Motricidade
2012, vol. 8, n. S2, pp. 1105-1112
© FTCD/FIP-MOC
Suplemento do 1º EIPEPS
Afetos positivos e negativos em jovens acometidos por condições
crônicas da rede pública estadual de ensino da cidade de Montes
Claros/MG
Positive and negative affects in young people with chronic conditions in
public schools of the city of Montes Claros/MG
A.M. Rocha, H.L.S. Porto, M.B. Inácio, E.H. Evangelista e Souza, G. Tolentino
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
O presente estudo objetivou comparar os afetos positivos e negativos entre jovens acometidos por
Diabetes Mellitus, jovens com excesso de peso, e jovens aparentemente saudáveis. Foi realizado um
estudo em 37 escolas públicas da cidade de Montes Claros - MG onde foram identificados 10 escolares
acometidos por Diabetes Mellitus (DM). Obteve-se um grupo com 11escolares com sobrepeso ou
obesidade (SP) e outro grupo com 12 jovens supostamente saudáveis (CO). Para avaliação dos estados
emocionais foi utilizada a Escala de Afetos Positivos e Negativos. Os resultados relativos a estes afetos
indicaram que os três grupos apresentaram elevados escores de afetos positivos quando comparado aos
aspectos negativos, e que o grupo SP apresentou o afeto positivo significativamente maior do que os
grupos DM e CO. Conclui-se que escolares acometidos por DM e aqueles aparentemente saudáveis
apresentam afetos positivos e negativos significativamente inferiores quando comparados aos escolares
com sobrepeso/obesidade SP e este aspecto poderia estar associado a alterações hormonais e a dieta.
Palavras-chave: diabete mellitus, obesidade, escolares, escala de afetos
ABSTRACT
This paper aims to compare positive affection and negative affection between young affected by
Diabetes mellitus (DM), overweight young (SP) and others supposedly healthy (CO).A study in 37
public schools in Montes Claros-MG was performed in which was identified 10 diabetics elementary
students. So formed a group with 11 elementary students with overweight or obesity (SP) and another
group with 12 presumably healthy young. For evaluation of the emotional states we used the Scale of
positive and negative affections. The scores on the positive and negative affection indicated that the
three groups showed positive affection higher than negative aspects, and the SP group showed positive
affection significantly higher than DM and CO groups. It is concluded that students affected by DM
and those apparently healthy have positive and negative emotions significantly lower than students
with overweight / obesity SP and this might be associated with hormonal changes and diet.
Keywords: diabetes mellitus, obesity, schoolchildren, affection scale
Submetido: 01.08.2011 | Aceite: 14.09.2011
Adsonelle Morais Rocha. Programa de Iniciação Científica Voluntária, acadêmico do curso de graduação em
Educação Física da Unimontes, Brasil.
Hisabella Lorena Simões Porto. Bolsista do Programa de Iniciação Científica FAPEMIG, acadêmica do curso de
graduação em Medicina da Unimontes, Brasil.
Míriam Braga Inácio. Aluno do curso de Nutrição da Faculdade e Saúde Ibituruna, Brasil.
Eric Hudson Evangelista e Souza. Bolsista do Programa de Iniciação Científica FAPEMIG, acadêmica do curso de
graduação em Educação Física da Unimontes, Brasil.
Grassyara Tolentino. Prof. Msc.do Departamento de Educação Física e Desporto da Unimontes. Coordenadora
do Laboratório do Bem-Viver, aluna do Programa de Pós-graduação Stricto-Sensu em Ciências da Saúde
UnB-DF, Brasil.
Endereço para correspondência: Grassyara Tolentino, Universidade Estadual de Montes Claros - Campus
Universitários Prof. Darcy Ribeiro – Caixa Postal 126, CEP: 39401-08 Vila Mauricéia – Montes Claros –
MG, Brasil.
E-mail:
[email protected]
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Doenças crônicas (DC) são transtornos a
saúde que necessitam de monitoramento em
longo prazo, possuindo diversas etiologias e
conduzindo ao incômodo devido à obrigatoriedade de tratamentos Organização Mundial
de Saúde [OMS] (2006). Embora algumas DC
não sejam visualmente perceptíveis elas geralmente são acompanhadas de estigmas, devido
a aspectos associados à própria doença como
mudanças na rotina diária além do risco de
morte. Sendo aqueles considerados “doentes”,
uma sobrecarga para a família e para a sociedade (Fernandes & Li, 2006).
O Diabetes Mellitus (DM) é uma condição
crônica que não apresenta sintomas visualmente detectáveis e que provoca alterações na
vida social de crianças e adolescentes. Zanetti e
Mendes (2001) identificaram que estes, quando acometidos pelo DM, apresentam maiores
dificuldades relacionadas à convivência social e
à adaptação escolar.
Em contrapartida a obesidade é uma doença
crônica identificada visualmente, o que acarreta um grande desconforto social aos acometidos, por não ser possível omitir e até mesmo
escondê-la para ser bem aceito. O padrão de
beleza atualmente valoriza o corpo magro como sinônimo de beleza e referência em saúde,
causando um descontentamento nos indivíduos que não se adequaram a esse padrão. A
supervalorização da magreza transforma a gordura em um símbolo de falência moral e o indivíduo acima do peso, mais do que apresentar
um peso socialmente inadequado, passa a
carregar uma marca moral indesejável, ou seja,
um estigma (Mattos & Luz, 2009). Ficando os
indivíduos que apresentam a obesidade expostos a sensação de incômodo com a aparência
física havendo dificuldades de relacionamento
com colegas e na realização de tarefas cotidianas (Silva, Jorge, Domingues, Nobre, Chambel, & Castro, 2006).
Apesar de serem condições crônicas distintas, com manifestações e terapêutica diferenciadas, o DM e a obesidade se tornam comuns
em um ponto, ambas representam uma sobrecarga psicossocial e que pode influenciar nega-
tivamente o bem-estar subjetivo de crianças
acometidas por essas condições.
O Bem-estar subjetivo (BES) é considerado
uma experiência interna de cada indivíduo, ou
seja, a avaliação que as pessoas fazem da própria vida resultando em experiências positivas
ou negativas (Giacomoni, 2004). Segundo Giacomoni (2002) o BES é composto por três aspectos: afetos positivos, afetos negativos e satisfação global com a vida. Os afetos positivos
refletem a extensão do quanto uma pessoa está
sentindo entusiástica, ativa e alerta, enquanto
o afeto negativo é uma dimensão geral da angústia e insatisfação, o qual inclui uma variedade de estados de humor aversivos, incluindo
raiva, culpa, desgosto, medo Já a satisfação de
vida relaciona-se com o quanto uma pessoa se
sente realizada com a própria vida e por isso
depende de fatores extremamente subjetivos.O
julgamento de quão satisfeita uma pessoa está
depende de uma padrão que cada um estabeleceu para si próprio (Giacomoni & Hutz,
2006.)
Há indícios de que escolares com DM e que
lidam bem com a doença apresentaram glicemia capilar média significativamente menor
quando comparados aqueles que sentem vergonha de assumir a doença ou temem que aconteça alguma crise em público, indicando assim,
uma associação positiva entre as dificuldades
de lidar com a doença e pior controle glicêmico
(Maia & Araújo, 2004). Dados preocupantes
também já foram diagnosticados em estudos
com crianças e adolescentes com excesso de
peso. Além de apresentar uma qualidade de
vida reduzida quando comparados a crianças de
peso normal (Kunkel, Oliveira, & Peres, 2009).
A marginalização social é um problema sério para escolares, pois, pode conduzir a estado
de saúde mental negativo o que pode levar a
outros comportamentos deletérios. Deste modo, buscando uma maior compreensão sobre
condições crônicas e aspectos psicossociais em
crianças e adolescentes justificou-se a realização do presente estudo, que teve como objetivo
avaliar os afetos positivos e negativos em
escolares acometidos por DM e compará-los ao
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de escolares que apresentam obesidade e escolares aparentemente saudáveis.
MÉTODO
Este estudo caracterizou-se como descritivo
e comparativo.
Amostra
A detecção de jovens acometidos por DM
foi realizada através de entrevistas a 10.643
escolares regularmente matriculados do 6º ao
9º ano do ensino fundamental das escolas públicas estaduais da zona urbana da cidade de
Montes Claros. A rede estadual de ensino desta
cidade conta com 55 instituições, no qual, 13
não possuem séries finais do ensino fundamental e 6 pertencem a zona rural. Revelando
um número total de 36 escolas estaduais além,
de um Colégio Militar, totalizando 37 escolas
visitadas. Após o diagnóstico de um possível
voluntario acometido por diabetes, imediatamente, selecionava-se na mesma sala, outro
aluno visualmente sobrepesado e um terceiro
que informava não possuir doença crônicodegenerativa. A formação da amostra total foi
determinada a partir do número de jovens com
DM encontrados. Ao final da visita às 37
escolas estabeleceu-se 3 grupos: o grupo de
escolares acometidas por diabetes (DM,
n=10), o grupo de escolares visualmente sobrepesados (SP, n=11) e o grupo de escolares
aparentemente saudáveis (CO, n=12).
Os critérios de inclusão na pesquisa foram:
demonstrar interesse e voluntariedade na participação; estar regulamente matriculado em
instituição de ensino público estadual; estar
apto a responder os questionários; apresentar o
termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE) assinado pelos pais ou responsável. No
grupo DM, o diagnóstico foi confirmado através de documentação clínica apresentada pelos
pais ou responsáveis. No grupo SP o excesso
de peso foi confirmado através de mensurações
antropométricas e cálculo do Índice de Massa
Corporal (IMC).
Os critérios de exclusão adotados para todos os grupos foram: apresentar alguma defi-
ciência física ou mental; recusa em participar
do estudo ou não apresentar o TCLE assinado
pelo responsável.
A coleta de dados foi iniciada após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes: nº 1734/2009.
Instrumentos
No presente estudo foi utilizado um questionário demográfico, sociocultural e biomédico que forneceu dados de caracterização da
amostra como gênero, idade, nível de escolaridade, utilização ou não de medicamentos,
dentre outros.
Os estados emocionais positivos e negativos
foram mensurados através da Escala de Afetos
Positivos e Negativos proposta por Giacomoni
e Hutz (2006). Ela e composta por 34 itens
sendo 17 questões sobre sentimentos agradáveis (afetos positivos) e 17 questões sobre sentimentos desagradáveis (afetos negativos). As
respostas são fornecidas através de uma escala
de Likert onde os valores são representados da
seguinte forma: nenhum pouco (1), um pouco
(2), mais ou menos (3), bastante (4) e muitíssimo (5). A amplitude da escala varia de 17 a
85. Através da aplicação da mesma e possível
inferir sobre os níveis de afeto positivo e negativo em crianças a partir de sete anos de idade,
sendo estas variáveis componentes do bemestar subjetivo.
As medidas antropométricas mensuradas
foram: a massa corporal através da balança
digital da marca Wiso®, modelo W-721 com
precisão de 100 gramas e capacidade de 150
kg, durante a mensuração os escolares mantiveram a posição ortostática com vestimentas
leves e descalços; a estatura foi avaliada através
de estadiômetro digital da marca Wiso®, estando os escolares na posição vertical, eretos,
descalços e pés paralelos. O cálculo do Índice
de Massa Corporal (IMC) utilizando a fórmula
de Quetelet, em que o peso (quilogramas) é
dividido pelo quadrado da estatura (metros).
Procedimentos
Após a identificação dos possíveis voluntá-
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rios foi feito um contato telefônico com os pais
ou responsáveis informando sobre os objetivos
e a metodologia do estudo, solicitando autorização para participação das crianças e adolescentes e agendamento da coleta de dados. Após
autorização foi encaminhado aos mesmos o
termo de consentimento livre e esclarecido
(TCLE) para que assinassem. Na data marcada,
primeiramente foi recolhido o TCLE devidamente assinado, em seguida, o escolar encaminhou-se a uma sala disponível onde respondeu
ao Questionário Demográfico, Sociocultural e
Biomédico; e a Escala de Afeto Positivo e Negativo para Crianças. Logo após, foram aferidas
as medidas antropométricas. A coleta foi realizada na própria escola na presença de dois profissionais de educação física para garantir a
idoneidade dos dados e a segurança dos voluntários.
Análise Estatística
Os dados foram organizados através de frequência, percentual, medial e desvio padrão. A
normalidade dos dados foi testada através do
teste de Shapiro-Wilk. A diferença entre os afetos positivos e negativos em um mesmo grupo
foi comparada através do teste t de Student
pareado. As diferenças nas variáveis contínuas
entre os grupos foi testada através da ANOVA
one way, a homogeneidade dos dados através
do teste de Levene com post hoc de Bonferroni
para aquelas com igualdade de variância e
Dunnett C para os não homogêneos. A correlação entre os dados foi examinada através do
teste de Pearson para os dados paramétricos e
do ρ de Spearman para os dados não-paramétricos. O nível de significância adotado foi p ≤
.05 e o pacote estatístico utilizado o SPSS®
versão 14 para Windows®.
RESULTADOS
Os dados de caracterização da amostra
indicaram que a maioria dos participantes era
do sexo masculino, sendo que cerca de 72.7%
para o grupo SP, 70% para o DM e 58.3% do
CO. A renda familiar predominante dos grupos
DM (50%) e SP (30.8%) estão na faixa de dois
a quatro salários mínimos. Já no Grupo CO
46.7% dos estudantes viviam com uma renda
familiar de meio a um salário. Os participantes
frequentavam entre 6º e 9º ano em escolas
públicas estaduais. Do grupo DM as séries
mais cursadas foram o 7º e 8º ano, apresentando 30% respetivamente, já para o grupo SP
foi o 7º ano (53.8%) e o grupo CO com 31.3%
no 6º ano. A maioria dos escolares possuía
plano de saúde, sendo 70% do total do grupo
DM, 45.5% do SP e 50% do CO.
Como esperado, os escores médios obtidos
nas variáveis massa corporal e IMC no grupo
SP (tabela 1) foram significativamente mais
elevados do que os do grupo DM (p = .001 e p
= .001 respetivamente) e CO (p = .001 e p =
.001).
Os escores médios da escala de afetos para
os três grupos encontram-se descrita na tabela
2. As análises estatísticas indicaram que os escores do afeto positivo foram significativa-
Tabela 1
Valores médios (M), desvios-padrão (DP) das variáveis antropométricas e idade dos grupos DM, SP e CO
DM (n=10)
SP (n=13)
CO (n=16)
M±DP
M±DP
M±DP
Idade
13.30±2.35
12.81±1.25
12.45±1.21
Massa Corporal
44.22±6.60
79.69±15.72*
42.90±7.68
Estatura
1.53± .08
1.60± .09
1.56± .08
IMC
18.75±1.26
30.37±3.57**
17.49±2.05
Variáveis
Nota: M = Média, DP= Desvio Padrão; IMC = Índice de Massa Corporal; DM = grupo de crianças acometidas por diabetes;
SP = grupo de crianças visualmente sobrepesadas; CO = grupo de crianças aparentemente saudáveis. * efeito significante
observado na variável massa corporal entre os grupos DM e SP (p = .001); SP e CO (p = .001); **efeito significante
observado na variável IMC entre os grupos DM e SP (p = .001); SP e CO (p = .001).
Afetos positivos e negativos em escolares com doenças crônicas | 1109
Tabela 2
Valores médios (M), desvios-padrão (SD) da Escala de Afetos nos grupos DM, SP e CO
DM (n=10)
SP (n=13)
CO (n=16)
M±DP
M±DP
M±DP
Afeto Positivo
61.50±10.41†
72.20±6.85* †
66.71±9.10 †
Afeto Negativo
28.30±6.84
36.00±15.54
27.27±6.85
Variáveis
Nota: M = Média, DP= Desvio Padrão; r = correlação; DM = grupo de crianças acometidas por diabetes; SP = grupo de
crianças visualmente sobrepesadas; CO = grupo de crianças aparentemente saudáveis. † efeito significante observado nos
afetos positivos quando comparado aos afetos negativos nos grupos DM (p = .001); SP (p = .001) e CO (p = .001); *efeito
significante observado no afeto positivo entre os grupos DM e SP (p = .033); SP e CO (p = .033)
mente maior em todos os grupos quando
comparado aos afetos negativos. Além disso,
observou-se que o afeto positivo no grupo SP
apresentou valores significativamente elevados
quando comparado ao grupo DM (p = .033) e
o grupo CO (p = .033).
As análises correlacionais indicaram uma
relação entre o afeto positivo e as variáveis antropométricas massa corporal (r = .403; p=
.018) e IMC (r = .387; p = .024); e o afeto negativo e o IMC (r = .416; p= .014).
DISCUSSÃO
Os dados relativos aos afetos indicaram que
os três grupos analisados apresentaram elevados escores de afetos positivos quando comparado aos aspectos negativos. Além disso, os
escores médios apresentados pelos três grupos
ultrapassaram os valores médios da escala
aproximando-se dos valores máximos (85 pontos) (Giacomoni, 2002). Este é um aspecto favorável em uma amostra de crianças que apresentam DM e sobrepeso, pois são indícios de
que, estas condições podem não representar
uma sobrecarga psicológica tão grande para os
jovens entrevistados. O elevado afeto positivo
pode estar associado no grupo DM a um controle eficaz da doença, já que nenhum voluntário apresentava complicações ou quadros
agudos no período das análises. E no grupo SP
a uma ausência de sintomas associado ao peso
elevado. Estas conjecturas são suportadas por
Faria e Seidi (2006) quando analisou indivíduos acometidos por HIV/AIDS, no qual o tra-
tamento bem-sucedido e a falta de sintomatologia foram associados a um bem-estar.
Afetos positivos elevados são de grande relevância para os jovens principalmente acometidos por condições crônicas, pois favorecem a
aproximação e o convívio entre os indivíduos
auxiliando na sua inserção social e nas relações
cotidianas (Dierk, 2006).
Curiosamente não foram detectadas alterações nos humores negativos de crianças com
DM quando comparadas aos grupos SP e CO.
Apesar do DM ser uma condição crônica de
manejo laborioso e que acarreta severas limitações na vida dos indivíduos (Moreira & Dupas,
2006), ela é imperceptível socialmente. Este
pode ser um fato favorável desta condição
quando comparado à obesidade. Além disso,
estar sob tratamento pode conferir uma determinada sensação de segurança, normalidade e
controle, o que favoreceria a redução dos afetos
negativos no grupo DM (Faria & Seidi, 2006).
Os afetos positivos em crianças com DM estariam associados a um bom convívio familiar,
desenvolvimento saudável e controle na progressão do DM (Fritsch, Overton, & Robbins,
2011).
As comparações entre os grupos revelaram
ainda que os afetos positivos, também, foram
mais elevados no grupo SP, em relação ao DM
e CO. Este é um dado inesperado, porém, detectado em estudos com crianças acometidos
por outras condições crônicas como câncer
(Cantrell & Lupinacci, 2004) e Lupus Eritematoso Sitêmico (Santoantonio, Yazigi, & Sato,
1110 | A.M. Rocha, H.L.S. Porto, M.B. Inácio, E.H. Evangelista e Souza, G. Tolentino
2004). Não sendo, ainda, unânimes (Bizarro,
2001).
Em oposição Carr, Friedman e Jaffe (2007)
detectaram associações entre a composição
corporal e os afetos negativos. Neste estudo
com amostra de 3.353 pessoas classificados em
três grupos de obesidade (grau I, II, III), observou-se que todos os indivíduos apresentavam
níveis elevados de afeto negativos e redução no
afeto positivo, sendo estas diferenças mais
acentuadas naqueles com obesidade de grau
III. Estes resultados também foram detectados
em estudo com 226 adultos, que foram classificados em 3 grupos de acordo com IMC (grupo 1, IMC=30.0-34,9) (grupo 2, IMC=35.039.9) e (grupo 3, IMC=+40.0) onde os afetos
foram mensurados através do PANAS, seus
achados indicaram uma associação entre valores afeto negativo e IMC elevado. O grupo 2
obteve valores superiores de afetos negativos
em relação ao grupo 1, e o grupo 3 foram mais
elevados nos afetos negativos em relação ao
grupo 2 (Dierk, 2006).
Os estudos sobre obesidade e humor negativo ainda são controversiais. Embora haja uma
crença de que o IMC elevado estaria associado
a afetos negativos, diversos estudos não confirmam esta hipótese (Shin & Shin, 2007). Uma
pesquisa longitudinal com 4734 adolescentes
não identificou associação entre o IMC e sintomatologia depressiva, apesar de detectar alterações em outros aspectos da saúde e qualidade de vida (Swallen, Reither, Haas, & Meier
2005). Deste modo, parece que aspectos como
insatisfação corporal, qualidade de vida relacionada a saúde e auto-estima seriam mais relevantes do que o IMC na determinação de estados afetos positivos em pessoas com obesidade
(Swallen et al., 2005; Shin & Shin, 2007),
Segundo Giacomoni (2002) definir bemestar é difícil, uma vez que pode ser influenciado por variáveis tais como idade, gênero,
nível socioeconômico e cultura. Para esse autor, as principais teorias iniciais de bem-estar
subjetivo estavam preocupadas em identificar
como os fatores externos, as situações e as
variáveis sócio demográficas afetavam a feli-
cidade. Estas abordagens, conhecidas como
bottom-up, mantêm como base o pressuposto
de que existe uma série de necessidades humanas universais e básicas, e que a satisfação, ou
não, destas viabiliza a felicidade.
Carr et al. (2007) vão além, quando afirmam que não é a obesidade em si que provoca
a diminuição do bem-estar nos indivíduos, mas
sim os estressores associados esta condição. E
aspectos como uma pobre saúde física, funcionamento físico comprometido, discriminação
interpessoal e problemas nos relacionamentos
familiares podem gerar um quadro estressante,
desconfortável e negativo para pessoas com
excesso de peso. Além disso, o suporte e habilidades sociais são descritos como preditores
independentes do bem-estar subjetivo em indivíduos com obesidade (Dierk, 2006).
Outra possível justificativa dos níveis elevados dos afetos positivos nos indivíduos com
sobrepeso seriam as alterações fisiológicas
associadas ao tecido adiposo. Uma característica comum da obesidade é o desequilíbrio
dos hormônios reguladores, que normalmente
agem para manter o balanço energético e o
peso corporal estáveis. O hormônio leptina é
um deles, apresentando níveis acima dos normais em indivíduos com excesso de peso. Sua
função é amortecer o apetite. Havendo evidências que ele atua também na motivação, através
da sua ação sobre circuitos de recompensa no
cérebro; na cognição; apresentado ainda uma
ação antidepressiva (Davis, 2010). Desta forma, indivíduos com excesso de peso e superexpressão da leptina tenderiam a apresentar afetos positivos com maior frequência do que
indivíduos que tem estes hormônios sob controle. Estas conjecturas são suportadas por outro estudo que mensuraram associação entre
os níveis de leptina e a massa gorda, massa
corporal e sintomas depressivos em mulheres
(Lawson et al., 2011).
Berthoud (2008) afirma que sistema digestório é um órgão com elaborados mecanismos
neurais e hormonais, e que a mediação vagal e
os sinais hormonais afetam não apenas as
regiões caudais do cérebro, como também, os
Afetos positivos e negativos em escolares com doenças crônicas | 1111
centro superiores, influenciando processos cognitivos de escolha e as emoções. Atualmente é
reconhecido que existe uma sobreposição substancial entre as regiões do cérebro que regulam
a homeostase da energia corporal e as emoções
(Davis, 2010). Logo, os estímulos vagais interioceptivos que atuam junto ao hipotálamo e o
sistema límbico apresentam a uma ação que vai
além do controle da saciedade após as refeições. Influenciando, também, na seleção dos
alimentos, balanço energético global, motivação e estados emocionais (Berthoud, 2008).
Além das associações entre as vias neurohumorais o tipo de dieta é um fator que pode
interferir nos estados de humor. Aminoácidos
como triptofano e tirosina presentes nos alimentos favorecem a metabolização e utilização
de hormônios relacionados às endorfinas, gerando um quadro de humor positivo (Ioakimidis et al., 2011). Sendo que a grande oferta de
substâncias ligadas as vias metabólicas das endorfinas conduziriam a sensação de felicidade e
bem-estar. Além disso, o consumo de carboidratos e açúcar também estão associados a alegria (Feijó, Bertolucci, & Reis, 2011; Lieberman, Wurtman & Chew, 1986).
Não foram detectados pelos pesquisadores
estudos que comparassem os afetos positivos e
negativos em crianças e jovens com DM, sobrepeso/obesidade e aparentemente saudáveis na
população brasileira.
Deste modo, conclui-se que os escolares
pesquisados regularmente matriculados do 6º
ao 9º ano em escolas da rede pública estadual
da cidade de Montes Claros apresentaram escores estatisticamente significativos dos afetos
positivos quando comparados aos afetos negativos.
As comparações entre os grupos indicaram
que os escolares com sobrepeso/obesidade obtiveram valores superiores nos afetos positivos
quando comparados ao grupo de escolares com
Diabetes Mellitus e ao grupo aparentemente
saudável e este aspecto poderia estar associado
a alterações hormonais e a dieta.
As limitações do presente estudo encontram-se na escassez de dados sociais ou biomé-
dicos que poderiam fornecer outras associações
relevantes. O ponto forte encontra-se na abrangência amostral do estudo, principalmente no
grupo de crianças acometidas por DM.
Novos estudos são necessários para tentar
elucidar as questões aqui levantadas, principalmente quanto aos fatores que estariam associados aos afetos em jovens com condições crônicas. Sugere-se que dados clínicos e análises
sociais sejam incluídos em futuros estudos.
Agradecimentos:
Os autores agradecem o apoio financeiro da
FAPEMIG.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
FAPEMIG.
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