A TROCA
Desde pequeno Mário foi um menino levado, capeta mesmo, desses que levava surras de vara de marmelo mas não se emendava. Deixou os estudos pela metade e não parava em emprego algum. Quando começou a namorar, era uma procissão de garotas atrás dele que não tinha mais fim. Era namorador, beberrão, atrevido e metido a valentão. O pai ficava incomodado, pois se o garoto não tomasse jeito, não sabia o que podia acontecer no futuro.
E de repente, ele mudou. Encantou-se por uma garota cheia de charme. Moreninha, cabelos pretos e longos, bonita de corpo e com uns olhos tão pretos que pareciam duas jabuticabas brilhando mais que estrelas. E um dia eles casaram. E foram chegando os filhos um atrás do outro. Parecia a Mário, que ontem mesmo estava namorando e hoje já estava com 3 filhos para criar. Ângela já não tinha tempo para nada e ele se sentia jogado às baratas como costumava dizer, e sempre que bebia umas e outras, ficava nostálgico e birrento. Sim, porque Mário havia voltado a beber. Geralmente nos finais de semana, saía de casa sábado pela manhã e só voltava bem tarde da noite, e quando voltava.
Com o tempo suas saídas foram se intensificando, a bebedeira foi aumentando e ele cada vez mais praticando abusos com a família e com ele mesmo. Chegava bêbado e brigava com todo o mundo. Batia em Ângela e maltratava as crianças. Ângela gostava dele, mas não se conformava com os rumos que sua vida estava tomando. Mas, o que fazer se não estava preparada para nada e com aquela turminha era difícil arrumar um emprego que valesse a pena? E a vida continuava numa tristeza de morrer. Muitas vezes, altas horas da madrugada ou já de manhãzinha, alguém batia em sua casa para que fosse buscar o marido bêbado, que jazia em calçadas de bar ou mesmo na rua. E lá ia Ângela, aborrecida, maltratada, buscar seu fardo e tentar contornar a situação que já estava passando da conta. Um dia, em que Mário estava lúcido, Ângela expôs a situação e disse que não queria mais viver com ele, queria se separar, pegar uma pensão e ir morar bem longe dele. Já havia falado com a mãe, e esta havia concordado em recebê-la, pois era impossível a filha continuar naquela situação tão constrangedora.
Ao ouvir isso, Mário teve um acesso de fúria tão grande que voou para cima de Ângela com toda a raiva incontida. Homem ferido em seu ego, torna-se um cavalo. Ângela ficou toda machucada, com a cara inchada, um olho roxo além de ter quebrado um braço. Pior foi umas das meninas, que ao acudir a mãe, levou um empurrão tão grande que caiu escada abaixo, ficando também machucada. Os visinhos, ouvindo o barulho e já cansados das sacanagens de Mário, pois não era a primeira vez que batia na família, chamaram a policia. E foram todos para a delegacia, incluindo visinhos, família e filhos. Mário, ficou preso por pouco tempo, mas Ângela conseguiu a separação. Depois disso, Ângela arrumou um emprego e tudo foi melhorando em sua vida.
Já Mário, foi ficando cada vez pior, bebendo cada vez mais e se misturando com toda a espécie de gente que encontrava em seu caminho tão desestruturado. Breve se meteu em brigas, perdeu dentes, levou facadas, ficou sem emprego e viu sua vida ruir. Soube que as filhas já estavam se formando, uma delas já ia se casar e seu filho estava se preparando para o vestibular. E ele, e ele? A realidade caiu-lhe como um raio. Não era ninguém e jamais seria ninguém. Se continuasse a beber ia virar um desses mendigos dormindo ao relento e comendo restos feito um cachorro. Resolveu mudar. Mas para mudar de fato, tinha que ser longe da cidade, dos bares e das más amizades.
Domingo comprou o jornal. Abriu na página dos classificados e lá estava seu emprego:..
“Precisa-se de homem para cuidar de um sítio no quilometro trinta e tal...tratar pelo fone tal.”
E lá foi Mário todo lépido e prosa a procura de um novo começo de vida. Conseguiu! Gostava do sítio, havia paz e ele se controlava para não cair na tentação de andar quilômetros atrás de bebida. Um belo dia, apareceu no sítio uma mulher querendo comprar laranjas. Mário deu-lhe, não cobrou, e disse-lhe que quando quisesse mais era só vir buscar que tinha bastante. E ela sempre aparecia. Apareceu tanto que acabou ficando lá e sendo a companheira de Mário.
E a vida estava boa!
Mas tudo o que é bom dura pouco. Um dos antigos companheiros de bebedeira de Mário, não se sabe como, soube o seu endereço e começou a freqüentar a casa levando sempre uma garrafa de Pirassununga 51. E a garrafa ia rapidinho com os dois entretidos em contar histórias e fatos passados. Esse amigo passou a aparecer seguido e muitas vezes até pernoitava. As garrafas de pinga que antes eram só uma, passaram a ser duas ou três e as bebedeiras se intensificaram.
Numa tarde, já quase escurecendo, Pedro como era o nome do amigo de Mário, aparece lá montado num belo cavalo, que também não se sabe como conseguiu. Mário ficou louco pelo cavalo. Depois de terem bebido além da conta, e já sem saber mais o que estavam fazendo,
Mário disse a Pedro:
- Me vende esse cavalo?
E Pedro:
-Como vou vir aqui? a distância é grande...
E Mário engrossando a voz:
-Não sei, mas vende sim, vende sim...
E Pedro:
-Mas você não tem dinheiro
E Mário:
É verdade, mas tenho a Mara, vamos trocar?
E Pedro:
-O que?...a Mara?
E Mário:--É sim, deixa o cavalo e leva a Mara.
E Pedro, que já estava de olho em Mara:
-Negócio fechado. Mas manda vir já, disse ele. ( esperto!)
E Mário foi até o quarto e disse a Mara:
-Apronte-se mulher, pega umas roupas e vai com Pedro, não sei o que aconteceu, mas estão precisando dele e você precisa ir junto, pois vai ser necessária.
Atarantada, Mara põe umas vestes na sacola e segue Pedro até um ponto de ônibus bem distante sem questionar pois já o conhecia. Não sabia o que estava acontecendo e também não havia notado que Pedro tinha chegado com um belo cavalo.
Uma semana depois, Pedro volta ao sítio atrás de seu cavalo. Ao tomar conhecimento que fora trocada como um objeto, Mara havia fugido dele que agora estava sem mulher e sem cavalo. Mário, primeiramente pensou em discutir e não devolver o cavalo, mas que diacho, o bicho não queria saber dele. Cada vez que ele queria montá-lo, o cavalo relinchava feito besta e se escoiceava feito doido, não deixando que chegasse nem perto de si, quanto mais montá-lo. E então Mário deixou que Pedro levasse seu cavalo com a condição que encontrasse Mara e a trouxesse de volta. E Pedro procurou, procurou tanto, que um belo dia acabou encontrando-a. Mas... quem disse que a devolveu?
Moral: O castigo veio a galope.
Doroni Hilgenberg 02-07-2008
Sobre a obra
Esta é uma história de histórias, contada por outros e adaptada por mim. Tal como uma colcha de retalhos, fui juntando os detalhes e deu no que deu.