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“Pândegos, rábulas, gamelas”

Revista Brasileira de História da Ciência

Este artigo analisa aspectos da formação dos campos da engenharia e da arquitetura em São Paulo em função da legislação que paulatinamente construiu uma nova ordem para os ofícios ligados à construção civil. Principais agentes da produção do espaço urbano, na passagem do século XIX para o XX, os chamados construtores ‘licenciados’ ou não-diplomados não só continuaram atuando após a regulamentação da profissão em 1933 como tiveram importante participação na constituição do mercado de trabalho, no prestígio profissional e nos mecanismos de consagração de duas das mais importantes profissões da sociedade contemporânea. No entanto, por conta de sua paulatina exclusão profissional e de seu apagamento historiográfico, ainda são interpretados como “menores” na história da arquitetura e do urbanismo. Não obstante, suas trajetórias e estratégias de adaptação aos novos tempos trazem à tona uma cidade produzida por centenas de sujeitos de múltiplas nacionalidades e práticas construtivas distin...

“Pândegos, rábulas, gamelas”: conflitos da formação do campo da engenharia e da arquitetura em São Paulo, 1890-19601 “Pândegos, rábulas, gamelas”: conflicts in the formation of engineering and architecture as professional fields in São Paulo, 1890-1960 LINDENER PARETO JR. Pontifícia Universidade Católica de Campinas| PUC-Campinas| Universidade Estadual de Campinas | UNICAMP 114 RESUMO Este artigo analisa aspectos da formação dos campos da engenharia e da arquitetura em São Paulo em função da legislação que paulatinamente construiu uma nova ordem para os ofícios ligados à construção civil. Principais agentes da produção do espaço urbano, na passagem do século XIX para o XX, os chamados construtores ‘licenciados’ ou não-diplomados não só continuaram atuando após a regulamentação da profissão em 1933 como tiveram importante participação na constituição do mercado de trabalho, no prestígio profissional e nos mecanismos de consagração de duas das mais importantes profissões da sociedade contemporânea. No entanto, por conta de sua paulatina exclusão profissional e de seu apagamento historiográfico, ainda são interpretados como“menores”na história da arquitetura e do urbanismo. Não obstante, suas trajetórias e estratégias de adaptação aos novos tempos trazem à tona uma cidade produzida por centenas de sujeitos de múltiplas nacionalidades e práticas construtivas distintas. Portanto, não se trata apenas de narrar como e por que o movimento corporativista de engenheiros e arquitetos diplomados paulatinamente excluiu os profissionais sem diploma, mas perceber a historicidade dos conflitos que levaram ao controle de campos profissionais em formação. Palavras-chave Construtores – não-diplomados – arquitetura – engenharia – São Paulo. ABSTRACT This article analyzes the formation of the professional field of engineers and architects in the city of São Paulo, Brazil, between the end of the 19th century and the beginning of the 20th century. Major agents in both public and private construction industry, the so-called non-graduated builders not only remained active after professional regulation in 1933, but also have an important participation in the formation of the labor market and professional prestige of engineering and architecture, two of the most important professions of contemporary society. However, due to their gradual exclusion from the professional field and the oblivion of historiographical narratives, these constructors are still taken as “minor characters” in the history of architecture and urbanism. However, from the quantity and quality of their work, their personal and professional trajectories reveal a city produced by multiple individuals, groups, nationalities and building knowledge and practices. Thus, more than the narrative of professional exclusion, this paper highlights the historicity of the training of the professional fields of engineers and architects, showing, from the analysis of the laws, the conflicts for the control of the professional field. Keywords unschooled builders – professional distinction – architecture – engineering – São Paulo. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 Introdução Em setembro de 1940 o cronista João Lellis Vieira (1880-1949) publicou um de seus apurados textos no Correio Paulistano.2 Do furor existencial às mazelas da casa própria e do aluguel, que assombram os paulistanos de longa data; da crítica às vaidades à surreal cena de um “pândego” que importunou um cavalheiro da “perna de páo” na Rua 15 de Novembro, Lellis Vieira vai preparando o terreno para falar do que nos interessa de perto: Vejam bem o mundo: Leva uma creatura a estudar toda a sua mocidade, forma-se em direito, medicina, engenharia, pharmacia ou dentista, e entretanto os rabulas, os curandeiros, os gamelas, os praticos e os licenciados (itálico nosso), quasi sempre fazem mais negocio... Conta-se que em Paris, um medico de notavel competência, verificando que a clinica não ia nem a mão de Deus Padre, mudou-se para o interior, onde tentaria montar consultorio. Continuou o azar. Sala ás moscas. Mas o curandeiro da cidade estava “assim” de clientes. Resolveu o medico tirar a placa, raspar a barba, vestir-se á provinciana, e noutra rua dava consultas como mesinheiro, operando casos difíceis. A fama correu por toda a cidade e municipio, de que o curandeiro novo era um bicho! E a freguezia do outro desaparecia, indo toda ella para o colega. Houve denuncia contra ele. Processo por exercicio illegal da medicina. Trabalho politico do prejudicado, que se viu vencido. Inquirições. Testemunhas. Provas. Tribunal. Julgamento. Juizes de facto. Promotor. Accusação, toda a idummentaria da Justiça. Na horinha agazota do curandeiro ser condenado, elle pede a palavra: - Senhor presidente: Eu sempre suppuz que a vida, os homens, as academias, os diplomas, o saber, toda essa embromina que constitui a illusão humana, fosse uma coisa seria...mas veja v. exc. o meu caso: Estou aqui processado e em vias de condenação por exercer a medicina sem diploma...(o réo pigarreou ironicamente deante do augusto tribunal) e continuou: Tive de usar desse recurso para viver da minha profissão, visto como, sendo medico (espanto geral na sala!), meu consultório se conservava limpo de doentes...Appellei para o curandeirismo no interior e so ahi pude aplicar meu conhecimentos scientificos, academicamente conquistados, porque arranjei clientes. Estou convencido, portanto, sr. ministro, de que a vida é muito divertida, mórmente em seus aspectos mais sérios como este... Termino aqui a minha defesa, exhibindo ao tribunal o meu diploma de medico pela Faculdade de Paris... Escrito em 1940, quando o corporativismo comandado pela ditadura do Estado Novo (1937-1945) já interferia nas relações de trabalho, demandando a organização da sociedade em sindicatos e exigindo a regulamentação das profissões, o texto de Lellis Vieira evidencia um conflito que não havia começado ali, mas que encontrava no período varguista o auge dos embates pelas definições de campos profissionais hoje estabelecidos e consagrados.3 Ao elencar as chamadas profissões liberais mais tradicionais como direito, medicina, engenharia (arquitetura), farmácia e odontologia, Lellis Vieira compõe o quadro dos bacharéis que a partir do Estado e das instituições de ensino superior lutavam, desde o último quartel do século XIX, pela regulamentação de suas atividades.4 Portanto, o corporativismo, como projeto político, passava a promover o Estado como mediador dos conflitos entre capital e trabalho, processo fundamental para a compreensão dos conflitos entre os construtores diplomados e os não-diplomados.5 Porém, não nos deixemos iludir pela retórica do cronista. A anedota do médico de Paris que ignora o diploma e vai viver como “curandeiro” no interior é uma severa crítica à concorrência dos não-diplomados. A questão fica evidente com o grand finale diante da “idummentaria da Justiça”. Quando estava prestes a ser condenado pelo tribunal, o curandeiro se transmuta em médico, anuncia o diploma (sua legitimidade de competente bacharel) e leva a plateia ao frenesi do espanto geral. Essas representações mentais, ou esse habitus, é fundamental para que possamos historicizar a formação de campos profissionais recentemente constituídos.6 Usando uma boa dose de anacronismo – sempre com o temor de que seja uma dose mortal – poderíamos dizer que a atitude do médico e a reação da plateia não seriam as mesmas algumas décadas antes. De fato, da perspectiva de muitos sujeitos do final do século XIX, o médico não teria “appelado para o curandeirismo”, e sim o curandeiro teria apelado para a medicina, na esteira do cientificismo moderno, mas sem a “farsa” do julgamento narrado por Lellis Vieira. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 115 Neste sentido, a moralizante crônica de Lellis Vieira é pedagógica. O debate sobre a regulamentação das profissões e da consagração do diploma deve passar pelo grau de importância destas mesmas ocupações, paulatinamente profissionalizadas, no interior das estruturas sociais, focando a formação dos campos profissionais e não apenas os integrantes dos mesmos.7 Não houve um caminho inexorável em direção à “competente” regulamentação profissional do direito, medicina, farmácia, odontologia, engenharia e arquitetura. Pelo contrário, os caminhos foram tortuosos e seus conflitos flagrantes de uma condição que foi se alterando ao longo das primeiras décadas do século XX em praticamente todas as sociedades ocidentais. É preciso, portanto, inserir o processo de profissionalização destas ocupações no quadro maior do controle e vigilância do indivíduo, em particular, e da coletividade em geral. As atividades mencionadas são os grandes sustentáculos de legitimação do funcionamento das sociedades contemporâneas. O controle sobre a vida e a morte; o controle das formas de produzir e de ocupar os espaços dão o tom da luta feroz pelo monopólio do exercício da medicina, da farmácia, da engenharia e da arquitetura. São exemplos maiores da crença na ciência e na técnica como redentoras da condição humana.8 Vejamos ainda na crônica de Lellis Vieira alguns desses aspectos. A violência simbólica no uso dos termos 116 Note-se que a insistência do cronista no uso de algumas expressões que adjetivam o debate não é gratuita. Ao usar termos como “pândegos”, “rabulas”, “curandeiros” e “gamelas” para atacar os não-diplomados, o cronista se vale do poder da violência simbólica do insulto.9 Violência que vinha sendo utilizada como discurso implacável desde o último quartel do século XIX e que encontra em Lellis Vieira, cronista da metrópole moderna do século XX, um porta voz de peso. “Pândego”, palavra que caiu em desuso no português do Brasil contemporâneo, segundo os principais dicionários da língua portuguesa é um adjetivo e substantivo masculino: “que ou aquele que é dado a pândegas; alegre, engraçado”.10 Seria uma espécie de “brincalhão” ou dado a fanfarronices. Vale dizer, não leva as coisas a sério. O significado de “rábula” é ainda mais intrigante para a lógica do insulto aqui reivindicada. Segundo o “Diccionario da Lingua Portugueza” do Padre Raphael Bluteau, desde o século XVIII “ra’bula” é o “advogado ignorante, e mui fallador”. Tem ainda interessantes variações: Rabolaria, s.f. rabolaria de palavras; são parolas, ou palanfrorios que não provão, nem concluem nada; ou palavras arrogantes, e ameaçadoras, que desparão em nada. Rabularia, s.f. fonfarrice: grandes parolas, ou vaas ameaças do rabula.11 Já no “Houaiss” contemporâneo encontramos: substantivo de dois gêneros (1652) 1 pej. advogado que usa de ardis e chicanas para enredar as questões 2 pej. advogado muito falador, porém de poucos conhecimentos 3 B pessoa que advoga sem ser formada em Direito 4 indivíduo que fala muito mas não chega às conclusões do seu arrazoado Originalmente utilizado para designar um advogado falastrão, que fala em vão e faz ameaças que não dão em nada, no Brasil o uso do termo passou a denominar o sujeito que advoga sem ser formado em Direito. Nada mais sintomático para uma profissão tão cara ao país dos bacharéis. A expressão bem se aplica, pejorativamente, a todas as categorias de não bacharéis ou não-diplomados e configura a violência do insulto. Finalmente, “gamela” se aproxima Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 ainda mais da engenharia e da arquitetura. Desde século XIII é o substantivo feminino: “vasilha de madeira ou de barro, de vários tamanhos, em forma de alguidar ou quadrilonga, usada para dar de comer aos porcos, para banhos, lavagens e outros fins”. E por extensão, “porção de comida ou de líquido contida nessa vasilha”. Curiosamente, no Brasil passou a significar “mentira, falsidade”. E vai além, passou a significar também o “substantivo masculino pejorativo: indivíduo que, sem ser diplomado (grifo nosso), toma a si encargos que competem a engenheiros”. Não sabemos exatamente o caminho que levou a “vasilha de dar comida aos porcos” à mentira, falsidade e ao indivíduo não-diplomado que toma os encargos do engenheiro, mas certamente a associação à lavagem e ao animal “sujo” não é gratuita. O poder da violência simbólica é anunciado de forma implacável nas transformações históricas do significado da palavra. Depois da volta semântica, voltemos à crônica de Lellis Vieira no seguinte trecho: Vejam bem o mundo: Leva uma creatura a estudar toda a sua mocidade, forma-se em direito, medicina, engenharia, pharmacia ou dentista, e entretanto os rabulas, os curandeiros, os gamelas, os praticos e os licenciados (grifo nosso), quasi sempre fazem mais negocio...12 Não é à toa que os termos “práticos” e “licenciados” vêm ao final da frase acompanhados das palavras anteriormente elencadas. Eles não estão aí por mero recurso estilístico do jornalista e nem só por conta de que “fazem mais negócio” que os diplomados, um tema caro à sociologia das profissões que trata da reserva de mercado.13 É mais do que fundamental historicizar a expressão “prático licenciado”. A expressão foi utilizada para denominar os sujeitos nãodiplomados autorizados pelos poderes públicos para projetar e construir mesmo depois da regulamentação da profissão (1933), desde que comprovassem experiência prévia.14 No entanto, é preciso ressaltar que a expressão não foi utilizada apenas para o campo da engenharia e da arquitetura. Foi largamente utilizada pela medicina, farmácia, enfermagem e odontologia desde a década de 1880. Sintomaticamente atividades diretamente ligadas à domesticação dos indivíduos e ao controle do corpo. Ocupações que passam, no Brasil, por um processo de constituição de seus campos profissionais a partir de meados do século XIX, e que terão os seus debates mais explicitados tanto nas páginas das publicações institucionais quanto nas páginas dos periódicos das principais capitais do país. No caso específico da engenharia e da arquitetura no âmbito do Estado de São Paulo, como mostraremos mais adiante, as expressões “prático” e “prático licenciado” são usadas a partir de década de 1920, justamente quando o debate em torno da regulamentação da profissão começava a ganhar contornos mais dramáticos diante do expressivo aumento da influência dos diplomados na produção da cidade. A paulatina utilização do termo nas décadas de 1920 e 1930 está estreitamente relacionada à campanha pela regulamentação da profissão, que atingiu seu auge na década de 1930. Ora, a carga pejorativa do termo é resultado direto da consagração de um discurso que elege a lógica do diploma como estruturante na formação do campo profissional. Desse modo, continuar denominando os chamados não-diplomados de “práticos licenciados” sem a devida historicidade do termo é reificar a exclusão profissional com a qual centenas de sujeitos foram assombrados ao longo dos anos entre 1930 e 1950 (e nas décadas seguintes pela historiografia) e cometer o pecado mortal daqueles que lidam com as temporalidades: o anacronismo. Isso porque, entre outras questões, nas representações documentais que estão relacionadas aos registros de construtores da Prefeitura Municipal de São Paulo, num longo período entre 1890 e 1960, o termo “prático licenciado” não aparece em absolutamente nenhum caso. Proponho observar esse processo de desqualificação dos não-diplomados a partir de um período no qual a lógica do diploma e das universidades ainda não tinha dominado a formação do campo profissional. Vale dizer, os termos e conceitos que designavam os trabalhadores da construção civil estiveram imbricados durante muito tempo entre projetar e construir e dependiam não apenas da inspiração e da genialidade dos indivíduos que disputavam um campo em formação, mas das condições sociais que marcaram a conturbada formação da mão de obra da construção civil no ocaso do Império do Brasil, no pós-abolição e no início da Primeira República.15 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 117 A indistinção dos termos: entre projetar e construir No século XX, e em função da formação dos campos profissionais da engenharia e da arquitetura, os termos seriam ressignificados a partir da obrigatoriedade do diploma. Voltemos aos dicionários. No século XIX, os termos arquiteto, mestre de obras, empreiteiro e construtor tem mais em comum do que se costuma considerar: Architecto, s.m. Que sabe, e pratica a Architectura, edificando. Constructor, s.m. O que faz, traça e executa. Empreiteiro, s.m. O que emprende (sic), e se obriga a fazer alguma obra por certa soma. Engenheiro, s.m. O que se applica á Engenharia; que faz engenhos, ou maquinas bellicas para o ataque, ou a defesa de praças; que sabe a fortificação, a arte de tirar planos, medir geométrica, trigonometricamente; o que faz quaesquer maquinas físicas. Mestre d’obras, director de architectura civil. 16 Arquiteto, construtor e mestre de obras, mesmo depois de alguns séculos de tradição renascentista, possuem fronteiras de atuação praticamente imbricadas. Distintas do “engenheiro”, que não só está ligado à tradição militar de defesa e fortificação,17 como se identifica claramente às invenções tecnológicas tão caras à ordem e ao progresso da modernidade oitocentista. Ora, as demais denominações não só se aproximam em significado como também andam juntas na prática cotidiana dos canteiros. Recuando mais um pouco, a questão se embaraça ainda mais nas definições de “Architecto” e “Mestre das obras” do Vocabulario portuguez & latino de Raphael Bluteau de meados do século XVIII: Architecto: não só é o que faz as plantas e desenhos dos edifícios, mas também o mestre das obras, o que sabe e põe em execução a arte de edificar” 118 Mestre das Obras: o diretor de qualquer obra de pedra e cal O arquiteto é o mestre de obras e o mestre de obras é o arquiteto. O espelhamento não é um mero jogo de retórica, seria um argumento importante para os não-diplomados da década de 1920. De fato, a proximidade de longa duração entre as categorias é sintomática e ajuda a entender as dificuldades de definição dos quadros profissionais do início do século XX. Os ofícios e competências ligados à arquitetura e à construção foram por muito tempo indissociáveis e não padronizados, longe de serem enquadrados nos movimentos que reivindicavam o monopólio do exercício profissional, que davam seus primeiros passos desde meados do século XIX no âmbito das nações do capitalismo avançado18 e a partir do final do século XIX no Brasil. A despeito das escolas de arquitetura e engenharia terem reivindicado um espaço secundário aos construtores não-diplomados, as interpretações das fontes apontam na direção de uma indefinição profissional que envolve, portanto, não apenas os termos e conceitos, mas um lugar, um espaço em disputa, que foi banido pelo movimento corporativista que culminou com a lei de regulamentação da profissão de engenheiro, arquiteto e agrimensor em 1933, lançando no esquecimento centenas de construtores que foram fundamentais na produção do espaço urbano paulistano e, por conseguinte, na dialética da formação do campo da engenharia e da arquitetura. Notemos, adiante, as especificidades dessa disputa nos registros municipais de construtores da cidade de São Paulo entre 1894 e 1960. Imbricações: “Empreiteiros”, registros, impostos No intuito de evidenciar tais disputas e narrar aspectos da formação de campos profissionais ainda imbricados, sem a distinção traçada em definitivo nos anos 1930, interessa remontar parte do aparato administrativo da cidade Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 de São Paulo, especificamente os dispositivos de controle dos profissionais que atuavam na produção do espaço urbano. Entre 1890 e 1898, a administração municipal foi marcada por impasses que determinaram mais de uma vez a reformulação de suas principais estruturas.19 Em maio de 1893, sob a tutela de apenas uma Intendência Municipal, a Lei n.38 foi promulgada. Se desde 1870 os requerimentos solicitando autorização para construir eram apenas fragmentos discursivos sobre as propostas de edificação para a cidade, com a Lei n. 38 a obrigatoriedade da aprovação de planta pela Intendência permite desvelar intenções estéticas, identidade de proprietários, construtores, funcionários da municipalidade e toda sorte de intermediários no negócio da construção civil. A lei reitera ainda as prerrogativas de salubridade e higiene que já vinham sendo uma preocupação antes mesmo da República, mas que vão ganhar contornos mais vigilantes com a administração republicana.20 Ainda no Art. 3º fica patente a importância dada aos engenheiros na construção da nova ordem da engenharia21, uma vez requisitando a presença dos mesmos no canteiro de obras para avaliar o terreno e indicar a devida fundação a ser adotada: Art. 3º - Por occasião do alinhamento, o engenheiro respectivo deverá examinar o terreno em que se pretende levantar a construção e indicará ao proprietário ou empreiteiro quaes os trabalhos preliminares a executar e qual o systema de fundações a adoptar, afim de garantir a construcção.22 Finalmente, o termo utilizado para indicar o construtor/projetista é “empreiteiro”, que como vimos anteriormente, também “traça e executa” as obras. De fato, pelo menos para a década de 1890, as plantas que são submetidas raramente trazem os nomes dos projetistas. O que não configura necessariamente uma anomalia ou uma falta de cuidado, mas sim a imbricação entre projeto e execução na figura do empreiteiro. É fundamental perceber que o critério da municipalidade, nesse momento, para registrar os responsáveis pelas obras passava pelo processo geral de controle das mais variadas atividades cotidianas e sobre as indústrias e profissões. O expediente existia desde o Império, mas a Constituição Republicana de 1891 conferiu mais autonomia aos Estados e Municípios. Em setembro de 1893, com a Lei n.64, o Intendente faz publicar uma “tabela de impostos municipaes”. A partir da mesma, estabelece a hierarquia de impostos na “Tabella do imposto de Alvarás, estacionamento e Localisações” que configura um curioso resumo das atividades da cidade de São Paulo na passagem do século XIX ao XX, além de uma aula de direito tributário. Entre pitorescos “Espectaculos de cavalinhos artificiaes” e “fantasmagoria, prestidigitação, quadros vivos e metempsycose”, econtram-se o “empreiteiro, mestre ou constructor de obras”, arrolados e imbricados na mesma “categoria”. Na mesma tabela não constam “engenheiros” e “architectos.”23 Ainda no corpo da lei n.64, a Câmara estabelece o regulamento geral para arrecadação do “Imposto de Industria e Profissões” do município de São Paulo.24 A natureza e a classe das indústrias e profissões são pautadas pela importância da atividade como renda para a municipalidade, o que envolve também as taxas proporcionais ligadas às rendas de aluguel ou “valor locativo do predio”. No âmbito geral, as naturezas e classes são resultado do grau de importância das mesmas na hierarquia do liberalismo econômico e, portanto, no modo de produção econômico dominante em escala global. A 1º classe é composta por “mercadores por grosso” de açúcar, café, diamantes, fazendas, carne seca e, curiosamente, de mercadores e fabricantes de “chapéos de cabeça”, acessório fundamental da indumentária da época. Na 2ª classe, o rentável agente de aluguel de casas, alfaiate com estabelecimento, armeiro, fábrica de calçado, fábrica de charutos e cigarros, fabricante e mercador de chocolates, farmacêutico com estabelecimento, empresário ou diretor de teatros ou casas de espetáculo, o emblemático mercador de (tempo) relógios, dentre outros. Na 3ª classe, dentistas, advogados, empresário de fotografias, mercador e fabricante de pianos, fabricante de móveis de madeira e etc. Na 4ª classe encontra-se o “architecto ou contractador de obras”, mais uma vez imbricados numa mesma categoria. Pelo menos na lista de 1893, não há a presença de engenheiros, indício não só da indefinição dos termos, mas de que seus serviços ainda não eram comuns na produção privada da construção civil. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 119 Havia ainda uma “Classe Especial” com as atividades que mais importavam à fase do liberalismo financeiro em expansão e às cidades modernas: “agente, director ou gerente de banco ou de sociedade bancaria”, “banqueiro”, “corretor de fundos públicos”, “corretor de mercadorias”, “empresa de carris de ferro”, “estrada de ferrro”, “fábrica de galvanizar ferro”, “fábrica de gaz para illuminação”. A partir dos critérios acima indicados, a “Secção de Obras” da Intendência Municipal organizou um interessante registro. Simplório, contém apenas o nome e a classe de imposto que o registrado deveria pagar. A despeito da tabela de indústria e profissão elencar “architecto ou contractador de obras”, todos os principais agentes da construção civil e doméstica da última década do século XIX são genericamente categorizados como “empreiteiros”, sem nenhuma distinção quanto à “especialidade” de cada um. Tabela 1. “Registros de Empreiteiros de Obras e Pagamentos 1894” 120 Nome Imposto Luiz Corrêa de Andrade 60$000 Carlos Milanesi 100$000 Antonio de Madeiro Coimbra 60$000 José Soares Liberal 60$000 Frediani Narcizo 60$000 João Gorgotti 60$000 Pedro de Lourenzi 60$000 Serafino Pezzoli 60$000 Ângelo Triumpho 60$000 Francisco Massini 100$000 Domingos Lindini 100$000 Guilherme Krug e Filho 100$000 Francisco Marques Simões 60$000 Antonio Reggio 60$000 Souza & Rocha 60$000 Bascelli Oriosto 60$000 Joaquim Pinheiro 60$000 Rossi & Brenni 100$000 Francisco Simões Vaz 60$000 Leopoldino Antonio dos Passos 60$000 Pedro Alves da Paixão 60$000 José Tellini 60$000 Christiano [Pinasso] 60$000 Paulo Victor Lanzioni 100$000 Victorino de Souza Castro 60$000 Andre [Margoni] 60$000 Dr. Ramos de Azevedo 100$000 [Dio] Mathes Luigi 60$000 Santos Torres & Lima 60$000 Possidonio Ignácio das Neves 60$000 Joaquim Carlos Augusto Cavalheiro 100$000 Luiz Galeto 60$000 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 Manoel Asson 60$000 João Joaquim Lopes Braga 60$000 Domingos Ferreira Bento e Cia. 100$000 M. J. dos Santos Torres 60$000 Ângelo Saviola 60$000 José Fernandes Pinto 100$000 Domingos Moreira & Sobrinho 60$000 João Gioborg 60$000 Ângelo Alfaia 60$000 Hugo Rabe 60$000 José Ferreira da Rocha 60$000 José Merlini 100$000 José da Costa 60$000 João [Gross] 60$000 José Cottini 60$000 Isidoro Manoel Martin 60$000 Francisco Ignácio Martin 60$000 Luiz da Costa Ribeiro e Lima 60$000 Demetrio Ricci & Cia 100$000 Manoel dos Reis Pinto da Rocha 100$000 Antonio Cavichioli 60$000 Salvador Giacomo 60$000 João Gullo 60$000 Nicolau [Andriuy] 60$000 José Margoni 60$000 Manoel da Silva Leal 60$000 Fried & Ekman 60$000 Joaquim Pedro Mathias 60$000 Antonio Venturi 60$000 Manoel Matta 60$000 Antonio Fernandes Marinheiro 60$000 Joaquim Guedes Guimarães 60$000 Henrique Consolini 60$000 Calcagno e Irmão 60$000 Antonio [Terralavouro] 60$000 Affonso Siello 100$000 Francisco de Souza Ramos 60$000 Raphael Cardone 60$000 Jorge Miller 60$000 Guiseppe Rimolo 60$000 Julio Ploy 60$000 Lourenço Frittelli 60$000 Silva & Azevedo 60$000 Fonte: Arquivo Histórico Municipal Washington Luís - AHMWL – SP - Etiquetas verdes, 1421. “Registro de Empreiteiros”.25 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 121 A única distinção verificável no registro passa pela classe do imposto pago pelos “empreiteiros”. O fixo de 100$000 vale para todas as indústrias e profissões de 4º classe. No entanto, a lista é marcada por uma maioria que paga 60$000, seguindo os critérios da “Tabella do imposto de Alvarás, estacionamento e Localisações” que, como pontuamos anteriormente, previa o valor de 60$000 para negócios que funcionavam em localizações menos centrais e, por conseguinte, em edifícios com impostos e aluguéis mais baratos. Ora, significa dizer que o prestígio do “empreiteiro” não passava ainda pela lógica do diploma, e sim por um círculo de sociabilidade que valorizava a localização do escritório nas ruas do comércio e cosmopolitismo do triângulo histórico e arredores.26 Entre os nomes elencados no registro, os únicos diplomados são o “Dr. Ramos de Azevedo”, pagando 100$000 por ter escritório estabelecido em São Paulo desde a década de 1880 e estar numa região central, além da conhecida dupla alemã-sueca “Fried & Eckman” (Augusto Fried e Carlos Eckman), pagando o valor fixo de 60$000. Vale notar que Manoel dos Reis Pinto da Rocha, empreiteiro e mestre de obras português atuante desde a década de 1870, pagava 100$000. A indiscutível maioria flutua entre os nomes de construtores lusos, germânicos e italianos que atuavam desde as décadas de 1870 e 1880, mas que de alguma forma também se representavam e eram representados com outras denominações além de mestre de obras. Em 1897, sob a Intendência do Coronel Antonio Proost Rodovalho, a Lei n.286 altera levemente a “Tabella do imposto de indústrias e Profissões”. A categoria “Architecto, empreiteiro ou contractador de obras” passa a pertencer à 2ª classe de imposto, pagando o fixo de 200$000. Curiosamente, a 4ª classe da tabela apresenta “Empreiteiros, mestre ou contractador de obras” e na linha de baixo “engenheiro, com escriptorio”, ambas as categorias pagando o fixo de 100$000 e proporcionais de 5%. Aqui, a imbricação dos termos/conceitos e os critérios incertos se tornam ainda mais patentes. Na hierarquia da municipalidade, “architectos” pagavam um imposto mais alto que um “engenheiro com escritório”. A partir das novas diretrizes, o “registro de empreiteiros” de 1897 apresenta a seguinte disposição: 122 Tabela 2. “Empreiteiros de 1897” Nome Classe Data de pagamento Imposto Giandana Aristides 4ª 07/01/1897 100$000 Leopoldino Antonio dos Passos 4ª 07/01/1897 100$000 Francisco de Paula Ramos de Azevedo 2ª 08/01/1897 200$000 Domingos Mansiani 4ª 09/01/1897 100$000 Francisco Joaquim Constâncio 4ª 11/01/1897 100$000 Manoel Belleza 4ª 11/01/1897 100$000 Antonio Calabraz 4ª 11/01/1897 100$000 Barbato Victorio 4ª 08/01/1897 100$000 José Coelho de Sá 4ª 11/01/1897 100$000 Francisco Maccini 4ª 11/01/1897 100$000 Narcizo Frediani 4ª 11/01/1897 100$000 Giulio Micheli 2ª 12/01/1897 200$000 (Augusto) Fried e (Carlos) Ekmann 2ª 12/01/1897 200$000 Ângelo Alfaia 4ª 13/01/1897 100$000 Felix João Baptista 4ª 13/01/1897 100$000 José Catoeira Campana 4ª 13/01/1897 100$000 Rossi e Brenni 2ª 13/01/1897 200$000 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 Antonio Alves da Rocha 4ª 13/01/1897 100$000 Francisco de Souza Ramos 4ª 13/01/1897 100$000 José Fernandes Pinto 4ª 15/01/1897 100$000 José Joaquim da Silva Neiva 4ª 15/01/1897 100$000 Joaquim Carlos Augusto Cavalheiro 4ª 16/01/1897 100$000 Silva e Azevedo 4ª 19/01/1897 100$000 João de Carvalho 4ª 19/01/1897 100$000 Guilherme Krug e Filho 4ª 20/01/1897 100$000 [Bernardino Covaggio] 4ª 20/01/1897 100$000 Antonio Melchert 4ª 23/01/1897 100$000 Manoel Silva Leal 4ª 23/01/1897 100$000 Pedro de Lourenzi Mª 4ª 26/01/1897 100$000 Jorge Miller e Irmão 4ª 27/01/1897 100$000 Garcia (?) 4ª 04/02/1897 100$000 Francisco Simão Vaz 4ª 11/02/1897 100$000 Antonio Riggio 4ª 11/02/1897 100$000 Victorino de Souza Castro 4ª 13/02/1897 100$000 Jose Raphael 4ª 13/02/1897 100$000 João Leoborg 4ª 13/02/1897 100$000 Sante Bertolazzi 4ª 18/02/1897 100$000 Luiz Fagnani 4ª 12/02/1897 100$000 Domingos Citti 4ª 23/02/1897 100$000 José Cotini Mª 4ª 23/02/1897 100$000 Joaquim Belleza 4ª 08/03/1897 100$000 Manoel Asson 4ª 08/03/1897 100$000 José Margone 4ª 17/03/1897 100$000 Julio Ploy 4ª 27/03/1897 100$000 Manoel Pereira Pinto 4ª 30/03/1897 100$000 Pedro de Mello Souza Jr. 2ª 05/04/1897 200$000 Francisco Sargaço 4ª 14/04/1897 100$000 Francisco de Oliveira Reis 4ª 14/10/1897 100$000 Fonte: AHMWL – Etiquetas verdes, 1421. “Registro de Empreiteiros”. Note-se, em negrito, que Ramos de Azevedo, Giulio Micheli, Augusto Fried, Carlos Eckman e os italianos Rossi e Brenni pagavam o equivalente à 2ª classe, sendo enquadrados nesse momento na categoria “architecto, empreiteiro ou contractador de obras”. Não eram os mesmos considerados “Engenheiros-Architectos”? Seria o registro influenciado pelo prestígio dos mesmos junto às elites? A confusão no uso dos termos deixa entrever um campo que girava a descoberto nas fronteiras entre engenharia e arquitetura. Quanto aos demais “empreiteiros”, a maioria é enquadrada na 4ª classe, ou como “Empreiteiros, mestre ou contractador de obras” ou como “engenheiro com escritório”. Em 1900, já sob a chancela da Prefeitura do Conselheiro Antônio da Silva Prado e sob a chefia do vigilante diretor Victor da Silva Freire, a “Diretoria de Obras” organiza um registro mais completo. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 123 Tabela 3. “Registro de empreiteiros de 1900” 124 Nome Endereço Imposto Miguel Marzo Rua Esperança, 42 100$000 Narciso Frediani Rua Voluntários da Pátria, 53 100$000 Felix João Baptista Rua Rego Freitas, 28 100$000 Rossi e Brenni Rua Conselheiro Furtado, 50 200$000 Filoteo Beneducci Rua da Liberdade, 76 100$000 Soter Caio Pequeno Rua Bom Retiro, 29 100$000 Thomaz Ferrari Rua Maria Theresa, 31 100$000 Emilio Victor de Lima Alameda dos Andradas 100$000 Pedro [Braz Sa](?) Alto da Mooca 100$000 João Borsai Areal de Sant’ Anna - Francisco Bevilacqua Largo da Liberdade - José Lopes Calças Rua do Oriente - José Molica Rua Major Diogo, 62 - João Gullo Rua Amaral Gurgel, 92 - Domingos Cassiano Av. Rangel Pestana, 98 e 100 - Ângelo Triumpho Rua São João, junto ao n° 70 - Luiz Hippolyto Rua do Espírito Santo, 59 - Alberto Joan Rua Florêncio de Abreu, 69 - Carmine Ferrari Alameda Lins de Vasconcellos, 1 - Rocco Riensi Rua Rego Freitas,94 - Guilherme Krug e Filhos Rua Moreira César,59 - Jorge Muller e Irmão Alameda dos Andradas, 77 100$000 José Soares Liberal - 100$000 Domingos Citti - 100$000 Julio Ploy Vila Marianna 100$000 Francisco Sargasso - 100$000 Manoel Alves Ferreira - 100$000 Dr. João F. Washington Aguiar B. Iguasu,27 100$000 José Longo Rua Conselheiro Ramalho, 8 100$000 Luigi Carbone Rua São Domingos, 5 100$000 Samuel Augusto das Neves Alameda dos Bambus, 60 100$000 Florindo Beneducci Rua Helvetia, 102 100$000 Emilio Paragallo Rua Boa Vista, 44 100$000 Adriano Gouvêa Rua João Boemer,1 100$000 João Gallo Rua Ipiranga, 72 100$000 Manoel Duarte Pacheco Rua Silva Telles, 23 A 100$000 Raphael Fecundo Rua Gomes Cardim, 5 100$000 Julio Michelli - 200$000 Manoel dos Reis Pinto da Rocha Rua Victoria, 87 100$000 Tarquínio Paranti Ladeira da Tabatinguera, 44 100$000 F. Husson Rua Palmeiras, 115 50$000 Ecttore Silva Rua Aurora, 11 50$000 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 José Valeri Walker Rua Glycério,152 e 166 50$000 Manoel Justo Barreiros Rua Vinte e Cinco de Março,75 50$000 Carlos Eckman Rua Dona Veridiana, 7 50$000 Armando Ferreira Rua Bonita, 24 50$000 Dr. João Baptista Marcondes dos Reis Av. Intendência, 69 50$000 Dr. Aurélio Lopes Baptista dos Anjos Rua Rio Branco, 35 50$000 Arthur Mont Morences e Cia Rua Santo Antonio 50$000 Raphael Noto e Cia Rua Piratininga, 86A 50$000 Raphael Pellegrino Rua Spirita,12 50$000 Nicolau Santoro Rua Major Diogo,47 50$000 Uriel Gaspar Rua do Comércio,87 50$000 Pedro Joaquim da Veiga Rua Tamandaré,87 50$000 Dr. Theodoro Antunes Maciel Rua Guayanazes,1 50$000 Raphael Ferrara Rua Dr. Vila Nova, 16 – Vila Buarque 50$000 Francisco Antonio Pedrozo Rua Liberdade, 47 50$000 Edmundo Busch Varella Rua Pireneus, 18 50$000 Alberto V. Araújo Rua Duque de Caxias,4 50$000 Fonte: AHMWL – Etiquetas verdes, 1421. “Registro de Empreiteiros”. O critério pautado pela valorização do endereço e do edifício prevalece. Além da 2ª e 4ª classes, o valor de 50$000 se relaciona à “Tabella do imposto de Alvarás, estacionamento e Localisações” de 1893. O sueco Carlos Eckman, o arquiteto da Vila Penteado, é registrado com o valor proporcional de 50$000 na rua Dona Veridiana, n.7, seu endereço residencial e, portanto, sem um “escriptorio comercial” estabelecido na região central depois do fim da parceria com Augusto Fried. Os registros da Prefeitura denotam uma estrutura burocrática em pleno processo de reestruturação, que ainda não dava conta de sistematizar os procedimentos. Os registros são esparsos, quase rascunhos ou ensaios burocráticos. Nomes importantes acabam não figurando regularmente ou até mesmo ignorando os procedimentos de registro da municipalidade. Contudo, identificam os principais sujeitos que dominaram o cenário da construção civil entre 1870 e 1910. Muitos deles, principalmente os italianos, buscaram ocupação em cargos na Diretoria de Obras, no Liceu de Artes e Ofícios, com o “maestro da orquestra italiana” Ramos de Azevedo e seu faro na cooptação de talentos27 até mesmo na nova ordem representada pela Escola Politécnica (1894), caso de Felisberto Ranzini, por exemplo.28 Entretanto, com o indulto do trocadilho, nem todos eram do Ramos, mas eram do ramo.29 A lógica do quadro de profissionais elencados é pautada pela conhecida presença dos mestres alemães desde meados do século XIX. Julius Ploy, Guilherme Krug, Jorge Müller & Irmãos, representam alguns deles. Entre os italianos, identificam-se aqueles listados por Anita Salmoni e Emma Debenedetti (1981) desde a década de 1950. Miguel Marzo, Carlo Milanesi, José Tellini, além dos conhecidos Pucci, Micheli e Chiapori. Entre os portugueses, eclipsados pelo discurso da São Paulo italiana, Manuel dos Reis Pinto da Rocha, Manoel Belleza e Luiz Corrêa de Andrade. Não menos importantes, os nacionais também se destacam com a intensa atuação de arquiteto-construtor do Brás e da Mooca Joaquim Carlos Augusto Cavalheiro30 e do empreiteiro da Família Rudge Ramos, Leopoldino Antonio dos Passos. Na imbricação das ocupações entre mestres, arquitetos e engenheiros, assim como na alardeada “autopromoção” de alguns italianos, o campo da construção civil segue seu prelúdio dentre os principais nomes elencados. Para a maioria deles, o livre exercício de sua ocupação não passava por nenhum crivo de distinção institucional ou de legislação específica. Os primeiros “insultos” ao patente domínio dos mesmos na produção da cidade surgem com os discursos dos primeiros diplomados pela Escola Politécnica de São Paulo. Fazia-se necessário inventar uma tradição que se opusesse ao estado das coisas e que produzisse uma nova crença com decisiva convicção.31 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 125 126 Figura 1. “Lista de empreiteiros de 1900”. Além do nome e do imposto a ser pago, passou a registrar o endereço do “empreiteiro”. Fonte: AHMWL – Lista de Empreiteiros. Como apontou Sylvia Ficher, o conhecido discurso de Alexandre de Albuquerque, a partir da revista do “Gremio Polytechnico” em 1905, demonstra o ímpeto corporativista que se anunciava: a regulamentação do exercício da sua profissão, a debatida questão que a todos preocupa, mas a toda individualidade desanima...a árdua e paciente conquista de uma lei que traga à esquecida classe dos engenheiros a mesma garantia que gozam o médico, o advogado, o farmacêutico, garantia justíssima de honestamente trabalhar, livre da concorrência desleal e assustadora de uma legião de exploradores; uma lei que arranque essa digna classe à situação tristíssima em que se debate, em que se vê nivelado ao arquiteto, ao artista, ao mestre de obras boçal e grosseiro, em que o engenheiro civil, formado em longo e penoso curso de escola oficial, deve ainda lutar com a concorrência absurda dos engenheiros de arribação, portadores de títulos incompreensíveis, caçados em rápida viagem de recreio aos Estados Unidos, ou dos bacharéis de engenharia, imitação destes últimos falsificada bem perto de nós.32 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 Os ecos do discurso de Albuquerque são identificados no texto de Lellis Vieira analisado anteriormente. Com a diferença de que o ferino discurso do politécnico não é tributário das artimanhas do humor fanfarrão do jornalista. Não obstante, a lógica do insulto prevalece. Com efeito, ainda hoje alguns discursos reificam a máxima de que o mestre de obras (geralmente o de origem italiana) não passava de um boçal e grosseiro que riscava com a ponta de um guarda-chuva as suas plantas. Certamente um juízo de valor nada ingênuo. A equiparação de arquitetos, mestres e artistas com o boçal é flagrante da consagração do engenheiro (do modelo politécnico) como redentor e primordial na nova ordem. Será a partir dessa ideia que os mecanismos de registro de construtores da década de 1920 irão conceder aos não-diplomados um certificado-licença (Figura 2) para a “profissão de architecto”, mas nunca um de “engenheiro”, prerrogativa exclusiva da formação de ensino superior. Entre a atuação livre de maiores impedimentos e os registros da burocracia, podemos inferir que a percepção dos envolvidos com a construção civil e doméstica não passava pelo temor da autoridade do diploma, as representações se davam de outra forma. Por isso o processo de construção de uma nova ordem se arrasta para além da regulamentação dos anos 1930 e mesmo assim não impede a atuação, aliás nada menor ou coadjuvante, de muitos não-diplomados em diversos setores. 127 Figura 2. Certificado de “licença para o exercício para a profissão de architecto” para Francisco Corazza, expedido pela Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Públicas em 5 de dezembro de 1925. Fonte: Família Francisco Corazza. Caminhos da distinção e da interdição: Arquiteto é o construtor e o construtor é o arquiteto Entre os registros do começo do século XX, analisados anteriormente, e do início da década de 1920, poucas foram as mudanças nas formas e regras dos registros. No entanto, nos caminhos da distinção e das pressões dos diplomados pela regulamentação da profissão, em 1924 o Governo do Estado promulgou a Lei 2.022 de 17 de dezembro, que Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 primeiro regulamentou o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor no Brasil.33 À revelia do movimento de classe, dos institutos de engenharia, arquitetura e das escolas de ensino superior, a continuidade da atuação dos não-diplomados, prevista na “letra d” do Artigo 1º, não pode ser vista meramente como uma falha ou anomalia que a lei não conseguiu resolver. A quantidade de não-diplomados que atuavam na década de 1920 era mais do que significativa, contava só na cidade de São Paulo com centenas deles e, por conseguinte, com uma sensível oposição.34 Reiteramos a complexidade da questão e a dialética do exercício de ocupações que vinham de uma indefinição de longa duração. Os não-diplomados não eram um mero estorvo, eles circulavam nos mesmos espaços de sociabilidade que qualquer outro diplomado, anunciando em almanaques publicitários e partilhando dos mesmos fornecedores de materiais de construção, para ficarmos em exemplos cruciais. Além de muitas vezes ocuparem posições importantes nas estruturas do campo, casos de Felisberto Ranzini e Vicente Branco.35 Ainda na Lei 2.022, os parágrafos do “Artigo 1º” delimitam fronteiras e estabelecem as provas de competência: § 1.° - Poderão ser dispensados do exames de habilitação a que se refere a letra “b”, os professores ou ex-professores de escolas extrageiras e os que, sendo diplomados por uma dessas escolas, provarem a autoria de livros ou obras notaveis da especialidade. Neste ultimo cada deve ser previamente ouvida a congregação da Escola Polytechnica de São Paulo. § 2.° - No caso da letra “d”, o interessado receberá um titulo de licença na Secretaria da Agricultura, desde que prove, dentro de um anno, a contar da publicação desta lei, que executou ou dirigiu trabalhos profissionaes.36 128 O § 1º consagra na letra da lei a ordem corporativista em ascensão e a amálgama entre Estado e Escola Politécnica de São Paulo, aperfeiçoados desde a fundação da mesma em 1894. Os sábios e suas obras notáveis são consagrados pelo discurso de autoridade da cultura legítima e universal que o Estado naturaliza e monopoliza. No entanto, diante das permanências, a Secretaria da Agricultura, no §2º, estabelece o critério para aceitar os não-diplomados: a “prova de competência”. De fato, será esse parágrafo o mais propício a interpretações flexíveis e fraudes, largamente denunciadas pelas agremiações corporativistas. Suscita também o debate que posteriormente levará à divisão da profissão e à primazia tecnológica da engenharia. Os sujeitos que comprovavam experiência e competência não eram registrados como engenheiros licenciados, mas com a licença de arquiteto ou com a licença de construtor, mesmo dominando cálculos de estrutura. Há aqui uma hierarquização entre os termos, que encontrará na década de 1930, no CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), sua consolidação. Entre o engenheiro e a arquiteto, o primeiro prevalece e controla o campo. Entre o arquiteto e o construtor, o primeiro se torna o artista do projeto e o segundo o executor de “obras modestas”, menor e, eventualmente, grosseiro. Um exemplo candente sobre tal hierarquização pode ser visto nas reivindicações do “Centro de Construtores e Industriais de Santos” que em 1926 recorriam, na Assembleia Legislativa do Estado, de uma lei municipal que os impedia de atuar: Parecer Nº 50 de 1926 Recorre o Centro de Construtores e Industriaes de Santos e Gervasio Fernandes Sobreira contra a lei municipal n.744, de 10 de abril do anno corrente, que dispõe sobre licença para construcção e o exercício de profissão de constructor no município. I – Os recorrentes declaram fazel-o por considerarem a lei recorrida attentatoria á Constituição Federal (arts.11, n.3, e 72, paragrapho 24º), ao Código Civil (art. 6º) e á lei estadual n.2022, de 27 de dezembro de 1924; e para demonstral-os, alegam: que o artigo 1 da lei recorrida reza: “Nem uma licença para construcção será expedida sem que a respectiva planta esteja assignada por profissional habilitado nos termos da lei estadual n.2.022 de 27 de dezembro de 1924, e pelo constructor encarregado da construcção, salvo si tal construcção aq. (?) elle se encarregar”. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 a. que a lei estadual citada estatue no seu artigo I: b. “O exercicio da profissão de engenheiro, de architecto e de agrimensor, em qualquer dos ramos, somente será permitido: c. “Letra D - aos que já contarem cinco anos de exercicio da profissão de engenheiro, architecto ou agrimensor no território do Estado; d. que a dita lei concedeu o prazo de um anno para, mediante a devida documentação, habilitarem-se os architectos praticos (itálico nosso) mencionados na letra D, transcripta, obtendo com isso, na Secretaria da Agricultura, titulo de licença para continuação da actividade profissional; e. que, por se julgarem obrigados ás disposições da lei estadual citada, vários constructores de obras requereram á Secretaria da Agricultura titulo de habilitação, entre elles Annunciato Gallo e Antonio Ignacio Serra, de Santos, sendo-lhes dado sempre, com ligeiras modificações de frase, o seguinte despacho: “Não há que deferir. O exercicio da profissão de constructor independe de licença”; f. que, pela própria interpretação da Secretaria da Agricultura, os construtores de obras continuavam, e continuam, não obstante a superveniência da lei n.2022 citada, a ter livre o exercício da sua profissão;37 O caso é o emblema do caminho da distinção e exclusão forjado pelas interpretações legais. A lei 2.022 foi reinterpretada e adaptada pelos governos municipais. Geralmente pressionados e administrados por profissionais diplomados, passam a dificultar a atuação dos não-diplomados. Ao mesmo tempo, o governo estadual – Secretaria da Agricultura – também usava das interpretações para criar uma distinção e fortalecer hierarquias antes fluidas. A Prefeitura de Santos alegava estar de acordo com a lei do governo estadual, mas o mesmo governo não deferia o pedido dos recorrentes por considerar a “profissão de constructor” livre e não dependente de licença, por conseguinte, relegada a uma espécie de hiato profissional, caindo num vazio antes inexistente, já que a “licença” estadual era a nova chave para poder atuar. A liberdade de atuação encontrava finalmente uma barreira. Os recorrentes não podiam se encaixar nem numa esfera e nem em outra. Mas continuavam argumentando: f. que a recorrida, com sua lei n.774, citada, estabeleceu expressa diferenciação entre a profissão de architecto e a de constructor, e, cuidando de obedecer aos princípios da lei estadual, positivamente a contrariou, por isso que o legislador estadual não podia tolher ou restringir o exercício de uma profissão até agora considerada livre, como é a de constructor. Depois de estudarem o elemento histórico da nossa legislação sobre o assumpto e confrontarem as accepções dos termos architectos e constructor, mediante consulta de diccionarios da nossa lingua e tratadistas extrangeiros, acrescentam os recorrentes: g. que não poderia o legislador, pela simples discriminação dos vocábulos, extremar as profissões de architecto e constructor, que se confundem na pratica, permittindo apenas esta diferença subtil: architecto é o constructor de obras de luxo e de grande arte; constructor é o architecto de obras sem luxo e de arte modesta. h. que, assim, os constructores de obras estavam, em Santos, a praticar uma profissão honesta e livre, cujo exercício lhes era, e é, assegurado pela Constituição Federal, no seu artigo 72, paragrapho 24, quando veiu a lei municipal n.774, citada, perturbal-os nesse exercicio, atingindo, demais, os seus direitos adquiridos, com o que violou ainda a Constituição Federal , no seu artigo 11, n.3, e o Codigo Civil; e que, em razão disso, pedem ao senado a annulação, que lhes parece justa, da lei municipal, contra a qual recorrem.38 Se a lei de 1924 não criou uma categoria “constructor”, ela possibilitou, através das interpretações, a criação de uma categoria, entre a engenharia e a arquitetura, que pudesse servir ao “rebaixamento” dos não-diplomados. Com efeito, a proximidade histórica entre as categorias é reivindicada pelos recorrentes quando invocam tratadistas e dicionários: Arquiteto é construtor e o construtor é arquiteto. No entanto, anunciam o que se tornaria parte da profissão do arquiteto daquele momento em diante: O arquiteto (e o diploma) faz obra de luxo e de grande arte, e o construtor é o arquiteto não-diplomado que, sem luxo, faz arte modesta. É de fato uma maneira de resistir à nova ordem procurando Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 129 um espaço de sobrevivência na manipulação da historicidade dos termos. O imbróglio se torna ainda mais interessante quando os recorridos da Prefeitura de Santos respondem aos argumentos dos construtores. Depois de citarem que estavam apenas cumprindo os dispositivos da lei estadual, garantindo sua aplicação na lei municipal e defendendo a Constituição Federal (1891), argumentam: que por, propositadamente, confundirem duas entidades tão distinctas, como architecto e construtor é que os recorrentes tentam descobrir um golpe no paragrapho 24 do artigo 72 da Constituição Federal; que, entretanto, há muita diferença entre as profissões de architecto e constructor sendo que a do primeiro se caracteriza no projetar edifícios, dirigir construcções, desenhar planos, fazer orçamentos, reclamando-lhe conhecimentos de desenho, geometria, perspectiva, estereotomia, resistência, estabilidade, etc., ao passo que a do segundo se caracteriza na realização da obra, na obediência passiva ás determinações do architecto.39 Aos poucos o discurso da autoridade legítima vai afastando as possibilidades de interpretação que possam beneficiar os recorrentes. Imbuídos do habitus da nova ordem, os recorridos (Prefeitura de Santos) não só invalidam o argumento da proximidade das categorias como submetem os não-diplomados à obediência passiva. Não há exemplo mais cabal da violência do poder simbólico na ordem da submissão. O interessante é que a submissão do “constructor” ao “architecto” que tem os devidos conhecimentos será muito próxima da “submissão” do arquiteto ao engenheiro após a regulamentação federal da profissão em 1933. Celeuma que tem desdobramentos até o século XXI, como é sabido.40 O pequeno tratado da submissão e da obediência passiva ensinada pelos recorridos continua: 130 que a lei estadual – todo mundo o sabe – não cogita da profissão ou melhor, officio de constructor, o que confirmam inumeras decisões do sr. secretario da Agricultura, que isso mesmo declaram, havendo um de seus despachos em que, depois de traçar bem definidamente a linha distinctiva de architecto e constructor, assim sentencia aquele titular: “o impetrante provou que é perito mestre de obras, mas não architecto, pelo que indefiro o pedido”; que, pois, para que nas nossas cidades não mais se ostentem as mostras do mau gosto dos curiosos sem preparo e dos mestres de obras sem escrupulos coalhando-as criminosamente de verdadeiros aleijões (itálico nosso) em figuras de prédios, deve ser mantida a lei municipal objeto do recurso, que nada mais fez do que secundar e defender uma das mais sabias e moralizadoras leis do Estado de São Paulo.41 A linha da distinção/interdição é finalmente traçada. Aos construtores cabe a perícia do mestre de obras e nada mais. Não é difícil perceber que foi a partir desse tipo de celeuma que a figura do mestre de obras, chamada de boçal desde os primeiros diplomados da Escola Politécnica, foi aos poucos submetida ao escrutínio da moralidade e ao crivo do insulto. “Curiosos sem preparo” e de “mau gosto”; “mestres sem escrúpulos” e “criminosos” dão o tom de uma campanha implacável contra a velha ordem da indistinção. A moralização do debate foi crucial para o discurso da autoridade. Não é de surpreender que daí em diante o recrudescimento do moralismo e do juízo de valor fossem sentidos em todas as escolas de ensino superior, principalmente depois do triunfo do movimento moderno.42 Os “sábios” pareciam ignorar definitivamente o imbricar das ocupações e a importância crucial da figura do mestre de obras não só no Estado de São Paulo, mas em toda a história da arquitetura e da construção.43 Tudo atentamente visto e ponderado, os recorridos reforçam o argumento com a “Comissão de Recursos Municipaes” de Santos: que, todavia, a lei municipal n.774, com adoptar os dispositivos da lei estadual n.2022, não tolheu o exercício da profissão aos constructores de Santos, tendo se limitado a modificar-lhes as condições, para beneficio da cidade e dos seus habitantes, com maiores garantias de boa architectura, segurança e hygiene; que, com a indagação nos diccionarios e o compulsar dos autores, os Recorrentes, embora amparados pelo Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 talento do seu patrono e pelo brilho de suas razões, não conseguiram estabelecer a pretendida synonymia dos termos architecto e constructor, que, como faz ver a Recorrida, secundada pela interpretação do sr. Secretario da Agricultura, constituem entidades diversas; que, quando assim não fosse, nem uma culpa caberia á Recorrida pela sorte de requerimentos dos constructores de Santos, que no indeferimento derivam, e não da recorrida, o desagrado dos seus percalços, consequências de uma interpretação cujas responsabilidades lhe não cabem. E o que fez a Commissão dos Recursos Municipaes oferecer á consideração do Senado, cuja aprovação pensa merecer, a seguinte: Resolução N.16 de 1926: O Senado do Estado de São Paulo resolve negar provimento ao Recurso n.2, de 1926, em que o Centro dos Constructores e Industriaes de Santos e Gervasio Fernandes Sobreira recorrem contra a lei n.774, de 10 abril de 1926, que dispõe sobre a licença para construcção e o exercício da profissão de constructor no Municipio de Santos. Sala das comissões, 10 de novembro de 1926 – Freitas Valle, A. J. Pinto Ferraz, Cesario Bastos.44 Na esteira da ordem e do progresso, “Boa architectura”, “segurança” e “hygiene”, são apenas três das muitas expressões que transformam os não-diplomados em “golpistas” e “criminosos”. A despeito do suposto “talento” e “brilho” de suas ações e razões, aos construtores de Santos não coube interpretar os “verdadeiros” significados de categorias que exerciam de longa data. O golpe estava dado. Mas não por parte dos não-diplomados. Casos como o dos construtores de Santos seriam comuns a partir de então. À revelia das interpretações mais corriqueiras, as brechas da lei 2.022 foram mais propícias às “fraudes” dos novos donos do poder do que das fraudes dos não-diplomados que, ademais, conheciam mais a natureza histórica das ocupações da arquitetura do que seus novos algozes. Recurso negado. Finalmente, lembremos que no início do parecer (letra c) os recorrentes usam a expressão “architectos praticos”. O uso do termo seria cada vez mais comum a partir da regulamentação de 1924. Com efeito, se inicialmente sua utilização, por parte dos diplomados, se relacionava às provas de competências práticas necessárias para atuar, aos poucos foi revestida pelo véu das interpretações pejorativas como as que vimos ao longo do parecer analisado. Entrementes, no caso do município de São Paulo, a lei estadual de 2.022 não foi o suficiente para aplacar o ímpeto corporativo. Em 1926, por iniciativa do engenheiro-arquiteto e àquela altura vereador Alexandre de Albuquerque, a Câmara aprovou a Lei 2.986 de 7 de julho. Valendo-se das prerrogativas da lei 2.232 de 9 de novembro de 1920, que dispunha sobre a responsabilidade na aprovação de plantas, a lei reforçava as prerrogativas da mesma e regulamentava as “profissões de constructor, electricista e encanador”.45 O primeiro fato a se observar é de que “constructor” é tomado como “profissão”, diferente da interpretação da lei municipal 774, de Santos. Engenheiros, arquitetos e empreiteiros de obras são genericamente registrados como “construtores”. O termo “empreiteiro de obras particulares”, mesmo não explicitado pelo texto da lei, é a expressão utilizada para denominar os não-diplomados. A prova de competência, a juízo da Prefeitura, é reafirmada. Além dos artigos citados, a lei ainda previa artigos relacionados a multas e suspensões claramente dirigidas às possíveis infrações dos não- diplomados. Mais vulneráveis na nova condição, seus nomes eram corriqueiramente publicados nas seções oficiais da Prefeitura: Prefeitura do Municipio de São Paulo Diretoria de Obras e Viação Edital Faz-se público que, o Prefeito do Município de São Paulo, usando das attribuições que lhe são conferidas pelo art.7º, alinea “c”, da lei n.2986, de 7 de julho de 1926, e atendendo á representação da Directoria de Obras e Viação constante do processo n.16.136-S/83, suspendeu, por sessenta dias, o constructor Luiz Bahia, sem prejuízo do disposto no paragrapho 3º, visto construir os predios nºs, 83 e 85 da rua Canuto Saraiva, em desaccôrdo com as plantas aprovadas. O Director, Luiz Pedrosa46 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 131 Da Lei n.2.986 resultou o “Registro de Constructores” da “Directoria de Obras e Viação” da Prefeitura Municipal de São Paulo. Ao contrário dos registros municipais do final do século XIX, o registro de 1926 - amparado pela Lei estadual 2.022 de 1924 - é um exaustivo compêndio dos principais nomes da construção civil do período. Conforme vimos nos termos da lei 2.986, disposto em páginas-fichas, o registro compreende os seguintes campos de preenchimento: nome; nº do registro; categoria (art.3º, letra a, b ou c); escritório; residência; nacionalidade; diplomado pela; Título registrado na Secretaria da Agricultura em; Assignatura individual; Nome da firma e responsável. Depois do cabeçalho, um breve texto indicando o processo das provas de competência: “Foram apresentadas, e julgadas sufficientes pela 2º Secção de Obras e Viação e de accordo com o art.4º da Lei 2.986 conforme informações subscriptas pelo Snr Chefe da Secção e, o Proc. Nº ___ de 192___ as seguintes provas de competência”. Se o registrado havia se licenciado pela Secretaria de Agricultura, a prova de competência era descrita da seguinte maneira: Licença para o exercício da profissão de architecto concedida por despacho de (data), pelo Snr Secretário d’ Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, de accordo com o disposto no paragrapho 2º, artº 1 da Lei 2.022. Registrada na folha nº___ do livro competente de registros de licenças em (data).47 Conforme evidenciamos no caso dos construtores de Santos, o termo “architecto” era geralmente dado aos não-diplomados que conseguiam comprovar na Secretaria da Agricultura tal condição. Como no início do século, a “ordem”, 1ª (300$000) e 2ª (200$000), está relacionada à valorização do endereço e dos impostos sobre indústrias e profissões. Quando o “constructor” não era registrado pela Secretaria de Agricultura, o texto do processo explicitava as provas de competência, como no caso do italiano João Olivieri: Foram apresentadas e julgadas (...) as seguintes provas de competência: 132 Contracto com a Cia Edificadora da Villa America para construir nas ruas seguintes: Padre João Manoel 57 e 62, Franca 91 e Itú 82. Idem com o Snr. Brasil Vasoni para construir na rua Domingos de Moraes. Alvará de Licença, n. 2710 de 1917 para construir augmento na rua S. Pedro 43. Alvará 458 de 1911 para construir casa na rua S. Pedro n.6. Tendo sido preenchidas todas as formalidades exigidas, nos termos da Lei 2.986 de 7 de julho de 1926, é concedido de ordem do snr. Prefeito, registro como ‘constructor’ de 1º ordem ao snr João Olivieri.48 Insistimos no fato de que diplomados e não-diplomados eram registrados com o termo genérico de “constructor”. Os registros, de acordo com as leis citadas, não mencionam o termo “não-diplomado” e nem o termo “prático” ou “prático licenciado”. No entanto, como apontamos anteriormente, as provas de competências literais eram pedidas apenas aos que não tinham passado pelas escolas de ensino superior. Havia também a possibilidade, na esteira da hierarquia e da “obediência passiva”, de um diplomado, geralmente um engenheiro, atestar a competência de um não diplomado: Foram apresentadas e julgadas (...) as seguintes provas de competência: Declaração do Engenheiro Aurelio Pires de Campos de que conhece o requerente ha mais de cinco anos como constructor de reconhecida competencia. Alvará nº 98 de 1913 autorizando o requerente a construir na rua Madeira nº18. Alvará 2716 para a mesma construcção. Outros alvarás e atestados também julgados pela 2 Secção e que ficam archivados junto ao processo.”Tendo sido preenchidas todas as formalidades exigidas, nos termos da Lei 2.986 de 7 de julho de 1926, é concedido de ordem do snr. Prefeito, registro como ‘constructor’ de 2º ordem ao Snr Luiz Ferreira da Rocha. São Paulo, 13 de outubro de 1926. O director.49 Finalmente, quando o construtor era de fato um diplomado, o texto do processo apresentava a escola na qual havia se formado. Considerando todas as provas de competência e o total de 246 registrados no município da Capital Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 no biênio 1925-26, 198 profissionais apresentaram provas que não passavam pela ordem do diploma. Representam, por conseguinte, assombrosos 80% dos construtores “legalizados” da cidade de São Paulo.50 Pode-se daí medir o implacável ímpeto material e simbólico dos diplomados na companha contra os “curiosos”, “sem escrúpulos” e aleijões”. Passemos, agora, à distintiva década de 1930. Famigerada distinção: o arquiteto liberalizado, ambíguo, postiço Syndicato dos Industriaes de Construções Civis Tendo este Syndicato interposto perante o Conselho Federal de Engenharia e Architectura um recurso, do acto n.1 do Conselho Regional da 6º Região, seguirá hoje pelo segundo nocturno para o Rio de Janeiro, o sr. Vicente Branco, presidente do Syndicato que vae tratar junto aos poderes federaes, para uma solução, dentro dos limites do Direito e da Justiça.51 Vicente Branco era presidente do “Syndicato dos Industriaes de Construções Civis” e tinha ido ao Rio de Janeiro, num nostálgico trem “noturno” para tratar junto ao governo sobre a continuidade da atuação profissional dos construtores não-diplomados. Branco, a partir da sua entidade de classe, foi representar centenas de construtores que, assim como ele, atuavam projetando e construindo na cidade de São Paulo desde o início do século XX. Ele teria de negociar contra a primazia do diploma e reivindicar a chancela corporativista também aos não-diplomados. Assim, é preciso inserir a criação do sistema CREA-CONFEA52 - na década de 1930 - e a regulamentação da profissão nos quadros da mudança do jogo político. Do jogo oligárquico (e liberal) para o jogo corporativista.53 A chegada de Vargas e aliados ao poder significou a derrocada do projeto liberal que foi menos aplicado na Primeira República do que seus defensores almejavam. Getúlio Vargas colocou em andamento a implantação do Código do Trabalho e com ele o projeto corporativista e de conciliação de classes. Para tanto, as instituições deveriam aderir à burocracia do Estado regulando profissões, formando sindicatos e registrando-se no Ministério do Trabalho.54 Vicente Branco representava um desses sindicatos. Projetista desde a década de 1910, nos anos 1920 liderou, junto a outros construtores, uma associação profissional de construtores sem diploma. Defendia os interesses daqueles que desde o último quartel do século XIX atuavam projetando e construindo na cidade de São Paulo. Deveria, em 1935, convencer a nova ordem da engenharia e da arquitetura de que profissionais não-diplomados poderiam continuar trabalhando. Isso porque o Governo Provisório aprovara o decreto n. 23.569 de 11 de dezembro de 1933, que subordinava, em definitivo, o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor às disposições ancoradas nas competências do diploma universitário. Na prática o decreto não conseguiu colocar fim à atuação dos rotulados “práticos”, mas adicionava mais um conflito ao cotidiano da construção da cidade e fazia sangrar a última geração de não-diplomados que pôde atuar com o prestígio profissional do início do século. A exclusão de trabalhadores não-diplomados nem mesmo foi advertida pelo novo decreto. A letra da lei garantia o “exercício de funções, dentro dos limites das respectivas licenças (...) que, não diplomados, mas licenciados pelos Estado, provarem”. Em tempo, o novo regramento ainda vinculava a prática profissional ao registro no Conselho de Engenharia e Arquitetura.55 Se na década de 1920 os arbítrios sobre a atuação estavam subordinados às repartições públicas estaduais ou municipais, a partir da nova lei teriam de passar pelo escrutínio dos conselhos regionais de engenharia e arquitetura compostos, na sua maioria, por profissionais diplomados. De fato, a posição dos não-diplomados a partir desse momento entraria em definitivo num torvelinho de punições, rebaixamentos e mandados de segurança que se arrastariam ao longo das décadas de 1930 e 1940. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 133 134 Figura 4. Averbação municipal da Carteira profissional, CREA-SP, de Vicente Branco. Habilitado como ‘Construtor só para o Município da Capital’, Branco foi um dos projetistas-construtores mais atuantes desde a década de 1910 e foi um dos organizadores das estratégias de continuidade da atuação dos não-diplomados. Fonte: AHMWL-SP- Livro de registro de construtores – CREA-SP. Vicente Branco, registrado com a “licença de construtor só para o Município da Capital”, é a alegoria da transição entre dois momentos profissionais, teve papel fundamental na campanha pela continuidade da atuação dos não-diplomados após o CREA-SP baixar a resolução n.1 de 1935, que impedia os “arquitetos licenciados” de dirigir obras que exigissem cálculos estruturais. Não foram poucos os licenciados que a partir de 1935 tiveram suas habilitações suspensas por conta do ato. Como já observado tanto nos dispositivos das leis da década de 1920, quanto no decreto de 1933, a possibilidade jurídica de continuidade dos não-diplomados deve ser enquadrada não numa falha das leis que regulamentaram a profissão, mas na própria resistência e oposição dos não-diplomados, conforme evidenciado em todos os registros analisados. Ora, houve pressão, luta e resistência dos mesmos contra a nova ordem. As artimanhas jurídicas passaram por um cabo de guerra que ora dava ganho de causa aos licenciados, ora lhes caçava a licença. O Governo Provisório (1930-1934) e a entrada do Estado nas relações de produção e trabalho mudariam a dinâmica da sociedade e as noções de direitos, aqui, sobretudo, o direito de exercer um ofício. Entrementes, como resultado da aprovação do decreto federal e dos respectivos conselhos regionais, a Prefeitura Municipal de São Paulo organizou um novo registro de profissionais. Porém, os registros seriam uma averbação municipal das carteiras expedidas pelo CREA-SP e estariam a ele subordinados. Fosse o construtor um diplomado, seria catalogado nas dezenas de livros de registros de diplomados que vão se somando ao longo das décadas de 1930, 1940, e 1950. Neles podemos encontrar figuras consagradas da história da arquitetura brasileira e mundial como Oscar Niemeyer (Figura 5), Ricardo Severo da Fonseca, Alexandre de Albuquerque, Carlos Alberto Cerqueira Lemos (Figura 6), Rino Levi e Prestes Maia. No entanto, fosse ele um controvertido não-diplomado, licenciado desde a década de 1920, seria registrado em dois livros separados do demais e à sombra do diploma, livros “isolados”, inscrições materiais dos novos tempos de distinção.56 Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 Organizados pela “Directoria de Obras e Viação – 5º Secção” os livros também são fichas com campos de inscrição e são exatamente as mesmas tanto para diplomados quanto para não-diplomados. Na verdade, mais uma vez não há o uso da expressão “não- diplomado” ou “prático licenciado” em nenhum campo ou forma de registro. 135 Figura 5. “Livro de Diplomados”. Registro da averbação municipal da carteira profissional (CREA) de Oscar Niemeyer (Soares Filho) em 1950, quando de sua estadia em São Paulo para a execução do projeto do Edifício Copan. Título de habilitação: Engenheiro-arquiteto diplomado pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Nas anotações, os implacáveis impostos. 23 de setembro de 1950. Fonte: AHMWL – Livro de Registro de construtores – CREA. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 136 Figura 6. “Livro de diplomados.” Registro da averbação municipal da carteira profissional (CREA) do recém diplomado arquiteto, futuro historiador da arquitetura e professor da FAUUSP Carlos Alberto Cerqueira Lemos, em 1951 aos 25 anos, quando de sua parceria com Oscar Niemeyer na cidade de São Paulo. Diplomado pela Faculdade de Arquitetura do Mackenzie College em 18/12/1950. Fonte: AHMWL-SP- Livro de registro de construtores – CREA. Quanto à categorização, entre os não-diplomados, os primeiros registros do CREA ainda se valem das licenças de arquiteto dos anos 20. No campo “repartição em que se licenciou”, geralmente a “Secretaria da Agricultura”. No título de habilitação: “Licença de arquiteto, nº x”. Além da “Licença de arquiteto”, outras habilitações são corriqueiras: “Construtor só para o Município da Capital” e “Projetista/Construtor para o Município da Capital”. Vale lembrar que o termo “construtor” aos poucos vai se tornando uma categoria menor que “arquiteto”, como no caso dos termos discutidos pelos construtores de Santos. Para que não imaginemos uma discussão estéril em torno das designações, a utilização calculada das mesmas tem estreita relação com a economia simbólica do insulto e do rebaixamento. Nessa perspectiva, o sistema CONFEA-CREA foi categórico em 1936: Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 RESOLUÇÃO N.º 012, DE 24 DE MAIO DE 1936 “Regula o uso de título e designações”. [...] considerando que as associações de classe, os institutos de ensino técnico e a representação de Arquitetos nos Conselhos de Engenharia e Arquitetura já se têm repetidamente manifestado sobre o uso irregular e indevido do título de Arquiteto, privativo dos profissionais diplomados e inaplicáveis aos práticos, licenciados e leigos, que não possuem o correspondente tirocínio de estudos escolares[...]57 Se a regulamentação de 1933 não havia consolidado o uso restrito das denominações, a resolução de 1936 dá um golpe de misericórdia não só nas possibilidades de uso por parte dos não-diplomados, mas traça uma linha distintiva entre “dignidade científica”, diploma e competência contra as liberalidades abusivas e falsas dos “licenciados”, “práticos” e “leigos”. Depois de tecer as considerações, entre outas medidas, o conselho resolveu: Art. 1º - A carteira profissional expedida aos licenciados que satisfizerem as exigências do art. 3º do Decreto n.º 23.569 deverá conter obrigatoriamente [...] Art. 2º - As funções e atribuições definidas no art. 3º do Decreto n.º 23.569 serão especificadas e inscritas na carteira, conforme se trate respectivamente de I – arquitetos; II – arquitetos-construtores; III – construtores; [...] Art. 3º - É defeso aos licenciados o uso, ressalvado ou não, dos títulos de engenheiro e de arquiteto, privativos dos profissionais diplomados (itálico nosso), em plantas e documentos, anúncios, placas, cartões comerciais, ou outros quaisquer meios de divulgação e publicidade, sob pena do art. 38 da lei. § 1º - Não é vedado o uso de designações: projetista, projetista-construtor e construtor (itálico nosso), aplicáveis, respectivamente, às três categorias de licenciados, discriminadas no artigo anterior. § 2º - Fica, porém, concedido o prazo até 1º de janeiro de 1937 para a definitiva revisão e correção das placas e demais meios de divulgação atualmente empregados. Art. 4º - As placas afixadas nas construções e instalações, de acordo com o que determina o art. 7º do Decreto n.º 23.569, quando o profissional responsável não for diplomado, deverão conter a inscrição: “Licenciado”-, desacompanhada de qualquer título ou qualificação de caráter científico (itálico nosso). § 1º - Será, entretanto, obrigatória a menção das atividades profissionais deferidas ao licenciado, de acordo com a categoria de sua carteira e com o que dispõe o art. 2º da presente Resolução. § 2º - Esta exigência poderá ser suprida pelo emprego das expressões projetista, projetista-construtor e construtor, na forma do § 1º do artigo precedente. Art. 5º - Os Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura divulgarão, por meio de comunicações, publicações e editais, a presente resolução e darão conhecimento do seu texto às autoridades interessadas e às associações de classe. Rio de Janeiro, 04 de maio de 1936. ass) Adolfo Morales de Los Rios Filho – Presidente58 Ora, se a classe da engenharia havia restringido o uso de sua designação para não- diplomados desde o início do século XX, e de maneira quase “passiva” assistiu à paulatina associação do “arquiteto” ao “licenciado”, a partir da resolução, e das muitas reivindicações dos institutos de arquitetos, resolveu “rebaixar” os qualificativos dos “leigos” estabelecendo uma eufêmica mas nada inofensiva correspondência. Para os licenciados, arquiteto seria o projetista Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 137 de construção civil; arquiteto-construtor seria o projetista-executor; e o construtor, o executor. Os termos “científicos” arquiteto e engenheiro são, em definitivo, vedados. Assinando a resolução, o arauto do sistema CREA-CONFEA Adolfo Morales de Los Rios Filho, o principal responsável por levar a cabo a primazia da engenharia.59 Assim, as novas denominações para licenciados indicam porque ao longo das décadas de 1940 e 1950 os registros municipais (os livros dos “práticos”) foram aos poucos perdendo os “arquitetos licenciados” e ganhando “construtores só para o município da Capital” ou “construtores só para cemitérios”. Melancólico outono de longas décadas de atuação profissional. A partir dos critérios especificados, os registros da Prefeitura Municipal/CREA abarcam o período de 1934 a 1961. Configuram o último grande registro municipal que contemplou, mesmo que de forma restritiva, uma geração inteira de não-diplomados ainda vistos como “arquitetos”, mesmo que aos poucos desqualificados pela consolidação de uma outra forma de conceber a profissão. Retomando o texto de João Lellis Vieira, um contundente réquiem dos não-diplomados, caberia aos “práticos” resistir e talvez lamentar o “Estado de Exceção” que se anunciava sobre eles com o mesmo desfecho da crônica do inventor de Juca Pato: E o que é que a gente tem a fazer neste mundo, senão rir das fragilidades humanas, das bobices da terra, dos frivolismos da vida? O melhor é olhar p’ra cima, aguardando na eternidade da alma o premio do bem que aqui se fizer. E isto, porque a terra, o homem e seus derivados, são simplesmente uns pandegos.60 Considerações finais 138 Com efeito, as fontes identificadas e analisadas nos deram as pistas cruciais para a composição de uma narrativa que procurou deixar absolutamente em evidência as temporalidades que compõem a cultura profissional da engenharia e da arquitetura desde o ocaso dos Oitocentos. A partir delas, pudemos historicizar as ocupações da construção civil, tentando demonstrar que projetar para o início do século XX categorias profissionais hoje consolidadas e naturalizadas não passa de um flagrante anacronismo. Trata-se de inserir os não-diplomados no quadro da formação dos campos da engenharia e da arquitetura em São Paulo e, conforme já apontamos, compreendê-los como parte dos conflitos, interdições e exclusões da nova ordem profissional. Deste modo, a narrativa dos rotulados “práticos” na historiografia e no âmbito da vida acadêmica também é metalinguística, vale dizer, precisa enfrentar a resistência corporativista a partir do mesmo espaço institucional que ostracizou e apagou a memória dos não-diplomados. Precisa reivindicar o argumento da autoridade legítima - mas fundamentado em farta documentação - para inserir no interior do campo historiográfico uma narrativa crucial para o estudo da formação das culturas profissionais, das culturas de classe e das cidades. Notas e referências bibliográficas Lindener Pareto Jr. Historiador pela FFLCH-USP, doutor e mestre em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela FAUUSP. É docente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas e pesquisador de Pós-Doutorado, PNPD/CAPES (Programa Nacional de Pós-Doutorado), no programa de PósGraduação em História (PPGH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), exercendo atividades de ensino, pesquisa e extensão na área de História da Arquitetura, do Urbanismo e Patrimônio Cultural. E-mail: [email protected]. 1 Agradeço à historiadora Glaucia Fraccaro pela leitura atenta e pelas sugestões. Agradeço, sobretudo, aos colegas - organizadores e apresentadores - da Sessão “Embates Profissionais: Cultura técnica e ações de engenheiros, arquitetos e construtores na América do Sul, 1860-1945. Organizadores: Rodrigo Booth, Universidad de Chile e Fernando Atique, Universidade Federal de São Paulo. LASA 2017. Lima, Peru. Todas as lacunas dessas breves linhas são de minha inteira responsabilidade. 2 Correio Paulistano, 17/09/1940. João Lellis Vieira foi cronista, escritor e jornalista paulista. Foi - junto com Benedito Bastos Barreto, o Belmonte (18961947) – inventor do popularíssimo personagem Juca Pato. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018 3 Com efeito, a ascensão de Getúlio Vargas e da Aliança Liberal ao poder ensejaria o projeto de governo corporativista e de conciliação de classes, que conclamava as instituições a desempenharem funções de colaboração com o governo, ações que passariam pela aprovação de decretos a regular as relações de trabalho. Sobre a densa reflexão sobre o corporativismo e o mundo do trabalho na historiografia, ver: ARAÚJO, Ângela. A Construção do Consentimento: corporativismo e trabalhadores no Brasil nos anos 30. São Paulo: Scritta/Fapesp, 1998. HALL, Michael. “Corporativismo e Fascismo: as origens das leis trabalhistas”. In: Ângela Araújo (org.). Do corporativismo ao neoliberalismo. São Paulo: Boitempo, 2002; GOMES, Ângela. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: o legado de Vargas. Revista USP, n. 65, p. 105-119, 1 maio 2005; SILVA, Fernando T. e CORRÊA, Larissa R. The Politics of Justice: Rethinking Brazil’s Corporatist Labor Movement. Labor: Studies in Working-Class History of the Americas, v. 13, n. 2, 2016. 4 No caso específico da engenharia e da arquitetura, que abordaremos mais adiante no texto, a regulamentação se deu a partir da criação do Conselho Federal e do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Sistema CREA-CONFEA) em 1933. 5 A despeito dos acordos gramaticais que envolvem o uso do hífen, optamos por utilizar o termo “não-diplomado” para reforçar o substantivo como resultado de uma ordem profissional e institucional que estigmatizou a ausência do diploma. 6 BOURDIEU, Pierre. O sociólogo e o historiador /Pierre Bourdieu, Roger Chartier; tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira, com a colaboração de Jaime A. Clasen. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p.62. 7 STEVENS, Garry. O círculo privilegiado. Fundamentos sociais da distinção arquitetônica. Brasília: Editora da UnB, 2003, p.10. 8 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005. 9 BOURDIEU, op. cit., 2011, p.65. 10 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de. Janeiro, Ed. Objetiva, 2001. 11 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. 12 Correio Paulistano, 17/09/1940. Disponível em http://memoria.bn.br. 13 STEVENS, op. cit., 2003, p.36-42. 14 A linha mestra deste artigo é, a partir do registro municipal de construtores da cidade de São Paulo e da legislação respectiva, remontar as formas de controle do exercício profissional dos construtores não-diplomados na cidade de São Paulo entre 1890 e 1960. Para maiores detalhes e biografias profissionais mais específicas dos construtores “práticos” ver: PARETO JR., L. O cotidiano em construção: os práticos licenciados em São Paulo. São Bernardo do Campo: Editora da Universidade Federal do ABC (EdUFABC), 2017. Livro resultado de nossa dissertação de mestrado orientada pela Profª Drª Beatriz Bueno, na FAUUSP, e defendida em 2011. 15 RIBEIRO, Filipe Nicoletti. Império das incertezas: política e partidos nas décadas finais da monarquia brasileira (1868-1889). Dissertação de Mestrado em História Social. São Paulo: USP, 2015; COELHO, Edmundo Campos. 1999. As Profissões Imperiais: Advocacia, Medicina e Engenharia no Rio de Janeiro, 1822-1930. Rio de Janeiro: Editora Record. 16 SILVA, A. M. Diccionario da língua portugueza, Lisboa, 1813. IEB-USP. 17 BUENO, Beatriz P. S. Desenho e Desígnio: O Brasil dos Engenheiros Militares (1500-1822). São Paulo: EDUSP, 2011. 18 WOODS, Mary N. From Craft to Profession. The Practice of Architecture in Nineteenth-Century America. Berkeley/Los Angeles/London, University Of California Press, 1999. 19 BARROS, Liliana Schrank Lehmann de, e MOIZO, Rosana Pires Azanha. “Formação administrativa da Cidade de São Paulo”. São Paulo: Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. 1991, p. 10-111. 20 LEMOS, Carlos A.C. A República ensina a morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999. 21 ARASAWA, Claudio Hiro. Engenharia e poder: construtores da nova ordem em São Paulo. São Paulo: Alameda, 2008. 22 Ementário da legislação municipal, op.cit. 23 “Tabella do imposto de Alvarás, estacionamento e Localisações” que consta da Lei Municipal n.64 de 13/09/1893. Fonte: CÂMARA Municipal de São Paulo. Leis e Resoluções da Câmara Municipal da capital do Estado de S. Paulo de 29 de setembro de 1892 a 30 de dezembro de 1893. São Paulo: Casa Vanorden, 1914. 24 Idem. 25 Daqui em diante o Arquivo Municipal Washington Luís de São Paulo será identificado com a sigla AHMWL. 26 BARBUY, Heloisa. A Cidade-Exposição: comércio e cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo: Edusp, 2006. 27 MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 28 Para a trajetória profissional do italiano e “Arquiteto Licenciado” Felisberto Ranzini ver: SALVADORE, Waldir. Italiano e nosso: Felisberto Ranzini e o “Estilo Florentino”. São Paulo: Cultura Acadêmica-Unesp, 2015 e PARETO JR., Lindener. Pândegos, rábulas, gamelas: os construtores não diplomados entre a engenharia e a arquitetura (1890-1960). 2016. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. 29 Frase do historiador Waldir Salvadore, muito recorrente em nossas conversas sobre Felisberto Ranzini e Ramos de Azevedo. 30 Para a importância do empreiteiro, arquiteto e construtor Joaquim Cavalheiro na construção do Brás e da Mooca ver PARETO JR., L. Joaquim Cavalheiro: um arquiteto-construtor no Brás e na Mooca. São Paulo: Cultura Acadêmica-Unesp, 2015. 31 BOURDIEU, Pierre. A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre: ZOUK, 2015, p. 56. 32 FICHER, Sylvia. Os Arquitetos da Poli: Ensino e Profissão em São Paulo. Edusp: São Paulo, 2005, p.30. 33 Lei estadual disponível em: http://www.al.sp.gov.br. Artigo 1.° – O exercicio da profissão de engenheiro, de architecto e de agrimensor, em qualquer dos ramos sómente será permittido: a) aos que se mostrarem habilitados por titulo conferido pelas escolas de engenharia officiaes da União ou do Estado de São Paulo, ou pelas equiparadas; b) aos que, sendo graduados por escola ou faculdade extrangeira, se habilitarem perante qualquer dessas escolas na fórma dos respectivos regimentos; Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140jan | jun 2018 139 c) aos que, na data da promulgação desta lei, exercerem cargo effectivo de engenheiro architecto agrimensor em repartição federal, estadual ou municipal; d) aos que já contatam cinco annos de exercicio da profissão de engenheiro, architecto ou agrimensor, no territorio do Estado, e) aos agronomos diplomados pela Escola Agricola “Luiz de Queiroz”, na divisão e demarcação de propriedades ruraes. 34 Para a lista com nomes e registros dos construtores do referido período ver PARETO Jr, L. Pândegos, rábulas, gamelas: os construtores não-diplomados entre a engenharia e a arquitetura. Tese de doutorado, FAUUSP, 2016. 35 Para maiores detalhes sobre construtores não-diplomados cruciais para a dialética da constituição do campo profissional ver PARETO JR., op. cit., 2016, p. 250-274. 36 Lei estadual disponível em: http://www.al.sp.gov.br. 37 Parecer publicado no Correio Paulistano, 11/11/1926, p.5. Disponível em: http://memoria.bn.br. 38 Idem, ibidem. 39 Correio Paulistano, 11/11/1926, p.5. 40 Um desdobramento mais recente da celeuma apontada remonta à criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU) pela Lei Federal nº 12.378 de 31 de dezembro de 2010. 41 Correio Paulistano, 11/11/1926, p.5. 42 PUPPI, Marcelo. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: questões de historiografia. Campinas: Pontes Editores, 1998. 43 KOSTOF, Spiro. The architect: chapters in the history of the profession. Oxford University Press, 1977. 44 Correio Paulistano, 11/11/1926, p.5. 45 Ementário da legislação municipal, op.cit. 46 Correio Paulistano, 30/03/1928. Disponível em: http://memoria.bn.br. 47 Livros de registro de construtores da “Directoria de Obras e Viação” da Prefeitura Municipal de São Paulo. Fonte: AHMWL-SP. 48 Idem. 49 Idem. 50 Para a lista de nomes e nacionalidades do referido registro ver PARETO JR., op. cit., 2016, p.189-203. 51 Correio Paulistano, 09/06/1935, p.7. Disponível em: http://memoria.bn.br. 52 Também inspirado nas pesquisas, que realizamos desde 2008, sobre os “práticos licenciados” ou não- diplomados de São Paulo, Leonardo Novo (2018) avança na caracterização da tecnocracia que definiu os rumos da nova ordem da engenharia e da arquitetura por meio do Conselho Nacional de Engenharia e Arquitetura (CONFEA) e do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA). NOVO, Leonardo Faggion. Entre arte e técnica: “arquiteturas políticas” na legitimação da profissão no Brasil [1920-1930]. 2018. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. 53 GOMES, Ângela. Autoritarismo e corporativismo no Brasil. op.cit. 140 54 Idem. 55 MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. 1959. Decretos e resoluções que regulam o exercício da engenharia, arquitetura e agrimensura no Brasil. Rio de Janeiro: Cons Fed de Eng e Arq, 1959. 56 Para maiores detalhes das disposições dos livros de registro no Arquivo Municipal de São Paulo ver PARETO JR, op. cit., 2016. Introdução. 57 MORALES DE LOS RIOS FILHO, op. cit. 58 Idem. 59 Para uma análise da trajetória de Morales de Los Rios Filho ver: NOVO, 2018, op. cit. pp.77-88. 60 Correio Paulistano, 17/09/1940. [Artigo recebido em Março de 2018. Aprovado para publicação em Julho de 2018] Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 114-140, jan | jun 2018