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Doença de Paget óssea em paciente jovem: relato de caso

2008, Rev Para Med

Abstract

Objetivo: relatar o caso de um paciente de 22 anos com Doença de Paget óssea. Relato do caso: homem de 22 anos, atendido na Clínica Odontológica da UFPA, referindo a perda de elementos dentais e com sinais físicos característicos; solicitados exames laboratoriais, histopatológico e imaginológicos, que confirmaram a suspeita de um caso raro de Doença de Paget óssea em um paciente jovem. Considerações finais: o caso relatado é considerado raro em razão do paciente acometido pela doença apresentar idade inferior à faixa etária comumente descrita na literatura.

RELATO DE CASO DOENÇA DE PAGET ÓSSEA EM PACIENTE JOVEM: RELATO DE CASO¹ PAGET´S DISEASE OF BONE IN YOUNG PATIENT: A CASE REPORT Luciana Dias ALVARES², Mauro José FONTELLES³ e Paula Souza MOURA4 RESUMO Objetivo: relatar o caso de um paciente de 22 anos com Doença de Paget óssea. Relato do caso: homem de 22 anos, atendido na Clínica Odontológica da UFPA, referindo a perda de elementos dentais e com sinais físicos característicos; solicitados exames laboratoriais, histopatológico e imaginológicos, que confirmaram a suspeita de um caso raro de Doença de Paget óssea em um paciente jovem . Considerações finais: o caso relatado é considerado raro em razão do paciente acometido pela doença apresentar idade inferior à faixa etária comumente descrita na literatura. DESCRITORES: Doença de Paget, osteíte deformante, doença óssea. INTRODUÇÃO A Doença de Paget, uma desordem osteometabólica, é caracterizada pelo desorganizado aumento da remodelação óssea que leva à hipertrofia dos ossos acometidos, além de eventuais deformidades e dor. No processo normal de remodelação de um osso ocorre uma dupla resposta metabólica, sendo a primeira representada pela ação dos osteoblastos que participam da formação do tecido ósseo e, a segunda, pela ação dos osteoclastos, responsáveis pelo processo de reabsorção. Entretanto, na Doença de Paget esse balanço apresenta-se alterado, com uma fase inicial de intensa reabsorção osteoclástica seguida por uma fase de formação, sendo o osso neoformado, mais frágil, de aspecto hipertrófico, menos compacto, mais vascularizado e mais suscetível a fraturas e a deformidades, quando comparado ao osso normal1,2,3,4. De evolução tipicamente crônica, esta doença é mais comum em homens e afeta pacientes com idade mais avançada, geralmente a partir dos 50 anos de idade, sendo, raramente, diagnosticada em pacientes com idade inferior a 45 anos, com uma prevalência que aumenta, consideravelmente, com o avançar da idade2,3,5. O diagnóstico é, usualmente, obtido por intermédio dos marcadores bioquímicos da remodelação óssea, aliados à cintilografia óssea e aos exames radiológicos, cujas imagens são características da doença. OBJETIVO Relatar um caso de Doença de Paget óssea em paciente com 22 anos de idade, atendido na Clínica Odontológica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará. RELATO DE CASO Anamnese Homem de 22 anos procurou a Clínica Odontológica da Universidade Federal do Pará em busca de reabilitação protética. Referiu a perda de elementos dentais, aparentemente sem motivo conhecido, há cerca de cinco anos. Na primeira consulta, foi solicitada a extração dos elementos remanescentes para que fosse confeccionada uma prótese total inferior, ¹ Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). ² Cirurgiã Dentista, Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia & Estomatologia pela Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic de Campinas-SP e aluna do Mestrado em Odontologia da Universidade Federal do Pará–UFPA. ³ TCBC - Doutor em Cirurgia do Trauma. Coordenador do Núcleo de Assessoria em Bioestatística e superintendente de pesquisa da Universidade da Amazônia – UNAMA. Professor de Anatomia Topográfica do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA. 4 Cirurgiã Dentista, Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP-Bauru e aluna do Mestrado em Odontologia da Universidade Federal do Pará-UFPA. sendo que o mesmo já era usuário de prótese total superior. Relatou sentir fortes dores osteoarticulares difusamente localizadas, há cerca de 2 a 3 anos, além da ocorrência de fratura no antebraço direito, aos oito anos de idade, durante uma brincadeira com crianças. Exame físico Ao exame intra-bucal, constatou-se aumento de volume, de consistência endurecida dos rebordos alveolares, que se apresentavam recobertos por mucosa de cor e superfície normais (figura 1). Ao exame extra-bucal, verificou-se aumento de volume difuso na região posterior do corpo da mandíbula, além de deformidades variadas afetando outros ossos do corpo, entre eles os do crânio, maxilas, mandíbula, ossos da pelve e fêmures. Apresentava um acentuado arqueamento dos membros inferiores, levando-o ao uso de muletas para locomoção. Significativo grau de deficiência auditiva foi observado, sinal, posteriormente, interpretado como uma conseqüência do comprometimento do nervo auditivo, possivelmente, devido à aposição óssea nos forames auditivos externos. Proteínas Eletrólitos Proteínas totais 6,3 g/dl Fosfatase alcalina 2382 UI/L Gama-GT 23,0 U/L Globulina 2,5 g/dl Albumina 3,8 g/dl Sódio 136 mmol/L Potássio 4,1 mmol/L Cálcio urinário 130mg/24 horas Cálcio ionizado 1,11 mEq/L Magnésio 2 mg/dl Fósforo urinário 300mg/24 horas Fósforo 3,6 mg/dl Fonte: Laboratório Paulo C. Azevedo / Hospital Porto Dias Exame histopatológico Os cortes histológicos revelaram fragmento de tecido ósseo descalcificado, exibindo trabéculas ósseas imaturas e interligadas, formando um padrão em “quebra-cabeça” (figura 2). Linhas basofílicas de reversão foram também observadas. Na periferia das trabéculas ósseas foi observada a presença, ora de osteoblastos, ora de osteoclastos. Tecidos conjuntivos frouxos com fibras colágenas dispostas em várias direções e grande quantidade de vasos sanguíneos de variados calibres permearam as trabéculas ósseas. Áreas focais de hemorragia completaram o quadro histológico. O exame atestou a presença de tecido ósseo com atividade osteoblástica e osteoclástica. Figura 1. Aspecto bucal de paciente de 22 anos com Doença de Paget. Exames laboratoriais QUADRO I. Resultados dos exames hematoquímicos em paciente com Doença de Paget. Grupo de Exames Hematimetria Metabólitos Enzimas e/ou Exame Resultado Hemograma Normal Uréia 33mg/dl Creatinina 0,60 mg/dl Proteinograma Normal Figura 2. Osso normal (A) e osso pagético (B) mostrados sob luz polarizada. O osso pagético é pobremente organizado e apresenta estrutura caótica que dá origem a um aspecto em "mosaico." Fonte: Roodman & Windle, 2005. Radiografia de crânio AP-Perfil Crânio assimétrico e disforme, alterações escleróticas intercaladas com lesões osteolíticas, comprometendo, difusamente, o crânio e a face; mandíbula espessada e esclerótica (figura 3); alargamento da díploe, com algumas densidades de aspecto algodonoso; platibasia com invaginação basilar; seios esfenoidal e mastóideos permeáveis. Figura 3. Radiografia ântero-posterior de paciente com Doença de Paget. Cintilografia óssea de corpo inteiro com MDP-99MTC Distribuição heterogênea do traçador à custa de hiperconcentrações em projeções da articulação do ombro esquerdo, articulações dos joelhos, articulação do quadril esquerdo e articulação do tornozelo esquerdo, compatíveis com atividade osteoblástica aumentada, podendo corresponder a processos osteometabólicos; alterações morfológicas simétricas do gradil costal e dos fêmures. CONDUTA E EVOLUÇÃO O paciente foi submetido a três cirurgias para extrações dos elementos dentais remanescentes (35, 37, 46 e 47). A primeira tinha como objetivo extrair os elementos 35 e 37. O elemento 35 encontrava-se “flutuante” no rebordo alveolar, tendo a sua extração facilitada. Quanto ao elemento 37, a extração ocorreu com certa dificuldade em razão do acentuado aumento de volume da raiz, associado à atípica deformidade radicular. Este elemento, juntamente com seu apêndice amorfo, foi enviado para exame histopatológico para diagnóstico do tecido ósseo coletado. A segunda cirurgia objetivou a excisão dos elementos 46 e 47, e a terceira, a retirada do excesso de tecido mole que recobria o rebordo alveolar, o qual se tornou mais aparente em razão da escassez de osso alveolar. Foram prescritos dois gramas de amoxicilina, como antibioticoterapia profilática, cerca de duas horas antes das cirurgias. No pós-cirúrgico foram prescritos 50 miligramas de diclofenaco sódico, a cada oito horas, durante cinco dias. Não foram observados seqüestros ósseos e a cicatrização foi satisfatória. DISCUSSÃO A Doença de Paget é uma condição incomum em pacientes com idade inferior a 40 anos, sendo geralmente encontrada naqueles com mais de 50 anos. Na literatura consultada, o paciente mais jovem diagnosticado com a doença tinha 44 anos de idade6. Outros casos relatados são de pacientes com idade superior a esta7,8,9,10. Portanto, o paciente cujo caso é relatado, com 22 anos de idade, constitui um achado, consideravelmente, raro. Quanto ao gênero, masculino, o caso é condizente com a prevalência relatada pela literatura2,3,6,7. Na maioria dos casos, o diagnóstico da Doença de Paget pode ser feito através da combinação dos achados clínicos, radiográficos e bioquímicos. Os exames de imagem recomendados são a cintilografia óssea e as radiografias. Os aspectos radiográficos encontrados neste paciente são compatíveis com o que relata a literatura, incluindo a aparência de “flocos de algodão”, visualizada nas radiografias de crânio1,2,8,9. Quanto aos exames laboratoriais, o valor da fosfatase alcalina foi de 2382 UI/L, sendo que o padrão de normalidade está entre 65 e 300 UI/L, em adultos, estando o valor encontrado, aproximadamente, oito vezes maior do que o valor máximo considerado normal, com o exame repetido e confirmado. A maior atividade desta enzima tem sido reconhecida como uma característica marcante da Doença de Paget, podendo estar elevada a limites extremos, sendo reflexo de um aumento da renovação óssea9,10,11. Do mesmo modo, os exames radiográficos demonstraram um quadro compatível com a Doença de Paget, além do exame de cintilografia óssea que constatou atividade osteoblástica aumentada, compatível com processos osteometabólicos. Ao exame histopatológico, o osso pagético apresenta áreas de intensa atividade osteoblástica e osteoclástica; o que caracteriza o padrão em “mosaico”, com linhas de reversão irregulares, basófilas. Essas linhas reversas representam a alternância entre as fases de formação e reabsorção que, quando ocorrem repetidamente, conferem ao osso um aspecto de “quebra-cabeça”12, encontrado na amostra enviada para a histopatologia. CONSIDERAÇÕES FINAIS O caso relatado foi consonante com o que disserta a literatura sobre a Doença de Paget óssea, no que se refere aos achados clínicos, imaginológicos, laboratoriais e histopatológico. No entanto, a idade do paciente constituiu um fator relevante para a raridade do caso. SUMMARY PAGET´S DISEASE OF BONE IN YOUNG PATIENT: A CASE REPORT Luciana Dias ALVARES, Mauro José FONTELLES e Paula Souza MOURA Objective: to report an uncommon case of a 22 years old patient affected by Paget´s disease of bone. Case Report: a 22 years old man, that reported the loss of dental elements, was evaluated at the UFPA’s Dental Clinic showing typical physical signs that made the staff responsible for his care request laboratory, imaging and histopathology tests, which confirmed the suspicion that this was a rare case of Paget’s disease of bone in a young patient. Final considerations: the case reported is considered uncommon due to the fact that the patient’s age was below that the age group reported in the literature as the most affected by this disease. Keywords: Paget's disease, osteitis deformans, bone disease. REFERÊNCIAS 1 - SANNOMIYA EK, FUSUKAWA S, MORAES LC. Aspectos radiográficos da Doença de Paget – Relato de dois casos clínicos em pacientes de origem nipônica. Rev Pós Grad. 2000; 7(4):376-381. 2 - KLINE MJ. Paget Disease, 2007. Disponível em http://www.emedicine.com/radio/topic514.htm. Acessado em 14 de março de 2008. 3CHOW D, SLIPMAN CW, BRAVERMAN D. Paget disease, 2007. Disponível em http://www.emedicine.com/pmr/TOPIC98.HTM. Acessado em 14 de março de 2008. 4 - GRIZ L, COLARES V, BANDEIRA F. Tratamento da Doença de Paget Óssea: importância do ácido zoledrônico. Arq Bras Edocrinol Metab. 2006; 50(5):845-851. 5- PAPAPOULOS SE. Metastatic Bone Disease and Paget´s Disease of Bone, 2001. 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