Comércio, Consumo
&
Governança Urbana
Desafios do Empreendedorismo Comercial Imigrante:
o caso de Lisboa
Marina Carreiras1; Pedro Guimarães2
..Introdução
Inerente ao carácter privado que caracteriza o sector comercial está a sua
significativa capacidade de transformação, provocando alterações nas paisagens
comerciais urbanas (Guimarães, 2019). De forma crescente, ao longo das últimas
décadas, o aumento dos fluxos económicos e de pessoas tem influenciado o
tecido comercial existente, em especial em contexto urbano. Por um lado, tem
permitido que diversas empresas de grande dimensão internacionalizem as suas
marcas, homogeneizando uma parte significativa da estrutura comercial das
cidades ocidentais. Por outro lado, a escala da micro e pequena empresa permite
que imigrantes com motivações económicas abram o seu próprio negócio. No
presente artigo pretendemos analisar esta última situação focando os desafios
associados a este processo, privilegiando-se a visão dos imigrantes. Ademais, a
presença e visibilidade dos pequenos negócios de imigrantes permite reflectir
sobre: i) os efeitos socioespaciais destes estabelecimentos, sendo que os
contributos a nível local poderão ser acompanhados de tensões, em especial num
contexto de profunda transformação dos centros históricos; ii) o pouco destaque
dado a estes grupos nas estratégias públicas de atração de imigrantes empreendedores.
A cidade de Lisboa é o caso de estudo desta investigação. Ao longo dos últimos
anos verificou-se um aumento do número de residentes de nacionalidade
estrangeira, uma crescente diversidade desta população e maior número de
estabelecimentos pertença de imigrantes. A procura preferencial por uma
localização no centro tradicional da cidade coexiste com uma dispersão geográfica de negócios que incidem noutros tipos de atividades e na captação de
outros públicos. Se o consumo é um elemento chave para a competitividade das
cidades, para a organização da vida quotidiana e para a criação de estilos de vida
e de identidades, também a diversidade étnica e cultural surge enquanto maisvalia na imagem das cidades. Assim, o comércio e os serviços étnicos apreCentro de Estudos Geográficos, Rua Branca Edmée Marques, 1600-276 Lisboa,
[email protected].
2 Centro de Estudos Geográficos, Rua Branca Edmée Marques, 1600-276 Lisboa,
[email protected].
1
155
sentam-se enquanto um nicho potencialmente inovador e atractivo para públicos
específicos, reveladores de um território culturalmente diverso e inclusivo.
A interculturalidade é valorizada na agenda política local e apresentada enquanto
indicador de uma cidade integradora. Adicionalmente, a inserção dos imigrantes
no mercado de trabalho surge como uma questão central no âmbito da integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Não obstante, o reconhecimento de contributos dos imigrantes na atividade empresarial, nomeadamente
na economia, na criação de emprego, na dinamização urbana e promoção de
interculturalidade, no fornecimento de novos produtos e serviços e na implementação de novas estratégias comerciais, os imigrantes continuam a ter dificuldades específicas na abertura e manutenção do seu negócio. O apoio e valorização da actividade do imigrante empreendedor, pouco qualificado ou semiqualificado, que muitas vezes cria um posto de trabalho para si, para a sua família
e/ou para outros conterrâneos tendo em vista a inserção no mercado de trabalho
(Oliveira, 2016), remete para um amplo conjunto de desafios que não se esgota
no apoio à criação do negócio. Note-se que o aparecimento de novos negócios
detidos por imigrantes é por vezes acompanhado de reacções negativas, sobretudo porque temporalmente ocorrem em simultâneo com o declínio de parte do
comércio dito tradicional e com profundas transformações urbanas. Por outro
lado, as políticas de imigração e de atração de estrangeiros em Portugal quando
visam atrair imigrantes empreendedores valorizam elevados níveis de qualificação e avultados valores de investimento , ou seja, não contemplam a população imigrante aqui referenciada.
O empreendedorismo imigrante é entendido no âmbito deste estudo de forma
generalista remetendo para a população imigrante que implementou e
desenvolve um ou vários negócios na sociedade de acolhimento, visão comum no
âmbito de estudos que incidem sobre imigrantes empreendedores (Kerr & Kerr,
2016; Kloosterman & Rath, 2003) e que não pressupõe uma estratégia
caracterizada pela inovação e risco, ainda que possa incluir estas vertentes. Neste
estudo focam-se imigrantes, proprietários de um ou mais estabelecimentos
independentes de comércio de rua localizados na cidade de Lisboa, que
encontraram no empreendedorismo uma estratégia de inserção na economia
portuguesa. Este tipo de empreendedorismo permite ao imigrante contornar
dificuldades relacionadas com competências linguísticas, reconhecimento de
qualificações, legalidade do estatuto de imigrante, discriminação, desconhecimento e/ou escassez de ofertas de emprego (Irastorza, 2010), sendo particularmente relevante em momentos de retracção económica (Malheiros, 2010;
Esteves et al., 2017).
A compreensão das dinâmicas associadas ao empreendedorismo imigrante é
concretizada através de um abordagem exploratória, na qual se debatem as
estratégias dos imigrantes e os principais constrangimentos que os afectam
156
aquando do processo de abertura e manutenção de uma atividade comercial de
os
pequena ou micro escala. São questões centrais da investigação:
e
is os desafios e
principais desafios dos imigrantes
vantagens associados ao comércio imigrante na cidade de
Na secção seguinte iremos considerar a presença imigrante na cidade e nas
atividades comerciais, debater o interesse e apetência de alguns grupos
imigrantes por este sector e a atratividade dos territórios multiculturais e com
estratégias de competitividade entre cidades. A terceira secção é dedicada à
explanação da metodologia que suportou o caso de estudo, apresentado com
maior detalhe na secção quatro. Por fim, iremos discutir os resultados e delinear
algumas notas conclusivas.
1. Empreendedorismo comercial imigrante: estratégias, potencialidades e
dinâmicas no espaço urbano
As questões de investigação apresentadas no presente artigo são enquadradas
pela relação entre cidade, imigração e comércio. Os processos de urbanização e
de imigração estão intrinsecamente interligados. Os territórios são cada vez mais
diversos no que diz respeito às características das suas populações e utilizadores.
Os novos padrões de mobilidade e de movimentos migratórios (King, 2010;
Sheller & Urry, 2006) originam uma progressiva diversidade étnico-cultural nas
cidades, que poderá ser mais ou menos valorizada a nível das estruturas políticoadministrativas (Loukaitou-Sideris, 2012; Hall, 2015). A mistura cultural e o
carácter cosmopolita dos territórios que captam e reúnem grupos populacionais
de diversas origens geográficas e culturas são destacados enquanto aspetos
positivos, pelo potencial de transformação do espaço urbano, de promoção da
diversidade e de competitividade das cidades e pela mitigação da discriminação.
No entanto, simultaneamente, a coexistência multiétnica remete para desafios,
nomeadamente no que diz respeito à coesão social e interacção interétnica
(Amin, 2002; Fonseca, McGarrigle, & Esteves, 2013; Mendes, 2012).
Os movimentos migratórios muito expressivos a nível mundial (OECD, 2017)
inserem-se e participam num sistema globalizado, urbanizado e enquadrado pela
interdependência entre mobilidades de pessoas, informações e objetos. O
número de migrantes em todo o mundo tem um valor significativo e tendência
para aumentar. Neste processo, os imigrantes têm um papel transformador,
assinalável na economia, demografia, diversidade cultural, dinâmicas culturais,
para além das repercussões nas dinâmicas urbanas. Para além disso, os
imigrantes contribuem para o crescimento e diversificação étnica, principalmente
das cidades e grandes metrópoles.
A dimensão económica é porventura a mais referenciada quando se abordam os
impactos das migrações, não obstante a pertinência de uma compreensão
integrada dos impactos. Note-se que as razões para o movimento migratório são
157
genericamente associadas a melhores condições socioeconómicas e que o
controlo e categorização legal e administrativa dos imigrantes prosseguida pelos
Estados-nação é essencialmente suportada pela relação do imigrante ao
mercado laboral e duração da estadia (Carreiras, 2017). Assim, as consequências
sociais de uma leitura das migrações mediante uma perspetiva económica
poderão levar à recusa e repulsa dos imigrantes, em especial quando se entende
a presença imigrante enquanto encargo para a sociedade de acolhimento. Nesse
sentido, o estudo do empreendedorismo imigrante acrescenta uma visão mais
autónoma da inserção laboral do cidadão estrangeiro. O empreendedor
imigrante ao ser responsável pelo seu negócio ainda poderá enriquecer sectores
da economia menos explorados e fomentar a criação de novos empregos.
Em vários estudos que se centram nos contributos dos imigrantes na economia
(OECD, 2014; Peixoto & Iorio, 2011) tem sido salientada a percentagem de
população ativa entre os estrangeiros e o predomínio do trabalho como meio de
vida entre estes cidadãos. Também são enunciadas as dificuldades de inserção
destes no mercado laboral, cujos constrangimentos são exponenciados pelas
situações de discriminação, barreiras linguísticas, problemas relacionados com as
equivalências de qualificações e pela crise económica (Valadas, Góis, & Marques,
2014; Esteves et al., 2017). O somatório de desvantagens que os imigrantes
tendem a apresentar, parece ser argumento para um maior prejuízo destes nos
períodos de desaceleração económica e perante o aumento das taxas de
desemprego (Cabral & Duarte, 2011; Malheiros, Esteves, Rodrigues, Estêvão, &
Mapril, 2013).
Em Portugal, o recurso ao emprego próprio por parte dos imigrantes foi
assumido como estratégia de atuação face ao desemprego e à crise económica e
tem aumentado, verificando-se, nas duas últimas décadas, uma taxa de variação
do número de empregadores estrangeiros superior à taxa de crescimento de
empregadores portugueses (Oliveira, 2014). Ainda que um conjunto de circunstâncias (dificuldades de acesso a emprego, crise económica, etc.) tornem mais
apetecível ou mesmo necessário a abertura de um negócio próprio, são vários os
fatores que potenciam e permitem o surgimento do empreendedorismo imigrante. Relativamente a estas questões, Oliveira (2016) identifica e demonstra a
interferência de vários determinantes no desenvolvimento de estratégias empresariais de imigrantes, dando especial destaque a três dimensões explicativas:
1- Características e recursos pessoais dos imigrantes: alguns indivíduos revelam
especial interesse e competências facilitadoras para a abertura de negócios,
sendo também necessário ter a capacidade para reunir e gerir recursos humanos,
financeiros e materiais. Em muitos casos a atividade do negócio é-lhes familiar,
diminuindo assim o risco do investimento.
2- Características e recursos do grupo de pertença dos imigrantes: algumas
comunidades demonstram uma forte apetência pelo negócio próprio, sobretudo
158
no sector do comércio e serviços, e redes de apoio tanto à escala local como
supra nacional, i.e., face a dificuldades encontradas no país de acolhimento, quer
ao nível dos constrangimentos, de comunicação, entre outros, quer ao nível do
conhecimento das redes de distribuição, algumas comunidades imigrantes
criaram redes de diferentes graus de informalidade que permitem suprir estas
dificuldades.
3- Estrutura de oportunidades: especificidades do contexto de receção que
incluem apoios e permissão à atividade imigrante empreendedora a nível
económico, legal e institucional. Para além da disponibilidade de oportunidades
será relevante a transparência da informação e dos apoios.
Tendencialmente, como Oliveira (2016) expõe, existe maior destaque dos recursos
pessoais e da comunidade e menos da estrutura de oportunidades, situação
decorrente do reduzido número de apoios institucionais ao empreendedorismo
imigrante. Independentemente do protagonismo de um tipo de recursos, esta
sistematização de dimensões chave no fomento do empreendedorismo favorece
uma leitura holística do empreendedorismo imigrante que contempla o dinamismo dos vários processos e interligações entre estes.
A participação direta dos imigrantes nas atividades comerciais introduz transformações e inovações nomeadamente no aumento de flexibilidade do mercado
laboral, e no desenvolvimento de nichos na economia, seja através do fornecimento de novos produtos e serviços (e.g. restauração, lazer, música, sector da
beleza) como através da inovação nas estratégias e formatos comerciais (e.g.
alargamento dos horários do pequeno comércio). Existe ainda um efeito
catalisador da iniciativa comercial imigrante pela criação de emprego, pela
introdução de diversidade cultural e novas dinâmicas urbanas, questão que será
debatida de seguida.
O investimento imigrante no sector comercial é elemento de revitalização e
animação de áreas urbanas (Gésero, 2014; Shaw & Bagwell, 2012; Simon, 2010).
Os estabelecimentos comerciais compõem, transformam e caracterizam a
paisagem urbana e remetem para a integração dos imigrantes na sociedade de
acolhimento, seja no mercado de trabalho como ao nível das sociabilidades (Hall,
2015). A presença de imigrantes num determinado território é frequentemente
acompanhada de espaços comerciais e de serviços que refletem a sua cultura
que podem aproximar os diversos
(gastronomia, música, produtos étnicos,
grupos que utilizam esse território. A diversidade étnica da atividade comercial,
de eventuais produtos e serviços exóticos disponibilizados pode despertar
estranhezas, mas irá igualmente despertar curiosidade, aproximar culturas,
facilitar a socialização e é testemunho recorrente de contextos de superdiversidade (Vertovec, 2007).
159
São vários os modelos e estratégias desenvolvidas pelos imigrantes, nomeadamente no tipo de negócio e no público-alvo do negócio. Nalguns casos o
imigrante procura como público-alvo os seus conterrâneos, noutros a população
autóctone ou ainda um misto dos dois. E ainda que bens e serviços étnicos
possam maioritariamente ser procurados por membros da própria comunidade, o
mais comum é estes serem atrativos a um público diverso que inclui residentes,
turistas e outros frequentadores da cidade. A diversidade étnica e cultural nos
centros urbanos é cada vez mais incontornável e uma temática exaltada. O
progressivo interesse pela interação e convivência entre diversas culturas é
utilizada como recurso na
acompanhado pela capitalização da
promoção turística e económica das cidades. Repare-se na inter-ligação entre
turismo, migração e lugar (Hall & Rath, 2007). A imagem e o produto étnico têm
uma forte componente de atratividade para o turista e para o utilizador da
cidade. Ao mesmo tempo, o aumento da oferta comercial de iniciativa imigrante
tem sido acompanhada por uma intensificação da procura de novas experiências
culturais e gastronómicas, seja por turistas, estudantes e trabalhadores
imigrantes de várias proveniências mas também pela população autóctone. Já
não são somente os bairros étnicos a revelarem-se enquanto locais de contacto
intercultural e símbolos de civismo e de turismo (Loukaitou-Sideris & Soureli,
2012). Os negócios das comunidades imigrantes, dispersos na cidade, são
evidenciados enquanto contributos para a sociedade onde se inserem pelos
poderes político-administrativos. Adicionalmente, a valorização da multiculturalidade favorece o investimento imigrante no sector comercial e uma
diversificação da abertura de negócios, pois sendo verificada a aceitação da
oferta de produtos e serviços exóticos, torna-se mais segura a replicação dessas
ações noutros territórios. Não obstante, a complexificação dos processos que no
presente moldam os centros de um grande número de cidades a nível global traz
novas leituras sobre a forma como os negócios das comunidades imigrantes se
integram e quais os contributos para o centro de comércio onde se localizam. A
replicação do modelo de negócio resulta em estabelecimentos muito semelhantes não apenas numa só cidade mas também entre cidades de diferentes
países, originando sistemas comerciais pouco distintivos (ver Warnaby, 2009).
Para além disso, face ao crescente peso do turismo urbano, a processos de
turistificação (Barata-Salgueiro, Mendes & Guimarães, 2017) e à evolução do
tecido comercial, parte dos estabelecimentos detidos por imigrantes são
percepcionados a nível local como parcialmente responsáveis pelo declínio do
comércio dito tradicional.
O empreendedorismo comercial imigrante, os determinantes para a abertura do
negócio, as características do empreendimento (tipo de atividade, escala, publico
alvo, localização, etc.) expressam modos de integração dessas comunidades nos
países de acolhimento assim como estratégias de apoio à iniciativa imigrante. Em
suma, permitem uma reflexão em torno da imigração através de uma abordagem
160
multidimensional que contempla a compreensão de aspetos estruturais
(dinâmicas migratórias e económicas e políticas urbanas), contextos locais
(estrutura espacial, programas e medidas de nível local, características da oferta
comercial) assim como as características dos indivíduos e comunidades em
análise (recursos pessoais e financeiros, competências, redes de contacto e de
apoio).
2. Metodologia
A análise empírica incidente sobre a cidade de Lisboa é suportada, em grande
medida, em dados de carácter quantitativo recolhidos no âmbito do projeto DELI
- Diversity in the Economy and Local Integration (Malheiros et al., 2016). A
caracterização da população imigrante em Lisboa foi realizada tendo como base
dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) e permite dar resposta a questões sobre as condições de
inserção económica e envolvimento no mercado de trabalho. Para este fim foi
ainda significativo o recurso ao diagnóstico da população imigrante na cidade de
Lisboa elaborado no âmbito do Plano Municipal para a Integração de Imigrantes
de Lisboa, 2015-2017 (Câmara Municipal de Lisboa, 2015). Nos casos em que se
recorreu a cartografia para representação dos respetivos dados, a mesma foi
elaborada em software específico de Sistemas de Informação Geográfica.
A recolha de dados primários no âmbito da temática do empreendedorismo
tornou-se essencial dado o défice de informação e dificuldades associadas ao
dinamismo do sector que remete para uma constante alteração das tipologias de
negócio, ramo de atividade e sua localização. A recolha de informação relativa ao
comércio imigrante em Lisboa, desafios e constrangimentos sentidos por
imigrantes empreendedores, foi realizada através da aplicação presencial de 62
inquéritos a imigrantes com pequenos negócios do sector comercial em
funcionamento na cidade. Trata-se de uma amostra por conveniência, sem valor
probabilístico, ou seja, sem garantia de representatividade do universo em
estudo, mas que permitiu capturar dados sobre os negócios de imigrantes com
maior visibilidade no espaço urbano. A recolha de informação foi realizada em
territórios onde a perceção de concentrações de comércio imigrante coincide
com a presença residencial de determinadas nacionalidades estrangeiras. Fatores
como a acessibilidade à clientela, nalguns casos de origem imigrante, a difusão
de informação e a geração de sistemas de apoio e entreajuda baseados na
etnicidade, justificam alguma coexistência entre os principais locais de residência
das comunidades estrangeiras e os espaços de concentração dos seus negócios,
sobretudo no caso de atividades de pequena dimensão do comércio e serviços.
Nos contactos para realização de inquéritos ocorreram diversas interações com
imigrantes empreendedores e trabalhadores em comércios geridos por
imigrantes. Procurou-se complementar os dados adquiridos através dos
161
questionários, com dados obtidos por meio de conversas informais e observação
direta.
3. Caso de estudo
Imigrantes em Lisboa, seu enquadramento profissional e distribuição espacial
De acordo com os dados de 2018 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,
residiam no município de Lisboa 79.700 cidadãos com nacionalidade estrangeira.
Este valor situar-se-á entre os 14,6% do total de residentes na cidade,
considerando-se a contagem de população em 2011 através de recenseamento
(547.7333). Lisboa é juntamente com Sintra (31.807), também na Área
Metropolitana de Lisboa, um dos municípios no país com maior volume de não
nacionais, sendo de realçar que, segundo dados do SEF, no município de Lisboa o
crescimento da população de nacionalidade estrangeira entre 2009 e 2015
contraria a tendência geral de diminuição verificada no país e nos anos recentes
(2016 a 2018) a taxa de variação desta população no município tem excedido
significativamente os valores nacionais (ver Tabela 1).
Tabela 1. População estrangeira residente em Portugal e no concelho de Lisboa, 2008-2018
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
Total PT
Nº
Tx. var.
440.277
454.191
3,2
445.262
-2
436.822
-1,9
417.042
-4,5
401.320
-3,8
395.195
-1,5
388.731
-1,6
397.731
2,3
421.711
6
480.300
13,9
Lisboa
Nº
Tx. var.
43.527
44.548
2,3
44.784
0,5
45.626
1,9
45.915
0,6
46.426
1,1
50.047
7,8
51.690
3,3
55.212
6,8
63.967
15,9
79.700
24,6
Fonte: SEF, estatísticas. http://sefstat.sef.pt/
Torna-se assim clara a atratividade que o município de Lisboa, caracterizado por
um maior dinamismo económico e social e por uma oferta de emprego mais
ampla e diversificada no contexto nacional, exerce junto da população
estrangeira. Estes números refletem-se no empreendedorismo imigrante que
aqui encontra mais condições para se instalar e desenvolver, inclusivamente
devido à presença de uma maior clientela potencial, imigrante e não imigrante.
3 Note-se
no entanto que o número de estrangeiros registado pelo SEF para Lisboa tende a exceder o
apresentado por outras fontes, como os Censos de População.
162
De acordo com dados do Censos 2011 entre o total de residentes em Lisboa, 5,8%
é de outra nacionalidade que não a portuguesa (tabela 2). Destes, os brasileiros
são o grupo mais expressivo com 10.288 cidadãos (32,3% de todos os imigrantes),
seguido dos Cabo-Verdianos (2.499 cidadãos), Chineses (2.072 cidadãos) e
Angolanos (1.805 cidadãos).
A análise da estrutura etária deixa visível que o padrão difere entre os
portugueses e os imigrantes. Estes últimos são caracterizados por uma elevada
percentagem de jovens adultos e, inversamente, por percentagens diminutas de
população com idade igual ou superior a 65 anos. Os grupos estrangeiros não
comunitários destacam-se pela sua maior proporção de jovens, designadamente
Brasileiros, Indianos, Bangladeshis e Nepaleses mas também os Romenos
(Tabela 2).
Tabela 2. Residentes em Lisboa, por nacionalidade e por estrutura etária, em 2011
Total
Portugal
Estrangeiros
UE (15 sem PT)
UE (27 sem PT)
Roménia
Ucrânia
PALOP
Brasil
China
India
Nepal
Bangladesh
Residentes em Lisboa
Nº
%
547.733
100
499.702
91,23
31.833
5,81
4.532
0,83
6.547
1,2
1.426
0,26
1.454
0,27
6.423
1,17
10.288
1,88
2.072
0,38
888
0,16
754
0,14
476
0,09
Estrutura etária (%)
0-19
17,3
17,2
14,9
11,2
12,9
17,5
14,3
17,2
15,9
18,3
11,4
3,8
12,2
20 - 39
27,0
25,3
50,3
39,4
44,8
55,3
38,2
43,3
57,5
46,2
54,3
84,1
68,1
40 - 64
31,8
31,9
30,4
33,8
31,3
26,7
46,3
33,4
25,7
33,5
32,0
11,8
19,3
23,9
25,6
4,4
15,6
11,0
0,5
1,2
6,1
0,9
1,9
2,4
0,3
0,4
Fonte: INE, Censos 2011
A estrutura etária da população estrangeira residente em Lisboa é coincidente
com a percentagem de população ativa. Quando se analisam os indicadores
estatísticos relativos à população residente em Lisboa verifica-se que a
percentagem de população ativa entre os estrangeiros é superior à dos cidadãos
portugueses (Tabela 3). A elevada percentagem de população ativa entre os
estrangeiros face aos cidadãos nacionais atesta a relevância dos imigrantes e o
seu contributo para a economia dos locais onde mais se encontram
representados. Entre as comunidades com maiores proporções de ativos,
destacam-se as que estão associadas a vagas de imigração mais recentes como o
Nepal (84,0%), a Ucrânia (81,2%), a Roménia (79,3%) e a China (76,3%), para além
do Brasil (83,4%). Relativamente à condição da população estrangeira residente
em Lisboa face ao trabalho verifica-se que a percentagem da população
desempregada é mais elevada para os estrangeiros, o que poderá ser reflexo da
163
maior vulnerabilidade dos imigrantes na inserção laboral e de uma maior
fragilidade das relações laborais.
Tabela 3. População residente em Lisboa com 15 ou mais anos activa e inactiva,
segundo nacionalidade e condição face ao trabalho, em 2011
População activa (%)
População
Total
inactiva (%)
Pop.
Pop.
(Nº)
Total
Empregada desempregada
Total
477.239
54,6
48,1
6,5
45,4
Portugal
435.659
53,0
46,9
6,1
47
Estrangeiros
28.811
73,5
62,7
10,8
26,5
UE15 (s/PT)
4.114
63,9
60
3,9
36
UE27(s/PT)
5.891
68,4
62,1
6,3
31,6
Roménia
1.242
79,3
66,7
12,6
20,7
Ucrânia
1.331
81,2
68,7
12,5
18,9
PALOP
5.839
61,2
43,1
18,1
38,8
Brasil
9.251
83,4
73,2
10,2
16,6
China
1.815
76,3
74,4
1,8
23,7
Índia
824
69,7
60,6
9,1
30,3
Nepal
738
84,0
69,4
14,6
16
Bangladesh
429
77,1
68,5
8,6
22,8
Fonte: INE, Censos 2011
Note-se ainda que a situação dos imigrantes no mercado laboral foi agravada
durante o período inicial da crise económica do final da primeira década do novo
milénio. Se em 2011 apenas 3,9% da população originária da UE (a 15) estava
desempregada, no mesmo ano 18,1% dos nacionais dos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa (PALOP) encontravam-se na mesma situação. No caso
dos guineenses, quase um quarto da população estava desempregada (24,4%).
Por apresentarem menores valores referentes a desemprego, merecem destaque
os indianos e os bangladeshi. Esta situação poderá ser explicada pelo maior
número de empresários com negócio próprio nestas comunidades.
Quando se analisa a população residente em Lisboa por segmento socioprofissional (Tabela 4) verifica-se a relevância do sector do comércio e serviços
para a população ativa de nacionalidade estrangeira. Entre esta população, 29%
no
dos indivíduos inserem-
Esta distribuição aponta para uma inserção polarizada e assimétrica dos
imigrantes no mercado de trabalho.
O confronto do grupo socioprofissional com a nacionalidade do residente revela
entre os nacionais dos PALOP uma predominância (mais de 60%) de
trabalhadores administrativos do comércio e serviços, não qualificados (25,8%),
empregados administrativos do comércio e serviços (22,2%) e operários
164
qualificados e semiqualificados (20,7%). Entre os profissionais intelectuais e
científicos destacam-se os cidadãos com nacionalidade pertencente à União
Europeia (43.5% dos cidadãos com nacionalidade pertencente à UE15 e 31,5%
dos cidadãos UE28).
Tabela 4. População residente activa em Lisboa por segmento socioprofissional e por
nacionalidade, em percentagem (%)
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
Total
4,5 25,6 2,3 5,8 12,4
2
5 23,5
6,8
7,5
1,3 3,2
Portugal
4,5 26,9 2,1 5,8 13,2 1,8 5,3 23,1
6,4
6,6
1,1 3,1
Estrangeiros
EU15(s/PT)
EU27(s/PT)
Roménia
Ucrânia
PALOP
Brasil
China
India
Nepal
Bangladesh
3,7
8,5
6,6
2,4
3,2
2,6
3,8
1,7
1,2
3,1
0,9
10,9 4,8
43,5 2,6
31,5 2,1
3,6 1,4
5,7 1,8
4,1 1,7
6 3,8
2,7
27
5,1 5,7
0,6 6,8
1,5 14,8
4,6
8,3
7,1
5,5
4,7
2,4
4,8
4,8
2,4
1,5
2,1
4,8
11,9
9,4
2,6
3,6
2,9
4,3
0,9
1,9
1,6
1,8
4,2
1,3
2,7
6,6
5,6
3,2
5,4
4,7
2,6
1
4,8
1,8
8,1
5,7
0,1
0
0,7
1
0,4
0,3
0
0
29
11,7
13,6
17,3
12,9
22,2
36,7
49,9
29,6
67,1
61,3
11,4
1,3
8,4
26,1
24,4
20,7
8,8
0,6
16,7
0,5
0,6
17,1
1
8,5
25,9
30
25,8
20,6
2,5
5,7
10,6
5,7
3,8
0,4
1,9
5,7
4,6
6,5
1,8
3,1
24,9
0,3
1,2
3,9
1,5
2,4
2,8
3,4
7,3
3
1,9
3,7
6,9
5,1
Fonte: INE, Censos 2011
Nota: (A) Proprietários de negócios; (B) Profissões científicas e intelectuais; (C) Pequenos
empregadores do comércio e serviços; (D) Outros pequenos empregadores / outros trabalhadores
independentes / pequenos empresários e organizações; (E) Quadros administrativos e técnicos
intermediários técnicos, intermediários independentes; (F) Comerciantes independentes; (G) Cargos
de direção de médias e grandes empresas; (H) Empregados no comércio e serviços; (I) Trabalhadores
qualificados e semiqualificados; (J) Trabalhadores não qualificados do comércio e serviços; (K)
Trabalhadores não qualificados; (L) Outros
No que respeita aos residentes estrangeiros inseridos nas categorias relativas a
ante no âmbito
do presente estudo, destacam-se claramente os cidadãos chineses e
bangladeshis com 27% e 14,8%, respetivamente, correspondendo aos valores
mais elevados de todas as nacionalidades constantes na tabela 4. No caso dos
chineses, este valor poderá ser explicado pela ambição pessoal de ser
proprietário do seu próprio negócio, evidência retratada por Yijing (2015:71) que
concluiu que este é um dos principais fatores que leva à emigração da população
chinesa. Refira-se que, entre os nepaleses (6,8%) e os indianos (5,7%), as
proporções de pequenos patrões envolvidos nesta atividade são também
superiores ao total e ao registado pelo conjunto da população estrangeira (4,6%).
Por último, devem ainda mencionar-se as percentagens claramente superiores à
média apresentada pelos cidadãos dos países da União Europeia na categoria
A população asiática em Lisboa, em especial os grupos nacionais que temos
vindo a destacar (China, Índia, Nepal e Bangladesh), sobre-representada nas
165
actividades comerciais, aumentou significativamente, quer em termos relativos
quando se considera a totalidade de população estrangeira, quer em termos
absolutos (figura 1).
Fonte: SEF
Figura 1. Evolução do stock de imigrantes de países asiáticos em Lisboa, 2008-2018
Através de dados do INE, Censos 2011, é possível avaliar a distribuição espacial
da população estrangeira por local de residência referenciada às freguesias de
Lisboa vigentes aquando da implementação do recenseamento. Nesta análise
considerou-se a concentração da população estrangeira por freguesia:
percentagem de residentes estrangeiros face ao total de residentes por
freguesia. Para além da distribuição espacial da totalidade da população
estrageira foi observada a distribuição da população por nacionalidades mais
representativas na cidade.
Num retrato geral dos estrangeiros residentes em Lisboa (figura 2), verifica-se
uma maior presença no Centro histórico e sua envolvente, com destaque para o
prolongamento oriental ao longo do eixo da Rua da Palma Almirante Reis e,
também, nas freguesias de Ameixoeira e Charneca. Quando se analisa a
distribuição geográfica dos estrangeiros em função dos grupos nacionais
registam-se algumas variações sendo que em termos gerais, algumas populações
apresentam maiores níveis de dispersão geográfica (Brasil, UE 27) do que outras
(PALOP, China e Índia) que surgem em situação de maior concentração.
Em termos residenciais, os cidadãos dos PALOP estão mais presentes na coroa
interna periférica de Lisboa, nomeadamente nas antigas freguesias de
Ameixoeira-Charneca, Carnide e Marvila. Para estes cidadãos registam-se ainda
sobre-representações nalguns espaços da envolvente do centro, como São Paulo
ou Socorro. Os cidadãos brasileiros, mais dispersos, constituem a maioria dos
estrangeiros em áreas como Benfica e São Domingos de Benfica, mas aparecem
sobre-representados em espaços mais etnicizados como as áreas de ArroiosAnjos. Os asiáticos, de que são exemplo os chineses, nacionais da India, do Nepal
e do Bangladesh aparecem mais concentrados e sobre representados na
166
envolvente oriental do Centro Histórico, com destaque para a área do Martim
Moniz e da Almirante Reis.
Fonte: INE, censos 2011. Tratamento próprio
Figura 2. Concentração da população estrangeira por freguesia, 2011
É no centro histórico e nas freguesias limítrofes do concelho que se verificam
concentrações mais significativas da população estrangeira oriunda de países
terceiros. A área central de Lisboa surge como uma porta de entrada social na
cidade sendo amplamente reconhecida e valorizada pela presença de diversidade
étnico-cultural. Este território é ainda apontado como um ponto de encontro,
como local de referência em termos de diversidade cultural, gastronómica e
interculturalidade. Em contraponto, as freguesias limítrofes e as áreas mais
periféricas onde se concentram algumas populações imigrantes, nomeadamente
certos bairros de habitação social, são percebidos como locais marginais onde
também se verifica menor concentração de comércio.
Ao nível da distribuição dos estabelecimentos comerciais, ao contrário do que se
verifica em outras cidades europeias, como Barcelona onde uma Chinatown tem
vindo a consolidar-se (Martínez-Rigol et al., 2017), em Lisboa o comércio
explorado por imigrantes não se encontra tão concentrado espacialmente. A
principal exceção a este padrão é a Praça do Martim Moniz e alguns eixos como a
Rua da Palma e a Rua do Benformoso com uma concentração superior à que se
verifica no resto da cidade. Acompanhando a evolução da cidade, sobretudo o
167
aumento do número de turistas na área central histórica, um conjunto
significativo de estabelecimentos dedicado à venda de produtos turísticos tem-se
disseminado. Esta evolução não deixa de ser algo contraditória porque, num
período em que o centro da cidade se encontra extremamente valorizado com
elevados valores de arrendamento, aquelas lojas, muitas das quais geridas por
imigrantes, subsistem através da venda de produtos de baixo valor.
Regulação e apoio ao empreendedorismo
Atualmente a regulação da atividade comercial em Portugal encontra-se
liberalizada e, até certa medida, relativamente desburocratizada. Em 2006 foi
criado o programa nacional Simplex. Decorrente da entrada em vigor deste
programa, em 2011 foi publicado o Decreto-Lei 48/2011, de 01 de Abril. Com este
decreto-lei é regulada a iniciativa licenciamento zero, simplificando o processo de
instalação, modificação e encerramento de estabelecimentos comerciais. Com
esta iniciativa passa a ser apenas necessário a apresentação de documento de
identificação (cartão do cidadão, passaporte ou autorização de residência) para a
abertura de empresas do sector comercial. Para os estabelecimentos de
restauração os procedimentos também estão simplificados. Com a entrada em
vigor do licenciamento zero é apenas necessário uma declaração de início de
atividades atestando que o respetivo estabelecimento segue os regulamentos
específicos daquela atividade, como as questões sanitárias. Esta declaração é
preenchida num balcão online designado por Balcão do Empreendedor. Segundo
esta regulação atualmente em vigor não existe nenhuma componente
diretamente discriminatória para proceder à abertura e gestão de um
estabelecimento comercial por parte de um imigrante legalmente estabelecido
em Portugal. De forma geral, não existe nenhum elemento administrativo formal
que discrimine os imigrantes face aos nacionais.
Desafios e constrangimentos
Os questionários, aplicados a uma amostra de cidadãos estrangeiros
empreendedores na cidade de Lisboa, permitiram recolher informação sobre as
características do empresário, da empresa (ano de fundação, dimensão, etc.), dos
trabalhadores e dos clientes, bem como das expectativas face ao futuro, dos
constrangimentos e das oportunidades percebidas.
Através da nossa amostra ficou visível que algumas nacionalidades estão mais
associadas a determinadas tipologias comerciais. Por exemplo, as mercearias,
frutarias, internet cafés e loja de telecomunicações são, maioritariamente,
geridas por imigrantes asiáticos (originários do Bangladesh, Nepal, Paquistão.
Em contrapartida, os salões de beleza e estabelecimentos de venda de produtos
de beleza são geridos por nacionais do Brasil e África. Note-se que no conjunto
de estabelecimentos sujeitos a inquérito não existe uma predominância de
comércio étnico, sendo este tipo de venda mais comum em negócios de
168
imigrantes oriundos de África (venda de tecidos, mercearias com produtos
específicos usados em gastronomia africana, produtos de beleza específicos para
cabelos africanos).
Na amostra ocorre uma sobre representação de inquéritos aplicados a
empresários com negócios no centro histórico de Lisboa, que coincide com a
sobre representação de imigrantes neste território (Figura 2). Relativamente às
tipologias dos negócios, a maioria (27) são pequenos estabelecimentos que têm
por principal atividade a venda a retalho de produtos alimentares incluindo
maioritariamente produtos alimentares embalados e produtos horto frutícolas e,
em diversos casos, a venda de tabaco (ver figura 3). Estes estabelecimentos que
conciliam mercearia, frutaria e tabacaria assinalam que a sua mais-valia advém
pela conjugação das seguintes características: (i) tipo de produto vendido, (ii)
pelo horário de abertura que se estende, de forma bastante comum, ao fim da
tarde e ao período noturno; (iii) e pela sua localização na cidade (não apenas
cingida a áreas centrais da cidade mas a áreas mais periféricas e residenciais).
uma forma de aquisição de produtos na proximidade residencial ou fora do
horário de abertura da generalidade das mercearias e supermercados
portugueses.
Tabela 5. Número de inquéritos de acordo com a tipologia de negócio
Tipologia de negócio
Comércio alimentar
Comércio não especializado não alimentar
Restauração
Telecomunicações
Setor da beleza/cabeleireiros
Outros
Nº de inquéritos
27
13
7
7
5
3
Fonte: Inquéritos realizados pelos autores (2016)
Nos inquéritos realizados procurou-se confrontar as dificuldades sentidas pelos
imigrantes empreendedores no momento de abertura do negócio e no momento
de aplicação do questionário. Na fase inicial de abertura do estabelecimento (ver
tabela 6) ficou evidente que a principal dificuldade sentida foi a língua. Com
poucos ou nenhuns conhecimentos da língua portuguesa e, por vezes, sem
contactos em Portugal referenciam o desafio de ultrapassar alguns dos
obstáculos em que era necessário falar português. Neste aspeto destacam-se os
procedimentos administrativos (no qual se inclui o processo Simplex, já descrito)
e informações genéricas sobre a abertura de negócios que, existindo apenas em
português, afigura-se como um elemento de difícil transposição.
Os inquiridos destacaram a dificuldade em encontrar um local para a abertura do
respectivo estabelecimento, sendo que esta situação se poderá ter agravado nos
últimos anos dado o crescente aumento do valor imobiliário, especialmente
169
acentuado em Lisboa. Adicionalmente, a obrigatoriedade de um fiador pode ser
um obstáculo, potenciado pela menor rede de contactos do imigrante no país de
acolhimento. Alguns imigrantes ainda se sentem alvo de discriminação tendo
presenciado situações de recusa de arrendamento de espaços, mesmo apresentando um fiador. De forma geral, as dificuldades apresentadas estão relacionadas com a língua, questões burocráticas e também com algum sentimento
discriminatório.
Perante o pedido de indicação de dificuldades sentidas atualmente, a maioria
(36) dos inquiridos não indicam dificuldades. Entre as dificuldades sentidas pelos
restantes inquiridos, a falta de clientes foi a mais referenciada (tabela 6). Não
obstante, a grande maioria dos inquiridos não tem por intenção encerrar o
estabelecimento. Apesar de suplantadas algumas das dificuldades iniciais, os
inquiridos ainda enfrentam alguns obstáculos relacionados com a língua
portuguesa e com o facto dos documentos legais e burocráticos possuírem
apenas versão em português. No mesmo sentido, permanecem barreiras no
acesso a financiamento bancário e os sentimentos discriminatórios. Para além
das dificuldades apontadas através do inquérito, alguns imigrantes empreendedores demonstraram preocupação quanto ao aumento da abertura de estabelecimentos de sectores semelhantes, o que poderá aumentar a concorrência e
diminuir o número de clientes.
Tabela 6. Principais dificuldades sentidas pelos imigrantes empreendedores no início
do negócio e aquando da realização do inquérito
No início do negócio
Tipo de dificuldade
Língua
Procedimentos administrativos
Falta de clientes
Local para estabelecimento
Financiamento
Falta de informação
Diferenças culturais
Sentimento de rejeição social
Acesso a conta bancária
Outros
Nº de
respostas
Nº
%
36
58,1
25
40,3
14
22,6
13
21,0
12
19,4
12
19,4
8
12,9
5
8,1
4
6,5
2
3,2
Aquando da realização do inquérito
Nº de
respostas
Tipo de dificuldade
Nº
%
Administrativos
15
24,2
Financeiros/ financiamento
15
24,2
Clientes
26
41,9
Abastecimento
5
8,1
Burocracia/aspetos legais
16
25,8
Problemas de logística
0
0
Equipamento
3
4,8
Diferenças culturais
6
9,7
Trabalhadores
1
1,6
Formação profissional
4
6,5
Fonte: Inquéritos realizados pelos autores (2016)
4. Discussão e notas finais
No presente artigo tivemos como objetivo abordar o empreendedorismo
imigrante em Lisboa. Procurou-se destacar contributos da atividade empreen-
170
dedora imigrante no meio urbano e desafios e constrangimentos sentidos pelos
empreendedores de pequenos negócios, quer num momento inicial de abertura
do estabelecimento, quer num momento posterior.
De forma geral, são diversas e significativas as inter-relações entre os
movimentos migratórios e o desenvolvimento urbano. Existe ainda um consenso
institucional, particularmente evidente a nível local, face à intensificação e
diversificação das atividades associadas à interculturalidade, dos impactos da
presença de imigrantes e suas actividades no tecido urbano e na economia
urbana. A implementação de novas estratégias comerciais e fornecimento de
novos produtos e serviços são associadas a espaços urbanos cosmopolitas e a
mais-valias económicas e turísticas.
O estudo apresentado parece confirmar as dimensões explicativas da abertura de
negócios próprios por parte das imigrantes explanadas por Oliveira (2016). O
contexto português gerou uma estrutura de oportunidades, que, de um modo
geral, não tem sido desfavorável aos imigrantes empreendedores, seja pelo
cenário crescente da imigração, pelas políticas de integração de imigrantes
premiadas a nível internacional, e pelas oportunidades de negócio, ainda que em
parte despoletadas pela recessão económica. Os constrangimentos do mercado
uma estratégia face ao desemprego e no âmbito dos requisitos para a abertura
de negócios não existe qualquer distinção do requerente (desde que em situação
regular) de acordo com a nacionalidade. Ademais a economia portuguesa
caracterizada por deficiências estruturais (Santos & Reis, 2018), proporciona aos
pequenos empreendedores espaços de actuação à margem dos atores
económicos mais fortes.
A motivação pessoal e a apetência para o empreendedorismo parecem ser mais
fortes nalgumas comunidades, mais propícias para a criação de novos negócios
como os chineses, bangladeshi e os nepaleses. Não é incomum a abertura de um
negócio ser vista por indivíduos destas comunidades como uma das razões para a
própria emigração. De facto, no pequeno comércio imigrante em Lisboa, e tendo
presente a amostra abordada, denota-se a relevância dos recursos pessoais (o
desejo de abertura de um negócio próprio e a capacidade de aproveitamento de
oportunidades) que nalguns casos se mesclam com os recursos das comunidades
de pertença, sendo evidente o protagonismo de nacionais asiáticos em pequenos
negócios comerciais.
Não obstante a aparente manutenção ou mesmo florescimento dos negócios de
imigrantes, são diversas as dificuldades sentidas pelos empreendedores, seja na
abertura, como no desenvolvimento do seu empreendimento, em especial
quando não compreendem a língua portuguesa. A abertura do estabelecimento
exige a utilização de documentos legais e burocráticos em português, o que
criaram obstáculos na fase inicial do negócio junto de metade dos inquiridos.
171
Ademais, ainda que possam estar inseridos numa comunidade, algumas questões
burocráticas sobressaíram, nomeadamente a dificuldade de obter fiador para o
arrendamento de um espaço e o complexo acesso a financiamento bancário que
acaba por ser um elemento crucial no fomento do empreendedorismo, por parte
dos imigrantes que não tenham um suporte familiar no país de origem que
financie o seu negócio. O número de clientes quando reduzido, é uma dificuldade
que não sendo específica dos grupos imigrantes poderá comprometer a
sustentabilidade do negócio e ser um indício do seu encerramento.
Seguindo a nova tendência de valorização do multiculturalismo e interculturalismo enquanto recursos passíveis de serem utilizados para promoção da cidade,
a existência de negócios explorados por imigrantes no setor comercial em Lisboa
é elemento fundamental na construção de uma imagem cosmopolita da cidade e
de dinamização económico espacial. No caso concreto de Lisboa, o aparecimento
de novos estabelecimentos comerciais, num período em que os efeitos da
touristification ainda não se faziam sentir nesta cidade, ajudou a minimizar os
impactos do declínio do comércio dito tradicional dos centros desta cidade,
inclusive em bairros não turísticos. Apesar de explorados por imigrantes, a
maioria dos estabelecimentos geridos por imigrantes não estão direcionados
para determinados grupos comunitários, o que beneficia a população local. Neste
aspeto destaca-se o aparecimento e forte disseminação de pequenas mercearias
exploradas por Bangladeshi que, de alguma forma, supriram o declínio do
comércio alimentar de proximidade. Por outro lado, a replicação de estabelecimentos
e tipologias comerciais semelhantes geridas por grupo de imigrantes, o risco de
concorrência descontrolada e a disseminação destes estabelecimentos pela
cidade poderá comprometer o sucesso de alguns negócios.
Este é um empreendedorismo frágil, pautado por uma inovação pouco tecnológica que se sustenta em recursos pouco qualificados, mas que gera sucesso
enquanto estratégia de inclusão de grupos vulneráveis num mercado laboral com
poucas oportunidades. Como tal, teve ser tido em consideração seja nas
estratégias que visam regular e promover o comércio assim como nas medidas
de integração das populações imigrantes.
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