HYGEIA, ISSN: 1980-1726
Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde - http://www.seer.ufu.br/index.php/hygeia
EVOLUÇÃO E PERIFERIZAÇÃO DA COVID-19 NA ÁREA URBANA DE SANTA MARIA, RS:
TRAÇANDO PADRÕES ESPACIAIS1
EVOLUTION AND PERIPHERALIZATION OF COVID-19 IN THE URBAN AREA OF SANTA MARIA,
RS: SETTING SPATIAL PATTERNS
Maurício Rizzatti
Doutorando em Geografia – Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Pedro Leonardo Cezar Spode
Doutorando em Geografia – Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Natália Lampert Batista
Pós-Doutoranda em Geografia – Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Douglas Bouvier Erthal
Mestrando em Geografia – Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Rivaldo Mauro de Faria
Professor Adjunto do Departamento de Geociências
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
RESUMO
A Geografia da Saúde é fundamental para o entendimento da evolução dos casos de COVID19, levando a interpretação e a compreensão da dinâmica espacial da ocorrência da doença.
É importante compreender que quanto maior for a abrangência espacial do evento, maiores
as chances de propagação e maiores são os desafios para vigilância e contenção. Assim, o
presente trabalho tem como objetivo compreender a distribuição dos casos confirmados da
COVID-19, por bairros e por Regiões Administrativas (RA), na área urbana de Santa Maria,
relacionando-a com o Índice de Privação Social (IPS) e identificando possíveis padrões
espaciais decorrentes da sua evolução até a décima nona Semana Epidemiológica (SE). A
metodologia do trabalho consistiu na sistematização cartográfica e análise de dados referente
aos casos confirmados de COVID-19 da 14ª SE até a metade da 19ª, bem como com sua
associação com o IPS, elaborado por Spode (2020). Os casos registrados demonstram o
avanço da COVID-19 para regiões periféricas de Santa Maria, conduzindo a necessidade de
planejamento de estratégias para o combate ao novo Coronavírus.
Palavras-chave: Coronavírus. Índice de Privação Social. Regiões Administrativas. Geografia
da Saúde. Geografia Urbana.
ABSTRACT
Health Geography is fundamental for understanding the evolution of COVID-19 cases, leading
to the interpretation and understanding of the spatial dynamics of the occurrence of the
disease. It is important to understand that the greater the spatial scope of the event, the
greater the chances of spreading and the greater the challenges for surveillance and
containment. This study aims to understand the distribution of confirmed cases of COVID-19,
by neighborhoods and by Administrative Region (AR), in the urban area of Santa Maria,
relating it to the Social Deprivation Index (SDI) and identifying possible spatial patterns
resulting from its evolution until the nineteenth Epidemiological Week (EW). The methodology
Recebido em: 08/05/2020
Aceito para publicação em: 21/05/2020.
DOI:http://dx.doi.org/10.14393/Hygeia0054554
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Edição Especial: Covid-19, Jun./2020 p.441 - 449, pág. 441
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Maria, RS: traçando padrões espaciais
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of the work consisted of cartographic systematization and data analysis referring to confirmed
cases of COVID-19 from the 14th EW to the 19th, as well as its association with the SDI,
prepared by Spode (2020). The recorded cases demonstrate the advance of COVID-19 to
peripheral regions of Santa Maria, leading to the need to plan strategies to combat the new
Coronavirus.
keywords: Coronavirus. Social Deprivation Index. Administrative Regions. Health
Geography. Urban Geography.
INTRODUÇÃO
A Geografia da Saúde se ocupa de diversas questões que a atrelam ao entendimento das diferentes
enfermidades que podem ocorrer em determinados territórios, bem como se importa com a abordagem
dos condicionantes para as evoluções de quadros epidêmicos/pandêmicos e para o planejamento e
gestão de estratégias de promoção de saúde e qualidade de vida. Neste sentido, em tempos do novo
Coronavírus, utilizar ferramentas que permitam o entendimento e a espacialização dos casos
confirmados, suspeitos e/ou descartados tem impacto decisivo na promoção de estratégias de
enfrentamento da doença, tornando a Geografia da Saúde central a essa discussão.
Segundo Junqueira (2009, p. 2), “[...] a relação entre a Geografia e a Saúde não é nova, remonta ao
final do século XIX, quando era baseada no pensamento Hipocrático [...], e não havia conhecimento
dos processos de transmissão de doenças”. A partir dessa aproximação, pensar a saúde e sua relação
com o território passou a ser primordial no entendimento da evolução de enfermidades, fazendo com
que geógrafos e profissionais da saúde busquem trabalhar de forma articulada pela resolução de
problemas que atingem a humanidade. “[...] Em 1930, a Geografia se aproxima da Epidemiologia na
busca de estabelecer, para diversas doenças, as suas redes de causalidades, e a produção de
trabalhos é marcada por forte influência das descobertas bacteriológicas” (JUNQUEIRA, 2009, p. 4).
Tal fato aproxima-se na forma de entendimento e de abordagem da atual pandemia, causada por um
vírus.
A problematização da distribuição da ocorrência da COVID-19 e a busca por mitigação dos impactos
causados pelo vírus, especialmente, em regiões periféricas e com mais elevada vulnerabilidade social
em Santa Maria, pode ser pensada a partir da análise espacial e cartográfica das ocorrências,
colaborando com o entendimento do processo de espraiamento da contaminação. A produção
cartográfica e a interpretação desses resultados podem subsidiar a promoção da saúde e se torna uma
ferramenta muito importante às discussões de Geografia da Saúde.
O município de Santa Maria é localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul. Caracterizase por ser uma cidade média e por desempenhar papel de centro regional no contexto da rede urbana
estadual, exercendo papel importante na região em que se encontra, principalmente oferecendo
serviços especializados, como de saúde e educação e também no comércio (ROCHA, 2011).
Em termos de formação socioespacial, Santa Maria se desenvolveu através de eventos sociais e
históricos que contribuíram para a construção do território do município. A implantação da ferrovia,
ainda no século XIX, pode ser considerado um exemplo de evento histórico e social que é determinante
para a formação socioespacial de Santa Maria. Além da ferrovia, alguns objetos implantados ao longo
da evolução histórica da cidade e os diferentes usos que cada objeto proporcionou e ainda proporciona
ao território, devem ser entendidos em relação a construção histórica da cidade, como é o caso da
Universidade Federal de Santa Maria (DEGRANDI, 2012; SPODE, 2020).
No contexto atual, Santa Maria se revela como uma cidade com expressivas desigualdades
socioespaciais. São inúmeros os problemas relacionados a pobreza, como é o caso das ocupações
irregulares, fenômeno que vem se reproduzindo historicamente na cidade, sobretudo nos bairros
periféricos, em áreas de elevada privação social (SPODE, 2020).
Em face disso, pensar a vulnerabilidade social, por meio do Índice de Privação Social (IPS), atrelada à
presença do novo Coronavírus em diferentes unidades geográficas da área urbana de Santa Maria,
RS, a saber, bairros e Regiões Administrativas (RA), potencializa a compreensão da evolução da
doença na cidade e permite ao poder público e órgãos vinculados a saúde pensarem políticas públicas
coerentes com as demandas do território em análise. Partindo dessas premissas, o presente trabalho
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tem como objetivo compreender a distribuição dos casos confirmados da COVID-19, por bairros e por
RA, na área urbana de Santa Maria, relacionando-a com o IPS e identificando possíveis padrões
espaciais decorrentes da sua evolução até a metade da 19ª semana epidemiológica (SE)2.
MATERIAS E MÉTODOS
Os dados referentes ao número de casos confirmados de COVID-19 em Santa Maria foram obtidos da
Secretaria Municipal da Saúde de Santa Maria por meio do projeto “Enfrentamento da epidemia da
COVID-19 no estado do Rio Grande do Sul”, sendo aprovado pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP), sob o CAAE n° 30710520.6.0000.5346.
Para a geocodificação dos casos confirmados de COVID-19, isto é, atribuir uma coordenada geográfica
(latitude e longitude) a cada endereço, utilizou-se o complemento “MMQGIS”, presente no software
QGIS 3.12.0, a fim de espacializar, pontualmente, cada um dos casos confirmados de Santa Maria.
Posteriormente, utilizou-se a ferramenta “contagem de pontos em polígono”, de acordo com o shapefile
de bairros e RA, disponibilizados pelo Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN, 2020).
Para o cálculo das taxas de incidência da COVID-19 para 100 mil habitantes, foi utilizada a população
residente da tabela 1378, disponível no Banco de Tabelas Estatísticas (SIDRA) do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), com unidade territorial de bairros e subdistritos3 para o mapa
da taxa de incidência por bairro e RA, respectivamente. O cálculo da taxa de incidência de COVID-19
foi realizado na calculadora de campo do QGIS.
A elaboração do IPS da área urbana de Santa Maria ocorreu em três etapas que estão descritas no
trabalho de Spode (2020) e compreendem, de maneira geral, ao processo de seleção das variáveis,
retiradas do Censo Demográfico do IBGE de 2010, ao nível dos setores censitários, para elaboração
dos indicadores sociais, posteriormente, a padronização e a ponderação desses indicadores. Foram
selecionados cinco indicadores sociais para compor o IPS, que avaliam três dimensões da privação
social: a dimensão educação, a dimensão renda e a dimensão domicílio-saneamento. Esses
indicadores são: taxa de alfabetização; taxa de pessoas sem rendimento nominal mensal e até ½
salário mínimo; rendimento médio por domicílio particular permanente; taxa dos domicílios particulares
permanentes com esgotamento sanitário via vala; taxa dos domicílios particulares permanentes com
cinco ou mais moradores.
A padronização se deu através da técnica do mínimo e máximo, onde os valores de cada setor
censitário utilizado foram transformados em uma escala que varia entre 0 e 1, com os valores mais
próximos de 1 correspondendo a uma privação muito alta. Para a ponderação dos indicadores, utilizouse o Método de Análise Hierárquica (Analytic Hierarchy Process), que utiliza um modelo chamado
“matriz de comparações par a par”, onde cada indicador é comparado entre si. Desse modo, a matriz
de comparação permitiu que fossem atribuídos pesos diferentes para cada indicador selecionado, como
pode ser identificado no quadro 1.
Quadro 1 – Indicadores selecionados com respectivos pesos.
Indicadores
Taxa de alfabetização
Taxa de Pessoas sem rendimento nominal mensal e até ½ salário
Rendimento médio por domicílio particular permanente
Taxa dos domicílios particulares permanentes com esgotamento sanitário via vala
Taxa dos domicílios particulares permanentes com 5 ou mais moradores
Pesos
0,45
0,24
0,16
0,09
0,05
Fonte: IBGE (2011).
2
Por convenção internacional as semanas epidemiológicas são contadas de domingo a sábado. A primeira
semana do ano é aquela que contém o maior número de dias de janeiro e a última a que contém o maior número
de dias de dezembro (BRASIL, 2020).
3 As Regiões Administrativas de Santa Maria, elaboradas pelo Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN)
e os Subdistritos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), agrupam os bairros da mesma maneira.
Por isso, utilizou-se a unidade territorial dos subdistritos do IBGE para adquirir a população residente por RA. Para
o bairro “Sem Denominação”, que passou a constituir a área urbana de Santa Maria em 2015, compondo a Região
Administrativa Sul, realizou-se uma estimativa visual a partir do número de residência de uma imagem de satélite
do ano de 2010, relacionando com o número médio de residentes por domicílio do mesmo ano na área em questão.
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Finalmente, os dados foram modelados no Microsoft Office Excel e posteriormente inseridos em
ambiente SIG. O mapa da taxa de incidência e do IPS foram elaborados no QGIS 3.12.0 e finalizados
no compositor de impressão do mesmo software.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
DISTRIBUIÇÃO DA COVID-19 NO DISTRITO SEDE DE SANTA MARIA, RS
O primeiro caso de COVID-19, em Santa Maria, foi confirmado no dia 21 de março de 2020 (12ª SE).
Posteriormente a isso, uma rede de monitoramento foi organizada para observar a evolução dos casos.
No dia 31 de março de 2020, já havia oito casos confirmados, localizados nos seguintes bairros: Camobi
(3), Centro (2), Pé-de-Plátano (2) e Lorenzi (1). Em 19 de abril de 2020, houve um crescimento do
número de casos, ampliando a incidência de 4 para 14 bairros, a saber, Centro (4), Camobi (3), Duque
de Caxias (2), Nossa Senhora de Lourdes (2), Passo D’areia (2), Pé-de-Plátano (2), Boi Morto (1),
Caturrita (1), Juscelino Kubitschek (1), Lorenzi (1), Nossa Senhora das Dores (1), Nossa Senhora do
Rosário (1), Nossa Senhora Medianeira (1) e Salgado Filho (1). Já no dia 05 de maio de 2020, a
dispersão de casos de COVID-19 chegou a 39 confirmados, presentes em 19 dos 42 bairros de Santa
Maria. Os bairros Centro (6), Passo D’areia (4), Urlândia (4), Camobi (3), Nossa Senhora de Lourdes
(3), Nossa Senhora Medianeira (3), Caturrita (2), Duque de Caxias (2), Pé-de-Plátano (2), Boi Morto
(1), Juscelino Kubitschek (1), Lorenzi (1), Nossa Senhora das Dores (1), Nossa Senhora de Fátima (1),
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (1), Nossa Senhora do Rosário (1), Presidente João Goulart (1),
Salgado Filho (1) e São João (1), são aqueles que apresentavam casos confirmados de COVID-19 na
data apontada. A Tabela 1 ilustra as informações apresentadas nas três datas mencionadas,
sintetizando a evolução da contaminação por novo Coronavírus nas semanas epidemiológicas 14ª
(31/03/2020), 17ª (19/04/2020) e 19ª (05/05/2020).
Tabela 1 – Evolução dos casos de COVID-19 na área urbana de Santa Maria
Casos confirmados de COVID-19
31/03/2020
19/04/2020
05/05/2020
(14ª SE)
(17ª SE)
(19ª SE)
0
1
1
Bairros
Boi Morto
Camobi
3
3
3
Caturrita
0
1
2
Centro
2
4
6
Duque de Caxias
0
2
2
Juscelino Kubitschek
0
1
1
Lorenzi
1
1
1
N. Sra. das Dores
0
1
1
N. Sra. De Fátima
0
0
1
N. Sra. de Lourdes
0
2
3
N. Sra. do Perpétuo Socorro
0
0
1
N. Sra. do Rosário
0
1
1
N. Sra. Medianeira
0
1
3
Passo D’areia
0
2
4
Pé-de-Plátano
2
2
2
Presidente João Goulart
0
0
1
Salgado Filho
0
1
1
São João
0
0
1
Urlândia
0
0
4
TOTAL
8
23
39
Org.: Maurício Rizzatti (2020).
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Para um maior detalhamento e espacialização do atual contexto da COVID-19 na área urbana de Santa
Maria, apresenta-se a Figura 1. Nela está detalhada a distribuição dos casos confirmados, bem como
a taxa de incidência por bairro (para 100 mil habitantes). Tais dados evidenciam uma periferização do
Coronavírus, levando a necessidade de planejar a gestão das estratégias de saúde para a mitigação
deste processo.
Desde a 12ª SE, quando ocorreu o registro do primeiro caso confirmado de COVID-19 em Santa Maria,
foi possível observar que os bairros Centro e Camobi apresentaram-se como foco inicial do vírus, com
uma maior incidência da doença, fato atribuído a maior circulação de pessoas e disponibilidade de
serviços, conforme exposto na Tabela 1. Porém, o número de casos nestes bairros encontra-se, de
acordo com os dados do dia 05 de maio de 2020 (19ª SE), em processo de estabilização. Ainda ocorre
um crescimento no Centro, porém menos acentuado do que observado nos demais bairros; já o bairro
Camobi se mantem estagnado em número de notificações.
Na 17ª SE, evidencia-se o início do processo de periferização do vírus, com surgimento do primeiro
caso confirmado nos bairros Boi Morto, Caturrita, Juscelino Kubitschek e Salgado Filho. Também ocorre
um aumento dos casos nas áreas circunvizinhas ao Centro, como nos bairros Nossa Senhora das
Dores, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora Medianeira e Nossa Senhora do Rosário. Dessa
forma, há uma mudança na tendência espacial da distribuição da COVID-19. Essa constatação ganha
força na 19ª SE, em que o crescimento dos casos em números absolutos se torna maior nos bairros
considerados periféricos e, posteriormente, destacados no próximo item do trabalho.
Figura 1 – Taxa de incidência (por 100 mil habitantes) e número de casos confirmados de COVID-19
por bairro na área urbana de Santa Maria, RS, em 05 de maio de 2020
Elaboração: Maurício Rizzatti (2020).
A Vigilância Epidemiológica de Santa Maria está se organizando para adotar as RA como Regiões
Sanitárias para o enfrentamento da COVID-19 na cidade de Santa Maria. A Figura 2 e a Tabela 2
ilustram como os bairros destacados anteriormente se relacionam com estas unidades espaciais, bem
como destaca a incidência por 100 mil habitantes dos casos da doença em cada RA. Além disso,
demonstra o número de unidades de saúde que serão responsáveis pela gestão da pandemia em nível
local.
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Salienta-se que as RA Centro-Oeste e Oeste são os pontos extremos na taxa de incidência do novo
Coronavírus, apresentando a maior e a menor incidência por 100 mil habitantes, respectivamente. Em
contraste a isso, o menor número de unidades de saúde estão localizadas na RA Centro-Oeste e o
maior na RA Oeste, levando a necessidade da compreensão da distribuição espacial desses dois
fatores para a gestão da políticas de contenção do vírus, ou seja, pensar a distribuição de recursos
humanos nessas unidades de saúde, entre outras medidas a serem adotadas.
A RA Centro-Oeste, que totaliza seis casos confirmados, possui uma incidência de 26,91 por 100 mil
habitantes. Na RA Centro Urbano, que conta com catorze casos confirmados de COVID-19, a taxa de
incidência, que é de 23,41 para 100 mil habitantes, é menor que RA Centro-Oeste, devido ao maior
contingente populacional residente. Com valor semelhante ao Centro Urbano, a RA Sul, com cinco
casos confirmados e incidência de 23,07, merece destaque, pois sua significativa ampliação deve-se
ao acentuado surgimento de casos no bairro Urlândia; inexistindo contaminados pelo novo Coronavírus
na 17ª SE, passando para quatro casos na 19ª SE.
Já a RA Centro-Leste, com dois casos confirmados, conta com uma taxa de 16,43 para 100 mil
habitantes, aproximando-se das RA Norte e Leste com quatro e três casos confirmados,
respectivamente, correspondendo as taxas de 14,39 e 13,75 por 100 mil habitantes. Deve-se enfatizar,
todavia, que nas RA Leste e Centro-Leste, não há ampliação dos casos desde a 14ª SE, em
contraponto com as demais que apresentam crescimento.
Figura 2 – Taxa de incidência (por 100 mil habitantes) e número de casos confirmados de COVID-19
por RA na área urbana de Santa Maria, RS, em 05 de maio de 2020
Elaboração: Maurício Rizzatti (2020).
Com os menores índices de incidência de COVID-19, sobressaem-se as RA Nordeste e Oeste.
Apresentando três casos e 6,94 por 100 mil habitantes e dois casos e 5,44 por 100 mil habitantes de
números absolutos e de taxa, respectivamente.
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Tabela 2 – Taxa de incidência de COVID-19 (por 100 mil hab.), bairros que compõem as RA e
número de unidades de saúde por RA, em 05 de maio de 2020
Região
Administrativa
(RA)
Centro Urbano
Taxa de
Incidência
por RA (por
100 mil hab.)
em
05/05/2020
23,41
Centro-Leste
16,43
Centro-Oeste
26,91
Leste
13,75
Nordeste
6,94
Norte
14,39
Oeste
5,44
Sul
23,07
Bairros que compõem a RA
N° de unidades
de saúde por RA
(UBS, ESF e
EACS)
Bonfim, Centro, N. Sra. de Fátima, N. Sra.
de Lourdes, N. Sra. do Rosário, N. Sra.
Medianeira e Nonoai
Cerrito, Diácono J. L. Pozzobon, Pé-dePlátano e São José
Duque de Caxias, Noal, Patronato, Passo
D'areia e Uglione
2
Camobi
2
Campestre do Menino Deus, Itararé, Km 3,
Menino Jesus, N. Sra. das Dores e
Presidente João Goulart
2
Carolina, Caturrita, Chácara das Flores,
Divina Providência, N. Sra. do Perpétuo
Socorro e Salgado Filho
Agro-Industrial, Boi Morto, Juscelino
Kubistchek, Nova Santa Marta, Pinheiro
Machado, Renascença, São João e
Tancredo Neves
Dom Antônio Reis, Lorenzi, Sem
Denominação, Tomazetti e Urlândia
3
3
2
7
3
Org.: Maurício Rizzatti e Natália Lampert Batista (2020).
Os casos registrados demonstram a dispersão da COVID-19 para regiões periféricas de Santa Maria,
conduzindo a necessidade de planejamento de estratégias para o combate ao novo Coronavírus. Para
aprofundar tal abordagem, na sequência, abordou-se a periferização da COVID-19, com base na sua
correlação com o IPS, que identifica as áreas de maior pobreza na cidade e privadas de recursos. É
importante compreender que quanto maior for a abrangência espacial do evento, maiores as chances
de propagação e, consequentemente, os desafios para vigilância e contenção.
PERIFERIZAÇÃO DA COVID-19 NO DISTRITO SEDE DE SANTA MARIA, RS
A difusão espacial do vírus, como diversos estudos vem demonstrando, desloca-se das áreas mais
densas, em termos de fluxos, para as áreas menos densas, com menor fluxo de pessoas e objetos.
Esse padrão pode ser observado no estado de São Paulo ou no Rio Grande do Sul, por exemplo, além
de países como os Estados Unidos e Itália. Como não poderia ser diferente, esse comportamento
parece, também, ocorrer nas cidades médias, como Santa Maria, com os casos se concentrando,
primeiramente, nos bairros de maior fluxo, para no segundo momento, avançar para as áreas de menor
fluxos, nas periferias da cidade.
Esse padrão espacial pode ser identificado através dos dados expostos, que demonstram que os
primeiros bairros com casos confirmados foram Centro e Camobi, locais de maior circulação de
pessoas, como também, com maior densidade de comércios e serviços na cidade. Nos bairros citados,
como pode ser conferido no mapa do IPS da Figura 3, a privação social é muito baixa, salvo as porções
norte e a COHAB Fernando Ferrari em Camobi, duas áreas que apresentam expressivas situações de
privação. O bairro Camobi, cabe destacar, abriga a Universidade Federal de Santa Maria, além da ALA
4 (antiga Base Aérea de Santa Maria) e do Aeroporto Civil, o que o torna alvo de intenso fluxo
populacional.
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Figura 3 – Índice de Privação Social por setor censitário e número de casos confirmados de COVID19 por bairro em Santa Maria, RS, em 05 de maio de 2020
Fonte: SPODE, 2020 – adaptado.
Elaboração: Maurício Rizzatti, 2020
Por outro lado, embora o Centro permaneça registrando casos confirmados, verifica-se que o vírus vem
ganhando terreno pelas áreas periféricas, em bairros como Urlândia e Lorenzi, na RA Sul, também no
Salgado Filho e Caturrita, na RA Norte, além de bairros como Passo D’areia (RA Centro-Oeste), São
João e Boi Morto (RA Oeste) e Presidente João Goulart (RA Nordeste). São essas áreas, Sul, Norte e
Oeste, as mais carenciadas da cidade de Santa Maria, como pode ser verificado no mapa (Figura 2),
embora não em sua totalidade.
Desse modo, o que o IPS nos sugere, é que nas enormes manchas de pobreza, representadas nas
áreas em vermelho no mapa, as condições para enfrentamento da doença são mais limitadas, em vista
de todas as privações dessas áreas. Nessas áreas, cujo adensamento ocupacional das residências é
extremamente elevado, as medidas de isolamento social e de quarentena se tornam tarefas
impraticáveis. No bairro João Goulart (RA Nordeste), por exemplo, um dos setores censitários
apresenta taxa de 16,92 moradores por domicílio, assim como no bairro Salgado Filho (RA Norte), com
15,72, conforme os dados demonstrados por Spode (2020).
Ademais, são essas áreas periféricas as que possuem os maiores problemas relacionados a
infraestrutura urbana. Essa realidade é evidenciada, especialmente, nas áreas de ocupação irregular
na cidade, privadas dos recursos mais basilares, como o saneamento básico e a própria moradia. Essas
áreas irregulares se localizam, principalmente, nas margens do Arroio Cadena e dos trilhos da ferrovia,
em sua maioria abandonados, em bairros como Salgado Filho, Carolina, Caturrita, Passo D’Areia,
Urlândia, Lorenzi, entre outros bairros de alta privação social.
Nesse sentido, se no primeiro momento a COVID-19 se manifesta nas áreas de baixa privação, em
núcleos densificados, com maiores fluxos, no momento posterior, a doença atinge as áreas mais
pobres, habitadas por homens mais lentos, como diria Milton Santos (2006), cuja estrutura urbana é
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historicamente precarizada. Na cidade de Santa Maria, como coloca Spode (2020), os pobres são
distribuídos geograficamente em todas as áreas, no entanto, concentrando-se em sua maioria nas
regiões periféricas, especialmente nas áreas de influência ferroviária ou do Arroio Cadena, áreas cuja
incidência do novo Coronavírus tende a se intensificar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho traz como contribuição uma discussão, ainda em andamento devido a vigência
pandêmica, sobre a evolução espacial da COVID-19 na área urbana de Santa Maria, promovendo uma
argumentação articulada com os debates da Geografia da Saúde e buscando reduzir os impactos do
novo Coronavírus em nível local. Os dados observados ao longo do texto, permitem evidenciar que os
bairros Centro e Camobi se encontram em processo de estabilização da infecção de seus moradores,
apesar dos maiores fluxos de pessoas e densidades de serviços. Em contrapartida, os bairros
periféricos estão em ascensão nas taxas de incidência de casos confirmados da enfermidade. Essas
averiguações são percebidas ao comparar as SE citadas no decorrer do trabalho e as produções
cartográficas apresentadas.
Ressalta-se, também, que a adoção das RA, como Regiões Sanitárias, para o planejamento das
estratégias em saúde em Santa Maria, pode se mostrar eficiente, desde que articuladas as demandas
dos contaminados com as unidades de serviços de saúde e disponibilidade de recursos humanos para
atendimento dessa população. Um fato preocupante no contexto santa-mariense é a sobreposição do
número de casos confirmados com uma privação social elevada, pois compromete a promoção da
saúde na medida em que as populações não conseguem cumprir as medidas necessárias de
prevenção: isolamento social e quarentena. Tal fato conduz a necessidade da adoção de indicadores
que colaborem com o enfrentamento da pandemia de forma que se preserve a vida dos moradores de
Santa Maria, reduzindo os impactos, em especial, nas populações carentes, que tendem a sofrer mais
com o novo Coronavírus.
AGRADECIMENTOS
O trabalho foi realizado no âmbito do projeto “Observatório de Dados da COVID-19", da Universidade
Federal de Santa Maria, como colaboração à vigilância e através do qual se teve acesso aos dados.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e ao Programa Nacional de Pós-Doutorado
(PNPD – CAPES).
REFERÊNCIAS
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Maria, Centro de Ciências Naturais e Exatas, Programa de Pós-Graduação em Geografia e
Geociências, RS, 2020.
DOI:http://dx.doi.org/10.14393/Hygeia0054554
Hygeia
Edição Especial: Covid-19, Jun./2020 p.441 - 449, pág. 449