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Sobre a Impassividade da Mente Humana - Anton Wilhelm Amo

2020

De humanae mentis apatheia

Edição Bilíngue LATIM – PORTUGUÊS Versão 09-jun-2020 Coordenação do Projeto Fernando de Sá Moreira Tradução, Transcrição e Notas Fernando de Sá Moreira Capa Rodrigo Freese Gonzatto Foto da Capa Fernando de Sá Moreira Prefácio Carlos Eduardo do Nascimento Fernando de Sá Moreira Posfácio Dwight K. Lewis Jr. Yung In Chae Restauração de Imagens Rodrigo Freese Gonzatto Revisão de Design Rodrigo Freese Gonzatto Revisão de Tradução Thiago Sebastião Reis Contarato Por favor, referencie esta obra como: AMO, Anton Wilhelm. Sobre a Impassividade da Mente Humana. Tradução de Fernando de Sá Moreira. Versão 09-jun-2020. Disponível em: <http://amoafer.wordpress.com/apatheia-ebook/>. Para mais informações sobre a vida e a obra de Anton Wilhelm Amo, consulte o site Amo Afer – Online: http://amoafer.wordpress.com. Dedicado à memória de Marielle Franco, Evaldo Rosa, João Pedro Mattos, Miguel Otávio da Silva, George Floyd, e tantos e tantas outras... Sumário Prefácio à Edição Brasileira................................................................6 Sobre esta Tradução...........................................................................11 Sobre a Impassividade da Mente Humana........................................16 Capítulo 1...............................................................................20 Capítulo 2...............................................................................38 Observações do Reitor...........................................................50 Observações do Orientador...................................................58 Obras Mencionadas...........................................................................61 Posfácio.............................................................................................63 Sobre os(a) Colaboradores(a)............................................................67 Declaração sobre Direitos Autorais...................................................68 5 Prefácio à Edição Brasileira1 “A menos que Nyankopon consinta Nenhuma tempestade pode me derrubar. Só Ele pode ver na escuridão De onde viemos, para onde vamos.”2 Para os nzema, antigo povo africano, vivo no corpo, na alma e nos costumes de parte da população de Gana, amaneɛ3 representa um momento especial, quando todos se reúnem para compartilhar experiências e emoções através de histórias. Aqueles que vêm de longe, após sua longa jornada, contam suas aventuras e ganham a admiração daqueles que escutam. Isso é uma parte importante das tradições de formação e da cultura desse povo. Conta-se que um dia, nos arredores da cidade de Axim, na África Ocidental, aportou um homem de meia idade com feições estranhamente familiares. Ele havia empreendido uma longa viagem por mares distantes e terras frias, e talvez tenha desembarcado com baús abarrotados de livros. É provável que muitos curiosos tenham corrido para vê-lo, e certamente alguém deve ter comentado que ele transparecia grande sabedoria. Eles deveriam estar realmente curiosos, pois aquele homem negro parecia falar com perfeição as línguas dos europeus, e, eventualmente, reconhecia algo da própria língua nzema. Quiçá, nesse momento, um grande grupo tenha se formado ao redor daquele homem, e ele tenha se aproximado dos mais velhos e pedido autorização para contar sua história. Talvez tenha começado com as seguintes palavras: “Meu nome é Amo, procuro por meu pai. Mas, antes, para que vocês se lembrem de mim, preciso lhes contar minha história”. 1 2 3 Este prefácio foi escrito para ser lido em voz alta. Leia-o em voz alta. Essa epígrafe foi tomada de empréstimo da abertura usada pelo escritor Jojo Cobbinah no livro “Dr. Amo’s Lonely Planet”, de 2012. Essa palavra pode ser traduzida por “mensagem” ou “partilha de mensagens”. 6 No início do século XVIII, a chamada Costa do Ouro, onde estava localizada a cidade de Axim, era palco de um intenso tráfico de africanos escravizados e comercializados por europeus. Ainda criança, Amo enfrentou uma árdua viagem em um dos navios desse tráfico humano para bem longe da terra de seus ancestrais, tendo sido então entregue a nobres de uma cultura diferente. Solitário, seguiu para um mundo estranho, frio e repleto de pessoas de pele branca. Lá, a criança africana foi enviada para a corte do duque de Braunschweig-Wolfenbüttel, no interior da atual Alemanha. Naquele mundo diferente, a criança logo receberia um novo nome, “Anton Wilhelm”, sendo batizada na religião daquela gente frequentemente cética a respeito da capacidade intelectual dos africanos. Amo não era o primeiro negro à serviço de uma corte europeia, nem mesmo em Braunschweig-Wolfenbüttel. Além disso, o duque alemão possuía laços de amizade e sangue com Pedro I, czar da Rússia, que, naquela época, tinha a seu serviço um ex-escravizado etíope chamado Abram Petrovich Gannibal. Este havia sido levado à Europa alguns anos antes de Amo, e devia ser apenas algo entre 5 e 10 anos mais velho que ele. Um detalhe importante de sua vida foi o fato de que ele se tornou um intelectual e engenheiro militar da corte russa, tendo inclusive estudado em Paris. O contato com Gannibal pode ter sido o estopim, que fez com que o duque alemão financiasse os estudos do jovem Anton Amo. De fato, consta que o jovem de Axim se mostrou desde pequeno particularmente sagaz. Segundo um relato recente do filósofo ganês Kwasi Wiredu, ainda criança, Amo era posto à prova a todo momento acerca do poder de seu intelecto. Ao ouvir questionamentos sobre a capacidade mental das pessoas negras, talvez ele tenha oferecido “conscientemente sua própria vida e obra como uma resposta”.4 4 WIREDU, Kwasi. “Amo’s Critique of Descartes’ Philosophy of Mind”. In: WIREDU (ed.). A Companion to African Philosophy. Oxford: Blackwell Publishing, 2004, p. 200. 7 O jovem africano logo dominou muitas línguas: alemão, holandês, francês, latim, grego e hebraico. É possível que, entre 1717 e 1720, Amo tenha cumprido estudos preparatórios na Wolfenbüttel Ritter-Akademie para o ingresso na formação acadêmica. A falta de registros não nos permite saber com certeza, mas, eventualmente, ao longo de parte da década de 1720, ele pode ter estudado na Universidade de Helmstedt, um centro acadêmico com perfil conservador, localizado dentro dos domínios de BraunschweigWolfenbüttel. Se ele realmente passou por essa universidade, tudo indica que ele teria encontrado hostilidade por manifestar opiniões, como as que defendeu mais tarde. Encontrar espaço para expressar suas ideias parece ser o motivo que levou Amo a Universidade de Halle, localizada em uma cidade próxima, mas já fora das terras de BraunschweigWolfenbüttel. Lá, ele defendeu um trabalho em direito no ano de 1729: “Sobre o direito dos negros na Europa” (texto que hoje se encontra desaparecido). Registros da época sugerem que a obra defendia a igualdade entre africanos e europeus, além de denunciar a injustiça e a ilegalidade da escravidão negra. Mais adiante no tempo, Amo foi professor na Universidade de Jena. Porém, antes disso, passou como estudante e como docente pela já mencionada Universidade de Halle, e também pela tradicional Universidade de Wittenberg. Nesta última cidade, publicou a parte de sua herança intelectual que ainda está preservada. Estamos nos referindo às obras: “Sobre a impassividade da mente humana” (1734) e “Tratado sobre a arte do sóbrio e acurado filosofar” (1738).5 Muito embora, naquela altura, não estivesse submetido a um 5 Está também preservada uma obra de Johannes Theodosius Meiner, escrita sob orientação de Amo: “A ideia distinta do que compete à mente e ao nosso corpo vivo e orgânico” (1734). Além disso, é possível que existam ou tenham existido outras obras ainda desconhecidas desse autor, seja do tempo que esteve na Europa, seja do período de vida após seu retorno à África. Infelizmente, os registros de seus feitos possuem muitas lacunas. 8 regime de escravidão formal e tivesse construído uma carreira acadêmica elogiada e promissora, Amo era ainda cativo de um mundo cada vez mais avesso à cor negra de sua pele. Não é à toa que o escritor ganês Jojo Cobbinah, em seu romance biográfico sobre o filósofo, o descreve como alguém que viveu em um “planeta solitário”. No mesmo sentido, o alemão Ottmar Ette descreve as vivências de Amo como um “filosofar sem residência fixa”.6 De fato, devemos nos questionar a respeito do quanto o acadêmico Amo poderia se sentir confortável no interior da própria academia. Isso porque o discurso científico e filosófico passava a, cada vez mais, não apenas reproduzir discursos e práticas preconceituosas e discriminatórias contra negros, mas, sobretudo, a produzir uma doutrina de hierarquia racial, que distinguia as raças humanas, fundamentando o racismo em supostas características biológicas e morais das “raças”, e reforçando a escravização, a colonização e a mercantilização da vida de africanos e seus descendentes mundo afora. A situação chegou a um ponto incontornável e Antonius Guilielmus Amo – Guinea Afer7 decidiu retornar a sua terra natal. E, com efeito, após cerca de 40 anos de vida na Europa, Amo voltou a Axim provavelmente na segunda metade da década de 1740. Algum tempo depois, mudou-se para a cidade de Shama, onde se encontra até hoje seu túmulo. O relato de um viajante datado de 1753 informa que Amo foi capaz de localizar seu pai e uma irmã ainda vivos. Um irmão seu estaria ainda escravizado no Suriname. Amo estava em frente àquilo que lhe foi tirado ainda muito cedo, mas que, de alguma forma, ele nunca deixou se perder 6 7 ETTE, Ottmar. “Anton Wilhelm Amo oder eine Immatrikulation in Preußen”. In: Mobile Preußen: Ansichten jenseits des Nationalen. Berlin: J. B. Metzler, 2019. Assim assinava ele suas obras, sempre com seu nome nzema “Amo” e destacando que era um Guinea Afer, isto é, um “Africano da Guiné”. O termo “Guiné” referia-se genericamente a praticamente toda a região que hoje conhecemos como África Ocidental. 9 completamente, sua família e a cultura de seus ancestrais. Esse é um dos legados de Amo às futuras gerações, um legado que nos exige um outro olhar para a história da filosofia; e para nossa própria história, descendentes da África. Nossas histórias devem ser contadas, ninguém tem o direito de lançar sobre elas um véu branco de esquecimento. Os fragmentos do passado resistem, mesmo após inúmeras tentativas de apagamento. São vozes que teimaram e ousaram na luta pela liberdade. Elas continuam vivas. Por fim, se nos for concedida a licença de respeitosamente evocar uma divindade ashante, um povo akan aparentado dos nzema, diríamos que a conservação e a difusão das obras filosóficas de Amo são uma realização de Nyankopon, que, mesmo em situações adversas, nos ensina a força de saber “de onde viemos, [e] para onde vamos”. Hoje podemos nos encontrar com a história desse singular homem negro, que desafiou o racismo e a escravidão da Europa Iluminista, para então dizer: VOCÊ NÃO ESTÁ MAIS SOZINHO, NÓS LEMBRAMOS DE VOCÊ. Carlos Eduardo Gomes Nascimento Fernando de Sá Moreira 10 Sobre esta Tradução O objetivo deste trabalho é fornecer aos falantes da língua portuguesa acesso a uma das obras mais peculiares e marcantes da história da filosofia africana, da diáspora negra e, paradoxalmente, até mesmo da filosofia alemã. Ao longo dos séculos, informações sobre a vida e o pensamento de Anton Amo circularam principalmente em latim, alemão, francês e inglês; sendo infelizmente muito pouco conhecidas em português ou espanhol. Eu nutro expectativas que esse cenário mudará. Mas não basta esperar por mudanças, é necessário empreendê-las. Na falta de quem tenha traduzido o trabalho de Amo antes, resolvi traduzi-lo eu mesmo. Em todo caso, preciso alertar que não sou especialista na língua latina e, em função disso, adotei um procedimento de tradução cruzada, isto é, traduzi ao mesmo tempo do latim, inglês, francês e alemão. Especialmente úteis nesse caso foram as traduções ao inglês de Dwight K. Lewis Jr. e Justin E. H. Smith, a quem agradeço não só pelo esforço prévio empreendido, mas também pela simpática disposição para a troca de informações. Tentei aproximar o máximo possível esta versão da edição original da obra. Por conta disso, fiz dela uma espécie de edição pseudo-facsimilar, ou seja, foram preservadas diversas características da edição de 1734, tais como paginação, distribuição do texto, tamanho relativo da fonte, ornamentos e, inclusive, eventuais erros de grafia ou gramática. Quem queira conferir uma edição verdadeiramente facsimilar, pode encontrá-la na coleção digitalizada da Biblioteca Estatal de Berlim (Staatsbibliothek zu Berlin), no seguinte endereço: http://resolver.staatsbibliothek-berlin.de/SBB00002B5400000000 No presente documento, algumas páginas apresentam duas numerações distintas. O número no topo da página, cercado por pequenas ornamentações, reproduz a paginação do original de 1734. O número na parte inferior indica a paginação real deste documento. 11 Amo cita vários livros ao longo de sua dissertação. Procurei localizar versões digitalizadas desses trabalhos e disponibilizar links para elas. Nem sempre foi possível precisar exatamente quais edições foram utilizadas pelo filósofo, mas, a princípio, foi possível encontrar edições perfeitamente compatíveis com elas. Organizei as referências completas a todos os livros citados logo após o fim do texto de Amo. Todas as notas de rodapé, ao longo de todo este documento, são de responsabilidade do tradutor/coordenador do projeto. *** Lancei o presente material como um documento livre na internet. A ideia é que este trabalho possa ser aproveitado, continuado e aperfeiçoado por quem quer que seja, sem a necessidade autorização prévia. Para saber mais, por favor, consulte a “Declaração sobre Direitos Autorais” na última página deste documento. Caso encontre erros, imprecisões, ou queira sugerir melhorias a este material, sinta-se convidada(o) e estimulado(a) a entrar em contato a partir do seguinte formulário: https://amoafer.wordpress.com/sobre/#contato. Ou ainda pelo e-mail: [email protected] A presente edição pode sofrer atualizações ou correções futuras. Por favor, consulte a data de referência desta versão na página 2 do documento. E, se possível, verifique também se há uma versão mais recente no seguinte endereço web: http://amoafer.wordpress.com/apatheia-ebook/ Tenha uma ótima leitura. Fernando de Sá Moreira Niterói, Rio de Janeiro, Brasil 12 ANTON WILHELM AMO (c. 1700 – d. 1753) Obs.: Em condições normais, seria colocada uma imagem do filósofo no espaço vazio acima. A princípio, um retrato seu da época em que esteve vivo. No caso de um filósofo do século XVIII como Amo, que frequentou uma importante corte europeia, seria de se esperar que houvesse ao menos uma pintura ou desenho seu. Porém, não há qualquer imagem preservada desse filósofo africano. Ou um tal retrato nunca foi realizado, ou alguém julgou que não seria necessário preservá-lo. O mais próximo disso que temos, é um pequeno esboço, que ocasionalmente sobreviveu em um caderno de desenhos do período. O desenho mostra um homem negro sorridente com o que parece ser jaquetão típico da época. Há algum tempo, esse desenho tem sido associado a Amo, mas não há qualquer dado confiável que assegure que seja ele.8 8 Agradeço em especial à pesquisadora alemã Monika Firla pelas informações a respeito do mencionado esboço do homem negro não identificado. 13 Q. D. B. V. DISSERTATIO INAVGURALIS PHILOSOPHICA DE HVMANAE MENTIS ΑΠΑΘΕΙΑ SEV SENSIONIS AC FACVLTATIS SENTIENDI IN MENTE HVMANA ABSENTIA ET EARVM IN CORPORE NOSTRO ORGANICO AC VIVO PRAESENTIA QVAM PRAESIDE D. MART. GOTTHELF LOESCHERO MED. ET PHYS. PROF. PVBL. NEC NON SERENISS. DVCIS SAXO-VINARIENSIS PHYS. PROVINCIAL. PVBLICE DEFENDIT AVCTOR ANTONIVS GVILIELMVS AMO GVINEA – AFER PHIL. ET. AA. LL. MAGISTER. ET I. V. C. IN AVDITORIO MAIORI M D CC X X X I V. MENSE APRIL. WITTEBERGAE EX OFFICINA SCHLOMACHIANA QUE DEUS CONVERTA EM ALGO BOM. DISSERTAÇÃO INAUGURAL FILOSÓFICA SOBRE A ΑΠΑΘΕΙΑ DA MENTE HUMANA OU DA AUSÊNCIA DE SENSAÇÃO E FACULDADE SENSITIVA NA MENTE HUMANA E A PRESENÇA DELAS EM NOSSO CORPO ORGÂNICO E VIVO A QUAL É PRESIDIDA PELO DR. MARTIN GOTTHELF LOESCHER PROFESSOR PÚBLICO DE MEDICINA E FÍSICA, E TAMBÉM MÉDICO PROVINCIAL DO SERENÍSSIMO DUQUE DA SAXÔNIA-WEIMAR. DEFENDIDA PUBLICAMENTE PELO AUTOR ANTON WILHELM AMO AFRICANO DA GUINÉ MESTRE EM FILOSOFIA E ARTES LIBERAIS E CANDIDATO DE AMBOS OS DIREITOS. NO GRANDE AUDITÓRIO ABRIL DE 1734. WITTENBERG, DA OFICINA SCHLOMACHIANA DE HVMANAE MENTIS ἀπαθεία. DECLARATIONVM IDEARVM TAM A PARTE SVBIECTI QVAM PRAEDICATI THESEOS, CONSPECTVS. A PARTE SVBIECTI. I. Q Vid Spiritus in genere C. I. m. I. § 1. II. Quid mens humana in specie ibid. §3. A PARTE PRAEDICATI. Quid oppositum praedicati, nempe (α) quid sensio (β) quid facultas sentiendi? dl. m. II. II. Quid ipsum praedicatum uel ἀπαθεία ibid. m. III. III. Quid denique ipsa propositio, i.e. ipsa humanae mentis ἀπαθεία? His fundamenti loco explicatis sequuntur, status quaestionis et Theses. I. Thesis negatiua: mens humana non sentit res materiales, cum debitis Probationibus. II. Thesis altera negatiua: nec sentiendi facultas menti competit. III. thesis tertia affirmatiua, sed corpori nostro organico et uiuo, cum suis probationibus. I. SOBRE 9 A ἀπαθεία DA MENTE HUMANA. SUMÁRIO DAS EXPLICAÇÕES DAS IDEIAS, TANTO ACERCA DO SUJEITO QUANTO DO PREDICADO DA TESE. ACERCA DO SUJEITO. I. O que é o espírito em geral? Cap. I, parte I, § 1. II. O que é a mente humana em específico? Ibid. §3. ACERCA DO PREDICADO. O que é o contrário do predicado, a saber (α) o que é a sensação e (β) o que é a faculdade sensitiva? Cap. I, parte II. II. O que é o predicado mesmo, ou seja, o que é a impassividade? Ibid. parte III. III. O que é, enfim, a própria proposição, isto é, o que é a impassividade da mente humana? Depois dessas explicações fundamentais, segue-se o estado da questão e as teses. I. A primeira tese, negativa (acompanhada das devidas comprovações): a mente humana não sente coisas materiais. II. A segunda tese, negativa: nem a faculdade sensitiva pertence à mente. III. A terceira tese, afirmativa (acompanhada de suas comprovações): ela pertence, isto sim, a nosso corpo orgânico e vivo. I. 9 “Apatheia”. Amo usa o termo sempre em grego. Eu o traduzi por impassividade, com sublinhado para relembrar que, no original, ele não foi traduzido. (4) CAP. I. CONTINENS DECLARATIONES IDEARVM IN THESI CONTENTARVM. Præmonitum ad rubrum hujus disputationis. P Er humanae mentis ἀπαθεία intelligimus: absentiam sensionis et facultatis sentiendi in mente humana. Per ea quae dicuntur. cap. II. m. I. §. I. etc. MEMBRVM I. Continens declarationes idearum subiecti siue de mente humana in genere et in specie. Nota ad rubrum huius membri. Quia mens humana subiectum quaestionis seu theseos est, operis ratio postulat, ut declaremus quid nam pereandem intelligamus, eum in sinem ut positis ideis claris et distinctis felicius res Procedat. §. I. QVID SPIRITVS IN GENERE? Mens humana in genere est Spirituum, ergo declaratio ne quadam opus est, quidnam per uocabulum seu denominationem Spiritus intelligamus; est autem nobis Spiritus. Quaeuis substantia mere actuosa, immaterialis, per se semper intelligens, suaque sponte ex intentione operans, propter destinatum et sibi conscium finem. Nota I. Intelligere et sibi alicuius rei conscium fieri, sunt Synonyma. Nota. II. Per intentionem intelligimus; illam spiritus operationem, qua sibi aliquid notum facit, quo exercito finis consequatur. Nota. III. Finis est, quo adepto et praesente, spiritus a pristina sua operatione cessans adquiescit. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 19 (4) CAPÍTULO I CONTENDO EXPLICAÇÕES DAS IDEIAS CONTIDAS NA TESE Advertência sobre o título desta disputação. P or impassividade da mente humana entendemos: a ausência de sensação e faculdade sensitiva na mente humana. Isso é discutido no cap. II, parte I, §I etc. PARTE I Contendo explicações sobre as ideias do sujeito, ou seja, sobre a mente humana em geral e em específico. Nota sobre o título desta parte. Posto que a mente humana é o sujeito da questão ou da tese, a organização do trabalho postula que declaremos o que entendemos por mente humana, de modo que, apresentando ideias claras e distintas, o assunto avance melhor. §I O QUE É O ESPÍRITO EM GERAL? A mente humana em geral pertence à categoria dos espíritos, logo é necessária uma certa explicação do que entendemos pelo vocábulo ou denominação espírito. Para nós, o espírito é: qualquer substância puramente ativa e imaterial, por si mesma sempre cognoscente, e operante espontaneamente a partir de intenções, segundo um fim determinado do qual é consciente. Nota I. Conhecer10 e fazer-se consciente de algo são sinônimos. Nota. II. Por intenção entendemos: aquela operação do espírito, em que se percebe algo que resulta na finalidade da ação. Nota. III. Finalidade é aquilo com que, tendo sido obtida e estando presente, o espírito se aquieta, cessando sua ação anterior. 10 O verbo intelligere é a palavra-chave para descrever toda e qualquer atividade da mente. Infelizmente não possui uma tradução única ao português. Tradução de F. Sá Moreira 20 (5) EXPOSITIONES PRAECEDENTIS MOX DESCRIPTIONIS SPIRITVS. Expositio I. Dico spiritum esse substantiam mere actuosam; quod idem acsi dicas: spiritus nullam in se admittit passionem. Probationis huius expositionis. Si spiritus sentire, uel in se passionem admittere, dicatur hoc fieri deberet aut per communicationem, aut penetrationem, aut denique per contactum. Nota. I. Per communicationem intelligo: Quando Partes, proprietates et effectus unius entis, mediante actu quodam, praesentes fiunt in alio ente analogo et apto. Exemplum. Sic ignis suum calorem ferre candenti, quin? se ipsum communicare uidemus. Nota. II. Per penetrationem intelligo: Transitum unius entis per partes entis alterius mediante quodam actu. Nota. III. Quid contactus sit, ipsa sensio docet immediata; sed ne uerba sine ideis dicta uideantur; per contactum intelligimus: Quando duae superficies in puncto aliquo physico seu sensibili se mutuo tangunt. ADPLICATIONES. Dico I. Omnem spiritum esse extra omnem passionem. Ratio I. Nullae partes, proprietates et effectus alterius entis, mediante actu quodam in spiritu fieri possunt praesentes; alias spiritus aliud contineret in sua essentia et substantia, quam continere debet. Item, continere, et contineri sunt conceptus materiales, nec cum ueritate de spiritu praedicari possunt. Non igitur spiritus sentit per communicationem i.e. eo modo quo partes, proprietates, et effectus entis materiales, in eodem mediante aliquo actu praesentes fieri debent. Ratio II. Nullus spiritus per se et per accidens, recipit Partes, Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 21 (5) EXPLICAÇÕES DA DESCRIÇÃO DO ESPÍRITO IMEDIATAMENTE PRECEDENTE Explicação I. Afirmo que o espírito é uma substância puramente ativa; quer dizer: o espírito não admite em si paixões11. Prova desta explicação. Se fosse afirmado que o espírito sente ou admite em si paixões, então deveria fazê-lo ou por comunicação, ou penetração, ou ainda por contato. Nota I. Por comunicação entendo: quando partes, propriedades e efeitos de um ente, por meio de um ato qualquer, se fazem presentes em outro ente análogo e compatível. Exemplo. Assim, o fogo comunica seu calor ao ferro incandescente, mesmo sem vermos a comunicação mesma. Nota II. Por penetração entendo: o trânsito de um ente por entre as partes de outro ente mediante uma ação qualquer. Nota III. O que o contato seria, a sensação mesma ensina de imediato; mas, para não legar palavras vazias; por contato entendemos: quando duas superfícies se tocam em algum ponto físico ou sensível. APLICAÇÕES Eu digo I. Todo espírito existe para além de todas as paixões. Razão I. Nenhuma parte, propriedade e efeito de um outro ente pode se fazer presente no espírito por qualquer ato; senão o espírito conteria em sua essência ou substância algo outro, que não deve conter. Além disso, conter e ser contido são conceitos materiais, e conceitos materiais não podem ser verdadeiramente predicados do espírito. Portanto, um espírito não sente através de comunicação, i.e., do mesmo modo que partes, propriedades e efeitos são entes materiais, eles devem se fazer presentes mediante alguma ação. Razão II. Espírito algum recebe por si ou por acidente partes, 11 O autor explora a conexão entre “paixão” e “passividade”. Se a mente é pura atividade, logo ela não pode possuir paixões (passividades). Tradução de F. Sá Moreira 22 (6) proprietates et effectus materiales et sensibiles, contrarie enim opponitur enti sensibili; sed inter contrarie opposita, nulla datur communicatio. Nota ad hanc rationem. contrarie oppositae sunt res, quae ita comparatae sunt ut unius absentia alterius praesentiam, alterius praesentia prioris absentiam importet. v.c. Si aliquid est immateriale sequitur quod materiale esse nequeat: sunt enim contrarie opposita, nam praedicatum immaterialitatis excludit praedicatum materialitatis, quia praesentia immaterialitatis est. absentia materialitatis. item ubi adest spiritualitas ibi ab est materialitas et uice uersa. Dixi quod spiritus non sentiat seu patiatur per communicationem; Nunc Dico II. Nullus spiritus sentit seu patitur per modum penetrationis, quia penetratio est: Transitus entis per partes entis alterius; sed nullus spiritus partibus Constitutiuis gaudet; Ergo; extra omnem passionem est, quatenus passio fit permodum penetrationis, siue per transitum per partes entis alterius. Dico III. Nec sentit seu partitur per contactum; Nam quidquid tangit et tangitur corpus est. uid. Dn. Des Cartes in Epistolis Part. III. Epist. 14. §. 12. uerbis: primo tibi dicam etc. Item contactus est quando duae superficies in puncto aliquo physico se mutuo tangunt, nec punctum sensibile, neque superficies de spiritu praedicari possunt, ergo neque passio, quatenus fieri debet per contactum. Expositio II. Spiritus omnis per se semper intelligit. i.e. conscius est sibi sui, suarumque operationum, nec non aliarum rerum. Nota. Quamuisignorem illum modum, quo Deus et alii Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 23 (6) propriedades e efeitos materiais e sensíveis, mas, pelo contrário, ele é o oposto de um ente sensível; e entre opostos contrários não há nenhuma comunicação. Nota à essa razão. Opostos contrários são coisas tais que a ausência de um implica a presença do outro, e a presença do outro gera a ausência do precedente. Por conseguinte, se algo é imaterial, segue-se que não pode ser material: sendo opostos contrários, o predicado de imaterialidade exclui o de materialidade, pois a presença de imaterialidade é a ausência de materialidade. Igualmente, onde há espiritualidade, não há materialidade e vice versa. Eu afirmei que o espírito não sente ou sofre paixões por comunicação; agora, Eu digo II. Nenhum espírito sente ou padece por meio de penetração, porque ela é: o trânsito de um ente por entre as partes de outro; mas nenhum espírito goza de partes constitutivas; logo, ele está além das paixões quando ocorrem por meio da penetração, ou seja, pelo trânsito por entre as partes de um outro ente. Eu digo III. Tampouco ele sente ou padece por contato; pois, qualquer coisa que toque e seja tocada é um corpo. Confira o Sr. Descartes em Epistolis, vol. III, carta 14, §12, nas palavras: “primeiramente, eu lhe direi […]” etc.12 Da mesma forma, o contato ocorre quando duas superfícies se tocam mutuamente em um ponto físico qualquer, mas não se pode predicar do espírito pontos sensíveis ou superfícies, logo tampouco paixões, na medida em que devam surgir por contato. Explicação II. Todo espírito sempre opera intelectualmente por si mesmo, isto é, é consciente de si e também de suas operações, tal como das demais coisas. Nota. Embora eu não saiba como Deus e outros 12 É possível que a referência esteja equivocada, pois não há na carta citada um §12, tampouco as palavras “primo tibi dicam”. Tradução de F. Sá Moreira 24 (7) extra materiam spiritus, se, suas operationes aliasque res intelligunt, probabile tamen mihi non uidetur eos intelligere per ideas; eo modo quo idea est: operatio mentis nostrae momentanea, qua res antea sensibus et organis sensoriis perceptas, sibi repraesentat seu praesentes sistit. Carent enim Deus aliique spiritus extra materiam positi, sensionibus organisque sensoriis Corporeque uiuo et organico. Item, in Deo non datur repraesentatio, nam alias daretur in Deo repraesentatio futuri, praeteriti et rei absentis; Atqui in Deo non datur scientia praeteriti et futuri, nec non absentis; sed in cognitione eius omnia praesentia sunt, ergo nulla in eo datur repraesentatio; quia repraesentatio supponit absentiam rei repraesentandae. Sequitur igitur exinde Deum aliosque spiritus se, suas operationes et alias res intelligere sine omni idealitate siue ideis et sensionibus repetitis, sed mens nostra per ideas et intelligit et operatur, ob arctissimum cum corpore uinculum et commercium uid. Nobil. Dn. de BERGER in Physiolog. Lib. I. c. I. pag. 1. et 5. Dn. Des Cartes siue Cartesius in Epistolis. port. III. Epist. 115. Part. I. Epist. 29. et 36. Expositio III. Omnis spiritus operatur sua sponte i.e. intrinsece, suas operationes determinat ad finem consequendum, nec aliunde absolute cogitur ut operetur. Ratio. Si spiritus aliunde cogatur hoc fieret aut cogente spiritu alio, aut materia. Si spiritu alio, salua manet in utroque spontaneitas seu Libera agendi et reagendi facultas. Si a materia spiritus cogatur, hoc fieri nequit, quia spiritus semper est actuosus, sed materia semper patiens quid, et omnem recipiens actionem in se agentis. Expositio IV. Spiritus operatur ex intentione i.e. ex praecognitione rei quae fieri debet finisque quem sua operatione consequi intendit. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 25 (7) espíritos exteriores à matéria conhecem a si, suas operações e as demais coisas, não me parece provável que eles conheçam por intermédio de ideias; visto que uma ideia é: uma operação momentânea de nossa mente, na qual ela representa ou torna presente para si coisas percebidas previamente pelos sentidos e órgãos sensoriais. De fato, Deus e demais espíritos exteriores à matéria carecem de órgãos sensoriais, assim como de um corpo vivo e orgânico. Também não há representações em Deus, do contrário haveria nele representações do futuro, do passado e de coisas ausentes; contudo, em Deus, não há saber do passado e futuro, nem do que está ausente; mas em sua cognição, tudo está presente, logo não há nele representação alguma; já que uma representação supõem a ausência da coisa representada. Portanto, disso resulta que Deus e demais espíritos conhecem a si, suas operações e demais coisas sem qualquer idealidade, ou seja, ideias e sensações reflexivas. Todavia, nossa mente conhece e opera através de ideias, em função de seu estreitíssimo vínculo e comércio com o corpo. Confira o nobre Sr. von BERGER, em Physiolog., livro I, cap. I, p. 1 e 5; e o Sr. Descartes, em Epistolis, carta 115 do vol. III, e cartas 29 e 36 do vol. I. Explicação III. Todo espírito age espontaneamente, isto é, determina intrinsecamente suas ações em direção a um fim, não sendo absolutamente coagido a agir. Razão. Se um espírito fosse coagido exteriormente, isso seria feito ou por um outro espírito coator, ou pela matéria. Se fosse por outro espírito, a espontaneidade ou faculdade de agir e reagir livremente restaria preservada em ambos. Se o espírito fosse coagido pela matéria, isso seria impossível, pois o espírito é sempre ativo, enquanto a matéria é sempre passiva, recebendo toda ação de algo que seja em si um agente. Explicação IV. O espírito opera a partir de intenções, isto é, a partir da precognição de algo que deve ser feito em vista a um fim pretendido pela ação. Tradução de F. Sá Moreira 26 (8) Ratio. In hoc enim consistit natura operationis, entis rationaliter et ex intelligentia operantis. Consectarium I. Omnis causa efficiens debet intelligere se ipsum, suas operationes, et rem quae fieri debet. Consectarium II. Omne ens actuosum in quo datur conscientia sui, suarum operationum et aliarum rerum, illud spiritus est. Expositio V. Spiritus est immaterialis i.e. nihil materiale habet in sua essentia et proprietatibus. Ratio. Contrarie oppositorum unum alterum continere et habere nequit; quia contrarie opposita ab inuicem excludunt, genus, speciem et eandem denominationem. §. II. Hactenus de Spiritu ea saltem egimus, quae nostro inseruiunt scopo sequitur in sequente. §. III. DESCRIPTIO MENTIS HVMANAE IN SPECIE. Mens humana est: substantia mere actuosa et immaterialis, commercio corporis uiui et organici cui inest, Intelligens et ex intentione Operans Propter determinatum et sibi conscium finem. Nora I. Commercium corporis et mentis consistit in his quod (1) corpore utatur pro subiecto cui inest (2) Pro instrumento suæ operationis et medio. Nota II. Instrumentum et medium in hoc differunt; instrumentum adplicatur ad finem practice, et mediumadhibetur ad finem Theoretice consequendum. Nota III. Duae dantur partes essentiales hominis mens et Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 27 (8) Razão. Com efeito, nisso consiste a natureza da ação: em um ente agindo racionalmente e a partir da inteligência. Consequência I. Toda causa eficiente deve conhecer a si mesma, suas operações, e as coisas que devem ser feitas. Consequência II. Todo ente ativo, no qual há consciência de si, de suas operações e das demais coisas, é um espírito. Explicação V. Um espírito é imaterial, isto é, não tem nada de material em sua essência e propriedades. Razão. No caso de coisas que são opostos contrários, uma não pode conter ou possuir a outra; porque opostos contrários excluem um do outro o gênero, a espécie e as respectivas denominações. §II Tratamos até aqui das coisas do espírito que servem a nosso propósito, perseguido a seguir. §III DESCRIÇÃO DA MENTE HUMANA EM ESPECÍFICO A mente humana é: uma substância puramente ativa e imaterial, em comércio com um corpo vivo e orgânico no qual está inserida, cognoscente e operante a partir de intenções, em vista a um determinado fim, do qual é consciente. Nota I. O comércio entre corpo e mente consiste em que (1) o corpo é usado no interesse do sujeito que nele está inserido; (2) e como instrumento e meio de suas operações. Nota II. Um instrumento e um meio diferem no seguinte: um instrumento é aplicado para objetivos práticos, ao passo que um meio é aplicado para objetivos teóricos. Nota III. Existem duas partes essenciais no homem, a mente e Tradução de F. Sá Moreira 28 (9) corpus. de mente dictum est. ad corpus quod adtinet est: elegantissimum e diuersis organisuitalibus et animalibus a creatore primum fabrefactum, et de hinc quoque per generationem propagatum. Sunt uerba D. CHRISTIAN. VATER in sua physiolog. Sect. IIX. C. III. de corpore humano Th. I. §. IV. CONTINENS VARIAS SPIRITVVM DENOMINATIONES. Spirituum nomine ueniunt (1) materia (2) spiritus proprie sic dictus. Spiritus materiales sunt antiquis spiritus naturales, uitales, et animales de quibus uide SENERT. in scient. natural. Lib. IIX. cap. II. de corpore humano. pag. m. 671. Spiritus proprie sic dictus est omneens immateriale intelligens et ex intentione operans propter determinatum et sibi cognitum finem. de quo in antecedentibus et JOH. CLERIC. in Pneumatologia Sect. III. c. 3. §. 14. allique. uarias fortiuntur denominationes, uocantur enim Intelligentiae, mentes, animae et generaliori uocabulo spiritus intelligentes. Nota I. Intelligentiae et mentes differunt peraccidens, non per se, mentes dicuntur: spiritus hominum adhuc in suis corporibus uel ab eisdem superstites et separatae. v.c. mentes beatorum et damnatorum. uocantur etiam, umbrae et animae. de his propertius: Sunt aliquid manes, lethum non omnia finit. vid. Mizald. in appendic. ad. centurias. memorabil. Aph. 290. Nota II. Neque desunt qui nomine animae tertiam quandam hominis partem essentialem intelligunt & sibi fingunt; quam litem nostam non facimus vid. S. C. Teuber D. in moderato Iudicio de quaestione theologica an tres dentur partes hominis essentiales. Haec circa subiectum theseos, sequitur Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 29 (9) o corpo. O que havia a dizer sobre a mente já está dito. Sobre o corpo, ele é: “fabricado elegantissimamente por um criador a partir de diversos órgãos vitais e animais, e depois propagado por geração”. São palavras do Sr. CHRISTIAN VATER em sua physiolog., seção VIII, cap. III, “Sobre o corpo humano”, tese I.13 §IV ACERCA DAS VÁRIAS DENOMINAÇÕES DO ESPÍRITO Com o substantivo “espírito” fala-se de (1) “algo material” ou (2) do “espírito propriamente dito”. Para os antigos, espíritos materiais são espíritos naturais, vitais, e animais; sobre isso confira SENNERT, em scient. natural., livro VIII, cap. II, “sobre o corpo humano”, p. 671. Espírito propriamente dito é tudo o que é imaterial, cognoscente e agente através de intenções em vista a um determinado fim conhecido. Isso foi explicado por outros, inclusive JEAN LE CLERC, in Pneumatologia, seção III, capítulo 3, §14 e seguintes. Espíritos têm várias denominações, chamando-se inteligências, mentes, almas e, em termos gerais, espíritos cognoscentes. Nota I. Inteligências e mentes diferem-se por acidente, não em si. São chamados de mentes: os espíritos de seres humanos enquanto estão em seus corpos, ou sobrevivendo separados de seus corpos, por exemplo, as mentes dos abençoados e dos danados. Eles são chamados de vultos e almas. Sobre esse tema, Propércio disse: “Os antepassados mortos são ainda algo, nem tudo acaba com a morte”.14 Confira Mizauld, no apêndice a centurias. memorabil., aforismo 290. Nota II. Não falta quem entenda e figure para si com a palavra “alma” certa terça parte essencial do homem; sobre isso não faremos debate. Confira S. C. Teuber, em moderato iudicio, sobre a questão teológica, se existiriam três partes essenciais do homem. Isso sobre o sujeito da tese, passemos ao próximo assunto. 13 Trata-se, na verdade, da seção VII, p. 495 da edição de 1712. 14 Esse é o primeiro verso da Elégia IV 7 de Sextus Propertius. Tradução de F. Sá Moreira 30 ( 10 ) MEMBRVM II. Continens declarationes idearum a parte praedicati et in specie DE OPPOSITIS PRAEDICATI SENSIONE ET FACVLTATE SENTIENDI. Praemonitum. Omnis propositio uti in Scholis notum, affirmatiua est uel negatiua. affirmatiua quando praesentia, negatiua, quando absentia praedicati in subiecto indicatur; Vtrumque fit aut simpliciter aut secundum quid, simpliciter uel secundum se adfirmatur, quando totius praedicati praesentia sine omni limitatione seu exceptione in subiecto indicatur. v.c. omnis spiritus intelligit. Secundum quid adfirmamus, quando iudicamus praedicatum quoad partem subiecto inesse. v.c. homo est moratalis. nempe quoad corpus, non quoad mentem. vid. Math. X, 28. eadem est ratio negandi, simpliciter negamus quando totum praedicatum cum suis partibus a subiecto remouemus, partim seu secundum quid, quando partem saltem praedicati a subiecto remouemus: in hac nostra thesi totum praedicatum bi membre a subiecto toto remouemus, scilicet sensionem et facultatem sentiendi. Sed quia aliquid ab alio remoueri dicimus, declarandum est id, quod ab alio tanquam subiecto non capace remouetur i.e. quid sensio, et facultas sentiendi. §. I. QVID SENSIO SIT EXPLICATVR. Sensio est in genere: rerum immediate praesentium et Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 31 ( 10 ) PARTE II Contendo explicações das ideias acerca da parte do predicado e, em particular, SOBRE OS OPOSTOS DO PREDICADO: SENSAÇÃO E FACULDADE SENSITIVA Advertência. Toda proposição, como é conhecido nas Escolas, é afirmativa ou negativa. É afirmativa se indica a presença do predicado no sujeito, negativa se indica a ausência. Ambas se fazem ou de modo simples ou de acordo com algo. Afirma-se de modo simples ou de acordo consigo mesmo, quando o predicado inteiro é indicado no sujeito sem nenhuma limitação; por exemplo, “todo espírito conhece”. Afirmamos de acordo com algo, quando o predicado está apenas parcialmente contido no sujeito; por exemplo, “o homem é mortal” (a saber, em relação ao corpo, não à mente). Confira Mateus 10:28. Assim também é a lógica da negação, negamos de modo simples, quando removemos de um sujeito um predicado inteiro com suas partes; negamos de modo parcial ou de acordo com algo, quando removemos do sujeito ao menos uma parte do predicado: nesta nossa tese, removemos completamente do sujeito ambas as partes do predicado, a saber a sensação e a faculdade sensitiva. Em todo caso, visto que dissemos que uma coisa foi removida de outra, é preciso explicar o que foi removido como algo impróprio ao sujeito, isto é, o que são a sensação e a faculdade sensitiva. §.I EXPLICAÇÃO DO QUE É A SENSAÇÃO Sensação é, em geral: ser afetado concretamente através dos Tradução de F. Sá Moreira 32 ( 11 ) materialium, proprietatibus sensibilibus realiter offici per organa sensosoria. Not. I. Sensio consideratur (1) uel logice uel physice. Logice omnis sensio est uel mediata uel immediata. Illam ideam uocant, haec in mox sequentibus clarebit, Physice omnis sensio est uel grata uel ingrata, utraque est uel interna uel externa quibus de rebus in logicis nostris. Nota II. Sensiones internae sunt animi pathemata seu adfectus de quibus vid. Dn. Des Cartes in Tract. de passionib. anim. Nota III. Sensatio, sensius, et sensio, mihi sunt synonyma. §. II. FACVLTAS SENTIENDI QVID. His praemissis facile describitur facultas sentiendi, nempe quod sit: Organici et vivi nostri corporis talis dispositio, qua mediante animal rebus materialibus et sensibilibus eisque immediate praesentibus afficitur. Nota. Hanc facultatem sentiendi antiqui uocarunt animam sensitiuam disserte distinctam abanima rationali et vegetante, de quibus vid. Senert. in Epitom. Scient. Natur. de rationali Lib. IIX. c. 1. de vegetativa. Lib. VI. c. 2. item Essais de physique I. partie. Chap. IIX. des sensations pag. m. 103. Les animaux sont donc composez de corps et d’ame sensitiue qui est leur forme, mais aux hommes, cette ame sensitiue est subordonéə à l’ame immortelle et etant une substance moyenne entre le corps et cette ame immortelle, elle les unit parfaite ment &c. MEMBRVM. III. Continens descriptionem τῆς ἀπαθείας seu praedicati Theseos. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 33 ( 11 ) órgãos sensoriais pelas propriedades sensíveis das coisas imediatamente presentes e materiais. Nota I. A sensação é considerada (1) tanto lógica quanto fisicamente. Logicamente, toda sensação ou é mediata, ou imediata. Aquela é chamada de ideia, esta será elucidada brevemente a seguir. Fisicamente, toda sensação ou é agradável, ou desagradável, e cada uma delas ou é interna, ou externa; tais coisas estão em nossa lógica. Nota II. Sensações internas são pathemata15 ou afetos da alma, sobre isso confira Sr. Descartes em Tract. de passionib. anim. Nota III. Sensação, sentimento, e senso são sinônimos para mim. §II O QUE É A FACULDADE SENSITIVA Considerando o que já foi tratado, é fácil descrever a faculdade sensitiva, a saber, ela é: uma tal disposição de nosso corpo orgânico e vivo, por cuja mediação um animal é afetado por coisas materiais e sensíveis, as quais estão imediatamente presentes. Nota. Essa faculdade sensitiva foi chamada pelos antigos de alma sensitiva, distinta da alma racional e vegetativa; confira Sennert, em Epitom. Scient. Natur., “sobre a alma racional”, livro VIII, cap. 1, “sobre a vegetativa”, livro VI, cap. 2. Confira também Essais de physique16, 1ª parte, cap. VIII, “sobre as sensações”, pag. 103: “Os animais são, portanto, compostos de corpo e alma sensitiva, que é sua forma, mas nos homens, essa alma sensitiva está subordinada à alma imortal, sendo uma substância intermediária entre o corpo e aquela alma imortal, ela os une perfeitamente” etc. PARTE III Contendo a descrição da impassividade, ou do predicado da tese. 15 Em grego transliterado: “afetos”, “emoções”, “afecções”, “paixões”. 16 Livro atribuído a Edme Didier. Tradução de F. Sá Moreira 34 ( 12 ) §. I. Απαθειαν consideramus (1) respectu facultatis sentiendi (2) ipsius sensionis. de illa in praesenti agendum, de altera in sequente. §3. Nota. Praedicatum huius Theseos est bimembre, quia duplicem continet ideam, facultatis sentiendi et sensionis, in subiecto non apto absentiam. §. II. Απαθεια respectu facultatis sentiendi quid sit. Απαθεια respectu facultatis sentiendi est Absentia talis dispositionis in subiecto non apto, qua mediante animal rebus sensibilibus, et immediate praeseutibus nec non materialibus affici debet. Expositio unica. Subiectum non capax seu non aptum est: Ens quod alterius entis Partes, proprietates, et effectus in se non admittit, eorum nec particeps fieri potest. Tale subiectum est uel spiritus uel materia. de spiritu sensionis incapace dictum est in membr. I. c. I. Cum suis expositionibus et earum adplicationibus. Ratione materiae distinguendum inter corpus uivum et uita priuatum; illud utique, hoc minime mediante sua dispositione sensione afficitur. §. III. Απαθεια respectu sensionis. Sequitur ex ordine απαθεια respectu sensionis quae est: cuius uis sensionis in subiecto non apto (non sentiente) absentia. v. gr. Spiritus, lapis &c. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 35 ( 12 ) §I Consideramos a impassividade (1) relativamente à faculdade sensitiva e (2) à própria sensação. A primeira será tratada agora, a outra na sequência (§3). Nota. O predicado desta tese possui duas partes, pois contém uma ideia dupla, a faculdade sensitiva e a sensação, ausente em um sujeito não apto a possuí-la. §II O que é a impassividade relativamente à faculdade sensitiva. A impassividade relativamente à faculdade sensitiva é a ausência de uma tal disposição em um sujeito não apto, com cuja mediação o animal deveria ser afetado por coisas sensíveis e imediatamente presentes, assim como por coisas não materiais. Explicação única. Um sujeito incapaz ou não apto é: um ente que não admite em si partes, propriedades e efeitos de outro ente, nem pode participar dele. Um tal sujeito é um espírito, ou algo material. A incapacidade de sentir do espírito foi descrita na parte I do cap. I, com suas explicações e respectivas aplicações. Em relação à matéria é o caso de distinguir entre corpo vivo e corpo privado de vida; o primeiro é certamente afetado por meio da disposição sensível própria, o segundo não o é de forma alguma. §III A impassividade relativamente à sensação. Seguindo a ordem, a impassividade relativamente à sensação é: a ausência de potência sensível em um sujeito não apto (não senciente), por exemplo, um espírito, uma pedra, etc. Tradução de F. Sá Moreira 36 ( 13 ) §. IV. Quid απαθεια mentis humanae. His explicatis tandem quaeritur quid per ipsam thesin i.e. humanae mentis απαθειαν intelligamus, nempe: absentiam facultatis sentiendi sensionumque immediatarum in mente humana. CAP. II. CONTINENS APPLICATIONES EORVM QVAE IN ANTE CEDENTIBVS LATE DE DVXIMVS. Status controuersiae. Homo res materiales sentit non quoad mentem sed quaad corpus uiuum et organicum. Haec dicuntur et defenduntur Contra Cartesium eiusque sententiam in Epistol. part. I. Epist. XXIX. ubi ita habet: Nam cum duo sint in anima humana, ex quibus pendet tota cognitio, quam de eius natura habere possumus, quorum unum est quod cogitet, alterum quod unita corpori possit cum illo agere et Pati. Ad quae uerba ita monemus et dissentimus; mentem cum corpore mediante mutua unione agere, concedimus; Sed cum corpore pati negamus. Nota. patiet sentire in rebus uiuis sunt Synonima. in rebus uero uita priuatis sentire est; mutationes aliunde uenientes quoad quantitatem et qualitatem in se admittere. i.e. aliunde modificari et determinari. Monitum I. Sed ipse sibi aperte contrarium dicit. Loc cit. part I. Epistol. 99. in examine programmat. praeced. ubi naturam Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 37 ( 13 ) §IV O que é a impassividade da mente humana. Com essas explicações, inquere-se finalmente o que entendemos pela tese em si mesma, isto é, o que entendemos pela impassividade da mente humana. Com efeito, ela é: a ausência de faculdade sensitiva e de sensações imediatas na mente humana. CAPÍTULO II CONTENDO APLICAÇÕES DO QUE FOI EXTENSAMENTE DISCORRIDO ACIMA Estado da controvérsia. O homem não sente as coisas materiais enquanto mente, senão enquanto corpo vivo e orgânico. Isso é dito e defendido contra Descartes e suas opiniões nas Epistol., parte I, carta XXIX, onde ele diz: “Existem pois duas coisas na alma humana, das quais depende toda cognição que podemos ter de sua natureza; uma delas é que ela pensa, a outra é que ela, unida ao corpo, pode com ele agir e ser afetada”. Nós criticamos essas palavras e delas discordamos. Concedemos que a mente age através da mediação de uma união mútua com o corpo; contudo, nós negamos que ela seja afetada com o corpo. Nota. Ser afetado e sentir são sinônimos em coisas vivas. Em coisas verdadeiramente privadas de vida, sentir é: admitir em si mutações vindas de fora em termos de quantidade e qualidade, isto é, ser determinado e modificado a partir de fora. Observação I. Porém, ele próprio se contradiz abertamente: loc. cit., parte I, carta 99, no “exame do programa precedente”, onde Tradução de F. Sá Moreira 38 ( 14 ) animae in sola facultate cogitandi ponit; atqui cogitare est actio mentis, non passio. Contra Senert. in Scient. natur. Lib. IIX. c. 1. de anima rationali ubi: et si uero anima humana, omnibus facultatibus quas hactenus animae uegetanti et sentienti tribuimus, pollet: tamen duas &c. item Lib. VII. C. I. p. m. 562. de anima sentiente: Sentire enim est opus animae. Monitum II. Sed sibi contrarium statuit dl. p. m. 563. uerbis: recipere speciem sensibilem est organi; receptum iudicare est animae. recipere speciem sensibilem est sentire, atqui hoc competit organo, per consequens et corpori, nam organa competunt non menti sed corpori. Item sentire et iudicare ipse distinguit, illud organis, hoc menti tribuens. Item contra Ioh. Cleric. lib IV. physicor. de Plantis et animalibus C. X. de animalium sensib. et motib. §. 2. Monitum III. Sed ipse sibi contradicit dl. §. 3. subsequente. Vbi ait tria esse distinguenda (1) actio objecti in organa (2) organi passio et (3) inquit: moto organo, percellitur mens, sentitque mens corpus suum affectum fuisse. Si enim mens sentiret, oportuit ita eum dixisse: Sentitque mens se adfectam fuisse; Nam si sentit mens corpus suum adfectum fuisse, sentit seu potius intelligit se ipsam non esse adfectam. Sed confundit actum intelligendi et negotium sentiendi: idemque est ac si dixisset: Intelligitque mens corpus suum esse adfectum. Item contra GEORG. DANIEL COSCHWIZ in organism. et Mechanism. S.I. C. VIII.| Th. 3. Contraque alios complures. Sentiunt nobiscum Aristotel. Lib. II. de generat. et corrupt. c. 9. p. m. 49. τῆς μὲν γαρ ὕλης τὸ πάσχειν ἐϛι ϗ τὸ κινεῖθαι etc. IO. FRID. TEICHMEYER. in Element. Philos. nat. experiment. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 39 ( 14 ) ele atribui à natureza da alma somente a faculdade de pensar; acontece que pensar é uma ação da mente, não uma paixão. Sou contrário a Sennert, em Scient. natur., livro VIII, cap. 1, “sobre a alma racional”, onde escreve: “e se a alma humana dispõe de todas as faculdades que atribuímos até agora à alma vegetativa e sensitiva: duas […]” etc. E também no livro VII, cap. I, “sobre a alma sensível”, p. 562: “Sentir é de fato obra da alma”. Observação II. No entanto, ele mesmo se contradiz na mesma obra, p. 563, nas palavras: “receber impressões sensíveis cabe a um órgão; julgar o que recebido cabe à alma”. Receber impressões sensíveis equivale a sentir e, contudo, compete a um órgão, portanto ao corpo, pois os órgãos competem não à mente, mas ao corpo. Do mesmo modo, ele próprio distingue sentir e julgar, atribuindo o primeiro ao corpo e o segundo à mente. Sou igualmente contra Jean Le Clerc, na physicor., livro IV, “sobre as plantas e os animais”, cap. X, “sobre os sentidos e movimentos dos animais”, §2. Observação III. Porém, ele mesmo se contradiz no §3 e seguintes. Lá é dito que há três momentos a se distinguir: (1) a ação do objeto no órgão, (2) a paixão do órgão, e (3) o assim descrito: “durante o movimento do órgão, a mente é fustigada e sente que seu corpo foi afetado”. Mas, se a mente sentisse, ele deveria ter dito: “e a mente sente que ela foi afetada”; além disso, se a mente sentisse que seu corpo foi afetado, ela sentiria, ou ainda, ela entenderia que ela mesma não foi afetada. Em todo caso, ele confunde o ato intelectual e o processo sensório: É como se ele dissesse: “a mente entende que o seu corpo é afetado”. Sou igualmente contra GEORG DANIEL COSCHWITZ em organism. et Mechanism, seção I, cap. VIII, tese 3. E sou contrário a muitos outros. Estão conosco: Aristóteles, de generat. et corrupt., livro II, cap. 9, p. 49: “ser afetado e ser movido dizem respeito à matéria” etc.; J. F. TEICHMEYER, em Element. Philos. nat. experiment., Tradução de F. Sá Moreira 40 ( 15 ) C. III. de princip. physic. p. m. 18. uerbis: per sensum intelligimus etc. IO. CHRISTOPHOR. STVRM. in Physic. Hypoth. Lib. I. Seu. part. General. Sect. I.C. II. in V. Epilog. Item dl pag. III. 232. et qui sequuntur ibidem. MEMBRVM. VNICVM. Thesis I. negatiua. Mens humana non rebus sensibilibus afficitur. Expositio. Thesis idem innuit ac si dicas: mens humana rebus sensibilibus non afficitur, quamuis suo corpori cui inest proxime praesentibus; Sed sensiones incorpore ortas, intelligit, et intellectas in suas adhibet operationes. uid. Essais de physique chapitre. IIX. p. 107. Nota. In homine logice considerato confundenda non sunt Mens, mentis operatio, idea et sensio immediata; mens et eius operatio immateriales sunt; nam qualis substantia talis substantiae proprietas atqui mens est immaterialis per ea quae diximus Cap. I. m. I. §. 1. etc. ergo et sua proprietas. Idea est ens compositum; est enim quando mens sensionem in corpore prae existentem, sibi prcesentem sistit, est que sensio repraesentata. quid immediata sensio sit uid. Cap. I. m. 2. §. 1. cum notis subiectis. Probatio Theseos I. Quidquid sentit, illud uiuit, quidquid uiuit nutritur, quidquid uiuit et nutritur augmentatur, quidquid huius modi est, tandem in sua Prima principia resoluitur, quidquid in sua prima principia resoluitur, est principiatum, omne principiatum habet suas partes constitutiuas, quidquid eius modi est, est corpus diuisibile si igitur mens humana sentit, sequitur quod sit corpus diuisibile. Probatio Theseos II. Nullus spiritus res materiales sentit; atqui mens humana est Spiritus ergo res materiales non sentit. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 41 ( 15 ) cap. III, “sobre os princípios da física”, p. 18,17 onde diz: “por sentir entendemos” etc.; e J. CHRISTOPH STURM, em Physic. Hypoth., livro I, “ou da parte geral”, seção I, cap. II, item 5, “Epílogo”. Também na mesma obra, III, p. 232 e seguintes. PARTE ÚNICA Tese I, negativa. A mente humana não é afetada por coisas sensíveis. Explicação. A tese significa o mesmo que: a mente humana não é afetada por coisas sensíveis, ainda que elas estejam imediatamente presentes para seu corpo, que a envolve; porém, ela entende as sensações originadas no corpo e, entendidas, as aplica em suas operações. Confira Essais de physique, cap. VIII, p. 107. Nota. Considerando logicamente em relação ao homem, não se deve confundir mente, operação da mente, ideia e sensação imediata. A mente e suas operações são imateriais; pois, tal como uma substância é, assim o é a propriedade da substância. E, afinal, a mente é imaterial pelo que dissemos no cap. I, parte I, §1 etc. Portanto, também o é sua propriedade. A ideia é um ente composto, visto que ela passa a existir quando a mente dispõe para si, como algo presente, uma sensação preexistente no corpo: ela é uma sensação representada. Sobre o que seria uma sensação imediata, confira o cap. I, parte 2, §1, com as respectivas notas. Prova da Tese, I. Tudo quanto sente, vive; tudo quanto vive, é nutrido; tudo quanto vive e é nutrido, cresce; tudo quanto assim o seja, resolve-se igualmente em seus próprios primeiros princípios; tudo quanto se resolve em seus primeiros princípios, é algo principiado; todo principiado tem suas partes constitutivas; tudo quanto assim o seja, é um corpo divisível; portanto, se a mente humana sentisse, segue-se que ela seria um corpo divisível. Prova da Tese, II. Nenhum espírito sente coisas materiais; dado que a mente humana é um espírito; logo, ela não sente coisas materiais. 17 Amo se equivoca aqui quanto ao primeiro nome do autor e a página da citação: “Hermann” e “p. 16”, respectivamente. Tradução de F. Sá Moreira 42 ( 16 ) Maior probatur Cap. I. m. I. §. I. exposit. I. cum notis et applicationib. subiectis. minor nullam admittit contradictionem. Nota I. Vivere et sentire sunt duo praedicata inseparabilia, ratio est haec inversio: omne quod vivit necessario sentit, et omne sentiens necessario vivit; ita ut unius praesentia alterius necessariam importet praesentiam. Nota II. Synonyma non sunt vivere et existere. Omne quod vivit existit, sed non omne existens vivit, spiritus enim et lapis existunt, sed minus recte vivere dicuntur. spiritus enim existit, et operatur cum intelligentia, materia existit, et actionem agentis recipit. sed homo et animal existunt agunt, vivunt et sentiunt. Probatio Theseos III. Non timeatis, ait Salvator noster, ab occidentibus corpus, qui tamen animam occidere non possunt Math. X, 28. exinde ita: Quidquid occiditur et occidi potest, illud vivere necesse est. (Nam occidi est; aliunde per violentiam vita privati) si igitur corpus occiditur et occidi potest, sequitur quod vivat, si vivit sentit, si sentit, sequitur quod facultate sentiendi gaudeat. vivere enim et sentire sunt perperpetuo in eodm subiecto et principio coniuncta. Nota. Consentiunt medicorum chorus aliique quorum sententia est sensionem fieri in succo et genere neruoso, qui succus nerveus antiquis spiritus animales vid. Illustr. Dn. de BERGER in Physiolog. Lib. I. de natura human. c. XXI. de secret. motuque succi nervos. p. 277. item Excellentiss. Dn. meus praeses in physic. sua experim. compendios. edit. II. C. V. Q. XXV. Essais de Physique I. partie chap. IIX. Des sensations §. 5. p. 102. Senert. in Epitom. scient. natur. Lib. IIX. c. 2. pag. m. 671. Exemplum. Exime huc facit effatum Friderici sapientis Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 43 ( 16 ) A premissa maior está provada no cap. I, parte I, §I, explicação I, com as respectivas notas e aplicações. A premissa menor não admite nenhuma contradição. Nota I. Viver e sentir são dois predicados inseparáveis, a prova é essa inversão: tudo que vive sente necessariamente, e todo senciente vive necessariamente; de tal forma que a presença de um implica necessariamente a presença do outro. Nota II. Viver e existir não são sinônimos. Tudo que vive existe, mas nem tudo que existe vive, visto que um espírito e uma pedra existem, porém é menos adequado dizer que eles vivem. Afinal um espírito existe e opera com a inteligência, a matéria existe e recebe ações de um agente. Não obstante, um ser humano e um animal existem, agem, vivem e sentem. Prova da Tese, III. “Não temais”, disse nosso Salvador, “aquilo que mata o corpo, não é capaz, contudo, de matar a alma” (Mateus 10:28). Deriva daí que: tudo quanto pode morrer e ser morto, é necessariamente vivo. (De fato, ser morto é: ser privado de vida violentamente por um fator externo). Portanto, se um corpo pode morrer e ser morto, segue-se que está vivo; se vive, sente; se sente, logo goza de uma faculdade sensitiva. Assim, viver e sentir estão perpetuamente conectados em um mesmo sujeito e princípio. Nota. Concordam conosco o conjunto dos médicos e demais pessoas, cuja opinião é que a sensação se forma nos fluídos e nervos em geral; que o fluído dos nervos era considerado pelos antigos como espíritos animais, confira o ilustre Sr. von BERGER, em Physiolog., livro I, “sobre a natureza humana”, cap. XXI, “sobre a secreção e movimento do fluído nervoso”, p. 277. Também meu excelentíssimo supervisor18, em physic. sua experim. compendios., 2ª edição, cap. V, questão XXV. Essais de Physique, 1ª parte, cap. VIII, “sobre as sensações”, §5, p. 102. E, Sennert, em Epitom. scient. natur., livro VIII, cap. 2, p. 671. Exemplo. Extraia-se disso o expresso por Friedrich, o Sábio, 18 Refere-se a Martin Gotthelf Loescher, sob cuja orientação Anton Amo escreveu a presente dissertação. Tradução de F. Sá Moreira 44 ( 17 ) principis Electoris gloriasissimae memoriae Academiae nostrae quae hic Wittebergae uiget conditoris munificentissimi; qui in etremo uitae halitu constitutus, interrogatusque quomodo haberet? respondit, corpus suos pati dolores, sed mentem esse tranquillam ;we l c h e ra u f d e mTo d Be t tg e f r a g twu r d e /wi ee rs i c hb e f ä n d e ?An t wo r t e t ee r :De r Ge i s ti s tr u h i ga b e rd e rL e i bl e y d e tSc h me r t z e n . vid Brückner i n Sä c h s i s c h e nHe l d e n Sa a l /in vita Fr i e d e r i c h sd e swe i s e n /v i e r d t e n Ch u r f ü r s t e nz uSa c h s e nMe i ß n i s c h e rL i n i e . §. II. Thesis II. Nec facultas sentiendi menti inest. Probatio. Cui competit circulatio sanguinis, illi et competit principium vitae; cui hoc competit, illi etiam facultas sentiendi; Atqui circulatio sanguinis, & vitae principium corpori competunt vid. Ilustr. DN. De Berger dl. c. V. in fin. p. 112. ibid. p. 56. Item excellentiss. DN. meus Praeses cit. loc. C. V. Q. XII. Christian. Vater. in Physiolog. S. IV. c. 2. de vita et nutritione th. I. in fin. Item diserte distinguit sacer codex τὴν ψὺχην ἀπο τού πενεὺματος vid. Job, XII. v. 10. ubi septuaginta viri: Ει ἐν χειρὶ αυτὸν ψυχὴν πάντῶν ζωντῶν καὶ πνευμα παντὸς ανδϱωποὺ. Ita D. Lutherus d a ßi ns e i n e rHa n di s t d i eSe e l ea l l e sd e s /d a sd al e b e t /u n dd e rGe i s ta l l e sFl e i s c h e s e i n e si e g l i c h e n .Item vocabalum τῆς φυχῆς indicat principium vitae animalium Gen. I. v. 24. Ibid. cap. IX. carnem in sanguine animae non comedite! vc. v. 4. πλῆν κρεὰς etc. a l l e i ne s s e td a sFl e i s c hn i c h t / s on o c hl e b e ti ns e i n e m Bl u t e .ibid. τὴν ψυχὴν τοὺ ανδϱωποὺ reddidit D. Lutherus d e sMe n s c h e nL e b e n .Item Proverb. 4. Omni custudia serva cor tuum, quia ex ipso vita procedit, atqui cor cum circulo suo sanguinis ad corpus refertur. porro Levit. 17. Vita omnis Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 45 ( 17 ) príncipe-eleitor de gloriosíssima memória e generoso fundador de nossa Universidade, erigida aqui em Wittenberg; o qual, em seu último suspiro vital, foi questionado sobre como se sentia, e respondeu que seu corpo padecia de dores, porém a mente estava tranquila; “no leito de morte, ele foi questionado sobre como se sentia. Ele respondeu: O espírito está calmo, mas o corpo sofre com dores”. Confira Brückner19, em Sächsischen Helden-Saal, na vida de “Friedrich, o Sábio, quarto príncipe-eleitor da Saxônia, da linha de Meißnisch”. §II Tese II. Tampouco há na mente uma faculdade sensitiva. Prova. O que compete à circulação sanguínea, compete ao princípio vital; o que a isso compete, compete igualmente à faculdade sensitiva; com efeito, a circulação sanguínea e o princípio vital competem ao corpo; confira o ilustre Sr. von Berger, op. cit., ao fim do cap. V, p. 112 e p. 56; também, meu excelentíssimo supervisor, cit. loc., cap. V, questão XII; e Christian Vater em Physiolog., seção IV, cap. 2, “sobre a vida e nutrição”, ao fim da tese I. Igualmente, o Livro Sagrado distingue de forma eloquente a psique [ψὺχην/alma/mente] de pneuma [πενεὺματος/sopro/espírito], confira Jó 12:10, que a Septuaginta traduz por: “Em sua mão, repousa a alma [psique] de todas as coisas vivas, e o sopro vital [pneuma] de todos os homens”. De forma semelhante, o Dr. Lutero traduziu: “que, em sua mão, está a alma [Seele] de tudo o que vive, e o espírito [Geist] de toda carne de cada um”. Também o vocábulo psique [φυχῆς] indica um princípio vital dos animais, Gênesis 1:24, ibid. 9:4: “não comais carne banhada em sangue, em alma!”, onde se lê “exceto a carne […]” etc., [em Lutero:] “só não comais a carne, que ainda vive em seu sangue”; ibid. “a psique [ψυχὴν] do homem” vertida pelo Dr. Lutero como “a vida do homem”. Igualmente em Provérbios 4[:23]: “Proteja teu coração a todo custo, porque é dele que provém a vida”, mas, afinal, o coração e sua circulação sanguínea são coisas referentes ao corpo. Adiante, em Levítico 17[:11 e 14]: “Toda vida 19 Na verdade, o livro é de autoria de Sigmund von Birken. Tradução de F. Sá Moreira 46 ( 18 ) est in sanguine; sed sanguis refertur ad corpus, adde Esais de physique I. partie chpitr. IIX. des sensations p. 102. & 103. Haec cum ita sint, sequitur, quod principium vitae cum facultate sentiendi non menti; sed corpori competant. §. III. Thesis III. Ergo sensio et facultas sentiendi corpori competunt. Probatio. Sensio et facultas sentiendi aut menti competunt, aut corpori, non menti, per late jam deducta. Ergo corpori. vid. probationes thes. I. & II. Nota finalis. Finis hujus dissertationis conscribendae, contrariae fuerunt sententiae quas vide cap. II. in formatione quaestionis. Item ne confundamus ea quae corpori et menti diverso respectu, conveniunt. Quidquid enim in mera mentis operatione consistit, illud soli menti, quidquid vero sensionem, facultatem que sentiendi supponit, conceptumque involuit meterialem, illud corpori omnino tribuendum est. TANTVM. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 47 ( 18 ) está no sangue”; contudo, o sangue é algo referente ao corpo, acrescenta Essais de physique, 1ª parte, cap. VIII, “sobre as sensações”, p. 102 e 103.20 Assim, segue-se que o princípio vital junto à faculdade sensitiva competem não à mente, senão ao corpo. §III Tese III. Logo, sensação e faculdade sensitiva competem ao corpo. Prova. Sensação e faculdade sensitiva competem ou à mente, ou ao corpo, mas não podem competir à mente, pelo que já foi deduzido anteriormente. Logo, competem ao corpo. Confira as comprovações das teses I e II. Nota final. O objetivo de escrever esta dissertação era o de apresentar as opiniões contrárias, que podem ser conferidas no capítulo II, na formação da questão. De igual maneira, não confundamos as coisas diversas que convém respectivamente ao corpo e à mente. Pois, qualquer coisa que consista em uma mera operação da mente, diz respeito somente à mente, enquanto que qualquer coisa que suponha sensações ou a faculdade sensitiva, e envolve um conceito material, deve ser atribuído inteiramente ao corpo. É O QUE EU TINHA A DIZER. 20 Com efeito, o autor pegou as citações bíblicas (a Provérbios 4 e Levítico 17), precisamente dessas páginas dos Essais de physique de Edme Didier. Por alguma razão, Amo suprimiu uma palavra na segunda citação: “vita omnis carnis in sanguine est”. Tradução de F. Sá Moreira 48 ( 19 ) RECTOR ET CONSILIVM ACADEMIAE VITEMBERGENSIS PVBLICVM Lectori Benevolo S. P. D. M Agna quondam Africae dignitas fuit, sive ingenia, sive literarum studia, sive ipsum Religionis tuendae institutum, spectentur. Nam complures tulit viros praestantissimos, quorum ingeniis ac studiis nihilo magis humana sapientia, quam diuina est instituta. D. Terentio, Carthaginiensi, nihil olim, nihil nostra memoria, vel prudentius, in vita civili, vel elegantius, iudicatum est. Plato autem in Socraticis Apuleii, Madaurensis, sermonibus, revi viscere visus, tanto quidem superiorum saeculorum studio, ut, eruditis in partes distractis, Apuleiani existerent, qui cum Ciceronianis de principatu eloquentiae, contendere auderent. At e christiana Disciplina, quanti in Africa viri prodierunt. E potioribus, satis est, referri, Tertulianum, Cyprianum, Arnobium, Optatum Milevitanum, Augustinum, quorum sanctitas animi cum omnis generis scientia certat. Quanta denique fide, atque Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 49 ( 19 ) O REITOR E O CONSELHO PÚBLICO DA UNIVERSIDADE DE WITTENBERG saúdam afetuosamente o Benévolo Leitor A dignidade da África já foi certa vez grandiosa, seja em relação à engenhosidade, ao estudo das letras, ou mesmo às instituições de salvaguarda da religião. De fato, ela fez surgirem muitos homens excelentíssimos, com cujos talentos e esforços foi construída a sabedoria humana e a divina. Ninguém no passado e ninguém em nossa memória é considerado tão prudente na vida cívica e tão elegante quanto Terêncio, o cartaginês. Mesmo Platão é revivido nos sermões socráticos de Apuleio de Madaura. Com efeito, seus discursos foram tão bem recebidos pelos séculos passados, que os eruditos se dividiram: existiam os apuleianos, que se atreviam a disputar com os ciceronianos o primado na eloquência. E no tocante à doutrina cristã, quantos homens virtuosos surgiram na África. Entre eles, é suficiente fazer referência a Tertuliano, Cipriano, Arnóbio, Optato de Milevi e Agostinho, homens cuja santidade da alma rivalizou com a sabedoria de todas as gentes. E, finalmente, com quão grande fé e com quão grande Tradução de F. Sá Moreira 50 ( 20 ) Constantia pro sacrorum integritate propagaverint Afri Doctores, horum monimenta, acta, Martyria, Concilia, loqunntur. Ecclesiae enim Africanae iniuriam faciunt, qui eam semper consensisse, tradunt. Etsi vero magnis Arabum viribus in Africam, effusis, magna rerum commutatio facta est, multum tamen abfuit, ut eorum Dominatu, omne vel ingeniorum, vel literarum, lumen extingueretur. Huius enim gentis, ad quam literae commigrasse videbantur, instituto, liberalis scientia colebatur, et, Mauris ex Africa in Hispaniam transgressis, veteres scriptores, simul apportati, literarum cultui, e tenebris erui caepto, multum adiumenti attulerunt. Sic habuerunt literae, quod tam antiquioris aevi, Africae acceptum referrent. Nostra quidem memoria haec terrarum pars aliarum rerum, quam studiorum, feracior narratur, eam tamen ingeniorum haud effoetam esse, vel hic sua doceat exemplo, sapientiae ac liberalium artium Magister clarissimus ANTONIVS GVILIELMVS AMO GVINEA – AFER. Natus in ultimo Africae, qua spectat in Orientem, recessu, perparvulus venit in Europam, sacris initiatus est Halis Juliis, tantaque serenissimorum principum, ac Ducum, Brun- AVGVSTI VILHELMI LVDOVIsvigo – Guelfer bytanorum, ac Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 51 ( 20 ) constância em favor da integridade das coisas sagradas seguiram os doutores africanos com seus monumentos, seus atos, seu martírio, e seus concílios. Cometem injustiça à Igreja Africana aqueles que afirmam ela sempre foi mera receptora. Ainda que a grande difusão das forças dos árabes na África tenha causado grandes mudanças com sua dominação, muitas coisas não desapareceram, tampouco foi extinta toda engenhosidade, letras e luzes. De fato, as letras eram admiradas entre essas gentes, entre as quais as ciências liberais foram cultivadas, e, tendo os mouros vindos da África atravessado para a Espanha, deram a conhecer os pensadores antigos e ajudaram muito no cultivo das letras, que gradualmente saíram das trevas. Assim, a erudição africana merece, desde tempos antigos, uma boa aceitação. Mas, ainda que atualmente aquela parte do mundo seja descrita como mais fértil em outras coisas, que em erudição, sua engenhosidade não está de forma alguma exaurida, como nos ensina o exemplo do mestre em ciência e artes liberais, o distintíssimo ANTON WILHELM AMO, AFRICANO DA GUINÉ. Tendo nascido nos confins da África, onde ela contempla o oriente21, ele veio à Europa ainda quando era uma criança muito pequena, tendo sido iniciado nos ritos sagrados em um mês de julho na cidade de Halle, tendo ele desfrutando da amabilidade dos príncipes sereníssimos e duques dos domínios de Braunschweig – Wolfenbüttel, WILHELM e AUGUST LUDWIG 21 Na verdade, Amo nasceu na África Ocidental. Tradução de F. Sá Moreira 52 ( 21 ) CI RVDOLPHI, clementia Usus, ut, in sui educandi cura, nullum paternae caritatis munus desideraret. Probata ingenii docilitate, commeavit Halas Saxonicas, et, varia eruditus doctrina, ad nos adiit, conti nuatoque diligentiae Curriculo, adeo sibi Ordinem sapientum conciliavit, ut, cunctis patrum suffragiis, Philosophiae laurea ornaretur. Honorem, meritis ingenii partum, insigni Probitatis, industriae, eruditionis, quam publicis, privatisque exercitationibus declaravit, laude auxit. Sic se gerendo, apud optimum quemque ac doctissimum, multum gratiae iniit, inter aequales facile eluxit. Horum igitur studiis cultus atque excitatus, compluribus philosophiam domi tradidit, excussis tam veterum quam novorum, placitis, optima quaeque selegit, selecta enucleate, ac dilucide interpretatus est. Ea vero res tantam ingenii, quantam docendi, facultatem demonstravit, nec ineptam se praebuit ad docendi munus, quo, naturali quodam instinctu, trahitur, aliquando in Academia administrandum. Itaque, cum expectationem sustinuerit nostram, nihil causae fuit, quare eum publico, quod petiit, iudicio nostri testimonio de fraudaremus. Nos vero de illo optima quaeque speramus, eumque Principali gratia, quam pie veneratur, quam omni sermone praedicat, dignum putamus. Qua quidem fortuna, ut diu frui possit, suaeque spei fructum consequatur amplissimum, pro salute optimi maximique Principis, LVDOVCI RVDOLPHI Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 53 ( 21 ) RUDOLPH, de modo que não lhe faltou nenhuma caridade paternal em sua educação. Por razão de sua comprovada fineza de espírito, estudou em Halle, na Saxônia, e, tendo conhecido várias ciências, veio até nós e cumpriu o currículo com diligência, tendo recebido então grande aprovação dos eruditos, que, em votação unânime, lhe condecoraram com as láureas da filosofia. Ele ampliou com louvor a honra recebida no emprego de sua engenhosidade, sua extraordinária probidade, indústria e erudição, demonstrada em exercícios públicos e privados. Agindo desse modo, recebeu muita simpatia dos melhores e mais doutos; entre seus iguais, ele facilmente se destacava. Por causa disso, cultivado e estimulado pelos estudos, ele lecionou filosofia em casa a muitas pessoas, examinando as opiniões dos antigos e dos modernos, selecionando o que há de melhor, e interpretando tudo com lucidez. Tendo agido deste modo, demonstrando claramente tanto sua capacidade intelectual quanto sua capacidade de ensinar, não é de modo algum absurdo que lhe seja provido logo um cargo docente na universidade, ao que ele está sendo levado naturalmente e por instinto. Portanto, tendo ele suprido completamente nossa expectativa, não há nada que nos impeça de lhe conceder nosso juízo público e nossa aprovação. Com efeito, esperamos apenas coisas boas dele e o consideramos digno daquela benevolência principesca, que ele respeitou zelosamente, e que publiciza em todos os cantos. E, então, para que ele possa gozar por muito tempo dessa fortuna e obter a mais ampla fruição de suas expectativas, vamos rezar a Deus pelo bem-estar do bom e grandioso príncipe LUDWIG RUDOLPH, 22 22 Aparentemente, essas preces não tiveram resultado. O duque faleceu menos de um ano depois, em março de 1735. A partir de então, Amo parece ter perdido a proteção da corte de Braunschweig-Wolfenbüttel. Tradução de F. Sá Moreira 54 ( 22 ) pro incolumitate totius Domus Brunsuigo-Guelferbytanae, tot tantisque in omnem Germaniam meritis inclutae, Deum comprecamur. Publice scriptum, et impresso Academiae sigillo, munltum IX. Calendas Junlas, CIƆ IƆCC XXXIII. L·S· JOHANNES GODOFREDVS KRAVS, D. h.t. Acad. Rector. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 55 ( 22 ) pela preservação de toda a casa de Braunschweig-Wolfenbüttel, celebrada por tantos grandes serviços em toda Alemanha. Redigido publicamente e impresso com o selo da Universidade, no 9º dia antes de 1º de junho de 1733.23 L·S· Dr. JOHANN GOTTFRIED KRAUS, Atual Reitor da Universidade 23 Ou seja, 24 de maio de 1733. Note que há um flagrante erro de redação do ano deste texto, que só pode ser efetivamente de 1734. Tradução de F. Sá Moreira 56 ( 23 ) CLARISSIMO DISSERTATIONIS HVIVS AVCTORI S. P. D. PRAESES. A Fricam & ejusdem longissime a nobis dissitam regionem Guineam, olim ora aurea, ob copio sissimum auri proventum ab Europaeis appellatam, quam Patriam a nobis, & in qua primum aspexisti lucem, Matrem non tantum multorum bonorum et Thesaurorum Naturae, verum etiam ingeniorum felicissimorum non immerito deprædicamus. Inter quae Tuum potissimum eminet, VIR Nobilissime atque clarissime, ut pote qui istius felicitatem atque praestantiam, eruditionis ac doctrinæ soliditatem et elegentiam, multis Speciminibus hactenus in nostra etiam Academia magno cum applausu omnibus bonis, et in praesenti Dissertatione egregie comprobasti. Reddo Tibi illam proprio marte eleganter et erudite elaboratam, integram ad huc et plane immutatam, ut vis ingenii Tui eo magis exinde elucescat. Quod reliquum est, ego Tibi de egregio hoc elegantioris eruditionis Tuae Specimine ex animo gratulor atque Fausta cuncta, prolixiori cordis affectu, quam verbis ap- Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 57 ( 23 ) AO ILUSTRE AUTOR DESTA DISSERTAÇÃO, O PRESIDENTE ENVIA SUAS SAUDAÇÕES AFETUOSAS. N ós declaramos merecidamente a África e sua longínqua região da Guiné, às vezes chamada pelos europeus de Costa do Ouro, em razão de sua abundante e profusa produção aurífera, conhecida entre nós como tua pátria, na qual tu vistes pela primeira vez a luz do dia, não apenas como mãe de muitas boas coisas e tesouros naturais, senão também das mais auspiciosas mentes. Entre elas, teu gênio se destaca, muito nobre e distinto SENHOR, já que tu comprovastes de modo excelente sua felicidade e excelência, a solidez e o refinamento de tua erudição e de teu ensino em incontáveis exemplos até agora nesta nossa universidade, com grande aplauso de todos os bons homens, assim como na presente dissertação. Visto que, você a trabalhou com a apropriada contenciosidade e a defendeu com elegância e erudição, eu a devolvo a ti completa e absolutamente inalterada, para que a força de seu gênio possa brilhar ainda mais de agora em diante. Resta-me parabenizar-te por este singular exemplo de tua elegante erudição, com todo afeto cordial e de modo mais efusivo do que as palavras podem expressar. Tradução de F. Sá Moreira 58 ( 24 ) precor, & Gratiae Divinae ac Celsissimi et Optimi Principis. LVDOVICI RVDOLPHI pro cujus salute ac incolumitate, Majestatem Divinam adorare nunquam defatigabor, Te Devotissime pariter ac hummillime commendo, Dabam Vitembergæ in Saxonibus, Mense Aprilis, A. O. R. M DCC XXXIV. Anton Wilhelm Amo – Sobre a Impassividade da Mente Humana 59 ( 24 ) À Divina Graça e ao Excelso e Nobilíssimo Príncipe LUDWIG RUDOLPH, pela saúde e segurança do qual eu nunca canso de orar à Divina Majestade, congratulo-te devota e humildemente. Escrito na cidade de Wittenberg, na Saxônia, em abril de 1734, do ano de nosso Redentor. Tradução de F. Sá Moreira 60 Obras Mencionadas por Amo ARISTÓTELES. Opera Omnia. Vol. 3. Leipzig: Sumtibus et Typis Car. Tauchnitii, 1831. BERGER, Johann Gottfried von. Physiologia medica. Wittenberg: Apud Io. Guil. Meyerum et Godofr. Zimmermannum, 1702. BIBLIA. Wittenberg: Hans Lufft, 1545. BIRKEN, Sigmund von. Chur- und Fürstlicher Sächsischer Helden-Saal. Nürnberg: Johann Hofmann, 1677. CLERC, Jean Le. Physica. In: Opera Philosophica in Quatuor Volumina Digesta. Tomus IV. Amsterdam: Apud Joan. Ludov. de Lorme, 1704. CLERC, Jean Le. Logica, Ontologia et Pneumatologia. Editio Quinta. Londres: Typis Johan. Churchill, 1716. COSCHWITZ, George Daniel. Organismus et mechanismus in homine vivo obvius et stabilitus. Leipzig: Sumptibus Hæred Friderici Lanckisii, 1725. DESCARTES, René. Epistolæ. Pars Prima. Amsterdam: Apud Danielem Elzevirium, 1668. DESCARTES, René. Epistolæ. Pars Tertia. Amsterdam: Ex Typographia Blaviana, 1683. DESCARTES, René. Passiones Animæ. Amsterdam: Ex Typographia Blaviana, 1692. DIDIER, Edme. Essais de physique. Tome Premier. Paris: Chez André Pralard, 1684. LOESCHER, Martin Gotthelf. Physica theoretica et experimentalis compendiosa. Editio altera eademque auctior et emendatior. Wittenberg: Apud Haeredes Godofr. Zimmermanni, 1728. MIZAULD, Antonio. Centuriæ IX. Memorabilium. Frankfurt: ex officina typographica Ioannis Wecheli, 1592. NOVUM TESTAMENTUM. Amsterdam: Ex Officina Wetsteniana, 1717. 61 PROPERTIUS, Sextus. Elegiarum. Amsterdam: Apud Rod. & Gerh. Wetstenios, 1727. SENNERT, Daniel. Epitome naturalis scientiae. Frankfurt: Impensis Caspari Wächteri, 1650. STURM, Johann Christoph. Physica electiva sive hypothetica. Tomus Primus. Nürnberg: Sumptibus Wolfgangi Mauritii Endteri, 1697. TEICHMEYER, Hermann Friedrich. Elementa Philosophiæ Naturalis Experimentalis. Jena: Sumptibus Ioann. Felicis Bielckii, 1733. TEUBER, Samuel Christian. Moderatum judicium de questione theologica, andertur tres partes hominis essentiales? Magdeburg: Apud Christophorum Seidelium, 1708. VATER, Christian. Physiologia experimentalis. Editio Secunda. Wittenberg: Apud Godofredum Zimmermann, 1712. VETUS TESTAMENTUM juxta Septuaginta Interpretes. Oxford: apud Richardum Smith, 1707. 62 Posfácio O que vem a seguir é um trecho de uma entrevista recente publicada em inglês pela revista Eidolon. Nela, a classicista sul-coreana Yung In Chae conversa com o estadunidense Dwight K. Lewis Jr. sobre Anton Amo e a experiência acadêmica de Lewis, que defendeu uma tese de doutorado sobre o filósofo africano. Confira a entrevista completa no seguinte endereço: https://eidolon.pub/the-first-african-to-have-attended-a-europeanuniversity-b4ef9b7f8c8a Agradeço profundamente Yung In Chae, Dwight Lewis e os editores da Eidolon por gentilmente nos ceder esse material.24 *** Yung In Chae (YIC): O que levou você ao tema “Amo”? Dwight Lewis (DL): Eu vou ser sincero – sua negritude. E o fato que minha narrativa correu em paralelo à narrativa dele, que eu tenha existido no mundo como um problema, assim como ele, que, para mim, não havia como eu me enxergar na história – especialmente na história da filosofia – a menos que encontrasse alguém que eu pudesse colocar dentro daquela história. Amo se tornou essa pessoa [para mim]. Quando cheguei à pós-graduação, eu era a única pessoa negra lá, incluindo os membros da faculdade. Havia apenas um outra pessoa negra obtendo um doutorado em filosofia em todo o estado da Flórida, e menos do que 35 pessoas negras obtendo doutorados em filosofia em todos os Estados Unidos. E, muito embora eu não fosse o único, quando você é um entre [apenas] trinta e cinco, isso é duro e solitário. Eu pude sentir a solidão na narrativa de Amo, o isolamento. É o mesmo tipo de isolamento que eu sinto hoje. 24 Atenção: A atribuição de direito de reutilização e remixagem que cobre o restante do documento NÃO se aplica a este posfácio. A revista Eidolon detém os direitos dessa entrevista e deverá ser consultada para eventuais usos fora do presente documento. 63 […] YIC: […] outra coisa que eu achei interessante é que ele era um africano educado como um filósofo europeu, na “tradição ocidental”. Mas ele parece ter também mantido um interesse na África – por exemplo, ele escreveu um trabalho de mestrado chamado “Sobre o direito dos mouros25 na Europa” [De jure maurorum in Europa]. Por que você acha que isso aconteceu? DL: Acho que ele, de fato, tinha um amor por sua negritude, pela África, que é a razão de ele retornar. Eu estou incerto sobre quando se chega a “Sobre o direito dos mouros na Europa”. A dissertação mesma se encontra perdida – tudo o que temos é um artigo do semanário de Halle, do ano de 1729. O artigo nos informa que o argumento de Amo foi, e – isso é normal para o período do começo da modernidade – não o argumento, mas o tema do argumento era dado a você por seus orientadores. Então, Amo não escolheu esse tema, a faculdade em Halle escolheu. O que isso me diz é que acadêmicos do direito sabiam sobre as complicações da liberdade e da escravidão africana na Europa daquele tempo. Mesmo em 1729, esse tema já tinha sido discutido pela Europa e, de acordo com os rumos da história, eles apenas puseram isso de lado. O tráfico de escravos se tornou lucrativo demais, eu não sei o que pensar sobre 25 No contexto de Amo, a palavra “mouro” (em inglês “Moor”, em alemão “Mohr”) era usada para designar de modo genérico todos os africanos, incluindo os africanos de pele mais clara, comuns na África Setentrional e os africanos de pele mais escura, normalmente associados à África Subsaariana. Nesse sentido, o título do texto em questão poderia ser traduzido também por: “Sobre o direito dos africanos na Europa” ou “Sobre o direito dos negros na Europa”. Além disso, é interessante observar que talvez esse trabalho não possa ser creditado como uma “dissertação de mestrado”. Não sabemos o propósito acadêmico específico pelo qual Amo redigiu e defendeu essa obra. Contudo, vale notar que o trabalho foi defendido na Universidade de Halle e o título de Mestre foi atribuído a Amo pela Universidade de Wittenberg. Por outro lado, Amo era um recém-chegado a Wittenberg e não parece ter produzido lá um trabalho específico para receber o título, o que sugere que talvez ele tenha aproveitado o trabalho de Halle para justificar sua titulação em Wittenberg. (N.T.) 64 isso. Mas, Amo tem um argumento realmente bom, que mouros era cidadãos do Sacro Império Romano e, como cidadãos, não poderia ser escravizados no Sacro Império Romano – a África era vassala do Império Romano26 e [africanos] receberam patentes reais. Ele não está tentando fazer um argumento de inclusão, um argumento [de justiça] social. Ele está dizendo algo como: “Não, com base apenas na história e nas leis, africanos deveriam ser livres. E, agora, ele não são”. YIC: Sim, eu li isso em algum lugar, que ele não fez um argumento ético, ele argumenta que [a escravidão] era ilegal. DL: O que é uma coisa esperta! Sendo sincero, mesmo hoje, não é suficiente fazer um argumento ético. Eu tenho que fazer um argumento econômico para ter mais estudantes marrons e pretos. 27 “Vai criar uma epistemologia, que vai nos dar mais inovação”. Ao invés de algo como: “eles merecem isso como qualquer outro”. […] YIC: Para finalizar, embora o contexto histórico seja tão diferente que é difícil fazer comparações significativas, eu fiquei realmente impressionada, também ao longo de toda esta conversa, com as similaridades entre a experiência dele de ser alguém de primeira 26 Os territórios e unidades políticas que posteriormente formaram a Alemanha e outros Estados da Europa Central, compunham no século XVIII uma espécie de conglomerado político chamado Sacro Império Romano, também conhecido como Sacro Império Romano-Germânico. Este era um fenômeno político da Idade Média e da Modernidade, que julgava ser herdeiro do próprio Império Romano da Antiguidade. Portanto, se o antigo Império Romano reconhecia a cidadania de africanos, o moderno Sacro Império Romano também deveria reconhecê-la. (N.T.) 27 A categoria racial “brown” (“marrom”) não corresponde nos EUA ao que chamamos de “pardo” no Brasil. Há variações locais, mas de modo geral, são considerados “marrons” grupos étnicos ou regionais como árabes, iranianos, indianos, paquistaneses, bérberes, mexicanos, latinos, etc. 65 geração (first-generation) e uma minoria racial, e aquela coisa de [existir] alguém com aquelas mesmas identidades hoje. A expectativa que ele represente um grupo maior, etc. E eu fiquei pensando se, ao longo de sua pesquisa, isso não impressionou você também. […] DL: Sem dúvida. Você pode não ver isso na obra dele, mas, o que realmente me trouxe até Amo, é que ele existe em um mundo enquanto minoria racializada, tal como eu. Não me restou nada, exceto ser impulsionado em direção a algo que me espelhava, de uma maneira que nada do que eu havia estudado no período moderno já tivesse feito. Não sei se teria continuado e obtido meu doutorado se não tivesse encontrado Amo. Ele me salvou. Porque eu estava doente e cansado de estudar o pensamento ocidental. Eu estava doente e cansado de não ver como isso poderia se relacionar comigo, a não ser em termos de poder e branquitude. Quando meus colegas homens e brancos estudam filosofia ou história, eles podem se identificar com as pessoas ao longo de todo o projeto, então eles podem escolher e focar nas teorias. Eu não pude fazer isso. Sem Amo, eu não sei onde estaria. Eu posso vê-lo olhando para mim nos olhos e me tratando como um ser humano completo, de carne e osso (full-boned). Todos queriam que eu pesquisasse aquelas pessoas que nunca teriam me deixado entrar em suas casas, exceto se eu as tivesse servindo. Com Amo, eu pude ter uma conversação verdadeira e ser visto como um igual. *** 66 Sobre os(a) Colaboradores(a) Fernando de Sá Moreira: Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Rodrigo Freese Gonzatto: Doutor em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná e Professor da Escola de Belas Artes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Carlos Eduardo Gomes Nascimento: Graduado em Filosofia, em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia, e também Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Thiago Sebastião Reis Contarato: Doutor em Lógica e Metafísica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Dwight K. Lewis Jr.: Doutor em Filosofia pela Pennsylvania State University e Professor Assistente da University of Central Florida Yung In Chae: Mestre em Estudos Clássicos pela University of Cambridge e Editor-at-Large da Revista Eidolon. 67 Declaração sobre Direitos Autorais O texto original de Anton Wilhelm Amo encontra-se naturalmente em Domínio Público. Você pode usar a transcrição para qualquer fim. É importante notar que os direitos sobre o posfácio pertencem à revista Eidolon e seus colaboradores, portanto, seu conteúdo não pode ser explorado sem a autorização expressa da revista. Ou seja, a declaração a seguir NÃO se aplica ao posfácio. Para todos os fins, declaramos que a tradução, o prefácio e as imagens deste documento estão sob a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual (BY-NC-SA). Isso garante que essas partes do documento podem ser livremente, sem custos e sem autorização prévia: 1. 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