Vladimir Kush

Vladimir KUSH, Ripples on the Ocean, (Ondulações no Oceano)

Rumi

A vela do navio do ser humano é a fé.
Quando há uma vela, o vento pode levá-lo
A um lugar após outro de poder e maravilha.
Sem vela, todas as palavras são ventos.

Jalāl-ad-Dīn Muhammad RUMI




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terça-feira, 19 de julho de 2022

Enquanto há sorriso

Generalizar

é singularizar a pluralidade.

Cor singulariza todas as cores.

Uma escada reúne degraus.

Precisamos de palavras para nos entendermos mas o efeito colateral é criarem mal entendidos,  por isso precisamos de aprender sempre com quem não fala: pessoas, animais, plantas, pedras, nuvens e estrelas.

Generalizar é uma uma propriedade da linguagem muito problemática. Pretende condensar conhecimento mas muitas vezes é o principal obstáculo à compreensão. O paradoxo é que "não generalizar" é também uma generalização. Não é, Zenão de Eleia? O que é, é e não pode não ser. A deusa de Parmênides ensinou-lhe que também precisava de aprender o que não é. Precisamos de aprender o que não é porque as palavras o criam. Do que se pode falar ainda não é do que é. E temos que falar. Sorri. Enquanto há sorriso.

terça-feira, 30 de março de 2021

antenascida

metamorfosear-se-á, sabe-lo bem

mas não em quê ou em quem

há-de vir a ser antenascida

alma sem nome, atrevida

domingo, 17 de novembro de 2013

Vai chover em breve


Vai chover em breve (скоро будет дождь)
Desenhos animados russos baseados numa história vietnamita. Filme de Vladimir Ivanovich Polkovnikov (Влади́мир Ива́нович Полковников), 1959.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

fora do livro

Kudym-Osh (Кудым-Ош) fundador da cidade de Kudymcar (Кудымкöр, Кудымкар) na Rússia, é um herói do povo Komi. Filho de uma bruxa e de um urso ensinou o povo a fazer pão e forjar ferro.

Escultura de Rakisheva Valentina Vladimirovna (Ракишева Валентина Владимировна), 2008, metal.

Fotografia aqui. Vídeo com a história de Kudym-Osh (em inglês) e uma pintura admirável num prédio aqui

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma mente que seja amiga

DEUS PERGUNTA

Deus convocou quatro almas prontas a reencarnar e dirigiu-se a elas para lhes perguntar:
-Muito bem, minhas amigas, o que desejam para a vossa próxima existência terrena?
Uma das almas apressou-se a dizer:
-Quero nascer numa família muito rica, e poder assim dispor, toda a minha vida, de uma enorme fortuna e entregar-me a toda a classe de prazeres.
Outra das almas solicitou:
-Desejo ter a possibilidade de viajar constantemente, conhecer os lugares mais belos da Terra, as suas gentes e os seus costumes.
A terceira alma declarou:
-Senhor, quero ser uma pessoa muito poderosa. Anseio ser reconhecida por todo o mundo. Quero ser famosa e influente e, sim, ter muito, muito poder.
Mas havia uma alma que ainda não se tinha pronunciado. Fez-se um silêncio cósmico, sem tempo, indefinido. Deus olhou nos olhos daquela alma que ainda não se tinha expressado. Finalmente esta disse:
-Senhor, não quero nada de especial. Nem desejo ser rica para viajar constantemente nem ter fama e influências. Nada disso eu quero.
As outras três almas, surpreendidas e maliciosamente sorridentes, olharam-se entre si.
-Só quero, Senhor, que me dê uma mente que possa desfrutar do pouco ou muito que tiver; ou seja, uma mente em paz e contente, só quero isso. Uma mente que seja amiga.

Ramiro Calle, Os melhores contos espirituais do oriente, p. 47 e 48, a esfera dos livros, Lisboa, 2009

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

fora de ideias

"Fora de ideias de agir bem e agir mal,
há um campo. Vou lá ter contigo."
RUMI

Tradução da tradução de Coleman Barks para inglês:
"Out beyond ideas of wrongdoing and rightdoing,
there is a field. I will meet you there."

quarta-feira, 14 de março de 2012

sonhos de cavalos

Castelos
e livros velhos.
Sonhos de cavalos.
Damas ruivas
e searas.
Às vezes as falas são claras.
Outras mergulham
e correm.
Veios debaixo dos pés.
Nuvens no ar.
Crinas de vento
tingidas.

domingo, 26 de junho de 2011

não é necessário louvá-lo

O esquecimento realmente não tem necessidade de ser pregado aos homens, é inútil recomendá-lo; haverá sempre muitos banhistas nas águas do Létes; os homens têm já demasiada tendência a esquecer, de facto não pedem senão isso. Para quê exortá-los a seguir o caminho que eles já têm tanta vontade de seguir e que seguirão de qualquer modo?

Vladimir Jankélévitch, Le pardon, Paris, Aubier, 1967, p. 74 in Revue PHARES

segunda-feira, 20 de junho de 2011

"Aquilo que o silêncio era em 1084, quando São Bruno fundou a Ordem da Cartuxa, continua a ser, hoje, o silêncio." José Luís Peixoto

Fotografia: Tiago Miranda

sábado, 23 de abril de 2011

Canta alto...!

Conselhos não ajudam quem ama!
Quem ama não é como o ribeiro da montanha
para que se possa construir uma barragem atravessada.

Um intelectual não sabe
o que o embriagado sente!
Não tentes adivinhar
o que os que estão perdidos dentro do amor
farão a seguir.

Quem estivesse a mandar daria todo o seu poder,
se lhe chegasse um leve aroma do almíscar desse vinho
do quarto onde os que amam
estão a fazer sabe-se lá o quê!

Um deles tenta cavar um buraco na montanha.
Outro foge dos louvores académicos.
Outro ri dos bigodes famosos!

A vida gela se não lhe chega o sabor
deste bolo de amêndoa.
As estrelas levantam-se girando
todas as noites, maravilhadas de amor.

Haviam de cansar-se
desse girar se não estivessem.
Diriam
"Durante quanto tempo teremos de fazer isto!"
Deus pega no mundo flauta de cana e sopra.

Cada nota é uma necessidade chegando através de um de nós,
uma paixão, uma saudade.
Lembra-te dos lábios
onde o vento-respiração teve origem,
e deixa que a tua nota seja clara.
Não tentes pôr-lhe fim.

Sê a tua nota.
Vou mostrar-te como isso é suficiente.
Sobe ao telhado à noite
nesta cidade da alma.
Deixa que todos subam aos seus telhados
e cantem as suas notas!

Canta alto...!

RUMI

imagem de flauta de cana aqui

quarta-feira, 20 de abril de 2011

o que me rodeia cantando ou me cerca florescendo

De "A Águia", nº1, Porto, 1 de Dezembro, 1910
Edição digitalizada de Al-Barzalh, 2010

A ortografia é a original (a não ser que a força do hábito me tenha por vezes cegado para as diferenças):

CARTA PERDIDA
   Sim, dizes bem, eu não te sei amar! Porque saber amar - não é assim? - é ter medida nos transportes, calma no desejo, uma moderação cheia de paciência e de umildade, uma parcimónia em todos os arranques e em todos os ardores. Saber amar é saber limitar o amor a um quarto de ora de efusão; saber amar é saber restrinjir-se.
   Não, eu não te sei amar!... Sinto fogo nas veias quando me enlaças ao peito, sufoca-me uma ância de te possuir in aeterno, de fazer do teu corpo uma posse ininterrupta...
   Deperto e de lonje, sinto-te em mim constante, soberana rainha, senhora dominadora. Desde que te amo sei que a ausência é uma palavra vã. Não á maneira de estar sózinho. Guardo-te nas minhas veias, na espessura das minhas artérias, no fundo do meu coração. Tenho-te sempre presente em mim mesmo, como se o meu ser se tivesse imbebido do teu ser.
   Surpreendo-me a lembrar palavras tuas, a comover-me com a memória de tais palavras, numa embriaguez de vinho velho. A minha vida é um éco da tua.
   De noite, na cama, penso na tua boca e vejo-a, nítidamente a vejo, estendendo para mim os seus lábios sensuais. E penso então: A boca dela tem uma frescura tão grande que me parece um jardim com degraus de mármore e todo regado e embebido de orvalho.
   E dentro da minh'alma, da minha pobre alma atormentada, impera, soberana, iniludível, vitoriosa, absoluta, a obsessão da tua boca!
   Sim, dizes bem, eu não te sei amar.
   Amo-te exajeradamente, profundamente, como se ama o sangue das nossas veias e o ritmo da nossa respiração. É uma sede exclusiva. E em todo este amor único aplico a minha ignorância selvajem, a minha espontaneidade injénita, a minha sede voraz de te beijar a carne, de fazer minha com os meus beijos a tua carne - a tua carne de seda e de mármore...
   Quando escrevo as minhas cartas e quando as releio, com os olhos num fulgor de duas estrelas novas, e quando penso comigo mesmo que vão ser agasalhadas no teu seio, que vão aninhar-se entre essas duas redondas taças que o ardor das minhas palavras faz altear e crescer, como um copo cheio de espuma, sinto nelas - nas minhas sinceras, nas minhas desordenadas cartas - o calor vivo do teu corpo e antecipação feliz dos meus beijos. Quasi que as amo, como aos teus braços, e que as beijo, como ás tuas divinas mãos... Ligo tão estreitamente e duma maneira tão nítidamente e tão implacávelmente material o facto de escrever as minhas cartas e a lembrança que vão ser recebidas no teu seio, que sinto ao escrevê-las toda a comoção sensual e toda a olímpica doçura, que é sentir arfar, confessadamente, debaixo dos meus dedos, essas duas colinas de carne branca num estremecimento de montanha sensível.
   E quando te vais, depois de uma entrevista apressada, no nosso quarto côr de malva, deitando-me de lonje o teu último adeus, ou sorvendo na minha bôca o meu último beijo, fica ainda no ar o teu sorriso, o ardor do teu olhar, o teu perfume, toda a suave transcendência do teu ser. Parece que os objectos tomaram alguma coisa de ti e que se banharam na tua alma. Sinto-os diferentes, com uma beleza imanente, como ensopados numa claridade nova. E tão impregnado sinto o ar da tua pessoa, que tomo consciência da tua volatilidade.
   Nas paisagens que contemplo durante o dia, lèguas distantes de ti, nas estrêlas que palpitam no céu num abrasamento orijinal, no que me rodeia cantando ou que me cerca florescendo, és tu que eu vejo, tu que eu ligo a todas as coisas, tu que eu caso com todas as armonias do Universo, tu que eu contemplo em tudo e admiro em tudo. E o encanto - o ambiente encanto que me enche de fervor - é o teu encanto, o teu único encanto que espalho pelas coisas e que os meus olhos comovidos diluem no Universo.
   Sim, dizes bem, eu não te sei amar... Pois se eu amo em ti todo o mundo, não te estou traindo sempre? e é traindo mais que se ama mais?
   Queres saber? ontem passei pela tua porta só para sentir a tua prossimidade. Sabia que não chegarias á janela e que não poderia ver-te. Mas que me importava? não me ia eu sentir na zona da tua respiração, viver por momentos na tua ambiência? E fui. As janelas estavam fechadas e só numa descortinei uma luz mortiça, muito fraca, uma luz de lamparina alumiando imajens. A suposição de que estivesses ajoelhada diante daquela imajem de Cristo que possuis no teu quarto, tão artística e tão fina, deu-me vontade de ajoelhar também sobre as pedras úmidas, desde que ajoelhar é confessar à Vida que a nossa alma está cheia de amor.
   De repente vi passar um vulto e pensei que fôsses tu. E essa ideia deu-me um prazer tão grande como se tu tivesses passado na minha própria alma.
   Fiquei assim muito tempo olhando a janela e adivinhando-te. Na rua não avia viv'alma; caía uma chuvinha meúda, lenta, umectante e teimosa; no ar transparecia apenas um murmúrio de coisas distantes - ruídos de carros ao largo, imprecações lonjínquas e de quando em quando um latido triste... e a tua casa, entre a chuva renitente, parecia amortalhada num silêncio pesado e numa treva de morte. Mas que importava, se eu sabia que tu estavas , e que o ar que respirava cá fora talvez te tivesse já banhado os pulmões e deles tivesse saído mais puro, mais animador de vida, mais digno de ser respirado!
   Assim fiquei muito tempo, encostado a uma parede, surpreendendo o teu vulto em todas as coisas próssimas... Sobre mim caía uma chuvinha meúda, insistente, e os pontos brilhantes das luzes, no espaço úmido, lembravam olhos lânguidos, molhados, chorando um choro triste. Mas no meu coração só havia uma grande satisfação platónica e a consciência da tua prossimidade.
   Mas de repente assaltou-me a cruciante ideia de que tudo tinha sido sonho... e senti a necessidade impreterível de me certificar, de te ter novamente nos meus braços, de saber que fui bem eu que te possuí, e não a imajem do meu eu cheio da tua imajem. Por vezes tenho destas dúvidas crueis. E pergunto a mim mesmo: Teria sido uma ilusão? Meu Deus! Como é triste saber que a prova tem de ficar lonjínqua e que ainda tenho que duvidar!
   Se ouvesse uma maneira de me fundir contigo, de formar contigo um outro ego, um ser com individualidade própria, se por uma reacção das nossas vontades, dos nossos desejos, dos nossos ardentes amores, eu me pudesse combinar contigo! Sabes daquelas reacções em que dois corpos outrora separados, desconhecidos um do outro, seguindo cada qual o seu caminho no Universo, se encontram de repente, acham um destino comum e formam uma nova fonte de enerjia, libertando um calor enorme do seu abraço absorvente e criador? Eu queria esse abraço fundente, penetrante, exotérmico, sentir-me eu em ti e sentir-me ambos num só! Que supremo orgulho para a Matéria, formarmos o Cáos com o nosso abraço, anularmos o nosso eu na integridade da nossa posse!
   Olha, ás vezes, perto do teu corpo, o mais perto que pode ser, sinto obsessões, atracções dum abismo incognoscível - sinto desejos de me perder em ti...
   E não és tu, em todo o caso, a mulher que eu criei? Não me deve orgulhar o poder criador?
   Sim, tu és a mulher que eu tornei diferente, ao sôpro quente da minha paixão; aquela que eu redimi e conquistei; aquela que é minha, minha não só no acto fisiológico do amor, mas nas suas entranhas e no seu coração.
   Fui eu que te fiz, mais de que teu pai e de que tua mãe. Tua mãe trousse-te no seio; eu fiz mais; penetrei a tua vida na minha. Animei-te do fogo sagrado. Modifiquei-te. Tornei-te forte. Dei-te a corajem de te opores. Dei-te o mássimo orgulho. Dei-te o supremo desprêzo. Ensinei-te a rir e a desprezar. Ensinei-te a ser forte na tua pureza, e a ser grande na tua bondade. Dei aço inquebrantável à tua alma luminosa de diamante. Foi uma mulher nova, soberana, esplêndida, olímpica, que eu criei.
   Sim, dizes bem, eu não te sei amar!
   És obra minha, não devo adorar a minha obra. Seria vaidade. Seria pecado mortal. Seria mais do que vaidade - seria um incesto...
   Mas vem, vem! Eu quero pôr-te com olheiras fundas. Como deves ficar bem com olheiras. Serão alos d'astros nos teus olhos astrais. Vem, vem! Eu quero ver-te com os lábios rôxos. Como te devem ficar bem os lábios rôxos! Imajina como serias bela, com os teus lábios da côr das violetas... Vem, que eu quero extenuar-te - quero ver como tu deves ficar linda depois de morta...
   O quarto já está preparado. No jarro ha ja as flores que tu amas. Tenho versos novos para te ler. A cama já está aberta. E parece dizer: Eu espero por ela!
   Vem, vem, minha amada... Esperaste cinco meses, dirás tu, também podes esperar mais uma noite... Mas já te disse uma vez - lembraste? - naquele dia em que cheguei do Algarve: «Cinco meses passam depressa, mas cinco minutos não.»
   Vem! vem! vem!
   É ser ezijente, não é, amor?
   É ser sacrílego, ser incestuoso, ser o que tu quiseres, não é certo?
   É amar muito, desejar muito, adorar muito, não é verdade?
   Ah! é que tu compreendes - eu não sei, eu não te posso amar... mais.

Raul Proença

sexta-feira, 25 de março de 2011

outro sítio

"A minha alma é de outro sítio, tenho a certeza disso e pretendo acabar lá."
Mawlana Jalal al-Din al-Rumi

Do poema Quem Diz Palavras Com a Minha Boca? (Who Says Words With My Mouth?) em Rumi Essencial (Essential Rumi) traduzido por Coleman Barks



Mawlana Jalal al-Din al-Rumi nasceu a 6 de Rabi'al-Awwal no ano 604 da Hégira (30 de Setembro de 1207) em Balkh, uma cidade importante da história da cultura e civilização islâmicas que fica no norte do que é hoje o Afeganistão.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

o sangue dele

uma papoila floriu-lhe na boca e eu queria

que queria eu?

.

o Sol iluminou-a

e eu desviei os olhos para ocultar o desejo

que se cristalizou em permanente "deja vu"

.

foi sobre a alta fortaleza

e junto à santa

que a beleza do sangue se fez flor de luz

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

para lá da explicação

«Atrás de uma cortina ensanguentada, o amor espalhou os seus jardins.

Os amorosos ocupam-se com a beleza do amor que está para lá da explicação.

O intelecto diz: 'As seis direcções são o limite, não há nada para lá delas.'

O amor diz: 'Há um caminho, e eu percorri-o muitas vezes.'

O amor detectou mercados para lá do mercado.

O intelecto diz: 'Não ponhas o pé na terra da aniquilação;

Não há lá nada senão espinhos.'

O amor diz: 'Esses espinhos que sentes estão apenas dentro de ti!

Não digas nada! retira o espinho da existência do pé do coração;

Para que possas ver jardins interiores.'

Ó Shams de Tabriz! tu és o Sol oculto pela nuvem do discurso;

Quando o teu Sol nasceu, todas as palavras se derreteram!»

.

Jalal al-Din Rumi

(Divan 132:1-3, 6-8)

.

traduzido da tradução para inglês de Fatemeh Keshavarz,

'Reading Mystical Lyric: The Case of Jalal al-Din Rumi', University of South Carolina Press, 1998

.

este é o poema de hoje em Daily Poems from Rumi

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

à dor do mundo

"Mamã e Filho"
.
Toma, filho, a mão da mamã
O caminho para o Céu ainda está escuro
E nós iremos contigo juntos sempre em frente
Lá precisas ainda dos meus cuidados.
.
Tenho medo mamã!
A tua mão não está lá
E não voltarei a ver o Sol
A parede caída está a ficar mais pesada
E a centelha de uma curta vida apaga-se
.
Vai filho, calmamente, eu estou contigo,
A dor do mundo desapareceu para sempre,
Lembra-te apenas da família que te acompanha
Agora isso é especialmente importante
.
Tenho medo mamã!
A tua mão não está lá
E não voltarei a ver o Sol
A parede caída está a ficar mais pesada
E a centelha de uma curta vida apaga-se
.
Agora peço-te que não chores, mamã,
Ama e cuida das crianças vivas!
E nós vamos com os amigos sempre em frente
Ilumina o nosso caminho com o teu coração
.
A memória conservará a tua imagem, mamã!
O meu coração está a bater mais devagar
Claro que a esperança derrotará a morte,
E o filho voltará para ti na próxima vida!
.
Tenho medo mamã!
A tua mão não está lá
E não voltarei a ver o Sol
A parede caída está a ficar mais pesada
E a centelha de uma curta vida apaga-se
.
VITAS
.
Ver aqui com legendas (inglês e vietnamita)
Ver aqui com legendas (espanhol e inglês)

sábado, 7 de agosto de 2010

o mais além que procuro

"Queria que os portugueses

tivessem senso de humor

e não vissem como génio

todo aquele que é doutor

.

sobretudo se é o próprio

que se afirma como tal

só porque sabendo ler

o que lê entende mal

.

todos os que são formados

deviam ter que fazer

exame de analfabeto

para provar que sem ler

.

teriam sido capazes

de constituir cultura

por tudo que a vida ensina

e mais do que livro dura

.

e tem certeza de sol

mesmo que a noite se instale

visto que ser-se o que se é

muito mais que saber vale

.

até para aproveitar-se

das dúvidas da razão

que a si própria se devia

olhar pura opinião

.

que hoje é uma manhã outra

e talvez depois terceira

sendo que o mundo sucede

sempre de nova maneira

.

alfabetizar cuidado

não me ponham tudo em culto

dos que não citar francês

consideram puro insulto

.

se a nação analfabeta

derrubou filosofia

e no jeito aristotélico

o que certo parecia

.

deixem-na ser o que seja

em todo o tempo futuro

talvez encontre sozinha

o mais além que procuro."

.

Agostinho da Silva

quinta-feira, 1 de julho de 2010

lágrimas

porque elas se formam e deslizam e é possível reprimi-las às vezes e outras vezes não...

porque nada dói mais que ser abandonada

e essa dor maior é a pedra, é o chão

é a realidade indesmentível

inquestionável, impossível e real no mais alto grau.

.

chegadas e partidas da vida...

não poder confiar nunca mais no amor, na protecção...

.

estranha entre estranhos cujas palavras e acções são surpreendentes

e convencionais

.

há sílabas que fazem chorar

sílabas que nos dão prazer e alegria

mas o abandono... o chão frio da ausência... está sempre lá

nada é mais confiável

que a dor

sempre absolutamente real

e sempre cá

.

apenas os milagres abrem subitamente percepções mais vastas

para lá da dor...

.

e esses milagres...

de raros e maravilhosos

são estrelas no escuro

estrelas...

.

como alcançá-las senão com o amor?

o mais vasto de todos os estados de espírito?

.

a palavra amor é ao mesmo tempo bela e envilecida pelo uso

não sagrado

.

a falta de respeito torna infame...

.

lágrimas... regatinhos... Chuva

cai sobre as faces tristes todas... lava, alivia, salva...!

.

ou tu Sol seca-as... leva-as, dissolve-as no ar... que chovam noutro lugar

.

lágrimas, gotas de orvalho, bálsamo, prazer

.

.

viajar pelos caminhos rectos e paralelos da escrita habitua a mente à geometria das formas regulares

e claramente distintas do fundo

.

a estética das formas geométricas pode ser bela contra um fundo selvagem,

como algumas plantas num espaço geométrico

na individualidade dos seus vasos

são ainda assim belas selvagens

.

oh, mas as lágrimas... sem cor, sem forma, sem nada de definido...

selvagens lágrimas das florestas húmidas

das existências desmesuradas... estrelas... e nuvens...

noites caladas

dias muito lentos...

.

lentas lágrimas

.

límpidas e invisíveis agonias gritantes mas caladas...

.

espaços secretos nos corações não visíveis

prazeres indesmentíveis... milagres...

.

e uma vasta escuridão suave e profunda para onde a água vai

seguindo a linha do menor esforço,

que num mundo em relevo raramente é recta

mas sempre cai

excepto quando se eleva ao céu... cheia das lágrimas

.

que alguém ainda não chorou

mas vão revelar sagradas e divinas as dores humanas

e os seus prazeres na Terra...

...

celestes!

sexta-feira, 26 de março de 2010

medo do paraíso

Regras e revoltas são os carris por onde deslizamos sem esforço. Fora do caminho há uma vasta ignorância a que se chama nada. Se ouvires chamar não olhes, se vires alguma coisa não escutes, dirão que estás maluca e apertarão ainda mais as regras e as palas. É o medo do paraíso. O medo da morte. Junta-te à multidão e estarás em segurança, lá fora há o perigo de milagres. Sabemos criar infernos muito agradáveis, confortáveis, belos. A tua existência nem imaginas como será longa se permaneceres dentro das normas. Vê como é bom, tão bom, aqui connosco. Tão bom que não podemos permitir que ninguém escape, não vá dar-se o caso de nos vir depois contaminar com sabe-se lá que venenos lá de fora. Revolta-te cá dentro, está tudo previsto. Há drogas, há armas, há sexo, há barulho, que preferes? Neste grande parque de diversões tens direitos, reclama-os. Impõe-te. Quem sabe... podes vir a ser um dos grandes. Queres poder? Junta-te aos que lutam por um mundo melhor. Vem. Ou queres ser bela? Olha quanta maquilhagem aqui. Podes ser diferente todos os dias, cada vez mais jovem, mais sedutora. Há tudo aqui. Tudo para todos. Escolhe a tua carreira.

.

Sim, tudo isto termina algures. Há fronteiras. Estão bem guardadas. Não, não podes sair. Porque quererias sair? Que imaginas que está para lá dos muros? Não, não há nada. E assim alguns que ainda conseguem vagabundear espreitam às vezes por quase invisíveis frinchas para o paraíso, esse paraíso tão temido. Espreitam escondidos, com medo de ser apanhados e vencidos e o que vêem calam. Outros voam em sonhos e escrevem poemas que são benignamente tolerados porque, enfim, desde que aqui permaneçam tudo o que julgam ter visto é apenas incrível. Fantasias, disparates, falta de realismo. O realismo está cá dentro. Chamem-lhe embora inferno sabemos que é real. Estamos cá, conhecemos tudo muito bem, sobretudo o centro das coisas. A marginalidade é isso mesmo: o pior do inferno. Vem para dentro. Para dentro.

.

Metáforas, literatura, quanta quiseres. Embriaga-te, isso passa. Emboneca-te para seres respeitada. Come o que deves para seres saudável. Diz o que deves para chegar ao poder. Mantém-te firme e um dia tudo isto será teu, serão tuas as regras, poderás fazer o que quiseres se ao menos souberes manter-te dentro das normas. Não é nada difícil, difícil é sair delas, para que hás-de complicar a tua vida? Olha que bem que se está aqui, é o palácio. Mesmo que sejas a última das criadas não é muito melhor viver no palácio? Oh, sim. Há música e danças e nunca estás sozinha.

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Porque és teimosa? Porque não obedeces? Não sabes. Quem te dera ser amada! Tu tentas, tu esforças-te mas não vale de nada, nunca alcanças o paraíso, é sempre um inferno por mais que tentes. Destino? O que é isso? O destino és tu que o fazes. Olha a Maria, olha a Fernanda, olha a Isabel, olha a Lúcia, se fores como elas serás feliz. E tu olhas, imitas, queres, acreditas. Sim, a culpa é tua. Qual inferno? És masoquista?

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É melhor, portanto, que não te queixes. Fica calada, se ninguém suspeitar que vives no inferno o inferno é um pouco mais suportável para ti e para os outros. Talvez seja apenas isso. Talvez todos, todos se calem. Simples, não é? Não, porque quando te calas há ainda algo em ti que silenciosamente grita e incomoda toda a gente. Sempre e sobretudo os que te são mais próximos, os que amas.

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Farta de ser princesa resolveu antecipar um pouco os cinquenta anos e tornar-se rainha. Pronto. Senhora de si montou o pássaro sagrado e abandonou a cidade, o reino, o domínio privado onde sempre tinha vivido. Adeus. Como é vasta a liberdade. Não tem anos nem dias, nem tristezas nem folias. O pássaro sagrado sobrevoou desertos e pântanos, mares e montanhas, tudo era belo e estranho ao mesmo tempo, mas sobretudo imenso. Ilimitado. Dentro das penas não tinha frio nem calor, estava perfeitamente bem, tão bem que adormeceu.

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Ele era demasiado jovem, demasiado filho e irmão, demasiado querido para lhe pertencer. Não importa, basta desejar para ser feliz, concretizar um desejo é torná-lo duro. Suavemente os sonhos confortam, para que trazê-los para a realidade? Ele era, portanto, perfeito. Nessa beleza e perfeição ilimitada estava toda a alegria, toda a suave felicidade para que a levava a ave sagrada. Estavam já demasiado longe para que aquele pequeno tudo onde sempre vivera pudesse ser visível. Podia finalmente esquecer tudo, esse pequeno sonho cheio de medo. Adeus.

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Ah o sorriso, o sorriso dele, o olhar dele pousado nela quando sorria, ah... sim, há felicidade. Mesmo que tenhas medo, mesmo que fujas ou finjas, há paraíso. O sorriso dele, o olhar, o corpo, as mãos, a atenção e algo mais que se chama juventude e inocência. Tudo lhe pertencia a ele e nele ela encontrava tudo. Sentados no mesmo banco de jardim com todo o horizonte em frente numa manhã roubada ao tempo. Eis, bem vês, o paraíso. Nenhum perigo, êxtase.

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Quando chegou ao céu procurou um abrigo. Ele riu-se. De que há que abrigares-te? Tudo aqui é felicidade. Ela também se riu. Não há nada a temer, nenhuma palavra fere, nenhum olhar acusa, nenhuma acção te recusa. Estás no reino dos teus desejos e és a rainha. É difícil acreditar? Não, não é difícil, pelo contrário, é tão fácil que... ela riu-se, parece mentira.

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Se eu voltasse... Se tu voltasses? Se eu voltasse... bem, isto teria sido uma ilusão... não é? Não. Tens vivido uma ilusão que te matou. Não há regresso. É o paraíso ou... Ou? Ou o que tu quiseres. Ele ficou triste. Oh não, não, não! Não fiques triste, não! Quero ser feliz contigo. Quero, quero, quero! Como poderia querer outra coisa?

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Sim, como poderia querer outra coisa que ser abençoada por ele? Como poderia querer outra coisa que ouvi-lo cantar-lhe aos ouvidos como era bela e como era amável e como era deliciosa e como era gentil e como, oh como, o fazia feliz! Desmaiar-lhe nos braços e acordar nos seus braços e vê-lo sorrir-lhe! Oh, era inacreditável, demasiado, demasiado bom para ser verdade... tenho medo... oh! Assim que na sua alma se insinuava, por pequena que fosse, a dor, logo ele sofria... Não meu amor... Não! Oh, era preciso beijá-lo, beijá-lo muito, desculpa, não peças desculpa, beijá-lo para que ambos fossem outra vez felizes.

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Tu, só tu, meu belo e jovem amor, tu, só tu, minha bela e jovem amada... para onde fora toda a idade, toda a recordação, toda a amargura? Procurá-la-ia em vão, ainda que tivesse vontade de procurar... Riu-se, oh, meu bem amado, encosta a tua cabeça no meu peito, deixa-me abraçar-te. Tu és, eu vivo do teu sorriso, da tua alegria. Como podes? Como podes amar-me? Porque não poderia!? Bem...

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Não digas nada. Que importa agora aquilo de que nem te lembras? Oh, sim... Vejamos, há por aqui muitos motivos de alegria. Banharmo-nos toda a manhã, brincar com as crianças, vaguear com a lua em noites cálidas, subir às árvores. Sim, tudo isso é belo mas muito mais belo é desmaiar nos teus braços, no teu sorriso, na tua doce, doce companhia. Porque foi que não estiveste sempre comigo? Oh, porque invoco sombras sobre o teu rosto? Desculpa, desculpa, não peças desculpa! Estive sempre contigo mas não querias ver-me... Eu? Não queria? Não... não querias. Agora não te lembras, como então não te lembravas. Abraço-te com tanta força, meu belo amigo, como, como foi que te esqueci? Porquê? Não, não acredito, não pode ter sido assim. Basta uma palavra tua e tudo é alegria, tudo é felicidade, como poderia esquecer-te?

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Oh, é uma estranha cidade aquela onde viveste. Ah, sim... é. Foi. Era. Porque é que fui para lá? Se eu soubera... Não, não enrugues a tua fronte, não penses nisso. Estou aqui agora, estás aqui agora. Sabes, sorriso, oh, o teu sorriso! Nunca estivemos separados. Não? Não, eu estive sempre contigo. Oh! Como respirarias se te não desse alento? Oh, meu amigo! Oh, minha amada! Tu és tão bonito! E tu és-me tão cara!

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Pensar que não acreditava!