Distúrbios Olfatórios PDF
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2014;80(1):11-17
Brazilian Journal of
OTORHINOLARYNGOLOGY
www.bjorl.org.br
ARTIGO ORIGINAL
Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM),
São Paulo, SP, Brasil
KEYWORDS Abstract
Smell; Introduction: The smell, subjective phenomenon of great importance, is poorly understood
Olfaction disorders; and studied in humans. Physicians with more knowledge about smell disorders tend to consid-
Olfactory perception er the phenomenon important and to better manage the diagnosis and its treatment.
Aims: First to describe a sample of patients presenting with main complaint of disturbances
of smell. And second, to show our experience on management and treatment of this disease.
Design: Retrospective cross-sectional cohort study.
Materials and methods: Sample description and assessment of treatment response in patients
with main complaint of hyposmia or anosmia from January 2005 to October 2011.
Results: From 38 patients presented with main complaint of an olfactory disorder, 68.4% of
the patients were presented with hyposmia and 31,5% with anosmia, with a mean duration of
30.8 months. The main etiologic diagnoses were idiopathic (31.5%), rhinitis (28.9%) and CRS
with polyps (10.5%). Responses to treatment with topical steroids and alpha-lipoic acid were
variable, as well as in the literature.
Conclusion: Greater importance should be given to disorders of smell in practice of otolaryn-
gologists, since its large differential diagnosis and the fact that could increase morbidity to
patients, impacting on their quality of life.
© 2014 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Published by Elsevier
Editora Ltda. All rights reserved.
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12 Gregorio LL et al.
xa de hiposmia e 31,5% de anosmia, com duração média de 30,8 meses. Os diagnósticos etioló-
gicos principais foram idiopática (31,5%), rinopatia alérgica (28,9%) e RSC com pólipos (10,5%).
As respostas ao tratamento com corticosteroide tópico e ácido alfa-lipoico foram variáveis,
assim como na literatura.
Conclusão: Maior importância deve ser dada aos distúrbios do olfato na prática do otorrinola-
ringologista, uma vez que o diagnóstico diferencial é amplo e pode trazer grande morbidade ao
paciente, com impacto na sua qualidade de vida.
© 2014 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Publicado por Elsevier
Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
n % n % n %
Hiposmia idiopática
Rinopatia alérgica
Rinopatia alérgica
e treinamento dos médicos em sua prática diária pode levar total de odores identificados é o escore do UPSIT. Esse es-
a erros de manejo e diagnóstico dos distúrbios do olfato. core permite a classificação da função olfatória em normos-
Na avaliação do paciente, a anamnese é a ferramenta mia, hiposmia (leve, moderada e severa) e anosmia.6 Esse
mais importante para se chegar ao diagnóstico. Questões teste pode ser autoaplicado e demora aproximadamente de
importantes são: o tempo da perda, fatores concomitantes 15 a 20 minutos. Possui uma alta confiabilidade descrita na
associados (por exemplo, história de trauma cranioencefáli- literatura e ajuda a solucionar o problema de estimulação
co ou história pregressa de IVAS), a caracterização da perda concomitante do nervo trigêmeo ao se apresentar os odo-
total (anosmia) ou parcial (hiposmia), a uni/bilateralidade, res.6 Suas limitações referem-se principalmente aos pacien-
presença ou não de flutuação do sentido olfatório, outros tes com déficits cognitivos e problemas de linguagem.10
sintomas nasais associados, a caracterização da instalação Outras falhas, como a presença de falso-negativos nes-
como súbita ou insidiosa e a presença de sinais e sintomas ses testes padronizados também foram notadas. Deems de-
neurológicos concomitantes. O interrogatório complemen- monstrou que até 29% dos pacientes com queixa de perda do
tar pode apontar para doenças hepáticas, renais ou até olfato não apresentam alterações nos testes padronizados.2
mesmo neurológicas subjacentes. A história de uso pregres- Recentemente, o questionário UPSIT-Br2 foi criado e adapta-
so ou atual de medicamentos também é importante.2 Em do para nosso contexto sóciocultural9 tendo-se mostrado um
nossa amostra foi observado um caso de hiposmia de prová- instrumento sensível na avaliação dos distúrbios do olfato
vel etiologia medicamentosa em um paciente com diagnós- em território nacional. Em um recente estudo, os achados
tico de base de artrite reumatoide em uso de metotrexato. da aplicação desse questionário foram compatíveis com os
O exame físico envolve o exame otorrinolaringológico obtidos na literatura internacional, demonstrando melhor
completo, incluindo o endoscópio flexível, atentando para performance no gênero feminino em relação ao masculino
estreitamentos, alterações de epitélio ou presença de anor- na identificação de odores.9
malidades na área olfatória. O exame neurológico deve au- Em relação à etiologia, são relatadas mais de 200 causas
xiliar nos casos direcionados pela história clínica.2 A imagem para os distúrbios olfatórios. Entre essas, a maioria ocorre
de tomografia computadorizada dos seios paranasais pode devido a quatro principais, excluída a hiposmia relacionada
auxiliar no diagnóstico de rinossinusite crônica e atentar ao envelhecimento: traumatismo cranioencefálico (TCE),
para áreas de hipodensidade na região olfatória. A ressonân- infecções das vias aéreas superiores (IVAS), rinossinusite
cia magnética (RM), por sua vez, pode ser útil nos casos de crônica (RSC) com ou sem pólipos nasais e idiopáticos. Essas
tumores nasais com invasão da lâmina cribiforme e sistema quatro causas constituem de 70%-85% de todas as causas de
nervoso central, nos casos de hipodesenvolvimento do bulbo hiposmia.2 De forma didática, podemos dividi-las em dois
olfatório, ou até mesmo na suspeita de processos neuro- grandes grupos de acordo com sua fisiopatologia: neuros-
degenerativos.13 Estudos demonstram que a RM possui uma sensoriais ou condutivas. As primeiras incluem as lesões do
boa relação custo-efetividade no diagnóstico etiológico dos nervo olfatório ou sistema nervoso central, o processo re-
distúrbios olfatórios, uma vez que pode demonstrar infor- sultante de infecções de vias aéreas superiores, o trauma
mações pertinentes ao diagnóstico em até 25% dos casos de cranioencefálico, bem como toxinas neurotóxicas e por últi-
disosmia idiopática.14 Em nossa amostra, a TC foi solicitada mo a RSC sem pólipos. Já as causas condutivas, por sua vez,
em 52,6% dos pacientes. Já a RM acabou sendo pouco solici- incluem os tumores nasais, desvios de septo traumáticos
tada (em apenas um paciente) pelo alto custo e dificuldade afetando a lâmina cribiforme, e a RSC com pólipos.13 Mui-
de acesso ao exame. tas vezes, essa divisão torna-se confusa, pois algumas cau-
Em relação aos métodos de avaliação do olfato, uma sas podem ser agrupadas tanto em neurossensoriais como
grande variedade tem sido desenvolvida nas últimas déca- condutivas, como a RSC. Por esse motivo, optamos por não
das para avaliar clinicamente a presença ou não de hipos- dividir os pacientes de nossa amostra nessa classificação.
mia ou anosmia. A medida clínica desenvolvida inicialmente A causa pós-traumática (traumatismo cranioencefáli-
consistia em apresentar substâncias odoríferas ao paciente co) tem sido apontada como uma das mais frequentes em
e pedir sequencialmente para nominá-las. Tal método mos- alguns estudos. A avaliação de amplas séries de pacientes
trou-se inadequado, uma vez que mesmo pacientes normais após traumatismo cranioencefálico (TCE) mostrou que de
têm dificuldade em nomear certos tipos de odores, ao mes- 5%-7% de todos os traumas apresentaram anosmia, e o trau-
mo tempo em que algumas substâncias podem produzir irri- ma occipital ou frontal foi o tipo mais comum relacionado
tação da mucosa nasal e estimular a percepção de pacientes ao distúrbio do olfato.2 Apesar de a intensidade do trauma
com hiposmia. Outros métodos mostraram-se pouco efica- geralmente ser diretamente proporcional ao grau de perda
zes na medida em que consumiam muito tempo para aplica- olfatória, a perda de consciência pode não necessariamente
ção clínica, envolviam equipamentos complexos e falta de ocorrer, além do fato de que traumas leves podem causar
acurácia para o diagnóstico de hiposmia — como a medida anosmia ou hiposmia. Adultos jovens do sexo masculino são
dos potenciais evocados olfatórios.10 mais comumente afetados, por constituírem grupo de risco
Por isso, foram desenvolvidos testes de olfação padroni- ao traumatismo cranioencefálico. A anosmia é encontrada
zados por grandes centros especializados, os quais tiveram em até três quartos desses pacientes.2
seu uso disseminado para a avaliação clínica, pela sua apli- A causa pós-viral é diagnosticada quando há perda
cabilidade prática.10 O mais utilizado é o UPSIT (University do olfato logo após uma infecção de via aérea superior,
of Pennsylvania Smell Identification Test) que consiste em sem outra causa aparente. Esses pacientes tipicamente re-
um teste com as partículas odoríferas encapsuladas mais ferem o quadro de IVAS como o “pior que já tiveram”. Eles
comuns, incluindo 40 itens.2 Os pacientes escolhem, após tendem a ser mais velhos, com uma predominância do gê-
a apresentação de cada odor, em uma lista de quatro itens nero feminino em uma proporção de 2:1, por motivos ainda
qual deles melhor descreve o odor que sentiram. O número desconhecidos. Nesse caso, a hiposmia é mais comum e a
16 Gregorio LL et al.
disosmia pode ser observada em até dois terços desses pa- que o corticosteroide oral (prednisolona, em dose inicial de
cientes.2 Alguns estudos sugerem que a hiposmia ou anos- 40 mg decrescendo por 21 dias) teve um efeito positivo.21
mia pós-viral deve sempre ser investigada com exames de Outros estudos, entretanto, mostraram melhora da função
imagem, tratando-se dessa forma como um diagnóstico de olfatória após uso de corticosteroide tópico (mometasona)
exclusão, uma vez que algumas doenças subjacentes podem nos casos de hiposmia pós-infecciosa.22 Em nossa amostra,
estar presentes, inclusive tumores intracranianos.15 o corticoide tópico isolado foi utilizado em 13 pacientes
As doenças nasossinusais, por sua vez, são apontadas (38,4%), apresentando respostas variáveis. A porcentagem
como causas da hiposmia em aproximadamente 15% dos de melhora foi maior nos casos de RSC com ou sem pólipos
casos.2 Dos pacientes com RSC, aproximadamente 65%-80% e na rinopatia alérgica, sendo baixa nos casos de hiposmia
apresentam disfunção olfatória.16 A obstrução nasal impe- idiopática. Em um recente estudo prospectivo com 32 pa-
dindo o fluxo aéreo na fossa olfatória costuma ser apontada cientes, foi verificado que a aplicação do corticosteroide
como o fator etiológico nesses casos, além do dano ao neu- tópico com um sistema de esguicho é mais efetiva em pro-
roepitélio pela inflamação crônica. A presença de pólipos mover a melhora da olfação quando comparada ao sistema
de grande volume, por exemplo, na área olfatória, impede tradicional de aplicação com spray.23
as moléculas que estimulariam os receptores de se ligarem O ácido alfa-lipoico, por sua vez, tem sido estudado por
a eles. Em pacientes com RSC, um estudo mostrou que a seus potenciais efeitos antioxidantes e de liberação de fato-
presença de pólipos nasais, o desvio septal, a hipertrofia res neurais na melhora da função olfatória. Foi demonstra-
de conchas inferiores e, em menor grau, o tabagismo e a do efeito benéfico na recuperação da função olfatória após
rinopatia alérgica foram preditores de disfunção olfatória.17 infecção de via aérea superior em uma dose de 600 mg/dia
Esses pacientes podem não apresentar queixas nasais além por um período médio de 4,5 meses.24 No entanto, há pou-
da hiposmia, e a doença pode não ser tão evidente ao exa- cos estudos sobre seu uso nos distúrbios olfatórios. Em nosso
me endoscópico nasal. Isso torna o diagnóstico mais difícil, estudo, as respostas ao ácido alfa-lipoico foram variáveis e
de tal forma que o otorrinolaringologista deve estar atento difíceis de serem analisadas, uma vez que na maioria das
para causas que são passíveis de tratamento cirúrgico — ri- vezes foi utilizado como terapia combinada.
nossinusite crônica com e sem pólipos — antes de pressupor Outras substâncias também têm sido testadas no trata-
a causa idiopática da hiposmia.2 Em nossa amostra, 18,4% mento da hiposmia. Estudo recente realizado em animais
do total de casos corresponderam ao diagnóstico de RSC mostrou que o gluconato de zinco, substância que vinha
com ou sem pólipos nasais. sendo utilizada com frequência nos Estados Unidos em pre-
Na RSC sem pólipos nasais, estudos mostraram que a parações tópicas para o tratamento do resfriado comum,
presença de eosinófilos na mucosa do epitélio olfatório e pode ter um efeito negativo na função olfatória e causar
o espessamento da membrana basal são fatores preditivos anosmia.25
independentes para a disfunção olfatória.18 Alguns estudos Recentemente, descobriu-se que as células olfatórias
mostram que a melhora após a cirurgia endoscópica funcio- têm uma capacidade notável de regeneração e de dar ori-
nal dos seios paranasais (FESS) nesses pacientes é variável gem a novos neurônios, fato que tem gerado grande im-
e difícil de ser predita. Apesar de ainda haver evidências pulso em pesquisas com transplante de epitélio de células
conflitantes, é sugerido que pacientes com anosmia, RSC olfatórias. Os enxertos de tecido com células olfatórias não
e pólipos têm maiores chances de recuperar a função ol- apenas sobrevivem a sua colocação em diferentes regiões
fatória após a cirurgia do que pacientes com hiposmia sem do cérebro como também conservam as características de
pólipos nasais.16 um epitélio normal após o transplante. Nesse sentido, ob-
As causas tumorais costumam ser de diagnóstico relati- servou-se que os axônios das células olfatórias sensoriais nos
vamente mais fácil. Meningiomas da região olfatória e tu- enxertos de epitélio olfatório são capazes de crescer em di-
mores suprasselares também têm sido associados à perda reção ao córtex cerebral. Além disso, os tecidos de epitélio
do olfato. O estesioneuroblastoma, apesar de ser um tumor olfatório transplantados diretamente ao bulbo olfatório têm
raro, é uma das principais causas tumorais de hiposmia.2 grandes taxas de sobrevivência e acabam por expressar a
A anosmia congênita (como a síndrome de Kallman), por proteína presente em neurônios olfatórios maduros. Apesar
sua vez, é encontrada em 1%-2% dos casos, mas raramen- disso, diversas questões técnicas quanto à colocação dos en-
te costuma ser sintomática. Outras causas de hiposmia ou xertos estão sendo resolvidas antes de se experimentar essa
anosmia incluem envelhecimento, síndrome da imunodefi- linha de pesquisa em seres humanos.26
ciência adquirida (AIDS), doenças neurodegenerativas, do-
enças hepáticas, trauma pós-operatório (cirurgias de base
de crânio), toxinas, deficiências vitamínicas ou de oligo- Conclusão
elementos,2 calcificação do bulbo olfatório,19 sarcoidose,20
entre outras. Os distúrbios do olfato têm alcançado grande importância
Quanto ao tratamento, ainda há controvérsia na litera- nos últimos anos no ser humano, sendo investigados como
tura. Os estudos ainda carecem de randomização no que marcadores precoces de doenças neurodegenerativas
se refere a comparações nas respostas ao tratamento entre como o Alzheimer e a doença de Parkinson. Apesar disso,
diferentes grupos etiológicos de distúrbios olfatórios. Em al- poucos otorrinolaringologistas têm conhecimento e dão
guns estudos, foi observado que, nas hiposmias idiopáticas importância para esse assunto, o que pode levar a erros de
relacionadas às doenças nasossinusais e nas pós-infecciosas, manejo e de diagnóstico dos pacientes. Ao descrever o perfil
o corticosteroide tópico (mometasona) não melhorou a fun- da amostra dos pacientes atendidos com queixa principal de
ção olfatória de forma estatisticamente significante após hiposmia ou anosmia em nosso serviço, demonstramos que
um a três meses de uso em todos os três grupos, ao passo maior ênfase deve ser dada à avaliação inicial dos distúrbios
Olfaction disorders: retrospective study 17
do olfato, com métodos diagnósticos mais precisos e inves- 11. Bitter T, Gudziol H, Burmeister HP, Mentzel HJ, Guntinas-Li-
tigação etiológica mais pormenorizada, uma vez que o diag- chius O, Gaser C. Anosmia leads to a loss of gray matter in
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