Academia.eduAcademia.edu

Retalho desepidermizado dorsal homodigital

1997, Rev Bras Ortop

A face dorsodigital é particularmente vulnerável a trau-matismos, por sua localização e constituição. A cobertura cutânea nessa região deverá autorizar a mobilização pre-coce. Neste estudo é proposto o retalho desepidermizado dorsal homodigital (RDDH), vascularizado ...

RETALHO DESEPIDERMIZADO DORSAL HOMODIGITAL Retalho desepidermizado dorsal homodigital* JEFFERSON BRAGA SILVA1, JUAN TORRES DEL RIO2, LUCIANA CARVALHO2, MONIK FRIDMAN3 RESUMO A face dorsodigital é particularmente vulnerável a traumatismos, por sua localização e constituição. A cobertura cutânea nessa região deverá autorizar a mobilização precoce. Neste estudo é proposto o retalho desepidermizado dorsal homodigital (RDDH), vascularizado por ramos dorsais das artérias colaterais palmares. Apresentamos uma série de 21 retalhos em 18 pacientes, predominantemente masculinos (78%), jovens (idade média = 22 anos) e com atividade profissional manual leve (61%). O mecanismo de trauma foi distribuído entre queimadura e esmagamento. A mão dominante foi a mais atingida (72%) e os dígitos mais envolvidos foram o médio e o anular, totalizando 90% dos casos. O RDDH teve sempre como zona doadora o tecido celular subcutâneo imediatamente proximal à perda de substância. Não testemunhamos, em nenhum caso, necrose parcial ou total do RDDH e obtivemos total integração da enxertia cutânea. Unitermos – Retalho homodigital; desepidermização; subcutâneo SUMMARY Dorsal homodigital de-epithelialized flap The dorsal digital aspect is particularly vulnerable to traumas due to its location and constitution. Skin coverage in this region should yield early mobilization. The authors describe the dorsal homodigital de-epithelialized flap (DHDF), vascularized by the dorsal branches of the collateral palmar arteries. They present a series of 21 cases 18 patients, predominantly males (78%), young (22 years old), with light * Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. São Lucas, RS, e na Clínica SOS-Mão, Porto Alegre. 1. Preceptor de Resid. Méd. do Hosp. São Lucas-PUC e Diretor da Clínica SOS-Mão, Porto Alegre. 2. Estagiário em Cirurg. da Mão e Microcir., Clínica SOS-Mão, Porto Alegre. 3. Chefe do Serviço de Ortop. e Traumatol. do Hosp. São Lucas-PUC, RS. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 3 – Março, 1997 mannual professional activity (61%). Lesions were distributed into burn and crush traumas. The right hand was mostly affected (72%), particularly in the third and fourth finger (90%). This DHDF has always had as donor zone the immediately proximal subcutaneous tissue. There was no partial or total necrosis of the flap (DHDF) and complete integration of the flap was obtained. Key words – Homodigital flap; de-epithelialized; subcutaneous INTRODUÇÃO Devido à sua constituição e localização, os traumatismos com perdas de substância (PDS) digitodorsais situadas em torno da articulação interfalangiana proximal (IFP) constituem freqüentemente problema de cobertura cutânea e, invariavelmente, devido à proximidade articular, necessitam de mobilização precoce, para evitar qualquer tipo de rigidez. Vários tipos de cobertura cutânea já foram descritos(1,2,5,6, 8,10,11). A escolha dessa dependerá do tipo e da extensão da PDS. Ela irá variar desde a enxertia de pele parcial ou total até retalhos a distância(12). O objetivo deste estudo é apresentar o retalho desepidermizado dorsal homodigital (RDDH), baseado no tecido celular subcutâneo dorsal, vascularizado por ramos dorsais das artérias colaterais. CASUÍSTICA E MÉTODOS A partir de um grupo de 18 pacientes, foram realizados 21 RDDH, com predominância do sexo masculino (78%) e da terceira década (22 anos). Quanto à profissão, predominaram os pacientes manuais leves (61%). O mecanismo de trauma foi distribuído eqüitativamente entre queimadura e esmagamento. Os dígitos mais acometidos foram o médio e anular (45%), com distribuição igualitária entre a segunda e terceira falanges como sendo a zona de PDS. A técnica utilizada foi semelhante àquela descrita por Pakian(10), Foucher et al.(8), Morris(9) e Atasoy(1), com a adaptação de ser homodigital. 207 J.B. SILVA, J.T. DEL RIO, L. CARVALHO & M. FRIDMAN Fig. 1 – Caso 1. Queimadura na face dorsal da segunda e terceira falanges; indicador, médio e anular; mão esquerda; feminino; 20 anos. Fig. 2 – Caso 1. Desbridamento, dissecção e tração do RDDH sobre a PDS Fig. 3 – Caso 1. Enxerto de pele parcial sobre o RDDH Fig. 4 – Caso 1. Resultado, aspecto dorsal Fig. 5 – Caso 1. Resultado funcional final A incisão da pele é realizada proximamente à perda de substância, como do tipo “folha de livro” – H; segue-se a desepidermização da pele com individualização do tecido celular subcutâneo. A secção proximal desse tecido dar-se-á o quanto necessário for para adequar-se à PDS, acrescido de 208 1cm. Essa adição, a partir da interlinha articular, deve-se ao fato de que a vascularização do RDDH provém de ramos dorsais das artérias colaterais palmares, tanto em nível da articulação metacarpofalângica (MF) quanto à IFP. O giro de 180º, com posterior enxertia de pele parcial sobre o RDDH e fechamento da pele desepidermizada, finaliza o procedimento. RESULTADOS A zona doadora do RDDH foi sempre imediatamente proximal à PDS. A enxertia de pele parcial sobre o retalho semRev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 3 – Março, 1997 RETALHO DESEPIDERMIZADO DORSAL HOMODIGITAL Fig. 7 – Caso 2. Desepidermização do RDDH. Fig. 6 – Caso 2. PDS dorsal da segunda e terceira falanges; médio; mão esquerda; masculino; 18 anos. Fig. 9 – Caso 2. Resultado final. DISCUSSÃO Fig. 8 – Caso 2. RDDH com rotação de 180º sobre a PDS. pre teve como zona doadora o antebraço, em sua porção anterior. Não testemunhamos nenhum tipo de necrose do retalho ou da pele desepidermizada, parcial ou total; obtivemos total integração da enxertia cutânea. Anatomicamente possível, ressaltamos que o RDDH poderá ser realizado retrogradamente ou para cobertura de perda de substância em nível volar. No primeiro caso, teríamos como zona doadora a porção distal à PDS, seguindo a mesma técnica anteriormente descrita. Para as perdas de substâncias volares, a técnica é a descrita por Foucher et al.(8), do tipo dedo-cruzado, mas com a adaptação de ser homodigital. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 3 – Março, 1997 A vascularização do tegumento dorsal ao nível da falange proximal por um ramo da artéria colateral palmar foi estabelecida por Strauch & De Moura(13). Posteriormente, Bertelli & Pagliei(2) descreveram um ramo adicional, de maior calibre, a 0,5mm da IFP, situando-se proximalmente à arcada anastomótica de Edwards(7). Este autor evoca a utilização de um retalho baseado nesse ramo da artéria colateral para cobertura de PDS volar e não refere a utilização desse como possibilidade para as coberturas cutâneas distais à IFP. Bonnel et al.(3) preconizaram que a vascularização dorsal ao nível da MF é proveniente de um sistema anastomótico entre artérias colaterais palmares e dorsais. Essas confirmações anatômicas permitem-nos assegurar a vascularização do RDDH. Rose(11) propõe o retalho digitolateral arterializado para as coberturas palmares e dorsais, o que não justificaria o sacrifício de uma artéria colateral a uma PDS dorsal. Os retalhos intermetacarpianos descritos por Earley et al.(5,6), apresen209 J.B. SILVA, J.T. DEL RIO, L. CARVALHO & M. FRIDMAN Esquema 1 Esquema 2 PDS volar P – proximal; D – distal; I – interlinha articular (MF ou IFP) P – proximal; D – distal; I – interlinha articular (MF ou IFP); PDS – perda de substância; 1cm – preservação do tecido celular subcutâneo digitodorsal; RDDH – PDS + 1cm Incisão e desepidermização da pele tam a limitação no arco de rotação para as perdas distais à IFP. Diversos autores(1,8-10) apresentam a indicação desse retalho desepidermizado do tipo dedo-cruzado, o que contraindica a mobilização precoce e apresenta igualmente a desvantagem de necessitar outro procedimento cirúrgico. Nesta série obtivemos resultados satisfatórios que não variaram com a idade, mão dominante, profissão ou mecanismo de trauma. Quanto à zona e o dígito afetado, é interessante observar que em 90% dos casos o médio e o anular foram os mais atingidos. Conforme estudo precedente(4), em 20% dos casos na artéria colateral radial do indicador e cubital do mínimo, há interrupção ao nível da primeira falange. Constatamos que, nesses casos, um ramo dorsal proveniente da artéria colateral palmar dominante (cubital do indicador e radial do mínimo) vasculariza o tegumento dorsal, o que, a nosso ver, não comprometeria a execução desse retalho. Constatamos que o RDDH mostrou ser boa opção de cobertura, principalmente em área de extensão, independentemente da zona de PDS, podendo esta localizar-se dorsalmente à primeira ou segunda-terceira falanges. 210 REFERÊNCIAS 1. Atasoy, E.: Reserved cross-finger subcutaneous flap. J Hand Surg 7: 481, 1982. 2. Bertelli, J. & Pagliei, A.: Direct and reversed flow proximal phalangeal island flaps. J Hand Surg [Am] 19: 671, 1994. 3. Bonnel, F., Teissier, J., Allieu, Y. et al: Arterial supply of ligaments of the metacarpophalangeal joints. J Hand Surg 7: 445, 1982. 4. Braga Silva, J., Neto, P.F., Foucher, G. et al: Vascularização da articulação interfalangiana proximal. Rev Bras Ortop 31: 609-612, 1996. 5. Earley, M.J.: The second dorsal metacarpal artery neurovascular island flap. J Hand Surg [Br] 14: 434, 1989. 6. Earley, M.J. & Millner, R.H.: Dorsal metacarpal flaps. Br J Plast Surg 40: 333, 1987. 7. Edwards, E.A.: Organization of the small arteries of the hand and digits. Am J Surg 99: 837, 1960. 8. Foucher, G., Merle, M. & Debry, R.: Le lambeau désépidermisé retourné. Ann Chir Main Memb Super 65: 616, 1980. 9. Morris, A.M.: Rapid skin cover in hand injuries using the reverse dermis flap. Br J Plast Surg 34: 194, 1981. 10. Pakiam, A.I.: The reversed dermis flap. Br J Plast Surg 31: 131, 1978. 11. Rose, E.H.: Local arterialized island flap coverage of difficult hand defects preserving donor site sensibility. Plast Reconstr Surg 72: 848, 1983. 12. Song, R. & Gao, Y.: The forearm flap. Clin Plast Surg 9: 21, 1982. 13. Strauch, B. & De Moura, W.: Arterial system of the fingers. J Hand Surg [Am] 15: 297, 1990. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 3 – Março, 1997