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Anais do 1 Encontro DAT – Design, Art and Technology

2019, Anais do 1 Encontro DAT – Design, Art and Technology

O Encontro DAT – Design, Arte e Tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Design toda Universidade Anhembi Morumbi (UAM), tem por meta reunir pensadores de universidades nacionais e internacionais com foco específico nos setores culturais e tecnológicos criativos que desenvolvam pesquisas, projetos, ideias, inovação e atividades empreendedoras. Explora o potencial de diluir as fronteiras entre design, arte e tecnologia com referência específica para discutir a criatividade em design e tecnologia – examinando como a tecnologia digital é abordada pelos artistas e designers. O encontro busca também contribuir com discussões e reflexões sobre como o Design e a Arte moldaram e moldam os valores, as estruturas sociais, as comunicações, o pensamento e a cultura. Envolve designers e artistas com seus trabalhos criativos, teóricos e práticos, para que apresentem novas perspectivas e permitam entender mais sobre suas habilidades, processos, motivações e relacionamento com o mundo, considerando a diversidade e a interdisciplinaridade destes trabalhos.

1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBIMORUMBI / 2019 ANAIS 1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBIMORUMBI / 2019 ANAIS https://ppgdesign.anhembi.br/eventos/encontro-dat/1dat-2019/ 1 ENCONTRO DAT – DESIGN, ARTE E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Programa de Pós-Graduação em Design / 2019 ORGANIZADORES Gilbertto Prado (UAM); Sérgio Nesteriuk (UAM); Suzete Venturelli (UAM) CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Nelson Caramico WEB DESIGN: Alessandro Cammilo COMISSÃO CIENTÍFICA Jorge La Ferla (Universidade de Buenos Aires, Argentina), Karen O’Rourke (Universidade Jean Monnet, França); Luisa Paraguai (Pucamp), Malu Fragoso (UFRJ), Milton Sogabe (UAM), Monica Tavares (USP), Paulo Bernardino (Universidade de Aveiro, Portugal), Rachel Zuanon (Unicamp), Valzeli Sampaio (UFPA) O Encontro DAT – Design, Arte e Tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Design toda Universidade Anhembi Morumbi (UAM), tem por meta reunir pensadores de universidades nacionais e internacionais com foco específico nos setores culturais e tecnológicos criativos que desenvolvam pesquisas, projetos, ideias, inovação e atividades empreendedoras. Explora o potencial de diluir as fronteiras entre design, arte e tecnologia com referência específica para discutir a criatividade em design e tecnologia – examinando como a tecnologia digital é abordada pelos artistas e designers. O encontro busca também contribuir com discussões e reflexões sobre como o Design e a Arte moldaram e moldam os valores, as estruturas sociais, as comunicações, o pensamento e a cultura. Envolve designers e artistas com seus trabalhos criativos, teóricos e práticos, para que apresentem novas perspectivas e permitam entender mais sobre suas habilidades, processos, motivações e relacionamento com o mundo, considerando a diversidade e a interdisciplinaridade destes trabalhos. 1 ENCONTRO DAT DESIGN ARTE E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI / 2019 Abertura dia 26 de agosto de 2019 (segunda-feira) 9h30 Abertura: Gilbertto Prado, Suzete Venturelli, Sérgio Nesteriuk (Coord. PPG Design), Paolo Roberto Inglese Tommasini (Reitor) 10h Palestra: Regina Silveira – O Prazer da Imagem Coord. Gilbertto Prado (UAM) 11h00 – Debate 16h Mesa redonda DAT Anna Mae Barbosa (UAM) (Coord.) Maria Luiza Fragoso (UFRJ) / [Vídeo ensaio] Eloize Navalon (UAM) 17h30 – debate Dia 27 de agosto (terça-feira) 10h Palestra: Lúcia Santaella – Estética da fascinação Coord. Suzete Venturelli (UAM) 11h30 – debate 14h Mesa redonda DAT Alan Richard (UAM) Marcos Cuzziol (Itaú Cultural) Silvia Laurentiz (USP) Sérgio Nesteriuk (UAM) (Coord.) 15h30 – debate Dia 28 de agosto (quarta-feira) 14h Mesa redonda DAT Alckmar Luis dos Santos (UFSC) Andrea Catrópa (UAM) Ricardo Balija (UAM) Geraldo Coelho Lima Júnior (UAM) (Coord.) 15h30 – debate 18h Encerramento dos trabalhos do dia e do evento Palestra: Milton Sogabe (UAM) SUMÁRIO ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A RESTAURAÇÃO DA OBRA DIGITAL DESERTESEJO ..8 Referências.............................................................................. 16 Créditos ................................................................................... 18 PENSAMENTO CONFORMADO: EXPERIÊNCIA, SENSAÇÕES E COGNIÇÃO ..........................................19 Resumo ..................................................................................... 19 Introdução ................................................................................ 20 Estudos Precedentes .............................................................. 21 Hipótese.................................................................................... 25 Aprendizagem de Máquina .................................................... 26 Considerações Finais .............................................................. 28 Referências ............................................................................... 29 TESTEMUNHOS DE PASSAGEM ..................................30 Resumo ..................................................................................... 30 Sobre o Projeto........................................................................ 31 Seus temas fundamentais ...................................................... 32 TRADUÇÃO E MONTAGEM...................................................................................... 32 VULNERABILIDADE HUMANA NA ONDA MIGRATÓRIA .................. 32 HIBRIDISMO TECNOLÓGICO................................................................................... 33 A sonorização em multicanais .............................................. 33 Banco geral de dados: mixagem, legendagem e tratamento ..................................................................................34 Imagens ..................................................................................... 35 RODA VIVA ............................................................................................................................. 35 IMAGENS INTEGRANTES DA EXPOSIÇÃO RETROTOPIAS, SÃO PAULO, SP, 2018. ................................................................................................................... 35 TESTEMUNHOS DE PASSAGEM .............................................................................. 36 Referências ............................................................................... 38 SINAIS DETECTADOS ENTRE O BIOLÓGICO E O MAQUÍNICO ....................................................................40 Resumo ..................................................................................... 40 Introdução ................................................................................ 41 A poética emergente ............................................................. 43 Projeto Amoreiras .................................................................. 45 Flores de plástico não morrem ............................................. 47 Conclusão.................................................................................. 51 Referências............................................................................... 52 OLHAR, TECNOLOGIA E ARTE ...................................54 Resumo ..................................................................................... 54 Introdução ................................................................................ 55 1- DISPOSITIVOS ÓPTICOS ........................................................................................ 56 2 IMPLANTES ÓPTICOS ................................................................................................ 63 3- VISUALIDADE NA MÁQUINA ............................................................................. 71 Considerações finais ............................................................... 74 Referências ............................................................................... 75 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A RESTAURAÇÃO DA OBRA DIGITAL DESERTESEJO Marcos Cuzziol; Instituto Itaú Cultural [email protected] D Gilbertto Prado Univ. Anhembi Morumbi [email protected] ORCID 0000-0003-2252-3489 esde sua criação, em 1987, muitas das ações do Instituto Itaú Cultural têm foco no emprego artístico da tecnologia. Assim foi com o primeiro produto da instituição, o Banco de Dados Informatizado - que evolui para a atual Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras -, com a série de exposições de arte e tecnologia - em especial, a Bienal Emoção Art.ficial - e com a Coleção Itaú Cultural de Arte e Tecnologia, entre outros exemplos. De forma gradativa e natural, as exigências específicas de exposições de arte digital/tecnológica geraram conhecimento sobre a necessária manutenção de obras desse tipo, desde pequenos reparos até restaurações completas. Temos dois exemplos de trabalhos de restauração levados a termo no Itaú Cultural entre 2013 e 2014. O primeiro deles, Beabá de Waldemar Cordeiro e Giorgio Moscati (1968) e o segundo, que vamos tratar aqui brevemente, Desertesejo de Gilbertto Prado (2000). O projeto da obra Desertesejo, de Gilbertto Prado, foi selecionando para ser desenvolvido no programa Rumos Itaú Cultural Novas Mídias de 1999. Proposto como ambiente virtual 3D multiusuário, Desertesejo proporciona uma experiência interativa com a presença simultânea de vários participantes. O projeto explora poeticamente a extensão geográfica, as rupturas temporais, a solidão, a reinvenção constante e proliferação de pontos de encontro e partilha. Ao entrar no ambiente virtual, o viajante encontra uma caverna de cujo teto caem pedras suavemente. Qualquer uma delas é clicável. Após o clique, o viajante é transportado para um novo ambiente, no qual carrega essa pedra. Poderá então depositá-la em algum dos montes apaicheta presentes nos diferentes espaços. A pedra constituirá um marco da passagem desse viajante e ficará como uma indicação, para outros, de que ele esteve ali. Mas a entrada nesse ambiente pode acontecer de três formas diferentes. Ao clicar sobre uma pedra na caverna, o viajante poderá ser transportado como 8 uma onça, uma cobra ou uma águia. Ou seja, poderá andar, arrastar-se ou voar sobre o ambiente, como em um sonho xamânico, mas não saberá de antemão que forma assumirá nesse novo espaço. Os ambientes são compostos de paisagens, de fragmentos de lembranças e de sonhos, sendo navegável em rotas distintas que se entrecruzam e se alternam, que se encadeiam e se compõem em diversos percursos oníricos: 1. Ouro é a zona do silêncio. Nesse primeiro ambiente, a navegação é solitária. 2. Viridis é o espaço do céu e cores. Nele, o viajante vê sinais da presença de outros, mas sem ter contato direto com eles. 3. Plumas é o eixo dos sonhos e das miragens. Nesse ambiente, o viajante interage diretamente com outros, via chat 3D. É a zona do contato e da partilha entre os avatares dos diferentes usuários. Se, na década de 60, grandes computadores estavam limitados à impressão de caracteres em papel, 30 anos depois computadores pessoais de baixo custo começavam a exibir capacidades gráficas notáveis em seus monitores de vídeo colorido. Tornou-se possível, no início dos anos 90, simular a presença de um usuário de microcomputador em ambientes virtuais navegáveis, construídos por pixels e/ou por projeções matemáticas de polígonos virtuais. A técnica já existia há alguns anos, é verdade, mas estava até então limitada a estações gráficas caríssimas. As obras que popularizaram essa tecnologia foram os videogames, dos quais podemos citar “Wolfenstein 3D” e “Quake” (id Software, 1992 e 1996, respectivamente). E um dos primeiros exemplos de aplicação artística para ambientes virtuais em 3D é a obra The Legible City, de Jeffrey Shaw, que teve uma de suas primeiras versões apresentada ainda em 1989, utilizando uma estação Silicon Graphics. Um dos primeiros artistas a usar esse recurso no Brasil foi Gilbertto Prado, com o projeto da obra Desertesejo. No ano 2000, a obra trazia inovações interessantes em termos de uso da tecnologia disponível. Os ambientes virtuais rodavam em computadores pessoais com bom nível de qualidade gráfica (necessária para a Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 9 criação de um visual onírico). No caso em questão foi trabalhada a relação entre a qualidade gráfica apresentada, em função de uma otimização do número de polígonos e textura, com a filtragem de um nível de detalhamento de informação na modelização dos ambientes. A título de exemplo, o maior dos ambientes o monousuário (Ouro) tinha aproximadamente 21 mil polígonos e 380 Kbytes de tamanho (20 x 5 km – escala relativa), com muito bom nível de qualidade gráfica. Isso foi possível depois de vários testes e experimentações de texturas e encaixes relativos entre os polígonos. Esse trabalho foi longo e crucial, tendo o processo de construção, modelagem e programação de Desertesejo levado em torno de um ano. Como resultado, o ambiente Ouro acima descrito era particularmente grande para os padrões da época, mas rodava com boa velocidade em computadores pessoais padrão, não em aplicativo específico (como faziam os principais videogames do período), mas em plugin de browser, ou seja, diretamente no aplicativo de navegação Internet. E a característica multiusuário do terceiro ambiente (Plumas), com usuários de qualquer parte do planeta sendo representados por avatares e podendo se comunicar via chat de texto, antecedeu em três anos uma aplicação muito popular que usava tecnologia parecida via browser, o Second Life, da Linden Lab (2003). O trabalho recebeu o prêmio menção especial no 9º Prix Möbius International des Multimédias–Beijing, China (2001) e participou de várias outras mostras entre elas a XXV Bienal de São Paulo, Net Arte (2002). Em 2014, Desertesejo foi selecionado para participar da exposição Singularidades/Anotações, pelos curadores Aracy Amaral, Paulo Miyada e Regina Silveira. Entretanto, desenvolvido em 1999/2000 utilizando um plugin específico para VRML (Virtual Reality Modeling Language) e chat 3D a obra não podia mais ser apresentada, o plugin utilizado 14 anos antes já não funcionava: tornara-se obsoleto em browsers mais recentes. Como rever isso tudo nesse outro momento e com outras ferramentas e possibilidades? Como colocar o espectador neste ambiente onírico? O processo de restauração de Desertesejo era a única opção para que a obra pudesse ser apresentada como havia sido proposta originalmente - e não como mera documentação em vídeo, por exemplo. O trabalho de restauro foi intenso, Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 10 Desertesejo, ambiente virtual multiusuário, Gilbertto Prado, 2000. pois todos os ambientes da obra precisaram ser remodelados em 3D, texturas, sons e iluminação recriados, avatares reconstruídos, etc. Como consequência, mesmo com a criação de ambientes novos desenvolvidos para programas diferentes, tanto o visual quanto a experiência da obra original foram mantidas e apresentadas ao público na exposição de 2014. Contar com o acompanhamento do artista durante todo o processo de restauro foi fundamental para que o resultado obtido fosse o mais fiel possível ao original, assim como os vários Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 11 Desertesejo, Gilbertto Prado, (2000/2014). Desertesejo, Gilbertto Prado (2000/2014). Arte Cibernética Coleção Itaú Cultural, Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Brasília, 2016. Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digitalDesertesejo 12 encontros que aconteceram com o modelador de 3D no ambiente Unity para discutir essa nova contextualização e a consequente aprovação a cada uma das etapas. Para o artista era essencial que a dimensão poética do trabalho fosse preservada, assim como a relação com os usuários nos espaços navegáveis. Tratando da experiência proposta pelos artistas, da realização experimental com dispositivos artísticos, para Karen O’Rourke, parece mais tratar-se de uma proposta de natureza poética, que leva em consideração uma série de elementos de composição, leitura e de natureza prática que ajudam a melhor compreender o projeto: “A arte digital se inscreve no desenvolvimento temporal nas/através (das) suas interfaces. Mesmo se o dispositivo não pode ser resumido como sendo a obra, ele é um componente não negligenciável da experiência. Uma parte da interface é fixa, outra depende de escolhas (ou seja, dos desejos do espectador) e outra ainda é aberta ao acaso da manipulação material (bug, pane do material, envelhecimento do software, etc.). Desta forma, em cada nova ocorrência, apresentação, é o momento de repensarmos essa relação.” O’ROURKE 2011, p.137 Ao mesmo tempo em que há uma série de dispositivos e interfaces que nos localizam e indicam momentos e épocas, isso não quer dizer que eles não possam ser eventualmente reatualizados. São novas escolhas que se apresentam e novos deslocamentos possíveis. Durante o processo de restauro, que durou quase um ano, questões que na versão primeira eram um problema a ser trabalhado, como a velocidade de navegação nos ambientes, 14 anos depois haviam se transformado. Os computadores já permitiam ambientes muito mais complexos e elaborados, bem como um fluxo bem mais rápido e frenético de navegação. Mas a velocidade de navegação inicial almejada era lenta e delicada, não somente por uma limitação da máquina, mas por um desejo coincidente também na poética. Durante o processo de restauração, além dos periódicos encontros presenciais houve uma imensa troca de correspondência entre os participantes da equipe. Em uma das anotações lê-se a intenção assinalada pelo artista ao modelador/ programador, em contraponto à velocidade maquínica possível e a desejada na obra: Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digitalDesertesejo 13 Lembro ainda do «clima» de letargia, da lenta velocidade de navegação, como que deslocado no tempo, o peso do ambiente, a solidão da navegação solo, como que em um espaço entre o sonho e a realidade. Aquela sensação no momento em que você acorda, que você não sabe se está flutuando ou andando, se faz frio ou calor, o peso do ambiente e a imensidão do espaço. Majestoso e solitário, sem saída. (PRADO, anotações do projeto) Desertesejo, Gilbertto Prado. Vistas dos ambientes com o plugin Cosmos Player (2000) e na versão de 2014. Outra breve comparação entre as versões, nos ambientes da versão 2000 aparece o controle do mouse do navegador Cosmo Player, nos ambientes feitos em VRML. Em 2014 não há mais essa inserção no ambiente, utilizando a engine de games Unity 3D. Ainda em 2000 embora já apresentássemos a obra projetada em algumas ocasiões, era mais difícil a imersão nas imagens dada a relativa pixelização. A versão 2000 era melhor navegável na tela do próprio computador ou monitores ao contrário da nova versão que devido a resolução das imagens permitia o explorar pelo espaço e andar com o controle do Kinect na mão e não mais via o mouse ao lado do teclado. Nos videos abaixo é possível ver um exemplo de navegação nos ambientes nas distintas versões: Desertesejo 2000: https://www.youtube.com/watch?v=1Fov7V32pF8 Desertesejo 2014: https://youtu.be/nzPcC0WJFs8 Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 14 Em 2016, Jonathan Biz Medina e João Amadeu fizeram uma versão do Desertesejo VR para Oculus Rift. Em 2018, por ocasião das mostras Paradoxo(s) da Arte Contemporânea no MAC-USP em São Paulo e simultaneamente na exposição individual Circuito Alameda, no Laboratorio Arte Alameda do México foi feita uma nova manutenção e ajustes da versão Desertesejo de 2014 com a também participação de Fernando Oliveira e Felipe Santini. Desertesejo, Gilbertto Prado (2000/2014). Circuito Alameda, Claustro Bajo, curadoria Jorge La Ferla, Laboratorio Arte Alameda, México, 2018. Lembramos que os trabalhos vão além das aparências e páginas de códigos, vão além dos dispositivos e interfaces e eventuais encantamentos, trazendo a associação de universos complexos, numa aproximação e coerência efêmeras, para trazer a tenuidade dessas incorporações com novos olhares e conjugações. Restaurar um trabalho de arte, e neste caso de arte digital, é bem mais que reconstruir ambientes: é necessário um entendimento da poética da obra e das sutilezas do trabalho, como as cores dos espaços, velocidades de navegação, Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 15 possíveis percursos e interações, etc. Não é possível generalizar o que seria um processo “padrão” de restauração para obras de arte que se utilizam de tecnologias relativamente recentes. Tais obras variam muito entre si, tanto em tecnologias como em propostas. Há desde obras puramente processuais, virtualmente independentes do hardware empregado, até as que têm fortes características de objeto, e que ficariam desfiguradas sem um hardware específico. Desertesejo, Gilbertto Prado (2000/2014). Paradoxo(s) da Arte Contemporânea, curadoria Ana Gonçalves Magalhães e Priscila Arantes, MAC-USP, São Paulo, 2018. A restauração de Desertesejo tratou de recriar ambientes virtuais que permitissem a mesma experiência interativa da obra original. Nesse caso, a questão técnica, embora evidentemente importante, é secundária. O que de fato interessa se Desertesejo for desenvolvido para um plugin VRML ou num engine de games como o Unity 3D? Muito mais importante, o que deve necessariamente guiar qualquer processo de restauração de obras tecnológico/ digitais, é a poética. É ela o que realmente interessa. Referências Bibliográficas COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. CUZZIOL, Marcos. Desertesejo 2000 - Canteiro de Obras. Relatoria COELHO, Julia In: FREIRE, Cristina (Org.). Arte Contemporânea: Preservar o quê? São Paulo: Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, 2015. p. 161-166. CUZZIOL, Marcos. Restauração e manutenção de obras digitais: duas experiências no Instituto Itaú Cultural. In: PRADO, Gilbertto; TAVARES, Monica; ARANTES, Priscila (Org.). Diálogos transdisciplinares: arte e pesquisa. São Paulo: ECA/USP, 2016. p. 266-273. Alguns apontamentos sobre a restauração da a obra digital Desertesejo 16 DEWEY, John, A Arte como experiência.São Paulo: Martins Fontes, 2010. DUGUET, Anne Marie. “Does interactivity lead to new definitions in art?”, in: SCHWARZ, Hans e SHAW, Jeffrey (eds.). Media Art Perspectives, Karlsruhe, ZKM/Cantz Verlag, 1995, p.146-150. FOREST, Fred. Art et Internet. Paris: Editions Cercle d’Art, 2008. LIMA, Leonardo; Prado, Gilbertto. Interactive Digital Images. DATJournal Design Art and Technology, [S.l.], v. 3, n. 2, p. 43-71, nov. 2018. DOI: https://doi.org/10.29147/dat.v3i2.86 MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007. MELLO, Christine. Arte nas Extremidades. In: MACHADO, Arlindo (Org.). Três Décadas do Vídeo Brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003. p. 143-174. O’ROURKE, Karen. Des arts-réseaux aux dérives programmées : actualité de « l’art comme expérience ». Habilitation à diriger des recherches. Université Paris 1, 2011. O’ROURKE, Karen. Walking and Mapping: artists as cartographers. Cambridge: MIT Press, 2013. PRADO, Gilbertto; ASSIS, Jesus; RIBENBOIM, Ricardo. Two recent experiments in multiuser virtual environments in Brazil: Imateriais 99 and Desertesejo. In: Proceedings The Eghth Biennial Symposium on Arts and Technology, Connecticut College, New London, USA, 2001, p. 100-109. PRADO, Gilbertto. Arte telemática: dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário. 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Ciudad de México: INBA| Laboratorio Arte Alameda, 2018. http://www.poeticasdigitais.net/assets/circuito_alameda_ gttoprado_jlf.pdf WEIBEL, Peter. “The World as Interface: toward the construction of context-controlled event-worlds” in: DRUCKREY, Timothy. Electronic Culture: technology and visual representation, New York, Aperture, 1996. Créditos: Gilbertto Prado Desertesejo (2000/2014) realização: Rumos Arte e Tecnologia - Novas Mídias 1998-1999 modelagem 3D e VRML: Nelson Multari web-design: Jader Rosa Versão 2014 modelagem 3D: Jonathan Biz Medina coordenação técnica: Marcos Cuzziol Desertesejo 18 PENSAMENTO CONFORMADO: EXPERIÊNCIA, SENSAÇÕES E COGNIÇÃO CONFORMED THOUGHT: EXPERIENCE, SENSATIONS AND COGNITION SILVIA LAURENTIZ ORCID 0000-0003-4212-0441 [email protected] Livre-docente pela USP, Professora Associada da Escola de Comunicações e Artes, ECAUSP. Líder-fundadora do Grupo de Pesquisa Realidades – das realidades tangíveis às realidades ontológicas e seus correlatos (http://www2.eca.usp.br/realidades), sediado em CAP-ECA-USP, certificado pela Instituição e reconhecido pelo CNPq, iniciado em 2010. É docente do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV-ECA) desde 2003, onde orienta mestrado e doutorado. É docente do Departamento de Artes Plásticas (CAP-ECA) desde 2002. Resumo Aprendizado pode ser definido como aquisição de habilidade para realizar uma tarefa específica. A ideia de que podemos adquirir habilidades cognitivas e torná-las acessíveis a novas funções, através de um processo de aprendizagem, já foi muito estudada desde a Teoria da Gestalt (KOFFKA, 1975), que determinava que o desempenho de uma tarefa dependeria de performances anteriores experienciadas. Atualmente, estamos lidando com o pressuposto de haver um aprendizado de máquinas, e isto nos levou a retomar alguns destes princípios. Em trabalhos anteriores, estabelecemos relações entre experiências dos sentidos e os aspectos representacionais das experiências naquilo que denominamos de Pensamentos Conformados (LAURENTIZ, 2017, 2018) que nos auxiliarão neste momento. Estaremos focados em como tais pensamentos (a saber: padrões, códigos e conjuntos de códigos, algoritmos) fazem surgir novos sistemas representacionais, sempre levando em consideração a condição intrínseca da relação entre experiência, sensações e cognição. Palavras Chave: Signo, Padrão, Aprendizado, Algoritmo. Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 19 Abstract Learning can be defined as skill acquisition to accomplish a specific task. The idea that we can acquire cognitive skills and make them accessible to new functions through a learning process has been much studied since Gestalt Theory (KOFFKA, 1975), which has determined that the performance of a task would depends on previous experienced performances. We are currently dealing with the assumption of machine learning, and this has led us to revisit some of these principles. In previous work, we have established relationships between sense experiences and the representational aspects of experiences in what we call Conformed Thoughts (LAURENTIZ, 2017, 2018), that will assist us at this time. We will be focused on how such thoughts (namely patterns, codes, sets of codes, and algorithms) end up giving rise to new representational systems, always considering the intrinsic condition of the relationship between experience, sensations and cognition. Keywords: Sign, Pattern, Learning, Algorithm. Introdução P ara a Gestalt, especificamente citando a publicação Princípios de Psicologia da Gestalt de 1935i, de Kurt KOFFKA, o desempenho de uma tarefa depende de performances anteriores, e o conceito de traços de memória é uma tentativa de explicar essa dependência. i Traduzido em português em 1975 pelas editoras Cultrix/ Universidade de São Paulo, SP. Não é fácil distinguir um processo inato de um adquirido, mas o ponto interessante é que “um tenista experiente não aprendeu a realizar um pequeno número de movimentos específicos, mas a acertar a bola corretamente nas situações multivariadas do jogo” (KOFFKA, 1975, p. 516). Isso significa que, no processo de aprendizagem, criamos sistemas de rastros de tipo específico, os consolidamos e tornamos cada vez mais acessíveis, seja em situações repetidas ou novas. Assim, a aprendizagem é definida por traços de memórias aprendidas, consolidadas e disponíveis que modificam processos e, consequentemente, comportamentos. Este será o mote deste artigo, que estará focado em algoritmos de aprendizagem de máquina. Os gestaltistas também consideraram que os traços poderiam ser transformados através da interação com outros traços e processos. Naquele momento inicial da teoria da Gestalt, os psicólogos questionavam as melhorias obtidas pela prática e o efeito da repetição no aprendizado (ibid., p. 562). Isto significa que a ideia de que podemos exercitar habilidades cognitivas e torná-las Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 20 acessíveis a novas funções, através de um processo de aprendizagem, já foi muito estudada naquele período. Já estabelecemos, em artigos anteriores, relações entre experiências dos sentidos e os aspectos representacionais das experiências (LAURENTIZ, 2017, 2018). Neste trabalho atual, nos concentraremos em como pensamentos conformados (a saber: padrões, códigos e conjuntos de códigos) fazem surgir novos sistemas representacionais, e sempre levando em consideração esta condição intrínseca da relação entre experiência, sensações e cognição. Estudos Precedentes Tomaremos como base dois artigos anteriores:Videogames e o desenvolvimento de habilidades cognitivas, publicado em 2017, no Dossiê Games: Design, Arte e Tecnologia, do DATJournal. E Conformed Thought: Consolidating Traces of Memories, de 2018, publicado pela Editora Springer, proceedings da International Conference of Design, User Experience, and Usability. No artigo de 2017, a proposta foi entender se seria possível exercitar habilidades cognitivas, no caso associadas à jogabilidade de videogames. A questão central era como e quais habilidades podiam ser adquiridas. Algumas considerações finais daquele artigo foram: 1. Jogadores experientes de games de ação: a.) adquirem um alto nível de atenção e coordenação olho-mão, b.) têm maior conectividade funcional – onde diversas regiões do cérebro humano trabalham em sincronia, mesmo que estejam anatomicamente separadas, e c.) desenvolvem maior volume de matéria cinzenta em sub-regiões insulares do cérebro; 2. Consequentemente, games de ação podem melhorar a integração funcional das sub-regiões insulares e suas respectivas redes; 3. Especialistas de videogames de ação têm melhorado sua resolução espacial da visão, habilidades de processamento temporal multissensorial, coordenação motora manual, a sensibilidade ao contraste, o desempenho oculomotor. E também foram observadas alteração de desempenho quanto ao tempo de resposta, atenção seletiva, atenção sustentada, atenção alternada, atenção dividida e certa habilidade para troca do foco de atenção. Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 21 Como já mencionado, nosso objeto de estudo é o que denominamos de Pensamento Conformado, que são códigos, padrões, algoritmos, dispositivos, interfaces, imagens técnicas, ou seja, são resultados de conceitos, modelos de conhecimento de uma cultura ou grupo. E, naquele momento de 2017, considerando o que fora apresentado sobre as relações intrínsecas entre processos emocionais e cognitivos ativados durante a experiencia de se jogar um game - e uma vez que games são experiências proporcionadas por algoritmos já tínhamos condições de dizer que os pensamentos conformados não tratavam apenas de características formais dos códigos, não se restringem às aparências visíveis de expressões de padrões, fórmulas matemáticas, configurações; mas, mais do que isso, é ação determinada por hábitos, atitudes, comportamentos, práticas culturais. E em 2018, apresentamos uma continuação daquela pesquisa anterior, onde nos concentramos em como se processam ações movidas pelos pensamentos conformados. Diagrama 1 Como podemos perceber através do Diagrama 1, há uma passagem importante em se tratando de aspectos representacionais. Podemos perceber um distanciamento entre ‘coisa em si’, ‘coisa objetivada’, e ‘objeto modelado’. Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 22 Esta passagem está representada no diagrama através do encapsulamento entre colchetes e chaves. E, em sentido inverso, modelos são formados por objetos, que por sua vez são coisas em si que foram objetivadas. Evidente que há uma tensão entre ‘coisa em si’ e ‘coisa objetivada’, que deflagra ganhos e perdas significativas ao processo sígnico. Esta tensão já instaura um grau de abstração. E isto já foi muito explorado. E, em nosso ponto de vista, em concordância com Vilém FLUSSER (2010), a passagem de um objeto para um modelo carrega novo grau de abstração. Desta maneira, a modelagem evidencia distanciamentos da ‘coisa em si’ nestes aninhamentos de processos representacionais, mesmo quando a ‘coisa em si’ se mantem como motivador dos processos. Cabe ainda explicar o conceito de objeto e modelo que foram utilizados neste trabalho. Objeto é ‘coisa que foi objetivada’, onde objetivar é dar expressão, seja para uma noção abstrata, um sentimento, um ideal, ou qualquer coisa, numa forma que possa ser experienciada. Ou seja, é ‘dar forma’ a coisas para que sejam experienciadas (e/ou comunicadas) por outros. E Modelo está sendo utilizado como proposto por FLUSSER (2010, p. 117-118), que diz que a partir da “imagem de alguma coisa”, passamos para um próximo nível de abstração quando teremos a sua explicação (ou conceito), e consequentemente, a “imagem da explicação” da “imagem de alguma coisa”, gera o “modelo dessa coisa”. Mas, é essencial considerarmos que tudo isso acontece em um contexto, que retroalimenta um sistema, e que, por isso, há processos de avaliação, transformação, comparação a valores de referências, adaptação, codificação, conforme graficamente apresentado no Diagrama 2. Desta forma, observando o processo sígnico através do esquema sugerido pela cibernética, a partir do uso de objetos com o propósito de experienciar com nossas experiências adquiridas, utilizamos estratégias, e com isso causamos efeitos (sensações, emoções e sentimentos) e pensamentos conformados, que retroalimentam o sistema (ou seja compartilham com outros sistemas de linguagem, objetos e modelos), em uma relação contínua. Compare agora com o Diagrama 3 – onde teremos modelos objetivados, no lugar de coisas objetivadas do diagrama anterior. Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 23 Diagrama 2 Diagrama 3 Em outras palavras, exercitar repetidamente determinados padrões significa que interiorizaremos um sistema de regras. E estas interações entre sensações, emoções, sentimentos e pensamentos conformados, podem fazer surgir algo Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 24 inesperado pelo simples fato de ser similar, mas não igual, a uma partida de tênis, criando uma analogia com o exemplo do tenista utilizado por KOFFKA (1975, p. 516). E ainda, uma vez que entendemos que imagem mental é uma representação interna que funciona como uma “forma fraca de percepção”, como proposto por Stephen KOSSLYN et el. em Mental Imagery: Functional Mechanisms and Clinical Applications (2015), um modelo formado por objetos pode causar efeitos sensoriais, apesar de não estarmos diante de um objeto matérico, mesmo que em menor potência, pois eles nos afetam perceptivamente também. Assim, imagens mentais, sendo uma forma fraca de percepção, retroalimentarão o sistema de forma cognitiva e sensorial. Em experimentos realizados por KOSSILYN (2005), quando uma mesma tarefa era realizada pela/na percepção – através de estímulos visíveis -, em comparação com outra durante processos de imagens com os olhos fechados, foi constatado que aproximadamente 90% das mesmas áreas cerebrais eram ativadas. Isto significa que ver uma maçã, ou lembrar de uma, acaba causando efeitos tanto cognitivos como sensoriais, pelo menos, enquanto mesma área afetada no cérebro. Retornando aos modelos objetivados, do Diagrama 3, estes substituirão objetos que, por sua vez, substituem coisas, provocando novo distanciamento. E ainda, modelos, que são formados por objetos modelados, tornam-se também objetivados, para que possam ser experienciados por outros, se transformando em próximos níveis de abstração, causando efeitos de experiências, retroalimentando o sistema novamente. Percebemos uma mudança significante entre coisas que se tornam objetivadas e modelos se tornando objetivados. Este é nosso foco atual da pesquisa, que é especulativa e parte de uma proposição teórica. Hipótese Nossa hipótese é de que estamos treinando formas-pensamento a partir de pensamentos conformados, que nos afetam mesmo não sendo uma resposta aos estímulos diretos das coisas do mundo. Isso causará mudanças significativas em nosso pensamento e, consequentemente, no comportamento. E, existem processos similares, mas não idênticos, entre objetivar coisas e objetivar modelos, estes últimos formados por coisas objetivadas. E, novamente, estes modelos Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 25 objetivados nos causarão efeitos sensoriais, que são similares, mas não idênticos aos efeitos causados por coisas e objetos, se pensarmos nos resultados obtidos, enquanto formas fracas de percepção, conforme teoria de KOSSLYN (2015). Aprendizagem de Máquina E, treinar formas-pensamento é o princípio de algoritmos muito utilizados atualmente, de aprendizagem de máquina. Machine Learning (ML) tornou-se área indissociável da Inteligência Artificial moderna. Arthur SAMUEL, no artigo Some Studies in Machine Learning Using the Game of Checkers (1959), definiu Machine Learning como uma subárea da Ciência da Computação que confere aos computadores a habilidade de aprender sem serem explicitamente programados. Por ‘aprender’, SAMUEL se referia a uma simples aquisição de habilidade para realizar uma tarefa específica, como por exemplo, jogar damas. Em outras palavras, é possível criar modelos de uma habilidade de uma experiencia adquirida (jogar damas, no caso do referido artigo de SAMUEL), que se tornam objetivados, consolidados e que ficam disponíveis para serem utilizadas em situações repetidas e novas. Fica evidente agora a relação imediata com a Gestalt, que citamos no início deste artigoii. Atualmente existem vários modelos diferentes de aprendizado de máquina. Mas não vem ao caso apresentá-los neste momento. Para este artigo, podemos considerar apenas alguns pontos: I. Algoritmos clássicos produzem uma saída com base nas etapas descritas na sequência de instruções do algoritmo. “Classical algorithms produce an output based on the steps described in their sequence of instructions, like a cake recipe. By providing input to the algorithm, it will produce the output based on the rules and parameters in which it was encoded” (GONFALONIERI, 2019). Desta forma, fornecendo uma entrada ao algoritmo, se produzirá um resultado esperado (isso não significa que seja previsível) com base nas regras e parâmetros para qual foi codificado, como analogicamente, numa receita de bolo (Diagrama 4). O que significa que o programador pensa em etapas para a solução de um problema. ii Apenas um parêntese: fizemos questão de citar as publicações originais para perceber que o texto da Gestalt é de 1935 e o de Samuel é de 1959. Portanto, ainda teremos que em próximos trabalhos reavaliar a pertinência e se essas propostas são ainda atuais e o quanto devem ser atualizadas. No algoritmo de aprendizado de máquina, “a programmer builds a math model that maps inputs to outputs, and then feed the model with pairs of Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 26 (input + expected output) to train the model (adjust its internal parameters)” (GONFALONIERI, idem). Diagrama 4 Portanto, a diferença entre o algoritmo clássico e o de aprendizado de máquina é que o comportamento do algoritmo de aprendizado é determinado pelo o que aprendeu durante sua etapa de treinamento e, em seguida, comparando resultados do treinamento a novas entradas de dados, gerará um modelo que poderá ser usado com novas entrada de dados – e até mesmo, poderá facilmente ser adaptado para novas situações (Diagrama 5). Diagrama 5 II. Mas isso não é simples, na geração de modelos e entre modelos, simulações e aprendizagem, temos diferentes estratégias envolvidas. Neste sentido, estratégia Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 27 se refere a técnicas e métodos para se atingir metas e objetivos. A Técnica de classificação, por exemplo, muito utilizada em Machine Learning, agrupa coisas que são semelhantes por parâmetros que satisfazem algum critério de seleção. Processos de discriminação, também são muito utilizados (especialmente em CANs e GANs), impõem restrições a partir de certas condições e circunstâncias. Parâmetros, critérios, restrições são evidências de graus de abstração. Vamos entender melhor a partir de nossos diagramas anteriores. É importante inicialmente perceber que sempre realizamos tais procedimentos. No Diagrama 1 já estava evidenciado que objetivar coisas significa que selecionamos alguns dos aspectos da ‘coisa em si’, e ao fazermos isso, rejeitamos outros. A história dos signos nos ensinou que temos perdas e ganhos nos processos de representação. E estes processos se intensificam a partir do Diagrama 2. Mas, a partir do Diagrama 3, pelo ponto de vista apresentado, selecionamos parâmetros do ‘processo de seleção em si’ (relacionados a ‘coisa em si’), e consequentemente restringimos outros, e isto resultará em modelos objetivados. E, é claro, existem a) algoritmos clássicos internos a algoritmos de aprendizagem; b) complexos de algoritmos encapsulados uns nos outros e aninhados; c) redes contendo vários algoritmos acoplados. Isto amplia a complexidade destes procedimentos lógicos e, por sua vez, níveis de abstração representacional. Considerações Finais Com isso, já podemos fazer algumas considerações: 1. O pensamento conformado não é apenas uma característica formal, não se restringe às aparências, expressões de padrões, configurações, mas, mais do que isso, é ação determinada por hábitos, atitudes, comportamentos, práticas culturais que ‘con-formam’ e ‘re-formam’ o pensamento. 2. Se concordamos com tudo isso, a experiência estética estará relacionada ao que chamamos de pensamento conformado. 3. Quando ‘exercitamos’ padrões, usando pensamentos conformados, e reagimos a partir dessas habilidades repetidas, adquiridas, memorizadas, somos afetados por elas e por suas interfaces (lembrando que estas últimas também são pensamentos conformados). O sistema digital se apropria de nossas experiências, por processos de aprendizagem e modelagem, e é guiado por modelos e padrões que orientam os resultados que serão obtidos. 4. Nestes procedimentos, há nova tensão entre ‘sensações e pensamento Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 28 conformado’, e num ambiente de misturas de informação e níveis de abstrações localizamos um potencial para fazer emergir novos padrões, dada a esta complexidade organizacional. Referências FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2010 (2ª reimpressão, 1ª ed. em 2007), 2010. GONFALONIERI, Alexandre. What is an AI Algorithm? What makes the difference between a regular Algorithm and a Machine Learning Algorithm? In https://medium.com/predict/what-is-an-ai-algorithm-aceeab80e7e3. Accesso em: 10 jun 2019.. KOSSLYN, Stephen et al (2015). Mental Imagery: Functional Mechanisms and Clinical Applications, In Trends in Cognitive Sciences, October 2015, Vol. 19, No. 10 http://dx.doi. org/10.1016/j.tics.2015.08.003 Acesso em: 10 jun 2017. KOSSLYN, Stephen. Mental Images and the Brain, Psychology Press, COGNITIVE , 2005.NEUROPSYCHOLOGY, 2005, 22 (3/4), 333–347. LAURENTIZ, Silvia. Videogames e o desenvolvimento de habilidades cognitivas. DAT Journal, 2(1), 2017. pp. 80-90. Disponível em: <https:// doi.org/10.29147/2526-1789.DAT.2017v2i1p79-89>. Acesso em: 10 abr 2019. DOI: https://doi.org/10.29147/2526-1789.DAT.2017v2i1p79-89 LAURENTIZ, Silvia; Conformed Thought: Consolidating Traces of Memories. In: International Conference of Design, User Experience, and Usability. Cham: Springer, 2018. Pp.28-40 SAMUEL, Arthur (1959). Some Studies in Machine Learning Using the Game of Checkers (1959), originally published in IBM Journal, Vol. 3, Nº 3, July, 1959. Pensamento Conformado: experiência, sensações e cognição 29 TESTEMUNHOS DE PASSAGEM PASSING TESTIMONIES SONIA GUGGISBERG ORCID 0000-0002-0874-8019 [email protected] Pós-doutoranda em Artes Visuais (ECA-USP, Bolsa CNPq-Capes); Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, Bolsa Fapesp) e Mestre em Artes (Unicamp, Bolsa Capes). Artista, videomaker e pesquisadora, participando de mostras coletivas e individuais, palestras e workshops no Brasil e exterior desde os anos 1990. Foca questões do documentário artístico, com trabalhos em fotografia, site specific , videoinstalação e som. Realizou 18 exposições individuais e, além do Brasil, suas produções já foram exibidas em Nova York, Alemanha, México, Colômbia, Chile, Espanha e França. Obras nos museus Lasar Segall, de Arte Contemporânea-SP, da Cidade de São Paulo, SESC, Pinacoteca e Instituto Figueiredo Ferraz, entre outros. Resumo O objetivo desta pesquisa é gerar propostas documentais em videoarte dentro do que este estudo chama de Documentação Performativa de Saberes1. Testemunhos de Passagem é uma instalação multicanais que se utiliza de tecnologias múltiplas para entrelaçar imagens, testemunhos e sons. Montado a partir de oito projeções coreografadas, sincronizadas com um sistema sonoro em seis canais, o projeto documenta, na forma ensaística, passagens e testemunhos de pessoas em situação de refúgio. Questões como a travessia, os vestígios, os sonhos, a espera no campo de refugiados e o futuro incerto integram este trabalho. É na intersecção entre dois contextos – arte política e hibridismo linguístico – que se pode apreender Testemunhos de Passagem. A interdisciplinaridade temática inspirada nas bases teóricas dos campos da arte, política e sociologia é formalmente espelhada pela liberdade com a qual esta pesquisa mistura tecnologia e arte documental. Palavras-Chave: Documentação performativa, Ecologia de saberes, Hibridismo tecnológico, Testemunho, Vulnerabilidade humana. Testemunhos de Passagem 1. A noção de Documentação Performativa de Saberes é uma proposta desenvolvida em minha tese de doutorado intitulada Redes de imagens, memórias e testemunhos: por uma documentação performativa de saberes, defendida em 2014, na PUC-SP, com bolsa Fapesp. Essa noção está relacionada ao conceito de Ecologia de Saberes, proposto por Santos (2010). 30 Abstract The purpose of this research is to generate video art documentary proposals within what this study calls Performative Documentation of Knowledge2. Passing Testimonies is a multichannel installation that uses multiple technologies to interweave images, testimonials and sounds. Assembled from eight choreographed projections, synchronized with a six-channel sound work, the project documents, in essay form, passages and testimonies of people in a refuge state. Issues such as crossing, traces, dreams, waiting in the refugee camp and the uncertain future are all part of this work. It is at the intersection between two contexts – political art and linguistic hybridity – that we can understand Passing Testimonies. The thematic interdisciplinarity inspired by the theoretical bases of the fields of art, politics and sociology is formally mirrored by the freedom with which this research mixes technology and documentary art. Keywords: Performative documentation, Ecology of knowledges, Technological hybridity, A testimony, Human vulnerability. Sobre o Projeto N ão há dúvidas de que o avanço audiovisual ampliou o campo de experimentação na arte, incorporando a produção tecnológica de imagens capaz de elaborar novas lógicas organizadoras. Testemunhos de Passagem apresenta palavras, imagens e sons que transitam, gerando um jogo de alternâncias e costuras. Trata-se de um documentário experimental construído por passagens do êxodo contemporâneo, a partir de imagens captadas em Malta, Lampeduza e Grécia entre os anos de 2014 e 2018. 2. The notion of Performative Documentation of Knowledge is a proposal developed in my doctorate thesis dissertation entitled Networks of images, memories and testimonies: for a performative documentation of knowledge, defended in 2014, at PUCSP, with Fapesp scholarship. This notion is related to the concept of Knowledge Ecology, proposed by Boaventura Sousa Santos (2010). Nesta instalação imersiva, multicanais, várias narrativas submersas são reveladas por meio da difícil travessia, do sonho interrompido e da longa espera em campos de refúgio. Em alguns momentos, temos a paisagem do mar e da travessia, sobrepondo a vida cotidiana e os mapas desenhados, que sobrevivem como testemunhos silenciosos. Em outros momentos, a narrativa entrecortada e fragmentos do corpo tornam-se tema central – como local de memória, de suspensão e também de protesto. As múltiplas projeções propõem uma reflexão em que a travessia pelo oceano é também uma travessia de vida. As narrativas submersas aparecem, desaparecem e renascem, ousando uma variedade de vocabulários sonoro/visuais capazes de construir uma experiência reflexiva. Testemunhos de Passagem 31 Este trabalho é uma construção de histórias humanas únicas, com variantes dramáticas, dentro da realidade confusa e incerta que envolve milhares de pessoas. São histórias de sensibilidades entre o sonho de uma vida melhor, o pesadelo da travessia e um futuro com bases desconhecidas. São histórias, permeadas por sonhos e percalços, daqueles que deixaram suas terras natais. Nessa direção, este projeto reúne grupos de testemunhos e suas singularidades, não só para confrontá-las, mas também para explorar os hibridismos visuais e sonoros dentro da proposta de documentário artístico. Seus temas fundamentais TRADUÇÃO E MONTAGEM O processo de tradução articula-se no confronto e nas conexões entre diferentes linguagens. A tradução assume o formato de um procedimento de interpretação a partir da inter-relação entre formas distintas, gerando um novo resultado híbrido. Sendo assim, a tradução é também um operador de montagem, que tem como objetivo a busca de conexão, de compreensão entre diferentes pensamentos. A montagem é, por sua vez, a possibilidade de a imagem ultrapassar a realidade em que foi produzida e assumir outros formatos. Aqui, a montagem tomou a frente, tornou-se a maneira definitiva de “amarrar” todo o processo de tradução visual, verbal, conceitual e sonoro, mostrando-se como tal. VULNERABILIDADE HUMANA NA ONDA MIGRATÓRIA A vulnerabilidade se faz presente nos testemunhos de pessoas que desapareceram como indivíduos, que vivem sem documentos, em meio à impossibilidade legal e social, e que estão à espera de soluções políticas. Em contraste com a sociedade do imediatismo, tem-se a espera do migrante, dentro de centros de acolhimento, unida à reflexão da própria existência, às memórias e ao sonho de um futuro melhor. Torna-se fundamental entender que o processo de migração contemporânea, mais do que um movimento espontâneo, representa um pedido de ajuda e de inclusão. Captar relatos testemunhais implica adotar a ética da escuta e valorizar a construção de narrativas pela inclusão da voz do outro. Testemunhos de Passagem 32 HIBRIDISMO TECNOLÓGICO A questão prática implica a necessidade de ampliar o campo de pesquisa em termos tecnológicos e elaborar novas lógicas organizadoras. Tais lógicas pretendem se constituir no trânsito entre os campos da subjetividade e da objetividade, ao mesmo tempo que servem de base para a proposição de outras linguagens. Trata-se de uma abordagem que altera a estabilidade da narrativa linear, por meio da alternância de sons, palavras e imagens. O vídeo e a multimídia absorveram esses conhecimentos e deles se valem para criar novas possibilidades e novas metodologias de construção. A sonorização em multicanais Em termos gerais, fica fácil entender como o universo complexo de sons é capaz de produzir verdadeiras paisagens sensíveis. Trata-se de incorporar a força dos ruídos originais, para trabalhar novas combinações atreladas aos movimentos da realidade contemporânea, que, neste caso, são as migrações. A instalação conta com um sistema computadorizado, em seis diferentes canais, com caixas de som que reproduzem sons documentais e ambientam todo o espaço expositivo. As captações são organizadas em seis grupos sonoros e passam pela travessia no mar, por ruídos de barcos e águas, por rezas árabes, cantos captados dentro de campos de refugiados, passos e sons do corpo marcando questões humanas, para, então, construírem uma paisagem sonora. A montagem apresenta como resultado final um testemunho construído por sobreposições e cortes em imagens, movimentos e sons, mediados pela ideia de filme/ensaio para um discurso documental. Roda Viva foi elaborado em 2018, como primeira etapa deste projeto. É pensado como uma ecologia de sons e ruídos sobre a onda migratória contemporânea; ele é o resultado de uma pesquisa realizada de 2014 a 2018, que inclui inúmeras viagens para a Grécia, Malta e Lampeduza, e tem como objetivo recriar passagens sonoras sobre pessoas em estado de refúgio e suas travessias. Nessa obra, sons são canais para desafiar a calma e o silêncio das zonas de conforto intelectual e interpretativo, que camuflam a realidade Testemunhos de Passagem 33 das migrações contemporâneas e as consequentes mudanças de identidade, enfocando o caso da chamada “crise dos refugiados”, especialmente na Grécia e na Itália. Roda Viva é um trabalho sonoro-documental que investe na capacidade de um objeto ser portador de uma paisagem sonora e imersiva, possibilitando experimentar, testar e incorporar a força dos ruídos originais, para trabalhar as questões atreladas a realidades distantes. Roda Viva traz ao público uma experiência sonora específica, a oportunidade de ativar a memória por meio dos sons e reconstruir em sua própria imaginação as questões do refúgio, mesmo sem que esse seja uma experiência pessoal. Os sons traduzem as diferentes passagens desde a travessia pelo mar para um destino desconhecido até o cotidiano da espera corrosiva em campos de contenção. Com o objetivo de mostrar a porosidade do documentário e tocar a vulnerabilidade humana na onda migratória, foram eleitos alguns temas, que foram organizados em grupos sonoros – sons contínuos do corpo humano trazendo a emergência da realidade, barulhos da água e ruídos de motores de barcos, bowls e rezas árabes, crianças no campo brincando e cantando, cantos e músicas dos refugiados captados diretamente em campos –, para, então, construírem uma paisagem imersiva. Banco geral de dados: mixagem, legendagem e tratamento Em função do tipo de arquivo necessário para este trabalho, foi construído um banco de dados complexo dividido em três etapas: Banco de dados de testemunhos, que aborda basicamente grupos sobre os seguintes temas: sonho, travessia, espera e futuro; Banco de dados de imagens em movimento, cujos tópicos serão agrupados para a construção de uma narrativa visual e trazem temas como: águas, barcos, cotidiano no campo, ações em frente ao mar, movimentos do vento, detalhes do campo e rastros da travessia; por fim, o Banco de dados de sons, já citado na instalação sonora Roda Viva. Cada arquivo de imagem e som integrante desse banco foi editado individualmente, ou seja, cada pequeno clipe de imagem em vídeo tem um tempo específico, passou por um processo de colorização, de equalização de som, fusões e uma longa pesquisa de arquitetura de movimentos e sons. A Testemunhos de Passagem 34 tradução e legendagem dos arquivos também é decisiva, pois a descrição textual de cada fala, onde houver testemunhos, é fundamental para a construção de uma narrativa. A exceção será nos momentos sem fala, em silêncio, onde haverá outra construção sonora. Imagens RODA VIVA Imagens integrantes da Exposição Retrotopias, São Paulo, SP, 2018. Figura 1 Roda Viva I Fonte Guggisberg, S. Figura 2 Roda Viva II Fonte Orth, Mauricio. Testemunhos de Passagem 35 Figura 3 Roda Viva III Fonte Musa, Ding. TESTEMUNHOS DE PASSAGEM Simulações produzidas pela artista. Figura 4 Simulação I Fonte Guggisberg, S. Testemunhos de Passagem 36 Figura 5 Simulação II Fonte Guggisberg, S. Figura 6 Simulação III Fonte Guggisberg, S. Figura 7 Simulação IV Fonte Guggisberg, S. Testemunhos de Passagem 37 Figura 8 Simulação V Fonte Guggisberg, S Figura 9 Simulação VI Fonte Guggisberg, S. Referências ARANTES, Priscila; OLIVEIRA, Mirtes. Design e Ativismo. DATJournal Design Art and Technology, v. 4, n. 2 (2019). Editorial, p. 1-2. Disponível em: <https:// datjournal.anhembi. br/dat/article/view/124/103>. Acesso em: 8 nov. 2019. DOI: https://doi.org/10.29147/ dat.v4i2.124. Testemunhos de Passagem 38 LIMA, Leonardo; PRADO, Gilbertto. Interactive Digital Images. DATJournal Design Art and Technology, [S.l.], v. 3, n. 2, p. 43-71, nov. 2018. Disponível em: <https://datjournal. anhembi.br/dat/article/view/86/74>. Acesso em: 8 nov. 2019. DOI: https://doi. org/10.29147/dat.v3i2.86. GREINER, Christine. O corpo em crise: novas pistas e o curto-circuito das representações. São Paulo: Annablume, 2010. GUGGISBERG, Sonia. Redes de imagens, memórias e testemunhos: por uma documentação performativa de saberes. São Paulo: Intermeios, 2017. GUGGISBERG, Sonia. Roda Viva (Life Wheel). Proceedings of Artech 2019, 9th International Conference on Digital and Interactive Arts. Braga, Portugal. DOI: https:// doi.org/10.1145/3395852.3359932. PARENTE, André. Tramas da rede: novas dimensões estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004. PARENTE, André. A forma cinema: variações e rupturas. In: MACIEL, Katia (Org.). Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009. PRADO, Gilbertto; TAVARES, Monica; ARANTES, Priscila transdisciplinares: arte e pesquisa. São Paulo: ECA/USP, 2016. (Org.). Diálogos SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro do Fórum Social Mundial: o trabalho da tradução. Revista del Observatorio Social de América Latina, 2004, p. 77-90. Disponível em: <https://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/65_Futuro%20FSM%20-%20O%20 trabalho%20da%20traducao_OSAL_2004.pdf>. Acesso em: 8 mar 2019. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2010. 39 Testemunhos de Passagem SINAIS DETECTADOS ENTRE O BIOLÓGICO E O MAQUÍNICO SIGNALS DETECTED BETWEEN BIOLOGICAL AND MACHINIC ARTUR CABRAL ORCID 0000-0002-4190-3965 [email protected] Artista computacional e mestrando bolsista CAPES pela Universidade de Brasília. Atualmente faz parte da equipe do Medialab/UNB, onde em suas pesquisas explora a relação de vida não natural (a-life) em diálogo com vidas naturais por meio de interfaces e poéticas computacionais. SUZETE VENTURELLI ORCID 0000-0003-0254-9286 [email protected] Professora e artista_designer computacional da Universidade Anhembi Morumbi (PPGDesign) e Universidade de Brasília (PPGAV). Pesquisadora do CNPq. Coordena o MediaLab/UAM. Participa de congressos e exposições nacionais e internacionais. GILBERTTO PRADO ORCID 0000-0003-2252-3489 [email protected] Artista e coordenador do Grupo Poéticas Digitais. Tem realizado e participado de inúmeras exposições no Brasil e no exterior. Pesquisador do CNPq, atualmente é Professor dos Programas de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi e do PPG Artes Visuais da ECA – USP. Resumo O texto discute a possibilidade de simbiose, ou seja, interação entre espécies como os sistemas biológicos e os maquínicos, que pode ocorrer nas propostas que envolvem pesquisas em arte, design e tecnologia. Nesse viés, sugere-se que a condição computacional induz a uma maneira de se experimentar o mundo que é indeterminado e fragmentário, propondo um tipo de colapso das fronteiras tradicionais entre arte, design e natureza; entre artificial e natural. Palavras Chave: Arte computacional, Design computacional, Tecnologia, Emergência. Entre o biológico e o maquínico 40 Abstract The goal of the text is discussing the possibility of symbiosis, interaction between species such as biological systems and machines, which may occur in proposals involving research in art, design and technology. In this bias, it is suggested that the computational condition induces a way of experiencing the world that is undetermined and fragmentary, proposing a kind of collapse of the traditional boundaries between art, design and nature; between artificial and natural. Keywords: Computer art, Computer design, Technology, Emergency. Introdução A lgumas experimentações artísticas em conjunto com o design e tecnologia são propostas que visam estabelecer aproximações entre seres vivos, o ambiente e os objetos que nos envolvem. Nesse sentido, as obras a seguir descritas, levantam questões sobre a linha difusa que separa o que se entende por natural e o artificial, apresentando como argumento que a linha divisória entre “natural” e “artificial” é muitas vezes bastante obscura, pois há uma enorme área encoberta nessa dicotomia. A existência de uma área nebulosa não invalida o conceito de “natural” versus “artificial”, mas pode tornar a distinção menos dramática, por meio das poéticas a seguir apresentadas. A obra Amoreiras, de Gilberto Prado e Grupo Poéticas Digitais, é composta por cinco árvores plantadas em vasos e foi instalada na Avenida Paulista em São Paulo. As amoreiras foram equipadas com próteses motorizadas e sistema de detecção de variações e discrepâncias de ruídos, os quais sintoma dos diversos poluentes e poluidores. Nesse sistema, as árvores balançavam por meio de “próteses motorizadas” e algoritmo de aprendizado artificial de acordo com variação dos fatores de poluição. A obra coloca em diálogo as árvores, as máquinas e o ambiente que integra seu sistema. (PRADO, 2018). Nesse viés, a obra Cyberflor elaborada no Laboratório de pesquisa em arte computacional da Universidade de Brasília (Medialab/UnB), é composta por orquídea que controla uma impressora tridimensional, ou seja, simbolicamente uma planta coordena a natureza artificial – sua tecnologia. Nessa obra, um software desenvolvido em equipe, converte os sinais de resistência galvânica, Entre o biológico e o maquínico 41 que variam de acordo com as condições climáticas do ambiente e com os processos eletroquímicos da planta, entendidos aqui como sinais vitais da orquídea. A impressora por sua vez, imprime em tempo real formas generativas a partir de algoritmos genéticos. Neste projeto, ocorre a possibilidade de gerar formas em mutação, que metaforicamente aproxima a ideia de vida artificial da ideia de vida natural, trazendo as formas generativas e emergentes como resultado para a impressão 3D. Figura 1 Amoreiras, Exposição Emoção Art.ficial 5.0. Itaú Cultural São Paulo Fonte: Gilbertto Prado, 2010 Figura 2 Cyberflor, exposição Museu Nacional da República, Brasília Fonte: Suzete Venturelli, 2018 Incorporada no objeto, uma tela transmite os sinais da planta por intermédio de uma interface singular de visualização de dados. Mediante a interface o espectador percebe que ocorre uma correlação entre a planta e as impressões. A relação sensorial entre a orquídea é fundamental no contexto poético, pois busca-se que se estabeleça um diálogo entre planta e máquina. A forma impressa, como resultado desse diálogo, considera a primitiva geométrica cubo como morfogênese do projeto, que ao ser subdividida por parâmetros aleatórios, gera um padrão complexo, ao se repetir dentro da forma. A repetição do padrão faz surgir uma forma conhecida como fractal. A modelagem da forma final é dada a partir da lógica de auto-semelhança. Para Mandelbrot (2016), os fractais são representações gráficas do caos e a lógica de auto-semelhança remete às formas da natureza. Entre o biológico e o maquínico 42 A poética emergente Desse modo, consideramos neste trabalho que a origem de sua forma, é o seu DNA, que surge de algoritmos estruturados a partir do conceito de arte e vida artificial, significando que não ocorrerá jamais duas impressões iguais. Depois de concebida artificialmente, a vida artificial, estabelece contato com o ambiente natural recebendo sinais provenientes da orquídea, os quais vão provocar a sua mutação e nova adaptação da sua morfogênese. Estimulando sua capacidade de se auto-organizar. A poética emergente, nesse caso, é procedural, que se manifesta na programabilidade e autonomia dos sistemas computacionais. A tecnologia computacional dá um sentido diferente ao conceito de criação artística que leva à arte, ao design à tecnologia emergente. Esse conceito envolve a compreensão de que o processo da criação não é linear, pois ocorre interações imprevisíveis entre os sistemas. Outro exemplo, no qual o conceito de emergência é percebido, é o trabalho intitulado de F-Orchis, que possui grande complexidade poética e técnica, e propõe dar continuidade aos estudos decorrentes da obra Cyberflor. Figura 3 F-Orchis, Exposição Interfaces Afetivas. Sesc Gama Fonte: Suzete Venturelli, 2019 Entre o biológico e o maquínico 43 Buscamos, dessa vez, provocar nos interagentes sensações (visual, tátil, gustativa, olfativa), processo pelo qual um estimulo externo ou interno provoca uma reação especifica, produzindo uma percepção, considerando que a ideia, no sentido “deleuziano e guattariano (DELEUZE; GUATTARI, 1992)”, atravessa atividades criativas. Neste trabalho, uma planta também controla uma impressora, porém nesta ocasião utilizamos uma impressora de chocolate produzida pela equipe do Medialab/UnB. Figura 4 F-Orchis, Exposição #17ART. Museu da República Brasília, 2018. Fonte: Artur Cabral 2019 Em F-Orchis o público pode participar do processo experimentando o alimento resultante desta interação planta/máquina. Para os autores, a ideia surge de formas distintas: num momento surge, no contexto filosófico, na forma de conceitos; num outro momento, aparece na produção computacional sistêmica, na qual inventa-se. Entre o biológico e o maquínico 44 Projeto Amoreiras A instalação interativa Amoreiras é composta basicamente de: - 5 Amoreiras de grande porte e 5 grandes vasos de cimento; - 3 Microfones, que captarão os ruídos e funcionarão como sensores e coletores dos dados para as árvores; - 1 Computador que gerencia os dados das 5 árvores e retransmite as informações; - 5 Placas arduino bluetooth (uma para cada árvore); - 5 Caixas de acrílico com 3 motores independentes, varetas e mecanismo de transmissão (uma para cada árvore). Figura 5 Amoreiras, Exposição Emoção Art.ficial 5.0. Itaú Cultural São Paulo, 2010. Fonte: Gilbertto Prado 2017 Entre o biológico e o maquínico 45 O compor tamento de cada árvore é autônomo e acontece em resposta à intensidade do som ambiente, também sendo influenciada pela “personalidade” de cada árvore. A captura de som será realizada diretamente por um patch escrito no Pure Data, que enviará as informações para a aplicação principal, desenvolvida em Java, via OSC. Já a “personalidade” de cada árvore é definida por duas variáveis, sorteadas no início de cada dia, que definem o quanto cada árvore irá buscar imitar as suas companheiras (ignorando os estímulos sonoras) e o quanto o seu compor tamento será per turbado de forma aleatória. Ao longo do dia, as “aprendizes”, inicialmente desajeitadas, pouco a pouco passam a reagir cada vez mais autonomamente em relação aos dados recebidos de poluição, balançando-se quando houver muito ruído (que será uma baliza para o reconhecimento do nível de poluição) e descansando quando a ameaça for menor. Até o final da tarde, já se nota diferença em seus comportamentos, mostrando que elas estão aprendendo e talvez também dialogando entre si, intercambiando dados numa dança de próteses maquínicas, e combinadas com o balançar do vento em suas folhas. Cada árvore tem um algoritmo que determina como ativar os seus motores (via Arduíno) de acordo com a atividade sonora. De uma maneira geral, quanto maior o ruído, maior atividade (é importante ressaltar que há regras adicionais, como por exemplo, intensidade e extensão da vibração, para que os movimentos sejam suaves; limite de duração de tempo, período em que se pode balançar a árvore, de forma a não danificá-la). As árvores podem “ver” o comportamento das outras árvores, de modo que cada uma é influenciada pelo comportamento das árvores vizinhas. Esta capacidade é utilizada pelo algoritmo do trabalho para avaliar o comportamento de cada árvore – por comportamento nos referimos ao nível de ativação dos motores. Quanto mais parecido for o comportamento de uma árvore com o comportamento das demais, melhor avaliado será o comportamento. Inicialmente o algoritmo é “não habituado”, o que leva a comportamentos “sem sentido” (por exemplo: as árvores balançam mesmo sem ruído). Um algoritmo de aprendizado monitora o banco de dados e observa constantemente o comportamento de cada árvore, compara com a atividade sonora e tenta adaptar Entre o biológico e o maquínico 46 o Algoritmo para agir de maneira similar. Isto é, o algoritmo de aprendizado tenta fazer com que o Algoritmo de cada árvore chegue ao mesmo nível de ativação que os das demais para uma dada intensidade sonora. Para realização do algoritmo das Amoreiras estamos nos orientando pelos princípios do jogo da vida de John Conway (GARDNER, 1970). O que fazemos é aplicar princípios de vizinhança ao processo de auto-avaliação das amoreiras. Isto é, o comportamento das duas (ou apenas uma, se a amoreira estiver em uma das extremidades) amoreiras adjacentes possuem um peso maior do que o das amoreiras mais distantes. Isto poderia facilitar a ocorrência de comportamentos com possíveis combinações de acionamento dos motores. O trabalho foi apresentado na mostra Emoção Art.ficial 5.0, Itaú Cultural, São Paulo de junho a setembro de 2010 e na III Mostra 3M de Arte Digital: Tecnofagias, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo de agosto a setembro de 2012 com a curadoria de Giselle Beiguelman. Flores de plástico não morrem A instalação interativa intitulada Flores de Plástico Não Morrem é constituída, de filamentos plásticos e sistemas luminosos. A partir do encontro das tecnologias de objetos conectados e da Internet das Coisas, criamos uma selva de plástico, com plantas e flores interconectadas que formam um biótopo computacional com características do cerrado. Biótopo, é um conjunto de condições físicas e químicas que caracterizam um ecossistema ou bioma. Nesse bioma, pétalas generativas, flores de plástico, disseminação de luz formam uma atmosfera especial desse ecossistema. Nessa proposta cada flor é constituída de hastes formadas por cano de policloreto de vinil (PVC) reaproveitados, no qual variam de altura a cada produção. As pétalas, sépalas e pedúnculo partem de uma morfogênese digital e generativa. Para o desenvolvimento de cada flor são coletados dados mediante sensores (resistência galvânica) acoplados a plantas, as quais cultivamos no laboratório de novas mídias da Universidade de Brasília. Como sua morfogenia é definida pelas informações contidas nessa espécie de DNA, a cada geração essa vida artificial apresenta-se visualmente com mudanças sutis de uma forma para outra, não contendo duas iguais. O resultado desse processo recebe 47 Entre o biológico e o maquínico adaptações em um software de modelagem 3D, para que possa ser impresso e receber os componentes eletrônicos e circuitos da peça. Figura 6 Impressões das flores de plástico geradas a partir dos sinais de resistência galvânica das plantas. Fonte: Artur Cabral Reis, 2019 Depois de impressas, em cada flor é acoplado uma espécie de estigma iluminado, que varia sua intensidade luminosa e sua cor de acordo com a interação com as outras flores. Essa interação se dá a partir de um jogo interativo de autômatos celulares, um clássico algoritmo que simule processos complexos que se assemelham à vida natural. Nesse caso, cada estigma das flores é constituído por uma cúpula de plástico na qual envolve uma tríade de células luminosas, um conjunto de leds RGB. Essas células habitam em um ecossistema, por meio da comunicação endógena e exógena de cada elemento com sua vizinhança. Por instrumento de um conjunto de regras, os mesmos podem mudar seu estado de vivo (aceso) para morto (apagado) e vice-versa, a cada geração . Como mencionado, o desenvolvimento de sistemas de autômatos celulares não é algo recente, é comumente atribuído a Stanisław Ulam e John von Neumann, ambos pesquisadores no Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, na década de 1940. Von Neumann por sua vez, tinha um interesse especial em auto-organização e evolução, prevendo um mundo de robôs autoreplicantes e autônomos em um certo nível (SHIFFMAN, 2012). Entre o biológico e o maquínico 48 Em 2002, Stephen Wolfram inaugura uma nova fase para os estudos em autômatos celulares, motivado pelas pesquisas de Neumann, escreveu o livro “A New Kind of Science”, onde destaca a relevância destas simulações para a pesquisa científica nas áreas da biologia, química, física e todos os ramos da ciência moderna. Nesse livro, Wolfram, elabora a ideia autômatos celulares elementares, autômatos semelhantes ao Jogo da vida (Game of live), como declarado, formulado pelo matemático John Horton Conway em 1970, um autômato celular que simula alterações em populações de seres vivos unicelulares baseados em regras locais e simples onde cada célula vive ou morre de acordo com sua vizinhança. A grande diferença dos autômatos de Conway para os autômatos elementares de Wolfram é a sua simplicidade e fácil implementação, uma vez que o Jogo da Vida necessita de uma matriz bidimensional para sua execução, o jogo dos autômatos elementares pode funcionar em uma simples grade unidimensional. Ainda que mais simples, os autómatos celulares elementares mediante seu jogo de interação por vizinhança, proporcionam propriedades características de sistemas complexos. Aplicando um conjunto de regras para calcular o estado de cada geração de células a partir da condição de seus vizinhos, temos a emergência de padrões complexos e fractais. Como exemplo, se aplicarmos o conjunto de regras conhecidas como “Regras 90” propostas por Wolfram ao sistema de autômatos celulares, podemos perceber a emergência de um padrão complexo conhecido como triângulo de Sierpiński, mesmo padrão que pode ser observado no mundo natural, como constatámos na concha do molusco gastrópode Conus textile (SHIFFMAN, 2012). Tomando como inspiração os autômatos celulares elementares de Wolfram, concebemos o processo de comunicação das flores nessa instalação. Como citado anteriormente, cada estigma destas flores de plástico é formado por uma tríade celular, um trio de leds onde juntos compõem o sistema RGB, com base na “Regra 90” em cada led incorporado no estigma da flor, verifica-se o estado atual da sua vizinhança interna, ou seja, o led posicionado a direita e à esquerda, e em seguida altera-se seu estado para viva (acesa) ou morta (apagada) a cada partida executada nesse sistema interativo. Além da comunicação interna das células luminosas (leds) esse sistema comporta uma comunicação exógena entre os estigmas das flores, onde plantas Entre o biológico e o maquínico 49 computacionais interagem umas com as outras por meio de uma rede formada componentes eletrônicos, denominada também de Internet das Coisas (IoT). Figura 7 Protótipos da flor de plástico Fonte: Artur Cabral Reis, 2019 A cada interação muda-se o estado de todos os leds, a partir da sua vizinha interna e externa conectada através de uma rede. Nesse sistema, um microcontrolador Arduino é usado para promover essa espécie de intranet das plantas de plásticos, assim como para controlar e processar os algoritmos quais coordenam os estados dos leds com base nas regras estabelecidas para este jogo. Como resultado temos a formação de um bioma computacional, uma selva de plástico e componentes eletrônicos, na qual um conjunto de interações complexas fomentam o surgimento de comportamentos emergentes, dando origem a um sistema autogerativo e objetos interativos que estabelecem relações cibernéticas entre máquina-máquina atuando em um ecossistema com atmosfera e espaço-tempo singular. Este jogo complexo e orgânico dirigido por regras simples, em sua dimensão poética questiona como a biotecnologia está impactando bio-esfera. Assim como, anseia revelar as mudanças de civilização que estamos experimentando, bem como sua mudança climática, em função do meio ambiente degradado. A mensagem principal apresenta que a apropriação de tecnologias por cada um é uma ação, que nos permite agir sobre questões urgentes e não somente permanecer como um simples consumidor. Entre o biológico e o maquínico 50 Figura 8 Flores de plástico não morrem, Exposição #18. ART no. Museu Universidade de Lisboa Fonte: Artur Cabral, 2019 Conclusão Ao analisarmos as propostas aqui apresentadas podemos perceber que as novas áreas de conhecimento oriundas da intercessão entre a computação, matemática, biologia quando aplicadas como ferramenta de produção artística, dão origem a novas possibilidades de uma experiência estética, justapondo arte, natureza e a tecnologia. Busca-se nesse projeto oferecer a oportunidade de experienciar uma nova perspectiva artística, mediada no local, no meio ambiente, na natureza, na qual a investigação poética expande nossa percepção do fenômeno tecnológico. Em outras palavras, devido estar justaposta com a natureza e a cultura, aqui vista como a tecnologia, a arte, o design e a tecnologia podem colaborar para rever nossas próprias relações sistêmicas, questionar nossos hábitos e valores na prospecção de um sentido exo-evolucionário nos afastando de um tempo antropocêntrico. Em outras palavras, iluminam os desenvolvimentos de um ecossistema, forçando-nos a aprender mais sobre a complexidade da vida. Entre o biológico e o maquínico 51 Referências DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. DIMENSTEIN, Gilberto. Amoreiras inteligentes, Folha de São Paulo, p. C2 (30 de Junho de 2010). GARDNER, M. Mathematical Games - The fantastic combinations of John Conway’s new solitaire game ‘life’, Scientific American, No. 223, 120-123 (October 1970). LIMA, Leonardo; PRADO, Gilbertto. (2018). Interactive Digital Images. DATJournal Design Art and Technology, [S.l.], v. 3, n. 2, p. 43-71, nov. 2018. Disponível em: <https:// ppgdesign.anhembi.br/datjournal/index.php/dat/article/view/86>. Acesso em 03 dec. 2018. DOI: 10.29147/dat.v3i2.86 MAGALHÃES, Ana Gonçalves; BEIGUELMAN, Giselle (Org.). Futuros Possíveis: Arte, Museus e Arquivos Digitais. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2014. MANDELBROT, Benôit. The fractal geometry of nature. Disponível em: <https://ordinatous. com/pdf/The_Fractal_Geometry_of_Nature.pdf>. Acesso em: 29 de nov. 2018. PRADO, Gilbertto; La Ferla, Jorge (Ed.). Circuito Alameda. Ciudad de México: Instituto Nacional de Bellas Artes | Laboratorio Arte Alameda, 2018. http://www.gilberttoprado. net/assets/circuito_alameda_gttoprado_jlf.pdf PRADO, Gilbertto. Project Amoreiras (Mulberry Trees): Autonomy and Artificial Learning in an Urban Environment. Leonardo 2018 51:1, 61-62. The MIT Press https://doi.org/10.1162/LEON_a_01557 PRADO, Gilbertto. Grupo Poéticas Digitais: Dialogo y Medio Ambiente. ANIAV Revista de Investigación en Artes Visuales, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 47-58, jul. 2017. Disponible en: <https://polipapers.upv.es/index.php/aniav/article/view/7820>. Acesso em 15 jul. 2017 doi:https://doi.org/10.4995/aniav.2017.7820. PRADO, Gilbertto. Grupo Poéticas Digitais: projetos desluz e amoreiras. ARS (São Paulo), São Paulo, v. 8, n. 16, 2010 . pp. 110-125. Disponível em <http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202010000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 05 jun. 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1678-53202010000200008 52 Entre o biológico e o maquínico SHIFFMAN, Daniel. The Nature of Code: Simulating Natural Systems with Processing. New York: The Nature of Code, 2012. SOGABE, Milton; PERES, Carolina; FOGLIANO, Fernando; NUNES, Fabio Oliveira; BRAZ, Soraya; PERES, Carolina; GAZANA, Cleber Gazana: Sopro. IN: DATJournal v. 2 n. 1 (2017) DOI: https://doi.org/10.29147/2526-1789.DAT.2017v2i1p104-114 VENTURELLI, Suzete. Arte Computational. Brasília: Edunb, 2017. VENTURELLI Suzete; ROCHA Cleomar; SILVA, Teófilo Augusto da; COUTINHO, Cláudio; REIS, Artur Cabral Reis; MARTINS, Tainá e HARGREAVES, Prahlada. Poiesis do corpo. IN: DATJournal v. 3 n. 1 (2018): DOI: https://doi.org/10.29147/dat.v3i1.78 Entre o biológico e o maquínico 53 OLHAR, TECNOLOGIA E ARTE Milton Sogabe ORCID https://orcid.org/0000-0003-1286-9013 [email protected] Llicenciatura Plena em Educação Artística - Artes Plásticas, pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (1979), mestrado(1990) e doutorado(1996) em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pósdoutorado na Universidade de Aveiro, Portugal (2015). PQ-CNPq desde 2008. Membro do SCIArts-Equipe Interdisciplinar (arte/ciência/tecnologia 1996-atual). Resumo O ser humano passa por um processo de ciborguização, que foi intensificado com a tecnologia digital. Várias partes do corpo têm possibilidades de serem substituídas por órgãos artificiais que se aproximam cada vez mais dos originais. Ao mesmo tempo, esses conhecimentos vão ampliando as extensões tecnológicas do nosso corpo, tornando os androides cada vez mais próximos ao humano. Nesse contexto, a visão como um dos principais sistemas sensoriais para a nossa sobrevivência no ambiente, vem ganhando potencial para ser alterada com aparatos tecnológicos, possibilitando deficientes visuais a terem parte da visualidade recuperada, e ampliando o potencial visual, num futuro próximo. O universo do olhar humano é apresentado aqui, no diálogo entre arte, ciência e tecnologia. Palavras-chave: ciborgue, visão artificial, corpo pós-biológico, dispositivos visuais, artetecnologia. Abstract The human being goes through the cyborgization process, that has been intensified with digital technology. Several parts of the body are likely to be replaced by artificial organs that are getting closer and closer to the original ones. At the same time, this knowledge is expanding the technological extensions of our body, making androids closer to human. In this context, vision as one of the main sensory systems for our survival in the environment, has been gaining potential to be changed with technological apparatuses, enabling visually impaired to have part of their visuality recovered, and expanding visual potential in the near future.The universe of the human eye is presente here, in the dialogue between art, science and technology. Keywords: cyborg, artificial vison, post biological body, visual devices, art-technology. Entre o biológico e o maquínico 54 Introdução P ós-humano, corpo pós-biológico, homo sapiens 2.0 são alguns dos termos com os quais convivemos cada vez mais. Embora pareçam temas de ficção científica, são fatos que já estão acontecendo hoje. Já estamos habituamos a ter de confirmarmos na Internet que “não somos robôs”, para termos acesso a algumas informações. A robô Sofia ganhou cidadania árabe, e o documento de identidade de Neil Harbisson o reconhece como sendo um ciborgue. Esse contexto todo acontece devido a dois fatores na relação corpo/tecnologia, por um lado nosso corpo adquiriu uma grande capacidade se transformar com o desenvolvimento científico e tecnológico, através de cirurgias e implantes, e por outro, ampliamos cada vez mais o potencial do sistema de extensões tecnológicas de nosso corpo, do muscular ao mental. Ciborgue e androide se aproximam cada vez mais. No século XXI, os graus de mutação do nosso corpo são muitos, que vão desde as cirurgias, até os implantes tecnológicos e a engenharia genética. O desenvolvimento sobre o conhecimento do corpo encontra um similar, na produção das suas extensões artificiais, que alimentam o mundo das máquinas e do ciborgue. Teorias como a da singularidade tecnológica, onde o desenvolvimento tecnológico aponta para o superação do humano pelas máquinas, nos levará a imortalidade, segundo Kurztweil, através da fusão homem-máquina e silíciocarbono. (KURZTWEIL, 2005) Desde a antiguidade o ser humano resolve seus problemas físicos através de próteses, cirurgias e invenções científicas e tecnológicas, como os remédios e os dispositivos, denominados hoje de tecnologia assistiva. O desenvolvimento das diversas áreas do conhecimento, contribuem para que o ser humano tenha uma vida melhor sobre esse aspecto físico. Essa capacidade de interferência no corpo humano, ultrapassa as características mecânicas e atinge um alto grau através da manipulação genética, transformando o homo sapiens em homo deus (HARARI, 2016). Neste artigo delimitamos essa discussão no campo visual, e mais especificamente no olho. Embora pareça muito reduzido, vemos que os fatos constituem um fractal, onde a estrutura da discussão do campo maior, do corpo como um todo, se reflete nesta pequena parte, na discussão sobre o olho. Entre o biológico e o maquínico 55 O olho ou globo ocular humano faz parte do sistema visual humano que é binocular, e é sensível a uma faixa do espectro eletromagnético, denominado de luz visível. O sistema visual é constituído por diversas partes que desenvolvem atividades ópticas, químicas, elétricas e neuronais, participando da construção da imagem em nossa mente. Quando vemos a fotografia de uma imagem projetada na nossa retina, isso pode nos confundir, achando que temos uma imagem formada lá, mas no caso, essa imagem é construída pela câmera fotográfica e o aparato que permite essa câmera visualizar e captar esse fenômeno na nossa retina. O que temos de fato na retina é uma projeção luminosa, ou seja, um estímulo luminoso, que não representa uma imagem na nossa mente, pois ainda precisa se transformar em estímulo elétrico, percorrer o nervo óptico até chegar ao cérebro, onde acontece a construção da imagem e o armazenamento. Como parte do corpo humano, o olho é um produto biológico-cultural, que vem passando também por interferências externas como o uso de dispositivos ópticos, cirurgias e implantes. Paralelamente, presenciamos todo esse conhecimento sendo utilizado para o desenvolvimento de um sistema visual artificial, que é utilizado nas máquinas, seja desde um simples dispositivo óptico até sistemas visuais inteligentes mais complexos na robótica. Organizamos neste artigo, a discussão sobre a relação olho/tecnologia, através de três situações. 1- Dispositivos ópticos, externos ao nosso corpo, que auxiliam e ampliam nossa visão. 2- Implantes ópticos, que acontecem de forma invasiva no nosso corpo, buscando restaurar a visão. 3- Visualidade nas máquinas, são dispositivos semelhantes ao nosso sistema visual, que são produzidos para utilização nas máquinas. 1- DISPOSITIVOS ÓPTICOS A formação da imagem na nossa mente tem como primeira etapa um fenômeno óptico, que está regido pelas leis da natureza. O ser humano só percebe uma faixa do espectro eletromagnético, denominada de luz visível que é emitida ou refletida pelo mundo físico ao nosso redor. Ela penetra no nosso olho, passando Entre o biológico e o maquínico 56 por um sistema complexo de elementos e é projetada na superfície da retina. Depois o sistema visual dá sequência a outros tipos de atividades, que já não são somente ópticos, mas químicos e elétricos até chegarem no córtex visual, onde se forma a imagem. O fenômeno óptico está presente na natureza em alguns objetos e situações, como as lentes e a câmera escura. O cristalino que faz parte do olho é como uma lente biconvexa e transparente. A câmera escura é um aparato semelhante ao nosso olho, pois a luz que entra pela abertura de um dos lados da câmera, projeta uma imagem luminosa invertida na parede oposta. Porém, a semelhança fica por aí, pois nosso olho é mais complexo, e está conectado a nossa mente que o controla, além de termos uma visão binocular. A partir desses dois elementos surgiram vários outros dispositivos visuais, que ampliaram a capacidade da visão humana, tanto para visualizar o minúsculo como o longínquo, além de outras faixas do espectro eletromagnético não acessíveis aos nossos olhos. 1.1- Lentes As lentes estão na natureza, na Caverna de Zeus, em Creta, foram encontradas lentes de rocha de cristal (quartzo) com boa qualidade óptica. (SINES, 1987, 193) Essas lentes descobertas há 3.500 anos atrás, evoluíram através do controle da tecnologia do vidro. No antigo Egito os artesãos de vidros já tinham muito conhecimento, utilizavam a técnica do vidro soprado para moldar formas ocas de vidro e produziam também lentes. Porém as primeiras lentes surgiram há pelo menos 3.500 anos em Creta. A utilização delas era variada, entre joalheria, decoração, para acender fogo e como forma de ampliação visual. (ENOCH, 274) Na China antiga as lentes já existiam e eram mais usadas para acender fogo, além de relatos sobre o uso de volumes esféricos de vidro com água dentro, para cauterizar aberturas na pele, através da concentração de calor que provocavam. (LAUFFER, 1915, 174) As lentes começaram a ser utilizadas na qualidade da visualização da imagem, através da construção das lentes monoculares, e nos binóculos somente no final dos anos 1.300, na Itália, Alemanha e Áustria. (ENOCH, 274) Entre o biológico e o maquínico 57 Nesse contexto descobriram que as lentes poderiam servir para o tratamento da presbiopia, mais conhecida como vista cansada. A par tir dessas lentes esféricas desenvolveram lentes para o astigmatismo. (SCHOR, 2003, 11) Leonardo da Vinci desenvolveu vários estudos de óptica e desenhou esboços (Figura 1) do que se assemelham às lentes de contato em 1508 e René Descartes também apresentou projeto de lentes de contato em 1637. (HOFSTETTER, GRAHAM, 1953, 41) Figura 1. Projeto de Leonardo da Vinci para lentes de contato. Fonte: (ENLIGHTENMENT MATTERS, 2006) https:// enlightenmentmatters. files.wordpress. com/2016/04/ Através das lentes foram construídos vários aparatos de visualização, para aumentar nossa capacidade para ver o distante e o minúsculo, como telescópio e o microscópio. 1.2- Telescópio No final do século XVI, com o aprimoramento das lentes, encontramos aparatos que se assemelham com os telescópios. Porém, sobre a autoria de sua invenção existe uma polêmica, em torno de vários nomes como, Leonard Digges que menciona um sistema de lentes côncavas e convexas armadas sobre uma estrutura, mas sem o tubo, além de Giovanni Battista della Porta e outros. A primeira patente de um telescópio foi requerida em 1608, por Hans Lippershey, mas outros relatam ter criado o telescópio, como Zacharias Jansen e Adrien Metius. Galileu também declara ter recebido notícias dessa invenção e a partir das informações aprimorou o aparato, para suas observações. (ÉVORA, 1989) Entre o biológico e o maquínico 58 De entretenimento a instrumento científico, o telescópio ampliou a visão humana para uma escala do muito distante, permitindo descobertas revolucionárias. Com o desenvolvimento tecnológico os telescópios foram ampliando nossa capacidade de visualizar além do espectro de luz visível, para a amplitude dos infravermelhos, raios X, micro-ondas e radiofrequência nos finais do século XX, traduzindo para nosso olhar, imagens com aspectos nunca antes vistos a olho nu. Experiencias com envio de câmeras em misseis e espaçonaves, para vermos mais longe marcam nossa história. O telescópio espacial Hubble, lançado ao espaço em 1990, representa nossa capacidade ampliada de ver o longínquo, observando também o infravermelho e o ultravioleta. Ele já enviou centenas de milhares de imagens do universo, ampliando nosso conhecimento, e novos instrumentos são acoplados, para atividades específicas. “O conjunto atual de instrumentos do Hubble inclui a Wide Field Camera 3 (WFC3), o Cosmic Origins Spectrograph (COS), a Advanced Camera for Surveys (ACS), o Space Telescope Imaging Spectrograph (STIS) e os sensores de orientação fina (FGS).” (HUBBLE, 2019) A Voyager é outro projeto que, em 1977, enviou nosso olhar para viajar pelo espaço interestelar tendo passado por Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. São duas sondas lançadas com 15 dias de diferença, cada qual com uma missão. As sondas enviam informações através de ondas de rádio que são captadas por potentes radiotelescópios situados na Terra. (VOYAGER, 2019) 1.3- Microscópio O microscópio também é mais um invento da época do Renascimento, quando os aparatos técnicos transformavam os pensamentos humanos, no mesmo nível das teorias filosóficas nos livros. Com esses aparatos técnicos a ciência ganha um grande impulso, na observação da natureza. (ROSSI, 1989) A autoria do microscópio também é polêmica, porém há registros de que tenha sido inventado na Holanda, por Zacharias Jansens, antes de 1590. Outros aprimoraram a descoberta e realizaram observações de microorganismos, como Antony van Leeuwenhoek, comerciante e cientista e Johann Nathanael Lieberkühn, um cientista. (HOGG, 1854) Entre o biológico e o maquínico 59 Os microscópicos ópticos, constituídos por um conjunto de lentes para observar algum material iluminado por fonte de luz visível, podem ampliar até 2 mil vezes, mas com a construção de microscópios eletrônicos, que usam fonte de feixe de elétrons, ampliamos nossa capacidade de visualização, por meio de feixe de elétrons, para milhares de vezes. O conceito e construção dos microscópios eletrônicos de varredura datam dos anos 30. (DEDAVID, 2007) Figura 2. Resolução. Esquema de Sebastião G. dos Santos Filho (LSI/PSI/EPUSP) Fonte: (SANTOS FILHO, 2019) http://www.lsi. usp.br/~acseabra/ pos/5749_files/AFM_ STM.pdf Com o avanço da mecânica quântica foi possível a construção do microscópio de tunelamento, criado em 1981, pelos cientistas Gerd Binning e Heinrich Roher, da IBM de Zurich, aumentando para 100 milhões de vezes a observação. 1.4- Câmera Fotográfica O fenômeno da câmera escura já é conhecida há muito tempo. É o mesmo fenômeno que acontece no nosso olho quando olhamos para algo. O que muda com o avanço tecnológico e científico é principalmente a forma de registro da imagem, que no seu início é baseada em processos fotoquímicos, depois magnéticos e atualmente digital. No contexto digital ganha muitos outros aspectos que vão além da simples captação de imagem, adquirindo capacidades que vão do armazenamento até a transmissão sem fio, para outros dispositivos. Entre o biológico e o maquínico 60 A câmera fotográfica é um corpo técnico que está conectada quase sempre ao corpo humano formando um híbrido que afeta a imagem registrada no tempo e no espaço, de acordo com suas características técnicas específicas, para cada ambiente, que envolve as condições físicas e sociais (PERES, 2018). Mencionamos quase sempre, pois com as câmeras de vigilância, elas se dissociaram do nosso corpo, funcionando isoladamente. Começamos dentro das primeiras câmeras escuras, e estas diminuíram tanto de tamanho no seu percurso que acabaram dentro do nosso próprio no nosso olho, como veremos mais adiante. Atualmente as câmeras passam por uma transformação paradigmática, ao prescindirem das lentes. Já tinham diminuído a dimensão do corpo da câmera escura, quase eliminando-a ou transformando-a em uma superfície, diminuíram de tamanho até se tornarem microcâmeras, e agora com a tecnologia denominada Optical Phased Array (OPA), desenvolvida pela Caltech, Instituto de Ciência e Engenharia, na California, as câmeras, se é que ainda possamos denomina-las assim, já não necessitam de lentes, o que deve afetar áreas como a astronomia, além do mundo dos celulares. (PERKINS, 2017) 1.5- Imagens microscópicas e arte A nanotecnologia nos permitiu enxergar um universo tão pequeno quanto o átomo, através de microscópio eletrônicos. A arte não poderia deixar de explorar esse universo, levando artistas em parceria com engenheiros e cientistas a produzirem imagens nessa escala. Figura 3. Imagem da série Sand Castles. Imagem em grão de areia. Vik Muniz, Marcelo Coelho e Rehmi Post. Fonte: (CREATORS, 2014) https://www. vice.com/en_us/ article/xy4zj3/creatingsand-castles-with-asingle-grain-of-sand Entre o biológico e o maquínico 61 Vik Muniz, um fotógrafo e pesquisador da imagem, brasileiro, em parceria com o Laboratório de Mídia do MIT (Massachusetts Institute of Technology), produziram imagens vistas apenas através de microscópios. Em parceria com o designer Marcelo Coelho, e o cientista Rehmi Post, produziram imagens em grãos de areia, com um milímetro de largura. “Sand Castels” (Figura 3) é uma série de imagens de castelos. Uma linha pode medir entre 0,4 a 1,0 micrômetro, que é equivalente a milionésima parte do milímetro. (SOKOL, 2014) Outra série de imagens, “Colônias”, foi produzida em parceria com Tal Danino, no laboratório do Dr. Sangeeta Bhatia no Instituto Koch para Pesquisa Integrada do Câncer. Foram utilizadas bactérias de câncer para formarem retratos (Figura 4) e padrões visuais. Figura 4 - Autorretrato de Tal Danino feito de células do fígado. “Série Colônias”. Gravura de Células do Fígado. Cortesia de Vik Muniz e Tal Danino Fonte: (CREATORS, 2014) https:// www.vice.com/ pt_br/article/8qdy4x/ colonias-vik-munize-tal-daninotransformam-celulasvivas-em-arte Entre o biológico e o maquínico 62 O processo de criação dessas imagens tem três etapas. A primeira etapa consiste em criar uma imagem-base usando técnicas de fotolitografia. Depois disso, moldamos uma espécie de carimbo de borracha a partir dessa primeira imagem, e carimbamos essa figura usando uma substância grudenta; é nessa substância que as células cancerosas ou as bactérias irão grudar. O último passo é inserir as células cancerosas ou bactérias à superfície marcada, esperar até que elas grudem na substância pegajosa e observar o resultado por um microscópio. Com ele, podemos observar as células e bactérias individualmente. Quando olhamos mais de longe, podemos ver a gravura final. (DANINO, apud CREATORS, 2014) Arte, ciência e tecnologia ajudam a explorar nosso mundo em uma escala atômica, permitindo visualizar esse universo e construindo imagens visíveis apenas através dos microscópios. 2 IMPLANTES ÓPTICOS As interferências para correção da nossa visão ultrapassam o uso de dispositivos como os óculos ou lentes de contato, tendo a possibilidade de passarmos por cirurgia também. Schor declara que a correção de miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia, através de cirurgia é simples, porém: A introdução das lentes de contato rígidas, depois gelatinosas e das cirurgias refrativas corneanas e intra-oculares, se deu basicamente guiada por mudanças comportamentais na sociedade, como padrões estéticos e não pela ineficiência dos óculos. Até hoje quando orientamos pacientes pré-cirúrgicos, enfatizamos que a cirurgia refrativa deve ter como objetivo a diminuição da dependência aos óculos ou lentes de contato, e que provavelmente a visão do paciente deverá ser ligeiramente inferior à conseguida com a correção anterior. (SCHOR, 2003, 36) Embora os óculos resolvam a maior parte dos problemas, a justificativa das cirurgias passa mais por questões de comodidade na prática de esportes, inadaptação às lentes de contato, e outros aspectos estéticos. Com o surgimento da tecnologia digital, pesquisas para a criação de um olho artificial, que possa ser implantado no lugar do olho natural, desenvolve-se em diversas direções. Entre o biológico e o maquínico 63 Encontramos diversos tipos de dispositivos ópticos conectados ao corpo, com graus de invasão diferenciados, indo desde dispositivos externos até os conectados diretamente ao cérebro. Apresentamos 3 tipos de sistemas tecnológicos conectados ao sistema humano: sistemas externos, sistemas semi-invasivos, sistemas invasivos. Por último, trazemos um tipo de modificação que não é através de um implante, mas através do tratamento com manipulação genética. 2.1- Sistemas externos Há sistemas que são conectados ao corpo, mas sem a necessidade de invasão, ou conexão interna. O Mouse Ocular (Figura 5) é um sistema visual usado sem a necessidade de implantes. Ele permite captar o movimento dos olhos, através de sinais de eletrodos conectados superficialmente nas têmporas, e envia as informações para um programa que converte a saída em ações, através da movimentação do mouse na tela do computador. (LOPER e MARTINS, 2011; 13546) Figura 5 – Secretária usando Mouse Ocular. Fonte: (CONFORTI, 2017) Há vários sistemas com essa finalidade a disposição, como Tobii Windows Control, IntelliGaze e Camera Mouse de uso gratuito, possibilitam que a pessoa com dificuldade física, principalmente com as mãos, podem movimentar o mouse apenas com o olhar, como se o olho tivesse conectado a um dedo virtual. Entre o biológico e o maquínico 64 O sistema de Mouse Ocular usa da capacidade que nosso corpo tem para transmitir sinais elétricos, que podem ser captados por dispositivos tecnológicos. Pesquisas nesse sentido, foram realizadas em 2010, pelo engenheiro biomédico Sang-Hoon Lee, da Universidade da Coreia, desenvolvendo eletrodos que localizados em dois pontos, no braço de uma pessoa, com distância de 30 cm, conseguiam transmitir dados mais rápidos que via Bluetooth. (MOON et al, 2010) Essa rede biológica wireless via pele humana poderia ser usada no contexto da medicina como da comunicação. Figura 6 - Francis Tsai and his Tobii PCEye Fonte: (DAUGHERTY, 2015) https://medium. com/the-alcalde/ the-extraordinaryartwork-of-francis-tsai1d9cfe58894 Figura 7 – Obra de Tsai. “Adapt :: Survive :: Prevail — Linda” February 16th, 2013 Fonte: (TSAI, 2019) http://teamgt.com/ page/2/ Entre o biológico e o maquínico 65 2.1.1 Francis Tsai Francis Tsai (1967-2015) foi um artista, que trabalhou na indústria de videogames, quadrinhos e design de filmes, TVs e na Marvel Comics. Em 2010, aos 42 anos, foi diagnosticado com ELA, uma doença neuromuscular degenerativa sem cura conhecida. De início continuou fazendo desenhos no celular, usando o dedão do pé, mas em 2011 ficou sem esses movimentos também. A partir disso, começou a usar um sistema computacional controlado pelo olhar, Tobii PCEye (Figura 6), pelo movimento dos olhos. (TSAI, 2013) Por um curto período, ele não conseguiu se comunicar ou desenhar, até que um cientista da computação chamado Teddy Lindsey começou a procurar tecnologia para ajudar o amigo que ele conhecia há uma década. Eles colaboraram com uma empresa chamada Tobii para projetar uma configuração de tablet em sua casa em Austin, que trabalhava com o equipamento médico e a mobilidade limitada de Tsai, e a tecnologia do olhar foi criada na primavera seguinte. (DAUGHERTY, 2015) A produção de Tsai durante esse período teve como lema de suas obras “Adaptar, sobreviver, prevalecer” (Figura 7), refletindo sua vida e de sua esposa, a quem dedicou a ilustração abaixo. 2.2- Sistemas semi-invasivos Denominamos aqui de sistemas semi-invasivos aqueles que apenas substituem o olho, mas sem conectarem-se ao restante do sistema visual. Tal como o olho de vidro, que tem uma função mais estética, pois não afeta o sistema visual. Ele apenas cobre um olho danificado, como uma capa, ou substitui-o totalmente, podendo ser produzido semelhante ao outro olho normal chamando menos atenção. Nesse sentido, o olho de vidro é apenas um objeto inserido no corpo, sem nenhuma conexão que influencie o sistema visual, corrigindo algum problema. 2.2.1 ROB SPENCE Assim é o caso de Rob Spence, que implantou um olho artificial, porém com uma diferença, pois o olho possui uma microcâmera (Figura 8), tornando-o um Entre o biológico e o maquínico 66 “eyeborg”, um ciborgue visual. Spencer perdeu a vista direita num acidente com arma quando era criança, e para adaptar sua visão, em 2008, implantou uma câmera adaptada no lugar de seu olho direito, conectada via wifi a um sistema externo que permite a visualização (Figura 9). Esta câmera consegue gravar até 3 minutos, devido a um problema de aquecimento do equipamento. Quando em funcionamento, um led vermelho se acende, revelando que está gravando com seu olhar. Figura 8 - Detalhe do olho de Spence Fonte: (SPENCE, 2011) https:// eyeborgproject.tv/ ted-talks/ Figura 9 - Dispositivo que permite ver imagem captada. Fonte: (SPENCE, 2011) https:// eyeborgproject.tv/ ted-talks/ Spence é cineasta e realizou um documentário intitulado “Deus Ex:The Eyeborg Documentary”, a pedido da empresa Square Enix, que publicou o jogo “Deus Ex: Revolution Human”. Adam Jensem é o personagem do jogo, que tem aprimoramentos através de órgãos tecnológicos, que ampliam a capacidade de seu corpo. Nesse sentido o documentário de Spence é pesquisar e apresentar pessoas que possuem vários tipos de próteses. (SPENCE, 2011) Entre o biológico e o maquínico 67 Rob Spence é um cineasta canadense, que tem um implante de câmera no lugar do olho direito que perdeu aos 9 anos de idade. O olho-câmera wireless não está conectado a sua mente, mas sim a um dispositivo externo, que permite visualizar e gravar o que vê. Spence declara que o comportamento das pessoas em frente a uma câmera se modifica, assim gravando só com o olhar, a situação pode ficar mais natural. Ele grava e depois informa como gravou e solicita uma assinatura para autorização do material. A maioria das pessoas faz relação direta com o episódio “The Entire History of You”, do seriado Black Mirror, onde as pessoas têm um implante que permite gravar tudo que veem e que podem ser reproduzidos, como suas lembranças, ou requeridas por outras pessoas. Nesse sentido, a ficção começa a se tornar realidade. 2.3- Sistemas invasivos Este tipo de sistema é implantado no nosso corpo afetando o sistema visual e a construção de imagem no cérebro. O sistema visual artificial que o Dr. Wiliam Dobelle começou a desenvolver em 1968, envolve uma invasão corporal, com o implante de uma matriz de eletrodos no córtex visual, que é conectado a um sistema externo através de um plug na caixa craniana. Esse sistema é composto por óculos, que possui uma câmera no lado direito e um sensor de distância no lado esquerdo. O sistema permite apenas que o deficiente visual consiga se movimentar no espaço recebendo Figura 10 - Miika Terho. Implante de chip na retina. Fonte: (BOUWDLER, 2010) Retina Implant AG https://www. bbc.com/news/ health-11670044 Entre o biológico e o maquínico 68 pontos de luz dos objetos, num campo de 5cm x 20cm, onde percebe pontos de luz. Nessa experimentação, o objetivo é ampliar a quantidade de eletrodos para conseguir melhor definição da imagem produzida. (DOBELLE, 2000) Na Universidade de Tübingen, na Alemanha outra experimentação foi realizada com a implantação de um chip, de 3x3mm, na retina de uma paciente cega, Miika Terho. (Figura 10). O chip ficava conectado a uma bateria que era usada como um colar pelo paciente. Quando o chip recebia um estímulo luminoso, ele estimulava as células saudáveis da retina, enviando os sinais para o cérebro. Algumas horas após o implante o paciente conseguia enxergar formas luminosas, permitindo seu deslocamento no espaço e até reconhecer uma xícara e um pires numa mesa. (BOUWDLER, 2010) Percebemos que sistemas visuais artificias vão invadindo cada vez mais nosso corpo e se conectando internamente à retina e ao córtex visual, para a busca de um soluções que restaure nosso sistema visual natural. Figura 11 - Neil Harbisson – Eyeborg Fonte: (H+Pedia, 2018) https:// hpluspedia.org/wiki/ File:Neil-harbisson-1. jpg Figura 12 Sonochromatic Records by Neil Harbisson. Fonte: (WIKIMEDIA COMMONS, 2014) https://commons. wikimedia.org/wiki/ File:Neil_Harbisson_ Exhibition.jpg Entre o biológico e o maquínico 69 2.3.1- NEIL HARBISSON Neil Harbisson é um artista que nasceu com acromatopsia, enxergando apenas em tonalidades de cinza. Em 2013 iniciou um projeto com o cientista da computação Adam Montandon, que resultou em um sensor eletrônico, que detecta a frequência das cores (Figura 11) e a envia para um chip instalado na parte de trás de sua cabeça, permitindo ouvir o som através da estrutura óssea. Após esse implante Harbisson realizou outro inserindo uma conexão com Internet, para receber outras frequências pela rede. (HARBISSON, 2015) Aprendeu a traduzir os sons pelas cores (Figura 12), decorando o nome das cores relacionado aos sons, até que isso passou a ser uma percepção natural. Harbisson declara que depois de um tempo começou a sonhar em cores, que a memória das frequências acontecia nos sonhos. Harbisson considera que o dispositivo faz parte dele, tanto que o governo inglês aceitou que no seu passaporte o dispositivo aparecesse, aceitando-o como um ciborgue. Aos poucos os sons cotidianos também passaram a se relacionar com cores. Suas obras são baseadas na tradução do sonoro para o visual, através das cores. No sentido de ampliar a percepção das cores, para além do humano, através desse olho eletrônico, incorporou as frequências do infravermelho e do ultravioleta. (HARBISSON, 2012) 2.4- Organóides Embora não se encaixe na modalidade de um implante ainda, e nem sejam dispositivos tecnológicos, os organoides são estruturas tridimensionais, como mini-órgãos, produzidos a partir de células tronco, que se comportam como um órgão real específico. O tratamento de certas doenças através dessa técnica denomina-se terapia genética ou gênica, que é baseado na introdução de genes sadios, através de manipulação do DNA. No caso da visão, organoides de retina estão sendo pesquisados para compreensão do funcionamento da retina humana e de doenças. No Instituto de Oftalmologia, da University College London, a equipe do prof. Robin pesquisa a terapia genética, através do transplante de células fotorreceptoras, buscando possibilidades de tratamento de doenças. (ALI, 2012) Entre o biológico e o maquínico 70 O biólogo Robert Johnston, da Universidade Johns Hopkins, busca a produção em laboratório de um organoide de retina humana, para estudo do funcionamento das cores na retina, uma vez que estes possuem todos os tipos de células da retina humana. Esta situação permite que as pesquisas não precisem ser realizadas em camundongos, mas sim como numa retina humana, mas fora do corpo humano. A pesquisa visa também a terapêutica e o reparo da visão. (ELDRED, 2018) Com os organoides estamos em um estágio onde os dispositivos tecnológicos visuais parecem perder sentido, para o ser humano, embora o conhecimento contribua para a sua utilização dos sistemas visuais artificiais no contexto dos androides. 3- VISUALIDADE NA MÁQUINA Como extensão do nosso sistema visual, criamos vários aparatos técnicos, que reproduzem certos aspectos do nosso sistema biológico. A câmera escura é um aparato tecnológico que reproduz o mesmo fenômeno óptico que acontece no nosso olho. A partir dela construímos vários dispositivos, que captam, registram e reproduzem imagens. A câmera passou por processos de registro foto-químico, magnético e digital. A física, a medicina, a astronomia e outras áreas do conhecimento desenvolveram câmeras específicas para os seus objetivos, nos revelando um universo invisível aos nossos olhos, seja pela visualização do minúsculo, do muito distante ou das diferentes frequências do espectro eletromagnético, que não é visível pelo ser humano. Enxergamos através dessas máquinas, o infravermelho, o ultrassom, os raios X, ultravioleta e ampliamos nossa capacidade de visualização. Os dispositivos avançaram tecnologicamente, reproduzindo etapas do sistema visual humano, indo do olho ao córtex visual, e passando pelas tecnologias ópticas, elétricas e digitais. No contexto da tecnologia digital, surgiu a visão computacional, que proporcionou uma visão às máquinas, que vai além do aspecto óptico, só de captação visual, mas apresenta aspectos cognitivos, como reconhecer diferentes características visuais das coisas, dependendo da especificidade dos softwares utilizados. Entre o biológico e o maquínico 71 Esses dispositivos substituem as atividades da visão humana, principalmente na indústria, visualizando e separando objetos de cores específicas, reconhecendo padrões visuais em determinados materiais como a madeira, ou conferindo a quantidade de elementos em uma embalagem. Também pode ser utilizado em tarefas mais perigosas, onde o ser humano possa ser substituído por uma máquina. As câmeras utilizadas atualmente são mais sofisticadas, sendo constituídas além das lentes, por sensores, por interfaces de comunicação, e por eletrônica embarcada com inteligência, o que proporciona a visualização combinada com movimentos de braços e mãos robotizados, de acordo com o que enxerga. Robôs equipados com câmeras podem fazer movimentos com os braços, sendo capazes de visualizar uma bola no ar e pegá-la com a mão. Rollin´Justin é um desses robôs, apresentado em 2008, é equipado com duas câmeras e sensores nas laterais da cabeça, e consegue calcular através da visão binocular o percurso de uma bola jogada para ele, e se movimentar de forma que a bola caia na sua mão e a segure. Consegue pegar até duas bolas ao mesmo tempo, uma em cada mão. Além dessa tarefa, consegue realizar outras, como visualizar e manusear uma máquina de café expresso, encaixando a capsula de café na máquina, ligando-a e servindo o café. (LEIDNER, 2019) 3.1- Robôs artistas Desde os autômatos, as máquinas através de um conjunto de engrenagens, já conseguiam produzir um desenho, com muitos movimentos complexos. Tal como o autômato de Henri Maillardet, construído por volta de 1800, que tinha na sua memória quatro desenhos e três poemas. (FRANKLIN, 2019) No contexto digital, outros sistemas continuaram sofisticando essa tarefa, como o projeto AARON, do artista e programador e professor na Universidade da Califórnia Harold Cohen (1928-2016), que começou a desenvolver em 1973 um programa que desenhasse. Durante toda sua vida Cohen continuou aprimorando o programa, que passou por diversas etapas, ganhando maior complexidade, na programação e nas formas de impressão das imagens. (COHEN, 2019) Outro projeto que já inclui uma câmera no processo é o Autoportrait (2002), Entre o biológico e o maquínico 72 de um grupo alemão chamado Robolab (Figura 13). O sistema é constituído de um braço mecânico industrial, com uma câmera, que capta o rosto de uma pessoa sentada em um banco especialmente localizado, e uma vez captada a imagem, o braço começa a desenhar linearmente o retrato em uma folha de papel em sua frente. (GOMMEL, 2004) Figura 13 – Autoportrait – Robotlab Fonte: (ROBOTLAB, 2019) http://www. robotlab.de/auto/ pics07/autoportraitmucsarnok03.htm Já a Ai-Da é uma robô humanoide, que também possui câmeras nos seus olhos, que permite a captura de imagem. Seu nome é em homenagem a Ada Lovelace, a primeira programadora da história. Ai-Da é resultado de um projeto de equipe Entre o biológico e o maquínico 73 multidisciplinar, com artistas, curadores e cientistas da Universidade de Oxford, Universidade de Leeds, e de uma empresa de Engenharia de Cornawall. Porém, depois que Ai-Da traça linearmente os esquemas, que não são só retratos, é preciso que uma pessoa, a artista Suzie Emery, aplique a tinta nas formas. (AMBROSIO, 2019, 38, 39) Os artistas têm explorado muito o recurso de câmeras e inteligência artificial, mas não em máquinas humanoides. Mas a visualização no contexto da inteligência artificial, tem se desenvolvido muito, principalmente com os sistemas de reconhecimento facial ou de objetos, podendo surgir obras além da produção de imagens. Considerações finais O ser humano encontra-se numa etapa de sua evolução, onde suas transformações corporais não são apenas resultados das atividades físicas e condições ambientais, como foi a maior par te do tempo, na sua história, mas são a sua própria interferência no design do seu corpo. Simultaneamente encontra-se num nível de construção de suas extensões ar tificiais, que se aproxima cada vez mais do biológico. Encontramo-nos discutindo o que é o humano, o que é inteligência, a consciência, a emoção, a alma, e as fronteiras entre natural e ar tificial, biológico e tecnológico, ficam cada vez mais borradas. No contexto da medicina, todos os conhecimentos científicos e tecnológicos parecem fazer sentido, na busca de soluções dos problemas físicos do ser humano, mas no contexto social e ético, a capacidade de controlarmos a vida torna-se uma discussão cada vez mais complexa e polêmica. A visão nosso tema em questão aqui, como parte desse movimento todo, permite que espelhe essas transformações como um todo. Vimos que a relação de elementos de um sistema visual humano, com elementos de um sistema visual artificial, vem acontecendo em diversos níveis, mas sempre alterando o ser humano e as máquinas, que se aproximam cada vez mais da singularidade tecnológica, do olho ao córtex visual. O design e a arte participam desse movimento, construindo materialmente esse universo e apresentando questões para a sociedade, numa gama que vai do apocalíptico ao admirável. Entre o biológico e o maquínico 74 Referências ALI, Robin. Gene and stem cell therapy for retinal disorders. 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