução, tradução, nota e aparato de Vincenzo Cícero. Milano:
Rusconi, 1996.
61
PLATÃO. Banquete:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000048.pdf
http://www.hs-
augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost17/Spinoza/spi_eth0.html
62
SOLOVINE, Maurice. Albert Einstein: letters to Solovine. New York:
Philosophical Library, 1987.
WEBIBLIOGRAFIA
www.dominiopublico.gov.br
http://www.hs-augsburg.de/~harsch/augustana.html#gr
http://www6.ufrgs.br/idea/
http://portal.filosofia.pro.br/
http://www.augustinus.it/
http://www.cervantesvirtual.com/
http://www.lusosofia.net/
http://educacao.uol.com.br/
http://www.hegelbrasil.org/
http://www.anpof.org.br/
http://www.scielo.br/
http://www.mikrosapoplous.gr/en/texts1en.html
http://www.archive.org/index.php
http://www.uruguaypiensa.org.uy/index_1.html
63
Atividades e exercícios
64
65
UNIDADE 2. A Ontologia existencial de Heidegger................ 67
CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................... 67
2.1. Fenomenologia: visão geral.............................................. 82
2.2.Husserl................................................................................. 83
2.2.4. O Método fenomenológico de Husserl............................... 85
2.2.5. Heidegger........................................................................... 88
2.2.6. Introdução à segunda fase do pensamento 90
heideggeriano.....................................................................
2.2.1.3. Heidegger e a aniquilação da coisa................................ 90
2.2.1.4. O Ser no segundo Heidegger.......................................... 94
2.2.5. A ontologia existencial de Heidegger................................. 96
66
Contextualização
10
Divisão elaborada por Christian Wolff.
67
filósofos primordiais foram designados, pela tradição físicos. A physis
recebeu nomes diferentes: Tales afirma que é a água; Anaxímenes
diz ser o ar; Anaximandro, o indefinido, o apeiron; Pitágoras, os
números; Empédocles, os quatro elementos. Heráclito afirma que a
arché é de natureza ígnea, o fogo, que representa o devir, a
transformação; Parmênides, diz o Ser; Zenão afirma que o
movimento não pode ser pensado sem contradições.
Platão: ser como ousía Com uma nítida influência de Parmênides surge na Grécia
(idéia ou forma) clássica Platão. Com ele, a definição de ser sofre mudanças
consideráveis: Platão vai inquirir sobre o que há de imutável e
Aristóteles: os
diferentes sentidos do verdadeiro no ser, a ousía (idéia ou forma); aquilo que há de
ser referem-se à forma
primária do ser. universal e é susceptível de definição. O ser é o gênero supremo de
que todas as idéias participam, embora elas mesmas sejam distintas
dele. Platão vai lidar com o discurso ontológico; isto é, aquele que
procura o Logos para definir as coisas. Assim, o Logos platônico é
unidade sintética, isto é, aquilo que define a essência dos objetos.
Neste sentido, as idéias constituem as essências das coisas do
mundo sensível, onde neste não reside a verdade, mas apenas
sombra do mundo inteligível, aquele das idéias. Assim, a Ontologia
clássica tem início com Platão, através da sua teoria das Formas ou
das idéias. Desta maneira, para Platão, aquilo que se convencionou
designar sob o conceito Ontologia deve ser entendida como a
doutrina sobre a natureza última e essencial da realidade.
68
mesmo modo destas. Assim, portanto, também o ser
se diz em muitos sentidos, mas todos em referência
11
a um único princípio.
11
Metafísica, III, 1003 a 33 ss.
69
Embora partindo de um novo enfoque; a subjetividade, a
metafísica atinge ao seu apogeu. Ela tem como representantes disso
O pensamento o sistema de Descartes, Spinoza a de Leibniz.
kantiano; transição
da modernidade
para a Em contrapartida, se com os racionalistas da Idade Moderna
contemporaneidade.
a metafísica atinge o seu ápice, com os empiristas viu-se um
Algo é possível questionar, paulatino, dos seus fundamentos. Neste sentido, tem-se a
quando não implica
contradição. filosofia de Locke, Berkeley e Hume.
Kant: pergunta
avançam, consolidam-se; em contrapartida, a metafísica não
pelas condições alcançou a via segura da ciência, isto é, a verdade, a universalidade e
de possibilidade
do conhecimento a necessidade; e é isto, justamente, o que Kant vai buscar.
12
KANT, Crítica da razão pura, p. 53.
71
síntese desses dados os quais são obtidos através da faculdade da
sensibilidade e das suas formas puras de espaço e tempo.
73
instância a qual vai auxiliar, inicialmente, a solução da possibilidade
Ética e, com isto, fornecer uma solução para o a priori.
13
Mario PORTA, A filosofia a partir de seus problemas, p.162.
74
construir uma teoria que possa fornecer a explicação para o homem
e a natureza; para toda a realidade de forma completa.
Ontologia de
Como representantes da fenomenologia pode-se citar Husserl Heidegger:
e Heidegger. Este adota o método fenomenológico husserliano em procura as
origens que
seu livro Ser e Tempo. Ele tem uma profunda influência hegeliana e possibilitam as
várias maneiras
kantiana. de algo tornar-se
manifesto.
75
reflexão sobre o tempo, embora o tenha considerado como fenômeno
e não como o em-si-mesmo.
76
movimento como reação à filosofia idealista e especulativa que
prevalecia nas universidades. Seu pensamento é aquele que procura
na verificabilidade o valor de verdade último de suas proposições,
auxiliado pelas regras da lógica e dos procedimentos matemáticos. O
Círculo de Viena foi formado por Philipp Frank (1884-1966), Otto
Neurath (1882-1945) e Hans Hahn, Moritz Schilick e Rudolf Carnap;
influenciados por Ernst Mach (1838-1916), a lógica de Russell,
Whitehead, Peano, Frege e Einstein. No entanto, foi a filosofia do
jovem Wittgenstein, mais especificamente, o Tractatus Logico-
Phylosophicus, que teve uma maior ingerência junto a esses filósofos
proporcionando, assim, um alcance filosófico pertinente à
compreensão da nova lógica.
78
Em Ontological Relativity é afirmado que os temas
recorrentes na filosofia são: (i) conhecimento; (ii) mente e (iii)
significado, onde estes partem do mesmo mundo e devem ser
estudados com o mesmo espírito empírico que anima a ciência
natural. Por este motivo, não há espaço para uma filosofia primeira
anterior às ciências como fundamentação e justificação dos seus
saberes, porquanto a filosofia não tem um objeto próprio nem um
método de investigação autônomo. A filosofia constitui uma parte
Filosofia da
integrante da ciência, tanto pelos seus métodos quanto pelos seus
linguagem de
interesses e conteúdo; o filósofo não tem uma perspectiva Frege: princípios
ilustrativos do
privilegiada. Ele tem a possibilidade de estudar e revisar o aparato modo como os
conceitual da ciência e do sentido comum. homens devem
raciocinar para
que os seus
argumentos
O último Wittgenstein e Quine conseguiram romper com o sejam válidos.
dualismo; o modo fregeano de pensamento que dominou o Tractatus
Logico-Philosophicus e o início da filosofia analítica.
79
estrutura da linguagem, de alguma forma, reflete a estrutura do
mundo. Assim, o tema central do Tractatus é a linguagem e os seus
limites, isto ocorre, porquanto o jovem Wittgenstein acredita que os
problemas da filosofia resultavam de um uso imperfeito da linguagem
habitual; aspecto que levava a frequentes equívocos. Portanto, ter-
se-iam que, por este motivo, estabelecer limites para o uso da
linguagem. Para tanto, a linguagem teria que descrever a realidade,
onde a lógica determinaria a sua estrutura e seria um espelho cuja
imagem é o mundo. Com isto, saber-se-iam, estudando os elementos
que compõem a linguagem lógica perfeita, quais são aqueles que
compõem a realidade e vice-versa. A linguagem é o espelho do
mundo, o que se reflete na sua natureza. É por esta razão que a
realidade só pode ser compreendida através da linguagem e o
conhecimento consiste na análise da linguagem. Assim, a linguagem
com sentido não é mais do que um conjunto de proposições que
descrevem algum estado de coisas possível e o seu sentido é
susceptível de ser verificado (idéia que irá ser explorada pelo Círculo
de Viena). Portanto, a linguagem seria a totalidade das proposições;
o pensamento e linguagem são uma e a mesma coisa; o pensamento
é constituído de proposições complexas que ligam entre si nomes,
signos simples dos objetos. As expressões que não descrevem
nenhum estado de coisas possível não têm sentido, pois não figuram
nada e é por este motivo que a filosofia nada poderia dizer acerca do
mundo, pois não é uma ciência nem uma forma de conhecimento;
ela seria, somente, uma atividade de análise da linguagem que
consistia em clarificar o pensamento.
80
exclusivamente determinável- e este é o ponto
14
central da tese de Quine.
14
Paulo GHIRALDELLI, Introdução à filosofia, p.134.
15
Karl-Otto APEL, Transformação da filosofia, p. 9.
81
filosofia e, então, ele coloca a questão kantiana das condições de
possibilidade e validade de sentido em um novo fundamento. Apel
assegura a possibilidade de uma fundamentação última tanto para a
filosofia teórica quanto prática que não resida nem na ciência
empírica nem na metafísica ontológica tradicional, porém que tenha
como origem algo transcendental e responda à questão sobre as
condições de possibilidades e de validade das convenções.
2.2. Husserl
83
Fenomenologia com o intento de que a filosofia tivesse a
fundamentação de uma ciência rigorosa; objetivava dar rigor ao
raciocínio filosófico em relação às coisas do mundo real. Husserl
intentava evitar que a verdade filosófica fosse provisória. Para tanto,
ela deveria referir-se às coisas como se apresentam na experiência
de consciência, estudadas em seus eidos (essências), despojadas
das contingências do mundo empírico objeto da ciência.
84
2.2.1 O Método fenomenológico de Husserl
85
consciência, desconsiderar o mundo real, colocá-lo entre parênteses,
reduzi-lo para alcançar seu objeto próprio, o eidos. Assim, quando se
suspende todo e qualquer juízo, isto é denominado de Epoché;
colocar entre parênteses, em suspensão, certos elementos do dado.
86
A consciência é caracterizada pela intencionalidade; ela é
sempre a consciência de alguma coisa. Essa intencionalidade é a
essência da consciência e é representada pelo significado; o nome
pelo qual a consciência se dirige a cada objeto. A consciência não é
um sujeito real; onde seus atos são relações intencionais e o objeto é
um ser dado a este sujeito lógico. Portanto, só existe consciência de
alguma coisa, isto é, só existe um sujeito para o objeto e vice-versa.
87
sujeito, que então não se vê como um ser empírico, mas como
consciência pura, transcendental, geradora de todo significado.
2.2.2 Heidegger17
17
Estudar termos heideggerianos: http://www.heideggeriana.com.ar
88
se sustentava um diálogo durante um semestre
inteiro, até não ser mais uma doutrina milenar,
mas apenas uma problemática altamente
contemporânea. (...) A novidade simplesmente
dizia: o pensamento tornou a ser vivo, ele faz com
que falem tesouros culturais do passado
considerados mortos e eis que eles propõem
coisas totalmente diferentes do que
desconfiadamente se julgava. Há um mestre;
18
talvez se possa aprender a pensar.
18
Hannah ARENDT. Martin Heidegger faz oitenta anos. IN: Homens em
tempos sombrios. tradução Denise Bottmann. São Paulo, Companhia das
Letras, 1987, p.231.
19
Estudar Introdução de Ser e
Tempo.http://www.heideggeriana.com.ar/textos/tiempo_y_ser.htm
89
1° Heidegger de Ser e Tempo - aborda a questão do sentido
do Ser tomando como referência o único ente que é capaz de
investigar: o ser humano, que ele chama de ser-aí. Partindo disto,
autoconstituição; a
invenção de si, a
imposição de si 2.2.3.1. Heidegger e a aniquilação da coisa
como poder de si
mesmo.
Para Heidegger a ciência moderna aniquilou a coisa.
A coisidade da coisa, desta forma, vem sendo aniquilada,
permanecendo esquecida. Assim, ficou oculto o sentido e a verdade
20
Zeljko LOPARIC, Breve nota sobre Heidegger como leitor de Jünger. IN:
Natureza Humana 4(1): 217-220, jan.-jun. 2002
90
do ser dos entes. Então, a coisidade da coisa não chega a ser
mostrada nem a ser falada.
91
O que permanece na filosofia de Heidegger é o a priori no
sentido de que o homem é o fundamento existencial – ontológico das
descobertas do ente enquanto ente e de todas as suas determinações
ônticas. Neste sentido, o lugar do juízo passa a ser ocupado pelo
mundo vivido e concreto. No entanto, o abandono, na segunda fase
do pensamento heideggeriano, da analítica existencial da pre-sença
significa que ele percebeu que através da analítica dos modos da pre-
sença, em tempos contemporâneos, não se pode dar conta da
questão do ser. Portanto, Heidegger opera um giro em seu
pensamento: a noção de linguagem eleva-se de um sentido cotidiano
(o de discurso) para se tornar um lugar privilegiado de manifestação
do ser, isto é, passa-se da pergunta pelo sentido do ser para aquela
da verdade do ser.
92
Neste sentido, o mundo é um agitado jogo de espelhos destes
quatro itens (terra, céu, deuses e mortais) e desta forma, Heidegger
não trata de presentidade, mas de coisas. Assim, os quatro elementos
pertencem uns aos outros unificados. Só desta forma, pode-se falar
no ser coisa da coisa.
21
Peço que estudem sobre a relação entre a téchne e a técnica no seguinte
artigo: Zeljko LOPARIC, Heidegger e a pergunta pela técnica.
www.interleft.com.br/loparic/zeljko/pdfs/PerguntaTecnica.pdf
93
assim, um vazio; um abandono do ser, Heidegger, então, propõe a
poesia como um caminho para o retorno à experiência original do
pensamento.
94
A primeira relação para com a linguagem (que é
a de ouvir antes de falar, o dizer silencioso do ser
– condição de possibilidade para todo o falar
humano) é obtida pelo pensador e pelo poeta, que,
assumindo-se, captam a dimensão de seu existir-
no-mundo. Esta, inacessível aos homens que não
estão prontos a ouvir o apelo do ser. (...) A missão
do homem no mundo é a de, ouvindo o apelo do
ser, torná-lo palavra, no ato mesmo de fazer
22
nascer o mundo e as coisas.
22
Thaís Curi BEAINI, À escuta do Silêncio: um estudo sobre a linguagem no
pensamento de Heidegger. São Paulo, Cortes/Autores Associados, 1981.
23
Peço que estudem a relação entre Heidegger e a poesia no seguinte
artigo: Benedito NUNES, Heidegger e a poesia. Natureza Humana 2(1):103-
127, 2000.
95
assim, celebrar a natureza como os bosques, as aves, o céu, os
homens e deus.
24
Benedito NUNES, Heidegger & Ser e Tempo, p. 9.
96
Husserl. Sendo assim, a questão central de Ser e Tempo é sobre a
pergunta referente ao sentido do ser do homem. Portanto, o que
Heidegger vai inaugurar é uma nova filosofia que tem como método a
fenomenologia e como conteúdo a Ontologia. Em outras palavras,
Heidegger vai buscar as coisas em si mesmas, tentando encontrar o
sentido do ser.
25
HEIDEGGER, Ser e tempo, p. 56.
97
não se entende por que deva constituir o último e
26
lema de uma pesquisa.
26
Ibidem, p. 57.
27
Ibidem,p.63.
28
Ibidem, p. 56.
98
diferença irredutível e a referência necessária
entre o ente e seu ser, designada diferença
ontológica, contribuição essencial da filosofia
29
heideggeriana para o pensamento ocidental.
29
Sônia Platon TEIXEIRA. A noção do habitar na ontologia de
Heidegger:mundanidade e quadratura. Universidade Federal da Bahia,
dissertação de mestrado,Salvador, 2006.
30
HEIDEGGER, Ser e tempo, p. 28.
99
isso, indica-se o conceito formal de existência. A
pre-sença existe. Ademais, a pre-sença é o ente
que sempre eu mesmo sou. Ser sempre minha
pertence à existência da pre-sença como condição
que possibilita propriedade e impropriedade. A
pre-sença existe sempre num destes modos,
31
mesmo numa indiferença para com eles.
31
Ibidem, p. 90.
100
passado no modo de seu ser (...) ela sempre acontece
a partir de seu futuro (...) ela nasceu e cresceu dentro
de uma interpretação de si mesma, herdada da
tradição. (...) Essa compreensão lhe abre e regula as
possibilidades do seu ser. Seu próprio passado, e isto
diz sempre o passado de sua ―geração‖, não segue
mas precede a pre-sença antecipando-lhes os
32
passos
E Heidegger afirma:
32
Ibidem, p. 48.
33
Ibidem, p. 77.
101
através dele o homem tem acesso ao seu sentido e ao sentido dos
outros entes e estes só vêm através da linguagem. Esta é logos, é
discurso que tem o caráter de fala. Ela é Alétheia (verdade enquanto
velamento e desvelamento do ser)
34
Ibidem, p. 247.
102
com que a angústia se angustia é o ser-no-mundo
35
como tal.
35
Ibidem, p. 250.
36
Ibidem, p. 252.
103
Conforme o acima citado, a angústia é a própria possibilidade
que a pre-sença tem, designada por Heidegger, como a disposição
fundamental de nossa existência que manifesta o nada. A pre-sença
se angustia pelo simples estar no mundo. A angústia nem sempre
vem acompanhada de um objeto exterior que a estimule. Às vezes,
somente o nada é fonte da angústia. Neste sentido, o nada
heideggeriano é um nada originário e fundamental que está na origem
de nossa angústia. Esse nada determina a angústia; o nada não é
algo determinado, no entanto ele não é a negação, mas a partir dele
negamos ou rompemos com algo que nos incomoda, porquanto é
somente quando o sentimos, é que irrompe a capacidade de negar.
Quanto ao transcendentalismo:
37
André MARTINS. A função da linguagem e o estatuto da filosofia
segundo Wittgenstein e Heidegger. Artigo apresentado no VIII Encontro
Nacional da Anpof, realizado em Caxambú, MG, de 26 a 29 de setembro de
1998. Publicado na Revista Ethica, v.5, n.2. Rio de Janeiro: Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Gama Filho, 1998. p. 41-58.
105
BIBLIOGRAFIA
106
HEIDEGGER, Martin.. Ensaios e Conferencias. Petrópolis: Ed.
Vozes, 2006.
107
MORENTE, Manoel Garcia. Fundamentos de Filosofia: lições
preliminares. São Paulo: Mestre Jou,1980.
108
WERLE, Marco Aurélio. Poesia e pensamento em Hölderlin e
Heidegger. São Paulo: ed unesp, 2005.
Webbibliografia:
http://www.heideggeriana.com.ar
www.dominiopublico.gov.br
http://www.ebookcult.com.br/
http://www.consciencia.org/heideggerisabel.shtml
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/
http://www.filoinfo.bem-
vindo.net/filosofia/modules/articles/article.php?id=12
www.interleft.com.br/loparic/zeljko/pdfs/PerguntaTecnica.pdf
http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/nh/v2n1/v2n1a04.pdf.
http://revistaseletronicas.pucrs.br/fale/ojs/index.php/veritas/article/view
/4301/3224
109
Atividades e exercícios
6.Estude:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/fale/ojs/index.php/veritas/arti
cle/view/4301/3224
110
111
UNIDADE 3. Os problemas da metafísica contemporânea.... 113
3. Visão Geral ............................................................................ 113
3.1. Lógica Transcendental kantiana. ......................................... 114
3.2. Filosofia transcendental e filosofia analítica ........................ 116
1.6.3. Wittgenstein: Visão geral e o Tractatus .......................... 122
3.2.1.1. Wittgenstein e o Tractatus 131
3.2.2. Preocupações epistemológicas e metaepistemológicas . 133
3.2.3. Questões epistêmicas: o conhecimento é crença 134
verdadeira justificada?.................................................................
3.2.3.1 Quine. ............................................................................. 136
112
3. VISÃO GERAL
38
KANT, Crítica da Razão Pura, B/9, p. 41.
113
Foi preciso um Kant para que se constatasse que o mundo
material tinha características próprias distintas do mundo inteligível
que, também, tinha os seus próprios caracteres.
Transcendental kantiano
não se refere à todos os Em linhas gerais, a filosofia transcendental tem como objetivo o
conhecimentos a priori compreender das possibilidades das coisas. O conceito de
possibilidade kantiano remonta à Crítica da Razão Pura de Kant, mais
precisamente, na parte intitulada Lógica Transcendental.
39
KANT, Crítica da razão Pura, B/ 82, p. 92.
114
Kant chama de categorias; conceitos puros do entendimento
e tenta provar que só há conhecimento quando as categorias são
aplicadas à experiência possível.
115
conceitos-raízes ou categorias, entendidos como
função de possibilitação da experiência e, por
tanto como condições de possibilidade dos
40
próprios objetos empíricos.
40
Alejandro LLANO, Filosofia transcendental y filosofia analitica (
transformação de la metafísica), p. 90.
41
Ibidem, p.93
42
Ibidem, p. 97.
116
pode falar de uma filosofia analítica, mas de várias. Contudo, entre
elas há certas semelhanças que são: (i) quanto ao objeto de estudo -
a linguagem; (ii) quanto ao método - a análise lógica; e (iii) quanto à
filosofia - esta deve se situar em um discurso de nível lógico superior,
porquanto ela estuda o discurso a partir sua estrutura lógica.
117
uma coisa ou de certas determinações em si
43
mesmas.
43
KANT, Crítica da Razão Pura (A598-601, B626-629), p. 504.
118
podemos dizer que pela utilização de uma
metalinguagem semântica estamos tornando Característica
explícitos os sentidos de nossas palavras, e que ao fundamental da
fazermos isso também estamos falando sobre aquilo metafísica
a que elas se referem, ou seja, sobre o mundo, ao analítica: acento
menos na medida em que essas referências, os semântico.
44
objetos, eventos, propriedades.
44
Prof. Claudio COSTA. A Indagação filosófica. Penúltimo draft de um livro
sobre metafilosofia, em vias de publicação pela EDUFRN, Natal.
119
e sempre em construção desde o exercício da
razão e o jogo argumentativo e, portanto não pode
concluir um fruto definitivo como não pode ser de
45
outro modo se o que se trata é de fazer filosofia
120
geometria, na aritmética, na física e na filosofia. Com a constatação
de um rigor pertinente à linguagem, pode-se plausivelmente afirmar
que esta concepção foi aquela que teve maior influência junto ao
Círculo de Viena.
121
A segunda divisão da filosofia analítica, por sua vez, tem
preocupações com questões epistêmicas e com a ênfase na análise
do senso comum e da linguagem do cotidiano.
46
Cf. Porta, 2002, pp. 159 ss.
122
É evidente a
adequadamente expresso. Ressaltamos que o reconhecimento dos
influência que esta
componentes do sentido como elementos constitutivos dum convicção de
Frege tem sobre a
pensamento depende da apreensão da estrutura de uma proposição composição do
TLP, para o qual a
que exprime esse pensamento, dado que a estrutura do pensamento
proposição é uma
deve refletir-se na estrutura da proposição que a exprime, uma vez imagem (Bild) do
pensamento que
que sem o recurso à expressão linguística ficaríamos desprovidos de exprime.
elementos para compreender o que se possa entender por estrutura .
de um pensamento.
.
Para Frege o Sinn de uma sentença deve ser procurado
numa instância distinta do Bedeutung, por conseguinte, do objeto
expresso pela sentença. Portanto, haveria uma precedência lógica
sob a linguagem convencional. Enunciados como ―a neve é branca‖
ou ―Der Schnee ist weiss‖, embora superficialmente diferentes, são
verdadeiros porque o Sinn, o portador da verdade por elas expresso,
é o mesmo. Nesse sentido, qualquer esforço de uma teoria de
correspondência em lógica é inútil, dado que a correspondência se
mantém apenas entre dois intangíveis que consideramos como
elementos interferentes entre a sentença alemã e a portuguesa, pois
o valor de verdade do enunciado com a verdade independe da
sentença: a verdade lógica é formal.
123
mas não reais, como a proposição ―a soma dos ângulos internos de
um triângulo é 180 graus‖, que são entidades atemporais e não
dependem de um sujeito.
47
TLP 4.01.
124
Portanto, devemos procurar, sob o véu, o núcleo duro da
linguagem, aquilo que a torna possível, numa inversão quase
escolástica, pois, usando uma linguagem aristotélica, estaríamos
tomando o efeito pela causa:
48
TLP 4.0031: A forma lógica aparente da proposição não tem que ser a sua
forma efetiva.
49
Russell, 1993, p. 173.
125
the result is not a value of the propositional function in question.‖50 Por
isso mesmo um dos pilares teóricos de Russel é conhecido como
―atomismo lógico‖. Consoante essa teoria, o significado de um termo
é aquilo que ele representa, ou seja, proposições significativas devem
refletir o estado de coisas do mundo. Pela análise de sentenças, o
conteúdo de uma proposição simples acerca do estado de coisas
pode ser declarado como verdadeiro ou falso. A tese do ―atomismo‖
exerceu considerável influência na composição do TLP, que oferece
uma leitura sobre a referida teoria: a teoria pictórica da representação
afirma que uma sentença (ou proposição) faz uma afirmação sobre o
mundo porque contém elementos, nomes, que representam
elementos da realidade.
A ambição do
TLP: ter resolvido Consequentemente, uma sentença será verdadeira sse objetos
todos os
―problemas‖ da
no mundo verdadeiro forem combinados da forma como ela os
Filosofia. retrata. Portanto, pode-se afirmar que a tarefa inicial de Wittgenstein
foi relacionar entre si pensamento e realidade na linguagem.
126
qual com suas regras e gramáticas próprias. Se a análise lógica da
linguagem mostrou a Wittgenstein a impossibilidade de uma redução
legítima entre conceito lógico e empírico, ele compreendeu que essa
impossibilidade não concerne apenas a esses dois tipos, mas a
praticamente a todas as maneiras pelas quais ―usamos‖ a linguagem.
Nas IF, sua obra madura de reflexão sobre o tema, ele propõe a
substituição da pergunta pela Bedeutung (significado) pela pergunta
sobre o Gebrauch (uso), pois se há inúmeras maneiras pelas quais
―usamos‖ a linguagem, deve haver, portanto, vários ―jogos de
linguagem‖, vários usos, cada qual com sua regra específica,
irredutíveis entre si. A linguagem, portanto, não é regida unicamente
pela ordem lógica, mas pela social, sobretudo. Por conseguinte, a
compreensão dos ―jogos de linguagem‖ parece implicar uma
expressividade e uma pragmática.
52
Rorty, afirma, em ―Wittgenstein e a virada lingüística‖, p. 4., que ―Os
wittgenteinianos pragmatistas [Rorty, no caso] acham que a verdadeira
contribuição do filósofo foi a de ter formulado argumentos que antecipam,
complementam e reforçam as críticas da distinção fato-linguagem de Quine e
Davidson, e a crítica da idéia de knowledge by acquaintance. Em outra
perspectiva comparar e contrastar os escritos desses últimos filósofos com
os escritos das Investigações filosóficas, nos ajuda a filtrar o que é
meramente idiossincrático nos escritos de Wittgenstein.‖
53
Cf. IF §§ 43 e 432.
54
Cf. IF § 7.
127
O significado, extrínseco à palavra, varia dependendo do
contexto em que a palavra é utilizada e do propósito deste uso.
Portanto parece que as palavras não são usadas primordialmente
para descrever a realidade, mas para realizar algum objetivo, como
fazer um pedido, dar uma ordem, fazer uma saudação, agradecer,
contar anedotas, etc.55
55
Cf. IF § 23.
56
Taylor, 1995, p. 69: ―aquilo que advém com o agente enganjado. É o
contexto de inteligibilidade da experiência desse agente. Se dado tipo de
agente é enganjado nesse sentido, sua experiência não é inteligível fora
desse contexto.‖
128
não ser na rede de relações aberta e infinitamente expansível que o
engaged agency mantém com outros, porquanto a incontornabilidade
da linguagem intermedeia as relações entre os objetos e as pessoas.
57
Taylor, 1995, pp. 76-77.
58
Conferir citação concernente à nota 6 deste artigo.
129
b) embora a distinção entre ser e parecer não exista para mim
no momento em que contemplo minhas próprias sensações,
isso só ocorre porque falo do interior de uma linguagem
pública que determina essa propriedade peculiar do
conhecimento da primeira pessoa.
59
Rorty, 1994, p. 176.
60
IF, § 241.
130
3.2.1.1. Wittgenstein e o Tractatus
61
André MARTINS. A função da linguagem e o estatuto da filosofia
segundo Wittgenstein e Heidegger.Artigo apresentado no VIII Encontro
Nacional da Anpof, realizado em Caxambú, MG, de 26 a 29 de setembro de
1998. Publicado na Revista Ethica, v.5, n.2. Rio de Janeiro: Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Gama Filho, 1998. p. 41-58.
131
não faz outra coisa senão afirmar que a lógica é transcendental. A
tarefa de fornecer limites à expressão do pensamento através da
linguagem como uma das tarefas fundamentais do Tractatus significa
a mesma coisa que Kant objetiva conseguir através da análise das
condições de possibilidades do conhecimento, embora Wittegnstein:
62
Alejandro LLANO, Filosofia transcendental y filosofia analitica (
transformação de la metafísica), p.106.
63
Alejandro LLANO, Filosofia transcendental y filosofia analitica (
transformação de la metafísica), p. 107
132
são baseadas no princípio de não-contradição (uma coisa não pode
ser e não ser ao mesmo tempo); quanto à possibilidade real, relativa
ao estado de coisas da existência, é aquela que afirma que algo pode
possivelmente ocorrer; assim o que se vê em uma proposição válida é
um estado de coisas. Este pode ser atômico (simples, não se
dividindo em novos estados) ou complexo. Ao contrário disto,
Wittgenstein acredita que:
64
Ibidem, p. 110.
65
Ibidem, p. 111.
133
1. Aquela que afirma que há algo comum em todos os
problemas suscitados pela filosofia: questões que tentam
responder se o conhecimento é crença verdadeira justificada.
Estas são questões epistêmicas. Fazer filosofia, para eles, é
ser especialista na lógica dos conceitos epistêmicos.
66
Ménon (97e – 98a), Teeteto (201c – 202 d).
134
justificação). Neste sentido, a justificação consiste na razão (ou
razões) que suporta a verdade da crença – é desta maneira que se
pode afirmar estar na posse de um efetivo conhecimento, pois só se
conhece aquilo que se pode justificar. Portanto, para Platão, nenhuma
das três condições necessárias, isoladamente, é suficiente para que
haja conhecimento.
135
Ontologia que busca o sentido e o significado daquilo que se chama
conhecimento.
Quine67
67
Estudar: http://osofista.wordpress.com/2008/06/15/quine-dois-dogmas-do-
empirismo-1/
68
Marco Bulcão NASCIMENTO, É possível um realismo pragmatista? Quine
e o naturalismo. Disponível em: www.Pucsp.br/pos/filosofia/Pragmatismo
136
Desta maneira, Quine abandona uma filosofia primeira e
constata que se tem que examinar a ciência a partir do seu interior; a
Quine:a pergunta
pergunta não é mais aquela que diz: o que permite que as crenças não é: o que
permite que as
científicas sejam tidas como conhecimento? Agora, o questionamento
crenças científicas
é o seguinte: se a ciência é verdadeira, como se poderia conhecê-la? sejam tidas como
conhecimento?
Assim sendo, a pergunta é feita no âmbito do hipotético e, se ela for Agora é o
assumida como verdadeira, os seus resultados também o serão. seguinte: se a
ciência é
verdadeira, como
se poderia
Conforme isto, estudar a forma segundo a qual se passa dos conhecê-la?
fatos ás crenças; isto é denominado de epistemologia naturalizada
quineana. Sendo assim, não importam as justificações, mas só as
questões causais, isto é, o estudo das formas e caberia à ontologia
descrever a relação entre evidência e teoria; onde a aprendizagem
linguística teria um papel motivador para a epistemologia. Assim
sendo, o importante na filosofia quineana são as questões que tratam
sobre a relação entre teoria e evidência e aquelas sobre a aquisição
de crenças. Quine, então, afirma que a função da epistemologia
sempre foi ver como a evidência se relaciona com a teoria, e de como
as nossas teorias da natureza transcendem qualquer evidência
disponível.
137
parte também o é. Uma consequência do holismo é aquela que afirma
que nenhuma afirmação está imune à revisão. O que isto significa é
que, em Quine, em Dois dogmas do empirismo, há um
antirreducionismo, uma rejeição da verdade analítica e do
conhecimento a priori.
138
especulativa e a ciência natural como, também, uma reorientação
pragmática em defesa de um empirismo sem dogmas. Tradição semântica:
tradição do debate
pós-kantiano -
Com tal crítica aos dois dogmas, Quine objetiva esclarecer o problema da
distinção entre o
que pode ser definido como significado. Em se tratando da análise analítico e o
sintético, e a
sobre a analiticidade, o argumento quineano é aquele que afirma que
possibilidade do
nas verdades analíticas há um círculo vicioso; sendo esta definida, sintético a priori.
139
A noção de analiticidade com a qual nos
preocupamos é uma pretendida relação entre
enunciados e linguagem: um enunciado E é dito
analítico para uma linguagem L, e o problema é dar
um sentido geral para esta relação, isto é, para
variáveis ‗E‘ e ‗L‘. A gravidade deste problema não
é sensivelmente menor para as linguagens
artificiais do que para as naturais. O problema de
dar sentido ao idiomatismo ‗E é analítico para ‗L,
como variáveis ‗E‘ e ‗L‘, continua recalcitrante,
mesmo se limitarmos o âmbito da variável ‗L‘, às
69
linguagens artificiais
69
QUINE, Dois dogmas do empirismo, p. 239.
70
Ibidem, p. 242.
140
um tipo de experiência, e que vários significados são possíveis, eles
dependem de um contexto bem mais amplo.
141
efetuadas na citada teoria podem ser verdadeiras e, por este motivo,
ser é ser valor de uma variável ligada. Logo:
Portanto:
O segundo Wittgenstein
71
Oswaldo CHATEAUBRIAN, Quine and ontology, Santa Catarina:Principia 7
(1-2), 2003, p. 41-74.
72
Prof. Claudio COSTA. A Indagação filosófica. Penúltimo draft de um livro
sobre metafilosofia, em vias de publicação pela EDUFRN, Natal.
142
Assim sendo, nos diferentes contextos ocorrem diferentes
regras que determinam o sentido das expressões linguísticas e a
linguagem só é possuidora de sentido através dos jogos de
linguagens os quais estão intimamente relacionados com o convívio
em sociedade.
143
Os jogos de linguagem não têm uma justificação última,
porquanto nele e nas formas de vida que os constituem que se
encontram os critérios de sua justificação.
144
BIBLIOGRAFIA:
145
PLATÃO. Diálogos. Madrid: Coleção: GREDOS BIBLIOTECA
CLASICA, 2002.
Webbibliografia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_anal%C3%ADtica
http://www.infoescola.com/filosofia/filosofia-analitica/
http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/filosan.htm
http://pt.wikibooks.org/wiki/Guia_B%C3%A1sico_de_Filosofia_Anal%
C3%ADtica
http://problemasfilosoficos.blogspot.com/2008/11/o-naturalismo-de-
quine.html
www.iphi.com.br/sites-pessoais/sofia/downloads/quine2003.pdf
Atividades e exercícios
146
147
UNIDADE 4. O problema do fundamento na filosofia 149
contemporânea: a pragmática transcendental de K.-Otto
Apel.............................................................................................
4. Karl-Otto Apel. ....................................................................... 149
4.1.1.Visão geral.......................................................................... 149
4.1.2. Karl-Otto e a nova filosofia................................................. 153
148
4. O problema do fundamento na filosofia contemporânea: a
pragmática transcendental de K.-Otto Apel.
73
Para maiores informações: http://www.bocc.ubi.pt/pag/amaral-campelo-
otto-apel-2.html
149
Os principais membros da Escola de Frankfurt foram Walter
Benjamin (1892-1940); Max Horkheimer (1895-1973); Herbert
Marcuse (1898-1979) e Theodor W. Adorno (1903-1969). E, em uma
segunda geração de teóricos, faziam parte Karl-Otto Apel e Jürgen
Habermas.
151
que é um neokantismo transformado, esboça os
princípios gerais de pertença e comportamento no
seio da comunidade de comunicação, como o de
que todo o sujeito que participa na discussão
Apel: pretensão à reconhece implicitamente as pretensões dos
74
verdade restantes membros.
intersubjetiva.
A ética da discussão de Apel tem a pretensão à verdade
intersubjetivamente válida das proposições, são elas: (i) a pretensão à
exatidão normativa; (ii) a pretensão à veracidade ou à sinceridade das
expressões de intenção subjetiva. Estas são pretensões universais e
necessárias à validade do discurso (logos), as quais não se podem
contestá-las sem cair numa autocontradição pragmática, isto é, elas
são pragmático-transcendentais.
74
Anabela GRADIM, Comunicação e Ética. O sistema semiótico de Charles
S. Peirce, http://www.labcom.ubi.pt/livroslabcom/
152
como princípio regulador que é necessário
pressupor. Do contraste entre comunidade de
comunicação ideal e real nasce depois a
possibilidade de progresso prático e moral, que é
gerado no decurso da tentativa de transpor a
75
distância entre as duas. Falibilismo é diferente
de ceticismo.
75
Anabela GRADIM, Comunicação e Ética. O sistema semiótico de Charles
S. Peirce, http://www.labcom.ubi.pt/livroslabcom/
76
APEL, Fundamentação última não-metafísica. IN: Ernildo STEIN&Luis A.
de BONI. Festschrift em homenagem a Carlos Roberto Cirne Lima.
Petrópolis: Vozes, 1993, p. 305.
153
Continuando, Apel exprime a sua tese:
77
Ibidem, p. 306
78
Ibidem, p. 306.
154
ser não apenas descritiva, mas, no mínimo,
também normativa (metodologicamente
79
relevante).
E Apel pergunta:
79
Ibidem, 310.
80
Ibidem, p. 310.
81
Ibidem, p. 311.
155
indagação da possibilidade da fundamentação última, por sua vez,
A pergunta pela está relacionada com a questão de cunho transcendental que
necessidade de
pergunta pelas condições necessárias de validade como, também:
fundamentação tem
imbricado nela a sua
possibilidade. Pergunta-se, pois, neste sentido, por exemplo,
pelas necessárias condições de possibilidades do
princípio do falibilismo e se topa, no empenho de
responder a questão, com a com a pressuposição
do princípio de discurso como condição do sentido
para o (próprio) uso do conceito de falibilismo e,
além disto, com o caráter indiscutível das
pressuposições de existência e de regras do
discurso argumentativo. O critério para a
incontestabilidade das pressuposições da
argumentação caracterizadas como de
fundamentação última reside então, em última
análise, na autocontradição pragmática ou
performativa que apareceria no caso de
contestação, assim, por exemplo, se alguém
quisesse afirmar: Eu contesto com argumentos que
eu esteja argumentando e que assim deva
reconhecer como incontestáveis as pressuposições
82
de existências e de regras do argumentar válido
156
Nesta perspectiva, Apel não aceita o falibilismo radical,
porquanto o falibilismo é conduzido por um limite máximo de ação e
Apel: o falibilismo
de discurso além do qual ele não pode ir: uma fundamentação última, tem uma
fundamentação
isto é, ele próprio pressupõe certas regras como condição de
última.
possibilidade para si.
83
Ibidem, p. 321.
157
que me diz que não posso interromper
arbitrariamente o discurso sobre pretensões de
84
correção moral.
84
Ibidem, p. 322.
85
Ibidem, p. 324.
158
uma crítica ao neopragmatismo, Apel chama de pragmática
transcendental o assimilar da crítica relativista (de todos os tipos)
buscando as condições de possibilidade da operação racional.
86
Entrevista com Karl-OttoApel.Como escapar do
blábláblá.http://br.geocities.com/paulo_w_designer/filosofia.htm
159
O jogo da linguagem transcendental postulado há
pouco com Wittgenstein e contra Wittgenstein
caracteriza, a meu ver, a concepção fundamental a
qual se pode recorrer como pressuposto último da
filosofia lingüístico-analítica e da crítica à
metafísica, por um lado e como base de uma
transformação atual da filosofia transcendental
clássica, ocorrida sob o signo da linguagem, por
87
outro
87
Karl-Otto APEL, Transformação da filosofia II, p. 396.
160
no tempo e o consenso ideal (...) apel sustenta a
necessidade de se supor sempre o ideal
argumentativo, uma vez que ele está presente em
88
todo o uso com sentido de linguagem
88
Marco Antônio Sousa ALVES, A prática argumentativa: precisamos de um
ideal regulativo capaz de distinguir uma justificação real de uma ideal?IN:
Cognitio, São Paulo:Volume 3 Número 1, Janeiro/Junho 2006
89
Karl-Otto APEL, transformação da filosofia II, p. 396.
161
transcendental da apercepção enquanto unidade
de consciência objetual, pela síntese
transcendental da interpretação mediatizada pela
linguagem – constituinte da validação pública da
cognição – enquanto unidade do acordo mútuo
quanto a alguma coisa em uma comunidade de
comunicação. Com isso, em lugar da consciência
em geral, suposta metafisicamente por Kant, e que
garante desde o início a validação intersubjetiva da
cognição, surge o princípio regulador da formação
crítica de consensos em uma comunidade ideal de
comunicação, que só pode ser construída na
90
comunidade comunicacional real.
90
Ibidem, p. 402.
91
Ibidem, p. 404.
162
Quanto à segunda implicação, Apel afirma:
92
Ibidem, p. 405.
163
obedecendo regras que valem para todos. Seja na
Ética ou no conhecimento, todos têm o mesmo
direito de postular pretensões de validade sobre o
mundo objetivo ou sobre questões normativas.
Com isto, fica claro que a terefa de fundamentação
na filosofia implica num exercício de reconstrução
das condições necessárias de argumentação.
Observar essas condições implica agir de acordo
com certas condições lógicas e morais, isto é, com
sentido. A ética de Apel é construída tentando ir
93
além do Kant.
BIBLIOGRAFIAS
http://www.bocc.ubi.pt/pag/amaral-campelo-otto-apel-2.html
93
E. M. CENCI. A Reflexão ética de Karl Otto Apel. In: José Maurício de
Carvalho. (Org.). Problemas e Teorias da Ética Contemporânea. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2004, v. 01, p. 320.
164
GRADIM, Anabela. Comunicação e Ética. O sistema semiótico de
Charles S. Peirce. http://www.labcom.ubi.pt/livroslabcom/
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl-Otto_Apel
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40141992000100011&script=sci_arttext
http://www.bocc.ubi.pt/pag/amaral-campelo-otto-apel-0.html
www.sitesnobrasil.com/categorias/artesecultura/crit_teo/teocrit/filos/fil
osofia/filosofia2.htm - 29k
http://www.lusosofia.net/
165
Atividades e exercícios
Sobre os autores
166
Leopoldo, RS, centro de excelência em Teologia, na área de exegese
e hermenêutica bíblica, sob orientação do Prof. Dr. Uwe Wegner.
Elnôra Gondim
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