Mostrar mensagens com a etiqueta nuclear. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta nuclear. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, julho 15, 2016

E como vai Fukushima?

Fukushima continua a ser motivo para variadas notícias de terror.
Mas ao certo, que se tem passado lá?
Remeto aqui para uma boa reportagem do jornalista americano Will Boisvert sobre o assunto, feita 4 anos depois.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Argentina, um país falido que recupera

Foi ontem inaugurada a 3ª central nuclear argentina, em Atucha, a 115 km de Buenos Aires.
Com um reactor de 700 MW, terá custado cerca de 1,8 biliões de €, o que permite estimar um custo de produção do kWh entre os 4 e os 5 ç. Uma 4ª central nuclear está já em estudo avançado.
A Argentina fez há muito tempo uma aposta em reactores nucleares de água pesada, as quais podem usar urânio natural em vez do enriquecido, embora a experiência tenha mostrado que um ligeiro enriquecimento (de 0,7% para 0,85% de U235) permita aumentar a eficiência da cisão nuclear em 40%.
Curiosamente, quem projectou e construiu a 1ª central nuclear argentina, nos anos 60, e esta agora inaugurada, foi a SIEMENS, que recentemente se converteu ao "greenpeace" e vendeu as suas encomendas e tecnologias à AREVA francesa. Porém, quem tem dominado no mercado mundial a tecnologia dos reactores de água pesada são os canadianos, com os seus CANDU, que foram quem forneceu as centrais nucleares da Roménia e a 2ª central nuclear argentina, mas que para as próximas terão de concorrer em mercado aberto, segundo os planos argentinos.
A construção desta central agora inaugurada esteve parada 15 anos, devido à crise económica argentina que culminou com a bancarrota uma década atrás e de que o país tem estado a recuperar este tempo todo.

segunda-feira, setembro 05, 2011

A EFACEC presente no renascimento do nuclear!

As próximas duas novas centrais nucleares americanas, em construção, são da Southern Nuclear Operating Company e da South Carolina Electric & Gas, e são as primeiras novas após 25 anos de interrupção na instalação de reactores nucleares nos EUA. Apesar de toda a propaganda ecotópica por cá, os EUA estão com a Ásia no relançamento do nuclear, como aliás boa parte da Europa (Finlândia, Polónia, Lituânia, Holanda e Reino Unido, nomeadamente...).
Cada uma destas duas centrais americanas terá dois dos novos reactores de 3ª geração americano-japoneses, os AP 1000.
Por sua vez, cada um dos 4 geradores destas centrais terá 5 transformadores, presume-se, porque foram encomendados 20, ao todo, num contrato de vários milhões de USD. E a quem foram encomendados estes transformadores?
À nossa EFACEC!
Parabéns, portanto, a esta nossa empresa-estrela!
Os transformadores dos geradores a energia nuclear exigem uma enorme fiabilidade, porque uma avaria sua obriga à paragem de reactores que pode ser prolongada (até o transformador ser reparado). Há umas décadas atrás, quando a Inteligência Artificial estava na moda, a monitorização em tempo real e permanente dos transformadores das centrais nucleares foi das aplicações que mais I&D suscitou para a Inteligência Artificial na área da energia eléctrica.
Agora, a quantidade de transformadores encomendados mostra que o problema é resolvido, nestas centrais de 3ª geração, com redundância. Mas, mesmo assim, a qualidade destes transformadores continua a ser de enorme exigência e, portanto, a sua encomenda à EFACEC uma grande honra!

quarta-feira, julho 27, 2011

China liga à rede eléctrica o seu primeiro reactor nuclear de neutrões rápidos

Enquanto alguns ecotópicos tentam fazer passar a ideia de que a energia nuclear é uma coisa do passado e fora de moda, a I&D nos reactores de 4ª geração, ou de neutrões rápidos, prossegue, nos países com os pés na terra e ambições de futuro.
Como em tempos expliquei, os reactores de neutrões rápidos "queimam" o urânio 238 e não o 235, assim como o plutónio resultante da desintegração de ambos. Assim, não só usam recursos centenas de vezes mais abundantes que o "combustível" das centrais nucleares actuais de neutrões lentos, como dão destino útil ao principal resíduo radioactivo destas centrais, e de maior longevidade, bem como ao imenso stock de Urânio 238 resultante do enriquecimento do "combustível" actual.
Um dos projectos futurísticos desta tecnologia é o reactor de ondas móveis da TerraPower e Bill Gates de que já dei notícia, mas há muito que se faz investigação experimental em reactores de 4ª geração - na verdade, os primeiros começaram a ser testados há mais de 50 anos!...
Vem isto a propósito de que há uma semana a China ligou à rede eléctrica, começando a gerar electricidade, o seu primeiro reactor de neutrões rápidos, de 4ª geração.
É um reactor experimental, produzindo apenas 20 MW de electricidade (65 MW de calor), mas os dois próximos, de 800 MW cada, começam a ser construídos no mês que vem, ao abrigo de um acordo de cooperação com a Rússia, e um outro de fabrico inteiramente chinês está já previsto, pela joint-venture Sanming Nuclear Power Co Ltd constituída em Abril de 2010.
Os dois reactores de 800 MW agora em construção são de concepção russa, os BN-800, e resultam do aperfeiçoamento dos BN-600 (na foto ao lado) de que há um (e único no mundo...) em exploração comercial em Beloyarks. Porém, a Índia terá também o seu, de 500 MW, em exploração no próximo ano...
É por estas e por outras que ontem mesmo o Público noticiava a contra-gosto (tanto que "contaminou" o mais que pôde a notícia...), que o Director da Agência Internacional de Energia Atómica da ONU afirmou que a produção de electricidade a partir da energia nuclear vai continuar a crescer no mundo, apesar do acidente de Fukushima (onde, recorde-se, ocorreram zero mortos e feridos). Alguns países, como a Alemanha, reviram a sua política em matéria de energia nuclear. Mas muitos outros pensam que precisam dos reactores nucleares, especialmente para lutar contra as emissões de gases com efeito de estufa e o aquecimento global”, argumentou o referido Director.
Vendo isto, talvez compreendamos melhor o vaticínio de Robert Fogel, prémio Nobel da economia em 1993, segundo quem em 2040 o nível de riqueza per capita dos países da Ásia Oriental e do Sudeste será muito superior ao dos actuais países desenvolvidos...

sexta-feira, julho 08, 2011

Novidades de Fukushima: NENHUM morto pelo acidente!

Os media de dia 24 de Junho noticiaram que o Japão estima em 147 biliões de € (biliões brasileiros, ou americanos) a reconstrução das infra-estruturas danificadas pelo terramoto e, sobretudo, pelo maremoto de 11 de Março passado. Ao mesmo tempo, foi anunciado que serão gastos 0,87 na monitorização dos 2 milhões de habitantes da região próxima de Fukushima nos próximos 30 anos...
Esta quantia é 0,6% da outra, mas mesmo assim os media falam dos gastos na reconstrução do Japão lembrando sempre que "não incluem a central nuclear de Fukushima".
Na verdade, o maior problema decorrente do efeito do sismo sobre as centrais nucleares japonesas é a falta de energia que assola o país, e que levou há dias o Ministro do Economia a reclamar o regresso ao serviço de todas as centrais nucleares em boas condições.
Naturalmente, o custo do desmantelamento da enorme central de Fuskushima-Dachai (6 reactores!...) não será pequeno: 8,7 biliões de € (12 biliões de USD) é o preço estimado pelo consórcio Hitachi-Toshiba-Areva para o fazer, ao longo de 15 anos. A TEPCO já pôs de parte 1,7 biliões de € para isso. É o custo de construção aproximado de uma central e meia daquela potência (esta já estava amortizada, dados os seus 40 anos de vida), 6,5% a incluir no custo geral de reconstrução do Japão pós-sismo, incluindo os 0,87 biliões de monitorização das populações...
Considerável, certamente, mas não o principal problema da reconstrução do Japão! E uma quantia que, se não fora antecipada por inclusão no preço de venda da energia dessa central, o devia ter sido, pelo menos parcialmente.
Entretanto, informação técnica detalhada e permanentemente actualizada sobre a situação em Fukushima-Dashai pode ser encontrada aqui.
Está fotograficamente documentado que os danos foram causados pelo maremoto de 14 metros que afogou as instalações e penetrou meio km naquela zona da ilha, e que só foi igualado por outro que ocorrera há mais de um milénio e de que só há relativamente poucos anos de adquirira toda a noção do impacto tido.

Naturalmente, isto ensina que é preciso prever o imprevisível, razão das "margens de segurança" que os engenheiros conhecem tão bem e que ali permite tirar uma conclusão geral que não era considerada na época do projecto daquela central: há incidentes que podem afectar simultaneamente todos os meios de controlo da temperatura da reacção nuclear numa central nuclear! Coisa que as novas de 3ª geração agora em projecto e construção já prevêm (como no projecto de aviões, em que se vai aprendendo com a experiência dos que caem, para o que existem as "caixas negras"), mas que ainda não sucede com muitas das existentes, projectadas há 40 anos e mais (como Fukushima)...!
No caso de Fukushima-Dashai, os quase 4 meses decorridos desde o acidente têm permitido clarificar a situação e a sua sequência. Depois das explosões de hidrogénio, poucos dias depois do tsunami, e que libertaram para a atmosfera cerca de 10% das emissões radioactivas verificadas em Chernobyl, a injecção de água de arrefecimento tem mantido as coisas sob controlo. É verdade que tudo indica haver fendas nas canalizações de água ou nos contentores dos reactores, mas isso só afecta a água de arrefecimento, que tem estado a verter dos circuitos fechados a que se devia limitar e a inundar caves com água altamente radioactiva. 110 mil toneladas dela!...
Mas é um problema localizado à central e em resolução. Foram instalados sistemas de limpeza da água (retenção do césio), que está já a ser reinjectada nos reactores, depois de limpa e dessalgada, e o nível da água nas caves estabilizou. O césio assim extraído é depois vitrificado, impregando a zeolite usada no processo.
Entretanto, os nossos media fizeram amplo eco da decisão do Governo alemão de fechar os seus reactores quando chegarem ao fim da vida (logo se verá, porém...), de igual decisão da Suíça e do referendo italiano que recusou o retorno da Itália à energia nuclear.
Porém, nenhuma notícia foi ouvida sobre a decisão do Governo inglês de renovação do seu parque de centrais nucleares, sobre a do regulador francês prolongar em mais 10 anos a vida da mais antiga central nuclear francesa, sobre o decreto saído hoje mesmo do Governo russo declarando a tecnologia nuclear como uma tecnologia prioritária para o país, ou sobre os progressos da Lituânia na encomenda dos seus novos reactores...
É que, sabem, ... não morreu ninguém no Japão, nem adoeceu, por causa do acidente em Fukushima-Daichi!
----
29 de Agosto: um extra, para os preocupados:

sábado, junho 25, 2011

Uma energia alternativa

Há 25 anos, quando se falava em "energias alternativas" queria-se dizer "renováveis". Hoje, que as fontes de energia renovável ganharam os favores políticos (e subsídios!) de vários Governos e o controlo dos media, a energia alternativa é a... nuclear!
Uma das tácticas que recentemente os propagandistas da ecotopia começaram a usar é a de conotarem a energia nuclear como uma forma de produção démodée, do passado, um arcaísmo com os dias contados, como a lenha ou o carvão. E, no entanto, como defende Bill Gates, ainda vamos só no início da tecnologia nuclear, e só um futuro baseado nas centrais de neutrões rápidos poderá fornecer à Humanidade energia abundante a preços módicos!
Bil Gates, como há cerca de um mês escrevi, financia um projecto inovador (Terrapower) baseado no conceito de uma onda móvel de reacção nuclear,  que tem estado a ser exaustivamente simulado em computador por uma empresa que financia. O novo reactor é fornecido de plutónio e urânio 238 remanescente das centrais existentes e das bombas desmanteladas e nunca mais é aberto, prevendo-se que funcione durante 40 anos com o "combustível" inicial, simultâneamente dando assim destino a esse "lixo" nuclear.
Agora, o projecto está em condições de passar à fase experimental, como noticia aqui a Scientific American, e procura quem esteja disposto a suportar a experiência pelas décadas necessárias à demonstração de que os respectivos materiais e equipamentos se portam como previsto (ou não, o que fará parte da aprendizagem).
O projecto tem o suporte da Administração Obama e de congressistas republicanos, mas será provavelmente na Rússia ou na China que será construído o protótipo.

quarta-feira, junho 01, 2011

Os biólogos de Chernobyl e o novo emprego dos engenheiros nucleares alemães

Após o post que escrevi ontem sobre o destino da população de Pripyat, algumas questões de leitores levaram-me a uma busca mais detalhada sobre as investigações levadas a efeito na zona de exclusão de Chernobyl (um círculo com 30 km de raio) por biólogos internacionais.
Existe um estudioso ucraniano lá, o Dr. Sergej Gashak, que colaborou com várias equipas internacionais de cientistas, uma delas de cientistas da Universidade do Texas que publicaram vários trabalhos de invulgar rigor, como este aqui.
Outro paper deles de rara honestidade intelectual, publicado em 2007, adquiriu grande notoriedade e merece especialmente ser lido: Growing up with Chernobyl.
Estes investigadores tinham sido responsáveis pela atribuição de certas variações genéticas em animais de Chernobyl a mutações causadas pela radioactividade, publicada na Nature em 1996, e vieram mais tarde a concluir que se haviam enganado e que essas mutações não existiam, coisa que narram neste paper e de que se retrataram com rara honestidade intelectual na própria Nature em Novembro de 1997.
Basicamente, os trabalhos deles apontam para a conclusão de que, efectivamente, baixas doses de radiação prolongada são pouco absorvidas e não causam danos patológicos visíveis na fauna, embora causem efeitos detectáveis no ADN mitocondrial.
Após a redução da radioactividade inicial que "pintou de vermelho" a floresta da zona, a vida tem florescido saudável em Chernobyl e o sarcófago do malfadado reactor está agora cheio de ninhos de pássaros (na figura, fotos da fauna actual de Chernobyl).

Alguns outros biólogos que andaram por Chernobyl tiraram conclusões diferentes, como uns que concluíram por uma redução do tamanho da cabeça de certos pássaros em 5%, que atribuíram a uma mutação radioactiva. Mas os texanos questionam os métodos deles, e Dr. Gashak, que os ajudou no terreno e viu o seu nome incluído nos papers deles sem sua autorização, contesta essas medições de cabeças e o rigor com que foram feitas.
Entretanto, como se sabe, a Alemanha anunciou que os seus reactores nucleares serão definitivamente fechados em 2022. Apesar disto ser uma medida reversível e sem efeitos práticos imediatos, o Secretário Geral da Agência Atómica chinesa, Xu Yuming, apressou-se de imediato a oferecer emprego aos engenheiros e cientistas nucleares alemães: ‘We invite the German specialists to research for us in China and to work. The German nuclear plants are among the best in the world, the engineers and scientists have a great reputation’.
O vento sopra do Oriente e a "Europa" que se cuide!

terça-feira, maio 31, 2011

O destino da população de Pripyat

O canal Odisseia passou no domingo de 29 de Maio um programa intitulado "Grandes Desastres" ecológicos que incluiu uma referência ao acidente nuclear de Chernobyl em 1986.
Já o documentário ia avançado quando comutei para o canal, a tempo de ver contar como a população de Pripyat, a cidade de 50 mil habitantes apenas a 3 km da Central nuclear, fora toda metida em autocarros "com as mãos nos bolsos" e tirada da cidade sem mais explicações, no dia seguinte ao do rebentamento do reactor. E o narrador explicava: "... milhares deles morreriam nos meses seguintes devido à radioactividade recebida".
As mentiras que se contam sobre os mortos causados pela radiação do acidente de Chernobyl são comparáveis, na História Contemporânea, às mentiras dos nazis sobre os judeus ou às dos maoístas sobre o sucesso do "grande salto em frente" nos anos 50 na China! Na verdade, nem sei como ainda não se lembraram de descobrir que os pepinos mortais que invadiram a Alemanha foram secretamente contrabandeados de Fukushima...:-))

É verdade que Pripyat foi toda evacuada e se transformou numa cidade fantasma, até hoje. E é verdade que a população deslocada sofreu duramente com essa deslocação, agravada com o desabamento das estruturas sociais e económicas que se seguiu ao fim do comunismo na Ucrânia, poucos anos depois, e que todos verificámos quando os seus imigrantes cá chegaram em massa! Mas o que não é verdade é que tenha sofrido "milhares" de mortes devido à radioactividade recebida de Chernobyl!!!
Pripyat foi severamente irradiada nas horas subsequentes ao rebentamento do reactor e início do respectivo incêndio. A figura ao lado, retirada deste relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde) feito um ano depois, mostra como evoluiu ali a radioactividade na atmosfera a 1 metro de altura do solo (radiação gama, capaz de atravessar a pele) nessas horas (10 ao cubo mR/h equivalem a 10 mSv/h). Na altura estimou-se que a máxima radiação absorvida poderia ter atingido 0,1 Gy (~0,1 Sv para ) mas, mais tarde, tendo em conta o facto das pessoas não terem passado o tempo todo na rua mas estarem maioritariamente dentro de edifícios, essa estimativa foi corrigida para de 1/2 a 1/5 das previsões iniciais.
Como já divulguei aqui, abaixo de 100 mS de exposição à radioactividade não há provas de efeitos nocivos da mesma, aparte o efeito do radioIodine absorvido por crianças e que, por o organismo destas assimilar o iodo todo e o concentrar na tiróide, sobretudo se tiverem deficiência dele, aumenta 10 a 20 vezes o risco do raro cancro infantil nesse orgão (efectivamente verificado na região, embora com uma taxa de mortalidade muito baixa, inferior a 1%).
Mas que aconteceu então depois à população de Pripyat e dos arredores de Chernobyl, de que 70% se vieram a alojar em Kiev, a capital da Ucrânia?
De entre os muitos estudos que vieram a ser feitos sobre o assunto, vale a pena mencionar este, realizado pelos cientistas da Academia de Medicina da Ucrânia, 15 anos depois. O estudo detectou, efectivamente, um aumento do já mencionado cancro infantil da tiróide, e um aparente pequeno aumento do cancro da mama em mulheres mas, globalmente, o que constata para as regiões que mais radioactividade apanharam foi... uma redução global da taxa de cancro! O gráfico e a tabela anexos mostram-no.


Vale a pena notar que tal paradoxal redução da taxa global de cancro (relativamente à demais população) também foi encontrada nos sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki, e poderá parcialmente explicar-se pela relativamente maior atenção médica de que estas populações gozaram depois da exposição, ao longo da vida.
Porém, os estudos epidemiológicos deste tipo são muito difíceis, por razões que vou tentar explicar sumariamente em termos simples: a sua ideia base é a de comparar o número de cancros ocorridos nas pessoas sujeitas a determinado agente suspeito (neste caso, radioactividade) com o que seria de esperar "normalmente", e ver se há um acréscimo estatisticamente significativo (as conclusões estatísticas só são fortes para grandes números).
O problema, porém, é que há imensos outros factores que também mudam a susceptibilidade das pessoas e populações ao cancro, e por isso não é simples a tal comparação com o que seria "normal" esperar. Por exemplo, os japoneses têm, para o mesmo grau de tabagismo, quase 10 vezes menos cancros de pulmão que os americanos e europeus, mas em contrapartida têm quase 12 vezes mais cancros de esófago e estômago por razões mal-conhecidas! Os negros têm muito mais cancro da próstata que os brancos, e depois há os factores ambientais, os "confundidores". Um exemplo clássico foi o estudo que, décadas atrás, "descobriu" que o café provocava cancro do pulmão, até se verificar que havia uma grande correlação entre o consumo de café e o de tabaco!
E há os factores "confundidores" que se desconhecem e que, em certas regiões e épocas, aumentam muito a incidência de certos cancros (como por exemplo a leucemia infantil, que tende a ocorrer em "clusters" regionais e temporais por causas desconhecidas).
Por estas razões, um bom estudo epidemiológico sobre o efeito da radioactividade (ou qualquer outro agente) sobre a incidência de cancro não deverá comparar simplesmente a taxa de cancros das pessoas expostas ao agente suspeito com a "média geral", mas sim com a média dos que, estando exactamente nas mesmas condições relativamente a possíveis factores confundidores (tipo populacional genético, modo de vida, ambiente, etc), só difiram no facto de não terem sido expostos ao tal "agente suspeito". E é ainda importante que o número desses outros seja grande, para que os seus valores médios possam efectivamente ser considerados como termo de comparação estatisticamente significativo, um padrão de "normalidade"!
A somar a estas dificuldades, há a dificuldade de determinação da dose real de agente suspeito a que foram expostos os investigados. Pode-se ter estado em Pripyat e ter bebido acidentalmente um copo com água contaminada, ou não...
Outro aspecto relevante são os números absolutos, para além dos adicionais estimados. Por exemplo e relativamente ao cancro da mama recenseado no estudo da Academia Médica ucraniana acima citado, regista-se um aumento médio de 50%, mas o número real de casos adicionais estimados é de 87 num total de 90 mil mulheres seguidas ao longo de 7 anos, o que deve ser apreciado, como nota o próprio estudo, com o facto de ser verificado uma grande variedade de "clusters" de casos tanto regional como temporalmente.
Tudo isto torna estes estudos difíceis de pôr em prática e também os susceptibiliza a todo o tipo de erros de método, involuntários ou propositados! Sobretudo quando a diferença entre o "normal" e o "suspeito" é pequena em termos relativos, como acontece precisamente para doses de exposição à radioactividade inferiores a 100 mSv!
Isto tem levado a que seja quase consensual na OMS e outras instituições especializadas, no presente, a impossibilidade de demonstração epidemiológica de aumentos da incidência de cancro para exposições radioactivas inferiores a 100 mSv (e para esta "dose" o risco adicional de cancro admitido pela LNT- ver abaixo - é de 0,5%), como disse - apesar de haver cientistas que continuam a tentar tais demonstrações, a que poderá não ser alheio o facto de terem na subsidiação desses estudos o seu modo de vida (como Elisabeth Cardis, quiçá a epidemiologista que mais tem publicado sobre o assunto e graças ao qual conseguiu o lugar que detém na Comissão Europeia, onde dirigiu um estudo similar sobre o efeito dos telemóveis sobre o cancro cerebral, que custou 17 milhões de € e que chegou a conclusão... nenhuma). Cardis, por exemplo, é autora de um dos estudos mais recentes sobre o efeito de Chernobyl, que pode ser consultado aqui: como de costume, conclui que os dados existentes são insuficientes, que no entanto parecem confirmar o alarme existente, e que por isso... são precisos mais estudos!
Conheço outros meandros onde se passa a mesma coisa, como nos alegados efeitos das linhas de Alta Tensão sobre a leucemia infantil...
Mas pode-se questionar: e não haverá outra maneira, sem ser pela epidemiologia, de se saber se sim ou não, baixas doses de radioactividade provocam cancro? Por exemplo, pela biologia molecular, pelo estudo experimental?
Ora esta é uma das questões mais curiosas sobre o assunto, porque, ao contrário do que se possa pensar, há neste outro domínio científico duas posições contraditórias, ambas suportadas em resultados experimentais e em boas conjecturas.
A primeira posição argumenta que, sendo ionizante, a radioactividade tem sempre capacidade de alterar o ADN, e portanto de provocar mutações cancerígenas. Quanta mais, maior a probabilidade, e daí o estabelecimento de uma relação linear sem limiar mínimo (LNT - Linear with No Threshold) para o risco de cancro causado pela radioactividade. Nesta óptica, a própria radioctividade natural ambiente causará alguns cancros, de facto 1% de todos os cancros, e é uma óptica prudente que fundamenta as práticas e limiares de protecção internacionais. Sublinhe-se, porém, que se trata apenas de uma conjectura!
De facto, a segunda posição assume a existência de um limiar mínimo para a perigosidade e não parece menos sensata: argumenta ela que os organismos têm, pela própria natureza da vida, permanentemente em luta contra todo o tipo de agressões (a começar pelos vírus...), mecanismos de adaptação e reparação dessas agressões a que são sujeitos e que, por isso, uma agressão ligeira não só não tem efeitos que o organismo não repare, como até lhe estimula a imunidade.
É a teoria que é aplicada nas vacinas e em muitas práticas médicas, do aconselhamento do exercício físico (moderado) à reabilitação do vinho bebido em doses moderadas. E também esta teoria tem fundamento experimental a nível celular, e é considerada pela Academia das Ciências francesa como aplicável à exposição à radioactividade.
No estado actual da Ciência não há consenso sobre qual das teorias é verdadeira mas, pelo sim, pelo não, as instituições internacionais responsáveis adoptam a primeira (LNT), como medida de precaução. O que parece sensato.
O que não se pode é, daí, usar essa teoria como estando confirmada cientificamente e extrapolar números de mortos por radioactividade que é impossível confirmar!

E à margem desta discussão: sabem que aconteceu às regiões de Chernobyl que foram desocupadas de presença humana, ao longo destas décadas? Paisagem lunar, não?
Pois não: transformaram-se em selva primitiva, verdadeiro paraíso ecológico para flora e fauna, livres que ficaram da presença humana! Abundam os cavalos selvagens mongóis antes quase extintos (foto anexa da National Geographic) e até o considerado extinto lince europeu agora lá se encontra...

sábado, maio 28, 2011

Prioridades para uma opção nuclear em Portugal

Os que me conhecem sabem que sou um admirador da tecnologia nuclear (e da tecnologia aeronáutica, da dos computadores, etc...).
Sou também um opositor assumido das mistificações propagandísticas, do obscurantismo anti-científico e da mentira tecnológica.
Não resulta daqui que defenda, porém, a "opção nuclear" para Portugal como uma compra "alternativa" no Media market, ao estilo do que se fez com as eólicas ou o solar!

Julgo oportuno recordar o que escrevi sobre isto em Janeiro de 2010:

Desde a decisão de construção de uma central nuclear até ao início dessa construção, a experiência finlandesa, por exemplo, mostra que são precisos pelos menos 4 anos. E a construção em si também não demora menos de 4 anos.
Por outro lado, antes da decisão é preciso fundamentá-la e precisá-la. Isso requer estudos, a fazer por especialistas devidamente geridos, que nunca demoram menos de 2 anos .... Pelo que se a decisão de se avançar para tal empreendimento se tomasse agora, correndo tudo bem e a marcha acelerada, teríamos a nossa nuclear em 2020. Mesmo a tempo de substituir a central de Sines, e dando tempo a que os processos de construção no estrangeiro das primeiras centrais de 3ª geração ganhassem experiência e maturidade, isto é, entrassem em produção em série. Note-se que estou a falar de uma central de 1500 MW médios, portanto com um reactor de 1650 MW para trabalhar 90% do ano, e que custaria, sem juros e bem negociado (2000 €/MW), 3,3 biliões de !...


Porém, há muitos outros factores a planear sistemicamente para que tal decisão se inserisse numa estratégia sustentável para as gerações vindouras, como por exemplo:
> Um acompanhamento de perto da evolução das opções tecnológicas no mercado, bem como de todas as experiências internacionais na matéria quanto a todos os aspectos do ciclo produtivo da energia nuclear.
> O levantamento de todos os aspectos onde se poderia maximizar a incorporação técnico-económica nacional. A Espanha, por exemplo, participa na preparação do urânio das suas centrais;

> A preparação de recursos humanos qualificados. Uma boa ideia seria começar por enviar alguns estudantes de elite para se doutorarem onde haja engenharia nuclear suportada em experiência industrial, e outra seria a FCT disponibilizar alguns fundos para I&D nacional aplicada nessas áreas, de modo a fixar alguns interessados no tema;
> O permanente diálogo com as populações e a opinião pública, e a total transparência dos processos e decisões, únicas atitudes que, como estudos feitos pelas próprias empresas do ramo mostram, inspiram às populações a confiança necessária à aceitação do nuclear.

Mas, além dos trabalhos de estudo e planeamento, será preciso que haja elevados padrões éticos e estabilidade nas estruturas que tomassem estas responsabilidades.
...
Há mais de 50 anos o Estado pensou que a energia nuclear seria o futuro e decidiu preparar o país para isso. Criou para tal uma estrutura (directamente dependente do centro do poder, Salazar, na altura), a Junta de Energia Nuclear, e adquiriu até um reactor para estudo que ainda existe, em Sacavém.
Depois da queda do regime essa estrutura ainda hoje conserva umas centenas de pessoas, mas foi desarticulada, despojada de objectivos e responsabilidades, e hoje nem os resíduos radioactivos dos hospitais monitoriza!
É discutível, pois, se no presente Portugal tem categoria para vir a ter energia nuclear, ou se o futuro não será importá-la toda de Espanha,
um futuro em que Portugal será apenas a província mais pobre desse país vizinho.


E, pouco depois, em Fevereiro de 2010, precisei algumas destas ideias:

Não se trata, porém e no imediato, de considerar a compra de uma central nuclear, com a mesma irresponsabilidade e ausência de planeamento com que foi feita a importação de equipamentos de energias renováveis, mas sim e apenas de iniciar a preparação de uma possível futura opção nesse sentido.
Dado o conjunto de aspectos a considerar, é necessária uma estrutura organizativa que coordene esses aspectos. E, dados os longos tempos a envolver nas acções e eventuais investimentos associadas, a actividade dessa estrutura não deverá obedecer aos horizontes temporais de calendários eleitorais. Por esta razão, é necessário que a sua criação resulte de um pacto de regime que garanta uma maioria de apoio parlamentar permanente, e é também imperioso que a sua chefia tenha uma independência imaculada de outros interesses que não os nacionais, sendo por isso recomendável que a sua nomeação requeira a anuência da Presidência da República, podendo a atribuição de funções militares de prevenção e segurança facilitar essa tutela Presidencial. Vale a pena recordar, aliás, que a Junta de Energia Nuclear criada há mais de 50 anos dependia directamente de Salazar, e não do Governo de ocasião. Aliás, o aqui proposto é a refundação de uma Junta como essa, para iniciar a preparação de uma possível opção nuclear!
Esta Nova Junta da Energia Nuclear deverá dispor de uma Comissão Executiva com 3 membros, e constituir um Conselho Consultivo onde estejam representados reconhecidos peritos das áreas relevantes e com um leque de sensibilidades ideológicas diversificado, que garanta o escrutínio e a transparência de todas as actividades desenvolvidas. As actividades prioritárias da Comissão Executiva, a terminar no prazo de um ano, deverão incluir:

a) A recolha e análise de todos os estudos parcelares realizados no passado sobre a opção nuclear para Portugal;
b) A constituição de uma equipa interdisciplinar de técnicos de primeira qualidade, cobrindo nomeadamente os aspectos das engenharias civil, mecânica, de controlo e automação, a Física nuclear tecnológica, a Geologia, as Finanças e as Seguranças civil e militar;
c) A identificação das normas internacionais, das necessidades de recursos técnicos especializados futuros e dos projectos em curso ou lançamento noutros países.

Numa segunda etapa, esta Nova Junta deverá preparar, num prazo adicional de 4 a 5 anos, já com a equipa técnica de alta qualidade criada na 1ª etapa e uma definição de objectivos mais precisa:

1) O estudo das opções tecnológicas e comerciais disponíveis internacionalmente;
2) O estudos dos possíveis modelos de financiamento;
3) As normas técnicas nacionais, em harmonia com as internacionais existentes e em particular as europeias, detalhadas e precisas, a aplicar nos projectos de centrais;
4) A formação dos recursos humanos necessários ao acompanhamento e fiscalização de obras;
5) A pré-selecção de locais apropriados;
6) A definição das actividades económicas sustentáveis para as quais se possa associar a máxima incorporação nacional, da preparação do combustível ao tratamento de resíduos, passando pelo aproveitamento dos jazigos nacionais de Urânio;
7) As colaborações internacionais desejáveis, técnicas, económicas e de segurança;
8) A preparação de um Caderno de Encargos rigoroso para uma Central Nuclear.
9) O debate público aberto e esclarecedor das opções em apreço.

Finda esta preparação, que se iniciada já poderia estar concluída em 2015 ou 2016, o país estaria em condições de decidir se avançaria ou não para a construção de uma Central nuclear. Até lá muita coisa evoluirá no domínio das opções internacionais de energia nuclear, dando tempo a que se venha a aproveitar a experiência alheia. Se por volta de 2015 ou 2016 se tiver efectivamente verificado o renascimento do Nuclear, Portugal estará em condições de fazer a opção correspondente, podendo vir a ter a sua primeira central a tempo de substituir a de carvão em Sines, dentro de uma década. Se não for essa a evolução que ocorrer, também não terá sido grande a perda incorrida nesta preparação - afinal o país custeou por mais de 50 anos uma Junta de Energia Nuclear de que não retirou qualquer préstimo!
A ausência da preparação desta opção é que poderá ser trágica!


É de notar que esta posição não é uma extravagância minha. Na verdade, é a da própria Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), que estabeleceu um guia (DS 424) para a implementação das suas normas internacionais de segurança nuclear, de especial importância para países sem experiência prévia no assunto, como se pode ver aqui, e aqui.
Resumidamente, a IAEA prescreve três etapas até um país estar em condições de gerir uma primeira central nuclear, com um papel central do Estado do país em causa durante pelo menos metade do processo:
  • Pre-project phase 1 (1-3 years) leading to knowledgeable commitment to a nuclear power program, resulting in set up of a Nuclear Power Program Implementing Organisation (NEPIO).  This deals with the program, not the particular projects after phase 2.
  • Project decision-making phase 2 (3-7 years) involving preparatory work after the decision is made and up to inviting bids, with the regulatory body being established.  In phase 2 the government role progressively gives way to that of the regulatory body and the owner-operator.
  • Construction phase 3 (7-10 years) with regulatory body operational, up to commissioning and operation.

quarta-feira, maio 18, 2011

Bill Gates e a Terrapower

Tenho vários amigos que são incondicionais admiradores de Bill Gates, o criador da Microsoft e que tornou os PC tão vulgares como os sapatos.
Além do seu papel na popularização dos computadores, Bill Gates é também conhecido por ser um dos homens mais ricos do Mundo, por ser um comunicador despretensioso, e um benemérito mundial.
O que talvez seja menos conhecido é o interesse de Bill Gates pela energia e os seus investimentos e patrocínios neste sector.
Há 2 semanas, mais uma vez, ele expressou em Nova Iorque a sua opinião sobre as opções energéticas mundiais: "“We get sloppy” in the rich world, because we can afford to pay extra for solar or wind power. But in order to make a real impact, the costs have to become competitive with current fossil-based energy. “In 80% of the world, energy will be bought where it is economic.” says Gates. “You have to help the rest of the world get energy at a reasonable price.”"

Bill Gates mantém investimentos em praticamente todas as tecnologias energéticas, das baterias ao solar e aos biocombustíveis, e muito em particular na Terrapower, porque, diz ele: "We should pursue them all. The amount of IQ working on energy today and the tools they have to simulate compared to 20 years ago is night and day, but it is unpredictable whether we will get a breakthrough."
Porém, é conhecido que relativamente à microgeração ele é muito céptico: "What about distributed energy where every house generates their own and feeds it back into the grid? Gates thinks that is a “cute” idea, but “it’s not gonna happen.” Bigger power generation facilities, such as solar fields in the desert, are necessary. “If you are going for cuteness, go after the those things at the home. If you want to solve the energy problem go after the big things in the desert.”

Pelo contrário, o seu projecto energético preferido é a Terrapower, uma start-up sua mas dirigida por um amigo seu. E que projecto é este?
Um reactor nuclear de IV geração, que usa um princípio patenteados em 1990 e denominado de "onda móvel" (travelling-wave reactor). O seu autor explica aqui sucintamente a ideia, considerada pelo MIT como uma das "10 tecnologias emergentes de 2009". O reactor é carregado com urânio normal (por exemplo remanescente dos processos de enriquecimento usados para a separação dos 0,7% de U235), e vai-o transformando em plutónio e consumindo este. A "onda móvel" assim gerada tem uma velocidade de propagação, dentro do reactor, de... 1 a 2 cm/ano!
Eis um projecto de Investigação com que eu, se fosse Físico, sonharia!
E é por estas e outras que quando me dizem que "em 2050 toda a produção energética mundial poderá ser descarbonizada" fico a pensar: a tal horizonte, tudo é possível, tanto tudo vir a ser solar ou eólico, ligado em super-redes continentais, como nuclear de 4ª geração com reactores de ondas móveis...
Claro que eu preferiria os últimos, já que com um reactor desses tanto se poderia viver numa cidade das actuais, como em Marte, na Antártida, num mundo submarino ou em Gliese 581 g...

quinta-feira, abril 28, 2011

terça-feira, abril 26, 2011

O mix eléctrico europeu. II - Norte e Leste

Na parte I deste texto, percorri metade da União Europeia de 27 países em que estamos integrados, de Espanha à República Checa, caracterizando sumariamente o respectivo mix energético. Deixei de lado, por irrelevantes e por terem condições particulares que os tornam incaracterísticos, Chipre e Malta, e também deixarei o Luxemburgo, na viagem de regresso. Como se viu, dos países visitados apenas um não tem nem quer ter energia nuclear: a Áustria!

Viajando agora para norte da República Checa, chegamos à Alemanha, o coração da União, o seu motor económico e também o seu país mais populoso. Com 82 milhões de habitantes (7 dos quais estrangeiros), a Alemanha consome 13 vezes a nossa electricidade, o que significa ter 140% do nosso consumo per capita - uma excelente conservação energética, comparando com outros países vizinhos e tendo em conta o seu alto poder de compra!
Desde 1998, data em que o partido Verde chegou ao poder através de alianças com os partidos tradicionais, que a Alemanha proclamou uma voluntarista estratégia "green" visando ter 50% da sua electricidade de origem renovável. A Alemanha foi o primeiro país em que os "verdes", um movimento ideológico internacional de raízes germano-flamengas nascido na extrema-esquerda dos anos 60, e nos movimentos pacifistas (anti-americanos) e anti-nucleares dos anos 70 e 80, chegaram ao poder, apesar de terem menos de 11% do eleitorado.
Uma das primeiras conquistas dos "verdes" alemães foi o compromisso de abandono da energia nuclear na Alemanha em 2000, espírito que com toda a evidência passou também a dominar a política energética do Directório de Bruxelas. É entretanto de notar que, já quando da reunificação alemã em 1990, todos os 5 reactores nucleares da Alemanha de Leste foram encerrados por alegada falta de segurança, o que se inseriu num forte sentimento anti-nuclear que se estabeleceu após Chernobyl (a Alemanha também apostara no nuclear depois do choque petrolífero de 1973, como a França). No entanto, a ideologia dos "verdes" alemães deve ser confrontada com a realidade do seu país.
Ora, contrariamente à filosofia "green" a que a Alemanha tenta conduzir os seus parceiros europeus, a grande fonte da sua electricidade, 46% dela, é... o carvão! Na verdade, a Alemanha só é superada no uso de carvão para produção de electricidade pela China, pela Índia e pelos EUA!
Depois do carvão, a principal fonte da electricidade alemã é... o nuclear! Os seus 17 reactores nucleares geram agora apenas 19% da electricidade consumida, mas há 5 anos geravam 23% e há uma década geravam 27%! De facto, é o nuclear que tem sido o alvo principal dos "verdes", e não as emissões de CO2! E a pressão é de tal ordem que a Siemens, o principal suporte tecnológico e industrial da energia nuclear alemã, tem mesmo vindo a abandonar essa tecnologia, como o atesta a muito recente venda à AREVA francesa da sua parte na parceria que tinham!
Presentemente, dos 35% de electridade gerada sem origem no carvão e no nuclear, 18% são satisfeitos por gás natural importado da Rússia, tendo sido atingidos 17% de origem renovável, de que só 6.5% é eólica (com um péssimo factor de utilização médio de 18%), enquanto o resto se baseia em caríssimo solar, hídricas (3.5%) e, sobretudo, biomassa. Com isto, não admira que a Alemanha tenha a 2ª electricidade mais cara da Europa e que é ainda agravada com um pesado IVA de perto de 20%, redundando num preço ao consumidor que é 50% superior ao nosso!
No entanto, a Alemanha lidera a tecnologia destas fontes renováveis e 80% do mercado alemão de energia eólica é satisfeito por indústria alemã, particularmente pela ENERCON, que também domina o panorama português por decisão de Comissões nomeadas pelo nosso Governo. Como em tempos mostrei, os alemães consideram a subsidiação à energia eólica pelos outros países da União indispensável à prosperidade da sua evoluída indústria de aerogeradores.
Nos últimos anos, o Governo de Merckel tinha vindo a arrepiar caminho na desnuclearização da sua produção energética, dada a impossibilidade de cumprimento das reduções de emissão de CO2 sem o nuclear e com a importância que tem o carvão no país (47 mil empregos). Em 2009 a decisão de encerramento das centrais nucleares acordada com os "verdes" em 1998 foi cancelada, e em 2010 foi autorizada a extensão a 60 anos da licença de funcionamento das centrais perto de atingirem 40 de vida mas, no mês passado, depois de Fukushima e da derrota eleitoral do seu partido, Merckel recuou e fechou as nucleares mais antigas! Com isto e para já, não restará à Alemanha outra solução que o reforço da geração a carvão e das emissões de CO2...!
Esta política alemã pode ser classificada com uma expressão que traduz a defesa da ecologia para os outros mas colocando os seus interesses nacionais primeiro: "nacional-ecologismo"! Com efeito, esta política tem tanto de utopia irracional como de impositiva para os países vizinhos...

Outro dos países vizinhos com que, precisamente, a Alemanha tem tentado ser impositiva, é a Polónia. A Polónia, com uma população semelhante à de Espanha, tem um PIB per capita intermédio entre o da Eslováquia e o da República Checa e um consumo também per capita de cerca de 80% do nosso, apesar do clima frio e de preços da electricidade que são apenas 70% dos nossos antes de IVA.
A situação e a estratégia de futuro polacas têm semelhanças com as da República Checa: a percentagem de electricidade produzida a partir do carvão é ainda maior, 90% (!), com 5% para  gás natural e cerca de outro tanto para renováveis (predominantemente hídricas e biomassa)
Entalada entre as pressões para reduzir as emissões de CO2 e a dependência de fornecimento de gás natural da Rússia, a Polónia decidiu apostar na substituição do carvão pelo nuclear, complementando-o com renováveis sobretudo criadoras de emprego - biomassa e biogás, e um pouco de eólica também. A 4 de Junho passado, em entrevista à nossa Vida Económica, a Ministra da Energia da Polónia explicava a aposta do seu país para o cumprimento dos compromissos europeus no domínio da redução de emissões e de energias renováveis: a decisão de substituir o carvão pelo nuclear, e a aposta, além de na eólica, na biomassa e no biogás, que irão ter lá maior peso que cá. E a Ministra justificava: "... prevê-se a criação de cerca de 2 mil centrais a biogás na Polónia. São centrais relativamente pequenas a instalar em todo o país para complementar e criar uma nova fonte de rendimento para o sector agrícola".
O plano polaco, que vem germinando há já alguns anos (de facto desde os anos 90), inclui a devida preparação de recursos humanos e aponta para uma primeira central de 3000 MW, de localização a comprometer em 2013 e construção a iniciar em 2016, para estar pronta em 2020. Nem mesmo os recentes acontecimentos de Fukushima tornaram o apoio popular a esta estratégia inferior a 50%.
Quem já manifestou o seu desagrado com a opção polaca foi a Alemanha. O Presidente do Estado alemão de Bradenburgo pediu à Polónia para desistir do seu projecto (já aprovado pelo Parlamento), ao que o Primeiro-Ministro polaco respondeu: "Calls from a friendly political leader from the other side of the border, Mr. Platzeck, for Poland to stop the project appeared somewhat inappropriate to me. A country that has about 16 nuclear power plants shouldn’t be too concerned with our plans to build the most modern plants available on the market". E o Primeiro-Ministro polaco acrescentou: "We can’t succumb to hysteria about it [Fukushima Daiichi],” ... “The reason for radiological risks in Japan isn’t an accident at the nuclear plant, but an earthquake and tsunami"!...

Da Polónia passamos aos pequenos e pobres estados bálticos.
A Letónia tem 2,2 milhões de habitantes, mas é um país pobre, com metade do consumo energético europeu per capita, apesar do seu preço da electricidade ser dos mais baixos da União (2/3 do nosso). 65% da sua geração eléctrica é hídrica, complementada principalmente com gás natural importado, o que lhe dá o estatuto de país(ito) da União com maior percentagem de energia renovável.

Por outro lado a Lituânia tem 1/3 da população portuguesa (3,37 milhões de habitantes) e caracteriza-se também por uma pobreza considerável, tendo a sua electricidade um dos preços mais baixos da União (65% do nosso) mas mesmo assim um consumo per capita pouco superior ao nosso, apesar do clima gélido. 78% da sua electricidade era de origem nuclear própria, mas o seu mix também inclui 15% de renováveis, essencialmente biomassa. O resto é gerado principalmente a partir de petróleo. Porém, em 2009, a Lituânia foi compelida pela União Europeia a encerrar os seus reactores russos, ficando desde então na penúria energética e quase completamente dependente da Rússia para o fornecimento de electricidade.
Em 2007, entretanto, os três estados bálticos e a Polónia acordaram na construção em parceria de uma central nuclear de 3200 MW (2 reactores modernos) na cidade de Visaginas, perto da fronteira russa. Nos finais de 2010 um concurso internacional para o fornecimento de reactores foi anulado, tendo-se decidido avançar para negociações directas, após reafirmação do apoio ao projecto pelos governos dos 4 países parceiros. Uma potente linha de 400 kV será construída em 2015 entre a Polónia e a Lituânia, e a central espera-se que entre em funcionamento em 2020.

Finalmente a Estónia tem apenas 1,3 milhões de habitantes, e por isso apenas noto que é razoavelmente desenvolvida (o "tigre báltico") e que gera 90% da sua electricidade a partir de um espesso óleo xistoso nacional. O preço da sua electricidade é o mais baixo da União depois do da Bulgária, e a Estónia tem projectado o seu crescimento energético co-participando na central nuclear de Visaginas na Lituânia, embora a Rússia também a pretenda envolver num projecto alternativo de uma nuclear sua em Kalinegrado.

Dos pequenos estados bálticos passamos à Escandinávia, chegando à Finlândia. Com pouco mais de metade da população portugesa, o seu consumo per capita é no entanto 3,4 vezes o nosso (!), de facto o maior da União, com um preço que é, antes de IVA, 70% do de cá.
A base da geração de electricidade finlandesa é a energia nuclear com 4 reactores (30%) e o carvão (30%), mas a Finlândia sofre de um défice energético crónico e importa 13% da sua electricidade. A biomassa e a queima dos lixos geram 16% da restante electricidade, as hídricas 14%, e as eólicas quase nada (0.5%), mas a produção termoeléctrica é também usada para gerar calor para aquecimento urbano.
A Finlândia prevê colmatar o seu défice energético e fazer face ao futuro reforçando a aposta na energia nuclear, relativamente à qual desenvolveu uma exemplarmente apurada tecnologia de exploração. Com um moderno reactor de III geração actualmente em construção pela AREVA, tem ainda projectados mais 2, após aprovação parlamentar com apoio de 60% dos eleitores; os 4 existentes são metade de origem russa, e metade de origem sueca (ABB). O que está em construção deverá entrar em operação em 2013 e,  no conjunto, quando todas prontas, as centrais nucleares finlandesas deverão cobrir 60% do consumo nacional.

Da Finlândia passamos à Suécia, que tem um consumo per capita pouco menor que o finlandês (3,1 vezes o nosso) e uma população pouco inferior à nossa (9,35 milhões). Auto-suficiente energeticamente, 45% da sua electricidade é de origem hídrica (barragens situadas no norte do país), mas 40% é nuclear. O resto é essencialmente biomassa, e um pouco de todas as outras, incluindo 1.6% eólica. O preço da electricidade sueca é praticamente igual ao nosso sem IVA, mas o seu IVA é de cerca de 20%, enquanto o nosso é de 6%; ou seja, o Estado lá financia-se na energia!...
Relativamente ao futuro, a Suécia tinha decidido em 1980, após o acidente de Three Miles Island,  não renovar os seus 10 reactores nucleares de fabrico nacional quando atingissem o seu fim de vida, mas essa decisão, nunca posta de facto em prática, foi revogada em 2010. No entanto, a energia nuclear é ali penalizada com um imposto especial de 0,67ç/kWh, mais reforçando o financiamento do Estado com a energia. Quanto ao futuro, a Suécia sofre de uma ambiguidade persistente: uma maioria da população diz-se anti-nuclear, mas quando sondada sobre a forma de energia preferida para a substituição do nuclear de que dispõe e colocada perante as alternativas, a resposta maioritária é... energia nuclear!

O último estado escandinavo da União é a Dinamarca, o país com a electricidade mais cara do Mundo: 140% do preço da nossa sem IVA e ainda penalizada por um IVA de 20%!Apesar disso, os 5,5 milhões de habitantes da Dinamarca consomem per capita o mesmo que os alemães (140% do que nós consumimos), e a Dinamarca passa por ser a campeã das energias renováveis, dado ser assumidamente anti-nuclearista (desde 1985) e ter o maior e mais antigo fabricante e exportador de aerogeradores do Mundo: a VESTAS. No entanto, também aqui a realidade deve ser comparada com os princípios anunciados.
Praticamente metade da electricidade dinamarquesa é produzida a partir de... carvão (49%)! Depois, e em pé de igualdade com a energia eólica (19%), o gás natural,  e os 13% restantes são divididos pela biomassa (6%), queima de lixos e petróleo. Como se vê, a Dinamarca está longe de dar o exemplo na "luta contra o aquecimento global" que promove internacionalmente e que interessa à exportação dos seus aerogeradores!

Passando à vizinha Holanda, um país com metade da área de Portugal mas 16,7 milhões de habitantes, um preço da electricidade sem IVA ligeiramente inferior ao nosso mas penalizado com 20% de IVA. A Holanda tem um consumo per capita de 155% o nosso, e importa 13% da electricidade que consome. Da que produz, a principal parcela é gerada por gás natural (59%), mais de metade da qual em cogeração. O resto é gerado por carvão (25%), biomassa e lixos (6%), eólicas (4%) e um pequeno reactor nuclear (4%).
Recentemente a Holanda estudou a melhor estratégia a adoptar para a descarbonização da sua produção energética com vista à redução das emissões de CO2 definida pela União para 2020, concluindo que, para além de um substancial incremento de energia eólica (que não deverá ultrapassar 14%, de modo a evitar os custos adicionais de armazenagem e reserva a gás), o grosso deverá assentar na energia nuclear. Uma 1ª grande central nuclear de 2500 MW deverá começar a ser construída em 2015, para operação em 2019, de fabrico americano-japonês (AP1000), e há outro consórcio já a preparar uma segunda central nuclear.

Descendo à Bélgica, um país tradicionalmente conservador, verifica-se uma curiosa contradição: politicamente, tanto o Governo como boa parte da população é anti-nuclearista, mas na prática o que se verifica é o seguinte mix de geração eléctrica: 53% da electricidade é de origem nuclear (7 reactores), 37% de origem em carvão e gás natural, e o resto divide-se em partes iguais entre eólicas e biomassa!
Quanto ao futuro, a Bélgica propõe-se duplicar a parcela de fontes renováveis de electricidade (mantendo a paridade entre eólicas e biomassa), para 20%, em 2020 - o que lhe poderá substituir metade da geração a combustíveis fósseis, mas não mais que isso...! A Bélgica tem praticamente a nossa população embora vivendo num terço do nosso território, mas consome quase o dobro (186%) da nossa electricidade, com um preço da mesma de 113% o nosso antes de IVA, mas com o habitual IVA de 20%.

Para terminar o tour, as ilhas grandes: Irlanda e Reino Unido. A Irlanda tem uma produção de electricidade que é praticamente metade da nossa e, sendo uma ilha eléctrica, teria muito dificuldade em gerir uma grande central termoeléctrica. Por isso não admira que 50% da sua geração seja a gás natural, 30% a carvão, 12% a gasóleo, e 5.5% de renováveis. Com bom vento na sua orla costeira, é daqueles países onde faz sentido económico maximizar a componente eólica, e com efeito a Irlanda tem uma excelente regulamentação técnica na matéria. O seu consumo per capita é praticamente igual à média europeia (120% do nosso) e o preço da electricidade também 120% do nosso, devido também a um IVA duplo do nosso...

Finalmente, o Reino Unido (UK). A produção de electricidade deste país é 7,6 vezes a nossa, com um consumo per capita de 125% o nosso (o UK tem 62 milhões de habitantes). O preço da electricidade é ali 12% inferior ao nosso, sendo o único país da União onde o IVA é também ligeiramente inferior ao nosso, 5% - mas só para as famílias; para as empresas o IVA é perto do usual, 17.5%.
As fontes de geração eléctrica no UK são, por ordem decrescente de importância: gás natural (44%), carvão (28%), nuclear (18%) e renováveis (7%) - biomassa (3%), eólica (2.5%) e hídrica (1.5%).
Nos finais dos anos 90 a energia nuclear detinha uma quota de produção de 25%, gerada em 19 reactores de concepção e fabrico ingleses, e o carvão também muito mais que actualmente (35%), mas o encerramento gradual das velhas centrais nucleares à medida que atingem o fim de vida, e a necessidade de reduzir as emissões de CO2 do carvão, têm levado a uma quota crescente de gás natural. Este tem já por origem a importação em 50%, e tê-la-á em 75% em 2015 à medida que as reservas geológicas nacionais de gás se esgotarem, o que coloca o UK numa indesejada situação de dependência energética.
Por esta razão, e também pelo compromisso do UK em reduzir as emissões de CO2, a enunciada estratégia britânica para o futuro baseia-se em dois eixos: o reforço das renováveis, e a substituição das velhas centrais nucleares por novas.
Existem planos dos ecotópicos e do lobby eólico para levar a energia eólica até 20%, valor praticamente impossível de gerir dada a intermitência do vento, mas que deve ter em conta que a costa do UK tem das melhores condições da Europa (factor de capacidade médio do vento de 30%). Porém, mesmo com tal percentagem ainda haverá mais de 70% de electricidade gerada por meios térmicos, e por isso o Governo do UK alterou em 2006 a política desfavorável ao nuclear que tinha tido até aí, nos últimos anos.
Em resultado desta alteração constituiram-se dois consórcios para a construção de novas centrais nucleares no UK: a Horizon Nuclear Power e a NuGeneration. Esta última projecta iniciar a construção de uma central de 3200 MW em 2015 (AREVA), e a primeira planeia ter 6000 MW, com reactores AP1000 (Toshiba-Westinghouse) - todos de III geração.

Como se vê, a cortina de silêncio, que os nossos ecotópicos e os interesses económicos com eles aliados alimentam, esconde uma realidade muito diferente da propagada!