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Ensaios críticos sobre a auriculoterapia (Atena Editora)

2022, Ensaios críticos sobre a auriculoterapia (Atena Editora)

https://doi.org/10.22533/at.ed.998220505

Auriculoterapia é uma das melhores abordagens que eu já conheci e, em inúmeras ocasiões, representou o método de intervenção ideal no contexto em que eu estava (com pouca ou nenhuma estrutura física adequada de atendimento, ou nos domicílios dos pacientes, ou na estrada, diante de alguém que precisava da minha ajuda). Tive a oportunidade de fazer alguns cursos desse método e conviver com outros colegas e tudo isso foi muito satisfatório. Entretanto, nas conversas com colegas e alunos, eu percebia e ainda percebo, que existem alguns mitos e ideias conflituosas acerca dessa abordagem. Algumas dessas questões já foram devidamente respondidas pela literatura, enquanto outras ainda serão. De toda forma, senti a necessidade de trazer à tona, no formato de ensaios, uma discussão sobre esses temas que despertam tanta confusão entre os colegas, tomando como ponto de partida a literatura científica. Nesta pequena obra, decidi me debruçar sobre três temas específicos: (1) o uso da auriculoterapia durante a gestação; (2) o conjunto de pontos conhecido, como “Triângulo Cibernético”; e (3) o uso de protocolos na auriculoterapia. Por fim, esse livro é um apanhado da literatura científica sobre os assuntos citados, apresentados de uma maneira mais fluida e menos técnica, contudo mantendo o rigor das fontes. Acrescento ainda que não é um “manual definitivo” ou a “última opinião” sobre o assunto. Eu compreendo que a evidência científica está em constante movimento e novas informações surgem o tempo todo e as constatações que hoje podem ser superadas por novas informações amanhã. Portanto, o meu desejo é estar mais próximo da verdade sobre os fenômenos relacionados à auriculoterapia, independentemente de ela estar ou não de acordo com as minhas perspectivas anteriores. Desejo a todos que a leitura possa ser edificante e estou aberto a diálogos sobre o tema e sobre novas evidências (mesmo aquelas que contradigam as constatações deste volume). Grato!

Editora chefe Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira Editora executiva Natalia Oliveira Assistente editorial Flávia Roberta Barão Bibliotecária Janaina Ramos Projeto gráfico Bruno Oliveira Camila Alves de Cremo Daphynny Pamplona Luiza Alves Batista Natália Sandrini de Azevedo Imagens da capa iStock Edição de arte Luiza Alves Batista 2022 by Atena Editora Copyright © Atena Editora Copyright do texto © 2022 Os autores Copyright da edição © 2022 Atena Editora Direitos para esta edição cedidos à Atena Editora pelos autores. Open access publication by Atena Editora Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de Atribuição Creative Commons. Atribuição-Não-Comercial-NãoDerivativos 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0). O conteúdo do texto e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva do autor, inclusive não representam necessariamente a posição oficial da Atena Editora. 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Conselho Editorial Ciências Biológicas e da Saúde Profª Drª Aline Silva da Fonte Santa Rosa de Oliveira – Hospital Federal de Bonsucesso Profª Drª Ana Beatriz Duarte Vieira – Universidade de Brasília Profª Drª Ana Paula Peron – Universidade Tecnológica Federal do Paraná Prof. Dr. André Ribeiro da Silva – Universidade de Brasília Profª Drª Anelise Levay Murari – Universidade Federal de Pelotas Prof. Dr. Benedito Rodrigues da Silva Neto – Universidade Federal de Goiás Prof. Dr. Cirênio de Almeida Barbosa – Universidade Federal de Ouro Preto Profª Drª Daniela Reis Joaquim de Freitas – Universidade Federal do Piauí Profª Drª Débora Luana Ribeiro Pessoa – Universidade Federal do Maranhão Prof. Dr. Douglas Siqueira de Almeida Chaves – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Prof. Dr. Edson da Silva – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Profª Drª Elizabeth Cordeiro Fernandes – Faculdade Integrada Medicina Profª Drª Eleuza Rodrigues Machado – Faculdade Anhanguera de Brasília Profª Drª Elane Schwinden Prudêncio – Universidade Federal de Santa Catarina Profª Drª Eysler Gonçalves Maia Brasil – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Prof. Dr. Ferlando Lima Santos – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Profª Drª Fernanda Miguel de Andrade – Universidade Federal de Pernambuco Prof. Dr. Fernando Mendes – Instituto Politécnico de Coimbra – Escola Superior de Saúde de Coimbra Profª Drª Gabriela Vieira do Amaral – Universidade de Vassouras Prof. Dr. Gianfábio Pimentel Franco – Universidade Federal de Santa Maria Prof. Dr. Helio Franklin Rodrigues de Almeida – Universidade Federal de Rondônia Profª Drª Iara Lúcia Tescarollo – Universidade São Francisco Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos – Universidade Federal de Campina Grande Prof. Dr. Jefferson Thiago Souza – Universidade Estadual do Ceará Prof. Dr. Jesus Rodrigues Lemos – Universidade Federal do Piauí Prof. Dr. Jônatas de França Barros – Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. José Aderval Aragão – Universidade Federal de Sergipe Prof. Dr. José Max Barbosa de Oliveira Junior – Universidade Federal do Oeste do Pará Profª Drª Juliana Santana de Curcio – Universidade Federal de Goiás Profª Drª Lívia do Carmo Silva – Universidade Federal de Goiás Prof. Dr. Luís Paulo Souza e Souza – Universidade Federal do Amazonas Profª Drª Magnólia de Araújo Campos – Universidade Federal de Campina Grande Prof. Dr. Marcus Fernando da Silva Praxedes – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Profª Drª Maria Tatiane Gonçalves Sá – Universidade do Estado do Pará Prof. Dr. Maurilio Antonio Varavallo – Universidade Federal do Tocantins Profª Drª Mylena Andréa Oliveira Torres – Universidade Ceuma Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federacl do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Paulo Inada – Universidade Estadual de Maringá Prof. Dr. Rafael Henrique Silva – Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados Profª Drª Regiane Luz Carvalho – Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino Profª Drª Renata Mendes de Freitas – Universidade Federal de Juiz de Fora Profª Drª Sheyla Mara Silva de Oliveira – Universidade do Estado do Pará Profª Drª Suely Lopes de Azevedo – Universidade Federal Fluminense Profª Drª Vanessa da Fontoura Custódio Monteiro – Universidade do Vale do Sapucaí Profª Drª Vanessa Lima Gonçalves – Universidade Estadual de Ponta Grossa Profª Drª Vanessa Bordin Viera – Universidade Federal de Campina Grande Profª Drª Welma Emidio da Silva – Universidade Federal Rural de Pernambuco Ensaios críticos sobre a auriculoterapia Diagramação: Correção: Indexação: Revisão: Autor: Camila Alves de Cremo Maiara Ferreira Amanda Kelly da Costa Veiga O autor Tiago Veloso Neves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) N518 Neves, Tiago Veloso Ensaios críticos sobre a auriculoterapia / Tiago Veloso Neves. – Ponta Grossa - PR: Atena, 2022. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-65-258-0099-8 DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.998220505 1. Orelhas - Acupuntura. 2. Auriculoterapia. 3. Saúde. I. Neves, Tiago Veloso. II. Título. CDD 615.892 Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 Atena Editora Ponta Grossa – Paraná – Brasil Telefone: +55 (42) 3323-5493 www.atenaeditora.com.br [email protected] DECLARAÇÃO DO AUTOR O autor desta obra: 1. Atesta não possuir qualquer interesse comercial que constitua um conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; 2. Declara que participou ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: a) Concepção do estudo, e/ou aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; b) Elaboração do artigo ou revisão com vistas a tornar o material intelectualmente relevante; c) Aprovação final do manuscrito para submissão.; 3. Certifica que o texto publicado está completamente isento de dados e/ou resultados fraudulentos; 4. Confirma a citação e a referência correta de todos os dados e de interpretações de dados de outras pesquisas; 5. Reconhece ter informado todas as fontes de financiamento recebidas para a consecução da pesquisa; 6. Autoriza a edição da obra, que incluem os registros de ficha catalográfica, ISBN, DOI e demais indexadores, projeto visual e criação de capa, diagramação de miolo, assim como lançamento e divulgação da mesma conforme critérios da Atena Editora. DECLARAÇÃO DA EDITORA A Atena Editora declara, para os devidos fins de direito, que: 1. A presente publicação constitui apenas transferência temporária dos direitos autorais, direito sobre a publicação, inclusive não constitui responsabilidade solidária na criação dos manuscritos publicados, nos termos previstos na Lei sobre direitos autorais (Lei 9610/98), no art. 184 do Código Penal e no art. 927 do Código Civil; 2. 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DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS Eu dedico esse livro aos meus alunos do passado, do presente e do futuro e a todos os colegas da área da Saúde entusiastas ou curiosos da Auriculoterapia. Escrevi esses ensaios pensando neles e desejo, com eles, oferecer uma leitura que os permita, com calma, refletir profundamente sobre alguns temas da Auriculoterapia, visto que podem ser confusos ou “dogmáticos” em alguns círculos. Acredito que todos esses temas são mais simples do que parecem e tentei trazê-los para vocês tão claramente quanto eu acredito enxergá-los, apresentando as fontes necessárias para que possam consultar e tirar suas próprias conclusões. Dedico-o ainda aos meus colegas da área da saúde, para que possam conhecer um pouco da auriculoterapia e não se deixar confundir por alguns discursos que são, no máximo, opiniões eloquentes e não fatos científicos. Embora eu aprenda e cresça diariamente em contato com meus alunos, gostaria de agradecer individualmente à Eudimara Guimarães, Melissa Giansante Rego Brito e à Renata Alves Pereira Arruda que contribuíram diretamente revisando e compartilhando suas opiniões acerca dos ensaios deste livro. Que Deus abençoe a todos vocês! APRESENTAÇÃO Auriculoterapia é uma das melhores abordagens que eu já conheci e, em inúmeras ocasiões, representou o método de intervenção ideal no contexto em que eu estava (com pouca ou nenhuma estrutura física adequada de atendimento, ou nos domicílios dos pacientes, ou na estrada, diante de alguém que precisava da minha ajuda). Tive a oportunidade de fazer alguns cursos desse método e conviver com outros colegas e tudo isso foi muito satisfatório. Entretanto, nas conversas com colegas e alunos, eu percebia e ainda percebo, que existem alguns mitos e ideias conflituosas acerca dessa abordagem. Algumas dessas questões já foram devidamente respondidas pela literatura, enquanto outras ainda serão. De toda forma, senti a necessidade de trazer à tona, no formato de ensaios, uma discussão sobre esses temas que despertam tanta confusão entre os colegas, tomando como ponto de partida a literatura científica. Nesta pequena obra, decidi me debruçar sobre três temas específicos: (1) o uso da auriculoterapia durante a gestação; (2) o conjunto de pontos conhecido, como “Triângulo Cibernético”; e (3) o uso de protocolos na auriculoterapia. Por fim, esse livro é um apanhado da literatura científica sobre os assuntos citados, apresentados de uma maneira mais fluida e menos técnica, contudo mantendo o rigor das fontes. Acrescento ainda que não é um “manual definitivo” ou a “última opinião” sobre o assunto. Eu compreendo que a evidência científica está em constante movimento e novas informações surgem o tempo todo e as constatações que hoje podem ser superadas por novas informações amanhã. Portanto, o meu desejo é estar mais próximo da verdade sobre os fenômenos relacionados à auriculoterapia, independentemente de ela estar ou não de acordo com as minhas perspectivas anteriores. Desejo a todos que a leitura possa ser edificante e estou aberto a diálogos sobre o tema e sobre novas evidências (mesmo aquelas que contradigam as constatações deste volume). Grato! Tiago Veloso Neves SUMÁRIO AURICULOTERAPIA NA GESTAÇÃO ....................................................................... 1 A motivação deste pequeno ensaio .................................................................................... 1 Há documentos que contraindicam a Auriculoterapia em gestantes?................................ 3 A literatura científica............................................................................................................. 4 Dor lombar ........................................................................................................................... 5 Facilitação do trabalho de parto e redução da dor do parto ............................................... 5 Náuseas e vômitos .............................................................................................................. 6 Pós-parto ............................................................................................................................. 7 Considerações finais ........................................................................................................... 7 Referências .......................................................................................................................... 8 O TRIÂNGULO CIBERNÉTICO................................................................................. 10 Referências ....................................................................................................................... 13 PROTOCOLOS EM AURICULOTERAPIA: UMA POLÊMICA? .............................. 15 Cada organismo é único?.................................................................................................. 15 Vários tratamentos protocolizados são altamente eficazes.............................................. 16 Quando o tratamento precisa ser individualizado? ........................................................... 19 Auriculoterapia, protocolos e eficácia................................................................................ 19 Considerações finais ......................................................................................................... 22 Referências ........................................................................................................................ 23 SOBRE O AUTOR ......................................................................................................25 SUMÁRIO AURICULOTERAPIA NA GESTAÇÃO A motivação deste pequeno ensaio Recordo-me de quando comecei a fazer cursos de Auriculoterapia, meu primeiro curso foi em um evento acadêmico, ainda na graduação. O instrutor do curso era, como tantos outros, acupunturista. Dentre as várias informações que ele forneceu durante o curso, ele nos alertou que não recomendava a aplicação da Auriculoterapia em gestantes. Ele deixou claro que havia outros profissionais que falavam sobre como o método poderia ser aplicado, desde que fossem evitados certos pontos, porém encerrou seu posicionamento dizendo: “Mas eu não punturo grávidas!”(ou seja, não aplico em grávidas). Aquele posicionamento me chamou a atenção, pois recordo de tê-lo repetido algumas vezes, quando alguma gestante me perguntava se eu poderia trata-la. Posteriormente, descobri que, também no universo da acupuntura, muitos profissionais se posicionavam da mesma forma que meu professor o fizera. Depois de formado, resolvi fazer um novo curso de Auriculoterapia para me aprofundar no assunto e rever alguns dos conceitos, bem como praticar melhor aquela abordagem. A professora do curso, que era acupunturista como o meu antigo professor, também dizia que não era recomendável tratar gestantes com Auriculoterapia, porque ela “poderia abortar”. Mais uma vez, essa informação ficou fixada na minha cabeça. Entretanto, depois desse curso eu não pratiquei a Auriculoterapia como queria, pois, no contexto em que vivia e trabalhava, eu priorizava outras abordagens. Foi assim por um tempo, mas isso mudaria radicalmente. Em 2015, tomei posse como fisioterapeuta da Rede Municipal de Saúde de Palmas, capital do Tocantins, da qual sou ainda servidor público. Em 2016, fui lotado em uma equipe que, na época, era conhecida como Núcleo de Apoio à Saúde da Família, ou NASF, atualmente renomeada pelo Ministério da Saúde, como “Equipe Multiprofissional”. Enquanto fisioterapeuta da Atenção Primária, existia uma demanda muito grande de pacientes com sintomas musculoesqueléticos e a estrutura das Unidades Básicas de Saúde do município era excelente se comparada a outros municípios (inclusive outras capitais), mas não era adequada para o atendimento fisioterapêutico em termos de espaço e organização. Nesse contexto e com a demanda que tinha, eu precisava achar uma forma não convencional de aliviar os sintomas dos meus pacientes. Tentei resolver isso apenas com exercícios, mas havia pacientes que estavam tão afetados pela dor que não conseguiam fazer até mesmo os exercícios mais simples. Nesse momento, eu decidi que precisava resgatar à Auriculoterapia. Reli as minhas apostilas dos cursos e pratiquei com amigos e colegas. Porém, senti que isso não era suficiente e decidi parar de ler as minhas apostilas e comecei a pesquisar sobre o método e ler livros e artigos científicos. Isso mudou minha perspectiva sobre Auriculoterapia na gestação 1 várias questões e alterou ainda mais intensamente a minha prática e os resultados com Auriculoterapia, pois havia restrições que eram citadas pelos meus professores, mas que não constavam nos livros, além de outros esclarecimentos. Eu estava beneficiando meus pacientes de maneira rápida e significativa. Sabendo que vinha aplicando esse tratamento na unidade, uma colega perguntou certa vez se aquilo que eu fazia não poderia ajudála. Ela estava grávida e tendo enjoos horríveis, vomitando muito durante a madrugada. Pela primeira vez, eu não respondi que não punturava gestantes, mas parei, pensei e disse que iria verificar o que poderia fazer. Então voltei à literatura e percebi que não só essa contraindicação não constava em vários livros de boa qualidade, como havia diversos estudos científicos realizados com esse público sem nenhuma intercorrência que prejudicasse o bebê ou a gestante. Tratei a minha colega com Auriculoterapia, ela melhorou muito e percebi que aquele momento foi de libertação para mim. Havia acabado de me libertar de algo que limitava minha prática e me impedia de ajudar ainda mais pessoas. Desde então venho me esforçando para difundir essa informação e reverter esse preconceito. Publiquei um capítulo de livro sobre o assunto (NEVES, 2020) e publiquei também um artigo de Debate na revista Cadernos de Naturologia e Terapias Complementares (NEVES, 2018), a única revista científica brasileira indexada sobre Práticas Integrativas, entretanto, não recebi nenhuma réplica até o momento. Já levantei antipatia de alguns colegas que diziam: “Tiago, em grávida a gente só estimula o Shen Men (um dos pontos de Auriculoterapia mais citados)”, ou então que eu deveria guardar aquela contraindicação como um gesto de “empatia e cuidado com o próximo”. Todavia, nem esses colegas, nem as apostilas que continham essa contraindicação, nem os professores de pós-graduação na área de Medicina Tradicional Chinesa conseguiam me responder quando eu perguntava qual era a evidência que sustentava essa tese. Isso me fazia pensar em quantas mulheres estavam sendo privadas dos inúmeros benefícios da Auriculoterapia por causa de uma ideia que não tinha respaldo científico. Por tudo isso, pensando em oferecer informação técnica e cientificamente fundamentada, em língua portuguesa e sem as restrições estruturais do modelo de Revisão Integrativa da Literatura, decidi escrever esse ensaio para abordar esse assunto de uma maneira mais sintética e mais fluida do que os meus trabalhos anteriores sobre a temática. Boa leitura! Auriculoterapia na gestação 2 Há documentos que contraindicam a Auriculoterapia em gestantes? A Auriculoterapia é um método terapêutico que visa tratar o corpo todo por meio da estimulação do pavilhão auricular, considerando o pavilhão auricular como um microssistema, ou seja, uma parte do corpo na qual se pode estimular todas as outras. Particularmente, penso que, todas as formas de estimulação da orelha utilizando esse princípio, independentemente do material utilizado, podem ser chamadas de Auriculoterapia. Há receio de alguns profissionais e alguns autores sobre o uso da Auriculoterapia em gestantes. Ela seria segura? Seria capaz de provocar intercorrências na gestação, aborto espontâneo e/ou parto prematuro? Naturalmente que, quando um método é novo ou ainda não foi testado em gestantes, é natural que seja contraindicado até que haja evidências acerca de sua segurança e risco-benefício. Afinal, a gestação é um estado e um momento muito especial que deve receber todos os cuidados necessários. Entretanto, como o princípio da cautela evoluiu para o discurso consolidado que vários profissionais da área reproduzem? Em aulas de pós-graduação, ao questionar professores sobre esse assunto, alguns deles diziam que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS), que reconhece a Auriculoterapia como abordagem terapêutica cientificamente comprovada, recomendava não realizar Auriculoterapia em gestantes e que ele mesmo não entraria em contradição com tal entidade. Em busca por menções a essa ressalva, não encontrei nenhum documento expedido pela OMS que trouxesse essa contraindicação para Auriculoterapia, embora, em um documento mais antigo, constavam contraindicações para a acupuntura em alguns pontos em gestantes (WHO, 2002), o que também vem sendo questionado (SILVA; NAKAMURA; SILVA, 2011). De toda forma, Auriculoterapia e Acupuntura não são sinônimos. Se não há contraindicação documentalmente formal, mesmo que antiga, por parte da OMS, todavia, há livros publicados em português que contraindicam essa abordagem em gestantes, além de apostilas de cursos (GARCIA, 1999; SANTOS, 2010; ENOMÓTO, 2019). Percebe-se que alguns desses materiais trazem isso baseando-se no princípio da cautela (“não se sabe o que pode acontecer”) e outros porque acreditam, baseados na teoria da Medicina Tradicional Chinesa, que a estimulação de pontos como rim, coração, baço, fígado e outros pontos dos Zang Fu poderiam prejudicar a gestação, por exemplo, desviando a energia que esses órgãos estavam desprendendo no processo gestacional para outras funções ou outros processos do organismo. Entretanto, outros livros não traziam essa contraindicação (NEVES, 2009; SOUZA, 2013) e, mais ainda, há até mesmo protocolos voltados para gestantes que, inclusive, usam alguns dentre os pontos “proibidos na gestação”. Nesse contexto, surge a controvérsia. Mas será que a segurança da prática da Auriculoterapia em mulheres grávidas depende da percepção/empiria desses autores, ou será que há evidências científicas para melhor nos pautarmos? Auriculoterapia na gestação 3 A literatura científica Primeiramente, é preciso mencionar que apesar de o discurso de contraindicação da Auriculoterapia (ou de alguns pontos) durante a gestação, já há estudos publicados sobre esse assunto desde o ano de 2008, como se pode observar no gráfico abaixo extraído do PubMed considerado um dos maiores e melhores portais internacionais de periódicos do mundo. Podemos observar, ainda, que estavam disponíveis, na ocasião do acesso, cerca de dez artigos sobre esse assunto, nessa base de dados. Portanto, esse assunto não é novo no universo da pesquisa científica, embora ainda haja muito a ser explorado. Figura 1: Resultado de pesquisa no portal PubMed, utilizando os termos “auriculotherapy AND pregnant women” Fonte: PubMed. Acesso em: 17 jan. 2022. Antes de falar sobre os benefícios da Auriculoterapia para esse público, é necessário dizer que foram realizadas, desde 2016, buscas nesse e em outros portais de periódicos utilizando os diversos termos empregados para o referido tratamento para verificar se fora publicado algum estudo que tenha constatado a ocorrência de casos de aborto ou parto prematuro causados pela estimulação do pavilhão auricular. Sabe quantos estudos apareceram? Isso mesmo, nenhum. Não há, até o presente momento, nenhum estudo publicado em portais de periódicos internacionais (como PubMed, SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde, Lilacs, Biblioteca Cochrane) que tenha sugerido, por qualquer motivo, que a Auriculoterapia possa ter causado esse tipo de evento. Digo mais: não há, até o momento, nenhum estudo no qual sequer foi citado qualquer caso de aborto espontâneo, seja no grupo experimental ou no de controle. É necessário mencionar que nem todos os estudos tiveram como desfecho a observação de reações adversas. Contudo, dentro do período de Auriculoterapia na gestação 4 estudo, esse seria um fator importantíssimo de perda amostral que dificilmente não seria notado. Além disso, os estudos dessa natureza publicados até o momento somam 1373 gestantes. É controverso pensar que a Auriculoterapia poderia gerar um risco tão grande assim de aborto e que esse desfecho não surgiria entre tantos casos. O que, de fato, foi observado nos estudos científicos? Além de reações adversas muito leves, como parestesia em área referida (membro superior, observada em apenas um caso) e dolorimento no pavilhão auricular, o que foi constatado é que as gestantes tiveram diversos benefícios. Vamos verificar o que foi observado de acordo com os sintomas que se objetivou tratar. Para facilitar a compreensão das repercussões clínicas da Auriculoterapia foram apresentados os Tamanhos de Efeito para os desfechos comentados:1 Dor lombar Auriculoterapia reduziu a dor lombar ou dor pélvica posterior em gestantes. Isso foi observado em estudos mais antigos e mais recentes (WANG et al., 2009; VAS et al, 2019). Foram tratadas 113 gestantes comparadas com outras 266 gestantes que fizeram apenas os cuidados usuais ou fizeram tratamentos placebo. Isso não é uma surpresa, visto que a auriculoterapia demonstrou sua eficácia contra a dor em diversos estudos (ASHER, 2010; HENDAWY; ABUELNAGA, 2020; MARYAM et al., 2020), destacando-se como um tratamento analgésico seguro e sem os malefícios dos medicamentos para dor. Esse fato torna-se uma vantagem ainda maior no contexto da gestação, quando existe restrição para o uso de diversos medicamentos. Facilitação do trabalho de parto e redução da dor do parto Alguns autores também se preocuparam em verificar se a Auriculoterapia influenciava no trabalho de parto. Abedi (2017) fez um estudo com 80 mulheres em trabalho de parto, comparando gestantes que fizeram uso da Auriculoterapia durante o trabalho de parto, com gestantes que fizeram apenas os cuidados usuais, ele constatou que a duração do 1 Tamanho de Efeito (TDE) é uma medida estatística que visa informar qual é a intensidade do efeito de um tratamento ou da relação entre duas características de um grupo. Ela tem mais utilidade do que o famigerado valor de p, pois este apenas me diz, no caso de tratamentos, se um grupo teve resultados diferentes do outro e se isso provavelmente se repetiria na maioria das vezes. O TDE, por outro lado, nos dá uma noção de o quanto um tratamento foi melhor do que o placebo ou do que os cuidados convencionais para uma doença ou sintoma. Há inúmeras medidas de Tamanho de Efeito, sendo a mais conhecida o d de Cohen. Convenciona-se que valores de d menores que 0,5 representam efeito pequeno (ou fraco), entre 0,5 e 0,79 efeito médio (ou moderado) e acima de 0,8 o efeito é considerado grande ou forte. Os artigos citados abaixo, em sua maioria, não informaram o TDE. Os valores de d citados ao longo deste ensaio foram calculados com os dados disponíveis nos artigos utilizando o software G*Power (FAUL et al., 2007). É importante mencionar que todos os estudos que apresentaram valores de d > 0,5 também tiveram valor de p <0,05. Outro TDE, chamado Razão de Risco ou Risk-Ratio (RR) foi aplicado na sua forma original e também convertido em porcentagem para facilitar sua interpretação. Para compreender mais sobre TDE, sugiro ler Cohen (1988) e Espírito Santo e Daniel (2017). Auriculoterapia na gestação 5 trabalho de parto daquelas que faziam Auriculoterapia era muito menor do que as que não faziam (uma diferença média de pouco mais de duas horas entre elas). Para este aspecto, encontramos um Tamanho de Efeito bastante acentuado (d =1,75). Também houve uma diferença clinicamente importante na necessidade do uso de oxitocina (d =1,06) e na média de dor (d =1,13). O estímulo da Auriculoterapia tornou o trabalho de parto mais rápido, menos dependente da oxitocina e menos doloroso. Além disso, as gestantes do Grupo Auriculoterapia tiveram em torno de 58% menos risco de precisar de episiotomia do que as do Grupo Controle (RR=0,41). Náuseas e vômitos Esse é um assunto controverso. Auriculoterapia vem se mostrando eficaz na redução de náuseas e vômitos, especialmente aqueles decorrentes de quimioterapia e do período pós-operatório de cirurgias diversas (FRÓES et al., 2020). Entretanto, há apenas dois estudos que investigaram o efeito dessa abordagem em gestantes com náusea. O estudo de Puangsricharern e Mahasukhon (2008) não encontrou diferença estatística significativa entre os dois grupos (Auriculoterapia e controle), apesar de o grupo Auriculoterapia ter tido menores escores do Índice de Rhodes, instrumento utilizado para avaliar náuseas e vômitos. Os dados também revelam que Tamanho do Efeito, no último dia de tratamento, foi próximo ao moderado, apenas (d =0,28). O consumo de medicamentos antieméticos também não apresentou diferença estatisticamente significativa e o tamanho de efeito foi considerado pequeno (d =0,4), apesar de seu consumo também ter sido menor nas participantes do grupo Auriculoterapia. Um estudo mais recente e com maior número de participantes (NEGARANDEH et al., 2020) encontrou diferença estatisticamente significativa entre o grupo Auriculoterapia e controle nos sintomas de náusea em gestantes, entretanto os quadros de ânsia e de vômito (episódios de vômito) não apresentaram diferença estatística significativa. Os tamanhos de efeito também foram pequenos no último dia do estudo: 0,19 para náusea, 0,25 para vômitos e 0,32 para ânsias de vômito. O Tamanho de Efeito para o Índice de Rhodes total foi também pequeno (0,26). E aí? Vale ou não a pena utilizar Auriculoterapia para controlar sintomas de náusea e vômito em gestantes? As opções de medicamentos para controlar a náusea em gestantes são limitadas, devido às restrições de segurança típicas dessa fase. Recordo-me da minha esposa sofrendo terrivelmente com isso nos primeiros 3-4 meses de gestação, quase 24 horas por dia. Recordo-me, também, sobre como ela ficava aliviada em passar um pouco de tempo que fosse sem vomitar ou se sentindo menos enjoada. Levando em conta o prejuízo que esse quadro traz para a qualidade de vida das mulheres, especialmente nos primeiros meses da gestação, penso que qualquer benefício obtido, especialmente com um tratamento natural, vale a pena. Todavia, o profissional que objetiva tratar essa Auriculoterapia na gestação 6 condição em suas pacientes, deve ser honesto com elas e consigo mesmo: é óbvio que a Auriculoterapia ajudará algumas gestantes a sentirem-se melhor, porém essa opção não deve ser apresentada como um tratamento altamente eficaz nesse quesito e o profissional precisa compreender que, se ele tratar várias gestantes, por meio da Auriculoterapia, obterá resultados com uma variação muito maior do que obteria, por exemplo, para tratar dor (nisso a Auriculoterapia é altamente eficaz). Particularmente, eu tratei algumas gestantes e tive resultados excelentes em algumas e nulos em outras, o que reflete as informações disponíveis na literatura até o momento. Talvez no futuro outros estudos revelem uma forma mais eficaz de tratar náuseas e vômitos em gestante usando Auriculoterapia, mas até onde se sabe, sua eficácia é pequena nesse propósito. Entretanto, outra coisa importante pôde ser observada, nesses dois estudos, que envolveram ao todo 219 pacientes, a maioria com menos de 14 semanas: nenhum efeito adverso grave foi constatado, apresentando apenas efeitos como dolorimento na orelha, tendo apenas uma paciente que sentiu parestesia em um membro superior durante as aplicações. Disestesias em locais distantes do local de aplicação da Auriculoterapia são esporadicamente relatados pelos pacientes. Pós-parto Um ensaio clínico randomizado e controlado que envolveu 90 mulheres que passaram por parto cesariano dividiu as participantes em um grupo que fez Auriculoterapia e outro grupo que recebeu uma aplicação placebo. O que foi constatado é que o grupo que fez Auriculoterapia teve uma média de dor significativamente inferior à do grupo placebo (d=0,98). Além disso, reduziu em 45% o risco de desenvolver dores no ombro após a cirurgia. As participantes receberam a aplicação de Auriculoterapia duas horas antes da cirurgia, e foram orientadas a estimular as sementes sempre que sentissem dor (MARYAM et al., 2020). Considerações finais Embora exista necessidade de mais estudos de boa qualidade sobre o assunto, a literatura disponível sugere que há evidência científica suficiente para compreender que a Auriculoterapia pode ser aplicada com segurança em gestantes. Ainda não está claro se existe algum risco em estimular, por exemplo, o ponto “útero” antes de a gestante estar a termo, mas os pontos dos Zang Fu, altamente contraindicados por alguns autores e professores da área, foram aplicados sem gerar nenhuma reação adversa contra a gestação das participantes nos diversos estudos. Sobre o uso de pontos como “útero”, “ovários” e outros órgãos do tipo antes do final da gestação, seria preferível aguardar a Auriculoterapia na gestação 7 publicação de estudos contemplando a segurança do uso desses pontos. Gestações de alto risco devem ser avaliadas individualmente para optar ou não pela Auriculoterapia. De fato, a Auriculoterapia pode ajudar gestantes a sentirem menos dores, a parirem melhor e mais rápido, bem como pode ajudar (embora com menor eficácia) no controle das temíveis náuseas dos primeiros meses de gravidez. Portanto, é um tratamento de múltiplos benefícios para este grupo, e as ressalvas do seu uso deveriam ser repensadas pelos profissionais e professores da área de acordo com a evidência científica disponível. REFERÊNCIAS ABEDI, P. et al. The Effect of Auriculotherapy on Labor Pain, Length of Active Phase and Episiotomy Rate Among Reproductive Aged Women. Journal of family & reproductive health, v. 11, n. 4, p. 185, 2017. ASHER, G. N. Auriculotherapy for pain management: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of Alternative and Complementary Medicine. v. 16, n. 10, p. 1097-1108, 2010. CHEROBIN, F.; OLIVEIRA, A. R.; BRISOLA, A. M. 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Há ainda uma ideia comum entre os professores e profissionais de Auriculoterapia de que se o profissional inicia a aplicação do paciente aplicando esses três pontos, ele já acertou 50% do tratamento proposto. O Triângulo Cibernético é, assim, composto pelos pontos Shen Men (ou Shenmen), Rim e Simpático, ou Sistema Neurovegetativo (SNV), aplicados respectivamente nessa ordem. A disposição geométrica dos pontos forma de fato, um triângulo. É importante mencionar que essa combinação não é um protocolo de tratamento para nenhuma condição em particular, é uma combinação que, em tese, deveria fazer parte de quase todo tratamento em Auriculoterapia. E quando digo quase todo é porque o próprio Souza (2013), em seu Tratado de Auriculoterapia, descreve alguns protocolos que não contêm esses três pontos. Entretanto, há vários profissionais da área que sugerem sempre utilizar o Triângulo, independentemente da queixa ou do paciente, pois sempre haverá benefícios. Os benefícios do Triângulo Cibernético foram observados empiricamente (SOUZA, 2013), mas será que essa combinação tem boa fundamentação científica? Um dos passos mais importantes para compreender como essa estratégia age no organismo foi dado por uma pesquisadora brasileira chamada Lirane Carneiro Suliano. Em seu estudo (SULIANO et al, 2020) ela utilizou um exame chamado “neurometria” que verifica padrões de atividade do Sistema Nervoso Central e alguns parâmetros fisiológicos e sintomas, como ansiedade, ritmo e função respiratória cardiofuncional, atividade do Sistema Nervoso Autônomo e resposta hemodinâmica. Três voluntários foram avaliados no momento zero, 15 minutos, 24 horas e 48 horas após o estímulo dos pontos do Triângulo Cibernético com agulhas semipermanentes. O padrão de ativação cerebral visto nos gráficos gerados pela neurometria sugere que houve uma resposta ampla do SNC para o estímulo dado, e os demais parâmetros apresentaram melhora substancial, diminuindo o estado de ansiedade e atingindo um estado de atividade regular do sistema nervoso autônomo. Embora esse estudo nos tenha permitido conhecer melhor algumas das respostas do SNC para o estímulo dos pontos do Triângulo Cibernético, o número de participantes foi pequeno e ausência de um grupo controle dificulta isolar o efeito dos pontos utilizados. Em outra análise (LOPES; SULIANO, 2016) foi comparado o estímulo dos pontos do Triângulo Cibernético com os pontos Nariz, Cárdia e Olho. Foi possível perceber que os pontos do Triângulo Cibernético geraram um padrão de ativação mais amplo do que os outros pontos. O Triângulo Cibernético 10 De toda forma, a literatura carece de ensaios clínicos randomizados e controlados que avaliem os efeitos dessa combinação de pontos comparada a um grupo placebo para verificar seus efeitos em parâmetros clínicos relevantes como dor, ansiedade, stress, qualidade de vida, pressão arterial e assim por diante. Alguns relataram ter tratado idosas apenas com essa combinação e observaram benefícios no controle da dor, ansiedade e consumo de medicamentos. Entretanto, apenas 4 idosas participaram desse estudo, e os autores não se propuseram a comparar os resultados com um grupo controle (SOUZA; SALVI, 2017). Também é possível perceber que essa combinação se tornou popular e foi utilizada em diversos estudos, predominantemente por pesquisadores brasileiros (WEILER; BORBA; FERREIRA, 2012; ZANELATTO, 2013; BONIZOL et al., 2016; ALMEIDA; SALVI, 2017; CASTILHO et al., 2019; MOURA et al., 2019a; MOURA et al., 2019b; OLANDA; FONSECA, 2019; MARTINEZ et al., 2020; SILVA et al., 2020; TRIGUEIRO et al., 2020; DEVILLA et al., 2021). Nesses estudos, foi possível perceber que o uso desses três pontos era fixo, ou seja, independentemente de quais eram os outros pontos a serem estimulados de acordo com o quadro do paciente, o Triângulo era aplicado em todos participantes, revelando que esses autores adotaram a perspectiva de Souza (2013) de que essa combinação é essencial ou de que ela otimiza drasticamente o resultado do estímulo dos outros pontos. Alguns desses estudos tiveram resultados positivos, outros não. Todavia, nenhum deles fez uma análise exclusiva dos efeitos clínicos dessa combinação, comparando com um grupo controle. A Auriculocibernética foi, em todos eles, associada a outros pontos pertinentes, por isso não é possível saber se os resultados observados foram relevantemente influenciados por essa combinação ou não. Então, até o momento, não sabemos o grau de influência do Triângulo Cibernético sobre o quadro clínico dos nossos pacientes. Devemos utilizar essa combinação? A priori, vale a pena se considerarmos os efeitos desses pontos isoladamente. Vamos comentar cada um deles. O primeiro ponto a ser aplicado no Triângulo Cibernético é o Shen Men (ou Shenmen): esse ponto é tido como um ponto de abertura na Auriculoterapia. Seu nome, que pode ser traduzido como “Porta da Consciência”, traduz a ideia de que, por meio do seu estímulo, os outros pontos estarão mais “abertos”, ou seja, terão suas respostas potencializadas ou intensificadas. Essa capacidade possivelmente levou Suliano e Lopes (2016) a utilizarem o termo “Sistema Nervoso Central (SNC)” para designar esse ponto. Essa nomenclatura é controversa, pois os pontos do SNC, na somatotopia da orelha, estão localizados no lóbulo da orelha, não na fossa triangular. Talvez esse nome tenha sido escolhido por fazer, a priori, mais sentido para alunos ocidentais brasileiros do que Shen Men. De toda forma, essa não é a sua única função: de maneira geral, o Shen Men é descrito como um ponto que tem efeito analgésico, ansiolítico e anti-inflamatório (SOUZA, 2013, SULIANO; LOPES, 2016; O Triângulo Cibernético 11 NEVES, 2019). É, de fato, o ponto de Auriculoterapia mais popular entre os profissionais da clínica e os pesquisadores, sendo o ponto mais referido nos estudos científicos dentre os protocolos utilizados nos ensaios clínicos (NEVES, 2020). Um estudo que aplicou apenas o ponto Shen Men em puérperas, após a cesariana constatou que essa estimulação reduziu os sintomas de ansiedade, fadiga e os níveis sanguíneos de cortisol das pacientes, que tiveram melhora superior à do grupo controle (KUO et al., 2016). O ponto Rim, por outro lado, aparece nos estudos científicos mais a associado ao tratamento de questões geniturinárias, isso quando não está contido no triângulo cibernético. A sua alocação entre os pontos da Auriculocibernética provavelmente seja devido ao fato de que, energeticamente, diz-se na Medicina Tradicional Chinesa que a própria orelha se origina da energia do Rim. Portanto, estimular esse ponto favoreceria a resposta de todo o tratamento, já que a Auriculoterapia obteria seus efeitos sistêmicos, utilizando-se da energia do Rim (outros microssistemas utilizam a energia de outros órgãos). Além disso, o ponto Rim parece estar relacionado neurofisiologicamente com o aparelho geniturinário, como um todo, como pode ser deduzido do estudo de Suen et al. (2015). O terceiro e último ponto do Triângulo Cibernético é o ponto Simpático ou Sistema Neurovegetativo (SNV). Atribui-se boa parte dos efeitos da Auriculoterapia à modulação do Sistema Nervoso Autônomo e esse ponto seria capaz de otimizar o mecanismo neurofisiológico por trás do tratamento. Esse ponto também é citado como um importante ponto analgésico. Somando essas características, é possível perceber que a teoria do Triângulo Cibernético tem plausibilidade biológica, ou seja, ela faz sentido nessa linha de raciocínio. Há professores que contra-argumentam, dizendo que não existe sentido em predefinir essa combinação ou qualquer outra combinação em Auriculoterapia, porque cada organismo é único e o tratamento precisa ser definido pela Clínica do paciente e que essa combinação específica é arbitrária. Sobre essa concepção, escrevi outro ensaio exclusivamente sobre a pertinência (ou não) dos protocolos de Auriculoterapia. Recomendo a leitura deles para um melhor entendimento. O que eu digo de antemão é: embora essa contraposição também faça sentido, nenhum de seus defensores jamais me mostrou ou publicou qualquer estudo demonstrando que aplicar protocolos não produzia resultados. Por outro lado, quase todos os estudos que obtiveram bons resultados com Auriculoterapia utilizaram protocolos fechados. Portanto, o Triângulo Cibernético pode ser recomendado e não parece haver nenhuma evidência que contraindique essa combinação. Entretanto, até o momento, permanecem algumas dúvidas a ser solucionadas com ensaios clínicos randomizados e controlados: a ação do Triângulo Cibernético em termos clínicos é maior do que a ação isolada dos seus pontos? O Triângulo Cibernético é muito superior ao placebo? Um protocolo que inclui o Triângulo Cibernético tem resultados melhores do que um protocolo O Triângulo Cibernético 12 que não inclua? Permanecem essas incógnitas. REFERÊNCIAS ALMEIDA, K. F.; SALVI, J. O. Auriculoterapia no tratamento de esofagite e hérnia de hiato: relato de caso. Brazilian Journal of Surgery and Clinical Research, v. 17, n. 1, p.130-133, 2017. BONIZOL, W. L. et al. Tratamento da obesidade com auriculoterapia: relato de casos. Amazônia: Science & Health, v. 4, n. 3, p. 19-24, 2016. CASTILHO, L. S. et al. O efeito da auriculoterapia na inibição da espasticidade em pacientes com encefalopatia crônica não progressiva da infância: estudo piloto. Revista UNIANDRADE, v. 20, n. 2, p. 83-90, 2019. DEVILLA, J. D. et al. Auriculoterapia como tratamento na melhoria da qualidade de vida dos servidores do CRAS de Blumenau-SC: estudo piloto. Cadernos de Naturologia e Terapias Complementares, v. 8, n. 15, p. 17-25, 2021. KUO, S.Y. et al. 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Recordo-me de ouvir uma aluna comentando de um professor de Auriculoterapia que disse a ela que não adiantava eles fazerem protocolos de Auriculoterapia, porque não iria funcionar para o paciente. Recordome de ver uma representante da linha francesa dizendo que protocolos só servem para conhecer a linha de raciocínio do autor do protocolo, mas que o tratamento do paciente precisava ser individualizado para funcionar adequadamente. E ambos justificavam essa assertiva por razões bem diferentes: o primeiro, baseado na Teoria dos 5 Elementos da Medicina Chinesa e a segunda, baseada na neurofisiologia aplicada à Auriculoterapia. Ainda recordo de tantos outros profissionais que justificavam essa ideia dizendo que era impossível protocolizar tratamentos em métodos, como a Auriculoterapia, porque cada indivíduo é um organismo único. A priori, todas essas justificativas têm sentido lógico, mas será que elas se sustentam do ponto de vista biológico e da evidência científica? Proponho um exame mais detalhado sobre essas questões. Cada organismo é único? Quando entrei na faculdade, uma das disciplinas que mais me encantava era Anatomia. Era algo ótimo entender os tipos diferentes de estrutura do organismo, as funções das estruturas, as relações entre elas e as variações anatômicas. Todavia, era legal assimilar, do ponto de vista técnico, que algumas pessoas tinham o estômago em um formato ligeiramente diferente das outras, ou que o nervo ulnar em algumas pessoas passava levemente desviado em relação à posição descrita nos atlas, ou que algumas pessoas tinham a protuberância occipital mais proeminente do que outras. Mas são variações, normalmente discretas se observarmos que fazem pouca diferença na função global de cada uma dessas estruturas. Entretanto, todas as pessoas consideradas saudáveis nasceram com o nariz abaixo dos olhos, o fígado do lado direito do corpo, o coração entre os pulmões e assim por diante. Todos nós extraímos nossa energia principalmente do oxigênio e dos alimentos. Em todos nós, o estômago tem a função de digerir alimentos, não de depurar o sangue (que é a função dos rins) ou de armazenar urina (que é a função da bexiga). E o que isso tem a ver com a nossa discussão? Simples: se olharmos para a Anatomia e Fisiologia Humana, observaremos que cada um não é um organismo único, mas sim que nós somos organismos iguais (ou seja, com o mesmo arranjo básico) com variações individuais. “Ah, mas cada pessoa tem um código genético único!”. Sem dúvida! E esse código genético foi estruturado justamente de modo a permitir que nós tenhamos uma Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 15 estrutura que se assemelha aos outros indivíduos da espécie. Afinal, o DNA é a herança de outras pessoas parecidas com a gente, não é? Dizer que cada organismo é único significaria implicar em qualquer uma das situações esdrúxulas mencionadas acima. Implicaria ainda, em algo ainda mais complexo: como seria desenvolver tratamentos para a saúde em um universo onde cada organismo fosse único? Seria infernal: as terapias manipulativas da coluna necessitariam todas de Raio-X para entender como as articulações da coluna se relacionam naquele paciente. A prescrição de um medicamento necessitaria de um estudo prévio daquele paciente em laboratório para sabe quais órgãos estão exercendo quais funções, e então prescrever um remédio que teria que ser desenvolvido para aquele paciente exclusivamente, ainda pensando que cada composto químico poderia ter uma resposta completamente diferente nesse pluralismo radical de organismos. E os cirurgiões, que abririam o corpo do paciente sem jamais saber o que iriam encontrar embaixo da pele, ou qual seria o acesso mais seguro para uma determinada operação, ou então teriam que fazer toda a cirurgia guiada por Ressonância Magnética, o que encareceria ainda mais os custos da cirurgia? Complicado. Felizmente, nós não somos assim. Tirando algumas pequenas variações, aqueles que pertencem a uma mesma espécie (Homo sapiens, no caso) são predominantemente iguais (se você está pensando nas anomalias e síndromes cromossômicas agora, eu vou repetir: predominantemente iguais) (SMITH; WEISS; LEHMKUHL, 1997; MISULIS; HEAD, 2008; DARWIN, 2014; HALL, 2021). Por esse motivo, há tratamentos que funcionam muito bem para a maioria das pessoas. Mas esse tratamento deve ser igual para todos os pacientes ou deve ajustar-se às necessidades de cada um? Tratar as pessoas da mesma forma sempre funciona, já que elas têm variações individuais? Há condições em que sim e há condições em que não, como poderemos ver nos próximos tópicos. De toda forma, o mais importante é entender que os organismos têm variações individuais que fazem com que nenhum tratamento seja 100% eficaz (ou seja, que tem resultado positivo em todas as pessoas), mas não são tão diferentes entre si a ponto de todo tratamento precisar ser individualizado. Vários tratamentos protocolizados são altamente eficazes Uma das doenças que representa problema de saúde pública no Brasil é a hanseníase, doença milenar (descrita pela primeira vez no Livro do Imperador Amarelo, tão citado nos livros de acupuntura), transmissível e incapacitante. Existe apenas uma forma de tratar essa doença, que é por meio da Poliquimioterapia (que não tem nada a ver com a quimioterapia do câncer, diga-se de passagem, seu nome expressa apenas um conjunto de remédios). A Poliquimioterapia para hanseníase é a combinação de 3 medicamentos: Dapsona, Clofazimina e Rifampicina. Essa combinação é padronizada e reconhecida como um tratamento padrão para a hanseníase em todo o mundo, sendo o tratamento Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 16 determinado pelo Ministério da Saúde no Brasil (BRASIL, 2016). Tratamento esse doado a diversos países e oferecido sem custo aos seus pacientes. Há casos, naturalmente em que algumas pessoas têm intolerância a um ou outro desses medicamentos e eles podem ser substituídos por ofloxacino ou minociclina. Entretanto, mais de 92% dos pacientes não têm efeitos adversos do esquema padrão e, ao fazerem uso desses medicamentos, conseguem curar-se do processo infeccioso da hanseníase. Além disso, a Poliquimioterapia também ajudou a reduzir o número de indivíduos com sequelas devido a essa doença. Em uma análise feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada em 1995, vê-se que, desde a sua implementação pela OMS em 1991, esse coquetel favoreceu uma redução de 57% no número de pacientes com incapacidades físicas decorrentes da hanseníase (WHO, 1995). Embora o acompanhamento dos pacientes de hanseníase envolva uma série de cuidados além dos remédios, esse é o único tratamento eficaz para hanseníase até o momento. Isso não seria possível se cada um fosse um organismo único, não é? Existe outro tipo de intervenção que é ainda mais padronizada e que no Brasil, a maioria das pessoas conhece muito bem, se beneficia dela e cuja eficácia foi amplamente demonstrada na literatura científica: as vacinas. Desde o seu surgimento, as vacinas como um todo ajudaram a erradicar ou reduzir expressivamente o número de casos de várias doenças, ou reduzir a magnitude dos efeitos das mesmas. Podemos observar o impacto mundial da vacina contra o sarampo, de 1980 até 2015, no gráfico abaixo. É importante mencionar que esse gráfico representa a relação entre a proporção de crianças com um ano de idade vacinadas para sarampo e o número de casos da doença mundialmente, o que nos leva a uma conclusão direta: quanto maior a cobertura vacinal de crianças nessa faixa etária, menor a quantidade de casos. Na verdade, analisando os dados brutos (MITTAL, 2017), pode-se dizer que 95% da variação no número de casos de sarampo pode ser atribuída à cobertura vacinal que foi ampliada ao longo das décadas. Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 17 Figura 2: Cobertura vacinal global VS casos de sarampo ao redor do mundo. Fonte: https://ourworldindata.org/grapher/measles-vaccine-coverage-worldwide-vs-measlescases-worldwide. A eficácia do conjunto de tecnologias que conhecemos como vacinas tornou-se de amplo senso e isso foi devido aos seus resultados. Por exemplo, acredita-se que cerca de 150 a 200 milhões de vidas foram salvas em virtude da vacina contra a varíola entre 1980 e 2018 (OCHMANN; ROSER, 2018). Da mesma forma, o sucesso não apenas em salvar vidas, mas também em evitar sequelas, como no caso da poliomielite (a “paralisia infantil”), pode ser atribuído majoritariamente à vacinação em massa (OCHMANN; ROSER, 2017). Se levarmos em conta que todas as pessoas vacinadas receberam a mesma fórmula (se os lotes forem todos da mesma empresa, obviamente) e puderam se beneficiar dessa intervenção, tal como foi devidamente verificado pelos ensaios clínicos randomizados e controlados (nos quais a vacinação foi comparada com um placebo) e como pode ser observado pelos próprios números observados após as campanhas de vacinação, não poderíamos negar que, mesmo sendo um tratamento totalmente não individualizado, funcionou e continua funcionando muito bem. Há outros exemplos possíveis de serem citados, mas eu acredito que estes já são suficientes para demonstrar que há condições que podem ser tratadas de maneira padronizada. Entretanto, naturalmente essa assertiva não se aplica a todas as situações. Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 18 Quando o tratamento precisa ser individualizado? Há diversas circunstâncias e abordagens nas quais um tratamento pode e deve ser individualizado. Talvez o melhor exemplo seja o acompanhamento nutricional: apenas uma avaliação cuidadosa do paciente revelará quais são seus déficits nutricionais, quais modificações uma pessoa precisa fazer em sua alimentação e assim por diante. As “dietas da moda” e as dietas sugeridas por celebridades, digital influencers e outros são totalmente descabidas, primeiramente porque, com frequência, são formuladas por indivíduos que não possuem formação na área de Nutrição. Em segundo lugar, porque assumem que todas as pessoas possuem as mesmas necessidades ou apresentarão as mesmas respostas a essa ou àquela dieta, o que não poderia ser mais equivocado. É o tipo de abordagem que precisa ser aplicada individualmente. Em inúmeros casos, intervenções medicamentosas também precisam ser individualizadas e levar em conta o peso, a idade, a cor da pele/etnia e o histórico de saúde do paciente ou da sua família. Isso significa que há situações em que o tratamento pouco muda de um paciente para outro, como no caso da hanseníase e há situações em que o tratamento deve ser tão individualizado que é necessário, por exemplo, manipular o medicamento a ser utilizado pelo paciente. Exercício físico, a depender do objetivo, deve ser orientado individualmente também. A maior parte dos leitores deve lembrar-se de algum treinador ou instrutor que sempre começa seus treinos exigindo que todos os alunos se alonguem (frequentemente com o mesmo tipo de alongamento e para o mesmo grupo muscular). Contudo, se uma pessoa tem a musculatura muito flácida e a respectiva articulação apresenta hipermobilidade, existe necessidade de alongar esse grupo muscular? Salvo alguns casos, o exercício físico também deveria ser personalizado para levar em conta o gasto energético, a massa muscular, a força de cada grupo ou músculo a ser trabalhado e assim por diante, visando obter o melhor resultado e minimizar os danos ao participante. Da mesma forma, há diversas outras abordagens que devem ser individualizadas. Entretanto, a Auriculoterapia, especificamente, precisa ser individualizada? Auriculoterapia, protocolos e eficácia Talvez o leitor tenha chegado até aqui pensando: “Ok, vacinas são eficazes mesmo não sendo personalizadas e eu entendi o que você disse sobre os outros tratamentos, mas eu acho que especificamente as Práticas Integrativas precisam ser aplicadas de maneira individual e personalizada”. Acho justo pensar que essas práticas, por serem diferentes, precisam ser aplicadas de maneira diferente também. Entretanto, peço que me acompanhe pelos próximos parágrafos para discutirmos sobre o ponto mais importante dessa questão. Primeiramente é importante entender uma coisa: existe apenas uma forma de saber Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 19 se um tratamento é eficaz, que é por meio de ensaios clínicos. Há alguns tipos de ensaios clínicos e o que melhor permite avaliar a eficácia de uma abordagem é o Ensaio Clínico Randomizado e Controlado, um tipo de estudo científico no qual um grupo de pessoas será tratado com aquela abordagem cuja eficácia desejamos conhecer, e outro grupo servirá de “controle”, ou seja, servirá de referência para saber como ficam os indivíduos que não são tratados com a abordagem experimental. O grupo Controle pode ser um grupo que não recebeu nenhum tratamento, ou um grupo que recebeu o tratamento convencional para aquela doença/problema ou pode ser ainda um grupo que recebeu um tratamento placebo (tratamento falso ou tratamento inerte). Os dois últimos tipos são tidos como controles melhores para comparar com o grupo experimental. Então, como eu sei que um tratamento é eficaz? O que significa dizer que um tratamento é cientificamente comprovado? Um tratamento atinge esse status, quando, em um Ensaio Clínico Randomizado e Controlado de boa qualidade, seus resultados são melhores do que os resultados do grupo controle. Simples assim. É o caso da Auriculoterapia. Diversos estudos compararam indivíduos que foram tratados com a estimulação de pontos de Auriculoterapia que eram indicados para a condição sofrida por eles com outro grupo de indivíduos, que foi estimulado em pontos que não eram úteis para aquela condição (pontos placebo). O resultado? Pacientes estimulados nos pontos verdadeiros tinham melhores resultados do que aqueles estimulados nos pontos placebo (CHANG et al., 2012; KUREBAYASHI et al., 2017; VAS et al., 2019; MARYAM et al., 2020; ZHANG et al., 2021). Em outros estudos, um grupo de pacientes recebia o tratamento convencional somado à estimulação do pavilhão auricular enquanto o outro grupo de pacientes recebia apenas o tratamento convencional e, para algumas condições, o grupo Auriculoterapia + tratamento convencional tinha melhores resultados do que o grupo que recebeu apenas o tratamento convencional (KUO et al., 2016; ABEDI et al., 2017; CHEN; LIN; WANG, 2018; HENDAWY; ABUELNAGA, 2020). Também houve estudos nos quais os pacientes receberam o tratamento convencional, a Auriculoterapia e estimulação auricular placebo (os chamados estudos “cruzados” ou crossover trials) e também obtiveram bons resultados (SUN et al., 2018). Por meio desses estudos, podemos considerar que a Auriculoterapia é eficaz para tratar uma série de condições. E aqui surge um ponto de conflito no discurso daqueles que alegam que não existe protocolo na Auriculoterapia ou que ela não poderia ser protocolizada: a maior parte dos estudos que constatou a eficácia dessa abordagem utilizou tratamentos totalmente protocolizados. Portanto, pacientes foram tratados com protocolos, sistematicamente supervisionados e tiveram bons resultados comparados com o grupo controle, independentemente da configuração do grupo controle. A evidência científica sugere, portanto, que utilizar protocolos em Auriculoterapia funciona. Para todos os indivíduos? Obviamente que não. Até porque, não há um único tratamento que funcione igualmente para todos os indivíduos, devido às variações entre os Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 20 organismos, como já foi mencionado. Entretanto, se um tratamento funciona para a maioria dos indivíduos, ele é considerado eficaz e pode ser recomendado para tratar aqueles problemas para os quais foi testado. Seria, então, desnecessário tratar os nossos pacientes individualmente na Auriculoterapia, desconsiderando seu histórico, sua personalidade, seu biotipo e assim por diante? Se tratarmos os indivíduos de maneira personalizada, frequentemente acabaremos utilizando vários dos pontos que aparecem nos protocolos. Imagine que você tem um indivíduo com queixa de tendinite do punho. Quais pontos deveriam estar no seu tratamento? Provavelmente você utilizará um ponto de ação local, como o ponto “Punho”. Ou então utilizará um ponto específico, como o ponto “Analgesia”. Talvez, se você for da linha chinesa, utilizará o ponto “Fígado”, pois nessa perspectiva o fígado controla os músculos e os tendões. Talvez você use os 3 pontos juntos, talvez não. Mas, veja bem, todos esses pontos são pertinentes a esse quadro e eles aparecem em protocolos para esse tipo de agravo (SOUZA, 2013). Ou seja, existe uma intersecção entre uma intervenção protocolizada e uma personalizada. Alguns profissionais preferem usar protocolos, pois acreditam que com isso terão maior chance de “acertarem”. Outros acreditam que, pelo contrário, terão resultados melhores selecionando somente pontos diretamente relacionados ao quadro daquele paciente. Particularmente, penso que um bom terapeuta deve estar apto a utilizar ambas as abordagens. Além disso, há vantagens e desvantagens nas duas formas de tratar. Quando se utiliza de um protocolo de pontos definido por um bom raciocínio clínico é possível abranger uma grande quantidade de pacientes com aquela queixa (seja dor musculoesquelética, náusea, azia, constipação intestinal, alergia ou outras) e não precisar aprofundar-se nos mecanismos etiológicos da queixa do paciente. Isso porque protocolos frequentemente estão voltados para sintomas mais do que para causas. Essa característica é muito útil aos profissionais iniciantes que ainda estão se apropriando da racionalidade por trás da Auriculoterapia (oriental ou ocidental) e sentem-se inseguros em montar um esquema terapêutico para cada paciente. Entretanto, podemos especular que um protocolo pode ser menos eficaz, quando a etiologia do quadro do paciente não estiver relacionada com as funções contempladas no protocolo. Um profissional que ainda está limitado, em termos de conhecimento, pode também encontrar-se em uma situação ruim, caso esteja diante de um paciente que apresente uma condição para a qual ele não “decorou” algum protocolo ainda e os profissionais que optam por dependerem apenas de protocolo correm risco de tornarem-se mais “estimuladores de pontos” do que auriculoterapeutas. Além disso, até mesmo para elaborar um protocolo totalmente pronto, é necessário avaliar adequadamente o seu paciente para selecionar o protocolo que melhor atende às necessidades dele. Por outro lado, profissionais que desenvolvem apenas tratamentos individualizados costumam aprofundar-se mais nas funções dos pontos, na Fisiologia ocidental, na Teoria Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 21 dos 5 Elementos/Movimentos, enfim, na compreensão dos mecanismos que levam à indicação de uma determinada combinação de pontos. Em decorrência disso, dificilmente são “pegos de surpresa” diante de uma queixa inesperada relatada por um paciente e são menos dependentes de livros ou de guias. Naturalmente que essa abordagem necessita mais estudo e revisão dos conceitos básicos relacionados a ela, mas penso que o nosso cérebro foi feito para ser exercitado mesmo. A desvantagem associada a essa forma de tratar é que o raciocínio clínico incorreto poderia levar mais facilmente a um resultado ineficaz de tratamento do que nos protocolos. Contudo, dificilmente um profissional que faz um diagnóstico detalhado e um tratamento individualizado do seu paciente vai errar categoricamente uma intervenção. Nesses casos é provável que a falta de um resultado de qualidade seja porque o organismo daquele paciente não responde bem à terapia ou porque aquele agravo que se pretendia tratar não teve boa resposta por meio da Auriculoterapia. Parece mais técnico e mais eloquente dizer que um tratamento individualizado levaria, na maior parte das vezes, a resultados muito melhores. Contudo, para afirmar isso, seria necessário desenvolver um Ensaio Clínico Randomizado comparando as duas formas de tratar e, até agora, não tomei conhecimento de nenhum estudo que tenha testado essa hipótese. Dessa forma, aqueles que dizem que protocolos para Auriculoterapia não funcionam, mesmo que digam que embasam suas abordagens na Fisiologia, na Neurofisiologia, ou qualquer outra ciência básica da saúde, não estão divulgando uma ideia baseada em evidências, mas apenas em percepções do ambiente clínico e percepções do ambiente clínico não comprovam validade ou eficácia de terapia alguma, devido aos inúmeros vieses que apresentam (Efeito Hawthorne, viés de memória, efeito placebo, regressão para a média, história natural da doença, entre outros). Considerações finais Até o presente momento, a evidência científica indica que utilizar protocolos em Auriculoterapia é eficaz, em boa parte das vezes, considerando que basicamente todos os estudos que constataram eficácia desse método trabalharam dessa forma. Por meio dessa constatação, fica refutada a ideia de que essa estratégia não deve ser usada ou não funciona. Não há razões para pensar que abordagens individualizadas não funcionam, visto que os pontos utilizados apresentarão semelhança com pontos de protocolos (ou vice-versa). Todavia, ainda não é possível afirmar se tratar de maneira personalizada os pacientes é melhor ou pior do que tratar de maneira protocolizada, visto que a literatura carece de estudos que tenham verificado essa hipótese. Por fim, é importante deixar claro que não se recomenda utilizar protocolos que contenham combinações cujos pontos não foram utilizados com sucesso em estudos científicos. Protocolos em Auriculoterapia: uma polêmica? 22 Referências ABEDI, P. et al. The Effect of Auriculotherapy on Labor Pain, Length of Active Phase and Episiotomy Rate Among Reproductive Aged Women. Journal of family & reproductive health, v. 11, n. 4, p. 185, 2017. ASHER, G. N. Auriculotherapy for pain management: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. 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Possui, ainda, formação em diversos métodos terapêuticos, sendo a maior parte deles em Práticas Integrativas e Complementares, como Acupuntura, Tui Na (Massagem Chinesa), Lian Gong em 18 Terapias, Meditação, Yogaterapia, Massagem Ayurvédica ou indiana, Reflexologia Podal, Meditação Mindfulness, Ginástica Holística, entre tantas outras e, naturalmente… a Auriculoterapia ou Acupuntura Auricular. Atualmente, é servidor da Secretaria Municipal de Saúde de Palmas e professor do curso de Medicina do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC-Palmas), além de atender como fisioterapeuta clínico no Realize Estética e Fisioterapia, majoritariamente utilizando Práticas Integrativas em seus tratamentos. Ministra cursos, oficinas e capacitações sobre diversas abordagens terapêuticas, especialmente auriculoterapia. É também autor do livro “Pequeno livro de perguntas e respostas sobre auriculoterapia”, o primeiro livro do tema publicado no formato “perguntas e respostas”. Quer saber mais sobre o autor? Acesso o Currículo Lattes dele pelo QR Code abaixo: Sobre o autor 25