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As redes de indignação

O terceiro encontro da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento teve como conferencista o sociólogo espanhol Manuel Castells, que abordou o tema Redes de indignação e esperançamovimentos sociais na era da internet, título de sua obra que será publicada em setembro pela editora Zahar. Na saudação musical, o grupo Regional Espia Só interpretou obras de Octávio Dutra.

As redes de indignação Por Sonia Montaño O terceiro encontro da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento teve como conferencista o sociólogo espanhol Manuel Castells, que abordou o tema Redes de indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet, título de sua obra que será publicada em setembro pela editora Zahar. Na saudação musical, o grupo Regional Espia Só interpretou obras de Octávio Dutra. Logo no início de sua fala, o conferencista elogiou a cidade de Porto Alegre por ser referência de mudança social e participação popular em um mundo que precisa da refundação da democracia. Para ele, os últimos três anos foram ricos no surgimento de movimentos sociais e políticos com características imprevistas que nasceram em âmbitos muito diversos como Islândia, Espanha, Grécia, Israel e Estados Unidos, além de movimentos menos conhecidos nascidos na Nigéria, no Chile, no México e no Uruguai, entre tantos outros. Nesse sentido, Castells comentou que seu próximo destino é o Uruguai, onde participará no dia 20 de junho do “Primeiro Enredo Internacional” em Montevidéu, um encontro entre diversos movimentos de rede do mundo. As características dos movimentos em rede Castells destacou como as redes sociais são muito difíceis de controlar. Uma vez que não é possível deter a mensagem, o que se tende a fazer é castigar o mensageiro. Neste momento, a atenção se volta para a Turquia, que enfrenta um momento de tirania dos interesses da especulação imobiliária. Haveria diversas características comuns a todos os movimentos em rede que vão surgindo no mundo que indicam uma mudança no perfil da sociedade. “A estrutura social em rede se desenvolve nessa base tecnológica: a internet, as redes sociais e a comunicação móvel, assim como a era industrial se baseou na rede elétrica”, explicou. Esses tipos de movimentos não iniciam no sistema político, eles iniciam de forma espontânea na sociedade. “A opressão não necessariamente produz revolta e mudança social. Fazer algo contra o sistema de dominação é altamente perigoso. O medo é a equação fundamental. Nós que sobrevivemos somos os covardes, porque os mais valentes deixaram de existir”, brincou. Segundo ele, para enfrentar o medo se precisa de raiva e indignação, que são mais fortes que o medo e levam à solidariedade. É nesse momento que surge a mobilização coletiva. É um processo que depende das formas de comunicação de um tempo, e a de nosso tempo se baseia fundamentalmente nas redes móveis. A humanidade está conectada Nesse sentido, a internet não seria mais um meio de elites. Ela tem 3 bilhões de usuários, a humanidade está conectada. Sobre o começo dos movimentos em rede, Castells disse que eles iniciam como resposta a condições econômicas e sociais determinadas. “Um grupo de poder que salva os bancos e condena as pessoas desperta revolta e indignação.” Ele lembrou que, geralmente, o que provoca a indignação é alguma imagem que mostra a opressão e que se espalha rapidamente de forma viral. Esses movimentos acontecem em múltiplas redes. Nascem na internet por ser um espaço protegido de difusão rápida. Normalmente, surgem e se difundem através das redes sociais. Mas as redes não são só na internet, redes de fora desse âmbito também são acionadas. “A rede tem características específicas. Se se corta um nodo, há outros nodos que se reorganizam. Por não ter estrutura formal, a rede se protege dos problemas internos de burocracia. Quando um elemento resulta perturbador aos objetivos da rede e tranca o debate, simplesmente é desconectado”, explicou. Todos esses movimentos nascem na internet como revolta a algo intolerável e logo tomam o espaço público. Os movimentos devem chegar ao espaço urbano porque, para afirmar sua dignidade, devem ser visíveis e desafiar a ordem estabelecida para que possa haver um diálogo. “Seriam, portanto, três níveis espaciais: o espaço da rede, o espaço público e o espaço público institucional transformado.” A horizontalidade da comunicação e a não violência Os problemas que dão origem a esses movimentos são globais: a ecologia, a questão da mulher, os direitos da criança não são problemas locais, mas são vividos no local. O espaço global é o espaço de poder. As imagens que dão início à indignação fazem com que as pessoas se sintam identificadas e repassem essas imagens, tornando-as virais. Os movimentos têm uma organização complexa, eles não têm líderes que permaneçam por muito tempo na liderança. São processos de deliberação que aprendem a experimentar novas formas de democracia. “Essas formas de participação criam, sobretudo, o sentimento de estar juntos. Basta estar ali para poder falar, não precisa de filiação ou representação. A horizontalidade da comunicação fica de manifesto. As novas formas de democracia se praticam, elas não se constroem nas teorias de uma tese. Tanto que o lema é ‘vamos devagar porque vamos longe’”, explicou. Além disso, os movimentos são altamente autorreflexivos. Eles não sabem de onde vêm nem para onde vão, então precisam fazer o esforço de autocompreensão o tempo todo. Eles são essencialmente movimentos não violentos. É justamente a não violência o que os torna tão atraentes para a população. “Quando eles se misturam com a violência, a sociedade se retira. Há uma tensão nesse sentido no interior do movimento, porque não é fácil simplesmente apanhar. Na Espanha, o movimento de indignados tinha o grupo de jovens da primeira fila, que apanhavam até ficarem ensanguentados, e aí eram substituídos por outros. Na Síria, começou um movimento pacífico e morreram 7 mil pessoas.” Para ele, os movimentos não buscam a mudança política no sentido tradicional do termo a não ser em países em ditadura. Buscam-se mudanças políticas no sentido amplo. Há um certo acordo entre as reivindicações por entenderem que o sistema atual não os representa. A crise de representação expressa um sentir geral que transcende as fronteiras dos movimentos. “Os movimentos não se opõem às formas democráticas existentes e sim à perversão dentro dessas formas democráticas”, salientou. A cultura da autonomia Para Castells, as tecnologias de comunicação atuais são difíceis de destruir. No Egito, tentaram tirar a internet por cinco dias, mas não adiantou. Quando se desconecta a internet, o movimento já está na rua e toma conta de outras redes. É o caso do movimento hacker mundial, no qual pessoas se dedicam a defender o direito à liberdade de comunicação e promovem a cultura da autonomia. O conferencista questionou: “Há sempre a pergunta: tudo isso para quê?”, e trouxe algumas das respostas dadas pelos próprios movimentos. Para eles, o mais importante não seria o produto, a reivindicação, e sim o processo, o como é feito. “Criam uma experiência vivida, outras formas de relação humana e de participação política. Não são programas abstratos e sim experiências humanas práticas.” A mudança irreversível está ligada aos novos valores que surgem nesse processo, como foi o caso dos movimentos feministas ou do movimento ecológico. Há ali uma visão de mundo que emerge no processo de lutas e reivindicações. Nesse sentido, o último livro de Manuel Castells, editado na Espanha, com o título “Outra vida é possível”, traz experiências insólitas como a constatação de que vinte por cento da população de Barcelona planta tomates em suas casas ou que um terço de pessoas em Barcelona emprestou dinheiro a pessoas que não são de suas redes de parentesco. “A solidariedade existe e está muito viva. O papel fundamental dos movimentos sociais é mudar os valores da sociedade”, disse. Novas formas de democracia ainda inimagináveis Segundo o conferencista, os movimentos sociais estão fadados a morrer e outros novos surgem. Sua morte pode ser inútil ou altamente produtiva. “O sistema político está encerrado em si mesmo. A separação entre política e sociedade conduz a um suicídio institucional. Precisamos de novas formas democráticas que não podemos imaginar, mas que estão sendo experimentadas nesses movimentos”, concluiu. Ao finalizar sua fala, Castells foi perguntado sobre a dinâmica das redes e os modelos pedagógicos desatualizados nas diversas formas de ensino; os movimentos sociais no Brasil, a relação dos movimentos sociais emergentes e a repressão com que são tratados e as diversas experiências de monitoramento e controle. Em resposta, disse que as redes sociais formam parte das tantas redes que atravessam nossas vidas. Assim como um dia todos tiveram acesso à eletricidade, todos terão acesso à rede de internet. Em relação à educação, afirmou que era uma pena que se tivesse esquecido a pedagogia da liberdade na própria terra de Paulo Freire. Também defendeu a relação entre internet e felicidade, já que índices psicológicos de felicidade apontam que a sociabilidade e o empoderamento são as duas variáveis mais importantes na felicidade, e são, por natureza, os valores inerentes à rede. Sobre os movimentos sociais no Brasil, lembrou que o País sempre teve uma sociedade muito ativa. “Acho que a mudanca política dos últimos dez anos respondeu parte da esperança social de câmbios institucionais, mas outra parte foi frustrada. Entretanto, não tão frustrada a ponto de provocar indignação”, disse. Sobre o monitoramento e o controle na internet, afirmou que na internet não existe a privacidade porque tecnicamente é muito fácil vigiar. “Por isso os terroristas não se organizam pela internet, enviam pessoas a pé como antigamente. Os poderes controlaram e vigiaram sempre, a diferença é que agora a sociedade pode vigiar os poderosos. Todos nos vigiamos a todos.” Entretanto, para ele, o principal problema são as empresas, que têm acesso a todos os nossos dados, já que eles estão registrados nos cartões de crédito. “Elas sabem o que você comeu, em que hotel dormiu e quando você se embebedou. Se vocês querem ter privacidade, destruam o cartão de crédito e façam como os traficantes, paguem em dinheiro vivo. É a única forma de não saberem de sua vida em detalhes.” A outra questão é que as empresas, embora digam que não, passam os dados ao governo. Tudo o que fazemos nas redes sociais está à disposição dos serviços secretos. Para se defender, é preciso uma legislação mais dura e uma capacidade judicial mais dura que garanta o cumprimento da legislação. “Hoje, nos Estados Unidos, há um movimento de protesto contra essa prática. Enquanto tivermos capacidade de indignação há uma esperança, a esperança de conseguir leis e que essas leis sejam cumpridas.”