Teoria e Pesquisa
Artigo
Nicolau Maquiavel e seu tempo:
A Razão de Estado, A arte da guerra
e suas contribuições para a Ciência
Política e as Relações Internacionais.
Niccolo Machiavelli and His Time: the Reason of the
State, the Art of War and its Contributions to Political
Science and International Relations
Helvécio de Jesus Júnior
Doutorando em História na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Professor de Relações Internacionais e Economia na Universidade Vila Velha – UVV.
[email protected]
Resumo: Não há como citar temas fundamentais como a Razão de Estado, a Soberania, o Monopólio
do Poder e os mecanismos coercitivos do uso da força estatal sem buscar suas origens intelectuais em Maquiavel. Este artigo busca apresentar uma descrição do contexto político no qual Maquiavel se inseria para melhor
compreender suas recomendações políticas. Outrossim, apresenta um estudo sobre os conceitos dentro da
estratégia de segurança do Estado dispostos por Maquiavel na obra A arte da guerra.
Palavras-chave: Nicolau Maquiavel; História Política; Ciência Política; Relações Internacionais.
Abstract: It is impossible to mention key issues such as Reason of State, Sovereignty, Monopoly of Power
and enforcement mechanisms in the use of state force without seeking their intellectual origins in Machiavelli.
This article seeks to present a description of the political context in which Machiavelli was inserted to better
understand their policy recommendations. Moreover, it presents a study of the concepts within the strategy of
state in security field in Machiavelli’s Art of War.
Keywords: Niccolò Machiavelli; Political History; Political Science; International Relations.
http://dx.doi.org/10.4322/tp.2013.016
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A Razão de Estado, A arte da guerra e suas contribuições para a Ciência Política e as Relações Internacionais.
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Introdução
O adjetivo maquiavélico passou a tomar proporções pejorativas nas relações in-
terpessoais. Apontar alguém com essa alcunha pode ser considerado ofensivo. Mas os
conceitos adquirem representações distintas dentro de diferentes contextos políticos,
culturais e econômicos. Ser maquiavélico no tempo corrente não significa o mesmo
que aplicar a doutrina de Maquiavel em meados do século XVI, o período no qual o historiador italiano busca aplicar seus conselhos aos príncipes recém-chegados ao poder.
Do mesmo modo, a definição de maquiavélico se afasta do particular, da afirmação
ética individual ao analisarmos as influências originárias do conceito de Razão de Estado com origens em Maquiavel. A importância de esmiuçar suas ideias políticas é uma
tarefa necessária a qualquer analista que pretenda entender a diferença entre a ética
individual e a ética da sobrevivência, própria da esfera estatal, segundo Maquiavel.
Neste artigo busco, portanto, iniciar com uma descrição do contexto político que
serviu de pano de fundo para as obras aqui analisadas: O Príncipe e A arte da guerra, de
Maquiavel. Trata-se de uma necessidade historiográfica compreender o ambiente regional, normativo e dos conceitos que alimentavam as ideias dos tomadores de decisão de
um determinado período.
A partir de então creio serem mais inequívocas as interpretações dos conselhos
políticos de Maquiavel aos príncipes e suas perscrutações acerca das relações de poder
entre as principais Cidades-Estado italianas no século XVI. Nesse tema estará uma análise do conceito de Razão de Estado que, embora não tenha sido definido diretamente
por Maquiavel ipsis literis, certamente está presente em sua obra uma gênese dos tópicos relativos à teoria do Estado e do comportamento do estadista na conduta dos
negócios do Estado.
Por fim, examinarei a parte estratégica do trabalho de Maquiavel que, sem dúvida, é menos comentada, mas é de suma importância para compreensão do contexto
político na península itálica em um tempo em que as guerras eram corriqueiras. A arte
da guerra, de Maquiavel, é um clássico no campo dos estudos estratégicos e tem repercussões diretas sobre o desenho institucional e burocrático do Estado. Igualmente, é
um assunto elementar das Relações Internacionais em seu debate sobre a segurança
do Estado.
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O contexto político
Não se pode dissociar um autor e sua obra de seu contexto. A natureza das rela-
ções políticas na península itálica do século XVI apresenta uma peculiaridade distinta
do sistema moderno representado pelo Estado-Nação com origens nos tratados de
Westphalia, em 1648. A Itália de Maquiavel é chamada de stato italiano no ordenamento
das suas unidades políticas. O stato é mais adaptado ao que Maquiavel chama de “Estado” em O Príncipe. Ou seja, “significa o status de poder de um príncipe” (Brown e Nardin,
2005: 247).
A ideia de Estado territorial moderno é obviamente diferente. Trata-se de uma evolução histórica compreendida em um contexto posterior às guerras religiosas que se iniciaram após a maturação do sistema descrito por Maquiavel no stato italiano. O período
que dá origem ao Príncipe é o chamado Renascimento Italiano. Suas origens remontam
à Idade Média e à Antiguidade Clássica e adquire força após o término do cisma entre
Avignon e Roma, sob o Papa Martinho V, depois, perdurou fora da Itália. Nas palavras do
historiador inglês Adam Watson:
Em 1453, os turcos otomanos capturaram Constantinopla, fazendo que um
grande número de estudiosos gregos fugisse, sobretudo para a Itália, e assim vieram
a ajudar a reviver os ensinamentos gregos clássicos, o que constituiu um dos aspectos
mais importantes do Renascimento (Watson, 2002: 217).
A essência desse Renascimento foi o Humanismo. O significado da palavra modificou-se de acordo com o tempo, mas, em 1513, quando O Príncipe foi escrito, prevalecia
a ideia de não mais enxergar Deus como a medida de todas as coisas. Havia um sentido
de autossuficiência do homem.
O acesso direto à experiência dos clássicos, especialmente os gregos, foi desbloqueado e evoluiu um espírito liberal de investigação renovada sobre todas as coisas.
Essa tensão entre a teologia cristã e o humanismo cívico ainda se verificava no tempo
de Maquiavel, no qual a transição entre o mundo medieval e o mundo do renascimento
se materializava1.
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Nesse sentido, autores clássicos da ciência política, como Jean J. Chevallier, apontam que a chamada
Renascença visava sacudir as disciplinas intelectuais da Idade Média, por intermédio dos humanistas e não
mais pela transmissão cristã (Chevallier, 1966: 21).
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O mundo de Maquiavel ousou desafiar os cânones do conhecimento e passou
a adotar práticas de política doméstica e internacional regidas por um pragmatismo
novo que, em muitas vezes, afrontava dogmas religiosos sobre a conduta do príncipe.
Nas palavras de Jean Jaques Chevallier (1966: 22), o período de Maquiavel se dirigia para:
a paixão de procurar o livre exame, atacar todos os dogmas, rasgar todas as escolásticas; o orgulho humano prestes a afrontar toda Divindade. [...] A era das técnicas
a serviço dos homens e de sua ação substitui a era medieval, da contemplação.
Esse indivíduo renovado pela Renascença era objeto da virtù em Maquiavel. A virtù
era uma qualidade que o emanciparia. A qualidade primaz do príncipe. Na Itália dessa
época prevalecia um sistema de microanarquia, uma verdadeira colcha de retalhos de
principados que competiam por poder e formavam alianças políticas com vistas a equilibrar poder com as potências hegemônicas francesa e alemã.
A contribuição desse sistema de equilíbrio de poder foi um laboratório para Maquiavel desenvolver novas técnicas de aquisição e consolidação do poder em um principado. O mapa estrutural do poder político da Itália dos stati foi descrito por Chevallier
(1966: 22) nestes termos:
O sentimento de italianidade achava-se abafado por uma poeira de principados efêmeros. Ao redor de quatro eixos fixos, Roma, Veneza, Milão e Florença, havia
uma multidão de Estados, proliferando, pululando, apodrecendo, fazendo-se, desfazendo-se, refazendo-se.
Os sistemas constrangiam as unidades políticas a se adaptarem ao modelo de relações políticas. Florença era a cidade do poder financeiro, governada pela família Médici, banqueiros em quase toda Europa utilizando de forma inteligente o dinheiro para
aquisição e manutenção do poder. Lorenzo de Médici foi o mais famoso. Patrono das
artes em Florença, simbolizada pela Vênus de Botticelli, símbolo do Renascimento, com
o rosto, diz a tradição, de uma amante sua (Watson, 2002).
Em termos políticos, Roma era a cidade mais importante. O poder religioso, principalmente em razão da fé popular, alicerçava um poder material substancial. Foi um
período em que alguns papas esqueceram suas funções eclesiásticas e praticaram mais
a arte da política, como qualquer outro príncipe. Alexandre Bórgia e seu filho, César
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Bórgia, são exemplos notórios desse momento, embora César tenha abandonado a
carreira no clero por total falta de vocação. César Bórgia2 é o modelo ideal de príncipe
para Maquiavel.
Veneza, a maravilhosa cidade na costa do Mar Adriático, se assentava em um poder comercial e na riqueza do vale do rio Pó e detinha um sistema político aristocrático,
a signoria que elegia seu príncipe. Por fim, Milão, que com a expansão do domínio veneziano no vale do Pó acabou por entrar em rivalidade geopolítica. Em Milão, o general
Francisco Sforza “havia se estabelecido como duque, com o controle efetivo, mas sem
autoridade efetiva” (Watson, 2002: 222).
Maquiavel comenta que “Francisco, pelos meios devidos e com grande virtude,
tornou-se duque de Milão; e aquilo que com mil esforços tinha conquistado, com pouco trabalho manteve” (2010, Maquiavel). Os meios dos quais Maquiavel falava e exaltava
no comportamento dos líderes era o “lugar comum” da natureza política na Itália, “devastada por dissensões e crime, no meio da mais esplêndida floração artística que a
humanidade jamais conheceu” (Chevallier, 1966: 23).
Outro ponto a se destacar é que a atual separação entre poder religioso e poder
secular não se verificava naquela época. O papado atuava politicamente e controlava
territórios como qualquer outro principado, afastando-se assim de sua função precípua.
Após a morte de Rodrigo Bórgia, o Papa Alexandre VI, os Bórgia perdem poder. O Papa
Júlio II assumiu o comando do centro do poder religioso e chegou a atuar como comandante militar, por exemplo.
As disputas, a política de subterrâneo, as tramas e toda ação política descrita por
Maquiavel é um fenômeno localizado em seu tempo e seu espaço, a Itália do stato.
Portanto, Maquiavel se preocupa com a situação local, o desmembramento da Itália, a
desonra nacional diante da invasão da França. Ao mesmo tempo, Maquiavel não descreve o príncipe, ele o inventa, adotando como modelos grandes personagens, como
César Bórgia.
O Príncipe é um projeto de reunificação da Itália sob o comando de um novo príncipe, que usará seu poder para se livrar, posteriormente, daqueles que o ajudaram a subir
ao poder. O novo príncipe não teria medo dos deuses, mas deveria temer os homens.
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Sobre César Bórgia, Maquiavel dizia: “Esse senhor é extraordinariamente esplêndido e magnífico”. (Maquiavel,
O Príncipe, capítulo IX).
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O reino baseado no terror não seria um problema para o realismo de Maquiavel. Basta
ver o caso referencial do monge dominicano Jerônimo Savonarola, um profeta ascético
que pregava sobre temas do Apocalipse. Com o dom da oratória, seduziu muitos florentinos, em 1497, no momento da intervenção francesa sob o Rei Carlos VIII, que havia
expulsado os Médici da cidade. Carlos VIII era visto por muitos como o salvador da cidade da Gomorra, na qual se encontrava durante o domínio dos Médici.
Savonarola representa o idealismo alicerçado em um puritanismo aplicado à política. A ética dos Evangelhos comandando a ação dos governantes. Em outras palavras,
o oposto da formulação de Maquiavel. Savonarola anatematiza o Papa Alexandre VI e a
cidade de Roma, de forma geral.
Sua aventura terminará, de fato, pela morte, depois de peripécias dramáticas:
processos e torturas. É enforcado e queimado, com dois dos seus fieis, a 23 de maio
de 1498; todos os florentinos o haviam abandonado. Esse estranho episódio serviria
para curá-los, definitivamente, de todo misticismo. Simbolicamente, poucos dias após
o suplício do frade dominicano, a 15 de junho de 1498, Nicolau Maquiavel, aos vinte
nove anos de idade, entra oficialmente na vida pública (Chevallier, 1966: 24).
É curioso notar que, no fim dessa utopia de Savonarola, entra para o serviço público um pensador do realismo político que considera o pragmatismo acima das restrições
normativas ou religiosas. Maquiavel adquire experiência como diplomata representando Florença no estrangeiro. Essa, aliás, foi outra inovação importante do período. A
instalação de representações permanentes para facilitar os arranjos diplomáticos entre
cidades que corriqueiramente entravam em conflito.
Maquiavel seguiu por catorze anos no serviço público até o momento em que,
mais uma vez, alterou-se o regime político em Florença, no ano de 1512. Maquiavel foi
destituído de suas funções com o retorno da família Médici ao poder. Ele perde seu
posto e nós ganhamos sua obra, pois foi justamente no “exílio” que Maquiavel pôde
escrever sua opus magna.
No desterro e tédio de sua nova vida fora da atuação estatal, Maquiavel escreve ao
seu amigo Francesco Vettori, embaixador florentino em Roma, aconselhando-o. O ócio
criativo de Maquiavel o pôs a estudar a vida dos grandes homens: “compus um opúsculo, De Principatibus, onde me absorvo [...] investigando a essência dos principados, de
quantas espécies podem ser” (Maquiavel, apud Chevallier, 1966: 26).
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A obra foi também uma espécie de tentativa de resgatar o emprego na chancelaria florentina. Dedica o livro aos Médici, apresentando-o como um verdadeiro curriculum adquirido nos mais de dez anos de experiência de vida pública. O Príncipe foi, para
muitos, a inauguração da ciência política. Norberto Bobbio (2000: 72) destaca que:
O Príncipe de Maquiavel [...] busca a melhor forma de governo. [...] a questão
fundamental de Maquiavel, pelo menos em uma das interpretações ao seu pensamento, a única que dá lugar a um “ismo” (o chamado maquiavelismo), é mostrar em
que consiste a propriedade específica da atividade política e, desse modo, distingui-la
da moral e da religião.
O pensamento de Maquiavel e sua obra mais famosa, O Príncipe, portanto, são
compreendidas dentro desse modelo típico de relações entre as cidades italianas, no
qual a medida do poder não era limitada por um sistema hierárquico de normas. A
microanarquia da península itálica era o lugar ideal de validação das teses de Maquiavel.
Percebe-se, contudo, ao se ler a obra, que Maquiavel estava descontente com esse
sistema italiano. Desejava a República, como exposta nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. E foi um dos primeiros a usar um método de descrever um futuro
ideal primeiramente e depois prover ações para alcançá-lo.
A teoria das três Romas serve a esse propósito, em uma análise da obra de Maquiavel. Para Maquiavel, a primeira Roma (Roma Antiga) fracassou, porque permitiu que a
religião tivesse um papel ativo e autônomo em concorrência com o Estado. A segunda
Roma, a Cristã, fracassou, segundo ele, porque é uma religião que convida os homens
à paz e a paciência, e não à conquista. A terceira Roma, a do Príncipe, seria a Roma que
resolveria esses problemas anteriores e escaparia desses defeitos. Uma nova fórmula de
Estado, em que não há religião fora do Estado. A religião é um instrumento do Estado.
Não seria baseada na humildade evangélica, mas sim na virtù (Carvalho, 2012).
Para se ter uma noção mais vívida das teses de Maquiavel sobre a política é preciso interpretar alguns pontos específicos, como o papel da moralidade e da religião, o
equilíbrio de poder nas relações internacionais e a guerra como instituição, bem como
avaliar a virtù e a fortuna como características basilares do pensamento de Maquiavel
para o príncipe.
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A Razão de Estado
O conceito de Razão de Estado não está presente, de forma explícita, na obra de
Maquiavel. Tampouco o modelo de relações políticas era apropriado para se afirmar
que, de fato, representava uma Razão de Estado, em sua plenitude. Somente com o
Estado-Nação territorial é que tal afirmação faria sentido. Contudo, é possível localizar
as origens intelectuais do conceito nas prescrições políticas de Maquiavel aos príncipes
recém-chegados ao poder.
Em primeiro lugar, por Razão de Estado entende-se uma autonomia da política em
relação às demais esferas de atuação humana, como a ética e a religião. O príncipe, ao
conduzir os negócios de Estado, é o próprio Estado, transfigura-se. Desse modo, a ética
do príncipe é a Razão de Estado e seus valores individuais informados pela religião, por
exemplo, deveriam ser filtrados e controlados por essa Razão de Estado imperativa.
O historiador britânico e precursor do realismo político nas Relações Internacionais,
Edward Carr (2002: 85), em seu livro Vinte anos de crise, descreve o método realista de
análise histórica inspirado em Maquiavel:
A história é uma sequência de causa e efeito que não pode ser analisada através
da imaginação como os utópicos imaginam. [...] A teoria não cria (como presumem
os utópicos) a prática, mas sim a prática que cria a teoria. [...] E a política não é, como
pretendem os utópicos, uma função da ética, mas sim a ética uma função da política.
Nota-se, por conseguinte, uma afirmação moral que é própria do pensamento realista com origem nos ensinamentos políticos de Maquiavel. Em uma escala de princípios
morais, o realismo inaugura a moral da sobrevivência, justificando medidas interpretadas em chaves analíticas contrárias ao realismo político como imorais.
Os conselhos políticos de Maquiavel aos novos príncipes perscrutam um mundo
novo, perigoso, no qual a ética da prudência incentiva uma hierarquia de valores morais
em que sobreviver, manter o poder e a soberania do Estado são ações essenciais. Dizia
Maquiavel (2010: 81):
Qualquer novo governante que julgue necessário proteger-se contra inimigos,
fazer amigos, conquistar pela força e pela fraude, tornar-se amado e temido pelo povo
e seguido e respeitado pelas tropas contratadas, para destruir aqueles que poderiam
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prejudicá-lo, para introduzir novas maneiras nas velhas tradições, para ser severo e
gentil, magnânimo e liberal, suprimir uma milícia desleal e criar uma nova, e manter a
amizade dos reis e dos príncipes de modo que estes estejam satisfeitos em ajudá-lo
e hesitem prejudicá-lo.
Desta forma, percebe-se a preocupação com a manutenção do poder depois de
adquirido com árdua força, onde a fortuna e a virtù eram necessidades reais. A vida e
a morte do príncipe dependiam de sua habilidade em traduzir a Razão de Estado, no
entender de Maquiavel.
A Itália do Renascimento era um lugar perigoso, e o governante que quisesse
preservar e estender seu Stato, e lidar com outros Stati semelhantes ao redor, tinha de
ser orientado não por padrões de certo e errado, mas pelo cálculo frio do que fosse
prático. Esse cálculo era chamado de ragione di stato, Razão de Estado (Watson, 2002:
230).
É preciso compreender, portanto, que, no estudo da história, Maquiavel exalta a esfera política como definidora dos padrões morais. Certamente, é possível notar isso em
seu alerta contra o idealismo religioso de Savonarola, mas também pelo pragmatismo
do poder papal, que, além de religioso, era político e militar no século XVI.
Maquiavel defende o assassinato de Remo por seu irmão Rômulo argumentando que o poder indivisível era necessário naquele momento. [...] Mas Maquiavel não
defendia a tirania. Somente fundadores de uma república ou um principado bem
governado, como Rômulo, merecem elogios. Aqueles, como César, que instituiu uma
tirania, deveriam ser condenados. Nessa e em outras passagens Maquiavel invoca
padrões morais de uma forma que torna inconsistente chamá-lo de imoral (Brown e
Nardin, 2002: 246).
Em outras palavras, Maquiavel considera uma moral submissa a um pragmatismo
político e a grandes realizações, atingidas por meios nem sempre regidos por uma moral idiossincrática, formada por valores cristãos de piedade e justiça, por exemplo. A Razão de Estado, legado inspirado em Maquiavel, tornou-se princípio do realismo político
nas Relações Internacionais e doutrina ativa nos gabinetes políticos por séculos.
A relação entre a política e a moral, tema tão caro à ciência política, é uma preocupação inequívoca no trabalho de Maquiavel. O principio pacta sunt servanda deve
ser respeitado pelo príncipe? Em que ocasião? Ocorre que Maquiavel responde a essa
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pergunta dentro de seu pragmatismo. Se o fim é valioso, os meios podem desconsiderar os pactos.
Maquiavel chama em sua obra de “grandes coisas” as conquistas territoriais de César Bórgia, Júlio II e outros líderes. As vitórias na guerra legitimam um príncipe que
rompeu com um contrato assinado, pois o fim foi maior que o meio considerado ilegal.
Niccolò Maquiavel, que escreve seu tratado sobre o príncipe no início de um
século durante o qual se desenvolve o grande conflito entre a França e o Império e
explodem guerras religiosas que cobrirão de sangue a Europa durante muitas décadas. Maquiavel coloca o problema se o homem de Estado é obrigado a respeitar
os pactos, um princípio moral fundamental. Maquiavel não tem dúvidas sobre esse
ponto. Mas observa que fizeram “grandes coisas” os príncipes que esse princípio tiveram em pouca conta. [...] Faça, portanto, um príncipe de modo a vencer e manter
o Estado: e os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados (Bobbio,
2002: 227-228).
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Inluências de Maquiavel sobre as Relações Internacionais
e a Ciência Política
As áreas das Relações Internacionais e da Ciência Política são fortemente influen-
ciadas pela tradição inspirada nos escritos de Maquiavel. Considerado uma dos pais da
moderna ciência política, Maquiavel trata de vários temas caros a essa área de pesquisa,
como o poder, os tipos de governo e as relações entre a política e a moral.
Provavelmente o campo mais importante foi o conceito de Razão de Estado, discutido anteriormente, com uma clara influência de O Príncipe como obra de precípua
importância. Os homens de Estado agem clamorosamente contra a moral comum e a
justificação dessa posição é objeto de pesquisa da ciência política. A ideia de um “Estado de Necessidade”, acima de um padrão ético ou de regras morais, fundamenta a
necessidade da manutenção do poder para uma finalidade maior, a sobrevivência do
Estado.
No campo das Relações Internacionais, igualmente, Maquiavel é importante para
conceitos como a balança de poder, anarquia e origens da busca por poder na natureza
humana, além dos seus escritos sobre estudos estratégicos em A arte da guerra. A mais
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famosa teoria de Relações Internacionais, o realismo político, absorve forte influência de
Maquiavel.
No realismo político, em forma de resumo, é possível destacar três pontos principais e mais um acessório. Em primeiro lugar, os Estados são os principais atores da política internacional, os mais poderosos, pois definem agendas e detêm o privilégio da soberania e do uso dos meios legítimos coercitivos e forças militares monopolizadas. Em
segundo lugar, o poder é a aspiração central dos Estados. Adquirir, manter e demonstrar
poder é algo encontrado na natureza dos animais políticos, imutável segundo os realistas. E em terceiro lugar, a anarquia é a condição inescapável das relações internacionais
e condiciona os Estados a agirem cada um por si, pois não há autoridade ou império de
leis para hierarquizar as relações entre os Estados.
Por fim, advinda desses pontos, há uma tendência de enxergar o mundo de uma
forma pessimista no realismo político. Ou seja, sempre haverá guerra e desconfiança
e os Estados sempre necessitam buscar mais poder para evitar serem ameaçados por
outras unidades políticas. Um dilema de segurança previsto por Maquiavel. Em muitos
temas comuns às áreas das Relações Internacionais e Ciência Política, portanto, é possível notar a presença dos textos de Maquiavel.
Em O Príncipe, Nicolau Maquiavel encontra-se claramente ligado à teoria realista através: a) do destaque que dá à necessidade de o governante adotar padrões morais diferentes dos do indivíduo comum com o objetivo de garantir a sobrevivência
do Estado; b) da sua preocupação com o fenômeno do poder; c) do seu pressuposto
que a política é caracterizada pelo conflito de interesses; d) da sua visão pessimista
acerca da natureza humana (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003: 87).
Eis, de fato, uma distinção nas tradições políticas: um universo de doutrinas políticas chamada de idealismo, com inspiração em Abade de Saint Pierre e Kant, para citar
somente dois de seus maiores expoentes, acreditando na natureza humana cooperativa
e no cosmopolitismo. Em contraponto, o realismo político de Maquiavel, posteriormente enriquecido por Thomas Hobbes e sua visão sobre a natureza humana conflituosa
e agressiva e sedenta por poder. O Príncipe retrata a realidade conflituosa presente na
natureza dos indivíduos em um contexto igualmente perigoso.
A política em Maquiavel é a arena da disputa, da guerra, da necessidade da prudência. Não há espaço para aqueles que buscam os “bons motivos” ou “princípios abstratos
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normativos” na política externa. De fato, Maquiavel (2010) desdenha daqueles que se
“puseram a imaginar repúblicas e principados nunca vistos e nem conhecidos como se
fosse verdade”. A soberania territorial mantida por um poder material se impõe como
a realidade inescapável. Em seu estudo sobre a soberania no campo das Relações Internacionais, Jen Bartelson (1995) recorda a continuidade do pensamento de Maquiavel
sobre o tópico.
Bartelson identifica três princípios basilares advindos do pensamento pós-Maquiavel acerca do conceito de soberania. O primeiro deles é a individualização, ou seja, a
soberania passa a ser indivisível, a ideia de soberania compartilhada escapa ao realismo
político de Maquiavel. O segundo princípio remete à identificação que diviniza a autoridade do soberano e se associa a ele. E, por fim, a ordem, representando o Estado no
sentido cartesiano. Sua função precípua será manter a unidade a qualquer preço, mesmo se distanciando de concepções morais (Bartelson, 1995).
A separação entre a política, a moral e a ética deve ao texto clássico de O Príncipe
um reconhecimento histórico.
Quanto seja louvável em um príncipe manter a fé, vivendo com integridade e
não com astúcia, qualquer um compreende: não obstante, a experiência mostra que,
em nossos tempos, fizeram grandes coisas aqueles príncipes que a fé tiveram em
pouca conta (Bobbio, 2002: 183).
A chave da questão aqui mais uma vez está na expressão “as grandes coisas”, pois
isso significa que o príncipe tem um objetivo primaz: permanecer no poder. Os demais
parâmetros informados por valores religiosos devem estar submetidos a essa razão de
ser do príncipe, na qual contam as grandes coisas, a vitória na guerra, a permanência no
poder e não os princípios morais abstratos.
O príncipe piedoso corre o risco de ser alvo de intrigas e sabotagens contra seu
governo, pois os usurpadores regem sua conduta por astúcia e não por piedade. As
ações políticas não são totalmente imorais, conforme concorda Maquiavel em sua análise sobre a virtù; entretanto, essa imoralidade deve ser aceita, em suas palavras, somente
quando as finalidades forem as grandes coisas, as grandes realizações políticas do príncipe, a saúde da pátria. Conforme expressa o autor de O Príncipe em outra obra de sua
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Costumam dizer os homens prudentes, e não é por acaso e nem sem mérito,
que quem deseja ver aquilo que há de ser, considere aquilo que foi: porque todas as
coisas do mundo, em cada tempo, têm seu próprio embate com os antigos tempos.
O que nasce, porque, sendo elas operadas por homens, que tem e sempre tiveram as
mesmas paixões (Maquiavel, 2010: 506).
As lições da história para Maquiavel devem ser tomadas à luz de um pragmatismo
político evidente. As “grandes coisas” realizadas pelos romanos em seu vasto império e
as vitórias de Tito Lívio são aprendizados históricos para o presente “para quem considera as coisas presentes e as antigas, que em todas as cidades e em todos os povos estão
aqueles mesmos desejos e aqueles mesmos humores” (Maquiavel, 2010: 146).
A Ciência Política e as Relações Internacionais, muito além do realismo político,
compreendem as lições de Maquiavel diante das atrocidades justificadas para atingir
uma finalidade, as grandes coisas. O estudo da guerra, enquanto fenômeno político, é
uma evidência dessa tradição. O príncipe é um guerreiro por natureza.
A guerra, as instituições e as regras que lhe dizem respeito são o único objeto
a que um príncipe deve consagrar seus pensamentos e aplicar-se, o único que lhe
convém como profissão; eis a verdadeira profissão de todo governante. [...] desprezar
a arte da guerra, é o primeiro passo para a ruína (Maquiavel, 2010: 96).
Se a guerra é uma instituição internacional que coloca os tomadores de decisão
em constante ameaça, é preciso, portanto, considerar os conselhos do diplomata florentino, como a prudência. A paz, nessa interpretação realista, é apenas um interregno
entre uma guerra e outra. Como destaca Gelson Fonseca Júnior, em seu estudo sobre
as relações internacionais: “os Estados entram em conflito não porque sejam compostos
de homens naturalmente agressivos, mas porque, ao serem formados, tornam-se agressivos para se preservar como Estados” (Fonseca Jr., 2008: 316-326).
Se as ações do príncipe não são objeto de análise de um tribunal, esse líder deve
pensar exclusivamente em conservar seu Estado e sua vida segundo Maquiavel. Há valor
moral maior que a preservação da vida do Estado? Não para Maquiavel. Por essa razão,
na conduta da política externa o príncipe deve ser cuidadoso e evitar ambiguidades.
Mostre-se francamente amigo ou inimigo, isto é, saiba declarar-se abertamente pró ou contra tal ou qual Estado: o partido da neutralidade, que os príncipes irre-
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solutos quase sempre abraçam, atemorizados pelos perigos presentes, quase sempre
os conduz também a ruína (Maquiavel, 2010: 106).
As grandes coisas estão relacionadas aos grandes temas da nação, como a guerra
e a diplomacia. Tal como Raymond Aron recordava, em sua grande obra Paz e guerra entre as nações, as Relações Internacionais são arena de atuação dos diplomatas em tempo
de paz e dos soldados em tempo de guerra. Maquiavel foi um diplomata florentino e
viveu algumas inovações das cidades-estados italianas. A diplomacia residente com a
troca de embaixadores contribuiu para o desenvolvimento da diplomacia moderna.
No perigoso mundo do Renascimento italiano, um fluxo constante de informações confiáveis sobre ameaças e oportunidades estratégicas e econômicas era especialmente necessário. Na Europa medieval não havia um sistema regular de notícias,
e os homens viviam de relatos e rumores transmitidos por viajores. No entanto, duas
potências italianas tinham agentes em toda a Europa, que relatavam com precisão o
que estava acontecendo (Watson, 2002: 227).
A busca por informações estratégicas e o uso de espiões não foram criações do
mundo renascentista italiano, mas, sem dúvida, foram aprimoradas nesse período e descritas em sua importância política por Maquiavel em suas obras. O Papado, com seus
núncios apostólicos, usava a diplomacia com grande desenvoltura. A signoria veneziana
também recebia informações de seus mercadores. Os Médici atuavam fortemente no
exterior com a Companhia Médici, que produzia seus relatórios de inteligência.
Outro tema ligado à diplomacia e contumaz dentro dos estudos das Relações Internacionais é a “balança de poder” ou “equilíbrio de poder”. A Itália do tempo de Maquiavel, fragmentada, vivia sob um precário sistema de balança de poder, em que os
príncipes lutavam por manter o status quo regional, enquanto outros, insatisfeitos, embarcavam em políticas revisionistas de conquista territorial.
As alianças entre as cidades-estado italianas eram feitas de acordo com os interesses mais imediatos de manutenção da balança de poder. A preocupação anti-hegemônica de Francisco Sforza, por exemplo, era evidente ao aliar-se a Lorenzo de Médici para
criar uma coalizão que pudesse dissuadir a ameaça de expansão veneziana.
Lorenzo era mais astuto que Sforza. Ele concordou que era realmente necessário
opor-se às ambições venezianas. No entanto, se Milão e Florença destruíssem todo o
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poder veneziano, encontrar-se-iam ameaçadas pelo papa ou pelo imperador do Sacro
Império Romano, que Veneza ajudava a manter em xeque. Lorenzo também pensava
que, se Sforza viesse a controlar todo o vale do Pó, ele também ameaçaria Florença.
Não era, portanto, a questão desse ou daquele inimigo específico, mas de assegurar-se
prudentemente de que ninguém, nem mesmo seu aliado mais próximo, se tornasse
demasiado forte.
Em um contexto no qual prevalece a anarquia, o sistema regional de equilíbrio de
poder é orientado à autoajuda (self help system), em que cada Estado busca adquirir e
manter poder material necessário para sobreviver ou, em outras palavras manter sua
soberania. A soberania, aliás, no período do stato italiano de Maquiavel, não era um
princípio jurídico consolidado. A conquista da soberania era uma questão de poder e
não de direito, propriamente.
Faz-se necessário recordar, conforme dito anteriormente, que o uso do conceito de
soberania estatal em Maquiavel se refere mais ao status da distribuição de poder atual
entre as cidades-estado em um sistema de microanarquia fragmentado. O príncipe que
mantém suas possessões com o uso do poder militar é elogiado por Maquiavel (Brown
e Nardin, 2005).
A relação intrínseca entre o poder e a soberania fica clara ao se analisar o capítulo
XV de O Príncipe, no qual Maquiavel (2010: 96) advoga:
Muitos que imaginaram repúblicas e principados que nunca foram conhecidos
ou existiram. Contudo, como o homem vive é tão diferente da forma como ele deveria viver que um governante que não faz o que geralmente é feito, mas persiste em
fazer o que deveria ser feito, irá destruir seu poder em vez de mantê-lo. Portanto, um
governante que deseja manter seu poder deve estar preparado para agir de modo
imoral quando for necessário.
Eia uma inequívoca preocupação com a manutenção do poder unificado do príncipe em contraposição às boas intenções utópicas daqueles que pensam em termos
abstratos. Maquiavel é imanentista, sua perspectiva não é transcendente. Não se deve
construir o Reino de Deus na terra, pois não é possível aos homens. Maquiavel conhece
as fraquezas humanas e seu pendor ao erro.
Outro ponto importante da obra de Maquiavel para a Ciência Política e as Relações
Internacionais é a necessidade de se buscar a unidade do Estado. Uma unidade política
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Nicolau Maquiavel e seu tempo:
A Razão de Estado, A arte da guerra e suas contribuições para a Ciência Política e as Relações Internacionais.
com coesão social, sem grandes divisões internas, agindo de modo racional na política
externa, é a cartilha ideal de Maquiavel no seu realismo político. Um príncipe elimina
toda insurgência e todo separatismo, pois deve estar, via de regra, preparado para a
guerra.
Maquiavel, no campo dos estudos estratégicos, discorria sobre a organização do
exército florentino em O Príncipe e A arte da guerra. Relatando a importância da unidade
da nação, o autor florentino sabia do perigo da dependência de mercenários para levar
a cabo os conflitos armados. Na sua atuação pública ele pensou uma lei sobre o tema
em 1505:
A reflexão mais importante de Maquiavel sobre os tópicos militares está na
lei de dezembro de 1505, que ordenava a organização de uma milícia florentina. Foi
recrutada por Maquiavel e sua introdução simbolizava uma de suas ideias preferidas:
a fundação de uma república está em “justiça e armas”, e a longa experiência; os altos
custos financeiros; e perigos nos têm demonstrado que os exércitos de mercenários
são de utilidade questionável (Gilbert, 1986: 19).
A falta de confiança e instabilidade dos exércitos dos mercenários demonstram as
razões para Maquiavel buscar a formação de um exército nacional florentino. A diferença, segundo Maquiavel, é a lealdade de um exercito nacional ao príncipe, enquanto a
lealdade primária dos mercenários é devida ao dinheiro. Resume-se desta forma a falta
de confiança nos condottieri. “A presente ruína da Itália é resultante de nada mais que a
confiança nos mercenários” (Maquiavel, 2010: 140).
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Conclusões
A obra de Maquiavel foi inovadora em vários aspectos que influenciaram o modo
de pensar a política de poder. Sua atualidade é explicada por uma continuidade notória
na História em que a anarquia, a guerra e a instabilidade doméstica realçam a necessidade de pensar o dilema de ação política que apresenta questões morais enquanto
limitadoras à conduta do estadista.
O contexto de Maquiavel foi um laboratório em miniatura do sistema internacional
europeu que seria expandido para o mundo todo na forma de uma estrutura anárquica
da política internacional. Em todos os tempos, as mais variadas organizações políticas
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formadas por indivíduos buscaram alguma forma de poder aplicado sobre os outros
indivíduos. A política em Maquiavel é arena de sobrevivência e sobreviver, por si só, é
uma questão moral.
A virtù e a fortuna estiveram e continuam presentes na vida dos tomadores de decisão. Na primeira, a inteligência e a habilidade política para realizar “grandes coisas” e na
segunda, a sorte, uma esperança dentro do imponderável, que caracteriza os grandes
líderes. Caso não haja fortuna, que a virtù salve o detentor do poder político, pois essa
sim é adquirida por outros meios disponíveis e tangíveis.
Maquiavel, com influência sobre a doutrina da Razão de Estado, permanece um
clássico para os cientistas políticos e analistas internacionais. Sua contribuição, para
compreender a política de poder e os limites da violência na política, é essencial em um
mundo onde o perigo da Itália renascentista não deixou de existir, apenas é retratado
em outra moldura e apresentado em um novo formato.
Referências
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Recebido: 13/5/2014
Aceito: 2/8/2014
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