RAC - Revista de Administração
Contemporânea
ISSN: 1415-6555
[email protected]
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração
Brasil
Saraiva Silva, Luiz Alex
Cultura Organizacional em Ambiente Burocrático
RAC - Revista de Administração Contemporânea, vol. 6, núm. 1, janeiro-abril, 2002, pp. 187-207
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
Rio de Janeiro, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84060111
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Cultura O rganizacional em Ambiente Burocrático
Luiz Alex Silva Saraiva
R ES U M O
O objetivo desse artigo é descortinar as manifestações da cultura organizacional em uma organização
de caráter público, tendo a questão do foco no cidadão um papel preponderante na análise, para isso
particularmente destacando as relações existentes entre a cultura da organização e as normas burocráticas. Mediante uma estratégia de pesquisa qualitativa, foram realizadas trinta entrevistas em
profundidade com funcionários de uma universidade pública para identificar os principais aspectos
do trabalho. Os resultados encontrados revelam que a lógica burocrática é responsável por uma
dinâmica complexa entre os funcionários e a organização, com reflexos perceptíveis sobre a cultura
da organização, que apresenta significativa influência das normas internas.
Palavras-chaves: cultura organizacional; burocracia; cidadão; nova administração pública.
A BS T RA C T
Dealing to discover the manifestations of organizational culture in a public organization, the paper
has the intention, having the focus on citizen a main role in the analysis. It is emphasized particularly
the existing relations between culture of organization and bureaucratic rules. By a qualitative
approach, thirty interviews in depth were realized with employees of a public university to
identify the main aspects of this work. The results show that the bureaucratic logic is responsible
for a complex dynamics between the employees and the organization, with perceivable consequences
on its organizational culture, that presents strong influence of the internal norms.
Key words: organizational culture; bureaucracy; citizen; new public administration.
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C O N S IDERA ÇÕ ES I N ICIA IS
A cultura organizacional tem sido colocada por diversos estudiosos como importante aspecto da análise organizacional, capaz de oferecer parâmetros úteis
para uma compreensão ampliada do comportamento da organização. A construção de análises baseadas em tal perspectiva possibilita uma visão diversa do que
normalmente tem sido feito na administração, pois considera a influência de elementos não objetivos, que têm sua influência ofuscada pelo pragmatismo predominante na literatura da área.
O entendimento de tais pontos reveste-se de importância singular, associada à
necessidade de repensar a esfera organizacional e discutir a respeito de como a
nova realidade impõe às organizações um processo de realinhamento de variáveis rumo a uma maior integração dos ambientes interno e externo. Partindo de
enfoque voltado aos aspectos culturais e suas diversas subdimensões e manifestações, este trabalho busca traçar um parâmetro entre o ambiente burocrático de
uma organização pública e a cultura organizacional, tendo a questão do foco no
cidadão um papel preponderante na análise.
Para atender a este propósito, esse artigo se encontra organizado em quatro
grandes blocos. O primeiro, o suporte teórico, destaca inicialmente a burocracia
e sua perspectiva no âmbito publico, a administração pública e o foco no cidadão
e a multidimensionalidade da cultura organizacional. Na segunda parte, são destacados os procedimentos metodológicos utilizados para a confecção do estudo.
A análise e a discussão dos dados são tratadas na terceira parte. Por fim, são
apresentadas as principais conclusões a respeito do tema(1).
S U PO RT E T EÓ RICO
As Facetas da Burocracia no Setor Público
Inicialmente sistematizada por Weber enquanto forma de dominação, a burocracia se sustenta sobre o conhecimento técnico, que além de lhe conferir caráter racional, a transforma em instrumento capaz de assegurar alta eficiência administrativa. Isso pressupõe certa racionalidade impessoal que, guiada por regras
formais que padronizam e conferem igualdade no tratamento dos casos, define
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com precisão as relações de mando e subordinação, mediante a distribuição das
atividades a serem executadas tendo em vista os fins a que se visa.
A impessoalidade das normas, todavia, em geral termina por transformar um
padrão descritivo de critérios e relações em padrão prescritivo, sem espaço
para a informalidade e o desenvolvimento de noções mais flexíveis de
gerenciamento, desconsiderando o elemento humano na organização. Merton
(1966), em um estudo clássico, denominou esse fenômeno de incapacidade
treinada, uma situação em que a preparação dos funcionários pode tornar-se
inadequada em contexto dinâmico. Assim, em última instância, a rigidez burocrática produziria desajustes, fontes de conflitos potenciais entre o público e o
funcionário, já que os objetivos formais se tornariam dogmas imutáveis, pois
derivam da norma burocrática, e esta enrijece qualquer tentativa de reformulação
(Carbone, 1995).
Diante da ausência de uma dinâmica intra-organizacional inerte, os membros
da organização ficam à mercê da norma, tendendo a um processo de acomodação de interesses. Como conseqüência surgem os sentimentos de desestímulo,
de estabilidade e de resistência a mudanças, que, aliados à isonomia salarial e à
falta de preocupação com os resultados, são algumas das características que
permeiam a maior parte das organizações, em particular as organizações públicas (Medici e Silva, 1993; Carbone, 1995).
A administração pública, de acordo com Castor (1987), reage de forma lenta e
insatisfatória às mudanças econômicas e sociais que se processam à sua volta,
tornando mais agudas e sensíveis suas distorções e deficiências. Kliksberg (1994)
compartilha desse ponto de vista, ao afirmar que a administração burocrática no
serviço público, embora tenha sido criada para esse fim, não garante nem rapidez, nem boa qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público,
sendo na verdade lenta, cara, auto-referida, e pouco ou nada orientada para o
atendimento das demandas dos cidadãos.
Para atender a estas demandas, Bresser Pereira (1996, 1997) sustenta que o
novo papel do Estado é o de facilitar a competitividade internacional, o que pode
ser conseguido mediante melhoria dos seus sistemas de gestão para uma ação
mais efetiva e eficiente em benefício da sociedade. O Estado é gradativamente
levado a enfatizar tanto o atendimento das necessidades de regulação quanto a
prestação dos serviços aos seus clientes/cidadãos, por meio de incentivos a programas de flexibilização da gestão pública, tornando sua máquina administrativa
mais barata, ágil e receptiva à inovação gerencial e à autonomia administrativa
(Silva, 1994).
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A Administração Pública e o Foco no Cidadão
A nova administração pública procura identificar o cidadão, prestar-lhe contas;
em resumo, ajustar-se às suas reais necessidades (Kliksberg, 1994). Como estratégia, usa a descentralização e o incentivo à criatividade e à inovação e envolve ainda uma mudança na estratégia de gerência que, entretanto, tem de ser
posta em ação em uma estrutura administrativa reformada, cuja ênfase seja a
descentralização e a delegação de autoridade (Bresser Pereira, 1997).
A diretriz mestra da nova administração pública é desenvolver nos funcionários
um compromisso com a construção de uma sociedade mais preparada para enfrentar as novas demandas contextualizadas em uma era de mudanças. A grande tarefa a ser realizada compreende, entre outros aspectos, a revisão dos serviços de atendimento ao público com vistas a sua maior eficiência e humanização.
Isto implica repensar profundamente os modelos organizacionais vigentes
(Kliksberg, 1992).
A evolução das necessidades do setor público conduz a uma nova direção, no
sentido de considerar o atendimento ao cidadão como aspecto positivo e, como
tal, acima das tentativas de restringir decisões e atitudes tomadas a seu favor.
Concentrar o foco de uma organização no cidadão não é apenas questão de
proclamar uma nova política; é processo que envolve estratégias, sistemas, prioridades, atitudes e comportamentos, em suma, trata-se da cultura da organização
(Cannie, 1994; Freemantle, 1994; Gracioso, 1995).
A identificação das limitações nas atividades desempenhadas por organizações
públicas – e da sua necessidade de redirecionamento – não encontra correspondente à altura na mobilização de práticas organizacionais rumo à melhoria dos
padrões vigentes. Assim, a compreensão de como os fenômenos organizacionais
são afetados e influenciam o ambiente externo é fundamental para a adaptação
das organizações públicas a novos padrões; daí o estudo da cultura da organização como instrumento de percepção e captação dos matizes existentes e de
como estes se relacionam com as potencialidades organizacionais.
A Cultura O rganizacional e suas Multidimensões
A cultura organizacional, embora seja um dos temas mais estudados na teoria
das organizações, apresenta-se com uma simplicidade aparente, que reveste e
oculta um fenômeno cuja complexidade elude e confunde a maioria dos pesquisadores (Fleury, 1990). A popularização desse conceito, de acordo com Barbosa
(1996), deve-se à sua possibilidade de instrumentalização, uma vez que é funda-
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mental dimensionar as relações entre os aspectos objetivos e representacionistas
da administração, e esperar que esse novo paradigma produza novos e melhores
instrumentos de intervenção e compreensão da realidade; mas deve-se ter em
mente que, embora a cultura influencie alguns aspectos, não determina tudo, pois
há outros fatores concomitantes e influenciadores das diversas facetas
organizacionais (Aktouf, 1993; Hickson e Pugh, 1995).
Além disso, o conceito de cultural abre o caminho para uma discussão mais
profunda, que é o peso da dimensão simbólica nas organizações e nas diferentes
formas de gestão (Barbosa, 1996). Dessa forma, a cultura assume papel de destaque no comportamento das organizações, à medida que influi no modo de vida,
nos padrões e nos valores das pessoas que, durante a maior parte do tempo, se
dedicam às organizações, para onde transportam não apenas seus conhecimentos técnicos, como também todas as características de suas personalidades (Santos, 1990).
A cultura organizacional pode ser encarada também como universo cultural
formado pelos pressupostos, crenças e valores compartilhados pelos membros
de uma organização, sendo derivada de um ambiente social específico (Hofstede,
1991). Em outras palavras, a cultura é apreendida e aprendida mediante processos de socialização, o que se verifica tanto no nível social quanto no nível
organizacional.
Sendo fenômeno grupal, resultante e característico de uma coletividade, é um
conceito que engloba tanto fatos materiais como abstratos, resultantes do convívio humano institucional, expressando significados subjetivos, constituídos, mantidos e modificados por atores sociais e também como estrutura, à medida que
objetiva atividades e práticas sociais (Rodrigues, 1991; Santos, 1994). Cada organização, portanto, possui uma cultura organizacional particular, sustentada, transmitida e transformada por meio da interação social dos mais diversos agentes.
A cultura de uma organização sofre grande influência de seus fundadores e
líderes, dos seus momentos críticos, do seu mercado etc. A partir da sua fundação, as organizações consolidam e perpetuam um padrão comportamental único,
resultado das variáveis circunstanciais de sua história (Freitas, 1991; Freitas, 1997);
contudo tal padrão não permanece estático; pelo contrário, está em contínua
transformação. A mudança pode ocorrer por pressões externas à organização,
ou por alterações internas.
Mudanças nos padrões culturais de uma organização, como parece atualmente
ser o desejo de estratos significativos da sociedade com relação à atuação das
organizações públicas, podem ser provocadas com o objetivo de amenizar caracRAC, v. 6, n. 1, Jan./Abr. 2002
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terísticas indesejáveis. As tentativas de mudança, porém, podem encontrar obstáculos bastante significativos para se consolidarem, sendo assim necessário agir
diretamente sobre os pressupostos básicos da organização e suas relações de
poder, o que evidentemente provoca resistências muito fortes (Fleury, 1988; Aktouf,
1993).
A cultura organizacional funciona ainda como sistema de controle social, pois
freqüentemente se sente que dispõe de grande autonomia, mesmo quando, paradoxalmente, a conformidade é muito maior (O’Reilly, 1989). Em alguns casos,
pode ser entendida como sofisticada técnica de controle gerencial, que encoraja
a identificação psicológica e emocional dos empregados com a organização
(Rodrigues e Collinson, 1995). Nesse sentido, funciona informalmente, aprovando ou proibindo comportamentos, dando significado, direção e mobilização para
os membros da organização. O controle se materializa por normas por meio das
quais seus membros seguem um comportamento esperado, aceito ou apoiado
pelo grupo. Não obstante sua sutileza, os padrões de conduta não escritos permeiam
o estilo das relações intra-organizacionais, recompensando e incentivando, ou
punindo e colocando no ostracismo aqueles que os violam (Freitas, 1991; Santos,
1994).
Embora seja constituída por uma série de padrões não escritos, a cultura
organizacional na esfera pública possui peculiaridades promissoras de análise,
devido ao fato de esta ser organizada mediante um conjunto de regras de caráter
impessoal – como em toda burocracia – que, de certa forma, delimita formalmente o espaço organizacional. Assim, sua observação permite a análise desta
complexa relação entre o aspecto normativo e o elemento cultural, que pode ser
ligado ou antagônico à idéia de padrão ideal de comportamento. A cultura
organizacional burocrática caracteriza-se por ser um tipo de cultura hierarquizada,
onde existem linhas claras de responsabilidade e autoridade, sendo que o trabalho
é organizado e sistemático. As organizações que possuem esse tipo de cultura
normalmente são estáveis, cuidadosas e maduras (Wallasch apud Santos, 1990).
Dentro do universo de organizações burocráticas, a universidade em si possui
uma problemática complexa em termos organizacionais, pois ora é tratada como
tipo especial de burocracia, ora como tipo similar às demais organizações burocráticas. A sua complexidade reflete-se na multiplicidade de parâmetros internos, o que confere ao critério político a tarefa de conseguir o consenso para o
alcance dos objetivos da organização. As dimensões de uma organização burocrática são também entendidas como expressões de poder e ideologias, à medida
que os modos de organização e de operacionalização servem de instrumentos
para os grupos obterem o poder e nele se manterem. Se, por um lado, funciona
como centro de pesquisa, dispondo para isso de recursos específicos, instalações,
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material, equipamentos e mão-de-obra especializada etc., por outro a universidade possui o papel de ser um centro disseminador de conhecimento, atuando fortemente na área de ensino em nível de graduação e de pós-graduação. Ao mesmo tempo, possui uma faceta social, ligada aos projetos desenvolvidos junto à
comunidade na qual está inserta, o que põe naturalmente em destaque a observação da burocracia existente em uma organização com esse tipo de complexidade. Todas essas variáveis são permeadas pela questão política, provavelmente
com uma intensidade não encontrada em nenhum outro tipo de organização.
PRO CEDIM EN T O S M ET O DO LÓ G ICO S
Em função da multidimensionalidade do fenômeno em estudo, técnicas isoladas
pouco contribuem para sua apreensão e compreensão. Com o intuito de investigar o assunto em profundidade, optou-se pela técnica do estudo de caso. É preciso ressaltar, entretanto, que esta não é uma escolha metodológica, mas uma
escolha do objeto a ser estudado (Stake, 1994). A unidade de análise utilizada
pode ser caracterizada como organizacional, a fim de verificar como as disposições burocráticas contribuem para a composição da cultura da organização analisada.
Composta por trinta funcionários públicos de uma instituição pública de ensino
superior, a amostra da pesquisa, embora não possua ampla representatividade
em termos estatísticos, atende, de forma adequada, aos objetivos desse estudo.
A técnica de amostragem utilizada foi do tipo não-probabilística intencional, técnica usada quando uma amostra de áreas é escolhida propositadamente, porque
tem certas características típicas para a observação do fenômeno. O fator
intencionalidade da amostragem foi definido pela opção em efetuar uma análise
em diversas unidades de ensino superior, responsáveis pela emissão de documentação de alunos de graduação e de pós-graduação. Há nestas unidades condições adequadas para a análise dos fenômenos estudados, já que se verifica um
embate do ponto de vista cultural, pois há tanto um estreito contato com o cidadão (com suas demandas específicas), quanto a necessidade de cumprimento de
padrões de organização e controle internos – a ênfase em procedimentos burocráticos. É válido aqui ressaltar que esse estudo não permite generalizações de
qualquer natureza, sendo suas conclusões válidas apenas para as unidades
pesquisadas. As expressões serviço público, esfera pública, organizações
públicas, entre outras, são utilizadas como recurso semântico, para evitar a repetição demasiada da expressão órgãos responsáveis pela emissão de documentação, contudo sem o intuito de promover generalizações.
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A coleta de dados foi efetuada mediante um roteiro de entrevista semiestruturado composto de questões abertas, que antes de tentar apenas propor ao
entrevistado padrões uniformes de resposta, visam a captar pressupostos, crenças e valores compartilhados pelos membros de uma organização. Inserido em
uma estratégia qualitativa, o material coletado recebeu um tratamento de forma
tal, que identificasse os traços organizacionais reveladores da cultura vigente na
organização; portanto a organização, análise e interpretação dos dados buscaram
elementos para a compreensão dos principais traços da cultura de uma organização burocrática.
Vários critérios podem ser empregados para o alcance da validade de um estudo, de forma que a seleção da organização levou em consideração um elenco de
restrições consideradas essenciais à sua validação científica. Sua adoção permitiu o delineamento de um perfil organizacional adequado à consecução dos objetivos desse estudo. Os critérios adotados foram os seguintes:
. a organização deveria pertencer ao setor público, por este estar sendo pressionado a efetuar modificações na sua forma de atuação e possuir uma sólida
tradição na sua área de atuação, a fim de se observarem padrões culturais
consistentes;
. a organização deveria ser regida por normas de caráter burocrático com o
intuito de se verificar sua inter-relação com a questão da cultura organizacional;
. a organização deveria responder a demandas específicas por parte de seus
cidadãos, de maneira a avaliar até que ponto tais demandas são satisfeitas,
levando em consideração as limitações da própria burocracia.
Além dos critérios acima expostos, destaca-se como característica peculiarmente interessante para a análise o fato de a organização estudada ser uma das
mais importantes universidades do país, possuindo um grau de complexidade e
inter-relações internas e externas consideráveis e, por isso, naturalmente interessantes como foco de análise.
O Caso em Estudo
A organização pesquisada foi fundada como instituição estadual de ensino superior em 7 de setembro de 1927, sendo resultado da fusão de cinco centros de
ensino (Direito, Odontologia, Farmácia, Medicina e Engenharia). Federalizada
em 1949, quando já abrigava a Escola de Arquitetura e as Faculdades de Filosofia e de Ciências Econômicas, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
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atualmente encontra-se estruturada em dezenove unidades de ensino superior,
nas quais estão alocados 2.400 professores e 4.500 funcionários técnico-administrativos, que atendem a 22.000 alunos de graduação e pós-graduação, além de
19.000 em cursos de extensão.
O fato de ter surgido da fusão de centros de ensino e de ter-se desenvolvido
por meio da criação de escolas e faculdades nas mais diversas áreas de ensino,
fez com que os processos administrativos fossem duplicados em várias instâncias. Isso gerou, em particular, a multiplicação de órgãos responsáveis pela emissão de documentação em todas as unidades, o que interessa diretamente a esse
estudo, pois nessas unidades há confrontos entre a cultura estabelecida pelas
disposições burocráticas e a cultura que se quer implantar na nova administração
pública, de ênfase às demandas diferenciadas dos cidadãos.
A NÁ LISE
DA S
ENT REV IST A S
As entrevistas realizadas buscaram subsidiar uma análise mais aprofundada
das relações dos funcionários públicos com uma organização regida pela burocracia. Com esse intuito, trabalhou-se com algumas variáveis, agrupadas em blocos temáticos, para, em última instância, identificar o que se poderia denominar
de traços gerais de uma cultura organizacional em ambiente burocrático. Trabalhou-se com sete grandes blocos, que tratam de alguns dos pontos mais significativos das entrevistas, apresentados a seguir.
Burocracia e Serviço Público
Para a compreensão de como se manifesta a cultura em uma organização
burocrática, faz-se necessário explorar a noção que os próprios funcionários possuem a respeito do que é a burocracia e de como o serviço público é por eles
percebido. Uma visão disseminada entre os funcionários é a de que houve poucos avanços no que concerne à gestão.
“A norma, dentro do serviço público, ainda é o papel e o carimbo. Muitas vezes vemos uma ênfase na burocratização em detrimento de uma
busca pela maior eficiência. O serviço público ainda é muito burocrático” (relato).
Tal visão, de natureza negativa a respeito da própria natureza da organização à
qual dedicam a maior parte do tempo, é complementada por outros pontos de
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vista a respeito da maneira pela qual o trabalho é organizado, e a monotonia daí
decorrente.
“O servidor público, após anos de trabalho, vai ficando muito bitolado,
sem motivação, sem perspectiva. A pessoa perde a vontade de trabalhar,
é levada a tomar uma atitude passiva diante do seu trabalho. Chega ao
ponto de nem quererem mais ir ao trabalho, tamanha a falta de estímulo”
(relato).
A monotonia não é exclusividade das organizações públicas, de certo; os moldes pelos quais está organizada boa parte dos processos de trabalho, principalmente em um país como o Brasil, deixam muito a desejar em matéria de inovação
e criação de ambientes propícios ao desenvolvimento de novas habilidades e
exploração de formas alternativas de produtividade: em geral opta-se por uma
organização com traços mecanicistas, porque é o que vem tradicionalmente sendo feito ao longo do tempo, sem grandes pressões por modificações mais efetivas. No setor público, entretanto, há maiores reflexos no tocante à cultura, pois
parece haver, mais do que nas organizações privadas, um nível de apego à forma
tradicional pela qual as atividades se encontram organizadas, com efeitos
indesejados sobre as iniciativas de inovação.
Inovaç ão O rganizac ional
A situação, contudo, tende a adquirir novos contornos. Foram manifestadas
algumas reações de apoio a inovações na gestão, destacando-se a importância
de modernização das formas de gestão vigentes, a fim de assegurar a sobrevivência das organizações públicas no futuro.
“É bom sempre inovar, porque tem que haver certa regularidade nos seus
processos, mas não [sem] um pouco de inovação. Inovação é sempre
desejável, é necessário sempre inovar” (relato).
Contudo há a percepção de que mudar não é um processo fácil. Destaca-se
como obstáculo no setor público a tradição do sistema, que age enquadrando as
não-conformidades e limitando o potencial de modificação embutido em novas
idéias.
“A pessoa tem que se enquadrar com essas novas idéias. Se não chocou
com o sistema, até aceitam. Agora, se se opor, tem que rever as suas
idéias. Infelizmente tem um sistema implantado que não muda de jeito
nenhum. Assim, ou você se enquadra no sistema atual, ou você entra
com várias idéias e depois acabam morrendo. As novas idéias são, na
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maioria das vezes, podadas. É impossível sugerir novas soluções. A
situação chega a ser caótica; todos mecanizados, robotizados” (relato).
Os entrevistados enfatizam que a postura da mudança pela mudança – sem
parâmetros bem definidos a respeito do que é flexibilidade – ao contrário de
flexibilizar, pode fazer ruir todo o sistema, porque, de um lado, podem estar sendo
propostas soluções mais desastrosas do que os problemas para os quais foram
demandadas; por outro, há que se considerar a relação do próprio funcionário
com o novo, não estabelecida nos manuais internos. Tais colocações parecem
indicar uma necessidade de maior cautela com relação a planos de modernização
de rápida implementação e com ampla abrangência, muitas vezes modificando
práticas que não carecem de alterações por apresentarem resultados efetivos.
“A inovação deve ser procurada de acordo com a necessidade, porque
muitos servidores não sabem lidar com o novo. Nem tudo que é novo é
bom, e nem tudo que é velho é descartável. Muitas pessoas inventam
certas soluções que são muito piores do que os problemas que as estimularam. Você deve inovar no lugar que precisa” (relato).
Observa-se uma lógica de preservação muito peculiar: de um lado, encontramse as normas burocráticas, fonte de enrijecimento dos procedimentos nas organizações públicas; de outro, a ausência de tais regulamentos significa, contraditoriamente, uma ameaça a funcionários que foram talhados e disciplinados a seguir
uma racionalidade preestabelecida nos manuais. Ainda se pode inferir do ponto
de vista dos entrevistados uma relação entre estabilidade, regularidade e função
social da organização pública versus flexibilidade, inconstância e atendimento
sob medida das necessidades dos cidadãos, o que caracterizaria uma lógica mais
próxima do mercado, como será tratado a seguir.
Papel Social da O rganização Pública
Fundamental aos funcionários entrevistados é o caráter social das organizações públicas, porque isso é o que basicamente as diferencia das organizações de
caráter privado. Há uma percepção de que a auto-referência é uma característica que precisa ser evitada a todo o custo, por meio de maior proximidade do
mercado; mas a perspectiva social precisa prevalecer sobre a ótica de mercado.
“As atividades públicas deveriam ter uma orientação maior para o mercado, uma ênfase mais forte na procura, mas sem jamais perder o seu
caráter social” (relato).
Por um lado, os entrevistados defendem que não é apenas o lucro que deve
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impor a forma de organização das atividades da organização pública. Por outro,
colocam que, em face de contexto mais dinâmico, falta aos funcionários maior
qualificação para enfrentar os novos desafios.
“As finalidades das empresas privadas são fundamentalmente diferentes
daquelas nas organizações públicas. Enquanto essas visam o benefício e
o bem-estar social, aquelas objetivam basicamente o lucro, o retorno financeiro. Acho que falta à universidade pública e, de uma maneira geral,
ao setor público, maior qualificação administrativa associada à visão de
mercado” (relato).
Outro aspecto ressaltado é que o papel social das organizações públicas, nas
quais a universidade se inclui, deve passar também pela transparência de informações à sociedade, à qual tais organizações devem servir. A permeabilidade da
universidade, enquanto organização criada para o atendimento da população em
geral, aparece nas opiniões e demandas dos seus cidadãos e foi especificamente
colocada pelos entrevistados.
“Nem sempre a sociedade fica sabendo o que está acontecendo. Se fosse
mais rígida [sua monitoração], eu acho que não estaria tão mal quanto
está. A educação não estaria tão mal, a saúde também não estaria tão
mal. Você vai cobrando as coisas na medida em que você convive” (relato).
A cultura organizacional, dessa forma, é um quadro complexo de visões a respeito do que a organização pública é e do que deveria ser. Tendo a universidade
em si uma natureza complexa, é de certa forma previsível que, na priorização de
objetivos, haja a possibilidade de conflito entre os preceitos solidificados por uma
burocratização organizacional e a lógica de mercado.
Cumprimento de Normas versus Flexibilidade Funcional
Muito do que se discute em termos de modernização organizacional no setor
público passa pela questão do cumprimento de normas. Até que ponto o cumprimento sistemático de normas enrijece os procedimentos e dificulta um atendimento mais personalizado do cidadão? As respostas encontradas parecem apontar no sentido de que ainda há um sentimento de dependência das normas e
regulamentos internos como único meio possível de continuar a proporcionar estabilidade (e direcionamento) à estrutura vigente.
“Normas são feitas para ser cumpridas, porque se for desobedecer, isso aqui
vira uma bagunça. Pra funcionar, eu acho que, infelizmente, precisa ter regras e normas. Porque tem que ter um controle do seu trabalho. Aqui tudo é
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muito grande; se um começa a fazer uma adaptação, o outro lá na frente
adapta do jeito dele; o outro adapta do jeito dele, todo mundo adapta e não
chega a lugar nenhum; aí você acaba fazendo uma bagunça” (relato).
Contudo essa não é uma visão compartilhada por todos os entrevistados. Percebe-se certa limitação inerente às normas e um senso crítico com relação às
suas finalidades se faz presente. Um dado que aflorou nas entrevistas é a preocupação, por parte de alguns funcionários, em não se deixar limitar pelo disposto
em manuais e regulamentos internos, trabalhando em prol da satisfação das necessidades do cidadão e da eficiência administrativa.
“Às vezes é até preciso desobedecer alguma coisa; não significa que
desobedecer está prejudicando, porque eu acho que você tem que se
adaptar [às demandas específicas dos cidadãos]” (relato).
“Nós temos as normas que nós temos que seguir, mas se tem alguma
pessoa que precisa de um documento urgente, eu facilito, é óbvio. Você
tem que obedecer, mas você não está infringindo nada” (relato).
É interessante notar que alguns funcionários usam como justificativa para o
cumprimento sistemático das normas internas o não-favorecimento que a
flexibilização das normas poderia suscitar. Tal preocupação é interessante, porque traz à tona a questão dos critérios políticos em um ambiente profissional de
trabalho, problema que foi uma das motivações weberianas para a sistematização da teoria da burocracia, uma vez que a impessoalidade, de acordo com seu
ponto de vista, é que dava a base de sustentação para a meritocracia.
“Você tem que adaptar o regulamento. Você tem uma regra no seu trabalho.
Você tem que trabalhar obedecendo àquilo. Se você vai contra essa regra,
você começa a abrir uma exceção no seu trabalho. É meio complicado.
Deve-se buscar a satisfação [do cidadão] desde que não privilegie um e
outro seja prejudicado, porque antes você não abriu exceção” (relato).
Os métodos tradicionais para a resolução de problemas administrativos, incluindo os manuais, são alvo de críticas por parte dos entrevistados, porque, embora
sua utilização seja considerada prática, não se pode valer apenas de suas disposições para o dia-a-dia na organização.
“As pessoas às vezes criam normas, escrevem manuais, mas esquecem
de revisá-los” (relato).
Aparentemente, a noção vigente é a de que os regulamentos são imperfeitos,
porque cobrem exaustivamente procedimentos que poderiam ser melhorados,
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com ganhos de eficiência para o sistema; mas a flexibilidade, à medida que deve
ser aplicada, é um critério de natureza tão subjetiva, que é melhor ater-se ao
disposto nos manuais de organização internos.
“Se você acha que uma coisa pode funcionar, se você acha que é melhor
do que a forma que estava sendo feita, então... É melhor confiar em
métodos já comprovados, mas sem abrir mão do novo” (relato).
A nova administração pública postula que a ênfase no cidadão, consumidor
final dos seus serviços, deve prevalecer, a fim de que o Estado seja mais bem
direcionado no atendimento de suas demandas específicas.
“Na teoria, o Estado deveria direcionar todas as suas atividades para
beneficiar o consumidor final; mas na prática isso não acontece. As pessoas se concentram demais na papelada. Eu acho que o Estado não está
nem aí para o consumidor final” (relato).
Em linhas gerais, parece haver consenso a respeito de que a flexibilização dos
procedimentos administrativos, ao contrário do que está sendo requerido pela
sociedade, na realidade tem-se constituído mais uma retórica de modernização
do que um conjunto de práticas e melhorias efetivas rumo à satisfação das demandas dos cidadãos. Um dos argumentos mais freqüentemente utilizados para
sustentar tal ponto de vista é a depredação da imagem do funcionário público.
V alorização do Funcionário Público
Outro bloco do roteiro de entrevistas se concentrou especificamente em levantar a percepção do servidor público sobre si mesmo e até que ponto tal imagem
contribui para a cultura de uma organização burocrática. As respostas destacam
as limitadas perspectivas de progressão funcional, a desvalorização da figura do
servidor público no contexto atual e o processo de desmotivação decorrente.
“Deve haver uma perspectiva de crescimento e valorização dentro do
funcionalismo; a estagnação leva a um forte desestímulo do servidor.
Promoções e treinamento são importantes para o progresso e renovação
do atendimento” (relato).
“Nenhum funcionário público tem valor nem para o governo, nem para o
próprio público. Não se dá o devido valor ao funcionário. Ele é visto de
uma forma totalmente distorcida pela sociedade” (relato).
No entanto é discordância geral que o fato de não terem o seu valor reconhecido pelo governo e pela sociedade deve ter correspondente no descompromisso
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Cultura Organizacional em Ambiente Burocrático
com o desempenho no trabalho. Nesse sentido, os entrevistados parecem ter em
mente o papel que têm de desempenhar a fim de que as organizações públicas
como um todo respondam, de maneira adequada, aos anseios da população.
“Não é porque eu ganho pouco que eu vou prejudicar o cidadão. A maioria
[dos funcionários públicos] passa uma imagem de pessoas que não querem
trabalhar, que tratam mal, e isso passa para todos” (relato).
Quando tocada especificamente a questão do atendimento, fica claro para os
entrevistados qual o seu papel em face do cidadão e qual o tipo de atendimento
que ele merece.
“O funcionário da universidade, e não somente dela, mas também de
todas as organizações públicas, trabalha com um público de todos os segmentos sociais, econômicos ou profissionais, e deve estar preparado para
prestar um bom atendimento a esse público. É importante que o funcionário público evite um atendimento ao público como aquele que, infelizmente, estamos acostumados a receber: viciado, obtuso, desrespeitoso e
preconceituoso” (relato).
A imagem que os funcionários entrevistados possuem a respeito de si mesmos
não condiz com o veiculado maciçamente na mídia nos últimos anos. Eles se
vêem, apesar de todos os problemas identificados, como necessários à manutenção de um serviço público voltado às necessidades da população, precisando,
para isso, de uma espécie de contrapartida, um processo de valorização funcional, a fim de que possam recuperar, ainda que só em parte, a motivação perdida
em anos de questionamento sistemático do seu papel e utilidade. Tal valorização
passa não apenas por incentivos financeiros, mas também (e talvez principalmente por) incentivos simbólicos, ferramentas úteis na restauração da auto-imagem funcional.
Controle O rganizac ional
A restauração da imagem dos funcionários não pode ser um empreendimento
isolado; precisa ser acompanhada de outras iniciativas para modificar efetivamente o quadro que se apresenta. Um dos mais importantes trabalhos a ser
realizado nesse sentido é redimensionar o uso de controles no serviço público. Os
entrevistados tendem a concordar, destacando que em muitos casos a exceção é
que se torna a regra, em face de uma realidade na qual pouco se controla.
“[Na iniciativa privada] se você chegar atrasado, você vai ser descontado; se você sair mais cedo, vai ser descontado, vai ter penalidade. Aqui
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geralmente isso é regra. Esse não vigiar cria essas coisas. Com o passar do tempo você vê que todo mundo faz a mesma coisa, ninguém chega
na hora. Você pensa assim: ah, pra que que eu vou chegar?”(relato).
Um dos motivos para tal ineficiência é que, fisicamente, o patrão (o Estado)
não comparece à organização. Tal ponto de vista pode ser questionado sob inúmeros aspectos, que vão desde a nova composição de propriedade das organizações privadas, até o papel do gerente no processo de trabalho.
“No serviço público, não existe o patrão, só o chefe imediato. Tem gente
que tem a postura de chefe, sabe cobrar, tem o espírito de liderança, sabe
liderar; outros não sabem e não cobram e aquilo vira uma bola de neve. O
funcionário vai-se viciando naquele comportamento de não ser cobrado”
(relato).
Embora critiquem a sua ausência, comparando o trabalho no serviço público
com o da organização privada, relativiza-se a importância do controle no que se
refere aos principais problemas organizacionais, embora não sejam apresentadas
outras alternativas para solucionar tal impasse.
“Há coisas mais sérias do que manter o controle sobre os subordinados.
Você tem que ter um controle sobre os seus subordinados, mas tem outros problemas mais sérios do que isso” (relato).
Com relação ao desempenho na execução do trabalho, o que se discutiu é se o
cumprimento de normas, fator altamente valorizado na concepção burocrática,
deve ser o principal fator a ser levado em consideração na avaliação do desempenho dos funcionários públicos. As respostas se assemelharam na percepção
de que nem sempre o cumprimento de normas equivale a bom desempenho:
“O desempenho é importantíssimo, porque você vê muito funcionário que
cumpre [as normas internas], e não tem bom desempenho, porque cumprir as normas é importante, mas não o essencial. O fato de seguir normas não quer dizer que você seja melhor” (relato).
A remuneração também foi objeto de discussão, em face do seu relacionamento com a questão do desempenho e com o controle organizacional. Afinal, se não
é possível medir de forma adequada o desempenho organizacional, como pôr fim
à isonomia salarial? Ao mesmo tempo, outra questão que se coloca é o tipo de
trabalho desempenhado. De acordo com alguns entrevistados, não é apenas uma
questão de associação de maiores salários às maiores cargas de trabalho. Há
níveis hierárquicos que merecem ser levados em consideração nessa discussão.
Eis algumas opiniões.
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“Quem trabalha mais deve ganhar mais. Tem gente aqui que trabalha
muito. O problema é que as coisas são muito relativas: às vezes a pessoa
trabalha muito, mas ela não é eficiente. Você medir trabalho cada dia se
torna mais difícil, pois não tem jeito de saber quem trabalha mais e quem
trabalha menos. Aqui se você trabalhar menos, trabalhar médio ou trabalhar
mais, você recebe o mesmo. Discordo que isso deveria existir” (relato).
Os pontos tratados nas entrevistas, longe de esgotar o assunto em tela, apenas
tocam superficialmente no complexo caráter que possui a cultura organizacional,
em particular em um ambiente regido por normas burocráticas. Assim como
representam modos de encarar a situação atual, as opiniões dos entrevistados
dão margem a considerações a respeito das formas de manifestação e percepção dos fenômenos organizacionais para seus diversos componentes. Embora
não tenham sido especificamente tratadas as figuras do imaginário local, tampouco
foram tais aspectos negligenciados, sendo reconhecida a sua importância no cotidiano organizacional; contudo levando-se em consideração a complexidade intrínseca do constructo, é sem dúvida mais instigante analisá-lo a partir das percepções dos membros da organização sobre aspectos diretamente relacionados
ao seu dia-a-dia, como maneira de apreender e inferir a respeito dos efetivos
embates travados no exercício de suas funções.
C O N S IDERA ÇÕ ES F IN A IS
Partindo da premissa de que há uma cultura organizacional peculiar aos ambientes regidos por uma lógica burocrática de organização, o cerne deste estudo é
tecer considerações sobre como os padrões objetivos e subjetivos predominantes
em unidades administrativas de uma universidade pública se relacionam com a
questão da satisfação do cidadão – consumidor por excelência dos serviços públicos. Como são fruto de uma visão específica, as conclusões deste estudo pedem cautela no tocante à generalização, uma vez que restringem a sua
aplicabilidade a um contexto particular.
Os dados apresentados dão margem a inferências diversas a respeito de como
a própria maneira pela qual a burocracia pública dispõe e aloca seus recursos
influencia tanto seu desempenho quanto a sua peculiar cultura. Por um lado,
observam-se funcionários conscientes do que se espera deles, enquanto membros da máquina pública, comprometidos com a qualidade na prestação de serviços à população. Por outro, percebe-se uma mão-de-obra politizada e em geral
desmotivada com as sucessivas ações do governo no sentido de desestruturar a imaRAC, v. 6, n. 1, Jan./Abr. 2002
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gem do servidor público não apenas em termos institucionais, mas principalmente no
que se refere à base de sustentação sindical, política e econômica – esta última
mediante congelamento de salários e estímulos ao desligamento em massa.
Em linhas gerais, o relacionamento entre funcionário e organização é de natureza complexa; sob um prisma a realidade atual não representa o que os funcionários gostariam que ela fosse; sob outro aspecto, há um temor generalizado do
novo, diverso do estabelecido nos manuais. A noção de burocracia é tão enraizada,
que remete à idéia de imobilidade, uma vez que formas alternativas de organização são rejeitadas – ou aceitas até a fase de implementação de mudanças – tal a
força dos preceitos reguladores vigentes.
As organizações públicas precisam ter seus fenômenos observados – mesmo a
cultura organizacional – com atenção específica, que leve em consideração o
ambiente e as demandas peculiares do setor. Nesse sentido, os resultados mais
significativos referem-se à natureza contraditória da organização pública. É inegável a existência da burocracia como fator de racionalidade predominante na
organização analisada, o que acarreta toda uma série de atitudes voltadas à perpetuação dos processos existentes, condizente com a lógica de sistema fechado
que os rege. Os funcionários públicos percebem a necessidade de modificação
da maneira pela qual as atividades vêm sendo desempenhadas, maior aproximação com o mercado – entendido aqui como as demandas dos cidadãos – e maior
agilidade na resposta às mudanças ambientais; ainda assim, manifestam-se predominantemente de forma negativa, quando a inovação é tratada, deixando claro
que mudar é preciso, mas não de forma radical.
A lógica burocrática do serviço público erigiu barreiras para a satisfação do cidadão difíceis de serem superadas, especialmente porque suas bases estão solidamente assentadas sobre a ignorância dos funcionários a respeito do seu próprio
potencial de desenvolvimento e sobre o receio de trabalhar em um contexto flexível
e sem a presença do manual, que tudo prevê, tudo provê e tudo regula.
Em que pesem as limitações atuais com que se depara a administração pública,
uma observação mais acurada da cultura organizacional de um ambiente burocrático permite tanto que se avalie o peso das instituições normativas no que se
refere à configuração de valores e pressupostos internos, quanto que se trabalhe
com um quadro mais abrangente de análise do que ocorre hoje na esfera pública.
Ainda que preliminar, tal iniciativa é promissora, à medida que permitiu delinear
como se dão as relações no seu interior, e identificar como a percepção dos seus
próprios componentes revela particularidades da concepção e operacionalização
da cultura em uma organização burocrática: uma teia complexa de normas, valores, mitos e crenças entre a potencialidade e a realidade.
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N O TA
O autor agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) o
apoio recebido.
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