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quarta-feira, 18 de julho de 2007

O POLVO (9ª Parte)



Continuação

“(...) Galo da Costa tinha uma visão extraordinária em relação ao futuro e começou a urdir a sua organização. Reginaldo Teles e George Gomes continuavam a dar todo o apoio nos negócios com os árbitros, apostando na ajuda a clubes de escalões inferiores. Com esta acção, iam ganhando algumas centenas de contos semanalmente e tinham cada vez mais os árbitros na mão, não sendo necessário, por isso, gastar nem um tostão quando esses árbitros viessem apitar o seu clube. Entrava-se num ciclo vicioso. Os árbitros ficavam de tal forma hipotecados a Reginaldo Teles que, quando fossem nomeados para os jogos com o seu clube, não tinham força moral para o trair e nem sequer era necessário comprá-los. Mas nem tudo corria da melhor forma, e Reginaldo teve consciência de que não dominava o sector conforme julgava, quando, por diversas vezes, saiu derrotado em acções por ele desenvolvidas. Em 1992, na última jornada do campeonato da 2ª Divisão, Reginaldo Teles foi contactado no seu bar por um clube que tinha hipóteses de subir de escalão e que ia jogar com outro que se não ganhasse seria despromovido. O negócio ficou acertado, comprometendo-se Reginaldo a entregar ao árbitro três mil contos, garantindo outro tanto para si. O árbitro era da capital e, depois de contactado num dos grandes hotéis da cidade por George Gomes e Reginaldo, comprometeu-se a fazer o frete e a ir receber a verba combinada no Domingo à noite ao restaurante do primo de Reginaldo. O clube protegido por Reginaldo era o visitante, e ao intervalo já estava a ganhar por 3-0 com uma arbitragem verdadeiramente escandalosa. A ameaça de invasão de campo estava iminente, mas nem isso assustou o árbitro da partida. Mas, perante tal situação, o presidente do clube visitado, sabendo que o negócio tinha sido feito por Reginaldo e conhecendo o montante da verba combinada, no interregno da partida entrou na cabina do árbitro e, com o descaramento que provinha do desespero, fez directamente a sua proposta ao árbitro e fiscais de linha. -Sabemos que Reginaldo Teles vos ofereceu três mil contos e vocês podem sair daqui mortos. Retirando uma pequena pasta de debaixo do braço, puxou de um grande maço de notas, colocou-o em cima da mesa que estava na cabina do árbitro e apostou forte quando disse: -Estão aqui cinco mil contos e queremos ganhar. A vossa protecção está garantida. Saiu da cabina do árbitro e esperou pacientemente pelos últimos 45 minutos. O inevitável acabou por acontecer: o árbitro deu de tal forma a volta à situação, que o jogo terminou com um resultado de 4-3. Reginaldo Teles tinha sido derrotado na sua estratégia e prometeu vingança ao árbitro. O certo é que esse árbitro abandonou o ofício mesmo antes de atingir o limite de idade. Reginaldo Teles sabia que tinha de ser duro na sua acção para não perder o controlo da situação, e Galo da Costa avisou-o muitas vezes. -É necessário ser duro e inflexível. Ambos se recordavam bem de um caso passado uns anos antes com um árbitro algarvio que foi apanhado com a «boca na botija». Desde que tinha sido promovido ao primeiro escalão, Francesco Silva revelou uma grande ambição pelo dinheiro, aceitando negociar sempre que possível com Reginaldo Teles. Mas depressa verificou que era ele quem dava a cara e sofria a consequência dos escândalos a que ficava obrigado. Reginaldo ganhava tanto como ele e, por vezes, até mais. Este árbitro tinha falado várias vezes com os presidentes dos clubes que favorecia, e eles acabavam por confessar quanto tinham dado a Reginaldo ou a George Gomes. Achou que aquilo era uma exploração e resolveu actuar por conta própria. Galo da Costa teve conhecimento da situação e avisou Reginaldo Teles do perigo que aquela atitude constituía. -Vamos tratar da saúde desse gajo, para que não haja mais fugas. Quando souberes de um contacto directo, avisa-me que eu trato do resto. Reginaldo Teles assentou com a cabeça em sinal de concordância e saiu do gabinete do presidente a pensar na forma como deveria actuar. George Gomes estava à espera dele e, depois de discutirem o assunto, não teve contemplações. -Vamos fodê-lo. Mandamos dar-lhe uma tareia, para ver se ele aprende. Reginaldo não respondeu logo, e passados alguns segundos acabou por dizer: -Dar-lhe uma tareia não é solução. O presidente garantiu que tinha outra estratégia. Só temos de estar atentos e avisá-lo quando soubermos de algum negócio directo. A oportunidade não tardou a chegar. Francesco Silva pedia que nem um cego, e ainformação tão desejada acabou por chegar. O presidente do Conselho de Arbitragem (Lourencas Pinto) era da total confiança de Galo da Costa e deu-lhe a informação tão esperada. -Temos o homem na mão. Ele telefonou ao Roche (Manuel Roche, presidente do Penafiel) e pediu-lhe dois mil contos pelo jogo de domingo. Vamos fazer-lhe uma emboscada. O Roche leva um gravador quando lhe for entregar o dinheiro, e depois entramos nós em acção. -Sigam com a operação, mas lembrem-se que temos de ficar sempre de fora. Quando se viu desmascarado, o Francesco Silva chorou, pediu perdão, mas não adiantou nada. Tinha sido feito. Houve ainda algumas hesitações não sabendo bem se devia levar o assunto para a frente ou apenas pregar um tremendo susto ao Francesco Silva, mas o escândalo rebentou e não foi possível segurar a situação. GC e Reginaldo mais uma vez saíam ilibados do problema gerado, assumindo o papel de anjinhos, mas a força que detinham foi bem evidenciada. Para os outros árbitros, o aviso surgia sempre na forma de um «lembrem-se do que aconteceu ao Silva, que fugiu à nossa protecção, quis fazer os seus negócios sozinho e acabou por se espalhar; mais vale ganhar menos mas estar devidamente protegido».O sistema voltava a estar sob controlo, e a submissão da maior parte dos árbitros a Reginaldo era cada vez mais forte. Ele sabia que não podia perder aquele negócio. A árvore continuou a dar os seus frutos, mesmo fora de época. O restaurante do seu primo transformou-se num autêntico estabelecimento cambial, tal era o volume de negócios que ali se desenvolvia. Os cheques voavam de mesa para mesa, desaparecendo debaixo dos pratos de feijoada.
Josué Silvano, um árbitro com algumas dificuldades na vida, devido aos maus negócios que tinha efectuado na sua empresa, necessitou, entretanto, de comprar uma carrinha e falou com Reginaldo para lhe emprestar três mil contos de modo a efectuar o negócio. Reginaldo levou-o ao presidente, e este não hesitou em passar-lhe o respectivo cheque para a compra da carrinha, mas exigiu ao árbitro que este lhe passasse um outro cheque da mesma importância, mas com um prazo mais alongado. Ambos concordaram, e o árbitro levou os três mil contos. Quando Reginaldo regressou ao gabinete do presidente, perguntou, um tanto espantado: -Não é um risco muito grande emprestar dinheiro a este gajo? -Claro que é sempre um risco, mas não vamos ficar sem esse dinheiro. Isso foi apenas um investimento. Nós vamos precisar dele. Passadas poucas semanas, o clube de Galo da Costa lutava pelo título com o seu principal rival (perigosamente próximo, nessa temporada), e havia uma deslocação difícil mais a norte do País. GC chamou Reginaldo e explicou-lhe a situação: -No domingo, vamos jogar o título. Temos de ganhar de qualquer maneira, e as coisas não estão nada fáceis. Chegou a altura de pedir contas ao teu amigo árbitro. Reginaldo entendeu logo o que o seu presidente queria; pegou no telefone e discou o número do árbitro. Do lado de lá atendeu uma voz grossa e bem timbrada que Reginaldo identificou de imediato: -Olá, estás bom? -Quem fala? -É o Reginaldo. O presidente mandou-me falar-te, porque precisa daquele dinheiro que te emprestou. -Mas agora não tenho essa verba... -Mas tu prometeste!!! -Claro que prometi, mas as coisas correram mal. -Sabes que o presidente tem um cheque? -Sei. E o que é que ele vai fazer? -Nada, se tu te portares bem. -Olha que porra! Até parece que ando a portar-me mal! -Não é isso. Vais ser nomeado para fazer o nosso jogo de domingo e nós temos de ganhar de qualquer maneira. Não interessa como, temos é de ganhar. -Já sabes que comigo não há problema. Diz ao presidente que pode contar comigo. Mas vê lá se me toca alguma coisa. -Deixa isso comigo. Faz a tua parte, que nós depois cá nos entendemos. No dia desse jogo, Josué Silvano passou pela maior vergonha para dar a vitória ao clube de GC, inventando uma grande penalidade que nunca existiu, com a agravante de tudo isto se passar em casa do adversário, situação que lhe originou uma penosa fuga pelas traseiras. Mas ele já estava muito batido nestas «saídas à comandante», assim baptizadas porque normalmente aconteciam no «jeep» do comandante da GNR. Os jornais, a rádio e a televisão comentaram o escândalo, mas o título foi assegurado. Dias depois, o árbitro transmontano, que de bruto só tinha o aspecto físico, foi em busca do cheque dos três mil contos que tinha passado a Galo da Costa, mas este nem sequer o recebeu, mandando recado por Reginaldo: -O presidente disse que aquele dinheiro nada tinha a ver com o empréstimo que te fez. São negócios diferentes. Nós fizemos-te um favor e tu retribuíste com outro. -Mas já viste o que passei no domingo para não ganhar nada com isso? -Tem calma que vais recuperar esse dinheiro. Eu disse-te que não havia problemas, não disse? E vais ver que não há. -Como é que então vais resolver essa situação? -É fácil. Vou arranjar-te uns joguinhos e clientes para te pagarem o frete. Nós ficamos com o dinheiro e abatemos à dívida. -Isso não é justo - disse o árbitro, ao mesmo tempo que dava um murro na mesa. -Não te enerves, porque a situação não é tão injusta como tu julgas. Já sabes que connosco podes ganhar muito dinheiro e vais até superar com toda a certeza essa merda dos três mil contos. Deixa isso connosco, que nós arranjamos-te jogos para cobrir isso e muito mais. De facto não faltaram jogos a Josué Silvano. Reginaldo não se cansava de lhe arranjar nomeações e pedir os respectivos fretes, mas a devolução do cheque é que nunca foi efectuada, tendo sido utilizado várias vezes para exercer sobre o árbitro os mais variados tipo de chantagem. Os escândalos foram-se avolumando, e o árbitro ficou de tal modo hipotecado à situação que mais tarde teve de fugir para o estrangeiro para evitar a prisão. Algures no Golfo Pérsico, onde tentava montar um negócio de camelos, o pobre árbitro dizia mal da sua vida: -Grandes cabrões, servem-se de uma pessoa e quando ela já não é necessária lançam-na pela borda fora. Mas eles não vão perder pela demora!
Josué Silvano era apenas um exemplo de como alguns árbitros estavam agarrados a Reginaldo Teles e eram obrigados a executar todos os seus planos, muito embora, no meio de toda esta estratégia, surgissem algumas falhas no sistema. O certo é que os árbitros que mais dinheiro ganhavam com os negócios de Reginaldo Teles eram aqueles que apareciam mais vezes a apitar os jogos do seu clube, sendo-lhes exigidos favores à troca de nada. Quanto mais egoísta era o árbitro e mais gastador se mostrava, mais hipotecado ficava. Quando queriam montar negócios ou necessitavam de dinheiro para cobrir algumas despesas da sua vida particular, telefonavam a Reginaldo Teles, e este, salvo raras excepções, nunca se fazia rogado na execução dos empréstimos, mantendo sempre em sua posse alguns documentos comprovativos. Reginaldo Teles sabia bem avaliar a potencialidade dos empréstimos e quanto essa verba lhe iria render. Presos pelas dívidas, os árbitros em causa tinham de se submeter às ordens emanadas por Reginaldo ou George Gomes, uma figura que, aos poucos, se foi transformando no braço direito do seu dilecto amigo. Os empréstimos eram abatidos mediante os jogos efectuados, mas a verba descontada na dívida era sempre muito inferior à que Reginaldo cobrava aos respectivos dirigentes que com ele contactavam. Alguns árbitros estavam fartos de ser explorados e começaram a surgir algumas fugas. Contactados pelos clubes adversários dos protegidos de Reginaldo, traíam os objectivos e colocavam-se do lado contrário, para dessa forma levarem algum dinheiro. A organização era rígida e não perdoava tais veleidades. Reginaldo estava fora de si e, descontrolado, até insultava os árbitros em público. -És um ingrato, mas vou tratar-te da saúde. Este ano já te dei a ganhar mais de 10 mil contos e tu traíste-me. ‘Tás fodido comigo.’ O árbitro, tentando arranjar desculpa para disfarçar o negócio que tinha feito, ainda ripostou: -Não podia fazer mais do que aquilo que fiz, senão era um escândalo. -Era um escândalo, o caralho!!! Não viste, há três jornadas atrás, o que fez o Chico? Foi preciso marcar três grandes penalidades para ganharem, e ele marcou-os. Aconteceu-lhe alguma coisa? Claro que não. Ele está sob a nossa protecção. -Ó Reginaldo, desculpa lá, não me fales dessa merda de desonestidades nem de ingratidões! Para eu ter ganho mais de 10 mil contos, tu ganhaste o dobro ou mais. Eu também estou fodido contigo, porque no jogo que fiz anteriormente ajudei o clube que me pediste e não vi nem um tostão. Não me venhas, por isso, com a conversa de que te pregaram o mico. Eu soube que eles te deram o dinheiro, e eu não ando aqui a fazer fretes de graça, ou para ganhares só tu (...)”.

Continua...

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

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