Neurotoxoplasmose e Neurocisticercose em Paciente Com AIDS - Relato de Caso

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relato de caso

doi: 10.4181/RNC.2015.23.03.1043.08p

Neurotoxoplasmose e Neurocisticercose em Paciente


com AIDS - Relato de Caso
Neurotoxoplasmosis and Neurocysticercosis in Patient with AIDS - Case Report

Jossuel Carvalho Melo Martins¹, Marcelo Maroco Cruzeiro²,


Leopoldo Antônio Pires³

RESUMO ABSTRACT
Objetivo. Relatar um caso de coinfecção por neurotoxoplasmose e Objective. To report a case of coinfection with neurotoxoplasmosis
neurocisticercose em mulher acometida pela AIDS. Método. Relato and neurocysticercosis in affected woman by AIDS. Method. Pro-
de caso prospectivo, descritivo e contemporâneo de paciente do sexo spective, descriptive and contemporary case report from female pa-
feminino, 36 anos, com quadro clínico compatível com síndrome de tient, 36 years, with intracranial hypertense syndrome. The comple-
hipertensão intracraniana. Os exames complementares diagnostica- mentary exams was diagnosed neurotoxoplasmosis. Serological test for
ram neurotoxoplasmose e a sorologia anti-HIV foi positiva. Evolui, HIV was positive. After a few weeks, evolves with seizures. Diagnostic
após semanas, com crises convulsivas e exames subsidiários de imagem imaging compatible with neurocysticercosis. Results. Opportunistic
demonstrando neurocisticercose. Resultados. As infecções oportunis- infections related to AIDS are frequent. The neurotoxoplasmosis is
tas relacionadas à AIDS são frequentes. A neurotoxoplasmose é cau- an infectious disease caused by the protozoan Toxoplasma gondii. It
sada pelo protozoário Toxoplasma gondii e principal causa de lesão is common opportunistic infection and the leading cause of intra-
intracraniana expansiva em pacientes com AIDS. A neurocisticercose, cranial mass lesion in patients with AIDS. The neurocysticercosis is
provocada por cisticercos (Cysticercus cellulosae ou C. racemosus), the common infection in underdeveloped countries. It is caused by
formas larvárias da Taenia solium, é bastante prevalente em nosso cysticercosis (Cysticercus cellulosae or C. racemosus), larval forms of
meio. Conclusão. Após suspeição clínico-radiológica de neurotoxo- Taenia solium. Conclusion. After clinical and radiological suspicion
plasmose, torna-se imperativo realização de teste anti-HIV, devido of neurotoxoplasmosis, it is imperative to carry out HIV testing, as in
sua elevada frequência neste grupo de pacientes. Já a comorbidade this case. The neurocysticercosis and AIDS comorbidity is exceptional
neurocisticercose e AIDS é achado excepcional, resultado mais prova- find, most likely a coincidence result without any predisposing rela-
velmente de mera coincidência, sem qualquer vínculo predisponente tionship with each other.
entre si.

Unitermos. Neurotoxoplasmose, Neurocisticercose, AIDS Keywords. Neurotoxoplasmosis, Neurocysticercosis, AIDS

Citação. Martins JCM, Cruzeiro MM, Pires LA. Neurotoxoplasmose Citation. Martins JCM, Cruzeiro MM, Pires LA. Neurotoxoplasmo-
e Neurocisticercose em Paciente com AIDS - Relato de Caso. sis and Neurocysticercosis in Patient with AIDS - Case Reporto.

Trabalho realizado no Serviço de Neurologia do Hospital Universitário da Endereço para correspondência


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora-MG, Brasil. Jossuel Carvalho Melo Martins
Vila Vasconcelos, 40 - Centro
CEP 35300-041, Caratinga-MG, Brasil
Email: [email protected]

1.Médico, Pós-graduando em Neurologia no Serviço de Neurologia do Hospi-


tal Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF, Juiz de Fora-
-MG, Brasil.
2.Médico Neurologista, Doutor, Professor adjunto III da Universidade Federal Original
de Juiz de Fora-UFJF, Juiz de Fora-MG, Brasil. Recebido em: 03/03/15
3.Médico Neurologista, Doutor, Professor adjunto IV, Coordenador da Pós- Aceito em: 27/07/15
-Graduação e Residência Médica em Neurologia, Chefe do Serviço de Neuro-
logia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF,
Juiz de Fora-MG, Brasil. Conflito de interesses: não

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INTRODUÇÃO almente, em detrimento das TARV, a prevalência desta


doença oportunista tem se mantido estável6.
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Manifesta-se clinicamente de forma semelhan-
(AIDS) transformou-se em grave pandemia ao longo dos te às outras complicações oportunistas que acometem o
anos e um dos maiores desafios da saúde pública nas úl- SNC destes pacientes. Corriqueiramente costuma ser de
timas três décadas. Recentes avanços no tratamento da forma subaguda, com duração de 2-3 semanas, podendo
infecção pelo HIV aumentaram a expectativa de vida dos apresentar sintomas a depender da topografia encefálica
pacientes, tornando mais provável que neurologistas en- acometida. Hemiparesia (60%) cefaleia (52%), confusão
contrem na prática clínica diária pacientes com manifes- mental (51%), letargia (47%) e convulsões (29%) são
tações neuropsiquiátricas da doença1,2. achados frequentes. Paralisia de nervos cranianos também
O sistema nervoso é um dos principais e mais podem ocorrer. Acidentes vasculares encefálicos conco-
comuns sítios de envolvimento em indivíduos com infec- mitantes ocorrem em 30% dos casos e sinais de irritação
ção pelo HIV, devido ao tropismo neuronal viral e pela meníngea em menos de 10%. Febre é uma queixa co-
pobre penetração das drogas antirretrovirais na presença mum (47%). Seu diagnóstico no passado foi limitado por
de uma barreira hematoencefálica intacta. O compro- falta de métodos propedêuticos não invasivos, mas com a
metimento neurológico é dito primário quando se deve maior disponibilidade de exames de imagem atualmente,
ao próprio vírus, e secundário, decorrente de infecções tem-se tornado inexoravelmente mais precoce1,2.
oportunistas e neoplasias que surgem em decorrência da Os estudos de imagens do crânio, como a tomo-
imunossupressão que se estabelece. As doenças secundá- grafia computadorizada (TC) e a ressonância magnética
rias mais importantes referem-se a condições infecciosas - RM (Figura 1), são de grande valor diagnóstico ao mos-
como a neurotoxoplasmose e meningites virais, bacteria- trarem lesões isodensas ou hipodensas, únicas ou múlti-
nas ou fúngicas, a neoplasias, a deficiências nutricionais e plas, com efeito de massa e que captam o contraste de
a complicações cerebrovasculares3,4. forma anelar ou nodular, envolvendo, preferencialmente,
A toxoplasmose é uma doença provocada pelo os núcleos da base e junção da substância branca e cinzen-
Toxoplasma gondii. É um parasita intracelular muito dis- ta. O edema perilesional é comum, reforçando o efeito de
seminado no nosso país, que pode provocar infecção no massa da lesão. Tais achados são encontrados em cerca de
SNC congênita ou adquirida. Estudos epidemiológicos 90% dos casos, sendo bastante sugestivos de neurotoxo-
revelam a prevalência de 80% de positividade para toxo-
plasmose na população do Brasil. Em pacientes infecta-
dos pelo HIV, a sorologia para Toxoplasma gondii é positi-
va em 84% dos casos. O T. gondii possuí um ciclo de vida
complexo e tendo como hospedeiros definitivos felinos
domésticos e selvagens e como hospedeiros intermediá-
rios quase todas as espécies de sangue quente. As vias de
contaminação são a ingestão de tecidos animais contendo
cistos, a infecção transplacentária e a ingestão de alimen-
to ou água contaminados com oocistos5.
A neurotoxoplasmose (NTX) é extremamen-
te rara em adultos imunocompetentes mas é a infec-
ção oportunista mais frequente no SNC em indivíduos Figura 1. A. TC de crânio axial contrastada, com lesão anelar hiper-
captante de contraste em região parassagital frontal direita, edema
HIV+, sendo a lesão com efeito de massa mais comum perilesional e desvio da linha média. B. RM do encéfalo em corte
nesses pacientes, especialmente com níveis de células LT- axial ponderada em T1, evidenciando lesão parietal direita com im-
pregnação periférica pelo contraste e moderado edema vasogênico pe-
-CD4+ inferior a 200 células/mm³.A doença resulta, na rilesional. Nota-se componente central hipocaptante que corresponde
maioria dos casos, de reativação de infecção latente. Atu- à necrose.

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plasmose, porém não são patognomônicos7. à terapêutica empiricamente instituída, que ocorre, em
Assim, em um paciente com infecção pelo HIV, geral, entre 7 e 14 dias. Desta forma, em áreas com alta
com rebaixamento de nível de consciência e presença de prevalência da toxoplasmose, tais pacientes podem ser ex-
sinais neurológicos focais, deve-se sempre aventar a hi- postos desnecessariamente aos efeitos adversos do trata-
pótese diagnóstica de toxoplasmose cerebral, principal- mento específico, em até 40% dos casos. Lesões gigantes
mente na presença de uma TC sugestiva, sendo iniciado com efeito de massa, contraindicam a punção liquórica10.
tratamento empírico. Exceto em pacientes com lesões O diagnóstico definitivo é obtido pela presença
gigantes que precisam de descompressão cirúrgica, indi- de parasita no LCR ou no material de biópsia cerebral,
víduos com lesões sugestivas de linfoma e em pacientes entretanto, na maioria das vezes, não é necessário. Reser-
com lesão única e sorologia negativa para T. gondii, onde va-se a biópsia para os pacientes com lesões inconclusivas
deve ser solicitada RM. Se a RM confirma que a lesão aos exames de imagens, ou lesões únicas confirmadas pela
é única, deve-se solicitar biópsia estereotáxica da lesão. RM, e para os casos que não apresentem melhora clínica
Nos pacientes em que fora iniciado empiricamente o tra- ou radiológica após pelo menos 14 dias de tratamento11.
tamento, na ausência de melhora clínica após 10-14 dias, O tratamento de escolha consiste na associa-
a biópsia cerebral também é recomendada8. ção de Sulfadiazina 1000 a 1500mg a cada seis horas e
O perfil sorológico dos pacientes com AIDS e Pirimetamina 200mg no primeiro dia, seguido de 50 a
neurotoxoplasmose é semelhante ao da população geral, 75mg/dia, prescritos conjuntamente com Ácido Folíni-
com infecção inativa9. co 10mg/dia, para prevenir a mielotoxicidade e anemia
Os achados liquóricos são inespecíficos. Geral- megaloblástica causada pela Pirimetamina. Este esquema
mente pode revelar a presença de pleocitose, comumente terapêutico deve ser mantido, no mínimo, por seis sema-
abaixo de 200 leucócitos por mm³, com baixos valores nas. Após esse período de tratamento, deve-se prescrever
percentuais de neutrófilos. Há aumento dos teores de terapia de manutenção para profilaxia secundária de to-
proteína e o perfil eletroforético frequentemente exibe xoplasmose de acordo com o seguinte esquema: Sulfadia-
valores elevados de globulinas-gama. A glicose geralmen- zina 500 a 1000mg quatro vezes ao dia + Pirimetamina
te é normal. A caracterização do parasita no LCR ou no 25 a 50mg uma vez ao dia + Ácido Folínico 10mg uma
interior de macrófagos é bastante difícil. O diagnóstico vez ao dia. Os critérios de suspensão são a boa resposta à
de presunção pode ser feito na presença de títulos de IgG TARV com manutenção de LT-CD4 + >200cel/mm³ por
mais elevados no LCR do que no soro, pela detecção de mais de seis meses12.
títulos crescentes de IgG em amostras sucessivas ou pela A profilaxia primária, que visa evitar o primeiro
presença de IgM no LCR. Em pacientes imunossuprimi- episódio da doença, é recomendada para indivíduos com
dos raramente aparecem anticorpos antitoxoplasmose de sorologia IgG positiva para Toxoplasma gondii e conta-
classe IgM, mesmo na fase aguda da doença. Neste grupo gens de LT-CD4+ inferiores a 100cel/mm³. A escolha
de pacientes, até o aparecimento de títulos crescentes de inicial é a associação de Sulfametoxazol + Trimetoprima
IgG deve ser encarado com reservas. A quebra da harmo- (800/160mg) uma vez por dia13,14. A profilaxia secundária
nia da resposta imunológica nesses casos dificulta a inter- para prevenção de recorrência de NTX já ocorrida, pode
pretação de seu real significado. As alterações encontradas ser realizada com Sulfadiazina 1.000mg quatro vezes ao
ao exame de LCR são, portanto, inespecíficas e incons- dia + Pirimetamina 50mg/dia + Ácido Folínico 10mg/
tantes10. dia15,16. Deve ser suspendida se boa resposta à TARV com
Na maioria dos casos, portanto, o diagnóstico manutenção de LT-CD4+ >200cel/mm³ por mais de seis
da neurotoxoplasmose é presuntivo, baseado no quadro meses17.
clínico sugestivo, nos achados de TC ou de RM e na pre- O uso dos glicocorticoides é controverso, uma
sença de anticorpos IgG específicos no soro, uma vez que vez que podem mascarar sintomas de doenças com efeito
em apenas 3% - 6% dos casos de reativação não se detecta de massa, como o linfoma primário do SNC. Deve ser
tais anticorpos. A confirmação se faz diante da resposta considerado em casos de edema vasogênico determinan-
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compressão de estruturas adjacentes) e potencialmente dentro do parênquima, transformam-se em um pequeno


fatal ou edema cerebral difuso. A Dexametasona 4mg/ cisto com um escólex rudimentar (C. celullosae)19. A in-
dose a cada 6 horas é o corticoide indicado. Não se indica fecção neurológica pode ser única ou se apresentar com
o uso profilático de anticonvulsivantes11. um número variável de cisticercos. A reação do hospedei-
A evolução esperada é uma melhora progressiva, ro, no caso o sistema nervoso central, pode ser mínima e
com mais de 85% de resposta ao tratamento após 14 dias então o cisticerco pode durar indefinidamente e até atin-
e a recuperação completa é a regra. A toxoplasmose do gir tamanhos consideráveis. Mas, na maioria das vezes,
SNC pode recidivar, particularmente em pacientes com existe uma reação formando-se nódulos inflamatórios
imunossupressão grave, mesmo com boa adesão ao trata- que podem evoluir para o desaparecimento do cisticerco
mento. O monitoramento da resposta terapêutica inclui ou transformá-lo numa calcificação residual20.
reavaliações clinicas e exames de imagem seriados. De A grande maioria dos pacientes infectados será
maneira geral, a melhora clinica precede a resposta to- assintomática, sendo diagnosticada ao acaso, com a
mográfica. Recomenda-se, portanto, a reavaliação clínica presença de calcificações aos exames de neuroimagem.
diária e a repetição do exame de imagem (TC ou RM) Entretanto, é causa vulgar de síndromes neurológicas
após as primeiras duas semanas do início do tratamento. diversas e potencialmente graves. O quadro clínico é va-
Ressalta-se que o exame de imagem deve ser antecipado riado, sendo a epilepsia o sintoma mais frequentemen-
se houver deterioração clínica. A ausência de melhora, te associado. Hipertensão intracraniana é outra forma
clinica ou de exame de imagem, após as duas primeiras de apresentação, devido edema cerebral inflamatório e/
semanas de tratamento deve levantar a suspeita de um ou hidrocefalia. Distúrbios psíquicos são variados, como
diagnóstico alternativo, devendo-se solicitar a biópsia ce- alterações comportamentais e déficit cognitivo progressi-
rebral. Convulsões tardias são complicações comuns18. vo. Consubstanciados nos achados anatomopatológicos,
Neurocisticercose (NCC) é uma patologia oca- as manifestações clínicas são subdivididas em 4 formas:
sionada pela infecção do sistema nervoso central (SNC) epiléptica (62%), hipertensiva (38%), psíquica (11%) e
pela forma larvária da Taenia solium. É a parasitose mais apoplética ou endarterítica (2,8%)19. Sinais meníngeos e
comum do SNC, constituindo grave problema de saúde medulares podem coexistir em todas as formas.
pública, particularmente nos países em desenvolvimen- O diagnóstico de neurocisticercose obedece a
to na Ásia, Áfria a América Latina, onde a precariedade critérios pela OPAS/OMS. Como critérios absolutos es-
das condições sanitárias e o baixo nível socioeconômico tão a demonstração histológica do parasita, sua visuali-
e cultural aliam-se na persistência de sua disseminação. A zação no exame de fundo de olho e a presença de lesões
NCC acomete indivíduos de ambos os sexos, de qualquer características na neuroimagem (cistos com escólex). Cri-
raça e de todas as faixas etárias, com predomínio entre térios maiores são as lesões radiológicas sugestivas, testes
11 e 35 anos. O ciclo se inicia pela ingestão de alimentos imunológicos positivos para a detecção de anticorpos an-
contaminados por ovos da Taenia. No estômago, os ovos ticisticercóticos. Critérios menores e dados epidemioló-
atravessam a parede gástrica e penetram na circulação gicos completam a relação de dados para o diagnóstico.
sanguínea. São então distribuídos para todo o organismo, São, portanto, importantes os seguintes exames comple-
inclusive o sistema nervoso central. Ali, os ovos podem mentares: tomografia computadorizada de crânio sem e
ser eliminados ou se desenvolver até cisticercos. Morfolo- com contraste, ressonância magnética do crânio, líquido
gicamente, o cisticerco pode apresentar-se sob duas for- cefalorraquiano com reações imunológicas específicas19.
mas: a cística, vesícula contendo escólex em seu interior, As alterações nos exames de TC e RM sugestivas de neu-
conhecida como Cysticercus cellulosae e, em cachos com rocisticercose (Figura 2) estão na dependência da fase de
numerosas vesículas, mas sem o escólex, denominada desenvolvimento da larva21. A lesão cística, hipodensa, de
Cysticercus racemosus (forma racemosa). Se localizados nos contornos bem delimitados e com escólex no seu interior
espaços liquóricos (ventrículos, cisternas, espaço subarac- corresponde ao cisticerco vivo ou forma ativa. Acredita-se
nóideo) desenvolvem a forma racemosa (C. racemosus). Se que o cisticerco intraparenquimatoso sobreviva por um
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Figura 2. A. TC do crânio axial sem contraste: múltiplas lesões císti- des como a Dexametasona ou Prednisona pode se fazer
cas intraparenquimatosas com escólex e algumas calcificações. B. TC
com contraste: múltiplas lesões com reforço homogêneo ou anelar; necessário, durante período variável para o tratamento
representando cistos em fase de degeneração. C. RM do encéfalo, cor- do edema cerebral inflamatório23. Os parasiticidas são
te axial ponderada em T1: melhor visualização do escólex e de cisto
intraventricular (seta); calcificações não são identificadas. utilizados para tratamento específico do cisticerco: Al-
bendazol 15mg/kg/dia por 8 dias ou Praziquantel 50mg/
kg/dia por 21 dias como alternativa, podendo ser repeti-
dos se necessário24-26. A terapêutica com Albendazol ou
Praziquantel está indicada nos indivíduos sintomáticos,
apresentando cistos (Cysticercus cellulosae) viáveis, múlti-
plos, em topografia encefálica intraparenquimatosa e com
positividade das provas imunológicas para cisticercose no
LCR26. O propósito da terapêutica parasiticida é a ten-
tativa de redução da duração dos fenômenos neuroimu-
período de 3 a 6 anos, após o qual sofre um processo nológicos envolvidos na neurocisticercose. Nos estudos
de degeneração. A presença de lesão hipodensa com re- comparativos, o Albendazol tem-se revelado mais eficaz
forço em anel ou de lesão isodensa com reforço homo- que o Praziquantel24, sendo constatado desaparecimento
gêneo na fase contrastada é indicativa desta fase de de- de 88% de cistos após Albendazol e de apenas 50% após
generação do cisticerco. Na sequência, após um período Praziquantel; adicionalmente, o Albendazol foi melhor
de aparente normalização, inicia-se no local o processo tolerado, com menor frequência de reações colaterais. O
de deposição progressiva de sais de cálcio. O intervalo menor custo do Albendazol constitui outra importante
médio entre a morte do cisticerco e a calcificação radio- vantagem, principalmente com a possibilidade da redu-
logicamente perceptível é de 25 meses21. A ressonância ção do tempo de administração do medicamento: a efi-
magnética apresenta maior sensibilidade que a tomogra- cácia do Albendazol administrado por 8 dias é similar ao
fia computadorizada na detecção de cisticercos cisternais esquema de 21 dias26. Atualmente, o Albendazol é con-
e intraventriculares, assim como melhor visualização do siderado medicamento de escolha na terapêutica etioló-
escólex e de pequenas vesículas cisticercóticas localizadas gica da neurocisticercose. Com o propósito de atenuar
no interior do parênquima encefálico. Seu elevado custo, a reação inflamatória, frequentemente observada durante
contudo, representa importante desvantagem em relação o tratamento parasiticida, recomenda-se a associação de
à tomografia computadorizada, particularmente nos paí- Dexametasona23,25. A elevação dos níveis plasmáticos de
ses em desenvolvimento onde a neurocisticercose é mais Albendazol sulfóxido, metabólito ativo do Albendazol,
frequente. O aprimoramento dos métodos imunológicos resultante da interação farmacocinética com a Dexameta-
no LCR, o advento da tomografia computadorizada e da sona, constitui uma vantagem adicional da administração
ressonância magnética, a introdução de novas técnicas simultânea23,27. Aspecto polêmico em relação a cisticerco-
neurocirúrgicas e o desenvolvimento de medicamentos se se refere a sua associação com crises epilépticas. Estu-
parasiticidas representaram importante avanço nas pes- dos em regiões endêmicas sugerem que a neurocisticerco-
quisas sobre a neurocisticercose, permitindo o diagnósti- se representa a principal causa de epilepsia sintomática,
co em vida e melhor planejamento terapêutico22. no entanto, não há estudos de casos controlados ou estu-
O tratamento pode ser sintomático ou especí- dos de corte que tenham demonstrado esta associação28.
fico, clínico ou cirúrgico19. A abordagem cirúrgica está Embora as fases ativas e transicionais sejam as mais fre-
indicada para a exérese de lesões expansivas, para retirada quentemente associadas à ocorrência de crises epilépticas,
de cisticercos dentro dos ventrículos ou espaço subarac- existe controvérsia quanto ao papel das formas inativas
nóideo ou derivações ventriculares nas hidrocefalias. As (calcificações) na gênese das crises. Este aspecto torna-se
formas epilépticas devem ser controladas com a medica- particularmente importante dado à alta frequência de in-
ção antiepiléptica convencional19,21. O uso de corticoi- divíduos assintomáticos apresentando lesões calcificadas
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em regiões endêmicas. Em estudo recente, em pacientes do Encéfalo que evidenciou também lesão hipodensa
com epilepsia do lobo temporal, submetidos a cirurgia de única gigante frontal direita com desvio de estruturas
epilepsia, demonstrou-se que a presença das calcificações da linha mediana. Decidiu-se assim, pela descompressão
não alterava o prognóstico pós-cirúrgico, indicando que cirúrgica e biópsia da lesão, onde foi confirmado neu-
as lesões calcificadas eram coincidentes e não tinham pa- rotoxoplasmose. Feito sorologia para HIV que se mos-
pel na epileptogênese29. Neste grupo de pacientes, a res- trou positiva. Iniciou-se terapia antiretroviral: Estavudina
secção da lesão calcificada não parece ser uma preocupa- 40mg/dia; Lamivudina 150mg/dia; Efavirenz 600mg/
ção maior para que se consiga um bom controle de crises. dia; Sulfametoxazol + Trimetoprim 800/160mg 2ª/4ª/6ª-
Levando-se em consideração as incertezas e os benefícios, -feiras e tratamento específico para NTX com Sulfadiazi-
a falibilidade e os riscos da terapêutica farmacológica, a na 1.000mg 4x/dia; Pirimetamina 50mg/dia, antecedido
verdadeira solução da neurocisticercose está colocada pri- de dose de ataque de 200mg no primeiro dia e Ácido
mordialmente nas medidas de prevenção da infestação30. Folínico 15mg/dia; mantidos por 8 semanas, com orien-
Este estudo tem como objetivos relatar um caso tação e prescrição para profilaxia secundária na alta hos-
de coinfecção por neurotoxoplasmose e neurocisticercose pitalar.
em mulher acometida pela AIDS. Destaca-se sua relevân- Em março de 2013, iniciou quadro de crises
cia no intuito de fornecer parâmetros clínicos, radiológi- epilépticas de início focal e generalização secundária. Ini-
cos e laboratoriais para o estabelecimento do diagnóstico ciou-se tratamento anticonvulsivante oral com Fenitoína
dessas doenças, assim como o tratamento e prognóstico. 100mg 2 vezes ao dia, com persistência das mesmas. Foi
solicitada então, RM de encéfalo que apresentou múl-
tiplas formações císticas de tamanhos variados, esparsas
MÉTODO pelo parênquima com visualização de escólex. Diagnos-
ticou-se neurocisticercose. Foi internada para tratamen-
Trata-se de estudo de caso clínico, de relato re- to, recebendo Albendazol via oral por 8 dias, na dose de
trospectivo, descritivo e contemporâneo, cujo fator em 15mg/Kg/dia.
estudo é a comorbidade neurotoxoplasmose e neurocis- Atualmente em seguimento ambulatorial, sem
ticercose em paciente com AIDS, em seus aspectos epi- manifestações de crises convulsivas, realizando profilaxia
demiológicos e fisiopatológicos. Este estudo foi aprovado secundária para neurotoxoplasmose e tratamento com
pelo Comitê de Ética em Pesquisas Humanas da Univer- antiretrovirais para HIV: Sulfadiazina 500 mg 4x/dia;
sidade Federal de Juiz de Fora - UFJF e do Hospital Nos- Pirimetamina 25mg/dia; Ácido Folínico 15mg/dia; Sul-
sa Senhora Auxiliadora pertencente ao Centro Educacio- fametoxazol + Trimetoprim 800/160mg 2ª/4ª/6ª-feiras;
nal de Caratinga – UNEC. A paciente assinou o termo de Lamivudina 150mg/dia; Flumarato de Tenofovir 300mg/
consentimento livre e esclarecido (TCLE). dia; Lopinavir 200mg/dia + Ritonavir 50mg/dia.
Ao exame neurológico a paciente encontrava-se
Relato de Caso cooperativa, vigil e orientada em tempo e espaço. Exame
Paciente 36 anos, viúva, natural de Magé- da motricidade demonstrou paralisia facial central à es-
-RJ e residente em Caratinga-MG, agente comunitária querda. O exame da sensibilidade superficial e profunda
de saúde, foi admitida no setor de Urgência do Hospi- foi normal. Equilíbrio e coordenação inalterados. Sem
tal Nossa Senhora Auxiliadora de Caratinga-MG, em sinais meníngeos.
abril de 2012, com quadro de cefaleia intensa, com
piora progressiva e associada a vômitos, refratária ao
tratamento medicamentoso. Solicitada TC de crânio DISCUSSÃO
apresentando lesão única hipodensa em região frontal A neurotoxoplasmose ainda é a principal causa de
direita com captação anelar de contraste, sugestiva de lesão expansiva no SNC de pacientes com AIDS, embora
processo expansivo com efeito de massa. Realizada RM sua incidência venha decrescendo nos últimos anos com
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o advento da terapia antiretroviral e o uso rotineiro da dependem do exame clínico, estudos de imagem e análi-
profilaxia primária. O diagnóstico precoce é presuntivo, se do líquido cefalorraquiano com reações imunológicas
baseando-se na apresentação clínica, análise do líquor, re- específicas. A paciente relatada no caso realizou RM para
sultados dos estudos radiológicos e com base na resposta propedêutica diagnóstica. O tratamento da neurocisticer-
terapêutica empiricamente instituída. A paciente relatada cose pode ser sintomático ou específico, clínico ou cirúr-
apresentou, sintomatologia sugestiva de processo expan- gico. Neste relato de caso, realizou-se tratamento clínico
sivo cerebral. Devido os exames de imagem realizados, específico com Albendazol. Não se utilizou corticoide de-
TC e RM apresentando lesão gigante única com efeito de vido comorbidades associadas.
massa, necessitando descompressão cirúrgica, realizou-se
biopsia cerebral, em detrimento da realização de prova
terapêutica. Dessa forma, após a corroboração da neuro- CONCLUSÃO
toxoplasmose, foi-se investigada infecção pelo HIV, con- Este relato de caso evidenciou um caso típico de
firmada por sorologia específica. Instalou-se, logo após, neurotoxoplasmose, com quadro clínico compatível com
esquemas terapêuticos antiretrovirais e específicos para síndrome de hipertensão intracraniana. Dessarte, após a
neurotoxoplasmose. Testes sorológicos para detecção de suspeição clínico-radiológica, torna-se imperativa a rea-
anticorpos específicos circulantes, não foram realizados, lização de testagem sorológica para HIV, haja vista ser a
uma vez que a doença resulta, comumente, de reativação neurotoxoplasmose, principal causa de lesão neurológica
da infecção latente durante fase de imunossupressão, sen- focal com efeito de massa em pacientes infectados pelo
do o perfil sorológico semelhante ao da população geral. HIV.
Não houve análise prévia do líquor, devido lesão expansi- O caso relatado demonstra também uma mani-
va intracraniana contraindicando punção lombar. festação típica da neurocisticercose, cursando com epilep-
A neurocisticercose é considerada a mais impor- sia secundária. A neurocisticercose é bastante diagnostica-
tante infecção do SNC em nosso meio. Constitui sério da no Brasil, o que sugere a necessidade de reforçar sua
problema de saúde pública, principalmente em países importância no diagnóstico etiológico de síndromes epi-
subdesenvolvidos e em via de desenvolvimento. No Bra- lépticas secundárias. Contudo, a comorbidade neurocis-
sil é endêmica nos estados de São Paulo, Minas Gerais, ticercose e AIDS parece ser achado excepcional, resultado
Paraná, Goiás e Rio de Janeiro. A paciente deste relato de mais provavelmente de mera coincidência, sem qualquer
caso nasceu e residiu no município de Magé-RJ durante vínculo predisponente entre si.
3 décadas, fixando domicílio em Caratinga-MG nos úl-
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