Portaria SAS/MS no 229, de 10 de maio de 2010. (Retificada em 27.08.10)
Tratamento
Crise miastênicaA crise miastênica nada mais é do que uma situação de refratariedade aguda (geralmente grupo 3 de Osserman e Genkins) à terapia utilizada que necessita de uma ação relativamente rápida pelos riscos envolvidos.
Nesta situação, a primeira recomendação é reduzir ou descontinuar a terapia anticolinesterásica básica, já que, em algumas situações, a crise colinérgica por excesso de medicamento pode mimetizar uma crise miastênica.
Como as demais opções imunosupressoras (prednisona, azatioprina, ciclofosfamida e ciclosporina) levam um certo tempo para que surtam efeito clínico nos pacientes com MG (azatioprina, por exemplo, pode levar meses), a intervenção mais rápida em termos de início de ação é plasmaférese ou administração de imunoglobulina, por serem igualmente eficazes.
Tratamento de manutençãoInicia-se o tratamento com inibidores da aceticolinesterase em doses padronizadas, estando reservado o uso de imunossupressores para casos selecionados, geralmente para pacientes com MG generalizada ou refratária às abordagens iniciais básicas. Não há tempo de tratamento definido, visto ser uma doença crônica e com sintomas muitas vezes flutuantes. Assim, o controle da MG deve ser tentado com a menor dose necessária com vistas à suspensão do medicamento, se possível, conforme alívio dos sinais e sintomas referidos.
Inibidor da acetilcolinesterase (Piridostigmina)Piridostigmina inibe transitoriamente o catabolismo da Ach pela acetilcolinesterase, aumentando a quantidade e a duração deste neurotransmissor na fenda sináptica com consequente melhora da força muscular.
Apesar de não haver estudos randomizados, duplo-cegos, contra placebo para piridostigmina padrão,
sua eficácia no controle sintomático da MG está estabelecida por estudo com nível 4 de evidência.
Com eficácia similar à da piridostigmina padrão na melhora dos sintomas motores, piridostigmina de liberação controlada não oferece vantagens sobre a forma padrão por ter absorção intestinal errática. Estaria indicada principalmente para pacientes com queixas de fraqueza incapacitante ao despertar. Nestes casos, ao invés do uso de medicamento de liberação lenta, recomenda-se ao paciente acordar 30 minutos mais cedo e tomar a piridostigmina padrão.
Esquema de administração: inicia-se piridostigmina em adultos na dose de 30-60 mg, por via oral, a cada 6 horas; em crianças, a dose inicial é de 1 mg/kg. A dose deve ser gradualmente ajustada, se necessário, à medida que houver controle dos sintomas miastênicos e redução dos efeitos adversos. A maioria dos adultos necessita de 60-120 mg a cada 4-6 horas.
Benefícios esperados: melhora dos sintomas motores
Monitorização: controle de efeitos adversos colinérgicos
Apresentações disponíveis: comprimidos de 60 mg Prednisona
É o agente imunossupressor mais comumente utilizado em MG. Ensaios clínicos randomizados, controlados, duplo-cegos26,27 demonstram sua eficácia contra a doença no controle dos sintomas e na diminuição de exacerbações. É reservado para os casos refratários a piridostigmina. As diferentes posologias do glicocorticoide (uso diário, uso alternado ou em pulsoterapia) não parecem apresentar eficácias distintas.
No caso dos pacientes com indicação de manutenção crônica de glicocorticoide, a associação de azatioprina parece contribuir para a redução do corticoide, diminuindo substancialmente a gama de seus efeitos adversos associados após 3 anos de seguimento27. Pulsoterapia intravenosa intermitente com metilprednisolona também foi sugerida como poupadora de glicocorticoide e de seus efeitos adversos26. No entanto, a ausência de ensaios a longo prazo (por mais de 3 anos) não permite a recomendação do uso da metilprednisolona de forma sistemática.
Esquema de administração: duas estratégias são recomendadas – (1) iniciar com altas doses matinais diárias, por via oral, por 2 semanas e, a seguir, uso alternado até o controle total dos sintomas. Após este período, diminuir 5 mg a cada 2-3 semanas. Nesta fase, caso haja recidiva, considerar associação com outro imunossupressor. Não existem ensaios clínicos randomizados comparando os demais imunossupressores entre si; (2) iniciar com doses baixas (15-20 mg/dia) com aumento gradual (5 mg a cada 2-4 dias) até melhora dos sintomas.
Em geral, o primeiro esquema é preferido nos casos moderados a graves; o segundo, nos casos generalizados leves ou puramente oculares refratários1. Embora ambos os esquemas terapêuticos estejam associados à piora transitória da força muscular (10%-30% dos casos), este efeito adverso é minimizado pelo aumento gradual da dose da prednisona.
Benefícios esperados: melhora motora e aumento do tempo de remissão de doença
Monitorização: controle de efeitos adversos
Apresentações disponíveis: comprimidos de 5 e 20 mg
AzatioprinaAzatioprina é provavelmente o segundo imunossupressor mais utilizado no tratamento de MG depois de prednisona1. Três ensaios clínicos controlados e randomizados comprovaram sua eficácia em 70% dos pacientes, isoladamente ou em associação com prednisona, não somente sobre os sintomas motores, mas também como poupadora de glicocorticoide. Assim, seu uso é indicado para pacientes glicocorticoiderresistentes ou com efeitos adversos importantes ou que precisem reduzir a dose de prednisona.
Esquema de administração: em adultos, iniciar com dose de 50 mg/dia, por via oral, com aumento gradual nos próximos 1-2 meses até 2-3 mg/kg/dia
Benefícios esperados: melhora dos sintomas motores e tempo de remissão, isoladamente ou em associação com glicocorticoide, e diminuição da dose de prednisona
Monitorização: hemograma e provas de função hepática a cada semana até a estabilização da dose; a partir daí, 1 vez por mês. Queda nos leucócitos totais (3.000-4.000/mm3) ou linfócitos ainda < 1.000/mm3 são indicadores de uma dose adequada5. Azatioprina deve ser suspensa se os leucócitos diminuírem até 2.500/mm3 ou o número absoluto de neutrófilos estiver <1.000/mm3.
Apresentação disponível: comprimidos de 50 mg
CiclosporinaCiclosporina é reservada para pacientes com MG generalizada que não responderam adequadamente à corticoterapia, à azatioprina e à associação das duas5. Trata-se de um imunossupressor de ação mais rápida do que a azatioprina (2-3 meses), com efeito primariamente sobre a imunidade celular. Dois importantes ensaios clínicos randomizados, controlados contra placebo avaliaram a eficácia e a tolerância da ciclosporina em pacientes com MG generalizada em 12 e 18 meses respectivamente, com resultados encorajadores. No entanto, aproximadamente 25% dos pacientes desenvolvem toxicidade renal, o que limita seu uso mais amplo. Está, então, contraindicada para pacientes com mais de 50 anos com hipertensão arterial sistêmica preexistente ou creatinina sérica basal acima de 1 mg/dl do valor normal33. Não existem ensaios clínicos que comparem ciclosporina com outros imunossupressores. Outro desfecho importante melhor avaliado por Ciafaloni e cols.34 foi seu efeito poupador de glicocorticoide, tendo sido observado que 95% dos pacientes são capazes de diminuir ou mesmo descontinuar a prednisona após o início da ciclosporina. Uma metanálise recente concluiu que há efeitos benéficos da ciclosporina em monoterapia ou associada ao glicocorticoide35. Esquema de administração: iniciar com 3-4 mg/kg/dia, por via oral, dividos em 2 doses, com aumento gradual de 6 mg/kg/dia conforme necessário para o controle dos sintomas. Após a obtenção da melhora máxima, diminuir a dose ao longo de meses até a mínima tolerável.
Benefícios esperados: efeito poupador de glicocorticoide e melhora motora
Monitorização: manter o nível sérico entre 50-150 ng/ml. Este parâmetro bem como a pressão arterial, eletrólitos e a função renal devem ser monitorizados periodicamente. Ajustes de doses devem ser feitos sempre que os níveis séricos forem > 150 ng/ml ou se a creatinina for > 150% do valor basal.
Apresentações disponíveis: cápsulas de 10, 25, 50 e 100 mg e solução oral de 100 mg/ml
CiclofosfamidaTrata-se de um agente alquilante com propriedades imunossupressoras com efeito primordial sobre linfócitos B amplamente utilizado em distúrbios autoimunes36. Recomenda-se o uso deste imunossupressor apenas para casos de refratariedade aos medicamentos anteriores. Seu uso é limitado por seus efeitos adversos, tais como desconforto gastrointestinal, toxicidade medular óssea, alopecia, cistite hemorrágica, teratogenicidade, esterilidade, risco aumentado de infecções oportunistas e malignidade5. Além disto, há apenas um estudo controlado, randomizado, duplo-cego, contra placebo, a comprovar sua eficácia através de pulsos mensais por 12 meses36, relativamente aos sintomas motores e à diminuição da dose de glicocorticoide necessária. No entanto, além da amostra reduzida, o tempo de seguimento (12 meses) foi insuficiente para avaliar a ocorrência de efeitos adversos significativos. Metanálise recente concluiu que há efeitos benéficos da ciclofosfamida em monoterapia ou associada ao glicocorticoide.
Esquema de administração: pulsoterapia intravenosa mensal com 500 mg/m2 de superfície corporal por 12 meses
Benefícios esperados: melhora dos sintomas motores e diminuição de dose dos glicocorticoides
Monitorização: controle dos efeitos adversos
Apresentações disponíveis: frasco-ampola de 200 e 1.000 mg
Imunoglobulina humanaAs primeiras descrições do uso da imunoglobulina humana intravenosa (IGIV) para MG foram publicadas em 198437,38. Desde então, vários estudos não controlados têm demonstrado sua eficácia, especialmente nas formas agudas da doença, mas também para casos de MG refratária como terapia de manutenção por pelo menos 1 ano. Um grande ensaio randomizado e controlado, com 87 pacientes refratários ao imunossupressor, concluiu que a IGIV é tão eficaz quanto a plasmaférese, mas apresenta menor índice de efeitos adversos. Dois ensaios clínicos randomizados e controlados avaliaram o papel da IGIV nas situações crônicas de leves a moderadas: o de Wolfe e cols., que foi interrompido pela falta de disponibilidade do fármaco no mercado, e, mais recentemente, o de Gajdos e cols.. Neste último, após analisarem 173 pacientes, os autores não encontraram diferenças significativas entre as doses de 1 e 2 g/kg. Dalakas e cols. preconizam que o uso da IGIV humana se justifica na falta da plasmaférese, em casos refratários à terapia imunossupressora e na preparação de um paciente com importante fraqueza para timectomia. No entanto, apesar da eficácia bem estabelecida da IGIV na fase aguda, dados provenientes de estudos randomizados são ainda insuficientes para aceitar ou refutar seu papel na MG como terapia de manutenção com desfechos a longo prazo43.
Esquema de administração: a melhor evidência da eficácia da IGIV na MG47 utilizou a dose de 1 g/kg de peso por 3 dias consecutivos, sendo esta a dose recomendada por este protocolo.
Benefícios esperados: melhora funcional na classificação de Osserman e Genkins a curto prazo em
casos de MG refratária a outros imunossupressores
Monitorização: avaliação periódica da função renal, especialmente em pacientes diabéticos; controle de IgA previamente à infusão para avaliação do risco de anafilaxia. O uso da IGIV, entendido como mais simples do que a plasmaférese, está associado com menos de 5% de efeitos adversos leves e autolimitados.
Apresentações disponíveis: ampolas com 0,5 g, 1 g, 2,5 g, 3 g, 5 g e 6 g
Outros ImunosupressoresAté o presente momento, não há na literatura estudo controlado e randomizado comparando estes imunossupressores contra os tratamentos já estabelecidos para MG. Existem apenas relatos de casos e promissores ensaios abertos, porém com poucos pacientes e reduzido tempo de seguimento. Mais recentemente, micofenolato não demonstrou benefício adicional no controle dos sintomas miastênicos quando utilizado em associação com glicocorticoide, achado confirmado por metanálise. Assim, por seu alto custo e riscos inerentes e pela inexistência de comparação com tratamentos já estabelecidos, a utilização destes medicamentos ainda não pode ser recomendada.
Modalidades terapêuticas não farmacológicasPlasmaféreseExistem várias séries de casos57,58 demonstrando claro benefício a curto prazo da plasmaférese na MG, tanto clinicamente quanto na diminuição dos títulos de anticorpos antirreceptores de Ach. Não há ensaios clínicos controlados e randomizados que determinem se a plasmaférese é superior à administração de imunoglobulina; existem apenas indícios de que sejam igualmente eficazes. Assim, em casos de exacerbação clínica com risco de vida, a plasmaférese deve ser considerada da mesma forma que a imunoglobulina, se esta última estiver contraindicada ou não for disponível. Esquema de administração: não há consenso sobre a posologia mais eficaz da plasmaférese no tratamento da MG refratária. Em geral, realiza-se troca de 2-3 litros de plasma 3 vezes por semana até que a força muscular esteja significativamente restituída (em geral pelo menos 5-6 trocas no total). Melhora funcional é detectada após 2-4 trocas. Pacientes devem iniciar o uso de imunossupressores concomitantemente devido à transitoriedade dos efeitos da plasmaférese sobre a função muscular. Em razão dos efeitos adversos (trombose, tromboflebite, infecção, instabilidade cardiovascular), a plasmaférese é limitada a situações de crise miastênica.
Benefícios esperados: melhora da função motora a curto prazo, não especificamente da crise miastênica
Monitorização: exame vascular periférico, cardíaco e controle de infecções
TimectomiaTimectomia está indicada para pacientes com timoma. No entanto, o papel deste procedimento em pacientes com MG sem a presença de timoma é incerto. Uma revisão de 21 estudos controlados e não randomizados concluiu que pacientes com MG sem timoma que serão submetidos à timectomia têm chance 1,7 vez maior de melhora clínica, 1,6 vez de se tornarem assintomáticos e 2 vezes de remissão espontânea sem medicamento. No entanto, todos os estudos revisados apresentavam sérios problemas metodológicos, tais como não randomização, desfechos indefinidos e ausência de controle para importantes variáveis, como sexo, idade, técnicas cirúrgicas, tempo e gravidade de doença. Assim, timectomia é considerada uma “opção contribuidora” para o aumento da probabilidade de melhora ou remissão de MG não timomatosa, em pacientes entre a adolescência e os 60 anos de idade. Em função da carência de evidência epidemiológica, tal prática, portanto, não pode ser recomendada a todos os pacientes com MG, exceto nos casos de timoma.
Acompanhamento pós-tratamentoOs pacientes devem ser reavaliados 1 semana e 1 ano após o tratamento por meio da Classificação de Osserman e Genkins (Tabela 1).
Regulação/controle/avaliação pelo gestorTodos os pacientes com dificuldades diagnósticas, refratários ao tratamento clínico ou com intolerância medicamentosa devem ser atendidos em serviços especializados. Devem ser observados os critérios de inclusão e exclusão de pacientes neste protocolo, a duração e a monitorização do tratamento, bem como a verificação periódica das doses prescritas e dispensadas e a adequação de uso do medicamento.