1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E
TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBIMORUMBI / 2019
ANAIS
1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E
TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBIMORUMBI / 2019
ANAIS
https://ppgdesign.anhembi.br/eventos/encontro-dat/1dat-2019/
1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E TECNOLOGIA
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Programa de Pós-Graduação em Design / 2019
ORGANIZADORES
Gilbertto Prado (UAM); Sérgio Nesteriuk (UAM); Suzete Venturelli (UAM)
CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Nelson Caramico
WEB DESIGN: Alessandro Cammilo
COMISSÃO CIENTÍFICA
Jorge La Ferla (Universidade de Buenos Aires, Argentina), Karen O’Rourke
(Universidade Jean Monnet, França); Luisa Paraguai (Pucamp), Malu Fragoso
(UFRJ), Milton Sogabe (UAM), Monica Tavares (USP), Paulo Bernardino
(Universidade de Aveiro, Portugal), Rachel Zuanon (Unicamp), Valzeli
Sampaio (UFPA)
O Encontro DAT – Design, Arte e Tecnologia, do Programa de
Pós-Graduação em Design toda Universidade Anhembi Morumbi (UAM), tem
por meta reunir pensadores de universidades nacionais e internacionais com
foco específico nos setores culturais e tecnológicos criativos que
desenvolvam pesquisas, projetos, ideias, inovação e atividades
empreendedoras. Explora o potencial de diluir as fronteiras entre design, arte
e tecnologia com referência específica para discutir a criatividade em design
e tecnologia – examinando como a tecnologia digital é abordada pelos
artistas e designers. O encontro busca também contribuir com discussões e
reflexões sobre como o Design e a Arte moldaram e moldam os valores,
as estruturas sociais, as comunicações, o pensamento e a cultura.
Envolve designers e artistas com seus trabalhos criativos, teóricos e práticos,
para que apresentem novas perspectivas e permitam entender mais sobre
suas habilidades, processos, motivações e relacionamento com o mundo,
considerando a diversidade e a interdisciplinaridade destes trabalhos.
1 ENCONTRO DAT DESIGN ARTE E TECNOLOGIA
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI / 2019
Abertura dia 26 de agosto de 2019 (segunda-feira)
9h30
Abertura: Gilbertto Prado, Suzete Venturelli,
Sérgio Nesteriuk (Coord. PPG Design),
Paolo Roberto Inglese Tommasini (Reitor)
10h
Palestra: Regina Silveira – O Prazer da Imagem
Coord. Gilbertto Prado (UAM)
11h00 – Debate
16h
Mesa redonda DAT
Anna Mae Barbosa (UAM) (Coord.)
Maria Luiza Fragoso (UFRJ) / [Vídeo ensaio]
Eloize Navalon (UAM)
17h30 – debate
Dia 27 de agosto (terça-feira)
10h
Palestra: Lúcia Santaella – Estética da fascinação
Coord. Suzete Venturelli (UAM)
11h30 – debate
14h
Mesa redonda DAT
Alan Richard (UAM)
Marcos Cuzziol (Itaú Cultural)
Silvia Laurentiz (USP)
Sérgio Nesteriuk (UAM) (Coord.)
15h30 – debate
Dia 28 de agosto (quarta-feira)
14h
Mesa redonda DAT
Alckmar Luis dos Santos (UFSC)
Andrea Catrópa (UAM)
Ricardo Balija (UAM)
Geraldo Coelho Lima Júnior (UAM) (Coord.)
15h30 – debate
18h
Encerramento dos trabalhos do dia e do evento
Palestra: Milton Sogabe (UAM)
SUMÁRIO
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A
RESTAURAÇÃO DA OBRA DIGITAL DESERTESEJO ..8
Referências.............................................................................. 16
Créditos ................................................................................... 18
PENSAMENTO CONFORMADO: EXPERIÊNCIA,
SENSAÇÕES E COGNIÇÃO ..........................................19
Resumo ..................................................................................... 19
Introdução ................................................................................ 20
Estudos Precedentes .............................................................. 21
Hipótese.................................................................................... 25
Aprendizagem de Máquina .................................................... 26
Considerações Finais .............................................................. 28
Referências ............................................................................... 29
TESTEMUNHOS DE PASSAGEM ..................................30
Resumo ..................................................................................... 30
Sobre o Projeto........................................................................ 31
Seus temas fundamentais ...................................................... 32
TRADUÇÃO E MONTAGEM...................................................................................... 32
VULNERABILIDADE HUMANA NA ONDA MIGRATÓRIA .................. 32
HIBRIDISMO TECNOLÓGICO................................................................................... 33
A sonorização em multicanais .............................................. 33
Banco geral de dados: mixagem, legendagem e
tratamento ..................................................................................34
Imagens ..................................................................................... 35
RODA VIVA ............................................................................................................................. 35
IMAGENS INTEGRANTES DA EXPOSIÇÃO RETROTOPIAS, SÃO
PAULO, SP, 2018. ................................................................................................................... 35
TESTEMUNHOS DE PASSAGEM .............................................................................. 36
Referências ............................................................................... 38
SINAIS DETECTADOS ENTRE O BIOLÓGICO E O
MAQUÍNICO ....................................................................40
Resumo ..................................................................................... 40
Introdução ................................................................................ 41
A poética emergente ............................................................. 43
Projeto Amoreiras .................................................................. 45
Flores de plástico não morrem ............................................. 47
Conclusão.................................................................................. 51
Referências............................................................................... 52
OLHAR, TECNOLOGIA E ARTE ...................................54
Resumo ..................................................................................... 54
Introdução ................................................................................ 55
1- DISPOSITIVOS ÓPTICOS ........................................................................................ 56
2 IMPLANTES ÓPTICOS ................................................................................................ 63
3- VISUALIDADE NA MÁQUINA ............................................................................. 71
Considerações finais ............................................................... 74
Referências ............................................................................... 75
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A
RESTAURAÇÃO DA OBRA DIGITAL DESERTESEJO
Marcos Cuzziol;
Instituto Itaú Cultural
[email protected]
D
Gilbertto Prado
Univ. Anhembi Morumbi
[email protected]
ORCID 0000-0003-2252-3489
esde sua criação, em 1987, muitas das ações do Instituto Itaú Cultural
têm foco no emprego artístico da tecnologia. Assim foi com o primeiro
produto da instituição, o Banco de Dados Informatizado - que evolui para a
atual Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras -, com a série de
exposições de arte e tecnologia - em especial, a Bienal Emoção Art.ficial - e com
a Coleção Itaú Cultural de Arte e Tecnologia, entre outros exemplos.
De forma gradativa e natural, as exigências específicas de exposições de arte
digital/tecnológica geraram conhecimento sobre a necessária manutenção de
obras desse tipo, desde pequenos reparos até restaurações completas. Temos
dois exemplos de trabalhos de restauração levados a termo no Itaú Cultural
entre 2013 e 2014. O primeiro deles, Beabá de Waldemar Cordeiro e Giorgio
Moscati (1968) e o segundo, que vamos tratar aqui brevemente, Desertesejo
de Gilbertto Prado (2000).
O projeto da obra Desertesejo, de Gilbertto Prado, foi selecionando para
ser desenvolvido no programa Rumos Itaú Cultural Novas Mídias de 1999.
Proposto como ambiente virtual 3D multiusuário, Desertesejo proporciona
uma experiência interativa com a presença simultânea de vários participantes.
O projeto explora poeticamente a extensão geográfica, as rupturas temporais, a
solidão, a reinvenção constante e proliferação de pontos de encontro e partilha.
Ao entrar no ambiente virtual, o viajante encontra uma caverna de cujo teto
caem pedras suavemente. Qualquer uma delas é clicável. Após o clique, o
viajante é transportado para um novo ambiente, no qual carrega essa pedra.
Poderá então depositá-la em algum dos montes apaicheta presentes nos
diferentes espaços. A pedra constituirá um marco da passagem desse viajante e
ficará como uma indicação, para outros, de que ele esteve ali.
Mas a entrada nesse ambiente pode acontecer de três formas diferentes. Ao
clicar sobre uma pedra na caverna, o viajante poderá ser transportado como
8
uma onça, uma cobra ou uma águia. Ou seja, poderá andar, arrastar-se ou voar
sobre o ambiente, como em um sonho xamânico, mas não saberá de antemão
que forma assumirá nesse novo espaço.
Os ambientes são compostos de paisagens, de fragmentos de lembranças e de
sonhos, sendo navegável em rotas distintas que se entrecruzam e se alternam,
que se encadeiam e se compõem em diversos percursos oníricos:
1. Ouro é a zona do silêncio. Nesse primeiro ambiente, a navegação é solitária.
2. Viridis é o espaço do céu e cores. Nele, o viajante vê sinais da presença de
outros, mas sem ter contato direto com eles.
3. Plumas é o eixo dos sonhos e das miragens. Nesse ambiente, o viajante
interage diretamente com outros, via chat 3D. É a zona do contato e da
partilha entre os avatares dos diferentes usuários.
Se, na década de 60, grandes computadores estavam limitados à impressão de
caracteres em papel, 30 anos depois computadores pessoais de baixo custo
começavam a exibir capacidades gráficas notáveis em seus monitores de vídeo
colorido. Tornou-se possível, no início dos anos 90, simular a presença de um
usuário de microcomputador em ambientes virtuais navegáveis, construídos por
pixels e/ou por projeções matemáticas de polígonos virtuais. A técnica já existia
há alguns anos, é verdade, mas estava até então limitada a estações gráficas
caríssimas.
As obras que popularizaram essa tecnologia foram os videogames, dos
quais podemos citar “Wolfenstein 3D” e “Quake” (id Software, 1992 e 1996,
respectivamente). E um dos primeiros exemplos de aplicação artística para
ambientes virtuais em 3D é a obra The Legible City, de Jeffrey Shaw, que teve
uma de suas primeiras versões apresentada ainda em 1989, utilizando uma
estação Silicon Graphics.
Um dos primeiros artistas a usar esse recurso no Brasil foi Gilbertto Prado, com o
projeto da obra Desertesejo. No ano 2000, a obra trazia inovações interessantes
em termos de uso da tecnologia disponível. Os ambientes virtuais rodavam em
computadores pessoais com bom nível de qualidade gráfica (necessária para a
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
9
criação de um visual onírico). No caso em questão foi trabalhada a relação entre
a qualidade gráfica apresentada, em função de uma otimização do número de
polígonos e textura, com a filtragem de um nível de detalhamento de informação
na modelização dos ambientes. A título de exemplo, o maior dos ambientes o
monousuário (Ouro) tinha aproximadamente 21 mil polígonos e 380 Kbytes
de tamanho (20 x 5 km – escala relativa), com muito bom nível de qualidade
gráfica. Isso foi possível depois de vários testes e experimentações de texturas
e encaixes relativos entre os polígonos. Esse trabalho foi longo e crucial, tendo
o processo de construção, modelagem e programação de Desertesejo levado
em torno de um ano.
Como resultado, o ambiente Ouro acima descrito era particularmente
grande para os padrões da época, mas rodava com boa velocidade em
computadores pessoais padrão, não em aplicativo específico (como faziam
os principais videogames do período), mas em plugin de browser, ou seja,
diretamente no aplicativo de navegação Internet. E a característica multiusuário
do terceiro ambiente (Plumas), com usuários de qualquer parte do planeta
sendo representados por avatares e podendo se comunicar via chat de texto,
antecedeu em três anos uma aplicação muito popular que usava tecnologia
parecida via browser, o Second Life, da Linden Lab (2003).
O trabalho recebeu o prêmio menção especial no 9º Prix Möbius International
des Multimédias–Beijing, China (2001) e participou de várias outras mostras
entre elas a XXV Bienal de São Paulo, Net Arte (2002).
Em 2014, Desertesejo foi selecionado para participar da exposição
Singularidades/Anotações, pelos curadores Aracy Amaral, Paulo Miyada e
Regina Silveira. Entretanto, desenvolvido em 1999/2000 utilizando um plugin
específico para VRML (Virtual Reality Modeling Language) e chat 3D a obra não
podia mais ser apresentada, o plugin utilizado 14 anos antes já não funcionava:
tornara-se obsoleto em browsers mais recentes. Como rever isso tudo nesse
outro momento e com outras ferramentas e possibilidades? Como colocar o
espectador neste ambiente onírico?
O processo de restauração de Desertesejo era a única opção para que a obra
pudesse ser apresentada como havia sido proposta originalmente - e não como
mera documentação em vídeo, por exemplo. O trabalho de restauro foi intenso,
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
10
Desertesejo,
ambiente virtual
multiusuário,
Gilbertto Prado,
2000.
pois todos os ambientes da obra precisaram ser remodelados em 3D, texturas,
sons e iluminação recriados, avatares reconstruídos, etc. Como consequência,
mesmo com a criação de ambientes novos desenvolvidos para programas
diferentes, tanto o visual quanto a experiência da obra original foram mantidas e
apresentadas ao público na exposição de 2014. Contar com o acompanhamento
do artista durante todo o processo de restauro foi fundamental para que o
resultado obtido fosse o mais fiel possível ao original, assim como os vários
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
11
Desertesejo, Gilbertto
Prado, (2000/2014).
Desertesejo, Gilbertto
Prado (2000/2014).
Arte Cibernética Coleção Itaú Cultural,
Museu Nacional do
Conjunto Cultural
da República, Brasília,
2016.
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digitalDesertesejo
12
encontros que aconteceram com o modelador de 3D no ambiente Unity para
discutir essa nova contextualização e a consequente aprovação a cada uma das
etapas. Para o artista era essencial que a dimensão poética do trabalho fosse
preservada, assim como a relação com os usuários nos espaços navegáveis.
Tratando da experiência proposta pelos artistas, da realização experimental
com dispositivos artísticos, para Karen O’Rourke, parece mais tratar-se de
uma proposta de natureza poética, que leva em consideração uma série de
elementos de composição, leitura e de natureza prática que ajudam a melhor
compreender o projeto:
“A arte digital se inscreve no desenvolvimento temporal nas/através (das) suas
interfaces. Mesmo se o dispositivo não pode ser resumido como sendo a obra, ele
é um componente não negligenciável da experiência. Uma parte da interface é fixa,
outra depende de escolhas (ou seja, dos desejos do espectador) e outra ainda é
aberta ao acaso da manipulação material (bug, pane do material, envelhecimento do
software, etc.). Desta forma, em cada nova ocorrência, apresentação, é o momento
de repensarmos essa relação.” O’ROURKE 2011, p.137
Ao mesmo tempo em que há uma série de dispositivos e interfaces que nos
localizam e indicam momentos e épocas, isso não quer dizer que eles não
possam ser eventualmente reatualizados. São novas escolhas que se apresentam
e novos deslocamentos possíveis.
Durante o processo de restauro, que durou quase um ano, questões que na versão
primeira eram um problema a ser trabalhado, como a velocidade de navegação
nos ambientes, 14 anos depois haviam se transformado. Os computadores já
permitiam ambientes muito mais complexos e elaborados, bem como um fluxo
bem mais rápido e frenético de navegação. Mas a velocidade de navegação
inicial almejada era lenta e delicada, não somente por uma limitação da máquina,
mas por um desejo coincidente também na poética.
Durante o processo de restauração, além dos periódicos encontros presenciais
houve uma imensa troca de correspondência entre os participantes da equipe.
Em uma das anotações lê-se a intenção assinalada pelo artista ao modelador/
programador, em contraponto à velocidade maquínica possível e a desejada na
obra:
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digitalDesertesejo
13
Lembro ainda do «clima» de letargia, da lenta velocidade de navegação, como que
deslocado no tempo, o peso do ambiente, a solidão da navegação solo, como que em
um espaço entre o sonho e a realidade. Aquela sensação no momento em que você
acorda, que você não sabe se está flutuando ou andando, se faz frio ou calor, o peso
do ambiente e a imensidão do espaço. Majestoso e solitário, sem saída. (PRADO,
anotações do projeto)
Desertesejo,
Gilbertto Prado. Vistas
dos ambientes com o
plugin Cosmos Player
(2000) e na versão de
2014.
Outra breve comparação entre as versões, nos ambientes da versão 2000
aparece o controle do mouse do navegador Cosmo Player, nos ambientes
feitos em VRML. Em 2014 não há mais essa inserção no ambiente, utilizando a
engine de games Unity 3D. Ainda em 2000 embora já apresentássemos a
obra projetada em algumas ocasiões, era mais difícil a imersão nas imagens
dada a relativa pixelização. A versão 2000 era melhor navegável na tela do
próprio computador ou monitores ao contrário da nova versão que devido a
resolução das imagens permitia o explorar pelo espaço e andar com o controle
do Kinect na mão e não mais via o mouse ao lado do teclado.
Nos videos abaixo é possível ver um exemplo de navegação nos ambientes nas
distintas versões:
Desertesejo 2000: https://www.youtube.com/watch?v=1Fov7V32pF8
Desertesejo 2014: https://youtu.be/nzPcC0WJFs8
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
14
Em 2016, Jonathan Biz Medina e João Amadeu fizeram uma versão do
Desertesejo VR para Oculus Rift.
Em 2018, por ocasião das mostras Paradoxo(s) da Arte Contemporânea
no MAC-USP em São Paulo e simultaneamente na exposição individual
Circuito Alameda, no Laboratorio Arte Alameda do México foi feita uma
nova manutenção e ajustes da versão Desertesejo de 2014 com a também
participação de Fernando Oliveira e Felipe Santini.
Desertesejo, Gilbertto
Prado (2000/2014).
Circuito Alameda,
Claustro Bajo,
curadoria Jorge La
Ferla, Laboratorio
Arte Alameda, México,
2018.
Lembramos que os trabalhos vão além das aparências e páginas de códigos,
vão além dos dispositivos e interfaces e eventuais encantamentos, trazendo a
associação de universos complexos, numa aproximação e coerência efêmeras,
para trazer a tenuidade dessas incorporações com novos olhares e conjugações.
Restaurar um trabalho de arte, e neste caso de arte digital, é bem mais que
reconstruir ambientes: é necessário um entendimento da poética da obra e das
sutilezas do trabalho, como as cores dos espaços, velocidades de
navegação,
Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
15
possíveis percursos e interações, etc. Não é possível generalizar o que seria
um processo “padrão” de restauração para obras de arte que se utilizam de
tecnologias relativamente recentes. Tais obras variam muito entre si, tanto
em tecnologias como em propostas. Há desde obras puramente processuais,
virtualmente independentes do hardware empregado, até as que têm fortes
características de objeto, e que ficariam desfiguradas sem um hardware específico.
Desertesejo, Gilbertto
Prado (2000/2014).
Paradoxo(s) da Arte
Contemporânea,
curadoria Ana
Gonçalves Magalhães
e Priscila Arantes,
MAC-USP, São Paulo,
2018.
A restauração de Desertesejo tratou de recriar ambientes virtuais que
permitissem a mesma experiência interativa da obra original. Nesse caso, a
questão técnica, embora evidentemente importante, é secundária. O que
de fato interessa se Desertesejo for desenvolvido para um plugin VRML ou
num engine de games como o Unity 3D? Muito mais importante, o que deve
necessariamente guiar qualquer processo de restauração de obras tecnológico/
digitais, é a poética. É ela o que realmente interessa.
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Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo
16
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17
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Arte
Alameda,
2018.
http://www.poeticasdigitais.net/assets/circuito_alameda_
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event-worlds” in: DRUCKREY, Timothy. Electronic Culture: technology and visual
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Créditos:
Gilbertto Prado
Desertesejo (2000/2014)
realização: Rumos Arte e Tecnologia - Novas Mídias 1998-1999
modelagem 3D e VRML: Nelson Multari
web-design: Jader Rosa
Versão 2014
modelagem 3D: Jonathan Biz Medina
coordenação técnica: Marcos Cuzziol
Desertesejo
18
PENSAMENTO CONFORMADO: EXPERIÊNCIA,
SENSAÇÕES E COGNIÇÃO
CONFORMED THOUGHT: EXPERIENCE, SENSATIONS AND
COGNITION
SILVIA LAURENTIZ
ORCID 0000-0003-4212-0441
[email protected]
Livre-docente pela USP, Professora Associada da Escola de Comunicações e Artes, ECAUSP. Líder-fundadora do Grupo de Pesquisa Realidades – das realidades tangíveis
às realidades ontológicas e seus correlatos (http://www2.eca.usp.br/realidades),
sediado em CAP-ECA-USP, certificado pela Instituição e reconhecido pelo CNPq,
iniciado em 2010. É docente do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
(PPGAV-ECA) desde 2003, onde orienta mestrado e doutorado. É docente do
Departamento de Artes Plásticas (CAP-ECA) desde 2002.
Resumo
Aprendizado pode ser definido como aquisição de habilidade para realizar uma tarefa
específica. A ideia de que podemos adquirir habilidades cognitivas e torná-las acessíveis
a novas funções, através de um processo de aprendizagem, já foi muito estudada desde
a Teoria da Gestalt (KOFFKA, 1975), que determinava que o desempenho de uma
tarefa dependeria de performances anteriores experienciadas. Atualmente, estamos
lidando com o pressuposto de haver um aprendizado de máquinas, e isto nos levou
a retomar alguns destes princípios. Em trabalhos anteriores, estabelecemos relações
entre experiências dos sentidos e os aspectos representacionais das experiências
naquilo que denominamos de Pensamentos Conformados (LAURENTIZ, 2017, 2018)
que nos auxiliarão neste momento. Estaremos focados em como tais pensamentos (a
saber: padrões, códigos e conjuntos de códigos, algoritmos) fazem surgir novos sistemas
representacionais, sempre levando em consideração a condição intrínseca da relação
entre experiência, sensações e cognição.
Palavras Chave: Signo, Padrão, Aprendizado, Algoritmo.
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
19
Abstract
Learning can be defined as skill acquisition to accomplish a specific task. The idea that we
can acquire cognitive skills and make them accessible to new functions through a learning
process has been much studied since Gestalt Theory (KOFFKA, 1975), which has determined
that the performance of a task would depends on previous experienced performances. We
are currently dealing with the assumption of machine learning, and this has led us to revisit
some of these principles. In previous work, we have established relationships between sense
experiences and the representational aspects of experiences in what we call Conformed
Thoughts (LAURENTIZ, 2017, 2018), that will assist us at this time. We will be focused on
how such thoughts (namely patterns, codes, sets of codes, and algorithms) end up giving rise
to new representational systems, always considering the intrinsic condition of the relationship
between experience, sensations and cognition.
Keywords: Sign, Pattern, Learning, Algorithm.
Introdução
P
ara a Gestalt, especificamente citando a publicação Princípios de Psicologia
da Gestalt de 1935i, de Kurt KOFFKA, o desempenho de uma tarefa depende
de performances anteriores, e o conceito de traços de memória é uma tentativa
de explicar essa dependência.
i Traduzido em
português em 1975
pelas editoras Cultrix/
Universidade de São
Paulo, SP.
Não é fácil distinguir um processo inato de um adquirido, mas o ponto interessante
é que “um tenista experiente não aprendeu a realizar um pequeno número
de movimentos específicos, mas a acertar a bola corretamente nas situações
multivariadas do jogo” (KOFFKA, 1975, p. 516). Isso significa que, no processo de
aprendizagem, criamos sistemas de rastros de tipo específico, os consolidamos e
tornamos cada vez mais acessíveis, seja em situações repetidas ou novas. Assim,
a aprendizagem é definida por traços de memórias aprendidas, consolidadas e
disponíveis que modificam processos e, consequentemente, comportamentos.
Este será o mote deste artigo, que estará focado em algoritmos de aprendizagem
de máquina. Os gestaltistas também consideraram que os traços poderiam ser
transformados através da interação com outros traços e processos. Naquele
momento inicial da teoria da Gestalt, os psicólogos questionavam as melhorias
obtidas pela prática e o efeito da repetição no aprendizado (ibid., p. 562). Isto
significa que a ideia de que podemos exercitar habilidades cognitivas e torná-las
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
20
acessíveis a novas funções, através de um processo de aprendizagem, já foi muito
estudada naquele período. Já estabelecemos, em artigos anteriores, relações
entre experiências dos sentidos e os aspectos representacionais das experiências
(LAURENTIZ, 2017, 2018). Neste trabalho atual, nos concentraremos em
como pensamentos conformados (a saber: padrões, códigos e conjuntos de
códigos) fazem surgir novos sistemas representacionais, e sempre levando em
consideração esta condição intrínseca da relação entre experiência, sensações
e cognição.
Estudos Precedentes
Tomaremos como base dois artigos anteriores:Videogames e o desenvolvimento
de habilidades cognitivas, publicado em 2017, no Dossiê Games: Design, Arte
e Tecnologia, do DATJournal. E Conformed Thought: Consolidating Traces of
Memories, de 2018, publicado pela Editora Springer, proceedings da International
Conference of Design, User Experience, and Usability.
No artigo de 2017, a proposta foi entender se seria possível exercitar habilidades
cognitivas, no caso associadas à jogabilidade de videogames. A questão central
era como e quais habilidades podiam ser adquiridas. Algumas considerações
finais daquele artigo foram:
1. Jogadores experientes de games de ação: a.) adquirem um alto nível de
atenção e coordenação olho-mão, b.) têm maior conectividade funcional –
onde diversas regiões do cérebro humano trabalham em sincronia, mesmo
que estejam anatomicamente separadas, e c.) desenvolvem maior volume de
matéria cinzenta em sub-regiões insulares do cérebro;
2. Consequentemente, games de ação podem melhorar a integração funcional
das sub-regiões insulares e suas respectivas redes;
3. Especialistas de videogames de ação têm melhorado sua resolução espacial da
visão, habilidades de processamento temporal multissensorial, coordenação
motora manual, a sensibilidade ao contraste, o desempenho oculomotor. E
também foram observadas alteração de desempenho quanto ao tempo de
resposta, atenção seletiva, atenção sustentada, atenção alternada, atenção
dividida e certa habilidade para troca do foco de atenção.
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
21
Como já mencionado, nosso objeto de estudo é o que denominamos de
Pensamento Conformado, que são códigos, padrões, algoritmos, dispositivos,
interfaces, imagens técnicas, ou seja, são resultados de conceitos, modelos
de conhecimento de uma cultura ou grupo. E, naquele momento de 2017,
considerando o que fora apresentado sobre as relações intrínsecas entre
processos emocionais e cognitivos ativados durante a experiencia de se jogar um
game - e uma vez que games são experiências proporcionadas por algoritmos já tínhamos condições de dizer que os pensamentos conformados não tratavam
apenas de características formais dos códigos, não se restringem às aparências
visíveis de expressões de padrões, fórmulas matemáticas, configurações; mas,
mais do que isso, é ação determinada por hábitos, atitudes, comportamentos,
práticas culturais.
E em 2018, apresentamos uma continuação daquela pesquisa anterior, onde
nos concentramos em como se processam ações movidas pelos pensamentos
conformados.
Diagrama 1
Como podemos perceber através do Diagrama 1, há uma passagem
importante em se tratando de aspectos representacionais. Podemos perceber
um distanciamento entre ‘coisa em si’, ‘coisa objetivada’, e ‘objeto
modelado’.
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
22
Esta passagem está representada no diagrama através do encapsulamento entre
colchetes e chaves. E, em sentido inverso, modelos são formados por objetos,
que por sua vez são coisas em si que foram objetivadas.
Evidente que há uma tensão entre ‘coisa em si’ e ‘coisa objetivada’, que deflagra
ganhos e perdas significativas ao processo sígnico. Esta tensão já instaura um
grau de abstração. E isto já foi muito explorado. E, em nosso ponto de vista,
em concordância com Vilém FLUSSER (2010), a passagem de um objeto para
um modelo carrega novo grau de abstração. Desta maneira, a modelagem
evidencia distanciamentos da ‘coisa em si’ nestes aninhamentos de processos
representacionais, mesmo quando a ‘coisa em si’ se mantem como motivador
dos processos.
Cabe ainda explicar o conceito de objeto e modelo que foram utilizados neste
trabalho. Objeto é ‘coisa que foi objetivada’, onde objetivar é dar expressão, seja
para uma noção abstrata, um sentimento, um ideal, ou qualquer coisa, numa
forma que possa ser experienciada. Ou seja, é ‘dar forma’ a coisas para que
sejam experienciadas (e/ou comunicadas) por outros. E Modelo está sendo
utilizado como proposto por FLUSSER (2010, p. 117-118), que diz que a partir
da “imagem de alguma coisa”, passamos para um próximo nível de abstração
quando teremos a sua explicação (ou conceito), e consequentemente, a “imagem
da explicação” da “imagem de alguma coisa”, gera o “modelo dessa coisa”.
Mas, é essencial considerarmos que tudo isso acontece em um contexto,
que retroalimenta um sistema, e que, por isso, há processos de avaliação,
transformação, comparação a valores de referências, adaptação, codificação,
conforme graficamente apresentado no Diagrama 2.
Desta forma, observando o processo sígnico através do esquema sugerido
pela cibernética, a partir do uso de objetos com o propósito de experienciar
com nossas experiências adquiridas, utilizamos estratégias, e com isso
causamos efeitos (sensações, emoções e sentimentos) e pensamentos
conformados, que retroalimentam o sistema (ou seja compartilham com outros
sistemas de linguagem, objetos e modelos), em uma relação contínua.
Compare agora com o Diagrama 3 – onde teremos modelos objetivados, no
lugar de coisas objetivadas do diagrama anterior.
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
23
Diagrama 2
Diagrama 3
Em outras palavras, exercitar repetidamente determinados padrões significa
que interiorizaremos um sistema de regras. E estas interações entre sensações,
emoções, sentimentos e pensamentos conformados, podem fazer surgir algo
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
24
inesperado pelo simples fato de ser similar, mas não igual, a uma partida de tênis,
criando uma analogia com o exemplo do tenista utilizado por KOFFKA (1975,
p. 516).
E ainda, uma vez que entendemos que imagem mental é uma representação
interna que funciona como uma “forma fraca de percepção”, como proposto
por Stephen KOSSLYN et el. em Mental Imagery: Functional Mechanisms and
Clinical Applications (2015), um modelo formado por objetos pode causar
efeitos sensoriais, apesar de não estarmos diante de um objeto matérico,
mesmo que em menor potência, pois eles nos afetam perceptivamente também.
Assim, imagens mentais, sendo uma forma fraca de percepção, retroalimentarão
o sistema de forma cognitiva e sensorial. Em experimentos realizados por
KOSSILYN (2005), quando uma mesma tarefa era realizada pela/na percepção
– através de estímulos visíveis -, em comparação com outra durante processos
de imagens com os olhos fechados, foi constatado que aproximadamente 90%
das mesmas áreas cerebrais eram ativadas. Isto significa que ver uma maçã, ou
lembrar de uma, acaba causando efeitos tanto cognitivos como sensoriais, pelo
menos, enquanto mesma área afetada no cérebro.
Retornando aos modelos objetivados, do Diagrama 3, estes substituirão objetos
que, por sua vez, substituem coisas, provocando novo distanciamento. E ainda,
modelos, que são formados por objetos modelados, tornam-se também
objetivados, para que possam ser experienciados por outros, se transformando
em próximos níveis de abstração, causando efeitos de experiências,
retroalimentando o sistema novamente. Percebemos uma mudança significante
entre coisas que se tornam objetivadas e modelos se tornando objetivados. Este
é nosso foco atual da pesquisa, que é especulativa e parte de uma proposição
teórica.
Hipótese
Nossa hipótese é de que estamos treinando formas-pensamento a partir de
pensamentos conformados, que nos afetam mesmo não sendo uma resposta
aos estímulos diretos das coisas do mundo. Isso causará mudanças significativas
em nosso pensamento e, consequentemente, no comportamento. E, existem
processos similares, mas não idênticos, entre objetivar coisas e objetivar modelos,
estes últimos formados por coisas objetivadas. E, novamente, estes modelos
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
25
objetivados nos causarão efeitos sensoriais, que são similares, mas não idênticos
aos efeitos causados por coisas e objetos, se pensarmos nos resultados obtidos,
enquanto formas fracas de percepção, conforme teoria de KOSSLYN (2015).
Aprendizagem de Máquina
E, treinar formas-pensamento é o princípio de algoritmos muito utilizados
atualmente, de aprendizagem de máquina.
Machine Learning (ML) tornou-se área indissociável da Inteligência Artificial
moderna. Arthur SAMUEL, no artigo Some Studies in Machine Learning Using
the Game of Checkers (1959), definiu Machine Learning como uma subárea
da Ciência da Computação que confere aos computadores a habilidade de
aprender sem serem explicitamente programados. Por ‘aprender’, SAMUEL se
referia a uma simples aquisição de habilidade para realizar uma tarefa específica,
como por exemplo, jogar damas. Em outras palavras, é possível criar modelos de
uma habilidade de uma experiencia adquirida (jogar damas, no caso do referido
artigo de SAMUEL), que se tornam objetivados, consolidados e que ficam
disponíveis para serem utilizadas em situações repetidas e novas. Fica evidente
agora a relação imediata com a Gestalt, que citamos no início deste artigoii.
Atualmente existem vários modelos diferentes de aprendizado de máquina. Mas
não vem ao caso apresentá-los neste momento. Para este artigo, podemos
considerar apenas alguns pontos:
I. Algoritmos clássicos produzem uma saída com base nas etapas descritas na
sequência de instruções do algoritmo. “Classical algorithms produce an output
based on the steps described in their sequence of instructions, like a cake
recipe. By providing input to the algorithm, it will produce the output based
on the rules and parameters in which it was encoded” (GONFALONIERI,
2019). Desta forma, fornecendo uma entrada ao algoritmo, se produzirá um
resultado esperado (isso não significa que seja previsível) com base nas regras
e parâmetros para qual foi codificado, como analogicamente, numa receita de
bolo (Diagrama 4). O que significa que o programador pensa em etapas para a
solução de um problema.
ii Apenas um
parêntese: fizemos
questão de citar as
publicações originais
para perceber que o
texto da Gestalt é de
1935 e o de Samuel
é de 1959. Portanto,
ainda teremos que em
próximos trabalhos
reavaliar a pertinência
e se essas propostas
são ainda atuais e o
quanto devem ser
atualizadas.
No algoritmo de aprendizado de máquina, “a programmer builds a math
model that maps inputs to outputs, and then feed the model with pairs of
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
26
(input + expected output) to train the model (adjust its internal parameters)”
(GONFALONIERI, idem).
Diagrama 4
Portanto, a diferença entre o algoritmo clássico e o de aprendizado de máquina
é que o comportamento do algoritmo de aprendizado é determinado pelo o
que aprendeu durante sua etapa de treinamento e, em seguida, comparando
resultados do treinamento a novas entradas de dados, gerará um modelo
que poderá ser usado com novas entrada de dados – e até mesmo, poderá
facilmente ser adaptado para novas situações (Diagrama 5).
Diagrama 5
II. Mas isso não é simples, na geração de modelos e entre modelos, simulações e
aprendizagem, temos diferentes estratégias envolvidas. Neste sentido, estratégia
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
27
se refere a técnicas e métodos para se atingir metas e objetivos. A Técnica de
classificação, por exemplo, muito utilizada em Machine Learning, agrupa coisas
que são semelhantes por parâmetros que satisfazem algum critério de seleção.
Processos de discriminação, também são muito utilizados (especialmente em
CANs e GANs), impõem restrições a partir de certas condições e circunstâncias.
Parâmetros, critérios, restrições são evidências de graus de abstração.
Vamos entender melhor a partir de nossos diagramas anteriores. É importante
inicialmente perceber que sempre realizamos tais procedimentos. No Diagrama
1 já estava evidenciado que objetivar coisas significa que selecionamos alguns
dos aspectos da ‘coisa em si’, e ao fazermos isso, rejeitamos outros. A história dos
signos nos ensinou que temos perdas e ganhos nos processos de representação.
E estes processos se intensificam a partir do Diagrama 2. Mas, a partir do
Diagrama 3, pelo ponto de vista apresentado, selecionamos parâmetros do
‘processo de seleção em si’ (relacionados a ‘coisa em si’), e consequentemente
restringimos outros, e isto resultará em modelos objetivados. E, é claro, existem
a) algoritmos clássicos internos a algoritmos de aprendizagem; b) complexos de
algoritmos encapsulados uns nos outros e aninhados; c) redes contendo vários
algoritmos acoplados. Isto amplia a complexidade destes procedimentos lógicos
e, por sua vez, níveis de abstração representacional.
Considerações Finais
Com isso, já podemos fazer algumas considerações:
1. O pensamento conformado não é apenas uma característica formal, não
se restringe às aparências, expressões de padrões, configurações, mas, mais do
que isso, é ação determinada por hábitos, atitudes, comportamentos, práticas
culturais que ‘con-formam’ e ‘re-formam’ o pensamento.
2. Se concordamos com tudo isso, a experiência estética estará relacionada ao
que chamamos de pensamento conformado.
3. Quando ‘exercitamos’ padrões, usando pensamentos conformados, e
reagimos a partir dessas habilidades repetidas, adquiridas, memorizadas, somos
afetados por elas e por suas interfaces (lembrando que estas últimas também
são pensamentos conformados). O sistema digital se apropria de nossas
experiências, por processos de aprendizagem e modelagem, e é guiado por
modelos e padrões que orientam os resultados que serão obtidos.
4. Nestes procedimentos, há nova tensão entre ‘sensações e pensamento
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
28
conformado’, e num ambiente de misturas de informação e níveis de abstrações
localizamos um potencial para fazer emergir novos padrões, dada a esta
complexidade organizacional.
Referências
FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2010 (2ª
reimpressão, 1ª ed. em 2007), 2010.
GONFALONIERI, Alexandre. What is an AI Algorithm? What makes
the difference between a regular Algorithm and a Machine Learning Algorithm? In
https://medium.com/predict/what-is-an-ai-algorithm-aceeab80e7e3.
Accesso
em:
10 jun 2019..
KOSSLYN, Stephen et al (2015). Mental Imagery: Functional Mechanisms and Clinical
Applications, In Trends in Cognitive Sciences, October 2015, Vol. 19, No. 10 http://dx.doi.
org/10.1016/j.tics.2015.08.003 Acesso em: 10 jun 2017.
KOSSLYN, Stephen. Mental Images and the Brain, Psychology Press, COGNITIVE ,
2005.NEUROPSYCHOLOGY, 2005, 22 (3/4), 333–347.
LAURENTIZ, Silvia. Videogames e o desenvolvimento de habilidades cognitivas. DAT
Journal, 2(1), 2017. pp. 80-90. Disponível em: <https://
doi.org/10.29147/2526-1789.DAT.2017v2i1p79-89>. Acesso em: 10 abr 2019. DOI:
https://doi.org/10.29147/2526-1789.DAT.2017v2i1p79-89
LAURENTIZ, Silvia; Conformed Thought: Consolidating Traces of Memories. In:
International Conference of Design, User Experience, and Usability. Cham: Springer,
2018. Pp.28-40
SAMUEL, Arthur (1959). Some Studies in Machine Learning Using the Game of Checkers
(1959), originally published in IBM Journal, Vol. 3, Nº 3, July, 1959.
Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição
29
TESTEMUNHOS DE PASSAGEM
PASSING TESTIMONIES
SONIA GUGGISBERG
ORCID 0000-0002-0874-8019
[email protected]
Pós-doutoranda em Artes Visuais (ECA-USP, Bolsa CNPq-Capes); Doutora em
Comunicação e Semiótica (PUC-SP, Bolsa Fapesp) e Mestre em Artes (Unicamp,
Bolsa Capes). Artista, videomaker e pesquisadora, participando de mostras coletivas e
individuais, palestras e workshops no Brasil e exterior desde os anos 1990. Foca questões
do documentário artístico, com trabalhos em fotografia, site specific ,
videoinstalação e som. Realizou 18 exposições individuais e, além do Brasil, suas
produções já foram exibidas em Nova York, Alemanha, México, Colômbia, Chile,
Espanha e França. Obras nos museus Lasar Segall, de Arte Contemporânea-SP, da
Cidade de São Paulo, SESC, Pinacoteca e Instituto Figueiredo Ferraz, entre outros.
Resumo
O objetivo desta pesquisa é gerar propostas documentais em videoarte dentro
do que este estudo chama de Documentação Performativa de Saberes1.
Testemunhos de Passagem é uma instalação multicanais que se utiliza de
tecnologias múltiplas para entrelaçar imagens, testemunhos e sons. Montado a
partir de oito projeções coreografadas, sincronizadas com um sistema
sonoro em seis canais, o projeto documenta, na forma ensaística, passagens e
testemunhos de pessoas em situação de refúgio. Questões como a
travessia, os vestígios, os sonhos, a espera no campo de refugiados e o
futuro incerto integram este trabalho. É na intersecção entre dois contextos
– arte política e hibridismo linguístico – que se pode apreender Testemunhos
de Passagem. A interdisciplinaridade temática inspirada nas bases teóricas dos
campos da arte, política e sociologia é formalmente espelhada pela liberdade
com a qual esta pesquisa mistura tecnologia e arte documental.
Palavras-Chave: Documentação performativa, Ecologia de saberes, Hibridismo
tecnológico, Testemunho, Vulnerabilidade humana.
Testemunhos de Passagem
1. A noção de
Documentação
Performativa de
Saberes é uma
proposta desenvolvida
em minha tese
de doutorado
intitulada Redes de
imagens, memórias
e testemunhos: por
uma documentação
performativa de
saberes, defendida em
2014, na PUC-SP, com
bolsa Fapesp. Essa
noção está relacionada
ao conceito de
Ecologia de Saberes,
proposto por Santos
(2010).
30
Abstract
The purpose of this research is to generate video art documentary proposals within what this
study calls Performative Documentation of Knowledge2. Passing Testimonies is a multichannel
installation that uses multiple technologies to interweave images, testimonials and sounds.
Assembled from eight choreographed projections, synchronized with a six-channel sound
work, the project documents, in essay form, passages and testimonies of people in a
refuge state. Issues such as crossing, traces, dreams, waiting in the refugee camp and the
uncertain future are all part of this work. It is at the intersection between two contexts
– political art and linguistic hybridity – that we can understand Passing Testimonies. The
thematic interdisciplinarity inspired by the theoretical bases of the fields of art, politics and
sociology is formally mirrored by the freedom with which this research mixes technology and
documentary art.
Keywords: Performative documentation, Ecology of knowledges, Technological hybridity, A
testimony, Human vulnerability.
Sobre o Projeto
N
ão há dúvidas de que o avanço audiovisual ampliou o campo de
experimentação na arte, incorporando a produção tecnológica de
imagens capaz de elaborar novas lógicas organizadoras. Testemunhos de
Passagem apresenta palavras, imagens e sons que transitam, gerando um jogo de
alternâncias e costuras. Trata-se de um documentário experimental construído
por passagens do êxodo contemporâneo, a partir de imagens captadas em
Malta, Lampeduza e Grécia entre os anos de 2014 e 2018.
2. The notion
of Performative
Documentation
of Knowledge is a
proposal developed
in my doctorate
thesis dissertation
entitled Networks
of images, memories
and testimonies:
for a performative
documentation of
knowledge, defended
in 2014, at PUCSP, with Fapesp
scholarship. This notion
is related to the
concept of Knowledge
Ecology, proposed
by Boaventura Sousa
Santos (2010).
Nesta instalação imersiva, multicanais, várias narrativas submersas são reveladas
por meio da difícil travessia, do sonho interrompido e da longa espera em
campos de refúgio. Em alguns momentos, temos a paisagem do mar e da
travessia, sobrepondo a vida cotidiana e os mapas desenhados, que sobrevivem
como testemunhos silenciosos. Em outros momentos, a narrativa entrecortada
e fragmentos do corpo tornam-se tema central – como local de memória, de
suspensão e também de protesto. As múltiplas projeções propõem uma reflexão
em que a travessia pelo oceano é também uma travessia de vida. As narrativas
submersas aparecem, desaparecem e renascem, ousando uma variedade de
vocabulários sonoro/visuais capazes de construir uma experiência reflexiva.
Testemunhos de Passagem
31
Este trabalho é uma construção de histórias humanas únicas, com variantes
dramáticas, dentro da realidade confusa e incerta que envolve milhares de
pessoas. São histórias de sensibilidades entre o sonho de uma vida melhor,
o pesadelo da travessia e um futuro com bases desconhecidas. São histórias,
permeadas por sonhos e percalços, daqueles que deixaram suas terras natais.
Nessa direção, este projeto reúne grupos de testemunhos e suas singularidades,
não só para confrontá-las, mas também para explorar os hibridismos visuais e
sonoros dentro da proposta de documentário artístico.
Seus temas fundamentais
TRADUÇÃO E MONTAGEM
O processo de tradução articula-se no confronto e nas conexões entre
diferentes linguagens. A tradução assume o formato de um procedimento
de interpretação a partir da inter-relação entre formas distintas, gerando um
novo resultado híbrido. Sendo assim, a tradução é também um operador de
montagem, que tem como objetivo a busca de conexão, de compreensão entre
diferentes pensamentos.
A montagem é, por sua vez, a possibilidade de a imagem ultrapassar a realidade
em que foi produzida e assumir outros formatos. Aqui, a montagem tomou a
frente, tornou-se a maneira definitiva de “amarrar” todo o processo de tradução
visual, verbal, conceitual e sonoro, mostrando-se como tal.
VULNERABILIDADE HUMANA NA ONDA MIGRATÓRIA
A vulnerabilidade se faz presente nos testemunhos de pessoas que desapareceram
como indivíduos, que vivem sem documentos, em meio à impossibilidade legal e
social, e que estão à espera de soluções políticas. Em contraste com a sociedade
do imediatismo, tem-se a espera do migrante, dentro de centros de acolhimento,
unida à reflexão da própria existência, às memórias e ao sonho de um futuro
melhor.
Torna-se fundamental entender que o processo de migração contemporânea,
mais do que um movimento espontâneo, representa um pedido de ajuda e de
inclusão. Captar relatos testemunhais implica adotar a ética da escuta e valorizar
a construção de narrativas pela inclusão da voz do outro.
Testemunhos de Passagem
32
HIBRIDISMO TECNOLÓGICO
A questão prática implica a necessidade de ampliar o campo de pesquisa
em termos tecnológicos e elaborar novas lógicas organizadoras. Tais lógicas
pretendem se constituir no trânsito entre os campos da subjetividade e da
objetividade, ao mesmo tempo que servem de base para a proposição de
outras linguagens.
Trata-se de uma abordagem que altera a estabilidade da narrativa linear, por meio
da alternância de sons, palavras e imagens. O vídeo e a multimídia absorveram
esses conhecimentos e deles se valem para criar novas possibilidades e novas
metodologias de construção.
A sonorização em multicanais
Em termos gerais, fica fácil entender como o universo complexo de sons é capaz
de produzir verdadeiras paisagens sensíveis. Trata-se de incorporar a força dos
ruídos originais, para trabalhar novas combinações atreladas aos movimentos da
realidade contemporânea, que, neste caso, são as migrações.
A instalação conta com um sistema computadorizado, em seis diferentes canais,
com caixas de som que reproduzem sons documentais e ambientam todo o
espaço expositivo. As captações são organizadas em seis grupos sonoros e
passam pela travessia no mar, por ruídos de barcos e águas, por rezas árabes,
cantos captados dentro de campos de refugiados, passos e sons do corpo
marcando questões humanas, para, então, construírem uma paisagem sonora.
A montagem apresenta como resultado final um testemunho construído por
sobreposições e cortes em imagens, movimentos e sons, mediados pela ideia de
filme/ensaio para um discurso documental.
Roda Viva foi elaborado em 2018, como primeira etapa deste projeto.
É pensado como uma ecologia de sons e ruídos sobre a onda migratória
contemporânea; ele é o resultado de uma pesquisa realizada de 2014 a 2018,
que inclui inúmeras viagens para a Grécia, Malta e Lampeduza, e tem como
objetivo recriar passagens sonoras sobre pessoas em estado de refúgio e
suas travessias. Nessa obra, sons são canais para desafiar a calma e o silêncio
das zonas de conforto intelectual e interpretativo, que camuflam a realidade
Testemunhos de Passagem
33
das migrações contemporâneas e as consequentes mudanças de identidade,
enfocando o caso da chamada “crise dos refugiados”, especialmente na Grécia
e na Itália.
Roda Viva é um trabalho sonoro-documental que investe na capacidade de
um objeto ser portador de uma paisagem sonora e imersiva, possibilitando
experimentar, testar e incorporar a força dos ruídos originais, para trabalhar
as questões atreladas a realidades distantes. Roda Viva traz ao público uma
experiência sonora específica, a oportunidade de ativar a memória por meio dos
sons e reconstruir em sua própria imaginação as questões do refúgio, mesmo
sem que esse seja uma experiência pessoal. Os sons traduzem as diferentes
passagens desde a travessia pelo mar para um destino desconhecido até o
cotidiano da espera corrosiva em campos de contenção.
Com o objetivo de mostrar a porosidade do documentário e tocar a
vulnerabilidade humana na onda migratória, foram eleitos alguns temas, que
foram organizados em grupos sonoros – sons contínuos do corpo humano
trazendo a emergência da realidade, barulhos da água e ruídos de motores de
barcos, bowls e rezas árabes, crianças no campo brincando e cantando, cantos
e músicas dos refugiados captados diretamente em campos –, para, então,
construírem uma paisagem imersiva.
Banco geral de dados: mixagem, legendagem e tratamento
Em função do tipo de arquivo necessário para este trabalho, foi construído
um banco de dados complexo dividido em três etapas: Banco de dados de
testemunhos, que aborda basicamente grupos sobre os seguintes temas: sonho,
travessia, espera e futuro; Banco de dados de imagens em movimento, cujos
tópicos serão agrupados para a construção de uma narrativa visual e trazem
temas como: águas, barcos, cotidiano no campo, ações em frente ao mar,
movimentos do vento, detalhes do campo e rastros da travessia; por fim, o
Banco de dados de sons, já citado na instalação sonora Roda Viva.
Cada arquivo de imagem e som integrante desse banco foi editado
individualmente, ou seja, cada pequeno clipe de imagem em vídeo tem um
tempo específico, passou por um processo de colorização, de equalização de
som, fusões e uma longa pesquisa de arquitetura de movimentos e sons. A
Testemunhos de Passagem
34
tradução e legendagem dos arquivos também é decisiva, pois a descrição textual
de cada fala, onde houver testemunhos, é fundamental para a construção de
uma narrativa. A exceção será nos momentos sem fala, em silêncio, onde haverá
outra construção sonora.
Imagens
RODA VIVA
Imagens integrantes da Exposição Retrotopias, São Paulo, SP, 2018.
Figura 1 Roda Viva I
Fonte Guggisberg, S.
Figura 2 Roda Viva II
Fonte Orth, Mauricio.
Testemunhos de Passagem
35
Figura 3 Roda Viva III
Fonte Musa, Ding.
TESTEMUNHOS DE PASSAGEM
Simulações produzidas pela artista.
Figura 4 Simulação I
Fonte Guggisberg, S.
Testemunhos de Passagem
36
Figura 5 Simulação II
Fonte Guggisberg, S.
Figura 6 Simulação III
Fonte Guggisberg, S.
Figura 7 Simulação IV
Fonte Guggisberg, S.
Testemunhos de Passagem
37
Figura 8 Simulação V
Fonte Guggisberg, S
Figura 9 Simulação VI
Fonte Guggisberg, S.
Referências
ARANTES, Priscila; OLIVEIRA, Mirtes. Design e Ativismo. DATJournal Design Art and
Technology, v. 4, n. 2 (2019). Editorial, p. 1-2. Disponível em: <https://
datjournal.anhembi. br/dat/article/view/124/103>. Acesso em: 8 nov. 2019. DOI:
https://doi.org/10.29147/ dat.v4i2.124.
Testemunhos de Passagem
38
LIMA, Leonardo; PRADO, Gilbertto. Interactive Digital Images. DATJournal Design Art
and Technology, [S.l.], v. 3, n. 2, p. 43-71, nov. 2018. Disponível em: <https://datjournal.
anhembi.br/dat/article/view/86/74>. Acesso em: 8 nov. 2019. DOI: https://doi.
org/10.29147/dat.v3i2.86.
GREINER, Christine. O corpo em crise: novas pistas e o curto-circuito das
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GUGGISBERG, Sonia. Redes de imagens, memórias e testemunhos: por uma
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GUGGISBERG, Sonia. Roda Viva (Life Wheel). Proceedings of Artech 2019, 9th
International Conference on Digital and Interactive Arts. Braga, Portugal. DOI: https://
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PARENTE, André. Tramas da rede: novas dimensões estéticas e políticas da
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PARENTE, André. A forma cinema: variações e rupturas. In: MACIEL, Katia (Org.).
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trabalho%20da%20traducao_OSAL_2004.pdf>. Acesso em: 8 mar 2019.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do sul.
São Paulo: Cortez, 2010.
39
Testemunhos de Passagem
SINAIS DETECTADOS ENTRE O BIOLÓGICO E O
MAQUÍNICO
SIGNALS DETECTED BETWEEN BIOLOGICAL AND MACHINIC
ARTUR CABRAL
ORCID 0000-0002-4190-3965
[email protected]
Artista computacional e mestrando bolsista CAPES pela Universidade de Brasília.
Atualmente faz parte da equipe do Medialab/UNB, onde em suas pesquisas explora a
relação de vida não natural (a-life) em diálogo com vidas naturais por meio de interfaces
e poéticas computacionais.
SUZETE VENTURELLI
ORCID 0000-0003-0254-9286
[email protected]
Professora e artista_designer computacional da Universidade Anhembi Morumbi
(PPGDesign) e Universidade de Brasília (PPGAV). Pesquisadora do CNPq. Coordena o
MediaLab/UAM. Participa de congressos e exposições nacionais e internacionais.
GILBERTTO PRADO
ORCID 0000-0003-2252-3489
[email protected]
Artista e coordenador do Grupo Poéticas Digitais. Tem realizado e participado de
inúmeras exposições no Brasil e no exterior. Pesquisador do CNPq, atualmente é
Professor dos Programas de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi
Morumbi e do PPG Artes Visuais da ECA – USP.
Resumo
O texto discute a possibilidade de simbiose, ou seja, interação entre espécies
como os sistemas biológicos e os maquínicos, que pode ocorrer nas propostas que
envolvem pesquisas em arte, design e tecnologia. Nesse viés, sugere-se que a condição
computacional induz a uma maneira de se experimentar o mundo que é indeterminado
e fragmentário, propondo um tipo de colapso das fronteiras tradicionais entre arte,
design e natureza; entre artificial e natural.
Palavras Chave: Arte computacional, Design computacional, Tecnologia, Emergência.
Entre o biológico e o maquínico
40
Abstract
The goal of the text is discussing the possibility of symbiosis, interaction between species such
as biological systems and machines, which may occur in proposals involving research in art,
design and technology. In this bias, it is suggested that the computational condition induces
a way of experiencing the world that is undetermined and fragmentary, proposing a kind of
collapse of the traditional boundaries between art, design and nature; between artificial and
natural.
Keywords: Computer art, Computer design, Technology, Emergency.
Introdução
A
lgumas experimentações artísticas em conjunto com o design e tecnologia
são propostas que visam estabelecer aproximações entre seres vivos, o
ambiente e os objetos que nos envolvem. Nesse sentido, as obras a seguir
descritas, levantam questões sobre a linha difusa que separa o que se entende
por natural e o artificial, apresentando como argumento que a linha divisória
entre “natural” e “artificial” é muitas vezes bastante obscura, pois há uma enorme
área encoberta nessa dicotomia. A existência de uma área nebulosa não invalida
o conceito de “natural” versus “artificial”, mas pode tornar a distinção menos
dramática, por meio das poéticas a seguir apresentadas.
A obra Amoreiras, de Gilberto Prado e Grupo Poéticas Digitais, é composta
por cinco árvores plantadas em vasos e foi instalada na Avenida Paulista em São
Paulo. As amoreiras foram equipadas com próteses motorizadas e sistema de
detecção de variações e discrepâncias de ruídos, os quais sintoma dos diversos
poluentes e poluidores. Nesse sistema, as árvores balançavam por meio de
“próteses motorizadas” e algoritmo de aprendizado artificial de acordo com
variação dos fatores de poluição. A obra coloca em diálogo as árvores, as
máquinas e o ambiente que integra seu sistema. (PRADO, 2018).
Nesse viés, a obra Cyberflor elaborada no Laboratório de pesquisa em arte
computacional da Universidade de Brasília (Medialab/UnB), é composta por
orquídea que controla uma impressora tridimensional, ou seja, simbolicamente
uma planta coordena a natureza artificial – sua tecnologia. Nessa obra, um
software desenvolvido em equipe, converte os sinais de resistência galvânica,
Entre o biológico e o maquínico
41
que variam de acordo com as condições climáticas do ambiente e com os
processos eletroquímicos da planta, entendidos aqui como sinais vitais da
orquídea. A impressora por sua vez, imprime em tempo real formas generativas
a partir de algoritmos genéticos. Neste projeto, ocorre a possibilidade de gerar
formas em mutação, que metaforicamente aproxima a ideia de vida artificial
da ideia de vida natural, trazendo as formas generativas e emergentes como
resultado para a impressão 3D.
Figura 1 Amoreiras,
Exposição Emoção
Art.ficial 5.0. Itaú
Cultural São Paulo
Fonte: Gilbertto Prado,
2010
Figura 2 Cyberflor,
exposição Museu
Nacional da República,
Brasília
Fonte: Suzete
Venturelli, 2018
Incorporada no objeto, uma tela transmite os sinais da planta por intermédio
de uma interface singular de visualização de dados. Mediante a interface o
espectador percebe que ocorre uma correlação entre a planta e as impressões.
A relação sensorial entre a orquídea é fundamental no contexto poético, pois
busca-se que se estabeleça um diálogo entre planta e máquina. A forma impressa,
como resultado desse diálogo, considera a primitiva geométrica cubo como
morfogênese do projeto, que ao ser subdividida por parâmetros aleatórios, gera
um padrão complexo, ao se repetir dentro da forma. A repetição do padrão
faz surgir uma forma conhecida como fractal. A modelagem da forma final é
dada a partir da lógica de auto-semelhança. Para Mandelbrot (2016), os fractais
são representações gráficas do caos e a lógica de auto-semelhança remete às
formas da natureza.
Entre o biológico e o maquínico
42
A poética emergente
Desse modo, consideramos neste trabalho que a origem de sua forma, é o seu
DNA, que surge de algoritmos estruturados a partir do conceito de arte e vida
artificial, significando que não ocorrerá jamais duas impressões iguais. Depois de
concebida artificialmente, a vida artificial, estabelece contato com o ambiente
natural recebendo sinais provenientes da orquídea, os quais vão provocar a sua
mutação e nova adaptação da sua morfogênese. Estimulando sua capacidade
de se auto-organizar. A poética emergente, nesse caso, é procedural, que se
manifesta na programabilidade e autonomia dos sistemas computacionais.
A tecnologia computacional dá um sentido diferente ao conceito de criação
artística que leva à arte, ao design à tecnologia emergente. Esse conceito
envolve a compreensão de que o processo da criação não é linear, pois ocorre
interações imprevisíveis entre os sistemas.
Outro exemplo, no qual o conceito de emergência é percebido, é o trabalho
intitulado de F-Orchis, que possui grande complexidade poética e técnica, e
propõe dar continuidade aos estudos decorrentes da obra Cyberflor.
Figura 3 F-Orchis,
Exposição Interfaces
Afetivas. Sesc Gama
Fonte: Suzete
Venturelli, 2019
Entre o biológico e o maquínico
43
Buscamos, dessa vez, provocar nos interagentes sensações (visual, tátil, gustativa,
olfativa), processo pelo qual um estimulo externo ou interno provoca uma
reação especifica, produzindo uma percepção, considerando que a ideia, no
sentido “deleuziano e guattariano (DELEUZE; GUATTARI, 1992)”,
atravessa atividades criativas. Neste trabalho, uma planta também controla
uma impressora, porém nesta ocasião utilizamos uma impressora de
chocolate produzida pela equipe do Medialab/UnB.
Figura 4 F-Orchis,
Exposição #17ART.
Museu da República
Brasília, 2018.
Fonte: Artur Cabral
2019
Em F-Orchis o público pode participar do processo experimentando o alimento
resultante desta interação planta/máquina. Para os autores, a ideia surge de
formas distintas: num momento surge, no contexto filosófico, na forma de
conceitos; num outro momento, aparece na produção computacional sistêmica,
na qual inventa-se.
Entre o biológico e o maquínico
44
Projeto Amoreiras
A instalação interativa Amoreiras é composta basicamente de:
- 5 Amoreiras de grande porte e 5 grandes vasos de cimento;
- 3 Microfones, que captarão os ruídos e funcionarão como sensores e
coletores dos dados para as árvores;
- 1 Computador que gerencia os dados das 5 árvores e retransmite as
informações;
- 5 Placas arduino bluetooth (uma para cada árvore);
- 5 Caixas de acrílico com 3 motores independentes, varetas e mecanismo de
transmissão (uma para cada árvore).
Figura 5 Amoreiras,
Exposição Emoção
Art.ficial 5.0. Itaú
Cultural São Paulo,
2010.
Fonte: Gilbertto Prado
2017
Entre o biológico e o maquínico
45
O compor tamento de cada árvore é autônomo e acontece em resposta
à intensidade do som ambiente, também sendo influenciada pela
“personalidade” de cada árvore. A captura de som será realizada diretamente
por um patch escrito no Pure Data, que enviará as informações para a
aplicação principal, desenvolvida em Java, via OSC. Já a “personalidade” de
cada árvore é definida por duas variáveis, sorteadas no início de cada dia,
que definem o quanto cada árvore irá buscar imitar as suas companheiras
(ignorando os estímulos sonoras) e o quanto o seu compor tamento será
per turbado de forma aleatória.
Ao longo do dia, as “aprendizes”, inicialmente desajeitadas, pouco a pouco
passam a reagir cada vez mais autonomamente em relação aos dados recebidos
de poluição, balançando-se quando houver muito ruído (que será uma baliza
para o reconhecimento do nível de poluição) e descansando quando a ameaça
for menor. Até o final da tarde, já se nota diferença em seus comportamentos,
mostrando que elas estão aprendendo e talvez também dialogando entre si,
intercambiando dados numa dança de próteses maquínicas, e combinadas com
o balançar do vento em suas folhas.
Cada árvore tem um algoritmo que determina como ativar os seus motores
(via Arduíno) de acordo com a atividade sonora. De uma maneira geral, quanto
maior o ruído, maior atividade (é importante ressaltar que há regras adicionais,
como por exemplo, intensidade e extensão da vibração, para que os movimentos
sejam suaves; limite de duração de tempo, período em que se pode balançar a
árvore, de forma a não danificá-la).
As árvores podem “ver” o comportamento das outras árvores, de modo
que cada uma é influenciada pelo comportamento das árvores vizinhas. Esta
capacidade é utilizada pelo algoritmo do trabalho para avaliar o comportamento
de cada árvore – por comportamento nos referimos ao nível de ativação dos
motores. Quanto mais parecido for o comportamento de uma árvore com o
comportamento das demais, melhor avaliado será o comportamento.
Inicialmente o algoritmo é “não habituado”, o que leva a comportamentos “sem
sentido” (por exemplo: as árvores balançam mesmo sem ruído). Um algoritmo
de aprendizado monitora o banco de dados e observa constantemente o
comportamento de cada árvore, compara com a atividade sonora e tenta adaptar
Entre o biológico e o maquínico
46
o Algoritmo para agir de maneira similar. Isto é, o algoritmo de aprendizado
tenta fazer com que o Algoritmo de cada árvore chegue ao mesmo nível de
ativação que os das demais para uma dada intensidade sonora.
Para realização do algoritmo das Amoreiras estamos nos orientando pelos
princípios do jogo da vida de John Conway (GARDNER, 1970). O que
fazemos é aplicar princípios de vizinhança ao processo de auto-avaliação das
amoreiras. Isto é, o comportamento das duas (ou apenas uma, se a amoreira
estiver em uma das extremidades) amoreiras adjacentes possuem um peso
maior do que o das amoreiras mais distantes. Isto poderia facilitar a ocorrência
de comportamentos com possíveis combinações de acionamento dos
motores.
O trabalho foi apresentado na mostra Emoção Art.ficial 5.0, Itaú
Cultural, São Paulo de junho a setembro de 2010 e na III Mostra 3M de
Arte Digital: Tecnofagias, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo de agosto a
setembro de 2012 com a curadoria de Giselle Beiguelman.
Flores de plástico não morrem
A instalação interativa intitulada Flores de Plástico Não Morrem é constituída, de
filamentos plásticos e sistemas luminosos. A partir do encontro das
tecnologias de objetos conectados e da Internet das Coisas, criamos uma
selva de plástico, com plantas e flores interconectadas que formam um
biótopo computacional com características do cerrado. Biótopo, é um
conjunto de condições físicas e químicas que caracterizam um ecossistema
ou bioma. Nesse bioma, pétalas generativas, flores de plástico, disseminação
de luz formam uma atmosfera especial desse ecossistema.
Nessa proposta cada flor é constituída de hastes formadas por cano de
policloreto de vinil (PVC) reaproveitados, no qual variam de altura a cada
produção. As pétalas, sépalas e pedúnculo partem de uma morfogênese digital
e generativa. Para o desenvolvimento de cada flor são coletados dados
mediante sensores (resistência galvânica) acoplados a plantas, as quais
cultivamos no laboratório de novas mídias da Universidade de Brasília. Como
sua morfogenia é definida pelas informações contidas nessa espécie de DNA,
a cada geração essa vida artificial apresenta-se visualmente com mudanças
sutis de uma forma para outra, não contendo duas iguais. O resultado
desse processo recebe
47
Entre o biológico e o maquínico
adaptações em um software de modelagem 3D, para que possa ser impresso e
receber os componentes eletrônicos e circuitos da peça.
Figura 6 Impressões
das flores de plástico
geradas a partir dos
sinais de resistência
galvânica das plantas.
Fonte: Artur Cabral
Reis, 2019
Depois de impressas, em cada flor é acoplado uma espécie de estigma iluminado,
que varia sua intensidade luminosa e sua cor de acordo com a interação com as
outras flores. Essa interação se dá a partir de um jogo interativo de autômatos
celulares, um clássico algoritmo que simule processos complexos que se
assemelham à vida natural. Nesse caso, cada estigma das flores é constituído
por uma cúpula de plástico na qual envolve uma tríade de células luminosas, um
conjunto de leds RGB. Essas células habitam em um ecossistema, por meio da
comunicação endógena e exógena de cada elemento com sua vizinhança. Por
instrumento de um conjunto de regras, os mesmos podem mudar seu estado
de vivo (aceso) para morto (apagado) e vice-versa, a cada geração .
Como mencionado, o desenvolvimento de sistemas de autômatos celulares não
é algo recente, é comumente atribuído a Stanisław Ulam e John von Neumann,
ambos pesquisadores no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México,
na década de 1940. Von Neumann por sua vez, tinha um interesse especial
em auto-organização e evolução, prevendo um mundo de robôs
autoreplicantes e autônomos em um certo nível (SHIFFMAN, 2012).
Entre o biológico e o maquínico
48
Em 2002, Stephen Wolfram inaugura uma nova fase para os estudos em
autômatos celulares, motivado pelas pesquisas de Neumann, escreveu o livro
“A New Kind of Science”, onde destaca a relevância destas simulações para
a pesquisa científica nas áreas da biologia, química, física e todos os ramos da
ciência moderna. Nesse livro, Wolfram, elabora a ideia autômatos celulares
elementares, autômatos semelhantes ao Jogo da vida (Game of live), como
declarado, formulado pelo matemático John Horton Conway em 1970, um
autômato celular que simula alterações em populações de seres vivos unicelulares
baseados em regras locais e simples onde cada célula vive ou morre de acordo
com sua vizinhança. A grande diferença dos autômatos de Conway para os
autômatos elementares de Wolfram é a sua simplicidade e fácil implementação,
uma vez que o Jogo da Vida necessita de uma matriz bidimensional para sua
execução, o jogo dos autômatos elementares pode funcionar em uma simples
grade unidimensional.
Ainda que mais simples, os autómatos celulares elementares mediante seu jogo
de interação por vizinhança, proporcionam propriedades características de
sistemas complexos. Aplicando um conjunto de regras para calcular o estado
de cada geração de células a partir da condição de seus vizinhos, temos a
emergência de padrões complexos e fractais. Como exemplo, se aplicarmos o
conjunto de regras conhecidas como “Regras 90” propostas por Wolfram ao
sistema de autômatos celulares, podemos perceber a emergência de um padrão
complexo conhecido como triângulo de Sierpiński, mesmo padrão que pode
ser observado no mundo natural, como constatámos na concha do molusco
gastrópode Conus textile (SHIFFMAN, 2012).
Tomando como inspiração os autômatos celulares elementares de Wolfram,
concebemos o processo de comunicação das flores nessa instalação. Como
citado anteriormente, cada estigma destas flores de plástico é formado por uma
tríade celular, um trio de leds onde juntos compõem o sistema RGB, com base
na “Regra 90” em cada led incorporado no estigma da flor, verifica-se o estado
atual da sua vizinhança interna, ou seja, o led posicionado a direita e à esquerda,
e em seguida altera-se seu estado para viva (acesa) ou morta (apagada) a cada
partida executada nesse sistema interativo.
Além da comunicação interna das células luminosas (leds) esse sistema
comporta uma comunicação exógena entre os estigmas das flores, onde plantas
Entre o biológico e o maquínico
49
computacionais interagem umas com as outras por meio de uma rede formada
componentes eletrônicos, denominada também de Internet das Coisas (IoT).
Figura 7 Protótipos da
flor de plástico
Fonte: Artur Cabral
Reis, 2019
A cada interação muda-se o estado de todos os leds, a partir da sua vizinha interna
e externa conectada através de uma rede. Nesse sistema, um microcontrolador
Arduino é usado para promover essa espécie de intranet das plantas de plásticos,
assim como para controlar e processar os algoritmos quais coordenam os estados
dos leds com base nas regras estabelecidas para este jogo.
Como resultado temos a formação de um bioma computacional, uma selva
de plástico e componentes eletrônicos, na qual um conjunto de interações
complexas fomentam o surgimento de comportamentos emergentes, dando
origem a um sistema autogerativo e objetos interativos que estabelecem
relações cibernéticas entre máquina-máquina atuando em um ecossistema com
atmosfera e espaço-tempo singular.
Este jogo complexo e orgânico dirigido por regras simples, em sua dimensão
poética questiona como a biotecnologia está impactando bio-esfera. Assim
como, anseia revelar as mudanças de civilização que estamos experimentando,
bem como sua mudança climática, em função do meio ambiente degradado.
A mensagem principal apresenta que a apropriação de tecnologias por cada
um é uma ação, que nos permite agir sobre questões urgentes e não somente
permanecer como um simples consumidor.
Entre o biológico e o maquínico
50
Figura 8 Flores de
plástico não morrem,
Exposição #18.
ART no. Museu
Universidade de
Lisboa
Fonte: Artur Cabral,
2019
Conclusão
Ao analisarmos as propostas aqui apresentadas podemos perceber que as
novas áreas de conhecimento oriundas da intercessão entre a computação,
matemática, biologia quando aplicadas como ferramenta de produção artística,
dão origem a novas possibilidades de uma experiência estética, justapondo
arte, natureza e a tecnologia. Busca-se nesse projeto oferecer a oportunidade
de experienciar uma nova perspectiva artística, mediada no local, no meio
ambiente, na natureza, na qual a investigação poética expande nossa percepção
do fenômeno tecnológico. Em outras palavras, devido estar justaposta com a
natureza e a cultura, aqui vista como a tecnologia, a arte, o design e a tecnologia
podem colaborar para rever nossas próprias relações sistêmicas, questionar
nossos hábitos e valores na prospecção de um sentido exo-evolucionário
nos afastando de um tempo antropocêntrico. Em outras palavras, iluminam os
desenvolvimentos de um ecossistema, forçando-nos a aprender mais sobre a
complexidade da vida.
Entre o biológico e o maquínico
51
Referências
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52
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Entre o biológico e o maquínico
53
OLHAR, TECNOLOGIA E ARTE
Milton Sogabe
ORCID https://orcid.org/0000-0003-1286-9013
[email protected]
Llicenciatura Plena em Educação Artística - Artes Plásticas, pela Fundação Armando
Álvares Penteado - FAAP (1979), mestrado(1990) e doutorado(1996) em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pósdoutorado na Universidade de Aveiro, Portugal (2015). PQ-CNPq desde 2008.
Membro do SCIArts-Equipe Interdisciplinar (arte/ciência/tecnologia 1996-atual).
Resumo
O ser humano passa por um processo de ciborguização, que foi intensificado com a
tecnologia digital. Várias partes do corpo têm possibilidades de serem substituídas por
órgãos artificiais que se aproximam cada vez mais dos originais. Ao mesmo tempo, esses
conhecimentos vão ampliando as extensões tecnológicas do nosso corpo, tornando os
androides cada vez mais próximos ao humano. Nesse contexto, a visão como um
dos principais sistemas sensoriais para a nossa sobrevivência no ambiente, vem
ganhando potencial para ser alterada com aparatos tecnológicos, possibilitando
deficientes visuais a terem parte da visualidade recuperada, e ampliando o potencial
visual, num futuro próximo.
O universo do olhar humano é apresentado aqui, no diálogo entre arte, ciência e
tecnologia.
Palavras-chave: ciborgue, visão artificial, corpo pós-biológico, dispositivos visuais, artetecnologia.
Abstract
The human being goes through the cyborgization process, that has been intensified with
digital technology. Several parts of the body are likely to be replaced by artificial organs
that are getting closer and closer to the original ones. At the same time, this knowledge is
expanding the technological extensions of our body, making androids closer to human.
In this context, vision as one of the main sensory systems for our survival in the
environment, has been gaining potential to be changed with technological apparatuses,
enabling visually impaired to have part of their visuality recovered, and expanding visual
potential in the near future.The universe of the human eye is presente here, in the
dialogue between art, science and technology.
Keywords: cyborg, artificial vison, post biological body, visual devices, art-technology.
Entre o biológico e o maquínico
54
Introdução
P
ós-humano, corpo pós-biológico, homo sapiens 2.0 são alguns dos termos
com os quais convivemos cada vez mais. Embora pareçam temas de ficção
científica, são fatos que já estão acontecendo hoje. Já estamos habituamos a
ter de confirmarmos na Internet que “não somos robôs”, para termos acesso
a algumas informações. A robô Sofia ganhou cidadania árabe, e o documento
de identidade de Neil Harbisson o reconhece como sendo um ciborgue. Esse
contexto todo acontece devido a dois fatores na relação corpo/tecnologia, por
um lado nosso corpo adquiriu uma grande capacidade se transformar com
o desenvolvimento científico e tecnológico, através de cirurgias e implantes,
e por outro, ampliamos cada vez mais o potencial do sistema de extensões
tecnológicas de nosso corpo, do muscular ao mental. Ciborgue e androide se
aproximam cada vez mais.
No século XXI, os graus de mutação do nosso corpo são muitos, que vão
desde as cirurgias, até os implantes tecnológicos e a engenharia genética. O
desenvolvimento sobre o conhecimento do corpo encontra um similar, na
produção das suas extensões artificiais, que alimentam o mundo das máquinas e do
ciborgue. Teorias como a da singularidade tecnológica, onde o desenvolvimento
tecnológico aponta para o superação do humano pelas máquinas, nos levará a
imortalidade, segundo Kurztweil, através da fusão homem-máquina e silíciocarbono. (KURZTWEIL, 2005)
Desde a antiguidade o ser humano resolve seus problemas físicos através de
próteses, cirurgias e invenções científicas e tecnológicas, como os remédios e
os dispositivos, denominados hoje de tecnologia assistiva. O desenvolvimento
das diversas áreas do conhecimento, contribuem para que o ser humano tenha
uma vida melhor sobre esse aspecto físico. Essa capacidade de interferência no
corpo humano, ultrapassa as características mecânicas e atinge um alto grau
através da manipulação genética, transformando o homo sapiens em homo
deus (HARARI, 2016).
Neste artigo delimitamos essa discussão no campo visual, e mais especificamente
no olho. Embora pareça muito reduzido, vemos que os fatos constituem um
fractal, onde a estrutura da discussão do campo maior, do corpo como um todo,
se reflete nesta pequena parte, na discussão sobre o olho.
Entre o biológico e o maquínico
55
O olho ou globo ocular humano faz parte do sistema visual humano que é
binocular, e é sensível a uma faixa do espectro eletromagnético, denominado de
luz visível. O sistema visual é constituído por diversas partes que desenvolvem
atividades ópticas, químicas, elétricas e neuronais, participando da construção da
imagem em nossa mente.
Quando vemos a fotografia de uma imagem projetada na nossa retina, isso
pode nos confundir, achando que temos uma imagem formada lá, mas no caso,
essa imagem é construída pela câmera fotográfica e o aparato que permite
essa câmera visualizar e captar esse fenômeno na nossa retina. O que temos
de fato na retina é uma projeção luminosa, ou seja, um estímulo luminoso, que
não representa uma imagem na nossa mente, pois ainda precisa se transformar
em estímulo elétrico, percorrer o nervo óptico até chegar ao cérebro, onde
acontece a construção da imagem e o armazenamento.
Como parte do corpo humano, o olho é um produto biológico-cultural, que
vem passando também por interferências externas como o uso de dispositivos
ópticos, cirurgias e implantes.
Paralelamente, presenciamos todo esse conhecimento sendo utilizado para o
desenvolvimento de um sistema visual artificial, que é utilizado nas máquinas,
seja desde um simples dispositivo óptico até sistemas visuais inteligentes mais
complexos na robótica.
Organizamos neste artigo, a discussão sobre a relação olho/tecnologia, através
de três situações. 1- Dispositivos ópticos, externos ao nosso corpo, que auxiliam
e ampliam nossa visão. 2- Implantes ópticos, que acontecem de forma invasiva
no nosso corpo, buscando restaurar a visão. 3- Visualidade nas máquinas, são
dispositivos semelhantes ao nosso sistema visual, que são produzidos para
utilização nas máquinas.
1- DISPOSITIVOS ÓPTICOS
A formação da imagem na nossa mente tem como primeira etapa um fenômeno
óptico, que está regido pelas leis da natureza. O ser humano só percebe uma
faixa do espectro eletromagnético, denominada de luz visível que é emitida ou
refletida pelo mundo físico ao nosso redor. Ela penetra no nosso olho, passando
Entre o biológico e o maquínico
56
por um sistema complexo de elementos e é projetada na superfície da retina.
Depois o sistema visual dá sequência a outros tipos de atividades, que já não
são somente ópticos, mas químicos e elétricos até chegarem no córtex visual,
onde se forma a imagem.
O fenômeno óptico está presente na natureza em alguns objetos e situações,
como as lentes e a câmera escura. O cristalino que faz parte do olho é como
uma lente biconvexa e transparente. A câmera escura é um aparato semelhante
ao nosso olho, pois a luz que entra pela abertura de um dos lados da câmera,
projeta uma imagem luminosa invertida na parede oposta. Porém, a semelhança
fica por aí, pois nosso olho é mais complexo, e está conectado a nossa mente que
o controla, além de termos uma visão binocular. A partir desses dois elementos
surgiram vários outros dispositivos visuais, que ampliaram a capacidade da visão
humana, tanto para visualizar o minúsculo como o longínquo, além de outras
faixas do espectro eletromagnético não acessíveis aos nossos olhos.
1.1- Lentes
As lentes estão na natureza, na Caverna de Zeus, em Creta, foram encontradas
lentes de rocha de cristal (quartzo) com boa qualidade óptica. (SINES, 1987, 193)
Essas lentes descobertas há 3.500 anos atrás, evoluíram através do controle
da tecnologia do vidro. No antigo Egito os artesãos de vidros já tinham muito
conhecimento, utilizavam a técnica do vidro soprado para moldar formas ocas
de vidro e produziam também lentes. Porém as primeiras lentes surgiram há
pelo menos 3.500 anos em Creta. A utilização delas era variada, entre joalheria,
decoração, para acender fogo e como forma de ampliação visual. (ENOCH,
274)
Na China antiga as lentes já existiam e eram mais usadas para acender fogo, além
de relatos sobre o uso de volumes esféricos de vidro com água dentro, para
cauterizar aberturas na pele, através da concentração de calor que provocavam.
(LAUFFER, 1915, 174)
As lentes começaram a ser utilizadas na qualidade da visualização da imagem,
através da construção das lentes monoculares, e nos binóculos somente no final
dos anos 1.300, na Itália, Alemanha e Áustria. (ENOCH, 274)
Entre o biológico e o maquínico
57
Nesse contexto descobriram que as lentes poderiam servir para o
tratamento da presbiopia, mais conhecida como vista cansada. A par tir
dessas lentes esféricas desenvolveram lentes para o astigmatismo. (SCHOR,
2003, 11)
Leonardo da Vinci desenvolveu vários estudos de óptica e desenhou esboços
(Figura 1) do que se assemelham às lentes de contato em 1508 e René Descartes
também apresentou projeto de lentes de contato em 1637. (HOFSTETTER,
GRAHAM, 1953, 41)
Figura 1. Projeto de
Leonardo da Vinci
para lentes de contato.
Fonte:
(ENLIGHTENMENT
MATTERS,
2006) https://
enlightenmentmatters.
files.wordpress.
com/2016/04/
Através das lentes foram construídos vários aparatos de visualização, para
aumentar nossa capacidade para ver o distante e o minúsculo, como telescópio
e o microscópio.
1.2-
Telescópio
No final do século XVI, com o aprimoramento das lentes, encontramos
aparatos que se assemelham com os telescópios. Porém, sobre a autoria de
sua invenção existe uma polêmica, em torno de vários nomes como, Leonard
Digges que menciona um sistema de lentes côncavas e convexas armadas sobre
uma estrutura, mas sem o tubo, além de Giovanni Battista della Porta e outros. A
primeira patente de um telescópio foi requerida em 1608, por Hans Lippershey,
mas outros relatam ter criado o telescópio, como Zacharias Jansen e Adrien
Metius. Galileu também declara ter recebido notícias dessa invenção e a partir
das informações aprimorou o aparato, para suas observações. (ÉVORA, 1989)
Entre o biológico e o maquínico
58
De entretenimento a instrumento científico, o telescópio ampliou a visão humana
para uma escala do muito distante, permitindo descobertas revolucionárias.
Com o desenvolvimento tecnológico os telescópios foram ampliando nossa
capacidade de visualizar além do espectro de luz visível, para a amplitude dos
infravermelhos, raios X, micro-ondas e radiofrequência nos finais do século XX,
traduzindo para nosso olhar, imagens com aspectos nunca antes vistos a olho nu.
Experiencias com envio de câmeras em misseis e espaçonaves, para vermos
mais longe marcam nossa história.
O telescópio espacial Hubble, lançado ao espaço em 1990, representa
nossa capacidade ampliada de ver o longínquo, observando também o
infravermelho e o ultravioleta. Ele já enviou centenas de milhares de imagens
do universo, ampliando nosso conhecimento, e novos instrumentos são
acoplados, para atividades específicas. “O conjunto atual de instrumentos
do Hubble inclui a Wide Field Camera 3 (WFC3), o Cosmic Origins
Spectrograph (COS), a Advanced Camera for Surveys (ACS), o Space
Telescope Imaging Spectrograph (STIS) e os sensores de orientação fina
(FGS).” (HUBBLE, 2019)
A Voyager é outro projeto que, em 1977, enviou nosso olhar para viajar pelo
espaço interestelar tendo passado por Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. São
duas sondas lançadas com 15 dias de diferença, cada qual com uma missão. As
sondas enviam informações através de ondas de rádio que são captadas por
potentes radiotelescópios situados na Terra. (VOYAGER, 2019)
1.3-
Microscópio
O microscópio também é mais um invento da época do Renascimento, quando
os aparatos técnicos transformavam os pensamentos humanos, no mesmo nível
das teorias filosóficas nos livros. Com esses aparatos técnicos a ciência ganha um
grande impulso, na observação da natureza. (ROSSI, 1989)
A autoria do microscópio também é polêmica, porém há registros de que
tenha sido inventado na Holanda, por Zacharias Jansens, antes de 1590. Outros
aprimoraram a descoberta e realizaram observações de microorganismos,
como Antony van Leeuwenhoek, comerciante e cientista e Johann Nathanael
Lieberkühn, um cientista. (HOGG, 1854)
Entre o biológico e o maquínico
59
Os microscópicos ópticos, constituídos por um conjunto de lentes para observar
algum material iluminado por fonte de luz visível, podem ampliar até 2 mil vezes,
mas com a construção de microscópios eletrônicos, que usam fonte de feixe
de elétrons, ampliamos nossa capacidade de visualização, por meio de feixe de
elétrons, para milhares de vezes. O conceito e construção dos microscópios
eletrônicos de varredura datam dos anos 30. (DEDAVID, 2007)
Figura 2. Resolução.
Esquema de Sebastião
G. dos Santos Filho
(LSI/PSI/EPUSP)
Fonte: (SANTOS
FILHO, 2019)
http://www.lsi.
usp.br/~acseabra/
pos/5749_files/AFM_
STM.pdf
Com o avanço da mecânica quântica foi possível a construção do
microscópio de tunelamento, criado em 1981, pelos cientistas Gerd Binning
e Heinrich Roher, da IBM de Zurich, aumentando para 100 milhões de vezes
a observação.
1.4-
Câmera Fotográfica
O fenômeno da câmera escura já é conhecida há muito tempo. É o mesmo
fenômeno que acontece no nosso olho quando olhamos para algo. O que
muda com o avanço tecnológico e científico é principalmente a forma de
registro da imagem, que no seu início é baseada em processos fotoquímicos,
depois magnéticos e atualmente digital. No contexto digital ganha muitos
outros aspectos que vão além da simples captação de imagem, adquirindo
capacidades que vão do armazenamento até a transmissão sem fio, para
outros dispositivos.
Entre o biológico e o maquínico
60
A câmera fotográfica é um corpo técnico que está conectada quase sempre
ao corpo humano formando um híbrido que afeta a imagem registrada no
tempo e no espaço, de acordo com suas características técnicas específicas,
para cada ambiente, que envolve as condições físicas e sociais (PERES, 2018).
Mencionamos quase sempre, pois com as câmeras de vigilância, elas se
dissociaram do nosso corpo, funcionando isoladamente. Começamos dentro
das primeiras câmeras escuras, e estas diminuíram tanto de tamanho no
seu percurso que acabaram dentro do nosso próprio no nosso olho, como
veremos mais adiante.
Atualmente as câmeras passam por uma transformação paradigmática, ao
prescindirem das lentes. Já tinham diminuído a dimensão do corpo da câmera
escura, quase eliminando-a ou transformando-a em uma superfície, diminuíram
de tamanho até se tornarem microcâmeras, e agora com a tecnologia
denominada Optical Phased Array (OPA), desenvolvida pela Caltech, Instituto
de Ciência e Engenharia, na California, as câmeras, se é que ainda possamos
denomina-las assim, já não necessitam de lentes, o que deve afetar áreas como
a astronomia, além do mundo dos celulares. (PERKINS, 2017)
1.5-
Imagens microscópicas e arte
A nanotecnologia nos permitiu enxergar um universo tão pequeno quanto
o átomo, através de microscópio eletrônicos. A arte não poderia deixar de
explorar esse universo, levando artistas em parceria com engenheiros e
cientistas a produzirem imagens nessa escala.
Figura 3. Imagem da
série Sand Castles.
Imagem em grão
de areia. Vik Muniz,
Marcelo Coelho e
Rehmi Post.
Fonte: (CREATORS,
2014) https://www.
vice.com/en_us/
article/xy4zj3/creatingsand-castles-with-asingle-grain-of-sand
Entre o biológico e o maquínico
61
Vik Muniz, um fotógrafo e pesquisador da imagem, brasileiro, em parceria
com o Laboratório de Mídia do MIT (Massachusetts Institute of Technology),
produziram imagens vistas apenas através de microscópios.
Em parceria com o designer Marcelo Coelho, e o cientista Rehmi Post,
produziram imagens em grãos de areia, com um milímetro de largura. “Sand
Castels” (Figura 3) é uma série de imagens de castelos. Uma linha pode medir
entre 0,4 a 1,0 micrômetro, que é equivalente a milionésima parte do milímetro.
(SOKOL, 2014)
Outra série de imagens, “Colônias”, foi produzida em parceria com Tal Danino,
no laboratório do Dr. Sangeeta Bhatia no Instituto Koch para Pesquisa Integrada
do Câncer. Foram utilizadas bactérias de câncer para formarem retratos (Figura
4) e padrões visuais.
Figura 4 - Autorretrato
de Tal Danino feito
de células do fígado.
“Série Colônias”.
Gravura de Células do
Fígado. Cortesia de Vik
Muniz e Tal Danino
Fonte: (CREATORS,
2014) https://
www.vice.com/
pt_br/article/8qdy4x/
colonias-vik-munize-tal-daninotransformam-celulasvivas-em-arte
Entre o biológico e o maquínico
62
O processo de criação dessas imagens tem três etapas. A primeira etapa consiste em
criar uma imagem-base usando técnicas de fotolitografia. Depois disso, moldamos
uma espécie de carimbo de borracha a partir dessa primeira imagem, e carimbamos
essa figura usando uma substância grudenta; é nessa substância que as células
cancerosas ou as bactérias irão grudar. O último passo é inserir as células cancerosas
ou bactérias à superfície marcada, esperar até que elas grudem na substância pegajosa
e observar o resultado por um microscópio. Com ele, podemos observar as células
e bactérias individualmente. Quando olhamos mais de longe, podemos ver a gravura
final. (DANINO, apud CREATORS, 2014)
Arte, ciência e tecnologia ajudam a explorar nosso mundo em uma escala
atômica, permitindo visualizar esse universo e construindo imagens visíveis
apenas através dos microscópios.
2 IMPLANTES ÓPTICOS
As interferências para correção da nossa visão ultrapassam o uso de dispositivos
como os óculos ou lentes de contato, tendo a possibilidade de passarmos por
cirurgia também.
Schor declara que a correção de miopia, hipermetropia, astigmatismo e
presbiopia, através de cirurgia é simples, porém:
A introdução das lentes de contato rígidas, depois gelatinosas e das cirurgias
refrativas corneanas e intra-oculares, se deu basicamente guiada por mudanças
comportamentais na sociedade, como padrões estéticos e não pela ineficiência dos
óculos. Até hoje quando orientamos pacientes pré-cirúrgicos, enfatizamos que a
cirurgia refrativa deve ter como objetivo a diminuição da dependência aos óculos ou
lentes de contato, e que provavelmente a visão do paciente deverá ser ligeiramente
inferior à conseguida com a correção anterior. (SCHOR, 2003, 36)
Embora os óculos resolvam a maior parte dos problemas, a justificativa das
cirurgias passa mais por questões de comodidade na prática de esportes,
inadaptação às lentes de contato, e outros aspectos estéticos.
Com o surgimento da tecnologia digital, pesquisas para a criação de um olho
artificial, que possa ser implantado no lugar do olho natural, desenvolve-se em
diversas direções.
Entre o biológico e o maquínico
63
Encontramos diversos tipos de dispositivos ópticos conectados ao corpo,
com graus de invasão diferenciados, indo desde dispositivos externos até os
conectados diretamente ao cérebro.
Apresentamos 3 tipos de sistemas tecnológicos conectados ao sistema humano:
sistemas externos, sistemas semi-invasivos, sistemas invasivos. Por último,
trazemos um tipo de modificação que não é através de um implante, mas
através do tratamento com manipulação genética.
2.1- Sistemas externos
Há sistemas que são conectados ao corpo, mas sem a necessidade de invasão,
ou conexão interna. O Mouse Ocular (Figura 5) é um sistema visual usado
sem a necessidade de implantes. Ele permite captar o movimento dos olhos,
através de sinais de eletrodos conectados superficialmente nas têmporas,
e envia as informações para um programa que converte a saída em ações,
através da movimentação do mouse na tela do computador. (LOPER e
MARTINS, 2011; 13546)
Figura 5 – Secretária
usando Mouse
Ocular. Fonte:
(CONFORTI, 2017)
Há vários sistemas com essa finalidade a disposição, como Tobii Windows
Control, IntelliGaze e Camera Mouse de uso gratuito, possibilitam que a pessoa
com dificuldade física, principalmente com as mãos, podem movimentar o mouse
apenas com o olhar, como se o olho tivesse conectado a um dedo virtual.
Entre o biológico e o maquínico
64
O sistema de Mouse Ocular usa da capacidade que nosso corpo tem para
transmitir sinais elétricos, que podem ser captados por dispositivos tecnológicos.
Pesquisas nesse sentido, foram realizadas em 2010, pelo engenheiro biomédico
Sang-Hoon Lee, da Universidade da Coreia, desenvolvendo eletrodos que
localizados em dois pontos, no braço de uma pessoa, com distância de 30
cm, conseguiam transmitir dados mais rápidos que via Bluetooth. (MOON et
al, 2010) Essa rede biológica wireless via pele humana poderia ser usada no
contexto da medicina como da comunicação.
Figura 6 - Francis Tsai
and his Tobii PCEye
Fonte: (DAUGHERTY,
2015) https://medium.
com/the-alcalde/
the-extraordinaryartwork-of-francis-tsai1d9cfe58894
Figura 7 – Obra de
Tsai. “Adapt :: Survive ::
Prevail — Linda”
February 16th, 2013
Fonte: (TSAI, 2019)
http://teamgt.com/
page/2/
Entre o biológico e o maquínico
65
2.1.1 Francis Tsai
Francis Tsai (1967-2015) foi um artista, que trabalhou na indústria de videogames,
quadrinhos e design de filmes, TVs e na Marvel Comics. Em 2010, aos 42 anos,
foi diagnosticado com ELA, uma doença neuromuscular degenerativa sem cura
conhecida. De início continuou fazendo desenhos no celular, usando o dedão do
pé, mas em 2011 ficou sem esses movimentos também. A partir disso, começou
a usar um sistema computacional controlado pelo olhar, Tobii PCEye (Figura 6),
pelo movimento dos olhos. (TSAI, 2013)
Por um curto período, ele não conseguiu se comunicar ou desenhar, até que um
cientista da computação chamado Teddy Lindsey começou a procurar tecnologia
para ajudar o amigo que ele conhecia há uma década. Eles colaboraram com uma
empresa chamada Tobii para projetar uma configuração de tablet em sua casa em
Austin, que trabalhava com o equipamento médico e a mobilidade limitada de Tsai, e
a tecnologia do olhar foi criada na primavera seguinte. (DAUGHERTY, 2015)
A produção de Tsai durante esse período teve como lema de suas obras
“Adaptar, sobreviver, prevalecer” (Figura 7), refletindo sua vida e de sua esposa,
a quem dedicou a ilustração abaixo.
2.2- Sistemas semi-invasivos
Denominamos aqui de sistemas semi-invasivos aqueles que apenas substituem
o olho, mas sem conectarem-se ao restante do sistema visual. Tal como o olho
de vidro, que tem uma função mais estética, pois não afeta o sistema visual. Ele
apenas cobre um olho danificado, como uma capa, ou substitui-o totalmente,
podendo ser produzido semelhante ao outro olho normal chamando menos
atenção.
Nesse sentido, o olho de vidro é apenas um objeto inserido no corpo, sem
nenhuma conexão que influencie o sistema visual, corrigindo algum problema.
2.2.1 ROB SPENCE
Assim é o caso de Rob Spence, que implantou um olho artificial, porém com
uma diferença, pois o olho possui uma microcâmera (Figura 8), tornando-o um
Entre o biológico e o maquínico
66
“eyeborg”, um ciborgue visual. Spencer perdeu a vista direita num acidente com
arma quando era criança, e para adaptar sua visão, em 2008, implantou uma
câmera adaptada no lugar de seu olho direito, conectada via wifi a um sistema
externo que permite a visualização (Figura 9). Esta câmera consegue gravar até
3 minutos, devido a um problema de aquecimento do equipamento. Quando
em funcionamento, um led vermelho se acende, revelando que está gravando
com seu olhar.
Figura 8 - Detalhe do
olho de Spence
Fonte: (SPENCE,
2011) https://
eyeborgproject.tv/
ted-talks/
Figura 9 - Dispositivo
que permite ver
imagem captada.
Fonte: (SPENCE,
2011) https://
eyeborgproject.tv/
ted-talks/
Spence é cineasta e realizou um documentário intitulado “Deus Ex:The Eyeborg
Documentary”, a pedido da empresa Square Enix, que publicou o jogo “Deus
Ex: Revolution Human”. Adam Jensem é o personagem do jogo, que tem
aprimoramentos através de órgãos tecnológicos, que ampliam a capacidade de
seu corpo. Nesse sentido o documentário de Spence é pesquisar e apresentar
pessoas que possuem vários tipos de próteses. (SPENCE, 2011)
Entre o biológico e o maquínico
67
Rob Spence é um cineasta canadense, que tem um implante de câmera no lugar
do olho direito que perdeu aos 9 anos de idade. O olho-câmera wireless não
está conectado a sua mente, mas sim a um dispositivo externo, que permite
visualizar e gravar o que vê.
Spence declara que o comportamento das pessoas em frente a uma câmera se
modifica, assim gravando só com o olhar, a situação pode ficar mais natural. Ele
grava e depois informa como gravou e solicita uma assinatura para autorização
do material.
A maioria das pessoas faz relação direta com o episódio “The Entire History of
You”, do seriado Black Mirror, onde as pessoas têm um implante que permite
gravar tudo que veem e que podem ser reproduzidos, como suas lembranças,
ou requeridas por outras pessoas. Nesse sentido, a ficção começa a se tornar
realidade.
2.3- Sistemas invasivos
Este tipo de sistema é implantado no nosso corpo afetando o sistema visual e a
construção de imagem no cérebro.
O sistema visual artificial que o Dr. Wiliam Dobelle começou a desenvolver em
1968, envolve uma invasão corporal, com o implante de uma matriz de eletrodos
no córtex visual, que é conectado a um sistema externo através de um plug
na caixa craniana. Esse sistema é composto por óculos, que possui uma câmera
no lado direito e um sensor de distância no lado esquerdo. O sistema permite
apenas que o deficiente visual consiga se movimentar no espaço recebendo
Figura 10 - Miika Terho.
Implante de chip na
retina.
Fonte: (BOUWDLER,
2010) Retina Implant
AG https://www.
bbc.com/news/
health-11670044
Entre o biológico e o maquínico
68
pontos de luz dos objetos, num campo de 5cm x 20cm, onde percebe pontos
de luz. Nessa experimentação, o objetivo é ampliar a quantidade de eletrodos
para conseguir melhor definição da imagem produzida. (DOBELLE, 2000)
Na Universidade de Tübingen, na Alemanha outra experimentação foi realizada com
a implantação de um chip, de 3x3mm, na retina de uma paciente cega, Miika Terho.
(Figura 10). O chip ficava conectado a uma bateria que era usada como um colar
pelo paciente. Quando o chip recebia um estímulo luminoso, ele estimulava as células
saudáveis da retina, enviando os sinais para o cérebro. Algumas horas após o implante
o paciente conseguia enxergar formas luminosas, permitindo seu deslocamento no
espaço e até reconhecer uma xícara e um pires numa mesa. (BOUWDLER, 2010)
Percebemos que sistemas visuais artificias vão invadindo cada vez mais nosso
corpo e se conectando internamente à retina e ao córtex visual, para a busca
de um soluções que restaure nosso sistema visual natural.
Figura 11 - Neil
Harbisson – Eyeborg
Fonte: (H+Pedia,
2018) https://
hpluspedia.org/wiki/
File:Neil-harbisson-1.
jpg
Figura 12 Sonochromatic
Records by Neil
Harbisson.
Fonte: (WIKIMEDIA
COMMONS, 2014)
https://commons.
wikimedia.org/wiki/
File:Neil_Harbisson_
Exhibition.jpg
Entre o biológico e o maquínico
69
2.3.1- NEIL HARBISSON
Neil Harbisson é um artista que nasceu com acromatopsia, enxergando
apenas em tonalidades de cinza. Em 2013 iniciou um projeto com o cientista
da computação Adam Montandon, que resultou em um sensor eletrônico, que
detecta a frequência das cores (Figura 11) e a envia para um chip instalado
na parte de trás de sua cabeça, permitindo ouvir o som através da estrutura
óssea. Após esse implante Harbisson realizou outro inserindo uma conexão
com Internet, para receber outras frequências pela rede. (HARBISSON, 2015)
Aprendeu a traduzir os sons pelas cores (Figura 12), decorando o nome das cores
relacionado aos sons, até que isso passou a ser uma percepção natural. Harbisson
declara que depois de um tempo começou a sonhar em cores, que a memória
das frequências acontecia nos sonhos. Harbisson considera que o dispositivo faz
parte dele, tanto que o governo inglês aceitou que no seu passaporte o dispositivo
aparecesse, aceitando-o como um ciborgue. Aos poucos os sons cotidianos
também passaram a se relacionar com cores. Suas obras são baseadas na tradução
do sonoro para o visual, através das cores. No sentido de ampliar a percepção
das cores, para além do humano, através desse olho eletrônico, incorporou as
frequências do infravermelho e do ultravioleta. (HARBISSON, 2012)
2.4- Organóides
Embora não se encaixe na modalidade de um implante ainda, e nem sejam
dispositivos tecnológicos, os organoides são estruturas tridimensionais, como
mini-órgãos, produzidos a partir de células tronco, que se comportam como
um órgão real específico.
O tratamento de certas doenças através dessa técnica denomina-se terapia
genética ou gênica, que é baseado na introdução de genes sadios, através de
manipulação do DNA.
No caso da visão, organoides de retina estão sendo pesquisados para
compreensão do funcionamento da retina humana e de doenças. No Instituto
de Oftalmologia, da University College London, a equipe do prof. Robin pesquisa
a terapia genética, através do transplante de células fotorreceptoras, buscando
possibilidades de tratamento de doenças. (ALI, 2012)
Entre o biológico e o maquínico
70
O biólogo Robert Johnston, da Universidade Johns Hopkins, busca a produção em
laboratório de um organoide de retina humana, para estudo do funcionamento
das cores na retina, uma vez que estes possuem todos os tipos de células da retina
humana. Esta situação permite que as pesquisas não precisem ser realizadas em
camundongos, mas sim como numa retina humana, mas fora do corpo humano. A
pesquisa visa também a terapêutica e o reparo da visão. (ELDRED, 2018)
Com os organoides estamos em um estágio onde os dispositivos tecnológicos
visuais parecem perder sentido, para o ser humano, embora o conhecimento
contribua para a sua utilização dos sistemas visuais artificiais no contexto dos
androides.
3- VISUALIDADE NA MÁQUINA
Como extensão do nosso sistema visual, criamos vários aparatos técnicos, que
reproduzem certos aspectos do nosso sistema biológico.
A câmera escura é um aparato tecnológico que reproduz o mesmo fenômeno
óptico que acontece no nosso olho. A partir dela construímos vários dispositivos,
que captam, registram e reproduzem imagens. A câmera passou por processos
de registro foto-químico, magnético e digital. A física, a medicina, a astronomia
e outras áreas do conhecimento desenvolveram câmeras específicas para os
seus objetivos, nos revelando um universo invisível aos nossos olhos, seja pela
visualização do minúsculo, do muito distante ou das diferentes frequências do
espectro eletromagnético, que não é visível pelo ser humano. Enxergamos
através dessas máquinas, o infravermelho, o ultrassom, os raios X, ultravioleta e
ampliamos nossa capacidade de visualização.
Os dispositivos avançaram tecnologicamente, reproduzindo etapas do sistema
visual humano, indo do olho ao córtex visual, e passando pelas tecnologias
ópticas, elétricas e digitais.
No contexto da tecnologia digital, surgiu a visão computacional, que
proporcionou uma visão às máquinas, que vai além do aspecto óptico, só
de captação visual, mas apresenta aspectos cognitivos, como reconhecer
diferentes características visuais das coisas, dependendo da especificidade dos
softwares utilizados.
Entre o biológico e o maquínico
71
Esses dispositivos substituem as atividades da visão humana, principalmente na
indústria, visualizando e separando objetos de cores específicas, reconhecendo
padrões visuais em determinados materiais como a madeira, ou conferindo
a quantidade de elementos em uma embalagem. Também pode ser utilizado
em tarefas mais perigosas, onde o ser humano possa ser substituído por uma
máquina.
As câmeras utilizadas atualmente são mais sofisticadas, sendo constituídas
além das lentes, por sensores, por interfaces de comunicação, e por eletrônica
embarcada com inteligência, o que proporciona a visualização combinada
com movimentos de braços e mãos robotizados, de acordo com o que
enxerga.
Robôs equipados com câmeras podem fazer movimentos com os braços,
sendo capazes de visualizar uma bola no ar e pegá-la com a mão. Rollin´Justin
é um desses robôs, apresentado em 2008, é equipado com duas câmeras e
sensores nas laterais da cabeça, e consegue calcular através da visão binocular
o percurso de uma bola jogada para ele, e se movimentar de forma que a bola
caia na sua mão e a segure. Consegue pegar até duas bolas ao mesmo tempo,
uma em cada mão. Além dessa tarefa, consegue realizar outras, como visualizar
e manusear uma máquina de café expresso, encaixando a capsula de café na
máquina, ligando-a e servindo o café. (LEIDNER, 2019)
3.1- Robôs artistas
Desde os autômatos, as máquinas através de um conjunto de engrenagens,
já conseguiam produzir um desenho, com muitos movimentos complexos. Tal
como o autômato de Henri Maillardet, construído por volta de 1800, que tinha
na sua memória quatro desenhos e três poemas. (FRANKLIN, 2019)
No contexto digital, outros sistemas continuaram sofisticando essa tarefa, como
o projeto AARON, do artista e programador e professor na Universidade da
Califórnia Harold Cohen (1928-2016), que começou a desenvolver em 1973 um
programa que desenhasse. Durante toda sua vida Cohen continuou aprimorando
o programa, que passou por diversas etapas, ganhando maior complexidade, na
programação e nas formas de impressão das imagens. (COHEN, 2019)
Outro projeto que já inclui uma câmera no processo é o Autoportrait (2002),
Entre o biológico e o maquínico
72
de um grupo alemão chamado Robolab (Figura 13). O sistema é constituído
de um braço mecânico industrial, com uma câmera, que capta o rosto de uma
pessoa sentada em um banco especialmente localizado, e uma vez captada a
imagem, o braço começa a desenhar linearmente o retrato em uma folha de
papel em sua frente. (GOMMEL, 2004)
Figura 13 –
Autoportrait –
Robotlab
Fonte: (ROBOTLAB,
2019) http://www.
robotlab.de/auto/
pics07/autoportraitmucsarnok03.htm
Já a Ai-Da é uma robô humanoide, que também possui câmeras nos seus olhos,
que permite a captura de imagem. Seu nome é em homenagem a Ada Lovelace,
a primeira programadora da história. Ai-Da é resultado de um projeto de equipe
Entre o biológico e o maquínico
73
multidisciplinar, com artistas, curadores e cientistas da Universidade de Oxford,
Universidade de Leeds, e de uma empresa de Engenharia de Cornawall. Porém,
depois que Ai-Da traça linearmente os esquemas, que não são só retratos,
é preciso que uma pessoa, a artista Suzie Emery, aplique a tinta nas formas.
(AMBROSIO, 2019, 38, 39)
Os artistas têm explorado muito o recurso de câmeras e inteligência
artificial, mas não em máquinas humanoides. Mas a visualização no contexto
da inteligência artificial, tem se desenvolvido muito, principalmente com os
sistemas de reconhecimento facial ou de objetos, podendo surgir obras além da
produção de imagens.
Considerações finais
O ser humano encontra-se numa etapa de sua evolução, onde suas
transformações corporais não são apenas resultados das atividades físicas e
condições ambientais, como foi a maior par te do tempo, na sua história, mas
são a sua própria interferência no design do seu corpo. Simultaneamente
encontra-se num nível de construção de suas extensões ar tificiais, que se
aproxima cada vez mais do biológico. Encontramo-nos discutindo o que é o
humano, o que é inteligência, a consciência, a emoção, a alma, e as fronteiras
entre natural e ar tificial, biológico e tecnológico, ficam cada vez mais borradas.
No contexto da medicina, todos os conhecimentos científicos e tecnológicos
parecem fazer sentido, na busca de soluções dos problemas físicos do ser
humano, mas no contexto social e ético, a capacidade de controlarmos a
vida torna-se uma discussão cada vez mais complexa e polêmica.
A visão nosso tema em questão aqui, como parte desse movimento todo,
permite que espelhe essas transformações como um todo. Vimos que a relação
de elementos de um sistema visual humano, com elementos de um sistema
visual artificial, vem acontecendo em diversos níveis, mas sempre alterando o
ser humano e as máquinas, que se aproximam cada vez mais da singularidade
tecnológica, do olho ao córtex visual.
O design e a arte participam desse movimento, construindo materialmente
esse universo e apresentando questões para a sociedade, numa gama que vai
do apocalíptico ao admirável.
Entre o biológico e o maquínico
74
Referências
ALI, Robin. Gene and stem cell therapy for retinal disorders. In Vision Research,Visionary
of the quarter, 2012. Disponível em http://www.vision-research.eu/index.php?id=696
Acesso em 14/11/2019
AMBROSIO, Chiara. Unsettling robots and the future of art. In Science, vol. 365, n. 6448,
05/07/2019. Disponível em https://science.sciencemag.org/content/365/6448/38.full.pdf
Acesso em 17/11/2019
BOUWDLER, Neil. Implanted chip ‘allows blind people to detect objects. BBC News.
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