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Psicologia e transformação

2019

Recebi o convite para escrever o prefácio deste e-book e sinto-me honrada com o mesmo, pois a publicação, a qual se destina é de excelente qualidade e, com certeza, contribuirá, de maneira significativa para a ampliação do conhecimento científico e prático de psicólogos e profissionais que atuam diretamente no contexto da interdisciplinaridade. Escrever um prefácio nos remete a várias reflexões sobre os temas apresentados, colocando-nos como apreciadores da comunidade acadêmica, que nos prestigiaram com suas produções. Assim, não posso me furtar a refletir sobre os temas apresentados que lidam com aspectos da subjetividade humana. A Psicologia trata do sofrimento humano em quaisquer cenários de atuação. Assim, seu objeto de estudo em contextos variados trata dos fenômenos humanos com uma visão sempre generalista e abrangente. Os temas tratados neste livro nos reportam a questionamentos muito atuais como o aborto, saúde da criança, adolescentes, saúde mental, álcool e drogas, saúde mental de estudantes universitários e a relação da psicologia com temas desenvolvidos por profissionais da saúde. Prefaciar um livro com essas temáticas, com certeza nos mostra a importância de estarmos sempre atentos ao papel do psicólogo, suas práticas e a produção de conhecimento advindos de áreas tão diversas, mas que possuem conectividade em diversas dimensões. O ser humano, em sua complexidade, não pode deixar de ser visto através de sua constituição histórica, cultural e social. Em maior ou menor grau, essas dimensões afetam as histórias de subjetividade dos diversos atores sociais, identificados nas várias produções deste e-book. Estou certa de que neste livro, as temáticas estudadas constituem um convite prazeroso aos leitores sobre temas complexos e carentes sempre de investigação e aprimoramento contínuo. Nesta tarefa que me foi incumbida, posso registrar sem sombra de dúvida, uma intencionalidade afetiva, que me remete ao prazer da escrita e da leitura. As publicações científicas nos remetem à tarefa não apenas da leitura, mas sim, às reflexões profícuas sobre a nossa sociedade e aos fenômenos subjetivos que nela habitam. Escrever também é sonhar, se revelar e apontar caminhos de transformação e movimento. Assim se faz Psicologia, construindo, pensando, sonhando e agindo! Que todos os leitores dessa obra possam se sentir em-movimento‖ após suas leituras, assim como me sinto nesse momento!

Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 ISBN VOLUME ISBN COLEÇÃO Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira Daniel Facciolo Pires Marinês Santana Justo Smith Sílvia Regina Viel Welton Roberto Silva (org.) PSICOLOGIA E TRANSFORMAÇÃO ISBN 978-85-5453-016-7 FRANCA Uni-FACEF 2019 Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 Corpo Diretivo REITOR Prof. Dr. José Alfredo de Pádua Guerra VICE-REITOR Prof. Dr. Alfredo José Machado Neto PRÓ-REITORA DE ADMINISTRAÇÃO Profª. Drª. Melissa Franchini Cavalcanti Bandos PRÓ-REITORA ACADÊMICA Profª Drª Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO, CULTURA E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO Profª. Ma. Flávia Haddad França PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO e COORDENADOR DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU Prof. Dr. Sílvio Carvalho Neto COORDENADOR DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU Prof. Dr. Paulo de Tarso Oliveira COORDENADORA PEDAGÓGICA Profª Drª Edna Maria Campanhol COORDENADORA DE MARKETING Profª Ma. Alba V. Penteado Orsolini ASSESSOR JURÍDICO Prof. Me. Paulo Sérgio Moreira Guedine CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Prof. Me. Cyro de Almeida Durigan CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS Prof. Me. Orivaldo Donzelli CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Profª. Ma. Ana Tereza Jacinto Teixeira CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – Publicidade e Propaganda Prof. Ma. Fúlvia Nassif Jorge Facuri CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENFERMAGEM Profª. Drª. Lívia Maria Lopes CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL Prof. Me. Anderson Fabrício Mendes CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Profª. Ma. June Tabah CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE LETRAS Profª Drª Ana Lúcia Furquim de Campos-Toscano CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE MATEMÁTICA Prof. Drª Sílvia Regina Viel CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE MEDICINA Profª Dr. Frederico Alonso Sabino de Freitas CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE PSICOLOGIA Profª Drª Maria de Fátima Aveiro Colares CHEFE DE DEPARTAMENTOS DOS CURSOS DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, ENGENHARIA DE SOFTWARE e CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO Prof. Dr. Daniel F. Pires Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 4 Comissão Científica Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira (Uni-FACEF) Daniela de Figueiredo Ribeiro (Uni-FACEF) Melissa F. Cavalcanti Bandos (Uni-FACEF) Bárbara Fadel (Uni-FACEF) Sílvia Regina Viel (Uni-FACEF) Marinês Santana Justo Smith (Uni-FACEF) Ana Lúcia Furquim Campos-Toscano (Uni-FACEF) Daniel F. Pires (Uni-FACEF) Sílvio Carvalho Neto (Uni-FACEF) Emerson Rasera (UFU) Renato Garcia de Castro (UNICAMP) Pedro Geraldo Tosi (UNESP) Vânia de Fátima Martino (UNESP) Comissão Organizadora José Alfredo de Pádua Guerra Alfredo José Machado Neto Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira Melissa Franchini Cavalcanti Bandos Sílvio Carvalho Neto Marinês Santana Justo Smith Sílvia Regina Viel Welton Roberto Silva Noemia Lopes Toledo Lucas Antônio Santos Alexandre Manoel Pereira Édney Wésley Antunes MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 © 2019 dos autores Direitos de publicação Uni-FACEF www.unifacef.com.br Coleção: Ciência e Desenvolvimento, v. 8. O51p Oliveira, Sheila Fernandes Pimenta e (Orgs.) Psicologia e transformação. / Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira; Silvia Regina Viel; Daniel Facciolo Pires; Marinês Santana Justo Smith; Welton Roberto Silva (Orgs.). – Franca: Uni-FACEF; 2019. 177p.; il. ISBN Coleção 978-85-5453-017-4 ISBN Volume 978-85-5453-016-7 DOI 10.29327/510349 1.Multidisciplinar - Fórum. 2. Iniciação Científica. 3.Pesquisa. 4.Metodologioa. I.T. CDD 150 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (lei no. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código Penal. Todo o conteúdo apresentado neste livro é de responsabilidade exclusiva de seus autores. Editora Uni-FACEF Centro Universitário Municipal de Franca Associada à ABEC - Associação Brasileira de Editores Científicos Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 6 PREFÁCIO Recebi o convite para escrever o prefácio deste e-book e sinto-me honrada com o mesmo, pois a publicação, a qual se destina é de excelente qualidade e, com certeza, contribuirá, de maneira significativa para a ampliação do conhecimento científico e prático de psicólogos e profissionais que atuam diretamente no contexto da interdisciplinaridade. Escrever um prefácio nos remete a várias reflexões sobre os temas apresentados, colocando-nos como apreciadores da comunidade acadêmica, que nos prestigiaram com suas produções. Assim, não posso me furtar a refletir sobre os temas apresentados que lidam com aspectos da subjetividade humana. A Psicologia trata do sofrimento humano em quaisquer cenários de atuação. Assim, seu objeto de estudo em contextos variados trata dos fenômenos humanos com uma visão sempre generalista e abrangente. Os temas tratados neste livro nos reportam a questionamentos muito atuais como o aborto, saúde da criança, adolescentes, saúde mental, álcool e drogas, saúde mental de estudantes universitários e a relação da psicologia com temas desenvolvidos por profissionais da saúde. Prefaciar um livro com essas temáticas, com certeza nos mostra a importância de estarmos sempre atentos ao papel do psicólogo, suas práticas e a produção de conhecimento advindos de áreas tão diversas, mas que possuem conectividade em diversas dimensões. O ser humano, em sua complexidade, não pode deixar de ser visto através de sua constituição histórica, cultural e social. Em maior ou menor grau, essas dimensões afetam as histórias de subjetividade dos diversos atores sociais, identificados nas várias produções deste e-book. Estou certa de que neste livro, as temáticas estudadas constituem um convite prazeroso aos leitores sobre temas complexos e carentes sempre de investigação e aprimoramento contínuo. Nesta tarefa que me foi incumbida, posso registrar sem sombra de dúvida, uma intencionalidade afetiva, que me remete ao prazer da escrita e da leitura. As publicações científicas nos remetem à tarefa não apenas da leitura, mas sim, às reflexões profícuas sobre a nossa sociedade e aos fenômenos subjetivos que nela habitam. Escrever também é sonhar, se revelar e apontar caminhos de transformação e movimento. Assim se faz Psicologia, construindo, pensando, sonhando e agindo! Que todos os leitores dessa obra possam se sentir em ―movimento‖ após suas leituras, assim como me sinto nesse momento! Profª Drª Maria de Fátima Aveiro Colares Professora e Chefe de Departamento do curso de Psicologia Uni-FACEF Centro Universitário Municipal de Franca MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 SUMÁRIO A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais ................................................................................. 8 A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP ............................................... 27 ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK ......... 35 ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência .......................................... 51 APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS .................................................................................. 58 AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica .......................................................................... 69 ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor ........ 78 COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina ..................................................................................................................... 89 CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência ........... 102 DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo......................................................... 107 EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática ... 119 MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO.......................................... 126 MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos ..................................................................................... 135 O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de caso ......................................................................................................................... 150 OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE ....................................................................................... 159 REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS .................................................. 168 ÍNDICE .................................................................................................................... 177 Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 8 A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais Murillo E. Ravagnani Siqueira Martins Graduação em Direito - Faculdade de Direito de Franca [email protected] Marcelo Toffano Doutor em Direito – FADISP Docente – Faculdade de Direito de Franca 1. INTRODUÇÃO A figura de um juiz está, no imaginário popular, e principalmente na teoria do formalismo legal, de um aplicador da lei que age somente dentro dos limites máximos da razão e da legislação, garantindo, através de sua ―figura íntegra e não influenciável‖, a justiça. Seu papel é, com o poder que lhe foi concedido, julgar, com base em provas e evidências consistentes, as litispendências diárias da sociedade, porém, os números apontam outras características comuns aos julgadores, que enfraquecem o elo da racionalidade: Estatisticamente, juízes têm maior probabilidade de não concederem condicionais a réus, caso estejam com fome. E se, baseado nisso, nos parece que o julgamento singular do magistrado é perigoso, pois está condicionado à apenas uma pessoa, os estudos também mostram: Júri popular tem maior probabilidade de absolverem réus, caso eles sejam bonitos, e dar penas maiores, caso sejam considerados feios. O que este estudo se propõe a questionar é se o julgamento de um juiz, é, de fato, totalmente racional, baseado somente nas leis, jurisprudências e evidências concretas, livre de opiniões, experiências próprias, preconceitos e estereótipos. O que a psicologia nos diz sobre julgamentos, inclusive os judiciais? Há de se explorar, através da interdisciplinaridade com a psicologia, o impacto da cognição humana na hora de julgar um caso e o quão frágil são os processos mentais; a existência da supressão da dúvida, a tendência a acreditar e confirmar vieses, a ativação automática de estereótipos e julgamentos, e tantos outros fenômenos da natureza que fazem com que, na realidade, coloquemos em dúvida nossos mecanismos de fazer justiça. A figura do juiz, em meio ao sistema judicial rotineiro, adquire hábitos automáticos e se torna ainda mais vulnerável aos vieses cognitivos, abrindo margem para julgados que são, muitas vezes, incoerentes com a realidade. Além do juiz singular, temos no ordenamento jurídico, como possibilidade de cumprir o papel de julgador, a instituição do júri popular. A Constituição Federal Brasileira garante o direito à um júri imparcial em ações penais em que haja ações dolosas contra a vida (art. 5º, XXXVIII), obtendo como objetivo uma visão não-jurídica da sociedade em relação ao crime cometido, abrindo a MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 9 possibilidade de opiniões que podem ir de encontro com o que estabelece a lei, sendo assim, possuindo o réu a chance de vencer a legislação pelo senso comum, acreditando na ―sabedoria popular‖. Mas, o que significa o termo "júri imparcial"? Como Justin G. Gunnel, J.D e Stephen J. Ceci citam no seu artigo, em tradução livre, ―Quando a emoção triunfa sobre a razão: Um estudo dos processos individuais e vieses de jurados‖: ―O que se pode esperar de um grupo de indivíduos encarregados de tomar as decisões mais importantes sobre a liberdade individual, a culpa criminal e, às vezes, até mesmo a vida ou a morte dos outros membros de sua sociedade? A Constituição presume que os jurados podem colocar os preconceitos individuais de lado e dar um veredito justo e imparcial com base apenas nos fatos, no entanto, quão realista é essa noção de ―tabula rasa‖ do júri? Os jurados são realmente capazes de superar preconceitos, influências de vida e experiências pessoais que podem influenciar indevidamente sua tomada de decisão? Ou os defensores do júri estão corretos ao afirmar que "as pessoas, quando selecionadas como jurados, de repente se tornam indivíduos objetivos e justos que os tribunais lhes pedem que sejam? Eles trazem para o júri seus próprios históricos e preconceitos e seus próprios processos para tomar decisões‖. Os jurados não devem considerar fatores extralegais (ou seja, raça, gênero, idade, classe, etnia, persuasão religiosa, atratividade física do réu) em suas tomadas de decisão, porém, não é o que os experimentos indicam. O estudo tem também, além de sua base empírica, um impacto filosófico-sociológico, uma vez que, sabendo como funciona a humana e frágil mente do julgador, tenhamos uma ruptura da imagem do magistrado, uma desconfiança na veracidade da coisa julgada, e uma adição de um olhar mais científico, e menos jurídico do direito. Ora, se a aceitação de um pedido de liberdade condicional pode ser decidido pelo único fato de o julgador estar com fome ou não, há de se trazer ao âmbito filosófico-jurídico, na busca do dever-ser, a discussão das práticas judiciais efetivas. Neste artigo, portanto, discorreremos: Os julgamentos, são justos? Esta forma de julgar consegue corresponder precisamente à realidade dos fatos? Se não, há possibilidade de mudança? O que garante, no direito, a racionalidade e a busca da verdade real pela figura do juiz? E, através da psicologia, enriquecer a discussão pelo direito comparado. 2. O QUE GARANTE A JUSTIÇA Para colocarmos em pauta a efetividade das decisões judiciais, faz-se necessário entender os mecanismos do próprio ordenamento jurídico, e observar sua eficácia, ou se há qualquer influência destas regras no momento da sentença, na visão do direito, primeiramente. A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 10 Há de se compreender que o ―ser justo‖ se encontra no campo da subjetividade, ou seja, não conseguimos definir o que é fazer justiça, uma vez que os fatos se perdem no tempo. Por isso, existe a figura constitucional do princípio da busca da verdade real, onde ao magistrado é imposto a necessidade da busca da verdadeira realidade dos fatos, ou a figura do devido processo legal, que nos garante o procedimento regrado dentro dos limites da constituição, passando pelas etapas que visam garantir a legalidade e a efetividade dos julgados. Todas esses princípios, sendo estritamente cumpridos, ainda não são suficientes, claro, pois não há qualquer preocupação, tendo em vista o comportamento conservador da maioria dos acadêmicos de direito, em buscar o conhecimento de outras campos da filosofia e compreender os fenômenos da natureza que os compõem, que podem nos ensinar a ter uma visão mais ampla de cada fenômeno jurídico. Não há qualquer dispositivo formal que impeça, ou ao menos preveja, fenômenos de natureza cognitiva sendo impactante na figura da justiça. Claro, é uma área nova em relação às demais (e principalmente em relação ao mundo jurídico). Essas e outras figuras constitucionais e processuais, entretanto, são executadas por humanos. Neste ponto, há a convergência do padrão executável com a imperfeição característica da espécie. Isso significa dizer que somos todos passíveis de erros, e os mecanismos processuais não protegem o juiz das falhas eminentemente humanas. 3. COMO JULGAMENTOS ACONTECEM 3.1. Ativação Associativa Para entendermos como fazemos julgamentos a todo o momento, e como estes julgamentos podem acontecer com juízes, precisamos primeiro entender o fenômeno de forma micro. Para explicar o julgamento do dia a dia, inicio explicando um fenômeno que chamamos de ativação associativa. Existem reações físicas instintivas ao se pensar em algo, e quando apresentado duas palavras, há uma intuitiva relação entre as duas, formando um pensamento único, que lhe dará uma reação, como se eu lhe apresentar as palavras ―Banana‖ e ―Vômito‖. Neste momento, aconteceram muitas coisas com seu corpo e cérebro em menos de um segundo; todas relacionadas a ideia de nojo, pois associamos automaticamente uma palavra com a outra. As associações naturais acontecem em tempos ridiculamente rápidos, podendo causar reações físicas, como: Afastamento corporal, feições faciais contorcidas, aumento do batimento cardíaco, eriçamento dos pêlos ou ativação das glândulas sudoríparas. Nós reagimos do mesmo modo que reagiríamos se acontecesse de fato. Tudo isso, de forma automática. Ativação Associativa são ideias que foram evocadas, que consequentemente irão disparar muitas outras MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 11 ideias, numa cascata crescente de atividade no cérebro. Uma vez que um pensamento (o de nojo, por exemplo) passou pela nossa mente, ficamos mais sensíveis temporariamente por essa sensação, inclusive alertas para tudo o que estiver próximos de nós, num estímulo visual, auditivo ou quaisquer outros, que remeta a essa sensação. Um mecanismo extremamente importante para toda a psicologia experimental, principalmente no campo dos julgamentos, é o priming effect, ou efeito priming. O Priming, que será usado em todo artigo, e portanto assim irei me referir a ele, apenas pelo primeiro nome, é um efeito em que a exposição a uma ideia faz com que haja mudanças imediatas em nosso cérebro na facilidade com que outras ideias, associadas a primeira, possam ser evocadas. Exemplo: Se eu fizer você pensar (ou qualquer outra manifestação comportamental que o conecte à ideia) na palavra EAT (comer), você está mais propenso a, em seguida, completar a palavra SO_P com SOUP (sopa) do que com SOAP (sabão). O contrário aconteceria se eu o fizesse pensar em aspectos de limpeza, obviamente. O priming também não está restrito apenas à palavras. Suas ações e emoções podem ser moldadas e manipuladas de acordo com o estímulo que recebe, sem perceber. Uma ideia influenciar uma ação é chamado de Efeito Ideomotor, e o inverso também pode acontecer. Fazer uma ação (física) influencia nas ideias que resgatamos posteriormente. É por isso que temos que reforçar a ideia de coerência: Se formos estimulados a pensar em velhice, tenderemos a agir como velhos. Se agirmos como velhos, tenderemos a reforçar a ideia de velhice. Todos esses ―erros cognitivos‖, causados em sua maioria pela imputação de priming, são chamados de vieses, e não são poucos que existem. Se somos, sem saber, obrigados a balançar a cabeça na horizontal (sentido negativo), tenderemos a agir de forma mais negativa (carga pessimista). Se formos expostos à mensagem de dinheiro constantemente, tenderemos a sempre agir de forma mais individualista e egoísta. Cada estímulo leva a uma ação, e esta ação será inconscientemente menos espontânea e independente. A maioria dos erros de julgamento (vieses) invocam um sistema duplo de processamento, do qual se tornou famoso pela popularização das obras de Daniel Kahneman (Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar) em que o processo automático (Sistema 1) gera impressões e tentativas de julgamento, que podem ser aceitos, bloqueados ou corrigidos pelo sistema controlador (Sistema 2). Os vieses acontecerão no momento em que uma ideia pré consciente não necessariamente correta é aceita pelo sistema consciente, e neste caso teremos um julgamento mal feito à respeito de algo ou alguém. Julgamentos também podem ser interpretados como um sistema de pesos, onde cada peça de informação tem o seu valor. Vieses de julgamento podem ser descritos, portanto, como um ―sobrepeso‖ de alguns aspectos da informação, e A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 12 uma ―falta de peso‖, ou negligenciamento de outros, relativos a um critério de precisão ou consistência lógica. 3.2. Coerência Associativa A memória associativa possui 3 aspectos: Coerência Associativa, Substituição de Características e Processo de Fluência; esses 3 aspectos são as causas para vieses de julgamento intuitivo. A coerência é o elo fundamental que liga toda a citada casata de pensamentos; isso significa dizer que no momento em que pensamos em ―café‖, a ativação associativa tem maior probabilidade de buscar pensamentos, lembranças, cheiros e qualquer tipo de referências com grãos, líquido, quente, xícara e etc. Uma ideia associativamente coerente é um traço essencial, um esqueleto da ativação associativa. É a coerência deste movimento de ―efeito dominó‖ que conecta todos os pensamentos. Todo esse movimento gera um padrão autorreforçado de reações cognitivas, emocionais e físicas que são ao mesmo tempo diversas e integradas. Informações fortemente ativadas (coerência associativa) possuem maior probabilidade de serem dadas mais peso do que se deve, e conhecimentos relevantes que não são ativados pelo contexto associativo serão dados pouco peso, ou negligenciados. Isso significa dizer que a informação de maior ativação, a informação principal, terá um grande peso no processamento do Sistema 1, enquanto informações que sejam relevantes, mas que não são ativados pelo contexto, serão dados pouco peso, ou nenhum peso. Neste caso, os princípios da ativação da associação explicam os vieses de julgamento. Em resumo, o padrão de ativação automática na memória tende a produzir uma compreensiva, interna e consistente interpretação da presente situação, da qual é embutida no contexto do passado recente, e incorpora emoções apropriadas e preparadas para eventos e ações parecidas no futuro. A coerência é o caminho natural do pensamento; não há esforço cognitivo para que possuamos um pensamento coerente, portanto, informações inconsistentes apenas vêm à mente quando são deliberadamente pensadas (Sistema 2). Por exemplo, tente pensar em algo que não faça nenhum sentido, que transcenda os limites da física fixados na nossa mente. Toda a energia gasta nesta atividade foi um esforço consciente. Seu cérebro não poderia ter o feito de forma automática (há discussões acadêmicas neste ponto, que atualmente vão de encontro a Kahneman, porém, utilizo o consenso científico). A coerência associativa se molda através da vivência, do que para nós é coerente em relação à cada ideia. Uma vez que seja coerente atribuir um furto à alguém de pele negra, é necessário que a autoridade policial e o respectivo juiz faça um esforço deliberado para suprimir seus preconceitos e colocar o sistema 2 (racional) para agir de acordo com fatos empíricos. Para vencermos preconceitos e MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 13 estereótipos que temos prontos no nosso sistema 1 (automático), é necessário, portanto, um animus, e se estamos todos dependentes da ―vontade de potência‖ de julgadores a ou b, temos então uma fraca garantia de justiça. 3.3. Substituição de Características Para a devida explicação da importância do segundo atributo da memória associativa, a substituição de características, inicio explicando sobre o ―Efeito Shotgun‖; intenções de julgamento lembram mais uma shotgun do que um rifle (ou seja, o tiro espalha, não é certeiro). Uma vez que dimensões de julgamento são associados uns com os outros (memória associativa), uma intenção de valorar um atributo particular de um estímulo automaticamente ativa julgamentos de outras dimensões também, por exemplo, num experimento, quando pedido para um grupo de pessoas identificarem rimas em uma música, acontecem erros de incompatibilidade ortográfica: Tendemos a identificar mais VOTE-GOAT do que VOTE-NOTE. O ―tiro da shotgun‖ se espalhou, e você está mais propenso a atribuir rimas, mesmo que não seja exatamente o que pensava. Um traço de personalidade também pode ser endossado na falta de uma evidência direta relevante (substituição de atributos). Por exemplo, evaluar uma pessoa como generosa fará com que haja uma percepção automática de várias outras características (pessoa virtuosa, gentil, amigável). Além disso, esse julgamento de ―pessoa generosa‖ pode ser formado mesmo quando não há evidência alguma para isso. Muitas vezes, um atributo alvo (qualidade que se quer descobrir/sentir) é muito menos acessível do que outro que é realmente evocado. Exemplo: Avaliar a produtividade de trabalho de um jovem iniciante é difícil, mas julgar a qualidade da fala na entrevista de emprego é bem mais fácil; Nesses casos, acontecerá uma substituição de atributos, de uma mais inacessível para uma mais acessível. As perguntas ―Você tem sido feliz ultimamente?‖ ou ―Qual a probabilidade de entrar na faculdade?‖ são difíceis de responder, e a observação é que as pessoas respondem rapidamente e de forma intuitiva. O sistema associativo dá a resposta por um processo de substituição de atributos: O julgamento de um atributo-alvo automaticamente evoca julgamentos sobre atributos relacionados. Se um destes atributos é imediatamente acessível, poderá mapear na escala do alvo (escala de felicidade ou escala de probabilidade, no exemplo), produzindo uma resposta intuitiva para a pergunta baseado no atributo relacionado, e não no atributo alvo. Ou seja, a resposta para uma pergunta difícil é substituída por uma fácil. Ainda na substituição, quando requisitados a julgar uma probabilidade, as pessoas na verdade julgam alguma outra coisa, e creem ter julgado a A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 14 probabilidade. Pense nestas duas perguntas: ―O quão feliz você tem se sentido ultimamente?‖ e ―Quantos encontros você teve mês passado?‖. Percebeu-se, num experimento feito nos anos 80, que não havia diferença na ―média de felicidade‖ de quem saía com muitas pessoas ou poucas, porém, quando inverteu-se a ordem das pergunta, as respostas foram totalmente diferentes (quantos encontros teve/quão feliz é): Nessa sequência, o ―nível de felicidade‖ mudou completamente, indicando que a quantidade de encontros tinha um grande impacto na felicidade dos jovens. A explicação é simples: Na primeira ordem, as perguntas não estavam relacionadas entre si. Na segunda ordem, as perguntas levam os participantes a relacionar uma com a outra, e o impacto emocional da primeira pergunta tem prevalência na resposta da segunda pergunta. A pergunta sobre felicidade é difícil de responder, portanto, uma vez recentemente relacionada com a pergunta anterior, tal resposta será a que irá substituir no momento da tentativa de responder sobre felicidade. Substitui-se a pergunta que foi feita pela qual já havia uma resposta pronta. Qualquer pergunta emocionalmente significativa que altere o humor de uma pessoa terá o mesmo efeito. O estado de espírito presente se engrandece quando as pessoas estimam sua felicidade. Responder perguntas difíceis e julgar probabilidades são atividades principais dos magistrados e jurados. Logo, entendemos que a suscetibilidade dos fenômenos cognitivos possui maior prevalência, por uma questão estatística, observando também outros fatores presentes, nas pessoas que exercem tais atividades. A substituição de atributos é comum e normal, obviamente, por ser um fenômeno natural, mas pode ser o começo de um grande problema na atividade jurídica e na compreensão do justo e injusto. 3.4. Fluência Pesquisas indicam que, após um questionário, pessoas que acertaram doze perguntas acham que foram piores do que pessoas que acertaram seis. Fluência é isso: A ilusão de conhecimento. Pesquisas recentes indicam que existem múltiplos fatores que convergem para uma única dimensão de fluência, o que leva a múltiplas consequências. A intercambiabilidade dos determinantes da fluência é o aspecto mais intrigante destes achados: A qualidade da fonte na qual um problema é apresentado, a complexidade da linguagem, um bom ou mau humor, e a presença ou ausência de suporte contextual; todos parecem ter efeitos semelhantes nos julgamentos de familiaridade, verdade e bondade. O esforço deliberado induz uma experiência subjetiva de tensão e baixa fluência, independentemente de sua fonte, envolvendo um esforço de MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 15 processamento. O desempenho em tarefas cognitivas exigentes, portanto, melhora quando o problema é mostrado em uma fonte que é difícil de ler, ou quando um mau humor é induzido. Figura 1: Causas e consequências do julgamento de fluência Como a Figura 1 ilustra, a fluência é uma entrada para muitos julgamentos (na primeira coluna: ―Preparado‖, coerente, claro, fácil, agradável). Variações irrelevantes nos determinantes da fluência mostrados à esquerda da figura (familiar, verdadeiro, bom, confiante, concreto, próximo) induzirão erros previsíveis nos julgamentos mostrados à direita. Confiança é uma das manifestações de fluência, e pode ser afetado por manipulações irrelevantes: Estudantes de Harvard, respondendo questões de conhecimentos gerais, foram menos confiantes nos seus julgamentos quando instruídos a levantar as sobrancelhas (expressão de esforço) no momento da resposta, do que quando foram instruídos a soprar as bochechas (expressão neutra), o que nos remete à ideia do efeito ideomotor: O comportamento externo (levantar as sobrancelhas, mostrando-se esforçado) influenciou a representação interna, ou seja, ―se preciso me esforçar, é porque não tenho certeza da resposta‖. Os erros associados ao tripé da memória associativa são, portanto, de julgamentos. Claro, como você pôde observar, ―julgamento‖ aqui não se trata somente do jurídico, mas àquele que acontece no dia a dia, de forma ―micro‖, mas é exatamente essa a base e o princípio dos erros de julgamentos ―macros‖, no âmbito judicial; com a automação das funções do juiz, suas tarefas se tornam automáticas, e este é um grandíssimo fator para que cada uma dos erros cognitivos citados aumente as chances de acontecer. Num ambiente onde o formalismo legal é incontestado, a chance de nos depararmos com juízes que inconscientemente A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação submetem seus julgamentos consideravelmente. aos preconceitos ISBN: 978-85-5453-016-7 16 e estereótipos, aumenta 4. COMO ESTEREÓTIPOS ACONTECEM Entender como se constroem nossos pré conceitos é fundamental para a compreensão de nossa própria natureza, e para a racionalização de nossos atos, que parece ser justamente o grande remédio para nossa bagagem cultural tóxica. Pesquisas anteriores têm mostrado que conceitos de traços de personalidade e esteriótipos se tornam automaticamente ativos na presença de comportamento relevante ou na presença de características de grupos estereotipados. Estereótipos se tornam automaticamente ativos na mera presença de atributos físicos associados com o grupo estereotipado, assim como a categorização de comportamento (traços de personalidade), e atribuições sobre a personalidade do agente, tem sido demonstrado que ocorrem automaticamente, em alguma medida. Essas respostas podem ser conscientemente escolhidas na base de percepções e sentimentos automaticamente produzidos. O comportamento social é comumente ativado automaticamente na mera presença de situações-chave relevantes; este comportamento não é mediado pelo consciente, ou processos de julgamentos. Respostas comportamentais podem ser associadas com características situacionais: Comportamentos sociais são representados mentalmente como conceitos de traços e atitudes. Não há razões teóricas ou conceituais do porquê os efeitos de pré-consciência e ativação automática deveriam ser limitadas à percepção e avaliação (sistema 1). A ativação da pré-consciência desenvolve-se a partir da ativação frequente e consistente na presença de estímulos no ambiente. Este (ativação frequente e consistente na presença de estímulos no ambiente) é o mecanismo por trás da automação do traço de personalidade (mera observação do traço característico), por trás das atitudes (na mera presença do objeto) e dos estereótipos (na mera presença de um membro do grupo estereotipado). Na medida em que um indivíduo tem repetidamente a mesma reação à um estímulo social, a representação desta resposta deve vir eventualmente para ser ativada automaticamente na mera presença deste evento. Portanto, se um indivíduo consistentemente se comporta da mesma maneira numa situação, este comportamento deve ficar automaticamente associado com essas características da situação. Podemos explicar historicamente cada pilar que sustenta a formação de estereótipos: William James escreveu que o simples ato de pensar sobre um comportamento aumentava a tendência de se engajar nesse comportamento. Lashley (1951), discursou sobre a produção de fala fluente. Ser capaz de falar palavras de maneira compreensível e em série, requer uma organização prévia das representações a serem utilizadas, na sequência pretendida. A função dessa MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 17 preparação permite a fluidez de pensamentos e ideias faladas e a promulgação de movimentos organizados na ordem correta (pensar tem a função de preparar o corpo para a ação). Já o modelo de processo irônico de Wegner sustenta que atos de controle intencional sobre nosso pensamento e comportamento envolve um monitoramento automático da presença do estado indesejado (se você tentar controlar o seus pensamentos e comportamentos, você ficará automaticamente monitorando o estado em que não quer pensar, ou seja, quanto mais evitar pensar em algo, mais você vai pensar - por isso o modelo é chamado de ―irônico‖). Já um experimento de Carver (1983) forneceu evidências alinhadas com o modelo de ação ideomotora de Berkowitz do efeito de primings agressivos incidindo na agressão. Em um primeiro experimento, o conceito de hostilidade de alguns participantes foi iniciado subliminarmente. Então, no que eles acreditavam ser uma segunda experiência não relacionada, os participantes foram instruídos a dar choques a outro participante "aprendiz" (na verdade, um ator) sempre que ele ou ela desse uma resposta incorreta. Em comparação com os participantes que foram expostos a estímulos de priming neutros, aqueles apresentados subliminarmente com primings relacionados à hostilidade deram choques mais longos. Os resultados de Carver são um indício intrigante de que a influência da percepção nas tendências comportamentais é automática, na medida em que é passiva, não intencional e nãoconsciente. Portanto, evidências de influências automáticas na percepção social, como a ativação automática de estereótipos e efeitos de estímulo na formação de impressões, quando relacionadas à discussão anterior, implicam que podem haver conseqüências comportamentais de percepção social automática para o perceptivo, pois é precisamente quando o indivíduo não tem consciência de um processo perceptivo que o controle consciente sobre ele não é possível, maximizando a possibilidade do efeito passivo de percepção comportamental (ou seja, se você está no automático, sem uma atenção pela do momento, a chance de você ser influenciado pelos vieses de julgamento e estereótipo é muito maior). Das várias correntes de evidências analisadas acima, vários princípios podem ser derivados sobre as condições sob as quais o comportamento social automático será produzido. Primeiro, as representações comportamentais existem e podem se tornar ativadas. Eles podem se tornar ativos e acessíveis quando se pensa sobre esse tipo de comportamento, ativa ou passivamente. A tendência de se comportar de acordo com a representação é aumentada quando é ativada, se a razão para essa ativação é: a) uma intenção de se preparar para esse comportamento (Lashley); b) uma intenção de não participar desse comportamento (Wegner); c) apenas pensar sobre esse comportamento com ou sem a intenção de se envolver nele (James); A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 18 d) apenas perceber esse tipo de comportamento em outra pessoa (Berkowitz). A hipótese atual é que o comportamento social deve ser capaz de ativar automaticamente pela mera presença de características do ambiente atual, assim como percepções e atitudes sociais. Por ―mera presença de características ambientais‖, entende-se que a ativação da tendência comportamental e da resposta deve ser mostrada como pré-consciente; isto é, não depende das atuais intenções conscientes da pessoa. Em três experimentos feitos por John A. Bargh, Mark Chen and Lara Burrows (1996 - se encontra na íntegra nas referências), mostrou-se que a ativação de uma construção de característica ou um estereótipo em um contexto resultou em comportamento consistente com ela em um contexto não relacionado seguinte. A grande diferença destes experimentos para os anteriores, foi que, previamente os participantes receberam o objetivo explícito e consciente de se engajar no comportamento que foi mostrado para ser afetado pela manipulação de priming. Nos estudos de Carver, por exemplo, os participantes foram instruídos a assumir o papel de professor e dar choques a um aprendiz. Esses estudos mostraram que o comportamento intencional poderia ser afetado em intensidade ou duração pela manipulação da agressão (presença de armas ou exposição prévia à sinônimos de agressão), mas não mostrava o comportamento a ser produzido automaticamente, na ausência daquela intenção explicitamente dada. Uma explicação para estes os resultados é em termos de comportamento vinculado à situação; isto é, que uma pessoa tem respostas comportamentais (por exemplo, assertividade, raiva, paciência) que estão associativamente ligadas a situações particulares (por exemplo, fazer-se esperar por outra pessoa, perder o trabalho por causa do erro de outra pessoa). O fato de as pessoas terem respostas comportamentais e perceptivas automáticas ao ambiente social é congruente com a proposta de estudos anteriores, em que as reações psicológicas imediatas ao ambiente são não só de natureza cognitiva ou afetiva, mas também incluem respostas motivacionais e comportamentais. O comportamento social, portanto, pode ser acionado automaticamente por recursos do ambiente. As principais implicações destes resultados são, em primeiro lugar, o grau aparente a que o comportamento social ocorre de forma não intencional e sem envolvimento consciente na produção desse comportamento. Em segundo lugar, os resultados apontam para a possibilidade de que a ativação automática dos estereótipos de grupos sociais, pela mera presença de características de grupo, pode levar a pessoa a se comportar de acordo com esse estereótipo sem perceber (por exemplo, com hostilidade da expressão facial ou tom de voz). Por esse primeiro ataque, portanto, pode-se extrair esse mesmo tipo de comportamento em resposta. Mas como não se tem consciência do próprio papel MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 19 em provocá-lo, pode-se atribuí-lo ao membro do grupo estereotipado (e, portanto, ao grupo). Demonstrado o comportamento social automático, um importante ponto teórico pode ser feito: O comportamento social é como qualquer outra reação psicológica a uma situação social, capaz de ocorrer na ausência de qualquer envolvimento ou intervenção consciente. Não é necessário, portanto, que quando estivermos tratando de decisões judiciais, o magistrado tenha um histórico relatado de sentenças imparciais ou de cunho ideológico para colocarmos em cheque a integridade da decisão. Se o comportamento social, condicionado por estereótipos, é automático, o será também nas audiências e escolhas diárias. Como observado, o estereótipo automático depende de quatro condicionantes. No exercício cognitivo do juiz, um esforço deliberado, por exemplo, é constantemente usado, para a função do seu trabalho. As pesquisas seguintes irão tratar exatamente deste esforço, que, como veremos, também poderão levar à decisões automáticas fundamentadas pelo ―esgotamento de energia mental‖, ou como chamamos na psicologia: Esgotamento do ego. 5. A JUSTIÇA É O QUE O JUIZ COMEU NO CAFÉ DA MANHÃ? Imagine que alguém lhe peça para decorar um poema. Enquanto você está no processo de estudo, deliberando esforço, a mesma pessoa pede para escolher a sobremesa do dia: Bolo de chocolate ou salada de frutas? As evidências de esgotamento do ego sugerem que você escolheria o bolo de chocolate quando sua cabeça estiver carregada de versos e rimas. O sistema automático exerce maior influência no comportamento quando o seu sistema racional está ocupado. Pessoas ―cognitivamente ocupadas‖ também têm maior probabilidade de fazer escolhas egoístas, usar linguajar sexista e fazer julgamentos superficiais em situações sociais. Usar essa capacidade de controle sobre o comportamento exige autocontrole, do qual exige atenção e esforço, que por sua vez exige energia mental; quando este se esgota, a capacidade de tomar decisões racionais diminui, e então acontece o que chamamos de esgotamento do ego. Esta ideia de ―energia mental‖ não é só uma metáfora. Pesquisas comprovam que o sistema nervoso consome mais glicose do que outras partes do corpo, portanto, os efeitos do esgotamento do ego podem ser anulados com a injeção de glicose (açúcar). A pesquisa que é a fonte principal deste tópico (Shai Danziger, Jonathan Levav and Liora Avnaim-Pesso, 2010) nos da uma perturbadora demonstração dos efeitos do esgotamento. Mostram juízes em duas pausas diárias, que resultam na segmentação das deliberações do dia em três ―sessões de decisão‖ distintas. Descobre-se que a porcentagem de decisões favoráveis cai A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 20 gradativamente de 65% para quase zero em cada sessão de decisão e retorna abruptamente para ≈65% após um intervalo. As descobertas sugerem que as decisões judiciais podem ser influenciadas por variáveis externas que não devem ter influência sobre as decisões judiciais. O artigo testa a caricatura comum do realismo de que a justiça é ―o que o juiz comeu no café da manhã‖ em decisões sequenciais de liberdade condicional feitas por juízes experientes (média de 22 anos de carreira). Fazer julgamentos ou decisões repetidas ―esgota‖ a função executiva e os recursos mentais dos indivíduos, o que pode, por sua vez, influenciar suas decisões subsequentes. Escolhas sequenciais e o aparente esgotamento mental que elas evocam também aumentam a tendência das pessoas de simplificar as decisões, aceitando o status quo. Esses estudos sugerem que as tomadas de decisões repetidas pode aumentar a probabilidade de os juízes simplificarem suas decisões. À medida que os juízes avançam na sequência de casos (cuja ordem é determinada aleatoriamente), eles estarão mais propensos a aceitar o resultado padrão, o status quo: negar o pedido de um prisioneiro. Descobriu-se que a probabilidade de uma decisão favorável é maior no início do dia de trabalho ou depois de uma pausa para comida do que mais tarde na sequência de casos. Esse padrão é prontamente evidente na figura 1 (próxima página), que traça a proporção de decisões favoráveis por posição ordinal para 95% das observações em cada sessão de decisão. O enredo mostra que a probabilidade de uma decisão a favor de um prisioneiro aumenta no início de cada sessão - a probabilidade de uma decisão favorável diminui constantemente de 65% para quase zero e sobe de volta para ≈65% após um intervalo para uma refeição. A Figura 2 A e B apresenta um histograma da probabilidade de uma decisão favorável para casos de características legais semelhantes que apareceram em uma das três posições ordinais no início versus no final de uma sessão de decisão; da perspectiva do prisioneiro, há uma clara vantagem em aparecer no início da sessão (ou seja, no início do dia ou imediatamente após o intervalo). Figura 1: Proporção de decisões favoráveis X Momento da decisão O sinal positivo e a significância das variáveis indicadoras dos três primeiros casos em cada sessão confirmam que o padrão da figura 1 se mantém MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 21 mesmo controlando os atributos legais do caso e a tendência geral dos juízes de se pronunciar contra o prisioneiro como o número de casos antes deles se monta (isto é, o principal efeito de tomar decisões repetidas). Portanto, embora os dados não permitam testar diretamente se a justiça é o que o juiz tinha para o café da manhã, eles sugerem que as decisões judiciais podem ser influenciadas se o juiz fez uma pausa para comer. Das variáveis de controle legalmente relevantes inseridas nas regressões, apenas o número anterior de encarceramentos do preso e a presença de um programa de reabilitação consistentemente exerceram uma influência estatisticamente significativa nas decisões dos juízes. Os prisioneiros que apresentavam uma tendência à reincidência eram menos propensos a receber julgamentos favoráveis, assim como os prisioneiros que não tinham um programa de reabilitação planejado. A gravidade do crime do prisioneiro e o tempo de prisão serviram para não influenciar as decisões, nem o sexo e a etnia. As evidências sugerem que, quando os juízes tomam decisões repetidas, eles mostram uma tendência crescente de decidir a favor do status quo. Essa tendência pode ser superada com uma pequena pausa para fazer uma refeição, alinhado com pesquisas prévias demonstrando o efeito de pequenos descansos, bom humor e da glicose na reposição de recursos mentais. Portanto, os resultados indicam que variáveis estranhas ao ambiente jurídico podem influenciar decisões judiciais, o que reforça o crescente corpo de evidências que apontam para a suscetibilidade de juízes experientes a vieses psicológicos. Finalmente, as descobertas apoiam a visão de que a lei é indeterminada, mostrando que determinantes situacionais legalmente irrelevantes (neste caso, apenas fazendo um intervalo para comida) podem levar um juiz a governar de forma diferente em casos com características legais semelhantes. 6. O QUE É BONITO, É INOCENTE Não são só juízes as figuras que tem o poder de julgar outrem de forma judicial. Júris populares sofrem do mesmo problema de vieses cognitivos, com o agravante da falta de expertise jurídica. Partindo do pressuposto de que existem os dois já citados sistemas, um racional (sistema 2) e outro experiencial (sistema 1 experiencial será usado no sentido de ―emotivo‖ para estar de acordo com o artigobase deste capítulo, que trata o Sistema 1 apenas desta maneira), os pesquisadores Justin G. Gunnel, J.D e Stephen J. Ceci examinaram se os indivíduos influenciados pelo sistema experiencial são mais suscetíveis a vieses extralegais (por exemplo, a beleza do acusado) do que aqueles influenciados pelo sistema racional. Os participantes revisaram a transcrição do julgamento criminal e o perfil do réu e determinaram o veredito, a sentença e a suscetibilidade extralegal. Embora os ―emocionais‖ e os ―racionais‖ (Observação: No artigo, o autor usa uma imputação de A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 22 priming, ou seja, ele controla o ambiente de maneira que um grupo se tornará mais emotivo, e outro grupo mais racional. Portanto, não são pessoas racionais ou pessoas emotivas, mas sim o próprio pesquisador é quem imputa, para estes experimento especificamente, determinado ―estado de espírito‖) tenham condenado réus atraentes em taxas semelhantes, os ―emocionais‖ eram mais propensos a condenar réus menos atraentes. Enquanto os ―racionais‖ não sentiam os réus atraentes e menos atraentes diferentemente, os ―emocionais‖ deram sentenças mais brandas aos réus atraentes e sentenças mais severas aos réus menos atraentes. Os ―emocionais‖ também eram mais propensos a relatar que fatores extralegais mudariam seus vereditos. Além disso, o grau em que a emoção superou a racionalidade dentro de um indivíduo, correlacionando-se linearmente com sentenças mais duras e influência extralegal. Em suma, os resultados suportam um efeito de "dureza não-atrativa" durante a determinação da culpa, um efeito de leniência de atração durante a sentença e maior suscetibilidade a fatores extralegais nos jurados ―emocionais‖. Um dos corpos mais convincentes de evidências mostrando que os jurados são influenciados por características extralegais é o das características físicas do réu, confirmando a antiga frase do filósofo grego Sappho de que "o que é bonito é bom". No geral, o viés de atração tem mostrado operar entre tomadores de decisão (juízes e jurados), tipos de crime e tipo de julgamento (criminal e civil), embora seja moderado pela seriedade do crime e pela força de provas contra o requerido. Nos julgamentos reais, os jurados são expostos a manipulações conflitantes de evidências por advogados de ambos os lados, portanto, ter jurados puramente experientalizados ou puramente racionalmente motivados no mundo real é improvável, até mesmo irreal, porque embora um lado possa tentar chamar a atenção dos jurados para emocionais aspectos da evidência, o outro lado pode tentar persuadi-los a considerar as evidências de uma maneira lógica e sem emoção. Os jurados trazem para este concurso as suas próprias tendências naturais de processamento, que influenciam, em última análise, a maneira como resolvem essas apresentações conflitantes. O presente estudo procurou determinar se os jurados que eram naturalmente influenciados por seu sistema experiencial eram mais suscetíveis a vieses extralegais do que suas contrapartes racionalmente influenciadas, e procuraram fazê-lo no contexto de um julgamento criminal. Um princípio fundamental do princípio do Sistema 1 e 2 é que os sistemas racional e experiencial não são mutuamente exclusivos, mas coexistem em uma coabitação cognitiva quase simbiótica, onde o comportamento é o resultado da interação entre os dois sistemas (Epstein, 2003). A teoria pressupõe que cada indivíduo tem o potencial de se envolver em processamento analítico ou experiencial e o faz dependendo de uma variedade de fatores, incluindo o modo costumeiro de responder a um problema em particular (por exemplo, um problema de matemática MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 23 geralmente será abordado de modo racional e problemas interpessoais em um modo experiencial). Além disso, a extensão do processamento analítico ou experiencial é uma função do nível de envolvimento emocional (situações ricas em envolvimento pessoal emocional são muitas vezes ultrapassadas pelo sistema experiencial) e a quantidade de experiência relevante em situações semelhantes ou com problemas semelhantes (quanto mais familiar a situação, mais provável é que o sistema experiencial a manipule intuitivamente como sempre foi tratado anteriormente) (Epstein, 2003). Além disso, um fator crucial que desempenha um papel no grau em que se confia em um sistema em detrimento do outro é a preferência individual. Embora os dois sistemas sejam adaptativos, independentes e interativos, as pessoas diferem no grau em que tendem a confiar em qualquer um deles no decorrer de sua tomada de decisão devido a sua preferência pessoal. A avaliação das tendências de processamento individual em vários estímulos e ao longo do tempo revelou o estilo de processamento natural dos indivíduos. Portanto, classificar os indivíduos como um julgador principalmente experiencial ou primordialmente racional é apoiado tanto pela teoria quanto pelos resultados empíricos. Em resumo, os sete principais resultados deste estudo foram: a) Participantes emocionais condenaram réus menos atraentes com penas 22% maiores do que participantes racionais; b) Participantes emocionais sentenciaram réus menos atraentes, em média, a 22 meses de prisão mais do que condenaram réus atraentes, enquanto participantes racionais não sentenciaram diferencialmente em função da atratividade; c) quanto maior o grau em que o sistema experiencial superou o sistema racional em um dado participante, mais provável que o participante sentenciou o réu menos atraente a sentenças mais severas; d) Participantes emocionais eram mais propensos a relatar que fatores extralegais teriam mudado seus veredictos (por exemplo, trabalho de caridade do réu); e) quanto maior o grau em que o sistema experiencial superou o sistema racional em um dado participante, mais provável que o participante relatasse fatores extralegais afetaria seus vereditos. f) havia uma tendência para os participantes emocionais classificarem os réus menos atraentes como mais propensos a serem o "tipo de pessoa" que cometeram crimes; e g) Os participantes emocionais também exibiram uma tendência global de ser mais propensos à convicção, independentemente da atratividade do réu, condenando os réus em geral a uma taxa 15% maior do que os participantes racionais. A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 24 Embora os réus atraentes não se saíssem melhor em geral, mesmo se tivessem jurados experimentais fazendo seus julgamentos de culpa (isto é, foram condenados nas mesmas taxas pelos jurados E e R) réus menos atraentes se saíram pior se sua determinação de culpa fosse feita por um jurado E, sendo 22% mais propensos a ser condenado por um jurado E do que por um jurado R. Então, ao invés de um viés de leniência de atração operando entre os jurados E, um viés de convicção de "autoritarismo do feio" foi exibido. Embora as magnitudes de alguns dos efeitos fossem moderadas, elas pareciam ter alguma importância no mundo real, porque são grandes o suficiente para pressagiar resultados praticamente importantes (por exemplo, jurados E condenaram réus não atraentes a 22 meses a mais de prisão). Além dos resultados estonteantes, que devem ser discutidos, firma-se que a prévia ênfase de psicólogos do direito em características externas dos jurados e réus (cor, idade, gênero, beleza, etc) podem ser associadas com características internas de processamento (julgamentos, estereótipos, etc). Neste ponto, portanto, conectamos as influências internas (preconceitos de beleza) ao comportamento emitido, e principalmente ao estado emocional. Se o direito fosse uma ciência, já a muito tempo a figura do júri popular teria sido extinta. Não há argumentos que sustentam a continuidade de um instituto que é tão suscetível a erros, jurídicos e principalmente psicológicos. 7. O DIREITO AO ERRO DO JUIZ De fato, juízes são humanos. Esta é a única condição necessária para que o magistrado (inclui-se aqui também os participantes do júri popular) esteja suscetível aos erros cognitivos, desde o priming effect até o esgotamento do ego. Já passamos por todas as evidências de que os julgamentos podem ser afetados de forma inconsciente, mas o que viria depois disso? Há portanto, uma necessidade de lidar com a possibilidade do injustiça diariamente, e, sabendo disso, não é uma opção negligenciar os erros cognitivos. O direito no Brasil é tradicionalista e lento em relação à novas descobertas e outras ciências. Existe, de fato, uma tendência ao formalismo legal muito maior do que ao realismo, o que é um triste sintoma do conservadorismo que ronda o sistema judiciário. A partir desta ótica, é possível ver o juíz como vítima do sistema: Mal formado em relação a importância da psicologia no direito nas graduações, é rodeado por uma construção cultural (ironicamente, psicológica) de enaltecimento de suas próprias decisões. Dito isso, qual deve ser a postura correta em relação aos prováveis erros cognitivos do juiz é um debate que atrai as atenções, principalmente da ótica científica. O primeiro ponto é: O magistrado (ou júri), possui culpa de um julgamento enviesado? A resposta é que obviamente, não. Os fenômenos cognitivos MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 25 automáticos podem de fato ser evitados (não na maioria das vezes), mas o gasto de atenção e esforço para tanto seria tão grande, que se tornaria insustentável e moroso, tornando mais lento ainda os trâmites judiciais, o que é exatamente o que não precisamos para o nosso sistema judiciário. O ideal de justo está comprometido pela própria natureza humana, mas como sempre o fizemos, podemos tentar controlá-la; neste caso, principalmente com divulgação de conhecimento científico. O fato do judiciário estar ciente das ciências que os permeiam, nos aproximaria de um autoconhecimento que inevitavelmente levaria à reflexão dos próprios processo automáticos diários, que parece ser justamente o grande causador de erros cognitivos. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado em evidências científicas empíricas, chegamos à inevitável conclusão que o sistema judiciário não é totalmente racional, e que sofre influências extralegais que não deveriam acontecer. O resumo é um olhar para nós mesmos, pois tais influências não são apenas externas, mas também internas; são nossos próprios conceitos e nossa própria história de vida que coloca um sobrepeso na balança da justiça. Embora o foco do artigo tenha sido em decisões judiciais, suspeita-se da presença de outras formas de simplificações de decisões de especialistas em outras áreas, nas decisões ou julgamentos sequenciais importantes, como decisões legislativas, decisões médicas e decisões financeiras. Os resultados dos revisionados artigos adicionam à literatura que documenta como os especialistas não estão imunes à influência de informações irrelevantes nas suas decisões. De fato, a caricatura de que a justiça é o que o juiz comeu no café da manhã pode ser uma caricatura apropriada para a tomada de decisão humana em geral. Entendemos assim, então, o peso dos preconceitos que carregamos, e principalmente, como eles se manifestam de forma inconsciente, e impactam nossas escolhas, que acreditamos ser fruto de racionalidade. Quando nos transportamos ao mundo jurídico, principalmente em uma ação que estamos pessoalmente envolvidos, temos a comum idealização de que, naturalmente, se fará justiça. É incômodo pensar que a ―tabula rasa‖ não existe, e o futuro da vida civil de alguns pode ser comprometido pelo estado de espírito presente do juiz ou jurados. A noção de justo deve ser posto à prova, e o sistema processual, repensado, de forma que os mecanismos impostos blindem as influências psicológicas externas (e internas, eventualmente). O que está ao nosso alcance, de fato, é aceitar que temos estereótipos e preconceitos que nos rondam a todo o momento e são inevitáveis, aplicar melhor o pensamento científico nas graduações, de forma que nos questionemos a todo momento, e estar aberto à integração de outras ciências no sistema judiciário. Nada A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que influenciam as decisões judiciais – pp. 08-26 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 26 em nosso universo é binário e simplista, a busca de verdade real possui inúmeras óticas, e a justiça se faz observando todas elas, contradizendo a ideia de que ―a justiça é cega‖. De fato, nunca foi, mas não só isso: É também enviesada. O juiz é um meio da concepção de se fazer justiça, um portador da balança e da espada e que de fato, pode ser cognitivamente cega, esfomeada, e que ama pessoas bonitas. REFERÊNCIAS KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. 608 p. MOREWEDGE, Carey K. Morewedge. KAHNEMAN, Daniel. Associative Process in Intiuitive Judgment. Trends in Cognitive Sciences. 2010: 435-40. BARGH, John A. CHEN, Marl. BURROWS, Lara. Automaticity of Social Behavior: Direct Effects of Trait Construct and Stereotype Activation. Journal of Personality and Social Psychology. 71. 1996: 230-44. DANZIGER, Shai. LEVAV, Jonathan. AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous factors in judicial decisions. Proceedings of the National Academy of Sciences. 108(17). 2011: 6889–6892. GUNNELL, Justin J. J. D. CECI Stephen J. When Emotionality Trumps Reason: A Study of Individual Processing Style and Juror Bias. Whiley Online Library. 28. 2010: 850–877. MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 27 A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP Rafaella Ribeiro de Figueiredo Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Ana Beatriz Fernandes Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Dênis Morgão Sertório Graduando em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Ana Carolina Garcia Braz Trovão Medicina – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO A adolescência é definida pela transição entre a infância e fase adulta e pode abranger diversos períodos de idade, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o período entre 10 e 19 anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) entende a adolescência como idade de 15 a 24 anos. No Brasil esta é conceituada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entre 12 e 18 anos. Apesar de diversas definições é caracterizada pelo impulso no desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social do indivíduo (EISENSTEIN, 2005). Além disso, é na adolescência em que ocorre o desenvolvimento das habilidades pessoais e interpessoais, por isso o indivíduo busca interações sociais e integração em seu meio, o que pode influenciar em sua tomada de decisões. Ademais este período é caracterizado por um universo de experimentações (descoberta do novo) e identificações e este processo pode justificar o uso de substancia lícitas e ilícitas. O consumo de drogas, entre os adolescentes, vem aumentando na sociedade contemporânea, estimulado por diversos fatores relacionados ao desenvolvimento, principalmente social, desta fase da vida do indivíduo (PEREIRA VASTERS e PILLON, 2011). Drogas são definidas por qualquer substância que produz uma alteração do funcionamento natural do sistema nervoso central do indivíduo quando introduzida ao organismo, e, além disso, é suscetível a criar dependência A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP – pp. 27-34 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 28 psicológica, física ou ambas (MEDINA, REBOLLEDO e PEDRÃO, 2004). Segundo estudos de escala internacional, seu consumo tem aumentado. Na Grã Bretanha, é visto que cerca de 100.000 habitantes de sua população têm utilizado heroína (GERADA e ASHWORTH, 1997). No Chile, a taxa nacional de consumo em todos os níveis socioeconômicos é de 11% entre as mulheres e 17% entre os homens, sendo que a droga mais consumida é o álcool (70%), e depois desta a maconha, com 16,3% (DONOSO , 2003). No Brasil, dados de 2010, evidenciam que a droga mais consumida por alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e privadas é o álcool com taxas de 42,4%, seguido do tabaco (9,6%) e maconha (3,7%). Quando avaliado apenas os dados de estudantes da rede pública de ensino, a terceira droga mais utilizada com taxas de 4,9% são solventes e inalantes, seguido de maconha (3,7%) e de anfetamínicos (2,1%). Comparando estudantes de rede de ensino públicas e privadas, houve maior consumo de drogas, exceto tabaco e álcool, entre os estudos de rede privada, 13,6% e taxas de 9,9% entre os de rede pública (REIS e BASTOS, 2010). O Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) é uma das ações do Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2003, com a união do Ministério da Saúde e Ministério da Educação, a fim de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de ensino por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde. O projeto tem como objetivo realizar ações de promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva de adolescentes e jovens. Além disso, pode ser utilizada como ferramenta para prevenção do uso de drogas e conscientização dos riscos de seu consumo (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018). Para a realização destas ações, é indispensável reconhecer que o jovem é detentor de saberes e práticas que devem ser respeitadas e valorizadas na construção do conhecimento. Deste modo, construir espaços de diálogo entre adolescentes, professores, profissionais de saúde e comunidade é, comprovadamente, um importante dispositivo. Assim, a abordagem sobre drogas no ambiente escolar é uma forma de educar, informar e problematizar os riscos e as consequências de seu uso através da criação de vínculo com os adolescentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). As metodologias ativas, de acordo com Bastos são definidas como um ―processo interativo de conhecimento, análise, estudos, pesquisas e decisões individuais ou coletivas, com a finalidade de encontrar soluções para um problema‖. Estas se baseiam em formas de desenvolver o processo de aprendizagem, utilizando experiências reais ou simuladas, visando às condições de solucionar, com sucesso, desafios advindos das atividades essenciais da prática social, em 5 diferentes contextos. (BASTOS,2006) FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 29 O uso dessas metodologias, segundo Berbel, podem propiciar uma motivação autônoma para a produção do conhecimento, quando integrar a percepção do aluno para a origem de uma própria ação, ao exibirem oportunidades de problematização de situações envolvidas no contexto social. Dessa maneira, as metodologias ativas se apresentam como ferramentas essenciais no estabelecimento de um diálogo que promove reflexão e enfrentamento de questões de difícil abordagem por trazerem consigo conflitos, contradições e, sobretudo, o interesse dos jovens. (BERBEL,2011) Assim, devido a grande taxa consumo de drogas entre os adolescentes a abordagem do tema é de grande importância, destacando a prevenção e conscientização dos agravos à saúde gerada pelo seu uso. 2. OBJETIVOS Relatar a experiência de estudantes de medicina acerca da utilização de metodologias ativas, na abordagem sobre o uso de drogas por adolescentes, a fim de promover maior sensibilização por meio da reflexão sobre o tema. 3. METODOLOGIA Para realização da atividade participaram cerca de 50 adolescentes que cursavam o ensino médio de uma escola pública estadual na cidade de Franca/SP, com idades entre 14 e 18 anos, os quais foram divididos aleatoriamente em grupos de 4 a 5 integrantes. Foram realizadas duas rodadas da mesma atividade, assim, havia cerca de 25 alunos em cada rodada. Foram eleitas 5 drogas cujo uso, segundo pesquisas realizadas no Brasil, é mais prevalente nessa faixa etária: álcool, ecstasy, maconha, cocaína e ―lança perfume‖ para serem trabalhadas por cada grupo, fazendo um rodízio com o intuito de trabalhar cada droga de forma individual. Cada grupo continha um acadêmico como aplicador, o qual foi responsável por descrever dicas previamente elaboradas que abordavam 4 tópicos acerca de um determinado entorpecente: modo de utilização/ingestão da droga; mecanismo de ação no sistema nervoso central; efeitos desejados e indesejados e consequências do uso agudo e crônico. Desta forma, após a leitura das dicas, os adolescentes discutiam entre si quais as substâncias poderiam causar tais efeitos, revelavam sua escolha e justificavam a resposta. Ao término da discussão, o aplicador revelava o nome da droga em questão e retomava todos os efeitos citados, enfatizando a capacidade da droga de causar vício e o mecanismo envolvido na dependência, com explicações simples sobre a ação no sistema nervoso central. Em seguida, os alunos trocavam de grupo e repetiam a atividade com outra droga. Ao final de todos os grupos foi A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP – pp. 27-34 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 30 realizada uma síntese com ênfase no mecanismo da dependência química e uma breve discussão sobre as dúvidas que surgiram durante a dinâmica. 4. RESULTADOS A realização do projeto não permite a elaboração de dados quantitativos sobre o uso de drogas entre os adolescentes. Os estudantes foram bastante participativos durante toda a atividade, o que reforça a necessidade de utilização de metodologias ativas para este público, uma vez que detém a atenção dos adolescentes e permite ao aplicador conhecer em detalhes o nível de informação dos participantes e conseguir retirar suas dúvidas e correlacioná-las com seu contexto social, além de possibilitar a construção ativa do conhecimento. Os estudantes de medicina identificaram que a maioria dos alunos conseguiram reconhecer a droga sem que o aplicador expusesse todas as dicas e, que além disso, eram capazes de indicar outras drogas que desencadeavam efeitos semelhantes, informando que já teriam contato direto ou indireto com a substância. Entretanto, apesar do conhecimento sobre os efeitos, foi perceptível que a maioria desconhecia o potencial risco de dependência e o mecanismo de ação das substâncias abordadas, o que possibilitou ainda discussão e reflexão sobre os mecanismos de dependência. A participação ativa dos jovens foi de suma importância para o aproveitamento da atividade, uma vez que, através das questões levantadas a partir do conhecimento prévio dos adolescentes, cada aplicador direcionou a dinâmica para informações específicas de acordo com o tema e nível de conhecimento de cada grupo e dúvidas geradas durante a aplicação da atividade. Desta forma, permite que o conhecimento teórico seja aplicado a sua realidade e permita consolidações desta informação. 5. DISCUSSÃO Na atenção básica, o modelo de ações de promoção da saúde, pautado na formulação da Saúde da Família, tem proporcionado mudanças positivas na relação entre os profissionais de saúde e a população, pois houve uma evolução na comunicação entre os dois pontos-chave da situação, ou seja, tanto entre os profissionais quanto os usuários do sistema de saúde. Com essa maior interação entre profissionais da saúde e comunidade, tornou-se possível o desenvolvimento de um canal permanente de interação. Por meio da integração do setor da saúde e da educação, essa mesma interação é construída. As alterações na própria estrutura dos serviços prestados pelo setor da saúde modificou o padrão de assistência oferecida à população pelo sistema público de saúde, pois, sabe-se que a população, cada vez mais, torna-se empoderada no sentido de compreender o FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 31 conceito de que saúde ultrapassa os limites da ausência de doença. Por esse motivo, a atuação permanente do projeto SPE apresenta impacto significativo no desempenho de ações que visam promover a conscientização da população adolescente (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018). A atuação dos acadêmicos de medicina é uma ferramenta com grande potencial, uma vez que, desde o início da graduação, os discentes são encorajados a buscar o conhecimento sobre o sistema de saúde, as demandas específicas da população e a reconhecer as potencialidades e fragilidades do território. Sendo assim, o que se refere à contribuição para a comunidade, deve-se ressaltar que o projeto SPE promove o desenvolvimento de futuros profissionais capazes de atuar integralmente na vigilância à saúde e mais familiarizados com as particularidades de cada faixa etária. Diante dessa abordagem, pode-se ressaltar o quanto é relevante compreender que o jovem é detentor de saberes e práticas que devem ser respeitados e valorizados na construção do conhecimento. Deste modo, construir espaços de diálogo entre adolescentes, professores, profissionais de saúde e comunidade é, comprovadamente, um importante dispositivo. Assim, a abordagem sobre drogas no ambiente escolar é uma forma de educar, informar e problematizar os riscos e as consequências de seu uso através da criação de vínculo com os adolescentes (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018). Através da metodologia ativa, obtém-se a vantagem de se perceber quais os conhecimentos os participantes já possuem, trabalhando mais profundamente os aspectos ainda deficitários. Foi utilizada a metodologia ativa sob a forma de interpretação e reflexão a partir do conhecimento prévio dos participantes. O objetivo dessa abordagem é conseguir discutir em uma linguagem acessível sobre um tema polêmico, mas, de extrema relevância diante do contexto ao qual estamos inseridos. A escolha da abordagem sobre drogas surgiu de uma demanda existente e, por essa razão, houve todo um planejamento para a atividade em questão. A identificação do adolescente de risco em função do consumo de drogas está, na sua grande maioria, associada a situações de vulnerabilidade social, o que se faz presente na realidade da escola. Além disso, há a falta de acesso a informações compreensíveis, adaptadas ao nível de interpretação dos adolescentes, principalmente sobre os conceitos que envolvem o processo de saúde-doença, como o risco da dependência (PEREIRA VASTERS e PILLON, 2011). Essa realidade tornou-se clara por meio da aplicação da metodologia ativa, pois foi possível perceber que apesar de muitos conhecerem as drogas e seus efeitos, desconheciam o mecanismo de ação e a potencialidade de causar a dependência. Deve-se também salientar que diversos estudos já trazem uma associação do uso de drogas na adolescência com o desenvolvimento, a exacerbação de sintomas e até com um pior prognóstico para distúrbios psiquiátricos. Diante disso, deve-se destacar mais um fator que corrobora para a relevância da ação em saúde realizada. Ademais, há uma relação clara entre o uso A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP – pp. 27-34 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 32 de canabinóides e um Transtorno esquizofrênico-like, que pode se evidenciar com sintomas positivos, como alucinações, delírios, pensamentos desordenados (modos de pensar incomuns ou disfuncionais) e distúrbios do movimento (movimentos do corpo agitado), negativos, como redução do afeto (expressão reduzida de emoções através da expressão facial ou tom de voz), reduzir os sentimentos de prazer na vida cotidiana, dificuldade em iniciar e manter atividades e redução de fala ou até mesmo por sintomas cognitivos. Foi constatada uma relação de ―fator de risco‖ entre o uso de desse psicotrópico e os transtornos psiquiátricos, porém, as evidências já mostram que o entorpecente por si só não causa tal enfermidade (SEWELL, SKOSNIK, et al., 2010). Há, também, alertas ao fato de o cérebro ainda estar passando por sua fase final de maturação na adolescência, e que a exposição a drogas, principalmente a maconha, que tem alta afinidade com o sistema endocanabinóide humano, pode causar modificações sutis na neuroplasticidade cerebral, desencadeando os transtornos psiquiátricos, como já citado, ou ainda modificando a funcionalidade desse sistema a longo prazo, que permanecerão até a vida adulta do indivíduo (PAROLARO, 2010). Em um estudo realizado em Pelotas/RS, evidenciou-se que há uma relação entre maior número de faltas nas aulas e pior desempenho escolar, avaliado através de reprovações, com duas vezes mais chance de ocorrer em jovens que faziam o uso de drogas. Entretanto, o mesmo estudo reafirma que não há uma evidência causal do uso de drogas levando a tal queda de rendimento, visto que problemas sociais dos jovens também poderiam levá-los a um pior aproveitamento escolar e ao uso de drogas. Todavia, fica o alerta para que se avalie o uso dessas substâncias como fatores associados e que se desestimulem seus usos a fim de garantir um melhor desempenho cognitivo (TAVARES, BÉRIA e LIMA, 2010). Diante dessa abordagem, pode-se também inferir que, mesmo havendo diversas campanhas sobre o tema, quando as informações não são compreendidas, tornam-se ineficazes. Por essa razão, vale ressaltar o impacto do projeto SPE, uma vez que, por meio dele, há a realização de prevenção e promoção de saúde perante a demanda específica identificada, as quais necessitam de tempo, vínculo e continuidade para surtirem efeito. Ademais, a oportunidade de problematizar o consumo de drogas, permitiu aos jovens elucidar muitas questões, inclusive sobre os desafios de não usá-las em uma esfera em que há diversos fatores facilitadores para o uso. Entretanto, deve-se ressaltar que ainda é preciso intensificar esse processo de ações preventivas, pois através dessa atividade, foi perceptível que apesar do conhecimento sobre as drogas, os alunos desconheciam todos os seus efeitos, as causas da dependência e as consequências a longo prazo decorrentes do uso de tais substâncias. Assim, pode-se afirmar que é preciso explorar e trabalhar cada vez mais na elaboração de medidas que possam articular a FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 33 assimilação do conhecimento como uma fonte de promoção da saúde, principalmente quando o público alvo é jovem, o qual demanda informações objetivas desvinculadas do discurso opressor e autoritário. Por fim, sobre a experiência do uso da metodologia ativa, deve-se destacar que, como aplicadores, foi possível identificar que a dinâmica foi eficaz, pois, alcançou a meta de proporcionar aos participantes um momento de reflexão sobre o uso de drogas, sem a necessidade de um discurso proibitivo e sim por meio de uma motivação na produção de um conhecimento estruturado e integrado, capaz de instigar uma reflexão individual sobre suas próprias ações, uma vez que o enfoque era problematizar situações envolvidas nas consequências do abuso de drogas e empoderar os adolescentes a se posicionarem quanto ao assunto. 6. CONCLUSÃO A partir dessa vivência, foi possível identificar que muitos jovens conhecem e fazem uso de drogas de recreação, expondo-se ao risco de evoluírem do uso experimental para a dependência. Logo, a metodologia utilizada foi fundamental para envolvê-los na atividade e levá-los à tal reflexão. Tais práticas são essenciais para a compreensão dos fatores envolvidos no uso dessas substâncias pelos jovens, de modo a agirmos mais ativamente sobre esse cenário e contribuirmos para possível redução do consumo, à luz de práticas intersetoriais como saúde e educação. Reforça-se que a ferramenta intersetorial criada pelos Ministérios da Saúde e Educação ainda é pouco utilizada pela Atenção Básica como meio de promover saúde e prevenir doenças e agravos, mesmo esta tendo grande importância para empoderar os jovens sobre assuntos que influenciarão ao longo de todo o resto de suas vidas. Conclui-se, também, que a falta de conhecimento sobre os possíveis danos que o consumo de drogas pode gerar, torna evidente a necessidade de se apresentar aos jovens tais risco ao uso dessas substâncias, e como elas podem interferir em suas relações emocionais, sociais e laborais, tanto no presente, quanto no futuro. REFERÊNCIAS BASTOS, C. C. Metodologias Ativas. [S.l.]. 2006. BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes., v. 32, n. 1, p. 25-40, 2011. DONOSO , J. Drogas y universidad. La Estrella de Arica, n. 27, Out 2003. A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP – pp. 27-34 Psicologia e Transformação EISENSTEIN, E. Adolescência: definições, conceitos adolescência e saúde, v. 2, n. 2, Abr-Jun 2005. ISBN: 978-85-5453-016-7 34 e critérios. Revista GERADA, ; ASHWORTH, M. ABC of mental health: Addiction and dependence—I: Illicit drugs. The BMJ, v. 2, Ago 1997. MEDINA, M. O. D.; REBOLLEDO, E. A. O.; PEDRÃO, L. J. El significado de drogas para el estudiante de enfermaria segun el modelo de creencias em salud de Rosenstock. Rev Latino-Am enfermagem, v. 12, Mar-Abr 2004. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Projeto Saúde e prevenção nas escolas (SPE). Ministério da Educação, 2018. Disponivel em: <http://portal.mec.gov.br/projetosaude-e-prevencao-nas-escolas-spe>. Acesso em: 19 Maio 2019. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes para Implementação do projeto Saúde e prevenção nas escolas. Série Manuais Nº 77, 2006. PAROLARO, D. Consumo de cánnabis de los adolescentes y esquizofrenia: evidencias epidemiológicas y experimentales. Revista Adicciones, v. 32, n. 3, 2010. PEREIRA VASTERS, G.; PILLON, S. C. O uso de drogas por adolescentes e suas percepções sobre adesão e abandono de tratamento especializado. Rev Latino-Am enfermagem, v. 19, n. 2, Mar-Abr 2011. REIS, N. B. D.; BASTOS, F. Pesquisas sobre consumo de drogas no Brasil, 2010. SEWELL, R. et al. Efeitos comportamentais, cognitivos e psicofisiológicos dos canabinoides: relevância para a psicose e a esquizofrenia. Rev Bras de Psiquiatria, v. 32, p. 15-30, mai 2010. TAVARES, B.; BÉRIA, J.; LIMA, M. Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes. Revista de Saúde Pública, v. 35, n. 2, p. 150-158, 2010. FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 35 ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK Lauany Barbosa Cintra Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Ana Carolina De Souza Ramos Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF Irma Helena Ferreira Benate Bomfim Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO O método de Observação de Bebês de Esther Bick permite ao observador analisar muitos aspectos a partir de sua experiência, pois além da relação mãe-bebê e de seu desenvolvimento dentro da dinâmica de sua casa, ele pode também analisar questões de sua própria postura nesse contexto, o que possibilita agregar em sua formação profissional e pessoal. A formação como terapeuta exige um raciocínio clínico que pode ser desenvolvido pela observação e o treinamento da transferência terapêutica. O método de Esther Bick proporciona o exercício dessa habilidade de observar e discriminar ―o que é meu e o que é do outro‖, deixando aparente o processo de formação do raciocínio clínico, que se não funciona dentro da configuração de que o terapeuta não pode inferir sobre a demanda do paciente, interfere na efetividade da análise. Na experiência do grupo de 2018 do estágio analisado, foi percebido que a troca de experiências em supervisão contribuiu para a integração pessoal no estágio, o que despertou o interesse de uma das pesquisadoras para analisar quais as contribuições desse processo para a formação como terapeuta. O objetivo da presente pesquisa foi identificar quais as contribuições que o Estágio de Observação de Bebês proporciona na formação como terapeuta, analisando através de questionários como foi a experiência no papel de observador da relação mãe-bebê de estudantes de Psicologia do 2º ano ao 5º ano da UniFACEF que efetuaram o estágio no 2º ano do curso durante seis meses entre os anos de 2015 a 2018. Em um primeiro momento foi realizada uma pesquisa bibliográfica, e em um segundo momento foi realizada uma pesquisa de campo, na qual foi aplicado ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 36 um questionário com quatorze perguntas, abertas e fechadas, para estudantes de Psicologia do 2º ao 5º ano da Uni-FACEF, no ano de 2018, que fizeram o Estágio de Observação de Bebês no 2º ano do curso. Para a aplicação do questionário foram distribuídos nas turmas do curso a cópia de um QR Code para acessar o link no Google Forms, entre os alunos que fizeram o estágio, 14 responderam. Esse material baseou o desenvolvimento da pesquisa, possibilitando relacionar a teoria sobre o método de Esther Bick e a experiência dos estagiários. 2. CARACTERÍSTICAS ESPERADAS PELA PSICANÁLISE NA PRÁTICA CLÍNICA Na psicologia existem várias linhas de pensamento e cada uma delas enxerga a prática clínica de forma diferente. Entre essas abordagens está a psicanálise, que demanda do analista um funcionamento clínico, que Zimerman (2007) sintetiza em alguns pontos principais, entre eles: a ética, a empatia, o olhar específico e intuitivo, a aliança terapêutica, que garante a continuidade sustentável do processo analítico de cada paciente, o respeito pelas verdades do outro, o posicionamento adequado, a capacidade de receber e identificar as questões do paciente sem inferir suas próprias questões durante o processo. A ética profissional do psicanalista garante ao paciente que seu caso seja restrito apenas à análise, facilitando que ele se sinta confortável em falar livremente sobre suas questões. Também demanda que o psicanalista seja neutro no sentido de não evidenciar seus próprios conceitos, tendo um posicionamento adequado. A formação da aliança terapêutica é essencial para o sucesso do processo de diversas vertentes psicoterápicas. De acordo com Cordioli (1998, p.73), a aliança terapêutica é ―a capacidade do paciente de estabelecer uma relação de trabalho com o terapeuta, em oposição às reações transferenciais regressivas e à resistência‖. Sendo assim, o terapeuta deve agir nos primeiros encontros para possibilitar que o paciente crie um vínculo de trabalho específico dentro do contexto da análise, o que leva a continuidade do processo de forma mais proveitosa para ambos. Para isso, o terapeuta precisa ter um posicionamento de acolher o que a pessoa traz para a relação, aceitando as verdades colocadas, e estando atento às identificações projetivas e transferenciais que podem ocorrer neste contexto. Durante o processo analítico algumas situações são difíceis e estabelecem períodos não verbais, exigindo do analista uma ação terapêutica decorrente de seu manejo através da transferência, constituindo um vínculo capaz de estabelecer a manutenção e validade da análise. A psicanálise se coloca como cura pela palavra, mas nos períodos não verbais apenas a força relacional das transferências garante o alcance do que não é compartilhável através de palavras, CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 37 pois o que se estabelece é uma comunicação dos e através dos afetos que também é muito importante para o progresso da análise. Em 1905, Freud definiu o que é a transferência, diante do fracasso do caso de Dora: O que são transferências? Elas são novas edições [...] de impulsos e fantasias que são despertadas e tornadas conscientes durante o progresso na análise; mas elas têm essa peculiaridade, que é uma característica particular, de que elas substituem alguma pessoa primitiva pela pessoa do médico. Colocando em outras palavras: toda uma série de experiências psicológicas são revividas, não como pertencente ao passado, mas aplicadas ao médico no momento presente. [...] Dora atuou um fragmento essencial de suas lembranças em lugar de relembrá-los (FREUD, 1974, p. 133). Antes de reconhecer a transferência como um método terapêutico, Freud a definia como um mal para o analista, pois ela era resultado do vínculo humano que se formava na relação e podia ser mal interpretada, afetando a efetividade da análise. Hoje, a função da transferência é constatar aquilo que pode ser apenas mostrado pelo analisando quando este passa pelos períodos de regressão e não consegue elaborar sua fala. Durante o percurso do tratamento o paciente se esquiva de alguns períodos na análise, e é a partir da transferência que se identifica os traumas e conflitos, pois ela permite o acesso ―entre passado e presente, entre obstáculo e função terapêutica, entre alianças e repúdios ao manejo clínico, configurando dificuldades que revelam a singularidade de cada paciente‖ (PALHARES, 2008, p. 103). No processo psicanalítico clínico, as transferências e contratransferências também podem dar errado, mas o analista não deve ter vergonha de reconhecer os erros, nem deve ser visto como detentor do saber e sugestionador infalível, mas sim como alguém que se pode confiar na franqueza e sinceridade, para obter o reconhecimento sincero de um erro sem sentir ameaça (FERENCZI, 1988). A falha do analista favorece que as situações difíceis e traumáticas sejam vivenciadas no processo terapêutico, e se essa falha não for reconhecida pode levar o paciente a ser onipotente dentro da experiência traumática. Para se voltar novamente em condições que favoreçam a criatividade primária, este paciente reconfigura as relações dentro e fora de si, ainda através do setting analítico. A aliança terapêutica faz parte do chamado setting terapêutico (ou analítico), sendo que um fator interfere no outro, e ambos são importantes para o contexto analítico, pois permitem que o paciente encontre liberdade para reproduzir as suas questões, e a dupla consiga perceber fatores como a transferência existente nos conteúdos, por exemplo. De acordo com Zimerman (2008), o setting terapêutico é definido por vários autores como o conjunto de características do ambiente em que o processo da análise ocorre, sendo fatores físicos e emocionais do contexto. O ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 38 ideal é que o analista e o paciente consigam construir juntos esse espaço, através de combinados relacionados ao contrato terapêutico, que devem ser seguidos de forma permanente, mas que poderão passar por modificações necessárias durante o processo, sendo que a postura do analista em relação a isso deve ser firme, porém acolhedora as necessidades de cada indivíduo. No entanto, assim como Pereira e Kessler (2016) referenciam, o tripé fundamentalmente necessário para a formação de um psicanalista é ter conhecimento da teoria específica, ter supervisão da prática clínica, e estar sempre em análise pessoal. A graduação em psicologia proporciona um conhecimento básico sobre as teorias psicanalíticas, mas não abrange a especificidade da abordagem, sendo necessário a busca por formações que integrem esses conhecimentos básicos e garanta seu reconhecimento profissional como psicanalista. Na supervisão, o analista tem orientações sobre sua prática através do olhar do supervisor, que geralmente, é um profissional com mais experiência e formação na mesma linha de pensamento. E por último, porém tanto necessário quanto os outros fundamentos, a importância de estar em análise pessoal, para quando o inconsciente não resolvido do analista for invocado durante as sessões com o paciente, ele saiba identificar e ter um manejo adequado, para que as repercussões não prejudiquem o setting terapêutico. 3. OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NO MÉTODO DE ESTHER BICK E O PAPEL DE OBSERVADOR O desenvolvimento humano requer essencialmente uma conexão que se tem com a mãe enquanto ainda é bebê. A troca do bebê com a mãe e com o ambiente físico, social e emocional, potencializa o desenvolvimento do bebê nos âmbitos psíquico e fisiológico. Com foco nesse desenvolvimento, a psicanálise buscou descrever e compreender o processo de formação da identidade desde o nascimento, propondo diversas teorias. Um dos métodos utilizados para testificar essas teorias, foi o método de Observação de Bebês de Esther Bick, que funciona de modo que o observador, através de suas próprias reações, capte os movimentos de construção psíquica do bebê, que estão ligados à estímulos internos e fantasias inconscientes e singulares, que não são acessadas diretamente pelo observador. O método de Observação de Esther Bick, foi desenvolvido para psicoterapeutas de crianças e psicanalistas em formação, com objetivo de exercitar a contratransferência, utilizando-a como ferramenta para observar sem intervir na realidade da dupla mãe-bebê. O observador psicanalítico vai se inserindo na família conforme os membros o permite participar, no entanto, se mantendo em seu papel sem outras atribuições como o aconselhamento. A técnica desenvolvida por Bick consiste em visitas semanais do observador à casa da família, com duração de uma hora, no período de um ano, e CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 39 quinzenalmente no segundo ano. Os registros devem ser detalhados e depois discutidos em um grupo de supervisão, onde se pode compartilhar as vivências e amplificar a compreensão e o sentido destas, podendo organizá-las de outra forma. Em resumo, segundo Nascimento, Almeida e Pedroso (2008), os procedimentos da técnica se organizam em observação, anotação e supervisão, e também destacam os seguintes aspectos durante a observação: [...] a relação mãe-bebê (antes e depois do parto); banho, higiene e troca de fraldas; alimentação, amamentação; a maneira como o bebê é tranquilizado (em situações de dor, angústia, desconforto, fome); sono; o choro; o brincar, a ―conversa‖, o sorriso, as solicitações, seus símbolos, as descobertas do mundo; a participação de cada membro da família. (NASCIMENTO; ALMEIDA; PEDROSO, 2008, p. 5) O observador precisa manter um estado de mente que o permita observar suportando suas críticas e suas ideias já criadas inicialmente sobre a dupla mãe-bebê (Mélega, 2008). Para que haja uma aprendizagem sobre as vivências, o observador tem que significar suas reações frente aos impactos emocionais dos sentimentos e ansiedades da díade mãe-bebê, entretanto, é necessário sentir para poder pensar, e assim então, aprender sobre os aspectos que Stocche (2003) verifica serem principais na metodologia de Esther Bick: o ponto de vista do observador, da relação mãe-bebê, do desenvolvimento neuropsicomotor e da reconfiguração da dinâmica familiar com o nascimento do bebê. 4. DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO ATRAVÉS DO ESTÁGIO DE OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NO MÉTODO DE ESTHER BICK NA UNI-FACEF Os estágios são oportunidades de colocar em prática algumas modalidades da profissão que se espera exercer após a graduação, estando ainda em âmbito acadêmico, tendo a chance de aprender com as experiências pessoais e de colegas, com orientações de supervisores, além de ser um primeiro contato com os ambientes e realidades das diversas áreas de atuação, tendo uma visualização mais ampla da teoria. No curso de psicologia do Centro Universitário Municipal de Franca, uma média de 8 alunos são selecionados, através de cartas de intenção, no 3º e 4º semestre para participar do Estágio de Observação de Bebês usando o método de Esther Bick. Inicialmente, em supervisão são realizadas discussões e reflexões teóricas que introduzem o conteúdo a ser aprendido com a experiência do estágio. Na sequência, cada estudante procura sua própria família candidata para realizar as observações, tendo que atender os critérios de não ter grau de parentesco ou amizade muito próxima com o observador, e ser um bebê que tenha entre 0 e 11 meses de idade. Antes de iniciar as observações, é necessário fazer uma entrevista utilizando um roteiro de anamnese, para obter informações básicas sobre o ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 40 funcionamento e as características do contexto familiar e do desenvolvimento do bebê. Em seguida, as observações são realizadas em 2 horas semanais durante o semestre, diferente do método original proposto por Esther Bick, que determina um período de 2 anos. O estágio tem o objetivo geral de formar a atitude clínica do estudante, através da introdução em atividade de observação supervisionada, na área de psicologia do desenvolvimento infantil primitivo, com base na psicanálise. As orientações em supervisão auxiliam na compreensão sobre o papel de observador e propiciam que o estudante coloque em prática uma postura própria do contexto clínico. Segundo Mélega (2008), o contato prévio com a mãe para iniciar as observações serve para criar condições favoráveis para as próximas visitas, combinando com a mãe os horários possíveis, explicando como funciona e quais os objetivos do estudo. As normas para essa técnica são utilizadas também em clínica, geralmente na entrevista inicial e primeiras sessões, quando o terapeuta negocia os valores, explica sobre o processo terapêutico e estabelece combinados sobre o atendimento. A entrevista no contexto do estágio, apesar de buscar informações específicas sobre a família e o bebê, também permite que o estudante adquira a noção de como se configura uma entrevista inicial para utilizar depois em clínica e em outros contextos de atuação como psicólogo. Nas primeiras observações existe um receio por parte do estagiário, sobre como a mãe irá reagir com a sua presença, e sobre como se apresentar de forma confiável, esse receio contribui para que tenha um início mais cauteloso, e no decorrer das visitas vai se desenvolvendo estratégias que permitem a compreensão de como esses papéis se relacionam. A forma como a família se apresenta durante as observações, demonstrando seus costumes, valores, modos de educar e de se relacionar um com o outro, têm um impacto sobre o observador, e este, além de não poder agregar suas próprias questões à experiência também deve acolher. Esse exercício contribui para a formação da atividade analítica, onde o terapeuta deve acolher a forma como o outro se apresenta. Nas observações a postura do estudante como observador é de recepcionar as demandas subjetivas que surgem no ambiente, mas estas demandas são específicas da dupla e para compreendê-las tem que exercitar sua sensibilidade intuitiva e a capacidade de identificar as questões da relação observada sem críticas e inferências, como um filtro. Essas capacidades desenvolvidas contribuem para a atividade terapêutica no setting analítico. 5. METODOLOGIA CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 41 Este estudo buscou analisar qualitativamente a experiência do papel de observador de bebês com base no método de Esther Bick, utilizando questionários disponibilizados na plataforma online do Google Formulários, através de QR Code/Link distribuídos em sala para os alunos das turmas de 2º à 5º ano de Psicologia do Centro Universitário Municipal de Franca-SP do ano de 2018 e que participaram do Estágio de Observação de Bebês em seu 2º ano de curso. Os questionários abordavam questões sobre a experiência de observador da relação mãe-bebê em 14 questões, abertas e fechadas, tendo respondido apenas 14 participantes, no total, sendo 5 alunos do segundo ano, 3 alunos do terceiro ano, 3 alunos do quarto ano e 3 alunos do quinto ano, com idades entre 19 e 25 anos, e apenas 3 de sexo masculino. 6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Tabela 1: Principais respostas dos discentes participantes do questionário aplicado Questionário Qual era sua expectativa sobre sua função como observador antes do início do estágio? Você teve alguma dificuldade durante o estágio? O que a supervisão significou no processo de estágio? Respostas - Esperava que fosse algo semelhante ao que estudávamos em psicologia experimental, onde tínhamos que observar os movimentos do ratinho; - Conhecer de perto e na prática a relação e a proximidade psíquica na bebê; - Tinha expectativa de aprender mais sobre o desenvolvimento humano e ver isso na realidade, além de presenciar a formação do laço entre bebê e mãe/ cuidador, tão importante para esse desenvolvimento. - Tive dificuldades em manter as sessões semanalmente, pois a mãe que eu observava desmarcava muito as sessões; - A dificuldade, para mim, se inseriu na necessidade de manter certo distanciamento, de não dar respostas "analíticas" para a mãe, que muitas vezes faz da observação e do papel do estagiário um espaço para desabafos e busca de compreensão para algumas inseguranças; - Eu tive que mudar de mãebebê durante o estágio, acredito que ter que começar tudo de novo foi uma dificuldade; - Sentia que por estar ali observando os atos da mãe com o bebê, ela não agia (naturalmente) exatamente como agiria se eu não estivesse ali; - Sim. Separar o que era meu e o que era do outro. Me vi em vários momentos observação a relação da mãe e do bebê; - No começo me senti envergonhada de ficar observando e as pessoas se sentirem incomodada, mas logo - Significou um grande crescimento pessoal e profissional. Aprendi muito com as trocas nas supervisões, além de me ajudarem a ter mais segurança e apoio naquilo em que eu estava fazendo; - A supervisão é muito importante para conseguirmos delinear os nossos objetivos, trocar informações sobre os sentimentos vivenciados durante a experiência de estágio e para sermos orientados quanto a postura que estamos construindo, entendendo que o nosso papel deve sempre ser fundamentado na escuta ativa e, nesse momento, não implica em intervenções; - Penso que a supervisão foi essencial para ampliar minha visão sobre o desenvolvimento infantil, sobre as relações estabelecidas, sobre o vínculo mãe-bebê. Além disso, percebo que muitos termos da psicanálise passaram a fazer mais sentido por meio do estágio e da supervisão em si. Para mim a supervisão foi fundamental para acolher as angústias, dúvidas e incertezas diante dessa experiência de observação; ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação melhorou e já não me senti mais. ISBN: 978-85-5453-016-7 42 - Um processo de elaboração das minhas observações e do meu próprio autoconhecimento. Fonte: Elaborado pelos Autores, 2019. Tabela 2: Principais respostas dos discentes participantes do questionário aplicado Questionário A sua opinião inicial sobre o estágio mudou depois de passar pela experiência? O que você aprendeu exercendo o papel de observador no estágio? Respostas - É interessante apreender dessa experiência a importância da escuta ativa do paciente em questão e de compreender o tempo de desenvolvimento de cada pessoa em termos analíticos. Aprender a escutar sem emitir inferências se torna um processo importante para toda a construção do psicólogo em formação, para que não realize constatações equivocadas. Compreender que nem sempre é necessário saber ou dar uma resposta, mas que estar presente, "inteiro" naquele momento significa muito; - Aprendi que nos definimos no outro e pelo outro. A diferenciar o que é meu do que é do outro. A parar para "simplesmente" sentir o momento, que observar vai além de algo mecânico que se limita a anotar os movimentos realizados, mas que envolve estar com o outro, vivenciando o momento, mesmo quando estou observando passivamente. Que a neutralidade "não existe", a partir do momento em que me coloco em um lugar, já estarei afetando este somente por estar ali. E a importância de me atentar aos meus sentimentos, ao minha saúde mental para estar disponível ao outro, pois quando estava com as emoções "perturbadas" as observações se tornavam empobrecidas. - Mudou a forma de olhar para a relação mãe e bebê, aquela relação idealizada. Pois vendo na prática com o estágio, percebi que tal relação apresenta sim dificuldades e desafios para a mãe, apesar de ser muito gratificante. Minha visão sobre o papel do pai também, foi algo que me chamou muita atenção, visto que em nossa sociedade tratamos o pai como ajudante, até mesmo as próprias mães (esposas), mas que essa situação está mudando a cada dia mais; - Sim. Não imaginei que houvessem tantos detalhes que são importantes na relação mãe-bebê, pois algumas questões só me surgiam como reflexão durante a discussão com a supervisora. Fonte: Elaborado pelos Autores, 2019. De acordo com os questionários aplicados para os estudantes, analisamos múltiplos aspectos sobre o método de Esther Bick e o desenvolvimento de raciocínio clínico no papel de observador de bebês. As respostas dos questionários serão apresentadas e discutidas, relacionando as experiências com o CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 43 que o presente artigo referência teoricamente. Para abordar os aspectos analisados de forma mais didática, este tópico está subdividido em três categorias temáticas que seguem-se abaixo. 6.1. Fantasias iniciais do estagiário frente a experiência de observação Vimos que as expectativas da função de observador antes de iniciar o estágio, tinham em sua maioria o desejo de compreender a relação mãe-bebê e os impactos desse laço no desenvolvimento inicial do bebê, através da captação de informações verbais e não-verbais da díade e das influências do meio social familiar sobre o bebê. Algumas respostas demonstraram que o propósito do estágio não era entendido e que o método de observação esperado era teoricamente experimental, ou que seria realizado em um hospital. Outra fantasia identificada nos questionários é que a observação como método de conhecimento científico não poderia ser utilizada junto de emoções e sentimentos. Além desta, identificou-se que a relação mãe-bebê-pai era idealizada sem a percepção das dificuldades e desafios da mãe, e sem a participação ativa do pai. Em relação a forma como a mãe reagiria durante as observações, a maioria dos estagiários apresentaram a expectativa de que elas ficariam incomodadas e desconfiadas, e a outra parte esperavam que elas fossem receptivas e disponíveis. Alguns estudantes que responderam ao questionário, contaram que tiveram dificuldades ou receio nas primeiras visitas, por causa da forma como pensaram que a família reagiria com sua presença, e que conforme as visitas aconteciam, essa relação foi sendo modificada, eles passaram a sentir-se mais confiantes do papel que estavam desempenhando e foram conhecendo o contexto, fazendo com que o receio inicial fosse superado. Exemplificando esse aspecto, em uma das respostas foi dito que ―no começo me senti envergonhada de ficar observando e as pessoas se sentirem incomodadas, mas logo melhorou e já não me senti mais‖. 6.2. A experiência de Observação de Bebês A opinião inicial sobre o estágio após a experiência para alguns estagiários foi reforçada, para outros a vivência foi mais profunda e complexa do que pensaram, possibilitando o treinamento da observação analítica e neutralidade. Houve mudança na forma de ver a relação entre mãe-bebê-pai, e foi possível perceber que a emoção e o conhecimento científico podem caminhar juntos a partir da identificação de papéis, sob a experiência de observador. Uma das respostas dos participantes que cabe destacar, afirma ter pensado que a mãe se sentiria ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 44 incomodada, mas depois conseguiu se adequar em seu papel, facilitando a naturalidade das atitudes da mãe: ―Mudou completamente, eu esperava que a mãe se sentiria incomodada,e pelo contrário, eu era super bem recebida e os pais adoravam conversar comigo sobre o desenvolvimento da criança ao final das observações. Mudei também meu olhar em relação a observação, percebi os macetes da relação mãe e bebê e o quanto existem características peculiares de cada relação‖. De acordo com os relatos, houve dificuldades sobre a disponibilidade das mães. Alguns estagiários tiveram dificuldade de encontrar uma mãe disposta a ser observada, outros contaram que a mãe desmarcava as visitas com frequência e que foi difícil acertar os horários. Tiveram mães que desistiram do acompanhamento e foi preciso buscar uma nova dupla para continuar o estágio. Os estagiários relataram que durante as observações sua presença parecia influenciar a forma como as pessoas do ambiente agiam. ―Sentia que por estar ali observando os atos da mãe com o bebê, ela não agia (naturalmente) exatamente como agiria se eu não estivesse ali‖, os comportamentos da mãe não pareciam espontâneos como deveria ser de costume sem a presença do observador. Separar o que era próprio de si e o que era da dupla também foi uma dificuldade para alguns alunos, pois a identificação trouxe à margem questões de sua própria história. Um dos aprendizes contou que se viu em vários momentos durante o processo, e outro começou a criar vínculo com o bebê ao ver o cuidado da mãe. Sobre saber se colocar no lugar de observador sem fazer intervenções tanto na forma como a família se apresenta, quanto no que ela traz de demandas psíquicas destacou-se o seguinte relato: ―A dificuldade, para mim, se inseriu na necessidade de manter certo distanciamento, de não dar respostas "analíticas" para a mãe, que muitas vezes fez da observação e do papel do estagiário um espaço para desabafos e busca de compreensão para algumas inseguranças‖. Um estagiário colocou que a família o recebeu como visita e não como observador, sendo indiferentes em relação ao papel de pesquisador que deveria que executar. A supervisão contribuiu para uma troca de experiências que possibilitou a percepção da individualidade de cada participante, também deu mais segurança aos alunos, pois o apoio da supervisora suportou o surgimento de dúvidas, receios e o acolhimento das angústias e desconfortos sobre a experiência no processo de elaboração do autoconhecimento. Na supervisão os conceitos eram fixados, havia direcionamento da postura como observador através dos relatos, a visão sobre o desenvolvimento infantil e o impacto sobre ele a partir do vínculo com a mãe foram amplificados. Todo o processo proporcionou o crescimento tanto pessoal quanto profissional daqueles que se integraram à experiência. CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 45 Nascimento, Almeida e Pedroso (2008), enfatizam a necessidade da supervisão, como um momento em que há o compartilhamento das experiências de cada estagiário, possibilitando a troca das vivências entre o grupo e o supervisor. Os questionários demonstraram que a supervisão contribuiu durante o processo, possibilitando um espaço de trocas e aprendizados em diversos fatores pessoais e profissionais. Pereira e Kessler (2016) descrevem a supervisão como o espaço em que se obtém orientações sobre prática através do olhar experiente do supervisor, possibilitando, assim como os estagiários descreveram, um aprofundamento de conhecimentos específicos sobre a linha de abordagem utilizada, e nesse caso, ao invés de discutir as demandas de pacientes, os estagiários puderam levantar questões sobre os aspectos de desenvolvimento e dos vínculos iniciais, percebendo que esta ligação psíquica entre a díade são fundamentais para a construção do indivíduo. 6.3. Elementos do Raciocínio Clínico desenvolvidos pelo estágio No desenvolvimento do artigo foi visto que muito do que é dito na teoria pode ser verificado na prática, através das experiências dos estagiários que participaram da pesquisa por questionários. O estágio contribuiu para a obtenção de habilidades necessárias no contexto da observação, que por sua vez são também importantes para o desenvolvimento de habilidades que o profissional deve ter dentro da análise clínica na relação com seus pacientes. Sobre os elementos relacionados ao raciocínio clínico desenvolvidos na experiência do estágio se ressalta o relato a seguir: ―É interessante apreender dessa experiência a importância da escuta ativa do paciente em questão e de compreender o tempo de desenvolvimento de cada pessoa em termos analíticos. Aprender a escutar sem emitir inferências se torna um processo importante para toda a construção do psicólogo em formação, para que não realize constatações equivocadas. Compreender que nem sempre é necessário saber ou dar uma resposta, mas que estar presente, "inteiro" naquele momento significa muito‖. Os questionários, em geral, demonstraram que os alunos tiveram a oportunidade de treinar a habilidade de observar o outro sem julgamentos e inferências próprias, apresentando dificuldades no início, que foram sendo trabalhadas durante o andamento do estágio. Segundo os relatos, o estágio contribuiu para a compreensão da importância da terapia pessoal para o psicólogo para se diferenciar do paciente, se disponibilizando para o outro, para assim conseguir escutar de uma maneira ativa, mas sem fazer julgamentos sobre o outro. Para conseguir acolher o conteúdo trazido para a análise, com um olhar específico e intuitivo e respeitando as verdades do paciente, sabendo separar suas próprias questões das questões do outro, Zimerman (2008) pontua que o analista precisa formar com o paciente uma aliança terapêutica, que descreve como um vínculo essencial para o processo analítico. ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 46 Entre outros aspectos, houve o entendimento sobre a neutralidade do psicólogo, que significa saber ―o que é meu e o que é do outro‖, daí mais um aspecto importante para a terapia pessoal, onde se adquire o autoconhecimento, que permite que o estagiário e o analista estejam totalmente disponíveis para acolher a pessoa, mas sem colocar ou confundir com suas próprias questões pessoais. O inconsciente não resolvido do analista pode ser invocado durante as sessões, e quando isso ocorre, o analista deve saber identificar e manejar adequadamente para não repercutir sobre o setting terapêutico. Pereira e Kessler (2016) destacam daí a importância de estar em análise pessoal, este aspecto foi também percebido pelos entrevistados durante as observações, quando tiveram dificuldade de estar no contexto da família e lidar com suas identificações projetivas e transferenciais para não prejudicar o processo de observação. Essa questão pode ser confirmada quando um dos participantes diz: ―Aprendi [...] a importância de me atentar aos meus sentimentos, ao minha saúde mental para estar disponível ao outro, pois quando estava com as emoções "perturbadas" as observações se tornavam empobrecidas‖. Conforme foi apresentado no início das discussões deste artigo, os estudantes que responderam ao questionário expressaram que tiveram dificuldades de se adaptar a sua função nas primeiras visitas com a família, isso confirma que o estágio proporcionou o exercício da negociação de configuração do processo, que pode ser relacionado com o que Zimerman (2008) referencia sobre o setting terapêutico, sendo este o conjunto de características do ambiente em que o processo da análise ocorre, e que o analista e o paciente constroem juntos, devendo ser a postura do analista firme e acolhedora as necessidades de cada indivíduo. O terapeuta deve criar um vínculo de trabalho específico dentro do contexto da análise e ter um posicionamento acolhedor ao que a pessoa traz para a relação, aceitando a forma como ela se apresenta, e estando atento às identificações projetivas e transferenciais que podem ocorrer, pois elas permitem acessos que revelam a singularidade do indivíduo. Além desses aspectos que Cordioli (1998) descreve, os estagiários perceberam que, assim como os analistas, não deviam ser vistos pela mãe como detentores do saber ou sugestionadores, mas como Ferenczi (1988) pontua sobre a postura do analista, devem ser alguém confiável, franco e sincero. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através do referencial teórico e dos conteúdos obtidos através dos questionários, conclui-se que o objetivo da pesquisa foi atingido, pois foi possível investigar sobre as atribuições do estágio em Observação de Bebês para a formação como terapeuta nos alunos que participaram da pesquisa. CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 47 De acordo com a análise foi visto que o Estágio de Observação de Bebês conferido no Centro Universitário Municipal de Franca, proporciona aos estudantes o desenvolvimento de características do raciocínio clínico, importantes para a atuação profissional futura, além de transformar o olhar sobre a formação psíquica dos indivíduos relacionada ao desenvolvimento inicial, e destacar a importância da análise pessoal, do conhecimento específico e supervisão das atividades, para subsidiar sua responsabilidade sobre o processo analítico. Diante dos questionários respondidos, foi possível separar três categorias importantes para a análise das respostas, sendo relacionadas às expectativas dos estagiários antes da vivência, à experiência em si, e aos elementos que desenvolvem o raciocínio clínico. A partir desta pesquisa percebeu-se a necessidade de aprofundamento sobre a postura de observador na formação de psicólogos e analistas, pois essa experiência atenua as expectativas sobre a futura atuação nas diversas áreas como psicólogo, principalmente no manejo clínico. REFERÊNCIAS CORDIOLI, Aristedes Volpato. Psicoterapias: abordagens atuais. 2ªed. Porto Alegre: Artmed, 1998. FERENCZI, Sándor. (1988). . A elasticidade da técnica psicanalítica. In Escritos psicanalíticos – 1909-1913. Rio de Janeiro: Taurus. (Trabalho original publicado em 1928.) FREUD, Sigmund. Fragmentos da análise de um caso de histeria. ESB, v. 7. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. MARUCCO, Norberto C. A análise do analista: análise didática, reanálise, autoanálise. J. psicanal., São Paulo, v. 41, n. 74, p. 187-196, jun. 2008. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010358352008000100013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 mar. 2019. MÉLEGA, M. P.; SONZOGNO, M. C. O olhar e a escuta para compreender a primeira infância. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. NASCIMENTO, R. D. M. ; ALMEIDA, Miriam Dantas de ; PEDROSO, Janari da Silva . Reflexões teóricas sobre o método de observação de bebês. In: III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental. 04 a 07 de setembro de 2008, Niterói (RJ). Pathos: Violência e Poder, 2008. Disponível em <http://www.psicopatologiafundamental.org.br/uploads/files/iii_congresso/temas_livre s/reflexoes_teoricas_sobre_o_metodo_de_observacao_de_bebes.pdf>. Acesso em 4 abr. 2019. PALHARES, Maria do Carmo Andrade. Transferência e contratransferência: a clínica viva. Rev. bras. psicanál, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 100-111, mar. 2008. Disponível ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 48 em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486641X2008000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 mar. 2019. PEREIRA, Nathalia Matos; KESSLER, Carlos Henrique. Reflexões acerca de um início: psicanálise e clínica na universidade. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 22, n. 2, p. 469-485, ago. 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v22n2/v22n2a13.pdf> Acesso 29 mar. 2019. STOCCHE, Theodolinda Mestriner. Observação da relação mãe-bebê: método Esther Bick. Rev. Bras. Psicicanál. v. 37, p. 647-654, 2003. ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007. ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica: uma revisão. Porto Alegre: Artmed, 2008. ANEXOS QUESTIONÁRIO Experiência no papel de observador da relação mãe-bebê Objetivo: identificar/caracterizar a experiência no papel de observador da relação mãe-bebê Público-alvo: estudantes de Psicologia do 2º ao 5º ano da Uni-FACEF que tiveram contato com o estágio de observação de bebês DADOS PESSOAIS Idade: Sexo: Cidade em que reside: Ano do curso: PERGUNTAS 1. Qual era sua expectativa sobre sua função como observador antes do início do estágio? ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________. 2. Você teve alguma dificuldade durante o estágio? Justifique sua resposta. ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________. 3. O que a supervisão significou no processo de estágio? Justifique sua resposta. ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________. 4. A sua opinião inicial sobre o estágio mudou depois de passar pela CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 49 experiência? Exemplifique. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5. Como esperava que a mãe se sentiria durante as observações? ( ) Incomodada. ( ) Disponível. ( ) Receptiva. ( ) Desconfiada. 6. Você conseguiu fazer todas as observações que estavam previstas no termo de estágio? Justifique sua resposta. ___________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 7. Você conseguiu se integrar na observação? ( ) Integralmente. ( ) Parcialmente. ( ) Não consegui. ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 50 8. O que você aprendeu exercendo o papel de observador no estágio? ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ( ( ( ( ( ( 9. Você teve alguma identificação de papel? ) Sim, com a mãe. ) Sim, com o pai. ) Sim, com o bebê. ) Sim, com a avó. ) Sim, com demais envolvidos. ) Não me identifiquei. 10. Como você se sentiu ao descobrir sobre a sua identificação de papéis na supervisão? ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 11. A sua identificação influenciou na escrita do relatório de observação? Exemplifique. ___________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ( ( ( ( 12. Como você classificaria a sua experiência? ) Ótima. ) Boa. ) Ruim. ) Péssima. 13. Você considera que essa experiência foi válida? Justifique sua resposta. ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 14. Em uma escala de 1 a 4, como você avaliaria essa experiência, sendo 1 o mais baixo e 4 o mais alto? (1) (2) (3) (4) CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 51 ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência Natália Jácomo Auad Graduanda de Medicina – Uni-FACEF [email protected] Mariana de Lima Santos Graduanda de Medicina – Uni-FACEF [email protected] Carolline Gabrielle Campos de Souza Graduanda de Medicina – Uni-FACEF [email protected] Ana Carolina Garcia Braz Trovão Medicina – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO Os transtornos psiquiátricos vêm aumentando de forma vertiginosa nos últimos tempos. Estudos comprovam que um dos fatores para esse fenômeno se dá pela elevada taxa de indivíduos que habitam regiões urbanas, desigualdades socioeconômicas e a genética que levam a uma vida moderna estressante, que por conseguinte, resultam em doenças psiquiátricas (PREFEITURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2015). Dentre as patologias de maior gravidade, encontra-se a esquizofrenia, um transtorno mental crônico, de origem multifatorial, caracterizada por vários subtipos- como paranoide, desorganizada, catatônico, indiferenciada e residual. Seu diagnóstico não necessita de exames laboratoriais ou de imagem, sendo a anamnese e o exame do estado mental os subsídios necessários para que o diagnóstico seja estabelecido (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). De acordo com o DSM IV, para que um indivíduo seja considerado esquizofrênico necessita-se de pelo menos 2 dos seguintes sinais por um mês: delírios, alucinações, discurso desorganizado, embotamento afetivo ou comportamento desorganizado (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). Os transtornos de humor, que englobam a depressão maior e a bipolaridade, se fazem muito prevalentes na era atual. Consistem em um conjunto de sinais e sintomas persistentes por semanas ou meses que representam um desvio marcante do desempenho habitual do indivíduo e que tendem a recorrer, por vezes, de forma periódica ou cíclica (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). O transtorno bipolar, é marcado por episódios de mania e hipomania. O DSM IV define mania aqueles indivíduos que por no mínimo uma semana preenchem três ou mais dos seguintes critérios: autoestima inflada ou grandiosidade; redução da necessidade de sono; mais loquaz do que o habitual ou pressa por falar; fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo; ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 51-57 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 52 distratibilidade; aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora; envolvimento excessivo em atividades prazerosas com um alto potencial para consequências dolorosas (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). Já a hipomania é descrita como os mesmos sintomas da mania, porém mais leves e que duram por no mínimo 4 dias, isentos de gerar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou de exigir hospitalização e não se observam características psicóticas (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). Dessa forma, uma entrevista bem dirigida e articulada com o médico e o paciente se faz essencial para garantir uma boa relação interpares, pois o profissional precisa usar dos seus conhecimentos estimular a fala e compreender a história do paciente para que assim seja estabelecida uma relação de confiança, empatia e uma terapêutica adequada. O exame do estado mental é outra ferramenta essencial na compreensão da psicopatologia, em que o médico deve observar a todo instante a aparência, progressão da fala, forma e conteúdo dos pensamentos, tonalidade emocional, desatenção, lapsos de memória, juízo crítico da realidade, entre outros aspectos (ZUARDI A, LOUREIRO, S, 1996). Devido ao crescente número de casos de pacientes psiquiátricos e a fim de tornar a hospitalização mais humanizada, surgiu a Reforma Psiquiátrica. Esta proposta teve início ao final dos anos 70 com o objetivo principal de desvincular a ideia de que ‗‘ o diferente‘‘, o qual não se encaixa nos padrões considerados normais pela sociedade, deveria ser excluído do seu meio de convivência e obrigado a ser internado e asilado em manicômios desumanos e precários como os que se observava no passado (GONÇALVES A, SENAR, 2001). Diante dessa realidade, essa nova proposta foi instalada no Sistema Único de Saúde (SUS) para substituir o modelo hospitalocêntrico opressivo e excludente das décadas anteriores por uma assistência que visa a desinstitucionalização e a reinserção dos pacientes psiquiátricos na comunidade (BEZARRA B, 2007). 2. OBJETIVO Relatar a experiência de estudantes do terceiro ano do curso de medicina do Uni-FACEF na abordagem de um paciente com doença mental internado em hospital psiquiátrico. 3. METODOLOGIA A anamnese psiquiátrica e exame do estado mental foram realizados pelos estudantes do terceiro ano do curso de medicina do Centro Universitário Municipal de Franca/SP juntamente com alguns pacientes, que residiam em hospital psiquiátrico localizado no município de Franca-SP. A atividade ocorreu em uma manhã, sob supervisão de 2 docentes. Após a coleta das informações através da entrevista e a realização do exame do estado mental, o paciente era liberado e os AUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 53 estudantes estabeleciam a hipótese diagnóstica mais provável. Em seguida, tiveram acesso ao prontuário dos pacientes para confirmarem os dados coletados, bem como o diagnóstico e terapêutica. Ao final, foram conduzidas discussões em grupo, a fim de que todos os estudantes conhecessem os casos atendidos e fosse estimulado debate sobre as patologias psiquiátricas, tratamento recomendado para cada patologia, bem como os critérios de internação em psiquiatria. 4. RESULTADOS O paciente entrevistado tinha 39 anos, era pardo, evangélico, solteiro, com ensino fundamental incompleto, desempregado, natural, procedente e residente em Franca-SP, queixou-se inicialmente de sua vontade exacerbada de sair da instituição por já ter recebido alta médica e por, bem como de sentir falta de ‗‘ namorar‘‘. Porém, relatou que não pode ir embora por motivos judiciais Ele refere ter sido levado para a clínica após uma briga com a mãe, em que não houve agressões físicas nem xingamentos. Também mencionou ter tido alguns empregos anteriormente como funcionário de uma fábrica de sapatos, servente de pedreiro e reciclador. Diz ter feito uso de maconha na juventude e, atualmente, é tabagista (fuma 2 maço de cigarro/dia). Contou ter sido internado 50 vezes, ter 9 irmãos, sendo um deles seu gêmeo, homossexual, o qual também se encontrava em tratamento no mesmo local devido a atos agressivos, uso crônico de álcool e cocaína e por ter tentado se suicidar anteriormente. Também relatou falecimento do pai, vítima de cirrose hepática. Paciente mencionou ter tido vários relacionamentos conjugais intempestivos e concebido 3 filhos, sendo cada um fruto de uma dessas relações anteriores. Queixa ter dificuldade para se relacionar com as irmãs, pois não gosta de ‗‘ receber ordens‘‘. Também relata ter se envolvido em inúmeras brigas, sendo uma delas com um paciente psiquiátrico dentro da instituição em que reside, outra com o atual namorado de sua ex- companheira por ciúmes e uma terceira com um primo que descobriu-o envolvido num adultério. Nesse último conflito houve violência verbal e física a qual resultou em ferimentos profundos nos braços e nas mãos, em que se pôde ser observada inúmeras cicatrizes de lesões por arma branca (faca) reparadas cirurgicamente. Paciente relata ter hipertensão, dispneia dores no corpo e faz uso de Furozemida (40mg/dia), via oral pela manhã, Enalamed (20 mg/dia), via oral pela manhã e à noite, Captopril (25mg/dia) e Diazepam (10 mg/dia). Reclama que os medicamentos causam disfunção sexual e insônia. Nega alteração de peso, de hábitos intestinais e ideação suicida. Nascido de parto normal, sem complicações. Nega alterações de saúde durante a infância e afirma ter tido um bom desenvolvimento motor e de linguagem. Durante a adolescência afirma ter sido um bom aluno. ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 51-57 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 54 Ao exame mental, apresentou boa aparência geral, roupas limpas, adequada higiene pessoal, orientado em tempo e espaço, consciente, atenção normovigill, discurso pobre, com perdas de memória remota e recente, ausência de delírios e alucinações. Porém, mostrou muita inquietação na cadeira com grande expressão de sentimentos durante os relatos, incluindo episódios de riso característico e injustificado, bem como uma hiperssexualidade acentuada e notória. Ao avaliar os dados do prontuário, foi identificado que o motivo da internação foi devido a comportamento alterado sem estar sob efeito de drogas ou álcool, por duas tentativas de homicídio por arma branca e uma tentativa de estupro à mãe, acrescido de alucinações auditivas e delírios persecutórios. Foi então diagnosticado com esquizofrenia paranoide, transtorno afetivo bipolar maníaco e transtorno de personalidade com instabilidade emocional. 5. DISCUSSÃO Em qualquer anamnese, sobretudo na psiquiátrica variáveis do ambiente- como local, duração, disposição espacial e condições de privacidade-, onde as coletas de dados são realizadas podem interferir na comunicação entre o entrevistado e o entrevistador e, por conseguinte, na hipótese diagnóstica a ser pensada. Há vários tipos de ‗‘ entrevistas‘‘, que podem ser dividas em abertas, estruturadas e semiestruturadas. No primeiro tipo, não há uma sequência fixa de passos a ser seguida, o que leva o paciente a conduzir as perguntas e a dialogar livremente. No segundo, há uma cronologia nas perguntas e nos registros dos dados, que são previamente determinados, em que o entrevistador costuma seguir um roteiro específico. Já o terceiro tipo não há uma estruturação pré-definida e há uma flexibilidade na sequência e na formulação dos questionamentos (ZUARDI A, LOUREIRO S, 1996). As avaliações psiquiátricas, em geral, seguem o modelo semiestruturado e, por isso, foi o que os alunos de medicina utilizaram em sua anamnese. Embora o ambiente não tenha sido o mais adequado para a coleta de dados do paciente, visto que em um mesmo lugar havia vários outros alunos realizando anamneses dos demais pacientes com transtornos mentais, não houve prejuízo para o andamento da atividade. Afinal, este foi o primeiro contato desses alunos com pacientes portadores de distúrbios psiquiátricos e, por isso, poderia gerar medo e insegurança nesses estudantes durante as entrevistas, caso estivessem em maior privacidade. De acordo com o manual de estatística de doenças mentais (DSM-IV), a esquizofrenia pode ser classificada em paranoide, desorganizada, catatônica, indiferenciada e residual dependendo dos sinais e sintomas do paciente (ALVES C, SILVA M, 2001). Sendo assim, apesar de as estudantes não terem observado durante o relato do paciente em questão alguns sinais dessa doença, o prontuário eletrônico confirmou o diagnóstico de esquizofrenia com características paranoidesAUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 55 como delírios, frequentemente persecutórios e alucinações auditivas (ALVES C, SILVA M, 2001). Por outro lado, ficou evidente algumas particularidades da primeira fase da mania, sinal obrigatório para afirmar que o indivíduo apresenta transtorno afetivo bipolar tipo I. Afinal, o paciente apresentou de modo explícito agitação psicomotora, pelos gestos expansivos, aumento das atividades prazerosas e da libido, demonstrada pela hiperssexualidade, bem como pelos relatos de desejos sexuais frequentes e a quantidade de relacionamentos que ele teve no passado. Também, foi possível observar um pensamento e fala acelerados, com fugas de ideias e crítica prejudicada com presença de alguns delírios, observadas no comentário de que ele tinha 60 filhos, bem como amnésia temporária (ALVES C, SILVA M, 2001). Faz-se importante mencionar ainda, que as patologias psiquiátricas não possuem cura, mas há maneiras de controlar e estabilizar a doença. Sendo assim, quando os transtornos mentais- como esquizofrenia, dependência química, depressão- se estabilizam o paciente tende a receber alta. É nesse contexto que a saúde mental conta com diversos equipamentos para dar suporte a esses indivíduos quando estes se inserem no meio social. Um deles é a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a qual é composta por é composta por serviços e pelos Centros de Atenção Psicossocial(CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). Sua função é prioritariamente é promover cuidados em saúde especialmente para grupos mais vulneráveis (crianças, adolescentes, jovens, pessoas em situação de rua); reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e outras drogas; estimular a reabilitação e a reinserção das pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia solidária; ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede; dentre outras finalidades (UFMA/UNA-SUS, 2018). Apesar do paciente ter mencionado inúmeras vezes que os fármacos que ele ingeria diariamente- Furozemida, Enalapril, Captopril e Diazepam (10 mg/dia), tinham como efeito adverso a impotência sexual, não há comprovação científica de que tais medicamentos levem a esse sintoma e nem tenham seus efeitos alterados entre si. A Furosemida tem como reações muito comuns distúrbios hidroeletrolíticos e aumento no volume urinário (Ltda BF. 2015). Já o inibidores da angiotensina II (enalapril e captopril) costumam gerar vertigem, cefaleia, tosse seca e astenia (ANVISA, 2016). Todavia, o diazepam supostamente acarretou em alguns efeitos colaterais observados durante a consulta- como amnésia retrógrada, disartria, inquietude, agitação, irritabilidade, agressividade, delírios, raiva, pesadelos, alucinações, psicoses (Brainfarma Indústria Química e Farmacêutica S.A, 2012). Foi possível verificar a importância da implementação e do aprimoramento da Reforma Psiquiátrica para que os pacientes sejam sempre ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 51-57 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 56 beneficiados com um atendimento cada vez mais humano e possam ser reinseridos na sociedade novamente, superando os preconceitos ainda existentes na era hodierna diante dos transtornos mentais. Afinal, a Reforma Psiquiátrica surgiu para demonstrar que o cuidado institucionalizado se contrapõe aos direitos humanos, impedindo os cidadãos portadores de transtornos mentais a terem acesso a livre circulação na comunidade que habitam e acesso aos serviços de saúde, laborais entre outros (UFMA/UNA-SUS, 2018). Por isso a implantação da RAPS se faz uma forte aliada para a superação do modelo hospitalocêntrico na Atenção à Saúde Mental e no Sistema Único de Saúde como um todo, por colaborar ainda para a integração das pessoas em sofrimento mental nos territórios das cidades e possibilitar maior efetividade na produção de saúde mediada por pontos de atenção integrados (UFMA/UNA-SUS, 2018). Ademais, é de mais valia para qualquer estudante de medicina em formação, independente da especialidade a ser seguida, esse primeiro contato com este tipo de paciente para que todos saibam conduzir de maneira tranquila e correta um indivíduo com transtorno mental em fase de tratamento em hospital psiquiátrico. Nesse contexto de adaptações terapêuticas destinadas às pessoas com graves transtornos mentais, pôde-se observar que o local já vem adotando a nova proposta de reintegração social e que lá se encontram apenas pacientes crônicos e agudos que realmente necessitam um atendimento especializado para que o tratamento de seus respectivos distúrbios seja feito de maneira eficaz e saudável. 6. CONCLUSÃO Diante desse relato, foi concluído, portanto, que uma anamnese da forma como foi conduzida se faz um importante instrumento de aprendizado, uma vez que possibilitou aos estudantes relacionarem o conteúdo acadêmico à prática profissional e desenvolverem habilidades na formulação de hipóteses diagnósticas bem como soluções adequadas para cada caso. Além disso, para os pacientes institucionalizados, possibilitou compartilharem informações, angústias e outros sentimentos no momento da atividade. REFERÊNCIAS ANVISA. Maleato de Enalapril. 2016.. BRAINFARMA Indústria Química e Farmacêutica S.A. Diazepam- Bula para o paciente. 2012. BEZARRA B. Desafios da reforma psiquiátrica no Brasil. Revista de Saúde Coletiva. 2007; 17(02). Ltda BF. Furosemida. 2015. AUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 57 ZUARDI A, LOUREIRO S. Semiologia psiquiátrica. 1996 Janeiro- março: p. 44-53. GONÇALVES A; Sena R. A reforma psiquiátrica no brasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Revista Latino Americana de Enfermagem. 2001 março; 02(09). KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREBB, J. A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. MORENO D, MORENO R, RATZKE R. Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar. Rev. Psiquiatria Clínica. 2005; 01. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conheça a Rede de Atenção Psicossocial, Brasília-DF, 2016. PREFEITURA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Transtornos mentais na cidade de São Paulo. Boletim ISA, São Paulo, 2015. 6-16. UFMA/UNA-SUS. Redes de atenção à saúde: Rede de Atenção Psicossocial – RAPS. São Luís, 2018. ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 51-57 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 58 APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS Sofia Rodrigues de França Roland Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Yanca Araujo Polastrini Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Sofia Muniz Alves Gracioli Docente em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO Quando a criança atinge seus sete anos, ela entra no estágio operacional concreto dando início à terceira infância (PIAGET apud MOREIRA, 2014). Nesse momento há o ingresso da criança à escola onde a própria educação limita os pensamentos imagísticos e fantasiosos do indivíduo, fazendo com que este pense através de conceitos lógicos, deixando de se trabalhar a criatividade natural. A partir dessa repressão de impulsos vitais o sujeito tende a coibir seu potencial criativo, ainda mais quando se trata de expressões pessoais. Tem-se assim um primeiro indício do que pode ser um sujeito antissocial. Nessas amarras sociais são desenvolvidas as patologias psíquicas que comprometem as relações inter e intrapessoais. Esse trabalho foi proposto como um estudo entre essa realidade que tem crescido cada vez mais, principalmente nas pessoas que já possuem determinados transtornos psíquicos, e a falta de meios para assisti-los. A ideia de se trabalhar com o teatro como ferramenta de relações intrapessoais surge do levantamento bibliográfico de autores que pontuam que ao trabalhar o corpo no teatro, o ator se depara com suas emaranhadas redes de afetos, possibilitando um autoconhecimento terapêutico. O objetivo do estudo é investigar aplicações teatrais no tratamento de pacientes com transtornos psíquicos. A pesquisa será feita a partir de levantamentos bibliográficos nas duas áreas em foco - técnicas teatrais e transtornos psíquicos -, pesquisas dos transtornos existentes, e seleção de um deles para aprofundamento do estudo. A atuação no teatro e a pesquisa em psicologia mostram a existência de efeitos positivos na área da saúde mental tendo um grande potencial terapêutico. Faz-se necessário o debate considerando o alto índice de somatizações que ocorrem atualmente. Neste cenário, e acreditando no potencial criativo de cada ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 59 sujeito, considera-se que dinâmicas teatrais podem melhorar a relação intra e interpessoal em pessoas com transtornos psíquicos. Para a realização do trabalho foi feito, em um primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica exploratória crítica, e em um segundo momento uma pesquisa de campo com entrevista semiestruturada com a responsável pelo Projeto Sinapse. 2. OS TRANSTORNOS PSÍQUICOS Para desmistificar os transtornos psíquicos é necessário entendê-los do princípio. A palavra transtorno corresponde a uma anormalidade e significa que algo não está funcionando como deveria, neste caso a disfunção ocorre na mente. Há interpretação errônea sobre os problemas mentais. Ainda é muito comum se escutar coisas como ―ir ao psiquiatra é coisa de gente doida‘‘ como reflexo da época que o modelo manicomial era utilizado de forma absolutamente agressiva e insalubre, onde pessoas com transtornos mentais iam buscar tratamento e acabavam sendo abandonados pelo resto de suas vidas. Essa interpretação começa a se modificar quando a própria sociedade passa a manifestar interesses em mudanças no modelo de assistência, a partir de participações em Conferências de Saúde Municipais e Estaduais. Com isso os hospitais psiquiátricos passam a aderir às novas formas de gestão e são substituídos por redes de serviços abertos, como o Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) que possui como política não atender e tratar os pacientes, mas sim acolher e envolvê-los em projetos sociais, culturais e de trabalho, dando uma nova perspectiva ao tratamento. O intuito passa a ser auxiliar as pessoas com transtornos para que elas se ressocializem e consigam voltar para o mercado de trabalho, prosseguindo suas vidas com liberdade, e não mais aprisionadas em um manicômio. Em função desse histórico negativo referente aos transtornos psíquicos Foucault (1975, p.16) mostra como a nossa visão sobre o assunto ainda precisa ser modificada: Quanto mais se encara como um todo a unidade do ser humano, mais se dissipa a realidade de uma doença que seria unidade específica; e também mais se impõe, para substituir a análise das formas naturais da doença, a descrição do indivíduo reagindo a sua situação, de modo patológico. Para se entender melhor a questão, Foucault (1975) acredita que a medicina passou a enxergar que os quadros clínicos não são uma coleção de fatos anormais, de monstros fisiológicos, mas são de certa forma desenvolvidos pelos mecanismos normais e pelas reações adaptativas do organismo ao contexto no qual ele está inserido. Compreender um doente não é só colocar em pauta suas funções abolidas, ou seja, a capacidade de um sujeito se localizar no tempo e no espaço, as noções de continuidade, a possibilidade de se libertar do instante agora de modo APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 60 que consiga voltar-se para o passado e olhar para o futuro. A doença não são só essas perdas de consciência, ou apatia de tais funções. É como se ela, de fato, apagasse um lado para exaltar o outro, sua essência se dá não somente naquilo que falta, no vazio que se cria, mas também na plenitude positiva das atividades de substituição que vêm preencher tais lacunas. Foucault (1975, p.99), explica o lado positivo da doença de uma forma simples: A doença não é então um déficit que atinge cegamente esta faculdade ou aquela; há no absurdo do mórbido uma lógica que é preciso saber ler; é a própria lógica de evolução normal. A doença não é uma essência contra a natureza, ela é a própria natureza, mas num processo invertido; a história natural da doença só tem que restabelecer o curso da história natural do organismo são. Quando se estuda esse assunto precisa ficar clara a diferença entre psicose e neurose. Ambas são psicopatologias que trazem consequências para o sujeito em âmbito pessoal, social e mental. A diferença é que na neurose não há uma ruptura com a realidade. O indivíduo neurótico sofre com fobias, obsessões, compulsões, amnésia e depressão, sendo um conflito interno entre o ID e os medos do superego. Já na psicose há uma perda de controle voluntário dos pensamentos, emoções e impulsos, causando perturbações gerais à personalidade porque o sujeito não consegue traçar diferenças entre a realidade e as imaginações. No contexto dos elementos da pesquisa realizada, foi adotado como foco o transtorno de personalidade Borderline, que possui esse nome, associado ao termo inglês, que se refere a limites e fronteiras. Quando esse transtorno foi reconhecido, foi notado que os pacientes estavam nas fronteiras entre a neurose e a psicose, isto é, eles estavam em uma situação mais grave que a neurose comum (apresentavam alucinações, episódios psicóticos esporádicos), e ao mesmo tempo eram menos graves que os psicóticos comuns (conseguiam manter relativamente as atividades cotidianas). A Borderline então é uma variação entre a neurose e a psicose, sendo entendido que o paciente pode transitar por alguns sintomas típicos dessas duas fronteiras. Grinker e colaboradores (1968) procuraram identificar comportamentos comuns na Síndrome de Borderline, e eles chegaram a quatro padrões-chave: 1) raiva como o principal ou único afeto; 2) defeitos nos relacionamentos interpessoais; 3) ausência de uma consistente identidade do self; 4) depressão difusa. Dentre esses identificadores a raiva e as dificuldades interpessoais podem ser diretamente associadas com as terapias grupais, Gabbard (2006, p.351) esclarece: A intensa raiva que é comumente mobilizada em pacientes borderline quando eles são frustrados no tratamento pode, então, ser diluída e dirigida para outras figuras além do terapeuta individual. De forma semelhante, as fortes reações contratransferências a pacientes borderline podem ser diluídas pela presença de outras pessoas. Essas reações diluídas se dão pelo fato de os pacientes aceitarem melhor a confrontação e a interpretação desses traços quando vinda de seus iguais na terapia grupal do que por um terapeuta. E quando essas interpretações vêm da ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 61 parte do profissional, é mais fácil deles entenderem como uma indicação das necessidades centradas no grupo do que quando são tratadas com foco no indivíduo. Dados empíricos de estudos correlatos mostram que o tratamento em grupo, em conjunto com a terapia individual, tem sido muito útil para os pacientes borderline. Na seção a seguir, são apresentados conceitos, definições e características do teatro e suas técnicas que corroboram para o tratamento de pacientes com transtornos psíquicos. 3. UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEATRO A forma como se enxerga o teatro vem sofrendo alterações no decorrer dos anos. Por muito tempo essa arte era feita unicamente como espetáculo de entretenimento e para transferir uma moral. A partir do século XX surgiu a demanda por aulas de teatro com o propósito de amenizar a timidez e se conseguir falar em público. Perdeu-se esta habilidade social a partir de práticas de convivência modernas, onde os indivíduos se fecham em suas relações sociais e o único lugar que se sentem à vontade para se expor é na internet. As redes sociais estão sendo refúgio para as pessoas se esconderem atrás de um perfil que não condiz com quem de fato são, gerando desconforto quando precisam estabelecer uma relação pessoal. Os índices de socialização interpessoais decresceram juntamente com os avanços tecnológicos na sociedade contemporânea. Percebe-se que a facilitação do contato que a globalização proporciona torna as relações físicas, que eram inicialmente as principais, algo precário. Para Moreno (1984) o ser humano ainda está em um estágio embriônico de desenvolvimento quando comparado ao seu potencial espontâneo-criativo, ou seja, a comunicação direta e presencial está primitiva comparada à comunicação digital. O dramaturgo, filósofo, médico e psicólogo Jacob Levy Moreno, criador do Teatro da Espontaneidade, e do psicodrama, foi quem iniciou o estudo da terapia em grupo trazendo em seus conceitos uma técnica desconstruída. Ele acreditava na potência criativa do ator a partir da improvisação onde não existem o dramaturgo e os textos teatrais, que serão criados apensa no momento da apresentação da peça. Há a participação do público no espetáculo, ou seja, todos são atores e a plateia é chamada de co-criadora. O intuito é investigar o comportamento humano por meio da criação artística, tendo como objetivo a catarse da interação intrapessoal e intragrupal, a autoconsciência e a reorganização de papeis sociais e psicológicos. O teatro como arte que utiliza do corpo do ator e das relações sociais, permite o indivíduo resgatar este contato que perdido a partir do uso intenso da tecnologia. De acordo com Boal (1977) a alfabetização teatral é necessária porque é uma forma de comunicação poderosa e útil nas transformações sociais. Ele acredita APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 62 que a arte de fazer teatro profissionalmente é para poucos, mas que a vocação teatral pertence a todos, significando que, independente da profissão, o fazer teatral é uma vocação que cabe a todos e que é capaz de corroborar em diversos aspectos. A autora Azevedo (2002, p. 150) escreveu: ―Dividi o trabalho de corpo do ator [...] em quatro fases [...] a primeira dessas fases, para Piaget, é a sensóriomotora‖. Nesse capítulo ela explica o desenvolvimento do ator em comparação com o desenvolvimento humano, pautando nas fases que Piaget propõe em sua teoria. Na primeira ela diz sobre pensar-se no movimento como um bebê que ao descobrir o mundo ao seu redor faz do movimento o próprio pensamento. Em segundo lugar ela coloca a fase simbólica, que é a construção na imaginação do objeto que não está no seu campo de visão, mas que isso não significa que o objeto tenha deixado de existir, é onde a criatividade do ator se manifesta para tornar aquilo que não é material, real. A terceira é a fase pré-operacional concreta onde o sujeito irá experienciar suas imaginações sem que haja um pré-conceito em relação aquilo, para depois chegar à quarta fase, operacional concreta, que selecionará os conteúdos da imaginação experimentados anteriormente. No decorrer da explicação Azevedo (2002, p.152) revela que A repressão dos impulsos mais vitais durante o crescimento, se imprescindível para a vida social, parece desvitalizar a produção criativa, especialmente quando está em questão o movimento expressivo. [...] É preciso retomar a experiência com esse corpo-criança, pelo qual, como em ondas, podiam fluir os impulsos no qual, facilmente, a energia achava seus caminhos. Quando se fala da arte de praticar teatro refere-se a fazer do palco um laboratório de vida onde se pode trazer para a ação a vida que acontece no externo (real) e até a vida interna (imaginação) do sujeito, além de ser um investimento no potencial espontâneo-criativo. Há diversas maneiras de se praticar tal arte. No teatro existem várias vertentes em que as técnicas são diferentes, mas que o lugar de chegada é um só. Existe o teatro espontâneo, como já citado anteriormente, há o teatro contemporâneo, teatro de luz e sombra, teatro de mímica, pantomima, teatro do absurdo, teatro de bonecos, entre outros que usam o corpo como uma ferramenta essencial na linguagem, onde na ausência deste, não se tem a compreensão total do que é comunicado. Diante dessa nova visão em relação ao teatro constata-se que a utilização da ferramenta teatral para o desenvolvimento de pessoas com transtornos psíquicos vem sendo uma opção bastante estudada e que tem trazido efetividade significativa. Voltar as experiências de criança, como convida a autora Azevedo (2002), é uma maneira intensa de se comunicar consigo mesmo e se desfazer de amarras sociais, mas ao mesmo tempo não é algo simples de se alcançar, por isso esse estudo propõe a integração do psicólogo com o artista, para que juntos, num caminho saudável, busquem melhorias para uma reintegração social dos pacientes. ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 63 4. PROJETO SINAPSE O projeto Sinapse foi criado em 1998, no hospital psiquiátrico Allan Kardec, onde a atriz e idealizadora do projeto foi convidada a realizar com as internas da instituição uma peça de Natal. No período entre 2000 e 2001, ela deu segmento ao projeto com os pacientes do Hospital Dia juntamente com os psiquiatras e psicólogos responsáveis pela luta antimanicomial em Franca. O nome Sinapse foi pensado para fazer uma analogia das ligações elétricas dos neurônios, que têm nome de sinapses, e a ideia do projeto que tem como objetivo ligar a saúde mental à arte como instrumento de mudança e autoconhecimento. Esse nome foi criado no Hospital Dia, em 2000, e permanece até hoje. Anteriormente o projeto era chamado de Alucinação, metaforicamente a luz em ação. A atriz, cujo nome será preservado, tem interesse em promover a saúde mental de pessoas desde criança e viu no teatro um meio para acessar esse universo para que pudesse ajudar os pacientes através da encenação e dos exercícios teatrais. A fundadora do projeto Sinapse é atriz desde os 21 anos e diz não enxergar outra coisa que possa fazer na vida a não ser teatro. Participou da Federação de Teatro Amador de Franca (FETAMP) e com 25 anos mudou-se para São Paulo, onde participou de grupos, festivais, e cursos nos centros culturais. Durante a entrevista revelou pontualmente ser ex-interna da Instituição Allan Kardec em 2015 onde criou uma peça, dando continuidade à sua, como ela afirma, ―pesquisa interna‖ sobre a relação entre o teatro e os transtornos psíquicos. Para contextualizar a evolução do projeto de assistência psicológica a pessoas com distúrbios, é conveniente destacar o contexto no qual a atriz leva ao âmbito do tratamento psicológico, o teatro. Ela começou a estudar o curso técnico em teatro na instituição SENAC de Franca em 2018 para ampliar sua visão enquanto atriz e poder aplicar seus conhecimentos na área da saúde, podendo, desta forma, fazer a ponte e ajudar, com o teatro, como ela foi ajudada. Nas instituições de ensino SENAC há Unidades Curriculares (UCs), disciplinas na matriz curricular, que visam contemplar as áreas de conhecimento do Teatro, e a UC12 compreende o Projeto Integrador, cujo objetivo final é que alunos dirijam uma peça teatral, cada um com o tema que preferir e individualmente, oportunidade que a atriz aproveitou para retomar o projeto Sinapse, visando dirigir uma peça com os pacientes do CAPS III – Florescer de Franca. O CAPS III – Florescer é uma instituição que abriga pacientes em situação de patologias psicológicas graves, com encaminhamentos das Unidades Básicas e demais repartições de Saúde do município. O Centro de Atendimento oferece assistência 24h, contando com leitos de observação e uma equipe multiprofissional completa, com psiquiatra, psicólogo, terapeuta, corpo de enfermagem, podendo atender até 150 pacientes por dia. APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 64 A oficina teatral iniciou em abril de 2019 e ao final de três meses será apresentada a peça construída com os pacientes que atuarão, com o tema sugerido por eles nos encontros, que se realizam às sextas-feiras, das 9h às 11h. A peça será apresentada no CAPS III, para os alunos do Curso de Teatro do Senac, e os familiares dos pacientes que queiram assistir. Faz-se necessário ressaltar que o objetivo do projeto não é formar atores, e, portanto, os pacientes não têm que dominar as técnicas teatrais, e sim vivenciar um processo de construção e desconstrução pessoal a partir do seu próprio repertório de vida. 5. DISCUSSÃO A autora relatou que sempre se sentiu atraída pela saúde mental e pelas pessoas que estão envolvidas nessa temática. Estudando teatro viu nele um canal, uma ponte de acesso para esse trabalho. Sem saber que existia o teatro espontâneo já acreditava ser possível interligar as duas áreas, tornando a arte um veículo de expressão. Somente após estudar Jacob Levy Moreno no Espaço Sociodramático Celeiro conheceu a técnica do Teatro Espontâneo, identificou-se e começou a trabalhar no hospital psiquiátrico Allan Kardec entre 1998 a 2000 para desenvolver a ideia do projeto surgido em conversas com uma terapeuta do Celeiro. Segundo relatado em entrevistas, foi o trabalho no qual ela mais se sentiu fortalecida, que mais pôde ter experiências, e analisar os meios de comunicação através do teatro com esses pacientes, tendo observado que eles se sentiam mais à vontade de falar e colocar o seu universo à mostra durante os encontros teatrais, do que em uma sala de consultório psiquiátrico. Logo em seguida surgiu o Hospital Dia através do movimento crescente da luta antimanicomial em Franca, e a fundadora do projeto passou a trabalhar nesta instituição, ficando até 2001, quando se desligou e parou o projeto. No curso do Senac teve a oportunidade de prosseguir o Projeto Sinapse a partir da atividade da UC no CAPS III - Florescer Franca. A atriz afirma que para trabalhar com os pacientes, usa instrumentos lúdicos porque facilita seu acesso aos pacientes atores, como histórias com personagens ou uma boneca de pano cujo rosto é definido a partir da identidade grupal. Na visão da realizadora as pessoas inseridas em patologias psíquicas têm menos entraves e tabus em comparação àqueles que não possuem nenhum tipo de patologia. Relata que os pacientes têm maior aceitação para participar das atividades propostas e se envolvem com facilidade nos exercícios. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa relatada neste artigo teve como objetivo avaliar se técnicas teatrais são de fato efetivas quando trabalhadas com pacientes com transtornos psíquicos. Através de pesquisas bibliográficas e relatos pessoais obtidos através de entrevista semiestruturada foi constatado que o teatro é uma das possíveis ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 65 ferramentas que colaboram para um bom resultado nos tratamentos de saúde mental. Falar sobre arte atrelada à saúde no Brasil é um grande desafio, pois sabe-se que o incentivo à Arte e à Cultura é precário, e ainda que tenha tido um maior acesso nas últimas décadas, é difícil encontrar apoio efetivo, diante da falta de visão social dos efeitos positivos da arte na vida das pessoas. O teatro carrega um forte estigma histórico depreciativo, e quando Moreno olha para essa arte com um novo olhar e enxerga nela um lugar propício para se trabalhar o grupo e suas demandas psicossociais, ele credita ao teatro uma força significativa de poder ser instrumento de trabalho terapêutico. Quando se entende o teatro como uma arte de interação entre os envolvidos, e transtornos mentais desencadeantes das dificuldades de socialização, é contraditório desacreditar na correlação e no quanto os dois elementos estudados caminham juntos. Em relação à isso, houve um desencontro interpretativo entre as realizadoras da pesquisa e a atriz, que acredita que esse tipo de público tem menores entraves sociais quando se coloca em cena. As autoras entendem que, ao contrário da atriz, o palco intimida a todos de alguma maneira, e quando se trabalha com um grupo que naturalmente já possui receios sociais, no palco isso tende a ser ainda mais evidenciado. O que se acredita e pôde ser pontuado é que o trabalho grupal embasado na teoria do psicodrama abre espaço para o sujeito se expressar da forma como lhe é conveniente, fazendo com que ele passe a se relacionar melhor consigo mesmo, e como consequência, com o próximo. A pesquisa sobre o tema surgiu de uma visita das autoras ao CAPS III – Florescer onde foi notada a demanda por atividades alternativas com os pacientes. O levantamento de dados junto ao grupo de teatro, por questões éticas e burocráticas, foi limitado à entrevista com a atriz. Como medida prognóstica há o interesse de continuar este projeto de pesquisa, com foco em levar para a prática o estudo teórico realizado, e ter a oportunidade de produzir uma pesquisa de campo empírica com os pacientes do CAPS III que participam do Projeto Sinapse. Outras formas de fomentar essa ideia é promover discussões e debates a respeito do tema para que se alcance novos olhares não só sobre o teatro, mas também sobre os transtornos psíquicos que ainda é um assunto carregado de pré-conceitos. REFERÊNCIAS AZEVEDO, S. M. Papel do Corpo no Corpo do Ator. São Paulo: Perspectiva, 2002. BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1983. FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 66 MAYRINK, M. C.; MONCALVO, R. C. F.; RODRIGUES, D. R.; TAVARES, R. J. D. O que são transtornos mentais? Noções básicas. Rio de Janeiro: América Gráfica e Editora Ltda. 2011. GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed. 2006. MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. 2.ed. São Paulo: E.P.U, 2014. MORENO, J. L. O teatro da espontaneidade. São Paulo, Summus Editorial, 1984. PAPALIA, D. E. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. ANEXO ENTREVISTA 1 – Organizadora do Projeto Sinapse 1) Como despertou em você o interesse de trabalhar o teatro com os pacientes do CAPS? 2) Por que o interesse em realizar esse projeto com esse público? 3) Em qual época você trabalhou com a saúde mental? 4) Quando você descobriu que poderia conciliar as duas áreas que você gosta: teatro e saúde mental? 5) Como você pensa em realizar essas técnicas teatrais? 6) Qual a influência do teatro na sua vida? 7) Qual a influência que você acredita que o teatro possua na vida desses pacientes? 8) Qual a sua experiência pessoal com esse projeto? 9) Você tinha quantos anos no seu primeiro contato com o teatro? 10) Entre esse intervalo do seu primeiro trabalho até o atual você trabalhou nessa área da saúde mental e do teatro? 11) Você acha que o teatro teve alguma influência nesse período da sua internação? Respostas 1. Eu sempre me senti muito atraída por toda essa questão da saúde mental como um todo mesmo, eu sempre senti muito encanto em ver as pessoas, e parece que eu sentia, assim, uma atração grande, uma vontade muito grande quando eu via alguém passando por mim. Não sei explicar o que eu sentia, mas era uma atração forte e aí com o passar do tempo estudando teatro, sempre fazendo teatro, né?! Eu também vi ali um canal, uma ponte de acesso para esse mundo, para esse ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 67 trabalho, sem saber que já existia, mas na minha mente eu sabia que tinha como a gente interligar, fazer uma ligação, fazer uma forma de expressão para eles, um veículo de expressão, né?! E daí com o tempo eu conheci o trabalho do Moreno com o Teatro Espontâneo e aí confirmou o que era apenas um pensamento meu, confirmou através desse trabalho, o Psicodrama. 2. É uma identificação, e realmente, como eu trabalhei dentro do hospital psiquiátrico, foi o trabalho que eu mais me senti fortalecida, que eu mais pude ter experiências que eu pude analisar vários meios de comunicação através do teatro com esse pessoal, então eu acho que é importante o teatro nesse ponto para trabalhar com esse público, com essas pessoas, eu acho que é muito importante por isso. 3. Foi de 1998 à 2001, uns 3 ou 4 anos, no hospital psiquiátrico daqui, o Allan Kardec, e o Hospital Dia surgiu assim, quando eu entrei nem existia ainda o Hospital Dia por conta que nem se falava ainda na luta antimanicomial quando eu entrei em 98, depois de 2 anos que eu estava lá que começou a se falar nesse movimento, aí foi criado o hospital dia e eu comecei a trabalhar também lá, mas eu comecei a trabalhar no interior do hospital mesmo, nos residentes, que ele falam que são residentes lá, são crônicos ou residentes, que moram lá. 4. Foi quando eu conheci o Psicodrama e o Teatro Espontâneo no Celeiro que eu fazia parte, a Marta Figueiredo convidou a gente para fazer parte de um grupo de Teatro Espontâneo e aí eu e a terapeuta que eu chamava de minha chefa, que trabalhava lá no hospital, falou ―vamos fazer porque eu acho que vai ser muito importante‖, e realmente foi. Eu já tinha o grupo de teatro dentro do hospital e aí uma das pessoas que fazia parte da minha equipe que convidou pra gente montar. 5. O que eu mais busco é mostrar o lúdico, é muito importante, é o universo que eu tenho mais acesso a eles, por histórias, por personagens ou uma boneca igual a que eu levei, uma calunga, que ela até nem tem um rosto definido e tudo isso eu quero construir ali no grupo, ela vai ser meio que uma identidade pra esse grupo porque eu ainda estou nessa busca, estamos nessa busca de ver quem vai ser o personagem, vai ser como um nascimento mesmo, mas o lúdico é muito importante pra gente conseguir comunicar com o universo deles, tudo em forma de história, de brincadeiras, é bem assim dessa forma. 6. Toda, total. É muito importante, nossa senhora... Que pergunta difícil (risos), eu não sei, eu só faço teatro até hoje na minha vida, tudo que eu conheci foi pelo teatro, acho que foi um pouco por parte da minha história, eu passei em Serviço Social em 88, mas ao invés de ir pra faculdade eu comecei a ir nos festivais de teatro ai eu ia e ficava um tempo e conhecia gente, ai eu fui conhecendo, sempre fui muito curiosa, anotava o endereço de todo mundo e de um festival eu ia pro outro, quando eu voltei eu já não tinha mais como frequentar a faculdade, eu tinha que fazer o vestibular de novo de tanto que eu faltei, ai eu decidi ir pra São Paulo pra fazer teatro lá, eu falo que foi minha faculdade porque eu fiquei 4 anos em São Paulo e trabalhei com alguns grupos, fiz muitos cursos, centro cultural, né?! Tive a oportunidade de morar sozinha sem os pais... Aquelas coisas de faculdade que o pessoal que vai fazer faculdade, sozinhos, passam. APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 68 7. Eu acho que tem uma importância grande, é meio que um veículo que eles podem falar com mais fluidez, eu acho que eles se sentem mais confortáveis naquele lugar, naquele momento, eu sinto que eles tem mais facilidade, às vezes, de falar talvez coisas que as vezes numa sala com um psicólogo e com um psiquiatra não consigam e lá parece que eles tem essa soltura, eu sinto que eles tem mais, talvez seja a forma que eu conduzo, às vezes, acho que sim, que eu dou mais essa abertura mesmo e eu acho bacana, eu penso que é isso, que eles sentem esse conforto de estar falando mais sobre as suas experiências, colocando seu universo à mostra. 8. Nossa, tanta coisa... (risos), olha, foi uma experiências, assim, acho que às vezes é até inenarrável, porque ao mesmo tempo que é tão tênue tem um significado tão grande o universo deles, tem tanta riqueza, agora o que eu mais me sinto bem é que eles por estarem inseridos em patologias da saúde mental eles não tem tantos entraves que, às vezes, nós como cidadãos, como pessoas, eu sinto que nós temos mais, por engajamentos, ou famílias, ou política ou religioso, a gente tem alguns limites, tabus, enfim... E lá eu acho que eu não sinto isso, nem nesse grupo agora que eu estou recomeçando e nem lá dentro do hospital, parece que é muito fácil, você propõe uma história ou um movimento e eles rapidamente entram ali e fazem, às vezes, sem questionar, e fazem, eu acho bacana e interessante e eu consigo colhe muitas experiências do que vem daquilo que eles falam, igual no primeiro dia mesmo ―nossa foi muito bacana fazer massagem no meu amigo e receber massagem‖, e realmente o que eles mais gostam é o negócio da massagem. 9. Eu tinha 21, meus amigos começaram mais cedo, mas eu tinha um namorado que não deixava eu fazer teatro e eu terminei com ele porque eu entrei no grupo. Eu fiz aqui um tempo, participei da FETAMP que era a federação de teatro amador de franca e depois com 25 anos eu fui pra São Paulo. 10. Não, eu só montei na minha internação com as meninas que estavam lá, era uma forma de eu continuar minha pesquisa interna. Eu fiquei internada em 2015. 11. Sim, o teatro, na minha vida tem muita influência, move tudo o que eu vou fazer, por exemplo, abandonar uma faculdade por causa do teatro, muita gente falou ―você não deveria ter feito isso, poderia ser formada hoje, ser uma profissional‖, mas eu não sei, eu continuo mesmo sabendo dessa impossibilidade, eu gosto, é teatro, eu não consigo enxergar outra coisa que eu possa fazer na vida se não for teatro. ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 69 AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica Marina Neves Alves Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Amanda Vieira Guagneli Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Thainá Reche Silva Secco Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF Irma Helena Ferreira Benate Bomfim Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO A primeira e a segunda infância são primordiais para o desenvolvimento psíquico do indivíduo, sendo assim, traumas acarretarão problemas significativos na fase adulta ou até mesmo na infância, por isto a importância de tal estudo e reflexão por parte da sociedade em geral que atualmente enfrenta muitos casos relacionados ao abuso sexual. Os impactos da violência sexual na vida adulta são devastadores, ocasionando um prejuízo tanto na parte social quanto na afetiva. Além disso, os traumas que ficam desse abuso se manifestam de diversas maneiras, tais como o sentimento de culpa, a ansiedade, sintomas depressivos, o estresse pós-traumático, entre outros. É preciso levar em consideração a singularidade de cada caso, pois esta, ocasionará diferentes consequências para a vítima, ou seja, o uso ou não de violência física e ameaças, a proximidade entre vítima e agressor, a duração das agressões e a idade em que a criança sofreu o abuso, são determinantes para a gravidade dos impactos. Este artigo abordará diversas visões psicanalíticas a respeito dos traumas e suas possíveis consequências para o desenvolvimento psíquico, visto que há um aumento no número de estudos sobre o tema. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica crítica utilizando livros e artigos científicos pela vertente psicanalítica, sobre o impacto causado pelo abuso sexual que acontece na primeira e segunda infância no desenvolvimento psíquico, abordando as teorias de Freud e Erikson, sendo elas a psicossexual e a psicossocial, respectivamente. Além disso, foi apresentado os impactos gerais e específicos sobre a vertente da psicanálise. AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica – pp. 69-77 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 70 2. INFÂNCIA SEGUNDO AS TEORIAS DE FREUD E ERIKSON Para um maior esclarecimento sobre as consequências do abuso sexual na primeira e segunda infância faz-se necessário conceituar a infância segundo Freud e Erikson. Sigmund Freud nasceu em Viena em 1856, e iniciou sua formação de médico com 17 anos. Conhecido como pai da psicanálise, formulou as bases dessa abordagem (ZIMERMAN, 2010). Na sua visão a construção da criança inicia-se antes mesmo de seu nascimento, através das expectativas dos pais em relação ao seu jeito de ser, a sua personalidade e suas características, ou seja, ela já existe no imaginário dos pais, caracterizada pelos seus desejos inconscientes (PRISZKULNIK, 2004). Seguindo esse pensamento, Freud postula uma teoria das fases do desenvolvimento psicossexual, porém não são fases totalmente lineares, elas podem interagir entre si. Além disso, pode ocorrer uma regressão para alguma das fases, os chamados pontos de fixação, onde o indivíduo busca o conforto, segurança e prazer que sentiu naquela fase, fugindo de uma angústia, de algo que o perturba atualmente. (ZIMERMAN, 2010). Essa teoria segue o princípio da psicanálise, segundo o qual ―o desenvolvimento é moldado por forças inconscientes que motivam o comportamento humano.‖ (PAPALIA; FELDMAN, 2013 p. 59). E é dividida em quatro fases e um período, sendo elas: a fase oral, a fase anal, a fase fálica, o período de latência e a fase genital. A primeira fase denominada oral, ocorre no período do nascimento aos 1218 meses, onde a principal fonte de prazer do bebê está relacionada à boca. Posteriormente, no período entre 12-18 meses até os 3 anos, acontece a fase anal, a qual a criança se gratifica através da retenção e evacuação das fezes. Em seguida, a criança entra na fase fálica, entre 3 à 6 anos, caracterizada pelo desenvolvimento do superego, através do apego pela mãe quando menino, e pelo pai quando menina, e também ocorre a identificação com o genitor do mesmo sexo. Nessa fase, a zona de gratificação é transferida para a região genital. Depois acontece o período de latência, dos 6 anos ao início da puberdade, definido por um momento de calma comparado as outras fases. E por fim, a fase genital, da puberdade à idade adulta, onde os impulsos adormecidos na fase fálica retornam, canalizados na sexualidade adulta madura. (PAPALIA; FELDMAN, 2013 p. 62). Freud afirmava que as primeiras experiências da infância eram cruciais para o desenvolvimento e modificavam permanentemente a personalidade. Em contrapartida, Erikson, um psicanalista alemão, seguidor de Freud, postulava que o Ego se desenvolvia ao longo da vida e não somente em uma época (PAPALIA; FELDMAN, 2010). Juntamente com as fases psicossexuais de Freud, a criança enfrentará o Complexo de Édipo, que é caracterizado como: ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 71 Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. […] Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano (LAPLANCHE; PONTALIS, 2000 p. 77). Os pais desempenham papéis essenciais no desenvolvimento da criança, pois estes são dependentes. De acordo com a teoria psicanalítica, é natural e esperado o surgimento de fantasias sexuais, onde os pais são protagonistas, caracterizando o Complexo de Édipo (HUH; SANTUZA, 2011). Erikson desenvolveu a teoria do desenvolvimento psicossocial, descrevendo as crises que o ego do indivíduo passa ao longo da vida. Ao passar por essas crises, a pessoa estaria com um ego mais fortalecido ou mais vulnerável, levando em conta a sua vivência diante os conflitos, influenciando os próximos estágios. (RABELLO; PASSOS, 2018). Ao total são oito estágios que o indivíduo enfrentará ao longo da vida, sendo eles: Confiança básica versus desconfiança, no período do nascimento a 1 ano de idade, onde a criança deve possuir uma noção de que o mundo é seguro e um ―lugar bom‖. Em seguida, de 1 a 3 anos, ocorre o estágio autonomia versus vergonha e dúvida, o qual a criança deve entender que tomar decisões é uma característica de uma pessoa independente. Posteriormente, há o estágio iniciativa versus culpa, de 3 a 6 anos, no qual o indivíduo precisa aprender a lidar com o fracasso e estar disposto a realizar novas experiências. O quarto estágio nomeado, produtividade (competência) versus inferioridade, dos 6 anos à adolescência, o sujeito deve adquirir habilidades básicas e conseguir conviver com os outros. Logo após o fim desse estágio, inicia-se a identidade versus confusão de identidade, no período da adolescência, onde o jovem precisa obter uma noção de identidade. O sexto estágio, intimidade versus isolamento, ocorre no início da fase adulta, o qual o indivíduo, precisa relacionar-se amorosamente com outra pessoa. Posteriormente, na fase adulta, o sujeito enfrenta o estágio generatividade versus estagnação, devendo auxiliar os jovens, através da educação de filhos, ou em algum trabalho produtivo. Por fim, o oitavo estágio de Eriksson dá-se na idade avançada e recebe o nome de, integridade versus desesperança, marcado pela satisfação ou não com a própria vida e com suas realizações. (KAIL, 2004). Esses estágios são contínuos, ou seja, uma vez que o sujeito passe por alguns deles, ele não retornará. Sendo assim, o sucesso em cada fase determinará os estágios seguintes. É importante pensar que cada indivíduo tem sua singularidade, podendo ou não evoluir para o próximo estágio. Erikson mesmo concordando com Freud sobre a relevância dos anos iniciais, acredita que a identidade é formada gradualmente, através da cultura e o modo que o indivíduo se adequa os hábitos culturais, sendo assim a maturidade possui um papel secundário nessa perspectiva. Segundo a sua visão, a identidade AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica – pp. 69-77 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 72 não está completamente desenvolvida no final da adolescência, como afirma a teoria psicossexual, e sim se desenvolve de maneira contínua ao longo da vida (BEE, 1997). 3. ABUSO SEXUAL: IMPACTOS Para um melhor entendimento sobre os impactos do abuso sexual no desenvolvimento psíquico do adulto, é necessário conhecer a sua definição. Segundo a Organização Mundial da Saúde, (2017): (...) a violência sexual: é o abuso de poder, no qual um indivíduo é usado para gratificação sexual de outro indivíduo, através da indução a práticas sexuais, com ou sem violência física. Florentino (2015), em sua revisão bibliográfica sobre as possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes, considera necessário que ao debater os impactos da violência sexual é importante observar as particularidades de cada abuso, pois variam, comprometendo cada caso, como por exemplo, o uso ou não de força física, insultos ou violências psicológicas. É importante ressaltar que o abuso sexual infantil ocasiona graves consequências psicológicas, estando ligadas a diversos fatores como: a idade em que a criança se encontra, se o período do abuso foi longo ou curto, se houve violência ou ameaças, a proximidade com o agressor e se houve ou não proteção de familiares. Além disso, incluem questões relacionadas a proteção, a saúde mental e física da criança e a punição do agressor (ARAÚJO, 2002). Os abusos sexuais, ―são primeiramente uma violação dos direitos humanos, não escolhendo cor, raça, credo, etnia, sexo e idade para acontecer‖ (CUNHA; SILVA; GIOVANETTI, 2008, p. 245). Alguns impactos que devem ser considerados são descritos por Strey (2004) referentes a vida adulta das mulheres que sofreram abuso na infância, as quais se encontram num ciclo vicioso de violência, podendo ocorrer novamente ao amadurecer. Já os homens vítimas de abuso quando criança, podem se tornar cruéis e até reproduzir o ato, pois acredita que não será interrompido e sairá impune. Faz-se necessário esclarecer que as consequências do abuso sexual podem ser inúmeras, dentre elas o prejuízo na saúde física e mental, como traumas físicos, a gravidez indesejada e a possibilidade de obter doenças sexualmente transmissíveis, como AIDS. Além disso, essas vítimas de violência sexual são mais suscetíveis a diferentes tipos de violência, ao uso de drogas, estresse póstraumático, depressão, sentimento de culpa, ansiedade, isolamento, baixa autoestima, suicídio, entre outras. (RIBEIRO et al., 2004; INOUE & RISTUM, 2008 apud LUCÂNIA; MIYAZAKI; DOMINGOS, 2008). Ainda relacionado aos impactos do abuso sexual, Brandão e Alves, afirmam que: Pode-se afirmar também que um adulto que foi abusado sexualmente na infância pode apresentar problemas com relação à transformação de sua imagem corporal. Por exemplo, uma pessoa que possui algum histórico de ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 73 abuso sexual devido ao fato de em sua infância ter tido o corpo desejado por alguém poderá, na vida adulta, transformar sua imagem corporal de modo que esta não desperte desejo em outrem. Ela prefere que seu corpo esteja fora dos padrões de beleza, diferentemente daquele corpo que um dia foi alvo de interesse, ficando, assim, mais distante de possíveis interesses (2012, p.71). Além dos pontos já discutidos, um ponto relevante a ser considerado e que pode influenciar nos impactos da violência sexual sofrido, é a determinação deste em intrafamiliar ou extrafamiliar, estando relacionados com o grau de parentesco do agressor com a vítima. O extrafamiliar ocorre com pessoas que não convivem na mesma casa da vítima e que normalmente são estranhos, além disso é menos comum que o intrafamiliar, o qual acontece com pessoas próximas a vítimas, que possuem um fácil acesso a ela. (MELLI, 2011). Então, é possível concluir que: O abuso sexual na infância é fator importante na etiologia de transtornos psicológicos e também na gravidade dos sintomas (Kendall-Tackett et al.,1993; DSM-V) e pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos indivíduos. (apud Krindges; Macedo; Habigzang). Em suma, os impactos do abuso sexual geram um grande dano na vida do indivíduo, pois afetam seu desenvolvimento em múltiplas áreas. Deve-se levar em consideração as particularidades dessa violência, sendo equivalentes aos impactos causados. Estes podem ser geradores de patologias desde o Transtorno Dismórfico Corporal até o suicídio, sendo de extrema importância o acompanhamento psicológico da vítima, para que esses impactos sejam amenizados. 4. AS CONSEQUÊNCIAS DOS TRAUMAS PARA O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO, UMA VISÃO PSICANALÍTICA. É necessário entender o conceito de trauma para a psicanálise, para que haja um melhor entendimento sobre as consequências do trauma para o desenvolvimento psíquico. De acordo com Laplanche e Pontalis (2000), o trauma é caracterizado como um episódio intenso, onde o indivíduo não é capaz de reagir adequadamente, pois promove uma desorganização psíquica e efeitos patogênicos duradouros. Um indivíduo que sofreu abuso sexual na infância, tem a sua história de vida marcada, visto que vivencia uma situação de ameaça e desamparo, vivenciando uma angústia de morte. Essa violência desencadeia um sentimento de culpa, porque a criança fantasia que o episódio ocorreu por sua culpa (HUH; SANTUZA, 2011). Como já discutido anteriormente, a idade em que o sujeito sofre o abuso é determinante para a gravidade dos impactos no desenvolvimento psíquico. Para Malgarim e Benetti: […] as memórias traumáticas estarão associadas às fantasias sexuais infantis agressivas e, quanto mais precocemente ocorrer o abuso, mais AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica – pp. 69-77 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 74 sintomática será a resposta da criança em função da incapacidade do ego de organizar a experiência traumática. Por sua vez, a incapacidade de contenção afetiva, o significado e a estruturação da experiência colocam a criança numa organização caótica, que ocasiona vivências de isolamento pessoal e sintomas de ansiedade e pânico (2011, p. 511). Sendo assim, quanto mais cedo ocorre o abuso, mais prejudicial para o desenvolvimento psíquico será, tendo em vista que a capacidade de simbolização da criança ainda é inexistente. Alguns dos primeiros sintomas apresentados por elas são de origens comportamentais, muitas vezes em locais públicos, sendo o principal o comportamento sexualizado, presente nas brincadeiras das crianças, a masturbação demasiada e a solicitação de estimulação sexual, além de um conhecimento sobre sexo que não condiz com a idade (BOMFIM; ANDRADE, 2012). Outros sintomas apresentados segundo Silva (1998), são os sintomas histéricos, reações de conversão e estados de desconexão da realidade. A criança faz uso de mecanismos de defesas primitivos, como negação, separação interna do evento e isolamento afetivo, para se proteger dos traumas que o abuso causou. Além dessas consequências citadas acima, Fahlberg (1997) (apud RAMOS, 2015) relata que a criança quando vivencia uma situação traumática, desenvolve uma ansiedade, irritação, melancolia, sentimento de perda, confusão mental, insegurança nos relacionamentos e apresenta uma impotência diante algumas situações, além de se sentir marcada pelo resto da vida. As crianças vítimas de abuso apresentam uma modificação no comportamento, se tornam inseguras, estão sempre em estado de alerta, devido a um medo recorrente, há uma diminuição da autoestima, uma ansiedade elevada e exagerada, uma hiperatividade incomum, os distúrbios alimentares, as mentiras e em alguns casos a ideação suicida. Por isso é importante notar as mudanças inesperadas do indivíduo. As consequências e marcas desse abuso podem comprometer a inocência das crianças, retratando o fim da infância (HABIGZANG & KOLLER, 2006). A partir destes elementos discutidos: […] é possível identificar que vivências concretas de experiências sexuais abusivas, nesta fase de desenvolvimento, são situações extremamente traumáticas e com consequências importantes no processo de desenvolvimento psíquico do sujeito. (MALGARIM; BENETTI, 2010). Em vista dos argumentos apresentados, percebe-se que as consequências dos traumas para o desenvolvimento psíquico são significativas para o percurso da formação do indivíduo. Levando em consideração que quanto mais novo for a vítima do abuso, maior e mais severa serão as consequências, tendo grande chance de desenvolver um quadro psicótico, pois o ego ainda está em processo de estruturação e traumas acarretarão desorganização neste percurso. ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 75 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo teve como objetivo revisar o impacto causado pelo abuso sexual que acontece na primeira e segunda infância, ao longo do desenvolvimento psíquico, através de uma revisão bibliográfica com base na psicanálise. Atualmente casos de abuso sexual são frequentemente propagados pela mídia em diversas fontes como na internet, televisão e noticiários, visto que com uma maior visibilidade dos casos, há um aumento no número de denúncias e de estudos científicos sobre o abuso. Este estudo contribui para a compreensão dos impactos do abuso sexual para o desenvolvimento psíquico do sujeito e possíveis intervenções sobre o tema. Apesar de um aumento no número de estudos científicos sobre o assunto, ainda há um déficit em materiais psicanalíticos atualizados sobre o tema, sendo necessário o estudo do tema por psicanalistas contemporâneos, gerando novos conteúdos. Entretanto, o objetivo foi atingido. A partir desse estudo científico, o qual possui informações relevantes sobre o tema, é possível a realização de novas pesquisas e intervenções na área da educação sexual com caráter preventivo, visto que há uma carência de informações na sociedade, principalmente no público infantil. Sendo que para este público, as informações devem ser transmitidas utilizando o lúdico, afim de distinguir os afetos adequados e inadequados. REFERÊNCIAS ARAUJO, Maria de Fátima. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, n. 2, p. 3-11, jul- dez. 2002. BEE, Helen. O ciclo vital. 2a. ed. Porto Alegre: Artmed, 1997. BOMFIM, Carlos Eduardo Dos Santos; ANDRADE, Gladson Vinícius. 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Homicídios bárbaros de mulheres, da comunidade LGBT+ e de pessoas em forma geral, são majoritariamente praticados por homens levados por motivos aparentemente inexplicáveis. Portanto, pode-se perceber que muitos indivíduos do sexo masculino, principalmente, são autores e em grande parte também vítimas da violência. Isso ocorre, pois eles persistem em apresentar comportamentos de cunho considerado primitivo socialmente, os quais muitas vezes os levam a esses atos de agressão gratuita e descontextualizada; apesar da crescente onda pela luta de garantias dos direitos humanos. Faz-se importante observar alguns dados divulgados recentemente nas mídias internacionais sobre a violência que torna-se a cada dia um problema de saúde pública. Segundo o site no Ipea - instituto de pesquisa econômica aplicada foram registradas 61.283 mortes violentas intencionais no País no ano de 2016 sendo em média 30 mortes a cada 100 mil habitantes. Além disso foram também registradas segundo o instituto, também no ano de 2016, 62.517 homicídios. Dessa forma, após ponderar-se sobre os dados citados percebe-se uma urgente necessidade de combater de forma eficaz a violência. Mas como fazer isso sem entender primeiro quais os mecanismos responsáveis por ela? Por isso, essa revisão tem como foco entender os possíveis aspectos psicológicos, biológicos e culturais que permeiam casos de abuso e violência, com enfoque no agressor. O objetivo do referente artigo é investigar os possíveis caminhos para traçar aspectos biopsicossociais que podem ser característicos de indivíduos autores de violência (HAV) com enfoque na violência aberta e explícita. Para assim, levar os SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 79 conhecimentos e os enfoques de pesquisa a entidades responsáveis pelo tratamento e ressocialização desses homens. A metodologia utilizada foi uma revisão crítica bibliográfica, com uso de artigos e textos disponíveis nas plataformas de pesquisa Scielo, Lilacs, Pubmed e Google acadêmico e alguns livros. 2. ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA AGRESSIVIDADE Diante de múltiplos contextos culturais e sociais, a agressividade possui raízes multifatoriais. Observa-se fatores socioculturais que influenciam na manifestação agressiva, correlacionados com uma crescente sociedade protetiva aos seus desejos pessoais e a tecnologia fugaz que permeia o cotidiano em detrimento da construção de relações sadias. Apresenta-se uma investigação sobre os possíveis fatores de risco que resultam em traços agressivos e da agressividade manifestada, com enfoque no agressor majoritariamente do sexo masculino. Segundo Penha (2017), as demonstrações de força e autonomia, ainda que violentas, são consideradas fundamentais, por constituírem a própria essência da masculinidade. A compreensão da agressividade necessita um olhar sobre elementos culturais que compõem o ato. Em muitas culturas é natural que precocemente se pregue a virilidade, competição e brutalidade entre os homens. A externalização de comportamentos frios e bárbaros é de pura responsividade aos estímulos que foram disponíveis para tais homens em momentos críticos de suas vidas. Partindo do princípio de que a família se trata do primeiro vínculo formado para uma criança, é do mesmo estrato que surge as habilidades sociais e as primeiras formas de socialização. Em decorrência das práticas parentais incorporadas pelos pais perante os filhos, adicionadas aos fatores culturais existentes no meio ambiente, o comportamentos de crianças e jovens podem se desenvolver de várias maneiras. Segundo Salvo, Silvares e Toni (2005), as práticas parentais negativas possibilitam o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Sendo assim, esta modalidade pode incluir abusos físicos, disciplina relaxada, monitoria negativa, negligência e punição inconsistente. A junção de um ou vários aspectos negativos na formação de uma criança em desenvolvimento pode acarretar discrepâncias entre comportamentos socialmente aceitos e outros que destoam dos aceitáveis, podendo ocasionar ápices de agressividade. Segundo Bolsoni-Silva e Carrara (2010), habilidades sociais podem ser conceituadas como conjunto de comportamentos emitidos diante das demandas de uma situação interpessoal, desde que maximizem os ganhos e reduzam as perdas para as interações sociais. Sendo assim, há um descompasso entre as ações agressivas e os relacionamentos interpessoais, causados provavelmente devido à uma aprendizagem social inadequada ou ausente. ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor – pp. 78-88 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 80 Pacheco e Gomes (1999), afirmam que o comportamento agressivo pode ocorrer em função da ausência de alternativas no repertório comportamental do indivíduo. Partindo do pressuposto de que observação e convivência em ambientes violentos podem acarretar o surgimento de comportamentos agressivos incorporados pelas próprias crianças. O não conhecimento e não treinamento de habilidades sociais conectoras de bons relacionamentos podem deixar a expressão agressiva como único comportamento fadado às crianças e ao ser que se desenvolve. Os pais podem adquirir técnicas coercitivas e não coercitivas em função de modelar e controlar o comportamento de seus filhos. Para Skinner (1953), a punição pode reduzir um comportamento punido de forma imediata, mas esse resultado não se mantém por longo prazo. A aplicação de práticas punitivas à um comportamento indesejado mostra-se de simples uso, já que é natural que o mesmo cesse quase que imediatamente. No entanto, sabe-se que a punição a longo prazo cria no organismo uma tendência a se esquivar da punição, além de gerar respostas emocionais de medo e desconfiança no indivíduo. Com isso, muitas teorias socioambientais pontuam que a violência e a agressividade podem ser aprendidas assim como qualquer outra atitude. Segundo Bandura (1977), a maioria do comportamento humano é aprendido observacionalmente através de modelação: observando os outros, formase uma ideia de um novo comportamento que foi performado, e em outras ocasiões isso codifica informações que servem como um guia para a ação (tradução do autor). Sendo assim, o comportamento agressivo também pode ser vinculado à manifestação posterior à sua observação, como conseguiu provar Bandura em seu fatídico experimento do João-Bobo. Crianças expostas à observação de violência explícita contra o brinquedo João-Bobo tender a imitar e repetir os mesmos atos quando postas em situações parecidas às que lhe foram apresentadas. A experimentação visual de comportamentos modelos podem se vincular ao repertório comportamental do indivíduo, prevalecendo à ele a imitação dessa recente aprendizagem. Conclui-se que, devido aos multifatores socioculturais expostos, à luz da singularidade de cada indivíduo, é de grande necessidade que se faça estudos e possíveis intervenções para apaziguar os preditores de comportamentos agressivos, agindo sobre o contexto e sobre as possíveis contribuições que as relações interpessoais podem acarretar para o desenvolvimento e crescimento do ser. 3. A AGRESSIVIDADE MARCADA NO ASPECTO BIOLÓGICO Ao pensar sobre agressividade, sabemos que a mesma possuí inúmeros fatores socioculturais, os quais constroem o comportamento - nesse caso agressivo - dos indivíduos. Contudo, não é somente o meio externo responsável, em SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 81 alguns casos, pela resposta comportamental do indivíduo. Pesquisas demonstram que nem só de relações o homem é feito, isto é, mutações genéticas e más condições disponíveis para um bom desenvolvimento neuropsicológico podem desencadear no sujeito comportamentos violentos (MENDES et al., 2008). O primeiro dos fatores a ser trabalhado no presente artigo é o fator genético. Estudos sobre o polimorfismo no genótipo MAOA indicam uma possível relação entre o comportamento agressivo em crianças vítimas de negligência e a alta atividade do genótipo (Widom; Brzustowicz, 2006). O segundo fator a ser apresentado será sobre a interferência do neurotransmissor serotonérgico na predisposição à violência. No estudo de Beitchman et al. (2006), afirma-se que disfunções no sistema serotonérgico têm sido associadas com comportamentos agressivos em animais e em adultos, no entanto, estudos dessa substância como disparadora de respostas violentas de crianças ainda é inconclusivo. Beitchman et al. , em sua pesquisa, analisaram a associação de polimorfismos no gene transportador de serotonina e o comportamento agressivo na infância e adolescência. Como resultados, encontraram uma significante associação entre comportamento agressivo e a alta expressão do genótipos (S/S, Lg/S, Lg/Lg). ―A alta expressão do grupo genotípico (S/S, Lg/S, Lg/Lg) é significantemente mais prevalente em crianças agressivas e é associado duas vezes mais com o risco de comportamentos agressivos‖ (Beitchman et al., 2006, pág 1104, tradução nossa). Outro ponto interessante à essa pesquisa seria dois estudos (KOTHER et al., 1999) e (JONES et al., 2001) que discorrem a respeito de um polimorfismo genético associado com o comportamento agressivo e assassino de portadores de esquizofrenia. Mesmo que essa doença não seja o foco principal deste estudo, os resultados da literatura referida mostram um possível link entre uma predisposição genética e um comportamento violento. Figura 1: A categoria OAS ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor – pp. 78-88 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 82 Fonte: Widom CS, Brzustowicz LM. MAOA and the “cycle of violence:” childhood abuse and neglect, MAOA genotype, and risk for violent and antisocial behavior. Biol Psychiatry. 2006;60(7):684-9 Em ambas as pesquisas foi buscado associações entre o polimorfismo do gene catechol-O-methytranferase (COMT) e comportamentos agressivos na esquizofrenia. Jones et al. usaram como instrumento para medição de agressividade a escala Overt Aggression Scale (OAS) - presente na imagem acima - na qual eram pontuados os atos da amostra e classificados em tipo e grau de violência, enquanto Kotler et al. usaram os critérios do CID 10 para o diagnósticos da amostra. Os achados confirmam uma associação entre a alta atividade do gene homozigoto COMT e um aumento da agressividade na esquizofrenia. Além de que talvez o gene heterozigoto conferir algum tipo de proteção contra o comportamento agressivo (JONES et al., 2001). Um tipo muito comum de violência nos dia de hoje é a violência doméstica. Dados levantados pelo Datafolha, feito em fevereiro deste ano e encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil, mostram o atual perfil da violência no país. Segundo eles: Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Dentro de casa, a situação não foi necessariamente melhor. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. Visto isso, faz sentido pontuar neste trabalho o estudo de Adrian Raine, sobre a anatomia da violência em seu livro de mesmo nome. Praticamente todo o livro caberia no contexto e na proposta desta revisão, mas será abordada somente sua contribuição sobre o perfil neurofuncional dos autores de violência doméstica. Raine também se perguntou como é o funcionamento cerebral de autores de crimes, nesse caso com enfoque no doméstico. Para isso, realizou uma pesquisa junto a Tatia Lee, uma neurocientista clínica da Hong Kong University, com 23 homens encaminhados pela polícia e departamentos de bem-estar social e atendimento psicológico por maltratar fisicamente suas esposas. O objetivo era averiguar se a amostra era hiper-responsiva a estímulos emocionais, e que isso, em parte, poderia ser a causa da violência. Foram medidas a agressividade reativa e proativa, bem como aplicadas duas tarefas emocionais, uma verbal e outra visual. A tarefa verbal é chamada de Teste Stroop emocional. Nela é avaliada a rapidez com que o avaliado responde uma palavra emocional e uma neutra, Sendo que: as pessoas que levam mais tempo para responder à palavra emocional que a neutra estão mostrando um viés cognitivo a estímulos afetivos negativos e isso significa que a natureza emocional negativa distraiu a atenção de seus cérebros e desacelerou suas respostas. (REINE, 2015, pg. 83). SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 83 Na tarefa visual, eram mostrados à amostra imagens neutras (por exemplo uma caneta) e outras emocionalmente provocantes (como cenas de violência). Em ambas as tarefas verbais e visuais eram realizadas ressonâncias magnéticas funcionais (RMNf) do cérebro dos voluntários. A pesquisa de REINE e LEE resultou em 4 achados. O primeira foi que os homens testados estão fortemente caracterizados pela agressão reativa - em que o indivíduo responde de modo agressivo à provocação. Segundo, no Teste Stroop emocional, o agressor era mais lento na resposta a palavras emocionais, significando, que os estímulos negativos prendem sua atenção muito mais que o normal. Terceiro, durantes os testes funcionais, os cônjuges mostraram maior atividade neuronal nas amígdalas diante de estímulos negativos e pouca atividade no córtex pré-frontal controlador. E por fim, ―quando os agressores viram imagem de estímulos visuais ameaçadores, mostraram-se hiperresponsivos em áreas do cérebro generalizadas que abrangiam as regiões occipitaltemporal-parietal‖ (REINE, 2015, pg. 84). Isso significa, que os agressores experimentam uma maior excitação visual quando expostos a estímulos ameaçadores (REINE, 2015). Depois de expostos estes achados, se pode concluir que os agressores testados são hiper-responsivos a estímulos negativos, os quais prendem mais a sua atenção se comparados à uma pessoa normal. Quando isso ocorre, as regiões do cérebro primitivas responsáveis pela agressividade, luta e fuga são ativadas, enquanto o córtex pré-frontal, responsável por esse controle emocional, não tem a atividade necessária para impedir o indivíduo de realizar atos violentos. Apesar do déficit cognitivo apresentado, Raine deixa bem claro que seus estudos não tem a intenção de eximir de culpa os cônjuges agressores e sim complementar as terapias que ajudam na reabilitação desses indivíduos, em que muitas das vezes só se trabalham aspectos psicossociais esquecendo-se dos aspectos biológicos. Se quisermos de fato acabar com esses comportamentos completamente inaceitável dos homens em relação às mulheres precisamos incorporar perspectivas neurobiológicas aos programas de tratamento da violência doméstica (REINE, 2015, pg. 85). Enfim, no artigo de revisão de MENDES et al. (2009) foram abordados outros aspectos biológicos causadores de comportamentos agressivos, como genes transportadores de dopamina, exposição pesada ao álcool na vida intra-uterina etc. 4. TRAÇOS DA PERSONALIDADE AGRESSIVA X VIOLÊNCIA Um conceito comum de agressividade, diz que a mesma é um tipo de comportamento normal que se manifesta nos primeiros anos de vida, diz-se que na infância a agressividade é uma forma encontrada pelas crianças para obter a atenção para si mesmas. Acontece como uma reação inconsciente de um organismo ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor – pp. 78-88 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 84 que está exposto a algum acontecimento ou situação em que afloram sentimentos de fragilidade e insegurança. Podemos dizer que a agressividade é de extrema importância para a autoconservação e conservação da espécie, é ela que nos possibilita a ação, dela dependemos para tomarmos posicionamento nas situações e construção das coisas, tem a função de defesa diante dos perigos enfrentados e dos ataques recebidos, ela se constitui em um impulso natural a todos os seres humanos e também aos animais. O problema reside no fato de que essa agressividade tão essencial inicialmente, muitas vezes pode se desenvolver negativamente e caminhar para uma gama de diferentes tipos de agressão como a agressão hostil,que têm cunho emocional e costuma apresentar-se de forma impulsiva, tendo como intuito causar danos ao outro, mesmo que não se obtenha nenhum ganho ou vantagem . Temos ainda a evolução da agressividade de outras formas e categorias que podem ou não ser de natureza impulsiva, são elas: agressão instrumental, agressão direta, agressão deslocada, auto agressão, agressão inibida, agressão dissimulada e agressão aberta na qual esse estudo têm maior interesse já que a mesma é caracterizada pela manifestação de violência física e ou psicológica e é explícita. A questão da agressividade é em maior escala reconhecida por todos como algo natural ao ser humano, e mesmo, na sua pior caracterização como violência e destruição, admite-se que ela tem o seu lugar cativo na essência humana, porém quando se trata de estudá-la admitindo-a como algo característico do ser, aparece a resistência típica do reconhecimento do ser humano como um ser completo e repleto inclusive de incongruências e ―falhas‖ muitas vezes obscuras e cruéis. Em ―O Mal Estar na Civilização‖ (1930) Freud levanta o seguinte questionamento: Porque necessitamos de tempo tão longo para nos decidirmos a reconhecer um instinto agressivo? Porque hesitamos em utilizarmos, em benefício de nossa teoria, de fatos que eram óbvios e familiares a todos? Teríamos encontrado provavelmente pouca resistência, se quiséssemos atribuir a animais um instinto com uma tal finalidade. Todavia parece sacrilégio incluílo na constituição humana; contradiz muitíssimas suposições religiosas e convenções sociais.( Freud, 1930, p. 106) Para Winnicott (1987) quando a agressividade como uma das inúmeras tendências humanas aparece é certamente muito difícil identificar suas origens, já que ela é sempre disfarçada e escondida além de ter sua ocorrência na maior parte das vezes atribuída a agentes externos. Assim uma quantidade reduzida de indivíduos admite serem cruéis em pensamentos e ações e quando há essa admissão ela é atribuída às mais diversas situações e veementemente negada e ocultada como parte da fisiologia humana . SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 85 Novamente Freud (1930) diz que em nome da civilização pagamos um preço muito alto pois não há como eximir a agressividade do ser humano,então nossa própria cultura nos ―obriga‖ a manter essa agressividade enterrada dentro de nós, no entanto quando ela não aflora explicitamente,aparece implicitamente e se volta para o próprio homem que tentou negá-la. Segundo Mitscherlich (1969) são características típicas da espécie humana a mobilidade, a violência e a excitabilidade fácil do comportamento agressivo,e essa referida agressão costuma trazer perturbação à vida em sociedade. sendo assim é preciso combatê-la com muita insistência, já que é considerada uma coisa condenável. Porém não há um consenso sobre os dizeres da agressividade ser acompanhada inerentemente da violência pois vimos que essa agressividade atribuída ao ser humano como algo natural é de extrema importância para proteger a nossa espécie, permitindo ao ser lutar por sua existência, já a violência é caracterizada como um desejo de trazer sofrimento e dor ao outro de maneira deliberada e portanto consciente, não se pode portanto atribuir instintividade à violência que é sentida e desejada como intenção destrutiva carregada de ódio. Para Costa (1984) o ser humano tem total capacidade de diferenciar uma ação violenta de qualquer outra que não o seja e que, a violência pode ser determinada culturalmente devido às necessidades de relações de forças usualmente exigidas por classes ou grupos que detêm o domínio social, ele afirma que ―a violência é portanto um produto da cultura. Mais que isso é motor propulsor da reprodução cultural‖. (Costa,1984, p. 18) Freud (1930) diz que o questionamento mais importante para a espécie humana é saber se as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos humanos de agressão e autodestruição, poderão ser controladas pela evolução cultural da humanidade e, em que grau isso pode ocorrer. Com isso observamos o paradoxo existente entre a agressividade e a violência, pois aceita-se que a agressividade como citado anteriormente é algo natural, mas a violência por conseguinte não o é, no entanto uma advêm da outra e não se conhece a violência que não seja agressiva tornando-se demasiadamente difícil separá-las dentro de uma ocorrência de ação violenta e barbárie, que, na maioria das situações estão descontextualizadas e são por vezes inexplicáveis. Como podemos então, refletindo sobre a natureza da agressividade, buscar ferramentas e meios que possam direcionar a agressividade inerente ao ser humano de forma a torná-la o que ela deveria ser ―um instrumento de sobrevivência‖, distanciando-a da evolução destrutiva que a transforma de impulso de descontentamento em maldade gratuita? Deixa-se ao leitor o questionamento, reiterando a extrema necessidade de buscar formas de canalizar tanta agressividade, que preenche o mundo na atualidade, transformando-a em expressão positiva de amor, respeito e igualdade. ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor – pp. 78-88 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 86 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Presente artigo tinha como objetivo buscar através de um levantamento bibliográfico um melhor entendimento dos aspectos psicológicos, biológicos e culturais que estariam presentes em maior grau nos casos de indivíduos que cometem abuso e violência. A literatura pesquisada mostrou-se no entanto muito escassa em relação ao assunto proposto neste artigo, foram encontrados inúmeros dados e estudos acerca dos aspectos psicossociais que estão presentes em casos de abuso e violência, porém em sua grande maioria o foco é na vítima, já as pesquisas relacionadas aos mesmos aspectos com atenção ao agressor quase não existem,e quando encontradas continham muito pouco material sobre o agressor especificamente,o que resultou em grandes dificuldades na elaboração deste artigo. Pesquisas sobre aspectos biológicos relacionados à atos de violência eram pouco acessíveis, pois artigos encontrados nas plataformas eram em sua maioria em inglês o que dificultou sua leitura, e muitos também faziam partes de revistas de pesquisa pagas o que inviabilizou o uso destes neste trabalho. A proposta visava um entendimento das nuances psicológicas, sociais e culturais que levam indivíduos a cometer barbáries e buscar formas de desenvolvimento de medidas protetivas com base na análise de dados e informações a respeito de agressores, buscando um decréscimo nos casos de atrocidades que se encontram em alarmante crescimento na atualidade. Outro objetivo da pesquisa, foi encontrar formas diferentes de terapias e intervenções para agressores, ao invés somente encarcerá-los e esperar que saiam novos cidadãos de bem. Conclui-se, portanto que existe uma demanda crescente e extremamente necessária, por pesquisas, coleta de dados e informações a respeito desse tema que engloba cada vez mais as vidas de milhares de pessoas no seu cotidiano e relaciona todos os aspectos buscados neste artigo, para os quais um estudo mais aprofundado beneficiaria muitas destas pessoas, sejam elas vítimas ou agressores. REFERÊNCIAS BANDURA, Albert. (1973). Aggression: a social learning analysis. 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ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor – pp. 78-88 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 88 PAIXAO, Gilvânia Patrícia do Nascimento et al . A experiência de prisão preventiva por violência conjugal: o discurso de homens. Texto contexto enferm., Florianópolis , v. 27, n. 2, e3820016, 2018 . PENHA, Leonardo Tesser. Masculinidade e violência: o ethos guerreiro por uma perspectiva mitológica. Disponível em: <https://revistas.direitosbc.br/index.php/CIC/article/download/832/742>Acesso em: 17 de abr. de 2019. RAIME, Adrian. A Anatomia da Violência: as raízes biológicas da criminalidade. Porto Alegre: Artmed, 2015. Tradução de Maiza Ritomy Ite ROLIM, Kameni Iung; FALCKE, Denise. Violência Conjugal, Políticas Públicas e Rede de Atendimento: Percepção de Psicólogos(as). Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 37, n. 4, p. 939-955, Dec. 2017 . SALIBA, O. et al. Responsabilidade do profissional de saúde sobre a notificação de casos de violência doméstica. 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A partir do início do patriarcado, criou-se a ilusão de que o sexo masculino tem propriedade sobre o feminino e de que a mulher é obrigada a seguir os papéis que a ela foram impostos, ideia que vem sendo passada de geração em geração, apesar das mudanças que ocorreram no decorrer dos séculos. Só foi possível que essas mudanças acontecessem por conta da criação do feminismo, movimento político, social e ideológico que busca a equidade de gêneros e tem se constituído como peça-chave para que a mulher tenha domínio do seu próprio corpo, consiga quebrar preconceitos, padrões de beleza e estereótipos. Mesmo com todas essas alterações, é impossivel dizer que a mulher está livre de rótulos, como o de ―princesa‖, aderido por muitos, que diz que a mulher deve se comportar com delicadeza e fragilidade, nunca correndo atrás de seu futuro e sendo sempre submissa ao homem. Uma significativa contribuição para a reflexão sobre a mudança desse paradigma foi a publicação da série de livros infantojuvenil denominada ―Antiprincesas‖, composta atualmente por três edições sobre mulheres influentes da América Latina, as quais fizeram história não só em diferentes campos da arte, mas também ajudaram na transformação do cenário político, social e artístico dos países em que viveram. Destacamos, nesta pesquisa em andamento, as edições sobre a escritora Clarice Lispector, a pintora mexicana Frida Kahlo e a musicista chilena Violeta Parra. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 90 A fim de verificarmos como são apresentados os percursos dessas três mulheres presentes na coleção Antiprincesas e a construção de sentidos de desconstrução de padrões por meio emprego de recursos verbos-visuais que configuram o estilo desses enunciados, analisamos, neste artigo, seis enunciados. Para tal, levantamos questões sobre a construção identitária da mulher, são elas: Como é construída a identidade feminina nessa coleção de livros sobre antiprincesas? Quais são os valores sociais e ideológicos veiculados nesses discursos? Como ocorre o embate discursivo entre duas posições diversas sobre a figura feminina? Quais são os recursos verbo-visuais utilizados? Quais são as críticas sobre a identidade feminina presentes nesses livros? Como referencial teórico-metodológico, adotamos uma revisão bibliográfica sobre a construção identitária da figura feminina a partir dos estudos de Belline (2003), Confortin (2003), Sgarbieri (2003) e Paula e Stafuzza (2013), como também, na análise discursiva, as reflexões do Círculo de Mikhail Bakhtin sobre ideologia, dialogismo, enunciado concreto, estilo, e de seus comentadores, entre eles Brait (2005), Fiorin (2006) e Faraco (2009). 2. OS GÊNEROS DO DISCURSO Com o intuito de compreendermos como é construída a identidade feminina em discursos de antiprincesas, respaldamo-nos em conceitos de análise presentes na área dos estudos do discurso pela perspectiva do Círculo de Mikhail Bakhtin: dialogismo, enunciado concreto, estilo. Além disso, dentro do conceito do estilo, também tomamos como fundamentação teórica o conceito das escolhas verbo-visuais, visto que as imagens presentes nesta pesquisa são de significativa importância para a construção discursiva desses livros infantojuvenis. Com base nas reflexões de Bakhtin, afirmamos que o uso da linguagem é imprescindível quando se trata das relações humanas e que a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados, sejam eles orais ou escritos, concretos ou únicos: Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos, e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2003, p.261). Dessa forma, entendemos que interação social é composta por enunciados concretos que, por sua vez, têm diferentes finalidades de acordo com as esferas de atividades humanas. Esses enunciados foram denominados por Bakhtin RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 91 de gêneros do discurso. Fiorin, um dos estudiosos desse filósofo da linguagem, comenta sobre a composição desses gêneros: Os gêneros são, pois, tipos de enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo. Falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera de atividade (FIORIN, 2006, p.61). Quando tratamos sobre o conteúdo temático de um texto, não nos referimos apenas ao tema e sim aos efeitos de sentido que ele reproduz, uma vez que um grande número de temáticas pode ser abordado por um só gênero. Levemos em consideração, por exemplo, os textos cujo conteúdo temático seja ―estética‖: podemos encontrar obras discorrendo sobre o assunto de forma positiva, afirmando que procedimentos estéticos estão a serviço de melhorar a autoestima da população, ou também de forma difamadora, relatando que esses procedimentos existem para impor padrões de beleza inalcançáveis pela sociedade. A construção composicional diz respeito a como um texto é organizado e estruturado. Isso acontece quando lemos uma carta e um texto jornalístico, por exemplo, visto que em uma carta deve conter data, local, o remetente e o destinatário. Já um texto jornalístico, por não ser escrito para apenas uma pessoa, é estruturado de forma diferente, com manchete, lide e a notícia em si, organizada de acordo com o layout do jornal. Sobre o estilo, trata-se sobre escolhas linguísticas (fraseológicas, lexicais, sintáticas, semânticas), que produzem efeitos de sentido e contribuem para a valorização expressiva dos enunciados. Desse modo, podem apresentar traços individuais como também do gênero a que pertencem. Nesse contexto, há aqueles mais propensos ao estilo individual, como no caso dos gêneros artístico-literários, porém há enunciados mais padronizados. Há também que se levar em conta a relação com o destinatário ou com um grupo social. A fim de se precaver de possíveis objeções ou preconceitos ou de conseguir a adesão de seu ouvinte, o enunciador faz escolhas para conseguir obter uma atitude responsiva ativa. Ainda sobre o conceito de estilo, é aceitável que essa ideia não tenha como exemplos somente os textos verbais, podendo ser levadas em consideração as escolhas verbo-visuais. Sobre isso, Brait comenta: [...] se escolhemos textos visuais ou verbo-visuais (foto e sua legenda; a pintura e seu título, composições visuais em jornais, filmes etc.) assumindo sua textualidade, sua discursividade, também é possível lançar mão desses aspectos, respeitando as particularidades da construção textual e discursiva da imagem (BRAIT, 2008, p. 96-97). Retomando o conceito de enunciado, Bakhtin ainda afirma que todos os enunciados no processo de comunicação são dialógicos. Isso significa que em uma palavra há sempre uma dialogização interna que, por vez, é perpassada pela palavra do outro: A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 92 caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente esse Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico, isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que pode dela se afastar (BAKHTIN, 1988, p.88). Dessa forma, entendemos o porquê de a mulher ainda sofrer tanto por questões patriarcais. Uma vez que vivemos em sociedade, os enunciados produzidos por nós sempre sofrerão influencia do enunciado produzido por outra pessoa. 2.1. Mulher: identidade e alteridade A coleção Antiprincesas (2016) apresenta três mulheres, sendo elas Frida Kahlo, Violeta Parra e Clarice Lispector que, apesar de terem vivido em épocas de grande desvalorização da mulher, já mostravam o quanto poderiam se autoafirmar, distanciando-se da posição das mulheres esperada pela sociedade. Além disso, da época em que viveram e se expressaram por meio da arte até a publicação da coleção, em 2016, nota-se uma diferença na construção da imagem feminina presente nessas obras, configurando, por conseguinte, uma mudança no contexto sócio-histórico-cultural, devido, por exemplo, à abertura dada às mulheres para que pudessem frequentar escolas e universidades, o que possibilitou, inclusive, o acesso a cargos antes exercidos apenas por homens. Como afirma Sgarbieri (2003, p.125), ―historicamente as mulheres brasileiras têm sido educadas para as atividades do lar‖. Entretanto, nas últimas décadas, as mulheres começaram a ocupar espaços profissionais. Isso ocorre porque, quando a sociedade muda seus valores, a construção identitária também se altera. Nessa ambiência, a mulher começou a buscar a realização profissional, a liberação sexual, sem discriminação e preconceitos. Confortin (2003, p.120), por sua vez, afirma que ―a mulher dos novos tempos deve possuir novos conhecimentos, comportamentos e atitudes para assumir novas tarefas e responsabilidades como membro da comunidade e agente de mudança no sistema social‖. A mulher representada na literatura e na mídia, dantes sempre em segundo plano, tendo de ficar em casa cuidando dos filhos e exercendo tarefas ―menores‖ e ―vergonhosas‖ que os homens não queriam fazer, hoje, exerce as mesmas funções, mas nem sempre com os mesmos salários, o que é um sinal de que ainda é necessário muita luta para a igualdade de direitos. Desse modo, verificamos como ainda é difícil para a mulher conquistar seu espaço, em qualquer área, mesmo nos dias atuais, inclusive recebendo salários RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 93 menores que os homens e ainda desempenhando, muitas vezes, dupla jornada: em casa e no trabalho. 3. ANTIPRINCESAS: Uma análise discursiva As análises de enunciados que aqui são apresentadas discorrem sobre três mulheres que se afastaram sobremaneira dos padrões sociais de suas determinadas épocas. Figura 1: A fuga de Clarice Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 15. Nesse enunciado, a escritora Clarice Lispector é figurativizada escapando de sua vestimenta ―de princesa‖, que mantinha quando casada com um diplomata importante e morava na Europa, para ir atrás da sua verdadeira paixão, os livros e a máquina de escrever. Antes de retornar ao Brasil, Lispector confessou mais de uma vez que se sentia como ―um peixe fora d‘água‖ entre figuras tão importantes: ―Eu detestava, mas cumpria minhas obrigações: dava jantares, fazia tudo, mas com náuseas‖, recordava ela anos depois (FINK; SAÁ, 2016, p. 4). Esse repúdio ao status de princesa e a luta para voltar ao Brasil e criar os filhos, mesmo que com uma vida simples, contrapõe ao estereótipo de uma mulher ―doméstica‖, mostrando a capacidade que todas têm de conquistarem sua vida profissional e crescerem, sem o intermédio de uma figura masculina. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 94 No enunciado verbal ―É pena o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 15), evidencia-se numa análise do estilo, o valor disfórico atribuído à mulher acomodada, devido à escolha lexical de palavras como ―pena‖ e ―pactuar‖, principalmente nesse último vocábulo que constrói a ideia de consentimento ou ação em conivência com algo que pode nos confrontar ou prejudicar. Figura 2: Frida Kahlo Fonte: FINK; SAÁ, 2015, contracapa. Em destaque, há um desenho que retrata a pintora Frida Kahlo e uma caixa de texto que, entre outros enunciados, apresenta os seguintes dizeres: ―Por isso Frida Kahlo é nossa primeira antiprincesa (ou princesa asteca, talvez): uma mulher que mostrou o corpo embora fosse manca, que pintou em uma tela os momentos mais tristes e felizes de sua vida [...]‖ (FINK; SAÁ, 2015, contracapa). Frida usava vestidos típicos mexicanos com estampas e outros adereços, mostrando, assim, uma marca única da pintora e seu distanciamento da ideia de princesa. Além disso, sempre assumiu as sobrancelhas e os pelos do buço, características atribuídas por muitos apenas a homens. Por fim, para efeito de análise, destacamos o seguinte enunciado da caixa de texto: ―que pintou em uma tela os momentos mais tristes e felizes de sua vida‖ (FINK, SAÁ, 2015, contracapa). Esse enunciado contrapõe à ideia de ―felizes para sempre‖, presente em todo final de contos de fadas, quando a princesa termina RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 95 com seu príncipe, mostrando que a vida de uma mulher também é composta por momentos ruins. Figura 3: Violeta Parra Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 15. Como dito anteriormente, a ideia de que a mulher nasceu para ficar em casa cuidando de tarefas domésticas, dos filhos e do marido, simplesmente porque nasceu mulher, é comum para muitas pessoas. Um exemplo disso é o marido e pai dos filhos de Violeta Parra, Luis Cereceda, que fez parte da vida da musicista por 10 anos. Ele não gostava da vida que Parra levava com a arte, tocando e cantando em diversos lugares, levando, inclusive, os filhos consigo. Um dia, Luis, querendo uma esposa que ficasse em casa, disse a Violeta: ―Se você continuar com a arte, vou embora para sempre‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 14). Como a música exercia uma grande importância em sua vida, Violeta escolheu a vida com seu violão e não se esqueceu de seus filhos. No enunciado presente na figura 3, ―Minha única vantagem é que, graças ao violão, parei de descascar batatas. Porque não sou ninguém. Há tantas mulheres como eu em qualquer lugar do Chile‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 15), observamos como Violeta se sente sobre seu papel como mulher. Ao mesmo tempo que ela se aproxima de outras mulheres, dizendo que se considera igual a tantas, distancia-se desse núcleo, mostrando que, graças ao seu esforço e insistência para tocar e cantar, foi capaz de fugir do ofício de mulher doméstica. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 96 Devemos nos atentar também aos recursos visuais utilizados na construção de todo o enunciado. Na imagem, no momento que o ex-marido de Violeta está saindo de casa, uma luz entra pela abertura da porta e ilumina diretamente Violeta e suas crianças, enquanto se abraçam, mostrando a união entre mãe e filhos, além da expressão suave em seus rostos, inspirando tranquilidade apesar da situação que estava acontecendo diante deles. Figura 4: Uma luta contra a repressão Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 21. É notório o fato de que Clarice Lispector foi uma escritora que se importava muito com a realidade social em que vivia, especialmente por ter vivenciado a época em que o Brasil sofreu os horrores da ditadura militar, regime em que a censura, exílio, prisão, tortura, entre outras formas de impedir a liberdade, eram parte da vida, não só de artistas, mas de todo o povo brasileiro. No enunciado anterior, vemos a escritora sendo representada em uma manifestação contra a repressão. Clarice não deixou que o fato de ser mulher a atrapalhasse de lutar por seus direitos, assunto pelo qual havia adquirido bastante conhecimento, por ter ingressado no curso de Direito, em 1939, na Universidade Federal do Rio de Janeiro e tinha como desejo reformar o sistema penal Brasileiro. É importante ressaltar também que, no enunciado, a expressão facial de todos os presentes na imagem, inclusive a de Clarice, parecem insatisfeitos com RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 97 a situação do país na época e foi isso que os levou às ruas, mesmo havendo a possibilidade de serem mortos a qualquer minuto. O enunciado é uma releitura da foto real de Clarice no prostesto que ocorreu em junho de 1968, quando marchou ao lado de outros grandes nomes como Oscar Niemeyer, Glauber Rocha e Ziraldo. A imagem a seguir retrata esse acontecimento. Figura 5: A passeata de Clarice Fonte: Enciclopédia Latinoamericana, 2019, online. Essa luta por uma sociedade livre, sem a imposição de uma ditadura e pela liberdade de livre expressão, contrapõe explicitamente o estereótipo da ―donzela em apuros‖, em cujas histórias é sempre a personagem indefesa, incapaz de lutar pela própria vida e necessita do personagem masculino com comportamentos corajosos e fortalecedores. A autora representa a força que existe no sexo feminino, mostrando que nenhuma mulher precisa deixar que a guerra toda seja batalhada apenas por homens. Clarice Lispector não era a única que era ativa na luta a favor de melhores condições de vida, uma vez que Frida Kahlo também foi uma figura feminina que fugia da personagem ―donzela em apuros‖. Mesmo sofrendo de uma infecção grave nos pulmões, sendo submetida a um tratamento à base de remédios e correndo sérios riscos de vida, Frida foi às ruas para lutar por melhores condições salariais no México. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 98 Figura 6: Doente por justiça Fonte: FINK; SAÁ, 2015, p. 22. No enunciado ―Sair não lhe fez bem, mas Frida sabia e essa também foi sua decisão: levar seu corpo como uma bandeira‖ (FINK; SAÁ, 2015, p. 22), notamos o distanciamento da pintora da identidade de uma mulher frágil, pois sabia que sua presença faria a diferença na luta do povo, mesmo sendo do sexo feminino e apesar de todas as suas debilitações. Assim, fugiu do rótulo de mulher frágil, aproximando-se ainda mais de uma figura ―heroica‖. Também é presente, nesse enunciado, a representação de um povo triste, insatisfeito com a situação do México no período retratado. Porém, dessa vez, uma insatisfação pelas más condições de trabalho. Figura 7: Criança autodidata Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 6. RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 99 Nesse enunciado é apresentada a descoberta da música por Violeta Parra. A musicista nasceu em uma família que era bastante pobre, vivia com o pai, que era professor e a mãe, que era costureira. Além do cargo de professor, o pai de Parra era também folclorista, isto é, cantava e tocava violão, o qual mantinha guardado no armário, pois não queria que Violeta crescesse pensando que música era um bom recurso para fazer o sustento pessoal. Parra, porém, desobedecia às ordens paternas e ia todos os dias no armário onde ele mantinha o violão para praticar a maneira correta de tocar, imitando, inclusive, os pais na maneira de cantar. Após um tempo, ela foi descoberta, mas se livrou da reprovação deles, pois viram que havia uma filha autodidata, ou seja, aprendeu e aprimorou suas habilidades no violão e de canto completamente sozinha. Assim, desde criança, Violeta Parra fugia do estereótipo de mulher da época, já que foi atrás de seus estudos e, mais tarde, ainda provou a seus pais que estavam errados, pois mesmo sendo mulher tinha o direito de escolher sua carreira de acordo com sua vontade, e pôde se sustentar por meio da arte, independentemente de gênero ou trabalho. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Discursos feministas com a finalidade de desconstruir padrões acontecem de inúmeras formas, muitas delas subjetivas, que necessitam de uma interpretação mais aprofundada para serem totalmente compreendidas. Os estudos de gêneros do discurso e enunciado concreto contribuem para essa compreensão, uma vez que, após analisarmos a temática, a estrutura composicional e o estilo do enunciado, é possível entender quais os efeitos de sentido construídos, ideologias e valores sociais são veiculados. Além disso, como se trata de uma obra infantojuvenil, devemos levar em consideração o uso dos recursos visuais, os quais contribuem na construção do sentido e na contraposição a outros enunciados que concebem a mulher como frágil, submissa e incapaz de lutar por seus desejos, sonhos e objetivos. A partir dos estudos realizados neste artigo, constatamos que a mulher tem sofrido duramente com os padrões impostos pela sociedade, sendo considerada, muitas vezes, como inferior ao gênero masculino e vista de maneira reificada. Por muito tempo, pensou-se que a figura feminina não tinha outra função a não ser encaixar-se nos padrões de beleza e submeter-se à figura masculina. A coleção Antiprincesas busca, portanto, modificar a concepção da identidade feminina e conscientizar, por meio de suas histórias, leitores de todas as idades sobre o papel exercido pela mulher na sociedade que, muitas vezes, é antagônico ao senso da figura feminina comparada a uma princesa. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 100 Nesse sentido, concluímos que as ―antiprincesas‖ apresentadas nos livros de Fink e Saá: Clarice Lispector, Frida Kahlo e Violeta Parra, por terem se tornado pessoas de grande influência, representam até os dias de hoje uma versão diferenciada de mulheres, desvencilhando-se do estereótipo de princesa, seja indo atrás do seu próprio reconhecimento profissional, independência sem a necessidade da figura masculina, enfim, lutando pelos seus direitos e por melhores condições de vida. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Gêneros do discurso. In: ________. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão; revisão de tradução de Maria Appenzeller.3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306. BRAIT, Beth; MELO Rosineide. Enunciado/enunciado concreto/ enunciação. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chaves. São Paulo: Contexto, 2008. cap. 4, p. 61-78. BRAIT, Beth. Estilo. In: ________. Bakhtin: conceitos-chaves. São Paulo: Contexto, 2008. cap. 5, p. 79-102. BELLINE, Ana Helena Cizotto. A representação da mulher e o ensino da literatura. In: GUILARDI-LUCENA, Maria Inês (Org.). Representação do feminino. Campinas: Átomo, 2003. p. 93-106. CONFORTIN, Helena. Discurso e gênero: a mulher em foco.In: GUILARDI-LUCENA, Maria Inês (Org.). Representação do feminino. Campinas: Átomo, 2003. p. 107-123. FARACO, Carlos Alberto. As ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. FINK, Nadia; SAÁ, Pitu. Clarice Lispector para meninas e meninos. Florianópolis: Sur Livro, 2016. ________. Frida Kahlo para meninas e meninos. Florianópolis: Sur Livro, 2015. ________. Violeta Parra para meninas e meninos. Florianópolis: Sur Livro, 2016. FIORIN, José Luiz. O dialogismo. In: ________. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. cap. 2, p. 18-59. ________. Os gêneros do discurso. In: ________. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. cap. 3, p. 60-76. PAULA, Luciane; STAFUZZA, Grenissa (Orgs.). Círculo de Bakhtin: pensamento interacional. Campinas: Mercado de Letras, 2013. p. 183-199. (Série Bakhtin: inclassificável; v.3) SGARBIERI, Astrid Nilsson. A mulher brasileira: representações na mídia. In: RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros; CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 101 GUILARDI-LUCENA, Maria Inês (Org.). Representação do feminino. Campinas: Átomo, 2003. p. 125-140. Enciclopédia Latinoamericana. Clarice Lispector. Disponível em: <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/l/lispector-clarice. Acesso em: 5 maio de 2019. COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade feminina – pp. 89-101 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 102 CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência Maria Paula Piassi Brasileiro Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Maria Eduarda Lemos de Oliveira Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Julia dos Reis Moraes Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Lara Sawan Cunha Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Ana Carolina Garcia Braz Trovão Medicina – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO A Reforma Psiquiátrica iniciou-se ao final dos anos 70 quando deu início a crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico e ganhou destaque os esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos. Essa mudança social iniciou-se com a criação de alguns CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) e NAPS (Núcleo de Apoio Psicossocial) na cidade de São Paulo. Concomitante a esses novos locais implantados na rede de assistência ao paciente psiquiátrico, no campo legislativo apareciam novas propostas de leis que tinham como objetivo regulamentar os direitos das pessoas com transtornos mentais e a desinstitucionalização desses. Somente em 2001, a Lei Paulo Delgado que estava em tramitação no Congresso há 12 anos foi sancionada. Seus principais objetivos eram a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental e a garantia de proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais. Acompanhando esse processo aumentou-se a fiscalização dos manicômios, que passaram a ser avaliados anualmente pelo seu funcionamento e intersetorialidade com a rede de saúde mental, sendo que os hospitais que não se enquadrassem as exigências mínimas de qualidade fossem descredenciados pelo Ministério da Saúde. Além disso criou-se o Programa de Volta pra Casa que tem como objetivo a reintegração social de pessoas com longo histórico de internação. A Reforma Psiquiátrica foi benéfica em vários pontos como a redução de leitos, o processo de desinstitucionalização e a valorização dos direitos das BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 103 pessoas com transtornos mentais, porém mesmo com tamanhas estratégias utilizadas a fim de extinguir progressivamente os hospitais psiquiátricos, esse objetivo ainda não foi alcançado. Com isso, é possível perceber que a existência dos hospitais psiquiátricos se mostra necessária até os dias de hoje, visto que em alguns casos a hospitalização é parte do tratamento. A hospitalização de pacientes psiquiátricos é indicada nos casos em que o paciente apresenta ideação suicida ou homicida, comportamento inadequado ou desorganizado impossibilitando-o de cuidar de suas necessidades básicas ou para estabilização da medicação e fins diagnósticos. Nesses casos, apesar das redes de atenção ao paciente com transtorno mental, como CAPS e comunidades terapêuticas, serem importantes no tratamento, elas não são suficientes para estabilizar a doença e manter o paciente em um bom estado, sendo necessária a internação. 2. OBJETIVOS O objetivo do presente trabalho é relatar a experiência de estudantes do terceiro ano do curso de medicina do Uni-FACEF em análise de critérios de internação psiquiátrica de um paciente com esquizofrenia. 3. METODOLOGIA A partir de uma visita ao Hospital Psiquiátrico Alan Kardec, os alunos entraram em contato com um dos pacientes ali internado. De início, utilizaram da anamnese, questionando o paciente sobre seus dados pessoais para identificação, o motivo de sua internação, as patologias que o acometiam, os medicamentos utilizados por ele e sua história familiar, abrangendo patologias apresentadas pelos pais, irmãos, filhos e cônjuge. Além disso, utilizaram do exame do estado mental, avaliando no paciente seu humor, afeto, pensamento, linguagem, cognição, orientação autopsíquica e alopsíquica, memória, presença de ilusões, delírios ou alucinações bem como a confiabilidade de suas informações e seu insight sobre a doença que o acometia. Após essa conversa, os estudantes avaliaram as características clínicas apresentadas por ele, discutindo a partir disso, a necessidade de sua internação. 4. RESULTADO/DISCUSSÃO Durante a conversa com o paciente foi possível perceber que o transtorno que o acometia era a esquizofrenia, pois dentre outras características, apresentava alucinações, delírios e discurso desorganizado. Para um paciente com esse diagnóstico as formas de tratamento abrangem primeiramente a farmacoterapia que se divide em uso de antipsicóticos e benzodiazepínicos para psicose aguda, a fim de aliviar os sintomas mais graves durante um surto, e os antipsicóticos CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 102-106 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 104 utilizados para estabilização e manutenção a longo prazo. Além disso, é recomendada a utilização de psicoterapias concomitantes aos fármacos para uma melhor resposta ao tratamento. A hospitalização também é uma forma de tratamento para pacientes que possuem esquizofrenia, sendo indicada simultaneamente à farmacoterapia e as psicoterapias em casos que o paciente apresenta ideação suicida ou homicida, comportamento inadequado, incapacidade de cuidar das necessidades básicas ou para fins diagnósticos e de estabilização da medicação. Dentro da opção de internação psiquiátrica existe a voluntária, involuntária e a compulsória. A voluntária se dá a partir do consentimento expresso do paciente enquanto a involuntária é realizada a pedido de terceiros, na maioria das vezes familiares, sem o consentimento do paciente. Já a internação compulsória se dá a partir de uma ordem judicial, não sendo necessária a autorização da família ou do paciente, sendo embasada no laudo médico de um psiquiatra que atesta que a pessoa não tem domínio sob sua condição psicológica e física. Para o paciente em questão o tipo de hospitalização utilizada foi a involuntária, pois ele não compreendia a necessidade de sua internação e por isso não tinha o consentimento sobre ela, sendo realizada a pedido de sua ex esposa, que ao levá-lo em um pronto atendimento, chegou a conclusão junto com o médico da necessidade da internação. Antes de pensar na possibilidade da internação, todos os pacientes psiquiátricos devem estar integrados à RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) que integra o Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais. É composta por equipamentos variados como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). Essa rede, tem objetivo de articular ações e serviços de saúde de diferentes níveis de complexidade, a fim de promover a saúde e garantir os direitos sociais do paciente com transtornos mentais, visando o atendimento integral em diferentes densidades tecnológicas de acordo com sua necessidade. A RAPS, além de funcionar como uma opção de tratamento extra-hospitalar a fim de evitar internações desnecessárias também tem sua importância na reabilitação psicossocial do paciente após internações. Dentro desse objetivo de reintegrar o paciente à sociedade e da busca pelos direitos das pessoas com transtornos mentais que iniciou-se com a Reforma Psiquiátrica, criou-se o Programa De Volta Pra Casa (PVC) que visa à restituição do direito de morar e conviver em liberdade nos territórios e também a promoção de autonomia e protagonismo do paciente, fortalecendo os processos de desinstitucionalização e reabilitação de pessoas com longas internações. Em relação aos dados questionados na anamnese, apesar de não serem muito bem respondidos pelo paciente por esse apresentar um discurso desorganizado, esses foram importantes para a discussão posterior do caso, principalmente em relação ao histórico familiar pois o paciente apresentou uma informação importante: Relatou ser separado da mulher e não ter muito contato com BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 105 o restante da família. Essa questão remete ao assunto da necessidade de sua internação pois como o paciente apresentava-se com comportamento inadequado e com ausência de autocuidado, necessitaria de alguém para controlar sua medicação e como não tem contato com sua família, não teria quem auxiliá-lo no tratamento domiciliar. Além disso, essa informação remeteria a falta de uma potencialidade no planejamento de sua alta, pois não teria nenhum familiar para auxiliá-lo no seu processo de reabilitação psicossocial. Já no exame do estado mental foi possível perceber as seguintes situações: Seu humor estava hipertímico com afeto modulado e coerente, presença de alucinações e delírios, seu pensamento desorganizado e com conteúdo de grandiosidade, a linguagem com presença de logorréia e neologismos, havia um comprometimento da cognição, orientação autopsíquica boa e alopsíquica ruim, memória recente e remota comprometidas e seu insight sobre a doença é ruim, já que não reconhece a esquizofrenia. Após a conversa com o paciente foi possível identificar dois critérios de indicação para internação: Comportamento inadequado e necessidade de estabilização da medicação. Sobre o comportamento, o paciente apresentava-se agitado e sem adequação das respostas para cada pergunta. Além disso, mostravase totalmente impossibilitado de realizar o autocuidado. Em relação a necessidade de estabilização da medicação o paciente por não ter o autocuidado e um insight sobre sua doença, não aderia à medicação no tratamento domiciliar, sendo necessária a internação para que o tratamento medicamentoso fosse realizado corretamente, seguindo as doses e horários adequados. Com isso, foi possível perceber que em casos como esse a internação se faz necessária já que os meios de tratamento domiciliar juntamente com a interligação com as redes de apoio á saúde mental não foram suficientes para estabilizar o caso e melhorar a qualidade de vida do paciente. Assim, é importante que sejam seguidos os critérios de internação para que se avalie a real necessidade de cada hospitalização e sejam evitadas hospitalizações desnecessárias e em casos que abrangem um dos critérios o Hospital Psiquiátrico se mostra como o local ideal. 5. CONCLUSÃO A atividade realizada contribuiu na formação acadêmica dos alunos, pois permitiu a contextualização dos conceitos em psiquiatria, especialmente os critérios de internação, à luz da Reforma Psiquiátrica e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp. 102-106 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 106 REFERÊNCIAS SADOCK, Kaplan. Compêndio de Psiquiatria. [S. l.: s. n.], 2011. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental. [S. l.: s. n.], 2005. BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 107 DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo Giulia Scarela Mourani Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Ianka Procopio Cabral Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Lara Junqueira Gomes Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Maria Julia Goulart Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF [email protected] Sofia Muniz Alves Gracioli Doutora em Educação – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO Apesar da Psicologia Jurídica ser uma vertente de atuação recente no Brasil, Anastasi (1972) argumenta que, no cenário internacional, as demandas originadas no âmbito judiciário contribuíram para que a Psicologia se estabelecesse como ciência. O advento de psicólogos com atividade no segmento jurídico, no Brasil, tem início simultaneamente ao processo de regulamentação da profissão de psicólogo, em 1962. Ainda assim, a atuação da Psicologia Forense só passou a ser sistematizada em 2001. Atualmente, no país, são raros os cursos de Psicologia que incorporaram a área de atuação como disciplina na grade curricular. Além do mais, Grisso (1986, apud ROVINSKI, 2003) enfatiza que ainda há uma carência em relação ao desenvolvimento de instrumentos avaliadores específicos para questões judiciais, os quais poderiam contribuir para a padronização de métodos quantitativos, podendo-se dizer que a área de atuação ainda é pouco explorada e reconhecida na prática. Por outro lado, pareceres psicológicos já eram solicitados nos tribunais dos Estados Unidos desde o século XVIII. Entre as décadas de 60 e 70 há uma eclosão da Psicologia Forense no país, sendo fundada a Sociedade Americana de Psicologia Jurídica seguido pela criação de diversos periódicos com artigos especializados no tema. (LEAL, 2018) Nos dias de hoje, são os psicólogos forenses os únicos especialistas qualificados a opinar sobre questões psicológicas nos processos legais, sendo o país uma referência no que condiz a esse campo de atuação. DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 108 O presente artigo, por meio de revisão bibliográfica crítica de artigos científicos e livros, pontua as diferenças entre a atuação do Psicólogo Jurídico e o Psicólogo Forense, além de explorar o desenvolvimento da Psicologia Forense no Brasil tendo como panorama a aplicação da mesma nos Estados Unidos. Visa contribuir com informações sobre o progresso de atuação e modelo de aplicação no contexto americano, para que ofereça parâmetros e inspire iniciativas para a abordagem no Brasil. 2. PSICOLOGIA JURÍDICA X PSICOLOGIA FORENSE Antes de estabelecer o desenvolvimento da Psicologia Forense no Brasil e Estados Unidos, é importante contextualizar as definições e práticas tanto no que condiz a Psicologia Forense quanto na Psicologia Jurídica, já que ambas apresentam similaridades, mas também estabelecem especificidades importantes de serem ressaltadas, visto que os campos da Psicologia no âmbito forense não são termos sinônimos, mas sua semelhança temática e prática geram uma falta de consenso diante dos conceitos. (AFONSO, 2014) 2.1. Psicologia Jurídica O início da Psicologia Jurídica no Brasil não tem um marco histórico bastante claro, uma vez que o processo de desenvolvimento se deu de forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários. A Psicologia Jurídica teve seu reconhecimento como profissão na década de 60 (Lago et al., 2009). A história da atuação de psicólogos brasileiros na área da Psicologia Jurídica tem seu início no reconhecimento da profissão, na década de 1960. Tal inserção deu-se de forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários. Os primeiros trabalhos ocorreram na área criminal, enfocando estudos acerca de adultos criminosos e adolescentes infratores da lei (Rovinski, 2002). O trabalho do psicólogo junto ao sistema penitenciário existe, ainda que não oficialmente, em alguns estados brasileiros há pelo menos 40 anos. Contudo, foi a partir da promulgação da Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84) Brasil (1984), que o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pela instituição penitenciária (Fernandes, 1998). Conforme Urra (1993), compreendendo a intervenção e o assessoramento nos comportamentos humanos – e o estudo sobre estes – que têm lugar em ambientes diretamente ligados ao âmbito legal, a Psicologia jurídica engloba a Psicologia forense e a Psicologia criminológica. A Psicologia Jurídica deve transcender as solicitações do mundo jurídico. Deve repensar se é possível responder, sob o ponto de vista psicológico, a todas as perguntas que lhe são lançadas. Nesses termos, a questão a ser MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 109 considerada diz respeito à correspondência entre prática submetida e conhecimento submetido. Um se traduz no outro (POPOLO, 1996). A outra forma de relação entre Psicologia Jurídica e Direito, de acordo com Popolo (1996), é a complementaridade. A Psicologia Jurídica como ciência autônoma, produz conhecimento que se relaciona com o conhecimento produzido pelo Direito, incorrendo numa interseção. Portanto há um diálogo, uma interação, bem como haverá diálogo com outros saberes como da Sociologia, Criminologia, entre outros. Cada campo de atuação reserva suas especificidades e delimitações. Cabe ao profissional que se encarrega da possível articulação entre Psicologia e Direito produzir experiências, assim como a escrita e publicação. São necessários o fortalecimento teórico e a formação contínua, assim como uma maior produção acadêmica na área para que tais especificidades se tornem reconhecidas e os campos se fortaleçam. Com efeito, o psicólogo jurídico deve saber aplicar com destreza e segurança os meios terapêuticos e de suporte ao diagnóstico que apresentem técnicas complexas. Os diagnósticos jurídicos incluem a aplicação, a análise e a interpretação de provas psicológicas assim como a comparação dessas com padrões psicométricos que conduzirão à validez, confiabilidade e adequação do laudo do qual o diagnóstico faz parte (SORIA, 1998). Em relação à área acadêmica, cabe citar que a Universidade do Estado do Rio de Janeiro foi pioneira em relação à Psicologia Jurídica. Foi criada, em 1980, uma área de concentração dentro do curso de especialização em Psicologia Clínica, denominada ―Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos‖. Seis anos mais tarde, passou por uma reformulação e tornou-se um curso independente do Departamento de Clínica, fazendo parte do Departamento Psicologia Social (ALTOÉ, 2001). 2.2. Psicologia Forense A psicologia forense é uma área da psicologia que está vinculada com conhecimentos jurídicos, uma das áreas que mais cresce em toda a psicologia, que tem o papel de auxiliar o sistema legal e levam casos psicológicos até os tribunais. Segundo Blackburn, (1996); Pollock e Webster, (1993). A palavra forense significa ―do fórum‖, usada para descrever um local na Roma Antiga. O fórum era o local onde os cidadãos resolviam disputas, algo parecido com o nosso tribunal dos dias modernos. O psicólogo forense antes de tudo precisa ter um perito da sua própria especialidade, para depois dominar os conhecimentos referentes às leis civis e às criminais. A psicologia forense tem uma história extensa que se desenvolveu antes da cultura popular focar nela. Hugo Munsterberg foi um dos primeiros psicólogos a aplicar os princípios psicológicos ao direito. DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 110 A prática clínica da psicologia forense se originou com Lightner Witmer e William Healy. Witmer começou como professor dos cursos de psicologia do crime no início dos anos de 1900, e Healy fundou o instituto psicopático Juvenil de Chicago, em 1909, para tratar e avaliar delinquentes juvenis. (Blackburn, 1996; Brigham, 1999). De acordo com Garcia, (2017). Alguns dos lugares atendidos pelos psicólogos forenses são: presídios/centros de socio educação, delegacias, comunidades terapêuticas, clínicas-escolas e clínicas particulares, laboratórios, programas de liberdade assistida, abrigos, Ongs etc.; e alguns dos casos comumente avaliados pela Clínica Forense são: disputa de guarda, alienação parental, responsabilidade criminal, internamento de jovens, avaliação de risco, abuso sexual, físico e psicológico, assédio moral no trabalho etc. O objetivo da Psicologia Forense é proteger e defender o cidadão em bases às perspectivas da psicologia. Tudo o que se passa nos tribunais e o que se refere a um comportamento criminoso, está relacionado com a área tanto nos aspectos criminais quanto civis em que ela está dividida. Determinados aspectos clínicos, como diagnóstico e tratamento, ficam em segundo plano no âmbito da Psicologia Forense. No primeiro plano temos o esclarecimento das questões jurídicas do caso concreto. Esse acaba por ser um dos grandes desafios do psicólogo: deslocar o seu tradicional foco terapêutico no paciente para o foco na repercussão legal, judiciária do caso. (MELTON, 1997). A Psicologia Forense é uma das atividades do psicólogo, que está relacionada com os processos mentais e comportamentais, buscando compreender o humano a partir dos princípios da análise individual relacionada com o contexto social, político e econômico, da análise em todos os âmbitos (ambiental, criminal, emocional). Essa abordagem possui muitas conexões com o direito, psiquiatria, sociologia, medicina, entre outras áreas relacionadas. O uso do termo ―forense‖ sugere uma relação equivocada e direta com o tribunal, mas deve ficar claro que o trabalho do psicólogo forense vai muito além desse espaço, estendendo-se para uma grande variedade de contextos, instituições ou locais, como em serviços específicos do sistema judicial, centros de tratamento ou reeducação para infratores, unidades de pesquisa do Ministério da Justiça, serviço de apoio às crianças ou às vítimas, universidades, estabelecimentos de saúde mental ou prisional, entre outros. (FONSECA, 2006). As ciências médicas e forenses reclamam de um papel humanista e preventivo. O exercício ético da psiquiatria forense começa por uma atitude rigorosamente neutra, sem qualquer preconceito moral, religioso, rácico, na peritagem psiquiátrica de uma situação ou comportamento. Implica que a partida terá que se aceitar equidistantemente, por exemplo a responsabilidade civil criminal ou a ausência dela, tendo por base o princípio do contraditório. Não é por acaso que MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 111 a pessoa individual ou coletiva não tem de provar a sua inocência, mas sim as estruturas normativas terão que provar a culpa. (RIBEIRO, 2005). 3. PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL Segundo Filho (1970) a inspiração para a criação da área da Psicologia Forense teve como base os estudos de psicologia judiciária, e que esta, por sua vez, surgiu como um desdobramento da Medicina Legal, inicialmente na cidade de São Paulo. Por via da criminologia, da psiquiatria forense, ou mais amplamente, da psicologia judiciária, todas cultivadas na medicina legal, passaram os juristas a receber influência de teorias biológicas, especialmente nos últimos 50 anos: por outro lado, desde essa época, viriam os médicos a considerar a importância de certas condições da vida social nos problemas da psicopatologia, primeiramente pelo movimento de higiene mental, de que o Brasil foi, aliás, país precursor. (FILHO, 1970) No princípio, a Psicologia Forense era realizada por profissionais estrangeiros ou por sujeitos com pós-graduação na área, já que não havia uma graduação específica em Psicologia no Brasil. (JACÓ-VILELA, ANTUNES, BATISTA, 1999). A inserção dos psicólogos em atividade forense, no início, foi ocorrendo de modo informal, via estágio ou serviços voluntários. As primeiras áreas de atuação dos psicólogos forenses eram direcionadas ao estudo de questões criminais, como, por exemplo: perfil psicológico do criminoso, da criança e dos adolescentes ligados aos atos ilegais. Em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil (Lei Federal nº 4.119/1962) as atividades de perícia e criação de laudos passaram a ter base legal (lei federal específica), inclusive apontando que determinadas atividades são de competência exclusiva do psicólogo (atos privativos). Desse modo, nenhum outro profissional pode executar as atividades privativas de psicólogo, pois estaria cometendo ―exercício ilegal da profissão‖. Mas, a partir da Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/1984), o psicólogo brasileiro passou a ser reconhecido legalmente pela instituição penitenciária. (FERNANDES, 1998). Nos anos 70, as demandas dos psicólogos forenses no Brasil deixaram de ser focadas apenas na área criminal, se estendendo a outras áreas, principalmente a do direito civil. Em 1979, psicólogos passam a auxiliar famílias carentes no Tribunal de Justiça de São Paulo e, em 1985, ocorre o primeiro concurso público com admissão dos profissionais para atuação no tribunal. Em 1992, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) enviou documentação para o Ministério do Trabalho para constar na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), apresentando as atividades dos psicólogos em diferentes áreas, incluindo a área jurídica, aumentando o reconhecimento da Psicologia Forense (LEAL, 2018) DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 112 A UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) foi pioneira na inserção da Psicologia Jurídica no âmbito acadêmico. Em 1980, desenvolveram como parte da especialização em Psicologia Clínica, o estudo denominado ―Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos‖ que posteriormente passou a ser um curso independente do Departamento de Psicologia Social da universidade. (Altoé, 2001). Entretanto, a sistematização da Psicologia Forense aconteceu quase uma década depois, em 2001, quando uma resolução relacionada à especialização em Psicologia Jurídica foi aprovada no Conselho Federal de Psicologia. Assim que o sistema legal começou a reconhecer o benefício da psicologia, as oportunidades de carreira também se ampliaram (ROBERSON, 2005), os psicólogos forenses quase sempre se envolvem em três atividades principais: avaliação, tratamento e consultoria. Contudo, é somente pela pesquisa nas áreas de Psicologia Comunitária e Psicologia Forense que o conhecimento existente sobre programas de prevenção acaba sendo timidamente semeado – o que já é um início, embora ainda não seja a solução. De acordo com a pesquisadora e professora adjunta da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) Giovana Veloso Munhoz da Rocha, ―a maioria dos psicólogos forenses no Brasil é analista do comportamento, porque os profissionais que atuam nessa área consideram os fatores do contexto social‖. Além disso, ela explica que a Psicologia Forense faz cruzamento com qualquer área do sistema legal, e não apenas com o direito penal, como se costuma acreditar. Para Jung (2013), um dos aspectos que merece atenção é a de ampliação dos instrumentos utilizados na elaboração de psicodiagnósticos nos processos de avaliação jurídica, já que possuímos apenas dois instrumentos direcionais à área: o PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) ou Escala Hare e o IFVD (Inventário de frases no diagnóstico de violência doméstica contra crianças e adolescentes). Os demais métodos de perícias psicológicas, no Brasil, são praticamente os mesmos utilizados em avaliações clínicas, e por haver um predomínio da atuação desses profissionais enquanto avaliadores, é importante e necessária uma diferenciação no processo de avaliação por ter como objetivo subsidiar decisões judiciais, o que diverge das abordagens e relações estabelecidas no ambiente clínico. Enfatizando o aspecto acadêmico, ainda são poucos os cursos de graduação que oferecem a disciplina voltada para o âmbito jurídico nos cursos de Psicologia e, quando isso acontece, são desenvolvidos como matéria opcional e com baixa carga horária. Nos cursos de Direito, a disciplina já se tornou de caráter compulsório, apesar da carga horária também ser reduzida. Segundo Amato (2009), já existem cursos de pós-graduação em Psicologia Jurídica em universidades do Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Minas MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 113 Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, demonstrando interesse e expansão da área no país. A Psicologia Forense é um ramo recente no Brasil, principalmente na área científica e acadêmica. As demandas na área têm crescido, exigindo atualização dos profissionais envolvidos, o que destaca a necessidade de ampliação de discussão sobre o tema e desenvolvimento de matérias e cursos especializados na área, para suprir a carência existente nos currículos dos cursos de Psicologia. 4. PSICOLOGIA FORENSE NOS ESTADOS UNIDOS Desde o século XVIII, consultas a profissionais de outras áreas em relação a pareceres psicológicos já eram requeridas nos tribunais americanos. Segundo Larson (1953), após a Primeira Guerra Mundial, já na década de 1920, se destaca o interesse por procedimentos de identificação e detecção de mentira, sendo aplicados ao campo forense os primeiros polígrafos projetados para diagnóstico médico. A prática da psicologia forense clínica passou a ser instituída na América do Norte nesse mesmo período, sendo inicialmente inserido ao contexto como testemunha perita, passo crucial para o desenvolvimento da área. Mesmo dispondo pouca bibliografia aprofundando nesse cenário, é destacado como relevante para esse contexto o caso judicial Estado vs Motorista (1921), sobre delinquência juvenil, em que foi permitida a participação de um psicólogo no papel de testemunha perita, sendo posteriormente negado pela corte (HUSS, 2011). Já no ano de 1962, o caso de Jenkins vs Estados Unidos (1962) foi marcado pela rejeição em primeira estância no que condiz ao testemunho de três psicólogos especialistas sobre a esquizofrenia de uma pessoa indiciada no tribunal. (LOPEZ, 2010). Após objeção da Associação Psiquiátrica Americana (APA) a esse cenário, a Corte de Apelação no Distrito de Columbia designou o reconhecimento do testemunho psicológico para a determinação de inimputabilidade. (HUSS, 2011). Jenkins foi um dos primeiros exemplos em que a lei e o sistema legal influenciaram tanto a pesquisa quanto a prática da psicologia forense. Especificamente, pode-se dizer que a decisão em Jenkins levou a uma explosão da psicologia forense nos Estados Unidos durante as décadas de 1960 e 1970, porque os tribunais admitiram uma variedade de testemunhos não médicos (Loh, 1981). Assim, se estabeleceu que psicólogos com formação e especialização adequadas eram qualificados para oferecer testemunho em casos de transtornos mentais, avaliando e diagnosticando se os acusados estavam aptos mentalmente no momento da execução do crime para serem responsabilizados pelos mesmos. DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 114 Desde então, o trabalho dos psicólogos no campo forense se estendeu a processos em que era exigida atenção a questões psicológicas como custódia de crianças e processos correcionais, levando a uma expansão significativa da área de atuação no país. Os anos 70 são referência no que condiz ao progresso da psicologia jurídica nos Estados Unidos. Isso porque, segundo Grisso (1987), a quantidade de publicações acadêmicas, conferências e congressos nesse campo tiveram um progressivo aumento, principalmente referente a processos de decisão de juízes e jurados, referentes a comportamento policial, entre outros. Conforme Otto (2002), durante a década de 1990, foram identificados no mínimo 32 instrumentos de avaliação e técnicas que foram desenvolvidos para uso em avaliações forenses, enquanto apenas dez haviam sido desenvolvidos antes desse período. Bem validados, tais instrumentos têm papel relevante por estabelecer um equilíbrio entre confiança clínica e relevância no âmbito legal. Em 2001, o Conselho de Representantes da APA votou para o reconhecimento da Psicologia Forense como especialidade, fazendo com que a área passasse por uma expansão rápida, ampliando os cenários acadêmicos e dando início a um processo de credenciamento de programas formais de treinamento para especialização na área. O reconhecimento da Psicologia Forense fez com que a mesma emergisse, se dividindo principalmente em duas linhas: psicologia forense civil e criminal, em paralelo ao sistema de justiça dos Estados Unidos. No aspecto criminal, em que o foco se estabelece em manter um senso de justiça na sociedade, busca-se a prevenção de crimes como casos de assalto e assassinato, uma das questões legais específicas desse campo de atuação é o mens rea (traduzindo, mente culpada) um princípio de responsabilidade criminal relacionado ao estado mental de um indivíduo, em que estabelece se um indivíduo que cometeu um ato ilegal, o fez intencionalmente. Os psicólogos forenses não costumam ser chamados para colaborar em todos os casos criminais para contribuir em referência ao citado aspecto, ficando responsáveis geralmente em situações de inimputabilidade, em que o profissional auxilia a corte a identificar se o acusado sofria de uma doença mental, o impedindo de formar mens rea e ser legalmente responsável por um crime capital. Nos casos de atos ilícitos, em que um ato injusto causa prejuízo a um indivíduo, o mesmo busca ajuda judicial. Nesse contexto, o psicólogo forense pode realizar avaliação para ver se o indivíduo prejudicado sofreu algum dado psicológico, podendo ele reivindicar e ser indenizado pelo seu trauma emocional e custo de alguma assistência psicológica. Já no que condiz ao campo civil, há uma variedade de aspectos nos quais o psicólogo forense deve estar familiarizado como a avaliação para determinação de guarda de filhos e indenização a trabalhadores. MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 115 Hoje os campos de atuação são diversos já podendo ser estabelecidos pelos amplos contextos de atuação como prisões, hospitais estaduais, agências de polícia, agências do governo estadual e federal, além de universidades. Assim, o campo da psicologia forense nos Estados Unidos abrange desde aspectos criminais, em que podemos citar atuações em avaliação de risco no momento da sentença, inimputabilidade e responsabilidade criminal, tratamento de agressores sexuais, até aspectos civis, em questões como guarda dos filhos, responsabilidade civil, danos pessoais, indenização a trabalhadores e capacidade para tomar decisões médicas. A área experimentou um crescimento considerável nos últimos anos, sendo que alguns artigos enfatizam a intenção de tornar a área de atuação mais convencional. Isso porque há um hiato entre o grupo de especialistas forenses e o número maior de psicólogos que prestam serviços ocasionais ou específicos no campo forense (Otto, 2002). Além disso, segundo Conroy (2012), apesar da crescente especialização, existem competências generalizadas aos profissionais em psicologia, que são possíveis de atuação no trabalho forense, como há competências especializadas dentro da vasta atuação na psicologia forense, que se tornam necessárias para todo o quadro de atuação na área. Assim reforçando o que Otto (2002) apresentou dez anos antes do que foi sinalizado por Conroy, ainda é desafio e ideal na prática forense dos Estados Unidos a necessidade de disseminar padrões de práticas, conceituar o treinamento e especialização na área como também informar melhor o público geral sobre a natureza da psicologia forense. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi apresentado nesse estudo, pode-se considerar que apesar de a Psicologia Jurídica e a Forense serem corriqueiramente apresentadas como sinônimos, esta última desempenha um dos campos possíveis de atuação da Psicologia Jurídica. Assim, a Psicologia Jurídica é extensa, englobando desde a intervenção e assessoramento dos comportamentos humanos por meio de estudos e pesquisas quanto por aspectos de atuação do âmbito jurídico. A Psicologia Forense aparece no contexto vinculada aos conhecimentos jurídicos, com o papel de auxiliar o sistema legal com casos psicológicos no contexto dos tribunais tanto em aspectos criminais quanto civis. No que condiz ao desenvolvimento da Psicologia Forense no Brasil, era inicialmente realizada por profissionais de outros países, com especialização na área, já que no Brasil ainda não havia sido dado enfoque às qualificações nessa junção entre Psicologia e o Direito. Desse modo, a introdução de psicólogos DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 116 brasileiros no âmbito forense foi se estabelecendo de modo informal até a regulamentação da profissão de Psicólogo no país, em 1962. Já nos Estados Unidos, a prática da psicologia foi inserida informalmente ao contexto forense na forma de testemunha perita e, após essa participação ser negada por alguns juris, foi reconhecido o testemunho psicológico para a determinação de inimputabilidade. O que ampliou a participação da Psicologia Jurídica em forma de publicações acadêmicas, conferências e congressos, sendo inserida prontamente à Psicologia Forense um aumento nos instrumentos de avaliação validados no âmbito legal. A sistematização da Psicologia Forense foi estabelecida em 2001, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Estabelecendo esse andamento da área de atuação em ambos os cenários, foi possível constatar que no Brasil a Psicologia Forense ainda é um ramo recente, já que enquanto a profissão de Psicólogo estava sendo regulamentada, na década de 60, os profissionais da área, no contexto americano, já estavam sendo admitidos e inseridos no âmbito jurídico no mesmo período. Assim, enfatizando o aspecto acadêmico, ainda há pouco investimento na área científica e no desenvolvimento de matérias em graduações ou até cursos para psicólogos se especializarem na atuação no âmbito jurídico, frente a uma demanda cada vez mais crescente, que consistiria como um diferencial para os profissionais que atuam ou pretendem atuar nesse contexto. Outra questão que merece destaque é a escassez de instrumentos de avaliação específicos para o contexto legal. Enquanto no Brasil possuímos apenas dois instrumentos, nos anos 90, nos Estados Unidos, já havia no mínimo 32 instrumentos de avaliação validados. É importante desenvolver um olhar para esse aspecto, já que o papel do psicólogo no âmbito forense tem características divergentes ao que é estabelecido na relação terapêutica paciente x terapeuta, sendo importante ter disponível instrumentos específicos para cada cenário. De acordo com o material avaliado, é possível estabelecer um campo comum na Psicologia Forense no Brasil e Estados Unidos. Em ambos o desafio é de tornar a área de atuação padronizada. As questões levantadas anteriormente como aumentar o número de cursos e especializações, além do investimento em instrumentos de avaliação, seriam um ponto de partida para tornar a prática da Psicologia Forense mais convencional. Como o cenário atual permite que, tanto profissionais especialistas quanto psicólogos prestando serviços ocasionais exerçam a Psicologia no campo Forense, isso por si só pode ser um dos fatores estagnantes da prática Forense, que caminha para ser um dos campos promissores para a atuação do profissional psicólogo. MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 117 Um dos desafios para esse estudo foi encontrar informações, principalmente no que condiz ao cenário atual nos Estados Unidos, já que boa parte dos sites e artigos internacionais sobre o tema são pagos. É relevante contextualizar também que o cenário jurídico de cada país tem influência nesse contexto. Uma possibilidade de estudo futuro é a compreensão da Psicologia Jurídica com um olhar do Direito e a forma como eles enxergam essa relação no cenário forense. Como possível direcionamento para esse artigo, sugerimos a ampliação por meio de estudo de campo, realizando entrevistas dirigidas com psicólogos forenses para compreender o cenário pelo olhar de quem está inserido no mesmo, além de contatar as instituições, tanto as que oferecem quanto as que não oferecem disciplinas voltadas para a atuação do psicólogo no âmbito jurídico, compreendendo motivações, programas e a adesão. REFERÊNCIAS CONROY, M.A; VARELA, J. G. Professional competencies in forensic psychology. v. 42, n. 5, p. 410-421, 2012. FILHO, Lourenço. Visão histórica de Lourenço Filho sobre a psicologia no brasil.Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/abpa/article/viewfile/16750/15556>. Acesso em: 10 abr. 2019. GARCIA, Anátale. Psicologia Forense e a atuação do psicólogo. Islaine Maciel. 2017. Disponível em: https://sites.usp.br/psicousp/psicologia-forense-e-atuacaopsicologo/ GRISSO, T. The economic and scientific future of forensic psychological assessment. American Psychologist, v. 42, n.9, p. 831-839, 1987. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.42.9.831> Acesso em: 02 abr. 2019 HUSS, Matthew T. Psicologia Forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Porto Alegre: Artmed, 2011. LARSON, J.A. The cardio-pneumo-psychogram and its use in the study of emotions, with practical applications. Journal of Experimental Psychology, 1053. v. 5, p. 323328 LOH, Wallace D. Perspectives on Psychology and Law. Journal of Applied Social Psychology, [S..L], v. 11, n.4, p. 314-355, ago.1981. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1559-1816.1981.tb00827.x> Acesso em: 02 abr. 2019 LÓPEZ, Eric García; QUINTERO, Luz Anyela Morales. Psicología Jurídica: quehacer y desarrollo. Diversitas, Bogotá, v. 6, n. 2, jul./dez. 2010. Disponível em: DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 118 <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S179499982010000200004&lng=en&tlng=en>. Acesso em: 28 mar. 2019. MELTON et al. Contexto da Psicologia Forense: objetivo. 1997. Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/contexto-dapsicologia-forense-objetivo/35245 OTTO, R. K; HEILBRUN, K. The practice of forensic psychology: A look toward the future in the light of the past. American Psychologist, v.57, p. 5–18, 2002. PORTAL EDUCAÇÃO. Histórico da psicologia forense. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/historico-dapsicologiaforense/35176>. Acesso em: 15 abr. 2019. SANTOS, Cintia; SILVA, Vera. Perícia psicológica forense: contextualização e métodos. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61689/pericia-psicologicaforense-contextualizacao-e-metodos MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 119 EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática Julia dos Reis Moraes Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Lara Sawan Cunha Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Sara Barros Patrocínio Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Vinicius Batista Silva Graduando em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Ana Carolina Garcia Braz Trovão Medicina – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO Esquizofrenia é um termo de origem grega que tem como significado ―mente dividida‖. É uma afecção que tem prevalência mundial ao redor de 0,9% por 1000 habitantes e sua incidência está entre 0,1-0,7 novos casos para cada mil habitantes. A patologia pode ser precedida de sinais prodrômicos porem são inespecíficos, como por exemplo isolamento e perda de energia, podendo surgir e permanecer por algumas semanas ou meses antes do aparecimento dos sintomas mais característicos como alucinações (15% visuais, 50% auditivas, 5% táteis) e delírios (90%), transtornos de pensamento e fala, perturbações das emoções e do afeto, déficits cognitivos e avolição. A visita ao hospital psiquiátrico foi escolhida para o relato justamente por se tratar da saúde mental e afecções crônicas que comprometem consideravelmente a vida do paciente, além da função de resignificar os conceitos e paradigmas criados pela sociedade e pelos próprios estudantes em relação aos pacientes psiquiátricos. 1.1 Objetivo Relatar a experiência vivenciada pelos estudantes do quinto semestre do curso de medicina do Uni-Facef na realização do exame do estado mental em pacientes psiquiátricos institucionalizados e avaliar as características evidenciadas da doença através deste. EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática – pp. 119-125 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 120 1.2 Metodologia Em duplas de estudantes, foi realizada abordagem a um paciente psiquiátrico institucionalizado e realizada anamnese psiquiátrica e exame do estado mental. Em seguida foi realizada uma análise teórico-prática, evidenciando as diferenças e semelhanças do caso com a literatura. Por fim, os casos foram apresentados, discutidos em grupo e o estudante elaborou um relato de caso a partir desta experiência. 2. MARCO TEÓRICO A etiologia da Esquizofrenia ainda é desconhecida, no entanto existem algumas teorias. A Teoria Genética é composta pelo fato de ser uma desordem hereditária, por exemplo a taxa de concordância para gêmeos dizigóticos é de 12%, no entanto em monozigóticos é 50%. A Teoria Neuroquímica é baseada principalmente na hiperfunção dopaminérgica central, no entanto sabe-se que outros sistemas de neurotransmissores também estejam envolvidos (serotonina e gaba). Concomitantemente, foram observadas alterações estruturais como alargamento dos ventrículos, aumento dos sulcos corticais e atrofia cerebral nos lobos temporais principalmente hipocampo e giro para-hipocampal e também nas áreas frontais, gânglios da base e corpo caloso. Existem também as Teorias Psicológicas que estabelecem que os fatores psicossociais não estão primariamente relacionados com o surgimento da doença e sim com a forma de aparecimento e o curso dos sintomas. Recentemente estão surgindo estudos que integram as teorias biológicas com as psicológicas demonstrando que os fatores psicossociais podem ser um start para desencadear a doença em pessoas que possuem uma predisposição. A Esquizofrenia é dividida em paranóide, desorganizado, catatônico, indiferenciado e residual. O subtipo Paranóide caracteriza-se pela preocupação com um ou mais delírios (principalmente de perseguição e de grandeza) e alucinações auditivas frequentes. Pacientes com esse subtipo costumam a ter seu início mais tardiamente do que os tipos catatônicos e desorganizados, em torno dos 30 anos, por isso demonstram menos regressões de suas faculdades mentais, de respostas emocionais e de comportamento. Indivíduos com Esquizofrenia Paranóide tendem a ser desconfiados, tensos, reservados, cautelosos, e as vezes, agressivos ou hostis. Para avaliação dos pacientes com esquizofrenia é essencial a aplicação do exame do estado mental, que consiste em uma pesquisa sistemática dos sinais e sintomas das alterações do funcionamento mental, tais informações são adquiridas por uma anamnese cautelosa com o paciente e acompanhantes, além disso é necessário realizar um exame físico para avaliar outras comorbidades. É fundamental realizar todos as etapas citadas para obter o diagnóstico e estabelecer o prognóstico correspondente ao caso. Para tratamento os medicamentos de escolha são os antipsicóticos, que são classificados em típicos e atípicos. O mecanismo de ação dos antipsicóticos MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA, Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 121 típicos é bloquear os receptores D2 em todas as vias dopaminérgicas, porém existem efeitos adversos graves como sintomas extrapiramidais, a exemplo a síndrome maligna neuroléptica. Já o mecanismo de ação dos atípicos é atuar em outros receptores da dopamina, tornando-os mais tolerantes e com efeitos adversos mais leves. Os direitos das pessoas com transtornos mentais são garantidos pela Lei nº 10.216/01, mas foi na portaria Nº 3.088/11 que foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. A RAPS busca consolidar um modelo de atenção aberto e comunitário, garantindo a circulação dos pacientes pelos serviços, comunidade e cidade. É composta por equipamentos dos diversos níveis de complexidade, inclusive para a reabilitação e reinserção dessas pessoas na sociedade, como por exemplo: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura, Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (Hospitais Gerais, CAPS III). Faz parte também o programa de Volta para a Casa (oferece bolsas para pacientes egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos). Existem ainda casos nas quais a institucionalização se faz necessária, vale ressaltar que há três tipos de internação (conforme o artigo 6º, da lei 10.216/01), sendo voluntária na qual se obtém um consenso entre o médico e o paciente, involuntária e compulsória onde há um dissenso entre ambos, sendo esta proveniente de ordem judicial. Os critérios de internação são essenciais para contribuir com a conduta médica e se faz necessária quando os recursos extra-hospitalares se mostram insuficientes, há a existência de transtorno mental grave, risco iminente para segurança pessoal ou de outrem, impossibilidade de manutenção do tratamento em regime ambulatorial, grave prejuízo mental, recusa ao tratamento, ou quando a hospitalização se apresenta como única possibilidade de tratamento (emergência psiquiátrica). Na fase aguda em pacientes com esquizofrenia com sintomas predominantemente positivos e de agitação deve-se optar por um antipsicótico de alta potência, aumentando sua dose gradativamente variando entre 10mg e 20mg de haloperidol, quando não houver melhora associar o lorazepam ou Clonazepam de 2mg/dia a 6mg/dia, sendo retirado assim que houver melhora clínica. Já em pacientes com sintomas predominantemente negativos pode-se optar por risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprasidona e amisulprida, são indicados também para pacientes que não respondem aos antipsicóticos convencionais ou apresentam efeitos colaterais indesejáveis. Para os casos refratários, a clozapina deve ser sempre considerada. Mas a principal questão com esses pacientes é a continuidade e adesão ao tratamento, já que, existem efeitos adversos indesejáveis, como EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática – pp. 119-125 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 122 manifestações extrapiramidais (acatisia, distonia e sintomas parkinsonianos), além de sedação, ganho de peso e impotência o que compromete a aceitação do medicamento, porém com o progredir do uso há uma tendência de controle e diminuição dos sintomas. O êxito do tratamento desses pacientes não pode ser baseado apenas na intervenção medicamentosa, mas sim essa associada a um modelo psicossocial, já que esse contribui com a conscientização e aceitação da doença. Além disso, o tratamento implica em extrema paciência, tolerância e rigorosa observação da equipe médica para garantir uma melhora da qualidade de vida desse paciente já que interrupção do mesmo pode acarretar em novas crises e na maioria das vezes resultará em uma nova internação. Hospitalizações contribuem para pior prognóstico da doença, intensificando o prejuízo no ajustamento social, além do fato de recaídas serem mais frequentes após a primeira internação e soma-se a isso o aumento da mortalidade sendo essa vinte vezes maior do que a população geral, por essas razões citadas, busca-se a desinstitucionalização dando continuidade ao tratamento em outros equipamentos na RAPS. Conclui-se dessa maneira que não basta apenas a prescrição do medicamento, é fundamental a monitorização desse paciente além de conscientizalo sobre a esquizofrenia e a importância da adesão ao tratamento farmacológico, terapias individuais e em grupos, terapia ocupacional, orientação para as famílias, que são fatores imprescindíveis à recuperação. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No dia 28 de março foi realizada uma visita ao Hospital psiquiátrico Allan Kardec, pelos alunos da faculdade de medicina da Uni-facef, na qual foi realizada com o objetivo de conhecer o local e em pequenos grupos realizar uma anamnese juntamente com o exame do estado mental. Previamente a conversa vivenciada pelos alunos, existia um prejulgamento e ansiedade em relação a instituição e ao paciente portador de esquizofrenia, por medo de ele se irritar e/ou tornar-se agressivo, no entanto esse preconceito foi totalmente enfraquecido após a comunicação com o paciente. Em dupla, foi realizada a anamnese de um senhor viúvo (E.G.S) de 60 anos, negro, portador de esquizofrenia paranóide. O paciente trazia como queixa principal uma ferida na perna sofrida no dia 22 de março, quando interrogado mais sobre a queixa e motivo de internação demonstrou desconhecimento do seu quadro patológico, alegando que havia sofrido violência do cunhado e do SAMU, que o levaram para o pronto socorro da cidade e em seguida foi internado no hospital psiquiátrico, por sua filha. Em relação aos antecedentes familiares, sabe informar o nome da esposa e seu óbito, e fica confuso quanto ao número e nome dos filhos e netos. Nos antecedentes pessoais ele não era capaz de informar dados do MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA, Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 123 nascimento ou infância, mas relatou ter nascido no dia 20 de janeiro de 1959, e que não é diabético ou hipertenso e foi capaz de expor o seu vício por álcool e tabaco, ingere qualquer substância alcóolica (destilados e cerveja) e fazia uso de cigarro industrial e de palha há mais de 40 anos, além disso relatou uso de Olanzapina e que ingere quando acorda. A respeito das suas funções psicofisiologicas, ficou claro uma alteração no sono, dormindo aproximadamente 4 horas por noite, e uma alimentação inadequada, com diminuição do apetite, realizando no máximo 3 refeições ao dia. Sobre a história psicossocial expôs que trabalhou como sapateiro antes de se aposentar, e que mora com sua filha em uma casa alugada (R$ 520,00), mostrava-se confuso em relação a sua religião, ora umbandista ora espiritaevangélico. Não realizamos o exame físico o paciente. Na avaliação do exame do estado mental o paciente tinha aparência descuidada, atitude cooperativa pelo fato de responder a todas as perguntas e postura cabisbaixa por estar com o estado de consciência debilitado. Encontrava-se sonolento, porém demonstrava-se orientado espacialmente, relatando estar no Allan Kardec, e manifestava desorientação autopsíquica e temporalmente referindo ser o dia 01 de março de 1919, revelava-se hipovigil e normotenaz (realizou cálculos MEEM). Expunha amnésia imediata, não se recordava de 3 palavras ditas após alguns minutos (MEEM), hipomnésia retrograda, confusão com o nome e quantidade de netos e filhos, e memória imediata preservada pois se recordava do que havia comido no café da manhã e a hora do medicamento. Em relação da inteligência o paciente possuía capacidade de fazer contas e de generalização, no entanto possuía um déficit grosseiro no raciocínio lógico e no juízo crítico. Apresentava pensamento desagregado, curso preservado, com ideias delirantes. A fala encontrava-se arrastada, mas consciente de que poderia ser devido os medicamentos usados no seu tratamento, com ideação suicida (quando receber alta quer entrar com o carro em um rio). Presença de alucinações visuais (visualizava espíritos e demônios). Demonstrava-se hipotímico e apático. Exibia clara dificuldade de movimentar-se, com diminuição na velocidade e intensidade. Foi possível analisar o prontuário medico do paciente, sua internação foi realizada no dia 23 de março, se tratando de um caso de reincidência sendo está a sétima internação. De acordo com o prontuário paciente estava heteroagressivo, tentativa de incendiar a própria casa tendo comprado um galão de gasolina, a reincidência dos sintomas havia se iniciado há um mês. Após internação foi submetido a terapia medicamentosa, composta por uma administração as 7 horas da manhã de Olanzapina (10mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp), as 14 horas Clonazepam (2mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp) e as 20 horas Olanzapina (10mg 1 cp), Clonazepam (2mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp). A partir da experiência acima citada foi possível realizar uma análise teórico-prática a partir da avaliação da história colhida e comparado com o embasamento teórico. Foi possível avaliar que o paciente é um claro caso de emergência psiquiátrica, além de se encaixar em outros critérios de internação (risco para segurança, prejuízo mental, recusa ao tratamento, grave transtorno mental), ou EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática – pp. 119-125 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 124 seja, sua hospitalização involuntária foi adequadamente estabelecida, o manejo do paciente agitado e/ou violento causa um impacto emocional sobre o próprio medico e em sua equipe, no entanto é fundamental que todos consigam analisar a real situação sem deixar se influenciar pelos sentimentos e dessa forma tomar decisões precisas, corretas e rapidamente. Ademais foi possível notar claras divergências entre o prontuário do paciente e o que foi relatado em sua anamnese, porém a partir da história conseguimos identificar sintomas claros de esquizofrenia como por exemplo alucinações visuais, alteração de pensamento e fala, perturbação de humor e afeto além de desorientação. O sucesso da intervenção medicamentosa na fase aguda do paciente E.G.S. foi correspondente ao esperado na literatura, já que não se demonstrava agitado ou irritado, no entanto estava sedado (possível efeito colateral). Uma dificuldade exposta foi justamente o paciente apresentar queda do estado de consciência, no entanto ao mesmo tempo demonstrava-se uma facilidade pois o paciente não demonstrava agitação ou agressividade, o que facilitou com que os estudantes sentissem mais segurança ao conversar com ele e estabelecer uma relação. Predominou entre todos um sentimento de empatia e compaixão com a pessoa portadora de afecção psiquiátrica já que conviver com essa doente durante a vida toda não é fácil para ela própria e para toda a sua família que sofre junto. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O caso relatado acima contribui com a formação do estudante de medicina já que muitos irão se deparar com pacientes psiquiátricos no decorrer de suas carreiras, com a experiência vivenciada foi possível que os preconceitos fossem quebrados e o paciente fosse visto como uma pessoa e não como um doente, além de subsidiar a articulação teórico-prática dos conceitos em psiquiatria já que para a realização da atividade os estudantes realizaram um levantamento teórico. Somado a isso os estudantes analisaram as dificuldades e potencialidades em realizar a abordagem de um paciente psiquiátrico. REFERÊNCIAS SADOK, Benjamin J.; SADOK, Virginia A.; RUIZ, Pedro. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2017. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde mental: o que é, doenças, tratamentos e direitos. [S. l.], 2018. E-book. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria Nº 3.088. [S. l.], 23 dez. 2011. E-book. CORDIOLI, Aristides Volpato; ZIMMERMANN, Heloisa Helena; KESSLER, Félix. Rotina de Avaliação do Estado Mental. [S. l.], 2017. E-book. MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA, Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 125 MOREIRA, Camilla Silveira; MEZZASALMA, Marco André; JULIBONI, Ricardo Venâncio. Esquizofrenia Paranoide: Relato de Caso e Revisão da Leitura. Revista Científica da FMC, [S. l.], 2008. MARI, Jair J.; LEITÃO, Raquel J. Esquizofrenia Paranoide: Relato de Caso e Revisão da Leitura. Revista Brasileira Psiquiatria, [S. l.], 2000. SILVA, Regina Claudia Barbosa da. Esquizofrenia: uma revisão. Psicologia USP, São Paulo, 2006. MENEZES, Paulo R. Prognóstico da esquizofrenia Prognóstico da esquizofrenia. Revista Brasileira Psiquiatria, São Paulo, Maio 2000. SHIRAKAWA, Itiro. Aspectos gerais do manejo do tratamento de pacientes com esquizofrenia. Revista Brasileira Psiquiatria, São Paulo, Maio 2000. MORAES, Talvane M. de. Crack - Prevenção, Resgate e Cuidado Especializado Visão Psiquiátrica. Rio de Janeiro, 2017. E-book. EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática – pp. 119-125 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 126 MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO Irma Helena Ferreira Benate Bomfim Psicologia – Uni-FACEF Júlia Capel Baldoino Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Maria Gabriela Corrêa Careta Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO Os mecanismos de defesa são formas que a mente busca para se proteger de situações indesejáveis, assim sendo ações inconscientes. Os mecanismos de defesa são sistemas pela qual o ego é o principal interceptor. Várias situações que são vividas pelo indivíduo podem provocar sentimentos inconscientes, estimulando reações menos racionais e objetivas, e despertando então os mecanismos de defesa, com o intuito de proteger o Ego de um possível desprazer, apresentado por sentimentos de culpa, ansiedade, medo, entre outros. Os sonhos possuem uma grande influência na vida emocional do indivíduo e por este motivo pesquisamos e abordamos neste artigo sobre como eles possuem esta influência e em como os mecanismos de defesa agem diante disto. A importância dessa pesquisa é para que o indivíduo entenda o quanto os mecanismos de defesa interferem inconscientemente em suas reações. O objetivo deste artigo é revisar a influência dos mecanismos de defesa na vida emocional adulta do indivíduo. A metodologia foi de uma revisão bibliográfica crítica com uso de artigos científicos e pesquisas. 2. MECANISMOS DE DEFESA NA VERTENTE PSICANALÍTICA Neste capítulo abordaremos os vários significados da palavra defesa, além, de explicar o porquê dessas defesas interferirem em nossa vida pessoal e fisicamente. No dicionário Houaiss (2001, p.1201) a definição psicanalítica de defesa é: conjunto de operações inconscientes que visam diminuir a influência de BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 127 fontes de perigo que ameaçam a integridade do individuo. Howaiss, ainda na aludida obra diz que a noção de mecanismo de defesa é um conjunto de sentimentos e representações. Como o próprio nome já diz, os mecanismos de defesa são um conjunto de manifestações do nosso inconsciente para a proteção de fatores do cotidiano de desprazeres. Assim o ego tem o poder de proteger a personalidade do individuo contra ameaças ruins. Todos os indivíduos mentalmente saudáveis possuem mecanismos de defesa, porém a apresentação excessiva desses mecanismos pode tornar pessoas psicóticas. Segundo Freud (1900), a defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico. O ego mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários localizados no mundo exterior. Para a psicanálise existem vários tipos de defesa, sendo eles: projeção, negação, formação reativa, racionalização, deslocamento, regressão, sublimação, repressão e isolamento. Na repressão, você manda um sentimento para o inconsciente; Na negação, você nega uma realidade para se proteger de uma dor; Na racionalização, é a busca de uma explicação lógica para um fato ou ação; A formação reativa inverte a realidade: diz uma coisa querendo dizer outra; Na projeção, você projeta no outro algo que é seu; O isolamento separa o fato do afeto; Na regressão, É quando você volta a uma fase anterior de sua vida, uma fase infantil, onde se sentia seguro; Na sublimação é a transformação das emoções que estão causando conflito, em algo bom. Estudando os tipos de defesas na psicanálise, podemos ver que em nosso cotidiano usamos os mecanismos sem perceber, e assim podemos comprovar que os mecanismos são realmente inconscientes. Por se tratar de jeitos/ações naturais e inconscientes, podemos falar que não possuímos controles de algumas ações, pois são espontâneas por assim dizer. Sendo assim, podemos concluir que os mecanismos defesa podem ser negativos ou positivos para a vida do individuo. Segundo Simone Demolinari, psicanalista com Mestrado e dissertação em anomalias comportamentais, para a revista Hoje em Dia: Usamos tantos mecanismos que às vezes nem nos damos conta deles. A fantasia é outro esquema mental que usamos com frequência. Quem a pratica geralmente não consegue fazer uma autocrítica, mas quem convive geralmente percebe e comenta: ―fulano de tal vive num mundo imaginário‖. A fantasia ocorre quando a pessoa cria uma situação que, na verdade, só acontece na imaginação dela. Existem duas formas de manifestação desse mecanismo: a primeira é quando a pessoa verbaliza algo muito diferente da realidade e tem um teor de mentira, mas na verdade é uma imaginação fértil. E a outra forma é a não verbal, em que a pessoa apenas pensa na situação imaginária, por exemplo: alguém que foi abandonado pelo par amoroso passa horas fantasiando uma vingança mental ou então se imagina ganhando na loteria e esnobando quem o largou. Esses mecanismos existem para nos ajudar a lidar e superar situações de extrema dificuldade. Porém, se faz muito importante reconhece-los. Quanto mais MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO – pp. 126-134 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 128 conscientes estamos das nossas defesas, menos utilizamos esse artifício e mais maduros emocionalmente ficamos para lidar com nossos dissabores. Muitas das vezes utilizamos os mecanismos de defesa e nem imaginamos, por exemplo, quando possuímos uma fantasia criamos uma situação que na verdade não é real, e assim manisfestamos mecanismos de defesa de forma verbal ou não verbal. Essas defesas nos ajudam a lidar e superar situações que para o emocional do indivíduo é de extrema dificuldade, porém é importante reconhecermos onde está a dificuldade para lidarmos de forma madura com as emoções/ pensamentos. 3. NÍVEIS DOS MECANISMOS DE DEFESA Neste capitulo vamos citar a categorização de George Vaillant, um psiquiatra que separou os mecanismos de defesa em três níveis, sendo eles: defesas imaturas, defesas intermédias e defesas maduras. George classificou estes três níveis da seguinte forma: Defesas Imaturas: projecção, fantasia, comportamento passivo-agressivo, dissociação, e passagem ao acto; Defesas Intermédias: recalcamento, deslocamento, formação reactiva, e intelectualização; Defesas Maduras: altruísmo, humor, supressão, antecipação, e sublimação. Com esta classificação podemos ter uma compreensão maior sobre como os mecanismos de defesa agem sobre o indivíduo e também para podermos classificar em qual nível o indivíduo está. Podemos também entender o processo dos mecanismos de defesa antes, durante e após o processo. Segundo o site PEPSIC em um de seus artigos publicados por Teresa Bastos Rodrigues, fala sobre os mecanismos de defesa que cita o livro de Freud ―Inibição Sintoma e Ansiedade‖: Em Inibição Sintoma e Ansiedade (Freud, 1926-1925, p. 160), já referia que: ‗Pode muito bem acontecer que antes da sua clivagem em um Ego e um Id, e antes da formação de um Super-Ego, o aparelho mental faça uso de diferentes métodos de defesa dos quais ele se utiliza após haver alcançado essas fases de organização.‘ Freud, esboça a ordenação posteriormente apresentada por George Vaillant. Após Freud, a sua filha Anna Freud desenvolveu e aprofundou, através do seu trabalho com crianças, os mecanismos de defesa. Hoje, é-nos de grande utilidade a compreensão do desenvolvimento afectivo-cognitivo da criança, pois mediante este conhecimento, podemo-nos aproximar muito mais do modo de funcionamento psíquico do adulto. Sobre a citação de Teresa em relação ao livro de Freud que fala em relação aos mecanismos de defesa e o quanto eles influenciam no afeto-cognitivo desde a infância até a vida adulta, podemos concluir que o adulto desde criança tem aprende a lidar com seus sentimentos e em como se comportar frente à eles. BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 129 4. VIDA EMOCIONAL ADULTA Para entendermos melhor os mecanismos de defesa na vida do indivíduo precisamos ir mais a fundo quando o assunto é emoção. Por isso, falaremos um pouco sobre a vida emocional adulta, onde remete vários tipos de compreensões desde o nascimento do indivíduo. Quando falamos sobre emoções podemos citar também três pilares da mesma que são: pensamento, sentimento e comportamento. E podemos relacionar os mecanismos de defesa com estes três pilares, pois os mecanismos possuem uma influência muito grande em relação a cada um destes três. Algumas atitudes do indivíduo na vida adulta são influenciadas pela infância, podendo assim ter problemas de comunicação, agressividade, hábitos alimentares, desempenho fraco, o que pode acarretar com que os mecanismos de defesa sejam ―ativados‖ em alguns momentos da vida adulta. A compreensão das emoções refere-se à capacidade de identificar, reconhecer e nomear emoções; diferenciar as próprias emoções; compreender as emoções dos outros com base nas expressões faciais e nas características das situações de contexto emocional (Denhamet al., 2003). Com isso, podemos reconhecer melhor as nossas próprias emoções e entender em como que o mecanismo de defesa age em cada pessoa. O reconhecimento das emoções acomoda a base desenvolvimento de outras componentes da compreensão emocional. para o Podemos ligar a compreensão emocional com a idade do indivíduo também, onde quanto mais ele cresce mais ele entende suas emoções e seus comportamentos diante da mesma. Segundo Harris (1989) a compreensão do controle da emoção é complexa porque envolve um entendimento de que pode redirecionar seus pensamentos. Para controlar uma emoção, não é suficiente pôr cara de contentamento. Isso resulta em um entendimento melhor e mais fácil sobre as emoções e sobre como o indivíduo se comporta diante delas. As emoções podem ser decorrência da explicação de uma situação e não o mero produto mecânico dessa por si só. Tal promove uma teoria da mente que toma como identificador não a realidade objetiva, mas sim as suas representações subjetivas, sabendo que são essas que guiam as emoções e os atos das pessoas. 5. MECANISMOS DE DEFESA E VIDA EMOCIONAL ADULTA Os mecanismos de defesa na vida emocional adulta atuam como em qualquer outra fase da vida, porém na fase adulta do indivíduo, ele consegue MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO – pp. 126-134 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 130 entender melhor a sua atitude diante de tal situação, logo após a atuação dos mecanismos de proteção do ego. Os mecanismos de defesa não se reduzem apenas ao clássico conflito neurótico. Quando se trata de uma organização de modo neurótico, genital e edipiano, o conflito se situa entre as pulsões sexuais e suas proibições (introjetadas no superego). A angústia é, então, a angústia de castração e as defesas operam no sentido de diminuir essa angústia, seja facilitando a regressão em relação à libido, sendo organizando saídas regressivas, por exemplo auto e alo-agressivas, retomando e erotizando a violência instintual primitiva. (Bergeret, 2006) Bergeret explica que os mecanismos de defesa quando se tratam de uma organização de modo neurótico, genital e edipiano se tornam uma pulsão sexual e uma proibição do superego. Um exemplo disso é a angústia, pois ela é uma regressão à libido. Freud (1937) lembra que as defesas servem ao propósito de manter afastados os perigos. Em parte, são bem-sucedidos nessa tarefa, e é de duvidar que o ego pudesse passar inteiramente sem esses mecanismos durante seu desenvolvimento. Mas esses próprios mecanismos, que a priori, são defensivos podem transformar-se em perigos. O ego pode começar a pagar um preço alto demais pelos serviços que eles lhe prestam. O dispêndio dinâmico necessário para mantê-los, e as restrições do ego que quase invariavelmente acarretam, mostram ser um pesado ônus sobre a economia psíquica. Tais mecanismos não são abandonados após terem assistido o ego durante os anos difíceis de seu desenvolvimento. Freud sempre deixou claro sobre a existência dos mecanismos de defesa e seu significado de proteção ao ego. Mas ainda a uma grande dúvida se o ego pode passar inteiramente sem os mecanismos de defesa, pois sem eles o ego pagaria um preço alto pela ajuda que os proporciona. Uma questão importante a se pensar é que os mecanismos de defesa fazem parte do desenvolvimento do ego. Na vida adulta nos desenvolvemos de tal forma com que percebemos os mecanismos de defesa cada vez mais presentes em nossa vida, porém os mecanismos são ligados através de pulsões, tornando assim algo do inconsciente. Relacionando as emoções com os mecanismos de defesa também podemos citar sobre os sonhos, pois segundo pesquisas os sonhos influenciam diretamente e indiretamente na vida emocional do indivíduo, principalmente quando já adulto pois o mesmo já compreende melhor sobre seus sonhos. Somos capazes de viver emoções maravilhosas ou apavorantes por estímulo de nossos sonhos inconscientemente. Isso acontece porque nosso cérebro muitas das vezes não consegue diferenciar os sonhos da realidade, com isso, eles nos afetam como se estivessem vivenviando aquela situação na vida real. 6. OS SONHOS NA VERTENTE PSICANALÍTICA O sonho para a psicanálise, segundo Freud era considerado como premonições ou como meros símbolos, porém após as teorias de Freud os sonhos BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 131 começaram a ser interpretados de uma outra forma, como caracterísitcas ou reflexos de nosso insconsciente. Freud começou a perceber que os sonhos tinham influência na vida do indivíduo quando os mesmos começaram a ganhar espaço em suas vidas, como por exemplo o desejo inconsciente que se manisfestava no indivíduo através do sonho por intermédio das memórias da infância. Freud concluiu que o insconsciente do adulto é formado pela criança ainda presente dentro de cada indivíduo e percebeu que isso ocorria independentemente de sua idade. Com isso, Freud passou a usar a técnica da Associação Livre, então deixou de praticar a terapia que desde então praticava e começou a usar os sonhos como um método de análise ao paciente e seu principal método de trabalho. Segundo no livro ―A Interpretação dos Sonhos‖ de Freud, ele afirma que […] os sonhos são a realização de um desejo. Trata-se de desejos escondidos, desejos que, muitas vezes, não realizamos devidos às imposições sociais. Imposições como os costumes, a cultura ou educação de onde vivemos, a religião, os tabus e as morais sociais. Estes desejos ficam, então, recalcados ou reprimidos e vem a tona quando sonhamos. Isso porque quando dormimos nossa mente relaxa e que o inconsciente tem a maior autonomia em relação ao nosso consciente. Freud, 1900. Por conta das imposições sociais como costumes, cultura, religião ou educação, não podemos realizar nossos desejos, sendo assim os sonhos se tornam uma forma de realização destes, mesmo que de forma inconsciente. Estes desejos são reprimidos e recalcados, e quando sonhamos aparecem com maior autonomia em relação ao nosso consciente. Para a psicanálise, o sonho é como um refúgio dos nossos desejos mais ocultos. Desejos que segundo nossa consciência ou até mesmo a sociedade julgam como proibidos para serem realizados. Nossa cultura possui uma grande influência para que esses desejos do indivíduo sejam reprimidos. Para Freud os sonhos são o principal caminho para conhecermos as caraterísticas de nossa vida psíquica. Segundo Freud (1900), é preciso encontrar métodos exclusivos para entender o real significado dos sonhos. Esse método tem como principal base a análise do paciente que se dá por meio do diálogo entre o psicanalista e o paciente. 7. Os sonhos e os mecanismos Segundo Freud, existem quatro tipos de mecanismo do sono, sendo elas: a condensação, o deslocamento, a dramatização e a simbolização. Assim os sonhos se transformam em manifestos por meio destes mecanismos, os quais deveriam ser interpretados pelo indivíduo junto com o auxílio de um psicanalista. MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO – pp. 126-134 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 132 Conforme o site Psicanálise Clínica (2017): A condensação é o laconismo do sonho com relação aos pensamentos oníricos que estão nele. Isto é, s sonhos, muitas vezes, são resumos ou pistas de desejos e acontecimentos. E por isso precisam ser desvendados, ser decifrados. O deslocamento é quando o indivíduo, no sonho, se afasta de seu objeto de valor real, desviando-o para outro objeto a sua carga afetiva. Objeto secundário e, aparentemente, insignificante. A dramatização é a imaginação de nossa mente. Aos olhares, deixamos a razão de lado, razão presente quando estamos acordados. Assim, podemos imaginar o que durante o dia racionalizamos. A simbolização é quando as imagens presentes no sonho possuem relação com outras imagens. Isto é, quando o indivíduo sonho com algum objeto que no sonho aparece mascarado, o qual diz respeito a algo que essa pessoa viveu ou desejou. Psicanalíse Clinica, 2017 A condensação é um mecanimos fundamental para ententermos o sonho. Ela constrói caminhos diferentes para o mesmo pensamento, como transformar um grupo de pessoas em um só representante, sendo assim, é uma representação de um ―personagem‖ que substitiu todos por somente um elemento. Já o deslocamento substitui os pensamentos significativos do sonho por pensamentos, imagens ou acessórios, fazendo com que o conteúdo fique dissimulado à realização dos desejos. A dramatização é a forma com que o sonho realiza os desejos com cenas, imagens, objetos ou personagens para que assim há representações da psique do indivíduo. A simbolização é um plano que fica no inconsciente do indivíduo, o poder do símbolo envolve uma interpretação para decifrar os significados dos acontecimentos dos sonhos. O simbolismo tem um alto poder na compreensão do ser humano, pois se manifesta através das fantasias, imaginações e neste caso como dito dos sonhos. Por meio destes mecanismos é que o sonho se transforma em manifestos, e assim podem ser interpretados para o próprio entendimento do indivíduo. Os mecanismos de defesa atuam nos sonhos de forma insconsciente, porém tudo é uma relação com a realidade que o indivíduo está passando. Segundo Simone Demolinari, psicanalista com Mestrado e dissertação em anomalias comportamentais, para a revista Hoje em Dia: Os mecanismos são disparados pelo estado de sofrimento e de angústia, quanto mais angustiada está uma pessoa, mais a mente dela trabalha para elaborar fortes e contundentes mecanismo em prol do seu conforto emocional. É comum associarmos proteção a algo positivo. Mas no campo emocional se ―proteger‖ é impedir o acesso a nós mesmos. Nem sempre se proteger na visão psicanalítica é algo positivo, segundo os psicanalistas os mecanismo de defesa normalmente são disparados pela tristeza, sofrimento ou angústia do indivíduo. Assim sendo, uma forma de BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 133 impedir o autoconhecimento de nós mesmos. Nosso ego não aceita ser ―contrariado‖ e assim, ele arranja formas de se defender das emoções. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este artigo científico com o qual teve a finalidade de apresentar sobre como funciona os mecanismos de defesa emocional na vida adulta do indivíduo, podemos concluir que o individuo possui formas de se defender de várias situações, que acontecem em sua vida através dos mecanismos de defesa. Notamos também que os sonhos possuem uma grande influência na vida emocional do indivíduo e que os mecanimos de defesa também atuam nos mesmos, e com isso, percebemos sua importância para este artigo. Nesta pesquisa mostramos vários pontos sobre a vida emocional adulta e os que essas emoções causam inconscientemente no indivíduo com isso aprenderam um pouco mais sobre os mecanismos de defesa e o quanto eles influenciam nas atitudes do ser humano. REFERÊNCIAS BELLO, Suely. Sonhos e pensamentos viram emoções. (https://www.personare.com.br/sonhos-e-pensamentos-viram-emocoes-m358). CLÍNICA, Psicanalíse. O que é sonho para a psicanálise? (https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-sonho-para-psicanalise/). DEMOLINARI, Simone. Mecanismo de Defesa. (https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/simone-demolinari1.334203/mecanismo-de-defesa-1.369280). DEMOLINARI, Simone. Mecanismo de Defesa. (https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/simone-demolinari1.334203/mecanismos-de-defesa-1.703819). Editorial QueConceito. Sao Paulo. Conceito de simbolização. (https://queconceito.com.br/simbolizacao). FRANCO, Maria da Glória Salazar d’ Eça Costa. SANTOS, Natalie Nobrega. Desenvolvimento da Compreensão Emocional. (http://www.scielo.br/pdf/ptp/v31n3/18063446-ptp-31-03-00339.pdf). MOURA, Joviane Aparecida de. Os Mecanismos de Defesa do Ego. (https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/mecanismos-de-defesa). RODRIGUES, Teresa Bastos. Mecanismos de defesa no grupo (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902008000200008). MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO – pp. 126-134 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 134 SÁ, Cláudio Duarte. A interpretação dos sonhos. (https://pt.slideshare.net/claudioduartesa/ainterpretao-dos-sonhos). VOLPI, José Henrique. Mecanismos de Defesa. (http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Artigos/Mecanismos%20de%20Defesa.pdf). BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 135 MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos Daniel Alvarez Goulart Lemos Graduando em Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO O ser humano é uma criatura complexa, cada indivíduo é único e movido por necessidades não apenas fisiológicas como mentais, emocionais e sociais que aparecem em diferente medida e forma de manifestação. Muitas vezes tais necessidades entram em conflitos entre si e com as necessidades dos outros indivíduos, principalmente na esfera social. Tal conflito se torna óbvio quando analisamos as relações amorosas de nossa sociedade, tema do qual desperta curiosidade tanto do público quanto da comunidade científica, surgem diferentes teorias estudos, que procuram entender, examinar e, muitas vezes, classificar tal aspecto humano. Este desejo deu origem a diferentes escalas, novas e antigas, que medem atributos dos relacionamentos amorosos, aqueles que são confiáveis embasam-se em diferentes teorias e utilizando diferentes métodos. O Objetivo é revisar os escalas dos últimos 10 anos que medem os atributos dos relacionamentos amorosos em língua portuguesa, tal estudo pode ser de grande utilidade para aqueles que procuram escolher algum método de medição que melhor encaixe em suas necessidades tanto em um âmbito terapêutico para saber qual os atributos, características e necessidades amorosas de um paciente, podendo assim trabalhar de forma específica quando em um ambiente de pesquisa para utilizar ou ter como base para a criação de outro Instrumento. Foi utilizado como metodologia pesquisa de diferentes fontes e escalas atuais e suas atualizações. Os seres humanos caminharam um longo e impressionante caminho para chegar onde estamos, aperfeiçoamos habilidades e adquirimos comportamentos para melhorar nossas chances de sobrevivência e necessidades, entre estes um dos mais importantes foi o de nos unir em grupos a um ponto que a socialização se tornou uma necessidade básica. Isso demonstra o quanto os relacionamentos sempre tiveram um papel central ao ser humano, principalmente o amoroso que tem uma função fundamental tanto pela perpetuação de nossa espécie quanto por uma questão de saúde mental. Sendo algo tão incorporado ao âmago do que nos faz humanos, é natural que seja um ponto de interesse não só do indivíduo geral, mas dos pensadores e acadêmicos que procuram entender as diferentes (e complexas) MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 136 características que nos fazem humanos. Neste trabalho veremos 3 teorias que tentam explicar o amor: estilos de amor John Alan Lee, Teoria de apego de John Bowlby e a teoria triangular do amor de Sternberg. 2. ESTILOS DE AMOR JOHN ALAN LEE John Alan Lee foi um antropólogo canadense e um grande estudioso do amor, sua teoria foi inicialmente proposta em 1970 e baseasse que amor é aprendido e existem diferentes tipos. Para criar suas teorias primeiro foi feito uma pesquisa minuciosa em diferentes meios (livros, filmes, conhecimento filosófico e psicologia) procurando responder à pergunta ―o que é o amor?‖, em seguida foi analisado e categorizado em diferentes estilos de amar e por último feito entrevistas com pessoas heterossexuais e homossexuais que confirmaram suas ideias. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) O autor Ailton Amélio (2001), em seu livro ―o mapa do amor‖, cita uma analogia de John Alan Lee que, de forma clara, explica que o mecanismo de nossa capacidade de amar se assemelha ao funcionamento de mecanismo de visão de cores. No olho humano existem 3 receptores para 3 cores diferentes, conhecidas como básicas, estas sendo amarelo, azul e vermelho, a combinação destas 3 cores em diferentes intensidades forma as quase 8 milhões de variações de cores que conseguimos enxergar. Da mesma forma existem 3 estilos primários de amor: Eros, Ludos e Estorge. Eros: neste estilo existe uma maior importância ao físico e a atração por ele. Indivíduos com este estilo de amor querem conhecer o seu parceiro de forma rápida e intensa. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) Ludus: Pessoas com este estilo veem o amor como um jogo, não tem um estilo específico de tipo físico achando vários atraentes, não querem compromissos com um único parceiro e não veem contradição em amar mais de um ao mesmo tempo. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) Estorge: para as pessoas com este estilo, o amor acontece de forma lenta e como uma evolução de uma amizade, a atração física e a interação sexual tem um papel secundário e o mais importante é o emocional. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) A soma destes estilos de amores, em diferentes concentrações, formam o tipo de amor único de cada indivíduo, porém Lee também cita em sua teoria estilos secundários que seria a soma de dois dos amores básicos, entre estes os mais estudados são: Eros + ludus = mania; Ludus + storge = pragma; Eros + storge = ágape. (AILTON AMÉLIO, 2001) Mania (Eros + ludus): Se experimenta o amor de forma obsessiva, irracional e dependente. O indivíduo se esforça muito para conseguir constantemente a atenção de seu parceiro e pode apresentar ciúmes excessivo. LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 137 Pragma (Ludus + storge): As pessoas que possuem este tipo de amor em geral são praticas e realistas, procuram parceiros que são compatíveis com suas expectativas e que apresentem características especificas identificadas antes mesmo de se envolverem. Ágape (Eros + storge): Pessoas com este estilo de amar se caracterizam por comportamento altruísta, ajudar e cuidar de seu parceiro tem um papel central e é mais importante que o seu próprio bem-estar. (AILTON AMÉLIO, 2001) É importante ter em mente que o estilo de amor de um indivíduo não é algo imutável e está sujeito a mudanças conforme seu desenvolvimento e suas experiencias de vida e sua cultura tem uma influência importante. 3. TEORIA DE APEGO DE JOHN BOWLBY Tal teoria foi idealizada na década de 70 e nos inícios dos anos 80 por John Bowlby, um psiquiatra inglês, o foco de seus estudos não era o amor romântico mas sim o vínculo formado entre a criança e seu cuidador primário (geralmente a mãe) e como isso afeta o indivíduo em diferentes aspectos (incluindo amor de romance) nas etapas de sua vida. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) Para ele o bebê já nasce com a capacidade de apegar-se a outra pessoa e tal capacidade é vital para a sobrevivência de nossa espécie, pois como criaturas sociais os diversos vínculos que criamos com diferentes pessoas é essencial para o funcionamento de outros sistemas como o exploratório de nosso meio, o sistema de acasalamento e o sistema de cuidar dos outros indivíduos. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) Formamos diferentes tipos de apegos dependendo da pessoa e a relação que temos com o indivíduo, amor fraterno, amor paterno, amizade, amor romântico e etc, cada um tem suas peculiaridades, mas todos tem como base o primeiro apego que formamos, aquele forjado com a pessoa que nos cuidou. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013) Por tanto ao contrário das teorias de John Alan Lee para John Bowlby o estilo de relações (incluindo as amorosas) é algo mais estável e definido não pelos relacionamentos adultos, mas sim pelo tipo de relação entre o indivíduo e o seu cuidador primário nos primeiros momentos de vida. Para Bowlby isso ocorre porque o indivíduo tende a se colocar em situações que reforçam este modelo de funcionamento. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Estes modelos são propostos por Mary Ainsworth, uma colaboradora de Bowlby, que separou os tipos de apegos de quem cuida da criança em 3, geralmente o estilo de apego da cuidadora é uma combinação em diferentes MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 138 dosagens. Sendo eles: seguro, ansioso-ambivalente e evitativo. (AILTON AMÉLIO, 2001) Apego seguro: Tal apego se da quando um dos pais se encontra imediatamente disponível a qualquer necessidade que a criança possa apresentar e sempre acolhe de forma amável quando este procura proteção ou conforto. Tal atitude permite que o indivíduo explore o mundo de forma confiante pois acredita que seus pais o ajudarão caso encontre alguma adversidade ou situação amedrontadora. (AILTON AMÉLIO, 2001) Apego ansioso-ambivalente: Tal apego se da quando os cuidadores não se mostram disponíveis e prestativos em todas as ocasiões de necessidade da criança, existe uma incerteza, ansiedade e insegurança por parte da criança que, por medo de ser abandonado prende-se a seu cuidador e fica ansioso em explorar o meio. Tal tipo se apego se mostra comum em pais que utilizam ameaça de abandono como meio de controle. (AILTON AMÉLIO, 2001) Apego Evitativo: Tal tipo de apego surge quando o cuidador responde constantemente com rejeição quando a criança procura por conforto e proteção, a consequência são crianças que não esperam nada dos demais e procuram viver sua vida de forma a não precisar do amor e ajuda dos demais, sendo o mais autossuficiente possível. (AILTON AMÉLIO, 2001) A relação existente do tipo de apego da mãe tem consequência não só nos primeiros anos, mas em grande parte da vida, o tipo de apego com nosso cuidador e a dinâmica tende a ser assimilado e reproduzido nas outas relações, incluindo as de romance. Porém, esta influência, vai perdendo força quanto mais velha a pessoa se torna, conforme vive novas experiencias e relações com diferentes pessoas com diferentes papeis (amizade, paternidade, romance entre outros). (AILTON AMÉLIO, 2001) Os adultos que tiveram relações de apego seguro com seus cuidadores tendem a relacionar-se de forma mais confiante e fácil com outras pessoas, sentemse confortáveis em depender ou ter quem dependa deles, não tem medo de serem abandonados ou de intimidade. Enquanto os que tiveram relação de apego ansioso-ambivalente tem uma necessidade e preocupação excessiva em suas relações, uma grande insegurança se são realmente amadas e um desejo de se fundir ao parceiro. Tal comportamento muitas vezes afugenta as pessoas. E por ultimo aqueles que tiveram relação de apego evitativo tem grande dificuldade em confiar e relacionar-se com os demais, ficam nervosos quando alguém se torna intimo deles e frequentemente seus parceiros se queixão desta falta de intimidade. 4. A TEORIA TRIANGULAR DO AMOR DE STERNBERG LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 139 A última teoria tratada em este trabalho é a triangular do amor de Sternberg que ao igual das teorias de Lee procura analisar e classificar o amor. Valdiney Veloso Gouveia e colaboradores em seu artigo ―Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna‖ publicado em 2009 afirma que tal teoria é mais atual, em sua pesquisa no ―google acadêmico‖ encontrou 77 citações de ―Love Attitude Scale‖ de Lee contra 155 de ―Escala Triangular do Amor‖ Sternberg. Sternberg, um psicólogo norte americano da universidade de Yale, foi o criador da teoria triangular de amor, a mesma é de grande importância e uma referência ao estudar as relações amorosas dos indivíduos. Em sua teoria idealizou o amor em uma separação de 3 componentes principais: intimidade, paixão e compromisso, colocadas nos pontos de um triangulo para melhor compreensão (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). A intimidade: colocada no topo do vértice do triangulo e sendo o componente dinâmico mais valioso, se refere a proximidade e aos laços emocionais entre os dois indivíduos, a mesma se encontra presente em totalidade nas relações que conseguem promover o bem estar do outro, compartilhar experiencias, o respeito mútuo, compreensão e manter-se juntos independente das dificuldades, compartilhar a vida e bens, dar e receber apoio emocional, verdadeiramente comunicar-se, e reconhecer do valor do indivíduo (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). Problemas em esta esfera tem consequências graves na relação sendo entre as razões mais comuns que provocam os casais a procurarem ajuda na psicoterapia (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). A Paixão: colocada no vértice esquerdo do triangulo e se refere a toda a movimentação que conduz ao romance, atração física e relações sexuais. Este é o componente que a experiencia de excitação e de ―estar apaixonado‖. Apesar da atração física e relações sexuais serem os componentes principais estes não necessariamente são os únicos, em alguns relacionamentos a afiliação, a dominância e a submissão, entre outros podem contribuir para a paixão (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). O compromisso: colocado no vértice direito do triangulo e é dividido em dois aspectos um a curto prazo que se refere a decisão de amar o outro. O a longo prazo se refere a decisão de manter este amor, tal componente é vital para conseguir um relacionamento duradouro (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Os três componentes mencionados (compromisso, paixão e intimidade) podem ser analisados de forma individual, porem formam uma figura incompleta, para se ter uma visão integral é necessário levar em conta o estado dinâmico de uma relação e a interação que existe dos componentes. Desta forma uma relação quando se termina não será a mesma que quando se começou e nunca igual a outra, esta será influenciada por diferentes fatores inclusive os próprios MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 140 componentes do amor, por exemplo, o aumento de um pode levar o aumento ou a modificação de outro. (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). Assim como a teoria de estilos de amor John Alan Lee, que categoriza os amores em 3 primários (Eros, Ludos e Estorge) e a soma destes forma estilos secundários (Mania, Pragma e Ágape), a teoria triangular de Sternberg não só propõe que cada componente de amor influencia o outro mas também que a combinação destes dá origem a outros tipos de amor, gerando sete tipos possíveis: Carinho, amor apaixonado, amor vazio, amor companheiro, amor ilusório, amor romântico e amor completo (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). Para uma melhor compreensão dos tipos de amor convidamos ao leitor que observe a figura 1 a seguir tirado, já mencionado, artigo ―Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna‖ de Valdiney Veloso Gouveia e colaboradores, pois esta mostra de forma visual e objetiva a posição dos componentes do amor e os tipos de amor procedentes da preferência ou soma de algum destes. Figura 1: Componentes básicos do amor e suas combinações Fonte: Sternberg (1997). Carinho: também chamado de ―gostar‖, tal tipo surge quando existe apenas o componente intimidade, é o tipo de amor presente em relacionamentos de amizade, onde se quer bem a outra pessoa, mas sem a existências de uma intensa paixão ou comprometimento a longo prazo. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Amor apaixonado: elemento paixão de forma isolada, se caracteriza por excitação mental e física e obsessão. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Amor vazio: elemento comprometimento de forma isolada, geralmente presente em relacionamentos de longo prazo, em que por alguma razão os demais LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 141 elementos já não fazem parte da relação (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Companheirismo: intimidade associado a compromisso, presente em relacionamentos de amizade a muito tempo e característico em casamentos em que a paixão (geralmente atração física) já declinou (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Amor Ilusório: paixão associado a compromisso, originados do ―amor à primeira vista‖, são instáveis e se a paixão acaba a relação se desfaz (MARTINSSILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Amor romântico: intimidade associado a paixão, em esta relação existe uma atração emocional e física mas sem uma importância com o comprometimento, ou seja qualquer problema que ponha em risco a duração da relação não é considerado deixados para ser lidados no futuro (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013). Amor completo: combinação plena dos três componentes, presente relacionamentos em que existe um equilíbrio dos 3 componentes. Podemos examinar o amor único de um indivíduo com a forma geométrica que se apresenta o seu triangulo, quanto maior a quantidade de amor maior será a área do triangulo. Esta característica permite que analisasse o tipo de amor, comparando com outros triângulos sendo estes tanto do mesmo sujeito (exemplos: triangulo real vs ideal, antes vs depois) quanto o de outras pessoas (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). Tal comparação é importante pois para que uma relação funcione os triângulos da dupla amorosa devem ser e modificar-se de forma similares. Todas as teorias mencionadas tem em comum que procuram compreender o sentimento e a forma de se relacionar dos indivíduos, tal preocupação surge não só pela curiosidade de entender a complexidade dos seres humanos, mas também pelo grande consequência que uma má ou falta de uma relação pode causar. O Instituto Integrado de Psicologia Bragança, em seu artigo "Os 8 Principais Motivos Para Ir Ao Psicólogo" levanta dados interessantes. Os 5 primeiros mencionados foram: 1.lidar com morte de queridos, 2. controle de estresse e ansiedade, 3. diagnosticar e tratar depressão, 4. problemas familiares e de relacionamento, 5. abandono hábitos prejudiciais e vícios. (IIPB - INSTITUTO INTEGRADO DE PSICOLOGIA BRAGANÇA. 2018) Tais motivos são mencionados de forma generalizada, porém cada indivíduo os vive de forma única, por exemplo a morte é diferente dependendo o grau de proximidade e a relação com que se tinha com a pessoa, o estresse e ansiedade aparecem magnitudes e razões diferentes e etc. Dos motivos MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 142 mencionados podemos relacionar problemas na esfera amorosa com vários, sendo os mais claros no ―controle de estresse e ansiedade‖, já que um problema nesta esfera pode causar ansiedade e estresse e no número 4 ―problemas familiares e de relacionamento‖ que diretamente menciona relacionamentos. Outra fonte de informação valiosa é a do ―Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística‖ (IBGE), um dos principais provedores de dados e informações do Brasil em diferentes esferas, este concluiu que em 2017 foram registrados 1.070.376 casamentos em todo o território nacional. O IBGE também é responsável pelo censo da população do Brasil, o último censo feito (2010) chegou ao número 190.755.799 de pessoas em todo o Brasil, sendo destas Amapá com 669 526, Roraima com 450.479 e Acre com 733.559. fica claro o tamanho do número de casamentos em 2017 ao compararmos estas duas informações, em 2017 casaram mais pessoas que a população em 2010 do estado do Acre, Roraima, Amapá. (IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.) Igualmente impressionante, porem este dado mais preocupante, é número de divórcios fornecidos pelo IBGE em 2017 que foram ―encerrados em 1ª instância, por natureza do processo, sentença proferida e regime de bens do casamento‖. Em todo o território nacional foram 298.676 divórcios, destes 195.223 foram consensuais, ou seja, feitos de forma amigável entre ambas as partes e 103.006 foram não-consensual, ou seja que uma das partes não concordaram com a separação. (IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.) Tal resultados demostra o quanto o assunto causa angustia no indivíduo é a importância dos estudos nesta área. Mais que um saber teórico estudar o amor é uma questão de saúde. Para isso existem diversos instrumentos de medição que podem ajudar a entender a relação do indivíduo e trabalhar problemas antes de ser tarde demais. 5. ESCALA TRIANGULAR DO AMOR DE STERNBERG REDUZIDA (ETAS-R) Vicente Cassepp-Borges e Luiz Pasquali em seu artigo ―A redução de itens como uma alternativa para a Escala Triangular do Amor‖ publicado em 2014 procuraram verificar a propriedade psicométrica da Escala Triangular do Amor de Sternberg Reduzida (ETAS-R), Borges explica que tal escala foi construída usando como base a ETAS (Escala Triangular do Amor de Sternberg) da qual é bastante utilizada no Brasil em diversos trabalhos psicométricos realizados por diversos pesquisadores, como por exemplo Cavalcanti (2007),Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz e Dória (2009) e Cassepp-Borges e Pasquali (2012), todos encontraram bons resultados, com itens com elevado nível de precisão. Mesmo com a alta confiabilidade do teste, diversos estudos tomaram a decisão de construir uma versão reduzida, motivados pela redução de tempo de aplicação e os resultados que demonstraram que a versão reduzida manteve um bom nível de precisão e pelo fato de que ―os itens da versão completa carregam em LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 143 mais de um fator‖ (BORGES,VICENTE CASSEPP; PASQUALI, LUIZ PASQUALI, 2014, p12). Nos estudos de Borges foram respondidos 1523 sujeitos em 13 estados brasileiros (Distrito Federal, estados de Goiás, Rondônia, Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina) sendo pelo menos 90% estudantes universitários, 1037 mulheres, 488 homens e um participante que nao informou o sexo. Com respeito ao estado civil da amostra: A maioria da amostra (n = 1165, 75.2%) estava solteira quando os dados foram coletados, seguidos por casados(as) (n =246, 15.9%), noivos(as) (n = 60, 3.9%), divorciados(as) (n = 34, 2.2%) e viúvos(as) (n = 4, 0.3%). Trinta e duas (2.1%) pessoas encontravam-se em outra situação, enquanto oito (0.5%) não responderam à questão escala (BORGES, VICENTE CASSEPP; PASQUALI, LUIZ PASQUALI, 2014, p12). Borges aplicou a todos os sujeitos a versão completa do ETAS que consiste em 45 itens, sendo 15 para cada um dos 3 componentes da teoria de Sternberg (intimidade, paixão e compromisso), porem foi analisado apenas 7 itens de intimidade, 7 de compromisso e 6 de paixão, com o objetivo de melhor conhecimento dos itens de ETAS e examinar qual seriam mantidos na versão reduzida. Os resultados demonstraram que a versão do ETAS-R utilizada por Borges, mantem a capacidade de discriminação e a informação total da escala, mesmo reduzindo o ETAS a apenas os itens simples. Os resultados que encontraram demonstram que o instrumento é de grande utilidade e uma boa opção para avaliar o amor requerendo menos tempo de aplicação e sendo mais simples que o completo. (BORGES, VICENTE CASSEPP; PASQUALI, LUIZ PASQUALI, 2014). 6. MARRIAGE AND RELATIONSHIPS QUESTIONNAIRE (MARQ) Priscilla Soares de França junto a Jean Carlos Natividade e Fívia de Araújo Lopes em seu artigo ―Evidências de Validade da Versão Brasileira da Escala Amor do Marriage and Relationships Questionnaire (MARQ)‖ publicado em 2016 procuraram apresentar evidencias validas e de forma precisa para a escala de amor do MARQ. Tal escala é pouco conhecida no Brasil e procura medir o amor romântico em casais com relacionamento estável e tem a qualidade que mede diferentes aspectos com um único questionário fornecendo uma visão ampla dos sentimentos, emoções e perspectivas de relacionamento de quem os responde. Para conseguir medir tantos aspectos o teste, em sua versão mais atual, possui 190 questões, sendo 180 fixas, um numero grande de perguntas sendo este um de seus pontos negativos, ainda mais se compararmos com outras escalas como a ETAS-R MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 144 mencionadas anteriormente com suas 20 questões. (FRANCA, PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016). Para sanar tal problema muitos pesquisadores tendem a trabalhar com partes do instrumento, com questões que medem questões específicos, podendo ser destacado a ―escala amor‖ que procura examinar o nível de vínculo emocional do indivíduo com o relacionamento amoroso. Priscilla Soares de França em seu articulo menciona o trabalho de Lucas C. A Wendorf que em 2011 apresentou evidencias de validade da ―escala amor‖ em três culturas diferentes (americanos, britânicos e turcos) (FRANCA, PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016). Priscilla Soares de França e colaboradores traduziram a prova, que originalmente em inglês, e sua pesquisa a aplicaram a uma amostra de conveniência de 176 adultos, declarados heterossexuais, a metade sendo mulheres e a outra homens, todos em um relacionamento amoroso estável. Sendo mais detalhado com a amostra se pode destacar as seguintes informações: Os participantes afirmaram estar vivendo com seus parceiros durante o período da coleta de dados, com o tempo de convivência variando de 0,25 (três meses) a 51 anos e nove meses (M = 17,0 anos; DP= 10,4 anos). Em média, a idade dos homens (M = 44,6 anos; DP = 11,0 anos) foi superior a das mulheres (M= 41,1 anos; DP = 9,85 anos), t(174) = 2,22; p = 0,028; d = 0,33. A escolaridade variou de ensino fundamental incompleto (1,7% dos participantes) a ensino superior completo (73,8% dos participantes) PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016, p235). Os resultados da aplicação demonstraram uma consistência interna de itens satisfatória o que sugere uma precisão do instrumento, e alguns resultados esperados e explicado por teorias como por exemplo correlação negativa entre o vinculo emocional e a idade e tempo de relacionamento que pode ser explicado pelas teorias de Helen Fisher que sugerem que as pessoas tendem a se apaixonar por pessoas diferentes a cada ciclo reprodutivo (FRANCA, PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016). Outro resultado encontrado e esperado foi o de uma correlação positiva entre a satisfação sexual entre os parceiros e a proximidade entre eles com o nível de amor romântico. O Que também está de acordo com as teorias de Fisher mencionado no artigo de França. Um dos principais problemas encontrados por França e colaboradores em sua pesquisa foi a falta de estudos e dados da escala MARQ na população brasileira, porem seus achados, apesar de serem feitos com uma amostra de conveniência, dão indícios de confiabilidade e seu trabalho pode ser o primeiro passo sendo mais pesquisas necessárias com a população brasileira. 7. EXPERIENCES IN CLOSE RELATIONSHIP SCALE – REDUZIDA (ECR-R) LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 145 Jean Carlos Natividade e Victor Kenji Medeiros Shiramizu em seu artigo ―Uma medida de apego: versão brasileira da Experiences in Close Relationship Scale – Reduzida (ECR-R-Brasil)‖ publicado em 2015, procuraram evidências de validade para a versão reduzida do teste ECR na população brasileira. O ECR foi criado em 1998 por Brennan, Clark e Shaver e serve como instrumento de medição para o tipo de apego conforme suas relações com parceiros românticos. Para isso consta com 36 itens formados com analises de fatoriais com resultados consistentes e adequados. (NATIVIDADE, JEAN CARLOS; SHIRAMIZU, VICTOR KENJI MEDEIROS, 2015) Porem para alguns pesquisadores, como Wei, Russell, Mallinckrodt e Vogel, 36 itens é um teste muito extenso o que os levaram a desenvolver em 2007 uma versão reduzida para ser respondida mais rápida e diversos contextos. Assim surgiu ECR-Short (ECR-S), com 12 itens e ―adequados índices de ajuste à estrutura de dois fatores e consistência interna satisfatória para as duas dimensões‖ (NATIVIDADE, JEAN CARLOS; SHIRAMIZU, VICTOR KENJI MEDEIROS, 2015, p485). Foi justamente está escala que Jean Carlos Natividade e Victor Kenji Medeiros Shiramizu, para a formulação de seu artigo já mencionado, aplicaram a 4.879 brasileiros de todas as regiões do país (Sul com 52,7%; Sudeste com 23,9%; região Nordeste com 12,9%; Centro-Oeste com 5,5%; Norte 3,6%; o restante 1,4% estavam fora do país) tendo a média de idade foi de 27,8 anos, sendo 66% do sexo feminino. Sua aplicação foi feito por meio um questionário disponível na internet que além do teste continha questões sociodemográficos, orientação sexual e de nível de desejabilidade. Após a coleta de dados foi desconsiderado as amostras que responderam de forma errado ou claramente falseada, em seguida analisado os componentes principais do ECR-R Brasil. Os resultados demostraram uma satisfatória evidencia de validade, após da retirada de 2 itens considerados problemáticos na analise exploratória, contando no final com 10 itens (5 apego ansioso, 5 evitativo). 8. ESCALA DE AVALIAÇÃO DA AMOROSOS (AQUARELA- R) QUALIDADE DOS RELACIONAMENTOS Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia em seu artigo ―Desenvolvimento de uma Medida Multidimensional para Avaliação de Qualidade em Relacionamentos Românticos – Aquarela-R‖ publicado em 2012, procurou desenvolver e validar a ―Aquarela-R‖ uma escala muito diferente a maioria mencionadas em este trabalho, isso pois ao invés de procurar medir as qualidades ou características de um indivíduo tal escala mede a qualidade do relacionamento especifico em que o casal se encontra, para isso contem 46 itens avaliado cinco MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 146 dimensões: (a) comprometimento, (b) intimidade, (c) amor, (d) relacionamento sexual, (e) comunicação. Tal escala foi criada utilizando adaptando as ―escalas de diferencia semântica‖, que utiliza adjetivos e qualificadores para caracterizar e descrever as propriedades do que se procura medir. No caso do ―Aquarela-R‖ procurasse descrever aspectos ligados a desejabilidade que o relacionamento possui para o indivíduo. A versão final de tal teste contem ―46 itens interpolados por adjetivos opostos e sete intervalos‖ (ANDRADE, ALEXSANDRO LUIZ DE; GARCIA, AGNALDO, 2012, p638). Para a validação, Alexsandro Luiz De Andrade nos conta em seu artigo que utilizou uma amostra de 388 participantes encontrados em locais públicos das cidades de Vitória e Porto Alegre, destes 211 do sexo masculino, com uma idade média de 28,2 anos. Junto ao teste foi aplicado um questionário demográfico, além de outras medidas psicométricas já validades para melhor compreender sua amostra e comprovar a validade de sua escala. Os resultados foram analisados e a medida final apresentou resultados consistentes com os resultados das outras escalas aplicadas junto ao ―Aquarela-R‖. Ao final de seu artigo, Alexsandro Luiz De Andrade, menciona que como próximo passo pretende fazer novos estudos com uma amostra mais abrangente e feito em mais lugares no Brasil, procurando demostrar mais a eficácia da escala com o objetivo de ser usada no futuro não só no âmbito de pesquisa mas como em processos de investigação clinica e tratamentos de psicoterapias individual e de casais. 9. RELATIONSHIP ASSESSMENT SCALE (RELAS) Iguala ao ―Aquarela-R‖ tal escala tambem procura medir o nível de satisfação do individuo ou casal no relacionamento, porem para isso consta com apenas 7 itens estruturados em uma escala Likert variando de 1 a 7. Em 1988 estudos feitos nos Estados Unidos demostrou um bom nível de consistência e Vicente Cassepp-Borges e Luiz Pasquali em seu artigo ―Características psicométricas da Relationship Assessment Scale‖ publicado em 2011, procurou aplicar e validar tal prova a população brasileira. Ao contrário da pesquisa de Alexsandro Luiz De Andrade da escala ―Aquarela-R‖, apresentados em este trabalho, a amostra usada por Vicente Cassepp-Borges e Luiz Pasquali foi muito maior e de vários lugares do Brasil. Foram 1549 participantes, sendo destes 500 mulheres, a média de idade foi de 25,17 anos, e os dados foram coletados em doze estados brasileiros e do Distrito Federal. Junto ao teste foi aplicado um questionário de perguntas demográficas e informações sobre o tipo e o tempo de relacionamento dos participantes. LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 147 Os resultados encontrados demostraram ―RelAS‖ que, apesar de sua simplicidade, tem boa precisão e é um o instrumento útil para avaliar a satisfação nos relacionamentos inclusive no Brasil. 10. LOVE STYLES SCALE (LAS - BRA) Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia em seu artigo ―Escala de Crenças sobre Amor Romântico: Indicadores de Validade e Precisão‖ publicado em 2014, procurou adaptar a ―Love Styles Scale – LAS‖ para uma versão Brasileira, tal escala foi originalmente criada por Hendrick e Hendrick em 1986 tendo em base as teorias de Alan Lee categorizando o estilo de amor do individuo nas seis dimensões de sua teoria (Eros, Storge, Ludus, Mania, Pragma e Agape). A versão final ―LAS-Bra‖ desenvolvida por Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia, contou com um total de 37 itens dos 70 estruturados para serem avaliados. Estes itens foram distribuídos nas 6 dimensões da teoria de Lee (Agape com 7 itens, Ludus 5, Eros 7, Pragma 7, Storge 5, Mania 6) e foi aplicado para sua validação a 1530 pessoas, sendo 660 homens e das 4 das 5 regiões do Brasil. Os resultados da pesquisa da versão ―LAS-Bra‖ de Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia como um instrumento de precisão e confiabilidade tendo um coeficiente de confiabilidade mais elevado e uma maior estabilidade de resultados que as adaptações anteriores da escala. 11. CONCLUSÃO As diversas escalas validadas a população brasileira nos últimos 10 anos demonstram o quanto medir o amor é de interesse não só a população internacional como a brasileira, o trabalho destes pesquisadores é vital procurarmos entender, medir e qualificar um aspecto tão importante para o ser humano e sua saúde mental. Cada escala citada neste artigo apresentou características únicas que as tornam uteis dependendo dos recursos, objetivo e enfoque escolhido. Saber a resposta as respostas as perguntas ―para que?‖ e ―como?‖ são vitais para uma escolha assertiva. Por exemplo se objetivo é categorizar os estilos de amor podemos escolher a escala baseada na teoria base desejada, ―ETAS-R‖ criada com base a ―teoria triangular do amor de Sternberg‖, LAS-Bra com ―estilos de amor John Alan Lee‖, ECR-R com a ―Teoria de apego de John Bowlby‖. ―MARQ‖ também é uma possível escolha para categorizar, porem apesar de bons resultados na população norte americana faltam estudos com amostras significativas para confirmar a confiabilidade na população brasileira. Agora se o objetivo é examinar a qualidade da relação do indivíduo ou casal podemos utilizar ―RelAS‖ a ou até mesmo a ―Aquarela-R‖, porem está última MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 148 por ser nova ainda falta estudos com amostras mais significativas para uma maior certeza de sua confiabilidade. Tambem podemos fazer uma escolha levando em conta a quantidade de itens de cada questão, pois quanto maior a quantidade mais difícil é para que os sujeitos em pesquisa respondam de forma completa e sincera. A mais curta para medir a qualidade da relação seria a ―RelAS‖ com 7 contra a ―Aquarela- R‖ com 46. Para categorizar o amor a mais curta seria ―ECR-R‖ com 36, seguido de ―LAS - Bra‖ com 37, ETAS-R com 45 e, por último, MARQ com 180 itens. Estes são apenas alguns pontos que podemos considerar para uma boa escolha de qual escala utilizar, outro detalhe importante é a necessidade de manter-se atento as atualizações, pois este é um tema de interesse de vários pesquisadores que trabalham para melhorar os instrumentos existentes ou criar novos para a população brasileira com alto grau de confiabilidade que é essencial se desejarmos aproveitar todo o seu potencial tanto no âmbito de pesquisa ou dentro de um consultório psicológico. REFERENCIAS ANDRADE, Alexsandro Luiz De; GARCIA, Agnaldo. Desenvolvimento de uma medida multidimensional para avaliação de qualidade em relacionamentos românticos - Aquarela-R. Psicolia Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 25, n. 4, p. 634643, 2012. BORGES,Vicente Cassepp; PASQUALI, Luiz Pasquali. A redução de itens como uma alternativa para a Escala Triangular do Amor, Revista da Associação Portuguesa de Psicologia, Portugal, p11-22, 2014. BORGES,Vicente Cassepp; PASQUALI, Luiz Pasquali. Características psicométricas da Relationship Assessment Scale, Psico-USF, São Paulo, p255-264, 2011. FRANCA, Priscilla Soares de; NATIVIDADE, Jean Carlos; LOPES, Fívia de Araújo. Evidências de Validade da Versão Brasileira da Escala Amor do Marriage and Relationships Questionnaire (MARQ), Psico-USF, Itatiba, p. 233-244, 2016. GOUVEIA, Valdiney Veloso; FONSECA, Patrícia Nunes da; CAVALCANTI, Jane Palmeira Nóbrega. Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna, Estudos de Psicologia, Paraíba, p. 31-39, 2009. SILVA, Ailton A. O mapa do amor: tudo o que você queria saber sobre o amor e ninguém sabia responder. São Paulo: Gente, 2001. NATIVIDADE, Jean Carlos; SHIRAMIZU, Victor Kenji Medeiros. Uma medida de apego: versão brasileira da Experiences in Close Relationship Scale - Reduzida (ECR-R-Brasil). Psicologia USP, São Paulo , v. 26, n. 3, p. 484-494, dez. 2015 MARTINS-SILVA, Priscilla de Oliveira; TRINDADE, Zeidi Araujo; SILVA JUNIOR, LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 149 Annor da. Teorias Sobre o Amor no Campo da Psicologia Social. Psicologia: Ciência e Profissão, Espírito Santo, p.16-31, 2013. IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/pt/inicio.html.> . acesso em: 19/03/2019. IIPB – INSTITUTO INTEGRADO DE PSICOLOGIA BRAGANÇA, disponível em: https://iipb.com.br/psicoterapia-individual/os-8-principais-motivos-para-ir-aopsicologo/, Acessado em: 08/04/2019 MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos relacionamentos amorosos – pp. 135-149 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 150 O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de caso Karla Cristina Cintra Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Lara Coviello Mendes de Campos Graduanda em Medicina – Uni-FACEF [email protected] Raquel Rangel Cesario Medicina – Uni-FACEF [email protected] 1. INTRODUÇÃO O alcoolismo, que vem a ser um grande problema social, é visto como uma toxicomania pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o conceitua como: Um estado psíquico e algumas vezes também físico, resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância, caracterizado por um comportamento e outras reações que incluem sempre compulsão para ingerir a droga, de forma contínua ou periódica, com a finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e às vezes para evitar o desconforto de sua abstinência. A tolerância pode existir ou faltar e o indivíduo pode ser dependente de mais de uma droga (OLIVEIRA; LUIS, 1997). O presente relato traz uma análise da relação entre o álcool e sua interferência em todos os contextos sociais, seja no trabalho, no relacionamento com os familiares e nos recorrentes atendimentos médicos, desencadeados pela dependência. Esse vício surge quando o indivíduo opta por não cessar o uso, preferindo os efeitos psíquicos proporcionados pela droga. O consumo de álcool parece ser o hábito social mais antigo e disseminado entre as populações, pois ele está associado a ritos religiosos e lhe é atribuída uma variedade de efeitos, tais como calmante, afrodisíaco, estimulante do apetite, desinibidor e outros (...). Somente a partir do século XX, foram realizados estudos mais sistematizados, voltando-se para os problemas que o consumo de álcool vem ocasionando às populações (...). O alcoolismo é um dos principais problemas de saúde pública no mundo, e não apresenta um padrão homogêneo no seu quadro clínico, evolução e fatores etiológicos (SILVA, 2018). Com base nessa descrição, julgamos que o estudo com um único paciente não foi um fator limitante, mas sim de uma condição muito rica, uma vez que foi possível determinar os efeitos do vício de drogas ilícitas na saúde mental. A CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 151 ausência de uma clínica psiquiátrica seletiva para determinadas condições mentais favoreceu o entendimento do alcoolismo como uma síndrome, e não uma doença isolada. Além disso, discutimos a forte relação do paciente com uma precoce apresentação e estímulo ao uso de álcool pela família. O alcoolismo é a dependência do indivíduo ao álcool, considerada doença pela OMS. O uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas alcoólicas pode comprometer seriamente o bom funcionamento do organismo, levando a consequências irreversíveis (BVSMS, 2004). Além disso, é sabido que o álcool é uma substância psicoativa, com capacidade de produzir alterações no funcionamento do sistema nervoso central, podendo modificar o comportamento dos indivíduos que dela fazem uso. 2. DESCRIÇÃO DO CASO Rafael (nome fictício), sexo masculino, 25 anos de idade, agnóstico, natural e procedente de Franca - SP, tabagista e etilista há nove anos – alcóolatra declarado há três anos. Relata que esta é sua sétima internação nos últimos três anos, todas por consequência do alcoolismo. Nesse último episódio, há 15 dias, a internação foi de caráter involuntário no Hospital Psiquiátrico Allan Kardec devido ao abuso de álcool e perda da consciência. No prontuário constam atitudes suicidas e agressivas à integridade pessoal e coletiva, fato que motivou a família a levá-lo à instituição de maneira compulsória. Mas durante a entrevista, o paciente nega ser agressivo e ter realizado tentativas de autoextermínio. O entrevistado conta que o início do vício foi insidioso e nega fatores predisponentes, mas fala sobre ter um mau convívio com a família e gostar da sensação que a bebida traz. Comenta, ainda, que no começo do uso o álcool não interferia tanto em sua rotina, mas com o tempo, passou a prejudicá-lo no emprego e no convívio social. Hoje, ele compreende o malefício causado por sua condição, todavia prioriza o prazer que o vício lhe proporciona. Além do álcool, cuja preferência é a pinga, o entrevistado cita que faz uso de outras drogas, como maconha e cocaína, entretanto nega que essas substâncias lhe causem dependência ou perda de consciência. De acordo com seu prontuário, Rafael está sob terapia medicamentosa prescrita pela equipe médica da clínica: Valproato de Sódio (250mg, três vezes ao dia), Risperidona (2mg, uma vez ao dia) e Diazepam (5 mg, uma vez ao dia). O paciente insiste que terá alta hospitalar no dia de hoje (27 de março de 2019) e será referenciado ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) de Franca - SP. Em relação ao histórico pessoal, o paciente passou por um procedimento cirúrgico devido à trauma na sétima vértebra cervical, em decorrência de acidente em motocicleta (sem relação com o vício), não sabe informar quando. Na infância teve um episódio de varicela. Relata ganho de peso devido à oferta de O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de caso – pp. 150-158 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 152 comidas pela instituição, relacionando à má alimentação quando não internado, mesmo assim mantém um bom índice de massa corporal. Devido à sua ocupação de entregador de comida por aplicativo de celular ele trabalha durante a noite, dorme cerca de sete horas durante o dia – ou mais quando faz uso de álcool. O hábito intestinal é ―normal‖ (não aplicada escala de Bristol). Seu nascimento foi por parto cesárea, e relata ter tido crescimento em estatura tardio em relação aos colegas. No histórico familiar, Rafael tem pais vivos, uma irmã e um irmão, todos com profissão na área da educação. Por exceção do pai, todos os outros possuem vícios, seja no álcool, tabaco ou maconha – segundo relato do paciente. De forma geral, a interação com os familiares é ruim, motivo pelo qual ele residia na casa de um amigo, até o momento da internação. Após a penúltima internação, o paciente fez acompanhamento com médico psiquiatra, mas refere não ter aderido ao tratamento devido aos efeitos colaterais dos fármacos, principalmente a sonolência. 2.1. Exame do estado mental Paciente lúcido, cooperativo, bem-humorado e desconfiado durante a entrevista. Normovigil e normotenaz, memória remota e recente preservada. Boa orientação auto e alopsíquica. Normotímico, afeto modulado e coerente. Pensamento em curso normal, forma organizada e lógica, conteúdo grandioso e sem alterações no discurso. Normobúlico e em exercício de suas atividades diárias normais. Tem crítica e noção da doença, mas não tem motivação para cessar. Apresenta idade cronológica condizente com a aparência; boa saúde, boa vestimenta e cuidados pessoais preservados. Ausência de deformidades ou peculiaridades físicas. Nega preocupações excessivas com ordem, limpeza, pontualidade. Relata ser bem humorado. Tem capacidade de expressar os sentimentos levemente comprometida; alto nível de desconfiança. Capacidade para executar planos e projetos presente. Refere conseguir lidar com as situações quando pressionado. À entrevista, possui mudanças de personalidade. 2.2. Hipóteses diagnósticas de acordo com o prontuário  CID F19.5 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas.  CID 31.9 – Transtorno afetivo bipolar não especificado.  CID 60.3 – Transtorno de personalidade com instabilidade emocional. 3. DISCUSSÃO CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 153 Este relato é resultado de uma atividade prática in loco proposta pela Unidade Curricular Interação em Saúde na Comunidade 3 (IESC), em que foi solicitado realizar uma entrevista em grupo, com descrição inicial unificada, mas discussão e conclusão individual. Na transcrição do relato para este capítulo de livro, optou-se por manter explicitamente a contribuição de cada uma das autoras discentes na discussão e conclusão do caso. 3.1. Karla Cristina Cintra A saúde mental nada mais é que o equilíbrio emocional entre o patrimônio interno e as exigências ou vivências externas e está relacionada com a capacidade de relacionar-se bem com os outros (relações interpessoais). Tendo em vista que os espaços fundamentais de relacionamento são a família, os amigos e o ambiente de trabalho, esses devem ser alvo de ações abrangentes em saúde mental, tendo como foco a prevenção a comportamentos de riscos e a promoção em saúde mental (MORAIS et al, 2012). Tendo em vista a definição de saúde mental, pode-se observar o primeiro obstáculo enfrentado pelo paciente entrevistado: suas relações interpessoais. Quando questionado sobre seu relacionamento com a família, relatou que não tem problemas, mas durante a conversa foi possível observar que tem uma intensa dificuldade em se relacionar com os pais desde sua adolescência, fato que deve ser abordado no seu plano terapêutico, pois diversos estudos comprovam que as relações familiares são fundamentais para o sucesso de uma recuperação. Atualmente mora com um amigo da família, com o qual não tem uma relação muito bem definida e não tem uma convivência frequente com os pais. Em um certo momento perguntamos quais são as pessoas que tem como apoio nos momentos de dificuldade e com quem ele compartilha as questões da sua vida pessoal e, segundo ele, a sua moto é quem o escuta e lhe faz companhia. As únicas pessoas com quem têm contato mais próximo são as pessoas do trabalho, mas que não conversam sobre a vida pessoal de cada um. Sendo assim foi possível identificar um grande obstáculo para sua recuperação, a falha quanto a pessoas que poderiam colaborar e apoiá-lo no dia-a-dia. Os fatores de risco para uso abusivo de álcool incluem início precoce do uso, influência da mídia, relacionamento conturbado com os pais, uso por membro da família, abuso sexual, violência doméstica, baixa autoestima, curiosidade, pressão de colegas, entre outros (ROZIN; ZAGONEL, 2012). Sendo assim, o paciente entrevistado possui vários fatores de risco ao abuso de álcool e outras substâncias, o que foi essencial para desencadear o transtorno psicótico. Grande parte destes fatores de risco são modificáveis, pois não se trata de questões genéticas e sim, sociais. Dessa forma, é essencial que em seu O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de caso – pp. 150-158 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 154 projeto terapêutico se pense em redes de apoio que possam de alguma maneira suprir ou ao menos colaborar na questão social e emocional, que são fundamentais. Tem-se uma grande dificuldade na definição do diagnóstico, pois as comorbidades psiquiátricas podem interferir na identificação do uso abusivo de substâncias e vice-versa (FERNANDES et al, 2017). O Anexo A mostra um estudo feito na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP), que coletou dados de atendimentos de urgência relacionados ao consumo de álcool. O diagnóstico que apresentou maior número de casos atendidos foi o 303 (Síndrome de Dependência Alcoólica), com um total de 576 atendimentos. A seguir vem o diagnóstico 291 (Psicose Alcoólica), com um total de 379 casos. Somando-se os diagnósticos relacionados ao álcool, tem-se um total de 1.082 casos; sendo assim, esse grupo passa a ocupar o segundo lugar como principal diagnóstico, ou seja, 20% de todos os atendimentos são referentes ao consumo abusivo de álcool (OLIVEIRA; LUIS, 1996). Por fim, o paciente tem registrado em seu prontuário alguns possíveis diagnósticos, o principal seria o transtorno psicótico por abuso de substâncias, mas também transtorno de personalidade com instabilidade emocional. 3.2. Lara Coviello Mendes de Campos A priori, o caso trouxe dúvidas quanto ao diagnóstico, oscilando entre quadro psicótico e transtorno relacionado ao álcool. Para mim, a maior dificuldade é devido ao álcool ser critério de exclusão de outras afecções no DSM-V. A forma como foi a atual internação (intoxicação por uso de álcool) e a literatura se mostram favoráveis ao diagnóstico de transtorno relacionado ao álcool e transtorno psicótico devido ao álcool com alucinações. Para sustentar essa hipótese, tem-se a epidemiologia (homem e perfil ansioso), tentativa de suicídio relacionada à deficiência de apoio psicossocial e morar sozinho (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Na história do caso, confirmo minha hipótese diagnóstica também pelo encaminhamento ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (inclusive devido à recorrência do número de internações e relato do paciente negar sucesso em parar com o vício sozinho), início insidioso durante a adolescência e provável predisposição genética – visto que a mãe e o irmão também são etilistas (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Em relação à rotina, o paciente relatou o alívio do estresse após o uso de álcool em alguns momentos, confirmando a teoria psicológica e psicodinâmica do transtorno relacionado ao álcool; uma vez que tal ato reduz os efeitos de dor psicológica devido à má convivência com a família, por exemplo (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Em alguns momentos, Rafael parecia ter um superego, mas nenhum antecedente pessoal, seja ele traumático ou não, foi extraído durante a entrevista. A CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 155 criação em um ambiente estimulante ao uso de álcool pode ter sido um efeito predisponente, uma vez que em vários momentos, o entrevistado lembrou de seu pai ―com uma lata na mão‖, embora não o considerasse etilista (confirmando a teoria psicossocial do transtorno relacionado ao álcool). Há um risco 3 a 4 vezes maior em desenvolver o alcoolismo quando se tem parentes próximos alcoólatras (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Rafael possui alguns dos critérios para transtorno por uso de substância, segundo SADOCK; SADOCK; RUIZ (2017): Comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestados por pelo menos dois dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses: 1. Uso recorrente da substância, resultando no fracasso em desempenhar papéis relevantes no trabalho, na escola ou em casa. 2. Uso recorrente da substância em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física. 3. Uso continuado da substância apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos. 4. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para atingir a intoxicação ou o efeito desejado. b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade da substância. 5. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: a. Síndrome de abstinência característica da substância. b. A mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. 6. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido. 7. Existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância. 8. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância, na sua utilização ou na recuperação de seus efeitos. 9. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância. 10.O uso da substância é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância. 11.Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar uma substância específica. O anexo B traz um modelo esquemático no formato de fluxograma, relacionando os antecedentes sociais e individuais ao uso de drogas. Julgo importante ressaltar a necessidade do estudo de caso ser singular e sustentada pela literatura. Quando analisamos o caso de Rafael, entendemos sua dinâmica familiar (predisposição, má relação e incentivo desde adolescente ao uso) e relacionamos sua profissão noturna ao vício e às mudanças na personalidade – superego, conteúdo grandioso e atitude desconfiada. 4. CONCLUSÃO O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de caso – pp. 150-158 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 156 4.1. Karla Cristina Cintra A história clínica colhida e o prontuário foram essenciais para construção de um raciocínio clínico. O prontuário é fundamental pois inclui a visão de vários profissionais e em situações distintas, como também a evolução do paciente. E a história clínica enriquece não só o raciocínio como também nossa prática relacionada à saúde mental, visto que é uma área muito misteriosa que cada caso é um mundo extraordinário, cheio de individualidades. O paciente, que estava em regime de internação, seria encaminhado ao CAPS-AD para seguimento de seu tratamento, mas será fundamental enfocar a visão do usuário e reconhecê-lo como ator social envolvido no sistema, pois já houve tentativas de tratamentos anteriores, sem adesão. É fundamental buscar pilares sociais que colaborem com o seu projeto terapêutico, principalmente a família, visto que essa relação, quando positiva, é produtora de saúde mental. 4.2. Lara Coviello Mendes de Campos Por fim, concluo que a hipótese diagnóstica mais provável seja que o paciente apresente transtorno relacionado ao álcool. A atitude da instituição em referenciá-lo para o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas é correta, uma vez que permite a ressocialização e reinserção do indivíduo, fazendo com que ele entenda seu vício como tratável na sociedade, e não como uma enfermidade que necessita de cuidados mais hospitalares. Nesse novo tratamento, ele terá oportunidade de fazer oficinas terapêuticas e passar por consultas na psicologia e psiquiatria. Além disso, terá um plano de tratamento, o projeto terapêutico singular, que atenderá às suas necessidades e limitações. Nesse projeto, elaborado por profissionais da área da saúde juntamente com familiares do indivíduo em questão, estabelecem-se metas de curto, médio e longo prazo, reavaliadas constantemente. Há o cuidado de sempre protagonizar o paciente, na tentativa de gerar um empoderamento e potencializar as mudanças propostas. REFERÊNCIAS BVSMS, Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Alcoolismo. Dicas em saúde [Site na Internet] 2004. Acesso em 10 de abril de 2019. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/58alcoolismo.html. FERNANDES, Márcia Astrês et al. Transtornos mentais e comportamentais por uso de substâncias psicoativas em hospital psiquiátrico. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. 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ANEXO B Fonte: SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virginia A.; RUIZ, Pedro, 2017. CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 159 OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE Caroline Roza de Carvalho Leandro Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Bruna Braganholo Veloso Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Irma Helena Ferreira Benate Bomfim Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO Conhecida por se tratar de uma terapia voltada para a criança, a Ludoterapia traz vário fatores e consequências para o desenvolvimento infantil. Sabe-se que ela tem impactos importantes no desenvolvimento emocional, cognitivo social e comportamental do indivíduo por meio do brincar, é através dessa técnica que a criança consegue se comunicar com o mundo a sua volta, pois, muitas vezes, não ainda não tem sua fala desenvolvida completamente, sendo o brincar sua forma de linguagem, expressando seus sentimentos e emoções de forma descontraída e eficaz. A Ludoterapia na vertente da psicanálise vem com o propósito da escuta do sujeito inconsciente através do brincar, buscando a elaboração de fatores conflitivos da criança que influenciam seus processos individuais e sociais, sendo a partir do brincar que as crianças lidam e expressam suas angustias e ansiedades. Ou seja, o lúdico nesta vertente tem como foco a dominação da criança sobre algo que toma a maior parte de sua energia psíquica e lhe causa sofrimento. O objetivo é investigar as possíveis formas lúdicas e como esta é trabalhada internamente, ou seja, seus impactos e sua eficácia na visão da psicanálise e como elas influenciam no desenvolvimento infantil. A metodologia utilizada é de uma revisão bibliográfica crítica por meio de artigos científicos, livros e sites sobre os respectivos assuntos. 2. LUDOTERAPIA PELA VISÃO PSICANALÍTICA Um dos primeiros relatos da teoria psicanalítica aplicada em crianças foi por Freud com o caso do pequeno Hans, através desse episódio foi possível demonstrar que o método pode ser aplicado em crianças com alguns ajustes na teoria voltada ao adulto. Silva e Santos (2008), destacam que Freud havia mencionado que a criança é psicologicamente diferente do adulto, já que não OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE – p. 159-167 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 160 possuem o Superego estruturado, sendo assim, postulava que as resistências internas ficam substituídas na criança por dificuldades externas. Apesar disso, a psicoterapia aplicada na criança só ganhou força com os pós-freudianos, onde as teorias de Freud passam a ser usadas como base para as futuras teorias, já que foi dada a importância da brincadeira no desenvolvimento das crianças sendo uma das primeiras funções desenvolvidas, iniciando-se assim o olhar para o desenvolvimento emocional e social da criança, portanto ―um método de funcionamento empregado pelo aparelho mental em uma de suas primeiras atividades normais" (Freud, 1920/1996, p. 24.). O brinquedo deixa de ser um objeto neutro e passa a ser uma forma de representação da criança no processo ludoterapeutico. A psicanálise pontua que é simbolizando, falando e representando os conteúdos que a perturbaram que criança estrutura e amadurece sua estrutura psíquica, passando a compreender e se conscientizar das situações, ideias e relações objetais. De acordo com Winnicott (1975, p.59), a psicoterapia é feita a partir da sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta, e trata-se de duas pessoas que brincam juntas. O brincar é por si mesmo uma terapia e pode até prescindir da interpretação verbal. O papel do analista é o de sustentar este brincar do paciente, no espaço e tempo construídos transferencialmente. Contudo o brincar como instrumento psicoterápico não carrega uma hierarquia entre terapeuta e paciente, mas sim uma igualdade de papeis entre os dois para que seja possível uma comunicação livre que leve em conta a importância da criança e respeite sua capacidade de interpretação e expressão por meio do brincar. Neste mesmo contexto, corrobora Ferro (1995, p.80) ― é somente a presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o jogo seja plenamente transformador de angústias‖, ou seja, é a partir da presença de um terapeuta com capacidade de guiar e mediar a brincadeira que se torna possível a transferência das angustias, medos e ansiedades da criança para o brincar, pois o brincar é sua linguagem, uma forma encontrada de se comunicar com sua realidade interior e o mundo exterior do indivíduo em seus primeiros anos de vida. A Ludoterapia na vertente da psicanálise é um instrumento que visa o acesso ao inconsciente da criança, assim como a técnica é utilizada em adultos através da associação livre por meio da verbalização, para alcançar seu objetivo modifica-se o instrumento inserindo a brincadeira e os brinquedos para a terapia voltada a criança, pois nem sempre a capacidade de verbalizar da criança está completamente desenvolvida, afirmando Melanie Klein (1926/1996) que é por meio do brincar ou expressões artísticas que a criança se comunica com o mundo. Diatkine (2007) reconhece que a criança se expressa brincando, mas que ainda sim o discurso é tão analisável quanto o composto por palavras nas associações livres de um paciente adulto. Contudo, a ludoterapia é um processo de ressignificação, onde a criança, junto ao terapeuta inicia uma construção de significados e sentidos dos eventos e das relações humanas até então vivenciadas. LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 161 A Psicanálise infantil tem como seu instrumento principal a voz da escuta e a sabedoria da interpretação, assim como é de suma importância na Ludoterapia a existência de uma caixa de brinquedos, onde nas primeiras sessões cada criança escolhe, entre variados materiais e brinquedos, o que irá compor sua caixa lúdica individual que futuramente e inconscientemente será o fator a ser observado e analisado pelo terapeuta. Desta mesma forma a análise de crianças pequenas tem mostrado os variados significados que um único brinquedo pode ter ou um único segmento de uma brincadeira, sendo apenas possível interpretar o seu significado quando consideramos suas conexões mais amplas e a situação analítica em que se inserem. (Klein, 1932/1997, pp. 27-28) Ainda, segundo Vygotsky (1991), a brincadeira é uma situação imaginária desenvolvida pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia, satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade, desta forma a principal proposta da Ludoterapia na vertente da psicanálise é deixar a criança livre para se expressar da forma que quiser, provavelmente brincando, e é através disso que as crianças expressam suas fantasias reprimidas, desejos, angustias e ansiedades, presentes em seu inconsciente. Winnicott (1942) em seu trabalho ―Por que as crianças brincam?‖ apresenta algumas motivações da atividade lúdica para buscar prazer, para expressar agressão, controlar ansiedades, estabelecer contatos sociais, realizar a integração da personalidade, para a comunicação com as pessoas, entre outros. Com isso, utro fator importante a ser considerado são as brincadeiras em grupo, onde a criança aprende também a conviver em grupo, estimulando um senso de cooperação, desenvolvendo sentimentos de afeto, respeito e empatia desde já, ela aprende então, de forma saudável a conviver e, sobretudo, a ser. Segundo Melanie Klein (1997), ao brincar, a criança pode representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias e expressar seus conflitos inconscientes procurando superar experiências desagradáveis. Ou seja, as brincadeiras de modo geral proporcionam uma entrada para o universo infantil, instigando não só a curiosidade, mas a autonomia, e logo, a autoconfiança. Auxiliando no desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção, fazendo com que ela se comunique e seja compreendida mais facilmente. Em suma, de forma lúdica a criança acelera seu desenvolvimento. 3. DESENVOLVIMENTO INFANTIL PELA VISÃO DA PSICANÁLISE O famoso psicanalista Sigmund Freud postulou que o desenvolvimento infantil ocorre por meio de quatro estágios psicossexuais. Freud ainda postula que as fases não ocorrem necessariamente uma após a outra, podem ocorrer simultaneamente, além disso não há um período certo de início entre as fases, mesmo que em suas obras ele cite idades correspondentes. Tais fases estão ligadas às necessidades da criança, que, quando corretamente satisfeitas geram um OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE – p. 159-167 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 162 desenvolvimento saudável e estável, caracterizado pela possibilidade do indivíduo se colocar de forma verdadeira e criativa no mundo (Winnicott, 1975). Em seus estudos defendeu que a sexualidade vem desde o nascimento da criança, considerando natural no desenvolvimento a masturbação, ereção, que muitas vezes são considerados errados no meio social. Além disso, ressalta que esses processos vão evoluindo de acordo com o desenvolvimento do indivíduo, mas que muitas vezes são reprimidos por causar espanto na sociedade. Neste mesmo contexto Freud ressalta: Mas, agora sim, estou realmente certo do espanto dos ouvintes: ―existe então- perguntarão- uma sexualidade infantil?‖ ―A infância não é, ao contrário, o período da vida marcado pela ausência do instinto sexual?‖ Não meus senhores. Não é verdade certamente que o instinto sexual, na puberdade, entre no indivíduo como, segundo o Evangelho, os demônios nos porcos. A criança possui, desde o princípio, o instinto e as atividades sexuais. Ela os traz consigo para o mundo, e deles provêm, através de uma evolução rica de etapas, a chamada sexualidade normal do adulto. Não são difíceis de observar as manifestações da atividade sexual infantil; ao contrário, deixa-las passar desapercebidos ou incompreendidas é que é preciso considerar- se grave‖ (FREUD, 1970, p.39) O primeiro estágio considerado por Freud (1905/1996) é denominado de Oral, ocorrendo do nascimento até aproximadamente um ano e meio, sendo a boca a principal fonte de interação do bebê, onde o ato de mamar, a sucção é de extrema importância, sendo a alimentação a primeira fonte de prazer do indivíduo e o seio o seu primeiro objeto de ligação afetiva. Na segunda fase, a anal, o foco da libido está no controle dos esfíncteres, sobre o ato de defecar, sendo nesta fase onde a criança começa a lidar com frustações, do desejo de satisfazer suas necessidades corporais, acontecendo por volta do segundo ano de vida. Hall e Lindzey (1984) afirmam que modo como à criança é educada e a forma como a mãe encara as situações de defecar pode produzir nas crianças efeitos que dizem respeito com a formação de valores da criança. Em seguida, a fase fálica, marcada pela curiosidade e descoberta dos órgãos genitais. Este estágio é marcado pelo complexo de Édipo, onde os meninos passam a ver seus pais como ―rivais‖ devido ao forte afeto com a mãe, tendo desejo de possui-la, tomando o lugar de seu próprio pai. Tendo também o complexo de Electra, que seria a inveja das meninas por não terem pênis. De acordo com Freud (1900, p. 261) ―apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do acervo de impulsos psíquicos que se formam nessa época‖. Antes do último estágio há o período chamado de latência, onde a energia sexual (libido) fica suprimida, ou seja, o investimento libidinal deixa de ter objetivos sexuais, sendo direcionada para outras funções. Por último ocorre à fase LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 163 genital, marcada pelas relações sexuais, é onde ocorre o amadurecimento fisiológico de sistemas hormonais e dos interesses sexuais. Como visto, pelo olhar psicanalítico o desenvolvimento infantil tem início desde o seu nascimento, através de suas relações objetais, onde o bebe nasce com seu ego não estruturado e esta estrutura vai depender e ser feita pela mãe. Por isso o amparo psíquico da figura materna é de extrema importância para a organização psíquica e constituição do eu da criança. Para Klein (apud ROZA, 1993) a problemática da criança não é algo que depende das suas relações com o ambiente, mas é o produto da sua própria constituição interna. Portanto, a constituição psíquica é um processo pelo qual o bebê precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. E essa constituição só será possível se suas necessidades forem suficientemente cumpridas, ou seja, se ocorrer muitas falhas, como por exemplo, o bebê passar fome, ficar sujo ou receber pouco afeto, o seu desenvolvimento ficará comprometido. Podemos então dizer, que é através da organização psicológica desenvolvida do relacionamento com a mãe a criança conquista a capacidade de se relacionar com o resto do mundo dos objetos humanos. Freud ainda considerava a existência de estruturas da personalidade, sendo elas o Id, Ego e Superego, cada uma dessas estruturas eram responsáveis por uma parte que posteriormente estariam ligadas à forma como o sujeito se relacionaria com o mundo externo, determinantes no comportamento humano. De forma resumida, o Id é considerado inato do sujeito, composto por instintos e impulsos de ordem pulsional conduzidos pelo ―princípio do prazer‖. Sendo uma estrutura inconsciente, agindo totalmente em função da satisfação imediata de seus desejos, por meio da libido, não levando em consideração a realidade ética, valores e morais. O Ego tem como principal objetivo controlar e mediar a relação Id com o mundo externo, buscando o equilíbrio. Ainda, considera a realidade sofrendo influência do contato do indivíduo com o mundo, é regido pelo ―princípio da realidade‖ levando em consideração as normas éticas existentes. Já o Superego, podemos dizer que atua de forma contrária ao Id, pois é considerado componente moral e social, levando em conta os valores culturais e hereditários, fazendo julgamentos objetivando barrar os impulsos que são contra as regras éticas da sociedade, usando da punição por meio da culpa e da inibição dos instintos. Assim, é de grande importância que um indivíduo possua as três estruturas em equilíbrio para que seja considerada uma personalidade saudável. 4. LUDOTERAPIA PARA O DESENVOLVIMENTE INFANTIL: IMPACTOS E CONSEQUÊNCIAS A Ludoterapia, conhecida pelo método terapêutico através do brincar, tem finalidade de promover, manter ou reestabelecer o bem-estar psicológico e a OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE – p. 159-167 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 164 saúde mental do sujeito. De início é preciso que se estabeleça um ambiente de confiança, de aceitação e compreensão entre o psicólogo e o indivíduo, para que assim a criança adquira confiança necessária e suficiente para conseguir se expressar de forma livre, o que consequentemente leva ao surgimento de empatia pelo ludoterapeuta. Um dos impactos da Ludoterapia é que, a criança fica ativa em todo o seu processo lúdico, fazendo com que esta adquira coragem para se tornar uma pessoa mais madura e independente, principalmente no quesito de conseguir expressar suas próprias emoções. Esta responsabilidade que a criança adquire com a ludoterapia faz com que seja capaz de fixar suas ações mais perfeitamente e concretamente. É através das brincadeiras que as crianças conseguem desenvolver seu agir no mundo, sua autonomia e sua criatividade. De acordo com Winnicott (1975): É a brincadeira que é universal e que é a própria saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia. (p. 63). Outra consequência importante da terapia do brincar é que conforme a brincadeira a criança cria a possibilidade de pensar sua realidade de forma criativa, trazendo novas linguagens e interpretações sobre o mundo, auxiliando no desenvolvimento do raciocínio, imaginação, criatividade e atenção. Portanto, sabese então que, por meio da brincadeira a criança deixa a imaginação e os sentimentos livres, o que torna possível a expressão de experiências desagradáveis, fazendo com que ela tenha um mínimo de controle sobre os eventos passados, sendo por meio desse processo terapêutico que a criança lida e enfrenta seus medos, angustias e frustrações, aprendendo como lidar com elas, de forma que aprendam a controlá-las ou até mesmo deixa-las ou abandona-las, percebendo que é um indivíduo autônomo e que é natural, aceitável e saudável sentir as emoções vividas. Ainda, dependendo da situação atual que a criança se encontra, sendo marcada por uma mudança drástica na rotina ou por um evento traumático, é extremamente importante que ela tenha o brincar como um possível recurso de entendimento interno, já que por meio da Ludoterapia ela consegue lidar da melhor forma possível com sua vivência, entendendo o que há de novo em seu contexto, e consequentemente, elaborar seus conflitos, para que esta consiga continuar se desenvolvimento de forma saudável, aprendendo também a elaborar suas perdas para que essas não influenciem de forma tão negativa seu desenvolvimento, ou seja, a criança utiliza-se da linguagem proporcionada devido ao brincar para apreender novas situações, elaborando psiquicamente vivências de seu cotidiano e possíveis conflitos internos. LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 165 Por meio do brincar que o indivíduo começa a nascer psiquicamente, devido à sua exploração e contato com o mundo, tomando noção de si mesmo e muitas vezes recriando experiências agradáveis e desagradáveis que serão trabalhadas pela terapia infantil na psicanálise, sendo vista por Winnicott (1982, p.163) como ―a brincadeira fornece uma grande organização para a iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais‖. A Ludoterapia é de grande importância na socialização da criança, pois permite que ela aprenda a partilhar, cooperar em meio a grupos, comunicar-se com o outro, formar relações inter-pessoais, desenvolver valores e morais, até mesmo construir respeito por si e no outro, formando sua auto-estima, contudo ajuda no desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Neolácio afirma que: Ela permite que a criança se expresse de uma forma a se fazer ouvida e faz com ela crie opiniões sobre si e sobre o mundo social ao seu redor. O desenvolvimento da criança ocorre por meio de um processo que envolve uma rede de relações sociais, isto é, acontece em um contexto em que a criança é colocada com outras crianças o tempo todo (NEOLÁCIO, 2013, p.107) Em suma, vimos que o lúdico auxilia no aparecimento de sentimentos e pensamentos que estavam inconscientes através de cada comportamento que a criança expressa na hora de brincar, por meio do faz de conta, utilizando de suas fantasias colocando tudo de si na brincadeira, o que faz com que ocorra mudanças dentro de sua vida psíquica, social e cognitiva. Reafirmado por Furtado e Lima: Assim, brincar não é apenas distração, é muito mais importante para o desenvolvimento físico, mental, emocional e social do que poderia parecer a primeira vista. Para a criança é a atividade mais espontânea, natural e prazerosa, por isso até o seu próprio corpo pode se objeto lúdico. (FURTADO E LIMA, 1999, p.367) Portanto a Ludoterapia não é utilizada apenas para tratamento dos indivíduos, com queixas pontuadas, mas também como uma forma de prevenção por meio da ―descarga‖ de tensão, angústias, medos e inseguranças pela brincadeira, já que são nos brinquedos que se projeta o que posteriormente um dia pode vir a ser um processo de adoecimento psicológico e físico. É por meio dela que também se entende as modificações de comportamentos, as relações afetivas e sociais, e seus conflitos, logo, possível sofrimento psicológico que a criança sofreu e reprimiu, poderá ser então elaborado pela Ludoterapia, já que esta precisará expressar seus desejos, ansiedades e frustrações para que continue se desenvolvimento de forma saudável. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste artigo é a apresentação de uma revisão bibliográfica sobre as contribuições do processo de Ludoterapia para a criança, fazendo um adendo ao conceito de Ludoterapia na abordagem psicanalítica e a visão da mesma OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE – p. 159-167 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 166 no desenvolvimento infantil por meio dos estágios psicossexuais de Freud, constatando seus impactos e consequências. A Ludoterapia é de extrema importância para o desenvolvimento da criança, é a forma mais saudável de elaboração de temáticas conflituosas, pois o brincar ajudará a expressão da criança tomar forma por meio do faz-de-conta e imaginação, passando o que sente através dos brinquedos. Por tal análise lúdica, é possível avaliar todos os tipos de aspectos, emocionais, afetivos, sociais e familiares, influenciando também no auto-conhecimento da criança, de maneira que ela se torna capaz de identificar se uma situação é negativa ou positiva para seu mundo interior, sendo capaz de representar e/ou simbolizar as mesmas. Observando que a melhor maneira de conseguir e dar continuidade ao desenvolvimento é através da brincadeira, onde ela descarregará sua tensão, podendo diminuir a sua ansiedade e reorganizar seus sentimentos, sendo capaz de entender o que se passa dentro dela e de elaboração das situações. Entendemos que as crianças normalmente aderem tranquilamente ao processo ludoterápico, gerando uma melhora na comunicação e consequentemente nas relações interpessoais, além de estimular e ampliar a sua criatividade e imaginação, o que posteriormente será de grande importância para o desenvolvimento de seu pensamento concreto, abstrato e racional. Por meio deste artigo será possível a compreensão e o conhecimento básico a respeito da Ludoterapia, além de suas contribuições junto à abordagem da Psicanálise, com o intuito de destacar essa linha terapeuta através do brincar, já que foi constatado com o presente artigo que é uma das formas mais saudáveis da criança elaborar seus conteúdos conflitivos e se desenvolver após eventos traumáticos, já que na infância o indivíduo ainda não consegue, na maioria das vezes, se expressar livremente, colocando e constatando suas angustias e ansiedades, assim o brincar é o principal instrumento a ser analisado pelo ludoterapeuta psicanalítico. REFERÊNCIAS DIATKINE, R. As linguagens da criança e a psicanálise. Ide (São Paulo), São Paulo, v. 30, n. 45, p. 35-44, dez. 2007. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010131062007000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 02 abril 2019. FERRO, A. A técnica na Psicanálise infantil. Tradução Mercia Justum. 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(Trabalho original publicado em 1942; respeitando-se a classificação de Huljmand, temos 1942b) OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO DA PSICANÁLISE – p. 159-167 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 168 REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS Clara Cunha Procopio Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Isabela Duzzi Cintra Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Stefânia Gonçalves Stefani Silva Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF Sofia Muniz Alves Gracioli Psicologia – Uni-FACEF 1. INTRODUÇÃO O papel da mulher sempre foi visto de forma inferior ao homem devido a uma cultura patriarcal em que o homem tinha total controle sobre os direitos de escolha, sendo uma delas a incapacidade de escolher até seu parceiro amoroso. Com o inicio dos movimentos feministas as mulheres conquistaram alguns direitos como o de votar, trabalhar fora de casa e de escolher com quem queria se relacionar. Além disso, outro passo importante foi quando Maria da Penha, uma mulher que foi agredida durante anos por seu parceiro, foi reconhecida e ouvida dando inicio a uma lei que punia atos de violência contra a mulher. O avanço da tecnologia foi um dos aspectos que ajudaram a mulher a conhecer pessoas através de aplicativos de relacionamentos dando a autonomia e liberdade de querer ou não se relacionar com alguém. Porém, com todos os benefícios que os aplicativos oferecem existem grandes riscos para a vida das mulheres. Há casos em que homens usam o aplicativo na intenção de seduzir e enganar mulheres, causando violência física ou psicológica. A escolha do tema do artigo surgiu através dos grandes números de casos que vem ocorrendo na atualidade, como exemplo, em 2019 a mulher que foi espancada por horas por um homem que havia conhecido no Tinder há oito meses, entre outros casos que causaram tanto desespero da sociedade. Nesse contexto, percebe-se que o objetivo é revisar as consequências do uso dos aplicativos de relacionamentos na vida das mulheres nos dias atuais, quais impactos na vida social e profissional. A metodologia do presente artigo é uma revisão bibliográfica crítica, com uso de artigos científicos e livros na área. 2. O PAPEL SOCIOCULTURAL DA MULHER DESDE A ANTIGUIDADE PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 169 Escrever sobre a mulher diz muito a respeito da história geral. Na idade média, por exemplo, era muito utilizado os conceitos cristãos onde predominava o aspecto patriarcal, na qual, suas atividades se resumiam em cuidar de seu lar e de seus filhos. Rousseau (GASPARI, 2003, p. 29) detinha um discurso de que a educação feminina deveria ser restrita ao doméstico, pois, segundo ele, elas não deveriam ir em busca do saber, considerado contrário à sua natureza. Essa sociedade que lutava tanto por liberdade passou a exigir que as mulheres fizessem parte dela, mas como mães, guardiãs dos costumes, e como seres dispostos a servir o homem. Perante essa situação, o homem era considerado superior e provedor de todas as ações e necessidades da mulher. Com toda essa submissão a mulher acabava tendo seus direitos básicos negados e sua imagem inferiorizada por ser obrigada a aceitar abusos sexuais de seus próprios maridos, aliás, era de extrema importância satisfazer todos os desejos daquele que obtinha total poder na relação. Para Lipovetsky (1997), a mulher não é vista como autônoma, mesmo sendo mãe, dona de casa e ainda trabalhar fora, ela vive para agradar outras pessoas e isso já é o suficiente para sua existência. Sobretudo, muitos fatores influenciaram para tais mudanças, assim como o amor que passou ser um aspecto essencial na construção romântica do casal, a fidelidade, e as juras de eternidade, no qual deu inicio um novo significado de casamento. Nesse contexto, a mulher já tinha ganhado o direito de trabalhar fora de casa, de dividir as atividades e de escolha sobre ter filhos ou não, mesmo que ainda há dificuldade de aceitação na atualidade por parte do homem. A inserção da mulher no mercado de trabalho foi um grande salto para que conseguisse autonomia sobre suas vontades e se tornasse, finalmente, dona de si mesmo. Segundo Hoffmann e Leone (2004), A partir da década de 70 as mulheres especialmente jovens, solteiras e pouco escolarizadas começaram a ter espaço nas atividades econômicas brasileiras, em um contexto onde começa a aceleração do processo de industrialização e urbanização. Na sociedade contemporânea os relacionamentos amorosos tomaram outro caminho em consequência também do avanço da tecnologia. Atualmente, as mulheres podem estabelecer relações apenas momentâneas e além disso, a internet diminuiu os encontros pessoalmente, os sonhos utópicos de amor perfeito ficaram no passado. Com isso, pode-se dizer que os aplicativos de relacionamentos cada vez mais conseguem seus espaços quando se trata desse assunto. Porém, deve-se considerar os riscos que essas mudanças podem proporcionar. De acordo com Bauman (2004) os aplicativos de relacionamentos evidencia o lado individualista de cada usuário, por apenas terem o objetivo de usar as pessoas para saciar seus desejos momentâneos, assim como um item de consumo, ressaltando também o aspecto consumista. REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS – p. 168-176 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 170 A favor disso, mulheres acabam sendo terrivelmente violentadas por homens que acreditam que elas são objetos descartáveis, se passam por uma pessoa nos aplicativos de relacionamento e esconde seu verdadeiro ‗‘eu‘‘, o que prejudica fortemente em todos os aspectos da vida da mulher. 3. AS CONSEQUENCIAS SOCIAIS E AMOROSAS DAS MULHERES AO LONGO DO TEMPO Antigamente as mulheres tinham seus direitos reprimidos, não podendo expressar, opinar ou manifestar diante tanta desigualdade gênero, realizar qualquer atividade voltada para si, tendo sempre que prezar pelas vontades e necessidades da sociedade machista e preconceituosa. Após tanto sofrimento marcado pela história, as mulheres começaram reivindicar por seus direitos tanto sócias como civis e políticos e a enfrentar as autoridades masculinas, que impunha e controlava suas atividades. Assim, nasceu o movimento feminista no século XX nos Estados Unidos e na Europa. De acordo com Silva e Miranda (2002) o movimento feminista surgiu na intenção de libertar a mulher da ordem patriarcal e da desigualdade de gênero, buscando direitos igualitários e mais humanos, a fim de inclui-las nas atividades econômicas, sociais e politicas, uma busca por seus direitos básicos. A partir disso a mulher busca mudar a história, dando origem ao sufrágio feminino, isto é, a luta pelo direito de votar, que ocorreu em diversos países, mas que teve inicio na Inglaterra nas ultimas décadas do século XIX. No Brasil foi aprovado em 24 de fevereiro de 1932, logo após a manifestação das sufragistas brasileiras. Posteriormente, a mulher conquistou novos espaços na sociedade como o direito de estudar, que anteriormente a educação escolar da mulher não representava importância, devido à preocupação ser o casamento, na qual a mulher teria que aprender serem sempre obedientes ao homem, tendo sua educação voltada as tarefas doméstica, sendo preparada desde criança para torna-se a mulher submissa do lar. Segundo Guimarães (2006-2010) as mulheres assumem duplas mensagens a de ser independentes financeiramente e ser responsável por cuidar do lar e dos filhos, enquanto os homens são educados para ser independente. Durante a Primeira Guerra Mundial a mulher conquista um avanço no mercado de trabalho, como substituta do homem, assumindo um papel que antes era privado e exclusivo aos homens. Considerando a opinião de Jablonski (2013) as mulheres mesmo depois das mudanças de pode assumir o seu trabalho ainda continua sendo a esposa, dona de casa, mãe que assumi o papel profissional. Decorrente dos conflitos causados pela guerra a mulher passa trabalhar dentro e fora de casa, por meio disso a busca pela sua independência, autonomia e os seus direitos financeiros, fez com que a mulher não tivesse a sua liberdade tão restrita pelo homem. PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 171 Outro aspecto importante, foi o direito de escolha do divorcio, visto que antigamente a mulher não possuía alternativa de separação, sendo obrigada a continuar convivendo com uma pessoa que não amava e que na maioria das vezes a maltratava, causando violência física e psicológica, pois desde a escolha do parceiro para o casamento, era o pai da mulher que decidiu por si, o homem se referia como ―bom partido‖. Dessa forma, a mulher se encontrava em lugar de inferioridade feminina sobre a influencia da família patriarcal. Como afirma BiasoliAlves (2000, p. 64) ―existia uma preocupação com relação ao futuro da moça e a necessidade de arranjar um marido que fosse considerado um bom partido, ou seja, que pudesse assumir o papel de provedor‖. Na modernidade, o homem passa a valorizar os relacionamentos amorosos, isto é, se casar com alguém por amor, uma concepção que passou por mudanças ao longo dos anos, pois, em tempos antigos a mulher não teria o direito de escolher seu parceiro amoroso, uma noção que estava sempre relacionada ao casamento e procriação. Para Lins (2010) o amor torna sinônimo de felicidade e uma meta a se alcançar. Com isso, o amor passar a ser interpretado de outra forma do que a sociedade estava acostumada. Atualmente, observa-se que a mulher passa a decidir por si com quem gostaria de se relacionar. Segundo Almeida, Levandowski e Palma (2008) com a diversidade de espaços e posições determinada as mulheres possibilitou na liberdade de escolha, até mesmo na esfera amorosa. Juntamente com o avanço da tecnologia os relacionamentos amorosos passou explorar novas formas de se comunicação por meio de aplicativos de relacionamentos, o que facilitou na busca pelo parceiro. Em consequência da luta feminista, surgi à aprovação das medidas protetivas, que visa eliminar todas as formas de preconceito e violência domestica causada contra a mulher, como a Lei Maria da Penha (Lei nº11.340/2006), que durante um longo processo de luta, entrou em vigor 7 de agosto de 2006, quando Maria da Penha Maia Fernandes procurou pela justiça, após sofrer violência domestica pelo seu marido, que atento a matar duas vezes com um tiro que a deixou paraplégica e depois foi mantida em cárcere privado sendo torturada por eletrocussão. Segundo a Constituição Federal a Lei do Feminicídio trata-se de um crime de ódio e sentimento de posse sobre a condição de ser mulher em que o homem envolve tortura, discriminação, menosprezo até causar homicídio (BRASIL, 2015). Entretanto, o caminho percorrido para as conquistas de seus direitos exigiu muito combate e sacrifício, na qual mulheres ficaram conhecidas por suas lutas, como Joana D‘Arc, Nísia Floresta, Simone de Beauvoir, Bertha Lutz entre diversas outras. Mas, com todo avanço a mulher ainda não se liberto da sociedade machistas nos tempos atuais. REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS – p. 168-176 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 172 4. TECNOLOGIA, APLICATIVOS DE RELACIONAMENTOS E MULHERES NOS DIAS ATUAIS O uso da tecnologia nos últimos tempos tem crescido drasticamente, apesar da grande desigualdade de acessibilidade da mesma por todo o mundo. De acordo com estudos publicados pelo we are social e o de hootsuite em 2018, o número de pessoas que fazem o uso da internet ao redor do mundo chegou a 4 bilhões, e desse número, os internautas que fazem uso de alguma rede social chegou a 3.196 bilhões de pessoas. Na mesma pesquisa realizada, o brasil aparece com uma porcentagem 68% da distribuição da internet pelo mundo e com um dado de crescimento médio anual de usuários de redes sociais de 7%. No mesmo site foi feita uma pesquisa para se analisar quanto tempo uma pessoa gasta por dia na internet o brasil aparece em terceiro lugar, com em média nove horas e quatorze minutos, ficando atrás somente da Tailândia e da Filipinas com diferença mínima nos minutos. Segundo pesquisas publicadas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (cetic.br), site que monitora o acesso e uso de computador, internet e dispositivos moveis, mostra que no ano de 2014, o número de brasileiros que usufruem da internet pelo telefone celular é de em média 20%, os que a utilizam pelo computador é de 24% e também há pessoas que fazem seu uso de ambos equipamentos que são em média 56% da população. O surgimento da tecnologia se dá a partir do surgimento de computadores, que segundo Leitão e Nicolaci-da-Costa (2000) pode ser dividida em três períodos, o primeiro é com o surgimento dos computadores no Estados Unidos para o uso de militares, o segundo é quando surge os microcomputadores para o uso mais domésticos e já o terceiro é a internet presente na atualidade. Segundo campos (2004), os surgimentos dos computadores usado pelos militares se dá entre 1940 e 1960, com o principal objetivo de os conectar com seus departamentos de pesquisas, o que era uma precaução de possíveis ataques. De acordo com Leitão e Nicolaci- da-Costa (2000), a partir de 1970, começa a procura de uma forma de adaptação dos computadores, para que eles possam começar a ser comercializados, porém é só na década de 90 que ultrapassa a barreira de uso somente de militares e chega ao mercado. A partir da grande alcance que a fabricação que esses computadores atingem, surge consigo a internet e com ela surgem também as redes sociais. Com a ajuda de toda globalização, vários aspectos da vida humana passou a ser realizada por meio desta, amizades passou ser feita por meio da mesma, o sentimento de gostar, passou a ser feito a partir da troca de ―likes‖, e um dos aspectos que houve uma mudança muito drástica foi na área de relacionamento amorosos. De acordo com Schelp (2009), ele diz como é fácil administrar a vasta de amigos, que não são muito próximos, por que todos estão ao alcance de um PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 173 ―clique‖. Hoje em dia as amizades são numerosas, devido a facilidade de encontrar as pessoas nas redes sociais, porem elas não são muito intimas. Com todo esse avanço, surge programas que permite calcular a o quão compatível um indivíduo e com o outro, hoje em dia há uma vasta opção de aplicativos ou de sites de relacionamento que permite o encontro com seu ―par ideal‖. Há várias opções como C-date, Happn, A outra metade, Divino Amor e Grindr. No entanto o que mais se destacou e ganhou um grande número de usuários é o Tinder. O tinder foi criado nos Estados Unidos em 2012, porem ele chegou no Brasil somente em 2013. O seu serviço está disponível em mais de 190 países, sendo o Brasil o terceiro pais com mais número de usuário na plataforma no mundo. O primeiro pais com mais usuários é o Estados Unidos, seguido do Reino Unido. Ele pode ser baixado pelos telefones celulares, que permite o uso da App Store ou por meio do Google Play. Neste aplicativo o indivíduo permite que se use sua localização via GPS, o que permite o encontro de pessoas que moram perto da pessoa e que ela possa se interessar. Durante o cadastro no aplicativo, a pessoa determina a faixa etária de pessoas com quem deseja se relacionar, o sexo e a distância que a pessoa se encontra. Segundo Dela Coleta, (2008), apud Guimaraes, (2002), ele diz que pelos ―chats‖ há a possibilidade de interação com o mundo, e que é uma forma de conhecer pessoas e ampliar os relacionamentos pessoais. Os sites de relacionamento ajuda os internautas no quesito de assuntos sexuais e sentimentais. Os bate papos, promove uma facilidade maior na hora do contato afetivo, principalmente para pessoas inseguras ou que tenham dificuldade de socializar. De acordo com Campos (2009), essa forma de relacionamento virtual rompe o padrão dos relacionamentos presenciais, que podem ser motivadas por várias causas, há pessoas que utilizam na intenção de atender necessidade natural, como conhecer pessoas; outras a utilizam como forma de afastar a solidão ou preencher alguma carência afetiva. Segundo Guimaraes (2000), ele diz que essas relações podem ir desde o aspecto normal até o patológico, dependendo da forma que o indivíduo usa a mesma, seja um uso de forma narcísica, ou seja, de uma forma perversa ou com a intenção de evadir da realidade externa ou interna, conforme a subjetividade inerente de cada ser humano. As mulheres são as vítimas mais suscetíveis a sofrer com esse lado negativo do relacionamento virtual. Como citado nos tópicos anteriores, as mulheres conquistaram vários direitos, no entanto com a cultura ainda muito patriarcal, o homem ainda acha que tem controle sobre as mulheres. Alguns homens entram nesses sites ou aplicativas com a intenção de causar alguma forma de violência contra as mulheres, seja ela física, verbal ou até mesmo psicológica. REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS – p. 168-176 Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 174 Um caso mais recente que ocorreu, e que foi um dos motivos do começo desse estudo, foi o de uma mulher de cinquenta e cinco anos, que conversava a oito meses com um moço mais jovem, de vinte e sete anos, pelo aplicativo Tinder, eles marcaram de se encontrar pela primeira vez na casa da vítima, quando eles foram dormir ele a espancou durante um período de quatro horas. Ela foi encontrada pelo zelador do prédio com o rosto todo desfigurado. Apesar de todas as ferramentas que o aplicativo oferece, caso a pessoa com quem você esteja comece a se mostrar uma pessoa inconveniente, mesmo como o fato de você poder bloqueá-la como também desfazer o ―match‖, há ainda muitos riscos, pois não temos a garantia de que a pessoa por traz da foto e do perfil seja realmente ela. E isso, principalmente para as mulheres pode trazer danos muito grandes, até mesmo perigo para a sua vida, como ameaças, violência física ou psicológica, chegando até na tentativa de morte. Elas também podem ter sua intimidade violada, quando o ocorre algum crime virtual, como, por exemplo, a exposição de fotos intima da vítima, e isso é algo que vai ter grande impacto sobre a vida tanto pessoal, quanto social da vítima. No quesito pessoal, isso pode prejudicar na formação de relações intimas, já no quesito social pode prejudicar por parte de julgamentos que grande parte da sociedade ainda faz, culpando as vítimas pelo ocorrido. E como já foi falada uma das explicações para todos esses riscos enfrentados pelas mulheres seria ainda um quesito cultural onde o homem ainda se sente no direito de ferir ou fazer algo com a mulher por acreditar que exerce algum domínio sobre ela e pôr a imagem da mulher ainda ser vista como submissa ao homem. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo teve como objetivo revisar as consequências do uso dos aplicativos de relacionamentos na vida das mulheres nos dias atuais e os impactos na sua vida social. A partir do nosso tema chegamos ao consenso de que as mulheres conseguiram um grande avanço, levando em consideração séculos passados como citados no estudo, mas que ainda há grande risco quando a mulher se expõe frente a relacionamentos. As dificuldades encontradas durante a pesquisa foi à busca de referência bibliográfica de acordo com o tema de investigação dos impactos do uso de aplicativos de relacionamento na vida das mulheres. Com isso, consideramos necessário que haja mais apoio psicológico para mulheres que sofrem abuso tanto na internet como na vida real também, além disso, promover campanhas para conscientizar os riscos e alertar as mulheres sobre os perigos futuros do uso dos aplicativos de relacionamentos. PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 175 A partir da realização desse artigo podem-se desenvolver pesquisas com temas relacionados com a mulher e a cultura machista que ainda é muito predominante na atualidade e que tem relação direta com os comportamentos de violência contra a mulher, e a partir de mais artigos com temas parecidos pode ser que sirvam de impulso para que haja uma mudança sociocultural. REFERENCIAS BRASIL. Constituição (2015). Lei do Feminicídio nº 13.104, de 09 de março de 2015. Presidência da Republica. Brasília: Planalto, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 26 de maio de 2019. CASSAB, Latif.A ; OLIVEIRA, Lais P. Rodrigues de. O Movimento Feminista: algumas considerações bibliográficas. Apucarana: Campus de Apucarana (UNESPAR), 2012. 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PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves Psicologia e Transformação ISBN: 978-85-5453-016-7 177 ÍNDICE A Ana Beatriz Fernandes, 27 Ana Carolina Garcia Braz Trovão, 27, 51, 102, 119 Ana Lúcia Furquim Campos Toscano, 89 B BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate, 35 C Carolline Gabrielle Campos de Souza, 51 CINTRA, Lauany Barbosa, 35, 69, 78, 126, 159, 168 D Dênis Morgão Sertório, 27 G Giulia Scarela Mourani, 107 GRACIOLI, Sofia Muniz Alves, 35, 69, 78, 126, 135, 159, 168 I Ianka Procopio Cabral, 107 J Julia dos Reis Moraes, 102, 119 K Karla Cristina Cintra, 150 L Lara Junqueira Gomes, 107 Lara Sawan Cunha, 102, 119 Lindsay Amanda Rodrigues, 89 Lucas Rodrigues, 89 M Marcelo Toffano, 8 Maria Eduarda Lemos de Oliveira, 102 Maria Julia Goulart, 107 Maria Paula Piassi Brasileiro, 102 Mariana de Lima Santos, 51 Murillo E. Ravagnani Siqueira Martins, 8 N Natália Jácomo Auad, 51 R Rafaella Ribeiro de Figueiredo, 27 RAMOS, Ana Carolina De Souza, 35 Raquel Rangel Cesario, 150 S Sara Barros Patrocínio, 119 Sofia Muniz Alves Gracioli, 58, 107, 135 Sofia Rodrigues de França Roland, 58 T Talita Gabriela Santros Nascimento, 89 V Vinicius Batista Silva, 119 Y Yanca Araujo Polastrini, 58 Lara Coviello Mendes de Campos, 150 Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8 Psicologia e Transformação ISBN VOLUME ISBN: 978-85-5453-016-7 178 ISBN COLEÇÃO PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves