Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
ISBN VOLUME
ISBN COLEÇÃO
Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira
Daniel Facciolo Pires
Marinês Santana Justo Smith
Sílvia Regina Viel
Welton Roberto Silva (org.)
PSICOLOGIA E TRANSFORMAÇÃO
ISBN 978-85-5453-016-7
FRANCA
Uni-FACEF
2019
Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8
Psicologia e Transformação
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Corpo Diretivo
REITOR
Prof. Dr. José Alfredo de Pádua Guerra
VICE-REITOR
Prof. Dr. Alfredo José Machado Neto
PRÓ-REITORA DE ADMINISTRAÇÃO
Profª. Drª. Melissa Franchini Cavalcanti Bandos
PRÓ-REITORA ACADÊMICA
Profª Drª Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira
PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO, CULTURA E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Profª. Ma. Flávia Haddad França
PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO e COORDENADOR DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Prof. Dr. Sílvio Carvalho Neto
COORDENADOR DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
Prof. Dr. Paulo de Tarso Oliveira
COORDENADORA PEDAGÓGICA
Profª Drª Edna Maria Campanhol
COORDENADORA DE MARKETING
Profª Ma. Alba V. Penteado Orsolini
ASSESSOR JURÍDICO
Prof. Me. Paulo Sérgio Moreira Guedine
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
Prof. Me. Cyro de Almeida Durigan
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS
Prof. Me. Orivaldo Donzelli
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
Profª. Ma. Ana Tereza Jacinto Teixeira
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – Publicidade e Propaganda
Prof. Ma. Fúlvia Nassif Jorge Facuri
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENFERMAGEM
Profª. Drª. Lívia Maria Lopes
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL
Prof. Me. Anderson Fabrício Mendes
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Profª. Ma. June Tabah
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE LETRAS
Profª Drª Ana Lúcia Furquim de Campos-Toscano
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE MATEMÁTICA
Prof. Drª Sílvia Regina Viel
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE MEDICINA
Profª Dr. Frederico Alonso Sabino de Freitas
CHEFE DE DEPARTAMENTO DO CURSO DE PSICOLOGIA
Profª Drª Maria de Fátima Aveiro Colares
CHEFE DE DEPARTAMENTOS DOS CURSOS DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, ENGENHARIA DE SOFTWARE e
CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
Prof. Dr. Daniel F. Pires
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Comissão Científica
Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira (Uni-FACEF)
Daniela de Figueiredo Ribeiro (Uni-FACEF)
Melissa F. Cavalcanti Bandos (Uni-FACEF)
Bárbara Fadel (Uni-FACEF)
Sílvia Regina Viel (Uni-FACEF)
Marinês Santana Justo Smith (Uni-FACEF)
Ana Lúcia Furquim Campos-Toscano (Uni-FACEF)
Daniel F. Pires (Uni-FACEF)
Sílvio Carvalho Neto (Uni-FACEF)
Emerson Rasera (UFU)
Renato Garcia de Castro (UNICAMP)
Pedro Geraldo Tosi (UNESP)
Vânia de Fátima Martino (UNESP)
Comissão Organizadora
José Alfredo de Pádua Guerra
Alfredo José Machado Neto
Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira
Melissa Franchini Cavalcanti Bandos
Sílvio Carvalho Neto
Marinês Santana Justo Smith
Sílvia Regina Viel
Welton Roberto Silva
Noemia Lopes Toledo
Lucas Antônio Santos
Alexandre Manoel Pereira
Édney Wésley Antunes
MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
© 2019 dos autores
Direitos de publicação Uni-FACEF
www.unifacef.com.br
Coleção: Ciência e Desenvolvimento, v. 8.
O51p
Oliveira, Sheila Fernandes Pimenta e (Orgs.)
Psicologia e transformação. / Sheila Fernandes Pimenta e Oliveira;
Silvia Regina Viel; Daniel Facciolo Pires; Marinês Santana Justo
Smith; Welton Roberto Silva (Orgs.). – Franca: Uni-FACEF; 2019.
177p.; il.
ISBN Coleção 978-85-5453-017-4
ISBN Volume 978-85-5453-016-7
DOI 10.29327/510349
1.Multidisciplinar - Fórum.
2. Iniciação Científica.
3.Pesquisa.
4.Metodologioa.
I.T.
CDD 150
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de
autor (lei no. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código Penal. Todo o conteúdo
apresentado neste livro é de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Editora Uni-FACEF Centro Universitário Municipal de Franca
Associada à ABEC - Associação Brasileira de Editores Científicos
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Psicologia e Transformação
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PREFÁCIO
Recebi o convite para escrever o prefácio deste e-book e sinto-me honrada
com o mesmo, pois a publicação, a qual se destina é de excelente qualidade e, com
certeza, contribuirá, de maneira significativa para a ampliação do conhecimento
científico e prático de psicólogos e profissionais que atuam diretamente no contexto
da interdisciplinaridade. Escrever um prefácio nos remete a várias reflexões sobre os
temas apresentados, colocando-nos como apreciadores da comunidade acadêmica,
que nos prestigiaram com suas produções. Assim, não posso me furtar a refletir
sobre os temas apresentados que lidam com aspectos da subjetividade humana. A
Psicologia trata do sofrimento humano em quaisquer cenários de atuação. Assim,
seu objeto de estudo em contextos variados trata dos fenômenos humanos com
uma visão sempre generalista e abrangente. Os temas tratados neste livro nos
reportam a questionamentos muito atuais como o aborto, saúde da criança,
adolescentes, saúde mental, álcool e drogas, saúde mental de estudantes
universitários e a relação da psicologia com temas desenvolvidos por profissionais
da saúde. Prefaciar um livro com essas temáticas, com certeza nos mostra a
importância de estarmos sempre atentos ao papel do psicólogo, suas práticas e a
produção de conhecimento advindos de áreas tão diversas, mas que possuem
conectividade em diversas dimensões. O ser humano, em sua complexidade, não
pode deixar de ser visto através de sua constituição histórica, cultural e social. Em
maior ou menor grau, essas dimensões afetam as histórias de subjetividade dos
diversos atores sociais, identificados nas várias produções deste e-book.
Estou certa de que neste livro, as temáticas estudadas constituem um
convite prazeroso aos leitores sobre temas complexos e carentes sempre de
investigação e aprimoramento contínuo. Nesta tarefa que me foi incumbida, posso
registrar sem sombra de dúvida, uma intencionalidade afetiva, que me remete ao
prazer da escrita e da leitura. As publicações científicas nos remetem à tarefa não
apenas da leitura, mas sim, às reflexões profícuas sobre a nossa sociedade e aos
fenômenos subjetivos que nela habitam.
Escrever também é sonhar, se revelar e apontar caminhos de transformação
e movimento. Assim se faz Psicologia, construindo, pensando, sonhando e agindo!
Que todos os leitores dessa obra possam se sentir em ―movimento‖ após suas
leituras, assim como me sinto nesse momento!
Profª Drª Maria de Fátima Aveiro Colares
Professora e Chefe de Departamento do curso de Psicologia
Uni-FACEF Centro Universitário Municipal de Franca
MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo
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SUMÁRIO
A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos que
influenciam as decisões judiciais ................................................................................. 8
A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM
ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP ............................................... 27
ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA
EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK ......... 35
ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência .......................................... 51
APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM
TRANSTORNOS PSÍQUICOS .................................................................................. 58
AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA
INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica .......................................................................... 69
ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no agressor ........ 78
COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade
feminina ..................................................................................................................... 89
CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência ........... 102
DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL E
ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo......................................................... 107
EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação teórico-prática ... 119
MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO.......................................... 126
MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos
relacionamentos amorosos ..................................................................................... 135
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE
DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE
INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN KARDEC: Relato de
caso ......................................................................................................................... 150
OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA
VISÃO DA PSICANÁLISE ....................................................................................... 159
REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO
SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS .................................................. 168
ÍNDICE .................................................................................................................... 177
Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8
Psicologia e Transformação
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A INCONSCIÊNCIA DOS JULGAMENTOS: os fatores psicológicos
que influenciam as decisões judiciais
Murillo E. Ravagnani Siqueira Martins
Graduação em Direito - Faculdade de Direito de Franca
[email protected]
Marcelo Toffano
Doutor em Direito – FADISP
Docente – Faculdade de Direito de Franca
1. INTRODUÇÃO
A figura de um juiz está, no imaginário popular, e principalmente na
teoria do formalismo legal, de um aplicador da lei que age somente dentro dos
limites máximos da razão e da legislação, garantindo, através de sua ―figura íntegra
e não influenciável‖, a justiça. Seu papel é, com o poder que lhe foi concedido,
julgar, com base em provas e evidências consistentes, as litispendências diárias da
sociedade, porém, os números apontam outras características comuns aos
julgadores, que enfraquecem o elo da racionalidade: Estatisticamente, juízes têm
maior probabilidade de não concederem condicionais a réus, caso estejam com
fome. E se, baseado nisso, nos parece que o julgamento singular do magistrado é
perigoso, pois está condicionado à apenas uma pessoa, os estudos também
mostram: Júri popular tem maior probabilidade de absolverem réus, caso eles sejam
bonitos, e dar penas maiores, caso sejam considerados feios. O que este estudo se
propõe a questionar é se o julgamento de um juiz, é, de fato, totalmente racional,
baseado somente nas leis, jurisprudências e evidências concretas, livre de opiniões,
experiências próprias, preconceitos e estereótipos.
O que a psicologia nos diz sobre julgamentos, inclusive os judiciais? Há
de se explorar, através da interdisciplinaridade com a psicologia, o impacto da
cognição humana na hora de julgar um caso e o quão frágil são os processos
mentais; a existência da supressão da dúvida, a tendência a acreditar e confirmar
vieses, a ativação automática de estereótipos e julgamentos, e tantos outros
fenômenos da natureza que fazem com que, na realidade, coloquemos em dúvida
nossos mecanismos de fazer justiça.
A figura do juiz, em meio ao sistema judicial rotineiro, adquire hábitos
automáticos e se torna ainda mais vulnerável aos vieses cognitivos, abrindo margem
para julgados que são, muitas vezes, incoerentes com a realidade.
Além do juiz singular, temos no ordenamento jurídico, como
possibilidade de cumprir o papel de julgador, a instituição do júri popular. A
Constituição Federal Brasileira garante o direito à um júri imparcial em ações penais
em que haja ações dolosas contra a vida (art. 5º, XXXVIII), obtendo como objetivo
uma visão não-jurídica da sociedade em relação ao crime cometido, abrindo a
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possibilidade de opiniões que podem ir de encontro com o que estabelece a lei,
sendo assim, possuindo o réu a chance de vencer a legislação pelo senso comum,
acreditando na ―sabedoria popular‖. Mas, o que significa o termo "júri imparcial"?
Como Justin G. Gunnel, J.D e Stephen J. Ceci citam no seu artigo, em tradução
livre, ―Quando a emoção triunfa sobre a razão: Um estudo dos processos individuais
e vieses de jurados‖: ―O que se pode esperar de um grupo de indivíduos
encarregados de tomar as decisões mais importantes sobre a liberdade individual, a
culpa criminal e, às vezes, até mesmo a vida ou a morte dos outros membros de sua
sociedade? A Constituição presume que os jurados podem colocar os preconceitos
individuais de lado e dar um veredito justo e imparcial com base apenas nos fatos,
no entanto, quão realista é essa noção de ―tabula rasa‖ do júri? Os jurados são
realmente capazes de superar preconceitos, influências de vida e experiências
pessoais que podem influenciar indevidamente sua tomada de decisão? Ou os
defensores do júri estão corretos ao afirmar que "as pessoas, quando selecionadas
como jurados, de repente se tornam indivíduos objetivos e justos que os tribunais
lhes pedem que sejam? Eles trazem para o júri seus próprios históricos e
preconceitos e seus próprios processos para tomar decisões‖. Os jurados não
devem considerar fatores extralegais (ou seja, raça, gênero, idade, classe, etnia,
persuasão religiosa, atratividade física do réu) em suas tomadas de decisão, porém,
não é o que os experimentos indicam.
O estudo tem também, além de sua base empírica, um impacto
filosófico-sociológico, uma vez que, sabendo como funciona a humana e frágil mente
do julgador, tenhamos uma ruptura da imagem do magistrado, uma desconfiança na
veracidade da coisa julgada, e uma adição de um olhar mais científico, e menos
jurídico do direito. Ora, se a aceitação de um pedido de liberdade condicional pode
ser decidido pelo único fato de o julgador estar com fome ou não, há de se trazer ao
âmbito filosófico-jurídico, na busca do dever-ser, a discussão das práticas judiciais
efetivas.
Neste artigo, portanto, discorreremos: Os julgamentos, são justos?
Esta forma de julgar consegue corresponder precisamente à realidade dos fatos? Se
não, há possibilidade de mudança? O que garante, no direito, a racionalidade e a
busca da verdade real pela figura do juiz? E, através da psicologia, enriquecer a
discussão pelo direito comparado.
2. O QUE GARANTE A JUSTIÇA
Para colocarmos em pauta a efetividade das decisões judiciais, faz-se
necessário entender os mecanismos do próprio ordenamento jurídico, e observar
sua eficácia, ou se há qualquer influência destas regras no momento da sentença,
na visão do direito, primeiramente.
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Psicologia e Transformação
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Há de se compreender que o ―ser justo‖ se encontra no campo da
subjetividade, ou seja, não conseguimos definir o que é fazer justiça, uma vez que
os fatos se perdem no tempo. Por isso, existe a figura constitucional do princípio da
busca da verdade real, onde ao magistrado é imposto a necessidade da busca da
verdadeira realidade dos fatos, ou a figura do devido processo legal, que nos
garante o procedimento regrado dentro dos limites da constituição, passando pelas
etapas que visam garantir a legalidade e a efetividade dos julgados.
Todas esses princípios, sendo estritamente cumpridos, ainda não são
suficientes, claro, pois não há qualquer preocupação, tendo em vista o
comportamento conservador da maioria dos acadêmicos de direito, em buscar o
conhecimento de outras campos da filosofia e compreender os fenômenos da
natureza que os compõem, que podem nos ensinar a ter uma visão mais ampla de
cada fenômeno jurídico. Não há qualquer dispositivo formal que impeça, ou ao
menos preveja, fenômenos de natureza cognitiva sendo impactante na figura da
justiça. Claro, é uma área nova em relação às demais (e principalmente em relação
ao mundo jurídico).
Essas e outras figuras constitucionais e processuais, entretanto, são
executadas por humanos. Neste ponto, há a convergência do padrão executável
com a imperfeição característica da espécie. Isso significa dizer que somos todos
passíveis de erros, e os mecanismos processuais não protegem o juiz das falhas
eminentemente humanas.
3. COMO JULGAMENTOS ACONTECEM
3.1. Ativação Associativa
Para entendermos como fazemos julgamentos a todo o momento, e
como estes julgamentos podem acontecer com juízes, precisamos primeiro entender
o fenômeno de forma micro. Para explicar o julgamento do dia a dia, inicio
explicando um fenômeno que chamamos de ativação associativa. Existem reações
físicas instintivas ao se pensar em algo, e quando apresentado duas palavras, há
uma intuitiva relação entre as duas, formando um pensamento único, que lhe dará
uma reação, como se eu lhe apresentar as palavras ―Banana‖ e ―Vômito‖. Neste
momento, aconteceram muitas coisas com seu corpo e cérebro em menos de um
segundo; todas relacionadas a ideia de nojo, pois associamos automaticamente uma
palavra com a outra. As associações naturais acontecem em tempos ridiculamente
rápidos, podendo causar reações físicas, como: Afastamento corporal, feições
faciais contorcidas, aumento do batimento cardíaco, eriçamento dos pêlos ou
ativação das glândulas sudoríparas. Nós reagimos do mesmo modo que reagiríamos
se acontecesse de fato. Tudo isso, de forma automática. Ativação Associativa são
ideias que foram evocadas, que consequentemente irão disparar muitas outras
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ideias, numa cascata crescente de atividade no cérebro. Uma vez que um
pensamento (o de nojo, por exemplo) passou pela nossa mente, ficamos mais
sensíveis temporariamente por essa sensação, inclusive alertas para tudo o que
estiver próximos de nós, num estímulo visual, auditivo ou quaisquer outros, que
remeta a essa sensação.
Um mecanismo extremamente importante para toda a psicologia
experimental, principalmente no campo dos julgamentos, é o priming effect, ou efeito
priming. O Priming, que será usado em todo artigo, e portanto assim irei me referir a
ele, apenas pelo primeiro nome, é um efeito em que a exposição a uma ideia faz
com que haja mudanças imediatas em nosso cérebro na facilidade com que outras
ideias, associadas a primeira, possam ser evocadas. Exemplo: Se eu fizer você
pensar (ou qualquer outra manifestação comportamental que o conecte à ideia) na
palavra EAT (comer), você está mais propenso a, em seguida, completar a palavra
SO_P com SOUP (sopa) do que com SOAP (sabão). O contrário aconteceria se eu o
fizesse pensar em aspectos de limpeza, obviamente.
O priming também não está restrito apenas à palavras. Suas ações e
emoções podem ser moldadas e manipuladas de acordo com o estímulo que
recebe, sem perceber. Uma ideia influenciar uma ação é chamado de Efeito
Ideomotor, e o inverso também pode acontecer. Fazer uma ação (física) influencia
nas ideias que resgatamos posteriormente. É por isso que temos que reforçar a ideia
de coerência: Se formos estimulados a pensar em velhice, tenderemos a agir como
velhos. Se agirmos como velhos, tenderemos a reforçar a ideia de velhice. Todos
esses ―erros cognitivos‖, causados em sua maioria pela imputação de priming, são
chamados de vieses, e não são poucos que existem.
Se somos, sem saber, obrigados a balançar a cabeça na horizontal
(sentido negativo), tenderemos a agir de forma mais negativa (carga pessimista). Se
formos expostos à mensagem de dinheiro constantemente, tenderemos a sempre
agir de forma mais individualista e egoísta. Cada estímulo leva a uma ação, e esta
ação será inconscientemente menos espontânea e independente.
A maioria dos erros de julgamento (vieses) invocam um sistema duplo
de processamento, do qual se tornou famoso pela popularização das obras de
Daniel Kahneman (Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar) em que o processo
automático (Sistema 1) gera impressões e tentativas de julgamento, que podem ser
aceitos, bloqueados ou corrigidos pelo sistema controlador (Sistema 2). Os vieses
acontecerão no momento em que uma ideia pré consciente não necessariamente
correta é aceita pelo sistema consciente, e neste caso teremos um julgamento mal
feito à respeito de algo ou alguém.
Julgamentos também podem ser interpretados como um sistema de
pesos, onde cada peça de informação tem o seu valor. Vieses de julgamento podem
ser descritos, portanto, como um ―sobrepeso‖ de alguns aspectos da informação, e
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uma ―falta de peso‖, ou negligenciamento de outros, relativos a um critério de
precisão ou consistência lógica.
3.2. Coerência Associativa
A memória associativa possui 3 aspectos: Coerência Associativa,
Substituição de Características e Processo de Fluência; esses 3 aspectos são as
causas para vieses de julgamento intuitivo. A coerência é o elo fundamental que liga
toda a citada casata de pensamentos; isso significa dizer que no momento em que
pensamos em ―café‖, a ativação associativa tem maior probabilidade de buscar
pensamentos, lembranças, cheiros e qualquer tipo de referências com grãos, líquido,
quente, xícara e etc. Uma ideia associativamente coerente é um traço essencial, um
esqueleto da ativação associativa. É a coerência deste movimento de ―efeito
dominó‖ que conecta todos os pensamentos. Todo esse movimento gera um padrão
autorreforçado de reações cognitivas, emocionais e físicas que são ao mesmo
tempo diversas e integradas.
Informações fortemente ativadas (coerência associativa) possuem
maior probabilidade de serem dadas mais peso do que se deve, e conhecimentos
relevantes que não são ativados pelo contexto associativo serão dados pouco peso,
ou negligenciados. Isso significa dizer que a informação de maior ativação, a
informação principal, terá um grande peso no processamento do Sistema 1,
enquanto informações que sejam relevantes, mas que não são ativados pelo
contexto, serão dados pouco peso, ou nenhum peso. Neste caso, os princípios da
ativação da associação explicam os vieses de julgamento. Em resumo, o padrão de
ativação automática na memória tende a produzir uma compreensiva, interna e
consistente interpretação da presente situação, da qual é embutida no contexto do
passado recente, e incorpora emoções apropriadas e preparadas para eventos e
ações parecidas no futuro. A coerência é o caminho natural do pensamento; não há
esforço cognitivo para que possuamos um pensamento coerente, portanto,
informações inconsistentes apenas vêm à mente quando são deliberadamente
pensadas (Sistema 2). Por exemplo, tente pensar em algo que não faça nenhum
sentido, que transcenda os limites da física fixados na nossa mente. Toda a energia
gasta nesta atividade foi um esforço consciente. Seu cérebro não poderia ter o feito
de forma automática (há discussões acadêmicas neste ponto, que atualmente vão
de encontro a Kahneman, porém, utilizo o consenso científico).
A coerência associativa se molda através da vivência, do que para nós
é coerente em relação à cada ideia. Uma vez que seja coerente atribuir um furto à
alguém de pele negra, é necessário que a autoridade policial e o respectivo juiz faça
um esforço deliberado para suprimir seus preconceitos e colocar o sistema 2
(racional) para agir de acordo com fatos empíricos. Para vencermos preconceitos e
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estereótipos que temos prontos no nosso sistema 1 (automático), é necessário,
portanto, um animus, e se estamos todos dependentes da ―vontade de potência‖ de
julgadores a ou b, temos então uma fraca garantia de justiça.
3.3. Substituição de Características
Para a devida explicação da importância do segundo atributo da
memória associativa, a substituição de características, inicio explicando sobre o
―Efeito Shotgun‖; intenções de julgamento lembram mais uma shotgun do que um
rifle (ou seja, o tiro espalha, não é certeiro). Uma vez que dimensões de julgamento
são associados uns com os outros (memória associativa), uma intenção de valorar
um atributo particular de um estímulo automaticamente ativa julgamentos de outras
dimensões também, por exemplo, num experimento, quando pedido para um grupo
de pessoas identificarem rimas em uma música, acontecem erros de
incompatibilidade ortográfica: Tendemos a identificar mais VOTE-GOAT do que
VOTE-NOTE. O ―tiro da shotgun‖ se espalhou, e você está mais propenso a atribuir
rimas, mesmo que não seja exatamente o que pensava.
Um traço de personalidade também pode ser endossado na falta de
uma evidência direta relevante (substituição de atributos). Por exemplo, evaluar uma
pessoa como generosa fará com que haja uma percepção automática de várias
outras características (pessoa virtuosa, gentil, amigável). Além disso, esse
julgamento de ―pessoa generosa‖ pode ser formado mesmo quando não há
evidência alguma para isso. Muitas vezes, um atributo alvo (qualidade que se quer
descobrir/sentir) é muito menos acessível do que outro que é realmente evocado.
Exemplo: Avaliar a produtividade de trabalho de um jovem iniciante é difícil, mas
julgar a qualidade da fala na entrevista de emprego é bem mais fácil; Nesses casos,
acontecerá uma substituição de atributos, de uma mais inacessível para uma mais
acessível.
As perguntas ―Você tem sido feliz ultimamente?‖ ou ―Qual a
probabilidade de entrar na faculdade?‖ são difíceis de responder, e a observação é
que as pessoas respondem rapidamente e de forma intuitiva. O sistema associativo
dá a resposta por um processo de substituição de atributos: O julgamento de um
atributo-alvo automaticamente evoca julgamentos sobre atributos relacionados. Se
um destes atributos é imediatamente acessível, poderá mapear na escala do alvo
(escala de felicidade ou escala de probabilidade, no exemplo), produzindo uma
resposta intuitiva para a pergunta baseado no atributo relacionado, e não no atributo
alvo. Ou seja, a resposta para uma pergunta difícil é substituída por uma fácil.
Ainda na substituição, quando requisitados a julgar uma probabilidade,
as pessoas na verdade julgam alguma outra coisa, e creem ter julgado a
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probabilidade. Pense nestas duas perguntas: ―O quão feliz você tem se sentido
ultimamente?‖ e ―Quantos encontros você teve mês passado?‖. Percebeu-se, num
experimento feito nos anos 80, que não havia diferença na ―média de felicidade‖ de
quem saía com muitas pessoas ou poucas, porém, quando inverteu-se a ordem das
pergunta, as respostas foram totalmente diferentes (quantos encontros teve/quão
feliz é): Nessa sequência, o ―nível de felicidade‖ mudou completamente, indicando
que a quantidade de encontros tinha um grande impacto na felicidade dos jovens. A
explicação é simples: Na primeira ordem, as perguntas não estavam relacionadas
entre si. Na segunda ordem, as perguntas levam os participantes a relacionar uma
com a outra, e o impacto emocional da primeira pergunta tem prevalência na
resposta da segunda pergunta.
A pergunta sobre felicidade é difícil de responder, portanto, uma vez
recentemente relacionada com a pergunta anterior, tal resposta será a que irá
substituir no momento da tentativa de responder sobre felicidade. Substitui-se a
pergunta que foi feita pela qual já havia uma resposta pronta. Qualquer pergunta
emocionalmente significativa que altere o humor de uma pessoa terá o mesmo
efeito. O estado de espírito presente se engrandece quando as pessoas estimam
sua felicidade.
Responder perguntas difíceis e julgar probabilidades são atividades
principais dos magistrados e jurados. Logo, entendemos que a suscetibilidade dos
fenômenos cognitivos possui maior prevalência, por uma questão estatística,
observando também outros fatores presentes, nas pessoas que exercem tais
atividades. A substituição de atributos é comum e normal, obviamente, por ser um
fenômeno natural, mas pode ser o começo de um grande problema na atividade
jurídica e na compreensão do justo e injusto.
3.4. Fluência
Pesquisas indicam que, após um questionário, pessoas que acertaram
doze perguntas acham que foram piores do que pessoas que acertaram seis.
Fluência é isso: A ilusão de conhecimento. Pesquisas recentes indicam que existem
múltiplos fatores que convergem para uma única dimensão de fluência, o que leva a
múltiplas consequências.
A intercambiabilidade dos determinantes da fluência é o aspecto mais
intrigante destes achados: A qualidade da fonte na qual um problema é apresentado,
a complexidade da linguagem, um bom ou mau humor, e a presença ou ausência de
suporte contextual; todos parecem ter efeitos semelhantes nos julgamentos de
familiaridade, verdade e bondade.
O esforço deliberado induz uma experiência subjetiva de tensão e
baixa fluência, independentemente de sua fonte, envolvendo um esforço de
MARTINS, Murillo E. R. Siqueira; TOFFANO, Marcelo
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processamento. O desempenho em tarefas cognitivas exigentes, portanto, melhora
quando o problema é mostrado em uma fonte que é difícil de ler, ou quando um mau
humor é induzido.
Figura 1: Causas e consequências do julgamento de fluência
Como a Figura 1 ilustra, a fluência é uma entrada para muitos
julgamentos (na primeira coluna: ―Preparado‖, coerente, claro, fácil, agradável).
Variações irrelevantes nos determinantes da fluência mostrados à esquerda da
figura (familiar, verdadeiro, bom, confiante, concreto, próximo) induzirão erros
previsíveis nos julgamentos mostrados à direita.
Confiança é uma das manifestações de fluência, e pode ser afetado
por manipulações irrelevantes: Estudantes de Harvard, respondendo questões de
conhecimentos gerais, foram menos confiantes nos seus julgamentos quando
instruídos a levantar as sobrancelhas (expressão de esforço) no momento da
resposta, do que quando foram instruídos a soprar as bochechas (expressão
neutra), o que nos remete à ideia do efeito ideomotor: O comportamento externo
(levantar as sobrancelhas, mostrando-se esforçado) influenciou a representação
interna, ou seja, ―se preciso me esforçar, é porque não tenho certeza da resposta‖.
Os erros associados ao tripé da memória associativa são, portanto, de
julgamentos. Claro, como você pôde observar, ―julgamento‖ aqui não se trata
somente do jurídico, mas àquele que acontece no dia a dia, de forma ―micro‖, mas é
exatamente essa a base e o princípio dos erros de julgamentos ―macros‖, no âmbito
judicial; com a automação das funções do juiz, suas tarefas se tornam automáticas,
e este é um grandíssimo fator para que cada uma dos erros cognitivos citados
aumente as chances de acontecer. Num ambiente onde o formalismo legal é
incontestado, a chance de nos depararmos com juízes que inconscientemente
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submetem seus julgamentos
consideravelmente.
aos
preconceitos
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e
estereótipos,
aumenta
4. COMO ESTEREÓTIPOS ACONTECEM
Entender como se constroem nossos pré conceitos é fundamental para
a compreensão de nossa própria natureza, e para a racionalização de nossos atos,
que parece ser justamente o grande remédio para nossa bagagem cultural tóxica.
Pesquisas anteriores têm mostrado que conceitos de traços de personalidade e
esteriótipos se tornam automaticamente ativos na presença de comportamento
relevante ou na presença de características de grupos estereotipados.
Estereótipos se tornam automaticamente ativos na mera presença de
atributos físicos associados com o grupo estereotipado, assim como a categorização
de comportamento (traços de personalidade), e atribuições sobre a personalidade do
agente, tem sido demonstrado que ocorrem automaticamente, em alguma medida.
Essas respostas podem ser conscientemente escolhidas na base de percepções e
sentimentos automaticamente produzidos. O comportamento social é comumente
ativado automaticamente na mera presença de situações-chave relevantes; este
comportamento não é mediado pelo consciente, ou processos de julgamentos.
Respostas comportamentais podem ser associadas com características
situacionais: Comportamentos sociais são representados mentalmente como
conceitos de traços e atitudes. Não há razões teóricas ou conceituais do porquê os
efeitos de pré-consciência e ativação automática deveriam ser limitadas à percepção
e avaliação (sistema 1). A ativação da pré-consciência desenvolve-se a partir da
ativação frequente e consistente na presença de estímulos no ambiente.
Este (ativação frequente e consistente na presença de estímulos no
ambiente) é o mecanismo por trás da automação do traço de personalidade (mera
observação do traço característico), por trás das atitudes (na mera presença do
objeto) e dos estereótipos (na mera presença de um membro do grupo
estereotipado). Na medida em que um indivíduo tem repetidamente a mesma reação
à um estímulo social, a representação desta resposta deve vir eventualmente para
ser ativada automaticamente na mera presença deste evento. Portanto, se um
indivíduo consistentemente se comporta da mesma maneira numa situação, este
comportamento deve ficar automaticamente associado com essas características da
situação.
Podemos explicar historicamente cada pilar que sustenta a formação
de estereótipos: William James escreveu que o simples ato de pensar sobre um
comportamento aumentava a tendência de se engajar nesse comportamento.
Lashley (1951), discursou sobre a produção de fala fluente. Ser capaz de falar
palavras de maneira compreensível e em série, requer uma organização prévia das
representações a serem utilizadas, na sequência pretendida. A função dessa
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preparação permite a fluidez de pensamentos e ideias faladas e a promulgação de
movimentos organizados na ordem correta (pensar tem a função de preparar o
corpo para a ação). Já o modelo de processo irônico de Wegner sustenta que atos
de controle intencional sobre nosso pensamento e comportamento envolve um
monitoramento automático da presença do estado indesejado (se você tentar
controlar o seus pensamentos e comportamentos, você ficará automaticamente
monitorando o estado em que não quer pensar, ou seja, quanto mais evitar pensar
em algo, mais você vai pensar - por isso o modelo é chamado de ―irônico‖).
Já um experimento de Carver (1983) forneceu evidências alinhadas
com o modelo de ação ideomotora de Berkowitz do efeito de primings agressivos
incidindo na agressão. Em um primeiro experimento, o conceito de hostilidade de
alguns participantes foi iniciado subliminarmente. Então, no que eles acreditavam
ser uma segunda experiência não relacionada, os participantes foram instruídos a
dar choques a outro participante "aprendiz" (na verdade, um ator) sempre que ele ou
ela desse uma resposta incorreta. Em comparação com os participantes que foram
expostos a estímulos de priming neutros, aqueles apresentados subliminarmente
com primings relacionados à hostilidade deram choques mais longos. Os resultados
de Carver são um indício intrigante de que a influência da percepção nas tendências
comportamentais é automática, na medida em que é passiva, não intencional e nãoconsciente. Portanto, evidências de influências automáticas na percepção social,
como a ativação automática de estereótipos e efeitos de estímulo na formação de
impressões, quando relacionadas à discussão anterior, implicam que podem haver
conseqüências comportamentais de percepção social automática para o perceptivo,
pois é precisamente quando o indivíduo não tem consciência de um processo
perceptivo que o controle consciente sobre ele não é possível, maximizando a
possibilidade do efeito passivo de percepção comportamental (ou seja, se você está
no automático, sem uma atenção pela do momento, a chance de você ser
influenciado pelos vieses de julgamento e estereótipo é muito maior).
Das várias correntes de evidências analisadas acima, vários princípios
podem ser derivados sobre as condições sob as quais o comportamento social
automático será produzido. Primeiro, as representações comportamentais existem e
podem se tornar ativadas. Eles podem se tornar ativos e acessíveis quando se
pensa sobre esse tipo de comportamento, ativa ou passivamente. A tendência de se
comportar de acordo com a representação é aumentada quando é ativada, se a
razão para essa ativação é:
a) uma intenção de se preparar para esse comportamento (Lashley);
b) uma intenção de não participar desse comportamento (Wegner);
c) apenas pensar sobre esse comportamento com ou sem a intenção
de se envolver nele (James);
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d) apenas perceber esse tipo de comportamento em outra pessoa
(Berkowitz).
A hipótese atual é que o comportamento social deve ser capaz de
ativar automaticamente pela mera presença de características do ambiente atual,
assim como percepções e atitudes sociais. Por ―mera presença de características
ambientais‖, entende-se que a ativação da tendência comportamental e da resposta
deve ser mostrada como pré-consciente; isto é, não depende das atuais intenções
conscientes da pessoa.
Em três experimentos feitos por John A. Bargh, Mark Chen and Lara
Burrows (1996 - se encontra na íntegra nas referências), mostrou-se que a ativação
de uma construção de característica ou um estereótipo em um contexto resultou em
comportamento consistente com ela em um contexto não relacionado seguinte. A
grande diferença destes experimentos para os anteriores, foi que, previamente os
participantes receberam o objetivo explícito e consciente de se engajar no
comportamento que foi mostrado para ser afetado pela manipulação de priming. Nos
estudos de Carver, por exemplo, os participantes foram instruídos a assumir o papel
de professor e dar choques a um aprendiz. Esses estudos mostraram que o
comportamento intencional poderia ser afetado em intensidade ou duração pela
manipulação da agressão (presença de armas ou exposição prévia à sinônimos de
agressão), mas não mostrava o comportamento a ser produzido automaticamente,
na ausência daquela intenção explicitamente dada.
Uma explicação para estes os resultados é em termos de
comportamento vinculado à situação; isto é, que uma pessoa tem respostas
comportamentais (por exemplo, assertividade, raiva, paciência) que estão
associativamente ligadas a situações particulares (por exemplo, fazer-se esperar por
outra pessoa, perder o trabalho por causa do erro de outra pessoa). O fato de as
pessoas terem respostas comportamentais e perceptivas automáticas ao ambiente
social é congruente com a proposta de estudos anteriores, em que as reações
psicológicas imediatas ao ambiente são não só de natureza cognitiva ou afetiva,
mas também incluem respostas motivacionais e comportamentais.
O comportamento social, portanto, pode ser acionado automaticamente
por recursos do ambiente. As principais implicações destes resultados são, em
primeiro lugar, o grau aparente a que o comportamento social ocorre de forma não
intencional e sem envolvimento consciente na produção desse comportamento. Em
segundo lugar, os resultados apontam para a possibilidade de que a ativação
automática dos estereótipos de grupos sociais, pela mera presença de
características de grupo, pode levar a pessoa a se comportar de acordo com esse
estereótipo sem perceber (por exemplo, com hostilidade da expressão facial ou tom
de voz). Por esse primeiro ataque, portanto, pode-se extrair esse mesmo tipo de
comportamento em resposta. Mas como não se tem consciência do próprio papel
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em provocá-lo, pode-se atribuí-lo ao membro do grupo estereotipado (e, portanto, ao
grupo).
Demonstrado o comportamento social automático, um importante ponto
teórico pode ser feito: O comportamento social é como qualquer outra reação
psicológica a uma situação social, capaz de ocorrer na ausência de qualquer
envolvimento ou intervenção consciente. Não é necessário, portanto, que quando
estivermos tratando de decisões judiciais, o magistrado tenha um histórico relatado
de sentenças imparciais ou de cunho ideológico para colocarmos em cheque a
integridade da decisão. Se o comportamento social, condicionado por estereótipos, é
automático, o será também nas audiências e escolhas diárias.
Como observado, o estereótipo automático depende de quatro
condicionantes. No exercício cognitivo do juiz, um esforço deliberado, por exemplo,
é constantemente usado, para a função do seu trabalho. As pesquisas seguintes
irão tratar exatamente deste esforço, que, como veremos, também poderão levar à
decisões automáticas fundamentadas pelo ―esgotamento de energia mental‖, ou
como chamamos na psicologia: Esgotamento do ego.
5. A JUSTIÇA É O QUE O JUIZ COMEU NO CAFÉ DA MANHÃ?
Imagine que alguém lhe peça para decorar um poema. Enquanto você
está no processo de estudo, deliberando esforço, a mesma pessoa pede para
escolher a sobremesa do dia: Bolo de chocolate ou salada de frutas? As evidências
de esgotamento do ego sugerem que você escolheria o bolo de chocolate quando
sua cabeça estiver carregada de versos e rimas. O sistema automático exerce maior
influência no comportamento quando o seu sistema racional está ocupado.
Pessoas ―cognitivamente ocupadas‖ também têm maior probabilidade
de fazer escolhas egoístas, usar linguajar sexista e fazer julgamentos superficiais
em situações sociais. Usar essa capacidade de controle sobre o comportamento
exige autocontrole, do qual exige atenção e esforço, que por sua vez exige energia
mental; quando este se esgota, a capacidade de tomar decisões racionais diminui, e
então acontece o que chamamos de esgotamento do ego.
Esta ideia de ―energia mental‖ não é só uma metáfora. Pesquisas
comprovam que o sistema nervoso consome mais glicose do que outras partes do
corpo, portanto, os efeitos do esgotamento do ego podem ser anulados com a
injeção de glicose (açúcar).
A pesquisa que é a fonte principal deste tópico (Shai Danziger,
Jonathan Levav and Liora Avnaim-Pesso, 2010) nos da uma perturbadora
demonstração dos efeitos do esgotamento. Mostram juízes em duas pausas diárias,
que resultam na segmentação das deliberações do dia em três ―sessões de decisão‖
distintas. Descobre-se que a porcentagem de decisões favoráveis cai
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gradativamente de 65% para quase zero em cada sessão de decisão e retorna
abruptamente para ≈65% após um intervalo. As descobertas sugerem que as
decisões judiciais podem ser influenciadas por variáveis externas que não devem ter
influência sobre as decisões judiciais. O artigo testa a caricatura comum do realismo
de que a justiça é ―o que o juiz comeu no café da manhã‖ em decisões sequenciais
de liberdade condicional feitas por juízes experientes (média de 22 anos de carreira).
Fazer julgamentos ou decisões repetidas ―esgota‖ a função executiva e
os recursos mentais dos indivíduos, o que pode, por sua vez, influenciar suas
decisões subsequentes. Escolhas sequenciais e o aparente esgotamento mental
que elas evocam também aumentam a tendência das pessoas de simplificar as
decisões, aceitando o status quo. Esses estudos sugerem que as tomadas de
decisões repetidas pode aumentar a probabilidade de os juízes simplificarem suas
decisões. À medida que os juízes avançam na sequência de casos (cuja ordem é
determinada aleatoriamente), eles estarão mais propensos a aceitar o resultado
padrão, o status quo: negar o pedido de um prisioneiro.
Descobriu-se que a probabilidade de uma decisão favorável é maior no
início do dia de trabalho ou depois de uma pausa para comida do que mais tarde na
sequência de casos. Esse padrão é prontamente evidente na figura 1 (próxima
página), que traça a proporção de decisões favoráveis por posição ordinal para 95%
das observações em cada sessão de decisão. O enredo mostra que a probabilidade
de uma decisão a favor de um prisioneiro aumenta no início de cada sessão - a
probabilidade de uma decisão favorável diminui constantemente de 65% para quase
zero e sobe de volta para ≈65% após um intervalo para uma refeição. A Figura 2 A e
B apresenta um histograma da probabilidade de uma decisão favorável para casos
de características legais semelhantes que apareceram em uma das três posições
ordinais no início versus no final de uma sessão de decisão; da perspectiva do
prisioneiro, há uma clara vantagem em aparecer no início da sessão (ou seja, no
início do dia ou imediatamente após o intervalo).
Figura 1: Proporção de decisões favoráveis X Momento da decisão
O sinal positivo e a significância das variáveis indicadoras dos três
primeiros casos em cada sessão confirmam que o padrão da figura 1 se mantém
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mesmo controlando os atributos legais do caso e a tendência geral dos juízes de se
pronunciar contra o prisioneiro como o número de casos antes deles se monta (isto
é, o principal efeito de tomar decisões repetidas). Portanto, embora os dados não
permitam testar diretamente se a justiça é o que o juiz tinha para o café da manhã,
eles sugerem que as decisões judiciais podem ser influenciadas se o juiz fez uma
pausa para comer.
Das variáveis de controle legalmente relevantes inseridas nas
regressões, apenas o número anterior de encarceramentos do preso e a presença
de um programa de reabilitação consistentemente exerceram uma influência
estatisticamente significativa nas decisões dos juízes. Os prisioneiros que
apresentavam uma tendência à reincidência eram menos propensos a receber
julgamentos favoráveis, assim como os prisioneiros que não tinham um programa de
reabilitação planejado. A gravidade do crime do prisioneiro e o tempo de prisão
serviram para não influenciar as decisões, nem o sexo e a etnia.
As evidências sugerem que, quando os juízes tomam decisões
repetidas, eles mostram uma tendência crescente de decidir a favor do status quo.
Essa tendência pode ser superada com uma pequena pausa para fazer uma
refeição, alinhado com pesquisas prévias demonstrando o efeito de pequenos
descansos, bom humor e da glicose na reposição de recursos mentais. Portanto, os
resultados indicam que variáveis estranhas ao ambiente jurídico podem influenciar
decisões judiciais, o que reforça o crescente corpo de evidências que apontam para
a suscetibilidade de juízes experientes a vieses psicológicos. Finalmente, as
descobertas apoiam a visão de que a lei é indeterminada, mostrando que
determinantes situacionais legalmente irrelevantes (neste caso, apenas fazendo um
intervalo para comida) podem levar um juiz a governar de forma diferente em casos
com características legais semelhantes.
6. O QUE É BONITO, É INOCENTE
Não são só juízes as figuras que tem o poder de julgar outrem de forma
judicial. Júris populares sofrem do mesmo problema de vieses cognitivos, com o
agravante da falta de expertise jurídica. Partindo do pressuposto de que existem os
dois já citados sistemas, um racional (sistema 2) e outro experiencial (sistema 1 experiencial será usado no sentido de ―emotivo‖ para estar de acordo com o artigobase deste capítulo, que trata o Sistema 1 apenas desta maneira), os pesquisadores
Justin G. Gunnel, J.D e Stephen J. Ceci examinaram se os indivíduos influenciados
pelo sistema experiencial são mais suscetíveis a vieses extralegais (por exemplo, a
beleza do acusado) do que aqueles influenciados pelo sistema racional. Os
participantes revisaram a transcrição do julgamento criminal e o perfil do réu e
determinaram o veredito, a sentença e a suscetibilidade extralegal. Embora os
―emocionais‖ e os ―racionais‖ (Observação: No artigo, o autor usa uma imputação de
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priming, ou seja, ele controla o ambiente de maneira que um grupo se tornará mais
emotivo, e outro grupo mais racional. Portanto, não são pessoas racionais ou
pessoas emotivas, mas sim o próprio pesquisador é quem imputa, para estes
experimento especificamente, determinado ―estado de espírito‖) tenham condenado
réus atraentes em taxas semelhantes, os ―emocionais‖ eram mais propensos a
condenar réus menos atraentes.
Enquanto os ―racionais‖ não sentiam os réus atraentes e menos
atraentes diferentemente, os ―emocionais‖ deram sentenças mais brandas aos réus
atraentes e sentenças mais severas aos réus menos atraentes. Os ―emocionais‖
também eram mais propensos a relatar que fatores extralegais mudariam seus
vereditos. Além disso, o grau em que a emoção superou a racionalidade dentro de
um indivíduo, correlacionando-se linearmente com sentenças mais duras e influência
extralegal. Em suma, os resultados suportam um efeito de "dureza não-atrativa"
durante a determinação da culpa, um efeito de leniência de atração durante a
sentença e maior suscetibilidade a fatores extralegais nos jurados ―emocionais‖.
Um dos corpos mais convincentes de evidências mostrando que os
jurados são influenciados por características extralegais é o das características
físicas do réu, confirmando a antiga frase do filósofo grego Sappho de que "o que é
bonito é bom". No geral, o viés de atração tem mostrado operar entre tomadores de
decisão (juízes e jurados), tipos de crime e tipo de julgamento (criminal e civil),
embora seja moderado pela seriedade do crime e pela força de provas contra o
requerido.
Nos julgamentos reais, os jurados são expostos a manipulações
conflitantes de evidências por advogados de ambos os lados, portanto, ter jurados
puramente experientalizados ou puramente racionalmente motivados no mundo real
é improvável, até mesmo irreal, porque embora um lado possa tentar chamar a
atenção dos jurados para emocionais aspectos da evidência, o outro lado pode
tentar persuadi-los a considerar as evidências de uma maneira lógica e sem
emoção. Os jurados trazem para este concurso as suas próprias tendências naturais
de processamento, que influenciam, em última análise, a maneira como resolvem
essas apresentações conflitantes. O presente estudo procurou determinar se os
jurados que eram naturalmente influenciados por seu sistema experiencial eram
mais suscetíveis a vieses extralegais do que suas contrapartes racionalmente
influenciadas, e procuraram fazê-lo no contexto de um julgamento criminal.
Um princípio fundamental do princípio do Sistema 1 e 2 é que os
sistemas racional e experiencial não são mutuamente exclusivos, mas coexistem em
uma coabitação cognitiva quase simbiótica, onde o comportamento é o resultado da
interação entre os dois sistemas (Epstein, 2003). A teoria pressupõe que cada
indivíduo tem o potencial de se envolver em processamento analítico ou experiencial
e o faz dependendo de uma variedade de fatores, incluindo o modo costumeiro de
responder a um problema em particular (por exemplo, um problema de matemática
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geralmente será abordado de modo racional e problemas interpessoais em um modo
experiencial). Além disso, a extensão do processamento analítico ou experiencial é
uma função do nível de envolvimento emocional (situações ricas em envolvimento
pessoal emocional são muitas vezes ultrapassadas pelo sistema experiencial) e a
quantidade de experiência relevante em situações semelhantes ou com problemas
semelhantes (quanto mais familiar a situação, mais provável é que o sistema
experiencial a manipule intuitivamente como sempre foi tratado anteriormente)
(Epstein, 2003). Além disso, um fator crucial que desempenha um papel no grau em
que se confia em um sistema em detrimento do outro é a preferência individual.
Embora os dois sistemas sejam adaptativos, independentes e interativos, as
pessoas diferem no grau em que tendem a confiar em qualquer um deles no
decorrer de sua tomada de decisão devido a sua preferência pessoal. A avaliação
das tendências de processamento individual em vários estímulos e ao longo do
tempo revelou o estilo de processamento natural dos indivíduos. Portanto, classificar
os indivíduos como um julgador principalmente experiencial ou primordialmente
racional é apoiado tanto pela teoria quanto pelos resultados empíricos.
Em resumo, os sete principais resultados deste estudo foram:
a) Participantes emocionais condenaram réus menos atraentes com
penas 22% maiores do que participantes racionais;
b) Participantes emocionais sentenciaram réus menos atraentes, em
média, a 22 meses de prisão mais do que condenaram réus atraentes, enquanto
participantes racionais não sentenciaram diferencialmente em função da
atratividade;
c) quanto maior o grau em que o sistema experiencial superou o
sistema racional em um dado participante, mais provável que o participante
sentenciou o réu menos atraente a sentenças mais severas;
d) Participantes emocionais eram mais propensos a relatar que fatores
extralegais teriam mudado seus veredictos (por exemplo, trabalho de caridade do
réu);
e) quanto maior o grau em que o sistema experiencial superou o
sistema racional em um dado participante, mais provável que o participante
relatasse fatores extralegais afetaria seus vereditos.
f) havia uma tendência para os participantes emocionais classificarem
os réus menos atraentes como mais propensos a serem o "tipo de pessoa" que
cometeram crimes; e
g) Os participantes emocionais também exibiram uma tendência global
de ser mais propensos à convicção, independentemente da atratividade do réu,
condenando os réus em geral a uma taxa 15% maior do que os participantes
racionais.
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Embora os réus atraentes não se saíssem melhor em geral, mesmo se
tivessem jurados experimentais fazendo seus julgamentos de culpa (isto é, foram
condenados nas mesmas taxas pelos jurados E e R) réus menos atraentes se
saíram pior se sua determinação de culpa fosse feita por um jurado E, sendo 22%
mais propensos a ser condenado por um jurado E do que por um jurado R. Então,
ao invés de um viés de leniência de atração operando entre os jurados E, um viés de
convicção de "autoritarismo do feio" foi exibido. Embora as magnitudes de alguns
dos efeitos fossem moderadas, elas pareciam ter alguma importância no mundo
real, porque são grandes o suficiente para pressagiar resultados praticamente
importantes (por exemplo, jurados E condenaram réus não atraentes a 22 meses a
mais de prisão).
Além dos resultados estonteantes, que devem ser discutidos, firma-se
que a prévia ênfase de psicólogos do direito em características externas dos jurados
e réus (cor, idade, gênero, beleza, etc) podem ser associadas com características
internas de processamento (julgamentos, estereótipos, etc). Neste ponto, portanto,
conectamos as influências internas (preconceitos de beleza) ao comportamento
emitido, e principalmente ao estado emocional. Se o direito fosse uma ciência, já a
muito tempo a figura do júri popular teria sido extinta. Não há argumentos que
sustentam a continuidade de um instituto que é tão suscetível a erros, jurídicos e
principalmente psicológicos.
7. O DIREITO AO ERRO DO JUIZ
De fato, juízes são humanos. Esta é a única condição necessária para
que o magistrado (inclui-se aqui também os participantes do júri popular) esteja
suscetível aos erros cognitivos, desde o priming effect até o esgotamento do ego. Já
passamos por todas as evidências de que os julgamentos podem ser afetados de
forma inconsciente, mas o que viria depois disso? Há portanto, uma necessidade de
lidar com a possibilidade do injustiça diariamente, e, sabendo disso, não é uma
opção negligenciar os erros cognitivos.
O direito no Brasil é tradicionalista e lento em relação à novas
descobertas e outras ciências. Existe, de fato, uma tendência ao formalismo legal
muito maior do que ao realismo, o que é um triste sintoma do conservadorismo que
ronda o sistema judiciário. A partir desta ótica, é possível ver o juíz como vítima do
sistema: Mal formado em relação a importância da psicologia no direito nas
graduações, é rodeado por uma construção cultural (ironicamente, psicológica) de
enaltecimento de suas próprias decisões.
Dito isso, qual deve ser a postura correta em relação aos prováveis
erros cognitivos do juiz é um debate que atrai as atenções, principalmente da ótica
científica. O primeiro ponto é: O magistrado (ou júri), possui culpa de um julgamento
enviesado? A resposta é que obviamente, não. Os fenômenos cognitivos
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automáticos podem de fato ser evitados (não na maioria das vezes), mas o gasto de
atenção e esforço para tanto seria tão grande, que se tornaria insustentável e
moroso, tornando mais lento ainda os trâmites judiciais, o que é exatamente o que
não precisamos para o nosso sistema judiciário.
O ideal de justo está comprometido pela própria natureza humana, mas
como sempre o fizemos, podemos tentar controlá-la; neste caso, principalmente com
divulgação de conhecimento científico. O fato do judiciário estar ciente das ciências
que os permeiam, nos aproximaria de um autoconhecimento que inevitavelmente
levaria à reflexão dos próprios processo automáticos diários, que parece ser
justamente o grande causador de erros cognitivos.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Baseado em evidências científicas empíricas, chegamos à inevitável
conclusão que o sistema judiciário não é totalmente racional, e que sofre influências
extralegais que não deveriam acontecer. O resumo é um olhar para nós mesmos,
pois tais influências não são apenas externas, mas também internas; são nossos
próprios conceitos e nossa própria história de vida que coloca um sobrepeso na
balança da justiça.
Embora o foco do artigo tenha sido em decisões judiciais, suspeita-se
da presença de outras formas de simplificações de decisões de especialistas em
outras áreas, nas decisões ou julgamentos sequenciais importantes, como decisões
legislativas, decisões médicas e decisões financeiras. Os resultados dos
revisionados artigos adicionam à literatura que documenta como os especialistas
não estão imunes à influência de informações irrelevantes nas suas decisões. De
fato, a caricatura de que a justiça é o que o juiz comeu no café da manhã pode ser
uma caricatura apropriada para a tomada de decisão humana em geral.
Entendemos assim, então, o peso dos preconceitos que carregamos, e
principalmente, como eles se manifestam de forma inconsciente, e impactam nossas
escolhas, que acreditamos ser fruto de racionalidade. Quando nos transportamos ao
mundo jurídico, principalmente em uma ação que estamos pessoalmente envolvidos,
temos a comum idealização de que, naturalmente, se fará justiça. É incômodo
pensar que a ―tabula rasa‖ não existe, e o futuro da vida civil de alguns pode ser
comprometido pelo estado de espírito presente do juiz ou jurados. A noção de justo
deve ser posto à prova, e o sistema processual, repensado, de forma que os
mecanismos impostos blindem as influências psicológicas externas (e internas,
eventualmente).
O que está ao nosso alcance, de fato, é aceitar que temos estereótipos
e preconceitos que nos rondam a todo o momento e são inevitáveis, aplicar melhor o
pensamento científico nas graduações, de forma que nos questionemos a todo
momento, e estar aberto à integração de outras ciências no sistema judiciário. Nada
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em nosso universo é binário e simplista, a busca de verdade real possui inúmeras
óticas, e a justiça se faz observando todas elas, contradizendo a ideia de que ―a
justiça é cega‖. De fato, nunca foi, mas não só isso: É também enviesada. O juiz é
um meio da concepção de se fazer justiça, um portador da balança e da espada e
que de fato, pode ser cognitivamente cega, esfomeada, e que ama pessoas bonitas.
REFERÊNCIAS
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Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
27
A METODOLOGIA ATIVA NA ABORDAGEM SOBRE DROGAS COM
ADOLESCENTES DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP
Rafaella Ribeiro de Figueiredo
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Beatriz Fernandes
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Dênis Morgão Sertório
Graduando em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Carolina Garcia Braz Trovão
Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
1.
INTRODUÇÃO
A adolescência é definida pela transição entre a infância e fase adulta e
pode abranger diversos períodos de idade, pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como o período entre 10 e 19 anos, a Organização das Nações Unidas
(ONU) entende a adolescência como idade de 15 a 24 anos. No Brasil esta é
conceituada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entre 12 e 18 anos.
Apesar de diversas definições é caracterizada pelo impulso no desenvolvimento
físico, mental, emocional, sexual e social do indivíduo (EISENSTEIN, 2005).
Além disso, é na adolescência em que ocorre o desenvolvimento das
habilidades pessoais e interpessoais, por isso o indivíduo busca interações sociais e
integração em seu meio, o que pode influenciar em sua tomada de decisões.
Ademais este período é caracterizado por um universo de experimentações
(descoberta do novo) e identificações e este processo pode justificar o uso de
substancia lícitas e ilícitas. O consumo de drogas, entre os adolescentes, vem
aumentando na sociedade contemporânea, estimulado por diversos fatores
relacionados ao desenvolvimento, principalmente social, desta fase da vida do
indivíduo (PEREIRA VASTERS e PILLON, 2011).
Drogas são definidas por qualquer substância que produz uma
alteração do funcionamento natural do sistema nervoso central do indivíduo quando
introduzida ao organismo, e, além disso, é suscetível a criar dependência
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psicológica, física ou ambas (MEDINA, REBOLLEDO e PEDRÃO, 2004). Segundo
estudos de escala internacional, seu consumo tem aumentado. Na Grã Bretanha, é
visto que cerca de 100.000 habitantes de sua população têm utilizado heroína
(GERADA e ASHWORTH, 1997). No Chile, a taxa nacional de consumo em todos os
níveis socioeconômicos é de 11% entre as mulheres e 17% entre os homens, sendo
que a droga mais consumida é o álcool (70%), e depois desta a maconha, com
16,3% (DONOSO , 2003).
No Brasil, dados de 2010, evidenciam que a droga mais consumida por
alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e privadas é o álcool
com taxas de 42,4%, seguido do tabaco (9,6%) e maconha (3,7%). Quando avaliado
apenas os dados de estudantes da rede pública de ensino, a terceira droga mais
utilizada com taxas de 4,9% são solventes e inalantes, seguido de maconha (3,7%)
e de anfetamínicos (2,1%). Comparando estudantes de rede de ensino públicas e
privadas, houve maior consumo de drogas, exceto tabaco e álcool, entre os estudos
de rede privada, 13,6% e taxas de 9,9% entre os de rede pública (REIS e BASTOS,
2010).
O Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) é uma das ações do
Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2003, com a união do Ministério da
Saúde e Ministério da Educação, a fim de contribuir para a formação integral dos
estudantes da rede pública de ensino por meio de ações de prevenção, promoção e
atenção à saúde. O projeto tem como objetivo realizar ações de promoção da saúde
sexual e da saúde reprodutiva de adolescentes e jovens. Além disso, pode ser
utilizada como ferramenta para prevenção do uso de drogas e conscientização dos
riscos de seu consumo (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018).
Para a realização destas ações, é indispensável reconhecer que o
jovem é detentor de saberes e práticas que devem ser respeitadas e valorizadas na
construção do conhecimento. Deste modo, construir espaços de diálogo entre
adolescentes, professores, profissionais de saúde e comunidade é,
comprovadamente, um importante dispositivo. Assim, a abordagem sobre drogas no
ambiente escolar é uma forma de educar, informar e problematizar os riscos e as
consequências de seu uso através da criação de vínculo com os adolescentes
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
As metodologias ativas, de acordo com Bastos são definidas como um
―processo interativo de conhecimento, análise, estudos, pesquisas e decisões
individuais ou coletivas, com a finalidade de encontrar soluções para um problema‖.
Estas se baseiam em formas de desenvolver o processo de aprendizagem,
utilizando experiências reais ou simuladas, visando às condições de solucionar, com
sucesso, desafios advindos das atividades essenciais da prática social, em 5
diferentes contextos. (BASTOS,2006)
FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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O uso dessas metodologias, segundo Berbel, podem propiciar uma
motivação autônoma para a produção do conhecimento, quando integrar a
percepção do aluno para a origem de uma própria ação, ao exibirem oportunidades
de problematização de situações envolvidas no contexto social. Dessa maneira, as
metodologias ativas se apresentam como ferramentas essenciais no
estabelecimento de um diálogo que promove reflexão e enfrentamento de questões
de difícil abordagem por trazerem consigo conflitos, contradições e, sobretudo, o
interesse dos jovens. (BERBEL,2011)
Assim, devido a grande taxa consumo de drogas entre os adolescentes
a abordagem do tema é de grande importância, destacando a prevenção e
conscientização dos agravos à saúde gerada pelo seu uso.
2.
OBJETIVOS
Relatar a experiência de estudantes de medicina acerca da utilização
de metodologias ativas, na abordagem sobre o uso de drogas por adolescentes, a
fim de promover maior sensibilização por meio da reflexão sobre o tema.
3.
METODOLOGIA
Para realização da atividade participaram cerca de 50 adolescentes
que cursavam o ensino médio de uma escola pública estadual na cidade de
Franca/SP, com idades entre 14 e 18 anos, os quais foram divididos aleatoriamente
em grupos de 4 a 5 integrantes. Foram realizadas duas rodadas da mesma
atividade, assim, havia cerca de 25 alunos em cada rodada.
Foram eleitas 5 drogas cujo uso, segundo pesquisas realizadas no
Brasil, é mais prevalente nessa faixa etária: álcool, ecstasy, maconha, cocaína e
―lança perfume‖ para serem trabalhadas por cada grupo, fazendo um rodízio com o
intuito de trabalhar cada droga de forma individual. Cada grupo continha um
acadêmico como aplicador, o qual foi responsável por descrever dicas previamente
elaboradas que abordavam 4 tópicos acerca de um determinado entorpecente:
modo de utilização/ingestão da droga; mecanismo de ação no sistema nervoso
central; efeitos desejados e indesejados e consequências do uso agudo e crônico.
Desta forma, após a leitura das dicas, os adolescentes discutiam entre
si quais as substâncias poderiam causar tais efeitos, revelavam sua escolha e
justificavam a resposta. Ao término da discussão, o aplicador revelava o nome da
droga em questão e retomava todos os efeitos citados, enfatizando a capacidade da
droga de causar vício e o mecanismo envolvido na dependência, com explicações
simples sobre a ação no sistema nervoso central. Em seguida, os alunos trocavam
de grupo e repetiam a atividade com outra droga. Ao final de todos os grupos foi
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realizada uma síntese com ênfase no mecanismo da dependência química e uma
breve discussão sobre as dúvidas que surgiram durante a dinâmica.
4. RESULTADOS
A realização do projeto não permite a elaboração de dados
quantitativos sobre o uso de drogas entre os adolescentes. Os estudantes foram
bastante participativos durante toda a atividade, o que reforça a necessidade de
utilização de metodologias ativas para este público, uma vez que detém a atenção
dos adolescentes e permite ao aplicador conhecer em detalhes o nível de
informação dos participantes e conseguir retirar suas dúvidas e correlacioná-las com
seu contexto social, além de possibilitar a construção ativa do conhecimento.
Os estudantes de medicina identificaram que a maioria dos alunos
conseguiram reconhecer a droga sem que o aplicador expusesse todas as dicas e,
que além disso, eram capazes de indicar outras drogas que desencadeavam efeitos
semelhantes, informando que já teriam contato direto ou indireto com a substância.
Entretanto, apesar do conhecimento sobre os efeitos, foi perceptível que a maioria
desconhecia o potencial risco de dependência e o mecanismo de ação das
substâncias abordadas, o que possibilitou ainda discussão e reflexão sobre os
mecanismos de dependência.
A participação ativa dos jovens foi de suma importância para o
aproveitamento da atividade, uma vez que, através das questões levantadas a partir
do conhecimento prévio dos adolescentes, cada aplicador direcionou a dinâmica
para informações específicas de acordo com o tema e nível de conhecimento de
cada grupo e dúvidas geradas durante a aplicação da atividade. Desta forma,
permite que o conhecimento teórico seja aplicado a sua realidade e permita
consolidações desta informação.
5. DISCUSSÃO
Na atenção básica, o modelo de ações de promoção da saúde,
pautado na formulação da Saúde da Família, tem proporcionado mudanças positivas
na relação entre os profissionais de saúde e a população, pois houve uma evolução
na comunicação entre os dois pontos-chave da situação, ou seja, tanto entre os
profissionais quanto os usuários do sistema de saúde. Com essa maior interação
entre profissionais da saúde e comunidade, tornou-se possível o desenvolvimento
de um canal permanente de interação. Por meio da integração do setor da saúde e
da educação, essa mesma interação é construída. As alterações na própria
estrutura dos serviços prestados pelo setor da saúde modificou o padrão de
assistência oferecida à população pelo sistema público de saúde, pois, sabe-se que
a população, cada vez mais, torna-se empoderada no sentido de compreender o
FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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conceito de que saúde ultrapassa os limites da ausência de doença. Por esse
motivo, a atuação permanente do projeto SPE apresenta impacto significativo no
desempenho de ações que visam promover a conscientização da população
adolescente (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018).
A atuação dos acadêmicos de medicina é uma ferramenta com grande
potencial, uma vez que, desde o início da graduação, os discentes são encorajados
a buscar o conhecimento sobre o sistema de saúde, as demandas específicas da
população e a reconhecer as potencialidades e fragilidades do território. Sendo
assim, o que se refere à contribuição para a comunidade, deve-se ressaltar que o
projeto SPE promove o desenvolvimento de futuros profissionais capazes de atuar
integralmente na vigilância à saúde e mais familiarizados com as particularidades de
cada faixa etária. Diante dessa abordagem, pode-se ressaltar o quanto é relevante
compreender que o jovem é detentor de saberes e práticas que devem ser
respeitados e valorizados na construção do conhecimento. Deste modo, construir
espaços de diálogo entre adolescentes, professores, profissionais de saúde e
comunidade é, comprovadamente, um importante dispositivo. Assim, a abordagem
sobre drogas no ambiente escolar é uma forma de educar, informar e problematizar
os riscos e as consequências de seu uso através da criação de vínculo com os
adolescentes (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018).
Através da metodologia ativa, obtém-se a vantagem de se perceber
quais os conhecimentos os participantes já possuem, trabalhando mais
profundamente os aspectos ainda deficitários. Foi utilizada a metodologia ativa sob a
forma de interpretação e reflexão a partir do conhecimento prévio dos participantes.
O objetivo dessa abordagem é conseguir discutir em uma linguagem acessível sobre
um tema polêmico, mas, de extrema relevância diante do contexto ao qual estamos
inseridos. A escolha da abordagem sobre drogas surgiu de uma demanda existente
e, por essa razão, houve todo um planejamento para a atividade em questão. A
identificação do adolescente de risco em função do consumo de drogas está, na sua
grande maioria, associada a situações de vulnerabilidade social, o que se faz
presente na realidade da escola. Além disso, há a falta de acesso a informações
compreensíveis, adaptadas ao nível de interpretação dos adolescentes,
principalmente sobre os conceitos que envolvem o processo de saúde-doença,
como o risco da dependência (PEREIRA VASTERS e PILLON, 2011). Essa
realidade tornou-se clara por meio da aplicação da metodologia ativa, pois foi
possível perceber que apesar de muitos conhecerem as drogas e seus efeitos,
desconheciam o mecanismo de ação e a potencialidade de causar a dependência.
Deve-se também salientar que diversos estudos já trazem uma
associação do uso de drogas na adolescência com o desenvolvimento, a
exacerbação de sintomas e até com um pior prognóstico para distúrbios
psiquiátricos. Diante disso, deve-se destacar mais um fator que corrobora para a
relevância da ação em saúde realizada. Ademais, há uma relação clara entre o uso
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de canabinóides e um Transtorno esquizofrênico-like, que pode se evidenciar com
sintomas positivos, como alucinações, delírios, pensamentos desordenados (modos
de pensar incomuns ou disfuncionais) e distúrbios do movimento (movimentos do
corpo agitado), negativos, como redução do afeto (expressão reduzida de emoções
através da expressão facial ou tom de voz), reduzir os sentimentos de prazer na vida
cotidiana, dificuldade em iniciar e manter atividades e redução de fala ou até mesmo
por sintomas cognitivos. Foi constatada uma relação de ―fator de risco‖ entre o uso
de desse psicotrópico e os transtornos psiquiátricos, porém, as evidências já
mostram que o entorpecente por si só não causa tal enfermidade (SEWELL,
SKOSNIK, et al., 2010).
Há, também, alertas ao fato de o cérebro ainda estar passando por sua
fase final de maturação na adolescência, e que a exposição a drogas,
principalmente a maconha, que tem alta afinidade com o sistema endocanabinóide
humano, pode causar modificações sutis na neuroplasticidade cerebral,
desencadeando os transtornos psiquiátricos, como já citado, ou ainda modificando a
funcionalidade desse sistema a longo prazo, que permanecerão até a vida adulta do
indivíduo (PAROLARO, 2010).
Em um estudo realizado em Pelotas/RS, evidenciou-se que há uma
relação entre maior número de faltas nas aulas e pior desempenho escolar, avaliado
através de reprovações, com duas vezes mais chance de ocorrer em jovens que
faziam o uso de drogas. Entretanto, o mesmo estudo reafirma que não há uma
evidência causal do uso de drogas levando a tal queda de rendimento, visto que
problemas sociais dos jovens também poderiam levá-los a um pior aproveitamento
escolar e ao uso de drogas. Todavia, fica o alerta para que se avalie o uso dessas
substâncias como fatores associados e que se desestimulem seus usos a fim de
garantir um melhor desempenho cognitivo (TAVARES, BÉRIA e LIMA, 2010).
Diante dessa abordagem, pode-se também inferir que, mesmo
havendo diversas campanhas sobre o tema, quando as informações não são
compreendidas, tornam-se ineficazes. Por essa razão, vale ressaltar o impacto do
projeto SPE, uma vez que, por meio dele, há a realização de prevenção e promoção
de saúde perante a demanda específica identificada, as quais necessitam de tempo,
vínculo e continuidade para surtirem efeito.
Ademais, a oportunidade de
problematizar o consumo de drogas, permitiu aos jovens elucidar muitas questões,
inclusive sobre os desafios de não usá-las em uma esfera em que há diversos
fatores facilitadores para o uso.
Entretanto, deve-se ressaltar que ainda é preciso intensificar esse
processo de ações preventivas, pois através dessa atividade, foi perceptível que
apesar do conhecimento sobre as drogas, os alunos desconheciam todos os seus
efeitos, as causas da dependência e as consequências a longo prazo decorrentes
do uso de tais substâncias. Assim, pode-se afirmar que é preciso explorar e
trabalhar cada vez mais na elaboração de medidas que possam articular a
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assimilação do conhecimento como uma fonte de promoção da saúde,
principalmente quando o público alvo é jovem, o qual demanda informações
objetivas desvinculadas do discurso opressor e autoritário.
Por fim, sobre a experiência do uso da metodologia ativa, deve-se
destacar que, como aplicadores, foi possível identificar que a dinâmica foi eficaz,
pois, alcançou a meta de proporcionar aos participantes um momento de reflexão
sobre o uso de drogas, sem a necessidade de um discurso proibitivo e sim por meio
de uma motivação na produção de um conhecimento estruturado e integrado, capaz
de instigar uma reflexão individual sobre suas próprias ações, uma vez que o
enfoque era problematizar situações envolvidas nas consequências do abuso de
drogas e empoderar os adolescentes a se posicionarem quanto ao assunto.
6. CONCLUSÃO
A partir dessa vivência, foi possível identificar que muitos jovens
conhecem e fazem uso de drogas de recreação, expondo-se ao risco de evoluírem
do uso experimental para a dependência. Logo, a metodologia utilizada foi
fundamental para envolvê-los na atividade e levá-los à tal reflexão. Tais práticas são
essenciais para a compreensão dos fatores envolvidos no uso dessas substâncias
pelos jovens, de modo a agirmos mais ativamente sobre esse cenário e
contribuirmos para possível redução do consumo, à luz de práticas intersetoriais
como saúde e educação.
Reforça-se que a ferramenta intersetorial criada pelos Ministérios da
Saúde e Educação ainda é pouco utilizada pela Atenção Básica como meio de
promover saúde e prevenir doenças e agravos, mesmo esta tendo grande
importância para empoderar os jovens sobre assuntos que influenciarão ao longo de
todo o resto de suas vidas.
Conclui-se, também, que a falta de conhecimento sobre os possíveis
danos que o consumo de drogas pode gerar, torna evidente a necessidade de se
apresentar aos jovens tais risco ao uso dessas substâncias, e como elas podem
interferir em suas relações emocionais, sociais e laborais, tanto no presente, quanto
no futuro.
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FIGUEIREDO, Rafaella Ribeiro de; FERNANDES, Ana Beatriz; SERTÓRIO, Dênis Morgão;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
Psicologia e Transformação
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ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA
EXPERIÊNCIA DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER
BICK
Lauany Barbosa Cintra
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Ana Carolina De Souza Ramos
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
Irma Helena Ferreira Benate Bomfim
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
O método de Observação de Bebês de Esther Bick permite ao
observador analisar muitos aspectos a partir de sua experiência, pois além da
relação mãe-bebê e de seu desenvolvimento dentro da dinâmica de sua casa, ele
pode também analisar questões de sua própria postura nesse contexto, o que
possibilita agregar em sua formação profissional e pessoal.
A formação como terapeuta exige um raciocínio clínico que pode ser
desenvolvido pela observação e o treinamento da transferência terapêutica. O
método de Esther Bick proporciona o exercício dessa habilidade de observar e
discriminar ―o que é meu e o que é do outro‖, deixando aparente o processo de
formação do raciocínio clínico, que se não funciona dentro da configuração de que o
terapeuta não pode inferir sobre a demanda do paciente, interfere na efetividade da
análise.
Na experiência do grupo de 2018 do estágio analisado, foi percebido
que a troca de experiências em supervisão contribuiu para a integração pessoal no
estágio, o que despertou o interesse de uma das pesquisadoras para analisar quais
as contribuições desse processo para a formação como terapeuta.
O objetivo da presente pesquisa foi identificar quais as contribuições
que o Estágio de Observação de Bebês proporciona na formação como terapeuta,
analisando através de questionários como foi a experiência no papel de observador
da relação mãe-bebê de estudantes de Psicologia do 2º ano ao 5º ano da UniFACEF que efetuaram o estágio no 2º ano do curso durante seis meses entre os
anos de 2015 a 2018.
Em um primeiro momento foi realizada uma pesquisa bibliográfica, e
em um segundo momento foi realizada uma pesquisa de campo, na qual foi aplicado
ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA
DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
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um questionário com quatorze perguntas, abertas e fechadas, para estudantes de
Psicologia do 2º ao 5º ano da Uni-FACEF, no ano de 2018, que fizeram o Estágio de
Observação de Bebês no 2º ano do curso. Para a aplicação do questionário foram
distribuídos nas turmas do curso a cópia de um QR Code para acessar o link no
Google Forms, entre os alunos que fizeram o estágio, 14 responderam. Esse
material baseou o desenvolvimento da pesquisa, possibilitando relacionar a teoria
sobre o método de Esther Bick e a experiência dos estagiários.
2. CARACTERÍSTICAS ESPERADAS PELA PSICANÁLISE NA PRÁTICA
CLÍNICA
Na psicologia existem várias linhas de pensamento e cada uma delas
enxerga a prática clínica de forma diferente. Entre essas abordagens está a
psicanálise, que demanda do analista um funcionamento clínico, que Zimerman
(2007) sintetiza em alguns pontos principais, entre eles: a ética, a empatia, o olhar
específico e intuitivo, a aliança terapêutica, que garante a continuidade sustentável
do processo analítico de cada paciente, o respeito pelas verdades do outro, o
posicionamento adequado, a capacidade de receber e identificar as questões do
paciente sem inferir suas próprias questões durante o processo.
A ética profissional do psicanalista garante ao paciente que seu caso
seja restrito apenas à análise, facilitando que ele se sinta confortável em falar
livremente sobre suas questões. Também demanda que o psicanalista seja neutro
no sentido de não evidenciar seus próprios conceitos, tendo um posicionamento
adequado.
A formação da aliança terapêutica é essencial para o sucesso do
processo de diversas vertentes psicoterápicas. De acordo com Cordioli (1998, p.73),
a aliança terapêutica é ―a capacidade do paciente de estabelecer uma relação de
trabalho com o terapeuta, em oposição às reações transferenciais regressivas e à
resistência‖. Sendo assim, o terapeuta deve agir nos primeiros encontros para
possibilitar que o paciente crie um vínculo de trabalho específico dentro do contexto
da análise, o que leva a continuidade do processo de forma mais proveitosa para
ambos. Para isso, o terapeuta precisa ter um posicionamento de acolher o que a
pessoa traz para a relação, aceitando as verdades colocadas, e estando atento às
identificações projetivas e transferenciais que podem ocorrer neste contexto.
Durante o processo analítico algumas situações são difíceis e
estabelecem períodos não verbais, exigindo do analista uma ação terapêutica
decorrente de seu manejo através da transferência, constituindo um vínculo capaz
de estabelecer a manutenção e validade da análise. A psicanálise se coloca como
cura pela palavra, mas nos períodos não verbais apenas a força relacional das
transferências garante o alcance do que não é compartilhável através de palavras,
CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves;
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate
Psicologia e Transformação
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pois o que se estabelece é uma comunicação dos e através dos afetos que também
é muito importante para o progresso da análise.
Em 1905, Freud definiu o que é a transferência, diante do fracasso do
caso de Dora:
O que são transferências? Elas são novas edições [...] de impulsos e
fantasias que são despertadas e tornadas conscientes durante o progresso
na análise; mas elas têm essa peculiaridade, que é uma característica
particular, de que elas substituem alguma pessoa primitiva pela pessoa do
médico. Colocando em outras palavras: toda uma série de experiências
psicológicas são revividas, não como pertencente ao passado, mas
aplicadas ao médico no momento presente. [...] Dora atuou um fragmento
essencial de suas lembranças em lugar de relembrá-los (FREUD, 1974, p.
133).
Antes de reconhecer a transferência como um método terapêutico,
Freud a definia como um mal para o analista, pois ela era resultado do vínculo
humano que se formava na relação e podia ser mal interpretada, afetando a
efetividade da análise. Hoje, a função da transferência é constatar aquilo que pode
ser apenas mostrado pelo analisando quando este passa pelos períodos de
regressão e não consegue elaborar sua fala. Durante o percurso do tratamento o
paciente se esquiva de alguns períodos na análise, e é a partir da transferência que
se identifica os traumas e conflitos, pois ela permite o acesso ―entre passado e
presente, entre obstáculo e função terapêutica, entre alianças e repúdios ao manejo
clínico, configurando dificuldades que revelam a singularidade de cada paciente‖
(PALHARES, 2008, p. 103).
No
processo
psicanalítico
clínico,
as
transferências
e
contratransferências também podem dar errado, mas o analista não deve ter
vergonha de reconhecer os erros, nem deve ser visto como detentor do saber e
sugestionador infalível, mas sim como alguém que se pode confiar na franqueza e
sinceridade, para obter o reconhecimento sincero de um erro sem sentir ameaça
(FERENCZI, 1988). A falha do analista favorece que as situações difíceis e
traumáticas sejam vivenciadas no processo terapêutico, e se essa falha não for
reconhecida pode levar o paciente a ser onipotente dentro da experiência
traumática. Para se voltar novamente em condições que favoreçam a criatividade
primária, este paciente reconfigura as relações dentro e fora de si, ainda através do
setting analítico.
A aliança terapêutica faz parte do chamado setting terapêutico (ou
analítico), sendo que um fator interfere no outro, e ambos são importantes para o
contexto analítico, pois permitem que o paciente encontre liberdade para reproduzir
as suas questões, e a dupla consiga perceber fatores como a transferência existente
nos conteúdos, por exemplo. De acordo com Zimerman (2008), o setting terapêutico
é definido por vários autores como o conjunto de características do ambiente em que
o processo da análise ocorre, sendo fatores físicos e emocionais do contexto. O
ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA
DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
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ideal é que o analista e o paciente consigam construir juntos esse espaço, através
de combinados relacionados ao contrato terapêutico, que devem ser seguidos de
forma permanente, mas que poderão passar por modificações necessárias durante o
processo, sendo que a postura do analista em relação a isso deve ser firme, porém
acolhedora as necessidades de cada indivíduo.
No entanto, assim como Pereira e Kessler (2016) referenciam, o tripé
fundamentalmente necessário para a formação de um psicanalista é ter
conhecimento da teoria específica, ter supervisão da prática clínica, e estar sempre
em análise pessoal. A graduação em psicologia proporciona um conhecimento
básico sobre as teorias psicanalíticas, mas não abrange a especificidade da
abordagem, sendo necessário a busca por formações que integrem esses
conhecimentos básicos e garanta seu reconhecimento profissional como
psicanalista. Na supervisão, o analista tem orientações sobre sua prática através do
olhar do supervisor, que geralmente, é um profissional com mais experiência e
formação na mesma linha de pensamento. E por último, porém tanto necessário
quanto os outros fundamentos, a importância de estar em análise pessoal, para
quando o inconsciente não resolvido do analista for invocado durante as sessões
com o paciente, ele saiba identificar e ter um manejo adequado, para que as
repercussões não prejudiquem o setting terapêutico.
3. OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NO MÉTODO DE ESTHER BICK E O PAPEL DE
OBSERVADOR
O desenvolvimento humano requer essencialmente uma conexão que
se tem com a mãe enquanto ainda é bebê. A troca do bebê com a mãe e com o
ambiente físico, social e emocional, potencializa o desenvolvimento do bebê nos
âmbitos psíquico e fisiológico. Com foco nesse desenvolvimento, a psicanálise
buscou descrever e compreender o processo de formação da identidade desde o
nascimento, propondo diversas teorias. Um dos métodos utilizados para testificar
essas teorias, foi o método de Observação de Bebês de Esther Bick, que funciona
de modo que o observador, através de suas próprias reações, capte os movimentos
de construção psíquica do bebê, que estão ligados à estímulos internos e fantasias
inconscientes e singulares, que não são acessadas diretamente pelo observador.
O método de Observação de Esther Bick, foi desenvolvido para
psicoterapeutas de crianças e psicanalistas em formação, com objetivo de exercitar
a contratransferência, utilizando-a como ferramenta para observar sem intervir na
realidade da dupla mãe-bebê. O observador psicanalítico vai se inserindo na família
conforme os membros o permite participar, no entanto, se mantendo em seu papel
sem outras atribuições como o aconselhamento.
A técnica desenvolvida por Bick consiste em visitas semanais do
observador à casa da família, com duração de uma hora, no período de um ano, e
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quinzenalmente no segundo ano. Os registros devem ser detalhados e depois
discutidos em um grupo de supervisão, onde se pode compartilhar as vivências e
amplificar a compreensão e o sentido destas, podendo organizá-las de outra forma.
Em resumo, segundo Nascimento, Almeida e Pedroso (2008), os procedimentos da
técnica se organizam em observação, anotação e supervisão, e também destacam
os seguintes aspectos durante a observação:
[...] a relação mãe-bebê (antes e depois do parto); banho, higiene e troca de
fraldas; alimentação, amamentação; a maneira como o bebê é tranquilizado
(em situações de dor, angústia, desconforto, fome); sono; o choro; o brincar,
a ―conversa‖, o sorriso, as solicitações, seus símbolos, as descobertas do
mundo; a participação de cada membro da família. (NASCIMENTO;
ALMEIDA; PEDROSO, 2008, p. 5)
O observador precisa manter um estado de mente que o permita
observar suportando suas críticas e suas ideias já criadas inicialmente sobre a dupla
mãe-bebê (Mélega, 2008). Para que haja uma aprendizagem sobre as vivências, o
observador tem que significar suas reações frente aos impactos emocionais dos
sentimentos e ansiedades da díade mãe-bebê, entretanto, é necessário sentir para
poder pensar, e assim então, aprender sobre os aspectos que Stocche (2003)
verifica serem principais na metodologia de Esther Bick: o ponto de vista do
observador, da relação mãe-bebê, do desenvolvimento neuropsicomotor e da
reconfiguração da dinâmica familiar com o nascimento do bebê.
4. DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO ATRAVÉS DO ESTÁGIO DE
OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NO MÉTODO DE ESTHER BICK NA UNI-FACEF
Os estágios são oportunidades de colocar em prática algumas
modalidades da profissão que se espera exercer após a graduação, estando ainda
em âmbito acadêmico, tendo a chance de aprender com as experiências pessoais e
de colegas, com orientações de supervisores, além de ser um primeiro contato com
os ambientes e realidades das diversas áreas de atuação, tendo uma visualização
mais ampla da teoria.
No curso de psicologia do Centro Universitário Municipal de Franca,
uma média de 8 alunos são selecionados, através de cartas de intenção, no 3º e 4º
semestre para participar do Estágio de Observação de Bebês usando o método de
Esther Bick. Inicialmente, em supervisão são realizadas discussões e reflexões
teóricas que introduzem o conteúdo a ser aprendido com a experiência do estágio.
Na sequência, cada estudante procura sua própria família candidata para realizar as
observações, tendo que atender os critérios de não ter grau de parentesco ou
amizade muito próxima com o observador, e ser um bebê que tenha entre 0 e 11
meses de idade.
Antes de iniciar as observações, é necessário fazer uma entrevista
utilizando um roteiro de anamnese, para obter informações básicas sobre o
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DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
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funcionamento e as características do contexto familiar e do desenvolvimento do
bebê. Em seguida, as observações são realizadas em 2 horas semanais durante o
semestre, diferente do método original proposto por Esther Bick, que determina um
período de 2 anos.
O estágio tem o objetivo geral de formar a atitude clínica do estudante,
através da introdução em atividade de observação supervisionada, na área de
psicologia do desenvolvimento infantil primitivo, com base na psicanálise. As
orientações em supervisão auxiliam na compreensão sobre o papel de observador e
propiciam que o estudante coloque em prática uma postura própria do contexto
clínico.
Segundo Mélega (2008), o contato prévio com a mãe para iniciar as
observações serve para criar condições favoráveis para as próximas visitas,
combinando com a mãe os horários possíveis, explicando como funciona e quais os
objetivos do estudo. As normas para essa técnica são utilizadas também em clínica,
geralmente na entrevista inicial e primeiras sessões, quando o terapeuta negocia os
valores, explica sobre o processo terapêutico e estabelece combinados sobre o
atendimento. A entrevista no contexto do estágio, apesar de buscar informações
específicas sobre a família e o bebê, também permite que o estudante adquira a
noção de como se configura uma entrevista inicial para utilizar depois em clínica e
em outros contextos de atuação como psicólogo.
Nas primeiras observações existe um receio por parte do estagiário,
sobre como a mãe irá reagir com a sua presença, e sobre como se apresentar de
forma confiável, esse receio contribui para que tenha um início mais cauteloso, e no
decorrer das visitas vai se desenvolvendo estratégias que permitem a compreensão
de como esses papéis se relacionam.
A forma como a família se apresenta durante as observações,
demonstrando seus costumes, valores, modos de educar e de se relacionar um com
o outro, têm um impacto sobre o observador, e este, além de não poder agregar
suas próprias questões à experiência também deve acolher. Esse exercício contribui
para a formação da atividade analítica, onde o terapeuta deve acolher a forma como
o outro se apresenta.
Nas observações a postura do estudante como observador é de
recepcionar as demandas subjetivas que surgem no ambiente, mas estas demandas
são específicas da dupla e para compreendê-las tem que exercitar sua sensibilidade
intuitiva e a capacidade de identificar as questões da relação observada sem críticas
e inferências, como um filtro. Essas capacidades desenvolvidas contribuem para a
atividade terapêutica no setting analítico.
5. METODOLOGIA
CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves;
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Este estudo buscou analisar qualitativamente a experiência do papel de
observador de bebês com base no método de Esther Bick, utilizando questionários
disponibilizados na plataforma online do Google Formulários, através de QR
Code/Link distribuídos em sala para os alunos das turmas de 2º à 5º ano de
Psicologia do Centro Universitário Municipal de Franca-SP do ano de 2018 e que
participaram do Estágio de Observação de Bebês em seu 2º ano de curso.
Os questionários abordavam questões sobre a experiência de
observador da relação mãe-bebê em 14 questões, abertas e fechadas, tendo
respondido apenas 14 participantes, no total, sendo 5 alunos do segundo ano, 3
alunos do terceiro ano, 3 alunos do quarto ano e 3 alunos do quinto ano, com idades
entre 19 e 25 anos, e apenas 3 de sexo masculino.
6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Tabela 1: Principais respostas dos discentes participantes do questionário
aplicado
Questionário
Qual era sua
expectativa sobre
sua função como
observador antes do
início do estágio?
Você teve alguma dificuldade
durante o estágio?
O que a supervisão significou
no processo de estágio?
Respostas
- Esperava que fosse
algo semelhante ao
que estudávamos em
psicologia
experimental, onde
tínhamos que observar
os movimentos do
ratinho;
- Conhecer de perto e
na prática a relação e
a proximidade psíquica
na bebê;
- Tinha expectativa de
aprender mais sobre o
desenvolvimento
humano e ver isso na
realidade, além de
presenciar a formação
do laço entre bebê e
mãe/ cuidador, tão
importante para esse
desenvolvimento.
- Tive dificuldades em manter
as sessões semanalmente, pois
a mãe que eu observava
desmarcava muito as sessões;
- A dificuldade, para mim, se
inseriu na necessidade de
manter certo distanciamento, de
não dar respostas "analíticas"
para a mãe, que muitas vezes
faz da observação e do papel
do estagiário um espaço para
desabafos e busca de
compreensão para algumas
inseguranças;
- Eu tive que mudar de mãebebê durante o estágio,
acredito que ter que começar
tudo de novo foi uma
dificuldade;
- Sentia que por estar ali
observando os atos da mãe
com o bebê, ela não agia
(naturalmente) exatamente
como agiria se eu não estivesse
ali;
- Sim. Separar o que era meu e
o que era do outro. Me vi em
vários momentos observação a
relação da mãe e do bebê;
- No começo me senti
envergonhada de ficar
observando e as pessoas se
sentirem incomodada, mas logo
- Significou um grande
crescimento pessoal e
profissional. Aprendi muito com as
trocas nas supervisões, além de
me ajudarem a ter mais segurança
e apoio naquilo em que eu estava
fazendo;
- A supervisão é muito importante
para conseguirmos delinear os
nossos objetivos, trocar
informações sobre os sentimentos
vivenciados durante a experiência
de estágio e para sermos
orientados quanto a postura que
estamos construindo, entendendo
que o nosso papel deve sempre
ser fundamentado na escuta ativa
e, nesse momento, não implica em
intervenções;
- Penso que a supervisão foi
essencial para ampliar minha
visão sobre o desenvolvimento
infantil, sobre as relações
estabelecidas, sobre o vínculo
mãe-bebê. Além disso, percebo
que muitos termos da psicanálise
passaram a fazer mais sentido por
meio do estágio e da supervisão
em si. Para mim a supervisão foi
fundamental para acolher as
angústias, dúvidas e incertezas
diante dessa experiência de
observação;
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DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
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melhorou e já não me senti
mais.
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- Um processo de elaboração das
minhas observações e do meu
próprio autoconhecimento.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2019.
Tabela 2: Principais respostas dos discentes participantes do questionário
aplicado
Questionário A sua opinião inicial sobre o estágio
mudou depois de passar pela
experiência?
O que você aprendeu exercendo o papel
de observador no estágio?
Respostas
- É interessante apreender dessa
experiência a importância da escuta ativa
do paciente em questão e de compreender
o tempo de desenvolvimento de cada
pessoa em termos analíticos. Aprender a
escutar sem emitir inferências se torna um
processo importante para toda a
construção do psicólogo em formação,
para que não realize constatações
equivocadas. Compreender que nem
sempre é necessário saber ou dar uma
resposta, mas que estar presente, "inteiro"
naquele momento significa muito;
- Aprendi que nos definimos no outro e
pelo outro. A diferenciar o que é meu do
que é do outro. A parar para
"simplesmente" sentir o momento, que
observar vai além de algo mecânico que
se limita a anotar os movimentos
realizados, mas que envolve estar com o
outro, vivenciando o momento, mesmo
quando estou observando passivamente.
Que a neutralidade "não existe", a partir do
momento em que me coloco em um lugar,
já estarei afetando este somente por estar
ali. E a importância de me atentar aos
meus sentimentos, ao minha saúde mental
para estar disponível ao outro, pois
quando estava com as emoções
"perturbadas" as observações se tornavam
empobrecidas.
- Mudou a forma de olhar para a relação
mãe e bebê, aquela relação idealizada.
Pois vendo na prática com o estágio,
percebi que tal relação apresenta sim
dificuldades e desafios para a mãe,
apesar de ser muito gratificante. Minha
visão sobre o papel do pai também, foi
algo que me chamou muita atenção,
visto que em nossa sociedade tratamos
o pai como ajudante, até mesmo as
próprias mães (esposas), mas que essa
situação está mudando a cada dia mais;
- Sim. Não imaginei que houvessem
tantos detalhes que são importantes na
relação mãe-bebê, pois algumas
questões só me surgiam como reflexão
durante a discussão com a supervisora.
Fonte: Elaborado pelos Autores, 2019.
De acordo com os questionários aplicados para os estudantes,
analisamos múltiplos aspectos sobre o método de Esther Bick e o desenvolvimento
de raciocínio clínico no papel de observador de bebês. As respostas dos
questionários serão apresentadas e discutidas, relacionando as experiências com o
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que o presente artigo referência teoricamente. Para abordar os aspectos analisados
de forma mais didática, este tópico está subdividido em três categorias temáticas
que seguem-se abaixo.
6.1.
Fantasias iniciais do estagiário frente a experiência de observação
Vimos que as expectativas da função de observador antes de iniciar o
estágio, tinham em sua maioria o desejo de compreender a relação mãe-bebê e os
impactos desse laço no desenvolvimento inicial do bebê, através da captação de
informações verbais e não-verbais da díade e das influências do meio social familiar
sobre o bebê. Algumas respostas demonstraram que o propósito do estágio não era
entendido e que o método de observação esperado era teoricamente experimental,
ou que seria realizado em um hospital.
Outra fantasia identificada nos questionários é que a observação como
método de conhecimento científico não poderia ser utilizada junto de emoções e
sentimentos. Além desta, identificou-se que a relação mãe-bebê-pai era idealizada
sem a percepção das dificuldades e desafios da mãe, e sem a participação ativa do
pai.
Em relação a forma como a mãe reagiria durante as observações, a
maioria dos estagiários apresentaram a expectativa de que elas ficariam
incomodadas e desconfiadas, e a outra parte esperavam que elas fossem receptivas
e disponíveis. Alguns estudantes que responderam ao questionário, contaram que
tiveram dificuldades ou receio nas primeiras visitas, por causa da forma como
pensaram que a família reagiria com sua presença, e que conforme as visitas
aconteciam, essa relação foi sendo modificada, eles passaram a sentir-se mais
confiantes do papel que estavam desempenhando e foram conhecendo o contexto,
fazendo com que o receio inicial fosse superado. Exemplificando esse aspecto, em
uma das respostas foi dito que ―no começo me senti envergonhada de ficar
observando e as pessoas se sentirem incomodadas, mas logo melhorou e já não me
senti mais‖.
6.2.
A experiência de Observação de Bebês
A opinião inicial sobre o estágio após a experiência para alguns
estagiários foi reforçada, para outros a vivência foi mais profunda e complexa do que
pensaram, possibilitando o treinamento da observação analítica e neutralidade.
Houve mudança na forma de ver a relação entre mãe-bebê-pai, e foi possível
perceber que a emoção e o conhecimento científico podem caminhar juntos a partir
da identificação de papéis, sob a experiência de observador. Uma das respostas dos
participantes que cabe destacar, afirma ter pensado que a mãe se sentiria
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DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
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incomodada, mas depois conseguiu se adequar em seu papel, facilitando a
naturalidade das atitudes da mãe: ―Mudou completamente, eu esperava que a mãe
se sentiria incomodada,e pelo contrário, eu era super bem recebida e os pais
adoravam conversar comigo sobre o desenvolvimento da criança ao final das
observações. Mudei também meu olhar em relação a observação, percebi os
macetes da relação mãe e bebê e o quanto existem características peculiares de
cada relação‖.
De acordo com os relatos, houve dificuldades sobre a disponibilidade
das mães. Alguns estagiários tiveram dificuldade de encontrar uma mãe disposta a
ser observada, outros contaram que a mãe desmarcava as visitas com frequência e
que foi difícil acertar os horários. Tiveram mães que desistiram do acompanhamento
e foi preciso buscar uma nova dupla para continuar o estágio.
Os estagiários relataram que durante as observações sua presença
parecia influenciar a forma como as pessoas do ambiente agiam. ―Sentia que por
estar ali observando os atos da mãe com o bebê, ela não agia (naturalmente)
exatamente como agiria se eu não estivesse ali‖, os comportamentos da mãe não
pareciam espontâneos como deveria ser de costume sem a presença do
observador.
Separar o que era próprio de si e o que era da dupla também foi uma
dificuldade para alguns alunos, pois a identificação trouxe à margem questões de
sua própria história. Um dos aprendizes contou que se viu em vários momentos
durante o processo, e outro começou a criar vínculo com o bebê ao ver o cuidado da
mãe.
Sobre saber se colocar no lugar de observador sem fazer intervenções
tanto na forma como a família se apresenta, quanto no que ela traz de demandas
psíquicas destacou-se o seguinte relato: ―A dificuldade, para mim, se inseriu na
necessidade de manter certo distanciamento, de não dar respostas "analíticas" para
a mãe, que muitas vezes fez da observação e do papel do estagiário um espaço
para desabafos e busca de compreensão para algumas inseguranças‖. Um
estagiário colocou que a família o recebeu como visita e não como observador,
sendo indiferentes em relação ao papel de pesquisador que deveria que executar.
A supervisão contribuiu para uma troca de experiências que possibilitou
a percepção da individualidade de cada participante, também deu mais segurança
aos alunos, pois o apoio da supervisora suportou o surgimento de dúvidas, receios e
o acolhimento das angústias e desconfortos sobre a experiência no processo de
elaboração do autoconhecimento. Na supervisão os conceitos eram fixados, havia
direcionamento da postura como observador através dos relatos, a visão sobre o
desenvolvimento infantil e o impacto sobre ele a partir do vínculo com a mãe foram
amplificados. Todo o processo proporcionou o crescimento tanto pessoal quanto
profissional daqueles que se integraram à experiência.
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Nascimento, Almeida e Pedroso (2008), enfatizam a necessidade da
supervisão, como um momento em que há o compartilhamento das experiências de
cada estagiário, possibilitando a troca das vivências entre o grupo e o supervisor. Os
questionários demonstraram que a supervisão contribuiu durante o processo,
possibilitando um espaço de trocas e aprendizados em diversos fatores pessoais e
profissionais. Pereira e Kessler (2016) descrevem a supervisão como o espaço em
que se obtém orientações sobre prática através do olhar experiente do supervisor,
possibilitando, assim como os estagiários descreveram, um aprofundamento de
conhecimentos específicos sobre a linha de abordagem utilizada, e nesse caso, ao
invés de discutir as demandas de pacientes, os estagiários puderam levantar
questões sobre os aspectos de desenvolvimento e dos vínculos iniciais, percebendo
que esta ligação psíquica entre a díade são fundamentais para a construção do
indivíduo.
6.3. Elementos do Raciocínio Clínico desenvolvidos pelo estágio
No desenvolvimento do artigo foi visto que muito do que é dito na teoria
pode ser verificado na prática, através das experiências dos estagiários que
participaram da pesquisa por questionários. O estágio contribuiu para a obtenção de
habilidades necessárias no contexto da observação, que por sua vez são também
importantes para o desenvolvimento de habilidades que o profissional deve ter
dentro da análise clínica na relação com seus pacientes.
Sobre os elementos relacionados ao raciocínio clínico desenvolvidos
na experiência do estágio se ressalta o relato a seguir: ―É interessante apreender
dessa experiência a importância da escuta ativa do paciente em questão e de
compreender o tempo de desenvolvimento de cada pessoa em termos analíticos.
Aprender a escutar sem emitir inferências se torna um processo importante para
toda a construção do psicólogo em formação, para que não realize constatações
equivocadas. Compreender que nem sempre é necessário saber ou dar uma
resposta, mas que estar presente, "inteiro" naquele momento significa muito‖. Os
questionários, em geral, demonstraram que os alunos tiveram a oportunidade de
treinar a habilidade de observar o outro sem julgamentos e inferências próprias,
apresentando dificuldades no início, que foram sendo trabalhadas durante o
andamento do estágio.
Segundo os relatos, o estágio contribuiu para a compreensão da
importância da terapia pessoal para o psicólogo para se diferenciar do paciente, se
disponibilizando para o outro, para assim conseguir escutar de uma maneira ativa,
mas sem fazer julgamentos sobre o outro. Para conseguir acolher o conteúdo trazido
para a análise, com um olhar específico e intuitivo e respeitando as verdades do
paciente, sabendo separar suas próprias questões das questões do outro, Zimerman
(2008) pontua que o analista precisa formar com o paciente uma aliança terapêutica,
que descreve como um vínculo essencial para o processo analítico.
ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA
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Entre outros aspectos, houve o entendimento sobre a neutralidade do
psicólogo, que significa saber ―o que é meu e o que é do outro‖, daí mais um
aspecto importante para a terapia pessoal, onde se adquire o autoconhecimento,
que permite que o estagiário e o analista estejam totalmente disponíveis para
acolher a pessoa, mas sem colocar ou confundir com suas próprias questões
pessoais.
O inconsciente não resolvido do analista pode ser invocado durante as
sessões, e quando isso ocorre, o analista deve saber identificar e manejar
adequadamente para não repercutir sobre o setting terapêutico. Pereira e Kessler
(2016) destacam daí a importância de estar em análise pessoal, este aspecto foi
também percebido pelos entrevistados durante as observações, quando tiveram
dificuldade de estar no contexto da família e lidar com suas identificações projetivas
e transferenciais para não prejudicar o processo de observação. Essa questão pode
ser confirmada quando um dos participantes diz: ―Aprendi [...] a importância de me
atentar aos meus sentimentos, ao minha saúde mental para estar disponível ao
outro, pois quando estava com as emoções "perturbadas" as observações se
tornavam empobrecidas‖.
Conforme foi apresentado no início das discussões deste artigo, os
estudantes que responderam ao questionário expressaram que tiveram dificuldades
de se adaptar a sua função nas primeiras visitas com a família, isso confirma que o
estágio proporcionou o exercício da negociação de configuração do processo, que
pode ser relacionado com o que Zimerman (2008) referencia sobre o setting
terapêutico, sendo este o conjunto de características do ambiente em que o
processo da análise ocorre, e que o analista e o paciente constroem juntos, devendo
ser a postura do analista firme e acolhedora as necessidades de cada indivíduo.
O terapeuta deve criar um vínculo de trabalho específico dentro do
contexto da análise e ter um posicionamento acolhedor ao que a pessoa traz para a
relação, aceitando a forma como ela se apresenta, e estando atento às
identificações projetivas e transferenciais que podem ocorrer, pois elas permitem
acessos que revelam a singularidade do indivíduo. Além desses aspectos que
Cordioli (1998) descreve, os estagiários perceberam que, assim como os analistas,
não deviam ser vistos pela mãe como detentores do saber ou sugestionadores, mas
como Ferenczi (1988) pontua sobre a postura do analista, devem ser alguém
confiável, franco e sincero.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do referencial teórico e dos conteúdos obtidos através dos
questionários, conclui-se que o objetivo da pesquisa foi atingido, pois foi possível
investigar sobre as atribuições do estágio em Observação de Bebês para a
formação como terapeuta nos alunos que participaram da pesquisa.
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De acordo com a análise foi visto que o Estágio de Observação de
Bebês conferido no Centro Universitário Municipal de Franca, proporciona aos
estudantes o desenvolvimento de características do raciocínio clínico, importantes
para a atuação profissional futura, além de transformar o olhar sobre a formação
psíquica dos indivíduos relacionada ao desenvolvimento inicial, e destacar a
importância da análise pessoal, do conhecimento específico e supervisão das
atividades, para subsidiar sua responsabilidade sobre o processo analítico.
Diante dos questionários respondidos, foi possível separar três
categorias importantes para a análise das respostas, sendo relacionadas às
expectativas dos estagiários antes da vivência, à experiência em si, e aos elementos
que desenvolvem o raciocínio clínico. A partir desta pesquisa percebeu-se a
necessidade de aprofundamento sobre a postura de observador na formação de
psicólogos e analistas, pois essa experiência atenua as expectativas sobre a futura
atuação nas diversas áreas como psicólogo, principalmente no manejo clínico.
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Disponível
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<http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v22n2/v22n2a13.pdf> Acesso 29 mar. 2019.
STOCCHE, Theodolinda Mestriner. Observação da relação mãe-bebê: método
Esther Bick. Rev. Bras. Psicicanál. v. 37, p. 647-654, 2003.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma
abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica: uma revisão. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
ANEXOS
QUESTIONÁRIO
Experiência no papel de observador da relação mãe-bebê
Objetivo: identificar/caracterizar a experiência no papel de observador da relação
mãe-bebê
Público-alvo: estudantes de Psicologia do 2º ao 5º ano da Uni-FACEF que tiveram
contato com o estágio de observação de bebês
DADOS PESSOAIS
Idade:
Sexo:
Cidade em que reside:
Ano do curso:
PERGUNTAS
1. Qual era sua expectativa sobre sua função como observador antes do início
do estágio?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________.
2. Você teve alguma dificuldade durante o estágio? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________.
3. O que a supervisão significou no processo de estágio? Justifique sua
resposta.
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________.
4. A sua opinião inicial sobre o estágio mudou depois de passar pela
CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves;
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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experiência? Exemplifique.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5. Como esperava que a mãe se sentiria durante as observações?
( ) Incomodada.
( ) Disponível.
( ) Receptiva.
( ) Desconfiada.
6. Você conseguiu fazer todas as observações que estavam previstas no termo
de estágio? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
7. Você conseguiu se integrar na observação?
( ) Integralmente.
( ) Parcialmente.
( ) Não consegui.
ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO CLÍNICO NA EXPERIÊNCIA
DE OBSERVADOR SOBRE O MÉTODO DE ESTHER BICK – pp. 35-50
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
50
8. O que você aprendeu exercendo o papel de observador no estágio?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
(
(
(
(
(
(
9. Você teve alguma identificação de papel?
) Sim, com a mãe.
) Sim, com o pai.
) Sim, com o bebê.
) Sim, com a avó.
) Sim, com demais envolvidos.
) Não me identifiquei.
10. Como você se sentiu ao descobrir sobre a sua identificação de papéis na
supervisão?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
11. A sua identificação influenciou na escrita do relatório de observação?
Exemplifique.
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
(
(
(
(
12. Como você classificaria a sua experiência?
) Ótima.
) Boa.
) Ruim.
) Péssima.
13. Você considera que essa experiência foi válida? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
14. Em uma escala de 1 a 4, como você avaliaria essa experiência, sendo 1 o
mais baixo e 4 o mais alto?
(1) (2) (3) (4)
CINTRA, Lauany Barbosa; RAMOS, Ana Carolina De Souza; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves;
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate
Psicologia e Transformação
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ANAMNESE PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência
Natália Jácomo Auad
Graduanda de Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Mariana de Lima Santos
Graduanda de Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Carolline Gabrielle Campos de Souza
Graduanda de Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Carolina Garcia Braz Trovão
Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
Os transtornos psiquiátricos vêm aumentando de forma vertiginosa nos
últimos tempos. Estudos comprovam que um dos fatores para esse fenômeno se dá
pela elevada taxa de indivíduos que habitam regiões urbanas, desigualdades
socioeconômicas e a genética que levam a uma vida moderna estressante, que por
conseguinte, resultam em doenças psiquiátricas (PREFEITURA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, 2015).
Dentre as patologias de maior gravidade, encontra-se a esquizofrenia,
um transtorno mental crônico, de origem multifatorial, caracterizada por vários
subtipos- como paranoide, desorganizada, catatônico, indiferenciada e residual. Seu
diagnóstico não necessita de exames laboratoriais ou de imagem, sendo a
anamnese e o exame do estado mental os subsídios necessários para que o
diagnóstico seja estabelecido (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). De acordo com o
DSM IV, para que um indivíduo seja considerado esquizofrênico necessita-se de
pelo menos 2 dos seguintes sinais por um mês: delírios, alucinações, discurso
desorganizado, embotamento afetivo ou comportamento desorganizado (KAPLAN;
SADOCK; GREBB, 2007).
Os transtornos de humor, que englobam a depressão maior e a
bipolaridade, se fazem muito prevalentes na era atual. Consistem em um conjunto
de sinais e sintomas persistentes por semanas ou meses que representam um
desvio marcante do desempenho habitual do indivíduo e que tendem a recorrer, por
vezes, de forma periódica ou cíclica (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). O
transtorno bipolar, é marcado por episódios de mania e hipomania. O DSM IV define
mania aqueles indivíduos que por no mínimo uma semana preenchem três ou mais
dos seguintes critérios: autoestima inflada ou grandiosidade; redução da
necessidade de sono; mais loquaz do que o habitual ou pressa por falar; fuga de
idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo;
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Psicologia e Transformação
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distratibilidade; aumento da atividade dirigida a objetivos (socialmente, no trabalho,
na escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora; envolvimento excessivo em
atividades prazerosas com um alto potencial para consequências dolorosas
(KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2007). Já a hipomania é descrita como os mesmos
sintomas da mania, porém mais leves e que duram por no mínimo 4 dias, isentos de
gerar prejuízo acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou
de exigir hospitalização e não se observam características psicóticas (KAPLAN;
SADOCK; GREBB, 2007).
Dessa forma, uma entrevista bem dirigida e articulada com o médico e
o paciente se faz essencial para garantir uma boa relação interpares, pois o
profissional precisa usar dos seus conhecimentos estimular a fala e compreender a
história do paciente para que assim seja estabelecida uma relação de confiança,
empatia e uma terapêutica adequada. O exame do estado mental é outra ferramenta
essencial na compreensão da psicopatologia, em que o médico deve observar a
todo instante a aparência, progressão da fala, forma e conteúdo dos pensamentos,
tonalidade emocional, desatenção, lapsos de memória, juízo crítico da realidade,
entre outros aspectos (ZUARDI A, LOUREIRO, S, 1996).
Devido ao crescente número de casos de pacientes psiquiátricos e a
fim de tornar a hospitalização mais humanizada, surgiu a Reforma Psiquiátrica. Esta
proposta teve início ao final dos anos 70 com o objetivo principal de desvincular a
ideia de que ‗‘ o diferente‘‘, o qual não se encaixa nos padrões considerados normais
pela sociedade, deveria ser excluído do seu meio de convivência e obrigado a ser
internado e asilado em manicômios desumanos e precários como os que se
observava no passado (GONÇALVES A, SENAR, 2001). Diante dessa realidade,
essa nova proposta foi instalada no Sistema Único de Saúde (SUS) para substituir o
modelo hospitalocêntrico opressivo e excludente das décadas anteriores por uma
assistência que visa a desinstitucionalização e a reinserção dos pacientes
psiquiátricos na comunidade (BEZARRA B, 2007).
2. OBJETIVO
Relatar a experiência de estudantes do terceiro ano do curso de
medicina do Uni-FACEF na abordagem de um paciente com doença mental
internado em hospital psiquiátrico.
3. METODOLOGIA
A anamnese psiquiátrica e exame do estado mental foram realizados
pelos estudantes do terceiro ano do curso de medicina do Centro Universitário
Municipal de Franca/SP juntamente com alguns pacientes, que residiam em hospital
psiquiátrico localizado no município de Franca-SP. A atividade ocorreu em uma
manhã, sob supervisão de 2 docentes. Após a coleta das informações através da
entrevista e a realização do exame do estado mental, o paciente era liberado e os
AUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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estudantes estabeleciam a hipótese diagnóstica mais provável. Em seguida, tiveram
acesso ao prontuário dos pacientes para confirmarem os dados coletados, bem
como o diagnóstico e terapêutica. Ao final, foram conduzidas discussões em grupo,
a fim de que todos os estudantes conhecessem os casos atendidos e fosse
estimulado debate sobre as patologias psiquiátricas, tratamento recomendado para
cada patologia, bem como os critérios de internação em psiquiatria.
4. RESULTADOS
O paciente entrevistado tinha 39 anos, era pardo, evangélico, solteiro,
com ensino fundamental incompleto, desempregado, natural, procedente e residente
em Franca-SP, queixou-se inicialmente de sua vontade exacerbada de sair da
instituição por já ter recebido alta médica e por, bem como de sentir falta de ‗‘
namorar‘‘. Porém, relatou que não pode ir embora por motivos judiciais
Ele refere ter sido levado para a clínica após uma briga com a mãe, em
que não houve agressões físicas nem xingamentos. Também mencionou ter tido
alguns empregos anteriormente como funcionário de uma fábrica de sapatos,
servente de pedreiro e reciclador. Diz ter feito uso de maconha na juventude e,
atualmente, é tabagista (fuma 2 maço de cigarro/dia).
Contou ter sido internado 50 vezes, ter 9 irmãos, sendo um deles seu
gêmeo, homossexual, o qual também se encontrava em tratamento no mesmo local
devido a atos agressivos, uso crônico de álcool e cocaína e por ter tentado se
suicidar anteriormente. Também relatou falecimento do pai, vítima de cirrose
hepática.
Paciente mencionou ter tido vários relacionamentos conjugais
intempestivos e concebido 3 filhos, sendo cada um fruto de uma dessas relações
anteriores. Queixa ter dificuldade para se relacionar com as irmãs, pois não gosta de
‗‘ receber ordens‘‘. Também relata ter se envolvido em inúmeras brigas, sendo uma
delas com um paciente psiquiátrico dentro da instituição em que reside, outra com o
atual namorado de sua ex- companheira por ciúmes e uma terceira com um primo
que descobriu-o envolvido num adultério. Nesse último conflito houve violência
verbal e física a qual resultou em ferimentos profundos nos braços e nas mãos, em
que se pôde ser observada inúmeras cicatrizes de lesões por arma branca (faca)
reparadas cirurgicamente.
Paciente relata ter hipertensão, dispneia dores no corpo e faz uso de
Furozemida (40mg/dia), via oral pela manhã, Enalamed (20 mg/dia), via oral pela
manhã e à noite, Captopril (25mg/dia) e Diazepam (10 mg/dia). Reclama que os
medicamentos causam disfunção sexual e insônia. Nega alteração de peso, de
hábitos intestinais e ideação suicida.
Nascido de parto normal, sem complicações. Nega alterações de
saúde durante a infância e afirma ter tido um bom desenvolvimento motor e de
linguagem. Durante a adolescência afirma ter sido um bom aluno.
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Ao exame mental, apresentou boa aparência geral, roupas limpas,
adequada higiene pessoal, orientado em tempo e espaço, consciente, atenção
normovigill, discurso pobre, com perdas de memória remota e recente, ausência de
delírios e alucinações. Porém, mostrou muita inquietação na cadeira com grande
expressão de sentimentos durante os relatos, incluindo episódios de riso
característico e injustificado, bem como uma hiperssexualidade acentuada e notória.
Ao avaliar os dados do prontuário, foi identificado que o motivo da
internação foi devido a comportamento alterado sem estar sob efeito de drogas ou
álcool, por duas tentativas de homicídio por arma branca e uma tentativa de estupro
à mãe, acrescido de alucinações auditivas e delírios persecutórios. Foi então
diagnosticado com esquizofrenia paranoide, transtorno afetivo bipolar maníaco e
transtorno de personalidade com instabilidade emocional.
5. DISCUSSÃO
Em qualquer anamnese, sobretudo na psiquiátrica variáveis do
ambiente- como local, duração, disposição espacial e condições de privacidade-,
onde as coletas de dados são realizadas podem interferir na comunicação entre o
entrevistado e o entrevistador e, por conseguinte, na hipótese diagnóstica a ser
pensada. Há vários tipos de ‗‘ entrevistas‘‘, que podem ser dividas em abertas,
estruturadas e semiestruturadas. No primeiro tipo, não há uma sequência fixa de
passos a ser seguida, o que leva o paciente a conduzir as perguntas e a dialogar
livremente. No segundo, há uma cronologia nas perguntas e nos registros dos
dados, que são previamente determinados, em que o entrevistador costuma seguir
um roteiro específico. Já o terceiro tipo não há uma estruturação pré-definida e há
uma flexibilidade na sequência e na formulação dos questionamentos (ZUARDI A,
LOUREIRO S, 1996).
As avaliações psiquiátricas, em geral, seguem o modelo
semiestruturado e, por isso, foi o que os alunos de medicina utilizaram em sua
anamnese. Embora o ambiente não tenha sido o mais adequado para a coleta de
dados do paciente, visto que em um mesmo lugar havia vários outros alunos
realizando anamneses dos demais pacientes com transtornos mentais, não houve
prejuízo para o andamento da atividade. Afinal, este foi o primeiro contato desses
alunos com pacientes portadores de distúrbios psiquiátricos e, por isso, poderia
gerar medo e insegurança nesses estudantes durante as entrevistas, caso
estivessem em maior privacidade.
De acordo com o manual de estatística de doenças mentais (DSM-IV),
a esquizofrenia pode ser classificada em paranoide, desorganizada, catatônica,
indiferenciada e residual dependendo dos sinais e sintomas do paciente (ALVES C,
SILVA M, 2001). Sendo assim, apesar de as estudantes não terem observado
durante o relato do paciente em questão alguns sinais dessa doença, o prontuário
eletrônico confirmou o diagnóstico de esquizofrenia com características paranoidesAUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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como delírios, frequentemente persecutórios e alucinações auditivas (ALVES C,
SILVA M, 2001).
Por outro lado, ficou evidente algumas particularidades da primeira fase
da mania, sinal obrigatório para afirmar que o indivíduo apresenta transtorno afetivo
bipolar tipo I. Afinal, o paciente apresentou de modo explícito agitação psicomotora,
pelos gestos expansivos, aumento das atividades prazerosas e da libido,
demonstrada pela hiperssexualidade, bem como pelos relatos de desejos sexuais
frequentes e a quantidade de relacionamentos que ele teve no passado. Também,
foi possível observar um pensamento e fala acelerados, com fugas de ideias e crítica
prejudicada com presença de alguns delírios, observadas no comentário de que ele
tinha 60 filhos, bem como amnésia temporária (ALVES C, SILVA M, 2001).
Faz-se importante mencionar ainda, que as patologias psiquiátricas
não possuem cura, mas há maneiras de controlar e estabilizar a doença. Sendo
assim, quando os transtornos mentais- como esquizofrenia, dependência química,
depressão- se estabilizam o paciente tende a receber alta. É nesse contexto que a
saúde mental conta com diversos equipamentos para dar suporte a esses indivíduos
quando estes se inserem no meio social. Um deles é a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS), a qual é composta por é composta por serviços e pelos
Centros de Atenção Psicossocial(CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos
(SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os
leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III) (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2016). Sua função é prioritariamente é promover cuidados em saúde
especialmente para grupos mais vulneráveis (crianças, adolescentes, jovens,
pessoas em situação de rua); reduzir danos provocados pelo consumo de crack,
álcool e outras drogas; estimular a reabilitação e a reinserção das pessoas com
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas na sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia solidária;
ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e
os serviços disponíveis na rede; dentre outras finalidades (UFMA/UNA-SUS, 2018).
Apesar do paciente ter mencionado inúmeras vezes que os fármacos
que ele ingeria diariamente- Furozemida, Enalapril, Captopril e Diazepam (10
mg/dia), tinham como efeito adverso a impotência sexual, não há comprovação
científica de que tais medicamentos levem a esse sintoma e nem tenham seus
efeitos alterados entre si. A Furosemida tem como reações muito comuns distúrbios
hidroeletrolíticos e aumento no volume urinário (Ltda BF. 2015). Já o inibidores da
angiotensina II (enalapril e captopril) costumam gerar vertigem, cefaleia, tosse seca
e astenia (ANVISA, 2016). Todavia, o diazepam supostamente acarretou em alguns
efeitos colaterais observados durante a consulta- como amnésia retrógrada,
disartria, inquietude, agitação, irritabilidade, agressividade, delírios, raiva, pesadelos,
alucinações, psicoses (Brainfarma Indústria Química e Farmacêutica S.A, 2012).
Foi possível verificar a importância da implementação e do
aprimoramento da Reforma Psiquiátrica para que os pacientes sejam sempre
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beneficiados com um atendimento cada vez mais humano e possam ser reinseridos
na sociedade novamente, superando os preconceitos ainda existentes na era
hodierna diante dos transtornos mentais. Afinal, a Reforma Psiquiátrica surgiu para
demonstrar que o cuidado institucionalizado se contrapõe aos direitos humanos,
impedindo os cidadãos portadores de transtornos mentais a terem acesso a livre
circulação na comunidade que habitam e acesso aos serviços de saúde, laborais
entre outros (UFMA/UNA-SUS, 2018). Por isso a implantação da RAPS se faz uma
forte aliada para a superação do modelo hospitalocêntrico na Atenção à Saúde
Mental e no Sistema Único de Saúde como um todo, por colaborar ainda para a
integração das pessoas em sofrimento mental nos territórios das cidades e
possibilitar maior efetividade na produção de saúde mediada por pontos de atenção
integrados (UFMA/UNA-SUS, 2018).
Ademais, é de mais valia para qualquer estudante de medicina em
formação, independente da especialidade a ser seguida, esse primeiro contato com
este tipo de paciente para que todos saibam conduzir de maneira tranquila e correta
um indivíduo com transtorno mental em fase de tratamento em hospital psiquiátrico.
Nesse contexto de adaptações terapêuticas destinadas às pessoas
com graves transtornos mentais, pôde-se observar que o local já vem adotando a
nova proposta de reintegração social e que lá se encontram apenas pacientes
crônicos e agudos que realmente necessitam um atendimento especializado para
que o tratamento de seus respectivos distúrbios seja feito de maneira eficaz e
saudável.
6. CONCLUSÃO
Diante desse relato, foi concluído, portanto, que uma anamnese da
forma como foi conduzida se faz um importante instrumento de aprendizado, uma
vez que possibilitou aos estudantes relacionarem o conteúdo acadêmico à prática
profissional e desenvolverem habilidades na formulação de hipóteses diagnósticas
bem como soluções adequadas para cada caso. Além disso, para os pacientes
institucionalizados, possibilitou compartilharem informações, angústias e outros
sentimentos no momento da atividade.
REFERÊNCIAS
ANVISA. Maleato de Enalapril. 2016..
BRAINFARMA Indústria Química e Farmacêutica S.A. Diazepam- Bula para o
paciente. 2012.
BEZARRA B. Desafios da reforma psiquiátrica no Brasil. Revista de Saúde
Coletiva. 2007; 17(02).
Ltda BF. Furosemida. 2015.
AUAD, Natália Jácomo; SANTOS, Mariana de Lima; SOUZA, Carolline Gabrielle Campos de;
TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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ZUARDI A, LOUREIRO S. Semiologia psiquiátrica. 1996 Janeiro- março: p. 44-53.
GONÇALVES A; Sena R. A reforma psiquiátrica no brasil: contextualização e
reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Revista Latino
Americana de Enfermagem. 2001 março; 02(09).
KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREBB, J. A. Compêndio de psiquiatria: ciências
do comportamento e psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
MORENO D, MORENO R, RATZKE R. Diagnóstico, tratamento e prevenção da
mania e da hipomania no transtorno bipolar. Rev. Psiquiatria Clínica. 2005; 01.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conheça a Rede de Atenção Psicossocial, Brasília-DF,
2016.
PREFEITURA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Transtornos mentais na cidade de
São Paulo. Boletim ISA, São Paulo, 2015. 6-16.
UFMA/UNA-SUS. Redes de atenção à saúde: Rede de Atenção Psicossocial –
RAPS. São Luís, 2018.
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APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES
COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS
Sofia Rodrigues de França Roland
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Yanca Araujo Polastrini
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Sofia Muniz Alves Gracioli
Docente em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
Quando a criança atinge seus sete anos, ela entra no estágio
operacional concreto dando início à terceira infância (PIAGET apud MOREIRA,
2014). Nesse momento há o ingresso da criança à escola onde a própria educação
limita os pensamentos imagísticos e fantasiosos do indivíduo, fazendo com que este
pense através de conceitos lógicos, deixando de se trabalhar a criatividade natural.
A partir dessa repressão de impulsos vitais o sujeito tende a coibir seu
potencial criativo, ainda mais quando se trata de expressões pessoais. Tem-se
assim um primeiro indício do que pode ser um sujeito antissocial. Nessas amarras
sociais são desenvolvidas as patologias psíquicas que comprometem as relações
inter e intrapessoais.
Esse trabalho foi proposto como um estudo entre essa realidade que
tem crescido cada vez mais, principalmente nas pessoas que já possuem
determinados transtornos psíquicos, e a falta de meios para assisti-los. A ideia de se
trabalhar com o teatro como ferramenta de relações intrapessoais surge do
levantamento bibliográfico de autores que pontuam que ao trabalhar o corpo no
teatro, o ator se depara com suas emaranhadas redes de afetos, possibilitando um
autoconhecimento terapêutico.
O objetivo do estudo é investigar aplicações teatrais no tratamento de
pacientes com transtornos psíquicos. A pesquisa será feita a partir de levantamentos
bibliográficos nas duas áreas em foco - técnicas teatrais e transtornos psíquicos -,
pesquisas dos transtornos existentes, e seleção de um deles para aprofundamento
do estudo.
A atuação no teatro e a pesquisa em psicologia mostram a existência
de efeitos positivos na área da saúde mental tendo um grande potencial terapêutico.
Faz-se necessário o debate considerando o alto índice de somatizações que
ocorrem atualmente. Neste cenário, e acreditando no potencial criativo de cada
ROLAND, Sofia Rodrigues de França; POLASTRINI, Yanca Araujo; GRACIOLI,
Sofia Muniz Alves
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sujeito, considera-se que dinâmicas teatrais podem melhorar a relação intra e
interpessoal em pessoas com transtornos psíquicos.
Para a realização do trabalho foi feito, em um primeiro momento, uma
pesquisa bibliográfica exploratória crítica, e em um segundo momento uma pesquisa
de campo com entrevista semiestruturada com a responsável pelo Projeto Sinapse.
2. OS TRANSTORNOS PSÍQUICOS
Para desmistificar os transtornos psíquicos é necessário entendê-los
do princípio. A palavra transtorno corresponde a uma anormalidade e significa que
algo não está funcionando como deveria, neste caso a disfunção ocorre na mente.
Há interpretação errônea sobre os problemas mentais. Ainda é muito comum se
escutar coisas como ―ir ao psiquiatra é coisa de gente doida‘‘ como reflexo da época
que o modelo manicomial era utilizado de forma absolutamente agressiva e
insalubre, onde pessoas com transtornos mentais iam buscar tratamento e
acabavam sendo abandonados pelo resto de suas vidas.
Essa interpretação começa a se modificar quando a própria sociedade
passa a manifestar interesses em mudanças no modelo de assistência, a partir de
participações em Conferências de Saúde Municipais e Estaduais. Com isso os
hospitais psiquiátricos passam a aderir às novas formas de gestão e são
substituídos por redes de serviços abertos, como o Centro de Assistência
Psicossocial (CAPS) que possui como política não atender e tratar os pacientes,
mas sim acolher e envolvê-los em projetos sociais, culturais e de trabalho, dando
uma nova perspectiva ao tratamento. O intuito passa a ser auxiliar as pessoas com
transtornos para que elas se ressocializem e consigam voltar para o mercado de
trabalho, prosseguindo suas vidas com liberdade, e não mais aprisionadas em um
manicômio.
Em função desse histórico negativo referente aos transtornos psíquicos
Foucault (1975, p.16) mostra como a nossa visão sobre o assunto ainda precisa ser
modificada:
Quanto mais se encara como um todo a unidade do ser humano, mais se
dissipa a realidade de uma doença que seria unidade específica; e também
mais se impõe, para substituir a análise das formas naturais da doença, a
descrição do indivíduo reagindo a sua situação, de modo patológico.
Para se entender melhor a questão, Foucault (1975) acredita que a
medicina passou a enxergar que os quadros clínicos não são uma coleção de fatos
anormais, de monstros fisiológicos, mas são de certa forma desenvolvidos pelos
mecanismos normais e pelas reações adaptativas do organismo ao contexto no qual
ele está inserido.
Compreender um doente não é só colocar em pauta suas funções
abolidas, ou seja, a capacidade de um sujeito se localizar no tempo e no espaço, as
noções de continuidade, a possibilidade de se libertar do instante agora de modo
APLICAÇÕES TEATRAIS NO DESENVOLVIMENTO DE PACIENTES COM
TRANSTORNOS PSÍQUICOS – pp. 58-68
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que consiga voltar-se para o passado e olhar para o futuro. A doença não são só
essas perdas de consciência, ou apatia de tais funções. É como se ela, de fato,
apagasse um lado para exaltar o outro, sua essência se dá não somente naquilo que
falta, no vazio que se cria, mas também na plenitude positiva das atividades de
substituição que vêm preencher tais lacunas. Foucault (1975, p.99), explica o lado
positivo da doença de uma forma simples:
A doença não é então um déficit que atinge cegamente esta faculdade ou
aquela; há no absurdo do mórbido uma lógica que é preciso saber ler; é a
própria lógica de evolução normal. A doença não é uma essência contra a
natureza, ela é a própria natureza, mas num processo invertido; a história
natural da doença só tem que restabelecer o curso da história natural do
organismo são.
Quando se estuda esse assunto precisa ficar clara a diferença entre
psicose e neurose. Ambas são psicopatologias que trazem consequências para o
sujeito em âmbito pessoal, social e mental. A diferença é que na neurose não há
uma ruptura com a realidade. O indivíduo neurótico sofre com fobias, obsessões,
compulsões, amnésia e depressão, sendo um conflito interno entre o ID e os medos
do superego. Já na psicose há uma perda de controle voluntário dos pensamentos,
emoções e impulsos, causando perturbações gerais à personalidade porque o
sujeito não consegue traçar diferenças entre a realidade e as imaginações.
No contexto dos elementos da pesquisa realizada, foi adotado como
foco o transtorno de personalidade Borderline, que possui esse nome, associado ao
termo inglês, que se refere a limites e fronteiras. Quando esse transtorno foi
reconhecido, foi notado que os pacientes estavam nas fronteiras entre a neurose e a
psicose, isto é, eles estavam em uma situação mais grave que a neurose comum
(apresentavam alucinações, episódios psicóticos esporádicos), e ao mesmo tempo
eram menos graves que os psicóticos comuns (conseguiam manter relativamente as
atividades cotidianas). A Borderline então é uma variação entre a neurose e a
psicose, sendo entendido que o paciente pode transitar por alguns sintomas típicos
dessas duas fronteiras.
Grinker e colaboradores (1968) procuraram identificar comportamentos
comuns na Síndrome de Borderline, e eles chegaram a quatro padrões-chave: 1)
raiva como o principal ou único afeto; 2) defeitos nos relacionamentos interpessoais;
3) ausência de uma consistente identidade do self; 4) depressão difusa. Dentre
esses identificadores a raiva e as dificuldades interpessoais podem ser diretamente
associadas com as terapias grupais, Gabbard (2006, p.351) esclarece:
A intensa raiva que é comumente mobilizada em pacientes borderline
quando eles são frustrados no tratamento pode, então, ser diluída e dirigida
para outras figuras além do terapeuta individual. De forma semelhante, as
fortes reações contratransferências a pacientes borderline podem ser
diluídas pela presença de outras pessoas.
Essas reações diluídas se dão pelo fato de os pacientes aceitarem
melhor a confrontação e a interpretação desses traços quando vinda de seus iguais
na terapia grupal do que por um terapeuta. E quando essas interpretações vêm da
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parte do profissional, é mais fácil deles entenderem como uma indicação das
necessidades centradas no grupo do que quando são tratadas com foco no
indivíduo.
Dados empíricos de estudos correlatos mostram que o tratamento em
grupo, em conjunto com a terapia individual, tem sido muito útil para os pacientes
borderline. Na seção a seguir, são apresentados conceitos, definições e
características do teatro e suas técnicas que corroboram para o tratamento de
pacientes com transtornos psíquicos.
3. UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEATRO
A forma como se enxerga o teatro vem sofrendo alterações no decorrer
dos anos. Por muito tempo essa arte era feita unicamente como espetáculo de
entretenimento e para transferir uma moral. A partir do século XX surgiu a demanda
por aulas de teatro com o propósito de amenizar a timidez e se conseguir falar em
público. Perdeu-se esta habilidade social a partir de práticas de convivência
modernas, onde os indivíduos se fecham em suas relações sociais e o único lugar
que se sentem à vontade para se expor é na internet. As redes sociais estão sendo
refúgio para as pessoas se esconderem atrás de um perfil que não condiz com quem
de fato são, gerando desconforto quando precisam estabelecer uma relação
pessoal.
Os índices de socialização interpessoais decresceram juntamente com
os avanços tecnológicos na sociedade contemporânea. Percebe-se que a facilitação
do contato que a globalização proporciona torna as relações físicas, que eram
inicialmente as principais, algo precário. Para Moreno (1984) o ser humano ainda
está em um estágio embriônico de desenvolvimento quando comparado ao seu
potencial espontâneo-criativo, ou seja, a comunicação direta e presencial está
primitiva comparada à comunicação digital.
O dramaturgo, filósofo, médico e psicólogo Jacob Levy Moreno,
criador do Teatro da Espontaneidade, e do psicodrama, foi quem iniciou o estudo da
terapia em grupo trazendo em seus conceitos uma técnica desconstruída. Ele
acreditava na potência criativa do ator a partir da improvisação onde não existem o
dramaturgo e os textos teatrais, que serão criados apensa no momento da
apresentação da peça. Há a participação do público no espetáculo, ou seja, todos
são atores e a plateia é chamada de co-criadora. O intuito é investigar o
comportamento humano por meio da criação artística, tendo como objetivo a catarse
da interação intrapessoal e intragrupal, a autoconsciência e a reorganização de
papeis sociais e psicológicos.
O teatro como arte que utiliza do corpo do ator e das relações sociais,
permite o indivíduo resgatar este contato que perdido a partir do uso intenso da
tecnologia. De acordo com Boal (1977) a alfabetização teatral é necessária porque é
uma forma de comunicação poderosa e útil nas transformações sociais. Ele acredita
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que a arte de fazer teatro profissionalmente é para poucos, mas que a vocação
teatral pertence a todos, significando que, independente da profissão, o fazer teatral
é uma vocação que cabe a todos e que é capaz de corroborar em diversos aspectos.
A autora Azevedo (2002, p. 150) escreveu: ―Dividi o trabalho de corpo
do ator [...] em quatro fases [...] a primeira dessas fases, para Piaget, é a sensóriomotora‖. Nesse capítulo ela explica o desenvolvimento do ator em comparação com
o desenvolvimento humano, pautando nas fases que Piaget propõe em sua teoria.
Na primeira ela diz sobre pensar-se no movimento como um bebê que ao descobrir
o mundo ao seu redor faz do movimento o próprio pensamento. Em segundo lugar
ela coloca a fase simbólica, que é a construção na imaginação do objeto que não
está no seu campo de visão, mas que isso não significa que o objeto tenha deixado
de existir, é onde a criatividade do ator se manifesta para tornar aquilo que não é
material, real. A terceira é a fase pré-operacional concreta onde o sujeito irá
experienciar suas imaginações sem que haja um pré-conceito em relação aquilo,
para depois chegar à quarta fase, operacional concreta, que selecionará os
conteúdos da imaginação experimentados anteriormente.
No decorrer da explicação Azevedo (2002, p.152) revela que
A repressão dos impulsos mais vitais durante o crescimento, se
imprescindível para a vida social, parece desvitalizar a produção criativa,
especialmente quando está em questão o movimento expressivo. [...] É
preciso retomar a experiência com esse corpo-criança, pelo qual, como em
ondas, podiam fluir os impulsos no qual, facilmente, a energia achava seus
caminhos.
Quando se fala da arte de praticar teatro refere-se a fazer do palco um
laboratório de vida onde se pode trazer para a ação a vida que acontece no externo
(real) e até a vida interna (imaginação) do sujeito, além de ser um investimento no
potencial espontâneo-criativo. Há diversas maneiras de se praticar tal arte. No teatro
existem várias vertentes em que as técnicas são diferentes, mas que o lugar de
chegada é um só. Existe o teatro espontâneo, como já citado anteriormente, há o
teatro contemporâneo, teatro de luz e sombra, teatro de mímica, pantomima, teatro
do absurdo, teatro de bonecos, entre outros que usam o corpo como uma ferramenta
essencial na linguagem, onde na ausência deste, não se tem a compreensão total
do que é comunicado.
Diante dessa nova visão em relação ao teatro constata-se que a
utilização da ferramenta teatral para o desenvolvimento de pessoas com transtornos
psíquicos vem sendo uma opção bastante estudada e que tem trazido efetividade
significativa. Voltar as experiências de criança, como convida a autora Azevedo
(2002), é uma maneira intensa de se comunicar consigo mesmo e se desfazer de
amarras sociais, mas ao mesmo tempo não é algo simples de se alcançar, por isso
esse estudo propõe a integração do psicólogo com o artista, para que juntos, num
caminho saudável, busquem melhorias para uma reintegração social dos pacientes.
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4. PROJETO SINAPSE
O projeto Sinapse foi criado em 1998, no hospital psiquiátrico Allan
Kardec, onde a atriz e idealizadora do projeto foi convidada a realizar com as
internas da instituição uma peça de Natal. No período entre 2000 e 2001, ela deu
segmento ao projeto com os pacientes do Hospital Dia juntamente com os
psiquiatras e psicólogos responsáveis pela luta antimanicomial em Franca.
O nome Sinapse foi pensado para fazer uma analogia das ligações
elétricas dos neurônios, que têm nome de sinapses, e a ideia do projeto que tem
como objetivo ligar a saúde mental à arte como instrumento de mudança e
autoconhecimento. Esse nome foi criado no Hospital Dia, em 2000, e permanece até
hoje. Anteriormente o projeto era chamado de Alucinação, metaforicamente a luz em
ação.
A atriz, cujo nome será preservado, tem interesse em promover a
saúde mental de pessoas desde criança e viu no teatro um meio para acessar esse
universo para que pudesse ajudar os pacientes através da encenação e dos
exercícios teatrais.
A fundadora do projeto Sinapse é atriz desde os 21 anos e diz não
enxergar outra coisa que possa fazer na vida a não ser teatro. Participou da
Federação de Teatro Amador de Franca (FETAMP) e com 25 anos mudou-se para
São Paulo, onde participou de grupos, festivais, e cursos nos centros culturais.
Durante a entrevista revelou pontualmente ser ex-interna da Instituição Allan Kardec
em 2015 onde criou uma peça, dando continuidade à sua, como ela afirma,
―pesquisa interna‖ sobre a relação entre o teatro e os transtornos psíquicos.
Para contextualizar a evolução do projeto de assistência psicológica a
pessoas com distúrbios, é conveniente destacar o contexto no qual a atriz leva ao
âmbito do tratamento psicológico, o teatro. Ela começou a estudar o curso técnico
em teatro na instituição SENAC de Franca em 2018 para ampliar sua visão enquanto
atriz e poder aplicar seus conhecimentos na área da saúde, podendo, desta forma,
fazer a ponte e ajudar, com o teatro, como ela foi ajudada.
Nas instituições de ensino SENAC há Unidades Curriculares (UCs),
disciplinas na matriz curricular, que visam contemplar as áreas de conhecimento do
Teatro, e a UC12 compreende o Projeto Integrador, cujo objetivo final é que alunos
dirijam uma peça teatral, cada um com o tema que preferir e individualmente,
oportunidade que a atriz aproveitou para retomar o projeto Sinapse, visando dirigir
uma peça com os pacientes do CAPS III – Florescer de Franca.
O CAPS III – Florescer é uma instituição que abriga pacientes em
situação de patologias psicológicas graves, com encaminhamentos das Unidades
Básicas e demais repartições de Saúde do município. O Centro de Atendimento
oferece assistência 24h, contando com leitos de observação e uma equipe
multiprofissional completa, com psiquiatra, psicólogo, terapeuta, corpo de
enfermagem, podendo atender até 150 pacientes por dia.
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A oficina teatral iniciou em abril de 2019 e ao final de três meses será
apresentada a peça construída com os pacientes que atuarão, com o tema sugerido
por eles nos encontros, que se realizam às sextas-feiras, das 9h às 11h. A peça
será apresentada no CAPS III, para os alunos do Curso de Teatro do Senac, e os
familiares dos pacientes que queiram assistir.
Faz-se necessário ressaltar que o objetivo do projeto não é formar
atores, e, portanto, os pacientes não têm que dominar as técnicas teatrais, e sim
vivenciar um processo de construção e desconstrução pessoal a partir do seu
próprio repertório de vida.
5. DISCUSSÃO
A autora relatou que sempre se sentiu atraída pela saúde mental e
pelas pessoas que estão envolvidas nessa temática. Estudando teatro viu nele um
canal, uma ponte de acesso para esse trabalho. Sem saber que existia o teatro
espontâneo já acreditava ser possível interligar as duas áreas, tornando a arte um
veículo de expressão. Somente após estudar Jacob Levy Moreno no Espaço
Sociodramático Celeiro conheceu a técnica do Teatro Espontâneo, identificou-se e
começou a trabalhar no hospital psiquiátrico Allan Kardec entre 1998 a 2000 para
desenvolver a ideia do projeto surgido em conversas com uma terapeuta do Celeiro.
Segundo relatado em entrevistas, foi o trabalho no qual ela mais se sentiu
fortalecida, que mais pôde ter experiências, e analisar os meios de comunicação
através do teatro com esses pacientes, tendo observado que eles se sentiam mais à
vontade de falar e colocar o seu universo à mostra durante os encontros teatrais, do
que em uma sala de consultório psiquiátrico. Logo em seguida surgiu o Hospital Dia
através do movimento crescente da luta antimanicomial em Franca, e a fundadora
do projeto passou a trabalhar nesta instituição, ficando até 2001, quando se desligou
e parou o projeto. No curso do Senac teve a oportunidade de prosseguir o Projeto
Sinapse a partir da atividade da UC no CAPS III - Florescer Franca.
A atriz afirma que para trabalhar com os pacientes, usa instrumentos
lúdicos porque facilita seu acesso aos pacientes atores, como histórias com
personagens ou uma boneca de pano cujo rosto é definido a partir da identidade
grupal. Na visão da realizadora as pessoas inseridas em patologias psíquicas têm
menos entraves e tabus em comparação àqueles que não possuem nenhum tipo de
patologia. Relata que os pacientes têm maior aceitação para participar das
atividades propostas e se envolvem com facilidade nos exercícios.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa relatada neste artigo teve como objetivo avaliar se técnicas
teatrais são de fato efetivas quando trabalhadas com pacientes com transtornos
psíquicos. Através de pesquisas bibliográficas e relatos pessoais obtidos através de
entrevista semiestruturada foi constatado que o teatro é uma das possíveis
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ferramentas que colaboram para um bom resultado nos tratamentos de saúde
mental.
Falar sobre arte atrelada à saúde no Brasil é um grande desafio, pois
sabe-se que o incentivo à Arte e à Cultura é precário, e ainda que tenha tido um
maior acesso nas últimas décadas, é difícil encontrar apoio efetivo, diante da falta de
visão social dos efeitos positivos da arte na vida das pessoas. O teatro carrega um
forte estigma histórico depreciativo, e quando Moreno olha para essa arte com um
novo olhar e enxerga nela um lugar propício para se trabalhar o grupo e suas
demandas psicossociais, ele credita ao teatro uma força significativa de poder ser
instrumento de trabalho terapêutico.
Quando se entende o teatro como uma arte de interação entre os
envolvidos, e transtornos mentais desencadeantes das dificuldades de socialização,
é contraditório desacreditar na correlação e no quanto os dois elementos estudados
caminham juntos. Em relação à isso, houve um desencontro interpretativo entre as
realizadoras da pesquisa e a atriz, que acredita que esse tipo de público tem
menores entraves sociais quando se coloca em cena. As autoras entendem que, ao
contrário da atriz, o palco intimida a todos de alguma maneira, e quando se trabalha
com um grupo que naturalmente já possui receios sociais, no palco isso tende a ser
ainda mais evidenciado. O que se acredita e pôde ser pontuado é que o trabalho
grupal embasado na teoria do psicodrama abre espaço para o sujeito se expressar
da forma como lhe é conveniente, fazendo com que ele passe a se relacionar melhor
consigo mesmo, e como consequência, com o próximo.
A pesquisa sobre o tema surgiu de uma visita das autoras ao CAPS III
– Florescer onde foi notada a demanda por atividades alternativas com os pacientes.
O levantamento de dados junto ao grupo de teatro, por questões éticas e
burocráticas, foi limitado à entrevista com a atriz.
Como medida prognóstica há o interesse de continuar este projeto de
pesquisa, com foco em levar para a prática o estudo teórico realizado, e ter a
oportunidade de produzir uma pesquisa de campo empírica com os pacientes do
CAPS III que participam do Projeto Sinapse. Outras formas de fomentar essa ideia é
promover discussões e debates a respeito do tema para que se alcance novos
olhares não só sobre o teatro, mas também sobre os transtornos psíquicos que
ainda é um assunto carregado de pré-conceitos.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, S. M. Papel do Corpo no Corpo do Ator. São Paulo: Perspectiva, 2002.
BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de
dizer algo através do teatro. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1983.
FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1975.
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MAYRINK, M. C.; MONCALVO, R. C. F.; RODRIGUES, D. R.; TAVARES, R. J. D. O
que são transtornos mentais? Noções básicas. Rio de Janeiro: América Gráfica e
Editora Ltda. 2011.
GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed. 2006.
MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. 2.ed. São Paulo: E.P.U, 2014.
MORENO, J. L. O teatro da espontaneidade. São Paulo, Summus Editorial, 1984.
PAPALIA, D. E. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
ANEXO
ENTREVISTA 1 – Organizadora do Projeto Sinapse
1) Como despertou em você o interesse de trabalhar o teatro com os pacientes do
CAPS?
2) Por que o interesse em realizar esse projeto com esse público?
3) Em qual época você trabalhou com a saúde mental?
4) Quando você descobriu que poderia conciliar as duas áreas que você gosta: teatro
e saúde mental?
5) Como você pensa em realizar essas técnicas teatrais?
6) Qual a influência do teatro na sua vida?
7) Qual a influência que você acredita que o teatro possua na vida desses pacientes?
8) Qual a sua experiência pessoal com esse projeto?
9) Você tinha quantos anos no seu primeiro contato com o teatro?
10) Entre esse intervalo do seu primeiro trabalho até o atual você trabalhou nessa
área da saúde mental e do teatro?
11) Você acha que o teatro teve alguma influência nesse período da sua internação?
Respostas
1. Eu sempre me senti muito atraída por toda essa questão da saúde mental como
um todo mesmo, eu sempre senti muito encanto em ver as pessoas, e parece que
eu sentia, assim, uma atração grande, uma vontade muito grande quando eu via
alguém passando por mim. Não sei explicar o que eu sentia, mas era uma atração
forte e aí com o passar do tempo estudando teatro, sempre fazendo teatro, né?!
Eu também vi ali um canal, uma ponte de acesso para esse mundo, para esse
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trabalho, sem saber que já existia, mas na minha mente eu sabia que tinha como
a gente interligar, fazer uma ligação, fazer uma forma de expressão para eles, um
veículo de expressão, né?! E daí com o tempo eu conheci o trabalho do Moreno
com o Teatro Espontâneo e aí confirmou o que era apenas um pensamento meu,
confirmou através desse trabalho, o Psicodrama.
2. É uma identificação, e realmente, como eu trabalhei dentro do hospital
psiquiátrico, foi o trabalho que eu mais me senti fortalecida, que eu mais pude ter
experiências que eu pude analisar vários meios de comunicação através do teatro
com esse pessoal, então eu acho que é importante o teatro nesse ponto para
trabalhar com esse público, com essas pessoas, eu acho que é muito importante
por isso.
3. Foi de 1998 à 2001, uns 3 ou 4 anos, no hospital psiquiátrico daqui, o Allan
Kardec, e o Hospital Dia surgiu assim, quando eu entrei nem existia ainda o
Hospital Dia por conta que nem se falava ainda na luta antimanicomial quando eu
entrei em 98, depois de 2 anos que eu estava lá que começou a se falar nesse
movimento, aí foi criado o hospital dia e eu comecei a trabalhar também lá, mas
eu comecei a trabalhar no interior do hospital mesmo, nos residentes, que ele
falam que são residentes lá, são crônicos ou residentes, que moram lá.
4. Foi quando eu conheci o Psicodrama e o Teatro Espontâneo no Celeiro que eu
fazia parte, a Marta Figueiredo convidou a gente para fazer parte de um grupo de
Teatro Espontâneo e aí eu e a terapeuta que eu chamava de minha chefa, que
trabalhava lá no hospital, falou ―vamos fazer porque eu acho que vai ser muito
importante‖, e realmente foi. Eu já tinha o grupo de teatro dentro do hospital e aí
uma das pessoas que fazia parte da minha equipe que convidou pra gente
montar.
5. O que eu mais busco é mostrar o lúdico, é muito importante, é o universo que eu
tenho mais acesso a eles, por histórias, por personagens ou uma boneca igual a
que eu levei, uma calunga, que ela até nem tem um rosto definido e tudo isso eu
quero construir ali no grupo, ela vai ser meio que uma identidade pra esse grupo
porque eu ainda estou nessa busca, estamos nessa busca de ver quem vai ser o
personagem, vai ser como um nascimento mesmo, mas o lúdico é muito
importante pra gente conseguir comunicar com o universo deles, tudo em forma
de história, de brincadeiras, é bem assim dessa forma.
6. Toda, total. É muito importante, nossa senhora... Que pergunta difícil (risos), eu
não sei, eu só faço teatro até hoje na minha vida, tudo que eu conheci foi pelo
teatro, acho que foi um pouco por parte da minha história, eu passei em Serviço
Social em 88, mas ao invés de ir pra faculdade eu comecei a ir nos festivais de
teatro ai eu ia e ficava um tempo e conhecia gente, ai eu fui conhecendo, sempre
fui muito curiosa, anotava o endereço de todo mundo e de um festival eu ia pro
outro, quando eu voltei eu já não tinha mais como frequentar a faculdade, eu tinha
que fazer o vestibular de novo de tanto que eu faltei, ai eu decidi ir pra São Paulo
pra fazer teatro lá, eu falo que foi minha faculdade porque eu fiquei 4 anos em
São Paulo e trabalhei com alguns grupos, fiz muitos cursos, centro cultural, né?!
Tive a oportunidade de morar sozinha sem os pais... Aquelas coisas de faculdade
que o pessoal que vai fazer faculdade, sozinhos, passam.
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7. Eu acho que tem uma importância grande, é meio que um veículo que eles podem
falar com mais fluidez, eu acho que eles se sentem mais confortáveis naquele
lugar, naquele momento, eu sinto que eles tem mais facilidade, às vezes, de falar
talvez coisas que as vezes numa sala com um psicólogo e com um psiquiatra não
consigam e lá parece que eles tem essa soltura, eu sinto que eles tem mais,
talvez seja a forma que eu conduzo, às vezes, acho que sim, que eu dou mais
essa abertura mesmo e eu acho bacana, eu penso que é isso, que eles sentem
esse conforto de estar falando mais sobre as suas experiências, colocando seu
universo à mostra.
8. Nossa, tanta coisa... (risos), olha, foi uma experiências, assim, acho que às vezes
é até inenarrável, porque ao mesmo tempo que é tão tênue tem um significado
tão grande o universo deles, tem tanta riqueza, agora o que eu mais me sinto bem
é que eles por estarem inseridos em patologias da saúde mental eles não tem
tantos entraves que, às vezes, nós como cidadãos, como pessoas, eu sinto que
nós temos mais, por engajamentos, ou famílias, ou política ou religioso, a gente
tem alguns limites, tabus, enfim... E lá eu acho que eu não sinto isso, nem nesse
grupo agora que eu estou recomeçando e nem lá dentro do hospital, parece que é
muito fácil, você propõe uma história ou um movimento e eles rapidamente
entram ali e fazem, às vezes, sem questionar, e fazem, eu acho bacana e
interessante e eu consigo colhe muitas experiências do que vem daquilo que eles
falam, igual no primeiro dia mesmo ―nossa foi muito bacana fazer massagem no
meu amigo e receber massagem‖, e realmente o que eles mais gostam é o
negócio da massagem.
9. Eu tinha 21, meus amigos começaram mais cedo, mas eu tinha um namorado que
não deixava eu fazer teatro e eu terminei com ele porque eu entrei no grupo. Eu
fiz aqui um tempo, participei da FETAMP que era a federação de teatro amador
de franca e depois com 25 anos eu fui pra São Paulo.
10. Não, eu só montei na minha internação com as meninas que estavam lá, era
uma forma de eu continuar minha pesquisa interna. Eu fiquei internada em
2015.
11. Sim, o teatro, na minha vida tem muita influência, move tudo o que eu vou fazer,
por exemplo, abandonar uma faculdade por causa do teatro, muita gente falou
―você não deveria ter feito isso, poderia ser formada hoje, ser uma profissional‖,
mas eu não sei, eu continuo mesmo sabendo dessa impossibilidade, eu gosto,
é teatro, eu não consigo enxergar outra coisa que eu possa fazer na vida se
não for teatro.
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AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA
INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica
Marina Neves Alves
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Amanda Vieira Guagneli
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Thainá Reche Silva Secco
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
Irma Helena Ferreira Benate Bomfim
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
A primeira e a segunda infância são primordiais para o
desenvolvimento psíquico do indivíduo, sendo assim, traumas acarretarão
problemas significativos na fase adulta ou até mesmo na infância, por isto a
importância de tal estudo e reflexão por parte da sociedade em geral que atualmente
enfrenta muitos casos relacionados ao abuso sexual.
Os impactos da violência sexual na vida adulta são devastadores,
ocasionando um prejuízo tanto na parte social quanto na afetiva. Além disso, os
traumas que ficam desse abuso se manifestam de diversas maneiras, tais como o
sentimento de culpa, a ansiedade, sintomas depressivos, o estresse pós-traumático,
entre outros.
É preciso levar em consideração a singularidade de cada caso, pois
esta, ocasionará diferentes consequências para a vítima, ou seja, o uso ou não de
violência física e ameaças, a proximidade entre vítima e agressor, a duração das
agressões e a idade em que a criança sofreu o abuso, são determinantes para a
gravidade dos impactos.
Este artigo abordará diversas visões psicanalíticas a respeito dos
traumas e suas possíveis consequências para o desenvolvimento psíquico, visto que
há um aumento no número de estudos sobre o tema.
O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica
crítica utilizando livros e artigos científicos pela vertente psicanalítica, sobre o
impacto causado pelo abuso sexual que acontece na primeira e segunda infância no
desenvolvimento psíquico, abordando as teorias de Freud e Erikson, sendo elas a
psicossexual e a psicossocial, respectivamente. Além disso, foi apresentado os
impactos gerais e específicos sobre a vertente da psicanálise.
AS CONSEQUÊNCIAS DO ABUSO SEXUAL NA PRIMEIRA E SEGUNDA
INFÂNCIA: Uma visão psicanalítica – pp. 69-77
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2. INFÂNCIA SEGUNDO AS TEORIAS DE FREUD E ERIKSON
Para um maior esclarecimento sobre as consequências do abuso
sexual na primeira e segunda infância faz-se necessário conceituar a infância
segundo Freud e Erikson.
Sigmund Freud nasceu em Viena em 1856, e iniciou sua formação de
médico com 17 anos. Conhecido como pai da psicanálise, formulou as bases dessa
abordagem (ZIMERMAN, 2010). Na sua visão a construção da criança inicia-se
antes mesmo de seu nascimento, através das expectativas dos pais em relação ao
seu jeito de ser, a sua personalidade e suas características, ou seja, ela já existe no
imaginário dos pais, caracterizada pelos seus desejos inconscientes (PRISZKULNIK,
2004).
Seguindo esse pensamento, Freud postula uma teoria das fases do
desenvolvimento psicossexual, porém não são fases totalmente lineares, elas
podem interagir entre si. Além disso, pode ocorrer uma regressão para alguma das
fases, os chamados pontos de fixação, onde o indivíduo busca o conforto, segurança
e prazer que sentiu naquela fase, fugindo de uma angústia, de algo que o perturba
atualmente. (ZIMERMAN, 2010).
Essa teoria segue o princípio da psicanálise, segundo o qual ―o
desenvolvimento é moldado por forças inconscientes que motivam o comportamento
humano.‖ (PAPALIA; FELDMAN, 2013 p. 59). E é dividida em quatro fases e um
período, sendo elas: a fase oral, a fase anal, a fase fálica, o período de latência e a
fase genital.
A primeira fase denominada oral, ocorre no período do nascimento aos 1218 meses, onde a principal fonte de prazer do bebê está relacionada à boca.
Posteriormente, no período entre 12-18 meses até os 3 anos, acontece a
fase anal, a qual a criança se gratifica através da retenção e evacuação das
fezes. Em seguida, a criança entra na fase fálica, entre 3 à 6 anos,
caracterizada pelo desenvolvimento do superego, através do apego pela
mãe quando menino, e pelo pai quando menina, e também ocorre a
identificação com o genitor do mesmo sexo. Nessa fase, a zona de
gratificação é transferida para a região genital. Depois acontece o período
de latência, dos 6 anos ao início da puberdade, definido por um momento de
calma comparado as outras fases. E por fim, a fase genital, da puberdade à
idade adulta, onde os impulsos adormecidos na fase fálica retornam,
canalizados na sexualidade adulta madura. (PAPALIA; FELDMAN, 2013 p.
62).
Freud afirmava que as primeiras experiências da infância eram cruciais
para o desenvolvimento e modificavam permanentemente a personalidade. Em
contrapartida, Erikson, um psicanalista alemão, seguidor de Freud, postulava que o
Ego se desenvolvia ao longo da vida e não somente em uma época (PAPALIA;
FELDMAN, 2010).
Juntamente com as fases psicossexuais de Freud, a criança enfrentará
o Complexo de Édipo, que é caracterizado como:
ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia
Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate
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Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente
em relação aos pais. […] Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é
vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio
marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é
superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto.
O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da
personalidade e na orientação do desejo humano (LAPLANCHE;
PONTALIS, 2000 p. 77).
Os pais desempenham papéis essenciais no desenvolvimento da
criança, pois estes são dependentes. De acordo com a teoria psicanalítica, é natural
e esperado o surgimento de fantasias sexuais, onde os pais são protagonistas,
caracterizando o Complexo de Édipo (HUH; SANTUZA, 2011).
Erikson desenvolveu a teoria do desenvolvimento psicossocial,
descrevendo as crises que o ego do indivíduo passa ao longo da vida. Ao passar por
essas crises, a pessoa estaria com um ego mais fortalecido ou mais vulnerável,
levando em conta a sua vivência diante os conflitos, influenciando os próximos
estágios. (RABELLO; PASSOS, 2018).
Ao total são oito estágios que o indivíduo enfrentará ao longo da vida,
sendo eles: Confiança básica versus desconfiança, no período do nascimento a 1
ano de idade, onde a criança deve possuir uma noção de que o mundo é seguro e
um ―lugar bom‖. Em seguida, de 1 a 3 anos, ocorre o estágio autonomia versus
vergonha e dúvida, o qual a criança deve entender que tomar decisões é uma
característica de uma pessoa independente. Posteriormente, há o estágio iniciativa
versus culpa, de 3 a 6 anos, no qual o indivíduo precisa aprender a lidar com o
fracasso e estar disposto a realizar novas experiências. O quarto estágio nomeado,
produtividade (competência) versus inferioridade, dos 6 anos à adolescência, o
sujeito deve adquirir habilidades básicas e conseguir conviver com os outros. Logo
após o fim desse estágio, inicia-se a identidade versus confusão de identidade, no
período da adolescência, onde o jovem precisa obter uma noção de identidade. O
sexto estágio, intimidade versus isolamento, ocorre no início da fase adulta, o qual o
indivíduo, precisa relacionar-se amorosamente com outra pessoa. Posteriormente,
na fase adulta, o sujeito enfrenta o estágio generatividade versus estagnação,
devendo auxiliar os jovens, através da educação de filhos, ou em algum trabalho
produtivo. Por fim, o oitavo estágio de Eriksson dá-se na idade avançada e recebe o
nome de, integridade versus desesperança, marcado pela satisfação ou não com a
própria vida e com suas realizações. (KAIL, 2004).
Esses estágios são contínuos, ou seja, uma vez que o sujeito passe
por alguns deles, ele não retornará. Sendo assim, o sucesso em cada fase
determinará os estágios seguintes. É importante pensar que cada indivíduo tem sua
singularidade, podendo ou não evoluir para o próximo estágio.
Erikson mesmo concordando com Freud sobre a relevância dos anos
iniciais, acredita que a identidade é formada gradualmente, através da cultura e o
modo que o indivíduo se adequa os hábitos culturais, sendo assim a maturidade
possui um papel secundário nessa perspectiva. Segundo a sua visão, a identidade
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não está completamente desenvolvida no final da adolescência, como afirma a teoria
psicossexual, e sim se desenvolve de maneira contínua ao longo da vida (BEE,
1997).
3. ABUSO SEXUAL: IMPACTOS
Para um melhor entendimento sobre os impactos do abuso sexual no
desenvolvimento psíquico do adulto, é necessário conhecer a sua definição.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, (2017):
(...) a violência sexual: é o abuso de poder, no qual um indivíduo é usado
para gratificação sexual de outro indivíduo, através da indução a práticas
sexuais, com ou sem violência física.
Florentino (2015), em sua revisão bibliográfica sobre as possíveis
consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes, considera
necessário que ao debater os impactos da violência sexual é importante observar as
particularidades de cada abuso, pois variam, comprometendo cada caso, como por
exemplo, o uso ou não de força física, insultos ou violências psicológicas.
É importante ressaltar que o abuso sexual infantil ocasiona graves
consequências psicológicas, estando ligadas a diversos fatores como: a idade em
que a criança se encontra, se o período do abuso foi longo ou curto, se houve
violência ou ameaças, a proximidade com o agressor e se houve ou não proteção de
familiares. Além disso, incluem questões relacionadas a proteção, a saúde mental e
física da criança e a punição do agressor (ARAÚJO, 2002).
Os abusos sexuais, ―são primeiramente uma violação dos direitos
humanos, não escolhendo cor, raça, credo, etnia, sexo e idade para acontecer‖
(CUNHA; SILVA; GIOVANETTI, 2008, p. 245).
Alguns impactos que devem ser considerados são descritos por Strey
(2004) referentes a vida adulta das mulheres que sofreram abuso na infância, as
quais se encontram num ciclo vicioso de violência, podendo ocorrer novamente ao
amadurecer. Já os homens vítimas de abuso quando criança, podem se tornar
cruéis e até reproduzir o ato, pois acredita que não será interrompido e sairá impune.
Faz-se necessário esclarecer que as consequências do abuso sexual
podem ser inúmeras, dentre elas o prejuízo na saúde física e mental, como traumas
físicos, a gravidez indesejada e a possibilidade de obter doenças sexualmente
transmissíveis, como AIDS. Além disso, essas vítimas de violência sexual são mais
suscetíveis a diferentes tipos de violência, ao uso de drogas, estresse póstraumático, depressão, sentimento de culpa, ansiedade, isolamento, baixa
autoestima, suicídio, entre outras. (RIBEIRO et al., 2004; INOUE & RISTUM, 2008
apud LUCÂNIA; MIYAZAKI; DOMINGOS, 2008). Ainda relacionado aos impactos do
abuso sexual, Brandão e Alves, afirmam que:
Pode-se afirmar também que um adulto que foi abusado sexualmente na
infância pode apresentar problemas com relação à transformação de sua
imagem corporal. Por exemplo, uma pessoa que possui algum histórico de
ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia
Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate
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abuso sexual devido ao fato de em sua infância ter tido o corpo desejado
por alguém poderá, na vida adulta, transformar sua imagem corporal de
modo que esta não desperte desejo em outrem. Ela prefere que seu corpo
esteja fora dos padrões de beleza, diferentemente daquele corpo que um
dia foi alvo de interesse, ficando, assim, mais distante de possíveis
interesses (2012, p.71).
Além dos pontos já discutidos, um ponto relevante a ser considerado e
que pode influenciar nos impactos da violência sexual sofrido, é a determinação
deste em intrafamiliar ou extrafamiliar, estando relacionados com o grau de
parentesco do agressor com a vítima. O extrafamiliar ocorre com pessoas que não
convivem na mesma casa da vítima e que normalmente são estranhos, além disso é
menos comum que o intrafamiliar, o qual acontece com pessoas próximas a vítimas,
que possuem um fácil acesso a ela. (MELLI, 2011). Então, é possível concluir que:
O abuso sexual na infância é fator importante na etiologia de transtornos
psicológicos e também na gravidade dos sintomas (Kendall-Tackett et
al.,1993; DSM-V) e pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social
dos indivíduos. (apud Krindges; Macedo; Habigzang).
Em suma, os impactos do abuso sexual geram um grande dano na vida
do indivíduo, pois afetam seu desenvolvimento em múltiplas áreas. Deve-se levar
em consideração as particularidades dessa violência, sendo equivalentes aos
impactos causados. Estes podem ser geradores de patologias desde o Transtorno
Dismórfico Corporal até o suicídio, sendo de extrema importância o
acompanhamento psicológico da vítima, para que esses impactos sejam
amenizados.
4. AS CONSEQUÊNCIAS DOS TRAUMAS PARA O DESENVOLVIMENTO
PSÍQUICO, UMA VISÃO PSICANALÍTICA.
É necessário entender o conceito de trauma para a psicanálise, para
que haja um melhor entendimento sobre as consequências do trauma para o
desenvolvimento psíquico. De acordo com Laplanche e Pontalis (2000), o trauma é
caracterizado como um episódio intenso, onde o indivíduo não é capaz de reagir
adequadamente, pois promove uma desorganização psíquica e efeitos patogênicos
duradouros.
Um indivíduo que sofreu abuso sexual na infância, tem a sua história
de vida marcada, visto que vivencia uma situação de ameaça e desamparo,
vivenciando uma angústia de morte. Essa violência desencadeia um sentimento de
culpa, porque a criança fantasia que o episódio ocorreu por sua culpa (HUH;
SANTUZA, 2011).
Como já discutido anteriormente, a idade em que o sujeito sofre o
abuso é determinante para a gravidade dos impactos no desenvolvimento psíquico.
Para Malgarim e Benetti:
[…] as memórias traumáticas estarão associadas às fantasias sexuais
infantis agressivas e, quanto mais precocemente ocorrer o abuso, mais
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sintomática será a resposta da criança em função da incapacidade do ego
de organizar a experiência traumática. Por sua vez, a incapacidade de
contenção afetiva, o significado e a estruturação da experiência colocam a
criança numa organização caótica, que ocasiona vivências de isolamento
pessoal e sintomas de ansiedade e pânico (2011, p. 511).
Sendo assim, quanto mais cedo ocorre o abuso, mais prejudicial para o
desenvolvimento psíquico será, tendo em vista que a capacidade de simbolização da
criança ainda é inexistente. Alguns dos primeiros sintomas apresentados por elas
são de origens comportamentais, muitas vezes em locais públicos, sendo o principal
o comportamento sexualizado, presente nas brincadeiras das crianças, a
masturbação demasiada e a solicitação de estimulação sexual, além de um
conhecimento sobre sexo que não condiz com a idade (BOMFIM; ANDRADE, 2012).
Outros sintomas apresentados segundo Silva (1998), são os sintomas
histéricos, reações de conversão e estados de desconexão da realidade. A criança
faz uso de mecanismos de defesas primitivos, como negação, separação interna do
evento e isolamento afetivo, para se proteger dos traumas que o abuso causou.
Além dessas consequências citadas acima, Fahlberg (1997) (apud
RAMOS, 2015) relata que a criança quando vivencia uma situação traumática,
desenvolve uma ansiedade, irritação, melancolia, sentimento de perda, confusão
mental, insegurança nos relacionamentos e apresenta uma impotência diante
algumas situações, além de se sentir marcada pelo resto da vida.
As crianças vítimas de abuso apresentam uma modificação no
comportamento, se tornam inseguras, estão sempre em estado de alerta, devido a
um medo recorrente, há uma diminuição da autoestima, uma ansiedade elevada e
exagerada, uma hiperatividade incomum, os distúrbios alimentares, as mentiras e
em alguns casos a ideação suicida. Por isso é importante notar as mudanças
inesperadas do indivíduo. As consequências e marcas desse abuso podem
comprometer a inocência das crianças, retratando o fim da infância (HABIGZANG &
KOLLER, 2006).
A partir destes elementos discutidos:
[…] é possível identificar que vivências concretas de experiências sexuais
abusivas, nesta fase de desenvolvimento, são situações extremamente
traumáticas e com consequências importantes no processo de
desenvolvimento psíquico do sujeito. (MALGARIM; BENETTI, 2010).
Em vista dos argumentos apresentados, percebe-se que as
consequências dos traumas para o desenvolvimento psíquico são significativas para
o percurso da formação do indivíduo. Levando em consideração que quanto mais
novo for a vítima do abuso, maior e mais severa serão as consequências, tendo
grande chance de desenvolver um quadro psicótico, pois o ego ainda está em
processo de estruturação e traumas acarretarão desorganização neste percurso.
ALVES, Marina Neves; GUAGNELI, Amanda Vieira; SECCO, Thainá Reche Silva; GRACIOLI, Sofia
Muniz Alves; BONFIM, Irma Helena Ferreira Benate
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo revisar o impacto causado pelo
abuso sexual que acontece na primeira e segunda infância, ao longo do
desenvolvimento psíquico, através de uma revisão bibliográfica com base na
psicanálise.
Atualmente casos de abuso sexual são frequentemente propagados
pela mídia em diversas fontes como na internet, televisão e noticiários, visto que
com uma maior visibilidade dos casos, há um aumento no número de denúncias e
de estudos científicos sobre o abuso.
Este estudo contribui para a compreensão dos impactos do abuso
sexual para o desenvolvimento psíquico do sujeito e possíveis intervenções sobre o
tema.
Apesar de um aumento no número de estudos científicos sobre o
assunto, ainda há um déficit em materiais psicanalíticos atualizados sobre o tema,
sendo necessário o estudo do tema por psicanalistas contemporâneos, gerando
novos conteúdos. Entretanto, o objetivo foi atingido.
A partir desse estudo científico, o qual possui informações relevantes
sobre o tema, é possível a realização de novas pesquisas e intervenções na área da
educação sexual com caráter preventivo, visto que há uma carência de informações
na sociedade, principalmente no público infantil. Sendo que para este público, as
informações devem ser transmitidas utilizando o lúdico, afim de distinguir os afetos
adequados e inadequados.
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Estudo, Maringá, v. 7, n. 2, p. 3-11, jul- dez. 2002.
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ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA: Um enfoque no
agressor
Iago Gonzales de Queiroz Silva
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Isabella Riqueti Garcia
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Samia Antunes Abdala Vilhena
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
Na atualidade manchetes de jornais estampam tragédias diárias que
competem em grau de requinte e crueldade. Homicídios bárbaros de mulheres, da
comunidade LGBT+ e de pessoas em forma geral, são majoritariamente praticados
por homens levados por motivos aparentemente inexplicáveis. Portanto, pode-se
perceber que muitos indivíduos do sexo masculino, principalmente, são autores e em
grande parte também vítimas da violência. Isso ocorre, pois eles persistem em
apresentar comportamentos de cunho considerado primitivo socialmente, os quais
muitas vezes os levam a esses atos de agressão gratuita e descontextualizada;
apesar da crescente onda pela luta de garantias dos direitos humanos.
Faz-se importante observar alguns dados divulgados recentemente nas
mídias internacionais sobre a violência que torna-se a cada dia um problema de
saúde pública.
Segundo o site no Ipea - instituto de pesquisa econômica aplicada foram registradas 61.283 mortes violentas intencionais no País no ano de 2016
sendo em média 30 mortes a cada 100 mil habitantes. Além disso foram também
registradas segundo o instituto, também no ano de 2016, 62.517 homicídios.
Dessa forma, após ponderar-se sobre os dados citados percebe-se
uma urgente necessidade de combater de forma eficaz a violência. Mas como fazer
isso sem entender primeiro quais os mecanismos responsáveis por ela?
Por isso, essa revisão tem como foco entender os possíveis aspectos
psicológicos, biológicos e culturais que permeiam casos de abuso e violência, com
enfoque no agressor.
O objetivo do referente artigo é investigar os possíveis caminhos para
traçar aspectos biopsicossociais que podem ser característicos de indivíduos autores
de violência (HAV) com enfoque na violência aberta e explícita. Para assim, levar os
SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia
Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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conhecimentos e os enfoques de pesquisa a entidades responsáveis pelo tratamento
e ressocialização desses homens.
A metodologia utilizada foi uma revisão crítica bibliográfica, com uso de
artigos e textos disponíveis nas plataformas de pesquisa Scielo, Lilacs, Pubmed e
Google acadêmico e alguns livros.
2. ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA AGRESSIVIDADE
Diante de múltiplos contextos culturais e sociais, a agressividade
possui raízes multifatoriais. Observa-se fatores socioculturais que influenciam na
manifestação agressiva, correlacionados com uma crescente sociedade protetiva
aos seus desejos pessoais e a tecnologia fugaz que permeia o cotidiano em
detrimento da construção de relações sadias. Apresenta-se uma investigação sobre
os possíveis fatores de risco que resultam em traços agressivos e da agressividade
manifestada, com enfoque no agressor majoritariamente do sexo masculino.
Segundo Penha (2017), as demonstrações de força e autonomia, ainda
que violentas, são consideradas fundamentais, por constituírem a própria essência
da masculinidade. A compreensão da agressividade necessita um olhar sobre
elementos culturais que compõem o ato. Em muitas culturas é natural que
precocemente se pregue a virilidade, competição e brutalidade entre os homens. A
externalização de comportamentos frios e bárbaros é de pura responsividade aos
estímulos que foram disponíveis para tais homens em momentos críticos de suas
vidas.
Partindo do princípio de que a família se trata do primeiro vínculo
formado para uma criança, é do mesmo estrato que surge as habilidades sociais e
as primeiras formas de socialização. Em decorrência das práticas parentais
incorporadas pelos pais perante os filhos, adicionadas aos fatores culturais
existentes no meio ambiente, o comportamentos de crianças e jovens podem se
desenvolver de várias maneiras.
Segundo Salvo, Silvares e Toni (2005), as práticas parentais negativas
possibilitam o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Sendo assim, esta
modalidade pode incluir abusos físicos, disciplina relaxada, monitoria negativa,
negligência e punição inconsistente. A junção de um ou vários aspectos negativos
na formação de uma criança em desenvolvimento pode acarretar discrepâncias
entre comportamentos socialmente aceitos e outros que destoam dos aceitáveis,
podendo ocasionar ápices de agressividade.
Segundo Bolsoni-Silva e Carrara (2010), habilidades sociais podem
ser conceituadas como conjunto de comportamentos emitidos diante das demandas
de uma situação interpessoal, desde que maximizem os ganhos e reduzam as
perdas para as interações sociais. Sendo assim, há um descompasso entre as
ações agressivas e os relacionamentos interpessoais, causados provavelmente
devido à uma aprendizagem social inadequada ou ausente.
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Pacheco e Gomes (1999), afirmam que o comportamento agressivo
pode ocorrer em função da ausência de alternativas no repertório comportamental
do indivíduo. Partindo do pressuposto de que observação e convivência em
ambientes violentos podem acarretar o surgimento de comportamentos agressivos
incorporados pelas próprias crianças. O não conhecimento e não treinamento de
habilidades sociais conectoras de bons relacionamentos podem deixar a expressão
agressiva como único comportamento fadado às crianças e ao ser que se
desenvolve.
Os pais podem adquirir técnicas coercitivas e não coercitivas em
função de modelar e controlar o comportamento de seus filhos. Para Skinner (1953),
a punição pode reduzir um comportamento punido de forma imediata, mas esse
resultado não se mantém por longo prazo. A aplicação de práticas punitivas à um
comportamento indesejado mostra-se de simples uso, já que é natural que o mesmo
cesse quase que imediatamente.
No entanto, sabe-se que a punição a longo prazo cria no organismo
uma tendência a se esquivar da punição, além de gerar respostas emocionais de
medo e desconfiança no indivíduo. Com isso, muitas teorias socioambientais
pontuam que a violência e a agressividade podem ser aprendidas assim como
qualquer outra atitude.
Segundo Bandura (1977), a maioria do comportamento humano é
aprendido observacionalmente através de modelação: observando os outros, formase uma ideia de um novo comportamento que foi performado, e em outras ocasiões
isso codifica informações que servem como um guia para a ação (tradução do
autor). Sendo assim, o comportamento agressivo também pode ser vinculado à
manifestação posterior à sua observação, como conseguiu provar Bandura em seu
fatídico experimento do João-Bobo.
Crianças expostas à observação de violência explícita contra o
brinquedo João-Bobo tender a imitar e repetir os mesmos atos quando postas em
situações parecidas às que lhe foram apresentadas. A experimentação visual de
comportamentos modelos podem se vincular ao repertório comportamental do
indivíduo, prevalecendo à ele a imitação dessa recente aprendizagem.
Conclui-se que, devido aos multifatores socioculturais expostos, à luz
da singularidade de cada indivíduo, é de grande necessidade que se faça estudos e
possíveis intervenções para apaziguar os preditores de comportamentos agressivos,
agindo sobre o contexto e sobre as possíveis contribuições que as relações
interpessoais podem acarretar para o desenvolvimento e crescimento do ser.
3. A AGRESSIVIDADE MARCADA NO ASPECTO BIOLÓGICO
Ao pensar sobre agressividade, sabemos que a mesma possuí
inúmeros fatores socioculturais, os quais constroem o comportamento - nesse caso
agressivo - dos indivíduos. Contudo, não é somente o meio externo responsável, em
SILVA, Iago Gonzales de Queiroz; GARCIA, Isabella Riqueti; VILHENA, Samia
Antunes Abdala; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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alguns casos, pela resposta comportamental do indivíduo. Pesquisas demonstram
que nem só de relações o homem é feito, isto é, mutações genéticas e más
condições disponíveis para um bom desenvolvimento neuropsicológico podem
desencadear no sujeito comportamentos violentos (MENDES et al., 2008).
O primeiro dos fatores a ser trabalhado no presente artigo é o fator
genético. Estudos sobre o polimorfismo no genótipo MAOA indicam uma possível
relação entre o comportamento agressivo em crianças vítimas de negligência e a
alta atividade do genótipo (Widom; Brzustowicz, 2006).
O segundo fator a ser apresentado será sobre a interferência do
neurotransmissor serotonérgico na predisposição à violência. No estudo de
Beitchman et al. (2006), afirma-se que disfunções no sistema serotonérgico têm sido
associadas com comportamentos agressivos em animais e em adultos, no entanto,
estudos dessa substância como disparadora de respostas violentas de crianças
ainda é inconclusivo. Beitchman et al. , em sua pesquisa, analisaram a associação
de polimorfismos no gene transportador de serotonina e o comportamento agressivo
na infância e adolescência. Como resultados, encontraram uma significante
associação entre comportamento agressivo e a alta expressão do genótipos (S/S,
Lg/S, Lg/Lg). ―A alta expressão do grupo genotípico (S/S, Lg/S, Lg/Lg) é
significantemente mais prevalente em crianças agressivas e é associado duas vezes
mais com o risco de comportamentos agressivos‖ (Beitchman et al., 2006, pág 1104,
tradução nossa).
Outro ponto interessante à essa pesquisa seria dois estudos (KOTHER
et al., 1999) e (JONES et al., 2001) que discorrem a respeito de um polimorfismo
genético associado com o comportamento agressivo e assassino de portadores de
esquizofrenia. Mesmo que essa doença não seja o foco principal deste estudo, os
resultados da literatura referida mostram um possível link entre uma predisposição
genética e um comportamento violento.
Figura 1: A categoria OAS
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Fonte: Widom CS, Brzustowicz LM. MAOA and the “cycle of violence:” childhood abuse and neglect, MAOA
genotype, and risk for violent and antisocial behavior. Biol Psychiatry. 2006;60(7):684-9
Em ambas as pesquisas foi buscado associações entre o polimorfismo
do gene catechol-O-methytranferase (COMT) e comportamentos agressivos na
esquizofrenia. Jones et al. usaram como instrumento para medição de agressividade
a escala Overt Aggression Scale (OAS) - presente na imagem acima - na qual eram
pontuados os atos da amostra e classificados em tipo e grau de violência, enquanto
Kotler et al. usaram os critérios do CID 10 para o diagnósticos da amostra.
Os achados confirmam uma associação entre a alta atividade do gene
homozigoto COMT e um aumento da agressividade na esquizofrenia. Além de que
talvez o gene heterozigoto conferir algum tipo de proteção contra o comportamento
agressivo (JONES et al., 2001).
Um tipo muito comum de violência nos dia de hoje é a violência
doméstica. Dados levantados pelo Datafolha, feito em fevereiro deste ano e
encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar
o impacto da violência contra as mulheres no Brasil, mostram o atual perfil da
violência no país. Segundo eles:
Nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou
sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões
(37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Dentro de casa,
a situação não foi necessariamente melhor. Entre os casos de violência,
42% ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer uma violência, mais da
metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda.
Visto isso, faz sentido pontuar neste trabalho o estudo de Adrian Raine,
sobre a anatomia da violência em seu livro de mesmo nome. Praticamente todo o
livro caberia no contexto e na proposta desta revisão, mas será abordada somente
sua contribuição sobre o perfil neurofuncional dos autores de violência doméstica.
Raine também se perguntou como é o funcionamento cerebral de
autores de crimes, nesse caso com enfoque no doméstico. Para isso, realizou uma
pesquisa junto a Tatia Lee, uma neurocientista clínica da Hong Kong University, com
23 homens encaminhados pela polícia e departamentos de bem-estar social e
atendimento psicológico por maltratar fisicamente suas esposas. O objetivo era
averiguar se a amostra era hiper-responsiva a estímulos emocionais, e que isso, em
parte, poderia ser a causa da violência. Foram medidas a agressividade reativa e
proativa, bem como aplicadas duas tarefas emocionais, uma verbal e outra visual.
A tarefa verbal é chamada de Teste Stroop emocional. Nela é avaliada
a rapidez com que o avaliado responde uma palavra emocional e uma neutra, Sendo
que:
as pessoas que levam mais tempo para responder à palavra emocional que
a neutra estão mostrando um viés cognitivo a estímulos afetivos negativos e isso significa que a natureza emocional negativa distraiu a atenção de
seus cérebros e desacelerou suas respostas. (REINE, 2015, pg. 83).
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Na tarefa visual, eram mostrados à amostra imagens neutras (por
exemplo uma caneta) e outras emocionalmente provocantes (como cenas de
violência). Em ambas as tarefas verbais e visuais eram realizadas ressonâncias
magnéticas funcionais (RMNf) do cérebro dos voluntários. A pesquisa de REINE e
LEE resultou em 4 achados.
O primeira foi que os homens testados estão fortemente caracterizados
pela agressão reativa - em que o indivíduo responde de modo agressivo à
provocação. Segundo, no Teste Stroop emocional, o agressor era mais lento na
resposta a palavras emocionais, significando, que os estímulos negativos prendem
sua atenção muito mais que o normal. Terceiro, durantes os testes funcionais, os
cônjuges mostraram maior atividade neuronal nas amígdalas diante de estímulos
negativos e pouca atividade no córtex pré-frontal controlador. E por fim, ―quando os
agressores viram imagem de estímulos visuais ameaçadores, mostraram-se hiperresponsivos em áreas do cérebro generalizadas que abrangiam as regiões occipitaltemporal-parietal‖ (REINE, 2015, pg. 84). Isso significa, que os agressores
experimentam uma maior excitação visual quando expostos a estímulos
ameaçadores (REINE, 2015).
Depois de expostos estes achados, se pode concluir que os agressores
testados são hiper-responsivos a estímulos negativos, os quais prendem mais a sua
atenção se comparados à uma pessoa normal. Quando isso ocorre, as regiões do
cérebro primitivas responsáveis pela agressividade, luta e fuga são ativadas,
enquanto o córtex pré-frontal, responsável por esse controle emocional, não tem a
atividade necessária para impedir o indivíduo de realizar atos violentos.
Apesar do déficit cognitivo apresentado, Raine deixa bem claro que
seus estudos não tem a intenção de eximir de culpa os cônjuges agressores e sim
complementar as terapias que ajudam na reabilitação desses indivíduos, em que
muitas das vezes só se trabalham aspectos psicossociais esquecendo-se dos
aspectos biológicos.
Se quisermos de fato acabar com esses comportamentos completamente
inaceitável dos homens em relação às mulheres precisamos incorporar
perspectivas neurobiológicas aos programas de tratamento da violência
doméstica (REINE, 2015, pg. 85).
Enfim, no artigo de revisão de MENDES et al. (2009) foram abordados
outros aspectos biológicos causadores de comportamentos agressivos, como genes
transportadores de dopamina, exposição pesada ao álcool na vida intra-uterina etc.
4. TRAÇOS DA PERSONALIDADE AGRESSIVA X VIOLÊNCIA
Um conceito comum de agressividade, diz que a mesma é um tipo de
comportamento normal que se manifesta nos primeiros anos de vida, diz-se que na
infância a agressividade é uma forma encontrada pelas crianças para obter a
atenção para si mesmas. Acontece como uma reação inconsciente de um organismo
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que está exposto a algum acontecimento ou situação em que afloram sentimentos
de fragilidade e insegurança.
Podemos dizer que a agressividade é de extrema importância para a
autoconservação e conservação da espécie, é ela que nos possibilita a ação, dela
dependemos para tomarmos posicionamento nas situações e construção das coisas,
tem a função de defesa diante dos perigos enfrentados e dos ataques recebidos, ela
se constitui em um impulso natural a todos os seres humanos e também aos
animais.
O problema reside no fato de que essa agressividade tão essencial
inicialmente, muitas vezes pode se desenvolver negativamente e caminhar para uma
gama de diferentes tipos de agressão como a agressão hostil,que têm cunho
emocional e costuma apresentar-se de forma impulsiva, tendo como intuito causar
danos ao outro, mesmo que não se obtenha nenhum ganho ou vantagem .
Temos ainda a evolução da agressividade de outras formas e
categorias que podem ou não ser de natureza impulsiva, são elas: agressão
instrumental, agressão direta, agressão deslocada, auto agressão, agressão inibida,
agressão dissimulada e agressão aberta na qual esse estudo têm maior interesse já
que a mesma é caracterizada pela manifestação de violência física e ou psicológica
e é explícita.
A questão da agressividade é em maior escala reconhecida por todos
como algo natural ao ser humano, e mesmo, na sua pior caracterização como
violência e destruição, admite-se que ela tem o seu lugar cativo na essência
humana, porém quando se trata de estudá-la admitindo-a como algo característico
do ser, aparece a resistência típica do reconhecimento do ser humano como um ser
completo e repleto inclusive de incongruências e ―falhas‖ muitas vezes obscuras e
cruéis.
Em ―O Mal Estar na Civilização‖ (1930) Freud levanta o seguinte
questionamento:
Porque necessitamos de tempo tão longo para nos decidirmos a reconhecer
um instinto agressivo? Porque hesitamos em utilizarmos, em benefício de
nossa teoria, de fatos que eram óbvios e familiares a todos? Teríamos
encontrado provavelmente pouca resistência, se quiséssemos atribuir a
animais um instinto com uma tal finalidade. Todavia parece sacrilégio incluílo na constituição humana; contradiz muitíssimas suposições religiosas e
convenções sociais.( Freud, 1930, p. 106)
Para Winnicott (1987) quando a agressividade como uma das inúmeras
tendências humanas aparece é certamente muito difícil identificar suas origens, já
que ela é sempre disfarçada e escondida além de ter sua ocorrência na maior parte
das vezes atribuída a agentes externos.
Assim uma quantidade reduzida de indivíduos admite serem cruéis em
pensamentos e ações e quando há essa admissão ela é atribuída às mais diversas
situações e veementemente negada e ocultada como parte da fisiologia humana .
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Novamente Freud (1930) diz que em nome da civilização pagamos um
preço muito alto pois não há como eximir a agressividade do ser humano,então
nossa própria cultura nos ―obriga‖ a manter essa agressividade enterrada dentro de
nós, no entanto quando ela não aflora explicitamente,aparece implicitamente e se
volta para o próprio homem que tentou negá-la.
Segundo Mitscherlich (1969) são características típicas da
espécie humana a mobilidade, a violência e a excitabilidade fácil do comportamento
agressivo,e essa referida agressão costuma trazer perturbação à vida em sociedade.
sendo assim é preciso combatê-la com muita insistência, já que é considerada uma
coisa condenável.
Porém não há um consenso sobre os dizeres da agressividade ser
acompanhada inerentemente da violência pois vimos que essa agressividade
atribuída ao ser humano como algo natural é de extrema importância para proteger a
nossa espécie, permitindo ao ser lutar por sua existência, já a violência é
caracterizada como um desejo de trazer sofrimento e dor ao outro de maneira
deliberada e portanto consciente, não se pode portanto atribuir instintividade à
violência que é sentida e desejada como intenção destrutiva carregada de ódio.
Para Costa (1984) o ser humano tem total capacidade de diferenciar
uma ação violenta de qualquer outra que não o seja e que, a violência pode ser
determinada culturalmente devido às necessidades de relações de forças
usualmente exigidas por classes ou grupos que detêm o domínio social, ele afirma
que ―a violência é portanto um produto da cultura. Mais que isso é motor propulsor
da reprodução cultural‖. (Costa,1984, p. 18)
Freud (1930) diz que o questionamento mais importante para a
espécie humana é saber se as perturbações trazidas à vida em comum pelos
instintos humanos de agressão e autodestruição, poderão ser controladas pela
evolução cultural da humanidade e, em que grau isso pode ocorrer.
Com isso observamos o paradoxo existente entre a agressividade e a
violência, pois aceita-se que a agressividade como citado anteriormente é algo
natural, mas a violência por conseguinte não o é, no entanto uma advêm da outra e
não se conhece a violência que não seja agressiva tornando-se demasiadamente
difícil separá-las dentro de uma ocorrência de ação violenta e barbárie, que, na
maioria das situações estão descontextualizadas e são por vezes inexplicáveis.
Como podemos então, refletindo sobre a natureza da agressividade,
buscar ferramentas e meios que possam direcionar a agressividade inerente ao ser
humano de forma a torná-la o que ela deveria ser ―um instrumento de
sobrevivência‖, distanciando-a da evolução destrutiva que a transforma de impulso
de descontentamento em maldade gratuita? Deixa-se ao leitor o questionamento,
reiterando a extrema necessidade de buscar formas de canalizar tanta
agressividade, que preenche o mundo na atualidade, transformando-a em expressão
positiva de amor, respeito e igualdade.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Presente artigo tinha como objetivo buscar através de um
levantamento bibliográfico um melhor entendimento dos aspectos psicológicos,
biológicos e culturais que estariam presentes em maior grau nos casos de indivíduos
que cometem abuso e violência.
A literatura pesquisada mostrou-se no entanto muito escassa em
relação ao assunto proposto neste artigo, foram encontrados inúmeros dados e
estudos acerca dos aspectos psicossociais que estão presentes em casos de abuso
e violência, porém em sua grande maioria o foco é na vítima, já as pesquisas
relacionadas aos mesmos aspectos com atenção ao agressor quase não existem,e
quando encontradas continham muito pouco material sobre o agressor
especificamente,o que resultou em grandes dificuldades na elaboração deste artigo.
Pesquisas sobre aspectos biológicos relacionados à atos de violência
eram pouco acessíveis, pois artigos encontrados nas plataformas eram em sua
maioria em inglês o que dificultou sua leitura, e muitos também faziam partes de
revistas de pesquisa pagas o que inviabilizou o uso destes neste trabalho.
A proposta visava um entendimento das nuances psicológicas, sociais
e culturais que levam indivíduos a cometer barbáries e buscar formas de
desenvolvimento de medidas protetivas com base na análise de dados e
informações a respeito de agressores, buscando um decréscimo nos casos de
atrocidades que se encontram em alarmante crescimento na atualidade. Outro
objetivo da pesquisa, foi encontrar formas diferentes de terapias e intervenções para
agressores, ao invés somente encarcerá-los e esperar que saiam novos cidadãos de
bem.
Conclui-se, portanto que existe uma demanda crescente e
extremamente necessária, por pesquisas, coleta de dados e informações a respeito
desse tema que engloba cada vez mais as vidas de milhares de pessoas no seu
cotidiano e relaciona todos os aspectos buscados neste artigo, para os quais um
estudo mais aprofundado beneficiaria muitas destas pessoas, sejam elas vítimas ou
agressores.
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Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da
identidade feminina
Lindsay Amanda Rodrigues
Graduanda em Letras – Uni-FACEF
[email protected]
Lucas Rodrigues
Graduando em Letras – Uni-FACEF
[email protected]
Talita Gabriela Santros Nascimento
Graduanda em Letras – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Lúcia Furquim Campos Toscano
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
O ser humano sempre viveu em sociedade, porém os indivíduos
separam as pessoas de acordo com a cor, a classe social e o gênero, sendo que
este último ainda gera constantes discussões quando se trata das relações
interpessoais. A partir do início do patriarcado, criou-se a ilusão de que o sexo
masculino tem propriedade sobre o feminino e de que a mulher é obrigada a seguir
os papéis que a ela foram impostos, ideia que vem sendo passada de geração em
geração, apesar das mudanças que ocorreram no decorrer dos séculos.
Só foi possível que essas mudanças acontecessem por conta da
criação do feminismo, movimento político, social e ideológico que busca a equidade
de gêneros e tem se constituído como peça-chave para que a mulher tenha domínio
do seu próprio corpo, consiga quebrar preconceitos, padrões de beleza e
estereótipos. Mesmo com todas essas alterações, é impossivel dizer que a mulher
está livre de rótulos, como o de ―princesa‖, aderido por muitos, que diz que a mulher
deve se comportar com delicadeza e fragilidade, nunca correndo atrás de seu futuro
e sendo sempre submissa ao homem.
Uma significativa contribuição para a reflexão sobre a mudança desse
paradigma foi a publicação da série de livros infantojuvenil denominada
―Antiprincesas‖, composta atualmente por três edições sobre mulheres influentes da
América Latina, as quais fizeram história não só em diferentes campos da arte, mas
também ajudaram na transformação do cenário político, social e artístico dos países
em que viveram. Destacamos, nesta pesquisa em andamento, as edições sobre a
escritora Clarice Lispector, a pintora mexicana Frida Kahlo e a musicista chilena
Violeta Parra.
COLEÇÃO ANTIPRINCESAS: Análise da construção discursiva da identidade
feminina – pp. 89-101
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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A fim de verificarmos como são apresentados os percursos dessas três
mulheres presentes na coleção Antiprincesas e a construção de sentidos de
desconstrução de padrões por meio emprego de recursos verbos-visuais que
configuram o estilo desses enunciados, analisamos, neste artigo, seis enunciados.
Para tal, levantamos questões sobre a construção identitária da mulher, são elas:
Como é construída a identidade feminina nessa coleção de livros sobre
antiprincesas? Quais são os valores sociais e ideológicos veiculados nesses
discursos? Como ocorre o embate discursivo entre duas posições diversas sobre a
figura feminina? Quais são os recursos verbo-visuais utilizados? Quais são as
críticas sobre a identidade feminina presentes nesses livros?
Como referencial teórico-metodológico, adotamos uma revisão
bibliográfica sobre a construção identitária da figura feminina a partir dos estudos de
Belline (2003), Confortin (2003), Sgarbieri (2003) e Paula e Stafuzza (2013), como
também, na análise discursiva, as reflexões do Círculo de Mikhail Bakhtin sobre
ideologia, dialogismo, enunciado concreto, estilo, e de seus comentadores, entre
eles Brait (2005), Fiorin (2006) e Faraco (2009).
2. OS GÊNEROS DO DISCURSO
Com o intuito de compreendermos como é construída a identidade
feminina em discursos de antiprincesas, respaldamo-nos em conceitos de análise
presentes na área dos estudos do discurso pela perspectiva do Círculo de Mikhail
Bakhtin: dialogismo, enunciado concreto, estilo. Além disso, dentro do conceito do
estilo, também tomamos como fundamentação teórica o conceito das escolhas
verbo-visuais, visto que as imagens presentes nesta pesquisa são de significativa
importância para a construção discursiva desses livros infantojuvenis.
Com base nas reflexões de Bakhtin, afirmamos que o uso da
linguagem é imprescindível quando se trata das relações humanas e que a utilização
da língua efetua-se em forma de enunciados, sejam eles orais ou escritos, concretos
ou únicos:
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse
uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é
claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de
cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos, e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional (BAKHTIN, 2003, p.261).
Dessa forma, entendemos que interação social é composta por
enunciados concretos que, por sua vez, têm diferentes finalidades de acordo com as
esferas de atividades humanas. Esses enunciados foram denominados por Bakhtin
RODRIGUES, Lindsay Amanda; RODRIGUES, Lucas; NASCIMENTO, Talita Gabriela Santros;
CAMPOS-TOSCANO, Ana Lúcia Furquim
Psicologia e Transformação
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de gêneros do discurso. Fiorin, um dos estudiosos desse filósofo da linguagem,
comenta sobre a composição desses gêneros:
Os gêneros são, pois, tipos de enunciados relativamente estáveis,
caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e
um estilo. Falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada
esfera de atividade (FIORIN, 2006, p.61).
Quando tratamos sobre o conteúdo temático de um texto, não nos
referimos apenas ao tema e sim aos efeitos de sentido que ele reproduz, uma vez
que um grande número de temáticas pode ser abordado por um só gênero. Levemos
em consideração, por exemplo, os textos cujo conteúdo temático seja ―estética‖:
podemos encontrar obras discorrendo sobre o assunto de forma positiva, afirmando
que procedimentos estéticos estão a serviço de melhorar a autoestima da
população, ou também de forma difamadora, relatando que esses procedimentos
existem para impor padrões de beleza inalcançáveis pela sociedade.
A construção composicional diz respeito a como um texto é organizado
e estruturado. Isso acontece quando lemos uma carta e um texto jornalístico, por
exemplo, visto que em uma carta deve conter data, local, o remetente e o
destinatário. Já um texto jornalístico, por não ser escrito para apenas uma pessoa, é
estruturado de forma diferente, com manchete, lide e a notícia em si, organizada de
acordo com o layout do jornal.
Sobre o estilo, trata-se sobre escolhas linguísticas (fraseológicas,
lexicais, sintáticas, semânticas), que produzem efeitos de sentido e contribuem para
a valorização expressiva dos enunciados. Desse modo, podem apresentar traços
individuais como também do gênero a que pertencem. Nesse contexto, há aqueles
mais propensos ao estilo individual, como no caso dos gêneros artístico-literários,
porém há enunciados mais padronizados. Há também que se levar em conta a
relação com o destinatário ou com um grupo social. A fim de se precaver de
possíveis objeções ou preconceitos ou de conseguir a adesão de seu ouvinte, o
enunciador faz escolhas para conseguir obter uma atitude responsiva ativa. Ainda
sobre o conceito de estilo, é aceitável que essa ideia não tenha como exemplos
somente os textos verbais, podendo ser levadas em consideração as escolhas
verbo-visuais. Sobre isso, Brait comenta:
[...] se escolhemos textos visuais ou verbo-visuais (foto e sua legenda; a
pintura e seu título, composições visuais em jornais, filmes etc.) assumindo
sua textualidade, sua discursividade, também é possível lançar mão desses
aspectos, respeitando as particularidades da construção textual e discursiva
da imagem (BRAIT, 2008, p. 96-97).
Retomando o conceito de enunciado, Bakhtin ainda afirma que todos
os enunciados no processo de comunicação são dialógicos. Isso significa que em
uma palavra há sempre uma dialogização interna que, por vez, é perpassada pela
palavra do outro:
A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso.
Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus
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caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o
discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma
interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira
palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente esse Adão
podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do
discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico,
isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que pode
dela se afastar (BAKHTIN, 1988, p.88).
Dessa forma, entendemos o porquê de a mulher ainda sofrer tanto por
questões patriarcais. Uma vez que vivemos em sociedade, os enunciados
produzidos por nós sempre sofrerão influencia do enunciado produzido por outra
pessoa.
2.1. Mulher: identidade e alteridade
A coleção Antiprincesas (2016) apresenta três mulheres, sendo elas
Frida Kahlo, Violeta Parra e Clarice Lispector que, apesar de terem vivido em épocas
de grande desvalorização da mulher, já mostravam o quanto poderiam se
autoafirmar, distanciando-se da posição das mulheres esperada pela sociedade.
Além disso, da época em que viveram e se expressaram por meio da arte até a
publicação da coleção, em 2016, nota-se uma diferença na construção da imagem
feminina presente nessas obras, configurando, por conseguinte, uma mudança no
contexto sócio-histórico-cultural, devido, por exemplo, à abertura dada às mulheres
para que pudessem frequentar escolas e universidades, o que possibilitou, inclusive,
o acesso a cargos antes exercidos apenas por homens.
Como afirma Sgarbieri (2003, p.125), ―historicamente as mulheres
brasileiras têm sido educadas para as atividades do lar‖. Entretanto, nas últimas
décadas, as mulheres começaram a ocupar espaços profissionais. Isso ocorre
porque, quando a sociedade muda seus valores, a construção identitária também se
altera. Nessa ambiência, a mulher começou a buscar a realização profissional, a
liberação sexual, sem discriminação e preconceitos.
Confortin (2003, p.120), por sua vez, afirma que ―a mulher dos novos
tempos deve possuir novos conhecimentos, comportamentos e atitudes para
assumir novas tarefas e responsabilidades como membro da comunidade e agente
de mudança no sistema social‖.
A mulher representada na literatura e na mídia, dantes sempre em
segundo plano, tendo de ficar em casa cuidando dos filhos e exercendo tarefas
―menores‖ e ―vergonhosas‖ que os homens não queriam fazer, hoje, exerce as
mesmas funções, mas nem sempre com os mesmos salários, o que é um sinal de
que ainda é necessário muita luta para a igualdade de direitos.
Desse modo, verificamos como ainda é difícil para a mulher conquistar
seu espaço, em qualquer área, mesmo nos dias atuais, inclusive recebendo salários
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menores que os homens e ainda desempenhando, muitas vezes, dupla jornada: em
casa e no trabalho.
3. ANTIPRINCESAS: Uma análise discursiva
As análises de enunciados que aqui são apresentadas discorrem sobre
três mulheres que se afastaram sobremaneira dos padrões sociais de suas
determinadas épocas.
Figura 1: A fuga de Clarice
Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 15.
Nesse enunciado, a escritora Clarice Lispector é figurativizada
escapando de sua vestimenta ―de princesa‖, que mantinha quando casada com um
diplomata importante e morava na Europa, para ir atrás da sua verdadeira paixão, os
livros e a máquina de escrever. Antes de retornar ao Brasil, Lispector confessou
mais de uma vez que se sentia como ―um peixe fora d‘água‖ entre figuras tão
importantes: ―Eu detestava, mas cumpria minhas obrigações: dava jantares, fazia
tudo, mas com náuseas‖, recordava ela anos depois (FINK; SAÁ, 2016, p. 4).
Esse repúdio ao status de princesa e a luta para voltar ao Brasil e criar
os filhos, mesmo que com uma vida simples, contrapõe ao estereótipo de uma
mulher ―doméstica‖, mostrando a capacidade que todas têm de conquistarem sua
vida profissional e crescerem, sem o intermédio de uma figura masculina.
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No enunciado verbal ―É pena o que pode suceder quando se pactua
com a comodidade da alma‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 15), evidencia-se numa análise do
estilo, o valor disfórico atribuído à mulher acomodada, devido à escolha lexical de
palavras como ―pena‖ e ―pactuar‖, principalmente nesse último vocábulo que constrói
a ideia de consentimento ou ação em conivência com algo que pode nos confrontar
ou prejudicar.
Figura 2: Frida Kahlo
Fonte: FINK; SAÁ, 2015, contracapa.
Em destaque, há um desenho que retrata a pintora Frida Kahlo e uma
caixa de texto que, entre outros enunciados, apresenta os seguintes dizeres: ―Por
isso Frida Kahlo é nossa primeira antiprincesa (ou princesa asteca, talvez): uma
mulher que mostrou o corpo embora fosse manca, que pintou em uma tela os
momentos mais tristes e felizes de sua vida [...]‖ (FINK; SAÁ, 2015, contracapa).
Frida usava vestidos típicos mexicanos com estampas e outros
adereços, mostrando, assim, uma marca única da pintora e seu distanciamento da
ideia de princesa. Além disso, sempre assumiu as sobrancelhas e os pelos do buço,
características atribuídas por muitos apenas a homens.
Por fim, para efeito de análise, destacamos o seguinte enunciado da
caixa de texto: ―que pintou em uma tela os momentos mais tristes e felizes de sua
vida‖ (FINK, SAÁ, 2015, contracapa). Esse enunciado contrapõe à ideia de ―felizes
para sempre‖, presente em todo final de contos de fadas, quando a princesa termina
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com seu príncipe, mostrando que a vida de uma mulher também é composta por
momentos ruins.
Figura 3: Violeta Parra
Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 15.
Como dito anteriormente, a ideia de que a mulher nasceu para ficar em
casa cuidando de tarefas domésticas, dos filhos e do marido, simplesmente porque
nasceu mulher, é comum para muitas pessoas. Um exemplo disso é o marido e pai
dos filhos de Violeta Parra, Luis Cereceda, que fez parte da vida da musicista por 10
anos. Ele não gostava da vida que Parra levava com a arte, tocando e cantando em
diversos lugares, levando, inclusive, os filhos consigo. Um dia, Luis, querendo uma
esposa que ficasse em casa, disse a Violeta: ―Se você continuar com a arte, vou
embora para sempre‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 14). Como a música exercia uma grande
importância em sua vida, Violeta escolheu a vida com seu violão e não se esqueceu
de seus filhos.
No enunciado presente na figura 3, ―Minha única vantagem é que,
graças ao violão, parei de descascar batatas. Porque não sou ninguém. Há tantas
mulheres como eu em qualquer lugar do Chile‖ (FINK; SAÁ, 2016, p. 15),
observamos como Violeta se sente sobre seu papel como mulher. Ao mesmo tempo
que ela se aproxima de outras mulheres, dizendo que se considera igual a tantas,
distancia-se desse núcleo, mostrando que, graças ao seu esforço e insistência para
tocar e cantar, foi capaz de fugir do ofício de mulher doméstica.
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Devemos nos atentar também aos recursos visuais utilizados na
construção de todo o enunciado. Na imagem, no momento que o ex-marido de
Violeta está saindo de casa, uma luz entra pela abertura da porta e ilumina
diretamente Violeta e suas crianças, enquanto se abraçam, mostrando a união entre
mãe e filhos, além da expressão suave em seus rostos, inspirando tranquilidade
apesar da situação que estava acontecendo diante deles.
Figura 4: Uma luta contra a repressão
Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 21.
É notório o fato de que Clarice Lispector foi uma escritora que se
importava muito com a realidade social em que vivia, especialmente por ter
vivenciado a época em que o Brasil sofreu os horrores da ditadura militar, regime em
que a censura, exílio, prisão, tortura, entre outras formas de impedir a liberdade,
eram parte da vida, não só de artistas, mas de todo o povo brasileiro.
No enunciado anterior, vemos a escritora sendo representada em uma
manifestação contra a repressão. Clarice não deixou que o fato de ser mulher a
atrapalhasse de lutar por seus direitos, assunto pelo qual havia adquirido bastante
conhecimento, por ter ingressado no curso de Direito, em 1939, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro e tinha como desejo reformar o sistema penal Brasileiro.
É importante ressaltar também que, no enunciado, a expressão facial
de todos os presentes na imagem, inclusive a de Clarice, parecem insatisfeitos com
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a situação do país na época e foi isso que os levou às ruas, mesmo havendo a
possibilidade de serem mortos a qualquer minuto.
O enunciado é uma releitura da foto real de Clarice no prostesto que
ocorreu em junho de 1968, quando marchou ao lado de outros grandes nomes como
Oscar Niemeyer, Glauber Rocha e Ziraldo. A imagem a seguir retrata esse
acontecimento.
Figura 5: A passeata de Clarice
Fonte: Enciclopédia Latinoamericana, 2019, online.
Essa luta por uma sociedade livre, sem a imposição de uma ditadura e
pela liberdade de livre expressão, contrapõe explicitamente o estereótipo da
―donzela em apuros‖, em cujas histórias é sempre a personagem indefesa, incapaz
de lutar pela própria vida e necessita do personagem masculino com
comportamentos corajosos e fortalecedores. A autora representa a força que existe
no sexo feminino, mostrando que nenhuma mulher precisa deixar que a guerra toda
seja batalhada apenas por homens.
Clarice Lispector não era a única que era ativa na luta a favor de
melhores condições de vida, uma vez que Frida Kahlo também foi uma figura
feminina que fugia da personagem ―donzela em apuros‖. Mesmo sofrendo de uma
infecção grave nos pulmões, sendo submetida a um tratamento à base de remédios
e correndo sérios riscos de vida, Frida foi às ruas para lutar por melhores condições
salariais no México.
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Figura 6: Doente por justiça
Fonte: FINK; SAÁ, 2015, p. 22.
No enunciado ―Sair não lhe fez bem, mas Frida sabia e essa também
foi sua decisão: levar seu corpo como uma bandeira‖ (FINK; SAÁ, 2015, p. 22),
notamos o distanciamento da pintora da identidade de uma mulher frágil, pois sabia
que sua presença faria a diferença na luta do povo, mesmo sendo do sexo feminino
e apesar de todas as suas debilitações. Assim, fugiu do rótulo de mulher frágil,
aproximando-se ainda mais de uma figura ―heroica‖.
Também é presente, nesse enunciado, a representação de um povo
triste, insatisfeito com a situação do México no período retratado. Porém, dessa vez,
uma insatisfação pelas más condições de trabalho.
Figura 7: Criança autodidata
Fonte: FINK; SAÁ, 2016, p. 6.
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Nesse enunciado é apresentada a descoberta da música por Violeta
Parra. A musicista nasceu em uma família que era bastante pobre, vivia com o pai,
que era professor e a mãe, que era costureira. Além do cargo de professor, o pai de
Parra era também folclorista, isto é, cantava e tocava violão, o qual mantinha
guardado no armário, pois não queria que Violeta crescesse pensando que música
era um bom recurso para fazer o sustento pessoal. Parra, porém, desobedecia às
ordens paternas e ia todos os dias no armário onde ele mantinha o violão para
praticar a maneira correta de tocar, imitando, inclusive, os pais na maneira de cantar.
Após um tempo, ela foi descoberta, mas se livrou da reprovação deles, pois viram
que havia uma filha autodidata, ou seja, aprendeu e aprimorou suas habilidades no
violão e de canto completamente sozinha.
Assim, desde criança, Violeta Parra fugia do estereótipo de mulher da
época, já que foi atrás de seus estudos e, mais tarde, ainda provou a seus pais que
estavam errados, pois mesmo sendo mulher tinha o direito de escolher sua carreira
de acordo com sua vontade, e pôde se sustentar por meio da arte,
independentemente de gênero ou trabalho.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discursos feministas com a finalidade de desconstruir padrões
acontecem de inúmeras formas, muitas delas subjetivas, que necessitam de uma
interpretação mais aprofundada para serem totalmente compreendidas. Os estudos
de gêneros do discurso e enunciado concreto contribuem para essa compreensão,
uma vez que, após analisarmos a temática, a estrutura composicional e o estilo do
enunciado, é possível entender quais os efeitos de sentido construídos, ideologias e
valores sociais são veiculados. Além disso, como se trata de uma obra infantojuvenil,
devemos levar em consideração o uso dos recursos visuais, os quais contribuem na
construção do sentido e na contraposição a outros enunciados que concebem a
mulher como frágil, submissa e incapaz de lutar por seus desejos, sonhos e
objetivos.
A partir dos estudos realizados neste artigo, constatamos que a mulher
tem sofrido duramente com os padrões impostos pela sociedade, sendo
considerada, muitas vezes, como inferior ao gênero masculino e vista de maneira
reificada. Por muito tempo, pensou-se que a figura feminina não tinha outra função a
não ser encaixar-se nos padrões de beleza e submeter-se à figura masculina.
A coleção Antiprincesas busca, portanto, modificar a concepção da
identidade feminina e conscientizar, por meio de suas histórias, leitores de todas as
idades sobre o papel exercido pela mulher na sociedade que, muitas vezes, é
antagônico ao senso da figura feminina comparada a uma princesa.
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Nesse sentido, concluímos que as ―antiprincesas‖ apresentadas nos
livros de Fink e Saá: Clarice Lispector, Frida Kahlo e Violeta Parra, por terem se
tornado pessoas de grande influência, representam até os dias de hoje uma versão
diferenciada de mulheres, desvencilhando-se do estereótipo de princesa, seja indo
atrás do seu próprio reconhecimento profissional, independência sem a necessidade
da figura masculina, enfim, lutando pelos seus direitos e por melhores condições de
vida.
REFERÊNCIAS
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Tradução de Maria Ermantina Galvão; revisão de tradução de Maria Appenzeller.3.
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<http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/l/lispector-clarice. Acesso em: 5 maio de
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CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de
experiência
Maria Paula Piassi Brasileiro
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Maria Eduarda Lemos de Oliveira
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Julia dos Reis Moraes
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Lara Sawan Cunha
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Carolina Garcia Braz Trovão
Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
A Reforma Psiquiátrica iniciou-se ao final dos anos 70 quando deu
início a crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico e ganhou
destaque os esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes
psiquiátricos. Essa mudança social iniciou-se com a criação de alguns CAPS (Centro
de Apoio Psicossocial) e NAPS (Núcleo de Apoio Psicossocial) na cidade de São
Paulo. Concomitante a esses novos locais implantados na rede de assistência ao
paciente psiquiátrico, no campo legislativo apareciam novas propostas de leis que
tinham como objetivo regulamentar os direitos das pessoas com transtornos mentais
e a desinstitucionalização desses.
Somente em 2001, a Lei Paulo Delgado que estava em tramitação no
Congresso há 12 anos foi sancionada. Seus principais objetivos eram a substituição
progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde
mental e a garantia de proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais.
Acompanhando esse processo aumentou-se a fiscalização dos manicômios, que
passaram a ser avaliados anualmente pelo seu funcionamento e intersetorialidade
com a rede de saúde mental, sendo que os hospitais que não se enquadrassem as
exigências mínimas de qualidade fossem descredenciados pelo Ministério da Saúde.
Além disso criou-se o Programa de Volta pra Casa que tem como objetivo a
reintegração social de pessoas com longo histórico de internação.
A Reforma Psiquiátrica foi benéfica em vários pontos como a redução
de leitos, o processo de desinstitucionalização e a valorização dos direitos das
BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos
Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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pessoas com transtornos mentais, porém mesmo com tamanhas estratégias
utilizadas a fim de extinguir progressivamente os hospitais psiquiátricos, esse
objetivo ainda não foi alcançado. Com isso, é possível perceber que a existência dos
hospitais psiquiátricos se mostra necessária até os dias de hoje, visto que em alguns
casos a hospitalização é parte do tratamento.
A hospitalização de pacientes psiquiátricos é indicada nos casos em
que o paciente apresenta ideação suicida ou homicida, comportamento inadequado
ou desorganizado impossibilitando-o de cuidar de suas necessidades básicas ou
para estabilização da medicação e fins diagnósticos. Nesses casos, apesar das
redes de atenção ao paciente com transtorno mental, como CAPS e comunidades
terapêuticas, serem importantes no tratamento, elas não são suficientes para
estabilizar a doença e manter o paciente em um bom estado, sendo necessária a
internação.
2. OBJETIVOS
O objetivo do presente trabalho é relatar a experiência de estudantes
do terceiro ano do curso de medicina do Uni-FACEF em análise de critérios de
internação psiquiátrica de um paciente com esquizofrenia.
3. METODOLOGIA
A partir de uma visita ao Hospital Psiquiátrico Alan Kardec, os alunos
entraram em contato com um dos pacientes ali internado. De início, utilizaram da
anamnese, questionando o paciente sobre seus dados pessoais para identificação, o
motivo de sua internação, as patologias que o acometiam, os medicamentos
utilizados por ele e sua história familiar, abrangendo patologias apresentadas pelos
pais, irmãos, filhos e cônjuge. Além disso, utilizaram do exame do estado mental,
avaliando no paciente seu humor, afeto, pensamento, linguagem, cognição,
orientação autopsíquica e alopsíquica, memória, presença de ilusões, delírios ou
alucinações bem como a confiabilidade de suas informações e seu insight sobre a
doença que o acometia. Após essa conversa, os estudantes avaliaram as
características clínicas apresentadas por ele, discutindo a partir disso, a necessidade
de sua internação.
4. RESULTADO/DISCUSSÃO
Durante a conversa com o paciente foi possível perceber que o
transtorno que o acometia era a esquizofrenia, pois dentre outras características,
apresentava alucinações, delírios e discurso desorganizado. Para um paciente com
esse diagnóstico as formas de tratamento abrangem primeiramente a farmacoterapia
que se divide em uso de antipsicóticos e benzodiazepínicos para psicose aguda, a
fim de aliviar os sintomas mais graves durante um surto, e os antipsicóticos
CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA: Um relato de experiência – pp.
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utilizados para estabilização e manutenção a longo prazo. Além disso, é
recomendada a utilização de psicoterapias concomitantes aos fármacos para uma
melhor resposta ao tratamento. A hospitalização também é uma forma de tratamento
para pacientes que possuem esquizofrenia, sendo indicada simultaneamente à
farmacoterapia e as psicoterapias em casos que o paciente apresenta ideação
suicida ou homicida, comportamento inadequado, incapacidade de cuidar das
necessidades básicas ou para fins diagnósticos e de estabilização da medicação.
Dentro da opção de internação psiquiátrica existe a voluntária, involuntária e a
compulsória. A voluntária se dá a partir do consentimento expresso do paciente
enquanto a involuntária é realizada a pedido de terceiros, na maioria das vezes
familiares, sem o consentimento do paciente. Já a internação compulsória se dá a
partir de uma ordem judicial, não sendo necessária a autorização da família ou do
paciente, sendo embasada no laudo médico de um psiquiatra que atesta que a
pessoa não tem domínio sob sua condição psicológica e física. Para o paciente em
questão o tipo de hospitalização utilizada foi a involuntária, pois ele não compreendia
a necessidade de sua internação e por isso não tinha o consentimento sobre ela,
sendo realizada a pedido de sua ex esposa, que ao levá-lo em um pronto
atendimento, chegou a conclusão junto com o médico da necessidade da internação.
Antes de pensar na possibilidade da internação, todos os pacientes
psiquiátricos devem estar integrados à RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) que
integra o Sistema Único de Saúde (SUS) e estabelece os pontos de atenção para o
atendimento de pessoas com problemas mentais. É composta por equipamentos
variados como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais
Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de
Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS
III). Essa rede, tem objetivo de articular ações e serviços de saúde de diferentes
níveis de complexidade, a fim de promover a saúde e garantir os direitos sociais do
paciente com transtornos mentais, visando o atendimento integral em diferentes
densidades tecnológicas de acordo com sua necessidade. A RAPS, além de
funcionar como uma opção de tratamento extra-hospitalar a fim de evitar internações
desnecessárias também tem sua importância na reabilitação psicossocial do
paciente após internações. Dentro desse objetivo de reintegrar o paciente à
sociedade e da busca pelos direitos das pessoas com transtornos mentais que
iniciou-se com a Reforma Psiquiátrica, criou-se o Programa De Volta Pra Casa
(PVC) que visa à restituição do direito de morar e conviver em liberdade nos
territórios e também a promoção de autonomia e protagonismo do paciente,
fortalecendo os processos de desinstitucionalização e reabilitação de pessoas com
longas internações.
Em relação aos dados questionados na anamnese, apesar de não
serem muito bem respondidos pelo paciente por esse apresentar um discurso
desorganizado, esses foram importantes para a discussão posterior do caso,
principalmente em relação ao histórico familiar pois o paciente apresentou uma
informação importante: Relatou ser separado da mulher e não ter muito contato com
BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos
Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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o restante da família. Essa questão remete ao assunto da necessidade de sua
internação pois como o paciente apresentava-se com comportamento inadequado e
com ausência de autocuidado, necessitaria de alguém para controlar sua medicação
e como não tem contato com sua família, não teria quem auxiliá-lo no tratamento
domiciliar. Além disso, essa informação remeteria a falta de uma potencialidade no
planejamento de sua alta, pois não teria nenhum familiar para auxiliá-lo no seu
processo de reabilitação psicossocial.
Já no exame do estado mental foi possível perceber as seguintes
situações: Seu humor estava hipertímico com afeto modulado e coerente, presença
de alucinações e delírios, seu pensamento desorganizado e com conteúdo de
grandiosidade, a linguagem com presença de logorréia e neologismos, havia um
comprometimento da cognição, orientação autopsíquica boa e alopsíquica ruim,
memória recente e remota comprometidas e seu insight sobre a doença é ruim, já
que não reconhece a esquizofrenia.
Após a conversa com o paciente foi possível identificar dois critérios de
indicação para internação: Comportamento inadequado e necessidade de
estabilização da medicação. Sobre o comportamento, o paciente apresentava-se
agitado e sem adequação das respostas para cada pergunta. Além disso, mostravase totalmente impossibilitado de realizar o autocuidado. Em relação a necessidade
de estabilização da medicação o paciente por não ter o autocuidado e um insight
sobre sua doença, não aderia à medicação no tratamento domiciliar, sendo
necessária a internação para que o tratamento medicamentoso fosse realizado
corretamente, seguindo as doses e horários adequados.
Com isso, foi possível perceber que em casos como esse a internação
se faz necessária já que os meios de tratamento domiciliar juntamente com a
interligação com as redes de apoio á saúde mental não foram suficientes para
estabilizar o caso e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Assim, é importante que sejam seguidos os critérios de internação para
que se avalie a real necessidade de cada hospitalização e sejam evitadas
hospitalizações desnecessárias e em casos que abrangem um dos critérios o
Hospital Psiquiátrico se mostra como o local ideal.
5. CONCLUSÃO
A atividade realizada contribuiu na formação acadêmica dos alunos,
pois permitiu a contextualização dos conceitos em psiquiatria, especialmente os
critérios de internação, à luz da Reforma Psiquiátrica e da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS).
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REFERÊNCIAS
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BRASILEIRO, Maria Paula Piassi; OLIVEIRA, Maria Eduarda Lemos de; MORAES, Julia dos
Reis; CUNHA, Lara Sawan; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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DESENVOLVIMENTO E PRÁTICAS DA PSICOLOGIA FORENSE NO
BRASIL E ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo
Giulia Scarela Mourani
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Ianka Procopio Cabral
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Lara Junqueira Gomes
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Maria Julia Goulart
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
[email protected]
Sofia Muniz Alves Gracioli
Doutora em Educação – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
Apesar da Psicologia Jurídica ser uma vertente de atuação recente no
Brasil, Anastasi (1972) argumenta que, no cenário internacional, as demandas originadas no
âmbito judiciário contribuíram para que a Psicologia se estabelecesse como ciência.
O advento de psicólogos com atividade no segmento jurídico, no Brasil, tem
início simultaneamente ao processo de regulamentação da profissão de psicólogo, em 1962.
Ainda assim, a atuação da Psicologia Forense só passou a ser sistematizada em 2001.
Atualmente, no país, são raros os cursos de Psicologia que incorporaram a área
de atuação como disciplina na grade curricular. Além do mais, Grisso (1986, apud
ROVINSKI, 2003) enfatiza que ainda há uma carência em relação ao desenvolvimento de
instrumentos avaliadores específicos para questões judiciais, os quais poderiam contribuir
para a padronização de métodos quantitativos, podendo-se dizer que a área de atuação ainda é
pouco explorada e reconhecida na prática.
Por outro lado, pareceres psicológicos já eram solicitados nos tribunais dos
Estados Unidos desde o século XVIII. Entre as décadas de 60 e 70 há uma eclosão da
Psicologia Forense no país, sendo fundada a Sociedade Americana de Psicologia Jurídica
seguido pela criação de diversos periódicos com artigos especializados no tema. (LEAL,
2018)
Nos dias de hoje, são os psicólogos forenses os únicos especialistas
qualificados a opinar sobre questões psicológicas nos processos legais, sendo o país uma
referência no que condiz a esse campo de atuação.
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O presente artigo, por meio de revisão bibliográfica crítica de artigos
científicos e livros, pontua as diferenças entre a atuação do Psicólogo Jurídico e o
Psicólogo Forense, além de explorar o desenvolvimento da Psicologia Forense no
Brasil tendo como panorama a aplicação da mesma nos Estados Unidos. Visa
contribuir com informações sobre o progresso de atuação e modelo de aplicação no
contexto americano, para que ofereça parâmetros e inspire iniciativas para a
abordagem no Brasil.
2. PSICOLOGIA JURÍDICA X PSICOLOGIA FORENSE
Antes de estabelecer o desenvolvimento da Psicologia Forense no
Brasil e Estados Unidos, é importante contextualizar as definições e práticas tanto no
que condiz a Psicologia Forense quanto na Psicologia Jurídica, já que ambas
apresentam similaridades, mas também estabelecem especificidades importantes de
serem ressaltadas, visto que os campos da Psicologia no âmbito forense não são
termos sinônimos, mas sua semelhança temática e prática geram uma falta de
consenso diante dos conceitos. (AFONSO, 2014)
2.1. Psicologia Jurídica
O início da Psicologia Jurídica no Brasil não tem um marco histórico
bastante claro, uma vez que o processo de desenvolvimento se deu de forma
gradual e lenta, muitas vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários.
A Psicologia Jurídica teve seu reconhecimento como profissão na década de 60
(Lago et al., 2009).
A história da atuação de psicólogos brasileiros na área da Psicologia
Jurídica tem seu início no reconhecimento da profissão, na década de 1960.
Tal inserção deu-se de forma gradual e lenta, muitas vezes de maneira
informal, por meio de trabalhos voluntários. Os primeiros trabalhos
ocorreram na área criminal, enfocando estudos acerca de adultos
criminosos e adolescentes infratores da lei (Rovinski, 2002).
O trabalho do psicólogo junto ao sistema penitenciário existe, ainda
que não oficialmente, em alguns estados brasileiros há pelo menos 40 anos.
Contudo, foi a partir da promulgação da Lei de Execução Penal (Lei Federal nº
7.210/84) Brasil (1984), que o psicólogo passou a ser reconhecido legalmente pela
instituição penitenciária (Fernandes, 1998).
Conforme Urra (1993), compreendendo a intervenção e o
assessoramento nos comportamentos humanos – e o estudo sobre estes – que têm
lugar em ambientes diretamente ligados ao âmbito legal, a Psicologia jurídica
engloba a Psicologia forense e a Psicologia criminológica.
A Psicologia Jurídica deve transcender as solicitações do mundo
jurídico. Deve repensar se é possível responder, sob o ponto de vista psicológico, a
todas as perguntas que lhe são lançadas. Nesses termos, a questão a ser
MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria
Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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considerada diz respeito à correspondência entre prática submetida e conhecimento
submetido. Um se traduz no outro (POPOLO, 1996).
A outra forma de relação entre Psicologia Jurídica e Direito, de acordo
com Popolo (1996), é a complementaridade. A Psicologia Jurídica como ciência
autônoma, produz conhecimento que se relaciona com o conhecimento produzido
pelo Direito, incorrendo numa interseção. Portanto há um diálogo, uma interação,
bem como haverá diálogo com outros saberes como da Sociologia, Criminologia,
entre outros.
Cada campo de atuação reserva suas especificidades e delimitações.
Cabe ao profissional que se encarrega da possível articulação entre Psicologia e
Direito produzir experiências, assim como a escrita e publicação. São necessários o
fortalecimento teórico e a formação contínua, assim como uma maior produção
acadêmica na área para que tais especificidades se tornem reconhecidas e os
campos se fortaleçam.
Com efeito, o psicólogo jurídico deve saber aplicar com destreza e
segurança os meios terapêuticos e de suporte ao diagnóstico que apresentem
técnicas complexas. Os diagnósticos jurídicos incluem a aplicação, a análise e a
interpretação de provas psicológicas assim como a comparação dessas com
padrões psicométricos que conduzirão à validez, confiabilidade e adequação do
laudo do qual o diagnóstico faz parte (SORIA, 1998).
Em relação à área acadêmica, cabe citar que a Universidade do Estado
do Rio de Janeiro foi pioneira em relação à Psicologia Jurídica. Foi criada, em 1980,
uma área de concentração dentro do curso de especialização em Psicologia Clínica,
denominada ―Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos‖. Seis anos mais tarde, passou
por uma reformulação e tornou-se um curso independente do Departamento de
Clínica, fazendo parte do Departamento Psicologia Social (ALTOÉ, 2001).
2.2. Psicologia Forense
A psicologia forense é uma área da psicologia que está vinculada com
conhecimentos jurídicos, uma das áreas que mais cresce em toda a psicologia, que
tem o papel de auxiliar o sistema legal e levam casos psicológicos até os tribunais.
Segundo Blackburn, (1996); Pollock e Webster, (1993). A palavra
forense significa ―do fórum‖, usada para descrever um local na Roma Antiga. O
fórum era o local onde os cidadãos resolviam disputas, algo parecido com o nosso
tribunal dos dias modernos.
O psicólogo forense antes de tudo precisa ter um perito da sua própria
especialidade, para depois dominar os conhecimentos referentes às leis civis e às
criminais. A psicologia forense tem uma história extensa que se desenvolveu antes
da cultura popular focar nela. Hugo Munsterberg foi um dos primeiros psicólogos a
aplicar os princípios psicológicos ao direito.
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A
prática
clínica
da
psicologia
forense
se
originou
com Lightner Witmer e William Healy. Witmer começou como professor dos cursos
de psicologia do crime no início dos anos de 1900, e Healy fundou o instituto
psicopático Juvenil de Chicago, em 1909, para tratar e avaliar delinquentes juvenis.
(Blackburn, 1996; Brigham, 1999).
De acordo com Garcia, (2017). Alguns dos lugares atendidos pelos
psicólogos forenses são: presídios/centros de socio educação, delegacias,
comunidades terapêuticas, clínicas-escolas e clínicas particulares, laboratórios,
programas de liberdade assistida, abrigos, Ongs etc.; e alguns dos casos
comumente avaliados pela Clínica Forense são: disputa de guarda, alienação
parental, responsabilidade criminal, internamento de jovens, avaliação de risco,
abuso sexual, físico e psicológico, assédio moral no trabalho etc.
O objetivo da Psicologia Forense é proteger e defender o cidadão em
bases às perspectivas da psicologia. Tudo o que se passa nos tribunais e o que se
refere a um comportamento criminoso, está relacionado com a área tanto nos
aspectos criminais quanto civis em que ela está dividida.
Determinados aspectos clínicos, como diagnóstico e tratamento, ficam
em segundo plano no âmbito da Psicologia Forense. No primeiro plano temos o
esclarecimento das questões jurídicas do caso concreto. Esse acaba por ser um dos
grandes desafios do psicólogo: deslocar o seu tradicional foco terapêutico no
paciente para o foco na repercussão legal, judiciária do caso. (MELTON, 1997).
A Psicologia Forense é uma das atividades do psicólogo, que
está relacionada com os processos mentais e comportamentais, buscando
compreender o humano a partir dos princípios da análise individual relacionada com
o contexto social, político e econômico, da análise em todos os âmbitos (ambiental,
criminal, emocional). Essa abordagem possui muitas conexões com o direito,
psiquiatria, sociologia, medicina, entre outras áreas relacionadas.
O uso do termo ―forense‖ sugere uma relação equivocada e direta com
o tribunal, mas deve ficar claro que o trabalho do psicólogo forense vai muito além
desse espaço, estendendo-se para uma grande variedade de contextos, instituições
ou locais, como em serviços específicos do sistema judicial, centros de tratamento
ou reeducação para infratores, unidades de pesquisa do Ministério da Justiça,
serviço de apoio às crianças ou às vítimas, universidades, estabelecimentos de
saúde mental ou prisional, entre outros. (FONSECA, 2006).
As ciências médicas e forenses reclamam de um papel humanista e
preventivo. O exercício ético da psiquiatria forense começa por uma atitude
rigorosamente neutra, sem qualquer preconceito moral, religioso, rácico, na
peritagem psiquiátrica de uma situação ou comportamento. Implica que a partida
terá que se aceitar equidistantemente, por exemplo a responsabilidade civil criminal
ou a ausência dela, tendo por base o princípio do contraditório. Não é por acaso que
MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria
Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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a pessoa individual ou coletiva não tem de provar a sua inocência, mas sim as
estruturas normativas terão que provar a culpa. (RIBEIRO, 2005).
3. PSICOLOGIA FORENSE NO BRASIL
Segundo Filho (1970) a inspiração para a criação da área da Psicologia
Forense teve como base os estudos de psicologia judiciária, e que esta, por sua vez,
surgiu como um desdobramento da Medicina Legal, inicialmente na cidade de São
Paulo.
Por via da criminologia, da psiquiatria forense, ou mais amplamente, da
psicologia judiciária, todas cultivadas na medicina legal, passaram os
juristas a receber influência de teorias biológicas, especialmente nos últimos
50 anos: por outro lado, desde essa época, viriam os médicos a considerar
a importância de certas condições da vida social nos problemas da
psicopatologia, primeiramente pelo movimento de higiene mental, de que o
Brasil foi, aliás, país precursor. (FILHO, 1970)
No princípio, a Psicologia Forense era realizada por profissionais
estrangeiros ou por sujeitos com pós-graduação na área, já que não havia uma
graduação específica em Psicologia no Brasil. (JACÓ-VILELA, ANTUNES, BATISTA,
1999). A inserção dos psicólogos em atividade forense, no início, foi ocorrendo de
modo informal, via estágio ou serviços voluntários. As primeiras áreas de atuação
dos psicólogos forenses eram direcionadas ao estudo de questões criminais, como,
por exemplo: perfil psicológico do criminoso, da criança e dos adolescentes ligados
aos atos ilegais.
Em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil
(Lei Federal nº 4.119/1962) as atividades de perícia e criação de laudos passaram a
ter base legal (lei federal específica), inclusive apontando que determinadas
atividades são de competência exclusiva do psicólogo (atos privativos). Desse modo,
nenhum outro profissional pode executar as atividades privativas de psicólogo, pois
estaria cometendo ―exercício ilegal da profissão‖. Mas, a partir da Lei de Execução
Penal (Lei Federal nº 7.210/1984), o psicólogo brasileiro passou a ser reconhecido
legalmente pela instituição penitenciária. (FERNANDES, 1998).
Nos anos 70, as demandas dos psicólogos forenses no Brasil deixaram
de ser focadas apenas na área criminal, se estendendo a outras áreas,
principalmente a do direito civil. Em 1979, psicólogos passam a auxiliar famílias
carentes no Tribunal de Justiça de São Paulo e, em 1985, ocorre o primeiro
concurso público com admissão dos profissionais para atuação no tribunal.
Em 1992, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) enviou
documentação para o Ministério do Trabalho para constar na Classificação Brasileira
de Ocupações (CBO), apresentando as atividades dos psicólogos em diferentes
áreas, incluindo a área jurídica, aumentando o reconhecimento da Psicologia
Forense (LEAL, 2018)
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A UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) foi pioneira na
inserção da Psicologia Jurídica no âmbito acadêmico. Em 1980, desenvolveram
como parte da especialização em Psicologia Clínica, o estudo denominado
―Psicodiagnóstico para Fins Jurídicos‖ que posteriormente passou a ser um curso
independente do Departamento de Psicologia Social da universidade. (Altoé, 2001).
Entretanto, a sistematização da Psicologia Forense aconteceu quase
uma década depois, em 2001, quando uma resolução relacionada à especialização
em Psicologia Jurídica foi aprovada no Conselho Federal de Psicologia.
Assim que o sistema legal começou a reconhecer o benefício da
psicologia, as oportunidades de carreira também se ampliaram (ROBERSON, 2005),
os psicólogos forenses quase sempre se envolvem em três atividades principais:
avaliação, tratamento e consultoria. Contudo, é somente pela pesquisa nas áreas de
Psicologia Comunitária e Psicologia Forense que o conhecimento existente sobre
programas de prevenção acaba sendo timidamente semeado – o que já é um início,
embora ainda não seja a solução.
De acordo com a pesquisadora e professora adjunta da Universidade
Tuiuti do Paraná (UTP) Giovana Veloso Munhoz da Rocha, ―a maioria dos
psicólogos forenses no Brasil é analista do comportamento, porque os profissionais
que atuam nessa área consideram os fatores do contexto social‖. Além disso, ela
explica que a Psicologia Forense faz cruzamento com qualquer área do sistema
legal, e não apenas com o direito penal, como se costuma acreditar.
Para Jung (2013), um dos aspectos que merece atenção é a de
ampliação dos instrumentos utilizados na elaboração de psicodiagnósticos nos
processos de avaliação jurídica, já que possuímos apenas dois instrumentos
direcionais à área: o PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) ou Escala Hare e o
IFVD (Inventário de frases no diagnóstico de violência doméstica contra crianças e
adolescentes).
Os demais métodos de perícias psicológicas, no Brasil, são
praticamente os mesmos utilizados em avaliações clínicas, e por haver
um predomínio da atuação desses profissionais enquanto avaliadores, é importante
e necessária uma diferenciação no processo de avaliação por ter como objetivo
subsidiar decisões judiciais, o que diverge das abordagens e relações estabelecidas
no ambiente clínico.
Enfatizando o aspecto acadêmico, ainda são poucos os cursos de
graduação que oferecem a disciplina voltada para o âmbito jurídico nos cursos de
Psicologia e, quando isso acontece, são desenvolvidos como matéria opcional e com
baixa carga horária. Nos cursos de Direito, a disciplina já se tornou de caráter
compulsório, apesar da carga horária também ser reduzida.
Segundo Amato (2009), já existem cursos de pós-graduação em
Psicologia Jurídica em universidades do Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Minas
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Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo,
demonstrando interesse e expansão da área no país.
A Psicologia Forense é um ramo recente no Brasil, principalmente na
área científica e acadêmica. As demandas na área têm crescido, exigindo
atualização dos profissionais envolvidos, o que destaca a necessidade de ampliação
de discussão sobre o tema e desenvolvimento de matérias e cursos especializados
na área, para suprir a carência existente nos currículos dos cursos de Psicologia.
4. PSICOLOGIA FORENSE NOS ESTADOS UNIDOS
Desde o século XVIII, consultas a profissionais de outras áreas em
relação a pareceres psicológicos já eram requeridas nos tribunais americanos.
Segundo Larson (1953), após a Primeira Guerra Mundial, já na década de 1920, se
destaca o interesse por procedimentos de identificação e detecção de mentira,
sendo aplicados ao campo forense os primeiros polígrafos projetados para
diagnóstico médico.
A prática da psicologia forense clínica passou a ser instituída na
América do Norte nesse mesmo período, sendo inicialmente inserido ao contexto
como testemunha perita, passo crucial para o desenvolvimento da área.
Mesmo
dispondo
pouca
bibliografia
aprofundando
nesse
cenário, é destacado como relevante para esse contexto o caso judicial Estado vs
Motorista (1921), sobre delinquência juvenil, em que foi permitida a participação de
um psicólogo no papel de testemunha perita, sendo posteriormente negado pela
corte (HUSS, 2011).
Já no ano de 1962, o caso de Jenkins vs Estados Unidos (1962) foi
marcado pela rejeição em primeira estância no que condiz ao testemunho de três
psicólogos especialistas sobre a esquizofrenia de uma pessoa indiciada no tribunal.
(LOPEZ, 2010).
Após objeção da Associação Psiquiátrica Americana (APA) a esse
cenário, a Corte de Apelação no Distrito de Columbia designou o reconhecimento do
testemunho psicológico para a determinação de inimputabilidade. (HUSS, 2011).
Jenkins foi um dos primeiros exemplos em que a lei e o sistema legal
influenciaram tanto a pesquisa quanto a prática da psicologia forense.
Especificamente, pode-se dizer que a decisão em Jenkins levou a uma
explosão da psicologia forense nos Estados Unidos durante as décadas de
1960 e 1970, porque os tribunais admitiram uma variedade de testemunhos
não médicos (Loh, 1981).
Assim, se estabeleceu que psicólogos com formação e especialização
adequadas eram qualificados para oferecer testemunho em casos de transtornos
mentais, avaliando e diagnosticando se os acusados estavam aptos mentalmente no
momento da execução do crime para serem responsabilizados pelos mesmos.
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Desde então, o trabalho dos psicólogos no campo forense se estendeu
a processos em que era exigida atenção a questões psicológicas como custódia de
crianças e processos correcionais, levando a uma expansão significativa da área de
atuação no país.
Os anos 70 são referência no que condiz ao progresso da psicologia
jurídica nos Estados Unidos. Isso porque, segundo Grisso (1987), a quantidade de
publicações acadêmicas, conferências e congressos nesse campo tiveram um
progressivo aumento, principalmente referente a processos de decisão de juízes e
jurados, referentes a comportamento policial, entre outros.
Conforme Otto (2002), durante a década de 1990, foram identificados
no mínimo 32 instrumentos de avaliação e técnicas que foram desenvolvidos para
uso em avaliações forenses, enquanto apenas dez haviam sido desenvolvidos antes
desse período. Bem validados, tais instrumentos têm papel relevante por estabelecer
um equilíbrio entre confiança clínica e relevância no âmbito legal.
Em 2001, o Conselho de Representantes da APA votou para o
reconhecimento da Psicologia Forense como especialidade, fazendo com que
a área passasse por uma expansão rápida, ampliando os cenários acadêmicos e
dando início a um processo de credenciamento de programas formais de
treinamento para especialização na área.
O reconhecimento da Psicologia Forense fez com que a mesma
emergisse, se dividindo principalmente em duas linhas: psicologia forense civil e
criminal, em paralelo ao sistema de justiça dos Estados Unidos.
No aspecto criminal, em que o foco se estabelece em manter um senso
de justiça na sociedade, busca-se a prevenção de crimes como casos de assalto e
assassinato, uma das questões legais específicas desse campo de atuação é
o mens rea (traduzindo, mente culpada) um princípio de responsabilidade criminal
relacionado ao estado mental de um indivíduo, em que estabelece se um indivíduo
que cometeu um ato ilegal, o fez intencionalmente.
Os psicólogos forenses não costumam ser chamados para colaborar
em todos os casos criminais para contribuir em referência ao citado aspecto, ficando
responsáveis geralmente em situações de inimputabilidade, em que o profissional
auxilia a corte a identificar se o acusado sofria de uma doença mental, o impedindo
de formar mens rea e ser legalmente responsável por um crime capital.
Nos casos de atos ilícitos, em que um ato injusto causa prejuízo a um
indivíduo, o mesmo busca ajuda judicial. Nesse contexto, o psicólogo forense pode
realizar avaliação para ver se o indivíduo prejudicado sofreu algum dado psicológico,
podendo ele reivindicar e ser indenizado pelo seu trauma emocional e custo de
alguma assistência psicológica.
Já no que condiz ao campo civil, há uma variedade de aspectos nos
quais o psicólogo forense deve estar familiarizado como a avaliação para
determinação de guarda de filhos e indenização a trabalhadores.
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Hoje
os campos
de
atuação são diversos já
podendo ser
estabelecidos pelos amplos contextos de atuação como prisões, hospitais estaduais,
agências de polícia, agências do governo estadual e federal, além de universidades.
Assim, o campo da psicologia forense nos Estados Unidos abrange
desde aspectos criminais, em que podemos citar atuações em avaliação de risco no
momento da sentença, inimputabilidade e responsabilidade criminal, tratamento de
agressores sexuais, até aspectos civis, em questões como guarda dos filhos,
responsabilidade civil, danos pessoais, indenização a trabalhadores e capacidade
para tomar decisões médicas.
A área experimentou um crescimento considerável nos últimos anos,
sendo que alguns artigos enfatizam a intenção de tornar a área de atuação mais
convencional. Isso porque há um hiato entre o grupo de especialistas forenses e o
número maior de psicólogos que prestam serviços ocasionais ou específicos no
campo forense (Otto, 2002).
Além
disso,
segundo Conroy (2012),
apesar
da
crescente
especialização, existem competências generalizadas aos profissionais em
psicologia, que são possíveis de atuação no trabalho forense, como há
competências especializadas dentro da vasta atuação na psicologia forense, que se
tornam necessárias para todo o quadro de atuação na área. Assim reforçando o que
Otto (2002) apresentou dez anos antes do que foi sinalizado por Conroy, ainda é
desafio e ideal na prática forense dos Estados Unidos a necessidade de disseminar
padrões de práticas, conceituar o treinamento e especialização na área como
também informar melhor o público geral sobre a natureza da psicologia forense.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que foi apresentado nesse estudo, pode-se considerar que
apesar de a Psicologia Jurídica e a Forense serem corriqueiramente apresentadas
como sinônimos, esta última desempenha um dos campos possíveis de atuação da
Psicologia Jurídica.
Assim, a Psicologia Jurídica é extensa, englobando desde a
intervenção e assessoramento dos comportamentos humanos por meio de estudos e
pesquisas quanto por aspectos de atuação do âmbito jurídico.
A Psicologia Forense aparece no contexto vinculada aos
conhecimentos jurídicos, com o papel de auxiliar o sistema legal com casos
psicológicos no contexto dos tribunais tanto em aspectos criminais quanto civis.
No que condiz ao desenvolvimento da Psicologia Forense no Brasil,
era inicialmente realizada por profissionais de outros países, com especialização na
área, já que no Brasil ainda não havia sido dado enfoque às qualificações nessa
junção entre Psicologia e o Direito. Desse modo, a introdução de psicólogos
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brasileiros no âmbito forense foi se estabelecendo de modo informal até a
regulamentação da profissão de Psicólogo no país, em 1962.
Já nos Estados Unidos, a prática da psicologia foi inserida
informalmente ao contexto forense na forma de testemunha perita e, após essa
participação ser negada por alguns juris, foi reconhecido o testemunho psicológico
para a determinação de inimputabilidade. O que ampliou a participação da
Psicologia Jurídica em forma de publicações acadêmicas, conferências e
congressos, sendo inserida prontamente à Psicologia Forense um aumento nos
instrumentos de avaliação validados no âmbito legal.
A sistematização da Psicologia Forense foi estabelecida em 2001,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Estabelecendo esse andamento da área
de atuação em ambos os cenários, foi possível constatar que no Brasil a Psicologia
Forense ainda é um ramo recente, já que enquanto a profissão de Psicólogo estava
sendo regulamentada, na década de 60, os profissionais da área, no contexto
americano, já estavam sendo admitidos e inseridos no âmbito jurídico no mesmo
período.
Assim, enfatizando o aspecto acadêmico, ainda há pouco investimento
na área científica e no desenvolvimento de matérias em graduações ou até cursos
para psicólogos se especializarem na atuação no âmbito jurídico, frente a uma
demanda cada vez mais crescente, que consistiria como um diferencial para os
profissionais que atuam ou pretendem atuar nesse contexto.
Outra questão que merece destaque é a escassez de instrumentos de
avaliação específicos para o contexto legal. Enquanto no Brasil possuímos apenas
dois instrumentos, nos anos 90, nos Estados Unidos, já havia no mínimo 32
instrumentos de avaliação validados. É importante desenvolver um olhar para esse
aspecto, já que o papel do psicólogo no âmbito forense tem características
divergentes ao que é estabelecido na relação terapêutica paciente x terapeuta,
sendo importante ter disponível instrumentos específicos para cada cenário.
De acordo com o material avaliado, é possível estabelecer um campo
comum na Psicologia Forense no Brasil e Estados Unidos. Em ambos o desafio é de
tornar a área de atuação padronizada. As questões levantadas anteriormente como
aumentar o número de cursos e especializações, além do investimento em
instrumentos de avaliação, seriam um ponto de partida para tornar a prática da
Psicologia Forense mais convencional.
Como o cenário atual permite que, tanto profissionais especialistas
quanto psicólogos prestando serviços ocasionais exerçam a Psicologia no campo
Forense, isso por si só pode ser um dos fatores estagnantes da prática Forense, que
caminha para ser um dos campos promissores para a atuação do profissional
psicólogo.
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Um dos desafios para esse estudo foi encontrar informações,
principalmente no que condiz ao cenário atual nos Estados Unidos, já que boa parte
dos sites e artigos internacionais sobre o tema são pagos.
É relevante contextualizar também que o cenário jurídico de cada país
tem influência nesse contexto. Uma possibilidade de estudo futuro é a compreensão
da Psicologia Jurídica com um olhar do Direito e a forma como eles enxergam essa
relação no cenário forense.
Como possível direcionamento para esse artigo, sugerimos a
ampliação por meio de estudo de campo, realizando entrevistas dirigidas com
psicólogos forenses para compreender o cenário pelo olhar de quem está inserido
no mesmo, além de contatar as instituições, tanto as que oferecem quanto as que
não oferecem disciplinas voltadas para a atuação do psicólogo no âmbito jurídico,
compreendendo motivações, programas e a adesão.
REFERÊNCIAS
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42, n. 5, p. 410-421, 2012.
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ESTADOS UNIDOS: Um estudo comparativo – pp. 107-118
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
118
<http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S179499982010000200004&lng=en&tlng=en>. Acesso em: 28 mar. 2019.
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métodos. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61689/pericia-psicologicaforense-contextualizacao-e-metodos
MOURANI, Giulia Scarela; CABRAL, Ianka Procopio; GOMES, Lara Junqueira; GOULART, Maria
Julia; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
119
EXAME DO ESTADO MENTAL: Uma experiência de articulação
teórico-prática
Julia dos Reis Moraes
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Lara Sawan Cunha
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Sara Barros Patrocínio
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Vinicius Batista Silva
Graduando em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Ana Carolina Garcia Braz Trovão
Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
Esquizofrenia é um termo de origem grega que tem como significado
―mente dividida‖. É uma afecção que tem prevalência mundial ao redor de 0,9% por
1000 habitantes e sua incidência está entre 0,1-0,7 novos casos para cada mil
habitantes. A patologia pode ser precedida de sinais prodrômicos porem são
inespecíficos, como por exemplo isolamento e perda de energia, podendo surgir e
permanecer por algumas semanas ou meses antes do aparecimento dos sintomas
mais característicos como alucinações (15% visuais, 50% auditivas, 5% táteis) e
delírios (90%), transtornos de pensamento e fala, perturbações das emoções e do
afeto, déficits cognitivos e avolição. A visita ao hospital psiquiátrico foi escolhida para
o relato justamente por se tratar da saúde mental e afecções crônicas que
comprometem consideravelmente a vida do paciente, além da função de resignificar
os conceitos e paradigmas criados pela sociedade e pelos próprios estudantes em
relação aos pacientes psiquiátricos.
1.1 Objetivo
Relatar a experiência vivenciada pelos estudantes do quinto semestre
do curso de medicina do Uni-Facef na realização do exame do estado mental em
pacientes psiquiátricos institucionalizados e avaliar as características evidenciadas
da doença através deste.
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1.2 Metodologia
Em duplas de estudantes, foi realizada abordagem a um paciente
psiquiátrico institucionalizado e realizada anamnese psiquiátrica e exame do estado
mental. Em seguida foi realizada uma análise teórico-prática, evidenciando as
diferenças e semelhanças do caso com a literatura. Por fim, os casos foram
apresentados, discutidos em grupo e o estudante elaborou um relato de caso a partir
desta experiência.
2. MARCO TEÓRICO
A etiologia da Esquizofrenia ainda é desconhecida, no entanto existem
algumas teorias. A Teoria Genética é composta pelo fato de ser uma desordem
hereditária, por exemplo a taxa de concordância para gêmeos dizigóticos é de 12%,
no entanto em monozigóticos é 50%. A Teoria Neuroquímica é baseada
principalmente na hiperfunção dopaminérgica central, no entanto sabe-se que outros
sistemas de neurotransmissores também estejam envolvidos (serotonina e gaba).
Concomitantemente, foram observadas alterações estruturais como alargamento dos
ventrículos, aumento dos sulcos corticais e atrofia cerebral nos lobos temporais
principalmente hipocampo e giro para-hipocampal e também nas áreas frontais,
gânglios da base e corpo caloso. Existem também as Teorias Psicológicas que
estabelecem que os fatores psicossociais não estão primariamente relacionados
com o surgimento da doença e sim com a forma de aparecimento e o curso dos
sintomas. Recentemente estão surgindo estudos que integram as teorias biológicas
com as psicológicas demonstrando que os fatores psicossociais podem ser um start
para desencadear a doença em pessoas que possuem uma predisposição.
A Esquizofrenia é dividida em paranóide, desorganizado, catatônico,
indiferenciado e residual. O subtipo Paranóide caracteriza-se pela preocupação com
um ou mais delírios (principalmente de perseguição e de grandeza) e alucinações
auditivas frequentes. Pacientes com esse subtipo costumam a ter seu início mais
tardiamente do que os tipos catatônicos e desorganizados, em torno dos 30 anos,
por isso demonstram menos regressões de suas faculdades mentais, de respostas
emocionais e de comportamento. Indivíduos com Esquizofrenia Paranóide tendem a
ser desconfiados, tensos, reservados, cautelosos, e as vezes, agressivos ou hostis.
Para avaliação dos pacientes com esquizofrenia é essencial a
aplicação do exame do estado mental, que consiste em uma pesquisa sistemática
dos sinais e sintomas das alterações do funcionamento mental, tais informações são
adquiridas por uma anamnese cautelosa com o paciente e acompanhantes, além
disso é necessário realizar um exame físico para avaliar outras comorbidades. É
fundamental realizar todos as etapas citadas para obter o diagnóstico e estabelecer
o prognóstico correspondente ao caso.
Para tratamento os medicamentos de escolha são os antipsicóticos,
que são classificados em típicos e atípicos. O mecanismo de ação dos antipsicóticos
MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA,
Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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típicos é bloquear os receptores D2 em todas as vias dopaminérgicas, porém
existem efeitos adversos graves como sintomas extrapiramidais, a exemplo a
síndrome maligna neuroléptica. Já o mecanismo de ação dos atípicos é atuar em
outros receptores da dopamina, tornando-os mais tolerantes e com efeitos adversos
mais leves.
Os direitos das pessoas com transtornos mentais são garantidos pela
Lei nº 10.216/01, mas foi na portaria Nº 3.088/11 que foi instituída a Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS), para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas, no âmbito
do SUS.
A RAPS busca consolidar um modelo de atenção aberto e comunitário,
garantindo a circulação dos pacientes pelos serviços, comunidade e cidade. É
composta por equipamentos dos diversos níveis de complexidade, inclusive para a
reabilitação e reinserção dessas pessoas na sociedade, como por exemplo: Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT),
Centros de Convivência e Cultura, Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de
atenção integral (Hospitais Gerais, CAPS III). Faz parte também o programa de Volta
para a Casa (oferece bolsas para pacientes egressos de longas internações em
hospitais psiquiátricos). Existem ainda casos nas quais a institucionalização se faz
necessária, vale ressaltar que há três tipos de internação (conforme o artigo 6º, da
lei 10.216/01), sendo voluntária na qual se obtém um consenso entre o médico e o
paciente, involuntária e compulsória onde há um dissenso entre ambos, sendo esta
proveniente de ordem judicial.
Os critérios de internação são essenciais para contribuir com a conduta
médica e se faz necessária quando os recursos extra-hospitalares se mostram
insuficientes, há a existência de transtorno mental grave, risco iminente para
segurança pessoal ou de outrem, impossibilidade de manutenção do tratamento em
regime ambulatorial, grave prejuízo mental, recusa ao tratamento, ou quando a
hospitalização se apresenta como única possibilidade de tratamento (emergência
psiquiátrica).
Na fase aguda em pacientes com esquizofrenia com sintomas
predominantemente positivos e de agitação deve-se optar por um antipsicótico de
alta potência, aumentando sua dose gradativamente variando entre 10mg e 20mg de
haloperidol, quando não houver melhora associar o lorazepam ou Clonazepam de
2mg/dia a 6mg/dia, sendo retirado assim que houver melhora clínica. Já em
pacientes com sintomas predominantemente negativos pode-se optar por
risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprasidona e amisulprida, são indicados
também para pacientes que não respondem aos antipsicóticos convencionais ou
apresentam efeitos colaterais indesejáveis. Para os casos refratários, a clozapina
deve ser sempre considerada.
Mas a principal questão com esses pacientes é a continuidade e
adesão ao tratamento, já que, existem efeitos adversos indesejáveis, como
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manifestações extrapiramidais (acatisia, distonia e sintomas parkinsonianos), além
de sedação, ganho de peso e impotência o que compromete a aceitação do
medicamento, porém com o progredir do uso há uma tendência de controle e
diminuição dos sintomas.
O êxito do tratamento desses pacientes não pode ser baseado apenas
na intervenção medicamentosa, mas sim essa associada a um modelo psicossocial,
já que esse contribui com a conscientização e aceitação da doença. Além disso, o
tratamento implica em extrema paciência, tolerância e rigorosa observação da
equipe médica para garantir uma melhora da qualidade de vida desse paciente já
que interrupção do mesmo pode acarretar em novas crises e na maioria das vezes
resultará em uma nova internação.
Hospitalizações contribuem para pior prognóstico da doença,
intensificando o prejuízo no ajustamento social, além do fato de recaídas serem mais
frequentes após a primeira internação e soma-se a isso o aumento da mortalidade
sendo essa vinte vezes maior do que a população geral, por essas razões citadas,
busca-se a desinstitucionalização dando continuidade ao tratamento em outros
equipamentos na RAPS.
Conclui-se dessa maneira que não basta apenas a prescrição do
medicamento, é fundamental a monitorização desse paciente além de conscientizalo sobre a esquizofrenia e a importância da adesão ao tratamento farmacológico,
terapias individuais e em grupos, terapia ocupacional, orientação para as famílias,
que são fatores imprescindíveis à recuperação.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
No dia 28 de março foi realizada uma visita ao Hospital psiquiátrico
Allan Kardec, pelos alunos da faculdade de medicina da Uni-facef, na qual foi
realizada com o objetivo de conhecer o local e em pequenos grupos realizar uma
anamnese juntamente com o exame do estado mental. Previamente a conversa
vivenciada pelos alunos, existia um prejulgamento e ansiedade em relação a
instituição e ao paciente portador de esquizofrenia, por medo de ele se irritar e/ou
tornar-se agressivo, no entanto esse preconceito foi totalmente enfraquecido após a
comunicação com o paciente.
Em dupla, foi realizada a anamnese de um senhor viúvo (E.G.S) de 60
anos, negro, portador de esquizofrenia paranóide. O paciente trazia como queixa
principal uma ferida na perna sofrida no dia 22 de março, quando interrogado mais
sobre a queixa e motivo de internação demonstrou desconhecimento do seu quadro
patológico, alegando que havia sofrido violência do cunhado e do SAMU, que o
levaram para o pronto socorro da cidade e em seguida foi internado no hospital
psiquiátrico, por sua filha. Em relação aos antecedentes familiares, sabe informar o
nome da esposa e seu óbito, e fica confuso quanto ao número e nome dos filhos e
netos. Nos antecedentes pessoais ele não era capaz de informar dados do
MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA,
Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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nascimento ou infância, mas relatou ter nascido no dia 20 de janeiro de 1959, e que
não é diabético ou hipertenso e foi capaz de expor o seu vício por álcool e tabaco,
ingere qualquer substância alcóolica (destilados e cerveja) e fazia uso de cigarro
industrial e de palha há mais de 40 anos, além disso relatou uso de Olanzapina e
que ingere quando acorda. A respeito das suas funções psicofisiologicas, ficou claro
uma alteração no sono, dormindo aproximadamente 4 horas por noite, e uma
alimentação inadequada, com diminuição do apetite, realizando no máximo 3
refeições ao dia. Sobre a história psicossocial expôs que trabalhou como sapateiro
antes de se aposentar, e que mora com sua filha em uma casa alugada (R$ 520,00),
mostrava-se confuso em relação a sua religião, ora umbandista ora espiritaevangélico. Não realizamos o exame físico o paciente.
Na avaliação do exame do estado mental o paciente tinha aparência
descuidada, atitude cooperativa pelo fato de responder a todas as perguntas e
postura cabisbaixa por estar com o estado de consciência debilitado. Encontrava-se
sonolento, porém demonstrava-se orientado espacialmente, relatando estar no Allan
Kardec, e manifestava desorientação autopsíquica e temporalmente referindo ser o
dia 01 de março de 1919, revelava-se hipovigil e normotenaz (realizou cálculos MEEM). Expunha amnésia imediata, não se recordava de 3 palavras ditas após
alguns minutos (MEEM), hipomnésia retrograda, confusão com o nome e quantidade
de netos e filhos, e memória imediata preservada pois se recordava do que havia
comido no café da manhã e a hora do medicamento. Em relação da inteligência o
paciente possuía capacidade de fazer contas e de generalização, no entanto
possuía um déficit grosseiro no raciocínio lógico e no juízo crítico. Apresentava
pensamento desagregado, curso preservado, com ideias delirantes. A fala
encontrava-se arrastada, mas consciente de que poderia ser devido os
medicamentos usados no seu tratamento, com ideação suicida (quando receber alta
quer entrar com o carro em um rio). Presença de alucinações visuais (visualizava
espíritos e demônios). Demonstrava-se hipotímico e apático. Exibia clara dificuldade
de movimentar-se, com diminuição na velocidade e intensidade.
Foi possível analisar o prontuário medico do paciente, sua internação
foi realizada no dia 23 de março, se tratando de um caso de reincidência sendo está
a sétima internação. De acordo com o prontuário paciente estava heteroagressivo,
tentativa de incendiar a própria casa tendo comprado um galão de gasolina, a
reincidência dos sintomas havia se iniciado há um mês. Após internação foi
submetido a terapia medicamentosa, composta por uma administração as 7 horas da
manhã de Olanzapina (10mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp), as 14 horas
Clonazepam (2mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp) e as 20 horas Olanzapina (10mg 1
cp), Clonazepam (2mg 1 cp) e Risperidona (2mg 1 cp).
A partir da experiência acima citada foi possível realizar uma análise
teórico-prática a partir da avaliação da história colhida e comparado com o
embasamento teórico. Foi possível avaliar que o paciente é um claro caso de
emergência psiquiátrica, além de se encaixar em outros critérios de internação (risco
para segurança, prejuízo mental, recusa ao tratamento, grave transtorno mental), ou
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seja, sua hospitalização involuntária foi adequadamente estabelecida, o manejo do
paciente agitado e/ou violento causa um impacto emocional sobre o próprio medico
e em sua equipe, no entanto é fundamental que todos consigam analisar a real
situação sem deixar se influenciar pelos sentimentos e dessa forma tomar decisões
precisas, corretas e rapidamente.
Ademais foi possível notar claras divergências entre o prontuário do
paciente e o que foi relatado em sua anamnese, porém a partir da história
conseguimos identificar sintomas claros de esquizofrenia como por exemplo
alucinações visuais, alteração de pensamento e fala, perturbação de humor e afeto
além de desorientação.
O sucesso da intervenção medicamentosa na fase aguda do paciente
E.G.S. foi correspondente ao esperado na literatura, já que não se demonstrava
agitado ou irritado, no entanto estava sedado (possível efeito colateral). Uma
dificuldade exposta foi justamente o paciente apresentar queda do estado de
consciência, no entanto ao mesmo tempo demonstrava-se uma facilidade pois o
paciente não demonstrava agitação ou agressividade, o que facilitou com que os
estudantes sentissem mais segurança ao conversar com ele e estabelecer uma
relação. Predominou entre todos um sentimento de empatia e compaixão com a
pessoa portadora de afecção psiquiátrica já que conviver com essa doente durante a
vida toda não é fácil para ela própria e para toda a sua família que sofre junto.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso relatado acima contribui com a formação do estudante de
medicina já que muitos irão se deparar com pacientes psiquiátricos no decorrer de
suas carreiras, com a experiência vivenciada foi possível que os preconceitos
fossem quebrados e o paciente fosse visto como uma pessoa e não como um
doente, além de subsidiar a articulação teórico-prática dos conceitos em psiquiatria
já que para a realização da atividade os estudantes realizaram um levantamento
teórico. Somado a isso os estudantes analisaram as dificuldades e potencialidades
em realizar a abordagem de um paciente psiquiátrico.
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MORAES, Julia dos Reis; CUNHA, Lara Sawan; PATROCÍNIO, Sara Barros; SILVA,
Vinicius Batista; TROVÃO, Ana Carolina Garcia Braz
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MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO
Irma Helena Ferreira Benate Bomfim
Psicologia – Uni-FACEF
Júlia Capel Baldoino
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Maria Gabriela Corrêa Careta
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
Os mecanismos de defesa são formas que a mente busca para se
proteger de situações indesejáveis, assim sendo ações inconscientes. Os
mecanismos de defesa são sistemas pela qual o ego é o principal interceptor.
Várias situações que são vividas pelo indivíduo podem provocar
sentimentos inconscientes, estimulando reações menos racionais e objetivas, e
despertando então os mecanismos de defesa, com o intuito de proteger o Ego de um
possível desprazer, apresentado por sentimentos de culpa, ansiedade, medo, entre
outros.
Os sonhos possuem uma grande influência na vida emocional do
indivíduo e por este motivo pesquisamos e abordamos neste artigo sobre como eles
possuem esta influência e em como os mecanismos de defesa agem diante disto.
A importância dessa pesquisa é para que o indivíduo entenda o quanto
os mecanismos de defesa interferem inconscientemente em suas reações.
O objetivo deste artigo é revisar a influência dos mecanismos de
defesa na vida emocional adulta do indivíduo.
A metodologia foi de uma revisão bibliográfica crítica com uso de
artigos científicos e pesquisas.
2. MECANISMOS DE DEFESA NA VERTENTE PSICANALÍTICA
Neste capítulo abordaremos os vários significados da palavra defesa,
além, de explicar o porquê dessas defesas interferirem em nossa vida pessoal e
fisicamente.
No dicionário Houaiss (2001, p.1201) a definição psicanalítica de defesa é:
conjunto de operações inconscientes que visam diminuir a influência de
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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fontes de perigo que ameaçam a integridade do individuo. Howaiss, ainda
na aludida obra diz que a noção de mecanismo de defesa é um conjunto de
sentimentos e representações.
Como o próprio nome já diz, os mecanismos de defesa são um
conjunto de manifestações do nosso inconsciente para a proteção de fatores do
cotidiano de desprazeres. Assim o ego tem o poder de proteger a personalidade do
individuo contra ameaças ruins. Todos os indivíduos mentalmente saudáveis
possuem mecanismos de defesa, porém a apresentação excessiva desses
mecanismos pode tornar pessoas psicóticas.
Segundo Freud (1900), a defesa é a operação pela qual o ego exclui da
consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho
psíquico. O ego mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a
percepção do perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários
localizados no mundo exterior.
Para a psicanálise existem vários tipos de defesa, sendo eles:
projeção, negação, formação reativa, racionalização, deslocamento, regressão,
sublimação, repressão e isolamento. Na repressão, você manda um sentimento para
o inconsciente; Na negação, você nega uma realidade para se proteger de uma dor;
Na racionalização, é a busca de uma explicação lógica para um fato ou ação;
A formação reativa inverte a realidade: diz uma coisa querendo dizer outra;
Na projeção, você projeta no outro algo que é seu; O isolamento separa o fato do
afeto; Na regressão, É quando você volta a uma fase anterior de sua vida, uma fase
infantil, onde se sentia seguro; Na sublimação é a transformação das emoções que
estão causando conflito, em algo bom.
Estudando os tipos de defesas na psicanálise, podemos ver que em
nosso cotidiano usamos os mecanismos sem perceber, e assim podemos comprovar
que os mecanismos são realmente inconscientes. Por se tratar de jeitos/ações
naturais e inconscientes, podemos falar que não possuímos controles de algumas
ações, pois são espontâneas por assim dizer. Sendo assim, podemos concluir que
os mecanismos defesa podem ser negativos ou positivos para a vida do individuo.
Segundo Simone Demolinari, psicanalista com Mestrado e dissertação
em anomalias comportamentais, para a revista Hoje em Dia:
Usamos tantos mecanismos que às vezes nem nos damos conta deles. A
fantasia é outro esquema mental que usamos com frequência. Quem a
pratica geralmente não consegue fazer uma autocrítica, mas quem convive
geralmente percebe e comenta: ―fulano de tal vive num mundo imaginário‖.
A fantasia ocorre quando a pessoa cria uma situação que, na verdade, só
acontece na imaginação dela. Existem duas formas de manifestação desse
mecanismo: a primeira é quando a pessoa verbaliza algo muito diferente da
realidade e tem um teor de mentira, mas na verdade é uma imaginação
fértil. E a outra forma é a não verbal, em que a pessoa apenas pensa na
situação imaginária, por exemplo: alguém que foi abandonado pelo par
amoroso passa horas fantasiando uma vingança mental ou então se
imagina ganhando na loteria e esnobando quem o largou. Esses
mecanismos existem para nos ajudar a lidar e superar situações de extrema
dificuldade. Porém, se faz muito importante reconhece-los. Quanto mais
MECANISMOS DE DEFESA NA VIDA DO INDIVÍDUO – pp. 126-134
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conscientes estamos das nossas defesas, menos utilizamos esse artifício e
mais maduros emocionalmente ficamos para lidar com nossos dissabores.
Muitas das vezes utilizamos os mecanismos de defesa e nem
imaginamos, por exemplo, quando possuímos uma fantasia criamos uma situação
que na verdade não é real, e assim manisfestamos mecanismos de defesa de forma
verbal ou não verbal. Essas defesas nos ajudam a lidar e superar situações que para
o emocional do indivíduo é de extrema dificuldade, porém é importante
reconhecermos onde está a dificuldade para lidarmos de forma madura com as
emoções/ pensamentos.
3. NÍVEIS DOS MECANISMOS DE DEFESA
Neste capitulo vamos citar a categorização de George Vaillant, um
psiquiatra que separou os mecanismos de defesa em três níveis, sendo eles:
defesas imaturas, defesas intermédias e defesas maduras.
George classificou estes três níveis da seguinte forma:
Defesas Imaturas: projecção, fantasia, comportamento passivo-agressivo,
dissociação, e passagem ao acto; Defesas Intermédias: recalcamento,
deslocamento, formação reactiva, e intelectualização; Defesas Maduras:
altruísmo, humor, supressão, antecipação, e sublimação.
Com esta classificação podemos ter uma compreensão maior sobre
como os mecanismos de defesa agem sobre o indivíduo e também para podermos
classificar em qual nível o indivíduo está. Podemos também entender o processo
dos mecanismos de defesa antes, durante e após o processo.
Segundo o site PEPSIC em um de seus artigos publicados por Teresa
Bastos Rodrigues, fala sobre os mecanismos de defesa que cita o livro de Freud
―Inibição Sintoma e Ansiedade‖:
Em Inibição Sintoma e Ansiedade (Freud, 1926-1925, p. 160), já referia que:
‗Pode muito bem acontecer que antes da sua clivagem em um Ego e um Id,
e antes da formação de um Super-Ego, o aparelho mental faça uso de
diferentes métodos de defesa dos quais ele se utiliza após haver alcançado
essas fases de organização.‘ Freud, esboça a ordenação posteriormente
apresentada por George Vaillant. Após Freud, a sua filha Anna Freud
desenvolveu e aprofundou, através do seu trabalho com crianças, os
mecanismos de defesa. Hoje, é-nos de grande utilidade a compreensão do
desenvolvimento afectivo-cognitivo da criança, pois mediante este
conhecimento, podemo-nos aproximar muito mais do modo de
funcionamento psíquico do adulto.
Sobre a citação de Teresa em relação ao livro de Freud que fala em
relação aos mecanismos de defesa e o quanto eles influenciam no afeto-cognitivo
desde a infância até a vida adulta, podemos concluir que o adulto desde criança tem
aprende a lidar com seus sentimentos e em como se comportar frente à eles.
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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4. VIDA EMOCIONAL ADULTA
Para entendermos melhor os mecanismos de defesa na vida do
indivíduo precisamos ir mais a fundo quando o assunto é emoção. Por isso,
falaremos um pouco sobre a vida emocional adulta, onde remete vários tipos de
compreensões desde o nascimento do indivíduo.
Quando falamos sobre emoções podemos citar também três pilares da
mesma que são: pensamento, sentimento e comportamento. E podemos relacionar
os mecanismos de defesa com estes três pilares, pois os mecanismos possuem uma
influência muito grande em relação a cada um destes três.
Algumas atitudes do indivíduo na vida adulta são influenciadas pela
infância, podendo assim ter problemas de comunicação, agressividade, hábitos
alimentares, desempenho fraco, o que pode acarretar com que os mecanismos de
defesa sejam ―ativados‖ em alguns momentos da vida adulta.
A compreensão das emoções refere-se à capacidade de identificar,
reconhecer e nomear emoções; diferenciar as próprias emoções;
compreender as emoções dos outros com base nas expressões faciais e
nas características das situações de contexto emocional (Denhamet al.,
2003).
Com isso, podemos reconhecer melhor as nossas próprias emoções e
entender em como que o mecanismo de defesa age em cada pessoa.
O reconhecimento das emoções acomoda a base
desenvolvimento de outras componentes da compreensão emocional.
para
o
Podemos ligar a compreensão emocional com a idade do indivíduo
também, onde quanto mais ele cresce mais ele entende suas emoções e seus
comportamentos diante da mesma.
Segundo Harris (1989) a compreensão do controle da emoção é complexa
porque envolve um entendimento de que pode redirecionar seus
pensamentos. Para controlar uma emoção, não é suficiente pôr cara de
contentamento.
Isso resulta em um entendimento melhor e mais fácil sobre as emoções
e sobre como o indivíduo se comporta diante delas. As emoções podem ser
decorrência da explicação de uma situação e não o mero produto mecânico dessa
por si só. Tal promove uma teoria da mente que toma como identificador não a
realidade objetiva, mas sim as suas representações subjetivas, sabendo que são
essas que guiam as emoções e os atos das pessoas.
5. MECANISMOS DE DEFESA E VIDA EMOCIONAL ADULTA
Os mecanismos de defesa na vida emocional adulta atuam como em
qualquer outra fase da vida, porém na fase adulta do indivíduo, ele consegue
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entender melhor a sua atitude diante de tal situação, logo após a atuação dos
mecanismos de proteção do ego.
Os mecanismos de defesa não se reduzem apenas ao clássico conflito
neurótico. Quando se trata de uma organização de modo neurótico,
genital e edipiano, o conflito se situa entre as pulsões sexuais e suas
proibições (introjetadas no superego). A angústia é, então, a angústia de
castração e as defesas operam no sentido de diminuir essa angústia, seja
facilitando a regressão em relação à libido, sendo organizando saídas
regressivas, por exemplo auto e alo-agressivas, retomando e erotizando a
violência instintual primitiva. (Bergeret, 2006)
Bergeret explica que os mecanismos de defesa quando se tratam de
uma organização de modo neurótico, genital e edipiano se tornam uma pulsão
sexual e uma proibição do superego. Um exemplo disso é a angústia, pois ela é uma
regressão à libido.
Freud (1937) lembra que as defesas servem ao propósito de manter
afastados os perigos. Em parte, são bem-sucedidos nessa tarefa, e é de
duvidar que o ego pudesse passar inteiramente sem esses mecanismos
durante seu desenvolvimento. Mas esses próprios mecanismos, que a priori,
são defensivos podem transformar-se em perigos. O ego pode começar a
pagar um preço alto demais pelos serviços que eles lhe prestam. O
dispêndio dinâmico necessário para mantê-los, e as restrições do ego que
quase invariavelmente acarretam, mostram ser um pesado ônus sobre a
economia psíquica. Tais mecanismos não são abandonados após terem
assistido o ego durante os anos difíceis de seu desenvolvimento.
Freud sempre deixou claro sobre a existência dos mecanismos de
defesa e seu significado de proteção ao ego. Mas ainda a uma grande dúvida se o
ego pode passar inteiramente sem os mecanismos de defesa, pois sem eles o ego
pagaria um preço alto pela ajuda que os proporciona. Uma questão importante a se
pensar é que os mecanismos de defesa fazem parte do desenvolvimento do ego.
Na vida adulta nos desenvolvemos de tal forma com que percebemos
os mecanismos de defesa cada vez mais presentes em nossa vida, porém os
mecanismos são ligados através de pulsões, tornando assim algo do inconsciente.
Relacionando as emoções com os mecanismos de defesa também
podemos citar sobre os sonhos, pois segundo pesquisas os sonhos influenciam
diretamente e indiretamente na vida emocional do indivíduo, principalmente quando
já adulto pois o mesmo já compreende melhor sobre seus sonhos. Somos capazes
de viver emoções maravilhosas ou apavorantes por estímulo de nossos sonhos
inconscientemente. Isso acontece porque nosso cérebro muitas das vezes não
consegue diferenciar os sonhos da realidade, com isso, eles nos afetam como se
estivessem vivenviando aquela situação na vida real.
6. OS SONHOS NA VERTENTE PSICANALÍTICA
O sonho para a psicanálise, segundo Freud era considerado como
premonições ou como meros símbolos, porém após as teorias de Freud os sonhos
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começaram a ser interpretados de uma outra forma, como caracterísitcas ou reflexos
de nosso insconsciente. Freud começou a perceber que os sonhos tinham influência
na vida do indivíduo quando os mesmos começaram a ganhar espaço em suas
vidas, como por exemplo o desejo inconsciente que se manisfestava no indivíduo
através do sonho por intermédio das memórias da infância.
Freud concluiu que o insconsciente do adulto é formado pela criança
ainda presente dentro de cada indivíduo e percebeu que isso ocorria
independentemente de sua idade. Com isso, Freud passou a usar a técnica da
Associação Livre, então deixou de praticar a terapia que desde então praticava e
começou a usar os sonhos como um método de análise ao paciente e seu principal
método de trabalho.
Segundo no livro ―A Interpretação dos Sonhos‖ de Freud, ele afirma
que
[…] os sonhos são a realização de um desejo. Trata-se de desejos
escondidos, desejos que, muitas vezes, não realizamos devidos às
imposições sociais. Imposições como os costumes, a cultura ou educação
de onde vivemos, a religião, os tabus e as morais sociais. Estes desejos
ficam, então, recalcados ou reprimidos e vem a tona quando sonhamos.
Isso porque quando dormimos nossa mente relaxa e que o inconsciente tem
a maior autonomia em relação ao nosso consciente. Freud, 1900.
Por conta das imposições sociais como costumes, cultura, religião ou
educação, não podemos realizar nossos desejos, sendo assim os sonhos se tornam
uma forma de realização destes, mesmo que de forma inconsciente. Estes desejos
são reprimidos e recalcados, e quando sonhamos aparecem com maior autonomia
em relação ao nosso consciente.
Para a psicanálise, o sonho é como um refúgio dos nossos desejos
mais ocultos. Desejos que segundo nossa consciência ou até mesmo a sociedade
julgam como proibidos para serem realizados. Nossa cultura possui uma grande
influência para que esses desejos do indivíduo sejam reprimidos.
Para Freud os sonhos são o principal caminho para conhecermos as
caraterísticas de nossa vida psíquica.
Segundo Freud (1900), é preciso encontrar métodos exclusivos para
entender o real significado dos sonhos. Esse método tem como principal base a
análise do paciente que se dá por meio do diálogo entre o psicanalista e o paciente.
7. Os sonhos e os mecanismos
Segundo Freud, existem quatro tipos de mecanismo do sono, sendo
elas: a condensação, o deslocamento, a dramatização e a simbolização. Assim os
sonhos se transformam em manifestos por meio destes mecanismos, os quais
deveriam ser interpretados pelo indivíduo junto com o auxílio de um psicanalista.
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Conforme o site Psicanálise Clínica (2017):
A condensação é o laconismo do sonho com relação aos pensamentos
oníricos que estão nele. Isto é, s sonhos, muitas vezes, são resumos ou
pistas de desejos e acontecimentos. E por isso precisam ser desvendados,
ser decifrados. O deslocamento é quando o indivíduo, no sonho, se afasta
de seu objeto de valor real, desviando-o para outro objeto a sua carga
afetiva. Objeto secundário e, aparentemente, insignificante. A dramatização
é a imaginação de nossa mente. Aos olhares, deixamos a razão de lado,
razão presente quando estamos acordados. Assim, podemos imaginar o
que durante o dia racionalizamos. A simbolização é quando as imagens
presentes no sonho possuem relação com outras imagens. Isto é, quando o
indivíduo sonho com algum objeto que no sonho aparece mascarado, o qual
diz respeito a algo que essa pessoa viveu ou desejou. Psicanalíse Clinica,
2017
A condensação é um mecanimos fundamental para ententermos o
sonho. Ela constrói caminhos diferentes para o mesmo pensamento, como
transformar um grupo de pessoas em um só representante, sendo assim, é uma
representação de um ―personagem‖ que substitiu todos por somente um elemento.
Já o deslocamento substitui os pensamentos significativos do sonho por
pensamentos, imagens ou acessórios, fazendo com que o conteúdo fique
dissimulado à realização dos desejos.
A dramatização é a forma com que o sonho realiza os desejos com
cenas, imagens, objetos ou personagens para que assim há representações da
psique do indivíduo.
A simbolização é um plano que fica no inconsciente do indivíduo, o
poder do símbolo envolve uma interpretação para decifrar os significados dos
acontecimentos dos sonhos. O simbolismo tem um alto poder na compreensão do
ser humano, pois se manifesta através das fantasias, imaginações e neste caso
como dito dos sonhos.
Por meio destes mecanismos é que o sonho se transforma em
manifestos, e assim podem ser interpretados para o próprio entendimento do
indivíduo. Os mecanismos de defesa atuam nos sonhos de forma insconsciente,
porém tudo é uma relação com a realidade que o indivíduo está passando.
Segundo Simone Demolinari, psicanalista com Mestrado e dissertação
em anomalias comportamentais, para a revista Hoje em Dia:
Os mecanismos são disparados pelo estado de sofrimento e de angústia,
quanto mais angustiada está uma pessoa, mais a mente dela trabalha para
elaborar fortes e contundentes mecanismo em prol do seu conforto
emocional. É comum associarmos proteção a algo positivo. Mas no campo
emocional se ―proteger‖ é impedir o acesso a nós mesmos.
Nem sempre se proteger na visão psicanalítica é algo positivo,
segundo os psicanalistas os mecanismo de defesa normalmente são disparados
pela tristeza, sofrimento ou angústia do indivíduo. Assim sendo, uma forma de
BOMFIM, Irma Helena Ferreira Benate; BALDOINO, Júlia Capel; CARETA, Maria Gabriela Corrêa;
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impedir o autoconhecimento de nós mesmos. Nosso ego não aceita ser ―contrariado‖
e assim, ele arranja formas de se defender das emoções.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este artigo científico com o qual teve a finalidade de apresentar
sobre como funciona os mecanismos de defesa emocional na vida adulta do
indivíduo, podemos concluir que o individuo possui formas de se defender de várias
situações, que acontecem em sua vida através dos mecanismos de defesa.
Notamos também que os sonhos possuem uma grande influência na
vida emocional do indivíduo e que os mecanimos de defesa também atuam nos
mesmos, e com isso, percebemos sua importância para este artigo.
Nesta pesquisa mostramos vários pontos sobre a vida emocional
adulta e os que essas emoções causam inconscientemente no indivíduo com isso
aprenderam um pouco mais sobre os mecanismos de defesa e o quanto eles
influenciam nas atitudes do ser humano.
REFERÊNCIAS
BELLO, Suely. Sonhos e pensamentos viram emoções.
(https://www.personare.com.br/sonhos-e-pensamentos-viram-emocoes-m358).
CLÍNICA, Psicanalíse. O que é sonho para a psicanálise?
(https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-sonho-para-psicanalise/).
DEMOLINARI, Simone. Mecanismo de Defesa.
(https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/simone-demolinari1.334203/mecanismo-de-defesa-1.369280).
DEMOLINARI, Simone. Mecanismo de Defesa.
(https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/simone-demolinari1.334203/mecanismos-de-defesa-1.703819).
Editorial QueConceito. Sao Paulo. Conceito de simbolização.
(https://queconceito.com.br/simbolizacao).
FRANCO, Maria da Glória Salazar d’ Eça Costa. SANTOS, Natalie Nobrega.
Desenvolvimento da Compreensão Emocional. (http://www.scielo.br/pdf/ptp/v31n3/18063446-ptp-31-03-00339.pdf).
MOURA, Joviane Aparecida de. Os Mecanismos de Defesa do Ego.
(https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/mecanismos-de-defesa).
RODRIGUES, Teresa Bastos. Mecanismos de defesa no grupo
(http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902008000200008).
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SÁ, Cláudio Duarte. A interpretação dos sonhos. (https://pt.slideshare.net/claudioduartesa/ainterpretao-dos-sonhos).
VOLPI, José Henrique. Mecanismos de Defesa.
(http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Artigos/Mecanismos%20de%20Defesa.pdf).
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MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os
atributos dos relacionamentos amorosos
Daniel Alvarez Goulart Lemos
Graduando em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
O ser humano é uma criatura complexa, cada indivíduo é único e
movido por necessidades não apenas fisiológicas como mentais, emocionais e
sociais que aparecem em diferente medida e forma de manifestação. Muitas vezes
tais necessidades entram em conflitos entre si e com as necessidades dos outros
indivíduos, principalmente na esfera social.
Tal conflito se torna óbvio quando analisamos as relações amorosas de
nossa sociedade, tema do qual desperta curiosidade tanto do público quanto da
comunidade científica, surgem diferentes teorias estudos, que procuram entender,
examinar e, muitas vezes, classificar tal aspecto humano.
Este desejo deu origem a diferentes escalas, novas e antigas, que
medem atributos dos relacionamentos amorosos, aqueles que são confiáveis
embasam-se em diferentes teorias e utilizando diferentes métodos.
O Objetivo é revisar os escalas dos últimos 10 anos que medem os
atributos dos relacionamentos amorosos em língua portuguesa, tal estudo pode ser
de grande utilidade para aqueles que procuram escolher algum método de medição
que melhor encaixe em suas necessidades tanto em um âmbito terapêutico para
saber qual os atributos, características e necessidades amorosas de um paciente,
podendo assim trabalhar de forma específica quando em um ambiente de pesquisa
para utilizar ou ter como base para a criação de outro Instrumento.
Foi utilizado como metodologia pesquisa de diferentes fontes e escalas
atuais e suas atualizações.
Os seres humanos caminharam um longo e impressionante caminho
para chegar onde estamos, aperfeiçoamos habilidades e adquirimos
comportamentos para melhorar nossas chances de sobrevivência e necessidades,
entre estes um dos mais importantes foi o de nos unir em grupos a um ponto que a
socialização se tornou uma necessidade básica. Isso demonstra o quanto os
relacionamentos sempre tiveram um papel central ao ser humano, principalmente o
amoroso que tem uma função fundamental tanto pela perpetuação de nossa espécie
quanto por uma questão de saúde mental.
Sendo algo tão incorporado ao âmago do que nos faz humanos, é
natural que seja um ponto de interesse não só do indivíduo geral, mas dos
pensadores e acadêmicos que procuram entender as diferentes (e complexas)
MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos
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características que nos fazem humanos. Neste trabalho veremos 3 teorias que
tentam explicar o amor: estilos de amor John Alan Lee, Teoria de apego de John
Bowlby e a teoria triangular do amor de Sternberg.
2. ESTILOS DE AMOR JOHN ALAN LEE
John Alan Lee foi um antropólogo canadense e um grande estudioso
do amor, sua teoria foi inicialmente proposta em 1970 e baseasse que amor é
aprendido e existem diferentes tipos. Para criar suas teorias primeiro foi feito uma
pesquisa minuciosa em diferentes meios (livros, filmes, conhecimento filosófico e
psicologia) procurando responder à pergunta ―o que é o amor?‖, em seguida foi
analisado e categorizado em diferentes estilos de amar e por último feito entrevistas
com pessoas heterossexuais e homossexuais que confirmaram suas ideias.
(MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
O autor Ailton Amélio (2001), em seu livro ―o mapa do amor‖, cita uma
analogia de John Alan Lee que, de forma clara, explica que o mecanismo de nossa
capacidade de amar se assemelha ao funcionamento de mecanismo de visão de
cores. No olho humano existem 3 receptores para 3 cores diferentes, conhecidas
como básicas, estas sendo amarelo, azul e vermelho, a combinação destas 3 cores
em diferentes intensidades forma as quase 8 milhões de variações de cores que
conseguimos enxergar. Da mesma forma existem 3 estilos primários de amor: Eros,
Ludos e Estorge.
Eros: neste estilo existe uma maior importância ao físico e a atração
por ele. Indivíduos com este estilo de amor querem conhecer o seu parceiro de
forma rápida e intensa. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
Ludus: Pessoas com este estilo veem o amor como um jogo, não tem
um estilo específico de tipo físico achando vários atraentes, não querem
compromissos com um único parceiro e não veem contradição em amar mais de um
ao mesmo tempo. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
Estorge: para as pessoas com este estilo, o amor acontece de forma
lenta e como uma evolução de uma amizade, a atração física e a interação sexual
tem um papel secundário e o mais importante é o emocional. (MARTINS-SILVA;
TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
A soma destes estilos de amores, em diferentes concentrações,
formam o tipo de amor único de cada indivíduo, porém Lee também cita em sua
teoria estilos secundários que seria a soma de dois dos amores básicos, entre estes
os mais estudados são: Eros + ludus = mania; Ludus + storge = pragma; Eros +
storge = ágape. (AILTON AMÉLIO, 2001)
Mania (Eros + ludus): Se experimenta o amor de forma obsessiva,
irracional e dependente. O indivíduo se esforça muito para conseguir
constantemente a atenção de seu parceiro e pode apresentar ciúmes excessivo.
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Pragma (Ludus + storge): As pessoas que possuem este tipo de amor
em geral são praticas e realistas, procuram parceiros que são compatíveis com suas
expectativas e que apresentem características especificas identificadas antes
mesmo de se envolverem.
Ágape (Eros + storge): Pessoas com este estilo de amar se
caracterizam por comportamento altruísta, ajudar e cuidar de seu parceiro tem um
papel central e é mais importante que o seu próprio bem-estar. (AILTON AMÉLIO,
2001)
É importante ter em mente que o estilo de amor de um indivíduo não é
algo imutável e está sujeito a mudanças conforme seu desenvolvimento e suas
experiencias de vida e sua cultura tem uma influência importante.
3. TEORIA DE APEGO DE JOHN BOWLBY
Tal teoria foi idealizada na década de 70 e nos inícios dos anos 80 por
John Bowlby, um psiquiatra inglês, o foco de seus estudos não era o amor romântico
mas sim o vínculo formado entre a criança e seu cuidador primário (geralmente a
mãe) e como isso afeta o indivíduo em diferentes aspectos (incluindo amor de
romance) nas etapas de sua vida. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR,
2013)
Para ele o bebê já nasce com a capacidade de apegar-se a outra
pessoa e tal capacidade é vital para a sobrevivência de nossa espécie, pois como
criaturas sociais os diversos vínculos que criamos com diferentes pessoas é
essencial para o funcionamento de outros sistemas como o exploratório de nosso
meio, o sistema de acasalamento e o sistema de cuidar dos outros indivíduos.
(MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
Formamos diferentes tipos de apegos dependendo da pessoa e a
relação que temos com o indivíduo, amor fraterno, amor paterno, amizade, amor
romântico e etc, cada um tem suas peculiaridades, mas todos tem como base o
primeiro apego que formamos, aquele forjado com a pessoa que nos cuidou.
(MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013)
Por tanto ao contrário das teorias de John Alan Lee para John Bowlby
o estilo de relações (incluindo as amorosas) é algo mais estável e definido não pelos
relacionamentos adultos, mas sim pelo tipo de relação entre o indivíduo e o seu
cuidador primário nos primeiros momentos de vida. Para Bowlby isso ocorre porque
o indivíduo tende a se colocar em situações que reforçam este modelo de
funcionamento. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013).
Estes modelos são propostos por Mary Ainsworth, uma colaboradora
de Bowlby, que separou os tipos de apegos de quem cuida da criança em 3,
geralmente o estilo de apego da cuidadora é uma combinação em diferentes
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dosagens. Sendo eles: seguro, ansioso-ambivalente e evitativo. (AILTON AMÉLIO,
2001)
Apego seguro: Tal apego se da quando um dos pais se encontra
imediatamente disponível a qualquer necessidade que a criança possa apresentar e
sempre acolhe de forma amável quando este procura proteção ou conforto. Tal
atitude permite que o indivíduo explore o mundo de forma confiante pois acredita
que seus pais o ajudarão caso encontre alguma adversidade ou situação
amedrontadora. (AILTON AMÉLIO, 2001)
Apego ansioso-ambivalente: Tal apego se da quando os cuidadores
não se mostram disponíveis e prestativos em todas as ocasiões de necessidade da
criança, existe uma incerteza, ansiedade e insegurança por parte da criança que, por
medo de ser abandonado prende-se a seu cuidador e fica ansioso em explorar o
meio. Tal tipo se apego se mostra comum em pais que utilizam ameaça de
abandono como meio de controle. (AILTON AMÉLIO, 2001)
Apego Evitativo: Tal tipo de apego surge quando o cuidador responde
constantemente com rejeição quando a criança procura por conforto e proteção, a
consequência são crianças que não esperam nada dos demais e procuram viver sua
vida de forma a não precisar do amor e ajuda dos demais, sendo o mais
autossuficiente possível. (AILTON AMÉLIO, 2001)
A relação existente do tipo de apego da mãe tem consequência não só
nos primeiros anos, mas em grande parte da vida, o tipo de apego com nosso
cuidador e a dinâmica tende a ser assimilado e reproduzido nas outas relações,
incluindo as de romance. Porém, esta influência, vai perdendo força quanto mais
velha a pessoa se torna, conforme vive novas experiencias e relações com
diferentes pessoas com diferentes papeis (amizade, paternidade, romance entre
outros). (AILTON AMÉLIO, 2001)
Os adultos que tiveram relações de apego seguro com seus cuidadores
tendem a relacionar-se de forma mais confiante e fácil com outras pessoas, sentemse confortáveis em depender ou ter quem dependa deles, não tem medo de serem
abandonados ou de intimidade.
Enquanto os que tiveram relação de apego ansioso-ambivalente tem
uma necessidade e preocupação excessiva em suas relações, uma grande
insegurança se são realmente amadas e um desejo de se fundir ao parceiro. Tal
comportamento muitas vezes afugenta as pessoas.
E por ultimo aqueles que tiveram relação de apego evitativo tem
grande dificuldade em confiar e relacionar-se com os demais, ficam nervosos
quando alguém se torna intimo deles e frequentemente seus parceiros se queixão
desta falta de intimidade.
4. A TEORIA TRIANGULAR DO AMOR DE STERNBERG
LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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A última teoria tratada em este trabalho é a triangular do amor de
Sternberg que ao igual das teorias de Lee procura analisar e classificar o amor.
Valdiney Veloso Gouveia e colaboradores em seu artigo ―Versão abreviada da
Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna‖
publicado em 2009 afirma que tal teoria é mais atual, em sua pesquisa no ―google
acadêmico‖ encontrou 77 citações de ―Love Attitude Scale‖ de Lee contra 155 de
―Escala Triangular do Amor‖ Sternberg.
Sternberg, um psicólogo norte americano da universidade de Yale, foi o
criador da teoria triangular de amor, a mesma é de grande importância e uma
referência ao estudar as relações amorosas dos indivíduos. Em sua teoria idealizou
o amor em uma separação de 3 componentes principais: intimidade, paixão e
compromisso, colocadas nos pontos de um triangulo para melhor compreensão
(GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009).
A intimidade: colocada no topo do vértice do triangulo e sendo o
componente dinâmico mais valioso, se refere a proximidade e aos laços emocionais
entre os dois indivíduos, a mesma se encontra presente em totalidade nas relações
que conseguem promover o bem estar do outro, compartilhar experiencias, o
respeito mútuo, compreensão e manter-se juntos independente das dificuldades,
compartilhar a vida e bens, dar e receber apoio emocional, verdadeiramente
comunicar-se, e reconhecer do valor do indivíduo (GOUVEIA; FONSECA.
CAVALCANTI, 2009). Problemas em esta esfera tem consequências graves na
relação sendo entre as razões mais comuns que provocam os casais a procurarem
ajuda na psicoterapia (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013).
A Paixão: colocada no vértice esquerdo do triangulo e se refere a toda
a movimentação que conduz ao romance, atração física e relações sexuais. Este é o
componente que a experiencia de excitação e de ―estar apaixonado‖. Apesar da
atração física e relações sexuais serem os componentes principais estes não
necessariamente são os únicos, em alguns relacionamentos a afiliação, a
dominância e a submissão, entre outros podem contribuir para a paixão (GOUVEIA;
FONSECA. CAVALCANTI, 2009).
O compromisso: colocado no vértice direito do triangulo e é dividido em
dois aspectos um a curto prazo que se refere a decisão de amar o outro. O a longo
prazo se refere a decisão de manter este amor, tal componente é vital para
conseguir um relacionamento duradouro (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA
JUNIOR, 2013).
Os três componentes mencionados (compromisso, paixão e intimidade)
podem ser analisados de forma individual, porem formam uma figura incompleta,
para se ter uma visão integral é necessário levar em conta o estado dinâmico de
uma relação e a interação que existe dos componentes. Desta forma uma relação
quando se termina não será a mesma que quando se começou e nunca igual a
outra, esta será influenciada por diferentes fatores inclusive os próprios
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componentes do amor, por exemplo, o aumento de um pode levar o aumento ou a
modificação de outro. (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009).
Assim como a teoria de estilos de amor John Alan Lee, que categoriza
os amores em 3 primários (Eros, Ludos e Estorge) e a soma destes forma estilos
secundários (Mania, Pragma e Ágape), a teoria triangular de Sternberg não só
propõe que cada componente de amor influencia o outro mas também que a
combinação destes dá origem a outros tipos de amor, gerando sete tipos possíveis:
Carinho, amor apaixonado, amor vazio, amor companheiro, amor ilusório, amor
romântico e amor completo (GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009).
Para uma melhor compreensão dos tipos de amor convidamos ao leitor
que observe a figura 1 a seguir tirado, já mencionado, artigo ―Versão abreviada da
Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna‖ de
Valdiney Veloso Gouveia e colaboradores, pois esta mostra de forma visual e
objetiva a posição dos componentes do amor e os tipos de amor procedentes da
preferência ou soma de algum destes.
Figura 1: Componentes básicos do amor e suas combinações
Fonte: Sternberg (1997).
Carinho: também chamado de ―gostar‖, tal tipo surge quando existe
apenas o componente intimidade, é o tipo de amor presente em relacionamentos de
amizade, onde se quer bem a outra pessoa, mas sem a existências de uma intensa
paixão ou comprometimento a longo prazo. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA
JUNIOR, 2013).
Amor apaixonado: elemento paixão de forma isolada, se caracteriza
por excitação mental e física e obsessão. (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA
JUNIOR, 2013).
Amor vazio: elemento comprometimento de forma isolada, geralmente
presente em relacionamentos de longo prazo, em que por alguma razão os demais
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elementos já não fazem parte da relação (MARTINS-SILVA; TRINDADE; SILVA
JUNIOR, 2013).
Companheirismo: intimidade associado a compromisso, presente em
relacionamentos de amizade a muito tempo e característico em casamentos em que
a paixão (geralmente atração física) já declinou (MARTINS-SILVA; TRINDADE;
SILVA JUNIOR, 2013).
Amor Ilusório: paixão associado a compromisso, originados do ―amor à
primeira vista‖, são instáveis e se a paixão acaba a relação se desfaz (MARTINSSILVA; TRINDADE; SILVA JUNIOR, 2013).
Amor romântico: intimidade associado a paixão, em esta relação existe
uma atração emocional e física mas sem uma importância com o comprometimento,
ou seja qualquer problema que ponha em risco a duração da relação não é
considerado deixados para ser lidados no futuro (MARTINS-SILVA; TRINDADE;
SILVA JUNIOR, 2013).
Amor completo: combinação plena dos três componentes, presente
relacionamentos em que existe um equilíbrio dos 3 componentes.
Podemos examinar o amor único de um indivíduo com a forma
geométrica que se apresenta o seu triangulo, quanto maior a quantidade de amor
maior será a área do triangulo. Esta característica permite que analisasse o tipo de
amor, comparando com outros triângulos sendo estes tanto do mesmo sujeito
(exemplos: triangulo real vs ideal, antes vs depois) quanto o de outras pessoas
(GOUVEIA; FONSECA. CAVALCANTI, 2009). Tal comparação é importante pois
para que uma relação funcione os triângulos da dupla amorosa devem ser e
modificar-se de forma similares.
Todas as teorias mencionadas tem em comum que procuram
compreender o sentimento e a forma de se relacionar dos indivíduos, tal
preocupação surge não só pela curiosidade de entender a complexidade dos seres
humanos, mas também pelo grande consequência que uma má ou falta de uma
relação pode causar.
O Instituto Integrado de Psicologia Bragança, em seu artigo "Os 8
Principais Motivos Para Ir Ao Psicólogo" levanta dados interessantes. Os 5 primeiros
mencionados foram:
1.lidar com morte de queridos, 2. controle de estresse e ansiedade, 3.
diagnosticar e tratar depressão, 4. problemas familiares e de relacionamento, 5.
abandono hábitos prejudiciais e vícios. (IIPB - INSTITUTO INTEGRADO DE
PSICOLOGIA BRAGANÇA. 2018)
Tais motivos são mencionados de forma generalizada, porém cada
indivíduo os vive de forma única, por exemplo a morte é diferente dependendo o
grau de proximidade e a relação com que se tinha com a pessoa, o estresse e
ansiedade aparecem magnitudes e razões diferentes e etc. Dos motivos
MEDINDO O AMOR: Uma revisão de escalas que medem os atributos dos
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mencionados podemos relacionar problemas na esfera amorosa com vários, sendo
os mais claros no ―controle de estresse e ansiedade‖, já que um problema nesta
esfera pode causar ansiedade e estresse e no número 4 ―problemas familiares e de
relacionamento‖ que diretamente menciona relacionamentos.
Outra fonte de informação valiosa é a do ―Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística‖ (IBGE), um dos principais provedores de dados e
informações do Brasil em diferentes esferas, este concluiu que em 2017 foram
registrados 1.070.376 casamentos em todo o território nacional. O IBGE também é
responsável pelo censo da população do Brasil, o último censo feito (2010) chegou
ao número 190.755.799 de pessoas em todo o Brasil, sendo destas Amapá com 669
526, Roraima com 450.479 e Acre com 733.559. fica claro o tamanho do número de
casamentos em 2017 ao compararmos estas duas informações, em 2017 casaram
mais pessoas que a população em 2010 do estado do Acre, Roraima, Amapá. (IBGE
- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.)
Igualmente impressionante, porem este dado mais preocupante, é
número de divórcios fornecidos pelo IBGE em 2017 que foram ―encerrados em 1ª
instância, por natureza do processo, sentença proferida e regime de bens do
casamento‖. Em todo o território nacional foram 298.676 divórcios, destes 195.223
foram consensuais, ou seja, feitos de forma amigável entre ambas as partes e
103.006 foram não-consensual, ou seja que uma das partes não concordaram com a
separação. (IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.)
Tal resultados demostra o quanto o assunto causa angustia no
indivíduo é a importância dos estudos nesta área. Mais que um saber teórico estudar
o amor é uma questão de saúde. Para isso existem diversos instrumentos de
medição que podem ajudar a entender a relação do indivíduo e trabalhar problemas
antes de ser tarde demais.
5. ESCALA TRIANGULAR DO AMOR DE STERNBERG REDUZIDA (ETAS-R)
Vicente Cassepp-Borges e Luiz Pasquali em seu artigo ―A redução de
itens como uma alternativa para a Escala Triangular do Amor‖ publicado em 2014
procuraram verificar a propriedade psicométrica da Escala Triangular do Amor de
Sternberg Reduzida (ETAS-R), Borges explica que tal escala foi construída usando
como base a ETAS (Escala Triangular do Amor de Sternberg) da qual é bastante
utilizada no Brasil em diversos trabalhos psicométricos realizados por diversos
pesquisadores, como por exemplo Cavalcanti (2007),Gouveia, Fonseca, Cavalcanti,
Diniz e Dória (2009) e Cassepp-Borges e Pasquali (2012), todos encontraram bons
resultados, com itens com elevado nível de precisão.
Mesmo com a alta confiabilidade do teste, diversos estudos tomaram a
decisão de construir uma versão reduzida, motivados pela redução de tempo de
aplicação e os resultados que demonstraram que a versão reduzida manteve um
bom nível de precisão e pelo fato de que ―os itens da versão completa carregam em
LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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mais de um fator‖ (BORGES,VICENTE CASSEPP; PASQUALI, LUIZ PASQUALI,
2014, p12).
Nos estudos de Borges foram respondidos 1523 sujeitos em 13 estados brasileiros
(Distrito Federal, estados de Goiás, Rondônia, Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Rio
Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa
Catarina) sendo pelo menos 90% estudantes universitários, 1037 mulheres, 488
homens e um participante que nao informou o sexo. Com respeito ao estado civil da
amostra:
A maioria da amostra (n = 1165, 75.2%) estava solteira quando os dados
foram coletados, seguidos por casados(as) (n =246, 15.9%), noivos(as) (n =
60, 3.9%), divorciados(as) (n = 34, 2.2%) e viúvos(as) (n = 4, 0.3%). Trinta e
duas (2.1%) pessoas encontravam-se em outra situação, enquanto oito
(0.5%) não responderam à questão escala (BORGES, VICENTE CASSEPP;
PASQUALI, LUIZ PASQUALI, 2014, p12).
Borges aplicou a todos os sujeitos a versão completa do ETAS que
consiste em 45 itens, sendo 15 para cada um dos 3 componentes da teoria de
Sternberg (intimidade, paixão e compromisso), porem foi analisado apenas 7 itens
de intimidade, 7 de compromisso e 6 de paixão, com o objetivo de melhor
conhecimento dos itens de ETAS e examinar qual seriam mantidos na versão
reduzida.
Os resultados demonstraram que a versão do ETAS-R utilizada por
Borges, mantem a capacidade de discriminação e a informação total da escala,
mesmo reduzindo o ETAS a apenas os itens simples. Os resultados que
encontraram demonstram que o instrumento é de grande utilidade e uma boa opção
para avaliar o amor requerendo menos tempo de aplicação e sendo mais simples
que o completo. (BORGES, VICENTE CASSEPP; PASQUALI, LUIZ PASQUALI,
2014).
6. MARRIAGE AND RELATIONSHIPS QUESTIONNAIRE (MARQ)
Priscilla Soares de França junto a Jean Carlos Natividade e Fívia de
Araújo Lopes em seu artigo ―Evidências de Validade da Versão Brasileira da Escala
Amor do Marriage and Relationships Questionnaire (MARQ)‖ publicado em 2016
procuraram apresentar evidencias validas e de forma precisa para a escala de amor
do MARQ.
Tal escala é pouco conhecida no Brasil e procura medir o amor
romântico em casais com relacionamento estável e tem a qualidade que mede
diferentes aspectos com um único questionário fornecendo uma visão ampla dos
sentimentos, emoções e perspectivas de relacionamento de quem os responde.
Para conseguir medir tantos aspectos o teste, em sua versão mais atual, possui 190
questões, sendo 180 fixas, um numero grande de perguntas sendo este um de seus
pontos negativos, ainda mais se compararmos com outras escalas como a ETAS-R
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mencionadas anteriormente com suas 20 questões. (FRANCA, PRISCILLA SOARES
DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016).
Para sanar tal problema muitos pesquisadores tendem a trabalhar com
partes do instrumento, com questões que medem questões específicos, podendo ser
destacado a ―escala amor‖ que procura examinar o nível de vínculo emocional do
indivíduo com o relacionamento amoroso. Priscilla Soares de França em seu articulo
menciona o trabalho de Lucas C. A Wendorf que em 2011 apresentou evidencias de
validade da ―escala amor‖ em três culturas diferentes (americanos, britânicos e
turcos) (FRANCA, PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES,
FÍVIA DE ARAÚJO, 2016).
Priscilla Soares de França e colaboradores traduziram a prova, que
originalmente em inglês, e sua pesquisa a aplicaram a uma amostra de conveniência
de 176 adultos, declarados heterossexuais, a metade sendo mulheres e a outra
homens, todos em um relacionamento amoroso estável. Sendo mais detalhado com
a amostra se pode destacar as seguintes informações:
Os participantes afirmaram estar vivendo com seus parceiros durante o
período da coleta de dados, com o tempo de convivência variando de 0,25
(três meses) a 51 anos e nove meses (M = 17,0 anos; DP= 10,4 anos). Em
média, a idade dos homens (M = 44,6 anos; DP = 11,0 anos) foi superior a
das mulheres (M= 41,1 anos; DP = 9,85 anos), t(174) = 2,22; p = 0,028; d =
0,33. A escolaridade variou de ensino fundamental incompleto (1,7% dos
participantes) a ensino superior completo (73,8% dos participantes)
PRISCILLA SOARES DE; NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE
ARAÚJO, 2016, p235).
Os resultados da aplicação demonstraram uma consistência interna de
itens satisfatória o que sugere uma precisão do instrumento, e alguns resultados
esperados e explicado por teorias como por exemplo correlação negativa entre o
vinculo emocional e a idade e tempo de relacionamento que pode ser explicado
pelas teorias de Helen Fisher que sugerem que as pessoas tendem a se apaixonar
por pessoas diferentes a cada ciclo reprodutivo (FRANCA, PRISCILLA SOARES DE;
NATIVIDADE, JEAN CARLOS; LOPES, FÍVIA DE ARAÚJO, 2016).
Outro resultado encontrado e esperado foi o de uma correlação positiva
entre a satisfação sexual entre os parceiros e a proximidade entre eles com o nível
de amor romântico. O Que também está de acordo com as teorias de Fisher
mencionado no artigo de França.
Um dos principais problemas encontrados por França e colaboradores
em sua pesquisa foi a falta de estudos e dados da escala MARQ na população
brasileira, porem seus achados, apesar de serem feitos com uma amostra de
conveniência, dão indícios de confiabilidade e seu trabalho pode ser o primeiro
passo sendo mais pesquisas necessárias com a população brasileira.
7. EXPERIENCES IN CLOSE RELATIONSHIP SCALE – REDUZIDA (ECR-R)
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Jean Carlos Natividade e Victor Kenji Medeiros Shiramizu em seu
artigo ―Uma medida de apego: versão brasileira da Experiences in Close
Relationship Scale – Reduzida (ECR-R-Brasil)‖ publicado em 2015, procuraram
evidências de validade para a versão reduzida do teste ECR na população brasileira.
O ECR foi criado em 1998 por Brennan, Clark e Shaver e serve como
instrumento de medição para o tipo de apego conforme suas relações com parceiros
românticos. Para isso consta com 36 itens formados com analises de fatoriais com
resultados consistentes e adequados. (NATIVIDADE, JEAN CARLOS; SHIRAMIZU,
VICTOR KENJI MEDEIROS, 2015)
Porem para alguns pesquisadores, como Wei, Russell, Mallinckrodt e
Vogel, 36 itens é um teste muito extenso o que os levaram a desenvolver em 2007
uma versão reduzida para ser respondida mais rápida e diversos contextos. Assim
surgiu ECR-Short (ECR-S), com 12 itens e ―adequados índices de ajuste à estrutura
de dois fatores e consistência interna satisfatória para as duas dimensões‖
(NATIVIDADE, JEAN CARLOS; SHIRAMIZU, VICTOR KENJI MEDEIROS, 2015,
p485).
Foi justamente está escala que Jean Carlos Natividade e Victor Kenji
Medeiros Shiramizu, para a formulação de seu artigo já mencionado, aplicaram a
4.879 brasileiros de todas as regiões do país (Sul com 52,7%; Sudeste com 23,9%;
região Nordeste com 12,9%; Centro-Oeste com 5,5%; Norte 3,6%; o restante 1,4%
estavam fora do país) tendo a média de idade foi de 27,8 anos, sendo 66% do sexo
feminino. Sua aplicação foi feito por meio um questionário disponível na internet que
além do teste continha questões sociodemográficos, orientação sexual e de nível de
desejabilidade.
Após a coleta de dados foi desconsiderado as amostras que
responderam de forma errado ou claramente falseada, em seguida analisado os
componentes principais do ECR-R Brasil. Os resultados demostraram uma
satisfatória evidencia de validade, após da retirada de 2 itens considerados
problemáticos na analise exploratória, contando no final com 10 itens (5 apego
ansioso, 5 evitativo).
8. ESCALA
DE AVALIAÇÃO DA
AMOROSOS (AQUARELA- R)
QUALIDADE
DOS
RELACIONAMENTOS
Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia em seu artigo
―Desenvolvimento de uma Medida Multidimensional para Avaliação de Qualidade em
Relacionamentos Românticos – Aquarela-R‖ publicado em 2012, procurou
desenvolver e validar a ―Aquarela-R‖ uma escala muito diferente a maioria
mencionadas em este trabalho, isso pois ao invés de procurar medir as qualidades
ou características de um indivíduo tal escala mede a qualidade do relacionamento
especifico em que o casal se encontra, para isso contem 46 itens avaliado cinco
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dimensões: (a) comprometimento, (b) intimidade, (c) amor, (d) relacionamento
sexual, (e) comunicação.
Tal escala foi criada utilizando adaptando as ―escalas de diferencia
semântica‖, que utiliza adjetivos e qualificadores para caracterizar e descrever as
propriedades do que se procura medir. No caso do ―Aquarela-R‖ procurasse
descrever aspectos ligados a desejabilidade que o relacionamento possui para o
indivíduo. A versão final de tal teste contem ―46 itens interpolados por adjetivos
opostos e sete intervalos‖ (ANDRADE, ALEXSANDRO LUIZ DE; GARCIA,
AGNALDO, 2012, p638).
Para a validação, Alexsandro Luiz De Andrade nos conta em seu artigo
que utilizou uma amostra de 388 participantes encontrados em locais públicos das
cidades de Vitória e Porto Alegre, destes 211 do sexo masculino, com uma idade
média de 28,2 anos. Junto ao teste foi aplicado um questionário demográfico, além
de outras medidas psicométricas já validades para melhor compreender sua amostra
e comprovar a validade de sua escala. Os resultados foram analisados e a medida
final apresentou resultados consistentes com os resultados das outras escalas
aplicadas junto ao ―Aquarela-R‖.
Ao final de seu artigo, Alexsandro Luiz De Andrade, menciona que
como próximo passo pretende fazer novos estudos com uma amostra mais
abrangente e feito em mais lugares no Brasil, procurando demostrar mais a eficácia
da escala com o objetivo de ser usada no futuro não só no âmbito de pesquisa mas
como em processos de investigação clinica e tratamentos de psicoterapias individual
e de casais.
9. RELATIONSHIP ASSESSMENT SCALE (RELAS)
Iguala ao ―Aquarela-R‖ tal escala tambem procura medir o nível de
satisfação do individuo ou casal no relacionamento, porem para isso consta com
apenas 7 itens estruturados em uma escala Likert variando de 1 a 7. Em 1988
estudos feitos nos Estados Unidos demostrou um bom nível de consistência e
Vicente Cassepp-Borges e Luiz Pasquali em seu artigo ―Características
psicométricas da Relationship Assessment Scale‖ publicado em 2011, procurou
aplicar e validar tal prova a população brasileira.
Ao contrário da pesquisa de Alexsandro Luiz De Andrade da escala
―Aquarela-R‖, apresentados em este trabalho, a amostra usada por Vicente
Cassepp-Borges e Luiz Pasquali foi muito maior e de vários lugares do Brasil.
Foram 1549 participantes, sendo destes 500 mulheres, a média de idade foi de
25,17 anos, e os dados foram coletados em doze estados brasileiros e do Distrito
Federal. Junto ao teste foi aplicado um questionário de perguntas demográficas e
informações sobre o tipo e o tempo de relacionamento dos participantes.
LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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Os resultados encontrados demostraram ―RelAS‖ que, apesar de sua
simplicidade, tem boa precisão e é um o instrumento útil para avaliar a satisfação
nos relacionamentos inclusive no Brasil.
10. LOVE STYLES SCALE (LAS - BRA)
Alexsandro Luiz De Andrade e Agnaldo Garcia em seu artigo ―Escala
de Crenças sobre Amor Romântico: Indicadores de Validade e Precisão‖ publicado
em 2014, procurou adaptar a ―Love Styles Scale – LAS‖ para uma versão Brasileira,
tal escala foi originalmente criada por Hendrick e Hendrick em 1986 tendo em base
as teorias de Alan Lee categorizando o estilo de amor do individuo nas seis
dimensões de sua teoria (Eros, Storge, Ludus, Mania, Pragma e Agape).
A versão final ―LAS-Bra‖ desenvolvida por Alexsandro Luiz De Andrade
e Agnaldo Garcia, contou com um total de 37 itens dos 70 estruturados para serem
avaliados. Estes itens foram distribuídos nas 6 dimensões da teoria de Lee (Agape
com 7 itens, Ludus 5, Eros 7, Pragma 7, Storge 5, Mania 6) e foi aplicado para sua
validação a 1530 pessoas, sendo 660 homens e das 4 das 5 regiões do Brasil.
Os resultados da pesquisa da versão ―LAS-Bra‖ de Alexsandro Luiz De
Andrade e Agnaldo Garcia como um instrumento de precisão e confiabilidade tendo
um coeficiente de confiabilidade mais elevado e uma maior estabilidade de
resultados que as adaptações anteriores da escala.
11. CONCLUSÃO
As diversas escalas validadas a população brasileira nos últimos 10
anos demonstram o quanto medir o amor é de interesse não só a população
internacional como a brasileira, o trabalho destes pesquisadores é vital procurarmos
entender, medir e qualificar um aspecto tão importante para o ser humano e sua
saúde mental.
Cada escala citada neste artigo apresentou características únicas que
as tornam uteis dependendo dos recursos, objetivo e enfoque escolhido. Saber a
resposta as respostas as perguntas ―para que?‖ e ―como?‖ são vitais para uma
escolha assertiva.
Por exemplo se objetivo é categorizar os estilos de amor podemos
escolher a escala baseada na teoria base desejada, ―ETAS-R‖ criada com base a
―teoria triangular do amor de Sternberg‖, LAS-Bra com ―estilos de amor John Alan
Lee‖, ECR-R com a ―Teoria de apego de John Bowlby‖. ―MARQ‖ também é uma
possível escolha para categorizar, porem apesar de bons resultados na população
norte americana faltam estudos com amostras significativas para confirmar a
confiabilidade na população brasileira.
Agora se o objetivo é examinar a qualidade da relação do indivíduo ou
casal podemos utilizar ―RelAS‖ a ou até mesmo a ―Aquarela-R‖, porem está última
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por ser nova ainda falta estudos com amostras mais significativas para uma maior
certeza de sua confiabilidade.
Tambem podemos fazer uma escolha levando em conta a quantidade
de itens de cada questão, pois quanto maior a quantidade mais difícil é para que os
sujeitos em pesquisa respondam de forma completa e sincera. A mais curta para
medir a qualidade da relação seria a ―RelAS‖ com 7 contra a ―Aquarela- R‖ com 46.
Para categorizar o amor a mais curta seria ―ECR-R‖ com 36, seguido de ―LAS - Bra‖
com 37, ETAS-R com 45 e, por último, MARQ com 180 itens.
Estes são apenas alguns pontos que podemos considerar para uma
boa escolha de qual escala utilizar, outro detalhe importante é a necessidade de
manter-se atento as atualizações, pois este é um tema de interesse de vários
pesquisadores que trabalham para melhorar os instrumentos existentes ou criar
novos para a população brasileira com alto grau de confiabilidade que é essencial se
desejarmos aproveitar todo o seu potencial tanto no âmbito de pesquisa ou dentro
de um consultório psicológico.
REFERENCIAS
ANDRADE, Alexsandro Luiz De; GARCIA, Agnaldo. Desenvolvimento de uma
medida multidimensional para avaliação de qualidade em relacionamentos
românticos - Aquarela-R. Psicolia Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 25, n. 4, p. 634643, 2012.
BORGES,Vicente Cassepp; PASQUALI, Luiz Pasquali. A redução de itens como
uma alternativa para a Escala Triangular do Amor, Revista da Associação
Portuguesa de Psicologia, Portugal, p11-22, 2014.
BORGES,Vicente Cassepp; PASQUALI, Luiz Pasquali. Características psicométricas
da Relationship Assessment Scale, Psico-USF, São Paulo, p255-264, 2011.
FRANCA, Priscilla Soares de; NATIVIDADE, Jean Carlos; LOPES, Fívia de Araújo.
Evidências de Validade da Versão Brasileira da Escala Amor do Marriage and
Relationships Questionnaire (MARQ), Psico-USF, Itatiba, p. 233-244, 2016.
GOUVEIA, Valdiney Veloso; FONSECA, Patrícia Nunes da; CAVALCANTI, Jane
Palmeira Nóbrega. Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de
validade fatorial e consistência interna, Estudos de Psicologia, Paraíba, p. 31-39,
2009.
SILVA, Ailton A. O mapa do amor: tudo o que você queria saber sobre o amor e
ninguém sabia responder. São Paulo: Gente, 2001.
NATIVIDADE, Jean Carlos; SHIRAMIZU, Victor Kenji Medeiros. Uma medida de
apego: versão brasileira da Experiences in Close Relationship Scale - Reduzida
(ECR-R-Brasil). Psicologia USP, São Paulo , v. 26, n. 3, p. 484-494, dez. 2015
MARTINS-SILVA, Priscilla de Oliveira; TRINDADE, Zeidi Araujo; SILVA JUNIOR,
LEMOS, Daniel Alvarez Goulart; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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Annor da. Teorias Sobre o Amor no Campo da Psicologia Social. Psicologia:
Ciência e Profissão, Espírito Santo, p.16-31, 2013.
IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em:
< https://www.ibge.gov.br/pt/inicio.html.> . acesso em: 19/03/2019.
IIPB – INSTITUTO INTEGRADO DE PSICOLOGIA BRAGANÇA, disponível em:
https://iipb.com.br/psicoterapia-individual/os-8-principais-motivos-para-ir-aopsicologo/, Acessado em: 08/04/2019
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O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR
DESENCADEANTE DO TRANSTORNO PSICÓTICO EM PACIENTE
EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO
ALLAN KARDEC: Relato de caso
Karla Cristina Cintra
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Lara Coviello Mendes de Campos
Graduanda em Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
Raquel Rangel Cesario
Medicina – Uni-FACEF
[email protected]
1. INTRODUÇÃO
O alcoolismo, que vem a ser um grande problema social, é visto como
uma toxicomania pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que o conceitua
como:
Um estado psíquico e algumas vezes também físico, resultante da interação
entre um organismo vivo e uma substância, caracterizado por um
comportamento e outras reações que incluem sempre compulsão para
ingerir a droga, de forma contínua ou periódica, com a finalidade de
experimentar seus efeitos psíquicos e às vezes para evitar o desconforto de
sua abstinência. A tolerância pode existir ou faltar e o indivíduo pode ser
dependente de mais de uma droga (OLIVEIRA; LUIS, 1997).
O presente relato traz uma análise da relação entre o álcool e sua
interferência em todos os contextos sociais, seja no trabalho, no relacionamento com
os familiares e nos recorrentes atendimentos médicos, desencadeados pela
dependência. Esse vício surge quando o indivíduo opta por não cessar o uso,
preferindo os efeitos psíquicos proporcionados pela droga.
O consumo de álcool parece ser o hábito social mais antigo e disseminado
entre as populações, pois ele está associado a ritos religiosos e lhe é
atribuída uma variedade de efeitos, tais como calmante, afrodisíaco,
estimulante do apetite, desinibidor e outros (...). Somente a partir do século
XX, foram realizados estudos mais sistematizados, voltando-se para os
problemas que o consumo de álcool vem ocasionando às populações (...). O
alcoolismo é um dos principais problemas de saúde pública no mundo, e
não apresenta um padrão homogêneo no seu quadro clínico, evolução e
fatores etiológicos (SILVA, 2018).
Com base nessa descrição, julgamos que o estudo com um único
paciente não foi um fator limitante, mas sim de uma condição muito rica, uma vez
que foi possível determinar os efeitos do vício de drogas ilícitas na saúde mental. A
CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel
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ausência de uma clínica psiquiátrica seletiva para determinadas condições mentais
favoreceu o entendimento do alcoolismo como uma síndrome, e não uma doença
isolada. Além disso, discutimos a forte relação do paciente com uma precoce
apresentação e estímulo ao uso de álcool pela família.
O alcoolismo é a dependência do indivíduo ao álcool, considerada
doença pela OMS. O uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas
alcoólicas pode comprometer seriamente o bom funcionamento do organismo,
levando a consequências irreversíveis (BVSMS, 2004). Além disso, é sabido que o
álcool é uma substância psicoativa, com capacidade de produzir alterações no
funcionamento do sistema nervoso central, podendo modificar o comportamento dos
indivíduos que dela fazem uso.
2. DESCRIÇÃO DO CASO
Rafael (nome fictício), sexo masculino, 25 anos de idade, agnóstico,
natural e procedente de Franca - SP, tabagista e etilista há nove anos – alcóolatra
declarado há três anos. Relata que esta é sua sétima internação nos últimos três
anos, todas por consequência do alcoolismo. Nesse último episódio, há 15 dias, a
internação foi de caráter involuntário no Hospital Psiquiátrico Allan Kardec devido ao
abuso de álcool e perda da consciência. No prontuário constam atitudes suicidas e
agressivas à integridade pessoal e coletiva, fato que motivou a família a levá-lo à
instituição de maneira compulsória. Mas durante a entrevista, o paciente nega ser
agressivo e ter realizado tentativas de autoextermínio.
O entrevistado conta que o início do vício foi insidioso e nega fatores
predisponentes, mas fala sobre ter um mau convívio com a família e gostar da
sensação que a bebida traz. Comenta, ainda, que no começo do uso o álcool não
interferia tanto em sua rotina, mas com o tempo, passou a prejudicá-lo no emprego e
no convívio social. Hoje, ele compreende o malefício causado por sua condição,
todavia prioriza o prazer que o vício lhe proporciona.
Além do álcool, cuja preferência é a pinga, o entrevistado cita que faz
uso de outras drogas, como maconha e cocaína, entretanto nega que essas
substâncias lhe causem dependência ou perda de consciência.
De acordo com seu prontuário, Rafael está sob terapia medicamentosa
prescrita pela equipe médica da clínica: Valproato de Sódio (250mg, três vezes ao
dia), Risperidona (2mg, uma vez ao dia) e Diazepam (5 mg, uma vez ao dia). O
paciente insiste que terá alta hospitalar no dia de hoje (27 de março de 2019) e será
referenciado ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) de
Franca - SP.
Em relação ao histórico pessoal, o paciente passou por um
procedimento cirúrgico devido à trauma na sétima vértebra cervical, em decorrência
de acidente em motocicleta (sem relação com o vício), não sabe informar quando.
Na infância teve um episódio de varicela. Relata ganho de peso devido à oferta de
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO
PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN
KARDEC: Relato de caso – pp. 150-158
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comidas pela instituição, relacionando à má alimentação quando não internado,
mesmo assim mantém um bom índice de massa corporal. Devido à sua ocupação de
entregador de comida por aplicativo de celular ele trabalha durante a noite, dorme
cerca de sete horas durante o dia – ou mais quando faz uso de álcool. O hábito
intestinal é ―normal‖ (não aplicada escala de Bristol). Seu nascimento foi por parto
cesárea, e relata ter tido crescimento em estatura tardio em relação aos colegas.
No histórico familiar, Rafael tem pais vivos, uma irmã e um irmão, todos
com profissão na área da educação. Por exceção do pai, todos os outros possuem
vícios, seja no álcool, tabaco ou maconha – segundo relato do paciente. De forma
geral, a interação com os familiares é ruim, motivo pelo qual ele residia na casa de
um amigo, até o momento da internação.
Após a penúltima internação, o paciente fez acompanhamento com
médico psiquiatra, mas refere não ter aderido ao tratamento devido aos efeitos
colaterais dos fármacos, principalmente a sonolência.
2.1. Exame do estado mental
Paciente lúcido, cooperativo, bem-humorado e desconfiado durante a
entrevista. Normovigil e normotenaz, memória remota e recente preservada. Boa
orientação auto e alopsíquica. Normotímico, afeto modulado e coerente.
Pensamento em curso normal, forma organizada e lógica, conteúdo grandioso e sem
alterações no discurso. Normobúlico e em exercício de suas atividades diárias
normais. Tem crítica e noção da doença, mas não tem motivação para cessar.
Apresenta idade cronológica condizente com a aparência; boa saúde,
boa vestimenta e cuidados pessoais preservados. Ausência de deformidades ou
peculiaridades físicas.
Nega preocupações excessivas com ordem, limpeza, pontualidade.
Relata ser bem humorado. Tem capacidade de expressar os sentimentos levemente
comprometida; alto nível de desconfiança. Capacidade para executar planos e
projetos presente. Refere conseguir lidar com as situações quando pressionado. À
entrevista, possui mudanças de personalidade.
2.2. Hipóteses diagnósticas de acordo com o prontuário
CID F19.5 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de
múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas.
CID 31.9 – Transtorno afetivo bipolar não especificado.
CID 60.3 – Transtorno de personalidade com instabilidade emocional.
3. DISCUSSÃO
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Este relato é resultado de uma atividade prática in loco proposta
pela Unidade Curricular Interação em Saúde na Comunidade 3 (IESC), em que foi
solicitado realizar uma entrevista em grupo, com descrição inicial unificada, mas
discussão e conclusão individual. Na transcrição do relato para este capítulo de livro,
optou-se por manter explicitamente a contribuição de cada uma das autoras
discentes na discussão e conclusão do caso.
3.1. Karla Cristina Cintra
A saúde mental nada mais é que o equilíbrio emocional entre o
patrimônio interno e as exigências ou vivências externas e está relacionada com a
capacidade de relacionar-se bem com os outros (relações interpessoais). Tendo em
vista que os espaços fundamentais de relacionamento são a família, os amigos e o
ambiente de trabalho, esses devem ser alvo de ações abrangentes em saúde
mental, tendo como foco a prevenção a comportamentos de riscos e a promoção em
saúde mental (MORAIS et al, 2012).
Tendo em vista a definição de saúde mental, pode-se observar o
primeiro obstáculo enfrentado pelo paciente entrevistado: suas relações
interpessoais. Quando questionado sobre seu relacionamento com a família, relatou
que não tem problemas, mas durante a conversa foi possível observar que tem uma
intensa dificuldade em se relacionar com os pais desde sua adolescência, fato que
deve ser abordado no seu plano terapêutico, pois diversos estudos comprovam que
as relações familiares são fundamentais para o sucesso de uma recuperação.
Atualmente mora com um amigo da família, com o qual não tem uma relação muito
bem definida e não tem uma convivência frequente com os pais.
Em um certo momento perguntamos quais são as pessoas que tem
como apoio nos momentos de dificuldade e com quem ele compartilha as questões
da sua vida pessoal e, segundo ele, a sua moto é quem o escuta e lhe faz
companhia. As únicas pessoas com quem têm contato mais próximo são as pessoas
do trabalho, mas que não conversam sobre a vida pessoal de cada um. Sendo assim
foi possível identificar um grande obstáculo para sua recuperação, a falha quanto a
pessoas que poderiam colaborar e apoiá-lo no dia-a-dia.
Os fatores de risco para uso abusivo de álcool incluem início precoce
do uso, influência da mídia, relacionamento conturbado com os pais, uso por
membro da família, abuso sexual, violência doméstica, baixa autoestima,
curiosidade, pressão de colegas, entre outros (ROZIN; ZAGONEL, 2012).
Sendo assim, o paciente entrevistado possui vários fatores de risco ao
abuso de álcool e outras substâncias, o que foi essencial para desencadear o
transtorno psicótico. Grande parte destes fatores de risco são modificáveis, pois não
se trata de questões genéticas e sim, sociais. Dessa forma, é essencial que em seu
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO
PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN
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Psicologia e Transformação
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projeto terapêutico se pense em redes de apoio que possam de alguma maneira
suprir ou ao menos colaborar na questão social e emocional, que são fundamentais.
Tem-se uma grande dificuldade na definição do diagnóstico, pois as
comorbidades psiquiátricas podem interferir na identificação do uso abusivo de
substâncias e vice-versa (FERNANDES et al, 2017).
O Anexo A mostra um estudo feito na Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP/USP), que coletou dados de atendimentos de urgência
relacionados ao consumo de álcool. O diagnóstico que apresentou maior número de
casos atendidos foi o 303 (Síndrome de Dependência Alcoólica), com um total de
576 atendimentos. A seguir vem o diagnóstico 291 (Psicose Alcoólica), com um total
de 379 casos. Somando-se os diagnósticos relacionados ao álcool, tem-se um total
de 1.082 casos; sendo assim, esse grupo passa a ocupar o segundo lugar como
principal diagnóstico, ou seja, 20% de todos os atendimentos são referentes ao
consumo abusivo de álcool (OLIVEIRA; LUIS, 1996).
Por fim, o paciente tem registrado em seu prontuário alguns possíveis
diagnósticos, o principal seria o transtorno psicótico por abuso de substâncias, mas
também transtorno de personalidade com instabilidade emocional.
3.2. Lara Coviello Mendes de Campos
A priori, o caso trouxe dúvidas quanto ao diagnóstico, oscilando entre
quadro psicótico e transtorno relacionado ao álcool. Para mim, a maior dificuldade é
devido ao álcool ser critério de exclusão de outras afecções no DSM-V. A forma
como foi a atual internação (intoxicação por uso de álcool) e a literatura se mostram
favoráveis ao diagnóstico de transtorno relacionado ao álcool e transtorno psicótico
devido ao álcool com alucinações. Para sustentar essa hipótese, tem-se a
epidemiologia (homem e perfil ansioso), tentativa de suicídio relacionada à
deficiência de apoio psicossocial e morar sozinho (SADOCK; SADOCK; RUIZ,
2017).
Na história do caso, confirmo minha hipótese diagnóstica também pelo
encaminhamento ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (inclusive
devido à recorrência do número de internações e relato do paciente negar sucesso
em parar com o vício sozinho), início insidioso durante a adolescência e provável
predisposição genética – visto que a mãe e o irmão também são etilistas (SADOCK;
SADOCK; RUIZ, 2017).
Em relação à rotina, o paciente relatou o alívio do estresse após o uso
de álcool em alguns momentos, confirmando a teoria psicológica e psicodinâmica do
transtorno relacionado ao álcool; uma vez que tal ato reduz os efeitos de dor
psicológica devido à má convivência com a família, por exemplo (SADOCK;
SADOCK; RUIZ, 2017).
Em alguns momentos, Rafael parecia ter um superego, mas nenhum
antecedente pessoal, seja ele traumático ou não, foi extraído durante a entrevista. A
CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel
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criação em um ambiente estimulante ao uso de álcool pode ter sido um efeito
predisponente, uma vez que em vários momentos, o entrevistado lembrou de seu pai
―com uma lata na mão‖, embora não o considerasse etilista (confirmando a teoria
psicossocial do transtorno relacionado ao álcool). Há um risco 3 a 4 vezes maior em
desenvolver o alcoolismo quando se tem parentes próximos alcoólatras (SADOCK;
SADOCK; RUIZ, 2017).
Rafael possui alguns dos critérios para transtorno por uso de
substância, segundo SADOCK; SADOCK; RUIZ (2017):
Comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestados
por pelo menos dois dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período
de 12 meses:
1. Uso recorrente da substância, resultando no fracasso em
desempenhar papéis relevantes no trabalho, na escola ou em casa.
2. Uso recorrente da substância em situações nas quais isso
representa perigo para a integridade física.
3. Uso continuado da substância apesar de problemas sociais ou
interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados
por seus efeitos.
4. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores da
substância para atingir a intoxicação ou o efeito desejado.
b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma
quantidade da substância.
5. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos:
a. Síndrome de abstinência característica da substância.
b. A mesma substância (ou uma substância estreitamente
relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de
abstinência.
6. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades
ou por um período mais longo do que o pretendido.
7. Existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido
de reduzir ou controlar o uso da substância.
8. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da
substância, na sua utilização ou na recuperação de seus efeitos.
9. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreativas são
abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
10.O uso da substância é mantido apesar da consciência de ter um
problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser
causado ou exacerbado pela substância.
11.Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar uma substância
específica.
O anexo B traz um modelo esquemático no formato de fluxograma,
relacionando os antecedentes sociais e individuais ao uso de drogas.
Julgo importante ressaltar a necessidade do estudo de caso ser
singular e sustentada pela literatura. Quando analisamos o caso de Rafael,
entendemos sua dinâmica familiar (predisposição, má relação e incentivo desde
adolescente ao uso) e relacionamos sua profissão noturna ao vício e às mudanças
na personalidade – superego, conteúdo grandioso e atitude desconfiada.
4. CONCLUSÃO
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO
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4.1. Karla Cristina Cintra
A história clínica colhida e o prontuário foram essenciais para
construção de um raciocínio clínico. O prontuário é fundamental pois inclui a visão
de vários profissionais e em situações distintas, como também a evolução do
paciente. E a história clínica enriquece não só o raciocínio como também nossa
prática relacionada à saúde mental, visto que é uma área muito misteriosa que cada
caso é um mundo extraordinário, cheio de individualidades.
O paciente, que estava em regime de internação, seria encaminhado
ao CAPS-AD para seguimento de seu tratamento, mas será fundamental enfocar a
visão do usuário e reconhecê-lo como ator social envolvido no sistema, pois já houve
tentativas de tratamentos anteriores, sem adesão. É fundamental buscar pilares
sociais que colaborem com o seu projeto terapêutico, principalmente a família, visto
que essa relação, quando positiva, é produtora de saúde mental.
4.2. Lara Coviello Mendes de Campos
Por fim, concluo que a hipótese diagnóstica mais provável seja que o
paciente apresente transtorno relacionado ao álcool. A atitude da instituição em
referenciá-lo para o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas é correta, uma
vez que permite a ressocialização e reinserção do indivíduo, fazendo com que ele
entenda seu vício como tratável na sociedade, e não como uma enfermidade que
necessita de cuidados mais hospitalares.
Nesse novo tratamento, ele terá oportunidade de fazer oficinas
terapêuticas e passar por consultas na psicologia e psiquiatria. Além disso, terá um
plano de tratamento, o projeto terapêutico singular, que atenderá às suas
necessidades e limitações.
Nesse projeto, elaborado por profissionais da área da saúde
juntamente com familiares do indivíduo em questão, estabelecem-se metas de curto,
médio e longo prazo, reavaliadas constantemente. Há o cuidado de sempre
protagonizar o paciente, na tentativa de gerar um empoderamento e potencializar as
mudanças propostas.
REFERÊNCIAS
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saúde [Site na Internet] 2004. Acesso em 10 de abril de 2019. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/58alcoolismo.html.
FERNANDES, Márcia Astrês et al. Transtornos mentais e comportamentais por uso
de substâncias psicoativas em hospital psiquiátrico. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde
Mental Álcool Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 13, n. 2, p. 64-70, 2017.
CINTRA, Karla Cristina; CAMPOS, Lara Coviello Mendes de; CESARIO, Raquel Rangel
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180669762017000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 maio 2019.
SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A.; RUIZ, P.. Transtornos relacionados a substâncias e
transtornos aditivos. In: KAPLAN & SADOCK. Compêndio de Psiquiatria, 11. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2017. P 620-622.
MORAIS, Camila Aquino et al. Concepções de saúde e doença mental na
perspectiva de jovens brasileiros. Estudos de Psicologia, v. 17, n. 3, p. 369-379,
setembro-dezembro/2012.
OLIVEIRA, E. R.; LUIS, M. A. V. Distúrbios relacionados ao álcool em um setor de
urgências psiquiátricas. Ribeirão Preto, Brasil (1988-1990). Cad. Saúde Pública, Rio
de Janeiro v. 12, n. 2, p. 171-179, jun 1996. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X1996000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 de maio de 2019.
OLIVEIRA, E. R.; LUIS, M. A. V. Distúrbios psiquiátricos relacionados ao álcool
associados a diagnósticos de clínica médica e/ou intervenções cirúrgicas, atendidos
num hospital geral. Rev. latino-am.enfermagem, Ribeirão Preto, v. 5, número
especial, p. 51-57, maio 1997.
ROZIN, L.; ZAGONEL, I. P. S. Fatores de risco para dependência de álcool em
adolescentes. Acta Paul Enferm., v. 25, n. 2, p. 314-318, 2012.
SILVA, Alrenilda Aparecida da. Alcoolismo em idosos. Rev cient eletrônica de
Psicologia ano VI, n. 10, maio de 2018.
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS COMO FATOR DESENCADEANTE DO TRANSTORNO
PSICÓTICO EM PACIENTE EM ESTADO DE INTERNAÇÃO NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ALLAN
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ANEXO A
Fonte: OLIVEIRA & LUIS, 1996.
ANEXO B
Fonte: SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virginia A.; RUIZ, Pedro, 2017.
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OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
NA VISÃO DA PSICANÁLISE
Caroline Roza de Carvalho Leandro
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Bruna Braganholo Veloso
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Irma Helena Ferreira Benate Bomfim
Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
Conhecida por se tratar de uma terapia voltada para a criança, a
Ludoterapia traz vário fatores e consequências para o desenvolvimento infantil.
Sabe-se que ela tem impactos importantes no desenvolvimento emocional, cognitivo
social e comportamental do indivíduo por meio do brincar, é através dessa técnica
que a criança consegue se comunicar com o mundo a sua volta, pois, muitas vezes,
não ainda não tem sua fala desenvolvida completamente, sendo o brincar sua forma
de linguagem, expressando seus sentimentos e emoções de forma descontraída e
eficaz.
A Ludoterapia na vertente da psicanálise vem com o propósito da
escuta do sujeito inconsciente através do brincar, buscando a elaboração de fatores
conflitivos da criança que influenciam seus processos individuais e sociais, sendo a
partir do brincar que as crianças lidam e expressam suas angustias e ansiedades.
Ou seja, o lúdico nesta vertente tem como foco a dominação da criança sobre algo
que toma a maior parte de sua energia psíquica e lhe causa sofrimento.
O objetivo é investigar as possíveis formas lúdicas e como esta é
trabalhada internamente, ou seja, seus impactos e sua eficácia na visão da
psicanálise e como elas influenciam no desenvolvimento infantil.
A metodologia utilizada é de uma revisão bibliográfica crítica por meio
de artigos científicos, livros e sites sobre os respectivos assuntos.
2. LUDOTERAPIA PELA VISÃO PSICANALÍTICA
Um dos primeiros relatos da teoria psicanalítica aplicada em crianças
foi por Freud com o caso do pequeno Hans, através desse episódio foi possível
demonstrar que o método pode ser aplicado em crianças com alguns ajustes na
teoria voltada ao adulto. Silva e Santos (2008), destacam que Freud havia
mencionado que a criança é psicologicamente diferente do adulto, já que não
OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO
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possuem o Superego estruturado, sendo assim, postulava que as resistências
internas ficam substituídas na criança por dificuldades externas.
Apesar disso, a psicoterapia aplicada na criança só ganhou força com
os pós-freudianos, onde as teorias de Freud passam a ser usadas como base para
as futuras teorias, já que foi dada a importância da brincadeira no desenvolvimento
das crianças sendo uma das primeiras funções desenvolvidas, iniciando-se assim o
olhar para o desenvolvimento emocional e social da criança, portanto ―um método de
funcionamento empregado pelo aparelho mental em uma de suas primeiras
atividades normais" (Freud, 1920/1996, p. 24.). O brinquedo deixa de ser um objeto
neutro e passa a ser uma forma de representação da criança no processo
ludoterapeutico. A psicanálise pontua que é simbolizando, falando e representando
os conteúdos que a perturbaram que criança estrutura e amadurece sua estrutura
psíquica, passando a compreender e se conscientizar das situações, ideias e
relações objetais.
De acordo com Winnicott (1975, p.59), a psicoterapia é feita a partir da
sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta, e trata-se de
duas pessoas que brincam juntas. O brincar é por si mesmo uma terapia e pode até
prescindir da interpretação verbal. O papel do analista é o de sustentar este brincar
do paciente, no espaço e tempo construídos transferencialmente. Contudo o brincar
como instrumento psicoterápico não carrega uma hierarquia entre terapeuta e
paciente, mas sim uma igualdade de papeis entre os dois para que seja possível
uma comunicação livre que leve em conta a importância da criança e respeite sua
capacidade de interpretação e expressão por meio do brincar.
Neste mesmo contexto, corrobora Ferro (1995, p.80) ― é somente a
presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o jogo
seja plenamente transformador de angústias‖, ou seja, é a partir da presença de um
terapeuta com capacidade de guiar e mediar a brincadeira que se torna possível a
transferência das angustias, medos e ansiedades da criança para o brincar, pois o
brincar é sua linguagem, uma forma encontrada de se comunicar com sua realidade
interior e o mundo exterior do indivíduo em seus primeiros anos de vida.
A Ludoterapia na vertente da psicanálise é um instrumento que visa o
acesso ao inconsciente da criança, assim como a técnica é utilizada em adultos
através da associação livre por meio da verbalização, para alcançar seu objetivo
modifica-se o instrumento inserindo a brincadeira e os brinquedos para a terapia
voltada a criança, pois nem sempre a capacidade de verbalizar da criança está
completamente desenvolvida, afirmando Melanie Klein (1926/1996) que é por meio
do brincar ou expressões artísticas que a criança se comunica com o mundo.
Diatkine (2007) reconhece que a criança se expressa brincando, mas que ainda sim
o discurso é tão analisável quanto o composto por palavras nas associações livres
de um paciente adulto. Contudo, a ludoterapia é um processo de ressignificação,
onde a criança, junto ao terapeuta inicia uma construção de significados e sentidos
dos eventos e das relações humanas até então vivenciadas.
LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma
Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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A Psicanálise infantil tem como seu instrumento principal a voz da
escuta e a sabedoria da interpretação, assim como é de suma importância na
Ludoterapia a existência de uma caixa de brinquedos, onde nas primeiras sessões
cada criança escolhe, entre variados materiais e brinquedos, o que irá compor sua
caixa lúdica individual que futuramente e inconscientemente será o fator a ser
observado e analisado pelo terapeuta. Desta mesma forma a análise de crianças
pequenas tem mostrado os variados significados que um único brinquedo pode ter
ou um único segmento de uma brincadeira, sendo apenas possível interpretar o seu
significado quando consideramos suas conexões mais amplas e a situação analítica
em que se inserem. (Klein, 1932/1997, pp. 27-28)
Ainda, segundo Vygotsky (1991), a brincadeira é uma situação
imaginária desenvolvida pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia,
satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade, desta forma a
principal proposta da Ludoterapia na vertente da psicanálise é deixar a criança livre
para se expressar da forma que quiser, provavelmente brincando, e é através disso
que as crianças expressam suas fantasias reprimidas, desejos, angustias e
ansiedades, presentes em seu inconsciente.
Winnicott (1942) em seu trabalho ―Por que as crianças brincam?‖
apresenta algumas motivações da atividade lúdica para buscar prazer, para
expressar agressão, controlar ansiedades, estabelecer contatos sociais, realizar a
integração da personalidade, para a comunicação com as pessoas, entre outros.
Com isso, utro fator importante a ser considerado são as brincadeiras em grupo,
onde a criança aprende também a conviver em grupo, estimulando um senso de
cooperação, desenvolvendo sentimentos de afeto, respeito e empatia desde já, ela
aprende então, de forma saudável a conviver e, sobretudo, a ser.
Segundo Melanie Klein (1997), ao brincar, a criança pode representar
simbolicamente suas ansiedades e fantasias e expressar seus conflitos
inconscientes procurando superar experiências desagradáveis. Ou seja, as
brincadeiras de modo geral proporcionam uma entrada para o universo infantil,
instigando não só a curiosidade, mas a autonomia, e logo, a autoconfiança.
Auxiliando no desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da
atenção, fazendo com que ela se comunique e seja compreendida mais facilmente.
Em suma, de forma lúdica a criança acelera seu desenvolvimento.
3. DESENVOLVIMENTO INFANTIL PELA VISÃO DA PSICANÁLISE
O famoso psicanalista Sigmund Freud postulou que o desenvolvimento
infantil ocorre por meio de quatro estágios psicossexuais. Freud ainda postula que
as fases não ocorrem necessariamente uma após a outra, podem ocorrer
simultaneamente, além disso não há um período certo de início entre as fases,
mesmo que em suas obras ele cite idades correspondentes. Tais fases estão ligadas
às necessidades da criança, que, quando corretamente satisfeitas geram um
OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO
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desenvolvimento saudável e estável, caracterizado pela possibilidade do indivíduo
se colocar de forma verdadeira e criativa no mundo (Winnicott, 1975).
Em seus estudos defendeu que a sexualidade vem desde o
nascimento da criança, considerando natural no desenvolvimento a masturbação,
ereção, que muitas vezes são considerados errados no meio social. Além disso,
ressalta que esses processos vão evoluindo de acordo com o desenvolvimento do
indivíduo, mas que muitas vezes são reprimidos por causar espanto na sociedade.
Neste mesmo contexto Freud ressalta:
Mas, agora sim, estou realmente certo do espanto dos ouvintes: ―existe
então- perguntarão- uma sexualidade infantil?‖ ―A infância não é, ao
contrário, o período da vida marcado pela ausência do instinto sexual?‖ Não
meus senhores. Não é verdade certamente que o instinto sexual, na
puberdade, entre no indivíduo como, segundo o Evangelho, os demônios
nos porcos. A criança possui, desde o princípio, o instinto e as atividades
sexuais. Ela os traz consigo para o mundo, e deles provêm, através de uma
evolução rica de etapas, a chamada sexualidade normal do adulto. Não são
difíceis de observar as manifestações da atividade sexual infantil; ao
contrário, deixa-las passar desapercebidos ou incompreendidas é que é
preciso considerar- se grave‖ (FREUD, 1970, p.39)
O primeiro estágio considerado por Freud (1905/1996) é denominado
de Oral, ocorrendo do nascimento até aproximadamente um ano e meio, sendo a
boca a principal fonte de interação do bebê, onde o ato de mamar, a sucção é de
extrema importância, sendo a alimentação a primeira fonte de prazer do indivíduo e
o seio o seu primeiro objeto de ligação afetiva.
Na segunda fase, a anal, o foco da libido está no controle dos
esfíncteres, sobre o ato de defecar, sendo nesta fase onde a criança começa a lidar
com frustações, do desejo de satisfazer suas necessidades corporais, acontecendo
por volta do segundo ano de vida. Hall e Lindzey (1984) afirmam que modo como à
criança é educada e a forma como a mãe encara as situações de defecar pode
produzir nas crianças efeitos que dizem respeito com a formação de valores da
criança.
Em seguida, a fase fálica, marcada pela curiosidade e descoberta dos
órgãos genitais. Este estágio é marcado pelo complexo de Édipo, onde os meninos
passam a ver seus pais como ―rivais‖ devido ao forte afeto com a mãe, tendo desejo
de possui-la, tomando o lugar de seu próprio pai. Tendo também o complexo de
Electra, que seria a inveja das meninas por não terem pênis. De acordo com Freud
(1900, p. 261) ―apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os
componentes essenciais do acervo de impulsos psíquicos que se formam nessa
época‖.
Antes do último estágio há o período chamado de latência, onde a
energia sexual (libido) fica suprimida, ou seja, o investimento libidinal deixa de ter
objetivos sexuais, sendo direcionada para outras funções. Por último ocorre à fase
LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma
Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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genital, marcada pelas relações sexuais, é onde ocorre o amadurecimento fisiológico
de sistemas hormonais e dos interesses sexuais.
Como visto, pelo olhar psicanalítico o desenvolvimento infantil tem
início desde o seu nascimento, através de suas relações objetais, onde o bebe
nasce com seu ego não estruturado e esta estrutura vai depender e ser feita pela
mãe. Por isso o amparo psíquico da figura materna é de extrema importância para a
organização psíquica e constituição do eu da criança.
Para Klein (apud ROZA, 1993) a problemática da criança não é algo
que depende das suas relações com o ambiente, mas é o produto da sua própria
constituição interna. Portanto, a constituição psíquica é um processo pelo qual o
bebê precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. E essa
constituição só será possível se suas necessidades forem suficientemente
cumpridas, ou seja, se ocorrer muitas falhas, como por exemplo, o bebê passar
fome, ficar sujo ou receber pouco afeto, o seu desenvolvimento ficará comprometido.
Podemos então dizer, que é através da organização psicológica desenvolvida do
relacionamento com a mãe a criança conquista a capacidade de se relacionar com o
resto do mundo dos objetos humanos.
Freud ainda considerava a existência de estruturas da personalidade,
sendo elas o Id, Ego e Superego, cada uma dessas estruturas eram responsáveis
por uma parte que posteriormente estariam ligadas à forma como o sujeito se
relacionaria com o mundo externo, determinantes no comportamento humano.
De forma resumida, o Id é considerado inato do sujeito, composto por
instintos e impulsos de ordem pulsional conduzidos pelo ―princípio do prazer‖. Sendo
uma estrutura inconsciente, agindo totalmente em função da satisfação imediata de
seus desejos, por meio da libido, não levando em consideração a realidade ética,
valores e morais.
O Ego tem como principal objetivo controlar e mediar a relação Id com
o mundo externo, buscando o equilíbrio. Ainda, considera a realidade sofrendo
influência do contato do indivíduo com o mundo, é regido pelo ―princípio da
realidade‖ levando em consideração as normas éticas existentes. Já o Superego,
podemos dizer que atua de forma contrária ao Id, pois é considerado componente
moral e social, levando em conta os valores culturais e hereditários, fazendo
julgamentos objetivando barrar os impulsos que são contra as regras éticas da
sociedade, usando da punição por meio da culpa e da inibição dos instintos.
Assim, é de grande importância que um indivíduo possua as três
estruturas em equilíbrio para que seja considerada uma personalidade saudável.
4. LUDOTERAPIA PARA O DESENVOLVIMENTE INFANTIL: IMPACTOS E
CONSEQUÊNCIAS
A Ludoterapia, conhecida pelo método terapêutico através do brincar,
tem finalidade de promover, manter ou reestabelecer o bem-estar psicológico e a
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saúde mental do sujeito. De início é preciso que se estabeleça um ambiente de
confiança, de aceitação e compreensão entre o psicólogo e o indivíduo, para que
assim a criança adquira confiança necessária e suficiente para conseguir se
expressar de forma livre, o que consequentemente leva ao surgimento de empatia
pelo ludoterapeuta.
Um dos impactos da Ludoterapia é que, a criança fica ativa em todo o
seu processo lúdico, fazendo com que esta adquira coragem para se tornar uma
pessoa mais madura e independente, principalmente no quesito de conseguir
expressar suas próprias emoções. Esta responsabilidade que a criança adquire com
a ludoterapia faz com que seja capaz de fixar suas ações mais perfeitamente e
concretamente.
É através das brincadeiras que as crianças conseguem desenvolver
seu agir no mundo, sua autonomia e sua criatividade. De acordo com Winnicott
(1975):
É a brincadeira que é universal e que é a própria saúde: o brincar facilita o
crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos
grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia. (p.
63).
Outra consequência importante da terapia do brincar é que conforme a
brincadeira a criança cria a possibilidade de pensar sua realidade de forma criativa,
trazendo novas linguagens e interpretações sobre o mundo, auxiliando no
desenvolvimento do raciocínio, imaginação, criatividade e atenção. Portanto, sabese então que, por meio da brincadeira a criança deixa a imaginação e os
sentimentos livres, o que torna possível a expressão de experiências desagradáveis,
fazendo com que ela tenha um mínimo de controle sobre os eventos passados,
sendo por meio desse processo terapêutico que a criança lida e enfrenta seus
medos, angustias e frustrações, aprendendo como lidar com elas, de forma que
aprendam a controlá-las ou até mesmo deixa-las ou abandona-las, percebendo que
é um indivíduo autônomo e que é natural, aceitável e saudável sentir as emoções
vividas.
Ainda, dependendo da situação atual que a criança se encontra, sendo
marcada por uma mudança drástica na rotina ou por um evento traumático, é
extremamente importante que ela tenha o brincar como um possível recurso de
entendimento interno, já que por meio da Ludoterapia ela consegue lidar da melhor
forma possível com sua vivência, entendendo o que há de novo em seu contexto, e
consequentemente, elaborar seus conflitos, para que esta consiga continuar se
desenvolvimento de forma saudável, aprendendo também a elaborar suas perdas
para que essas não influenciem de forma tão negativa seu desenvolvimento, ou seja,
a criança utiliza-se da linguagem proporcionada devido ao brincar para apreender
novas situações, elaborando psiquicamente vivências de seu cotidiano e possíveis
conflitos internos.
LEANDRO, Caroline Roza de Carvalho; VELOSO, Bruna Braganholo; BOMFIM, Irma
Helena Ferreira Benate; GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
Psicologia e Transformação
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Por meio do brincar que o indivíduo começa a nascer psiquicamente,
devido à sua exploração e contato com o mundo, tomando noção de si mesmo e
muitas vezes recriando experiências agradáveis e desagradáveis que serão
trabalhadas pela terapia infantil na psicanálise, sendo vista por Winnicott (1982,
p.163) como ―a brincadeira fornece uma grande organização para a iniciação de
relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais‖.
A Ludoterapia é de grande importância na socialização da criança, pois
permite que ela aprenda a partilhar, cooperar em meio a grupos, comunicar-se com
o outro, formar relações inter-pessoais, desenvolver valores e morais, até mesmo
construir respeito por si e no outro, formando sua auto-estima, contudo ajuda no
desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Neolácio afirma que:
Ela permite que a criança se expresse de uma forma a se fazer ouvida e faz
com ela crie opiniões sobre si e sobre o mundo social ao seu redor. O
desenvolvimento da criança ocorre por meio de um processo que envolve
uma rede de relações sociais, isto é, acontece em um contexto em que a
criança é colocada com outras crianças o tempo todo (NEOLÁCIO, 2013,
p.107)
Em suma, vimos que o lúdico auxilia no aparecimento de sentimentos e
pensamentos que estavam inconscientes através de cada comportamento que a
criança expressa na hora de brincar, por meio do faz de conta, utilizando de suas
fantasias colocando tudo de si na brincadeira, o que faz com que ocorra mudanças
dentro de sua vida psíquica, social e cognitiva. Reafirmado por Furtado e Lima:
Assim, brincar não é apenas distração, é muito mais importante para o
desenvolvimento físico, mental, emocional e social do que poderia parecer a
primeira vista. Para a criança é a atividade mais espontânea, natural e
prazerosa, por isso até o seu próprio corpo pode se objeto lúdico.
(FURTADO E LIMA, 1999, p.367)
Portanto a Ludoterapia não é utilizada apenas para tratamento dos
indivíduos, com queixas pontuadas, mas também como uma forma de prevenção por
meio da ―descarga‖ de tensão, angústias, medos e inseguranças pela brincadeira, já
que são nos brinquedos que se projeta o que posteriormente um dia pode vir a ser
um processo de adoecimento psicológico e físico. É por meio dela que também se
entende as modificações de comportamentos, as relações afetivas e sociais, e seus
conflitos, logo, possível sofrimento psicológico que a criança sofreu e reprimiu,
poderá ser então elaborado pela Ludoterapia, já que esta precisará expressar seus
desejos, ansiedades e frustrações para que continue se desenvolvimento de forma
saudável.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo é a apresentação de uma revisão bibliográfica
sobre as contribuições do processo de Ludoterapia para a criança, fazendo um
adendo ao conceito de Ludoterapia na abordagem psicanalítica e a visão da mesma
OS EFEITOS DA LUDOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA VISÃO
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no desenvolvimento infantil por meio dos estágios psicossexuais de Freud,
constatando seus impactos e consequências.
A Ludoterapia é de extrema importância para o desenvolvimento da
criança, é a forma mais saudável de elaboração de temáticas conflituosas, pois o
brincar ajudará a expressão da criança tomar forma por meio do faz-de-conta e
imaginação, passando o que sente através dos brinquedos. Por tal análise lúdica, é
possível avaliar todos os tipos de aspectos, emocionais, afetivos, sociais e
familiares, influenciando também no auto-conhecimento da criança, de maneira que
ela se torna capaz de identificar se uma situação é negativa ou positiva para seu
mundo interior, sendo capaz de representar e/ou simbolizar as mesmas. Observando
que a melhor maneira de conseguir e dar continuidade ao desenvolvimento é através
da brincadeira, onde ela descarregará sua tensão, podendo diminuir a sua
ansiedade e reorganizar seus sentimentos, sendo capaz de entender o que se passa
dentro dela e de elaboração das situações.
Entendemos que as crianças normalmente aderem tranquilamente ao
processo ludoterápico, gerando uma melhora na comunicação e consequentemente
nas relações interpessoais, além de estimular e ampliar a sua criatividade e
imaginação, o que posteriormente será de grande importância para o
desenvolvimento de seu pensamento concreto, abstrato e racional.
Por meio deste artigo será possível a compreensão e o conhecimento
básico a respeito da Ludoterapia, além de suas contribuições junto à abordagem da
Psicanálise, com o intuito de destacar essa linha terapeuta através do brincar, já que
foi constatado com o presente artigo que é uma das formas mais saudáveis da
criança elaborar seus conteúdos conflitivos e se desenvolver após eventos
traumáticos, já que na infância o indivíduo ainda não consegue, na maioria das
vezes, se expressar livremente, colocando e constatando suas angustias e
ansiedades, assim o brincar é o principal instrumento a ser analisado pelo
ludoterapeuta psicanalítico.
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REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE
RELACIONAMENTO SOBRE A MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS
Clara Cunha Procopio
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Isabela Duzzi Cintra
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Stefânia Gonçalves Stefani Silva
Graduanda em Psicologia – Uni-FACEF
Sofia Muniz Alves Gracioli
Psicologia – Uni-FACEF
1. INTRODUÇÃO
O papel da mulher sempre foi visto de forma inferior ao homem devido
a uma cultura patriarcal em que o homem tinha total controle sobre os direitos de
escolha, sendo uma delas a incapacidade de escolher até seu parceiro amoroso.
Com o inicio dos movimentos feministas as mulheres conquistaram alguns direitos
como o de votar, trabalhar fora de casa e de escolher com quem queria se
relacionar. Além disso, outro passo importante foi quando Maria da Penha, uma
mulher que foi agredida durante anos por seu parceiro, foi reconhecida e ouvida
dando inicio a uma lei que punia atos de violência contra a mulher.
O avanço da tecnologia foi um dos aspectos que ajudaram a mulher a
conhecer pessoas através de aplicativos de relacionamentos dando a autonomia e
liberdade de querer ou não se relacionar com alguém. Porém, com todos os
benefícios que os aplicativos oferecem existem grandes riscos para a vida das
mulheres. Há casos em que homens usam o aplicativo na intenção de seduzir e
enganar mulheres, causando violência física ou psicológica.
A escolha do tema do artigo surgiu através dos grandes números de
casos que vem ocorrendo na atualidade, como exemplo, em 2019 a mulher que foi
espancada por horas por um homem que havia conhecido no Tinder há oito meses,
entre outros casos que causaram tanto desespero da sociedade.
Nesse contexto, percebe-se que o objetivo é revisar as consequências
do uso dos aplicativos de relacionamentos na vida das mulheres nos dias atuais,
quais impactos na vida social e profissional.
A metodologia do presente artigo é uma revisão bibliográfica crítica,
com uso de artigos científicos e livros na área.
2. O PAPEL SOCIOCULTURAL DA MULHER DESDE A ANTIGUIDADE
PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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Escrever sobre a mulher diz muito a respeito da história geral. Na idade
média, por exemplo, era muito utilizado os conceitos cristãos onde predominava o
aspecto patriarcal, na qual, suas atividades se resumiam em cuidar de seu lar e de
seus filhos.
Rousseau (GASPARI, 2003, p. 29) detinha um discurso de que a educação
feminina deveria ser restrita ao doméstico, pois, segundo ele, elas não
deveriam ir em busca do saber, considerado contrário à sua natureza. Essa
sociedade que lutava tanto por liberdade passou a exigir que as mulheres
fizessem parte dela, mas como mães, guardiãs dos costumes, e como seres
dispostos a servir o homem.
Perante essa situação, o homem era considerado superior e provedor
de todas as ações e necessidades da mulher.
Com toda essa submissão a mulher acabava tendo seus direitos
básicos negados e sua imagem inferiorizada por ser obrigada a aceitar abusos
sexuais de seus próprios maridos, aliás, era de extrema importância satisfazer todos
os desejos daquele que obtinha total poder na relação. Para Lipovetsky (1997), a
mulher não é vista como autônoma, mesmo sendo mãe, dona de casa e ainda
trabalhar fora, ela vive para agradar outras pessoas e isso já é o suficiente para sua
existência.
Sobretudo, muitos fatores influenciaram para tais mudanças, assim
como o amor que passou ser um aspecto essencial na construção romântica do
casal, a fidelidade, e as juras de eternidade, no qual deu inicio um novo significado
de casamento. Nesse contexto, a mulher já tinha ganhado o direito de trabalhar fora
de casa, de dividir as atividades e de escolha sobre ter filhos ou não, mesmo que
ainda há dificuldade de aceitação na atualidade por parte do homem. A inserção da
mulher no mercado de trabalho foi um grande salto para que conseguisse autonomia
sobre suas vontades e se tornasse, finalmente, dona de si mesmo. Segundo
Hoffmann e Leone (2004), A partir da década de 70 as mulheres especialmente
jovens, solteiras e pouco escolarizadas começaram a ter espaço nas atividades
econômicas brasileiras, em um contexto onde começa a aceleração do processo de
industrialização e urbanização.
Na sociedade contemporânea os relacionamentos amorosos tomaram
outro caminho em consequência também do avanço da tecnologia. Atualmente, as
mulheres podem estabelecer relações apenas momentâneas e além disso, a internet
diminuiu os encontros pessoalmente, os sonhos utópicos de amor perfeito ficaram
no passado. Com isso, pode-se dizer que os aplicativos de relacionamentos cada
vez mais conseguem seus espaços quando se trata desse assunto.
Porém, deve-se considerar os riscos que essas mudanças podem
proporcionar. De acordo com Bauman (2004) os aplicativos de relacionamentos
evidencia o lado individualista de cada usuário, por apenas terem o objetivo de usar
as pessoas para saciar seus desejos momentâneos, assim como um item de
consumo, ressaltando também o aspecto consumista.
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A favor disso, mulheres acabam sendo terrivelmente violentadas por
homens que acreditam que elas são objetos descartáveis, se passam por uma
pessoa nos aplicativos de relacionamento e esconde seu verdadeiro ‗‘eu‘‘, o que
prejudica fortemente em todos os aspectos da vida da mulher.
3. AS CONSEQUENCIAS SOCIAIS E AMOROSAS DAS MULHERES AO LONGO
DO TEMPO
Antigamente as mulheres tinham seus direitos reprimidos, não podendo
expressar, opinar ou manifestar diante tanta desigualdade gênero, realizar qualquer
atividade voltada para si, tendo sempre que prezar pelas vontades e necessidades
da sociedade machista e preconceituosa.
Após tanto sofrimento marcado pela história, as mulheres começaram
reivindicar por seus direitos tanto sócias como civis e políticos e a enfrentar as
autoridades masculinas, que impunha e controlava suas atividades. Assim, nasceu o
movimento feminista no século XX nos Estados Unidos e na Europa. De acordo com
Silva e Miranda (2002) o movimento feminista surgiu na intenção de libertar a mulher
da ordem patriarcal e da desigualdade de gênero, buscando direitos igualitários e
mais humanos, a fim de inclui-las nas atividades econômicas, sociais e politicas,
uma busca por seus direitos básicos.
A partir disso a mulher busca mudar a história, dando origem ao
sufrágio feminino, isto é, a luta pelo direito de votar, que ocorreu em diversos países,
mas que teve inicio na Inglaterra nas ultimas décadas do século XIX. No Brasil foi
aprovado em 24 de fevereiro de 1932, logo após a manifestação das sufragistas
brasileiras.
Posteriormente, a mulher conquistou novos espaços na sociedade
como o direito de estudar, que anteriormente a educação escolar da mulher não
representava importância, devido à preocupação ser o casamento, na qual a mulher
teria que aprender serem sempre obedientes ao homem, tendo sua educação
voltada as tarefas doméstica, sendo preparada desde criança para torna-se a mulher
submissa do lar. Segundo Guimarães (2006-2010) as mulheres assumem duplas
mensagens a de ser independentes financeiramente e ser responsável por cuidar do
lar e dos filhos, enquanto os homens são educados para ser independente.
Durante a Primeira Guerra Mundial a mulher conquista um avanço no
mercado de trabalho, como substituta do homem, assumindo um papel que antes
era privado e exclusivo aos homens. Considerando a opinião de Jablonski (2013) as
mulheres mesmo depois das mudanças de pode assumir o seu trabalho ainda
continua sendo a esposa, dona de casa, mãe que assumi o papel profissional.
Decorrente dos conflitos causados pela guerra a mulher passa trabalhar dentro e
fora de casa, por meio disso a busca pela sua independência, autonomia e os seus
direitos financeiros, fez com que a mulher não tivesse a sua liberdade tão restrita
pelo homem.
PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
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Outro aspecto importante, foi o direito de escolha do divorcio, visto que
antigamente a mulher não possuía alternativa de separação, sendo obrigada a
continuar convivendo com uma pessoa que não amava e que na maioria das vezes
a maltratava, causando violência física e psicológica, pois desde a escolha do
parceiro para o casamento, era o pai da mulher que decidiu por si, o homem se
referia como ―bom partido‖. Dessa forma, a mulher se encontrava em lugar de
inferioridade feminina sobre a influencia da família patriarcal. Como afirma BiasoliAlves (2000, p. 64) ―existia uma preocupação com relação ao futuro da moça e a
necessidade de arranjar um marido que fosse considerado um bom partido, ou seja,
que pudesse assumir o papel de provedor‖.
Na modernidade, o homem passa a valorizar os relacionamentos
amorosos, isto é, se casar com alguém por amor, uma concepção que passou por
mudanças ao longo dos anos, pois, em tempos antigos a mulher não teria o direito
de escolher seu parceiro amoroso, uma noção que estava sempre relacionada ao
casamento e procriação. Para Lins (2010) o amor torna sinônimo de felicidade e uma
meta a se alcançar. Com isso, o amor passar a ser interpretado de outra forma do
que a sociedade estava acostumada.
Atualmente, observa-se que a mulher passa a decidir por si com quem
gostaria de se relacionar. Segundo Almeida, Levandowski e Palma (2008) com a
diversidade de espaços e posições determinada as mulheres possibilitou na
liberdade de escolha, até mesmo na esfera amorosa. Juntamente com o avanço da
tecnologia os relacionamentos amorosos passou explorar novas formas de se
comunicação por meio de aplicativos de relacionamentos, o que facilitou na busca
pelo parceiro.
Em consequência da luta feminista, surgi à aprovação das medidas
protetivas, que visa eliminar todas as formas de preconceito e violência domestica
causada contra a mulher, como a Lei Maria da Penha (Lei nº11.340/2006), que
durante um longo processo de luta, entrou em vigor 7 de agosto de 2006, quando
Maria da Penha Maia Fernandes procurou pela justiça, após sofrer violência
domestica pelo seu marido, que atento a matar duas vezes com um tiro que a deixou
paraplégica e depois foi mantida em cárcere privado sendo torturada por
eletrocussão.
Segundo a Constituição Federal a Lei do Feminicídio trata-se de um
crime de ódio e sentimento de posse sobre a condição de ser mulher em que o
homem envolve tortura, discriminação, menosprezo até causar homicídio (BRASIL,
2015).
Entretanto, o caminho percorrido para as conquistas de seus direitos
exigiu muito combate e sacrifício, na qual mulheres ficaram conhecidas por suas
lutas, como Joana D‘Arc, Nísia Floresta, Simone de Beauvoir, Bertha Lutz entre
diversas outras. Mas, com todo avanço a mulher ainda não se liberto da sociedade
machistas nos tempos atuais.
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4. TECNOLOGIA, APLICATIVOS DE RELACIONAMENTOS E MULHERES NOS
DIAS ATUAIS
O uso da tecnologia nos últimos tempos tem crescido drasticamente,
apesar da grande desigualdade de acessibilidade da mesma por todo o mundo. De
acordo com estudos publicados pelo we are social e o de hootsuite em 2018, o
número de pessoas que fazem o uso da internet ao redor do mundo chegou a 4
bilhões, e desse número, os internautas que fazem uso de alguma rede social
chegou a 3.196 bilhões de pessoas. Na mesma pesquisa realizada, o brasil aparece
com uma porcentagem 68% da distribuição da internet pelo mundo e com um dado
de crescimento médio anual de usuários de redes sociais de 7%.
No mesmo site foi feita uma pesquisa para se analisar quanto tempo
uma pessoa gasta por dia na internet o brasil aparece em terceiro lugar, com em
média nove horas e quatorze minutos, ficando atrás somente da Tailândia e da
Filipinas com diferença mínima nos minutos.
Segundo pesquisas publicadas pelo Centro Regional de Estudos para
o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (cetic.br), site que monitora o
acesso e uso de computador, internet e dispositivos moveis, mostra que no ano de
2014, o número de brasileiros que usufruem da internet pelo telefone celular é de em
média 20%, os que a utilizam pelo computador é de 24% e também há pessoas que
fazem seu uso de ambos equipamentos que são em média 56% da população.
O surgimento da tecnologia se dá a partir do surgimento de
computadores, que segundo Leitão e Nicolaci-da-Costa (2000) pode ser dividida em
três períodos, o primeiro é com o surgimento dos computadores no Estados Unidos
para o uso de militares, o segundo é quando surge os microcomputadores para o
uso mais domésticos e já o terceiro é a internet presente na atualidade. Segundo
campos (2004), os surgimentos dos computadores usado pelos militares se dá entre
1940 e 1960, com o principal objetivo de os conectar com seus departamentos de
pesquisas, o que era uma precaução de possíveis ataques.
De acordo com Leitão e Nicolaci- da-Costa (2000), a partir de 1970,
começa a procura de uma forma de adaptação dos computadores, para que eles
possam começar a ser comercializados, porém é só na década de 90 que ultrapassa
a barreira de uso somente de militares e chega ao mercado.
A partir da grande alcance que a fabricação que esses computadores
atingem, surge consigo a internet e com ela surgem também as redes sociais. Com
a ajuda de toda globalização, vários aspectos da vida humana passou a ser
realizada por meio desta, amizades passou ser feita por meio da mesma, o
sentimento de gostar, passou a ser feito a partir da troca de ―likes‖, e um dos
aspectos que houve uma mudança muito drástica foi na área de relacionamento
amorosos.
De acordo com Schelp (2009), ele diz como é fácil administrar a vasta
de amigos, que não são muito próximos, por que todos estão ao alcance de um
PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
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―clique‖. Hoje em dia as amizades são numerosas, devido a facilidade de encontrar
as pessoas nas redes sociais, porem elas não são muito intimas.
Com todo esse avanço, surge programas que permite calcular a o quão
compatível um indivíduo e com o outro, hoje em dia há uma vasta opção de
aplicativos ou de sites de relacionamento que permite o encontro com seu ―par
ideal‖. Há várias opções como C-date, Happn, A outra metade, Divino Amor e Grindr.
No entanto o que mais se destacou e ganhou um grande número de usuários é o
Tinder.
O tinder foi criado nos Estados Unidos em 2012, porem ele chegou no
Brasil somente em 2013. O seu serviço está disponível em mais de 190 países,
sendo o Brasil o terceiro pais com mais número de usuário na plataforma no mundo.
O primeiro pais com mais usuários é o Estados Unidos, seguido do Reino Unido. Ele
pode ser baixado pelos telefones celulares, que permite o uso da App Store ou por
meio do Google Play.
Neste aplicativo o indivíduo permite que se use sua localização via
GPS, o que permite o encontro de pessoas que moram perto da pessoa e que ela
possa se interessar. Durante o cadastro no aplicativo, a pessoa determina a faixa
etária de pessoas com quem deseja se relacionar, o sexo e a distância que a pessoa
se encontra.
Segundo Dela Coleta, (2008), apud Guimaraes, (2002), ele diz que
pelos ―chats‖ há a possibilidade de interação com o mundo, e que é uma forma de
conhecer pessoas e ampliar os relacionamentos pessoais. Os sites de
relacionamento ajuda os internautas no quesito de assuntos sexuais e sentimentais.
Os bate papos, promove uma facilidade maior na hora do contato afetivo,
principalmente para pessoas inseguras ou que tenham dificuldade de socializar.
De acordo com Campos (2009), essa forma de relacionamento virtual
rompe o padrão dos relacionamentos presenciais, que podem ser motivadas por
várias causas, há pessoas que utilizam na intenção de atender necessidade natural,
como conhecer pessoas; outras a utilizam como forma de afastar a solidão ou
preencher alguma carência afetiva.
Segundo Guimaraes (2000), ele diz que essas relações podem ir desde
o aspecto normal até o patológico, dependendo da forma que o indivíduo usa a
mesma, seja um uso de forma narcísica, ou seja, de uma forma perversa ou com a
intenção de evadir da realidade externa ou interna, conforme a subjetividade
inerente de cada ser humano.
As mulheres são as vítimas mais suscetíveis a sofrer com esse lado
negativo do relacionamento virtual. Como citado nos tópicos anteriores, as mulheres
conquistaram vários direitos, no entanto com a cultura ainda muito patriarcal, o
homem ainda acha que tem controle sobre as mulheres. Alguns homens entram
nesses sites ou aplicativas com a intenção de causar alguma forma de violência
contra as mulheres, seja ela física, verbal ou até mesmo psicológica.
REVISÃO DOS IMPACTOS DOS APLICATIVOS DE RELACIONAMENTO SOBRE A
MULHER E SUAS CONSEQUENCIAS – p. 168-176
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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Um caso mais recente que ocorreu, e que foi um dos motivos do
começo desse estudo, foi o de uma mulher de cinquenta e cinco anos, que
conversava a oito meses com um moço mais jovem, de vinte e sete anos, pelo
aplicativo Tinder, eles marcaram de se encontrar pela primeira vez na casa da
vítima, quando eles foram dormir ele a espancou durante um período de quatro
horas. Ela foi encontrada pelo zelador do prédio com o rosto todo desfigurado.
Apesar de todas as ferramentas que o aplicativo oferece, caso a
pessoa com quem você esteja comece a se mostrar uma pessoa inconveniente,
mesmo como o fato de você poder bloqueá-la como também desfazer o ―match‖, há
ainda muitos riscos, pois não temos a garantia de que a pessoa por traz da foto e do
perfil seja realmente ela. E isso, principalmente para as mulheres pode trazer danos
muito grandes, até mesmo perigo para a sua vida, como ameaças, violência física ou
psicológica, chegando até na tentativa de morte.
Elas também podem ter sua intimidade violada, quando o ocorre
algum crime virtual, como, por exemplo, a exposição de fotos intima da vítima, e isso
é algo que vai ter grande impacto sobre a vida tanto pessoal, quanto social da
vítima. No quesito pessoal, isso pode prejudicar na formação de relações intimas, já
no quesito social pode prejudicar por parte de julgamentos que grande parte da
sociedade ainda faz, culpando as vítimas pelo ocorrido.
E como já foi falada uma das explicações para todos esses riscos
enfrentados pelas mulheres seria ainda um quesito cultural onde o homem ainda se
sente no direito de ferir ou fazer algo com a mulher por acreditar que exerce algum
domínio sobre ela e pôr a imagem da mulher ainda ser vista como submissa ao
homem.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo teve como objetivo revisar as consequências do uso dos
aplicativos de relacionamentos na vida das mulheres nos dias atuais e os impactos
na sua vida social. A partir do nosso tema chegamos ao consenso de que as
mulheres conseguiram um grande avanço, levando em consideração séculos
passados como citados no estudo, mas que ainda há grande risco quando a mulher
se expõe frente a relacionamentos.
As dificuldades encontradas durante a pesquisa foi à busca de
referência bibliográfica de acordo com o tema de investigação dos impactos do uso
de aplicativos de relacionamento na vida das mulheres.
Com isso, consideramos necessário que haja mais apoio psicológico
para mulheres que sofrem abuso tanto na internet como na vida real também, além
disso, promover campanhas para conscientizar os riscos e alertar as mulheres sobre
os perigos futuros do uso dos aplicativos de relacionamentos.
PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
Psicologia e Transformação
ISBN: 978-85-5453-016-7
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A partir da realização desse artigo podem-se desenvolver pesquisas
com temas relacionados com a mulher e a cultura machista que ainda é muito
predominante na atualidade e que tem relação direta com os comportamentos de
violência contra a mulher, e a partir de mais artigos com temas parecidos pode ser
que sirvam de impulso para que haja uma mudança sociocultural.
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PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves
Psicologia e Transformação
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ÍNDICE
A
Ana Beatriz Fernandes, 27
Ana Carolina Garcia Braz Trovão, 27,
51, 102, 119
Ana Lúcia Furquim Campos Toscano,
89
B
BOMFIM, Irma Helena Ferreira
Benate, 35
C
Carolline Gabrielle Campos de Souza,
51
CINTRA, Lauany Barbosa, 35, 69, 78,
126, 159, 168
D
Dênis Morgão Sertório, 27
G
Giulia Scarela Mourani, 107
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves, 35, 69,
78, 126, 135, 159, 168
I
Ianka Procopio Cabral, 107
J
Julia dos Reis Moraes, 102, 119
K
Karla Cristina Cintra, 150
L
Lara Junqueira Gomes, 107
Lara Sawan Cunha, 102, 119
Lindsay Amanda Rodrigues, 89
Lucas Rodrigues, 89
M
Marcelo Toffano, 8
Maria Eduarda Lemos de Oliveira, 102
Maria Julia Goulart, 107
Maria Paula Piassi Brasileiro, 102
Mariana de Lima Santos, 51
Murillo E. Ravagnani Siqueira Martins,
8
N
Natália Jácomo Auad, 51
R
Rafaella Ribeiro de Figueiredo, 27
RAMOS, Ana Carolina De Souza, 35
Raquel Rangel Cesario, 150
S
Sara Barros Patrocínio, 119
Sofia Muniz Alves Gracioli, 58, 107,
135
Sofia Rodrigues de França Roland, 58
T
Talita Gabriela Santros Nascimento,
89
V
Vinicius Batista Silva, 119
Y
Yanca Araujo Polastrini, 58
Lara Coviello Mendes de Campos, 150
Coleção: Ciência e Desenvolvimento – Volume 8
Psicologia e Transformação
ISBN VOLUME
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ISBN COLEÇÃO
PROCOPIO, Clara Cunha; CINTRA, Isabela Duzzi; SILVA, Stefânia Gonçalves Stefani;
GRACIOLI, Sofia Muniz Alves