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EDUCAÇÃO INCLUSIVA: SIGNIFICADO E REALIDADE
INCLUSIVE EDUCATION: MEANING AND REALITY
ÉDUCATION INCLUSIVE : SIGNIFICATION ET RÉALITÉ
EDUCACIÓN INCLUSIVA: SIGNIFICADO Y REALIDAD
Maria das Graças Viana Bragança *
Zélia Maria Freire de Oliveira **
RESUMO
O presente artigo, baseado em estudos bibliográficos de pesquisadores da atualidade sobre o
tema, discute uma abordagem mais abrangente do conceito de escola inclusiva, já que uma
sociedade democrática precisa de que todos sejam incluídos com seus direitos e deveres. É
necessário falar da educação inclusiva, seu significado e importância no contexto social e
educacional para haver educação integral para todos. Educação inclusiva é um processo que
busca recolocar na rede de ensino, em todos os seus graus, as pessoas excluídas (portadoras de
necessidades especiais, de distúrbios de aprendizagem ou de deficiência, excluídas por gênero,
cor ou outros motivos). Apesar de várias legislações a favor, pouca coisa tem sido feita em prol
da educação inclusiva. Para que aconteça a educação inclusiva, é preciso a mobilização e a
reflexão do setor político, da comunidade, dos pais, dos gestores de escola, dos professores, de
todos os alunos, especiais ou não.
Palavras-chave: Educação inclusiva. Pessoas excluídas. Ações afirmativas.
* Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de
Brasília – UCB (
[email protected]).
** Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UCB (
[email protected]).
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UMA NOVA EDUCAÇÃO PARA UM NOVO MUNDO
Neste século XXI, preconiza-se a necessidade de ações para fomentar a paz e
reinventar a paideia, que, segundo Platão, é a essência de toda a verdadeira educação, que
dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e
a obedecer, tendo a justiça como fundamento. Na sua abrangência, o conceito de paideia
não designa unicamente a técnica própria de preparar a criança para a vida adulta, mas
o resultado do processo educativo que se prolonga por toda a vida, muito além dos anos
escolares, um desenvolvimento pleno do homem. E esse desenvolvimento pleno também
significa educação e cultura, e a educação não pode abrir mão da sua responsabilidade
social, uma reflexão sobre a sociedade, o homem e a busca de caminhos e soluções para
se constituir um mundo novo onde não só prevaleça a razão, mas o amor, a solidariedade;
uma nova educação que deixe de ser produto para se tornar serviço (CARNEIRO, 2004).
Para o autor citado, é preciso haver escolas e universidades diferentes, com novo
pensar, onde cada um se sinta pobre do outro e tenha necessidade de sentir, tocar e amar
o outro para se viver em solidariedade e respeito pelo próximo. Isso vai ao encontro da
idéia de escola inclusiva, foco deste artigo, que pretende discutir opiniões de
pesquisadores atuais, dando uma visão mais abrangente de seu conceito e ressaltando a
necessidade do envolvimento de toda a sociedade.
UM NOVO CONCEITO DE ESCOLA INCLUSIVA
As palavras de Carneiro (2004) levam à idéia de escola inclusiva, que visa possibilitar
que todas as pessoas possam participar em igualdade de oportunidades da escola. E ainda
que todas as pessoas sejam respeitadas pelo que são como seres humanos, não importando
o sexo, a idade, as origens étnicas, a opção sexual ou as deficiências.
No mundo atual há diferentes segmentos sociais, e muitos deles ainda lutam por seus
direitos de inclusão na sociedade, como, por exemplo, o das mulheres, o dos negros, o
dos sem-terras, o dos deficientes físicos, mentais, visuais, auditivos e de tantos outros
excluídos. Para isso, é necessário que a sociedade seja aberta a todos e seja inclusiva;
estimule a participação de cada um; valorize as diferentes experiências humanas; reconheça
o potencial de todo cidadão; ofereça oportunidades iguais para que cada pessoa seja
autônoma e autodeterminada e reconheça todos os seres humanos como cidadãos livres
e iguais.
Embora com lentidão, muitas conquistas já aconteceram; inclusive, leis têm sido
criadas para a garantia dos direitos dos excluídos, mas isso é pouco para transformar a
sociedade e a escola em totalmente inclusiva. Existem muitas políticas dissimuladas de
exclusão nas escolas; há grupos de pessoas discriminadas, até mesmo nas denominações
que recebem: inválido, excepcional, deficiente, mongol, “down”, manco, ceguinho, aleijado,
demente, negro, ações preconceituosas atenuadas.
Muitas pessoas, ao tratarem do assunto ‘escola inclusiva’, pensam somente em
pessoas deficientes, mas não só deficientes são excluídos da escola; o conceito de excluído
é muito mais amplo, havendo muitos tipos de excluídos da escola.
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Educação inclusiva
A chamada educação inclusiva teve início nos Estados Unidos através da Lei Pública
94.142, de 1975, e foi se expandindo. Na década de 90, no Brasil, segundo Prieto
(2000), o discurso da inclusão escolar assumiu status privilegiado, persistindo, porém,
muitas controvérsias a respeito do assunto. Há profissionais que defendem a inclusão
escolar como parte de um movimento maior de inclusão social, sobretudo no meio
educacional, pela universalização do acesso e pela qualidade do ensino; há outros que
têm interpretado a inclusão escolar como mero acesso de alunos com deficiência à classe
comum.
Pode-se dizer que educação inclusiva é um processo que busca recolocar na rede de
ensino, em todos os seus graus, as pessoas excluídas (portadoras de necessidades especiais,
de distúrbios de aprendizagem ou de deficiência, excluídas por gênero, cor ou outros
motivos). A educação inclusiva diz respeito ao direito à educação e, conforme Monteiro
(2004), deve basear-se em princípios tais como: a preservação da dignidade humana, a
busca de identidade e o exercício da cidadania. Segundo Macedo (2005), é preciso refletir
sobre os fundamentos da educação inclusiva, procurar saber e repensar o modo de
funcionamento institucional, hoje pautado na lógica da exclusão em favor da lógica
da inclusão.
Conforme consta na Cartilha da Inclusão dos Direitos das Pessoas com Deficiências,
para se ter realmente uma sociedade democrática, é preciso criar uma nova ordem social,
pela qual todos sejam incluídos no universo dos direitos e deveres (GODOY, 2000).
COMO TORNAR A EDUCAÇÃO INCLUSIVA?
A resposta a essa pergunta pode ser dada através de soluções simples e concretas para
muitos, mas complexas e demoradas para tantos; exige o desejo de conhecer, de se
arriscar, de se envolver e agir. Buscar essas respostas é construir uma sociedade inclusiva.
Segundo Mrech (2005), o processo educativo de uma escola inclusiva deve ser entendido
como um processo social, em que todas as crianças portadoras de necessidades especiais
e de distúrbios de aprendizagem têm o direito à escolarização o mais próximo do normal.
A escola inclusiva deve ser uma escola líder em relação às demais escolas, segundo
Almeida (2005), com padrões de desempenho por parte de todas as crianças envolvidas,
em que os professores estejam mais próximos dos alunos na captação das suas maiores
dificuldades; uma escola que proporcione um maior apoio e continuidade no desenvolvimento profissional, uma rede de suporte para superação das suas maiores dificuldades,
e que esteja integrada à sua comunidade, tendo os pais como parceiros. Os critérios de
avaliação antigos deverão ser mudados para atender às necessidades dos alunos portadores
de deficiência.
Para Monteiro (2004), a educação inclusiva “deve assegurar um conjunto de recursos
e serviços educacionais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar,
suplementar e até substituir os serviços educacionais comuns, garantindo o atendimento
às diferenças dentro da diversidade humana”. Diz ainda a autora que o compromisso dos
educadores deve ser garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento pleno do
indivíduo, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação.
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Para que haja educação inclusiva são necessárias várias ações na escola, na sociedade,
na família, como: melhor investimento na formação do professor, proporcionando-lhe
meios criativos para que elabore planejamentos eficazes para as aulas e desenvolva a percepção das diferenças e das possibilidades das pessoas com deficiência, aprendendo a lidar
com necessidades e alternativas; adaptações na escola, conforme estipulam as leis que
amparam os deficientes, facilitando-lhes o acesso; assistência à saúde; qualificação profissional; estímulo e facilidade à prática de esporte; cultura e lazer; prática de ética, moral,
religião, amor ao próximo.
Segundo Mantoan (2005), para haver um projeto escolar inclusivo são necessárias
mudanças nas propostas educacionais da maioria das escolas, uma nova organização
curricular idealizada e executada pelos seus professores, diretor, pais, alunos e todos os que
se interessam pela educação na comunidade onde está a escola. Para ela, a escola inclusiva
caracteriza-se por ter a progressão no ensino de forma sincrônica e organizada em ciclos
de formação e de desenvolvimento, e não serial e linear, como acontece nas escolas.
É preciso saber como vivem as pessoas com deficiência, conhecer suas expectativas,
necessidades e alternativas, para que se possa realmente pensar nas dificuldades e
conquistas desses excluídos e na possibilidade de concretização dos seus direitos
(GODOY, 2000).
AS AÇÕES AFIRMATIVAS
As ações afirmativas fazem parte de exemplos que abrem caminhos para a igualdade
de oportunidades, direitos humanos para todos.
Gomes (2001, p. 40) define as ações afirmativas:
como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem
nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais
como a educação e o emprego.
Somente na última década do século passado é que começaram a ser tratadas, no
Brasil, pelos governos, estadual, federal e municipal. Antes desse período, as discussões
limitavam-se aos simpatizantes pela causa, aos estudiosos do assunto como antropólogos,
sociólogos e historiadores e aos militantes do Movimento Negro, embora a luta desse
movimento date dos meados do século XVI. Foi por ocasião das comemorações do
tricentenário da morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1995, que alcançou maior
representatividade, tanto no meio político, como na sociedade civil. Nessa data, o
Movimento Negro Unificado (MNU) realizou um ato de protesto que ficou conhecido
pelo nome de Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida,
ocasião em que os organizadores do movimento entregaram ao então Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso, um documento falando sobre a situação do
negro e um programa de ações para combate ao racismo e às desigualdades raciais no país
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Educação inclusiva
(JACCOUD, 2002, p. 19). Dentre as mais diversas reivindicações, dois itens constantes
no MNU eram específicos sobre a educação: “Recuperação, fortalecimento e ampliação
da escola pública, gratuita e de boa qualidade; desenvolvimento de ações afirmativas para
o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e as áreas de tecnologia
de ponta”. Após essa marcha, as reivindicações da população negra passaram a contar
com o apoio do governo federal. O fato de maior relevância, entretanto, foi a III
Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia Intolerância
Correlata, realizada em Durban em 2001. Segundo Carvalho (2002), nessa conferência
o governo brasileiro admitiu abertamente a existência de discriminação racial no país, e
por isso várias ações afirmativas começaram a ser implementadas, como resposta às
demandas da sociedade e à comunidade internacional, agora consciente da desigualdade
racial existente no país. Antes da realização da III Conferência de Durban, já se encontravam em tramitação, na esfera do poder legislativo, vários projetos de leis que beneficiariam a população negra, a exemplo do PL n. 3.198 de 2000, de autoria do então
deputado e hoje senador, Paulo Paim, que propõe a criação do Estatuto da Igualdade
Racial, em cujo Capítulo II, art. 11 está prevista a adoção de cotas para negros no ensino
público e privado; em todos os demais poderes foram criadas leis com a finalidade de dar
sustentação legal às ações que estão sendo propostas. Mas foi com a III Conferência que
o número de leis criando benefícios para a população negra aumentou. No âmbito do
poder executivo, há o Decreto 4.886, de 20 de novembro de 2003, que trata da Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial – PNPIR; nesse Decreto, no item II, onde
são tratados os objetivos específicos sobre a educação, encontra-se a parte que trata das
ações afirmativas, com a indicação para adoção de cotas nas universidades e no mercado
de trabalho. As universidades começaram então a adotar a política de cotas.
Para Gomes (2001), o que tem gerado muita polêmica é a forma como as ações
afirmativas têm sido implementadas. Essas ações não têm apenas o objetivo de coibir a
discriminação, mas também possibilitar a implantação de uma maior representatividade
dos grupos minoritários nos diversos campos de atividade, tanto públicos como privados.
Pretende-se, ao adotá-las, ajudar as vítimas a atingir objetivos notadamente inalcançáveis,
se o combate à discriminação se limitasse às leis meramente proibitivas.
Para Sowell (2004), pesquisador americano, as ações afirmativas, por razões altamente
discrepantes, têm sido aplicadas em sociedades diferentes com programas que compartilham características muito semelhantes e freqüentemente levam a resultados muito
parecidos. Alguns grupos preferenciais existem para minorias, outros para maiorias.
Atualmente, os programas para os menos privilegiados é que são chamados de ações
afirmativas nos Estados Unidos; de “discriminação positiva” na Grã-Bretanha e na Índia;
de “padronização” no Sri Lanka; “refletindo o lado federal do país” na Nigéria; “filhos do
solo” na Malásia e Indonésia e também em alguns estados na Índia. Grupos preferenciais
também existem em Israel, China, Austrália, Brasil, entre outros.
Sowell (2004) diz que, apesar de serem bastante variados os motivos de se estabelecerem grupos preferenciais e cotas em alguns países do mundo, a lógica de seus incentivos
tende a produzir conseqüências parecidas em sociedades totalmente diferentes. Tanto os
incentivos quanto as conseqüências tendem a ser ignoradas nas discussões políticas, que se
preocupam em justificar as políticas preferenciais e enaltecer seus benefícios, ignorando
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totalmente os resultados práticos delas. Ninguém se preocupa em estudar os fatos históricos.
Porém, o que as políticas de grupos preferenciais fizeram em alguns países foi gerar um
desconforto entre diferentes grupos da sociedade, além de não atingirem os objetivos
para os quais foram criadas.
Tal pesquisador, que é contrário à adoção de tais políticas, diz que, embora tenham
se tornado um fato comum, os programas de ações afirmativas são vistos como algo indesejável pelas próprias pessoas que as promovem. Ainda para ele, apesar de essas pessoas
apregoarem que tais programas são temporários, essas políticas não só têm persistido
como aumentado. Reafirma ainda que esses sentimentos subjetivos influenciam as políticas;
mesmo onde há dados estatísticos adequados sobre o progresso de grupos que receberam
tratamento preferencial, determinar quanto tal progresso resultou de políticas preferenciais e não de outros fatores continua sendo um desafio.
Sowell (2004) ainda ressalta que o padrão errôneo dos beneficiários dos programas
de ação afirmativa deveria suscitar o questionamento da premissa na qual a ação afirmativa
se baseia; a premissa é de que uma distribuição desigual de renda e emprego indica
intenções discriminatórias para com os menos afortunados, o que deve ser contrabalançado com políticas preferenciais. Porém, quando essas políticas bem intencionadas
demonstram o mesmo padrão errôneo do que elas deveriam combater, fica difícil não
concluir que algo mais do que intenção deve ser levado em conta; deve-se analisar quem
é a vítima e quem não é.
Ainda para o autor citado, as disparidades estatísticas não provam nada sobre discriminação, porque elas são comuns mesmo em situações em que os dominantes estatisticamente não têm como discriminar. A culpa dos poucos benefícios da ação afirmativa,
principalmente para os que são realmente necessitados, normalmente, recai na falta de
zelo ou mesmo na má-fé dos administradores de programas.
A ação afirmativa também pode ser “soma negativa” quando membros de grupos não
preferenciais se retiram da sociedade, privando-a de sua contribuição, como, por exemplo,
na África após o “apartheid”; com a ação afirmativa para os negros, muitos trabalhadores
brancos do governo se aposentaram mais cedo e milhares deles emigraram a cada ano
(SOWELL, 2004).
Inúmeras teorias, premissas e princípios têm sido usados para justificar programas de
ação afirmativa – alguns são comuns em todo o mundo, outros são peculiares a certos
países ou comunidades. O que é impressionante é que raramente essas noções são testadas
empiricamente ou são definidas de forma clara ou lógica, ou mensuradas de acordo com
as conseqüências dolorosas que irão gerar. Se as pessoas observassem as conseqüências
reais dessas políticas, certamente não encontrariam nenhum argumento a favor delas, a
não ser que considerassem que qualquer reparação social, mesmo pequena, compensa
quaisquer custos ou perigos, mesmo grandes.
Na opinião de Walters (1996, p. 121) “as ações afirmativas, em conjunto com
outros mecanismos, têm auxiliado não somente na ampliação das oportunidades
igualitárias e na promoção da inclusão, mas, acima de tudo, elas têm ajudado a criar
uma sociedade mais democrática”. Fazem também com que se perceba a existência de
um princípio e a disposição de meios que auxiliem uma sociedade a adquirir um balanço
socioeconômico melhor das condições necessárias. Para ele, aqueles que são contra tais
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medidas argumentam pela perpetuação dos desequilíbrios e, talvez, pela perpetuação da
instabilidade social.
Vieira (2003, p. 93) sugere que algumas reflexões devem ser feitas no que se refere à
adoção de um modelo de ação afirmativa no Brasil, que não deve adotar como parâmetro
o dos EUA, porque o Brasil trilha em caminho oposto; decorre disso que cabe igualmente investir no estudo das características das relações Estado/sociedade no Brasil, pois
estas, historicamente construídas no confronto entre momentos de autoritarismo e de
participação democrática, tornaram a luta social peculiar no Brasil e seus reflexos podem ser
encontrados na independência da sociedade civil, na implementação de ações afirmativas.
Conforme Carvalho (2002) e Munanga (2003), a situação dos povos indígenas, em
termos de exclusão em relação ao ensino, em todos os níveis, é visível, e ações de inclusão
de indígenas são poucas. Algumas atitudes têm sido tomadas, como alguns convênios
firmados com universidades e a realização do projeto Tucum de formação e capacitação
de professores indígenas, em nível de magistério, para as comunidades de Mato Grosso
(Xavantes, Paresi, Apiaka, Irantxe entre outros).
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A ESCOLA DE QUALIDADE
Como há um cruzamento entre o movimento da educação inclusiva e a busca de uma
escola de qualidade para todos, é relevante a pesquisa feita por Casassus (2002), na
América Latina. Casassus direcionou a atenção para a desigualdade educacional e as
possíveis soluções para superá-la, analisando os fatores socioeconômicos e socioculturais;
função de produção (relativo aos fatores internos à escola) e a análise multinível, que
permitia ver os impactos dos fatores internos e externos à escola no sucesso. Ao final de
um longo trabalho, concluiu que os estudantes com contextos familiares diferentes têm
resultados desiguais e que o status sociocultural dos pais tem um peso bastante significativo. Quanto aos fatores internos à escola, o autor constatou que o mais significativo
é o clima emocional existente na aula, que tem um impacto muito grande nos resultados
escolares.
Segundo Casassus (2002), as reformas educacionais foram estruturadas tomando-se
por base o modelo insumo-produto, e este estava direcionado para melhorar a qualidade
da educação e não para superar a desigualdade, e após dez anos de reforma, houve
apenas uma pequena melhoria no rendimento escolar, mas a distância entre as escolas
permanece. Para ele, as escolas bem-sucedidas e que favorecem um melhor desempenho
têm: disponibilidade de materiais didáticos e recursos na biblioteca, autonomia profissional, tanto na gestão quanto na docência; formação inicial pós-médio dos professores;
poucos alunos por professor na sala de aula; avaliação de forma sistemática; a comunidade envolvida e um ambiente emocional favorável à aprendizagem. Dentre essas
características, duas têm um significado maior sobre o ponto de vista de uma escola
inclusiva: trata-se da não-existência de nenhum tipo de segregação, seja intelectual, racial
ou de gênero, a cultura fomentando a diversidade e a aceitação do outro; a outra característica trata do ambiente emocional que favorece a aprendizagem e o peso que este tem
sobre os demais. Essas duas variáveis, sob o ponto de vista de uma escola inclusiva,
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favorecem muito os seus atores. Tem-se, portanto, as variáveis que qualificam uma escola
inclusiva: se os responsáveis pela sua gestão conseguirem colocá-las em prática, num
futuro próximo, as crianças que estiverem ingressando nesse novo sistema de ensino só
irão tomar conhecimento da política de ação afirmativa, cotas para negros e índios no
ensino superior através da literatura. Se elas são colocadas em prática, num sentido positivo
e de maneira articulada entre si, as possibilidades de melhores desempenhos dos meninos
e meninas serão potencializadas, e os impactos negativos da desigualdade estrutural
serão atenuados, reduzindo-se, desta forma, a distância entre os que têm e os que não
têm (CASASSUS, 2002, p. 157).
Castro (1999) apresentou um estudo do comportamento dos indicadores educacionais na década de 90 e fez um balanço da situação educacional do país, o que está
sendo feito tanto na área federal como na estadual e municipal para a melhoria do ensino
no Brasil. “A liderança do governo federal no campo das políticas de promoção da eqüidade
e da qualidade do sistema educacional somente foi assumida com maior desenvoltura na
década de 90, consolidando-se nos últimos quatro anos”, segundo Castro (1999, p. 18).
Os Estados e os Municípios se tornaram importantes atores na formulação e implementação dessas políticas, ficando o Ministério de Educação e Cultura – MEC, com papel
de articulador e monitor dessas políticas. Ainda para Castro (1999), o governo passou a
adotar sistemas nacionais de avaliação e indicadores educacionais para todos os níveis de
ensino e deixou de ser executor direto de ações, principalmente na área de educação básica.
Na área de avaliação, houve uma importante mudança cultural entre gestores e dirigentes
dos sistemas de ensino, que passaram a considerar os processos avaliativos externos às
escolas como um instrumento importante para o monitoramento das políticas. Castro
(1999, p. 17) aponta várias políticas adotadas para a melhoria da qualidade da educação
básica: o aperfeiçoamento metodológico e a consolidação do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb); a avaliação pedagógica qualitativa dos livros didáticos e a elaboração e distribuição do “Guia de Avaliação do Livro Didático”; a discussão,
formulação e divulgação de referenciais e metas de qualidade por meio dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino fundamental. Fala também das ações que
vêm sendo promovidas pelo governo brasileiro, procurando construir um sistema de
ensino com qualidade e com eqüidade, por estabelecimento do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ), do
Censo Educacional e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
CONCLUSÃO
É fundamental a reflexão nos meios políticos, educacionais e sociais sobre a educação
inclusiva, a que ela pode levar, como e por quem pode ser construída.
Segundo Prieto (2000), a inclusão é uma possibilidade que se abre para o aperfeiçoamento da educação escolar e para o benefício de todos os alunos com e sem deficiência;
ensinar é marcar um encontro com o outro, e a inclusão escolar provoca, basicamente,
uma mudança de atitude diante do outro, esse que é alguém especial e que requer do
educador ir além.
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Educação inclusiva
Para Monteiro (2004), a inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular demanda não apenas a matrícula do aluno ou a permanência física junto com aqueles considerados normais, mas a oportunidade de serem
revistas concepções e paradigmas, num profundo respeito pelas suas diferenças, para se
aprender a conviver com as diferenças, o que é uma das maiores dificuldades da
humanidade. Diz ainda que, para atender às diferenças e às necessidades especiais, é preciso mudar o olhar da escola, pensando não a adaptação do aluno, mas a adaptação do
contexto escolar aos alunos, romper barreiras humanas e arquitetônicas, “criando novos
conceitos, dando novos sentidos, ressignificando a aprendizagem e, conseqüentemente,
o desenvolvimento humano”.
Quanto às ações afirmativas, as opiniões dos estudiosos são conflitantes quanto à
eficiência ou não dessas políticas. Enquanto Sowell declara-se, veementemente,
contra a adoção dessa política, que para ele só tem gerado mais discriminação nos
países que a adotaram, outros vêem tal política como sendo positiva e necessária.
Para vários pesquisadores brasileiros, as medidas são necessárias e benéficas, com função
reparadora e inclusiva, pois funcionam como um instrumento de promoção de eqüidade
para as minorias negras e indígenas.
Casassus, em sua pesquisa, aponta caminhos a serem seguidos por uma escola inclusiva
que deriva de uma escola sem desigualdades e que tem a eqüidade como meta.
Há diversos caminhos para se fazer uma educação inclusiva, devendo a escola e a
comunidade eleger as melhores formas, observando pesquisas e estudos a respeito e fazendo
as modificações que forem necessárias para que o processo de educação inclusiva realmente aconteça. Conforme Freitas (2002), uma escola para todos somente será realidade
quando a escola for, além de um local de aprendizagem, um local de tomada de consciência e de luta contra as desigualdades sociais.
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Educação inclusiva
Inclusive education: meaning and reality
Abstract
To have an integral education for all, it is necessary to talk about inclusive education, its meaning and
importance in the social and educational context. Inclusive education is a process that tries to reintegrate
within the school system, at all levels, the excluded persons (excluded on account of learning disabilities
or identified as handicapped, excluded because of gender or color or many other reasons). It is a social
process that requires the mobilization of the political sector, the community, the parents, the school managers, the teachers and all of the students, handicapped or not. In spite of several laws in favor, not much
has been done to make inclusive education happen. An example is affirmative actions. To have a really
democratic society, it is necessary to create a new social order through which all may be included in the
universe of rights and duties.
Keywords: Inclusive education. Excluded persons. Affirmative actions.
Éducation inclusive : signification et réalité
Résumé
Pour avoir une éducation intégrale pour tous, il faut parler de l’éducation inclusive, de sa signification
et de son importance dans le contexte social et éducationnel. L’éducation inclusive est un processus qui
cherche à reintégrer dans le système d’enseignement, à tous ses niveaux, les personnes excluées (excluées
parce ce qu’elles sont handicappées ou ont des problèmes d’appentissage ou des déficiences, excluées par
son genre, sa couleur ou beaucoup d’autres motifs). C’est un processus social qui requiert la mobilisation
du secteur politique, de la communauté, des parents, des gestionnaires de l’école, des maîtres, de tous les
élèves, porteurs de déficiences ou non. Malgré les différentes lois à faveur, peu a été fait pour que
l’éducation inclusive se réalise. Un exemple sont les actions affirmatives. Pour avoir une société réellement
démocratique, il faut crier une nouvelle ordre sociale, à travers de laquelle tous soient inclus dans
l’univers des droits et des devoirs.
Mots clefs : Éducation inclusive. Personnes excluées. Actions affirmatives.
Educación inclusiva: significado y realidad
Resumen
El presente artículo, basado en estudios bibliográficos de pesquisadores de la actualidad acerca del tema,
discute un abordaje más amplio del concepto de escuela inclusiva, ya que una sociedad democrática
necesita que todos sean incluidos con sus derechos y deberes. Es necesario hablar de la educación
inclusiva, su significado e importancia en el contexto social y educacional para que haya educación
integral para todos. Educación inclusiva es un proceso que intenta reponer en la red de enseñanza, en
todos sus grados, las personas excluidas (portadoras de necesidades especiales, de disturbios de aprendizaje
o de deficiencia, excluidas por género, color u otros motivos). A pesar de varias legislaciones a favor, poco
ha sido hecho en prol de la educación inclusiva. Para que ocurra, es necesario la mobilización y la reflexión
del sector político, de la comunidad, de los padres, de los gestores de escuela, de los profesores, de todos
los alumnos, especiales o no.
Palabras-clave: Educación inclusiva. Personas excluidas. Acciones afirmativas.
Recebida 1ª versão em: 07.06.2005
Aceita 2ª versão em: 20.12.2005
Linhas Críticas, Brasília, v. 11, n. 21, p. 217-227, jul./dez. 2005
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