Jo�o Pereira Coutinho
Favor n�o incomodar
LISBOA- Falo ao telefone com uma amiga e jornalista brasileira que confessa a sua ignor�ncia sobre as "elei��es europeias". O assunto, pelos vistos, n�o entusiasma os brasileiros. Mas ela, por dever profissional, ter� que escrever mat�ria a respeito. Por onde come�ar, pergunta-me, em tom de evidente desespero?
F�cil: escrevendo simplesmente que as elei��es europeias interessam tanto aos brasileiros como aos pr�prios europeus. Ela ri e julga que fa�o piada. Eu n�o rio e ela percebe que n�o fa�o piada. A Uni�o Europeia gastou 20 milh�es de euros em propaganda forte para levar os europeus �s urnas. A partir de quinta-feira, quando ingleses e holandeses inaugurarem a maratona eleitoral, � prov�vel - corrijo: � inevit�vel que 60%-70% dos europeus simplesmente n�o votem. Um drama?
Nem por isso. O Parlamento, criado em 1958, nunca se distinguiu por sua voca��o democr�tica. S� em 1979, por exemplo, a elite burocr�tica de Bruxelas entendeu que talvez n�o fosse m� id�ia umas elei��es democr�ticas para o seu parlamento largamente in�til e ineficaz.
As elei��es realizaram-se a partir de ent�o. E o primeiro paradoxo do "projeto europeu" est� precisamente aqui: o Parlamento Europeu foi crescendo em import�ncia na maquinaria pol�tica da Uni�o; mas os eleitores foram abandonando, tamb�m crescentemente, qualquer interesse pela maquinaria pol�tica da Uni�o.
Mas os paradoxos n�o acabam aqui. Existe um segundo paradoxo: os europeus n�o se interessam pela Europa; mas, �s vezes, existe uma s�bita paix�o pelos assuntos europeus e o povo resolve pronunciar-se. Aconteceu quando franceses ou holandeses recusaram a "constitui��o" europ�ia. E qual foi a atitude dos burocratas europeus perante a recusa da "constitui��o"?
Se a Uni�o Europ�ia fosse um organismo verdadeiramente democr�tico, as decis�es dos europeus seriam respeitadas. N�o foram. A "constitui��o", recusada por franceses e holandeses, apareceu com novo nome e novas vestes sob o t�tulo simp�tico de Tratado de Lisboa. Muitos dos governos europeus, temendo nova rea��o democr�tica (que horror!), apressaram-se a ratificar o tratado em seus parlamentos, sem qualquer consulta popular. Mas aparece sempre algu�m para estragar a festa.
Foi a Irlanda. Levados �s urnas, os irlandeses recusavam o Tratado de Lisboa. Teoricamente, e uma vez mais, a recusa dos irlandeses deveria enterrar a "constitui��o", perd�o, o Tratado de Lisboa. Mas a Uni�o Europ�ia n�o existe para respeitar as decis�es democr�ticas dos europeus. Ainda este ano, os irlandeses ser�o novamente convidados a votar o Tratado de Lisboa. Se n�o responderem de forma "apropriada", eu nem quero imaginar o que vai suceder aos pobres irlandeses.
Foi assim que cheg�mos a 2009 e �s elei��es que come�am quinta-feira. E � assim que chegamos � pergunta inevit�vel: se a Europa n�o respeita os europeus, por que motivo os europeus devem respeitar a Europa?
Felizmente, a maioria n�o respeita. Falando apenas de Portugal, a absten��o estar� de acordo com a m�dia geral. Os pol�ticos lusos fazem apelos lancinantes � participa��o do povo. Alguns falam mesmo na necessidade de adotar o "voto obrigat�rio", o que seria a suprema consuma��o da farsa. Os portugueses, povo aben�oado, nem os ouvem. No domingo, quando chegar a nossa vez, estaremos todos, ou quase todos, na praia, no campo, no bar ou no cinema.
E os que votam? Os que votam estar�o interessados, n�o em eleger os "deputados" europeus - mas em premiar, ou castigar, os partidos nacionais. No papel, as elei��es elegem um novo Parlamento Europeu. Na pr�tica, toda a gente sabe, a come�ar pelos partidos, que as elei��es s�o uma esp�cie de mega-enquete para avaliar a popularidade dos governos. E, no caso especificamente portugu�s, uma esp�cie de primeiro turno das elei��es legislativas que teremos no final do ano.
Moral da hist�ria? O fosso cresce entre uma estrutura pol�tica que cada vez mais governa a vida dos europeus; e os pr�prios europeus, que n�o se reconhecem nessa estrutura pol�tica e que simplesmente a desprezam ou ignoram. N�o sei at� quando vai durar este espet�culo. Mas, enquanto o espet�culo rola, os europeus j� aprenderam a pendurar na porta o cl�ssico "Favor n�o incomodar".
Jo�o Pereira Coutinho � colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente, �s segundas-feiras, para a Folha Online.