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A Origem e Formação dos Conteúdos Mentais

Neste ensaio disserto sobre a questão dos conteúdos mentais e através de quais fontes eles são formados. Para abordá-la, parto do seguinte questionamento: qual a origem dos conteúdos mentais?

_____Psicologia &m foco Vol. 1 (1). Jul./Dez 2008 A Origem e Formação dos Conteúdos Mentais ____________________________________________________ André Faro Santos1 Universidade Federal da Bahia – Bahia/Brasil Neste ensaio disserto sobre a questão dos conteúdos mentais e através de quais fontes eles são formados. Para abordá-la, parto do seguinte questionamento: qual a origem dos conteúdos mentais? Em síntese, procuro responder sob um argumento que acredito se inserir numa perspectiva ligada ao dualismo interacionista de propriedade (CHURCHLAND, 2004), utilizandose de achados científicos na área da Psicologia, e afins, para embasar a proposta. Ao final, sugiro que existe uma condição de virtualidade em relação a alguns conteúdos mentais secundários, ou seja, determinados processos não podem ser explicados se reduzidos aos mecanismos básicos, caracterizando dados produtos mentais como resultados de interações que ultrapassam a dinâmica material da mente. Nada do que aqui é apresentado trata-se de uma posição definitiva; mais do que esta rejeitada estaticidade, este produto é o retrato de um processo dinâmico. Ademais, configura-se como um ponto de vista específico sobre a problemática da mente humana e seus conteúdos, este que permite sua exploração sob a face de diversos construtos teóricos. Longe de situar-se no ecletismo epistêmico, busca-se uma análise calcada no sistematismo e coerência epistemológica para a estruturação de uma perspectiva de análise. Quanto ao conceito de mente, parto do princípio que desde os primeiros momentos da vida humana a mente está em constante interação com o mundo natural, tendo suas funções básicas e conteúdos modulados pela experiência consciente e inconsciente de contato com o entorno, derivando, daí, uma série de processos que podem levar a conteúdos mentais qualitativamente novos enquanto experiência subjetiva. Nessa perspectiva, a mente seria derivada de duas bases, são elas: o aparato físico (cérebro) e os processos mentais. No sentido da base física, acredito que o cérebro seja semelhante a um regulador central, no qual se encontram todos os mecanismos que são autoativados desde a geração do ser humano. Estes mecanismos originam as funções básicas da mente (THAGARD, 2005), sendo expandidas de acordo com o desenvolvimento do indivíduo. Os processos mentais estão divididos em duas condições: os processos primários, os quais possuem conexão com o substrato orgânico, tendo o status inicial de protofunções (ex. capacidade inata de adquirir linguagem); e os processos secundários, que são oriundos do desenvolvimento do indivíduo, da capacidade de adaptar-se e criar complexos mecanismos de relação com o entorno (ex. capacidade criativa = linguagem simbólica + inteligência) (THAGARD, 2005). Necessariamente, nem todos os processos secundários possuem uma localização cerebral específica, pois podem estar dispostos virtualmente pela combinação de processos primários e/ou secundários entre si. Explanarei sucintamente sobre como os processos primários e os secundários se desenvolvem, relacionando achados científicos de temáticas diversas, a partir dos quais elenco argumentos que procuram defender a possibilidade de coerência deste ensaio. Sobre as funções cerebrais auto-ativadas, derivadas do aparato físico, saliento as descobertas de Piontelli (1995) que sugerem que _____________________________ 1 Mestre em Ciências da Saúde pela UFS e doutorando em Psicologia na UFBA. Endereço eletrônico: [email protected] Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2008 1 _____Psicologia &m foco Vol. 1 (1). Jul./Dez 2008 acontecimentos durante a vida pré-natal possuem a capacidade de influenciar nas funções mentais desenvolvidas após o nascimento. Estes acontecimentos embasam a hipótese da memória fisiológica, esta que se pressupõe ser ativada desde a consolidação primária da encefalização. Nas experiências de Piontelli, crianças que passaram por específicas experiências intra-uterinas apresentavam variações em sua capacidade de regulação emocional e temperamento durante seu desenvolvimento posterior. Partindo deste ponto, suponho que a mente, desde sua fase fetal, é influenciada pela relação com o meio natural, mesmo que transferido pela experiência da gestação materna, iniciando o armazenamento de informação pelas funções básicas mentais. Deste modo, fica ressaltada a influência de mecanismos inconscientes na formação da mente, auto-ativados e passíveis de um posterior aperfeiçoamento durante o desenvolvimento. Sobre os processos mentais, os considerados primários (cognição, consciência, atenção, etc) são mecanismos da mente com potencial de desenvolvimento inato e possuem uma localização tópica no cérebro (BARTOSZECK; BARTOSZECK, 2006). Estudos transculturais indicam que a capacidade de desenvolvimento das funções mentais básicas, tal como a organização espacial e a viso-motora, diferem segundo o contexto que se toma como parâmetro. Como um exemplo dentro desta perspectiva, Andrade e Bueno (2007) encontraram indicativos de que um determinado grupo de indígenas tem – favorecido culturalmente pela cognição mais intuitiva e concreta – maiores habilidades visuais e motoras em relação a não-indíos, estando estes dois grupos pareados quanto à idade, sexo e nível educacional. De posse destas informações, acredito que seja reforçada a hipótese de que mesmo funções inatas estão sujeitas precipuamente ao entorno, modificando as potencialidades mentais, que, por sua vez, vão influenciar a percepção da experiência pelo indivíduo. Ainda sobre os processos primários, pode ser referida a disposição inata em adquirir linguagem como resultado da evolução humana, estando configurada no cérebro dos indivíduos hereditariamente. Tal condição necessita da interação social para o seu desenvolvimento, estando na zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1978) um modelo de atribuição do seu potencial alcance, este que resultará em maior ou menor progresso das diversas habilidades do indivíduo. Deste modo, o conteúdo mental também resulta da interação entre o sujeito e o ambiente através da percepção dos estímulos mobilizados internamente ou que são introjetados e elaborados a partir do meio externo. Em relação aos processos secundários (inteligência, motivação, etc), considero aqui uma importante diferenciação a ser feita entre a disponibilidade de uma função mental ser desenvolvida e a sua capacidade de inter-relação com outras funções, otimizando ou até criando um novo conteúdo mental. Para explicar esta idéia, remeto-me ao conceito de inteligência emocional a título de ilustração. A partir da década de 80, o conceito de inteligência assumiu um novo parâmetro de entendimento, baseado na acepção que esta não poderia ser constituída a partir de uma visão unidimensional, mas, multidimensional, interpretada como múltiplas inteligências. Dentre estas, a inteligência emocional surgiu em acordo com a evolução no conhecimento de como as emoções podem promover uma melhor adaptação, facilitando a resolução de problemas. Conseqüência da nova concepção de inteligência, a conceituação de inteligência emocional agrega, sumariamente, duas funções básicas: a cognição e as emoções. Neste interjogo, defende-se que a inteligência emocional seja a habilidade de reconhecer o significado das emoções e como elas se relacionam entre si, além da capacidade de raciocinar e lidar com dificuldades a partir desta percepção (MAYER; CARUSO; SALOVEY, 2000). Portanto, entendo que a inteligência emocional apresenta-se como um processo mental secundário, em que podemos encontrar duas funções básicas agregadas em um único construto, denotando um conteúdo mental específico, o que permite inferir acerca da 2 Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2008 _____Psicologia &m foco Vol. 1 (1). Jul./Dez 2008 complexa capacidade de combinar funções e gerar outras mais refinadas. Por entender a inteligência emocional também como um processo secundário, saliento que [ainda] não há estudos que indiquem uma possível localização cerebral única desta função (MAYER; ROBERTS; BARSADE, 2008). Assim sendo, é factível supor que esta função existe enquanto uma combinação quantitativamente e qualitativamente distinta dos processos de emoção, cognição, motivação e inteligência, dentre outros possíveis, criando uma entidade nova, não caracterizada como elemento inato e, também, não passível de redução através de processos mais simples. Trata-se, assim, de um mecanismo complexo que não pode ser explicado através da redução aos mecanismos primários (EL-HANI; QUEIROZ, 2005). Neste momento, procuro discutir sobre um ato intencional – por exemplo, o desejo –, e como o entendo enquanto conteúdo mental, situando-o como um processo avançado virtual. O desejo pode ser entendido como um processo avançado derivado de uma combinação complexa de duas ou mais funções. Todavia, atrelando-o ao conceito de necessidade, é possível relacioná-lo como resultado da evolução contínua da relação do indivíduo com o mundo natural e suas relações interpessoais. Como postulou Freud (1920), o estágio de vida intra-uterina pode ser considerado similar a um estado de nirvana, onde todas as necessidades do indivíduo são satisfeitas; cabendo a assertiva que o sujeito, neste estágio, não tem a necessidade de necessitar, pois não há a impressão psíquica da falta. Dada a condição do nascimento, esta completude vai se desfazendo e o indivíduo encontra-se frente ao despertar das necessidades, anteriormente não disparadas, em virtude das diversas sensações de desprazer sentidas organicamente, tal como a fome. Nesta fase, a falta cria mecanismos mentais para lidar com a angústia, suscitando o desenvolvimento de processos básicos que permitem a redução de tensão. Tem-se, como exemplo, a capacidade de reconhecimento facial dos bebês, em que apenas a presença da mãe atenua seu estado de tensão (DEBRAY, 1988). Com o desenvolvimento do sujeito, a impressão psíquica da falta (sentido de imprimir e consolidar) vai adquirindo conteúdos de informação oriundos do meio natural e suas relações interpessoais, criando novos perfis de necessidade, agora intrinsecamente relacionados, pelo menos inicialmente, aos primeiros rudimentos de linguagem simbólica (ex. diferentes comportamentos dos bebês de acordo com a relação de apego com a mãe). Num segundo momento do desenvolvimento das necessidades, remeto a Freud (1914) no seu conceito de “Sua majestade, o bebê”, em que as necessidades do indivíduo vão sendo satisfeitas e modeladas de acordo com as respostas que o meio provê, procurando ludibriá-lo quanto à falta. Com a aquisição destes recursos, mesmo ainda primários, diferenciações são observadas quanto à intensidade de uma ou outra necessidade; antes apenas como mecanismo reflexo à falta (como citado acima, as modalidades de choro dos bebês). Neste caso, pressuponho uma combinação entre a necessidade (função básica) e a linguagem (função avançada), criando um novo movimento psíquico que pode ser considerado como um protótipo do “desejo”. Por entender desta forma, acredito que o desejo seja derivado da combinação de conteúdos mentais básicos em que, posteriormente, também se somam os avançados, criando um complexo processo avançado virtual, pautado na incomensurabilidade que é possível ser modelada na falta através da linguagem. Considero o caráter virtual tendo em vista que não apenas as conexões cerebrais respondem pelo desejo, mas uma fusão de diversas funções que criam, de forma qualitativa, um fenômeno distinto e que vai além do mecanismo de ativação. Um sujeito faltante, enquanto processo básico pode ser considerado como um protótipo inicial do sujeito desejante. Após ser inserido no mundo da linguagem, esta falta é mobilizada de acordo com outros conteúdos mentais, os quais caracterizam o desejo no indivíduo em uma escala 3 Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2008 _____Psicologia &m foco Vol. 1 (1). Jul./Dez 2008 mais avançada do desenvolvimento. Nesta perspectiva, exemplifico a conexão entre a cognição, as emoções, a motivação e as necessidades como os processos básicos que podem estar subjacentes ao desejo como conteúdo mental de um adulto; não existente com esse nível de complexidade no bebê por ser um processo avançado. Não há, portanto, um local específico ou mecanismo simples que responda pelo processo mental da inteligência emocional; ela é, desde seu princípio, um processo secundário, uma combinação virtual entre outras funções que produzem um elemento novo na mente. Apesar de ativar áreas cerebrais diversas para existir sob a forma de conteúdo mental, a inteligência emocional não é passível de ser entendida como um processo primário, traduzível apenas fisiologicamente ou de modo unidirecional, posto que existe como múltiplas conjunções de fatores que permitem a sua origem qualitativamente diferente. Portanto, considerando a possibilidade de que uma função mental tem a inerente possibilidade de conjecturar múltiplas conexões para desenvolver novas capacidades adaptativas, suponho que estas combinações virtuais são incomensuráveis. Deste modo, não crível de redução a um elemento singular no aparato cerebral. Como exemplo destas complexas interações, destaco a capacidade de insight, um evento mental qualitativamente sempre novo. No insight, novas conexões simbólicas são feitas, não sendo redutíveis a unidades explicativas, pois são instantâneas e, ao surgirem, já estabelecem outras conexões para assentar um novo conhecimento. Ou seja, a cada insight, um novo insight é formado por uma nova conexão com funções como a memória, cognição, linguagem, etc. Conseqüentemente, se considerarmos que cada ativação do que foi adquirido através do insight abre-se automaticamente para a possibilidade de novos insights (novas redes de significação a cada ativação), é impossível determinar um fluxo cerebral singular para identificar este processo avançado. O dinamismo de determinados processos secundários de caráter virtual impedem a localização de um substrato único, ou mesmo uma ou mais redes neurais que sejam responsáveis por seu mecanismo de base. Assim, cada processo secundário, relacionando-se a um outro qualquer, teria infinitas condições de criar e configurar, com elementos diferentes em intensidade e função, um terceiro conteúdo mental, agora virtual. Deste modo, portador de novas possibilidades de compreensão e significação, resultando em diferenciadas dinâmicas mentais. Enfim, diante do que foi exposto, acredito que os conteúdos mentais são oriundos tanto de processos primários localizáveis na dinâmica neurofisiológica cerebral, como de processos mentais avançados, não traduzíveis a um dado fluxo constante, por serem virtualmente construídos. Referências ANDRADE, V.M.; BUENO, O.F.A. Neuropsicologia transcultural: grupo indígena guarani. Estudos de Psicologia (Natal), v.12, n.3, 2007. BARTOSZECK, F.K.; BARTOSZECK, A.B. Contribuições da Neurociência para a Filosofia da mente: Conceitos básicos para não-cientistas. Jornal de Ciências Cognitivas, v. 6, 2006. CHURCHLAND, P.M. Matéria e consciência: uma introdução à filosofia da mente. São Paulo: UNESP, 2004. DEBRAY, R. Bebês/mães em revolta: tratamentos psicanalíticos conjuntos dos desequilíbrios psicossomáticos precoces. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. EL-HANI, C.N.; QUEIROZ, J. Modos de irredutibilidade das propriedades emergentes. Scientiae Studia, v. 3, n. 1, 2005. FREUD, S. 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