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Holy Profane: the Umbanda and the Religious Market
Sagrado profano: la umbanda y el mercado religioso
Ítalo Lobo
Florence Dravet
Formado em Publicidade e Propaganda (Bacharelado) pela Universidade
Católica de Brasília – UCB.
E-mail:
[email protected]
Professora do Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de
Brasília, Dra. em Ciências da Linguagem (Paris 3). Pós-doutorado em
Comunicação (UnB).
E-mail:
[email protected]
Resumo
Abstract
Resumen
A Umbanda, oriunda do sincretismo religioso
brasileiro, sofre um declínio no número oficial
de praticantes, embora os terreiros estejam
cheios. Algumas igrejas neopentecostais
empregam técnicas de marketing para
expandir sua presença na sociedade e
utilizam os meios de comunicação para
difamar as práticas umbandistas, acusandoas de praticarem atividades “demoníacas”.
Busca-se entender aqui como a Umbanda
se posiciona frente ao mercado religioso e
de que forma ela utiliza as ferramentas da
Comunicação para proteção, preservação e
expansão de suas práticas.
Umbanda religion, stablished on the Brazilian
religious syncretism, has been declining
in terms of practitioners, even though, the
so-called terreiros are always crowded.
Some Neopentecostal churches have been
using marketing techniques to expand its
presence in society along with mass medias
in order to vilify the Umbanda practices,
accusing them of “demonic”. In this paper,
we seek to understand how Umbanda is
positioning itself in the religious market and
which communication strategies are used to
protect, preserve and expand its practices.
La Umbanda, derivada del sincretismo
religioso brasileño, sufre um descenso en
el número oficial de praticantes, aúnque
las casas estean llenas. Algunas iglesias
neopentecostales emplean técnicas del
marketing para ampliar su presencia en la
sociedad y usan los medios de comunicación
para difamar a las prácticas umbandistas,
acusándolos de practicar actividades
demoníacas. Busca entenderse aqui como
la Umbanda se posiciona frente al mercado
religioso y cómo utiliza las herramientas
de comunicación para la protección,
conservación y expansión de sus prácticas.
Palavras-chave:
Umbanda.
Mercado
Religioso. Comunicação. Religiosidade.
Keywords: Umbanda. Religious Market.
Media. Religiosity.
Palabras-claves:
Umbanda.
Mercado
religioso. Comunicación. Religiosidad.
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Introdução
A Umbanda, religião derivada do Candomblé, do
Espiritismo Kardecista e do Catolicismo popular, é uma
evolução do polissincretismo religioso, que perpassa pela influência dos ritos e crenças da ancestralidade indígena existente no Brasil.
Renato Ortiz, em A Morte Branca do Feiticeiro Negro (1991), posiciona a Umbanda como um dos resultados do fenômeno da
industrialização e urbanização brasileira, que, por se adequar
melhor às novas necessidades da nova sociedade, atrai adeptos das mais variadas categorias e religiões.
Sendo a Umbanda um dos resultados da sociedade pósmoderna, fruto da urbanização e industrialização do país,
era de se esperar que o seu crescimento acompanhasse o desenvolvimento das cidades, entretanto, não é isso que se observa quando nos deparamos com os dados oficiais de 2010
sobre as religiões no Brasil. Reginaldo Prandi (2004) aponta um declínio no número de praticantes autodeclarados da
Umbanda, afirmando que a causa são as novas condições de
expansão das religiões no contexto social da pós-modernidade e defende a urgente necessidade das religiões afro-brasileiras se expandirem e se posicionarem de forma mais forte
no mercado religioso.
Além disso, a intolerância e o preconceito, que crescem de forma assustadora no país e os constantes ataques e
perseguições que sofrem os adeptos das religiões afro-brasileiras, também podem ser a razão desse aparente declínio da Umbanda.
Para compreender melhor esse cenário, o presente artigo se propõe a analisar a Umbanda no atual contexto social. Com base em pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo
qualitativa, apresenta seus conceitos básicos e apresenta os
problemas enfrentados pela religião, além de verificar de que
forma ela trabalha e se encaixa nessa realidade capitalista de
mercantilização da fé.
Dessa forma, temos por objetivo analisar a atitude da
Umbanda perante a mercantilização da fé e de que forma ela
utiliza, ou não, as ferramentas oferecidas pela Comunicação,
tais como as técnicas da propaganda e do marketing, para a
proteção, preservação e expansão de suas práticas.
O texto se divide em três momentos: a contextualização sobre o cenário da Umbanda no Brasil e a atual situa-
ção de mercado das religiões; uma abordagem sobre o que é
a Umbanda, o mercado religioso e o marketing na religião;
e a interpretação de seis entrevistas realizadas com líderes
de casas de Umbanda e demais religiões afro-brasileiras em
Brasília.
1. O axé na sociedade de mercantilização da fé
Embora o Brasil seja um país com liberdade de culto
assegurada pelo Estado, conforme estabelece o Art. 19 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a
Umbanda, assim como as demais denominações de matrizes
afro-brasileiras, continua a sofrer com a intolerância religiosa, sendo alvo de constantes perseguições e agressões físicas,
morais e simbólicas.
Em uma primeira leitura desse fato, podemos associar
o severo declínio da população autodeclarada praticante da
Umbanda e das demais religiões afro-brasileiras, aos constantes ataques e perseguições que sofrem seus adeptos. De
acordo com Prandi (2004), em 1980, 0,6% da população se
declaravam membros das religiões afro-brasileiras. Em 1991,
apenas 0,4%. Em 2000, cai para 0,3% e se mantém até o
ultimo censo realizado em 2010. Segundo os dados oficiais,
existem aproximadamente 407 mil praticantes da Umbanda
(0,2%); 167 mil do Candomblé (0,09%); e 14 mil de outras
religiões de matrizes africanas (0,01%).
Sabe-se que tal levantamento não condiz com a realidade, uma vez que não expressa a real quantidade de pessoas
que praticam e/ou participam dos cultos e ritos de matrizes
afro-brasileiras. De acordo com texto publicado pelo site da
Fundação Cultural Palmares (FCP)1, o temor da discriminação e a vergonha por praticar uma religião considerada por
muitos como primitiva ou “coisa de negros e ignorantes”, entre outros elementos, faz com que milhares de pessoas não
assumam sua religiosidade em público ou não se sintam confortáveis em falar da sua fé.
O Coletivo de Entidades Negras (CEN), com o apoio de
diversas outras organizações sociais do Movimento Negro
e órgãos governamentais, lançou, em 2010, a campanha
“Quem é de Axé diz que é!” com o objetivo de reforçar a autoestima e dar maior visibilidade aos praticantes das religiões
1 Texto disponível em <http://www.palmares.gov.br/?p=4104>.
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de matrizes afro-brasileiras em todo o país, valorizando o fazer afro-religioso e reafirmando sua identidade. Acreditavase que esta ação possibilitaria uma alteração substancial nos
números do Censo e forneceria elementos para a criação de
novas políticas públicas voltadas aos povos de terreiro.
O vídeo, de quase 2 minutos, traz as lideranças religiosas e praticantes das mais diversas religiões afro-brasileiras
convocando os povos de terreiro a se autodeclararem como
tal para o Censo 2010. A campanha foi amplamente divulgada na Internet e também por meio de cartazes, presença
em eventos com temas relacionados e anúncios em jornais
e revistas.
É importante ressaltar que, devido ao que se chama de
polissincretismo religioso, berço das religiões no Brasil,
muitos praticantes da Umbanda, do Candomblé e demais
manifestações afro-brasileiras se identificam e se autodeclaram como católicos.
Deste modo, é comum, mesmo atualmente quando a liberdade da
escolha religiosa já faz parte da vida brasileira, muitos seguidores
das religiões afro-brasileiras ainda se declararem católicos. Isso
faz com que as religiões afro-brasileiras apareçam subestimadas
nos censos oficiais do Brasil (PRANDI, 2004, p. 225).
Ainda, deve-se levar em consideração as dificuldades
para o levantamento das casas e/ou terreiros existentes no
País. Um dos problemas encontrados pelo Professor Jocélio
Teles dos Santos2, ao realizar o recenseamento das casas de
candomblé na Bahia foi, de que forma precisar se um determinado espaço religioso pode ser considerado um terreiro,
segundo definição consagrada do termo, tanto nos estudos
afro-brasileiros como no cotidiano das casas de culto.
Durante a realização desse levantamento, houve casas/
terreiros identificados que se recusaram a responder ao
questionário por medo da perseguição religiosa. Outros não
foram localizados devido a problemas nos endereços informados, sendo considerados inexistentes. E, por fim, existem
aqueles que foram fechados pelo falecimento ou doença das
2 Doutor e mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e
atualmente professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuando nas áreas de antropologia, etnologia, religiosidade afro-brasileira e ações afirmativas no
ensino superior.
lideranças e não tiveram suas atividades mantidas pelos herdeiros da casa.
Visando conhecer e reconhecer os lugares de expressão
da religiosidade de matriz africana no Brasil, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desenvolveu experiências de identificação e salvaguarda dos terreiros em cidades como Salvador (BA), Belo Horizonte (MG),
Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR). Esta última passa por um
processo de invisibilidade da cultura de matriz africana, sendo necessários esforços de pesquisa na coleta da documentação histórica, em agências públicas relacionadas à área cultural e informações na oralidade dos que mantêm a tradição
das casas de Candomblé mais antigas da cidade, conforme
explica matéria publicada no site da instituição3.
Em relação ao medo da perseguição religiosa, nota-se
que devido ao insuficiente suporte governamental, os casos
de violência contra praticantes de religiões afro-brasileiras
têm se tornado cada vez mais frequentes. Os ataques aos praticantes das religiões de matriz africana e os atentados aos
terreiros foram destaques durante o ano de 2015. De acordo com dados do Disque 100, de 2011 até o 1º semestre de
2015, foram recebidas 581 denúncias de discriminação religiosa.
No intuito de combater esse crescente preconceito religioso e defender a liberdade, a laicidade e a garantia de direitos no país, valorizando a diversidade religiosa, o respeito ao próximo e o convívio harmonioso entre as religiões,
o Ministério da Cultura (MinC) e a Fundação Cultural
Palmares (FCP) lançaram, em janeiro de 2016, a campanha
“Filhos do Brasil”.
A campanha, que tem como embaixador o cantor e compositor de samba Arlindo Cruz, é composta por um vídeo
de 2 minutos e um conjunto de depoimentos postados no
hotsite da campanha, hospedado no site do Ministério da
Cultura, com o mote na valorização à diversidade religiosa, o
respeito ao próximo e o convívio com a alteridade.
Com duração de 30 segundos na TV e de 2 minutos na
internet, a peça afirma que “quando nasce um brasileiro,
3 Texto disponível em <http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3462/projeto-lugares-de-axe-mapeia-terreiros-de-candomble-de-curitiba-e-regiao-metropolitan>.
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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nasce uma alma livre para escolher no que acreditar” e que
“quando nasce um brasileiro, independente do que escolheu
acreditar, nasce um filho do Brasil”.
Na análise de Prandi (2004), as agressões e perseguições
no Brasil já não são mais realizadas pelos órgãos oficiais, mas
passaram a acontecer por parte das denominações religiosas
neopentecostais4, com horários comprados nos meios de comunicação.
Segundo Silva (2007), os neopentecostais utilizam-se do
discurso da conversão e pregam a necessidade de eliminar a
presença e as manifestações demoníacas do mundo, acusando as religiões afro-brasileiras de favorecimento ao demônio,
propiciando espaços privilegiados para que ele se manifeste
disfarçadamente nas divindades cultuadas nesses sistemas.
Essa demonização das religiões afro-brasileiras propagada pelo neopentecostalismo já estava presente nas fases
anteriores ao movimento pentecostal, entretanto, não se
convocavam os “exércitos de Cristo” para saírem às ruas e
impedirem rituais, ou mesmo tentar fechar terreiros, como
tem ocorrido nas últimas décadas, afirma Silva (2007).
Contudo, deve-se ter em mente uma certa proximidade
que o neopentecostalismo possui com a Umbanda. Não só em
relação ao público de maior penetração das duas religiões as classes mais desfavorecidas da sociedade - mas também na
utilização das mesmas figuras simbólicas em seus rituais, ainda que de formas diferentes, ressignificando práticas e ritos
das religiões afro-brasileiras nas pregações neopentecostais.
São frequentes os rituais nas igrejas neopentecostais que
se assemelham com os ritos e práticas das religiões afro-brasileiras, como, por exemplo, a bênção de rosas e óleos, a oração
em copo d’água e em objetos pessoais que visam à cura dos
males físicos e espirituais por meio da manipulação das energias. Ainda, existem as incorporações do “espírito santo” e a
denominada fala em “língua dos anjos”, que se assemelham às
incorporações de entidades e Orixás que ocorrem dentro dos
terreiros de Umbanda e Candomblé.
Com relação à proximidade entre essas religiões, até então tidas como antagônicas, Silva (2007) cita os estudos de
Peter Fry e Gare Howe (1975) que apontam o distanciamento
do neopentecostalismo do pentecostalismo clássico e a aproximação com a Umbanda e outras religiões afro-brasileiras.
O próprio Edir Macedo5 (apud SILVA, 2007, p. 227) reconhece que:
4 Vertente das religiões evangélicas tradicionais que surge na metade da década de
70 com base na “Teologia da Prosperidade”. Tendo como precursores no Brasil os
pastores Edir Macedo, R. R. Soares e Miguel Ângelo.
5 Edir Macedo Bezerra é bispo evangélico, escritor e empresário brasileiro. É o fundador e atual líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e proprietário do Grupo Record, a segunda maior emissora de televisão do Brasil.
Se alguém chegar à igreja no momento em que as pessoas estão sendo libertas, poderá até pensar que está em um centro de macumba,
e parece mesmo [...] Alguém poderá pensar: “Como podem baixar
esses espíritos em uma igreja, uma Casa de Deus”. É importante,
antes de mais nada, termos a ciência de que as pessoas nas quais
se manifestam os espíritos infernais não os encontram na igreja:
estavam dentro delas.
As igrejas neopentecostais utilizam uma linguagem pejorativa e preconceituosa para tratar das religiões afro-brasileiras, vinculando a palavra macumba, que se refere a um antigo instrumento de percussão de origem africana e que hoje,
de forma mais genérica e difundida na sociedade, designa os
cultos afro-brasileiros, aos “espíritos infernais” e práticas
demoníacas. Silva (2007) afirma que esse combate dos neopentecostais estimula o crescimento de suas igrejas em função
da evasão de adeptos e clientes dos terreiros, promovendo a
degeneração da imagem pública destes últimos.
Contudo, não se pode afirmar que a diminuição dos praticantes autodeclarados das religiões afro-brasileiras ocorra
apenas e unicamente devido às ações de intolerância religiosa. Segundo Pierucci e Prandi (1996), as novas condições de
expansão das religiões no contexto social da pós-modernidade são a grande razão do declínio:
Desde que a religião perdeu para o conhecimento laico-cientifico a
prerrogativa de explicar e justificar a vida nos seus mais variados aspectos, ela passou a interessar apenas em razão do seu proveito individual. Como a sociedade e a nação não precisam dela para nada essencial ao seu funcionamento, e a ela recorrem apenas festivamente,
a religião foi passando pouco a pouco para o território do indivíduo.
E deste para o do consumo, onde se vê agora obrigada a seguir as
regras do mercado (PIERUCCI; PRANDI 1996, p. 260).
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Com a chamada pós-modernidade, aconteceram mudanças culturais que impactaram no comportamento religioso. Devido ao desenvolvimento da ciência, as religiões
perderam, até certo ponto, o seu papel elucidativo e sua capacidade de determinação de sentido para o ser humano.
Guerra (2000) defende a existência de um processo
crescente de transformação da religião em item de consumo,
oferecido aos indivíduos no mercado de maneira semelhante
a dos outros bens simbólicos, tais como estilos de vida e de
identidade cultural. Dessa forma, a religião cada vez mais se
segmenta e diversifica a oferta e a demanda:
A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado.
Nela, as instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as
tradições religiosas tornam-se bens de consumo. E, de qualquer forma,
grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada
pela lógica da economia de mercado (BERGER, 1985, p. 149).
Desta forma, entende-se que o crescimento religioso
contemporâneo não se resume somente ao poder do conteúdo teológico ou espiritual pregado que, anteriormente,
visava ensinar aos fiéis o respeito à vida e à morte, com ênfase
na vida eterna. Agora, estes conteúdos são estruturados também por uma lógica mercantil que os distancia do sagrado e
associa a salvação ao consumo.
Começa a se pensar a religiosidade na ótica mercadológica, transformando-a em um item para o consumo. Nesse
novo cenário, com enorme pluralidade religiosa, tem início
uma competição velada por novos fiéis (clientes), o que gera
transformações em inúmeras organizações religiosas, que
moldam os seus discursos e práticas à nova realidade. Silva
(2007) questiona essa escolha das religiões afro-brasileiras
como principais alvos dos ataques, uma vez que não possuem
elevada representatividade na sociedade:
O ataque às religiões afro-brasileiras, mais do que uma estratégia
de proselitismo junto às populações de baixo nível socioeconômico,
potencialmente consumidoras dos repertórios religiosos afro-brasileiros e neopentecostais, é consequência do papel que as mediações mágicas e experiência do transe religioso ocupam na própria
dinâmica do sistema neopentecostal em contato com o repertório
afro-brasileiro (SILVA, 2007, p. 208).
Portanto, não se pode desconsiderar o caráter de competitividade mercadológica dos constantes discursos de ódio e
ataques direcionados à Umbanda, ao Candomblé e às demais
religiões afro-brasileiras.
Segundo Prandi (2004), o mercado religioso atual impõe mudanças constantes para as religiões, que nem sempre
as afro-brasileiras conseguem assumir. Alega que elas ainda
são agarradas às suas tradições e, por isso, não conseguem se
atualizar e entrar no mercado religioso de modo competitivo
e enfrentar os “concorrentes” que agem de forma agressiva, crescendo à custa das religiões afro-brasileiras. Defende,
ainda, a urgente necessidade das religiões afro-brasileiras
se expandirem e se posicionarem de forma mais forte no
mercado religioso, como instituições competitivas frente às
demais religiões existentes no Brasil, especialmente as neopentecostais que vêm crescendo rapidamente nas últimas décadas.
Nesse cenário de disputa por mercado, as religiões neopentecostais foram as que melhor souberam utilizar os princípios mercadológicos para se expandir e consolidar social e
comercialmente. Com o uso das técnicas da propaganda, do
marketing e de estratégias que privilegiam o uso dos meios de
comunicação de massa, não só massificaram o alcance de suas
pregações, como também as uniformizaram e ampliaram sua
presença física, simbólica e política na sociedade. O conteúdo de suas pregações tornou-se acessível a qualquer um, em
qualquer lugar, a qualquer momento. Resta saber se as religiões do segmento dito afro-brasileiro também se identificam como partes desse processo de mercantilização da fé.
2. Umbanda, mercado e marketing religioso
2.1. A Umbanda
De acordo com Brumana e Martínez, na obra Marginália
Sagrada (1991), a Umbanda é uma religião derivada do
Candomblé com profunda influência do Espiritismo e do
Catolicismo popular e que se organizou oficialmente a partir da década de 1920 por intermédio de um grupo de médiuns dissidentes do Kardecismo. Convergiu com toda uma
série de práticas místicas populares altamente estigmatizadas
(a macumba carioca e paulista, o candomblé de caboclos, a
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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Jurema etc.).
Ainda, na obra História da Umbanda - Uma Religião Brasileira,
de 2010, Alexandre Cumino6 destaca as raízes indígenas da
Umbanda com o uso do fumo, dos chás, banhos de ervas, defumações e de outras plantas consideradas sagradas para os
índios, além da utilização de outros elementos como o maracá, penachos e cocares.
Além do xamanismo caboclo e da pajelança, o rito ancestral indígena do Nordeste do Brasil conhecido como Jurema
possui forte influência na Umbanda. Como afirma Cumino,
alguns chegam a dizer que a Jurema é “Mãe da Umbanda”, de
tanto que teria colaborado com esta.
A Umbanda é entendida como um culto de incorporação e possui entre suas divindades algumas das entidades do
Candomblé, algumas vezes com ênfase no seu correlato católico com novos estereótipos, além dos espíritos de índios,
pretos velhos, tropeiros, baianos, cangaceiros e outras categorias de entidades as mais diversas.
Mesmo quando se dá por certo que a cada pessoa corresponde uma
entidade sagrada, seu “santo”, esta muitas vezes não está determinada ou o está de forma não concludente. De qualquer modo,
quase nunca é o “santo” da pessoa quem incorpora, mas representantes dos estereótipos específicos e originários da Umbanda.
(BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p. 64).
Com relação ao funcionamento, Brumana e Martínez
(ob. cit.), explicam que as entidades “baixam em terra” em
cerimônias quase sempre públicas, realizadas várias vezes
por semana tanto nos terreiros como em lugares escolhidos por suas características simbólicas: cemitérios, praias,
florestas, etc. Elas o fazem segundo uma estrita codificação
corporal, gestual e verbal, muitas vezes realçada por roupas
características, objetos, comidas, bebidas, tabaco, etc. Sua
presença na terra não tem por finalidade oferecer-se aos
homens como objeto de culto, mas “trabalhar” a seu serviço, ajudar a resolver seus males e, cumprindo esta missão,
elevar-se espiritualmente até chegar a um grau em que já
não precisem mais incorporar.
6 Bacharel em Ciências da Religião pela Faculdade Claretiano e também autor das
obras “Deus, Deuses e Divindades” (2004) e “Deus, Deuses, Divindades e Anjos”
(2008).
Classificar a grande diversidade dos cultos umbandistas
é extremamente problemático devido à multiplicidade das
práticas religiosas. Entretanto, alguns teóricos da religião
tentaram colocar certa ordem dentro deste universo caótico
de ritos. Ortiz (1991 apud BANDEIRA, 1973) cita o modelo
descritivo de Cavalcanti Bandeira, que estabelece quatro categorias de rituais:
a. Primeiro feitio ou Espiritualista – O uniforme não é
obrigatório. O canto e a música são raros. Frequentam-se
raramente o mar e as cachoeiras. Não se aceitam imagens
e pontos riscados.
b. Segundo feitio ou Ritualista – O uniforme é obrigatório.
As sessões são sempre acompanhadas de palmas e curimbas7. Praticam-se as obrigações (ida ao mar e às cachoeiras). Aceitam-se imagens, mas recusam-se os assentos de orixás (prática de fixação dos espíritos).
c. Terceiro feitio ou Ritmada – Além da ritualística anterior
participam os instrumentos musicais de percussão; agogô, atabaques, ocasionalmente ou de modo permanente.
Aceitam-se os assentos de orixás e o terreiro é algumas
vezes preparado segundo preceitos africanistas.
d. Quarto feitio ou Ritualista e Ritmada – Utilização permanente dos instrumentos musicais. As vestes podem ser
coloridas, apropriadas aos santos. As características dos
preceitos africanistas são claras: em sua maioria têm terreiro preparado e assentos de orixá, por vezes consagração
dos atabaques.
Ainda, realizar um levantamento de todas as partes que
compõem o rito religioso é igualmente problemático. Isso se
deve a característica oral de seu conhecimento, transmitido
através das gerações, sem a presença de um livro nem de uma
organização unificadora. Os traços sociais que se sincretizam
têm sua própria significação em termos de valorização, de
preconceitos, de ressentimento, de depuração (BASTIDE,
1989, p. 466).
A Umbanda se desdobra em um amplo leque doutrinário
e ritualístico, mais complexo que o do Pentecostalismo, pela
7 Curimba, ou melhor, o curimbeiro, é o segundo cargo religioso mais importante
do templo, tendo como antecedente o cargo de pai-de-santo. O termo “Curimba” define o grupo de pessoas que louvam na Umbanda, através do canto e percussão de atabaque e/ou tumbadora, os Orixás.
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forma como se aproxima ou se distancia da sua raiz africana.
Dessa forma, Ortiz (1991) estabelece um recorte de classificação dos cultos umbandistas estabelecido a partir das
análises de Roger Bastide, Cândido Procópio e Beatriz de
Souza, considerando a complexidade destes rituais e o gradiente religioso entre esses dois polos: o mais ocidentalizado
e o menos ocidentalizado (africanizado). O polo menos ocidentalizado se encontra mais próximo das práticas africanas,
enquanto o mais ocidentalizado se distancia.
Encontra-se no polo mais ocidentalizado uma maior
integração com a ideologia social dominante, com grande
aproximação da classe média, e no polo que se distancia desses “valores legítimos” nota-se uma integração muito menor,
com maior aproximação das classes populares.
Contudo, conforme explicita Ortiz (ob. cit.), é difícil
falar de proximidade entre a Umbanda e cultos afro-brasileiros, pois, se trata, sobretudo, de um distanciamento entre
elas, uma ruptura em relação ao Candomblé, que, por sua
vez, se desenvolve como uma forma de resistência social.
Talvez o traço que mais uma os dois polos é que a
Umbanda, assim como o Candomblé, não possui livros ou
escrituras sagradas para a manutenção, unificação e preservação das suas práticas espirituais, baseando a transmissão de
seus ensinamentos na tradição, oralidade e ancestralidade.
2.2. Mercado Religioso
O conceito de “mercado religioso” é proposto por Berger
(1985) no seu estudo sobre a secularização. A separação entre Estado e Igreja pôs fim ao monopólio da igreja Católica
na sociedade, possibilitando o surgimento do pluralismo
religioso e relegando ao caráter privado a escolha religiosa
do indivíduo. Essa teoria parte da constatação do pluralismo religioso para chegar à conclusão de que as religiões, no
contexto das sociedades pós-modernas, são dominadas pela
lógica do mercado.
A característica-chave de todas as situações pluralistas, quaisquer
que sejam os detalhes de seu pano de fundo histórico, é que os exmonopólios religiosos não podem mais contar com a submissão de
suas populações. A submissão é voluntária e, assim, por definição,
não é segura. Resulta daí que a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela autoridade, agora tem que ser colocada
no mercado. Ela tem que ser ‘vendida’ para uma clientela que não
está mais obrigada a ‘comprar’. A situação pluralista é, acima de
tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas
tornam-se agências de mercado e as tradições religiosas tornamse commodities de consumo. E, de qualquer forma, grande parte
da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado (BERGER, 1985, p.149).
Diante desse novo cenário, onde o Estado deixa de financiar qualquer que seja a instituição religiosa, não se pode
desconsiderar a mercantilização dos produtos e serviços oferecidos por elas para sua manutenção e sobrevivências.
Se antigamente a igreja Católica realizava a venda de indulgências, hoje a oferta no mercado religioso vai desde itens
clássicos como terços e imagens sacras, passando por bênçãos
e orações, indo até aos itens e serviços mais modernos como
CDs, DVDs e até mesmo ingressos para shows-pregações em
estádios de futebol. Tudo isso com o intuito intrínseco de
atrair mais fiéis e, consequentemente, mais consumidores.
Dessa forma, não se pode ignorar a Teologia da
Prosperidade, que segundo Bertone de Oliveira Sousa8, prega uma abordagem da Bíblia e de vivência da religião que
rompe com a ética protestante presente no protestantismo
histórico e com os temas comuns às religiões cristãs, como a
caridade, a salvação e a rejeição dos prazeres mundanos.
A Teologia da Prosperidade se consolidou como movimento doutrinário em 1970, vindo a ser disseminada no
Brasil com o surgimento das igrejas neopentecostais e com
o uso ostensivo dos meios de comunicação, especialmente a televisão, com a ampliação de programas e emissoras
evangélicas, ganhando cada vez mais adeptos em todas as
camadas sociais.
Em relação às religiões afro-brasileiras, Prandi (2004)
entende que elas funcionam também como agências de serviços mágicos, pois oferecem a possibilidade de encontrar a
solução para problema não resolvido por outros meios, sem
maiores envolvimentos com a religião. Essa magia passou a
atender a uma larga clientela, das mais diversas religiões e
categorias, com o jogo de búzios, os ebós, as amarrações, as
8 Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás. Professor Assistente do curso de História da Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaína. Bolsista pela CAPES.
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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leituras de tarô e as consultas com as entidades.
Brumana e Martínez (1991) também abordam a ideia da
casa de Umbanda como uma agência provedora de bens e
serviços místicos, afirmando que os praticantes agem como
mediadores que possuem a função de dar garantias sobre a
qualidade de um terreiro e colaborar com o ingresso na religião, construindo uma rede de clientes.
As redes operam, desta forma, como um intermediário informal
entre indivíduos e agências, tanto um mecanismo de recrutamento
para estas como uma espécie de resistência, contrapeso e controle
do particular monopólio estabelecido em cada terreiro e a radicalidade individualizante da relação com seu chefe. (BRUMANA e
MARTÍNEZ, 1991, p.226).
Portanto, não se pode negar o fato de que hoje existem
instituições religiosas, ou setores delas, que atuam submetidas à lógica do mercado. Ao contrário de antes, quando as
esferas da vida social estavam subordinadas à religião. Porém,
não há consenso sobre tal abordagem, muitos zeladores de
terreiros ou casas de Umbanda fazendo questão de preservar
suas práticas da influência desta mercantilização, contentando-se com casas pequenas e pouco frequentadas, confiando
apenas em seu poder pessoal de encantamento. É o que veremos com as entrevistas mais adiante.
2.3. Propaganda e marketing nas religiões
Nos últimos anos, o espaço dos programas religiosos na
programação televisiva brasileira vem crescendo. Segundo
dados da pesquisa realizada pela Agência Nacional do Cinema
(ANCINE) em 2009, este tipo de programação chega a ocupar 30% da grade em algumas emissoras. Pode-se analisar,
com esse cenário, o surgimento de uma nova modalidade de
experiência religiosa mediada pelos veículos de comunicação.
Apesar de parecer recente, a utilização dos meios de comunicação pelas igrejas é algo que já acontece há alguns anos,
sendo a igreja Católica sua precursora. Nos anos 70, Hugo
Assmann cria a expressão “Igreja Eletrônica”, para se referir à utilização dos meios eletrônicos, mais especificamente a
televisão e o rádio, para divulgação de programas religiosos.
Contudo, atualmente, nota-se uma grande mudança na forma de trabalho das instituições religiosas dentro desses canais
de comunicação.
Debord (2003) aponta a hiper valorização dos aspectos
visuais dos cultos. Diante deste fenômeno, o universo religioso estimula a construção de novas imagens, não dos ícones
tradicionais e conhecidos das religiões, mas de padres e pastores que agem como estrelas do show business.
O fato de um líder religioso cuidar da imagem não se
restringe apenas a zelar pela reputação, para Klein (2006),
essa atitude possui um caráter muito mais mercadológico e
a utilização de técnicas de oratória, regras de apresentação e
toda a produção para executar verdadeiros espetáculos, com
intuito de cativar grandes plateias e atrair novos fiéis, confirmam seu pensamento.
Um dos pioneiros na utilização das técnicas de propaganda e marketing no cenário religioso é a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), que hoje possui mais de dois milhões
de membros e carrega em seu histórico a aquisição do Grupo
Record, uma das maiores emissoras de televisão do país.
Durante os últimos anos a emissora tem investido na teledramaturgia, criando superproduções com roteiros bíblicos e tornando as estórias mais acessíveis ao grande público
brasileiro, que não possui o hábito da leitura. Novelas como
Sansão e Dalila, José do Egito, A Terra Prometida, e Os Dez Mandamentos
tornaram-se os grandes sucessos da emissora, conquistando
o público e angariando audiência muitas vezes superior às das
tradicionais produções da Rede Globo.
Em janeiro de 2016, a novela Os Dez Mandamentos foi adaptada para o cinema. Uma compilação de cenas exibidas na
novela da Rede Record, com a inclusão de algumas cenas inéditas se tornou a maior bilheteria do cinema nacional.
Apesar de não fazer parte do estudo deste artigo, cabe
registrar que essa enorme bilheteria foi alvo de polêmicas.
Matérias de jornais e revistas afirmam que ingressos eram
distribuídos gratuitamente em cultos. Ainda, houve relatos
de que um pastor vinculado a IURD teria comprado todos os
assentos de uma sala de exibição, no valor de aproximadamente R$ 4.100,00, em dinheiro vivo.
Além dessas estratégias utilizadas para conquistar e aproximar o “produto” e a “marca” do seu público, também se
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nota ações realizadas pela IURD para reter seus clientes.
Nesse sentido e, visando “facilitar” a vida do fiel, a IURD
permite o pagamento do dizimo9 por meio de cheques, carnês, boletos bancários e cartão de crédito, com várias máquinas espalhadas pelo templo que são levadas até o assento
do cliente.
A Igreja Universal do Reino de Deus inaugurou em
2014, uma réplica do Templo de Salomão10, com dimensões superiores às da maior Igreja Católica da cidade de São
Paulo, a Catedral da Sé, e aproximadamente duas vezes a
altura do Cristo Redentor. O mega templo funciona como
a sede mundial da IURD e reafirma o seu poder político e
econômico.
É importante saber que o dirigente da Igreja já foi alvo
de acusações de charlatanismo, estelionato e lesão à crendice
popular. Em 2007 a Polícia Federal abriu investigação contra
Edir Macedo pela suposta prática de crimes de falsidade
ideológica contra a fé pública, sonegação fiscal e lavagem de
dinheiro. Em meio a polêmicas e controvérsias, a IURD desenvolve uma nova marca de liderança em relação às demais
denominações evangélicas, com diferenciais de produtos e
grande presença no mercado religioso, expandindo e consolidando suas práticas.
3. E o que dizem os dirigentes de terreiros?
No intuito de entender o posicionamento dos umbandistas a respeito das noções de mercado religioso, mercantilização da fé, marketing religioso e técnicas de Comunicação,
foram realizadas seis entrevistas com reconhecidos praticantes, dirigentes de Casas de Umbanda e demais religiões afro
-brasileiras em Brasília, seguindo um roteiro de perguntas
pré-estabelecido e aberto. Com a falta de números confiáveis
e as dificuldades em classificar as religiões afro-brasileiras,
pareceu-nos que uma pesquisa qualitativa permitiria uma
aproximação ao assunto, sem pretensão a conclusões generalizantes, mas como bases para a reflexão inicial.
9 Tributo, originalmente de 10% da renda, que os fiéis pagavam à Igreja como obrigação religiosa.
10 O Templo de Salomão foi, segundo a Bíblia hebraica, o primeiro Templo em
Jerusalém, construído no século XI a.C., e teria funcionado como um local de culto
religioso.
Durante o levantamento de dados em campo, observamos e tentamos identificar o tipo de Umbanda praticada pelos entrevistados, por meio do modelo descritivo de Renato
Ortiz, para contextualizar o discurso e evitar as generalizações.
Ressaltamos que a escolha dos entrevistados se deu pelo
conhecimento sobre as religiões afro-brasileiras, tempo
de atuação e reconhecimento como referências no assunto
dentro do cenário Umbandista/Candomblecista da Capital
Federal. Dirigimo-nos a pessoas que já tivessem mais de dez
anos de atuação na liderança de uma casa. As casas eram de
regiões do Distrito Federal e Entorno diversificadas e, embora seja conhecido que a Umbanda possui mais líderes homens do que mulheres, também quisemos ter entre nossos
entrevistados, pessoas do sexo feminino.
Para contextualizar, segue abaixo um breve resumo sobre
cada um dos entrevistados11, com o histórico de atuação, seguido dos resultados da classificação da Umbanda praticada e
da interpretação das entrevistas:
Pai Francisco possui histórico dentro das religiões cristãs e atua no Candomblé desde 1997, é dirigente de terreiro
desde 2005. Localizada na cidade de Águas Lindas de GO,
sua casa teve início com as práticas Candomblecistas e, posteriormente, abriu as sessões de Umbanda para atendimento
à comunidade.
Pai Galvão tem mais de 30 anos de prática na Umbanda
e no Candomblé, possui grande conhecimento sobre as religiões afro-brasileiras. Atualmente, é dono da uma loja
de artigos religiosos no DF, e dirigente da um terreiro, no
Gama-DF.
Pai João possui grande atuação política no Distrito
Federal. Com mais de 35 anos de práticas afro-religiosas,
iniciou na Umbanda, passou pelo Candomblé e hoje se dedica aos cultos tradicionais Africanos numa cidade satélite
do DF.
Mãe Dadá é a dirigente de um tradicional terreiro em
Brasília e atua na Fundação Cultural Palmares. Em 2015,
assistiu o barracão de seu terreiro ser destruído por um incêndio criminoso em mais um dos crescentes atos de intolerância religiosa que ocorrem no País.
11 Utilizamos aqui nomes fictícios para preservar a identidade das pessoas que se
dispuseram a participar da pesquisa.
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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Manoel falou em nome do uma casa que se define como
Centro Espírita e funciona em Brasília. O terreiro é localizado em área nobre da cidade e atende aproximadamente 300
pessoas por sessão.
Cristóvão é um dos atuais dirigentes de um também renomado terreiro da cidade que existe há 40 anos.
Baseado no modelo descritivo de Renato Ortiz, as práticas Umbandistas realizadas pelo Francisco e por Pai Galvão
possuem grande proximidade com o Candomblé, utilizando
a consagração dos atabaques e assentos de orixás ou entidades, portanto, pode-se considerar como Umbanda menos
ocidentalizada, classificada como Ritualística e Ritmada.
No que diz respeito às práticas Umbandistas dos terreiros
situados em áreas nobres da cidade, notou-se uma aproximação maior com os preceitos do espiritismo kardecista, portanto, mais ocidentalizada. Essa aproximação é extremamente forte e faz com que as casas se identifiquem como centros
espíritas e não como terreiros ou centros de Umbanda, apesar
de suas práticas. Os médiuns precisam estar uniformizados
com roupas brancas e não é realizado o assento de orixás ou
entidades. Porém, os médiuns trabalham com incorporações
de entidades de Umbanda, como Pretos-Velhos e Caboclos.
É uma mescla entre os conceitos Espiritualista e Ritualístico.
Apesar de suas trajetórias dentro da Umbanda, tanto a Mãe Dadá quanto Pai João não praticam a religião
atualmente, sendo exclusivos das práticas de Candomblé e
ritos tradicionais Africanos, respectivamente.
3.1. Situação da Umbanda no Brasil: polissincretismo
Todas as entrevistas foram iniciadas com a mesma pergunta para uma melhor compreensão sobre a visão do entrevistado no que se refere à situação da Umbanda no país e, até
certo ponto, validar a pesquisa realizada anteriormente sobre
a religião e sua inserção na sociedade brasileira.
Nas respostas são mencionados aspectos como a pluralidade das práticas Umbandistas, os níveis de aceitação das
práticas perante a sociedade, os avanços e conquistas sociais
dos oprimidos e minorias nos últimos anos, em especial, dos
negros e dos povos de terreiro e o reconhecimento da crescente onda de intolerância e preconceito no país.
Pai Francisco relatou a existência das várias Umbandas e
expressou a necessidade de criação e consolidação de concei-
tos dentro de cada grupo religioso e também entre os povos
de terreiro. Vislumbrou uma maior consciência social sobre
o respeito e tolerância religiosa, com reafirmação, empoderamento e entendimento das identidades negras no Brasil.
Entretanto, alerta sobre os riscos da dogmatização da religião, que poderia colocar em risco a sua diversidade.
Sobre a pluralidade da Umbanda, Pai João explicou como
ocorreu essa profusão de práticas dentro da religião. Segundo
ele, alguns anos atrás existiam apenas a Umbanda tradicional
e a “mesa branca”. Em virtude do caráter acolhedor e agregador da religião, vários praticantes começaram a decodificar
a Umbanda introduzindo conceitos do ocultismo e de outras
manifestações de fé, como o catimbó, o omoloko, pajelança
e etc. Afirma, ainda, que não se sente seguro em colocar uma
placa informando que em sua casa funciona um terreiro de
práticas afro-brasileiras, por medo dos ataques morais e materiais que poderia sofrer.
Pai Galvão considerou que, apesar dos ataques e do preconceito que sofre até hoje, a Umbanda e as demais religiões
afro-brasileiras vivem o seu melhor momento. Para ele, a religião é até bem vista, uma vez que atende a pessoas da alta
sociedade e muitas celebridades. Abordou em sua fala, a falta
de integração entre os templos, terreiros e casas e afirmou a
existência de um certo nível de perseguição também dentro
da religião. Relatou ainda a atual banalização e mercantilização da Umbanda. Podemos inferir a partir dessa fala, um
tanto contraditória aparentemente, que a contradição é própria da Umbanda: o discurso é, muitas vezes, denotador de
preconceito; mas na prática, muitas pessoas frequentam de
forma assídua o que elas mesmas dizem desprezar.
Por sua vez, Manoel, falando em nome de sua casa, não
reconheceu essa pluralidade da Umbanda e também não a
reconhece como religião essencialmente brasileira, alegando
que a Umbanda é mais antiga que o judaísmo. Afirma que
existem diferentes práticas religiosas, oriundas de uma mesma raiz comum, diferenciadas apenas pelas suas práticas.
Cristóvão, em nome da casa que dirige, exaltou o caráter agregador da Umbanda frente às outras religiões, reconhecendo os efeitos das perseguições e preconceitos, mas os
caracteriza muito mais como um problema de cunho social,
muito mais que religioso.
Por fim, Mãe Dadá, que teve sua casa de Candomblé incendiada em um ato criminoso, afirmou que “todo brasileiro
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tem uma linha com a Umbanda”. Ela baseia sua afirmação
na construção social e cultural brasileira. Ainda, afirma que
apesar disso, essa raiz não é reconhecida e valorizada e ainda
sofre com a ignorância da sociedade.
Ao analisar todas as falas, notou-se um contraponto sobre a necessidade de “ocultamento” ou invisibilidade das casas ou terreiros. Enquanto aquelas que são mais próximas do
Candomblé se escondem afirmando que ainda não são totalmente aceitas dentro da sociedade, os umbandistas mais próximos do Kardecismo, como é o caso de duas casas em áreas
urbanas e nobres de Brasília, devidamente identificadas.
Com relação aos ataques que a Umbanda ainda sofre, é
importante frisar o caráter étnico racial desse preconceito.
Por ser uma religião que possui uma matriz negra e com
raízes na África, além de sua ancestralidade indígena, ela
ainda sofre com os estigmas criados dentro de uma sociedade racista.
Notou-se que, na visão dos próprios entrevistados, a
pluralidade das práticas Umbandistas é imensurável e inesgotável, onde cada Casa é singular e ainda não existe um entendimento nem mesmo entre as próprias Casas e praticantes, o que inviabiliza qualquer estudo ou análise única sobre
a totalidade da manifestação religiosa umbandista.
3.2. Censo IBGE X Realidade
Todos foram unânimes em reafirmar que os dados do
Censo Demográfico do IBGE não refletem a realidade da
quantidade de praticantes da Umbanda no Brasil e que uma
diminuição na quantidade de praticantes e frequentadores
não existe. Chegaram a mencionar possíveis interesses públicos em invisibilizar as práticas afro-brasileiras no País,
uma vez que os Terreiros estão cada vez mais cheios e que a
procura por orientação espiritual, passes e demais trabalhos
vem crescendo dia após dia, se intensificando nos momentos
de crise social, política, econômica, dentre outras.
Pai João e Mãe Dadá criticaram a forma como é realizada
a pesquisa do Censo que acontece por amostragem e lançaram dúvida sobre a credibilidade dos números apresentados
pelo IBGE em virtude da falta de transparência na apuração.
Pai João afirmou que até mesmo os evangélicos não aceitam o Censo de 2010, pois afirmam que hoje a quantidade
de adeptos no Brasil supera a dos católicos. Para reafirmar
sua desconfiança com o Censo, citou como exemplo, a pesquisa realizada pelo IBGE em 2010 na casa de Mãe Márcia
de Oxum, em São Gonzalo-RJ. Chegando ao terreiro, que
ocupa 40 lotes, o pesquisador do Censo informou que e a
pesquisa seria realizada somente com uma pessoa a cada vinte
lotes. Após muita conversa, a pesquisa foi realizada em todos
os lotes, porém, a pergunta sobre a religião, que é opcional,
não foi feita.
Ressaltou, ainda, a existência de praticantes das religiões afro-brasileiras que não se identificam no Censo
como tal, por medo da perseguição religiosa dentro dos
locais de trabalho, tendo em vista a necessidade de se
manterem no mercado.
Mãe Dadá mencionou os resultados da campanha
“Quem é do Axé diz que É”, que, além de buscar a conscientização dos povos de Terreiro, realizou uma apuração
extraoficial do número de praticantes das religiões afro
-brasileira e chegou a uma quantidade muito maior da
apurada pelo IBGE no mesmo período. Não encontramos
dados publicados sobre essa apuração.
Como uma forma de contornar esse cenário, Pai
João reforçou a necessidade do correto mapeamento das
Casas de matrizes africanas, campanhas de conscientização e de esclarecimento para a sociedade. Nesse sentido,
Francisco reforçou a necessidade da construção conceitos dentro da Umbanda, sistematizando a base teológica
e reafirmando as identidades.
Nota-se, portanto, que o baixo índice de praticantes autodeclarados pode ser atribuído ao medo do preconceito, da
perseguição e da falta de identidade e identificação com as
práticas religiosas afro-brasileiras. Ainda hoje, existem praticantes que não se reconhecem como tais, fenômeno que
pode ser associado ao sincretismo religioso, base da cultura
brasileira. Associado a isso, também pode ser aventada a possibilidade de falta de interesse dos representantes do próprio
Estado, através dos seus órgãos de pesquisa, em conhecer e
reconhecer sua realidade. Mas esta é uma questão mais complexa para ser estudada aqui.
3.3. Umbanda e mercado religioso
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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A relação entre a Umbanda e o mercado religioso foi
considerada a pergunta mais importante da pesquisa uma vez
que trouxe novos olhares sobre a necessidade da Umbanda
se posicionar dentro do mercado religioso e esclareceu o entendimento de que vivemos em um momento onde todas as
instituições sociais estão, em certo nível, subordinadas à lógica capitalista.
Manoel não reconheceu o termo “mercado religioso”
e afirmou que não há esse tipo de posicionamento entre os
espiritualistas12. Em suas palavras, “não existe concorrência,
não existe busca por uma clientela em religião. Nós espíritas,
nem mesmo professamos a ideia do catequismo, a ideia da
evangelização. Estamos abertos para aqueles que queiram comungar de nossas práticas”.
Para Pai Galvão, não há necessidade de um posicionamento mercadológico como afirma Prandi (2004). Em sua
loja, Pai Galvão trabalha com a lógica de mercado de bens e
não do mercado da fé, por mais que os produtos ali vendidos
sejam artigos religiosos. Afirmou que a necessidade urgente
da Umbanda é de uma maior união entre os seus praticantes
que precisam reafirmar suas práticas de fé e suas identidades
antes de qualquer outro tipo de organização.
Cristóvão também não vislumbrou a necessidade de um
posicionamento mercadológico e ainda levantou a dificuldade de um posicionamento único, caso existisse, em virtude
da pluralidade das práticas e da autonomia de cada Centro
ou Terreiro. “Cada Casa tem sua regra. Seguimos o amor e a
caridade, mas cada Casa tem seu regimento interno que pode
divergir de Casa para Casa”.
Segundo Pai João, a forma de inserção e implantação das
religiões afro-brasileiras no Brasil acabou por fragmentar seu
alcance social e econômico. A disputa de poder dentro da religião impede que a capacidade de consumo das Casas seja
convertida em poder de negociação dentro do mercado e que
seja reconhecido politicamente. Afirma que os maiores consumidores de vela, charuto e canjica branca são os Terreiros,
mas que isso não é convertido a favor da religião.
Pai Francisco concordou com Prandi (op. cit) e afirmou
que os Terreiros precisam sim de um posicionamento, mas
12 Denominação comum a várias doutrinas filosóficas e/ou religiosas que tem como
fundamento básico a afirmação da existência do espírito (ou alma) como elemento
primordial da realidade bem como sua autonomia, independência e primazia sobre
a matéria.
não no sentido de taxar suas práticas de forma monetária,
mas de minimamente se conceituar. Fez questão também de
reafirmar que na sociedade não existe nenhuma instituição
que possa ficar à margem do sistema financeiro, uma vez que
os Terreiros e Casas precisam se manter em funcionamento,
mas que a Umbanda é em primeiro lugar a prática da caridade
e do amor de Cristo.
Não existe um consenso sobre a real necessidade de um
posicionamento mercadológico da Umbanda. Notou-se que
um posicionamento padronizado não seria possível, não só
em virtude da sua própria estrutura, mas também em razão
da sua multipluralidade de práticas.
Contudo, pode-se concluir que um posicionamento
mercadológico não está diretamente vinculado à continuidade ou expansão das práticas Umbandistas, uma vez que, conforme afirmaram os entrevistados, a religião continua a crescer anualmente sem a necessidade de qualquer ação voltada
diretamente para o mercado.
3.4. Defesa e Organização Política
Para Pai Galvão, não existe a necessidade de posicionamento para esse tipo de defesa, mas sim de esclarecimento
das práticas realizadas nos terreiros e nas casas de Umbanda.
Em suas palavras, “algumas igrejas evangélicas são mais macumbeiras que a gente! Só trabalham com a Pomba Gira, com
Exu. Mas continuam realizando suas práticas e não são estigmatizadas como nós”.
Manoel afirmou que essa não é, e nunca será, uma preocupação latente da Umbanda, mas que o respeito e a manutenção dos direitos constitucionais devem ser preservados.
Sobre as acusações de favorecimento das práticas demoníacas, que os neopentecostais disseminam em suas campanhas
difamatórias, ele afirma “não fazemos e eles não provam que
fazemos. Somos abertos para que todos que tenha interesse
venham conhecer nossas práticas, e eles vêm! Não há necessidade de contestar afirmações pueris”. Alegou também, não
vislumbrar como uma organização política espiritualista conseguiria representar a todos.
Mãe Dadá defendeu as organizações políticas dentro das
religiões afro-brasileiras e afirmou que o povo de Terreiro
precisa ser mais ativo em cobrar seus direito e se defender
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das alegações difamatórias. Para ela, esses ataques têm o intuito de amedrontar e retirar as pessoas dos Terreiros. Ela
brinca com a situação, dizendo que nunca conheceu e nem
reconhece o demônio criado dentro das igrejas evangélicas:
“Eles precisam dar conta desse capeta, desse demônio que
eles criaram dentro das igrejas deles”.
Cristóvão considerou que, “se a questão social não mudar,
não será um posicionamento ou organização política que irá
mudar”. Leva o problema dos ataques para o campo jurídico
e social, afirmando que este problema extrapola as competências religiosas e que deve ser tratado como o crime que é.
Francisco concordou com a necessidade de certo nível de
organização política, no intuito dos povos de Terreiro buscarem a garantia dos seus direitos, mas não concorda caso ela
siga o modelo de busca de poder, tal como realizada hoje pela
bancada evangélica13. De todo modo, reafirmou que o grande
problema não é a falta de organização política, mas a falta de
conceitos básicos pré-estabelecidos que alinhem o discurso
entre os povos de Terreiro.
Pai João, que é reconhecidamente um militante político das religiões afro-brasileiras e defende a construção de
um conjunto político organizado para a busca e defesa dos
direitos e a diminuição da intolerância religiosa no país, reconheceu as dificuldades de uma efetiva organização devido
à estrutura da religião e também pela falta de interesse dos
povos de Terreiro pela pauta.
Notou-se que qualquer organização ou tentativa de unificação das religiões afro-brasileiras, em especial da Umbanda,
seria problemática e incorreta devido à sua pluralidade, mas
não pode deixar de destacar a necessidade social de defesa
dos direitos constitucionais de qualquer cidadão manifestar
livremente suas práticas de fé.
3.5. Marketing na Umbanda
Todos os entrevistados foram unânimes em apontar as
diversas dificuldades, tanto estruturais e teológicas quanto financeiras para a utilização de estratégias de marketing
como fazem os neopentecostais.
Começando pela própria lógica da Umbanda que é plu13 Termo aplicado a uma frente parlamentar instalada no Congresso Nacional composta por políticos evangélicos de partidos políticos distintos.
ral e que não prevê a conversão, a utilização dos meios de
comunicação de massa para uma possível uniformização de
conduta, se mostra impossível e financeiramente inviável.
Apontam os altos custos financeiros para a utilização
dos meios de comunicação de massa, valores que as Casas e
Terreiros não teriam para sustentar uma programação ou até
mesmo comprar espaços nessas mídias.
Ainda questionaram: “caso existam recursos financeiros
suficientes, de qual Umbanda se falaria? O que se falaria?
Como se falaria?” Ao contrário do que acontece nas religiões
cristãs que se aprende pela teoria, a Umbanda é essencialmente uma religião de práticas mágicas e incorporativas que
só podem ser aprendidas dentro dos Terreiros e Casas.
3.6. A Internet
Todos os entrevistados concordam com a utilização da
Internet para a divulgação das Casas e também para espalhar
as mensagens de paz, amor e fraternidade que são praticadas,
mas alertam para o uso indevido desse meio quando se é utilizado para ensinar fundamentos e práticas.
Pai Francisco afirma que a Internet não pode ser usada como um meio para ensinamentos ou consultas, mas sim
como um meio de esclarecimento que propague as palavras
das entidades e dos Orixás. Contudo, alerta para os perigos
das ações negativas que acontecem dentro da Internet, como
campanhas para negativar os conteúdos postados e até mesmo retirar de circulação sites que falem sobre a Umbanda.
Utiliza a Internet para divulgar suas palestras sobre espiritualidade e religião por meio do seu canal no YouTube e um
blog, onde também faz relatos de suas experiências de vida
dentro dos preceitos da religião e espalha as mensagens de
paz e sabedoria das entidades.
Cristóvão alertou para o cuidado que devemos ter ao
buscar conteúdos na Internet, por não conhecermos a procedência das informações ou quem realmente está divulgando tal conteúdo. Segundo ele, muitos charlatões se utilizam dos momentos de fragilidade das pessoas para aplicar
golpes pela Internet.
Mãe Dadá ressaltou a responsabilidade que se deve ter ao
colocar qualquer conteúdo religioso na Internet, em especifico sobre os ritos e práticas da Umbanda e do Candomblé.
Para ela, quando uma pessoa tenta ensinar qualquer prática
LOBO, ÍTALO; DRAVET, FLORENCE. SAGRADO PROFANO: A UMBANDA E O MERCADO RELIGIOSO
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pela Internet, “não está autorizada a fazer aquilo. Ele não tem
competência para fazer... Não pode! Só quem passa pela vivência e pelos sacrifícios de um Terreiro pode fazer! Vai que
você pega seu Odu14 num momento negativo, você pega um
banho daquele que você viu na Internet, joga em cima você...
amanhã sua vida tá arrasada. Eu não posso simplesmente detonar a vida de uma pessoa com um botão. Essas pessoas que
fazem isso não têm responsabilidade, elas querem nome e
não sabem por onde conseguir. Elas querem aparecer e colocam a vida das outras pessoas em risco”.
Para Manoel e Pai Galvão, a Internet deve funcionar para
a Umbanda como um meio de informações de ordens práticas, indicando livros, listando as regras das Casas e Terreiros
para novos visitantes, horas de funcionamento e etc. Tanto
Pai Galvão quanto a casa que dirige possuem páginas no
Facebook com indicações do endereços, telefones e e-mails
para contato.
4. Considerações finais
Primeiramente, é importante ressaltar o caráter inicial
desta pesquisa e a dificuldade em se falar, neste momento,
sobre uma possível conclusão. As possibilidades de desdobramentos e ramificações fazem com que este documento seja
apenas o princípio de uma longa jornada de pesquisas, aprofundamentos e experiências.
Contudo, pode-se compreender a origem da Umbanda
e das construções sociais que a cercam, entendendo de que
forma as suas raízes, indígenas e negras influenciam na percepção social de suas práticas. Nesse sentido, é importante
frisar que, a origem desse preconceito vai muito além da falta de identificação com as práticas afro-brasileiras, pois tem
suas raízes em questões étnicas e raciais ainda mal resolvidas
no país. Apesar da grande mistura de povos e etnias que construíram o Brasil, as consequências históricas da desvalorização e marginalização das culturas indígena e negra ainda são
sentidas amplamente.
Nota-se o preconceito com a cultura negra quando analisamos expressões que ainda hoje são comumente utilizadas
14 O “caminho”, que se vê no jogo de búzios e pode ser interpretado como uma
informação sobre o destino ou aquilo que é passível de acontecer em determinado
momento da vida.
na língua portuguesa, que vinculam a cor negra a algo ruim
ou inferior ao branco, como, por exemplo, “a coisa tá preta”,
“serviço de preto” ou até mesmo a expressão “magia negra”
tida como a magia ruim, utilizada para denominar as práticas
do Candomblé e outras religiões afro-brasileiras.
Com essa pesquisa, podemos afirmar que a Umbanda está
sim inserida em um sistema capitalista, porém, isso não representa uma real necessidade de posicionamento dentro do
mercado para continuidade de suas práticas. Além disso, de
acordo com nossos entrevistados, não existe a necessidade,
ou até mesmo vontade, de expansão de suas práticas ao contrário do que afirma Prandi (ob. cit).
Por outro lado, a Umbanda está inserida em um sistema caótico, refratário a qualquer forma de ordenamento ou
unificação. A pluralidade de suas práticas e a autonomia das
Casas e Terreiros faz com que essa religião possua uma vasta
gama de práticas e direcionamentos da fé, mas também sociais e políticos. Não se pode falar da existência da Umbanda,
mas sim, de várias Umbandas.
Embora se apresente como uma instituição de resistência
ao sistema capitalista, apesar de estar inserida nele e precisar
do dinheiro para manter as Casas e Terreiros em funcionamento, não busca por lucro ou arrecadação de bens materiais,
não tem sua doutrina direcionada à acumulação de riquezas
ou mesmo à busca ou conversão de adeptos. A base da mentalidade Umbandista é a fé na força do espírito e a caridade.
Contudo, não se pode deixar de mencionar o caráter de
agências de bens e serviços mágicos que também possuem,
atendendo às necessidades dos indivíduos quando as demais
religiões se demonstram ineficazes na solução dos seus problemas. Por mais que essa função não seja assumida, podese notar nas falas dos entrevistados quando afirmam atender
indivíduos de todas as religiões que buscam a Umbanda para
resolverem seus problemas.
Faz-se necessário salientar que os estudos sobre a comunicação social e as religiões precisam ser aprofundados, não
somente no que diz respeito à utilização dos meios de comunicação de massa, e não somente nas religiões com maior
quantidade de adeptos, mas também naquelas manifestações
de fé que contribuíram e contribuem para a construção da
cultura brasileira. É preciso aprofundar as pesquisar que se
referem às questões de representação, representatividade e
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discursos da religiosidade e confrontá-las com questões sociais e da formação histórica da cultura brasileira, particularmente das relações étnico-raciais.
Por fim, registra-se que a Umbanda e as demais religiões
afro-brasileiras não são vivenciadas somente nos terreiros,
nas casas e templos, mas estão enraizadas na cultura brasileira e ajudaram a construí-la. Estão presentes na culinária,
na dança, nas festas, na cultura e até mesmo em outras manifestações religiosas que acontecem no País. Como afirma
Mãe Dadá, “todo brasileiro tem uma linha com a Umbanda”.
Referências
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