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O que é a Subsidiariedade?

2019, Master Thesis in Economics and Public Policies (ISEG)

https://doi.org/10.13140/RG.2.2.35116.21124

Institutions are the rules of the political, economic and social game or, more formally, the humanly designed restrictions that structure human interaction (North, 1994). Based on this definition and the idea that the main purpose of public policies should be to enable the development of institutions that bring out the best in humans (Ostrom, 2010), this Dissertation presents the evolution of the meaning and integration of Subsidiarity as a formal rule in politics and economics, to test the hypothesis of an answer: Subsidiarity is an Institution for Development in Economics and Public Policy - to the proposed question: What is Subsidiarity? To this end, the analysis was organized into four main chapters that match the presentation of evidence of Subsidiarity at the four levels of the social analysis matrix of the Institutions proposed by Williamson (2000). Chapter I summarizes the historical evolution of the idea of subsidiarity; Chapter II presents subsidiarity in the international governance and its acknowledgment as a Principle in positive Law in Europe; in Chapter III, a distinction is made between the two strategic axes of Subsidiarity and their impacts on the economy (efficiency and growth versus effectiveness and development); Chapter IV discusses Subsidiarity as an incentive to the challenges in the 21st century: Sustainability and Development. The presence at all the four levels of the social analysis matrix is confirmed, so, as a conclusion, it is suggested further study and research on Subsidiarity within the scope of the (New) Institutional Economics.

MESTRADO ECONOMIA E POLÍTICAS PÚBLICAS TRABALHO FINAL DE MESTRADO DISSERTAÇÃO O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? AUTORA MARTA DE SOUSA E FARO ROSADO DA FONSECA VIEIRA OUTUBRO DE 2019 MESTRADO ECONOMIA E POLÍTICAS PÚBLICAS TRABALHO FINAL DE MESTRADO DISSERTAÇÃO O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? AUTORA MARTA DE SOUSA E FARO ROSADO DA FONSECA VIEIRA ORIENTAÇÃO: PROFESSOR ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX OUTUBRO DE 2019 Aos meus filhos, Francisco e Pedro, a quem desejo felicidade, liberdade e um florescimento saudável em cada dia das suas vidas. Agradecimentos Um agradecimento muito especial ao Professor Bagão Félix, pessoa que admiro há muito e que, confirmando a sua enorme generosidade e sabedoria, acedeu a acompanhar-me e a orientar-me neste desafio, tendo sido fundamental o seu incentivo e as suas palavras, em vários momentos deste processo. Um agradecimento ao Professor Francisco Nunes pela sua disponibilidade em estabelecer a ligação institucional e formal entre Orientador e ISEG e a dois Professores que, no CEAGP16, me ensinaram muito: Zorro Mendes e Paulo de Almeida Sande. Agradeço também à minha família: mãe, pai, irmão, Pedro (marido e companheiro de reflexões diárias sobre tudo o que importa e mais qualquer coisa), pelo apoio que me dão todos os dias e pelas oportunidades de desenvolvimento pessoal que me têm proporcionado. i Resumo As instituições são as regras do jogo político, económico e social ou, mais formalmente, as restrições humanamente concebidas que estruturam a interação humana (North, 1994). Partindo desta definição, e da ideia de que o principal objetivo das políticas públicas deve ser o de facilitar o desenvolvimento de instituições que façam emergir o melhor nos humanos (Ostrom, 2010), nesta Dissertação apresenta-se a evolução da significação e integração da Subsidiariedade como regra formal na política e economia, para testar a hipótese da Subsidiariedade como Instituição para o Desenvolvimento na Economia e Políticas Públicas como resposta à questão O que é Subsidiariedade?. Para tal, o texto de análise foi organizado em quatro capítulos principais que correspondem à apresentação de evidências da presença da Subsidiariedade nos quatro níveis da matriz de análise social das Instituições proposta por Williamson (2000). No Capítulo I, faz-se um resumo da evolução histórica da ideia de subsidiariedade; no Capítulo II, apresenta-se a subsidiariedade na governação internacional e a sua confirmação como Princípio no Direito positivo na Europa; no Capítulo III, faz-se a distinção entre os dois eixos estratégicos da subsidiariedade e respetivos impactos na Economia (eficiência e crescimento vs eficácia e desenvolvimento); no Capítulo IV discute-se a Subsidiariedade como incentivo nos desafios do séc. XXI: Sustentabilidade e Desenvolvimento. Confirma-se a presença em todos níveis da matriz de análise social, sugerindo-se, como conclusão, o estudo e investigação da Subsidiariedade no âmbito da (Nova) Economia das Instituições. Palavras Chave: Subsidiariedade, Estado, sociedade, desenvolvimento, ação, crescimento, liberdade, organização, eficácia, política, pessoa, Bem Comum Código JEL: B52 Abstract Institutions are the rules of the economic, social and political game or, more formally, the humanly conceived constraints that structure human interaction (North, 1994). Based on this definition, and on the idea that the main objective of public policies should be to facilitate the development of institutions that bring out the best in humans (Ostrom, 2010), this Dissertation presents the evolution of the meaning and integration of Subsidiarity as a formal rule in polity, politics, policies and economics, to test the hypothesis of Subsidiarity as an Institution for Development in the Economy and Public Policies by as na answer to the question What is Subsidiarity ?. To this end, the analysis text was organized into four main chapters that present the evidences of Subsidiarity at the four levels of the social analysis matrix of the Institutions proposed by Williamson (2000). ii Chapter I summarizes the historical evolution of the idea of subsidiarity; Chapter II presents subsidiarity in international governance and its confirmation as a principle in positive law in Europe; in Chapter III, a distinction is made between the two strategic axes of subsidiarity and their respective impacts on the economy (efficiency and growth vs. efficiency and development); Chapter IV discusses Subsidiarity as an incentive to the challenges of the 21st century: Sustainability and Development. The presence at all levels of the social analysis matrix is confirmed, so, as a conclusion, the study and future research on Subsidiarity is suggested in the scope of the (New) Institutional Economics. Key words: Subsidiarity, state, society, development, action, growth, freedom, organization, effectiveness, politics, person, Common Good JEL Code: B52 iii Índice Introdução .................................................................................................................................... 1 Porquê Subsidiariedade? ....................................................................................................... 1 Instrumental e estrutura do texto ............................................................................................ 1 Método e delimitação da investigação .................................................................................... 2 Capítulo 1 – da Ideia ao Princípio de Subsidiariedade ............................................................ 4 1.1. Subsidiariedade como Ideia ........................................................................................ 4 1.1.1. Da Filosofia à Política ................................................................................................... 4 1.1.2. Liberdade ...................................................................................................................... 5 1.1.3. De Estado mínimo a Estado suficiente ......................................................................... 6 1.2. Subsidiariedade como princípio na Igreja Católica .................................................. 8 1.2.1. Solidariedade ................................................................................................................ 8 1.2.2. Dignidade ...................................................................................................................... 8 Capítulo 2 – da Reconstrução da Europa a Princípio Constitucional ................................... 9 2.1. Mundo de Bem-Estar ..................................................................................................... 9 2.1.1. Bens Públicos Globais .................................................................................................. 9 2.1.2. O método dos pequenos passos ................................................................................ 10 2.2. Subsidiariedade como Princípio Constitucional na Europa ................................... 11 2.2.1. Subsidiariedade como critério geral ........................................................................... 11 2.2.2. Subsidiariedade como Princípio Constitucional na União Europeia .......................... 12 2.2.3. Subsidiariedade no Direito positivo em Portugal ........................................................ 13 Capítulo 3 – Subsidiariedade como Estratégia ...................................................................... 14 3.1. Por uma Economia Eficiente ...................................................................................... 14 3.1.1. Critérios e Regras de Ação ......................................................................................... 15 3.1.2. Os eixos: Subsidiariedade Vertical e Horizontal ......................................................... 16 3.2. Subsidiariedade Ativa ................................................................................................. 17 3.2.1. Estado Relacional e Sociedade de Bem-Estar........................................................... 18 3.2.2. Governo e Regulação ................................................................................................. 18 3.3. Os resultados da Subsidiariedade como Estratégia................................................ 19 3.3.1. Qualidade e eficácia das políticas públicas ................................................................ 20 3.3.2. O crescimento e a eficiência ....................................................................................... 22 Capítulo 4 – Subsidiariedade como Incentivo ........................................................................ 24 4.1. Sustentabilidade e Desenvolvimento ........................................................................ 24 4.1.1. Por um “EcoPIB” ......................................................................................................... 26 4.2. Subsidiariedade na Gestão e Administração pública .............................................. 27 4.2.1. Liderança: Respeito em Ação ..................................................................................... 27 Conclusão: O que é a Subsidiariedade? ................................................................................ 30 Bibliografia ................................................................................................................................. 33 ANEXO I: Respostas ao questionário ..................................................................................... 38 ANEXO II: Quadros .................................................................................................................... 41 ANEXO III: Figuras .................................................................................................................... 46 iv ANEXO IV: Resumo da análise social da Subsidiariedade ................................................... 48 ANEXO V: Descentralização vs Subsidiariedade................................................................... 49 Índice de Quadros Quadro 1 – Nível de Aplicação vs Nível de Objetivo…………………………………………………41 Quadro 2 - Teste de Subsidiariedade …………………………………………………………………41 Quadro 3 – Subsidiariedade na Legislação em Portugal …………………………………………...42 Quadro 4 - Subsidiariedade: Operacionalização em Portugal ……………………………………...42 Quadro 5 – Subsidiariedade: Critérios e Regras de ação……………………………………….…..43 Quadro 6 - Subsidiariedade: Vertical e Horizontal………………….………………………………..43 Quadro 7 - Modelo de Governo: Atual vs Estado Relacional ……………………………………….43 Quadro 8 - Modelo de Produção de Bem-Estar: Estado vs Sociedade…………………………….44 Quadro 9 - Condições prévias necessárias à eficácia da autorregulação………………………….44 Quadro 10 - Contradições do crescimento económico………………………………………………44 Quadro 11 - Indicadores Mundiais: variação 1990-2015……………………………………..….….45 Quadro 12 - EcoPIB…………………………………….……………………………………………….45 Quadro 13 – EcoPIB, Indicadores e Índices de referência ………………………………………….45 Índice de Figuras Figura 1 - Matriz de Análise Social das Instituições…………………………..………………………2 Figura 2 - A pessoa no Centro das Organizações / Estado-Sociedade-Estado .….………………46 Figura 3 - Um modelo para análise da eficácia das Políticas Sociais .…………………………….46 Figura 4 - Índice de Descentralização……………………………………………………..………….47 Figura 5 - PIB mundial per capita vs Biocapacidade mundial vs Pegada Ecológica mundial…….47 Figura 6 - Mapa do Mundo dos credores e devedores de biocapacidade………………………….47 Figura 7 – De bottom up a bottom down……………………………………………………………….31 Siglas e Acrónimos Identificados na primeira referência v MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Introdução Porquê Subsidiariedade? O bom funcionamento das Instituições é um desafio essencial para o aprofundamento da Democracia e melhoria do desempenho da Economia1. A Subsidiariedade, apesar de ser uma palavra pouco dita e pouco escrita, está implícita em muitos discursos e ações de governação que têm procurado aproximar as pessoas da Política. No entanto, o seu valor não está apenas na promoção da eficiência ou no compromisso político que resulta da descentralização, a que normalmente se associa. Como referem vários autores, o seu maior valor não é de natureza utilitarista, mas sim personalista (Carozza, 2003). Aliando a responsabilidade à liberdade, a Subsidiariedade reconhece a ação individual na produção do Bem Comum, condição essencial para o Desenvolvimento, permitindo ultrapassar o desafio de governar homens livres e ajustar o ponto de equilíbrio entre autoridade e autonomia; é a Economia que permite esta realidade relacional2. Instrumental e estrutura do texto Nesta Dissertação Teórica, faz-se uma revisão analítica da literatura existente sobre o percurso da Subsidiariedade na Religião, Filosofia, Direito, Economia e Política (entendida no sentido lato e abrangente de Polity, Politics e Policy), para testar a hipótese de resposta: Subsidiariedade é uma Instituição para o Desenvolvimento na Economia e Políticas Públicas (à questão O que é a Subsidiariedade?). Recorrendo à Teoria da Economia, concretamente à Economia das Instituições, com a abordagem dada pelos novos Institucionalistas, no estudo da relação das Instituições com o comportamento da Economia (North, 1994)3, organizou-se o texto de análise segundo a matriz proposta por Williamson (2000, Fig.1). A cada um dos 4 capítulos, que compõem esta disseração, corresponde a análise da Subsidiariedade em cada um dos 4 níveis desta matriz de análise social. Fruto do espírito do tempo, o texto 1 Segundo North (1994), as Instituições, sejam elas políticas ou económicas, são fundamentais para a estrutura de incentivos da sociedade e para o desenvolvimento da Economia, resultando, desta assunção, que o melhor ou pior desempenho das sociedades decorre das Instituições e dos estímulos à Inovação e Eficiência. 2 Stiglitz (2015) diz que a "Economia pode fazer a diferença" para melhorar a qualidade de vida das populações, sobretudo “se tiver o foco nas desigualdades de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres”. Para combater as desigualdades é fundamental que a mobilidade social funcione o que só é possível se a Economia funcionar. 3 North (1994) define as instituições como as regras do jogo de uma sociedade ou, mais formalmente, as restrições humanamente concebidas que estruturam a interação humana. São compostas por regras formais (direitos constitucionais, direito comum, regulamentos), restrições informais (convenções, normas de comportamento e códigos de conduta auto-impostos) e as características de execução de ambos. 1 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? foi escrito para ser lido de forma digital, apresentando-se várias hiperligações a fontes e sítios na internet4 que acrescentam conteúdo e detalham o enquadramento. Fig. 1 - Matriz de Análise Social das Instituições. Adaptado de Williamson (2000)5 Método e delimitação da investigação A investigação abrangeu o âmbito alargado e rico dos textos de Economia: da filosofia aos estudos econométricos. Começou por incidir nos trabalhos académicos sobre Subsidiariedade, em português (disponíveis na internet), que, em Portugal, são sobretudo no âmbito do Direito e Estudos europeus (referimos apenas um no âmbito das Políticas Públicas Sociais); no Brasil, o âmbito alarga-se à discussão geral do papel do Estado na Economia. Seguiu-se a consulta de dois dossiers (físicos) sobre Subsidiariedade, disponíveis no Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças (provenientes do espólio do Gabinete do Ministro das Finanças e do Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças), fundamentais para aprofundar o conteúdo do tema, e que guardam os estudos feitos e partilhados pelos países da Comunidade Económica Europeia, nos primeiros anos dos anos 90 (séc. XX), no período prévio à introdução do princípio da Subsidiariedade no Tratado da União Europeia (TUE,1992). A partir da leitura destes documentos, foi possível compreender a necessidade de ler as encíclicas papais e procurar as referências comuns mais recorrentes, na sua maioria disponíveis online. Conseguiu-se assim identificar os principais autores/investigadores do tema: Andreas Follesdal, Jacques Delors, Chantal Millon-Delsol, Pierpaolo Donati, Ken Endo, Nicholas 4 Para melhor conformação com as regras de apresentação, apresenta-se o texto, sem interrupções, com referências a evidências, quadros e figuras, em Anexos, cuja leitura não deve ser dispensada. 5 Tradução da matriz de análise social das instituições proposta por Williamson (1991,2000) e adotada para a estrutura da análise do princípio de subsidiariedade com a introdução própria da analogia com as noções de Polity, Politics e Policy, nos designados 3 níveis de ordem económica. 2 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Aroney, Thais Novaes Cavalcanti, Augusto Zimmermann (editor), Giorgio Vittadini, Gilberto Turati e Alessandro Colombo. Depois de analisados os textos de acesso livre, revelou-se a necessidade de pedir acesso a outros, protegidos por direitos (de autor e editor), para complemento e aprofundamento da investigação, o que introduziu uma nova atividade na pesquisa: o contacto direto (por correio ou formulário eletrónico) com alguns dos respetivos autores. Alargou-se o âmbito desta atividade a alguns políticos e protagonistas que recorrem, no seu discurso, à ideia de subsidiariedade, levantando duas questões para um pequeno survey qualitativo. Confirmando a pertinência e atualidade do tema, foram rececionadas respostas de Andreas Follesdal, Augusto Zimmerman, Emmanuel Macron, Angela Merkel, Elisio Macamo, Giorgio Vittadini e Gilberto Turati, (estas duas com conteúdo relevante para investigação futura), e ainda escusas de Joseph Stiglitz e de Gosta EspingAndersen (no Anexo I apresenta-se estas respostas). O passo seguinte foi ler os estudos que têm vindo a ser desenvolvidos por Centros de Investigação (associados a Universidades), sobre o impacto da Subsidiariedade na Economia, e textos sobre Governação e Administração em “sítios” de referência obrigatória: Fondazione Sussidiarietà, Labsus-Laboratorio per la sussidiarietà (dois think tank italianos), The Public Impact Observatory6 e ainda a Anzsog7 . Para apoio à discussão (Capítulo 3 e 4), fez-se uma busca nos textos de Economistas mais recentes, usando a Subsidiariedade como palavra-chave e o acesso concedido pelo proxy do ISEG. Para abordar o tema na ordem interna do país, consultou-se um sítio na internet, da Assembleia da República de Portugal, onde se faz o compêndio dos Debates Parlamentares, e o European Social Survey, para um retrato geral da sociedade portuguesa ao nível da disponibilidade para a participação política. A principal limitação à investigação foi o domínio dos idiomas: português, francês, inglês e italiano. Por suficiência de fontes, não se visitaram outras bibliotecas físicas8. Da Bibliografia consta o link de cada fonte consultada (entre outubro de 2018 e agosto de 2019). Sinal do tempo, os motores de busca e a Internet revelaram-se ferramentas cruciais para esta investigação. 6 Organização sem fins lucrativos que presta apoio a Governos no desenho de Políticas Públicas. Escola australiana que tem produzido também reflexões sobre a importância da subsidiariedade nas Políticas Públicas. 8 Para além do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças. 7 3 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Capítulo 1 – da Ideia ao Princípio de Subsidiariedade Neste Capítulo 1, apresenta-se a evolução histórica da significação de Subsidiariedade, na Filosofia, como ideia, e na Religião, como princípio operacional, num primeiro nível da matriz de análise social de Williamson (2000). 1.1. Subsidiariedade como Ideia 1.1.1. Da Filosofia à Política A palavra subsidiariedade tem origem etimológica no verbo latim subsidior que significa estar em reserva (Donati, 2009)9; esta ideia, de supletividade em caso de necessidade, foi desenvolvida ao longo do tempo com contributos fundamentais do pensamento aristotélico, germânico e cristão. A origem filosófica da ideia de subsidiariedade é atribuída a Aristóteles (384 a.C.322 a.C.) que desenvolve10 o conceito de cidadania: capacidade de o cidadão participar na administração da justiça e no governo. Este conceito surge a par da ideia de cidadão: ser naturalmente social que procura ativamente a felicidade e que deve ser respeitado na sua individualidade. Aristóteles procura respostas para uma questão que considera fundamental: como governar homens livres? e apresenta o princípio da liberdade de autonomia como solução de equilíbrio entre Governo e Liberdade; afirma: “A tarefa do poder é permitir a felicidade na diversidade, mantendo-se supletivo e não criador da sociedade” (Cavalcanti, 2009). Este Princípio parte da ideia de que o Estado é uma instituição da sociedade: não é o Estado que cria a sociedade, mas a sociedade política que o cria e esta é maior que o Estado. Por isso, o papel do poder deve ser apenas supletivo. É assim formulada a ideia de subsidiariedade no séc. IV a.C. O reconhecimento de que o Estado é uma instituição que emana da sociedade (bottom up) é basilar para a consciência do indivíduo como agente político e construtor de restrições ao poder, que permitam fundar uma polis (cidade-Estado) melhor: lugar de afirmação política, com condições para que o cidadão11 seja capaz de se desenvolver e participar plenamente na comunidade (Jarvad, 1994). 9 Tinha uma utilização militar: as tropas seriam usadas apenas se necessário, mas estariam preparadas para atuação imediata – deriva da expressão subsidium ferre (Donati, 2009). 10 No conjunto de livros Política (Aristóteles,1252) 11 Convém recordar que nem todas as pessoas eram então consideradas “cidadãos”, o que alimenta ainda hoje a critica ao reconhecimento do contributo de Aristóteles para a Subsidiariedade. Contudo, esta referência parece-nos importante para perceber que existe uma evolução também na significação dos conceitos que emanam da cultura da sociedade. 4 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? A estrutura de organização civil inclui agregados familiares, vilas e as Cidades-Estado (polis) autossuficientes (autarkeia): às unidades mais pequenas é atribuída a responsabilidade por determinados bens, específicos, de acordo com a sua natureza, e à polis a prossecução do Bem Comum (âmbito geral). A Política deve preocupar-se com a felicidade humana, com duas frentes de atuação: ética, que se preocupa com a felicidade individual e política propriamente dita, que se preocupa com a felicidade coletiva da polis12. Aristóteles considera muito errado que os cidadãos sejam treinados tendo em vista simplesmente o crescimento do Estado (Aroney, 2014). Mais tarde, S. Tomás de Aquino (1225-1274) introduz o pensamento de Aristóteles no cristianismo e desenvolve duas ideias: é dever do rei promover a vida boa da comunidade, de modo a que ela conduza à felicidade no céu, e é função do Estado propiciar o “Bem Comum”, que não é igual ao bem individual (Santos, 2016). Relativiza o papel do Estado, valorizando todas as formas mais pequenas de socialização humana, que considera cruciais para a solidariedade e confiança entre as pessoas (Aroney, 2014), condições fundamentais à organização social. Defende a liberdade e prioridade da pessoa face ao Estado poderoso que se traduzirá no personalismo cristão (CCE, 1992). 1.1.2. Liberdade No século XVII, Johannes Althusis (1557-1638), jurista alemão, constrói uma teoria de organização política13, fundada na ideia de Subsidiariedade (utiliza mesmo a palavra subsidia) e Liberdade (Follesdal, 1998), para defesa de um Estado laico e da autonomia e soberania dos níveis de poder intermédios, cidades e associações, em relação ao poder central (Endo, 1994). Althusius recorre à Bíblia e ao conceito de aliança (Foedus14) entre Deus e o povo, e escreve: “Política é a arte de associar homens com o objetivo de estabelecer, cultivar e manter a vida social entre eles. É por isso que a chamamos de “Sunbiotikè” (neologismo grego que criou e que significa a “arte de viver em conjunto”). A política consiste assim numa “associação (“consociatio”) pela qual os seus membros (“sunbiotes”) comprometem-se entre si a comunicar explicita ou implicitamente as ajudas (“subsidia”) que são úteis e necessárias ao exercício harmonioso da vida social” (CCE, 1992). Para Althusius, o poder superior serve para regular, promover, proteger, garantir (Millon-Delsol, 1993). Por apresentar as teias de relações possíveis entre vários 12 Para Aristóteles, a polis é o lugar da virtude, onde deve existir cooperação e controlo para a coordenação dos cidadãos ativos, entendidos como aqueles que procuram essa felicidade e que são respeitados na sua individualidade. 13 In Politica Methodice Digesta (1614) 14 Origem da palavra Federalismo. 5 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? níveis de organização, Althusius é reconhecido por alguns autores como o pai do federalismo e da subsidiariedade [territorial]15 (Follesdal, 1998; Millon-Delsol; 1993; Endo, 1994). No final do séc. XVII, John Locke (1632-1704), filósofo inglês, conhecido como o "pai do liberalismo", reconhece a liberdade e a igualdade como condições necessárias à paz16. John Locke não se debruça sobre as estruturas intermédias e foca-se apenas na relação entre o Estado e o indivíduo. Por esta razão, embora seja uma referência essencial para o liberalismo clássico, nem sempre este filósofo é mencionado nos estudos sobre Subsidiariedade, apesar de as suas ideias terem servido de inspiração aos Revolucionários Americanos no texto da 10ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América (ratificada em 1791): os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos pela mesma aos Estados, são reservados aos Estados, respetivamente, ou ao povo; influenciou também Abraham Lincoln (1809-1865), para quem a Liberdade era uma instituição fundamental, a par do Estado de Direito (prerrogativa defendida também por Locke): O objetivo legítimo do governo é fazer, por uma comunidade de pessoas, tudo o que elas precisam que seja feito, mas não conseguem fazer, de nenhuma forma, ou não podem tão bem fazer, por si mesmas, com as suas capacidades individuais e autónomas. Em tudo o que as pessoas podem fazer por si mesmas, o governo não deve interferir.” (Lincoln, 1838 e 1854) Lincoln refere-se aos EUA como experiência bem-sucedida de pessoas a saberem governar-se a si próprias, mas ameaçada pelos atos ilegais de atentados à Liberdade que podem arruinar instituições fundamentais. A Subsidiariedade associa-se aqui ao Federalismo, na limitação da ação do governo e desafio da sociedade civil para a construção de Instituições (Endo, 1994). 1.1.3. De Estado mínimo a Estado suficiente No século XVIII, vários pensadores defenderiam o liberalismo e um Estado mínimo17. Porém, na Europa, dois cenários distintos levariam também a repensar as funções do Estado. Por um lado, em França, apesar de a Revolução Francesa ter afastado o forte centralismo da monarquia absolutista (final do séc. XVIII, 1789-1799), a sociedade 15 Mais à frente será esclarecido o conceito de subsidiariedade territorial. Opondo-se às ideias de Thomas Hobbes (1588–1679), outro filósofo inglês, que não acreditava na capacidade dos homens, e que defendia a necessidade de um Estado forte, Leviatã como única forma de garantir a paz e a segurança. 17 De entre eles, Montesquieu (1689-1755), para quem as funções do Estado eram secundárias ou complementares e Humboldt (1769-1859), que defendia a intervenção do Estado só em caso de necessidade. 16 6 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? padecia ainda de excesso de ordem; por outro, na Alemanha, o excesso de liberdade e independência geravam alguma anarquia e desordem (Millon-Delsol, 1993). Alexis de Tocqueville18 (1805-1859), defensor de uma cidadania ativa, da liberdade de ação política e da descentralização de poderes, e Hegel19 (1770-1831), defensor do corporativismo e supletividade do Estado (e de uma autoridade que imponha uma ordem com vista ao interesse geral), surgem como os principais defensores de um Estado suficiente, para suprir as falhas do Estado mínimo. No séc. XIX, John Stuart-Mill (1806-1873), apesar de liberal e defensor do laissez-faire, defende a necessidade da ação do governo, uma liberdade limitada pela liberdade do outro e a execução descentralizada das políticas porque “só uma pequena parte dos serviços públicos pode ser mais bem-feita pelas autoridades centrais” (1861). Pela mesma altura, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) adota, pela primeira vez, a ideia de uma ação do Estado com duas dimensões: positiva e negativa. Apesar de avesso à ordem institucionalizada (é o autor da célebre frase “Liberdade não é a filha, mas a mãe da Ordem”), Proudhon reconhece as estruturas intermédias (chefes de família, municípios, cantões, províncias ou Estados) e a sua capacidade de suprir as necessidades, defendendo por isso que a intervenção da autoridade superior seja condicionada pela falta/falha dessas estruturas (Millon-Delsol,1993). Proudhon defende um Estado descentralizado (tal como Tocqueville), com contratos entre os vários níveis de poder, e é considerado o pai do mutualismo: a pessoa deve ser o ponto de partida e de chegada em qualquer modelo de repartição de poderes. Apesar de ser reconhecido o valor da ação da sociedade, os vários autores clássicos cedo perceberam as suas limitações e a necessidade de se impor restrições ao seu funcionamento livre. Estas restrições éticas, religiosas e legais são os instrumentos de equilíbrio entre interesses individuais e da comunidade (Santos, 2016). 18 Tocqueville, em França, depois de uma viagem à América, fortemente influenciado por Locke, escreve: “as organizações de ordem superior não devem substituir-se às de ordem inferior, se estas conseguirem realizar as mesmas tarefas, com a mesma eficácia ou maior qualidade” (CVCE, 1992). Para Tocqueville, o principal fundamento para haver organizações sociais é a otimização do desenvolvimento da pessoa, pois a liberdade de participação política deve permitir, aos cidadãos, gerir também assuntos públicos (Millon-Delsol,1993). 19 Hegel, na Alemanha, defende um Estado que respeite as liberdades, mas incite cada grupo a ultrapassar as suas singularidades, para trabalhar em prol do interesse geral. Defende uma sociedade estruturada, orgânica; é com este filósofo que nasce a ideia de corporativismo e renasce a defesa da supletividade do Estado, função que considera fundamental para suplantar as críticas à ausência de Estado, perante a sua evidente necessidade (Millon-Delsol,1993). 7 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? 1.2. Subsidiariedade como princípio na Igreja Católica 1.2.1. Solidariedade Em 1848, o arcebispo Wilhelm Emmanuel von Ketteler (1811-1877), a quem chamavam “bispo operário” (por defender dos trabalhadores), fala do direito subsidiário do Estado, na Educação, em caso de falha das obrigações da família, sendo este direito embrionário do princípio de subsidiariedade na sua dimensão positiva, de socorro, em âmbito diferente da justiça e segurança (CCE, 1992). Ketteler influenciou o Papa Leão XIII no texto da encíclica Rerum Novarum (Leão XIII, 1891). Esta encíclica é a resposta da Igreja à Questão Social, ao choque do liberalismo com o socialismo, especificamente na dicotomia existente entre as liberdades individuais e a garantia do Bem Comum (Duarte, 2014) que Leão XIII defende dever ser dada pela Sociedade Civil, ou seja, pelo conjunto de cidadãos que, na medida das suas capacidades age responsavelmente, em prol do interesse geral (Leão XIII, 1891). Em Rerum Novarum, (“Das coisas novas”) sublinhase a ideia de que todas as pessoas têm “dons” que devem ser promovidos pela sociedade, através da Solidariedade e, sem mencionar a palavra, introduz-se a ideia de Subsidiariedade na Igreja Católica, acrescentando a ação positiva do Estado nas questões sociais, para a promoção da coesão (embora ao Estado, que já não é soberano, se reconheçam limitações ao serviço do Bem Comum20). 1.2.2. Dignidade Com a Questão Social presente, em 1919, é fundada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para promover a justiça social e o trabalho digno. Contudo, a Grande Depressão de 1929 agravaria as condições laborais, precárias e frágeis, transformando os trabalhadores em terreno fértil para discursos inflamados. Por essa razão, o Papa Pio XI escreve a encíclica que comemora os 40 anos de Rerum Novarum: Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931), onde defende as pessoas perante uma nova ameaça: os Estados totalitários (Leviatã), que se (re)erguiam na Itália (Mussolini) e Alemanha (Hitler), e abafavam toda e qualquer liberdade individual, impondo ideologias opressoras. Nesta encíclica, em que se atribui inequivocamente ao Estado uma função supletiva, nasce o enunciado do Princípio da Subsidiariedade: Só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com 20 Na encíclica Mater et Magistra (João XXIII, 1961), o Bem Comum é definido como o "conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana". 8 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça e um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não, destruí-los ou absorvê-los. In Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931) Assim, apesar de ser reconhecida a origem não católica do princípio social da subsidiariedade (ou seja, da ideia da função subsidiária do Estado), atribuída por Oswald Von Nell-Breuning (1890-1991) a Gustav Gundlach (1892-1963), que o terá desenvolvido para "prevenir" o totalitarismo (Nothelle-Wildfeuer, 2008); apesar de se conhecer uma Tese de Doutoramento (Joyeux, 2017) que regista a primeira ocorrência da palavra subsidiariedade, enquanto substantivo, como die Subsidiarität, em 1810, na obra de um jurista da Universidade de Heidelberg- Karl Ignaz Wedekind (1766-1837); alinhase com a maioria dos autores na atribuição da autoria do Princípio da Subsidiariedade à Igreja Católica porquanto é nas encíclicas papais primeiro, e depois no compêndio na Doutrina Social21, que se autonomiza na sua significação moderna. Capítulo 2 – da Reconstrução da Europa a Princípio Constitucional Neste Capítulo 2, apresenta-se o Princípio da Subsidiariedade num segundo nível da matriz de análise social de Williamson (2000): da dimensão filosófica e religiosa passa para uma área técnica, como regra formal do jogo político, em novas formas de aliança entre os Estados, na organização territorial e económica, até ser adotado no Direito positivo. 2.1. Mundo de Bem-Estar 2.1.1. Bens Públicos Globais Após as duas Guerras Mundiais, a necessidade de defender a paz e a dignidade humana exige uma nova governação mundial (Jachtenfuchs e Krisch, 2016), perante a evidência das diversas falhas dos Estados-Nação. Foram então criadas comunidades supranacionais (Polity), para enquadramentos institucionais promotores do diálogo (Politics), como a Organização das Nações Unidas22, onde grupos nacionais e intermédios, agem como agentes dos países, para moderar as crises mundiais. A subsidiariedade internacional 21 Em 2004, no Compêndio de Doutrina Social da Igreja (Católica) ficam consignados como princípios da Doutrina Social da Igreja: princípio da dignidade da pessoa humana; princípio do Bem Comum; princípio da subsidiariedade; princípio da solidariedade. 22 Fundada em 1945, para substituir a Sociedade das Nações que tinha sido criada em 1919, mas cujo fracasso se tornara evidente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. 9 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? pode ser aqui reconhecida23, na gestão multinível dos novos bens públicos globais que, para além da paz, incluem também a saúde, a cultura e a educação (defendidos por novas organizações como a OMS, UNICEF, UNESCO). Este conjunto de bens públicos globais, a que todos devem aceder sem restrição ou exclusividade, visam responder à necessidade de devolver às pessoas a esperança na Humanidade, a partir de uma visão necessariamente toldada por um véu de ignorância24, que permita revelar a sua essência e possa fazer esquecer as atrocidades cometidas. Constituem-se como Bem Comum Universal e estabelecem uma nova ordem económica mundial, pela integração (na Economia) das restrições impostas pelo trabalho com direitos, escolaridade obrigatória, melhoria dos cuidados de saúde, defesa do património, etc., que será reforçada com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (hoje renomeada para Declaração Universal dos Direitos Humanos25). Este Bem Comum Universal é a grande conquista civilizacional da segunda metade do séc. XX, com impacto, sobretudo, no mundo ocidental, onde se aspirava a um Futuro Comum. 2.1.2. O método dos pequenos passos Neste período, após a Segunda Grande Guerra, a reconstrução da Europa reforçava a esperança num projeto de união e coesão entre povos e territórios. Jean Monnet idealiza uma organização de cariz económico, para a cooperação entre a França e Alemanha. Proposta na Declaração de Schuman (195026) e instituída pelo Tratado de Paris, em 1951, a CECA (Comunidade Económica do Carvão e do Aço), primeira organização supranacional na Europa, foi instrumental da paz, facilitando as relações entre os países europeus que, entre si, definiam as atribuições desta nova Comunidade27, num primeiro passo para a integração europeia. Esta maravilhosa ideia de uma reconstrução feita por pequenos passos, que ficou conhecida como método Monnet-Schuman, rejeita a hipótese de uma solução impositiva, 23 Na encíclica Pacem in Terris (XXIII, 1963) apresenta-se a dimensão internacional da subsidiariedade, caracterizada pela forma como deve disciplinar as relações dos poderes públicos de cada comunidade política com os poderes públicos da comunidade mundial. 24 Rawls (1971). Aludimos a esta ideia do véu porque se adequa também ao reconhecimento deste Bem Comum Universal que Jean Tirole in Economia do Bem Comum, 2018, defende de forma semelhante. 25 Ao princípio da subsidiariedade é reconhecido, no direito internacional, um valor estrutural para a defesa dos direitos humanos, hoje extensíveis aos direitos cívicos, políticos (que incluem o exercício de cargos eleitos) e de cidadania. A intervenção superior em sua defesa pode e deve ser supranacional porque não raras vezes o Estado é o opressor (Carozza, 2003). 26 A Declaração de Schuman pode ser vista na Internet, estando disponível aqui 27 Os Estados vão atribuindo competências à organização supranacional (método bottom-up), num movimento que corresponde à “verdadeira” Subsidiariedade uma vez que são as unidades de nível inferior que atribuem os poderes à unidade central (ver Anexo V para uma explicação mais completa e distinção com o movimento de descentralização). 10 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? a partir de um Estado ou de um centro, a favor de uma opção que preserve a liberdade e autonomia e garanta a efetividade da paz. Schuman justifica as razões deste trade-off de uma forma muito clara: a “Europa ainda não foi concretizada, tivemos a guerra. A Europa não se fará de uma só vez, (…) ela far-se-á através de medidas concretas, criando primeiro uma solidariedade de facto” (Schuman, 1950). Mantinha-se a paz como objetivo maior e a Europa como o seu território (a polis de Aristóteles como lugar dessa “virtude”). 2.2. Subsidiariedade como Princípio Constitucional na Europa 2.2.1. Subsidiariedade como critério geral Após a assinatura do Tratado de Roma (1957), Tratado Constitutivo da Comunidade Económica Europeia (CEE), assiste-se a vários anos de aprofundamento do projeto europeu. Neste período, vários modelos de crescimento eram discutidos pelos economistas. Dois deles defendem ideias fundamentais para a compreensão do modelo que será seguido pela Europa: (1) Hayek, cujo objetivo era defender princípios morais e éticos, numa verdadeira filosofia política de ação, que superasse as fraturas criadas pela desagregação nas ideologias (liberalismo, socialismo, capitalismo), razão pela qual defende a descentralização como condição para uma informação completa necessária à qualidade da intervenção dos Estados (Hayek, 1945); (2) Myrdal, que desenvolve a teoria do Mundo de Bem-Estar e da necessidade intervenção exógena para modificar as condições originais de um desenvolvimento naturalmente circular e acumulativo, não tendente para um equilíbrio espontâneo (Myrdal, 1960). A Europa tinha-se tornado nesse desejado Mundo de Bem-Estar, polity da paz, onde se ambicionava a equidade e coesão entre os povos (através de um plano de desenvolvimento dos territórios subnacionais) para superar as divergências entre os Estados; contudo, a crise de 1973 e o fim dos 30 gloriosos anos de crescimento económico pós-guerra ditavam a estagflação e exigiam novos incentivos à integração. Depois de, em 1975, ter sido lançado o desafio de repensar o caminho da Europa, no Relatório de Leo Tindemans é invocada a ideia de Subsidiariedade, como critério geral e incentivo à união: “As propostas para aproximar a Europa dos cidadãos estão diretamente em consonância com as motivações por detrás da construção da Europa. Dão-lhe a sua dimensão social e humana. Tentam restituir-nos ao nível da União esse elemento de proteção e de controlo da nossa sociedade, que se desfaz progressivamente do aperto da autoridade estatal devido à natureza dos problemas e à internacionalização da vida social. Estes são essenciais para o sucesso do nosso compromisso: o facto de os nossos países terem um destino comum não é suficiente”. In European Union (Tindemans, 1976) 11 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Por sugestão de Altiero Spinelli, a versão draft do Tratado da União Europeia (1984) incluía já o princípio de subsidiariedade (no preâmbulo e no artigo 12º), garantindo os critérios de escala e externalidades como fundamento da intervenção superior (CCE, 1992). Na primeira revisão do Tratado de Roma (em 1986, no Ato Único Europeu), a palavra Subsidiariedade surge pela primeira vez num acordo assinado28. Outros estudos se seguem e, no Relatório Padoa Schioppa (Schioppa, 1987), sobre Eficácia, Estabilidade e Equidade, associa-se a subsidiariedade às instituições e à decisão sobre o nível adequado para determinadas decisões/funções (Quadro 1, Anexo II) e refere-se como nota final que: “o princípio de subsidiariedade recomenda responsabilidade mínima para a Comunidade em muitos aspetos da política social.” (CCE,1992). A Subsidiariedade constituía-se assim, progressivamente, como uma das pedras angulares do sistema comunitário, tendo sido Jacques Delors um dos impulsionadores do seu estudo e um dos seus principais defensores (Barroche, 2007) para as questões da integração na Comunidade (Delors, 1989), assumindo a responsabilidade de preparar o terreno para a sua institucionalização (Polity). Era preciso superar a crise europeia, afirmar o projeto europeu, perante a abertura a leste, reforçar o caráter supranacional e, ao mesmo tempo, ajudar a reunificação da Alemanha, dando garantias de que a ação comunitária não anularia os Estados-Nação nem as Länder29. 2.2.2. Subsidiariedade como Princípio Constitucional na União Europeia Confirmando a versão draft (de 1984), em 1992, o Princípio de Subsidiariedade ficou definitiva e construtivamente consagrado no Tratado da União Europeia. Passa então a princípio do Direito Positivo (Vilhena, 2002), patamar fundamental para a sua valorização institucional, mantendo-se no preâmbulo, relacionado com a proximidade entre cidadão e decisão: “RESOLVIDOS a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade” In Tratado da União Europeia 28 Ainda sem força jurídica, e apenas no domínio do ambiente, o Ato Único acrescenta três novos artigos (artigos 130º-R, 130º-S e 130º-T do Tratado CEE) que esclarecem que “a Comunidade só intervém em matéria de ambiente quando essa ação puder ser mais bem realizada a nível comunitário do que a nível dos Estados-Membros (subsidiariedade).” 29 A ideia (que viria a ser defendida para o Tratado de Maastricht-Tratado da União Europeia) era reforçar a Europa cosmopolita, defender uma cidadania europeia, resolvendo as questões das regiões alemãs (Länder) que temiam perder autonomia em muitas matérias a integrar e que eram da sua competência e não da federação/Estado (Bund). 12 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? No Artigo 3.0-B, surge com a força de restrição política (como já acontecia no Artigo 12º da versão draft), salvaguarda da liberdade e autonomia dos Estados-membros, mantendo-se ligado aos princípios de proporcionalidade e necessidade e aos critérios de escala e externalidades, segundo os quais as ações realizadas pela União não devem exceder o necessário para atingir os objetivos do Tratado (fundamento para a ação da Comunidade). Para a ponderação da necessidade de ação e das medidas políticas da Comunidade, propõe-se um “Teste de Subsidiariedade” (Quadro 2, Anexo II) em 5 etapas (Pelkmans, 2006). No Tratado de Lisboa (2007) fica definido o respetivo processo de operacionalização30 e mantém-se o Princípio de Subsidiariedade no Preâmbulo, que ganha valor instrumental para um dos objetivos do Tratado: uma união entre os povos da Europa. O Princípio de Subsidiariedade afirma-se definitivamente como Instituição Política na União Europeia, mas apenas na alocação de competências, não se relevando a sua relação com a participação cidadã e a qualidade das políticas públicas (Green, 1998). Na UE, a Subsidiariedade é o trade-off do Princípio de Soberania (Green, 1998; Soares, 1999). 2.2.3. Subsidiariedade no Direito positivo em Portugal Em Portugal, a adoção da ideia de Subsidiariedade como regra formal, pós-25 de abril31, acontece, pela primeira vez, com a Carta Europeia de Autonomia Local (1985)32, por influência direta da entrada do país para a CEE. Em 1992, é feita uma revisão da Constituição da República Portuguesa (CRP) para enquadrar o Princípio de Subsidiariedade e, na revisão de 1997, fica definitivamente consagrado como princípio constitucional, no nº1 do artigo 6º: 30 O artigo 5º, nº 3, do TUE veio reforçar o papel dos Parlamentos Nacionais e vincar também a dimensão regional e local da subsidiariedade. Este novo processo de controlo é um mecanismo formal e obrigatório que permite os parlamentos nacionais bloquearem o processo legislativo europeu sobre matérias que devem ser exercidas no plano nacional (e que não estão no âmbito das competências exclusivas da união Europeia). Os parlamentos nacionais exercem um duplo controlo, baseado no princípio de subsidiariedade: ex-ante e no processo legislativo; é possível o recurso à Justiça, ex-post, caso o controlo não tenha sido bem-sucedido antes. 31 A mais antiga referência ao Princípio da Subsidiariedade disponível on line num documento português, data de 1956: As relações entre cada um dos cidadãos, corpos intermédios e o Estado devem regular-se pelo princípio da subsidiariedade; o que os cidadãos individualmente ou diversamente associados são capazes de realizar, ou de facto realizam, não há-de pretender fazê-lo o Estado (Nacional, 1956). 32 No nº3 do Artigo 4º diz: “Regra geral, o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos. A atribuição de uma responsabilidade a uma outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e as exigências de eficácia e economia” (Morais, 1998). 13 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública. In Constituição da República Portuguesa Desde então, o Princípio da Subsidiariedade tem sido adotado de forma explícita e implícita na legislação e governação. De forma explícita em diplomas sobre descentralização e ação social (Quadro 3, Anexo II) e de forma implícita, mais recentemente, no desenho de soluções que visam aumentar a participação e proximidade das pessoas às decisões (Quadro 4, Anexo II). Mas, tal como previsto na CRP, o Princípio de Subsidiariedade pressupõe a abertura do Estado à Sociedade (ou a devolução das suas competências), estando aberta a possibilidade do aprofundamento da sua institucionalização, nomeadamente pelo reconhecimento do papel da Subsidiariedade na Economia (Moncada, 2005). Capítulo 3 – Subsidiariedade como Estratégia Neste Capítulo 3, apresenta~se a Subsidiariedade como Estratégia para o alinhamento das estruturas adequadas a uma boa governação, alavancagem da iniciativa da sociedade civil e eficácia das políticas públicas. Depois de confirmada como Instituição Política, afirma-se a Subsidiariedade como Instituição na Economia, num terceiro nível da matriz de análise social de Williamson (2000). 3.1. Por uma Economia Eficiente A Subsidiariedade, como princípio de ordem económica, procura atender a uma escolha certa e proporcional dos instrumentos e das políticas que garantam o desenvolvimento da pessoa. Não basta garantir a eficiência em cada um dos setores para melhorar o desempenho. Para uma Economia Eficiente (que será aquela que permita a igualdade de oportunidades e a mobilidade social), a Estratégia da Subsidiariedade não prioriza a Eficiência Económica 33, mas a eficácia, pois é fundamental garantir o envolvimento de todas as formas de organização social na produção do Bem Comum. A participação da sociedade civil exige uma enorme maturidade democrática, instituições funcionais e adequadas, políticas de incentivos, transparência e escrutínio. Esta desejada integração da Subsidiariedade na Economia pressupõe uma nova visão de Estado. Um Estado que não 33 Importa relembrar o conceito de eficiência noutras áreas e cruzá-lo com o de eficiência económica. Como lembram Nordhaus e Samuelson (2012), a eficiência da engenharia na produção de eletricidade, por exemplo, pode ditar a utilização de técnicas mais eficazes, mas com custos superiores, divergindo do conceito de eficiência económica. 14 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? está ausente, mas que também não é omnipresente. Um Estado que não é mínimo, mas, suficiente. Esta suficiência depende do contexto que só é possível avaliar estando garantida uma estrutura de governação ou provisão próxima e humanista, que atenda o caso singular, que olhe à pessoa. A Subsidiariedade tem sobretudo relevância na decisão, planeamento e execução da despesa34. 3.1.1. Critérios e Regras de Ação O Estado Nação tornou-se demasiado pequeno para os grandes problemas e demasiado grande para os pequenos problemas da vida (Bell, 2010). Por esta razão, a primeira questão que a Subsidiariedade impõe deve ser feita ex-ante: deve o Estado intervir? (e/ou deve o Estado legislar?). Além da avaliação prévia desta necessidade, a ausência de intervenção deve manter-se como hipótese alternativa. Pode assim afirmar-se que faz sentido pensar uma Economia Política da Subsidiariedade (Walzenbach, 2019), dedicada ao estudo da resiliência da sociedade na superação de necessidades (Quadro 5, Anexo II) e da forma que melhor garanta a qualidade da intervenção; que se empenhe na avaliação das instituições, políticas ou económicas, fundamentais para a estrutura de incentivos da sociedade e para o Desenvolvimento (North, 1994, 2003). Uma Economia Política da Subsidiariedade inclui ainda o estudo da cultura religiosa da sociedade que segundo Walzenbach (2019) é determinante para o desenho de uma Estratégia da Subsidiariedade: se por um lado, no pensamento protestante-calvinista, a subsidiariedade e a equidade distributiva caminham lado a lado, acreditando-se que os atores privados partilham os seus lucros com a sociedade, sendo assim possível, confiar na resposta dada pelas redes de iniciativa privada de apoio social e de cuidados de saúde; por outro lado, tendo presente a significação da subsidiariedade no pensamento católico, esta caminhará a par da solidariedade permitindo que sejam reconhecidas organizações de pessoas em vários níveis de atuação, alargando-se a visão da ação ao setor não lucrativo, permitindo uma Economia Social Global. 34 Há autores que fazem aqui a distinção entre Subsidiariedade e Descentralização. Relacionam Subsidiariedade com despesa, para garantir a execução num nível mais próximo do cidadão; Descentralização, é relacionada com a receita (numa dimensão fiscal) para a transferência da cobrança de receitas para níveis subnacionais e respetiva proporção de transferência de responsabilidades na provisão de bens e serviços públicos (Salat et al, 2017). Segundo o modelo de Tiebout, a descentralização justificarse-á se houver heterogeneidade entre os bens públicos a oferecer (Pereira et al, 2016) e ainda pelas referidas razões de eficiência, falta ou assimetria de informação e necessidade de accountability (Begg, 1993). Funcionará se for perfeita a concorrência entre quem os oferece e houver mobilidade de fatores. Nestas condições garante-se a eficiência do papel do consumidor na revelação das necessidades e por isso uma maior eficácia na alocação que resultará em mais bem-estar (permite fazer as coisas certas). Por outro lado, fica também garantida a eficiência do produtor (fazer as coisas bem-feitas). 15 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? A Subsidiariedade prevê um modelo que alinha Estado-Sociedade-Pessoa (Fig.2, Anexo III), em dimensão adequada à possibilidade de responsabilização: o Estado já não se impõe como soberano e não está no topo; a soberania do Estado advém da legitimidade que lhe é reconhecida pela sociedade. É preciso adaptar as ideologias e promover governos que saibam gerir pessoas com poder, dispostos a garantir as condições para a liberdade necessária ao exercício desse poder (que não é só seu). A Estratégia da Subsidiariedade conjuga duas regras fundamentais: proximidade35 e humanismo36, cujo sentido pode ser reunido numa só palavra: personalismo37. 3.1.2. Os eixos: Subsidiariedade Vertical e Horizontal Para uma melhor compreensão de como funciona a governação da Subsidiariedade, d’Estaing (1990) foi o primeiro a fazer a distinção entre Subsidiariedade Vertical e Horizontal. Esta distinção (Quadro 6, Anexo II), feita a partir da forma como os agentes interagem entre si e com as instituições que deles emergem, facilita a compreensão do sistema complexo da Subsidiariedade e do seu papel para a desejada Economia Eficiente. Permite também a análise combinada da eficiência e crescimento, dada pela perspetiva vertical, que pondera a proximidade (ligada à organização territorial, à administração do poder), com a de eficácia e desenvolvimento, que pondera o humanismo, dada pela perspetiva horizontal (ligada à organização social, à produção), o que pode ser revelador de realidades diferentes daquelas que vemos a partir de apenas uma das perspetivas. Para uma relação mais direta com os eixos de governação, é genericamente aceite a correspondência entre a subsidiariedade territorial e vertical e subsidiariedade horizontal e não territorial (Endo, 1994). 35 Proximidade - a discussão sobre o nível da organização territorial adequado à despesa que poderá exigir a descentralização. Segundo o princípio de equivalência orçamental (Pereira et al, 2016), as decisões sobre o financiamento e despesa de bens públicos devem ser tomadas ao nível em que serão implementadas e executadas, com a adequação económica ao nível político-administrativo, para evitar que haja benefícios para quem para eles não contribui (spillovers) ou custos suportados por quem não beneficia dos respetivos serviços oferecidos. 36 Humanismo - com o foco na melhoria da condição da pessoa, num humanismo posto em prática, a eficácia será a maior valia da internalização da Subsidiariedade na Governação, obrigando a uma observação permanente dos resultados (também intermédios) dessa ação/inação do Estado, mas também da resiliência da sociedade civil perante situações adversas, evitando paternalismos desnecessários. Valorizando sempre o capital humano: qualificações académicas, as competências, a experiência profissional e pessoal e as características individuais que poderão ter impacto nos processos de produção (Piketty, 2014), seja em que nível for, pela promoção de novas relações laborais, matriciais e menos hierárquicas, mais consentâneas com uma realidade de relações globais “horizontais” (redes colaborativas), é possível acreditar que pode funcionar como inovação. 37 Síntese feita pelo Professor Bagão Félix. 16 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? 3.2. Subsidiariedade Ativa A integração da Subsidiariedade na Governação ocorre no final do século XX, depois de nem sempre ter sido bem sucedida (Chang, 2007) a abordagem a um modelo de governo baseado em princípios considerados universais (como a sustentabilidade, honestidade, transparência), que se pensou poder ser fractal (Calame, 1999), ou seja, reproduzido igualmente em várias escalas. De facto, não existe uma receita para o crescimento, local ou nacional; o desenvolvimento institucional como meio para o crescimento económico não tem uma solução única, porque depende das especificidades de cada país, e é preciso considerar soluções adaptadas38, que garantam direitos hoje, mas permitam também o crescimento económico necessário ao desenvolvimento. De facto, existem várias velocidades e estádios de desenvolvimento e não se podem impor as mesmas restrições a diferentes estádios de desenvolvimento. Uma solução que num contexto é eficaz, noutro poderá não ser. O caminho que se faz para chegar a determinado estádio de desenvolvimento importa tanto como a solução a que se pretende chegar. Tendo presente a cultura da sociedade, será fácil perceber a necessidade de se adaptar as respostas às suas especificidades e este argumento torna-se especialmente válido e pertinente na execução de políticas que podem ter impactos de intensidade muito diferente. Hoje com a grande disponibilidade de informação o estudo de casos particulares pode ser facilitado. É assim criado o conceito de Subsidiariedade Ativa, a partir de uma regra fundamental: princípios comuns, soluções específicas, com o objetivo de reforçar a dimensão da especificidade territorial/organizacional. “Subsidiariedade ativa é uma filosofia e prática de governo que parte de uma necessidade essencial do mundo moderno: reconciliar unidade e diversidade” (Calame,1996). Esta reconciliação deve ocorrer em todas as fases das Políticas Públicas. Com a mundialização das sociedades, as comunidades de pequena escala são os primeiros “tijolos” para uma nova construção social e de governação política; considerá-las, integrá-las e relacioná-las pode permitir abrir caminhos com pequenos passos de mudanças institucionais, mesmo em contextos mais difíceis; permite ainda criar alianças entre territórios e entidades distantes com 38 Um Estado pode estar a falhar mesmo que consiga garantir o crescimento económico se a avaliação do seu sucesso estiver também nas questões de desenvolvimento humano. Como Acemoglu e Robinson (2012) defendem, a forma como evoluem as instituições, também culturais e religiosas, é determinante para o modelo económico e para o funcionamento institucional. Por esta razão, nesta Dissertação se cuidou de começar pela história, que nos explica, contextualizando, a evolução dos princípios que, enquanto sociedade, temos vindo a valorizar no caminho da liberdade e Democracia. Sob esta perspetiva, levanta-se uma outra questão para reflexão ulterior: será que podemos contrapor aos Direitos Humanos das pessoas o Direito ao Crescimento Económico dos Estados? Parece-nos que este argumento só será aceitável na medida em que haja uma ponderação com o Desenvolvimento Humano. 17 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? interesses comuns (e ganhar escala sem necessidade de intervenção do Estado) e atribui outros sentidos à descentralização, para além da eficiência económica. 3.2.1. Estado Relacional e Sociedade de Bem-Estar O crescimento económico, que resulta da maior satisfação das necessidades de consumo da sociedade, é possível pela evolução da capacidade produtiva e pela forma como essa capacidade é utilizada (Amaral, 2018); o desenvolvimento resulta, não apenas desse crescimento económico, mas também da forma como ele acontece e das possibilidades que cria para o “florescimento” das pessoas. A Subsidiariedade propõe um modelo que inclui todos os agentes, onde a principal atribuição do Estado na Economia será gerir as relações entre eles, garantir a sua responsabilização (accountability) e a supervisão em relação à eficácia das soluções adotadas. Não basta externalizar39. Este Estado Relacional exige a Subsidiariedade Ativa, a promoção da habilitação (capacitação) dos vários agentes, a confiança entre eles e o reconhecimento das instituições como prolongamento das pessoas (Quadro 7, Anexo II)40. O Estado assim (re)centrado na pessoa, personalista (Triest, 2004), valoriza uma Sociedade de Bem-Estar (Félix, 1994) para ultrapassar as falhas do Estado de Bem Estar, mais sujeito a free riders e de custos elevados, demasiado estático e pouco aprendente, de reação lenta a modificações dinâmicas, rápidas, frequentes e imprevisíveis. O objetivo desta Sociedade de Bem Estar é também de ordem económica: pelo reconhecimento do valor de uma sociedade civil co-produtora de bens públicos, pretende-se suprir a falta de informação ou a informação assimétrica (e mitigar e controlar o risco moral e a seleção adversa) que obriga, demasiadas vezes, à imposição coerciva de soluções centralizadas no Estado (Quadro 8, Anexo II). 3.2.2. Governo e Regulação O bom desempenho da Economia é uma responsabilidade do Estado, que não pode ficar indiferente a injustiças sociais, deve ter critérios para avaliar a redistribuição e dar garantias de que as pessoas têm condições para efetivamente exercer todos os seus direitos (Cunha, 2013). Para tal, também num governo do Estado Relacional se exige uma 39 A forma como tem sido feita a terceirização (ou externalização) desviou o foco da eficácia, para soluções de economia e eficiência de curto prazo, com custos de contratos que hoje sabemos serem demasiado elevados. A este respeito diz Vittadini (2007): A terceirização configura um modo embrionário do princípio da subsidiariedade, pois não respeita os princípios em que se baseia, que são essencialmente liberdade, responsabilidade e empreendedorismo, que devem gerar solidariedade e desenvolvimento. 40 Se as Instituições forem de facto o prolongamento das pessoas, de forma “natural”, permite-se a ligação entre a solidariedade próxima e aquela que é mais distante, no tempo ou no espaço, para uma coesão social e territorial, mais sustentabilidade e equilíbrio intergeracional. 18 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? regulação e também um primeiro Teste de Subsidiariedade, que deve começar por perguntar se ela é necessária e se se justifica. De facto, existem várias formas de minimizar a regulação centralizada, desde logo pela não interferência, possível para certos bens: os bens comuns41. Como Ostrom (2010)42 demonstrou, após a observação de inúmeros casos reais, a gestão comunitária além do Mercado e do Estado, através de uma governação policêntrica dos sistemas económicos complexos, com um governo multinível, com vários centros de decisão interligados e cooperantes entre si, pode ser eficaz e bem-sucedida e um arranjo de recursos que funciona na prática pode funcionar em teoria. Assim, sendo a regulação dos agentes necessária, e a auto regulação possível (Quadro 9, Anexo II), será preferível também descentralizá-la (o que deve ser feito a par da descentralização da decisão, do poder), para facilitar o acesso a informação completa e garantir a concorrência também entre os reguladores, o que promove a regulação mútua, mitigando o risco de captura por grupos de interesse43. Apesar de exigir mais rigor e atenção à gestão, a Subsidiariedade é fundamental nesta poliarquia institucional, porque não exclui nenhum dos níveis de regulação sendo um fator de eficácia numa sociedade organizada para a coprodução. A Estratégia da Subsidiariedade permite ainda atenuar os efeitos da globalização e evitar uma regulação ou poder que se venha impor de forma monocrática e totalitária, propondo, em alternativa, um governo (ou governos) do tipo subsidiário, poliárquico, articulado segundo vários e diferenciados níveis que colaborem reciprocamente de forma a garantir a liberdade e a eficácia de uma regulação do Bem Comum Universal, herança civilizacional do séc. XX. 3.3. Os resultados da Subsidiariedade como Estratégia A defesa de uma Estratégia da Subsidiariedade fundamenta-se na valorização da intervenção da pessoa na sociedade, em todas as comunidades, porque nela se deposita confiança e a ela se atribuem responsabilidades, sendo esta responsabilização trade-off 41 Bens Comuns (The Commons) são recursos naturais ou sociais que podem ser partilhados e que as pessoas escolhem usar e governar através de auto-organização em vez de deixarem essa tarefa ao mercado ou Estado: por exemplo a água de um ribeiro, a língua, a wikipédia, software open source, redes sociais, conhecimento (Raworth, 2017). 42 Elinor Ostrom foi uma economista política americana, cujo trabalho se associa à Nova Economia Institucional e ao ressurgimento da Economia política. Foi a primeira mulher a receber o Prémio Nobel de Ciências Económicas, o que ocorreu, em 2009, com Oliver E. Williamson. Ostrom (2010) dizia que o principal objetivo das políticas públicas deve ser o de facilitar o desenvolvimento de instituições que façam emergir o melhor nos humanos. 43 Depois de determinado o nível de atuação, o desenho das regras formais do jogo (as leis que fazem a modelação política da Economia, como a introdução de restrições tecnológicas, de informação, burocráticas e políticas), é uma medida fundamental para a fronteira da ação do governo na Economia (Laffont, 2010) (não confundir restrição com supressão, proibição ou qualquer outra forma absolutista de intervenção). 19 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? do exercício de direitos. É por isso esperado que, da soma das intervenções individuais, pela efetiva socialização pela solidariedade, pela partilha do ser e saber44, se alcance valor superior ao que resulta da ação de uma entidade representativa do todo social, como seja o Estado. Mas, será assim? 3.3.1. Qualidade e eficácia das políticas pública s Alguns estudos têm sido feitos para estimar o impacto da Subsidiariedade Horizontal na Eficácia das Políticas Públicas. Em Portugal, um recente estudo empírico (Branco, 2018), pretendeu dar resposta à questão: Políticas Públicas Sociais: a Subsidiariedade gera maior eficiência e eficácia nas organizações de Economia Social? Uma das principais conclusões apresentadas refere que para a eficiência e eficácia aumentarem com a Subsidiariedade constata-se a necessidade de construção de um processo. (…) toda uma reforma do Estado a efetuar (Branco, 2018). Feito com base em inquéritos e entrevistas, apresenta no seu conjunto conclusões que vão ao encontro de um outro estudo (Lauro, 2011), realizado em Itália sobre Subsidiariedade e Administração Pública Local45. Este estudo pretendeu confirmar quais as variáveis que melhor estimam a eficácia das políticas sociais, através da construção de um modelo de equações estruturais 46 , com várias variáveis independentes para explicar várias variáveis dependentes, incluindo variáveis latentes, com observações recolhidas também em questionário, enviado aos municípios italianos47. Os resultados revelaram que quase todos os entrevistados conheciam a Subsidiariedade (95% do total), sendo o valor muito superior ao conhecimento da subsidiariedade ao nível da população em geral (em Itália, cerca de 20%) e igual à percentagem de inquiridos que se mostrava muito ou bastante favorável à Subsidiariedade (95%). Quando questionados que conceitos se assemelham à subsidiariedade, 52% dos inquiridos referiu a responsabilidade; 32% a solidariedade, 9% a igualdade e 4% a liberdade. 44 Sem a partilha do conhecimento não é possível dizer-se que uma democracia funciona corretamente. Na Constituição italiana (artigo 118.º), o princípio da Subsidiariedade é também enunciado com referência às funções administrativas (subsidiariedade horizontal), que têm como destinatários diretos os cidadãos (e faz-se a associação com instrumentos como vales sociais, concessões e licenças para a realização de certas atividades, etc.). 46 Este modelo de análise (SEM-Structural Equation Modeling) difere da racionalidade estatística inferencial clássica, porque a elaboração teórica precede a análise dos dados. Neste tipo de análise a teoria é o motor da análise, e os dados servem, ou não, para confirmar a teoria. 47 Este estudo, foi realizado ao nível dos municípios italianos, com recolha de dados estatísticos e por entrevista (800 realizadas: 665 em municípios com mais de 10.000 habitantes, onde a taxa de resposta foi de 60% e 135 para municípios com 5.000 a 10.000 habitantes, onde a taxa de resposta foi de 65%). As variáveis de pergunta e resposta, recolhidas no questionário na escala ordinal de 0-5 foram transformadas em scores numa escala de 0-100. As respostas foram dadas por secretários municipais ou chefias da área de políticas sociais. 45 20 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Como vantagens na aplicação da Subsidiariedade Vertical foram referidas: a capacidade de responder às necessidades (ou seja, eficácia, indicada por 57%), a eficiência (30%) e maior responsabilidade (29%). Na Subsidiariedade Horizontal (que, de acordo com 80% dos respondentes traz mais vantagens que a vertical) a eficácia é também referida como a vantagem mais importante por 57% dos municípios, seguida da eficiência (32%) e economia (31%). Menos consensuais são as vantagens relativas à simplificação administrativa48 (o que alinha com a conclusão do estudo realizado em Portugal que refere a necessidade de mudanças estruturais). A organização em rede é a forma mais frequente de implementação das políticas sociais49 (referida por 55%). As intervenções sociais onde a subsidiariedade é mais relevante são aquelas a favor dos idosos (75%) e das crianças (68%), onde é declarado um alto grau de eficácia; na área para pessoas com deficiência é referida eficácia por 63% e na educação por 58%. Nas áreas da saúde e família, a eficácia desce para níveis médios (43% e 47%) e baixa mais ainda na área das dependências (17%), emprego e formação profissional (19%) e imigração (30%). Existe uma correspondência quase perfeita entre as áreas de política social com os melhores resultados, em termos de eficácia, e as áreas de políticas sociais em que a subsidiariedade é mais aplicada (idosos, crianças e deficientes). É nas áreas de intervenção prioritária que a Subsidiariedade impacta. A subsidiariedade ganha peso (64%) como princípio operacional geral, embora não ainda com o peso de outros princípios operacionais clássicos50, tendo sido confirmado o município como a escala administrativa adequada às respostas necessárias (em Itália, na área social, objeto deste estudo). Foram referidas questões relativas ao restante enquadramento institucional e organizacional para a Subsidiariedade, nomeadamente fatores que depreciam a sua eficácia, como a escassez de recursos económicos, de pessoal (39%), falta de cultura administrativa adequada (29%), falta de cultura de cooperação da sociedade civil (25%) e pouco conhecimento das necessidades dos cidadãos (8%). Como conclusão relevante retira-se ainda que a falta de cultura de cooperação na sociedade civil surge como um verdadeiro entrave à subsidiariedade. Como fatores decisivos para a mudança necessária para uma administração com mais subsidiariedade 48 Em consonância com a priorização que a Subsidiariedade propõe para a eficácia em vez da eficiência. Na implementação de políticas sociais, 73% dos municípios preferem o envolvimento do voluntariado e cooperação social, sendo generalizado o envolvimento de associações, fundações e organizações de promoção social (mais de 45%). O envolvimento das organizações com fins lucrativos e dos cidadãos é referido (19% e 25%) mas não está generalizado na implementação de políticas sociais. 50 Eficácia (84%), cobertura financeira (83%), eficiência (81,6%), e economia (80,8%). 49 21 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? identificou-se e confirmou-se a necessidade de: incentivar processos de simplificação legislativa e normativa (78%); tornar os cidadãos protagonistas nos processos de avaliação dos dirigentes e serviços (66%); dar prevalência a estruturas constituídas para prossecução de objetivos, por períodos determinados (61%); alterar as regras de acesso ao emprego público (48%). Para a necessária mudança organizacional identifica-se ser necessário: difusão obrigatória das tecnologias de informática (78%); mais participação das pessoas nos processos administrativos e direito de acesso aos atos (69%); a criação de um sistema interno para avaliar a administração pública (62%); formação dos dirigentes públicos (58%). Considerando a Eficácia das Políticas Sociais como variável de output, foram assim confirmadas neste estudo (Lauro, 2011) três variáveis latentes que impactam diretamente no seu sucesso: Subsidiariedade nas Políticas Sociais (score de 57,4; impacto 0,42); Abordagem da Política Social (score de 60,5; impacto 0,23); Princípio de exercício geral (score de 70,6; impacto 0,15) (Fig.3, Anexo III). 3.3.2. O crescimento e a eficiência A Subsidiariedade Vertical é reconhecida, por alguns autores, como princípio de Eficiência Económica (Portuese, 2010), por promover a Descentralização da Despesa e com isso potenciar o crescimento económico por permitir uma melhor gestão dos territórios, seja pela promoção da concorrência ou pelos ganhos que resultam da redução dos custos de transação relativos aos problemas de informação assimétrica ou ausência de informação no decisor central (Tiebout, 1956). Apresenta-se dois estudos neste âmbito: o primeiro (I), constrói um Índice de Descentralização (ID) que é relacionado com a taxa média de crescimento do PIB per capita; o segundo (II), utiliza um modelo de input-output que considera o papel das instituições e a Subsidiariedade como variável de interesse. I - From Subsidiarity to Success: The Impact of Decentralisation on Economic Growth 51 (Basel, 2009) – neste estudo, apesar de não chegar a nenhuma quantificação, 51 Este estudo, encomendado pela Assembleia das Regiões Europeias (elaborado por Bak Basel Economics em 2009), avaliou o impacto da Subsidiariedade no crescimento económico, a partir do estudo da relação entre um Índice de Descentralização (ID), que traduz o grau de autonomia de uma região num país, criado para este efeito, e a taxa média de crescimento do PIB per capita no período 2001-2006 (como medida geral do bem-estar económico). Para a formação do referido índice, a investigação incluiu a recolha de dados qualitativos e quantitativos (Parte 1): as variáveis observadas formaram vários sub-índices, sujeitos a análise fatorial. A Fig.4 (Anexo III) mostra a sua composição a partir da agregação sucessiva de indicadores, com base em dados recolhidos por questionário enviado a 350 regiões em 26 países da Europa (Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Holanda, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido) e ainda da Austrália, Nova Zelândia, Canadá e EUA. 22 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? conclui-se pela sugestão da aplicação do Princípio da Subsidiariedade como chave para o crescimento económico de uma região, referindo ser relevante a definição do nível das competências atribuídas nas áreas da cultura e lazer, infraestruturas, educaçãoinvestigação e cuidados de saúde. De uma forma geral, as regiões com mais atribuições apresentam melhor desempenho e a descentralização qualitativa (autonomia na decisão) tem mais peso que a descentralização quantitativa (autonomia na execução da despesa). O estudo sugere ainda que os governos nacionais se foquem nas políticas públicas com altas externalidades espaciais ou que exijam economias de escala, limitando a sua atuação (nas outras áreas) à definição de metas e monitorização da execução, uma vez que todas as outras competências, nomeadamente a tomada de decisões e respetiva execução, serão mais bem assumidas em níveis subnacionais. II - Sussidiarietà verticale e crescita: un nesso quantificabile (Turati, 2015) – este estudo, mais recente, analisou a relação entre Subsidiariedade Vertical, traduzida pela razão entre a despesa pública descentralizada (transferida/executada em territórios subnacionais) e o total de despesa pública, e o crescimento económico, observado pela taxa de variação do PIB real per capita de um ano para outro como variável dependente, nos vários anos do período entre 1995-2013. O PIB é considerado como output de um processo de produção dependente de certos fatores de entradas reais52 (input), mas também de fatores institucionais53. O resultado obtido refere um aumento de +0,064% na taxa de crescimento anual do PIB real per capita com o aumento de 1% no grau de Subsidiariedade Vertical54, tudo o resto constante (ceteris paribus). Este resultado apresentou-se geralmente válido nos 30 países analisados e individualmente na grande maioria deles55. Estes exemplos mostram como da Subsidiariedade pode também ser esperado impacto no crescimento económico (eficiência), apesar do primeiro foco estar no desenvolvimento 52 No processo de produção: capital físico por funcionário (K/L), número de trabalhadores empregados (L), capital humano (CU). 53 O nível de tributação geral no país (T), o nível de criminalidade no país (CRIM), que fornece uma medida da atividade na economia e a limita no potencial de crescimento, investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (RES), o grau de abertura ao comércio internacional, que aumenta o PIB através das exportações (EXP) e diminui em vez disso devido às importações (IMP). 54 O coeficiente estimado para SV (subsidiariedade vertical) foi 0,064 e estatisticamente muito significativo (a probabilidade de a variável SV não ter efeito sobre o crescimento é inferior a 1%). A equação considerada para estudar a relação entre o crescimento económico (na dimensão do PIB real per capita) e a subsidiariedade vertical foi: Үit=𝑓((K/L) it, L it, CU it, T it, CRIM it, RES it , EXP it, IMP it, SV it). 55 A amostra composta por 30 países europeus incluiu: Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Holanda, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça e Hungria. 23 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? de soluções que valorizem as pessoas (conferindo-lhes autonomia e liberdade de decisão) e respondam às suas necessidades (eficácia); garante-se assim maior legitimidade e qualidade nas Políticas Públicas. Capítulo 4 – Subsidiariedade como Incentivo Neste Capítulo 4, discute-se a Subsidiariedade num quarto nível da matriz de análise social de Williamson (2000), como incentivo a novas soluções de governação para o alinhamento de diferentes escalas (entre visão macro e micro), na procura de elementos de conciliação da Sustentabilidade e Desenvolvimento com Crescimento e de melhoria na Gestão Pública56. 4.1. Sustentabilidade e Desenvolvimento Com o Relatório de Brundtland (O nosso futuro comum)57 (UN, 1987), o Ambiente passou, definitivamente, a integrar o Bem Comum Universal. Neste Relatório explica-se o conceito de “desenvolvimento sustentável”: “O uso dos recursos naturais deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade de as gerações futuras suprirem as suas”; traduz, sobretudo, uma preocupação intergeracional. Desde então, a Sustentabilidade consta das agendas políticas, em acordos multilaterais (clubes que excluem free riders), com objetivos comuns (Nordhaus, 2018); porém, o histórico dos acordos e dos seus incumprimentos torna evidente que estes instrumentos não são suficientes. Como vimos, a Estratégia da Subsidiariedade tem como principal objetivo o desenvolvimento da pessoa, e por isso prioriza o investimento no desenvolvimento humano sobre o crescimento económico, para ultrapassar um círculo vicioso que nem sempre beneficia o desenvolvimento humano (Ranis, 2000) e que põe em causa a sustentabilidade e um futuro comum. Não basta garantir os fundamentos económicos certos como pré-condição de um crescimento económico para um efetivo desenvolvimento humano58 (como se uma mão invisível também viesse operar neste 56 Como forma de deixar expressa, nesta Dissertação, a esperança na concretização dos objetivos de desenvolvimento que se espera para o início deste milénio. Dois dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelas Nações Unidas para 2030 (que podem ser lidos aqui) são: o (8) Trabalho Decente e Crescimento Económico e (12) Consumo e Produção responsáveis. Aparentemente inconciliáveis, o grande desafio é encontrar o ponto de equilíbrio, que pode ser conseguido interligando os dois. 57 Our Common Future (O Nosso Futuro Comum) é um relatório da Comissão Brundtland para as Nações Unidas que surge na sequência de um trabalho que, desde 1968, vinha ser feito pelo Clube de Roma, para o debate de assuntos relacionados com o ambiente, a política internacional e economia. 58 O Índice de Desenvolvimento Humano ignora também os fatores ambientais. De facto, desde 2010, o IDH combina três dimensões: (1) uma vida longa e saudável, dada pela esperança média de vida; (2) o acesso ao conhecimento aferido pelos anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade; (3) um 24 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? domínio); as medidas políticas não podem descurar o foco no desenvolvimento humano para um crescimento sustentado (Ranis, 2000), que só ocorrerá quando todos puderem prosperar considerando os recursos que existem no nosso planeta (a nossa fronteira de possibilidades de produção global). Uma das maiores alterações que os novos direitos conquistados no séc. XX (Bem Comum Universal) introduziram na Economia, foi a condenação da exploração de pessoas. A transição que urge introduzir neste século XXI será aquela que condena também a exploração do meio ambiente e que é hoje a principal ameaça aos direitos adquiridos, uma vez que põe em causa a própria existência da vida e o modelo de melhorias crescentes nas condições de vida que temos vindo a conquistar para a Humanidade. Para que tal seja possível, todos sabemos que alguma coisa terá de mudar urgentemente. A Subsidiariedade garante a pessoa como sujeito e objetivo do desenvolvimento. No entanto, não existe qualquer incentivo para que se repense o atual modelo de crescimento económico (Quadro 10, Anexo II) e prova disso é continuarmos a ter um indicador de referência (PIB) para o crescimento económico, que não traduz as externalidades negativas causadas pela atividade económica, e cujos resultados positivos podem negligenciar a sustentabilidade e o ambiente, ou mesmo os direitos humanos. Por esta razão, alguns Economistas consideram ser indispensável integrar esta dimensão no indicador de crescimento económico: Somos mais dotados em tecnologia, mas mais pobres em Humanismo e em Natureza. Discutimos até à náusea 0,1% do PIB que não representa mais que 1,4 euros por mês para cada habitante, ao mesmo tempo que, só neste século, 2.530.000 hectares foram destruídos, sem que o tal PIB tenha dado sinal de alarme. E porquê? Porque este indicador não considera a depreciação do “capital natural”. Se tal sucedesse, a destruição de floresta teria provocado diminuição sensível do PIB, tal qual uma família fica mais pobre depois da devastação da sua propriedade Félix, 2017 De facto, olhando a alguns indicadores mundiais no período 1990-2015 (Quadro 11, Anexo II), verifica-se que a variação de +27% do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não acompanhou o crescimento económico, observado pela variação de +44% do no valor do PIB mundial per capita, no mesmo período, sendo relevante perceber que a um aumento de +38% da população mundial corresponde um decréscimo de -20% da biocapacidade disponível no mundo. Se olharmos ao período longo 1960-2016 (Fig. 4, padrão de vida decente dado pelo PIB per capita. Começou a ser “medido” em 1990 e até 2016 teve uma variação positiva de 127%. 25 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Anexo III), tendo presente o valor da erosão da biocapacidade disponível, consequência da pegada ecológica59, torna-se evidente a urgência de uma mudança: nos anos 70 do séc. XX, o modelo de produção/consumo mundial passou a ser insustentável. 4.1.1. Por um “EcoPIB” Os mecanismos que têm sido adotados para corrigir a insustentabilidade (como a taxa de carbono ou o Fundo Amazónia, por exemplo) não têm permitido a correção do problema porque não obrigam à alteração do atual modelo de crescimento económico por parte de quem o pode fazer (quem já está num patamar de conforto). As medidas de “mitigação” das externalidades negativas ou as compensações pecuniárias não anulam os impactos ou a sua origem. Assim, a pretexto da Subsidiariedade, apresenta-se uma reflexão própria sobre um indicador de crescimento/desenvolvimento sustentável: “EcoPIB per capita”. Este indicador, que se sugere nesta reflexão, resultaria da aplicação da pegada ecológica como corretor ao PIB60: EcoPIB=(PIB/Pegada Ecológica). Num ranking deste EcoPIB os lugares de topo serão ocupados pelos países com maior PIB per capita por planeta. Se (PIB-EcoPIB) > 0, o país seria contribuinte de um Fundo de Compensação Ambiental (mundial). O contributo (cessão de direitos económicos, por exemplo) seria calculado consoante o escalão do valor de (PIB-EcoPIB) per capita no país em causa61, ponderado pela biocapacidade disponível (cuja variação dependeria da posição do país nos indicadores de desenvolvimento humano: devendo proteger-se aqueles com IDH longe do desejável) e por um indicador de eficiência na utilização de recursos (como o HPI62). 59 A Pegada Ecológica (Ecological Footprint) é um indicador que tem vindo a ser utilizado cada vez com mais frequência no estudo da sustentabilidade. Apesar de não ser consensual (e poder ainda ser “melhorado”, revisto, ajustado) tem o mérito de poder ser adaptado a todos os níveis e escalas diferentes: da pessoa ao mundo. Foi pela primeira vez proposta por William Rees e Mathis Wackernagel (1996); mede a procura e a oferta de recursos naturais e quão depressa consumimos recursos e geramos resíduos. A unidade usada é hectare global ou em alternativa o número de planetas necessários ao modelo de consumo. O site desenvolvido pela Global Footprint Network tem uma ferramenta que nos permite percecionar o impacto do nosso modelo de vida pessoal no planeta – mais aqui. Existe uma rede global para o desenvolvimento deste indicador que trabalha com parceiros locais para a calibração do modelo a contextos diversos. Em Portugal esta ferramenta está já disponível para vários municípios (o site pode ser visitado aqui). 60 O raciocínio foi feito tendo por base os valores per capita. 61 Admite-se neste âmbito um raciocínio semelhante a adotar a nível interno e a vários níveis, incluindo a pessoa – por exemplo com reflexos na taxa de IRS e IRC: por exemplo através da criação de várias tabelas de escalões, diferenciadas por perfis de consumidor/produtor (desenhadas a partir do impacto individual na biocapacidade local/nacional e de acordo com as prioridades da agenda política). 62 Happy Planet Index – Indice de Planeta Feliz, que combina quatro elementos: bem-estar, esperança média de vida, desigualdade de rendimentos e a pegada ecológica per capita, para mostrar com que eficiência os residentes de diferentes países estão a usar os recursos ambientais para levar uma vida longa e feliz. É um Indice da New Economics Foundation. 26 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Este EcoPIB (Fig.5, Anexo III) corrigiria a leitura do mapa de países credores e devedores de biocapacidade (Fig.6, Anexo III)63 que pode enviesar a análise da sustentabilidade; serviria de incentivo a políticas para um consumo e produção sustentáveis64 e para a correção de iniquidades que resultam de melhores condições naturais originais, que já Myrdal (1960) referia poderem viciar os resultados do desenvolvimento. Se (PIBEcoPIB) < 0, o país poderia aceder ao Fundo65, o que se traduziria em mais direitos económicos66, livres de ónus e encargos, para um modelo diferente de desenvolvimento67. Com esta reflexão, pretende-se evidenciar a necessidade de um indicador quantitativo para a convergência entre crescimento e sustentabilidade para o reforço de uma real solidariedade territorial e intergeracional, e um desenvolvimento humano equilibrado e equitativo, visão da Subsidiariedade. 4.2. Subsidiariedade na Gestão e Administração pública Num âmbito diferente, mas com preocupações comuns, um recente estudo empírico (Aghion et al, 2013) examina como o crescimento e a inovação são afetados pela organização das empresas, alertando para a necessidade de conciliação entre crescimento e desenvolvimento68, pela adoção de instituições e políticas apropriadas. 4.2.1. Liderança: Respeito em Ação Para a introdução da Subsidiariedade na Gestão têm sido estudados novos modelos de Liderança (Naughton, 2015), com novas formas de organização do trabalho (Handy, 2015). O objetivo é recentrar nas pessoas os processos de decisão (nas executantes e não só nas destinatárias da ação), auscultar as suas opiniões, construir organizações que 63 Corrige-se parcialmente a relevância dada aos países credores, mas com pegada ecológica elevada (Noruega, por exemplo) que advém do facto de terem melhores condições naturais. Muitas vezes as explorações além-fronteiras, no caso da operação de empresas multinacionais, geram externalidades negativas nos países onde as empresas operam e não naquele onde geram riqueza. Por outro lado, e paralelamente, os países com biocapacidade disponível e baixo PIB per capita seriam protegidos de uma exploração multinacional que se possa constituir como novo colonialismo. 64 Transposto para a ordem interna, este EcoPIB poderia incentivar os instrumentos necessários ao cumprimento de um Limite à Pegada Ecológica por habitante (considerando o valor agregado global) (Quadro 12, Anexo II). 65 Que na génese poderia ser similar à estrutura de apoios comunitários na União Europeia. 66 O que se poderia traduzir em quotas de exploração de recursos, mais recursos, etc. A unidade onde este “imposto” se aplicaria seria o Estado para garantir a escala necessária a um reequilíbrio mundial. 67 Refere-se também que esta correção poderia ter também impacto no Índice de Desenvolvimento Humano que considera o PIB per capita e que poderia passar a considerar um EcoPIB per capita, partindo da premissa de que o futuro do desenvolvimento humano está dependente da suficiência de condições ambientais adequadas à vida. Como alternativa, ou em simultâneo, poderia ser introduzido um corretor “ecológico” ao PIB potencial, reduzindo o saldo estrutural e promovendo a desaceleração do atual modelo (incentivando modelos de desenvolvimento mais sustentáveis ou a chamada Economia Verde). 68 Uma proposta para o desenvolvimento com uma proposta alternativa ao crescimento é o investimento numa Economia da Cultura e das Artes (refere-se o trabalho desenvolvido pelo Rhi-Think, cujo projeto pode ser conhecido aqui). 27 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? partilham, colaboram, aprendem internamente. Nenhum processo pode anular a pessoa e o seu contributo, livre e responsável. A sociedade e as organizações não refletem ainda a grande revolução ao nível das competências e habilitações das pessoas69 e não desenvolveram ainda todo o potencial das ferramentas tecnológicas como a Internet para uma produção intelectual humana que seja útil e insubstituível (por contraponto ao avanço da inteligência artificial) 70. A Subsidiariedade valoriza o capital humano e intelectual no processo produtivo e, por essa razão, promove a mudança; questiona se o que se está a produzir é o que é esperado, se está certo, é adequado (se é necessário; se será eficaz), em fase anterior à preocupação com a eficiência (se se está a “produzir bem”); ajusta o processo de produção para a valorização das pessoas que nele participam71. Defendendo o respeito pela liberdade e individualidade das pessoas, promovendo mais autonomia, apresenta a co-criação e coprodução como Inovação72. Esta proposta de liberdade para fazer, para testar, para pensar, é um incentivo de que se pode esperar mais Economia (não necessariamente mais produtividade). Apesar de alguns governos já fazerem uso destas ferramentas73, os modelos de Administração (e a sua Gestão), sem os quais as políticas não são eficazmente aplicadas, devem, também, ser questionados internamente pela Subsidiariedade. 68,9% dos funcionários públicos considera que as suas potencialidades profissionais não estão plenamente aproveitadas (Madureira, 2017), pelo que será legítimo pensar que há margem para melhorias. Röpke (1960) defendia que, em situações em que se não consegue substituir o poder imposto numa hierarquia, os subordinados devem ter uma palavra nos assuntos ou mesmo na gestão da sua empresa ou organização, de modo que a subordinação possa ser mitigada por elementos de coordenação. O modelo de liderança proposto pela Subsidiariedade defende, acima de tudo, um Respeito em Ação (Naughton 69 Em 1997, o total de diplomados do ensino superior foi de 42796; em 2017 esse número foi de 77034. Um crescimento de 80% em apenas 20 anos. Este dado é ainda mais relevante quando de sabe que a população da faixa etária 20-24 anos, em dez anos (1991-2001) desceu de 765248 para 565250 pessoas. Fonte de Dados: Pordata. 70 A um maior nível de competências e instrução corresponderá certamente também uma maior capacidade de realização de escolhas, iniciativas e organização. Charles Handy (Handy, 2015) diz a este propósito: roubar as escolhas das pessoas é moralmente errado. 71 A despesa com recursos humanos (expressão totalmente desadequada) transforma-se assim em investimento nas pessoas. 72 Uma ideia bem traduzida no slogan internacional da luta das pessoas com deficiência (anos 70), “Nada sobre nós sem nós”, e que deve estar presente também em cada etapa de um processo de produção. 73 Com correspondência em vários âmbitos nos países da Europa, América do sul e Austrália e Nova Zelândia (ver Nesta , CLAD e ANSOG , por exemplo). Em Portugal UNU-eGOV.e SIIGeP. 28 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? et al, 2015). Se respeitadas na sua liberdade e criatividade, as pessoas serão mais capazes de se adaptar a mudanças, contínuas e necessárias74. Para além da Economia, Eficiência, Eficácia e Qualidade, propõe-se a introdução da Subsidiariedade como Princípio Geral na Gestão Pública deste início do séc. XXI. 74 Se olharmos aos modelos que temos na música, dança ou desportos coletivos, facilmente percebemos que o trabalho da maestrina ou treinador (líder) não é só olhar aos resultados dos indicadores de tempo de resposta em fluxos de trabalho. São várias as atividades onde a eficiência não é o mais importante e estas são aquelas onde existe e se exige uma forte presença humana. A liderança no século XXI preocupar-se-á sobretudo com as pessoas; se tratadas com respeito, assumirão a responsabilidade de garantir a boa execução das Políticas Públicas e uma boa Administração. 29 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Conclusão: O que é a Subsidiariedade? O princípio da subsidiariedade é um princípio de organização social, política e económica, que defende que a decisão e a ação, em regra, devem ser tomadas próximo da pessoa a quem se destinam, garantindo o nível adequado à sua eficácia, não só na provisão e anulação da necessidade, mas também na promoção do seu desenvolvimento. Pode ser considerado um princípio de inovação social, porque promove soluções que se afastam daquelas dadas exclusivamente pelo Estado ou pelo Mercado, permitindo uma resposta criativa a problemas sociais e económicos que não podem ser resolvidos pelas instituições clássicas. Obriga à intervenção da sociedade e das pessoas75, melhorando por isso o bemestar coletivo, mas também obriga à intervenção do Estado na Economia, quando a livre iniciativa de agentes privados não é suficiente ou não existe para atender às necessidades da população (Martini,2007). Não defende um Estado mínimo, mas suficiente, necessário, atento, facilitador e regulador: um Estado Relacional. A Subsidiariedade, na sua forma mais “pura”, é uma restrição imposta pela Sociedade Civil aos órgãos de poder; é um princípio que afirma o pluralismo económico, social, político e cultural contra qualquer tipo de antagonismo e de monismo, tal como se assumem o mercado livre ou os sistemas de centralismo estatal (Donati,2005 referido por Colombo, 2008). O tipo de organização social que resulta desta conceção “aberta” não é simples (e por vezes é criticado por ser ideologicamente indefinido); a sua complexidade exige várias autonomias, vários contratos alinhados, entre os vários agentes económicos, incluindo a unidade “pessoa”. É um princípio geral, mas com aplicação muito concreta. A Subsidiariedade não promove a Eficiência per se (precisamente porque não é uma máxima técnica); privilegia soluções políticas e organizacionais que contribuam para criar o ambiente favorável para o livre desenvolvimento da pessoa e que valorizem a sua 75 Num questionário feito em 23 países europeus em 2016 pelo European Social Survey, 28,3% das pessoas inquiridas sobre se (Q1) “o sistema político permite a influência das pessoas na política” respondeu “de modo nenhum”; 37,7% responderam “muito pouco” o que perfaz 66% de respondentes que pensa que o sistema político não lhes permite influenciar a política (sendo esta a mediana). Portugal está alinhado com a média europeia: 36,19% dos respondentes responde de “modo nenhum”, sendo esta a moda das respostas. Contudo, apesar de 34,2% dos europeus responder dizendo “que não tem qualquer confiança” quando questionado se (Q2): “confia nas suas capacidades para participar na política?”, 33,4% refere que teria “bastante confiança” para o fazer (somatório das frequências nas 3 categorias superiores). Cruzando as frequências observadas, regista-se que é no grupo das pessoas que considera que o sistema lhes permite muito pouca influência política, que se encontra o maior número de pessoas com confiança para participar (cerca de 26,3% do total das entrevistas). Em Portugal, esta percentagem é de 22%, embora o valor do grau de satisfação com a Democracia em Portugal tenha vindo a subir: numa escala de 0 a 10, o valor médio em 2004 era de 3,39 e hoje é de 4,9. É para melhorar estes resultados que é necessária a subsidiariedade pois dela resulta uma maior participação. 30 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? dignidade humana (fim último que traduz a sua eficácia). Com a Subsidiariedade no mapa, acrescenta-se à análise económica da decisão e execução, o valor da ação da sociedade, em teste de eficiência comparativa que não pode descurar ainda algumas premissas (Delcamp,1994): (1) onde a eficiência é equivalente, deve ser escolhida a abordagem que deixa maior liberdade à pessoa; (2) a ação central deve existir na medida da necessidade e quando há evidência de que é indispensável; (3) devem ser evitadas leis e regulamentos em excesso. A Subsidiariedade é o grande motor de uma Economia Social que vai ganhando peso em percentagem do PIB e que é fundamental para recuperar a verdadeira missão de uma Oikonomia (origem etimológica da palavra grega para economia e que significa gestão da casa/oikos). É assim que contribui para uma Economia Eficiente. A Subsidiariedade defende a liberdade, não uma liberdade em si mesma, mas uma liberdade construtiva, de relação com o outro, de expressão do desenvolvimento e confiança na pessoa e na sua capacidade para contribuir, como é sua responsabilidade, para uma Economia do Bem Comum (Tirole, 2018). Para atender à Subsidiariedade, os direitos humanos, incluindo os direitos económicos, sociais e culturais, devem ser defendidos, não só pelas Constituições Nacionais ou Tratados Europeus, mas também na prática institucional quotidiana (Delpérée, 2013). A pessoa está ontológica e moralmente antes do Estado ou de outro grupo social. Decorre deste reconhecimento que todas as formas de organização social, onde se inclui também o Estado e as organizações internacionais, devem estar ao serviço da pessoa humana. Pode assim dizer-se que a Subsidiariedade é também uma máxima ética (Nothelle-Wildfeuer, 2008). Fig.7 De bottom up a bottom down No final do século XX, a Subsidiariedade torna-se referência numa forma específica de olhar a política, como assunto de todos e, de um plano estritamente político-filosófico, passa a ter uma valorização positiva. Surge em várias áreas, em presença explícita ou implícita, construindo pontes como meta ideologia, exigindo uma governação e administração (que passou de um modelo top-down para um modelo bottom-up) e que 31 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? deve agora evoluir para um modelo bottom-down como condição para um aprofundamento e melhoria da Democracia (Fig.7). Schumpeter dizia que a Inovação permite o Crescimento. A Subsidiariedade, como vimos, é potenciadora de grande Inovação. Tem o mérito de considerar o input de variáveis quantitativas e qualitativas e de privilegiar a análise dos fatores institucionais, garantindo uma valorização da Política no sentido nobre e amplo do termo (Polity, Politcs e Policy), como, aliás, pretendemos demonstrar ao longo desta Dissertação. Como vimos, a Subsidiariedade é um incentivo e critério complementar ex-ante e ex-post às decisões, com pertinência em todas as fases do ciclo das políticas públicas e um papel fundamental na redução dos custos de transação associados à incerteza e assimetria de informação, objetivo principal das Instituições (North, 1991); exige a responsabilidade de ação, sendo por isso um instrumento capaz de transformar as organizações, para que estas possam ser de facto o prolongamento das pessoas e veículo de solidariedade. As quatro dimensões chave da Subsidiariedade: religiosa/filosófica, política-legal, “técnica” (de governação) e de liderança (gestão), encaixam respetivamente nos 1º, 2º, 3º e 4º níveis da matriz proposta por Williamson para análise social das Instituições (Anexo IV), podendo afirmar-se que a internalização do princípio de subsidiariedade está feita em todos os 4 níveis. Assim, não se rejeita a hipótese de que a Subsidiariedade é uma Instituição para o Desenvolvimento na Economia e Políticas Públicas e por este conjunto de razões, propõe-se o estudo da Subsidiariedade no âmbito da Economia das Instituições e o desafio de criar Um Observatório para a Subsidiariedade, para o aprofundamento e investigação do tema. Em 1991, Jacques Delors afirmava: Subsidiariedade não é apenas um limite à intervenção de uma autoridade maior perante a pessoa ou uma comunidade que possa agir por si própria; é também uma obrigação para essa autoridade agir perante a pessoa ou grupo, garantindo que tenha acesso aos meios necessários para atingir os seus objetivos (Delors, 1991). Um ano após estas palavras, num comunicado da Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeu, a Subsidiariedade era referida como “princípio de bom senso” (Zaccaria, 2000). Mas o “bom senso” é também uma construção política, social e económica e por isso importa conhecer e lembrar como se chegou a este “bom senso” que só existe porque a cultura ocidental considera que o poder político deve estar ao serviço da pessoa (Millon-Delsol, 1993). Esta Dissertação pretende ser um pequeno contributo para o (re)conhecimento do caminho desse “bom senso”. 32 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? 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ANEXO I: Respostas ao questionário Durante a Investigação para esta Dissertação foi tomada a iniciativa de contactar diretamente alguns autores e personalidades que mencionam no seu discurso o Princípio de Subsidiariedade ou que se pensou poderem conhecê-lo. Este contacto teve dois objetivos: obter respostas a duas questões e testar a ideia da proximidade de comunicação permitida pela internet. Consideraram-se válidas todas as respostas (feedback) rececionadas, que se transcrevem, traduzidas. As 2 perguntas (1) Numa frase simples, como descreveria o que é a subsidiariedade? (2) Que grau de importância atribuiria ao papel da subsidiariedade na economia e políticas públicas? (usando uma escala de 0-5 como tradução de uma escala qualitativa de “nenhummuito”). As 9 respostas76 Andreas Follesdal (via Research Gate), tradução da resposta, em inglês, à pergunta enunciada em (1): (…) Penso que isso depende do propósito da pergunta? talvez uma resposta geral possa ser que eu pense nisso como um princípio para o desenho de regras (referente à alocação ou uso de autoridade). (…) Os meus trabalhos estão disponíveis em www.follesdal.net Angela Merkel: através do seu gabinete, Chancelaria Federal, enviou mensagem em alemão com link do centro federal de educação política onde constam informações sobre subsidiariedade (tradução de alemão) Cara Sra. Rosado da Fonseca, Obrigado pelo seu e-mail. A chanceler pediu-me para lhe responder. Os seus comentários foram anotados com cuidado. Quanto ao seu pedido, gostaria de me referir à informação disponibilizada pela Agência Federal de Educação Cívica: http://www.bpb.de/nachschlagen/lexika/161670/subsidiaritaet Sinceramente Reichert, Chancelaria Federal, 11012 Berlim Augusto Zimmerman: resposta por mail, em português, com envio de 2 capítulos de Global Perspectives on Subsidiarity Prezada Marta, Terei o maior prazer em poder ajudá-la neste sentido. Segue em anexo os dois capítulos mencionados na sua mensagem. - Subsidiarity in the writings of Aristotle and Aquinas - Subsidiarity and the Reform of the Welfare of the Nation State. Aproveito para anexar, para a sua apreciação, mais um outro artigo dentro da temática da subsidiariedade e do 'welfare state'. Faço votos de que a sua pesquisa seja muito bem-sucedida. Sinta-se sempre à vontade para entrar em contato. Um abraço, Augusto Elisio Macamo, Professor de estudos africanos na Universidade de Basileia, na Suíça Bom dia, Obrigado pelo envio das questões. Eis a minha resposta: (1) Não consigo responder à pergunta porque o contexto não está claro para mim. O contexto que me interessa na reflexão que fiz sobre os ODS [a propósito de um artigo no jornal Público, ver aqui] tem a 76 De Ha-Joon Chang recebemos resposta automática dizendo que estaria doente; C. Millon-Delsol, Gian Maria Martini, Jean Tirole, Ken Endo, Rod Rhodes, Andy Knight, Williamson, Pierpaolo Donati, Alice Ramos, F. Carballo, Jacques Delors e Charles Handy não responderam. 38 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? ver com a relação entre organismos supra-nacionais e nações (em desenvolvimento). Tendo em conta que este tipo de agenda supra e trans-nacional se ocupa de problemas que considera existentes nos países africanos seria prudente que as agendas não definissem a priori os mecanismos para a sua resolução. Têm que ser esses países, através dos seus processos políticos normais, a definir os problemas assim como as medidas para os resolver. Sociedades são entidades com uma história própria e, normalmente, é sempre em reacção a essa história que algo se torna num problema. Quem não faz parte dessa história não vai perceber com a mesma sensibilidade o que os locais percebem e porque eles preferem que tipo de solução. O que se espera dos organismos supra-nacionais é apenas a reafirmação de princípios como a dignidade humana assim como a sua disponibilidade para darem apoio aos países que agem nesse interesse salvaguardando, porém, a sua prerrogativa de definir as acções necessárias. (2) A subsidiariedade confere importância à prerrogativa local de definir problemas e procurar pelas suas soluções. Cordialmente,EM Emmanuel Macron: através do seu chefe de gabinete, François Xavier Lauch, enviou uma carta de incentivo ao estudo do tema (tradução de francês) Exma Senhora, O Presidente da República Francesa recebeu a correspondência que enviou. A este respeito, devo dizer-lhe que o horário ocupado e restrito do Chefe de Estado não lhe permite responder aos muitos pedidos que recebe diariamente. Além disso, entenderá facilmente que não pode ser reservado ao seu pedido. Emmanuel Macron, no entanto, confiou-me a tarefa de lhe transmitir todo o seu incentivo para a continuação e sucesso dos seus estudos.Por favor aceite, Senhora, os meus melhores cumprimentos. François-Xavier LAUCH Joseph Stiglitz: do seu gabinete responderam, agradecendo a mensagem, mas esclarecendo que não teria tempo de responder à questão (tradução do inglês) Prezada Sra. Rosada da Fonseca Obrigado por seu email ao Professor Stiglitz. Infelizmente, ele não pode responder pessoalmente devido a um cronograma de ensino ocupado. Envia-lhe suas sinceras desculpas. Desejamos-lhe o melhor para a sua pesquisa e obrigado por considerar o professor Stiglitz. Atenciosamente, Jaden Jarmel-Schneider Escritório do Professor Joseph Stiglitz Gilberto Turati, professor e investigador da Universidade Católica do Sagrado Coração em Roma e Milão (tradução do inglês) Cara Marta Aqui estão as minhas breves respostas: 1) Subsidiariedade significa dar importância às pessoas e ao seu conhecimento local, atribuindo-lhes a capacidade de definir o curso de ações em assuntos que não causem grandes externalidades noutras comunidades (ou que tenham efeitos de transbordamento limitados) 2) Necessidade de distinguir entre qual é o papel real (na Itália, cerca de 1) e qual é o papel que gostaria que tivesse (digamos 5) Subsidiariedade é sobre descentralização. Tenho uma série de artigos sobre descentralização. Confira aqui https://ideas.repec.org/e/ptu43.html As maiores felicidades Prof. Gilberto Turati-Università Cattolica del Sacro Cuore-Dipartimento di Economia e Finanza Giorgio Vittadini, professor universitário italiano, investigador e fundador da Fondazione per la Sussidierietà, respondeu de forma completa, por duas vezes, sendo o segundo mail em resposta a uma questão adicional sobre “medição” da subsidiariedade (tradução do inglês): Boa noite Sra. Marta, estou a escrever-lhe em nome do prof. Vittadini, que se desculpa pela demora em responder e espera ainda ir a tempo. Esta é a resposta do Professor às suas perguntas: 1. O que é subsidiariedade 39 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? O princípio da subsidiariedade dá prioridade às iniciativas que nascem das “raízes” - de pessoas e grupos sociais - e coloca o seu trabalho ao serviço do bem comum. O princípio pede aos níveis mais altos de governo que intervenham, apenas se necessário, para ajuda (subsidium afferre), mas não para substituir as iniciativas de base. No cerne do princípio da subsidiariedade está o valor único de cada pessoa e a sua liberdade de agir em conjunto com outras pessoas para a construção do bem comum. Respeitar o princípio da subsidiariedade significa, assim, apoiar a liberdade e responsabilidade dos indivíduos e a relação entre eles, na sociedade e nas instituições. A palavra subsidiariedade é derivada da palavra latina subsidiarus e tem suas origens no ensino social católico. O conceito ou princípio é encontrado em várias constituições em todo o mundo (ver, por exemplo, a Décima Emenda à Constituição dos Estados Unidos). 2.A importância da subsidiariedade entre 0 e 5, neste momento histórico, na minha opinião, é 5 porque é o que mais valoriza: responsabilidade, liberdade, a alma de iniciativa das pessoas e dos corpos sociais. Cumprimentos, Silvia Becciu Cara Sra. Marta O Prof. Vittadini e a Sra. Becciu pediram-me para lhe fornecer algumas sugestões sobre a sua questão, sobre a medição da subsidiariedade. O assunto é de grande interesse e estamos tentando desenvolver algumas pesquisas sobre isso agora, na Universidade de Milano-Bicocca. De facto, não há literatura bem desenvolvida sobre a medição da subsidiariedade horizontal, pelo que o primeiro passo que estamos a fazer é desenvolver um modelo conceptual para a caracterização de uma "sociedade subsidiária" (com algumas ideias da literatura sobre "resiliência social"). Do nosso ponto de vista, as principais características de um sistema subsidiário são: "adaptáveis" e capazes de "auto-organização". Por outras palavras, a subsidiariedade não é "estática", mas "dinâmica" e a sua "propriedade fundamental" é a capacidade de atender às necessidades emergentes; isso faz da subsidiariedade um fator-chave para o desenvolvimento e a sustentabilidade do bem comum, num mundo complexo, dinâmico e evolutivo, como o nosso.Assim, em princípio, devem-se medir indicadores referentes a (por exemplo): 1. A cobertura de necessidades sociais, por subsidiárias e organizações sem fins lucrativos. 2. O "tempo de reação" entre o aparecimento de uma necessidade social e o desenvolvimento de um serviço "subsidiário" para resolvê-lo. 3. A evolução dinâmica / temporal dos serviços (cobertura de necessidades, nascimento de novos serviços, extensões de "serviços antigos" ...). 4. A variedade de organizações subsidiárias e sem fins lucrativos. existentes num determinado território. 5. A eficácia dos serviços prestados (isso requer diferentes modelos de mensuração, para diferentes serviços). 6. A acessibilidade dos serviços (por exemplo, em termos de disponibilidade de informações e de distâncias físicas, se aplicável) Estas são apenas algumas dicas, estamos a trabalhar para conceptualizar e possivelmente medir o grau de "subsidiariedade" de uma sociedade / território. Atualmente, a maioria dos dados necessários para alimentar este tipo de medidas ainda é escassa; em vez de depender apenas de estatísticas e pesquisas oficiais (que podem realmente ser úteis), a nossa visão é que as novas tecnologias fornecerão novos dados valiosos, gerados diretamente por organizações sem fins lucrativos. Mas isso ainda está por vir e estamos a começar a trabalhar com algumas organizações sem fins lucrativos para construir alguns primeiros exemplos paradigmáticos, testar o nosso modelo conceptual e, possivelmente, definir melhores práticas, sobre tratamento e exploração de dados. Isso é tudo, apenas para compartilhar o sentido que estamos a tentar seguir, sobre o tema da medição da subsidiariedade. Cumprimentos, Marco Fattore-Departamento de Estatística e Métodos Quantitativos-Universidade de Milano-Bicocca Gosta Esping-Andersen enviou mail dizendo que não poderia responder: Lamento que a minha resposta chegue tão tarde. Tenho estado a viajar durante todo o mês de agosto e não tive acesso a e-mails. Infelizmente não sou realmente capaz de ajudá-la com esta pergunta. Desculpe, Gosta 40 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? ANEXO II: Quadros Quadro para caracterização dos níveis de aplicação das políticas públicas vs níveis de objetivos* Nível de Aplicação Local Regional Comunitário (UE) Nacional Global Nível do Objetivo Objetivo: Garantir as estruturas de governação certas (critério de eficácia) Local Regional Nacional Comunitário (UE) Global Nível de Aplicação Fases da Política Pública Objetivo: Garantir as condições certas (critério de eficiência) Administração Comunitária Governo Comunitário Administração do Governo Central Governo Central Setor Privado Diagnóstico do problema Formulação política e legislação Implementação Monitorização Reforço Quadro 1 - Nível de Aplicação vs Nível de Objetivo *Adaptação de quadros de análise para a subsidiariedade na União Europeia que constam de documento de Dossier do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças (1990). TESTE DE SUBSIDIARIEDADE ETAPAS 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª Identificar se a medida se enquadra na área de competências compartilhadas (se exclusivo da CE, o teste não se aplica) Verificar a necessidade de agir ao nível da comunidade - aplicar os critérios (escala e externalidades, Art. 5º, CE e possivelmente outros critérios) Verificar se a cooperação credível é viável (seja ao nível subnacional, nacional, comunitário ou mundial) Se 1 e 2 forem confirmadas e 3 negada, a atribuição será para o nível da União Definir em que extensão (proporcionalidade) a implementação, a monitorização e a aplicação devem também ser atribuídas ao nível da CE ou se, de facto, podem ser atribuídas aos Estados-Membros Quadro 2 - Teste de Subsidiariedade (Interpretação do Tratado de Amsterdão) Adaptado de Pelkmans (2006) SUBSIDIARIEDADE NA LEGISLAÇÃO EM PORTUGAL SUBSIDIARIEDADE TERRITORIAL DIPLOMAS RATIO A Lei n.º 159/99 de 14 de setembro, introduz, pela primeira vez, o Princípio de Subsidiariedade diretamente aplicável ao Estado e às Autarquias locais (no nº2 do artigo 2º) : A descentralização administrativa assegura a concretização do princípio da subsidiariedade, devendo as atribuições e competências ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos. Descentralização administrativa como concretização da subsidiariedade Racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos Lei n.º 45/2008 de 27 de Agosto - Regime jurídico do associativismo que cria as Comunidades Intermunicipais como um nível intermédio entre a Administração Central e Local . Nível Intermédio de organização territorial (as regiões tinham sido rejeitadas em referendo) Lei n.º 50/2018 de 16 de agosto - Lei-Quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais: Artigo 1º diz que: “A presente lei estabelece o quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local”. 41 Harmonização entre os princípios da descentralização e da subsidiariedade (assume-se que são diferentes) e as exigências de unidade e de eficácia da ação administrativa MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? SUBSIDIARIEDADE NA LEGISLAÇÃO EM PORTUGAL (cont.) SUBSIDIARIEDADE NÃO TERRITORIAL DIPLOMAS RATIO Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) estabelece as bases gerais em que assenta o sistema e regula as iniciativas particulares com os mesmos fins, definindo claramente vários princípios, de entre os quais figura o Princípio de Subsidiariedade. Reconhecimento do papel essencial das pessoas, das famílias e de outras instituições não públicas na prossecução dos objetivos da Segurança Social, designadamente no desenvolvimento da ação social. Quadro 3 - Subsidiariedade na Legislação em Portugal - Construção Própria SUBSIDIARIEDADE: OPERACIONALIZAÇÃO EM PORTUGAL LEGITIMAÇÃO, EFICIÊNCIA E EFICÁCIA Redução dos custos de transação administrativos (eficiência económica) Comunidades Intermunicipais Reforço das comunidades urbanas e do associativismo municipal (2008) Redes de colaboração internacionais entre municípios, politécnicos, universidades Redução dos custos de transação políticos e revelação das necessidades (legitimação e eficiência política) Petição Pública77 Audição Pública Discussão Pública78 Consulta Pública Audiência Prévia79 Subsidiariedade Fiscal80 Orçamento Participativo81 Livro Simplex+82 LabX83 Redução dos riscos de seleção adversa e falta de informação (garantia de eficácia) Ação Social inclusiva (2007) Prova de rendimentos / condição de recursos para acesso a prestações sociais Parcerias Público Privadas84 Contratos Programa85 Vida Independente86 Cooperativas de Habitação87 Hortas Urbanas Cheque Saúde Cuidador informal Hospitalização domiciliária (em discussão) Cheque Educação Quadro 4 - Subsidiariedade: Operacionalização em Portugal - Construção Própria 77 Prevista na Constituição e na Lei n.º 43/90, de 10 de agosto. Obrigatória em matérias laborais de acordo com o Código de Trabalho ou em questões relativas ao Regime Jurídico de Emprego Público (Lei n.º 23/98, de 26 de maio). Recomendada como boa prática na Assembleia da República (art. 150 do RAR) para reforçar a democracia participativa e a qualidade da legislação., disponível aqui 79 (…) meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade (…) (Maria João Sousa Faro In A audiência prévia, disponível aqui ) 80 Ainda que não se assuma esta designação, já existe em Portugal mecanismo de consignação de parte dos impostos: pode já ser consignado 0,5% do IRS a uma entidade terceira (IPSS, instituição religiosa, associação recreativa ou pessoas coletivas públicas que desempenhem atividades culturais, a partir de uma lista disponibilizada pela AT). Desde 2017 é também possível consignar parte do IVA das faturas. No anexo H é ainda possível declarar os donativos feitos (mecenato) e com isso deduzir parte do seu valor no imposto a pagar. Esta forma de apoio, direcionado, dirigido, tem ainda o mérito de revelar preferências e expor a rede de servidores públicos além do Estado e a enorme vantagem de permitir que as organizações não dependam exclusivamente do poder político, partidário, para receber receita pública. 81 Também existe um site já para este fim 82 Esta medida tem um site onde cada pessoa pode dar sugestões para a melhoria dos serviços públicos. 83 Estrutura da AMA que se autodefine como um laboratório de experimentação da Administração Pública, para testar soluções centradas no cidadão. Tem também um site. 84 Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 141/2006, de 27 de julho, com aprofundamento pelo CCP 85 Lei n.º 50/2012, de 31/08 86 Decreto Lei nº129/2017, de 9 de outubro 87 No âmbito da habitação a experiência de parcerias entre entidades públicas e privadas é muito antiga (assim como na saúde). Existem ainda outros exemplos como a autoconstrução que foi tentada nos anos 70 do séc. XX, com supervisão e coordenação pública podem ilustrar estas “PPP” do século XX. 78 42 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? SUBSIDIARIEDADE: CRITÉRIOS E REGRAS DE AÇÃO CRITÉRIOS Necessidade Incapacidade Insuficiência Eficiência e Economia comparadas Primeira Regra: ação negativa ou proscritiva Segunda Regra: ação supletiva Terceira Regra: ação positiva ou prescritiva Manifestada pela entidade mais pequena Expressa explicitamente ou evidenciada pela falha ou insuficiência da sua ação, seja naquilo que tiver sido determinado como sendo o seu contributo esperado ou naqueles que forem os impactos expectáveis da sua ação. A insuficiência da ação da unidade mais pequena deve ser comprovada Entre unidades de níveis diferentes, mas também entre as de mesmo nível, no caso da organização respeitar uma hierarquia, devem ser avaliados ex-ante, não só os termos de comparação do ponto de vista dos custos financeiros associados, como também critérios que traduzam o desenvolvimento das pessoas REGRAS Entre o Estado e a pessoa: deve ser dada prioridade à pessoa; Entre Grupos diferentes: o grupo maior não deve executar tarefas que o grupo menor pode assumir e fazer A sociedade, grupo, organização ou Estado substitui-se à pessoa ou unidade inferior, apenas nas ações que esta unidade mais pequena não consegue por si executar Entre os pequenos e os grande grupos a prioridade deve ser dada aos pequenos grupos; a sociedade, os grupos ou organizações devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para propiciar as condições necessárias para que a pessoa possa, por si, levar a cabo as funções que lhe competem; isto inclui zelar pela liberdade e criatividade da pessoa Quadro 5 - Subsidiariedade: Critérios e Regras de Ação - Construção Própria SUBSIDIARIEDADE VERTICAL E HORIZONTAL Vertical Regula a organização territorial, desde autarquias, concelhos, regiões e Estados, até à União Europeia e às organizações internacionais, e prevê que, sempre que possível, a comunidade de “nível inferior”, mais próxima da pessoa, seja a responsável pela implementação das decisões e políticas (Lauro, 2011). Horizontal88 Regula as relações entre os sujeitos da sociedade (indivíduos, famílias, associações, empresas) e as várias organizações. O Estado deve reforçar e apoiar as iniciativas das pessoas, individuais ou associadas (famílias, comunidades locais, etc.). Como regulador e integrador, tem a tarefa de criar as condições para uma responsabilidade individual e coletiva generalizada (Niglia,2012); intervirá apenas se tais iniciativas estiverem ausentes ou forem insuficientes para satisfazer as necessidades (Lauro, 2011). Atribui protagonismo ao Terceiro Setor nos processos de desenvolvimento humano, endógeno e sustentável. Quadro 6 - Subsidiariedade: Vertical e Horizontal - Construção Própria MODELO DE GOVERNO : ATUAL vs ESTADO RELACIONAL MODELO ATUAL: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NOVO MODELO : HABILITAÇÃO Objetivo de maximizar a eficiência através da otimização de processos O impacto é o resultado de processos lineares e previsíveis Foco no cliente Forças competitivas e economias de escala Melhores práticas e benchmarking Alinhamento através de hierarquias e incentivos Competências de gestão e autoridade Silos orientados a serviços Consistência Pretende cultivar a eficácia dos sistemas de autoaperfeiçoamento O impacto é o resultado de interações complexas e interdependentes Dar mais poder às pessoas Relações de cooperação e princípio da subsidiariedade Inteligência coletiva (organizações aprendentes) Alinhamento através de comunidades e valores partilhados Conhecimento profissional e agência (especialização) Design centrado no ser humano Resiliência Quadro 7 - Modelo de Governo : Atual vs Estado Relacional Adaptado de The Future of Government da BCG Foundation disponível aqui 88 A Subsidiariedade Horizontal já está institucionalizada, por exemplo, na Constituição Italiana (artigo 118º). 43 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? MODELO DE PRODUÇÃO DE BEM-ESTAR: ESTADO vs SOCIEDADE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIEDADE DE BEM-ESTAR Objetivo de maximizar a eficiência através da otimização de processos Subsídios a Instituições, por pessoa acolhida Promove as condições necessárias ao desenvolvimento de todas as pessoas envolvidas no processo; foco na eficácia Subsídio direto à pessoa (ex: cheque família, cheque educação, cheque saúde) Adequação da resposta social a cada caso e a preferência por soluções que permitam a liberdade de escolha (o cheque educação ou a promoção do direito a uma vida independente são dois bons exemplos da subsidiariedade em ação) Incentivo à intervenção pública para além do voto, obrigando a uma maior responsabilidade social, através de instrumentos de participação voluntária (como o orçamento participativo ou as petições públicas) o que poderá beneficiar a eficácia da despesa pública Estado parceiro, facilitador da ação social Uma Subsidiariedade Fiscal cada vez mais expressiva (que permite ao contribuinte consignar parte das receitas fiscais), revelando assim de forma direta preferências em áreas determinantes para o Bem Estar (por exemplo na cultura e ação social); deixando ao Estado a tarefa, nestas áreas de corrigir as inequidades. Uma sociedade competente e informada que exige transparência e rejeita a corrupção; que impõe a ética. Maior participação política porque a intervenção social aporta consciência da responsabilidade (reforço do orçamento participativo e melhor enquadramento para as petições públicas) Respostas sociais standardizadas e tendentes à universalidade da solução Escassa e fraca participação politica que se conge ao voto eleitoral e revela enormes taxas de abstenção e com baixa participação ativa na política (o que naturalmente diminui a qualidade das políticas) Estado paternalista de quem tudo se espera Pouca transparência na execução da receita arrecadada pelos impostos Um sociedade instruída mas pouco interessada nos representantes políticos Pouca participação em comunidades de defesa de interesses comuns Quadro 8 - Modelo de Produção de Bem-Estar: Estado vs Sociedade Adaptado de António Bagão Félix (1997) CONDIÇÕES PRÉVIAS NECESSÁRIAS À EFICÁCIA DA AUTOREGULAÇÃO 1 - A clareza do texto da lei e das regras iniciais (o que pode e não pode ser feito, como e que sanções existem) 2 - Ausência de regras conflituantes 3 - O (bom) funcionamento das instituições que devem garantir que a tomada de decisão deve envolver todos os que podem beneficiar do recurso em causa 4 - Existência de mecanismos de resolução de conflitos sejam locais e públicos, de modo a serem acessíveis a todos os indivíduos de uma comunidade (condição que considera fundamental para o exercício de direitos) Quadro 9 - Condições para a autoregulação na gestão comum de recursos Adaptado de Ostrom (2010) NOTAS DE REFLEXÃO SOBRE AS CONTRADIÇÕES DO CRESCIMENTO ECONÓMICO As instituições da democracia não são garantia nem condição para o crescimento económico (Chang, 2015) As instituições da democracia defendem melhor os direitos humanos O crescimento económico também é necessário para o desenvolvimento humano Sem desenvolvimento humano o crescimento económico não faz sentido O consumo (e uma maior riqueza) gera desperdício e causa externalidades negativas Todos os povos têm direito ao seu modelo de desenvolvimento endógeno Todos os países têm direito a ambicionar o crescimento económico dos países mais desenvolvidos Quadro 10 - Contradições do crescimento económico - construção própria 44 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? VARIAÇÃO (1990-2015) - INDICADORES MUNDIAIS 1990 Indice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (IDH)89 Produto Interno Bruto mundial per capita (a valores constantes 2010 US $) População (pessoas) Pegada Ecológica Mundial (nº de planetas)90 Pegada Ecológica Mundial (gha per capita) Biocapacidade (gha per capita) Variação 2015 0,55 0,7 +27% 7186,1 10326,6 +44% 5 330 943 488 1,29 2,66 2,07 7 383 008 768 1,69 2,78 1,65 +38% +31% +5% -20% Quadro 11 - Indicadores Mundiais: variação 1990-2015 – construção própria Fonte de dados:Banco Mundial e Global Foot Print Network EcoPIB Fundo de Compensação Ambiental Mundial Limite à Pegada Ecológica por habitante (considerando o valor agregado global) Créditos de direitos e privilégios económicos91 cedidos pelos causadores de externalidades negativas a países em desenvolvimento (que podem ser mas não privilegiam a versão pecuniária e que são ajudas a fundo perdido para quem não contribui para a destruição do planeta ou para quem contribui para a sua preservação, evitando-se a imoralidade de se financiarem os países mais pobres com créditos ou explorações multinacionais, sabendo que estas “parcerias” impõem novas relações coloniais que agravarão as desigualdades) Limite variável por país, para desacelerar o modelo extrativo e insustentável, tendo por referência a pegada dos países mais desenvolvidos (o que necessariamente imporia a estes um limite mais restritivo, considerando o valor agregado global) Quadro 12 - EcoPIB - construção própria Quadro 13 - EcoPIB, Indicadores e Índices de referências (vários países, 2016)-construção própria Fonte de dados: Banco Mundial, disponível aqui. * PIB per capita (preços constantes 2010 US$) ** Índice de Planeta Feliz (HDI) da NEF que mede a capacidade do país na produção de bem-estar, usando os recursos de forma sustentável. 89 Se superior a 0,7 corresponde a "alto desenvolvimento humano" Que deve ser inferior a 1,7 hectares globais por pessoa ou inferior a 1 planeta (estas duas unidades são utilizadas para a medição da pegada ecológica) 91 À semelhança da taxa de Pigou e da taxa de carbono para a Amazónia ou em modelo alternativo. Neste modelo podemos pensar na criação de uma bolsa de hectares, como reposição do crédito usado pelos devedores, restrição às exportações, por exemplo, ou à exploração de recursos marítimos ou alémfronteiras, que porventura seriam medidas mais eficazes que as transferências pecuniárias, por exemplo. 90 45 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? ANEXO III: Figuras Fig. 2 A pessoa no Centro das Organizações (esq.) - Alinhamento Pessoa-Sociedade-Estado (dir) - construção Própria Fig.3 - Um modelo92 para análise da eficácia das Políticas Sociais Adaptado de Lauro (2011) 93 92 Este modelo de equações estruturais parte da construção de relações entre variáveis, a partir da teoria. A notação gráfica tem significado: elipses para variáveis não observadas e retângulos para variáveis observadas. Uma seta com um sentido representa o impacto de uma variável noutra(s); uma seta com dois sentidos representa covariâncias/correlações. As variáveis não observadas resultam da combinação de outras observadas. 93 Fonte: Apresentação Sussidiarietà e …Pubblica Amministrazione Locale, Rapporto sulla sussidiarietà 2009 (Lauro, 2011), apresentação disponível aqui 46 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? Fig.4 Índice de Descentralização utilizado no estudo Fonte: Basel, 2009 (traduzido e redesenhado) Fig.5 - PIB mundial per capita vs Biocapacidade mundial vs Pegada Ecológica mundial (gha refere-se a uma medida “hectares globais por pessoa” – hectares comparáveis e standardizados com a média de produtividade mundial) Fonte: Global FootPrint Network, 2019 Global FootPint Accounts, disponível aqui Fig. 6 - Mapa do Mundo dos credores e devedores de biocapacidade (a verde os países com reservas, a vermelho os devedores) Adaptado de: Global FootPrint Network, 2019 Global FootPrint Accounts, disponível aqui 47 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? ANEXO IV: Resumo da análise social da Subsidiariedade Construção Própria a partir da Matriz de Williamson (2000) 48 MARTA ROSADO DA FONSECA O QUE É A SUBSIDIARIEDADE? ANEXO V: Descentralização vs Subsidiariedade I II III IV V Construção e Ilustração Próprias I – Organização Centralizada –com atribuições que decorrem da evolução histórica nos Estados Nação. Similar nas Empresas fortemente dirigidas por unidades de gestão preocupadas em extrair os melhores resultados financeiros a partir dos recursos disponíveis II – Descentralização - Transferência de competências do centro para as unidades mais pequenas, reduzindo as atribuições da unidade central. Em alternativa, ocorre com maior frequência a desconcentração e/ou delegação de competências do centro para unidades mais pequenas (mantêm-se as atribuições no centro), processo no âmbito de reorganização administrativa / de produção III – Aplicação do modelo de subsidiariedade (verdadeira democracia?) – as unidades mais pequenas, pessoas e suas organizações intermédias, são quem reconhece/transfere as competências para o centro e as respetivas atribuições. Garante-se assim que o que pode ser feito pela unidade mais pequena será por ela realizado, se para tal (auto)reconhecer capacidade. Esta situação é rara na estrutura de organização dos territórios herdeiros do Estado-Nação (ao nível dos Estados federais mais comum e mais recentemente surge na reorganização dos Estados que outrora foram colonizados). IV – A subsidiariedade promove o funcionamento em rede entre todos os agentes, porque reconhece-os todos como válidos na prossecução do Bem Comum. Não se invalidam relações diretas de atribuição de competências entre o centro e a pessoa, enquanto indivíduo, pois parte-se do princípio de que este será responsável e terá capacidades para dar o seu contributo, o que é esperado por toda a sociedade. Correlacionam-se aqui os princípios da solidariedade e defesa da liberdade de iniciativa. Funda-se assim uma organização relacional. O modelo de subsidiariedade amplia o valor das relações num plano internacional, mundial. Reconhecendo em cada pessoa um agente de produção para o Bem Comum e tendo o desenvolvimento da pessoa humana e a proteção da sua liberdade como objetivo, cuidar-se-á de atuar de forma a mitigar as desigualdades e assimetrias. É neste âmbito que se reconhece o valor das redes de comunicação digital. VI – A dualidade da Subsidiariedade não afasta a intervenção do centro, antes a reclama como obrigatória em caso de necessidade (permitindo que possa assumir o controlo por insuficiência ou incapacidade de ação das unidades mais pequenas); permite assim um modelo dinâmico onde todos os agentes são eticamente responsáveis. Se assim considerados, assim irão agir. Não considerar todas as capacidades e competências das pessoas, quando se gere pessoas, para além de um enorme desperdício, é uma enorme falha do mercado de trabalho atual, diagnosticada já no setor público (DGAEP, 2015) e que porventura deverá levar a repensar a forma como o trabalho é desenvolvido nas organizações. 49