Memória de Adriano
Nas tuas mãos tomaste uma guitarra
Copo de vinho de alegria são
Sangria de suor e cigarra
Que à noite canta a festa da manhã
Foste sempre o cantar que não se agarra
O que à Terra chamamos amante e irmã
Mas também o português que investe e marra
Voz de alaúde e rosto de maçã
O teu coração de ouro veio do Douro
Num barco de vindimas de cantigas
tão generoso como a liberdade.
Resta de ti a ilha de um Tesouro
A jóia com as pedras mais antigas.
Não é saudade, não! É amizade.
José Carlos Ary dos Santos
Festa sem música não é Festa. Este ano houve um elemento comum em muitos dos concertos; a homenagem a dois dos maiores vultos da música portuguesa: Adriano Correia de Oliveira e Zeca Afonso.
Infelizmente este ano perdi o concerto da Sinfonnieta de Lisboa. O programa era de luxo: "Abertura-fantasia Romeu e Julieta" de Tchaikowsky; Cantata para o 20.º Aniversário da Revolução de Outubro" de Prokofiev. Tive oprotunidade de assistir ao ensaio da Cantata e deve ter sido muito bom. O problema é que eu gosto de ver este tipo de espectáculos numa sala fechada e longe do habitual rebuliço da Festa. Enquanto eles tocavam andávamos nós pela Festa à procura de um sítio, sem grandes filas, para comer e beber uns copitos.
O meu primeiro concerto foi já no sábado com a Brigada Victor Jara, acompanhada por Manuel Freire e pelo Grupo de Antigos Orfeonistas de Coimbra. O objectivo desta reunião era precisamente evocar a memória de Adriano Correia de Oliveira. A rouquidão de Manuel Freire foi compensada pela belíssima voz de Catarina Moura. Excelente, o final com a "Trova do Vento que Passa".
Já pela noite, um lindo momento com a fadista Cristina Branco, que cantou Zeca Afonso, acompanhada por uma super-banda constituida pelo Alexandre Frazão(bateria), Mário Delgado(guitarras), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Ricardo Dias (piano, acordeão). Como comentava na altura com uma amiga, prefiro a voz dela quando sai um pouco do tom fadista.
Os dois momentos que eu mais aguardava chegaram a seguir: A
Fanfare Ciocarlia veio da Roménia para um grande espectáculo. Ouvindo aquela música contagiante fui de imediato transportado para o universo dos filmes de Kusturika.
Dos Balcãs para Chicago foi um pulinho, Otis Grand regressava ao Avante com os Chicago Blue Harp All Stars. Como grande amante de blues, este era o concerto que eu mais ansiava. De novo lá viajava eu para o imaginário dos grandes "bluesmen" americanos, recordando nomes como Muddy Waters, T-bone Walker ou mesmo o grande B.B. King. Depois foi dormir que no dia seguinte havia mais e as pernas já doiam.
Não há pernas doridas que resistam à música dos Peste & Sida. Que bom recordar aquela que já foi uma das minhas bandas preferidas (nunca lhes perdoei a aventura dos Despe & Siga). Desta vez além San Payo e Almendra também lá estava um regressado que veio dar um pézinho com o grupo que o tornou conhecido e o fez chegar à banda do Sérgio godinho. Estou a falar, claro do Nuno Rafael. Este concerto foi muito melhor que o de há dois anos. A banda parece mais rodada e além disso tocaram quase todos os grandes hinos: "Sol da Caparica", "Chuta Cavalo", "Família em Stress" e o sempre vibrante "Carraspana", de fora ficou o meu preferido: "Gingão. No fim mandaram-nos "Ao Trabalho" e foram-se embora. Excelente, poder voltar a vibrar com as mesmas canções com que vibrei na adolescência.
No Palco 1º de Maio, um dos meus locais favoritos da Festa, só vi um concerto, foi o dos Trivenção. Não os conhecia mas o programa prometia mais um tributo à música do Zeca e do Adriano e como hip-hop do palco principal não me agradava muito, lá fui eu. Não me arrependi pois pude ensaiar os meus primeiros passos de dança ao som do "Venham Mais Cinco". Foi um bom momento para aquecer os motores para os Sons da Fala:
Três continentes, separados por um "imenso mar", unem-se pela força da música e da língua em comum.
Sérgio Godinho, Vitorino e Janita Salomé (Portugal), Tito Paris (Cabo Verde), Juka (S. Tomé e Principe) André Cabaço (Moçambique), Guto Pires (Guiné-Bissau), Don Kikas (Angola) e Luanda Cozetti (Brasil) foram os embaixadores da língua portuguesa no Avante. O espectáculo abriu com uma versão bem africana do "Venham Mais Cinco" do Zeca Afonso. Logo as sandálias voaram e foi dançar sem parar até ao fim.
Dançar descalço, na relva e no pó... Eu sei que já tenho idade para ter juízo mas que fazer? A música é a única coisa que consegue quebrar a minha timidez natural.
A minha festa acabou com os
Levellers e o seu enérgico rock de influência celta que viriam a aquecer as hostes para os Blasted Mechanism. Como não sou fã e o cansaço já apertava, decidi rumar até casa onde, finalmente, me esperava um bom banho com água quente e uma noite bem dormida.
Fotos: Papagueno