Distúrbios Olfatórios PDF

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Braz J Otorhinolaryngol.

2014;80(1):11-17

Brazilian Journal of

OTORHINOLARYNGOLOGY
www.bjorl.org.br

ARTIGO ORIGINAL

Olfaction disorders: retrospective study


Luciano Lobato Gregorio*, Fábio Caparroz, Leonardo Mendes Acatauassú Nunes,
Luciano Rodrigues Neves, Eduardo Kosugi Macoto

Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM),
São Paulo, SP, Brasil

Recebido em 10 de dezembro de 2012; aceito em 12 de outubro de 2013

KEYWORDS Abstract
Smell; Introduction: The smell, subjective phenomenon of great importance, is poorly understood
Olfaction disorders; and studied in humans. Physicians with more knowledge about smell disorders tend to consid-
Olfactory perception er the phenomenon important and to better manage the diagnosis and its treatment.
Aims: First to describe a sample of patients presenting with main complaint of disturbances
of smell. And second, to show our experience on management and treatment of this disease.
Design: Retrospective cross-sectional cohort study.
Materials and methods: Sample description and assessment of treatment response in patients
with main complaint of hyposmia or anosmia from January 2005 to October 2011.
Results: From 38 patients presented with main complaint of an olfactory disorder, 68.4% of
the patients were presented with hyposmia and 31,5% with anosmia, with a mean duration of
30.8 months. The main etiologic diagnoses were idiopathic (31.5%), rhinitis (28.9%) and CRS
with polyps (10.5%). Responses to treatment with topical steroids and alpha-lipoic acid were
variable, as well as in the literature.
Conclusion: Greater importance should be given to disorders of smell in practice of otolaryn-
gologists, since its large differential diagnosis and the fact that could increase morbidity to
patients, impacting on their quality of life.
© 2014 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Published by Elsevier
Editora Ltda. All rights reserved.

PALAVRAS-CHAVE Distúrbios da olfação: estudo retrospectivo


Olfato;
Transtornos do olfato; Resumo
Percepção olfatória Introdução: O olfato, fenômeno subjetivo de grande importância, é pouco compreendido e
estudado no ser humano. Médicos com maior conhecimento sobre os distúrbios desse sentido
tendem a considerar a doença mais importante e manejar melhor o diagnóstico e o tratamento.
Objetivo: Descrever a amostra dos pacientes com queixa principal de distúrbios do olfato e
mostrar a experiência do serviço no manejo e tratamento.
Delineamento: Estudo retrospectivo de coorte histórica com corte transversal.
Materiais e métodos: Descrição da amostra e avaliação de resposta ao tratamento de pacientes
com queixa principal de hiposmia ou anosmia atendidos no ambulatório de Rinologia no período
de janeiro de 2005 a outubro de 2011.
Resultados: Dos 38 pacientes com distúrbio da olfação, 68,4% dos pacientes apresentaram quei-

DOI se refere ao artigo: 10.5935/1808-8694.20140005


Como citar este artigo: Gregorio LL, Caparroz F, Nunes LM, Neves LR, Macoto EK. Olfaction disorders: retrospective study. Braz J Otorhi-
nolaryngol. 2014;80:11-7.
* Autor para correspondência.
E-mail: [email protected] (L.L. Gregorio).

© 2014 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
12 Gregorio LL et al.

xa de hiposmia e 31,5% de anosmia, com duração média de 30,8 meses. Os diagnósticos etioló-
gicos principais foram idiopática (31,5%), rinopatia alérgica (28,9%) e RSC com pólipos (10,5%).
As respostas ao tratamento com corticosteroide tópico e ácido alfa-lipoico foram variáveis,
assim como na literatura.
Conclusão: Maior importância deve ser dada aos distúrbios do olfato na prática do otorrinola-
ringologista, uma vez que o diagnóstico diferencial é amplo e pode trazer grande morbidade ao
paciente, com impacto na sua qualidade de vida.
© 2014 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Publicado por Elsevier
Editora Ltda. Todos os direitos reservados.

Introdução Em um estudo recente conduzido com aplicação de


questionários a otorrinolaringologistas (n = 231), de-
Os distúrbios do olfato têm ganhado grande importância monstrou-se que apenas 7,3% dos participantes afir-
nos últimos anos. No homem, o sentido da olfação é, pro- maram fazer uso de testes de avaliação do olfato na
vavelmente, o menos compreendido, por ser um fenôme- sua prática diária. Demonstrou-se que a maioria desses
no em grande parte subjetivo.1 A anosmia e a hiposmia últimos observou a aplicação do teste e obteve forma-
são termos que se referem à perda completa e parcial
ção sobre os distúrbios do olfato durante a residência
do olfato, respectivamente. O termo disosmia, por sua
médica. Além disso, os médicos com maior conhecimen-
vez, descreve uma percepção alterada do olfato, tanto
em resposta a estímulos ambientais — o que chamamos to sobre esses distúrbios tendem a considerar a doen-
de parosmia — quanto a eventos espontâneos — o que ça mais importante e conduzir melhor o diagnóstico e o
chamamos de fantosmia.2 tratamento. 8
A perda ou diminuição do olfato é uma condição re- O objetivo do presente estudo é descrever a amostra
lativamente comum, especialmente em idosos. Doty e dos pacientes com queixa principal de distúrbios do olfa-
colaboradores estimaram que aproximadamente 75% das to, mostrar a experiência do serviço no manejo dos mes-
pessoas com mais de 80 anos e 50% daquelas entre 65 e 80 mos e fazer uma revisão de literatura sobre os distúrbios
anos sofram de diminuição considerável da função olfató- do olfato com ênfase nos métodos de avaliação do olfato,
ria.3 Entretanto, a prevalência de distúrbios do olfato na
diagnóstico etiológico e conduta.
população geral foi e tem sido subestimada, conforme in-
dicam alguns estudos recentes. Em um trabalho com uma
amostra aleatória representativa da população (n = 1387)
na Suécia foi calculada uma prevalência de 19% para os Materiais e métodos
distúrbios do olfato em geral.4
Além disso, é bem estabelecido que o sentido do ol- Estudo de coorte histórica retrospectiva dos pacientes
fato contribua fortemente para a percepção gustativa, atendidos em um ambulatório de Rinologia de um hospi-
de tal modo que pacientes com hipo ou anosmia têm grande tal terciário com queixa principal de distúrbio do olfato
dificuldade em perceber o gosto dos alimentos, perden- (anosmia, e hisposmia) durante o período de janeiro de
do assim o apetite e o prazer com a alimentação. 1 Os im- 2005 a outubro de 2011. Foram avaliados: idade, gênero,
pulsos da olfação propagam-se para o sistema límbico, duração da queixa, sintomas ao diagnóstico (obstrução
bem como para as áreas corticais superiores, podendo nasal, rinorreia anterior ou posterior, epistaxe, cefaleia,
certos estímulos olfatórios tanto desencadear respostas
entre outros), comorbidades, bem como achados no exa-
emocionais diversificadas quanto criar associação corti-
me físico otorrinolaringológico e achados nos exames
cal com outros sentidos, estando esse processo atrela-
do à memória do indivíduo e à percepção da qualidade complementares de imagem. Foi avaliada também a por-
emocional do estímulo, ou seja, à sensação de agradável centagem de melhora de diferentes tratamentos de acor-
ou desagradável. 1 Outro fator a se considerar é que a do com cada hipótese diagnóstica.
hiposmia pode acarretar impacto significativo na quali- Em relação ao exame físico, consideramos “positi-
dade de vida dos pacientes, com dificuldade nas ativi- vos” os seguintes achados: presença de pólipos nasais em
dades de vida diárias, transtornos do humor, diminuição qualquer grau e localização; desvio septal graus II e III;
do apetite e até problemas no trabalho. 5 Testes olfató- hipertrofia de cornetos inferiores com palidez de muco-
rios padronizados foram então criados na tentativa de sa e presença de secreção em meato médio. Em relação
objetivação de um sintoma subjetivo, uma vez que os
aos achados na tomografia computadorizada (TC) de seios
distúrbios do olfato são fontes de inúmeras queixas mé-
dico-legais e motivo de milhares de consultas médicas paranasais, foram considerados “positivos”: obstrução do
anuais. 6 Nesse sentido, a disfunção olfatória tem sido complexo óstio-metal; velamento parcial ou total de um
investigada como um dos sinais pré-clínicos mais preco- ou mais seios paranasais e presença de concha média bo-
ces tanto na doença de Alzheimer (DA) como na doença lhosa. Não foram aplicados testes olfatórios padronizados
de Parkinson (DP) esporádica. 7 de rotina na avaliação dos pacientes.
Olfaction disorders: retrospective study 13

Resultados Tabela 2 Distribuição das queixas iniciais e duração do sintoma

O trabalho foi submetido e aprovado junto ao Co- Frequência


mitê de Ética da Plataforma Brasil sob CAAE no Queixa
07390412.9.0000.5505. Foram incluídos todos os pacien- n %
tes com queixa principal de distúrbios do olfato atendidos Hiposmia 26 68,4
em um ambulatório de Rinologia de um hospital terciário,
entre janeiro de 2005 e outubro de 2011 (n = 38). Fo- Anosmia 12 31,5
ram excluídos os pacientes com queixas secundárias de Duração (em meses)
hiposmia ou anosmia e os que tiveram dados incompletos
registrados em prontuário. As características da amostra Média 30,84
estão detalhadas na tabela 1. As queixas iniciais apre- Mínima 3
sentadas pelos pacientes e a sua duração estão descritas
na tabela 2. A distribuição dos diagnósticos encontrados Máxima 120
na avaliação dos pacientes é mostrada na tabela 3. As
comorbidades apresentadas pelos pacientes estão apre- n, número; %, porcentagem.
sentadas na tabela 4.
Quanto aos achados de exame físico, 18 (47,3%) dos 38
pacientes apresentaram um ou mais critérios descritos
Tabela 3 Distribuição dos diagnósticos
como “positivos”. Já em relação à TC, o exame foi so-
licitado para 20 pacientes (52,6%), dos quais sete foram Frequência
“positivos” e 13 sem alterações. É importante mencionar Diagnósticos
que não foram observadas outras alterações ou variações n %
anatômicas que pudessem influir na drenagem do comple- Hiposmia idiopática 12 31,5
xo óstio-meatal (ex: concha média paradoxal, células de
Haller) em nenhum dos casos. Rinopatia alérgica 11 28,9
De todos os pacientes da amostra que procuraram o Rinossinusite crônica
ambulatório com queixa de distúrbios do olfato, oito de- com pólipos 4 10,5
les (21%) tinham realizado tratamento prévio em outro
sem pólipos 3 7,8
serviço. Desses, apenas quatro (50%) obtiveram melhora
parcial. Trinta e quatro pacientes (89,4%) receberam tra- Hiposmia senil 2 5,2
tamento medicamentoso em nosso serviço. A opção tera- Hiposmia pós-TCE 1 2,6
pêutica está detalhada na tabela 5.
Hiposmia iatrogênica 1 2,6
Na tabela 6 podemos observar o tipo de tratamento nos
principais diagnósticos etiológicos dos pacientes de nossa Hiposmia medicamentosa 1 2,6
amostra, com as respectivas porcentagens de melhora. Hiposmia pós-infecciosa 1 2,6
Em 57,8% dos pacientes foi possível realizar o acompanha- Fibrose cística 1 2,6
mento mínimo de dois meses para avaliação da resposta ao
Hiposmia pós-AVE 1 2,6
tratamento. Desses, 16 (72,7%) apresentaram resposta
ao tratamento, parcial ou completa. n, número; %, porcentagem; TCE, traumatismo
cranioencefálico; AVE, acidente vascular encefálico.

Tabela 1 Características da amostra


Tabela 4 Comorbidades
Frequência
Dado
Frequência
n % Comorbidades
Gênero n %
Hipertensão arterial
Masculino 15 39,47% 15 39,4
sistêmica
Feminino 23 60,53% Diabetes mellitus 6 15,7
Idade (anos) Dislipidemia 4 10,5
Média 54,26 Lúpus eritematoso
1 2,6
sistêmico
Desvio-padrão 13,53
Asma 1 2,6
Mínima 22
Osteoporose 1 2,6
Máxima 87 Linfoma 1 2,6

n, número; %, porcentagem. n, número; %, porcentagem.


14 Gregorio LL et al.

Tabela 5 Tipo de tratamento medicamentoso realizado nos Discussão


pacientes
O sentido do olfato é muito subestimado em importância no
Frequência ser humano, apesar de sua utilidade não só em monitorar a
Tratamento medicamentoso entrada de agentes nocivos na via aérea superior como tam-
n % bém em determinar em larga escala o sabor e a palatabili-
dade de um alimento ou de uma bebida, por exemplo.7 Uma
Corticosteroide tópico 13 38,24
percepção normal do olfato é importante para a segurança,
Corticosteroide tópico + o estado nutricional e a qualidade de vida de um indivíduo.9
9 26,47 A hiposmia e a anosmia estão associadas a diversas condi-
ácido alfa-lipoico
ções, como a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer,
Corticosteroide tópico +
4 11,76 a síndrome de Down, esclerose múltipla, esquizofrenia,
corticosteroide oral
entre outras.10 Recentemente descobriu-se, por meio de
Corticosteroide tópico + estudos de neuroimagem, que pacientes com anosmia têm
4 11,76
anti-histamínico perda de volume de substância cinzenta em certas áreas
Corticosteroide tópico + corticais (como o córtex pré-frontal medial), postulando-se
2 5,88 assim uma associação entre o desenvolvimento de doenças
ATB + lavagem nasal
neurodegenerativas e pacientes com anosmia.11,12 Apesar
Corticosteroide oral 1 2,94 disso, poucos otorrinolaringologistas têm conhecimento su-
ficiente sobre os distúrbios do olfato.8 Um estudo recente
Ácido alfa-lipoico 1 2,94 na Turquia aponta que 83,5% dos otorrinolaringologistas não
observaram a aplicação de testes padronizados para a olfa-
n, número; %, porcentagem. ção durante a residência médica.8 A falta de conhecimento

Tabela 6 Tipo de tratamento estratificado por diagnóstico

Diagnóstico/tratamento Melhora Sem melhora

n % n % n %

Hiposmia idiopática

Corticosteroide tópico + ácido alfa-lipoico 6 54,5% 1 16,6% 4 80%

Corticosteróide tópico 3 27,3%

Corticosteroide sistêmico 1 9,1%

Ácido alfa-lipoico 1 9,1%

Rinopatia alérgica

Corticosteroide tópico 6 50% 3 50%

Corticosteroide tópico + ácido alfa-lipoico 2 16,7% 2 100% 0 0%

Corticosteroide tópico + anti-histamínico 2 16,7% 2 100% 0 0%

Corticosteroide tópico + sistêmico 1 8,3%

Rinopatia alérgica

Corticosteroide tópico + ATB + LN 2 66,7% 2 66,7% 0 0%

Corticosteroide tópico 1 33%

Corticosteroide tópico + anti-histamínico 1 100% 1 100% 0 0%

Corticosteroide tópico + sistêmico 3 100% 1 33,3%

n, número; %, porcentagem; ATB, antibiótico; LN, lavagem nasal.


Olfaction disorders: retrospective study 15

e treinamento dos médicos em sua prática diária pode levar total de odores identificados é o escore do UPSIT. Esse es-
a erros de manejo e diagnóstico dos distúrbios do olfato. core permite a classificação da função olfatória em normos-
Na avaliação do paciente, a anamnese é a ferramenta mia, hiposmia (leve, moderada e severa) e anosmia.6 Esse
mais importante para se chegar ao diagnóstico. Questões teste pode ser autoaplicado e demora aproximadamente de
importantes são: o tempo da perda, fatores concomitantes 15 a 20 minutos. Possui uma alta confiabilidade descrita na
associados (por exemplo, história de trauma cranioencefáli- literatura e ajuda a solucionar o problema de estimulação
co ou história pregressa de IVAS), a caracterização da perda concomitante do nervo trigêmeo ao se apresentar os odo-
total (anosmia) ou parcial (hiposmia), a uni/bilateralidade, res.6 Suas limitações referem-se principalmente aos pacien-
presença ou não de flutuação do sentido olfatório, outros tes com déficits cognitivos e problemas de linguagem.10
sintomas nasais associados, a caracterização da instalação Outras falhas, como a presença de falso-negativos nes-
como súbita ou insidiosa e a presença de sinais e sintomas ses testes padronizados também foram notadas. Deems de-
neurológicos concomitantes. O interrogatório complemen- monstrou que até 29% dos pacientes com queixa de perda do
tar pode apontar para doenças hepáticas, renais ou até olfato não apresentam alterações nos testes padronizados.2
mesmo neurológicas subjacentes. A história de uso pregres- Recentemente, o questionário UPSIT-Br2 foi criado e adapta-
so ou atual de medicamentos também é importante.2 Em do para nosso contexto sóciocultural9 tendo-se mostrado um
nossa amostra foi observado um caso de hiposmia de prová- instrumento sensível na avaliação dos distúrbios do olfato
vel etiologia medicamentosa em um paciente com diagnós- em território nacional. Em um recente estudo, os achados
tico de base de artrite reumatoide em uso de metotrexato. da aplicação desse questionário foram compatíveis com os
O exame físico envolve o exame otorrinolaringológico obtidos na literatura internacional, demonstrando melhor
completo, incluindo o endoscópio flexível, atentando para performance no gênero feminino em relação ao masculino
estreitamentos, alterações de epitélio ou presença de anor- na identificação de odores.9
malidades na área olfatória. O exame neurológico deve au- Em relação à etiologia, são relatadas mais de 200 causas
xiliar nos casos direcionados pela história clínica.2 A imagem para os distúrbios olfatórios. Entre essas, a maioria ocorre
de tomografia computadorizada dos seios paranasais pode devido a quatro principais, excluída a hiposmia relacionada
auxiliar no diagnóstico de rinossinusite crônica e atentar ao envelhecimento: traumatismo cranioencefálico (TCE),
para áreas de hipodensidade na região olfatória. A ressonân- infecções das vias aéreas superiores (IVAS), rinossinusite
cia magnética (RM), por sua vez, pode ser útil nos casos de crônica (RSC) com ou sem pólipos nasais e idiopáticos. Essas
tumores nasais com invasão da lâmina cribiforme e sistema quatro causas constituem de 70%-85% de todas as causas de
nervoso central, nos casos de hipodesenvolvimento do bulbo hiposmia.2 De forma didática, podemos dividi-las em dois
olfatório, ou até mesmo na suspeita de processos neuro- grandes grupos de acordo com sua fisiopatologia: neuros-
degenerativos.13 Estudos demonstram que a RM possui uma sensoriais ou condutivas. As primeiras incluem as lesões do
boa relação custo-efetividade no diagnóstico etiológico dos nervo olfatório ou sistema nervoso central, o processo re-
distúrbios olfatórios, uma vez que pode demonstrar infor- sultante de infecções de vias aéreas superiores, o trauma
mações pertinentes ao diagnóstico em até 25% dos casos de cranioencefálico, bem como toxinas neurotóxicas e por últi-
disosmia idiopática.14 Em nossa amostra, a TC foi solicitada mo a RSC sem pólipos. Já as causas condutivas, por sua vez,
em 52,6% dos pacientes. Já a RM acabou sendo pouco solici- incluem os tumores nasais, desvios de septo traumáticos
tada (em apenas um paciente) pelo alto custo e dificuldade afetando a lâmina cribiforme, e a RSC com pólipos.13 Mui-
de acesso ao exame. tas vezes, essa divisão torna-se confusa, pois algumas cau-
Em relação aos métodos de avaliação do olfato, uma sas podem ser agrupadas tanto em neurossensoriais como
grande variedade tem sido desenvolvida nas últimas déca- condutivas, como a RSC. Por esse motivo, optamos por não
das para avaliar clinicamente a presença ou não de hipos- dividir os pacientes de nossa amostra nessa classificação.
mia ou anosmia. A medida clínica desenvolvida inicialmente A causa pós-traumática (traumatismo cranioencefáli-
consistia em apresentar substâncias odoríferas ao paciente co) tem sido apontada como uma das mais frequentes em
e pedir sequencialmente para nominá-las. Tal método mos- alguns estudos. A avaliação de amplas séries de pacientes
trou-se inadequado, uma vez que mesmo pacientes normais após traumatismo cranioencefálico (TCE) mostrou que de
têm dificuldade em nomear certos tipos de odores, ao mes- 5%-7% de todos os traumas apresentaram anosmia, e o trau-
mo tempo em que algumas substâncias podem produzir irri- ma occipital ou frontal foi o tipo mais comum relacionado
tação da mucosa nasal e estimular a percepção de pacientes ao distúrbio do olfato.2 Apesar de a intensidade do trauma
com hiposmia. Outros métodos mostraram-se pouco efica- geralmente ser diretamente proporcional ao grau de perda
zes na medida em que consumiam muito tempo para aplica- olfatória, a perda de consciência pode não necessariamente
ção clínica, envolviam equipamentos complexos e falta de ocorrer, além do fato de que traumas leves podem causar
acurácia para o diagnóstico de hiposmia — como a medida anosmia ou hiposmia. Adultos jovens do sexo masculino são
dos potenciais evocados olfatórios.10 mais comumente afetados, por constituírem grupo de risco
Por isso, foram desenvolvidos testes de olfação padroni- ao traumatismo cranioencefálico. A anosmia é encontrada
zados por grandes centros especializados, os quais tiveram em até três quartos desses pacientes.2
seu uso disseminado para a avaliação clínica, pela sua apli- A causa pós-viral é diagnosticada quando há perda
cabilidade prática.10 O mais utilizado é o UPSIT (University do olfato logo após uma infecção de via aérea superior,
of Pennsylvania Smell Identification Test) que consiste em sem outra causa aparente. Esses pacientes tipicamente re-
um teste com as partículas odoríferas encapsuladas mais ferem o quadro de IVAS como o “pior que já tiveram”. Eles
comuns, incluindo 40 itens.2 Os pacientes escolhem, após tendem a ser mais velhos, com uma predominância do gê-
a apresentação de cada odor, em uma lista de quatro itens nero feminino em uma proporção de 2:1, por motivos ainda
qual deles melhor descreve o odor que sentiram. O número desconhecidos. Nesse caso, a hiposmia é mais comum e a
16 Gregorio LL et al.

disosmia pode ser observada em até dois terços desses pa- que o corticosteroide oral (prednisolona, em dose inicial de
cientes.2 Alguns estudos sugerem que a hiposmia ou anos- 40 mg decrescendo por 21 dias) teve um efeito positivo.21
mia pós-viral deve sempre ser investigada com exames de Outros estudos, entretanto, mostraram melhora da função
imagem, tratando-se dessa forma como um diagnóstico de olfatória após uso de corticosteroide tópico (mometasona)
exclusão, uma vez que algumas doenças subjacentes podem nos casos de hiposmia pós-infecciosa.22 Em nossa amostra,
estar presentes, inclusive tumores intracranianos.15 o corticoide tópico isolado foi utilizado em 13 pacientes
As doenças nasossinusais, por sua vez, são apontadas (38,4%), apresentando respostas variáveis. A porcentagem
como causas da hiposmia em aproximadamente 15% dos de melhora foi maior nos casos de RSC com ou sem pólipos
casos.2 Dos pacientes com RSC, aproximadamente 65%-80% e na rinopatia alérgica, sendo baixa nos casos de hiposmia
apresentam disfunção olfatória.16 A obstrução nasal impe- idiopática. Em um recente estudo prospectivo com 32 pa-
dindo o fluxo aéreo na fossa olfatória costuma ser apontada cientes, foi verificado que a aplicação do corticosteroide
como o fator etiológico nesses casos, além do dano ao neu- tópico com um sistema de esguicho é mais efetiva em pro-
roepitélio pela inflamação crônica. A presença de pólipos mover a melhora da olfação quando comparada ao sistema
de grande volume, por exemplo, na área olfatória, impede tradicional de aplicação com spray.23
as moléculas que estimulariam os receptores de se ligarem O ácido alfa-lipoico, por sua vez, tem sido estudado por
a eles. Em pacientes com RSC, um estudo mostrou que a seus potenciais efeitos antioxidantes e de liberação de fato-
presença de pólipos nasais, o desvio septal, a hipertrofia res neurais na melhora da função olfatória. Foi demonstra-
de conchas inferiores e, em menor grau, o tabagismo e a do efeito benéfico na recuperação da função olfatória após
rinopatia alérgica foram preditores de disfunção olfatória.17 infecção de via aérea superior em uma dose de 600 mg/dia
Esses pacientes podem não apresentar queixas nasais além por um período médio de 4,5 meses.24 No entanto, há pou-
da hiposmia, e a doença pode não ser tão evidente ao exa- cos estudos sobre seu uso nos distúrbios olfatórios. Em nosso
me endoscópico nasal. Isso torna o diagnóstico mais difícil, estudo, as respostas ao ácido alfa-lipoico foram variáveis e
de tal forma que o otorrinolaringologista deve estar atento difíceis de serem analisadas, uma vez que na maioria das
para causas que são passíveis de tratamento cirúrgico — ri- vezes foi utilizado como terapia combinada.
nossinusite crônica com e sem pólipos — antes de pressupor Outras substâncias também têm sido testadas no trata-
a causa idiopática da hiposmia.2 Em nossa amostra, 18,4% mento da hiposmia. Estudo recente realizado em animais
do total de casos corresponderam ao diagnóstico de RSC mostrou que o gluconato de zinco, substância que vinha
com ou sem pólipos nasais. sendo utilizada com frequência nos Estados Unidos em pre-
Na RSC sem pólipos nasais, estudos mostraram que a parações tópicas para o tratamento do resfriado comum,
presença de eosinófilos na mucosa do epitélio olfatório e pode ter um efeito negativo na função olfatória e causar
o espessamento da membrana basal são fatores preditivos anosmia.25
independentes para a disfunção olfatória.18 Alguns estudos Recentemente, descobriu-se que as células olfatórias
mostram que a melhora após a cirurgia endoscópica funcio- têm uma capacidade notável de regeneração e de dar ori-
nal dos seios paranasais (FESS) nesses pacientes é variável gem a novos neurônios, fato que tem gerado grande im-
e difícil de ser predita. Apesar de ainda haver evidências pulso em pesquisas com transplante de epitélio de células
conflitantes, é sugerido que pacientes com anosmia, RSC olfatórias. Os enxertos de tecido com células olfatórias não
e pólipos têm maiores chances de recuperar a função ol- apenas sobrevivem a sua colocação em diferentes regiões
fatória após a cirurgia do que pacientes com hiposmia sem do cérebro como também conservam as características de
pólipos nasais.16 um epitélio normal após o transplante. Nesse sentido, ob-
As causas tumorais costumam ser de diagnóstico relati- servou-se que os axônios das células olfatórias sensoriais nos
vamente mais fácil. Meningiomas da região olfatória e tu- enxertos de epitélio olfatório são capazes de crescer em di-
mores suprasselares também têm sido associados à perda reção ao córtex cerebral. Além disso, os tecidos de epitélio
do olfato. O estesioneuroblastoma, apesar de ser um tumor olfatório transplantados diretamente ao bulbo olfatório têm
raro, é uma das principais causas tumorais de hiposmia.2 grandes taxas de sobrevivência e acabam por expressar a
A anosmia congênita (como a síndrome de Kallman), por proteína presente em neurônios olfatórios maduros. Apesar
sua vez, é encontrada em 1%-2% dos casos, mas raramen- disso, diversas questões técnicas quanto à colocação dos en-
te costuma ser sintomática. Outras causas de hiposmia ou xertos estão sendo resolvidas antes de se experimentar essa
anosmia incluem envelhecimento, síndrome da imunodefi- linha de pesquisa em seres humanos.26
ciência adquirida (AIDS), doenças neurodegenerativas, do-
enças hepáticas, trauma pós-operatório (cirurgias de base
de crânio), toxinas, deficiências vitamínicas ou de oligo- Conclusão
elementos,2 calcificação do bulbo olfatório,19 sarcoidose,20
entre outras. Os distúrbios do olfato têm alcançado grande importância
Quanto ao tratamento, ainda há controvérsia na litera- nos últimos anos no ser humano, sendo investigados como
tura. Os estudos ainda carecem de randomização no que marcadores precoces de doenças neurodegenerativas
se refere a comparações nas respostas ao tratamento entre como o Alzheimer e a doença de Parkinson. Apesar disso,
diferentes grupos etiológicos de distúrbios olfatórios. Em al- poucos otorrinolaringologistas têm conhecimento e dão
guns estudos, foi observado que, nas hiposmias idiopáticas importância para esse assunto, o que pode levar a erros de
relacionadas às doenças nasossinusais e nas pós-infecciosas, manejo e de diagnóstico dos pacientes. Ao descrever o perfil
o corticosteroide tópico (mometasona) não melhorou a fun- da amostra dos pacientes atendidos com queixa principal de
ção olfatória de forma estatisticamente significante após hiposmia ou anosmia em nosso serviço, demonstramos que
um a três meses de uso em todos os três grupos, ao passo maior ênfase deve ser dada à avaliação inicial dos distúrbios
Olfaction disorders: retrospective study 17

do olfato, com métodos diagnósticos mais precisos e inves- 11. Bitter T, Gudziol H, Burmeister HP, Mentzel HJ, Guntinas-Li-
tigação etiológica mais pormenorizada, uma vez que o diag- chius O, Gaser C. Anosmia leads to a loss of gray matter in
nóstico diferencial é amplo e pode trazer grande morbidade cortical brain areas. Chem Senses. 2010;35:407-15.
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