segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Meu Velho e o Mar


* meu pai navegando na Baía de Todos os Santos -2008

The Will
Meu pai morreu e deixou para Nana, a mais velha de todas nós, a cadeira de balanços, a vaca, todas as quinquilharias da cozinha, utensílios de pizzaôlos, o livro de receitas e, é claro, a batedeira de bolos. Nana é a melhor fazedora de bolos da redondeza. Nana faz bolos de graça, de encomenda, de presente e também para venda. Nana é uma confeiteira de mão cheia! 

Para nossa irmã caçula, Marlúcia, papai deixou a galeria de artes, a prancha de desenho, caixas e mais caixas de pincéis, as réguas todas e todos os cordéis. 

Para Marihill, nossa mana do meio, deixou o guarda-roupa com todos os uniformes de gala, o chapéu do Panamá, o galinheiro, a bengala e muito dinheiro. 

Para Micahill, gêmeo de Marihill, deixou o toca fitas, a vitrola, a guitarra angolana e o pé de acerola. Para Maribela, a que veio antes da caçula, deixou a biblioteca com tudo que estava ali; os livros, a mesinha de jacarandá, os vinis, os quadros de Frida Kahlo e Salvador Dali. 

Para nossa mama deixou, os travesseiros de macela, as redes do Ceará, o roseiral, o baralho de Tarot, os dois lampiões, todos os relógios de bolso, os retratos todos, uma carta de amor, a bola de cristal, a máquina fotográfica, o cavalo, Pilão-de-fogo, todos os móveis, lembranças imemoráveis, as tapeçarias de Kennedy Bahia e a casa número seis.

No dia que meu pai morreu, fez uma ventania danada lá no porto da nossa cidade. Na madrugada caiu uma chuva de açoite que não teve barco que ficasse quieto no cais. 

Para mim, papai deixou, muita saudade, frascos e mais frascos de patchouli, a casa número onze, o Corcel azul, a prancha de surf, rapé à vontade, a cachorra de três patas, o pato, a obra completa de Edgard Allan Poe, a caixa preta, o dedo verde, os tubos de ensaio, todos os crayons, a colmeia de abelhas, o amor pelo mar, a bússola e o estaleiro com todas as quinquilharias dentro; barcos recém pintados, barcos inacabados, destroços de velhos barcos, pedaços de vigas, tábuas e mais tábuas, a viola-de-arco, panos e mais panos para fazer velas de barco. No banco do carona do Corcel, deixou um maço de Hollywood sem filtro, o boné, a farda da aeronáutica, um frasco de óleo Johnson, uma carta náutica e, dentro do porta-luvas, os óculos de sol e um bilhete que... ainda não tive coragem de abrir...

Will I?

P.S.1: I miss you so much, dad! So, soooooo much!
P.S.2: Essa foto do meu pai é muito legal. O texto é ficção e a saudade é visceral.

 


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

É preciso navegar

Na superfície de suas águas
vou indo indo indo
e vindo de onde venho
não me sinto bem-vindo em alto mar.
(Já naveguei em lago, em rio
de barco, canoa, lancha 
mas nunca de navio.
O movimento das águas doces
me inspirou pra vida, 
me mostrou seu eterno curso e,
com toda a sua esperteza,
me calejou com suas surpresas
porque vindo como venho
só me resta escoar no mar.)
Na superfície das águas do mar
vou indo indo indo
e vindo de onde venho
me sinto bem em me desafiar,
vou indo indo indo
navegando contra vento uivantes 
enfrentando ondas coléricas
vou indo indo indo de vento em popa 
e vindo de onde tenho vindo
já me sinto bem-vindo.
És que um belo dia
de tanto atravessar esse grande alto mar 
aprendi a navegar.
Hoje em dia
navego as estradas, os desertos
navego léguas
vou navegando
indo indo indo
e nesse embalo
navego a remo, navego a vela, navego a pé, 
a nado, mula e até a cavalo.
Vou varando os sonhos, os caminhos
na superfície desse planeta água
vindo vindo vindo de onde venho
me sinto bem em constatar
que valeu a pena em alto mar navegar. 

tanto faz, na terra ou no mar, o homem tanto bate até estragar!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

naiveness

There were things inside this nine-year-old girl's head that I would not dare even try to remember.





quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mau tempo

Em um dia como outro qualquer tico e teco perdem tempo divagando sobre o tempo, só pro tempo passar.

Tem vida que não vale a pena viver
não tem sujeito.
Tem espaço que dá vontade de sumir
no meu peito.
Tem ano que não passa
é estreito.
Tem mês que é menor
a torto e a direito.
Tem semana que vira século
é despeito.
Tem dia que dá vontade que não anoiteça
não leva jeito.
Tem noite que dá vontade que não amanheça
no meu leito.
Tem hora que demora
é defeito.
Tem minuto que dá vontade de não respirar
é rarefeito.
Tem segundo que dá vontade de morrer
bem feito!