ISSN: 0210-7287
LITERATURA-MUNDO EM PORTUGUÊS:
ENCRUZILHADAS EM ÁFRICA
World Literature in Portuguese: Intersections in Africa
Inocência MATA
FLUL/CEC
[email protected]
Recibido: septiembre de 2013; Aceptado: octubre de 2013; Publicado: diciembre de 2013
BIBLID [0210-7287 (2013) 3; 103-118]
Ref. Bibl. INOCÊNCIA MATA. LITERATURA-MUNDO EM PORTUGUÊS:
ENCRUZILHADAS EM ÁFRICA. 1616: Anuario de Literatura Comparada, 3 (2013),
103-118
RESUMO: A partir de ideias que desestabilizam paradigmas hegemónicos
–«epistemologias do sul» e «provincializar a Europa»– este trabalho reflecte sobre
a dimensão epistemológica da categoria literatura-mundo e a sua contribuição
para a análise das relações e intersecções entre as literaturas em português. Ao
ampliar o campo da comparatística, foram referidos aspectos que têm a ver com
trânsitos não apenas linguísticos e culturais, mas também históricos e ideológicos a partir de perspectivas teóricas que desvelavam as relações entre as
literaturas africanas e suas congéneres portuguesa e brasileira, ao mesmo tempo
que as tornavam singulares enquanto sistemas nacionais.
Palavras-chave: Literatura-Mundo, Categoria Epistemológica, Literaturas em
Português, Zonas de Contacto.
© Ediciones Universidad de Salamanca
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INOCÊNCIA MATA
LITERATURA-MUNDO EM PORTUGUÊS: ENCRUZILHADAS EM ÁFRICA
ABSTRACT: By calling upon ideas that destabilize hegemonic paradigms
–«the epistemologies of the south» and «provincializing Europe»– this paper
reflects upon the epistemological dimension of world literature and the contribution it has made in analysing the intersections between literatures in Portuguese.
By widening the focus of my comparison, aspects related to linguistic and cultural as well historical and ideological transits have been taken into consideration
from theoretical perspectives which unveil the relations existent between African
literatures and their counterparts in Portugal and Brazil while at the same time
making them unique as national systems.
Key words: Literature World, Epistemological Category, Literatures in Portuguese, Contact Zones.
1.
E NCRUZILHADAS CRÍTICAS : LITERATURA - MUNDO COMO CATEGORIA
EPISTEMOLÓGICA
Epistemologia é toda a noção ou ideia,
reflectida ou não, sobre as condições do que
conta como conhecimento.
Boaventura de SOUSA SANTOS
& Maria Paula MENESES
Durante muito tempo, os estudos literários africanos foram caracterizados
por uma quase obsessão de estudo interno, longe de uma abordagem
comparatista que, quando existia, se restringia aos corpora das literaturas
dos Cinco, que, embora se reconhecesse pertencerem a sistemas culturais
e geográficos diferentes, eram consideradas bem próximos em termos
históricos e simbólicos1. Por exemplo, naquele que pode ser considerado o
primeiro evento exclusivamente dedicado às literaturas africanas de língua
1. Privilegio esta designação dos países de língua portuguesa de África, em detrimento de PALOP, não apenas pelo equívoco que encerra (são países de outras línguas também,
sobretudo do crioulo que em três deles é realmente «língua nacional»), mas sobretudo na
esteira de Mário Pinto de Andrade para quem a designação «os Cinco» resgata a utopia da
fraternidade dos tempos da luta anticolonial, com a criação da CONCP-Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, fundada sob a égide de Amílcar Cabral
em 1961, em Rabat, Marrocos.
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portuguesa, organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1984,
em Paris (no Centro Cultural Português), há uma estatística reveladora:
entre sessenta e duas comunicações, apenas uma fala da relação entre a
literatura negra norte-americana e a poesia africana –numa secção dedicada
a «Problèmes generaux» (Martinho, 1985). Essa opção metodológica
obedecia a uma paradigma epistemológico que recusava a indagação da
nacionalidade cultural dos objectos e sujeitos dessas literaturas, como
se a simples indagação pudesse significar a sugestão da inexistência de
um sistema nacional. Os primeiros estudos dessas literaturas ajudaram a
consolidar esse incómodo quando, numa disciplina com a designação de
Literatura Portuguesa, também eram contemplados autores e obras africanos
–simplesmente porque embora não houvesse disciplina nenhuma em que
se pudesse estudar tal matéria, os professores consideravam importante o
conhecimento de escritores de África num curso de Letras. Dir-se-ia que
o efeito da luta pela visibilização das literaturas africanas foi, em certo
aspecto, contraproducente.
Nos anos 90 do século passado começou a verificar-se o questionamento
dessa opção metodológica que circunscrevia a produção literária africana
a uma dimensão estritamente interna e marcadamente político-ideológica
que não raro se esgota(va) em si mesma. Muitos estudiosos alertaram para o
perigo da circunscrição dessas literaturas a essa condição tão instrumental,
embora necessária em determinado tempo pois a literatura foi uma das
formas de expressão que os intelectuais encontraram para enfrentar o
poder político em tempo de silenciamento musculado de vozes dissonantes.
Recentemente Helena Buescu referiu-se a esta questão, de modo genérico,
do seguinte modo:
Se é verdade que ela, a literatura, funcionou em determinada conjuntura
histórica como projecção de uma certa comunidade imaginada que ajudou
a cimentar o processo político e ideológico da construção das nações […]
o certo é que julgo empobrecedor reduzir a literatura a tal movimento
– ignorando assim outras formas poderosas pelas quais a cultura humana
nela se cristaliza, enquanto constelação transmissível a todos os que
também imaginamos como nossos contemporâneos e nossos vindouros. Escamotear o papel decisivo da literatura nesse processo […] é, em
minha opinião, um dos passos primeiros que conduz ao mal-estar que
tantos dos que trabalham com ela sentem, em relação à literatura (Buescu
2013, 14).
Embora tais abordagens «contextuais» não sugirissem a diminuição
do valor estético das obras estudadas, elas talvez inibissem tanto a
exploração de potencialidades temáticas, discursivas, formais, quanto
o tratamento de motivações experienciais e vivenciais das literaturas
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em português que uma «observação em português» (Helena Buescu),
ou mais ampla, pudesse desencadear2. Assim, a partir da observação no
âmbito mais alargado, que não apenas «observar em português» –portanto,
africano, global–, as literaturas dos Cinco começaram a ser integradas num
contexto comparatista. Partindo do estudo do universo da reinvenção da
diferença cultural do português nos espaços nacionais que o têm como
língua de expressão literária, foram sendo referidos aspectos que têm a ver
com trânsitos não apenas linguísticos e culturais, mas também históricos
e ideológicos, com reflexos nos estudos literários, a partir de perspectivas
teóricas que desvelavam as relações entre essas literaturas, ao mesmo
tempo que as tornavam singulares enquanto sistemas nacionais.
Tratou-se, nessa viragem metodológica (que reflectia uma mudança de
paradigma na análise do passado), de pesquisar o caractér supranacional
de «certos fenómenos estéticos e literários» e do reconhecimento da sua
«capacidade trans-histórica» (Buescu 2013, 36); tratou-se, pode dizer-se,
de «provincializar a Europa», isto é, de reivindicar a contribuição que as
colónias (parte do «resto do mundo») deram para a construção da realidade
histórica e cultural de Portugal e da Europa –ou, se se preferir, para a
ideologia da modernidade europeia, através de uma reinterpretação da
história a partir das suas margens.
Recorro à ideia de «provincializar a Europa», expressão metafórica
de Dipesh Chakrabarty para designar a globalização do pensamento
europeu (ocidental afinal) no âmbito das ciências sociais, para entender
a transição para a «modernidade capitalista» no mundo não-ocidental,
entenda-se, no contexto, espaços ex-imperiais, não obstante as adaptações
que se impõem para e pelas margens. Com efeito, embora por vezes
inadequadas, Chakrabarty reconhece a indispensabilidade de formulações
do pensamento europeu e suas categorias –pelo menos ao nível académico–
para compreender a modernidade pós-colonial:
European thought is at once both indispensable and inadequate in helping
us to think through the experiences of political modernity in non-Western
nations, and provincializing Europe becomes the task of exploring how
this thought –which is now everybody’s heritage and which affects us
all– may be renewed from and for the margins (Chakrabarty 2008, 16).
2. Helena Buescu, que prefere esta designação a essoutra «literaturas de/em língua
portuguesa», expõe, no seu último livro, as razões dessa preferência. «Observar em português» (BUESCU 2013, 34-35).
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A renovação de que fala Chakrabarty talvez não acolha a concordância
de muitos epistemólogos, como Boaventura de Sousa Santos que fala
da premência de pluralidade de práticas científicas a conformarem uma
«ecologia de saberes» para a qual é necessário considerarem-se outras
racionalidades alternativas a partir de experiências sociais, políticas e
culturais do Sul marginalizadas pela razão dominante do Norte global
(Santos 1998, 2006).
Embora por caminhos diferentes, e porventura um mais conciliatório
(Chakrabarty), creio que os dois epistemólogos coincidem na proposta de
uma teoria crítica (mais do que cosmopolita) que não desconsidere os
saberes locais (Chakrabarty talvez falasse em «saberes subalternos»), incluindo
outras racionalidades para dar conta da «diversidade epistemológica do
mundo» (Santos 2006, 16).
Não me parecem diferentes as razões daqueles que procuram valorizar
a pluralidade das literaturas e as diferentes expressões literárias do mundo,
solapando a dimensão estritamente nacionalizante do estudo da literatura e
a preocupação com a dimensão «universal» dos escritores, qualificativo que
não sugere, apenas, um «modo de ler», mas uma substância, com o filtro a
ser, sempre, as figuras das «grandes literaturas». O sentido de esvaziamento
do conceito de universal de todas as certezas, aliado à desestabilização
de posições fixas como as de determinados lugares de determinadas
obras, revela uma visão mais ampla dos modos de ler. E tal perspectiva,
para além de implicar uma perspectiva comparatística, articula-se com a
noção de literatura-mundo, categoria que pode ser entendida como série
de expressão de um conjunto de obras que ignoram fronteiras e limites de
ordem geográfica, genérica e temporal (Damrosch 2009, 496).
Não se pense, porém, que pelo facto de tudo poder interessar à
literatura-mundo não exista um filtro: o espaço das «literaturas centrais»
continua a ditar o ponto de partida da perspectiva (isto é, continua a ser
o diálogo com as «grandes figuras» a iluminar as «figuras menores»), pois o
que conta é o «eco» internacional de uma obra. Afinal, a literatura-mundo
varia com o que se leu.
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2.
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PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES HISTÓRICAS DAS LITERATURAS EM PORTUGUÊS
La traducción dentro de una lengua no es, en este
sentido, esencialmente distinta a la traducción
entre dos lenguas.
Octavio PAZ
As considerações acima apresentadas vêm a propósito da mudança de
paradigma na análise crítica das relações culturais, com reflexos no estudo
da literatura dos países de língua portuguesa e particularmente das literaturas
em português3. Trata-se, a meu ver, de uma mudança decorrente de um
processo de representação dicotómica: por um lado, o reconhecimento
da importância das histórias locais, de territórios da margem, para a
compreensão de histórias supranacionais, portanto, o reconhecimento de
que aquelas «histórias minoritárias» são parte de uma história global –sendo,
no caso, as suas expressões literárias importantes para a conformação da
série mundial. Por outro, apesar de ser ainda com «os olhos do império»,
esse reconhecimento vem-se fazendo com base em teorias (literárias e
culturais) que não imaginavam aqueles corpora parte integrante de uma
formulação, cuja monolitismo epistemológico vai sendo desconstruído pela
intersecção daquelas experiências e vivências nas representações modernas.
Esse processo tem sido, como diria Homi Bhabha, uma reflexão além da
teoria (Bhabha 1998).
Através de aproximações e «rupturas afectivas» que foram
desestabilizando o provincialismo que (ainda) subjaz a muitas perspectivas,
a crítica, através de uma perspectiva holística aplicável ao mundo literário
de língua portuguesa –a que alguns preferem chamar «mundo lusófono»–,
foi indagando as posições fixas como as de obras tradicionalmente
«canónicas» e rearticulando-as com os «ecos universais» de obras que estão
muitas vezes na periferia do cânone, contribuindo para iluminá-lo pois
essas expressões literárias em português acabam por ser, afinal, tangentes
e paralelas, expressão metafórica utilizada por Maria Aparecida Santilli para
3. Não é especiosa esta distinção (do tipo «literaturas dos países africanos de língua
portuguesa» e «literaturas africanas em português»), pois há um corpus de produção literária
que não se actualiza em português, como em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe e na
Guiné-Bissau em que existem escritores que escrevem em crioulo. Em Angola e em Moçambique também se registam experiências de escrita em línguas africanas, embora não
sistematicamente.
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referir a simultaneidade do sentido de autonomia e os pontos de encontro
das literaturas em português4:
Paralelas aí serão as linhas que, estando à mesma distância de outras,
nunca com estas se encontram mas também as que evoluem ou se desenvolvem na mesma direção, a par de outras, ou em igual proporcionalidade. Há, ainda, as tangentes, as que contatam com outras ou com uma
superfície em determinado ponto. Nas tangentes cabe ainda a acepção de
parentesco artístico, advinda de tanger como produzir som, fazer música
(Santilli 2003, 9-10).
Assim, embora eu não esvazie, como sugere Octavio Paz, a ideia
de «literaturas nacionais», julgo ser produtivo captar a transnacionalidade
dos estilos e a dinâmica das interlocuções entre esses sistemas, nas suas
«conjunções e disjunções»5, tensões e distensões. Por isso pareceu-me
própria, no âmbito da busca da dimensão capilar dos fenómenos, a noção
de «zonas de contacto» com a qual venho trabalhando neste campo, noção
conceptualizada por Mary Louise Pratt em Os Olhos do Império: Relatos de
Viagem e Transculturação (1992):
«Zonas de contacto»: espaço de encontros coloniais, no qual as pessoas
geográfica e historicamente separadas entram em contacto umas com as
outras e estabelecem relações contínuas, geralmente associadas a circunstâncias de coerção, desigualdade radical e obstinada (Pratt 1999, 31).
Assim definido, este instrumento conceptual de eficácia interpretativa em
estudos sobre encontros culturais, a que prefiro chamar fluxos e conexões
entre as literaturas em português, funcionou para mim como um upgrade
de um outro instrumento que outrora designara como «sistema de vasos
comunicantes» (Mata 1992)6, na medida em que ele funciona como categoria
4. Já em 1995 Carlos Reis chamara a atenção para a existência, na comunidade académica portuguesa (e, acrescento eu, brasileira) de «uma mal disfarçada resistência contra
o reconhecimento do significado próprio das chamadas Literaturas Africanas de Expressão
Portuguesa; fruto, em parte, de reminiscências ideológicas de raiz colonialista, essa resistência funda-se também na leitura de tais literaturas à luz do cânone literário português e europeu, leitura que, desse ponto de vista, é naturalmente desqualificadora» (1995, 77). Creio,
porém, que esta não é uma atitude do passado: ela continua, por vezes nem tão disfarçada
assim, a condicionar as perspectivas das literaturas em português, embora seja evidente o
grande avanço no reconhecimento das literaturas africanas, mormente dado o papel das
editoras –essa poderosa instância de legitimação literária– nesse processo.
5. Título de um livro de Octavio PAZ (1979).
6. Questão que sempre me interessou discutir, falo de forma mais sistemática dela em
dois ensaios (MATA 1997 e 2001).
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relacional que permite dar conta da «descontinuidade e multiplicidade de
variáveis determinantes da história da construção do sentido imperial» (Pratt
1999, 28). É por isso que o considero um utensílio interpretativo que pode
ser produtivo na análise das relações entre as actividades culturais dos
intelectuais do espaço imperial português (a metrópole e suas colónias),
no processo da resistência com vista à reinvenção da diferença, que gerou
uma intensa cumplicidade com reflexos nas relações pós-coloniais.
É a esta categoria, que limita o padrão totalizante da crítica da
ideologia (Pratt 1999, 30), que eu recorro para interpretar a construção
de um certo imaginário histórico mas de pulsão político-ideológica no
espaço transnacional de língua portuguesa, que a literatura regista nas suas
contínuas interlocuções internas e com outras séries sociais.
Partindo da ideia de «estilos translinguísticos» (Otávio Paz 1980)7, é
interessante pesquisar um dos lugares mais produtivos dessa cumplicidade
entre os espaços que se exprimem em português: a literatura, ontem (tempo
colonial, em que a produção africana era marcada pela estética anticolonial e
a portuguesa pela estética neo-realista, que aliava a resistência antifascista
à transformação do social) e hoje, época em que se fala, categoricamente,
em «literaturas nacionais», mesmo que, como no caso das literaturas
africanas, elas tenham começado por funcionar como «lugar de conflitos
e ambiguidades» gerados pela «ambivalências da História» (Couto 2009,
186-187).
É portanto ideia consensual, senão unânime, que é uma mais-valia
para a série literária do mundo estudar as literaturas em português de
forma dialogante com outras séries de outras geografias culturais,
rastreando a interlocução que as de África vêm estabelecendo com suas
congéneres europeia e (sul-)americana desde a segunda metade do século
XX, comparando trânsitos e afinidades, descobrindo convergências e
divergências, pois, ensina-nos Otavio Paz, «tradução e criação são operações
gêmeas», podendo-se entender aqui «tradução» como inteligibilidade
universal face à diversidade das línguas culturais. Diz o Nobel mexicano
em Traducción: Literatura y Literalidad que
La traducción dentro de una lengua no es, en este sentido, esencialmente distinta a la traducción entre dos lenguas, y la historia de todos
7. Octavio Paz refere-se à «literatura do Ocidente», sobre a qual afirma que «nenhuma
tendência nem nenhum estilo têm sido nacionais, nem sequer o chamado «nacionalismo artístico». Todos os estilos foram trans-linguísticos». Ainda assim julgo que se pode aplicar este
pressuposto às literaturas em português, sobretudo no período do Estado Novo (1933-1974)
no que diz respeito às literaturas portuguesa e africanas (Octavio PAZ 1980, 16-17).
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los pueblos repite la experiencia infantil: incluso la tribu más aislada tiene
que enfrentarse, en un momento o en otro, al lenguaje de un pueblo
extraño […] Cada texto es único y, simultáneamente, es la traducción de
otro texto (Paz 1980, 8-9).
Com efeito, num mundo inexoravelmente em conexão, principalmente
em países cuja história mais recente tem determinado a sua produção
cultural, a perspectiva do estudo da literatura deverá ter em conta não
apenas a dinâmica da história dos países de língua portuguesa, num nível
transnacional, mas também uma perspectiva multidisciplinar no ensino das
culturas e, particularmente, das literaturas em português. Considerando-se
essa capilaridade dialogal, pode-se reverter a dimensão insular que marcou
de forma «nacionalística» o estudo dessas literaturas.
É que diferentemente do que é reiterado, a proximidade entre essas
literaturas não se limita à «irmandade linguística» –por isso a designei em
outro lugar «Irmandades atlânticas pelo viés literário» (Mata 2012). Com efeito,
razões que não meramente as linguísticas fizeram (e têm feito) dialogar
as literaturas em português. Essa interlocução, essa dinâmica dialógica
entre espaços, paisagens, personagens e vivências mergulha as suas raízes
nos «tempos difíceis» do colonial-fascismo em que a palavra literária era
subsidiária da acção contestatária, na metrópole (contra o fascismo) e nas
colónias (contra o colonialismo). Já então essas literaturas formavam um
sistema de «vasos comunicantes» que tiveram em projectos editoriais a
corporização dos desígnios de uma voz colectiva e solidária contra o mesmo
poder opressor e de uma aspiração comum: são exemplos as colecções
neo-realistas de Coimbra «Novo Cancioneiro» e «Cancioneiro Geral» ou as
Colecções Bailundo (de Nova Lisboa, hoje Huambo), e Imbondeiro, de Sá
da Bandeira (hoje Lubango), colecções em que metropolitanos pontuavam,
como autores e promotores de escritores naturais de África (alguns com
uma escrita claramente anticolonialista, como é o caso de Luandino Vieira8
de que as Edições Imbondeiro publicaram «Duas histórias de pequenoburgueses», em 1961) e que publicaram tanto autores de literatura colonial
(como Reis Ventura) quanto de literatura africana (como Henrique
Abranches), tanto naturais de Angola, como Inácio Rebelo de Andrade,
quanto de outras colónias como Teobaldo Virgínio (Cabo Verde) e Orlando
Mendes (Moçambique). Por outro lado, há evidências de um longínquo
trânsito de ideias estéticas entre claridosos (cabo-verdianos) e presencistas
8. Não sendo natural de Angola (nasceu na Lagoa do Furadouro, Portugal), José
Mateus Vieira da Graça sempre se assumiu como angolano tendo optado pelo gentílico
«luandino» para homenagear a cidade que o viu crescer: José Luandino Vieira.
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(portugueses), que talvez não caibam no âmbito desta reflexão, valendo no
entanto a pena lembrar outros diálogos por vezes em jeito de paródia –como
em As Quibíricas, ou melhor, As Quybyrycas: Poema Éthyco em Outava que
corre sendo de Luís Vaaz de Camões em Suspeitíssima Atribuiçon, de Frey
Ioannes Garabatus, aliás, João Pedro Grabato Dias9, poema em onze cantos
que intenta reescrever a epopeia da história da expansão portuguesa pela
desmistificação da figura de Dom Sebastião e da derrota de Alcácer-Quibir
equiparando-a, metonimicamente, à história colonial, de Portugal. No
contexto em que foi publicada, em plena guerra colonial (ou de libertação,
consoante o local do discurso), esta é uma obra muito importante porque
«enuncia uma proposição de realidade ao relatar as formas de racionalidade
presentes na estrutura política, cultural e econômica de Portugal, do século
XVI, que se tornaram implausíveis por seu caráter colonial, escravista e
racialmente excludente» (Ferreira 2011, 91): com efeito, corria «o ano da
Graça de 1972», ano do quarto centenário de Os Lusíadas, celebrado em
rescaldo da Operação Nó Górdio (1970), ano em que aconteceu o massacre
de Wiriamu, consequência, pode pensar-se, do «nervosismo» das forças
coloniais num cenário de guerra em que a FRELIMO se vinha impondo, não
obstante os desaires do cerco que lhe movia Kaúlza de Arriaga10. Mas outros
diálogos intertextuais, mais celebrativos, eram actualizados como aqueles
entre africanos e os autores da escrita do Nordeste (Jorge Amado, Lins do
Rego, Graciliano Ramos, Ribeiro Couto) e modernistas (Manuel Bandeira,
porventura o escritor brasileiro mais glosado, mas ainda Carlos Drummond
de Andrade): comprovam-no não apenas os paratextos (dedicatórias e
epígrafes) de textos literários angolanos e cabo-verdianos, mas ainda as
paráfrases e os ecos das produções brasileiras em textos africanos –como
se pode ver no poema que se segue, entre inúmeros exemplos que
poderiam ser retirados das literaturas angolana e cabo-verdiana (claridosa
sobretudo):
PALAVRA PROFUNDAMENTE11
Há uma palavra que Manuel Bandeira descobriu
um dia na Poesia
e que poeta algum poderá mais empregar
9. Heterónimo (ou apenas pseudónimo?) de António Quadros, também Mutimati Barnabé João, autor de Eu, o Povo: Poemas da Revolução (1975).
10. FRELIMO-Frente de Libertação de Moçambique, movimento que empreendeu uma
luta armada contra o poder colonial (de 1964 a 1974).
11. Publicada na revista Claridade (1958) e incluído em Jorge BARBOSA (2002).
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porque ele só ficou sabendo
o seu sentido exacto
e o simples segredo da sua expressão.
Palavra que não é Pasárgada
não é Primeva
não é nenhuma das suas
desconcertantes fantasias de evasão lírica.
Palavra profundamente
[…]
Enquanto isto
Manuel Bandeira vai passando
por nós no tempo
na sua alegria melancólica
na sua alegria de coração apertado
vai passando
na sua Poesia
profundamente.
No âmbito dessa fenomenologia dialógica actualizada em interlocução
explícita, «influências» e ecos, não se pode esquecer a persistente e reiterada
aproximação de escritores como Luandino Vieira e Mia Couto a Guimarães
Rosa –vinculação que importaria também desvelar12.
Porém, porventura o mais colectivizante projecto talvez tenha sido
aquele realizado entre intelectuais da metrópole e das colónias através
da Casa dos Estudantes do Império (CEI): Mensagem-Boletim da Casa dos
Estudantes do Império, primeiro apenas boletim, transformou-se depois em
revista publicada em Lisboa entre 1948 e 1964, espaço-tempo em que a
literatura, enquanto construção discursiva intelectual, era assumidamente
veículo de contestação. A razão imediata dessa «instrumentalização» do
literário tem a ver com a natureza do regime, o colonialismo fascista13, que
vigorou em Portugal de 1933 a 1974 e que marcou o curso da história tanto
dos países africanos (o timing e a natureza do processo das independências
políticas) quanto de Portugal (as razões imediatas do 25 de Abril de 1974
12. Cf. Inocência MATA 2010.
13. Utilizo esta expressão embora sabendo da discussão quanto à designação do
regime que vigorou em Portugal de 28 de Maio de 1926 a 25 de Abril de 1974, período conhecido grosso modo como Estado Novo (na verdade, de 1933 a 1974).
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e as suas consequências sociais), também na convergência de acções de
resistência. Uma dessas acções firma-se no facto de que (quase) todas as
antologias publicadas pela CEI, consideradas fundacionais dos sistemas
literários africanos, terem sido organizadas, introduzidas, prefaciadas
ou editadas por um português: Alfredo Margarido14. Por outro lado, a
primeira publicação do primeiro negritudinista de língua portuguesa,
Francisco José Tenreiro, foi publicada na colecção Novo Cancioneiro, de
Coimbra15: refiro-me à Ilha de Nome Santo (1942), livro que, sendo um
marco da modernidade literária são-tomense, marca também a presença
do movimento da Négritude no mundo da língua portuguesa, antes
ainda da publicação daquela que é considerada a publicação seminal do
movimento que nasceu em Paris com Cahier d’un Retour au Pays Natal,
de Aimé Césaire (1939): com efeito, a Anthologie de la Nouvelle Poésie
Nègre et Malgache, de Leopold Senhor, com o prefácio «Orphée Noir», de
Jean Paul Sarte (considerado por sua vez um dos textos fundacionais do
movimento), só seria publicada em 194816!
3.
PARA ALÉM DAS «RUÍNAS» DO PASSADO: O BACKLASH DO «IMAGINÁRIO
COLONIAL»
O lugar político das práticas de memória é
ainda nacional e não pós-nacional ou global.
Andreas HUYSSEN
Com as independências políticas das colónias portuguesas e a retracção
territorial de Portugal a que se seguiu o processo de agenciamento identitário
da nação portuguesa, a dinâmica da história conduziu à elaboração de uma
14. Das seis antologias, quatro têm a mão de Alfredo Margarido, uma de Carlos
Eduardo (Poetas Angolanos, 1959) e uma de autoria colectiva (anónima), que apareceu
como separata da Mensagem: Poesia em Moçambique (1951). As antologias de autoria ou com
prefácio de Alfredo Margarido são: Poetas de Moçambique (1960) e Poetas de Moçambique
(1962), Poetas Angolanos (1962) e Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963).
15. Esta não é, porém, uma questão consensual. Com efeito, datam da segunda década do século XX os poemas negritudinistas de Marcelo da Veiga, também são-tomense.
No entanto, esses poemas só seriam publicados em 1963 na antologia Poetas de S. Tomé e
Príncipe, organizada por Alfredo Margarido e publicada pela CEI.
16. Sobre o assunto, é imprescindível consultar os trabalhos de Pires LARANJEIRA
(1995 e 2000).
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«outra língua» que emergiu desse processo de reinvenção e metamorfose do
(mesmo) sistema linguístico português para traduzir nações diferentes através
de diferentes articulações estético-ideológicas. Tornara-se necessário, nos
espaços outrora colonizados mas também na antiga metrópole, actualizar
o jogo das representações culturais –não já no âmbito de uma retórica
anticolonialista (da literatura nacionalista africana) ou, na contramão, do
discurso da missão colonizadora e da representação de uma África que era
necessário «civilizar» (da literatura colonial portuguesa).
Hoje, com espaços e paisagens diferentes, prismas ideológicos por
vezes «formatados» para pesquisar representações nacionais no tempo e
no espaço, as temáticas e técnicas vão transitando e se interseccionando,
independentemente do olhar crítico sobre as relações coloniais e póscoloniais: leia-se, a título de exemplo, O Senhor das Ilhas (1994), de Maria
Isabel Barreno, romance inaugural desse novo olhar sobre esse lugar de
simultânea distância e localização matricial da identidade cultural portuguesa
que é a África (Cabo Verde, no caso); leia-se, ainda, Oríon (2003), de Mário
Cláudio, em que história de Portugal e de São Tomé e Príncipe se cruzam
na formação identitária das duas comunidades; leia-se também A Gloriosa
Família: o Tempo dos Flamengos (1997), de Pepetela, em que a história
da ocupação holandesa de Angola (após a perda da independência do
reino de Portugal em 1580) é contada através dos olhos de um escravo
kimbundu, propriedade do holandês Baltazar Van Dum, segundo um
prisma diferente do de António de Oliveira Cadornega em História Geral
das Guerras Angolanas (1680); leiam-se ainda os romances Nação Crioula:
a Correspondência Secreta de Fradique Mendes (1997) em que Fradique
Mendes, partindo de Portugal, cruza o Atlântico ligando Angola ao Brasil,
ou vice-versa) ou O Ano em que Zumbi Tomou o Rio (2002), em que um
antigo guerrilheiro angolano reconstitui o seu maquis numa favela carioca,
ambos de José Eduardo Agualusa. Muitos trabalhos têm demonstrando esse
interseccionamento como, entre outros, o de Lola Geraldes Xavier na sua
tese de doutoramento sobre «O discurso da ironia em literaturas de língua
portuguesa», em que estuda as manifestações de ironia na obra de Lobo
Antunes, Pepetela e Mia Couto.
Não se pense, no entanto, que este é um momento de pacificador
olhar sobre a História: os títulos que adiante referirei são algumas das obras
emblemáticas da contemporaneidade que dizem desse doloroso processo
rememorativo, que pontua, como disse em outro lugar, «a viragem que aponta
para uma reinicialização relacional com a África, já no dealbar do século
XXI» (Mata 2011, 134). Lembra a propósito Márcio Seligmann-Silva que
A memória tem a ver com o presente, embora sempre seja vista como
coisa do passado. Ela é uma construção do presente, está sempre voltada
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para questões atuais […] O teatro da memória é eminentemente político
(Seligmann-Silva 2008, 5).
Com efeito, a literatura portuguesa de motivação africana acompanha,
neste âmbito, disponibilidades psico-ideológicas que as notícias dos jornais
vão transmitindo: as tensões continuam, embora a predisposição para
arrumar as ruínas da História se venha impondo sobre a emoção (Susan
Sontag dissera, em Diante da Dor dos Outros, que não há substituto para a
experiência –mas para isso, a emoção tem de ser traduzida em acção: no
caso a escrita?).
E essa tradução em escrita começou a revelar-se na última década do
século XX, passada a fase de emudecimento decorrente da impossibilidade
de transmitir «experiência comunicável» logo após o desmoronamento do
império, no momento em que se está a superar a «bulimia comemorativa»
(Nora 2010), assente num frenesim nostálgico colectivo decorrente de um
processo amnésico do passado –que Benjamin consideraria índice misterioso
do passado que o impele à redenção (Benjamin 1987). Porque «o trauma
tem a ver com os limites da linguagem e da representação» (SeligmannSilva 2008, 6), o distanciamento temporal (à altura cerca de três dezenas
de anos, numa era de intensa vertigem temporal dinamizada pelos meios
de comunicação e de novos paradigmas de pensamento) proporcionou
a recuperação da «faculdade de intercambiar experiências» (Benjamin
1987, 198). Nesse ressurgimento a presença de África (que sempre fora
uma constante na literatura portuguesa desde os primórdios da ocupação
e do colonialismo) tem com uma feição diferente, parecendo ter outras
derivações, outras dimensões e outra feição na refiguração identitária,
em escrita actualizada num jogo em que vão ecoando harmonias e
desarmonias coloniais (Mata 2011, 131). Com efeito, a literatura portuguesa
tem conhecido obras que questionam a incompletude identitária que o
deslocamento pós-colonial originou, num misto de regresso nostálgico
e sentido de perda traumática –e romances como Lourenço Marques
(2003), de Francisco José Viegas; Niassa (2007), de Francisco Camacho; O
Tempo dos Amores Perfeitos (2006), O Último Ano em Luanda (2008), de
Tiago Rebelo; Os Retornados: um Amor Nunca se Esquece (2008), de Júlio
Magalhães; Caderno de Memórias Coloniais (2009), de Isabela Figueiredo,
ou O Retorno (2012), de Dulce Maria Cardoso ilustram essa tendência
narrativa de catarse colectiva, familiar ou somente individual, verbalizando
os traumas causados pela ruptura tanto ideológica quanto política em que
consistiu a «perda» das colónias. Creio que essa escrita corrobora a ideia de
que sobretudo «no rastro da descolonização e de novos movimentos sociais
em sua busca de histórias alternativas e revisionistas […] o lugar político
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das práticas de memória é ainda nacional e não pós-nacional ou global»
(Huyssen 2000, 10).
Por outro lado, como «os discursos da memória articulam questões
de poder e de política» (Seligmann-Silva 2008, 6), romances como Boa
Tarde às Coisas Aqui em Baixo (2003), de Lobo Antunes, Oríon (2003),
de Mário Cláudio, Equador (2003), de Miguel Sousa Tavares, O Outro Pé
da Sereia (2006), de Mia Couto, Lenin Oil (2006), de Pedro Rosa Mendes,
Olhos de Caçador (2007), de António Brito, O Olho de Hertzog (2010), de
João Paulo Borges Coelho, A Sul. O Sombreiro (2011), de Pepetela são
alguns porventura dos mais conhecidos títulos entre os inúmeros que ligam,
de forma inexorável, os destinos de ex-colonizadores e ex-colonizados.
Destinos com História de um passado recente em pano de fundo17.
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17.
Cf. MATA (2011).
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