"— Mas que lindo pezinho de Laranja Lima! Veja que não tem nem um espinho.
Ele tem tanta personalidade que a gente de longe já sabe que é Laranja Lima. Se eu fosse do seu tamanho, não queria outra coisa.
— Mas eu queria um pé de árvore grandão.
— Pense bem, Zezé. Ele é novinho ainda. Vai ficar um baita pé de laranja. Assim ele vai crescer junto com você. Vocês dois vão se entender como se fossem dois irmãos.
Você viu o galho? É verdade que o único que tem, mas parece até um cavalinho feito pra você montar.
Estava me sentindo o maior desgraçado da vida. (...)... Sempre eu tinha que ser o último.
Quando crescesse iam ver só. Ia comprar uma selva amazónica e todas as árvores que tocavam no céu, seriam minhas.(...)
Emburrei. Sentei no chão e encostei a minha zanga no pé de Laranja Lima. Glória se afastou sorrindo.
— Essa zanga não dura, Zezé. Você vai acabar descobrindo que eu tinha razão.
Cavouquei o chão com um pauzinho e começava a parar de fungar. Uma voz falou vindo de não sei onde, perto do meu coração.
— Eu acho que sua irmã tem toda a razão.
— Sempre todo mundo tem toda a razão. Eu é que não tenho nunca.
— Não é verdade. Se você me olhasse bem, você acabava descobrindo.
Eu levantei assustado e olhei a arvorezinha. Era estranho porque sempre eu conversava com tudo, mas pensava que era o meu passarinho de dentro que se encarregava de arranjar fala.
— Mas você fala mesmo?
— Não está me ouvindo?
E deu uma risada baixinha. Quase saí aos berros pelo quintal. Mas a curiosidade me prendia ali.
— Por onde você fala?
— Árvore fala por todo canto. Pelas folhas, pelos galhos, pelas raízes. Quer ver? Encoste seu ouvido aqui no meu tronco que você escuta meu coração bater. Fiquei meio indeciso, mas vendo o seu tamanho, perdi o medo. Encostei o ouvido e uma coisa longe fazia tique... tique...
— Viu?
— Me diga uma coisa. Todo mundo sabe que você fala?
— Não. Só você.
— Verdade?
— Posso jurar. Uma fada me disse que quando um menininho igualzinho a você ficasse meu amigo, que eu ia falar e ser muito feliz.
— E você vai esperar?
— O quê?
— Até eu me mudar. Vai demorar mais de uma semana. Será que você não vai se esquecer de falar nesse tempo?
— Nunca mais. Isto é, para você só. Você quer ver como eu sou macio?
— Como é que...
— Monte no meu galho. Obedeci.
— Agora, dê um balancinho e feche os olhos.
Fiz o que mandou.
— Que tal? Você alguma vez na vida teve cavalinho melhor?
— Nunca. É uma delícia. Até vou dar o meu cavalinho Raio de Luar para meu irmão menor. Você vai gostar muito dele, sabe?
Desci adorando o meu pé de Laranja Lima.
— Olhe, eu vou fazer uma coisa. Sempre quando puder, antes de mudar, eu venho dar uma palavrinha com você... Agora preciso ir, já estão de saída lá na frente.
— Mas, amigo não se despede assim.
— Psiu! Lá vem ela.
Glória chegou mesmo na hora em que eu o abraçava.
— Adeus, amigo. Você é a coisa mais linda do mundo!
— Não falei a você?
— Falou, sim Agora se vocês me dessem a mangueira e o pé de tamarindo em troca da minha árvore, eu não queria.
Ela passou a mão nos meus cabelos, ternamente.
— Cabecinha, cabecinha!...
Saímos de mãos dadas.
— Godóia, você não acha que sua mangueira é meio burrona?
— Ainda não deu para saber, mas parece um pouco.
— E o pé de tamarindo de Totoca?
— É meio sem jeitão, por quê?
— Não sei se posso contar."
José Mauro de Vasconcelos . "O Meu Pé de Laranja Lima"
Devia ter 10 ou 11 anos, não me lembro da cara nem do nome da professora, mas recordo-me que uma vez por semana havia sempre uma aula dedicada á leitura. Foi ai que conheci a história do Zezé, do Portuga e do pé de laranja lima.
Nunca deixamos de ser crianças e a história continua hoje a ter tanto encanto como dantes.