Não me parece ser este um bom
quadro para o desenvolvimento da ilha, embora compreenda, sem alguma vez ter
experimentado, que a vida no Corvo era árdua. Trilhar carreiros íngremes, de
madrugada, para tratar das vacas, com um almoço feito de leite e sopas,
carregando uma ração para aguentar o corpo até escurecer, era fazer dos
dias, verdadeiras jornadas de trabalho. Dizem-me com muita frequência que a ração
era pobre - figos, pão, queijo, melancia e melão - e que a refeição da noite, a ceia, embora sendo a melhor,
era sempre a mesma coisa. Pouco variava entre as sopas de leite e as sopas de
feijão ou as couves de barça. Dizer que a vida era difícil não significa
pobreza. Dizer que não havia dinheiro não quer dizer que as pessoas fossem
pobres. Vivia-se de forma diferente da de hoje.
No Corvo produzia-se quase tudo o que era necessário para viver
– milho, trigo, feijão, maçã, batatas doces e da terra, inhame e couves.
Criavam-se galinhas e havia ovos. O galo, refeição ritual do Carnava, matava-se
porque era menos produtivo do que a galinha que punha os ovos para fazer as
tortilhas matinais e a massa doce. Em dias de festa, como o dia em que todos se
deslocavam aos lagos para a tosquia – o
dia da lã - havia uns rebuçados doces, os regelos, ou uns biscoitos
escaldados.
Havia fartura em muitas casas. Matava-se 2 a 3 porcos por ano.
Mas a vida era dura, pois era. Muito dura! Por isso muitos partiram e
repartiram-se por terras e continentes. Trocaram a canseira de ir montanha
acima suportando chuva e ventos agrestes pela saudade da terra a troco de águias
com que, mais tarde puderam comprar terras na ilha onde nasceram ou fazer a sua
casinha mais confortável. Muitos se distinguiram e deram muito ao mundo. Foi o
caso de Carlos George Magalhães que chegou ao Chile no princípio do século XX para
ir ter com um tio, oriundo do Corvo, que tinha uma livraria em Santiago.
Tornou-se ele próprio o dono desta livraria e veio a ser o primeiro editor de Pablo Neruda. Foi o primeiro a acreditar no
jovem poeta, a quem passou a chamar corvo, por o ver sempre vestido de
preto. Carlos tinha uma saúde débil e por isso nem foi para os campos do Corvo,
nem para o mar, à baleia. Aprendeu a ler com o pároco, como tantos outros
rapazitos que, mais tarde, se distinguiram.
A ilha do Corvo teve (e tem) gente de mérito que cresceu e
viveu, independentemente do selo de pobreza e miséria e abandono que muitos não
cessam de lhe colocar.Hoje o Corvo não é nada do mesmo. Já não é preciso produzir nem milho nem trigo, nem fruta. Vem tudo de fora. Há dinheiro. Há transportes. Há estradas. Há um Centro Cultural e painéis solares para que todos tenham água quente gratuitamente.
O Corvo não é o que era, pois não, nem as outras ilhas, nem o Continente.
O Corvo tem gente que se orgulha de ser corvino e que não troca a ilha por nada, como em todas as ilhas que conheço.
1 comentário:
olá, Teresa.
sim, ainda bem que se vive melhor hoje, embora haja quem nos queira empurrar novamente para a "miséria", por gostar dos portugueses, "pobretes e alegretes".
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