Um dos conceitos mais importantes da ética filosófica e da
teologia cristã é o conceito de kairós. Esta palavra de origem grega expressa
uma ideia de tempo junto com outras palavras tais quais: chronos, hama, aíon(respectivamente:
tempo, simultâneo e eterno numa tradução livre). Kairós é traduzido para a
língua portuguesa como “momento oportuno”, “oportunidade” quando lido nos
textos filosóficos e na teologia se refere ao “momento propício para a
salvação”, isto é, exprime o caráter soteriológico, salvifíco que a vinda de
Jesus Cristo, sua morte e ressurreição trazem para todo aquele que acolhe a
mensagem do Evangelho.
Aristóteles nos ensina que a virtude (excelência na ação)
depende também das condições em que a ação se dá para que o resultado seja o
melhor possível. Resultado melhor não é
meramente uma vantagem obtida com a ação, mas o cumprimento adequado da
finalidade que se espera da ação para que o bem buscado pelo agente frutifique
como ação justa e bela.
Desse modo, Aristóteles estabelece que a ponderação para a
escolha dos melhores meios com o objetivo de atingir o fim desejado precisa ser
filtrada pela prudência (phronésis) que contabiliza as consequências e ajusta o
timing da ação para o agir seja, com efeito, virtuoso.
Maquiavel também no Príncipe indica que ter oportunidade
para agir, mas não possuir virtude e sorte (virtú e fortuna) pode malograr a
ação e destruir verdadeiro objetivo do agente político, neste caso, a
manutenção do poder.
Diríamos então, que prudência e canja de galinha não fazem
mal a ninguém como diz o provérbio popular. A prudência é a virtude intelectual
que ajuda o ser humano na tomada de decisões, é o “pé atrás” que nos põe a
“pulga atrás da orelha”. É ela que separa a intenção de apenas buscar um
resultado “satisfatório” de um resultado “eficaz e eficiente” como se diz na
ética das virtudes.
Em Como Ganhar uma eleição, carta de Quintus Túlio Cicero
endereçada ao seu irmão, orador, filósofo, senador da República Romana Marco
Túlio Cicero que em 64 a.C. concorreu a eleição para o consulado (seria uma
espécie de primeiro ministro fazendo uma analogia bem grosseira da função do
cônsul na República, eram eleitos dois Cônsules). Nesta carta Quintus apresenta
vários conselhos a seu irmão para ajuda-lo na corrida eleitoral, muito do que
lemos neste texto antigo ainda é usado por candidatos nas eleições no mundo
inteiro.
Em um dado momento da carta Quintus escreve a seu irmão: “um
candidato deve ser prático, adaptando-se a cada pessoa que ele encontra,
mudando sua expressão e fala conforme o necessário” (Cicero, Como ganhar uma
eleição, 42). Esse conselho em particular reflete todo o teor do texto
ciceroniano e a natureza pragmática que ele comporta. O agente político deve se
adaptar para alcançar seus objetivos em síntese é isso que Quintus quer dizer
ao irmão. Quer vencer a eleição o método é, por exemplo, dizer as pessoas o que
elas querem ouvir, ou comunicar a cada um com quem você se encontrar que ela é
especial etc. O resultado virá, mas a que custo? Esse utilitarismo tacanho
beneficia a quem? (não estou evidentemente discutindo a grandeza de Cicero como
político ou como escritor) A oportunidade naufraga no oportunismo e o
pragmatismo com seu utilitarismo tacanho demove qualquer possibilidade de
florescimento da virtude.
Numa eleição os únicos que se beneficiam do
pragmatismo são os candidatos que alcançam o resultado que almejam, não por
espírito público no mais das vezes, mas por interesses pouco republicanos em
muitos casos (isso não significa que devemos demonizar a política. Maus
políticos são resultado na maioria das vezes de nossas escolhas ruins e
precisamos assumir nossa responsabilidade), de fato, numa democracia o poder
reside no uso da palavra, no discurso.
Todo agente político e o cidadão que
vota é agente político também precisa compreender que a fonte de poder passa da
palavra ao voto e do voto a palavra. Por isso, a democracia prima pelo conflito
e pelo contraditório, prima pela descentralização do poder dividindo-o em
partes, para que ninguém tenha o monopólio do discurso e da força.
Compete a todo agente político evitar o pragmatismo que
ignora a prudência em nome do resultado, que contabiliza apenas a utilidade e
suprime a excelência. Pensar o kairós, a oportunidade para agir com virtude é
tarefa de todo agente político, de todo cidadão que toma parte na comunidade
política com seu dinamismo.
Quintus ajudou seu irmão a vencer uma eleição, os
marqueteiros têm ajudado muitos candidatos a ganhar outras nos dias de hoje,
compete a nós eleitores pensar as entrelinhas dos discursos que ouvimos, agir
com prudência, suspender o juízo antes de uma tomada de decisão que pode por
tudo a perder.
Brener Alexandre 28/02/2020