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DENTRE OUTROS PRAZERES, A DOR
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JALNA GORDIANO
aSMA
DENTRE OUTROS PRAZERES, A DOR
Embu das Artes
2021
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J Gordiano
© by Alexa Cultural - Jalna Gordiano, 2021.
Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Arte de Virgílio Simões com design de Renan Albuquerque
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural
Revisão
Jalna Gordiano e Renan Albuquerque
Ilustrações
Jalna Gordiano
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G661j - GORDIANO, Jalna
Asma - dentre outros prazeres, a dor, Jalna Gordiano. São Paulo: Alexa
Cultural, 2021.
14x21cm - 56 páginas
ISBN - 978-65-89677-10-9 .
1. Literatura brasileira, 2. Poesia, 3. Crônica, 4. Ensaios, 5. Poemas
6. Amazonas, 7. Brasil
‘
CDD - 869.1 / 869.2 / 869.4
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira
2. Poesias
3. Crônicas
4. Amazonas
Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610
Alexa Cultural Ltda
Rua Henrique Franchini, 256
Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140
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www.alexacultural.com.br
www.alexaloja.com
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Apresentação
A literatura de Jalna Gordiano é sua alma escarrada. Embriagantemente doce. Terna. Beatificada. Sutil como um bisturi
abrindo feixes de lirismo amargo no peito do leitor.
Sou suspeita em falar, sim, pois que venho acompanhando
de perto todo o seu processo de maturação desde que a conheci
no antigo Bar Macintosh e a achei extremamente arrogante e
talentosa. Mas a arrogância aliada ao talento ― já dizia o poeta
Mallarmé ― só aos espirituosos da arte pertence.
Asma – Dentre outros prazeres, a dor é seu livro de estreia.
Nele, Jalna reúne seus melhores poemas e crônicas, alguns já publicados na revista underground “Sirrose”, outros tantos ainda
inéditos. O fato é que, dentro de uma técnica narrativa obviamente sua, podemos encontrar, tanto nos poemas quanto na
prosa, o afã lírico e revelador de uma escritora que já emblematiza trazendo à tona, através de seus personagens, suas inquietações, mágoas, anseios, paixões, frustrações, sonhos, prazeres
e a dor. Descritos aqui de forma bem humorada e com um senso
crítico agudo e direto, que é a marca de sua escrita.
Asma – Dentre outros prazeres, a dor é um livro sem muito
blush e frescuras. Um doce vinho baudelairiano descendo devagar goela abaixo do leitor.
Garantia de uma boa leitura e de uma boa ressaca.
Márcia Antonelli, escritora amazonense.
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Dezembro
Você foi me amargando.
Aos pouquinhos, de nosso vinho,
Serviu-se vinagre...
E as taças ainda aguardam sujas,
Opacas,
Na pia da cozinha.
E meus olhos foram se dobrando abaixo...
E meu sorriso vinculou-se ao cansaço
Das noites que aguardei ouvir teus passos além da porta
(eram só os gatos).
E da espera criou-se o eterno.
Da aliança fez-se carne e da carne a cantiga
Que em muito difere das cantorias daquelas noites.
As luzes apagaram-se cedo demais pra uma festa,
Que se dizia eterna.
O carnaval que nos abençoou pagãos se suportou
O brilho das estrelas juninas
De mas em mas foi esfriando.
Quando percebemos,
Todos os elementais me expulsaram de tua terra
E com minha bagagem na barriga, me fiz em trouxa,
Parti.
Se eu prestar atenção, eu consigo ver uma catita
Que se esconde embaixo da mesa da cozinha.
Ela ri de mim e me diz como agora será:
Eu em meu calabouço.
Você em seus ralos rápidos, fugindo cada vez mais depressa dos
meus dias.
Enquanto as úmidas noites chovem as velhas palavras azuis,
Eu não posso mais discutir, no entanto,
Não fugirei eu desta vez.
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Anosmia
Por entre dez sóis e infindáveis noites
eis que me perco
one more time!!!
A lenta e indizível procura em
escuridões alheias me trouxe aqui
teu quintal
Penso então que talvez tenha
visto isso em algum
pesadelo ou delírio ruim de pinga.
Deixei meu cheiro em locais
cheios de gente suada azeda
que sentem menos que eu.
Não e por não tocar que não sinto
desde já.
Por entre tanto tempo
eu continuarei a ser
cuspida abandonando um certo
E errado amargor na boca da vida de gente
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Que tudo o que vier
venha macio para eu deslizar!
E o que for
leve pedaços do não eu amado
A divindade
da vida acaba de se esconder!
pshiiiiii!!!
(Atrás da minha segunda sombra!…)
Nunca tentei capturá-la por isso
alguém sempre a vê refletida
perto do mim.
Filhos e pólen e sonhos e saliva
minha pele de veludo
e meu órgão de linho
O cheiro nem importa mais
o importante mesmo é que a música vibre pelo eterno
e que consigamos fugir da tirania do óbvio.
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O fim está próximo
Quantas vezes pensei em me afundar na terra
E nunca mais voltar por tanta vergonha,
Mas tenho a alma de um pugilista em fim de carreira.
Ele me obriga a cerrar os punhos, fazer cara feia
E gritar o primitivo;
Voltar à luta.
Minha vida decresce em tons ascendentes
Descrentes...
Sou feito à lua e mudo rapidamente em fases;
Sou o deus sol
Aprendi a lentamente mostrar minha divisão em estações.
Quando meu rosto está no chão,
Eles vêm e pisam minha cara;
Escondo o riso.
Quem me julga,
Tem os discursos mais incisivos...
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São mais drogados,Traíras,
Sujos da pior bosta
Que só a infelicidade, vazio
E falta de comoção produzem.
Quem me julga,
Usa as máscaras mais ridículas
E inverossímeis nas almas,
Tristes palhaços de si mesmos.
Sou eterna e tenho medo do fim.
Sinto muitas dores e medos evidentes,
Bares e igrejas sempre existirão.
O que me permite tanta liberdade
É minha inconstância.
Preciso somente ser
Um pouco mais de paciência:
O fim está próximo.
Asma
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J Gordiano
Tundra
O mal estar do não estar
Daquele ar gelado que sopra
A todo instante,
A cada milésimo de segundo.
Em minutos
Despede-se o que lutou, riu,
Chorou, chegou, partiu,
Viveu.
Mergulho no poço de petróleo,
Salto na noite, em abismos marinhos.
A luz que chega acompanhada tão repletamente,
Se vai sozinha,
Trágica ou docemente.
E dançam, e bebem, divertem-se.
O assunto proibido, o medo vizinho, próximo.
Conformismo imposto a famosos ou anônimos.
Loucura escondida e condensada aos neurônios.
O cheiro na água, no fogo,
Na cama, no nada.
No fim,
Nadamos, nadamos,
Chegamos à praia Mortos.
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Guerra
Salto alto, batom,
Perfume, seda e cigarro.
Poder bélico altamente destrutivo
Caminhando no sereno
Rumo ao alistamento obrigatório.
Guerra na qual desertoresSão punidos com suicídio.
Ouço o barulho das botas,
Por entre becos e ruas ecoam marchas
De nupciais a fúnebres,
Drásticas.
Fedor de carniça sentido por poucos,
A mãe chora o filho morto.
Delírio generalizado
De um general ficando louco.
Viver é o alistamento obrigatório
De uma guerra perdida.
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J Gordiano
Incógnita
Lambeste meu coração
Arrastando o restante de néctar
Que havia escondido onde nem sabia.
As horas morrem no peito do dia
Que agora vai chegando ao fim.
O que será que os deuses vão fazer de mim?
A noite chega feito um gato se enroscando em minhas pernas
Conduzindo meus instintos por alguns lugares,
Bares, bordéis,
Motéis...
Sinto teu cheiro
A milhas de distância,
Você só finge que sente muito...
Estrelas douradas suicidam-se sobre cabeças desatentas,
Coroadas por tormentas
E mentiras.
Canções levam o passar dos ventos
Lá se foi o tempo em que tive
Tuas mãos em meu pescoço,
Braços como segurança,
Sexo como amor,
Brigas por discordâncias.
Iria por onde fosses,
Hoje analiso poses e reflexos de carros.
Acordei sem teu hálito,
Vivi sem teu incentivo,
Agora sinto muito
Querendo ou não
Também estás enterrado nesta tumba comigo.
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J Gordiano
Se eu pudesse poetizar a pornografia
A minha,
Teria de fundo sinfonia e morfina.
Agora, sinto o calor da parafina queimada,
Aqui neste quarto nada,
Somente a indecência a me olhar fixamente,
De lábios vermelhos e perfumada.
Asma
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J Gordiano
Poema da Despedida
Agora
Finja que estou a anos-luz da sua órbita
E flutuo no esquecimento escuro
Ouvindo suas canções
De olhos fechados.
Sinta minha ausência
Tilintar nos seus pelos
E escorregar rente aos seus poros.
Agora
Ouça a lembrança de minha respiração
E o eco do meu olhar no seu
Faça todas as coisas prazerosas
Que fizemos no passado
Pegue o sono rondando nosso quarto
Segure-o entre os dedos
E solte-o no amanhecer.
Agora
Dentre dez anos que se seguem
Posso voltar a qualquer hora
No meio da madrugada,
Às dez da manhã ou ao jantar.
Prepare festas diárias
Enfeitando nossa casa.
Nossos filhos estão se preparando para habitar sua vida.
Nossas horas estão unidas tão divididas.
Nossas nuances continuam aqui não esquecidas.
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J Gordiano
O tempo vai te lembrar de não nos deixar
Para trás.
O eterno vai te ensinar a ter a paciência necessária
De me esperar.
Estou envolta numa crisálida de ternura áspera
Aprendendo a conviver com dores
Para poder voltar pro teu peito
E não voltar a chorar...
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J Gordiano
Canto para minha morte
Canto para minha morte
Eu que não descanso enquanto não encontro
Algozes para minha prisão
Que não durmo até possuir
A dor da certeza
Eu
Que afogo todas as minhas luzes
E cores
Com chuvas de amores egoístas e possessivos
Que acabam com o fôlego de todos os meus vícios
Até sucumbirem de dor
Canto um canto triste e abafado
No ouvido de meus detentores
Canto como se
Cada olhar alegre estivesse encerrado
Nas mãos frias desses falsos calores
De que me vale tanta vida entre os seios
Se não posso ser ouvida?
De que vale desistir de meus receios
Se não há mais razão de ser sentida?
Eu canto para minha morte
Que ao meu lado aguarda
Pacientemente como ninguém
Puramente como ninguém
Livremente
Feito ninguém
A hora exata de me libertar.
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J Gordiano
Desligo tua presença
Com um simples ato de autocarrasco,
De covardia insana e fuga irremediável.
Se o latejar do peito for incessantemente constante
Cubro a ferida
Com o corpo de outro sobre mim
Sou expert em me destruir.
Quando o cheiro permanece ao redor,
E meus olhos só conseguem ler tua letra,
Silencio minhas expressões e observo
As casas de vida escondidas sob o sol.
A insistência é qualidade dos fortes
E a fortaleza é o sepulcro de heróis.
Atravesso tua ausência transparente
E digo para quem me é mais próximo,
O quanto sinto em negar,
Que o desespero é o meu acordar,
Que meu desejo é eternamente adormecer.
Feito o bater dos pêndulos do tempo
Indo...
Indo...
Indo...
Continuando minha existência
Como o eco dos morcegos cegos
Na manhã úmida de uma gruta escura.
Asma
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J Gordiano
Beletriz
Nunca viu finalidade
Nas visitas tão demoradas
Sabia que os gritos a incomodavam
Mas deitava e trabalhava.
Nunca entendeu as pancadas
De chuva n’alma.
Levantava sob sol quente
E andava, andava.
Fingiu o quanto pode
Astúcia
Queimou seu antigo quarto
Bebeu e dançou com serpentes mitológicas
Rodopiou e formou seu ralo lácteo.
Enterrou no ventre os filhos perdidos
Viveu a vida esperando
A tal fada:
Murchou na constatação.
Há estrelas em seus olhos
E perfume em seu peito
Mas quem perdeu o olfato foram eles
E já não podem enxergá-la.
Ela senta e balança infantilmente os pés
Esperando o infinito findar.
Asma
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J Gordiano
Ficção científica
A noite caiu
E o sono mortal instalou-se nas casas.
Pela escuridão
Luz tão forte desceu dos céus,
Visitantes querendo nos conhecer.
Mas a tal horas,
Quem os recepcionaria?
O poeta insone
Só no breu noturno
Foi a única criatura que lhes dera atenção.
Falou-lhes de amor, alimento,
Sofrimento, dor, tortura,
Falou-lhes da doçura de cada momento.
Em vão sua voz saíra,
Estes outros nada entenderam,
O que era de se esperar?
O que se esperaria,
Se aos próprios alienados irmãos terráqueos,
Presos em seus túmulos de carne,
Poeta algum consegue se comunicar?
Não existo mais
Fui apagada da vida
Como a palavra borrada no rascunho da bíblia.
A dor doeu tanto que desmaiei — ou será que acordei?
Acordei sangrando, no meio do trânsito, assustada,
Em grunhido histérico, gata atropelada.
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J Gordiano
Os transeuntes continuaram andando,
Sem se importarem em sujar seus sapatos no sangue jorrando.
O samaritano? Passou longe...
Cansado da viagem frustrante.
Acordei com água gelada na cara, no susto.
Aquele acordar decepcionante, bruto.
Acordei e fiquei olhando o bicho, o vaso de flor,
Acordei e olhei bem feio pra cara do amor.
Olhar de noiva traída, de mulher parida, partida sem partir...
Olhando o caminho com jeito de quem não quer ir.
Acordada, com rosto inchado, chato.
Cabeça vendo o céu, ah, Babel!!
Babilônia de não se saber quem é.
De não se saber o que quer.
Confusão de acordar e não se sentir.
O mau humor, o não-sorrir.
Acordada, parada, estática, atônita.
Acordada dentro de um pesadelo eterno.
Acordada no inferno.
Durante muito tempo eu te aguardei;
Quando chegaste
Não vinhas com as vestimentas esperadas.
Era fraco, franzino, estava a pé.
Tsc-tsc-tsc.
Eu te amei por eternos poucos segundos, meu anjo.
Sujo, falaste em estranha voz
Frases lunáticas e silêncios psicóticos
Me viste nua em erros
Eu não conseguia situar tuas cores
Eras embaçado... Volúvel.
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J Gordiano
Não me importei em te agradar
Você me deu seu mundo pálido
Te entreguei meu mundo etílico
Juntos dançamos o blues da falta de calor.
Hoje és bruto, imoral.
Tornei-me pálida, quase muda.
Nos amamos, erramos ao não conseguir conviver...
Mas nos amamos.
Hoje sou surda
És cego, parado.
Nós seremos eternamente sós em nós dois
Na imensa e fria escuridão universal.
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J Gordiano
Eu vou me fuder
Eu vou me fuder
Por fuder tanto assim.
Por dançar com vários homens
Neste cabaré sombrio.
(Eu já sei do meu triste fim...)
Por isso
Não ria de mim
Ou se apegue à peça.
Se sou mesmo
A tal da
Nau à deriva
Afogarei muitos pulmões
Quando sucumbir.
Esses laços
Formados de comoção
Prenderão-me pelo pé
A uma rede de vodus.
Com a rosa na boca
E o peito ofegante e suado
Recebo os aplausos e o calor da luz
Vindos de um invisível público
E ainda por cima
Consigo me alimentar dos tomates podres
Quando se fecham as cortinas.
Tropeço em ruas planas, bêbada
Brinco de levitar
Converso com muitas pessoas estranhas
Mais até que eu mesma
Desinteressantes ao mundo
Recheadas a mim
Discuto com o cobrador do ônibus
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Por causas alheias
Insulto deus o dia todo
Chamo traíra
Cuspo pra cima
E de noite rezo pedindo perdão
Corro pelo corredor com meu filho
Dou banho e faço mamadeiras
Ponho a dormir cantando nós dois
Ainda consigo me comover mais e mais
Ainda consigo chorar ao assistir comerciais
Soluçante
Ainda amo todos meus ex-amores
Fielmente
Não vá embora por minha loucura
Pelo meu excesso de vidas
Não vá embora por ser perturbado por mim
Por palavras malditas
Ainda posso rir de nós todos
Ainda sei cozinhar pra você
Ainda posso te apresentar puteiros imundos e te escolher
garotas
Posso deitar no teu colo e ganhar afagos?
Posso
Irritar-te insanamente para fazermos amor
Toda a madrugada?
Posso te ligar às três da manhã pra te contar dos bêbados que
não dormiam na cidade?
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Derrota!
Não estou pedindo uma trégua
Quero que você me mate.
Pegue esta pedra, ponha-a na minha cabeça
E termine isso de vez!
Não me dê seu desprezo
Quero o olhar de pena.
Sair ferida e mancando não me basta
Quero morrer na luta!
Quero ver onde vai dar, o outro lado,
Os louros do esquecimento, quero o mármore,
O mais belo dos mármores,
As gargalhadas de deboche,
O nome enxovalhado, arrastado pelo asfalto.
Conceda-me pois
A honra da última bala, saia desta de pé
E avante, homem!
Conquiste novas terras e deixe-me aqui
Apodrecendo lenta e malcheirosamente
Alvejando os ossos no sol quente...
Canto de olhos, escárnio,
Tudo o que me é de direito.
Esta luta já durou demais
E você não tem mais o que atingir.
Chute esta cadela morta e de alguma forma,
Nem que seja metafisicamente,
Merda!,
Me deixa ir!
Asma
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Asma
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A recusa do caos
Subi ao topo da juventude para me jogar na imunda
velhice. Sou um poço de constatação. E os vácuos de tais fatos
sumiram-me com as emoções mais intensas. Somente as sombras desbotadas de ventura me consolam. Agora, se observo
prostrada no escuro o vazio ao meu redor, antes tão povoado
de perfumes e vida, é por pura e unicamente mea culpa. Se rôo
os calcanhares do arrependimento, fui somente EU que o pus de
pé na minha frente. Antes esta solidão nublada e chuviscante,
que o que antes me enlouqueceu.
Eu construí com anos de amizade o amargor que as bolsas embaixo da minha língua carregam. Posto que a amizade é
somente o material de que se ergue a ponte em que a traição
atravessa para nos atravessar. Amarrei na linha da minha vida
os guizos que me tiram a atenção necessária para perceber a
paz.
O céu não existe, o inferno alguém inventou e sou mais
um personagem no imaginário comunitário, já que às vezes não
me enxergo as unhas. A condenação é por imposição de terceiros. Não xingo os deuses, a fé. Xingo a loucura dos fanáticos.
Fodam-se os padres, os crentes, os católicos.
Demos VIVA! aos caóticos, aos nus.
Aos devaneios soltos no espaço de tempo ainda não descoberto. Meu tutor me entregou às mãos do tribunal do santo
ofício. Eu que já tive a Lótus queimando em brasa nas costas,
agora tenho minhas vísceras enrolando num carretel para bordar as capas de porcos.
Não peço desculpas pelo desvario dos rituais de Baco.
Nem de despedidas sem comoção. Olhei pros olhos distraídos
dele e disse ME PERDOA? Ele, no auge da inocência, instantaneamente me disse NÃO. Eis minha constatação. Eis minha condenação.
Asma
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J Gordiano
Bilhete à futura geração doente
Foi assim que eu percebi e as coisas já estavam mudadas.
(Eu sabia que chegaria a este ponto).
O sentido ficou perdido em algum lugar que eu não lembro, mas nada de tão angustiante. Somente a agonia de um inseto ainda não morto sendo devorado por formigas. A agonia de
um velho em coma esperando desligarem os aparelhos. Estamos
vendo nosso antigo veleiro ser dominado por águas revoltosas e
ficamos aqui, sentados na proa esperando o fim. Minhas pernas
enfraquecidas pela pouca cerveja me impedem de te seguir. Minha alma entorpecida por tantas despedidas, dorme descansando da viagem. Que pena... foi assim ver o arco-íris desbotar no
entardecer... Mas as crianças continuam correndo na praça e eu
sugo sua doce energia para suportar a dor. Eu sugo a energia da
fertilidade para não lembrar do fatídico. Foi assim quando eu me
toquei no lugar errado que consegui ver a pilha de erros ao meu
lado chorando de fome de amargura e reproduzindo-se no caos.
Sentindo a frieza da escuridão e a aspereza do caminho de volta.
Desmoronam o amor e sensatez. Cai por terra o mito do eterno.
Definham em gritos os beijos e prazeres prometidos.
Se alguém de nós sobreviver, conte aos mais novos. E
estraguem seus suaves suspiros, envenenem as tantas esperanças. Esta é minha última: a espera; esperar o fim sentado na
beira deste monte de lixo e fedor. Sequem as vontades mais sublimes, dissequem os corpos dos amados. Se algo ainda assim
sobrar, são seguintes as instruções: abandonem-se ao vazio, entreguem-se à poeira.
Que o mundo inunde-se de gelo derretido e o sofrimento
afogue-se junto a ele.
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A crise de Mafalda
Quando ele me disse aquilo, achei então a peça que faltava pro meu brinquedo estar completo. E pensar que tinha passado tanto tempo gastando horas e horas da minha vida tentando
decifrar, fazer leitura labial em uma pessoa muda e em imagem
distorcida. Passei tanta eternidade me preocupando, me comovendo e me martirizando pelo mesmo erro em várias pessoas diferentes. Eu me preocupava demais com o problema dos outros
e fazia deles os meus... Você entende, Mafalda?
― Hã hã…
E a coitada da Mafalda tendo que ouvir horas a fio as questões existenciais da Andréa, como se não tivesse as contas pra
pagar dentro daqueles dias. Não bastava o aborto feito contra a
vontade do namorado, a vizinha roubando as poucas frutas do
quintal da sua tia, ela ainda tinha a maldita da Andréa atazanando sua vida, feito uma carapanã em noite de muito sono.
Atazanando os poucos minutos de folga que a lotação lhe
proporcionava. Era naquele banco podre da Kombi 1987 que ela
podia sentar o traseiro e fingir que o resto do mundo não existia,
que a Andréa não existia, que a própria e podre Kombi 87 não
existia. Porque não existir não era um sofrimento pra Mafalda. A
Mafalda não era uma garota vazia. Ela tinha se formado, levado
chifre, tomado porre, arrumado um bico de garçonete.
A Mafalda fazia parte do Senso 2007 do IBGE. Ela gostava,
mas não tanto assim dos Beatles, achava a banda Calisto engraçada e admirava os roqueiros doidões do bar da esquina da sua
rua balançarem a cabeça daquele jeito e não quebrarem os pescoços. Só tinha perdido a capacidade de se comover. Ela entendia que ninguém jamais entenderia alguém. E que a humanidade
iria se extinguir, mais cedo ou mais tarde. Sabia que a Terra seria
Asma
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engolida pelo Sol um dia, junto de um monte de coisas, algumas
frustrações, inclusive as da Andréa.
Por que se preocupar tanto? Já estava tudo resolvido. A
existência, a dor, o gozo, o fim. E tudo estava e tudo era. O resto
seria somente conjugações que sua língua pátria lhe impusera,
desde criança, e que as outras crianças também aprenderiam
um dia talvez. A Mafalda não era emocore, nem depressiva, não
se enquadrava em nenhum rótulo. Ai, gente, ela nunca existia.
Não pode existir. A coitada da Mafalda jamais existiria.
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Psicoantipatia
Hoje é sexta feira. São oito e pouco da night. A cidade
brilha suas luzes na minha retina. A maquiagem está feita, por
dentro e por fora. Rezo um pouco antes de ir, espero que hoje
não seja a última noite. Nem a primeira depois de algum trauma
inesquecível. Mais um.
É incrível o calor de dentro deste ônibus. Sensações
claustrofóbicas e, sem perceber, teu nome na minha mente. O
bar é pra esquerda ou direita?
Eu não sei o que está acontecendo ao meu redor. Mas isso
não me incomoda muito, eu nunca soube mesmo... Só sei que
gosto de rir sozinha pensando em você. Na frente de quem for.
O que me aflige são esses pensamentos…
Eu imagino seu sangue espalhado pelo chão, sujando
meus pés nus. Eu imagino você sendo atropelado por um bonde,
espatifando-se.
Às vezes, se me concentrar um pouco, consigo sentir o
cheiro de teu cadáver se decompondo. Seus lindos cabelos soltando da cabeça em minhas mãos. Vou achar sua casa e, amanhã,
as flores de seu jardim estarão todas tingidas de negro. Porque
sua felicidade é risível. Porque você também é. Porque eu me
encontrava em paz segundos antes de você acordar do coma e
cair dos céus na minha frente (Mentira, eu nunca estive em paz).
Mas isso não vem ao caso.
O caso entre mim e você está acontecendo agora. Não sabes, mas está. Estou isolada propositalmente nesta multidão pra
te observar de longe. Mexo na borda do copo de cerveja para
molhar um pouco as mãos.
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Sequei de esperar.
Quero que todas estas pessoas ao meu redor derretam.
Quero que esta noite esfrie e vinho chova dos hidrantes. Profanado meus bruxedos telepaticamente, a música estridente nos
ouvidos. Sorrio.
Seus olhos, até que enfim. Pensas que estou te cortejando, cavaleiro manco?
Não. Estou torcendo para aquele carro azul subir na
calçada e apanhar você entre a parede.
Mas isso estragaria a festa. Esquece.
Desvio o olhar com jeito de mulher estúpida, passo a mão
no rosto, finjo nervosismo. Afundo em uma poça de tédio. Engasgo-me com meu próprio remédio.
Aquele cara insiste em me seguir com os olhos. Eu sei que
não vais fazer nada. Essas mulheres agarradas em teu pescoço
não te permitem movimento algum.
Então, beijo esta idiota criança, louca para cair na insanidade que me atazanou a noite toda. Vou levá-lo para casa e me
arrepender amanhã. Mas não esqueça do meu olhar vitrificado
desta noite. Digo-te. Ainda vou achar tua casa.
Asma
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J Gordiano
Ressaca Moral
Eu nasci pra viver só. Não que eu esteja acostumada com
isso, mas acabei me especializando em fazer besteira. Ainda é
meio desconfortável, admito, mas no dia seguinte a primeira vez
já foi. Lembra domingo, te liguei chorando, pedindo desculpas?
Esqueça, era ressaca. Malditos créditos, bendita cerveja. Benditas as sextas em que tudo é festa. Um dia vou morrer, me libertar deste corpo, visitar outros planetas, conversar com os deuses e o Surfista Prateado.
Por enquanto, você me chuta, eu me liberto de você,
visito bares, converso com amigos e com o Surfista Prateado.
Bendita cerveja. Bendita sexta. Nunca prestei o suficiente pra
ti, jamais estive confortável em qualquer espécie de relacionamento, me contento com as ruínas, as falsas amizades, a responsabilidade me assusta. Não as correntes, o barulho. Fim de
semana é sempre fim de ano. Um longo ano de sete dias. Vamos
comemorar! Cansei de ser legal, tentar agradar a todos, ouvir
todos, resolver tudo...
Por que as pessoas só gostam de quem sofre?? DANE-SE!!!
Cansei de sofrer, quer saber? São cinco e meia da tarde de um
bendito dia. Errei, eu sei, mas quem não erra? Não vou pedir
desculpas só. Vou sentar aqui nesta cadeira amarela, pedir uma
gelada, rir com um bando de alcoólatras insensíveis e sem escrúpulos. Você fique aí, olhando de longe, odiando minha falta de
consideração. Torça pra eu ter um bom fim de semana. Aí, quem
sabe, te ligo no domingo...
Asma
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J Gordiano
Saideira
Outra. Mais uma. E outra. Mais uma. A saideira... Deus
quis que estivéssemos no mesmo bar num dia ruim pra todos,
maldita lua boêmia que me obrigou a sair quando fez aquela careta amarela. Esta cidade que mais me lembra duas ruas de um
filme europeu antigo e manchado. Esta cidade que insiste em
parir um adulto filho da puta bem na minha frente, bastando eu
estar bêbada e solteira.
Outra, garçom!! Putz, quando o corno é o último a saber,
o garçom é o primeiro a sumir. As noites se repetem mudando
os atores. O roteiro é o mesmo escrito por alguém em crise criativa. São amores e amigos perdidos, substituídos por outros que
logo terão o mesmo fim. Eu, sou a tal da atriz decadente, gorda
e bêbada que insistem em convidar pra aumentar a bilheteria.
Eu sou o tal do filme repetido por algum nerd que se denomina
fanático.
Dá no mesmo, no final. O táxi mangueado por dez reais
e umas cantadas idiotas do motora, o x-salada com coca-cola pra
melhorar a ressaca instantânea, e vômitos e mais cantadas (agora dos rapazes realmente agressivos) no caminho a pé pra casa.
Eu poderia tocar violoncelo pouco antes de conhecer esse underground bicha. Eu poderia ser a tal da garotinha boazinha que
lava, passa, cozinha e leva chifre. Como é mesmo que as otárias
dizem? Ah! Uma santa na rua e uma puta na cama. Acho que é
mais ou menos isso.
Elas juram que funciona antes de saberem do primeiro
chifre que sempre levam...
Eu sou uma puta no bar e uma bêbada na cama. Sozinha,
fumando meu cigarro, escrevendo com a janela aberta, olhando
pra lá e pensando: maldita lua!!!
Asma
- 44 -
J Gordiano
A crise de Sofia
Eu o havia esperado por toda a madrugada, e nem um telefonema sequer. Tínhamos brigado a noite anterior. Eu saíra sozinha, tinha tomado um porre e ele não gostou, saiu e até agora
nada! Ele disse SOFIA, ISSO NÃO SE FAZ, TE AMAVA TANTO! e
partiu, agora sabe Deus, ele tem mil ex-namoradas, umas gordas com dinheiro, umas crentes, 2 e meia e nada, já fumei meia
carteira em meia hora, nem consigo mais falar, ele disse também
NÃO POSSO ACEITAR ESSE SEU JEITO BEBUM DE SER e eu disse,
poxa Alex, para com isso, te amo e ele NÃO!, ACHO MELHOR
PARAR POR AQUI, AMANHÃ PEGO MINHAS COISAS, VOU TE ESQUECER, mas Alex, eu não quero te esquecer, eu disse, mas ele
foi e chovia, cara, chovia bastante, eu espero que ele esteja bem,
eu já tive dor de cabeça, tô meio dopada duns comprimidos aí,
ouvi todo o cd que ele me deu no meu aniversário, fala dumas
filosofias que ele adorava, nossa como eu odiava quando ele começava com aquela conversa e a gente se deitava discutindo e
se beijava, ele tinha um peito- travesseiro quente que eu amava,
um jeito de me beijar à força que eu amava, agora são quatro e
meia, meu rosto tá meio dormente de sono e de choro eu estou
com frio e passo a mão na cara:
Peraí! Minhas mãos estão molhadas e é sangue, meu Deus!
É sangue!
FOI, FOI, ELE REAGIU QUANDO VOLTOU PRA
PEGAR AS COISAS, é mesmo, eu esfaqueei suas costas, e
ele ainda olhou e perguntou por quê, SOFIA? com uma cara de
agonia e eu disse Ah! você ia me esquecer mesmo... e Ah, que
sono, tenho de dormir um pouco com meu Alex, só que o peito
dele tá tão frio.
Asma
- 45 -
J Gordiano
País das baixarias
Vagando por um corredor estreito eterno, etéreo
Ecos soam de passos em falso
Dados por alguém muito parecido com você
O barco partiu e a despedida, não.
Cada segundo torna-se agora
Um século inteiro de autocomiseração.
Foi fácil descer até aqui,
Mas não vejo degrau algum para subir.
Um caminho sem volta
Uma escolha alheia
Não espere boas surpresas
Surpresas não são coisas boas
O que surpreende de verdade é sempre o ruim
Ainda não temos noção do que vem por aí.
Madrugadas pós-madrugadas
Bem embaixo dos trovões me perdi de você.
Sem companhia a tristeza fica mais atraente.
Os fantoches caíram sangrando no palco,
A lona pegou fogo.
Assista a você mesmo,
Meu adorável e particular nada respeitável público.
Em público é natural demais.
Te banharam em escuridão,
Nas paredes observas fotos de momentos esquecidos.
Todos os seus canais lacrimais entupidos.
Não se acelera, nem se volta
Asma
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J Gordiano
Jamais voltaria àquela rota.
Esperamos você para o chá,
perdestes o caminho,
Assim fomos obrigados a colocar outra
Alice em teu lugar;
Bem vindo ao país das baixarias.
Asma
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J Gordiano
Asma
- 48 -
J Gordiano
Loucura
Acordo todos os dias
em terras alheias ao meu conhecimento.
Construo
pedra por pedra
meu abrigo sem fundações.
Nestes dias embaçados pela neblina
meu pensamento cai em meu mundo,
desenfreadamente.
Nestes dias turvos de dúvidas
o céu da noite surge sem constelações
ou sequer uma luz a me guiar.
Quando ameaço desistir
o vento me empurra um pouco mais ao abismo.
Quando me ajoelho de cansaço
meus inimigos levantam-me pelos cabelos
e dão-me as costas.
Ao alvorecer
enxugo meus olhos
e caminho por trilhas abertas pelos meus medos mais íntimos,
a sós.
Ao entardecer
seguro nas mãos da solidão
prosseguindo o caminho seco, desértico.
À noite
deito no colo da desesperança
derramando lágrimas para refrescarem-me o rosto.
Não consigo lembrar
quando me perdi de casa,
e a única certeza que tenho
é que meus amores e entes mais queridos
estão longe dos meus abraços.
Asma
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J Gordiano
Quando a temperatura cai
meu peito aquece de saudades
e vontades
que nunca conheci.
Quando a poeira bate no rosto
asfixiando minha já enfraquecida segurança,
tapo meus olhos com mãos trêmulas
para não cegar minha jornada.
Acordo todos os dias
pensando no que o dia seguinte fará comigo.
Construo
grão por grão
sofrimento sem precisão.
Nestes dias frios de desespero
rezo para encontrar o rumo de casa.
Nestes dias ásperos de ignorância
quando meus ombros pendem sobre meu corpo,
tento levantar meu rosto, arrastar meus pés.
Peço perdão por erros cometidos.
Peço perdão por erros nem conhecidos.
Peço perdão
pela audácia de ter existido.
Asma
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J Gordiano
Asma
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J Gordiano
Eu não preciso de ti
(ou Nunca precisei de ninguém)
Morrer nunca foi fácil
Tão fácil assim
A covardia tomou conta.
Sei que o dia virá
Se não vier,
Existem certas coisas que também não posso mudar
Quando Cristo voltar
Vou olhar com meus chapados olhos de tédio e tristeza e dizer:
Demorô...
A porta ficou aberta,
Te acompanhei até o ônibus.
Chega de frescura.
Nunca precisei de ninguém
De ti também.
Certos dias sempre demoraram a passar.
A noite volta
O sol reaparece e as rugas nascem
O mundo morre ao redor.
Matei todos que me cercavam
Afastei toda espécie de sentimento alheio
Fico aqui
Ruminando meus restos
Neste sepulcro de areia, cimento e madeira.
Nunca precisei do sol nem de mim
De ti ou da tv
Quero o controle remoto somente para
Desligar e dormir.
Asma
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J Gordiano
Para Sempre
(Miniconto)
Era, na vista, uma menininha de seus cinco anos. Mas
existira antes das eras começarem. Sentava-se no chão daquele
quarto úmido, rosto contra a parede, toda alma. Esquecida há
uns séculos, lamentava-se mentalmente o abandono.
Um dia ele chegou. Grande, forte, iluminou o ambiente ao
abrir a porta. Ela perguntou: “Por que demoraste?”.
Ele calado.
As perninhas dela levantaram o corpo, suas mãozinhas sacudiram os trapos, tomou impulso e pulou em seu colo.
Formou em seu largo pescoço um colar de braços. Enfiou
sua pequenina língua naquela áspera boca e beijou-o maliciosamente tal qual da vida. Ele soltou-a ao chão. Abriu. Saiu. Fechou
a porta.
Ela, voltou ao seu canto de lamúrias. E existiu sendo a princesinha pálida, dona da própria infelicidade. Para, realmente,
sempre...
Asma
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J Gordiano
Asma
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J Gordiano
Asma
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J Gordiano
A subjetividade, a consternação, o subversivo, a introspecção poética e a sensibilidade. São essas as perspectivas oriundas de toda a angústia que encontramos em Asma:
Dentre Outros Prazeres, a Dor. Com estilo poético livre, carregado de simbologias e metáforas, Jalna Gordiano convida
as pessoas a se embebedarem na profundidade do seu fazer poético, a compreenderem, sob as palavras inteligíveis
e as pétalas do seu chapéu, um tipo de poesia que se constrói em si mesma e elucida o ser humano nos mais diversos
momentos. A coletânea poética é um mergulho na estética
literária da criação em brasa. É uma poesia compreensível,
ousada e lírica. É uma poesia forte e endurecida, como pedra que sorri.
ISBN 978-65-89677-10-9
Asma
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J Gordiano