O ambiente era o habitual naquele tipo de casas, obscuro, por vezes pesado. Havia aquele fumo que sempre se escapava do bar onde se sentavam alguns ociosos fumadores aparentemente alheados dos outros, mas apesar disso, conseguiu distinguir as mesas ao fundo abandonadas pelo espaço de tempo que durava a dança. Foi-se detendo nos pequenos detalhes, gostava de conhecer bem os espaços onde se movia, mas de repente o olhar deteve-se: foi como se levasse um estalo e aquela calma cínica que aparentava, abalou-se.
A visão tremeu-lhe com a miragem extraordinária da mulher, jovem, sem dúvida muito bonita, mas sobretudo, de um magnetismo fortíssimo, um apelo quase animal, que se lhe soltava dos olhos, tão escuros que parecia que a pupila, negra, ocupava mais espaço do que seria normal, dos lábios carmim entreabertos, do corpo, agressivamente feminino, que parecia conter-se para não saltar, inconformado, daquela prisão que constituía o vestido negro muito justo. E tão curto e com uma provocante racha que só se lhe fechava quase na estreita cintura, que com o cruzar de pernas lhe deixava as coxas morenas, completamente à mostra, de uma forma, para ele, extremamente perturbadora.
O instinto chamava-o a ela. Mas aquela postura, aquele olhar decidido de quem parece saber que tem todos os homens na mão com um estalar de dedos, deixava-o indeciso, convivia mal com a contrariedade. Por fim decidiu-se. Fez-lhe um aceno e ela levantou-se com um sorriso. Sentiu um alívio de que nem soube a medida. Reuniram-se num dos cantos da pista de dança, e se ele se acercou dela cuidadoso, ela puxou-o a si, sem resquícios de algum pudor que se sente em relação a estranhos.
Nessa altura, a pequena banda ensaiava um tango. “Caramba!Nem de propósito!“. Ela mandou desde o princípio, encaixou o seu corpo no dele, pareciam duas peças de puzzle, e ele pôde assim sentir-lhe o bafo quente no pescoço, os dedos dela que se lhe cravavam nas costas e o pressionavam contra si, o cheiro fresco de mulher jovem. E aqueles roçares de pele…
Começou a sentir-se alterado, o pensamento de que havia coisas que se manifestavam sempre nos momentos mais inconvenientes atravessou-lhe o espírito, e o facto, de certo modo envergonhava-o, o que o levou a, suavemente, tentar afastar-se dela. Mas ela não lho permitiu e numa curva da dança, enfiou ainda mais acintosamente uma das pernas entre as dele, e ele sentiu-lhe o calor húmido das coxas, os seios palpitantes contra o seu peito, e os suores que se misturavam, escorrendo como capilares ribeiros. Desejava que aqueles minutos não passassem e paradoxalmente, parecia aquela dança prolongar-se por uma eternidade. E quando a música se calou, eles continuaram ainda por uns momentos a mover-se ao som de uma música que só soava nas suas cabeças. Naquela altura, no recinto já só existia um corpo a corpo febril, as carnes em ebulição.
Quando se separou dela, sentiu-se desorientado, sem saber bem para onde ir. Ela virou-lhe as costas para voltar ao seu lugar, sorrindo da perceptível atrapalhação dele, um sorriso gaiato. Conhecia bem o poder que detinha sobre os homens, não que lhe atribuísse muita importância, mas achava divertidas aquelas situações. Fazia-se tarde, e decidiu ir-se embora. Subiu as escadas que conduziam à saída da mesma forma excitante que dançava. Todos os olhares se voltaram para ela, mesmo os de algumas mulheres, ciumentas talvez da forma como os seus parceiros olhavam aquelas ancas perfeitas e provocantes. Todos a olharam menos ele. que ainda procurava, aturdido, a sua mesa. Quando por fim a encontrou, voltou a percorrer a sala com o olhar e notando-lhe a falta, sentiu-se ainda mais confuso. Ter-lhe-ia desagradado?
Recuperou a compostura, procurou saber junto de um dos empregados do bar, aquele que lhe parecia mais discreto, se sabia dela. Que não, que a via algumas vezes por lá, que dava nas vistas, mas nunca saía acompanhada.
Estava decepcionado, mas ao mesmo tempo determinado. E no dia seguinte voltaria. Tinha a noção que o seu futuro estava indelevelmente ligado àquele tango.