"Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram são designados pelos seus nomes verdadeiros." Essa breve nota inicial já fornece uma idéia do tom irônico que permeia Incidente em Antares. No entanto, a ironia e a sátira não são os únicos elementos presentes na narrativa. Erico Verissimo considera Incidente em Antares uma espécie de estuário em que desáquam rios e riachos de várias de usas tendëncias e características literárias. Mosaico do universo criativo do autor, a obra ainda inclui uma pitada de fantástico, o que lhe dá um sabor exótico. Semelhante a outros romances de Verissimo, Incidente em Antares tem um caráter panorâmico, onde uma vasta galeria de personagens vivencia os problemas de nosso tempo num microcosmo criado com visível deleite pelo escritor gaúcho.
Erico Verissimo (December 17, 1905 - November 28, 1975) is an important Brazilian writer, who was born in Rio Grande do Sul. His father, Sebastião Veríssimo da Fonseca, heir of a rich family in Cruz Alta, Rio Grande do Sul, met financial ruin during his son's youth. Veríssimo worked in a pharmacy before obtaining a job at Editora Globo, a book publisher, where he translated and released works of writers like Aldous Huxley. During the Second World War, he went to the United States. This period of his life was recorded in some of his books, including: Gato Preto em Campo de Neve ("Black Cat in a Snow Field"), A Volta do Gato Preto ("The Return of the Black Cat"), and História da Literatura Brasileira ("History of Brazilian Literature"), which contains some of his lectures at UCLA. His epic O Tempo e o Vento ("The Time and the Wind'") became one of the great masterpieces of the Brazilian novel, alongside Os Sertões by Euclides da Cunha, and Grande Sertão: Veredas by Guimarães Rosa. Four of Veríssimo's works, Time and the Wind, Night, Mexico, and His Excellency, the Ambassador, were translated into the English language by Linton Lomas Barrett. He was the father of another famous writer of Rio Grande do Sul, Luis Fernando Veríssimo.
Já começo essa resenha com um clichê: por que demorei tanto para ler esse livro, mesmo com tanta gente que confio me indicando?
A sinopse já é incrível: já imaginou se os mortos pudessem ressuscitar para acertar as contas com as pessoas envolvidas com sua morte, sem ter nada a perder com isso? Pois é, isso acontece na pequena cidade de Antares, na década de 60. Era um sexta-feira 13 aparentemente normal. No entanto, a cidade inteira entra em greve por conta de conflitos políticos. Dentre os grevistas, estão os coveiros e, por conta disso, os defuntos que aguardavam tranquilamente seu enterro passam a zanzar pela cidade reclamando o seu direito ao sepultamento.
Os cidadãos demoram para acreditar na notícia, mas o cheiro de podridão logo assola Antares e todo mundo passa a acompanhar os escândalos que os “fantasmas” estão protagonizando. Antares é uma cidade que, desde sua criação, tem sido palco de disputas entre duas grandes famílias: Vacarianos e Campolargos. E a volta dos defuntos só traz mais palha para reacender essa disputa de ego e poder.
Vale dizer que o livro se divide em duas partes. A primeira, com cerca de 200 pgs, é um retrospecto histórico do Brasil e de Antares. O autor mistura aspectos reais, quando trata da História brasileira, com fatos fictícios relacionados à sociedade antariana. Não recomendo pular essa parte, pois Veríssimo traz pontos bem importantes para a construção dos personagens que serão apresentados na segunda parte, quando a greve geral e o despertar dos mortos são narrados. No entanto, já aviso que a primeira parte pode parecer mais devagar - Não desista!
Outro ponto interessante: sendo esse livro lançado em 1971, durante a Ditadura Militar, Veríssimo teve a coragem de criar uma sátira política com críticas a ideias que se espalhavam pela sociedade da época. É difícil imaginar como a narrativa passou pela censura. Talvez a carga de humor que envolve a obra pode ter despistado quem controlava o que se falava e escrevia naquele período.
Veríssimo é genial e merece muito ser lido. A escrita é deliciosa, sobretudo na segunda parte, com diálogos hilários.
Existem livros – tais como O Guarani, Iracema e por que não, O Continente – que se tornam retratos de um determinado período histórico. Alguns livros, no entanto, além de se tornarem retratos daquele período, mantém-se atuais mesmo várias décadas após sua publicação. Incidente em Antares é um dos representantes desse segundo grupo.
Erico Verissimo, usa de toda a sua genialidade com as palavras para fazer duras críticas sociais e políticas à sociedade brasileira da época (e incrivelmente as críticas tecidas em 1970 podem ser transportadas para o presente e ainda assim serem validas).
O livro é dividido em duas partes – Antares e O Incidente. Na primeira parte Erico age como um historiador, recriando o passado da fictícia cidade de Antares desde a sua fundação até os anos de 1963. Essa parte é incrivelmente detalhada, citando as “fontes” usadas, tais como trechos de diário e artigos de jornal. Nessa parte também é feito um retrato da elite gaúcha da época, isto é, branca, conservadora, racista e corrupta.
"Antes de embarcar, conversou longamente com Zózimo, que o escutou num silêncio entre tristonho e constrangido: – Precisas compreender, homem, que os tempos mudaram. – E, num tom quase de colegial lendo um editorial de jornal, acrescentou: – É preciso reformar as velhas estruturas chamadas democráticas liberais. O Getúlio compreendeu a coisa. Somos um país subdesenvolvido de analfabetos e indolentes. É indispensável unificar e organizar a nação com punho de ferro. Vê o caso da Itália... O Mussolini acabou com a anarquia, implantando a ordem e o respeito à autoridade, e os trens já partem e chegam dentro do horário. – Não sabia que tinhas aderido ao fascismo – sorriu Zózimo. – Qual fascismo qual nada! Sou um realista e como tal simpatizo com os regimes autoritários. Sempre simpatizei, tu sabes. – Mesmo no tempo do Dr. Borges de Medeiros? – Ó homem, estamos na era do avião e do rádio e tu me vens com o borgismo! Naquela época eu era pouco mais que um rapazola inexperiente. E se me meti na revolução de ‘23 foi só para seguir o meu velho pai. Mas não desconverses. O Hitler reergueu a Alemanha, aboliu todos os partidos (menos o dele, naturalmente), botou pra fora do país os judeus que, como se sabe, são os culpados dessas guerras e intrigas políticas e financeiras internacionais, homens gananciosos e sem pátria. – Também não sabia que tinhas virado racista. – Racista eu? Ora, não sejas bobo. Sabes como trato a minha negrada. Eles me adoram. Mamei nos peitos duma negra-mina. Me criei no meio de moleques pretos retintos. Quando leio esses casos de ódio racial nos Estados Unidos, comento a coisa com a Lanja e lhe digo que no Brasil a gente, graças a Deus, não tem esses problemas, pois aqui o negro conhece o seu lugar."
Já na segunda parte do livro, ocorre o Incidente. Devido a uma greve geral convocada pelos sindicatos, sete mortos – representantes das diversas castas sociais - não podem ser sepultados. Indignados por não serem sepultados como “bons cristãos”, os mortos se levantam e passam a exigir o seu direito ao descanso eterno (e a infernizar a vida dos vivos). O que ocorre a seguir é uma crítica fortíssima à hipocrisia da sociedade brasileira e a corrupção endêmica que assola nosso país até hoje. É impressionante a coragem que Verissimo teve de escrever – e publicar – esse livro no auge da ditadura militar brasileira e é ainda mais impressionante o fato desse livro ter passado pelo crivo dos censores empregados pelo regime.
“O delegado Pigarço estará sempre pronto a prender como subversivo todo aquele que escrever com realismo sobre as misérias da nossa Babilonia e outros antros de indigência, mas essas favelas propriamente ditas não preocupam a burguesia. Aquilo que ninguém fala ou escreve não existe. Se um espelho reflete um ato ou fato que consideramos escandaloso, quebramos o espelho e voltamos as costas para o ato e o fato, dando a questão como resolvida. Neste país quase todos os problemas políticos, econômicos e sociais são solucionados no papel”.
É interessante, também, ver que vários dos conceitos bradados pelo Cel. Tibério Vaccariano, exemplo da elite conservadora gaúcha do inicio do Século XX e que são ecoados por políticos de extrema direita atualmente, são duramente criticados por Erico Verissimo na década de 70.
“Comunista é o pseudônimo que os conservadores, os conformistas e os saudosistas do fascismo inventaram para designar simplisticamente todo o sujeito que clama e luta por justiça social”.
No final, obviamente, ocorre uma operação borracha para “apagar dos anais da história” o triste incidente em que todas as hipocrisias da sociedade brasileira foram reveladas pelos mortos, contando é claro, com a curta memória de nosso povo.
“-Mas o povo ficou sabendo. - Que é o povo? Um monstro com muitas cabeças mas sem miolos. E esse “bicho” tem memória curta...”
Muito interessante reler um livro uns 25 anos depois, sem a preocupação velada de se descobrir "o que pode cair na prova"...
Incidente em Antares é dividido em 2 partes: a primeira conta a história das 2 grandes famílias que detêm o poder político e econômico de Antares, e usa isso como pano de fundo para descrever o momento político no Brasil à época, misturando os personagens fictícios com figurais reais (Jânio Quadros, Juscelino, Getúlio Vargas, etc.).
A segunda parte é focada no "incidente" em si e as repercussões na sociedade antariense. E é ai que o livro se supera numa narrativa leve que alterna bom-humor e acidez na medida certa ao criticar a política, os costumes e a falsidade da tradicional elite da cidade.
Sensacional, super recomendo!!! Se quiser entender um pouco mais sobre a política atual (sim, a história se repete), classificar melhor o pensamento social da direita e ver como tudo seguirá igualzinho como está. Com a direita no poder, com os rico cada vez mais ricos, com os pobres... Não interessa muito saber, quem quer ouvir de pobre??? Fim.
Assustadoramente atual! Não digo que é Brasil 2022, por que não presenciei os sete cadáveres insepultos no coreto da praça bradando aos sete ventos a podridão dos seus habitantes e da sua elite política, corrupta e de moralidade de fachada. Vivemos em um constante baile de máscaras! A história toda se passa em Antares, uma cidade gaúcha, porém fictícia, a beira do rio Uruguai, fronteira com a Argentina. Na primeira metade conhecemos a cidade de Antares, acompanhamos a sua fundação até a data de 1963, ano que se dá o incidente a que o título se refere. Nessa primeira parte vamos conhecendo as famílias mais “relevantes” da sociedade antarense, os manda-chuvas, os políticos, os coronéis, e outros cidadãos. Como a história é linear conseguimos observar a evolução das relações, dos desafetos, das alianças e assim vamos nos aprofundando na alma do cidadão desta pequena cidade…tudo isso permeado de fatos históricos e políticos reais com uma pitada de ficção que dá peso a outra metade da história, que é o incidente em si: sete mortos insepultos por conta de uma greve geral na cidade resolvem baixar no coreto da praça e expor a hipocrisia dos seus habitantes. Mas essa segunda parte só consegue ser maravilhosa, porque a primeira parte cumpre com maestria seu papel de nos apresentar quem são os habitantes da cidade de Antares e do que eles são “feitos”.
Antares é um microcosmo do Brasil. Seus personagens caminham pelas nossas cidades, ocupam nossos cargos políticos, são considerados a “elite”. O livro tem um caráter político, mas é divertido, profundo e sarcástico.
E se os mortos regressassem ao mundo dos vivos e, sem nada a perder, desatassem a revelar os podres dos que por cá andam?
Em Incidente em Antares, a par de um retrato fantástico do Brasil e do Rio Grande do Sul desde o século XIX, Erico Verissimo aproveita para fazer uma elaborada crítica social, atingindo coronéis, delegados e prefeitos, a par de toda a população de uma pequena cidade gaúcha.
Descritivo sem ser monótono, irónico sem ser evidente. Oportunidade ainda para me ir habitando à nova grafia que aí vem para a língua portuguesa.
"Melhor será contar primeiro, de maneira tão sucinta e imparcial quanto possível, a história de Antares e de seus habitantes, para que se possa ter uma ideia mais clara do palco, do cenário e principalmente das personagens principais, bem como da comparsaria, desse drama talvez inédito nos anais da espécie humana."
Livraço!! O meio do livro é igual o miolo de um pão francês, a melhor parte. O final é um pouco escorrido, esticado igual manteiga num pão, mas nem por isso é ruim. Só não é tão bom quanto o meio. O começo é uma bela fofoca. Quando entrei em história eu esperava que todo livro acadêmico fosse igual a primeira metade desse livro, ia ser muito mais prazeroso. Nota na escala oda 9,4. Se não leu ainda leia
Dou cinco estrelas porque não posso dar seis. QUE LIVRO!!! Uma crítica à tradicional sociedade brasileira contada com a mesma energia de uma fofoca. Difícil acreditar que esse livro foi lançado em plena ditadura militar, mas eles não devem ter entendido a ironia. Que livro. Leiam!!!!!
Releitura em 2022, nove anos após a primeira leitura.
Incidente em Antares é um desafio grande, pois antes dos acontecimentos sobrenaturais que podem motivar a nossa leitura, temos a construção de cidades e de relações políticas no RS e no Brasil. A partir da fundação desse "jeitinho" de fazer política é que é possível entender o que se passou em Antares e até mesmo o que foi apagado.
A história do Brasil está introjetada nesse livro, uma vez que Erico Verissimo não se eximia de colocar as dificuldades sociais dentro de suas narrativas. Sem panfleto, sem demagogia. Suas personagens são múltiplas e complexas. Cada uma comporta um pensamento diferente, contradifório e, muitas vezes, compreensível que seja assim, afinal o Brasil não é para amadores, certo?
Continuo a afirmar que é uma aula de história do Brasil.
Aula de história, literatura, ser humano e Brasil (de qualquer tempo)
Como minha mãe muito bem colocou, este é um livro de zumbis. Certo, brincadeiras à parte, Incidente em Antares é um livro essencial para entender o Brasil, principalmente um pedaço de nossa história que deveríamos ter vergonha - o período de ditadura militar das décadas de 1960, 70 e 80. Fico feliz de saber que ele tenha entrado na lista da FUVEST, pois, querendo ou não, é uma forma de alçá-lo a mais leitores. Mas vamos à minha leitura: Incidente em Antares é dividido em duas partes. Na primeira, "Antares", o leitor acompanha a história de Antares desde sua transformação de lugarejo de fronteira até uma cidade. Apesar de ser uma cidade fictícia, Antares é uma ótima ilustração do coronelismo gaúcho e, também, brasileiro. Na segunda parte, "O Incidente", acompanhamos o caos causado por sete mortos que estão insepultos devido a uma greve geral (à qual os coveiros aderiram). Eles denunciam a corrupção do coronel, dos políticos da cidade, dos médicos e da corrupção moral de toda a cidade. Além disso, há também denúncias de tortura e repressão ideológica. Não há uma parte da narrativa que seja poupada do humor ácido de Veríssimo. Talvez seja essa a razão para este livro não ter sido barrado pela censura - pelo menos não encontrei nenhuma notícia que dissesse o contrário. É um livro excelente do início ao fim. A minha redução de meia estrela se deve a dois fatores, pequenos, mas que ainda assim, atravancaram minha leitura: o primeiro diz respeito às referências históricas e políticas do Rio Grande do Sul que, penso eu, somente um gaúcho muito bem informado da história de seu estado poderia acompanhar; a segunda é a lentidão com que a primeira parte da narrativa se apresenta: foi a que eu mais demorei para ler, com esperança (recompensada!) de que a segunda parte seria melhor. De restante, excelente livro. Érico Veríssimo não perdeu o posto de um de meus escritores preferidos da literatura nacional.
fazia tempo que eu não lia um romance tão clássico na sua lógica de inicio, meio e fim - exposição, clímax, conclusão e epílogo. gostei de voltar a esse tipo de leitura. o romance moderno com toda sua portentosidade.
erico é desse gigantes da língua que andaram por essas bandas, me apaixonei pela sua escrita no tempo e o vento (que li com um afinco desmesurado no ensino médio - o livro me acompanhava no almoço, no banheiro, no recreio, em todos os lugares). já fazia bem mais de uma década que não procurava um dos seus livros para me entregar, e antares foi um grato reencontro.
o molde que ele dá aos personagens, a realidade da cidade de antares: a temperatura, os ventos, os bichos, as gentes, os cheiros, tudo fica marcado em quem lê o livro. construção à pinça de um mundo imenso e próprio.
e para além disso a conexão do livro com seu tempo. é extremamente claro para quem lê com os olhos de hoje e conhece a história brasileira, o lugar de onde érico escrevia, o tempo em que ele viveu, as suas ideias. a crítica-denúncia a um regime que então era vigente e que não respeitava nada - nem os mortos. (saber que o autor recusou a passar o livro pela censura dá uma sabor mais especial a tudo).
os mortos falando. as entranhas podres da cidade expostas no coreto da praça. os desalmados falando para os... desalmados. e tudo tão relacionado ao que ainda hoje É. e se ainda hoje é, é porque como os moradores de antares deixamos passar, deixamos esquecer - operação borracha em tudo e muita água pra lavar o coreto.
érico, com esse livro, também nos manda uma mensagem do além.
"Em suma, a técnica nos fornece os meios. O humanismo nos orienta quanto aos fins."
É com uma grande satisfação que venho fazer essa resenha. Eu enrolei para ler esse livro por quase dois anos até finalmente encontrá-lo em promoção na bienal do livro de MG.
Que leitura maravilhosa.
A história narra 4 dias na vida da população de Antares, uma cidade fictícia na fronteira do RS com a Argentina. Durante uma greve geral, 7 cadáveres são impedidos de serem sepultados e se levantam dos caixões.
Não, essa não é uma história de terror, muito menos sobre zumbis na acepção atual da palavra. É uma história sobre o Brasil, mais especificamente sobre a política brasileira e seu tortuoso caminho ao longo do séc 19. Publicado no auge da ditadura militar, Incidente em Antares faz duras críticas aos sistemas totalitários e também a todos que desejam cercear a liberdade alheia. As três últimas linhas do romance resumem muito bem a ideia que a história quer passar.
Foi uma delícia ler esse livro. Apesar de ser classificado como realismo mágico, eu arriscaria dizer que está mais para "naturalismo mágico" já que o autor mergulha nas personagens despertando nelas uma característica animalesca atada a um comportamento sexual que são usadas para gerar críticas sociais.
Se você gosta de histórias com teor político, eu recomendo fortemente essa leitura.
"Antares... bonito nome. Para mim quer dizer 'lugar onde existem muitas antas'."
Escrito no auge da ditadura brasileira, em 1970, Incidente em Antares passa 66% de sua história fazendo um apanhado histórico da fictícia cidade de Antares, de meados de 1830, quando a cidade foi fundada, até dezembro de 1963 (meses antes do Golpe Militar de 31 de março de 1964), quando ocorreu o Incidente.
O apanhado histórico, contado por meio de anedotas e passagens, tem um tom expositivo, dando um panorama da sociedade antarense - suas intrigas, suas figuras predominantes, a evolução da cidade durante o período industrial, a Era Vargas, etc.
O Incidente, por outro lado, é contado de forma narrativa, em um período curto de aprox. 2 dias. Narrado do ponto de vista de personagens espalhados pela cidade, cada um relata seu encontro com os defuntos, e vice-versa, além de outras situações interpessoais.
Ainda que escrito em 1970, o livro é um fiel retrato da sociedade brasileira em 2022; especialmente no tocante ao medo à ameaça comunista, a hipocrisia da classe dominante, o egoísmo das pessoas, a cegueira seletiva.
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Incidente em Antares tells the story of a small city in the Rio Grande do Sul State - a place with vast farms, dictatorial elite and poor labourers. In December 1963, a general strike is decreed and even the gravediggers refuse to work. That is when 7 people die in Antares, and the strikers refuse to allow them to be buried. Revolted, the corpses leave their coffins to demand their burial and, when that demand is not met, they start to plague the city and its inhabitants.
The book was written in 1970, at the height of the Brazilian Military Dictatorship. Its first 66% are simply a historic retrospective of the fictional city of Antares, from its foundation, circa 1830, to the Incident itself, in 11 Dec. 1963 (three months before the Military Coup of 31 March 1964).
The retrospective is told through a series of anecdotes and passages and has a predominantly factual tone, which provides the reader with a comprehensive understanding of the Antarean society - its gossips, leading people, the evolution of the city through the Industrial Era, etc.
The Incident itself is a narrative, told through the point of view of various characters - the corpses, the mayor, etc -, and lasts aprox. 2 days, during which chaos ensues.
Although written more than 50 years ago, Incidente em Antares still paints a truthful picture of the Brazilian society; specially when it comes to the fear of a communist threat, the hypocrisy of the elite class, the selfishness of people, the selective blindness.
Esperava muito mais... Imaginei que este livro seria ou uma comédia ou um drama, mas não imaginava que fosse na verdade quase que uma novela da Globo em prosa longaaaaa.....
O "incidente" propriamente dito só começa a ser narrado quase na metade do livro, que só pode ser acessado após o pobre leitor aturar centenas de páginas totalmente inúteis, que não ajudam em nada a narrativa principal. A primeira parte poderia ser resumida em dois ou três capítulos.
O incidente em si poderia ter sido explorado de forma a criar um conto gótico, uma farsa, um mistério, ficção científica, etc. No entanto, o autor se limita a descrever uma ressurreição meia-boca, sem nenhuma explicação, sem nenhum elemento fantástico, sem graça nenhuma. E a resolução do conflito? Os mortos simplesmente decidem voltar aos seus caixões, e lá simplesmente cessam de ter voz. São enterrados. Mas não é o fim da história. Veríssimo ainda nos obriga a ler o dia depois, a semana depois, o ano depois, cinco anos depois.....zzzzzz..... Não recomendo. Nem vou me dar ao trabalho de esconder spoilers, pq realmente o livro se resume a isso. Não vale a pena perder seu tempo lendo 485 páginas de estereótipos e personagens totalmente irrelevantes só para isso. E a crítica política? Mais vale ler os jornais diários, porque não há absolutamente nada de original sobre o assunto neste livro.
A descrição da sociedade de Antares, datada de 1963, é um retrato assustadoramente fiel da sociedade brasileira de 2021. Um dos melhores que li até agora!
The description of Antares’ society circa 1963 is a scaryly accurate portrait of the 2021 brazilian society. One of the best books I’ve read so far!
Durante uma greve no final de 1963, que impede sete defuntos de serem enterrados no cemitério, os sete se levantam para exigir seu direito de enterro, chocando a cidadezinha de Antares, no interior do Rio Grande do Sul.
Meu único contato anterior com Veríssimo foi a leitura do primeiro dos sete livros de O Tempo e O Vento, que é radicalmente diferente em tom de Incidente em Antares. Aqui o reverenciado escritor gaúcho faz uso do humor para criticar veladamente a ditadura militar instaurada no Brasil na época da escrita (por volta de 1970). Aliás, este é um típico romance do realismo mágico à brasileira, no melhor estilo Jorge Amado, com a bem-humorada inserção de elementos fantásticos no meio da discussão sócio-política nacional.
Há uma liberdade estrutural na obra que me parece típica de escritores já muito bem-sucedidos e que podem fazer o que bem entendem. Temos quase 1/3 do livro, a primeira parte, contando a história de Antares, mesclando os acontecimentos políticos do Brasil com a vida na cidade campeira, explicando alguns dos personagens, etc. Todo esse trecho pouco importa para a segunda parte, onde ocorre o incidente do título e tem outro ritmo, muito mais tenso e intenso (desculpem, não resisti). E mesmo na segunda parte, há capítulos explorando personagens nunca antes mencionados e nunca depois utilizados, que claramente seriam cortados por editores com maior poder. Eu acho que a obra poderia ser, sim, mais bem acabada com uma edição rigorosa. Mas, mesmo nas partes "desnecessárias" para a história, a prosa de Veríssimo é deliciosa de ler, de forma que jamais se torna entediante.
Também tive certa dificuldade de identificação com personagens, porque alguns ganham mais destaque e depois somem, levando-me a crer que a "protagonista" é mesmo a cidade de Antares. Mas o principal é entregue a contento: a crítica social é deliciosamente divertida, a leitura inescapável e as situações mais e mais propositadamente caricatas. Incidente em Antares tem muito a cara de um certo período de minisséries e novelas da Globo, bem na linha Saramandaia de ser. Não à toa, em 1994 foi produzida uma minissérie, que não assisti mas agora fiquei com vontade.
Não sei explicar por quê, mas demorei MUITO mais do que esperava para terminar esse livro, ainda que me divertisse. Sinceramente, sem exagero algum, ouso dizer que é uma obra prima! A primeira metade conta a história de duas famílias poderosas e o nascimento da cidade de Antares, de certa forma também contando por cima a história do Brasil desde antes da Colonização até as portas da Ditadura Militar. A segunda metade é o "incidente", basicamente uma mistura de zumbis, "pragas" e delações de pessoas conhecidas da cidade em praça pública. É um livro muito doido, não é fácil de digerir mas extremamente fácil de entender, não suaviza ou enfeita QUALQUER COISA, tem todo tipo de humor, incluindo o negro, tem palavrões, costumes bons e ruins, política, filosofia, deboche... basicamente apresenta tudo o que poderíamos achar (o lado) ruim ou franzir o nariz, mas nada a mais ou a menos do que sabemos que aconteceu (e ainda acontece) na história do mundo... Você não vai conseguir amar nenhum personagem, nem odiar completamente e mesmo se conseguir ainda vai rir com eles e talvez até torcer um pouquinho por algo específico... Não me arrependo e recomendo demais. Gostaria de ter sido apresentada mais cedo ao autor (primeiro livro que leio dele, uma vergonha). <3
Quem teve o prazer de ler alguma coisa do excelente 'O Tempo e o Vento', já tem uma ideia do que irá encontrar aqui. 'Incidente em Antares' mistura história e fantasia, usando o humor negro para criticar a sociedade brasileira.
Assim como em sua obra prima, Érico Veríssimo situa a trama num lugar perdido do Rio Grande do Sul, numa cidadezinha isolada onde em determinado momento os mortos se levantarão para reivindicar seus direitos...
Refletindo a boa e velha Macondo ('Cem Anos de Solidão'), vemos o surgimento e o desenvolvimento de Antares, com seus personagens folclóricos e gerações que vem e vão contando toda história do local. A maior parte do livro é uma excelente análise sobre o povo brasileiro, hierarquia política e sobre a guerra entre conservadorismo e progressismo.
Essa é talvez a principal proposta do livro: fazer uma síntese da história do Brasil usando como objeto de estudo uma típica cidade brasileira. Mais poderosa do que o próprio enredo, é a análise que Érico Verissimo faz da história de Antares, discorrendo sobre toda política nacional e as mudanças que foram passando cada geração.
Mais do que uma obra literária regional ou fantástica, 'Incidente em Antares' é um ensaio sobre política e sociedade brasileiras, e uma síntese de nosso momento atual. Em pleno século XXI, com os ânimos acirrados pelas eleições e o medo constante de um futuro incerto, a obra não nos deixa esquecer que o Brasil quase nada mudou nesses últimos 50 anos. Nossa sociedade continua engessada num conservadorismo tacanho e de fachada, e as narrativas ideológicas se repetem numa eterna ladainha vazia. De toda forma não é um livro triste, mas sim uma comédia tragicômica sobre nosso estado atual!
Cinco estrelas é pouco. Em plena ditatura, Erico publica essa obra visceral que dilacera a burguesia brasileira decadente (em plena praça pública) e a repressão e a violência do regime militar. Sob o pano de fundo da rivalidade entre duas famílias coronelistas, acompanhamos a história do Rio Grande do Sul e a política nacional. Num segundo momento, em meio a uma greve trabalhista, a qual os coveiros aderem, 7 defuntos não enterrados proclamam seu direito à sepultura. Levando seu rastro fétido e putrefado, os mortos expõem a falsa moral dos cidadãos de Antares.
A escrita do Erico enlaça a crítica social no contexto histórico. Não tem muito o que falar, escritores destilando seu tempo sempre resultam em obras assim, doloridas e essenciais.
Como mencionar uma parte só deste livro, quando a soma de todas as suas partes, temas, narrativas e, principalmente, o modo que o grandessíssimo Érico Veríssimo constrói essa história. Não iniciando do evento principal, mas navegando através da fictícia cidade em Antares - que é uma analogia de várias cidades brasileiras e do Brasil em si - pela história desde o final do Segundo Império até as vias do famigerado ano de 1964.
Romance, discussões, violência e, mais do que tudo, uma realidade a veias abertas do próprio Brasil. Este livro tem de tudo e é um que recomendarei sempre