Adenocarcinoma in Situ Do Endocolo (1) ...

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205 Adenocarcinoma In Situ Do Endocolo— A Propésito De Um Caso Clinico Servigo de Ginecologia Hospitais da Universidade de Coimbra RESUMO O Adenocarcinoma do endocolo representa 18 2 27% des carcinomas do colo do itero. A incidéncia do adenocarcinoma tem vindo a aumentar, principalmente em mulheres jovens com idades compreendidas entre 0s 20 eos 30 anos, contrariamente aos carcinomas espinhocelulares. Osautores descrevem o caso clinico de um Adenocarcinoma in situ do endocolo numa paciente de 46 anos deidade e fazem uma revisio da literatura. Palavras-chave: Adenocarcinoma in situ; endocolo. ABSTRACT Endocervical adenocarcinoma is responsible for 18 to 27% of all cervical carcinomas. In spite the decrease in cervical cancer incidence, there has been an increase in endocervical adenocarcinoma, especially in young women (20-30 years). The authors present a case report ofan in situ endocervical adenocarcinoma and allterature review is made. Key words: In situ Adenocarcinoma; endocervix. CASO CLINICO Paciente de 44 anos que se apresentou ao seu ginecologista para uma consulta de rotina. Como antecedentes ginecolégicos apresentava menarca aos “Interna Complementar de Ginecologia e Obstetricia os HUC +*Assistente Hospitalar de Ginecologia dos HUC ***Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia dos HUC *#*** Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia dos HUC e Professor Auxiliar de Ginecologia da Faculdade de Medicina ‘*¥**Director do Servigo de Ginecologia dos HUC 17 anos, cataménios de 3-4 dias ¢ interlinios de 28-30 dias © 2 gestagdes com 2 partos eutécicos. Utilizou anticonceptivos orais durante 12 anos, efectuando posteriormente laqueagao tubar por intolerdncia aos contraceptivos orais. Nao tinha nenhuma patologia conhecida e os seus antecedentes familiares eram irrelevantes. ‘Ao exame clinico apresentava um bom estado geral ¢ © exame ginecolégico apresentava colo uterino com zona vermelha peri-orificial extensa e fridvel. Efectuou-se uma citologia exfoliativa do colo do utero cujo resultado foi lesdo escamosa intraepitelial de alto grau com zonas suspeitas jd de carcinoma invasivo. © exame colposcépico subsequente mostrou uma 206 Iesto acetobranca de pequenas dimens6es com bordos esfumados e ponteado grosseiro no seio de epitélio cilindrico com superficie irregular, tendo sido efectuadas bidpsias das lesdes mais exuberantes. O resultado anatoma-patolégico foi de cervicite crénica Pela discrepancia entre os resultados da citologia exfoliativa e o das biépsias efectuadas durante a colposcopia, a doente foi submetida a uma conizagao or ansa diatérmica. O estudo histol6gico da peca foi de adenocarcinoma in situ do endocolo, tipo endocervical, interessando a linha de ressecgao operatéria endocervical. Existia ainda cervicite ulcerada com lesdes de CIN I. Perante estes resultados a paciente foi submetida ahisterectomia total com anexectomia bilateral, cujo resultado histol6gico demonstrou auséncia de lesdes de adenocarcinoma na peca operatéria. A paciente esté viva sem suspeita de doenga, 21 meses apés 0 diagnéstico, DISCUSSAO Cerca de 18 a 27% dos casos de carcinomas do colo do titero so adenocarcinomas. A incidéncia dos adenocarcinomas do endocolo (AE,) esté a aumentat (a0 contrério do carcinoma epidermdide), principalmente em mulheres dos 2020s 30 anos de idade, onde chega a atingir 21% da totalidade dos carcinomas do colo', Hé a coexisténcia de lesies de CIN e de neoplasia escamosa invasiva em 30 a 50% dos adenocarcinomas € 0 ADN do HPV esté presente em 70% dos casos (nomeadamente 0 ADN dos tipos 16 e 18)?. O uso de anticonceptivos orais tem sido implicado no desenvol- vimento de adenocarcinoma in situ (AIS) e de adenocarcinoma invasivo’ Nao est4 demonstrado que as lesbes de AGUS (atypical glandular cells of undetermined significance) so as percursoras do AIS, mas sabe-se que o AIS € ercursor do carcinoma invasivo (podendo, no entanto, coexistir), ¢ que hé um intervalo de 15 anos entfe 0 aparecimento do AIS € 0 carcinoma invasivo? ‘Tal como para carcinomas epiderméides do colo, adenocarcinoma surge como doenga de transmissao sexual, cujos principais factores de risco so a infecgao REVISTA DE OBSTETRICIA & GINECOLOGIA pelo HPV, miltiplos parceiros sexuais, primeiras relagdes sexuais antes dos 16 anos, fumadoras multiparidade. A idade média de aparecimento do AIS 6 de 38 anos? Em geral as lesdes de AIS tém origem na jungao escamo-cilfndrica ou na zona de transformagio ¢ podem estender-se de maneira contigua para o canal endocervical’. Em 50% dos casos 0 AIS ¢ multifocal e pode envolver muiltiplos quadrantes do colo”, Histologicamente, 0s A. E. podem ser classificados mucinoso, endometriéide, células claras, seroso viloglandular. Em cerca de 80% dos casos, os adenocarcinomas do endocolo so compostos por ccélulas do tipo endocervical com produgo de mucina, apresentando os restantes casos células endometriais, células claras e células intestinais. Assim, podem ‘ocorter adenocarcinomas invasivos puros ou mistos, Podemos ainda classificar as adenocarcinomas consoante o seu grau de diferenciacao, desde os bem diferenciados até aos mal diferenciados. No caso dos mal diferenciados podemos utilizar a mucicarmina eo PAS (periodic acid shift) para nos certificarmos da sua diferenciagdo glandular! Muitos autores defendem que, contrariamente a0 carcinoma epiderméide, o termo microinvasivo nio deve ser utilizado para o adenocarcinoma porque uma vez que exista invasio de uma glandula nao hé técnica capaz de determinar a verdadeira profundidade da invasio, j4 que a invaso pode ocorrer a pactir da superficie mucosa ou a partir da periferia das glndulas adjacentes. Assim o tumor ou € AIS, ou é adenocarcinoma invasivo?. Contudo, existem critérios que definem a existéncia de invasio: a) Pequenas gldndulas neoplisicas destacadas ou agrupamentos celulares com citoplasma expandido na vizinhanga de glindulas caracteristicas de AIS; b) Existéncia de uma proliferagio irregular de pequenas glandulas, de sglandulas ditatadas, ou uma combinagio destas, com perda do contomo caracteristico das glindulas de Al ©) Glindulas marginais com padrao intraglandular cribiforme ou papilar, estendendo-se até pelo menos 0,5 mm para além da glandula normal mais profunda adjacente, ou de células contendo AIS; d) Medicio da invasdo do estroma, em casos que apresentam um componente exofitico’. ADENOCARCINOMA IN SITU DO ENDOCOLO ~ A PROPOSITO DE UM CASO CLINICO Segundo alguns autores a maioria das lesGes in situ e invasivas podem ser distinguidas de alteragdes benignas. Assim, para diferenciar AIS de outras lesGes glandulares utilizam-se caracteristicas histol6gicas especificas e definidas, entre as quais se encoatram tipo de agrupamento das células endocervicais as alteragées nucleares**, Para aqueles que preconizam a utilizagao do termo microinvasivo, mesmo para o adenocarcinoma do colo, © comportamento dessa entidade seria semelhante a0 do carcinoma epiderméide, com excelente prognéstico*, Tal como 0 carcinoma epiderméide, 0 A. E. pode apresentar-se em mulheres assintomiticas, ou com queixas de hemorragia vaginal (coitorragias, metrorragias), leucorreia fétida e até mesmo dor no flanco se houver obstrugio do ureter? diagnéstico de A. E. deve ser feito através da jjungao dos dados da citologia exfoliativa (menos fidvel do que no caso do carcinoma epiderméide), da colposcopia (devendo ser efectuada citologia endocervical come parte do exame colposcépico) ¢ © resultados de bidpsias efectuadas sob colposcopia”®, Noentanto, para o diagnéstico definitivo é muitas vezes necessério efectuar uma conizagao para a correcta ccaracterizagao da profundidade ¢ a extensao da lesao, Oestadiamento do A. E. & sempre elinico ¢ deve ser efectuado da mesma forma que 0 estadiamento do carcinoma epiderméide!, © adenocarcinoma pode-se disseminar por via hematogénea (a mais comum), por invasao directa/ local, por invasio linfatica ou por implantagao intraperitoneal. As principais varidveis de prognéstico utilizadas para o adenocarcinoma sio o tamanho do tumor, estado dos ginglios inféticos, envolvimento do tecido parametrial, profundidade da invasio do estroma e a invasdo dos espacos linfovasculares (este wltimo é, por alguns, considerado como um dos mais importantes factores preditivos da existéncia de metdstases Tinféticas) De referir que o adenocarcinoma apresenta caracteristicas especiais que 0 diferenciam do carcinoma epiderméide. das quais destacamos 0 pior prognéstico em todos os estédios da FIGO talvez pela maior resisténcia a radioterapia’. 209 No momento do diagnéstico de um adenocarcinoma colocam-se duas questOes importantes: uma € se a origem do adenocarcinoma € endometrial ou se € endocervical; a outra questdo é diferenciar as lesdes de AIS das lesdes de adenocarcinoma invasivo e ainda, de outras lesdes glandulares. ‘Nao é simples saber a origem dum adenocarcinoma, uma vez que no material obtido por bidpsia ou apés curetagem uterina, os aspectos morfol6gicos se confundem e em pecas de histerectomia total 0 local de origem € muitas vezes equivoco. Assim, é necessério recorrermos a marcadores imunohisto- quimicos para diferenciar a origem priméria dum adenocarcinoma. Se tiver origem endocervical, vai apresentar negatividade para os receptores de estrogénios e/ou para os receptores de progesterona, com positividade para o HPV e/ou para o CEA. Pelo contrério, se a origem for endometrial, apresentard positividade para os receptores de estrogénios e/ou para os receptores de progesterona e/ou vimentina, com negatividade para o HPV®® ‘Apés miiltiplos estudos concluiu-se que no AIS se pode optar por uma terapéutica conservadora com conizagdo em mulheres jovens que queiram preservar a fertilidade, desde que existam margens de seguranga na pega de conizagio (margem livre de células tumorais de 1 cm). A principal objecgo & terapéutica conservadora € a alta incidéncia de doenga residual apés conizacao, taxa essa que pode ir desde zero a 44% se as margens estiverem livres, ¢ de zero a 88% se as margens estiverem invadidas*, Umaexplicagao possivel paraestes factos poderd ser a extensdo da doenga as porgdes altas do canal endocervical e/ou a natureza multicéntrica da doenga resultando em “skip lesions”, As excisdes com ansa diatérmica ou com laser no esto indicadas nos casos de AIS pois o material obtido apresenta-se muito fragmentado, impedindo o correcto estudo das margens (no caso da ansa diatérmica) ¢ 0 artefacto térmico da excisdo por laser dificulta a interpretagdo da doenca glandular. Além do mais, as excisdes por ansa esto associadas a um aumento da positividade das margens e a um aumento dos casos de doenga residual em pecas subsequentes de histerectomia total, tal como de recorréncias, famente & conizacio “ a frio™. 210 Todas as pacientes submetidas a tratamento conservador devem ser seguidas cuidadosamente para vigiar a possibilidade de recorréncias? e posterior- mente, uma vez constitufda a familia, é preconizada a histerectomia total. CONCLUSAO A incidéncia do adenocarcinoma do endocolo tem vindo a aumentar, principalmente em mulheres jovens com idades compreendidas entre 0s 20 € 0s 30 anos, contrariamente aos carcinomas espinhocelulares, © AIS é uma lesio precursora do adenocarcinoma invasivo podendo apresentar-se ab initio como multifocal Pensa-se que hé um intervalo de 15 anos entre o aparecimento do AIS e 0 carcinoma invasivo, mas as duas lesdes podem coexistir. OAIS pode ser tratado muitas vezes por conizago “a frio”, ou, na auséncia de margens cinirgicas adequadas, por histerectomia total. Os casos de AIS t#m bom prognéstico. 2 REVISTA DE OBSTETRICIA E GINECOLOGIA, BIBLIOGRAFIA |. Practical Gynecoiogic Oncology ~ Thied Edition, Berek J., Hacker N. Lippincott Williams & Wilkins 2000 Novack’s Gynecology ~ Thiteenth, Edition Berek J.,Lippin. cout Williams & Wilkins 2002 Shin C., SchorgeJ., Lee K., Sheets E.Conservative management ‘of Adenocarcinoma in situ ofthe cervix. Gynecologic Oncology 79, 6-10 (2000) Ostor A, FRCPA, Duncan A. etal. Adenocarcinoma in situ of| the uerine cervix: an experience with 100 cases. Gynecologic Oncology 79, 207-210 (2000) Hopkins M. Adenocarcinoma in situ ofthe cervix: The margins must be clear. Gynecologic Oncology 79, 4-5 (2000) Zaino R. J. Glandular lesions of the uterine cervix. Mod Pathol 2000 Mar, 13(3):261-74 ‘Schorge J., Lee K., Sheets E. 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