ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
A Harmonia tonal de Schoenberg: uma
proposta para a análise, realização e
composição de lead sheets
Fabiano Araújo (UFES, Vitória, ES)
[email protected]
Fausto Borém (UFMG, Belo Horizonte, MG)
[email protected]
Resumo: As metodologias tradicionais do ensino de harmonia no jazz e outras músicas populares geralmente visam
fornecer recursos para uma prática de improvisação, cuja abordagem é apenas homofônica. Propomos uma revisão
e adaptação da teoria de harmonia tonal de SCHOENBERG (1999, 2004) como ferramenta de análise, realização e
composição, a partir da lead sheet. Neste artigo de amplo escopo, (1) Conceitos Tonais (Monotonalidade, Movimento das
Fundamentais, Notas Substitutas/Substituição, Transformação dos Acordes, Regiões e suas relações), (2) Funções Tonais
(Geral, Específica e de Acordes Vagantes1/de Função Múltipla) e (3) Contextos Tonais (Permutabilidade Maior-Menor,
Enriquecimento da Cadência, Tonalidade Expandida, Tonalidade Flutuante, Tonalidade Suspensa) da análise harmônica
tonal schoenberguiana são adaptados e explorados utilizando simbologias, teorias e práticas da música popular, e
ilustrados com exemplos de duas canções instrumentais do Calendário do Som de Hermeto Pascoal: 9 de agosto de 1996
(PASCOAL, 2000a) e 14 de novembro de 1996 (PASCOAL, 2000b).
Palavras-chave: teoria tonal de Arnold Schoenberg; harmonia de Hermeto Pascoal; música popular brasileira, realização
de lead sheet.
Schoenberg’s tonal harmony: a proposal for analysis, realization and composition of lead sheets
Abstract: Traditional teaching methodologies of jazz and other popular music usually focus on homophonic
improvisation. We propose a revision and adaptation of the tonal harmony theory by SCHOENBERG (1999, 2004) to
create a basis for analysis, realization and composition of lead sheets. In this comprehensive paper, (1) Tonal Concepts
(Monotonality, Root Progressions, Substitution, Transformation of Chords, Regions and their relations), (2) Tonal
Functions (Tonal, General and Vagrant Chords/ Multiple Function) and (3) Tonal Contexts (Interchangeability of Major
and Minor, Enriched Cadence, Expanded Tonality, Fluctuating Tonality, Suspended Tonality) from the analysis based
on schoenberguian tonal harmony are adapted and used through symbols, theories and practices of popular music,
illustrated with examples from two songs from Calendário do Som by Hermeto Pascoal: 9 de agosto de 1996 (PASCOAL,
2000a) and 14 de novembro de 1996 (PASCOAL, 2000b).
Keywords: tonal theory of Arnold Schoenberg; harmony of Hermeto Pascoal; Brazilian popular music; lead sheet
realization.
1 – Introdução
Em todo o mundo, boa parte da teoria harmônica
da música popular está calcada principalmente na
sistematização das relações entre escalas e acordes,
largamente difundida nos Estados Unidos na literatura
voltada para o jazz, que tem em George RUSSEL (2001/
[1953]), John MEHEGAN (1978/[1959]) e David BAKER
(1969) importantes precursores, seguidos por expoentes
como DOBBINS (1984), LEVINE (1995) e MILLER (1996,
PER MUSI – Revista Acadêmica de Música – n.28, 256 p., jul. - dez., 2013
1997), entre outros. Ao tratar da questão da história da
teoria do jazz em seu livro Analyser le Jazz, Laurent CUGNY
(2009, p.154-155) aponta as abordagens intuitivas dos
primórdios deste discurso teórico que só gradualmente
se revestiu de maior rigor metodológico, mas enfatiza
que seria um equívoco considerar esta situação como
uma fragilidade inicial, pois representa um “sintoma do
ambiente necessário para a improvisação”. Ao mesmo
Recebido em: 09/03/2012 - Aprovado em: 04/01/2013
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
tempo, o autor apresenta um panorama sobre as principais
“teorias importadas” da música erudita que vêm sendo
utilizadas desde a década de 1970 para a análise de
solos de jazz: análise schenkeriana, análise semiológica e
análise de conjuntos de notas (CUGNY, 2009, p.448-471).
Entretanto, até onde nos foi possível rever a literatura,
quase não há referências sobre utilização da teoria tonal
de Schoenberg. Uma exceção deve ser mencionada,
embora não configure, de fato, uma sistematização
aplicável à música popular, que é o nosso propósito aqui:
em The Harmony of Bill Evans, J. REILLY (1993)
utiliza alguns conceitos da teoria tonal schoenberguiana
para desenvolver análises sobre a música e improvisação
do jazzista que revolucionou o piano no jazz da década
de 1960. REILLY (1993, p.3) sugere que os livros de Arnold
Schoenberg não eram totalmente desconhecidos no seu
meio: “. . . se você ler o Harmonia de Arnold Schoenberg,
verá onde Bill [Evans] aprendeu esses princípios e, então,
poderá seguir minhas explicações com mais clareza”.
No Brasil, até o início da década de 1990, a literatura sobre
música popular em português praticamente se limitava
àquelas publicadas pela editora Lumiar (CHEDIAK,1986;
FARIA, 1991), que refletiam o modelo norte-americano de
David Baker. Da mesma forma, traduções de obras teóricas
de Schoenberg no Brasil começaram apenas em 1999, com
o Harmonia (traduzido por Marden Maluf, Editora Unesp)
e, depois em 2004, com Funções Estruturais da Hamonia
(traduzido por Eduardo Seincman, Via Lettera, que daqui
em diante chamaremos simplificadamente de FEH).
Destacamos as contribuições de Norton DUDEQUE (1997),
cujo artigo em português trata da questão da função
tonal na teoria de Schoenberg e, ainda, DUDEQUE (2005),
cujo livro em inglês aprofunda uma sistematização da
teoria tonal de Schoenberg, propondo uma revisão de seus
escritos, especialmente o manuscrito Gedanke, publicado
como “The Musical idea and the logic, technique, the art of
its presentation” (SCHOENBERG, 2006).
A teoria de harmonia tonal de Schoenberg fazia parte,
como aponta DUDEQUE (2005, p.1), de um projeto
teórico (inacabado) que envolve o estudo da forma, da
harmonia e do contraponto e foi sistematizada de modo
que demonstrasse a evolução do tonalismo em direção
às suas fronteiras. Sua teoria da forma (discutida em
ARAÚJO e BORÉM, 2013, às p.70-95 desse número de
Per Musi) teria suas principais influências a partir do
tratado de A. B. Marx (DUDEQUE, 2005, p.15-20) e da
teoria do contraponto de Heinrich Bellerman (DUDEQUE,
2005, p.30-31); enquanto que sua teoria da harmonia
seria derivada das ideias de Simon Sechter (DUDEQUE,
2005, 20-28) e de Hugo Riemann (DUDEQUE, 2005, p.5867). O arcabouço principal da teoria harmônica tonal
schoenberguiana se encontra em seus livros Harmonia
(do original Harmonielehre, publicado em 1911 em Viena)
e FEH (cujo original Structural Functions of Harmony
foi escrito em Los Angeles e publicado em Londres em
1954). Em Harmonia, no qual residem os principais
ensinamentos, o sistema tonal é abordado através dos
processos modulatórios entre as tonalidades do círculo
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das quintas, processos que caracterizam os Contextos
Tonais de 1) Tonalidade expandida; 2) Modulação; 3)
Tonalidade Flutuante; 4) Tonalidade Suspensa. Mas em
FEH, Schoenberg condensa o método de ensinar harmonia
apresentado em Harmonia, destacando as progressões do
baixo fundamental com harmonias diatônicas, depois
com acordes construídos com notas substitutas, com
transformações e, finalmente, em harmonias vagantes.
FEH também apresenta os Conceitos de Regiões e de
Permutabilidade Maior-Menor, absorvendo a Modulação
dentro do conceito de Monotonalidade. Assim, ao
invés de se medir as distâncias entre tonalidades, uma
única tônica é aceita como centro de todo movimento
harmônico através de suas várias Regiões. Essa perspectiva
permite um dos pressupostos da análise harmônica de
modo a perceber os movimentos harmônicos em um nível
mais local (ou micro) – condução de vozes cromática
e quase-diatônica – e em nível mais geral (ou macro),
de progressões ou sucessões de Regiões. Tal perspectiva
nos parece especialmente útil para uma interpretação
de lead sheets complexas como as do Calendário do
som de Hermeto Pascoal, abordado na parte final do
presente artigo e no artigo seguinte a este (p.70-95
desse número de Per Musi).
As relações tonais na teoria schoenberguiana são
determinadas por dois princípios básicos: 1) o movimento
das fundamentais diatônicas e 2) o princípio das
notas comuns. O primeiro estabelece que as relações
são determinadas qualitativamente por passos de
fundamentais diatônicas que promovam efeito discursivo.
O princípio das notas comuns, por sua vez, identifica
quantitativamente as afinidades tonais, isto é, de acordo
com o número de notas comuns entre acordes e entre
Regiões. Em Harmonia (1999), Schoenberg identifica as
notas comuns a dois acordes, como “nexo harmônico”. Em
FEH (2004), Schoenberg utiliza este mesmo princípio para
classificar as relações entre as Regiões:
A Categoria 1 é denominada DIRETA E PRÓXIMA, porque todas
estas Regiões possuem cinco (ou seis) notas em comum com a T.
(...) A Categoria 2 é denominada INDIRETA, MAS PRÓXIMA, porque
todas estas Regiões estão fortemente relacionadas às Regiões da
Categoria 1 ou à Tônica menor, e possuem três ou quatro notas em
comum com a T (SCHOENBERG, 2004, p.91).
Na análise schoenberguiana, as relações tonais são
observadas em três níveis: 1) Relações entre acordes;
2) Relações entre notas diatônicas e não diatônicas;
e 3) Relações entre Regiões. A compreensão dessas
relações, nesses três níveis, obedece ao princípio da
monotonalidade para o qual “qualquer desvio da tônica
permanece na tonalidade, não importando se sua
relação com ela é: direta, indireta, próxima ou remota”
(SCHOENBERG, 2004, p.37).
Buscando uma conexão com o universo do jazz e da
música popular, são relevantes os trabalhos de TINÉ (2002),
ALMADA (2006) [veja também os artigos desses autores
dedicados à música popular, publicados no número 29
de Per Musi] e FREITAS (1995, 2010) [veja também outro
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
artigo desse autor dedicado à música popular, publicado
no número 29 de Per Musi] que revêem, sob o prisma da
música popular, as principais referências da teoria tonal
desde os seus primórdios até hoje, incluindo Schoenberg.
Buscando ampliar e sistematizar esta perspectiva, o
presente artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla
que propõe a adaptação dos elementos teóricos tonais de
Schoenberg para uma melhor compreensão e realização da
música harmonicamente complexa de Hermeto Pascoal e a
simbologia única de suas lead sheets.
De uma maneira geral, as abordagens ou as sistematizações
do estudo da harmonia nas correntes da música erudita
(especialmente no séc. XIX) estão direcionadas sobretudo
para a composição musical escrita. Ao contrário, as correntes
de música popular (especialmente o jazz) se direcionam
para a improvisação (que poderia ser compreendida como
uma composição em tempo real na performance). TINÉ
(2002, p.12) acredita que uma das razões desta diferença
está na perspectiva de condução de vozes: “... Uma das
diferenças reside no fato de o improvisador não ver um
acorde como um passo momentâneo do entrecruzamento
de vozes, mas como uma cristalização duradoura, que é
concebida em função de um modo ou escala que gera
tal disposição (TINÉ, 2002, p.12), acrescentando que, em
música popular, a condução de vozes é mais priorizada
nos estudos de arranjo. FREITAS (1995), reforça essa
concepção, afirmando que as relações de combinações
entre acordes não se dão pelas conexões resultantes da
Condução de Vozes2. Assim, o estudo da harmonia voltada
para o improvisador prioriza o conhecimento e habilidades
com o maior número de escalas e clichês harmônicos para
introduzir acordes (com suas funções e tensões específicas)
e re-harmonização. Essa prática vem de encontro à
afirmação de FREITAS (1995):
No corpus da música popular, a pergunta “Qual acorde pode ser
colocado aqui?” é da rotina, é necessária e tem sentido claramente
aplicativo. É uma questão que, pode ser respondida com esse
caráter eminentemente prático da escolha (FREITAS, 1995, p.1).
Dentro da perspectiva erudita, SALZER (1962, p.51)
chama atenção para as restrições de um estudo musical
centrado mais na aprendizagem das relações harmônicas
e menos na familiaridade com a condução de vozes e o
contraponto:
O estudo do contraponto desenvolve sensibilidade para
direcionamento do discurso musical, condução das vozes
individuais e para criação de acordes através do movimento das
vozes. Por outro lado, uma primeira concentração na harmonia,
especialmente se baseada no método atual, com seu perpétuo
exercício de cadências e sua indiscriminada categorização de
todos acordes como individualizados, pode impedir o ouvido,
com a cadência em mente, da capacidade instintiva de perceber
movimento e direção (SALZER, 1962, p.51)..
DUDEQUE (2005, p.28-32) lembra que Schoenberg
procurou, em suas elaborações teóricas, lançar mão do
estudo do contraponto como ferramenta pedagógica
de criação, de modo que o estudante utilizasse
seu conhecimento quando estivesse compondo.
Nesta direção, propomos que a teoria harmônica
schoenberguiana possa prover uma aproximação flexível
do contraponto com a harmonia (melódico-harmônicohomofônica) na música popular, facilitando e ampliando
a competência não só para a improvisação, mas também
para a composição e arranjo.
O presente artigo constitui a segunda parte de um estudo
dos presentes co-autores articulando a música de Hermeto
Pascoal e a teoria musical tonal de Arnold Schoenberg.
Primeiro, relacionamos a história de vida de Hermeto Pascoal
com a formação de suas diversas e ecléticas linguagens
harmônicas, tonais e não-tonais (BORÉM e ARAÚJO,
2010). No presente artigo, ainda com este seminal músico
brasileiro em vista, buscamos adaptar e aplicar à musica
popular os Conceitos Tonais (Monotonalidade, Movimento
das Fundamentais, Notas Substitutas/Substituição,
Transformação dos Acordes, Regiões e suas relações), as
Funções Tonais (Geral, Específica e Acordes Vagantes/de
Função Múltipla) e os Contextos Tonais (Permutabilidade
Maior-Menor, Enriquecimento da Cadência, Tonalidade
Expandida, Tonalidade Flutuante, Tonalidade Suspensa) do
pensamento tonal de Schoenberg (esses termos aparecem
em maiúsculas esporadicamente para facilitar a leitura do
artigo). No próximo artigo (ARAÚJO e BORÉM, 2013, às
p.70-95 desse número de Per Musi), adaptamos e propomos
a aplicação dos conceitos de Forma e Variação Progressiva
de Schoenberg em duas canções instrumentais do livro
de partituras Calendário do som de Hermeto PASCOAL
(2000c, 2000d). Finalmente, ilustramos toda a pesquisa
apresentando a realização de duas lead sheets de Hermeto
PASCOAL (2013) às p.97-98 e às p.100-101 desse número de
Per Musi). Ressaltamos que, ao contrário da relação de Bill
Evans (músico letrado musicalmente; veja outros artigos e
partitura relativos à música de Bill Evans às p.7-14, p.15-20
e p.21-34 nesse volume de Per Musi) com o pensamento de
Schoenberg, Hermeto Pascoal (músico autodidata) nunca se
orientou pelas ideias ou escritos de Schoenberg.
2 - Conceitos Tonais
2.1– Os Conceitos de Monotonalidade e Regiões
A Monotonalidade se refere ao princípio segundo o qual
uma obra tonal tradicional começa e termina na mesma
tônica. Leibowitz (citado por DUDEQUE, 2005, p.116),
apresenta a monotonalidade como a ideia sob a qual a
compreensão das relações tonais implica na inclusão de
todos os tons sob o comando de uma única tonalidade.
Assim, o conceito de Modulação é substituído pelo
Conceito de Regiões, como um movimento (desvio) em
direção a outros modos (Regiões), subordinados ao poder
central de uma tônica, o que permite uma compreensão
de uma obra musical com maior senso de unidade.
Uma real mudança de centro tonal será considerada
apenas quando uma tonalidade tiver sido abandonada
por um tempo considerável e outra tonalidade tenha se
estabelecido harmônica e tematicamente de fato.
A possibilidade de inclusão de todos os tons ou notas
do sistema no conceito de Monotonalidade deve-se à
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
visão do acorde como um composto formado por uma
fundamental situada em um grau diatônico, e pelas notas
erguidas sobre esta fundamental. Quando são erguidas
sobre as fundamentais apenas as notas diatônicas, temos
o Campo Harmônico Diatônico. Nos Ex.1, Ex.2 e Ex.3a e
3b mostramos estas estruturas nos Modos Maior e Menor.
A escala menor apresenta-se de três formas: a) Menor
Natural: com os graus III, VI e VII abaixados, (Ex.2); b)
Menor Harmônica: com os graus III e VI abaixados e o
VII elevado (Ex.3a); c) Menor Melódica ascendente: com
o III grau abaixado e os graus VI e VII elevados (Ex.3b).
Os graus abaixados (naturais) são identificados aqui
com o símbolo “b”. Os graus elevados são identificados
aqui com o símbolo de bequadro: “ ”.
A inclusão de notas não diatônicas no sistema é explicada
primeiramente no âmbito das notas erguidas sobre as
fundamentais, introduzidas através da Transformação
dos acordes pelos procedimentos de Substituição, que
serão tratados nos tópicos seguintes. Através destes
conceitos básicos, Schoenberg relaciona a introdução das
notas não diatônicas ascendentes (Ex.4a) com o contexto
de Dominantes Secundárias; e das não diatônicas
descendentes (Ex.4b), enarmônicas das anteriores,
dentro do contexto da Permutabilidade Maior-Menor.
Posteriormente, elas são explicadas no contexto da
Tonalidade Expandida e Acordes Vagantes.
2.2- Conceito de Movimento (e Passos) das
Fundamentais
O principio do Movimento das Fundamentais de
Schoenberg, derivado do baixo fundamental de Rameau
(via Kimberger e Sechter), determina qualitativamente
as relações tonais entre os acordes, em função do efeito
discursivo promovido pelos 6 passos diatônicos possíveis
na tonalidade: 2ª asc/desc, 3ª asc/desc, 4ª asc e 5ª asc.
Essa classificação é feita a partir do equilíbrio entre o
número de notas comuns entre as duas tríades que se
sucedem e a comparação entre a posição hierárquica em
relação à série harmônica (tônica, quinta e terça) que as
notas comuns assumem após o passo. Por exemplo, após
um passo de 4ª ascendente a partir da tríade do I grau de
Dó maior, chega-se à tríade de Fá maior, sobre o IV grau.
O nexo entre essas duas tríades, ou seja, as notas comuns
Ex.1 – Campo Harmônico Diatônico do modo de Dó Maior.
Ex.2– Campo Harmônico Diatônico do modo de Dó Menor Natural.
Ex.3a e b – Campo Harmônico Diatônico do modo de Dó Menor com o VI e VII graus elevados.
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entre essas duas tríades, é apenas a nota Dó. Embora exista
apenas uma nota em comum, esta nota possui um peso,
ou função (qualitativa) de tônica na formação triádica
precedente, assumindo na nova tríade (Fá maior) a “melhor”
posição possível de acordo com a série harmônica, ou seja,
5ª justa. Este equilíbrio entre quantidade de notas comuns
e o peso relativo da função das notas classifica os possíveis
passos diatônicos da seguinte forma (Ex.5):
Mais uma vez, o que está em jogo é o quanto o novo passo
é capaz de fazer referência à tônica. Os passos crescentes
são aqueles que produzem a melhor relação entre
quantidade e qualidade, valorizando a função das notas
e preservando as notas hierarquicamente mais capazes
de referenciar a tônica. Os passos decrescentes, por sua
vez, enfraquecem a função das notas. Por exemplo, a 5ª
do acorde precedente passa a ser 3ª no novo acorde. Os
passos de 2ª asc/desc são considerados fortíssimos porque
não produzem notas comuns entre tríades, mas porque
podem ser vistos como a abreviação de dois passos fortes.
Por exemplo, o passo de 2ª asc “C – Dm”, considerado
como “C (4ªasc) [F] (3ªdesc) Dm“.
Schoenberg identifica duas funções produzidas pelos
passos de fundamentais : 1) Progressão: que tem a função
de estabelecer ou contradizer a tonalidade; e 2) Sucessão:
que não tem uma função e não determina uma tonalidade
específica (SCHOENBERG, 2004, p.17). A distinção entre
uma Sucessão não funcional e uma Progressão funcional
é determinada de acordo com os tipos normalizados de
progressões das fundamentais. Os movimentos crescentes
e fortíssimos caracterizam progressões que se apresentam
como modelos cadenciais. Os modelos mais usuais são
cadenciais (Ex.6) e de cadência deceptiva (Ex.7):
Ex.4a e b – Notas diatônicas e notas substitutas e seus direcionamentos em Dó maior.
Ex.5 - Classificação dos Passos de Fundamentais e seus efeitos no discurso harmônico.
Ex.6 – Modelos cadenciais
Ex.7 – Modelos de cadência deceptiva
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2.3 - Conceito de Notas Substitutas/
Substituição
Estabelecida a distinção entre a fundamental de um
acorde e as notas erigidas sobre ela, temos que a
fundamental de um acorde sempre será diatônica e
sua função relacionada ao grau diatônico onde ela
está estabelecida. No entanto, as notas erigidas sobre a
fundamental podem ser diatônicas e não diatônicas.
As notas não diatônicas são acrescentadas ao sistema
devido à “tendência” dos graus secundários do Campo
Harmônico Diatônico de solicitarem da tonalidade um
mínimo de movimento em torno de si, semelhante ao que
ocorre com o I grau, isto é, suas Dominantes secundárias.
Este movimento, portanto, permite que a tonalidade tenha
uma sensível para cada grau, fazendo com que estes se
comportem como os modos eclesiásticos. Para isso, os
graus menores (II – dórico, III – frígio, e VI - eólio) devem
imitar o modelo Menor que já havia conquistado o status
de Tom (Tonart) por meio da escala menor melódica. Com
isso, são adicionados ao sistema os 6º e 7º sons elevados
no sentido ascendente, e naturais no sentido descendente
da escala relativa a cada grau. Por outro lado, os graus
maiores (I - jônico, IV - lídio e V – mixolídio) devem imitar
o modelo da escala maior. Consequentemente, surgirão as
notas não diatônicas preservando seus respectivos sentidos
(ascendentes ou descendentes), como mostra o Ex.4a e
4b acima. Posteriormente, esta relação com os modos
eclesiásticos é levada ao âmbito das Regiões. Devido a
esta derivação, Schoenberg usa o termo Stellvertreter
para designar as notas não diatônicas. Esse termo significa
substituto, representante. Quando uma nota não diatônica
surge na tonalidade, ela deve ser vista como uma Substituta,
ou seja, representante de um modo eclesiástico/região.
A permissão de movimento em torno dos graus gera
consequências sobre a centricidade da Tônica, o que
depende do processo de introdução das notas substitutas
(Substituição) e pode ocorrer de duas formas, que podem
ser vistas como aprimoramentos melódicos da condução
de vozes: Cromatismo e Diatonicismo.
Pode-se afirmar que, para Schoenberg, o acorde
é um momento vertical de melodias simultâneas,
percebidas com um composto de fundamental com
outras notas, podendo a fundamental estar omitida.
Neste momento, as notas possuem uma função vertical
relativa ao acorde (função de 3ª maior, ou 7ª menor,
ou 9ª aumentada etc.) e uma função horizontal relativa
à Região em que sua fundamental está ancorada
(2ˆgrau, ou 6ˆgrau abaixado, ou 7ˆgrau elevado, etc.).
Em ambos os casos, a fundamental e as notas devem
ser identificadas, caso a caso, como vozes, conduzidas
diatônica ou cromaticamente no encadeamento dos
acordes segundo os padrões melódicos do contraponto,
que ALMADA (2006) denomina de inflexões e classifica
como 1) nota de passagem; 2) bordadura; 3) apojatura;
4) escapada; 5) escapada por salto; 5) antecipação; 6)
suspensão; 7) cromática; 8) múltiplo cromática e 9)
resolução indireta ou cambiata.
Na Introdução Quase-Diatônica das notas substitutas,
se produz o efeito de negação da Tônica central. Esse
processo é utilizado quando se pretende provocar uma
mudança de Região (Modulação), de forma que, em uma
voz, não existam pontos cromáticos, mas sim sempre
diatônicos à Região pretendida. Em passagens que
envolvem Regiões Menores deve-se observar a aplicação
das regras das Notas Pivô, ou Neutralização. O Processo
de Neutralização é um tratamento melódico utilizado
para o 6^ e 7^ graus da escala menor, denominados
Pontos Decisivos. Segundo esta regra, existem quatro
Pontos Decisivos de trajeto obrigatório, em uma mesma
voz (Ex.8, em Lá menor).
No Procedimento Cromático, a função de uma nota
substituta aparece como “substituta cromática”,
atuando principalmente como um Enriquecimento da
harmonia, sendo incapaz de produzir uma mudança
de Região tonal. O procedimento cromático implica
na identificação desta nota como cromática, devendo
“declarar”, na condução de vozes, sua origem diatônica
e seu destino, segundo os padrões de Inflexões.
Ex.8 – Regra das Notas Pivô para Neutralização (Exemplos em Lá menor).
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2.4- Conceito de Transformação dos Acordes
A Transformação é originada através dos procedimentos
de substituição. Quando um acorde é transformado, ele
recebe uma ou mais notas representantes de uma ou mais
Regiões. Nas Transformações, as notas substitutas podem
tomar o lugar da 3ª e da 5ª do acorde, mas não podem
tomar o lugar da fundamental.
A transformação não altera a função da fundamental expressa
como um grau da escala. Um acorde transformado através da
substituição pode mudar, por exemplo, de uma tríade maior para
uma menor, diminuta ou aumentada, mas o acorde manterá sua
fundamental, isto é, sua função como grau da escala, relacionado
a uma Tônica (DUDEQUE,1997, p.6).
DUDEQUE (2005, nota de rodapé da p.72) atenta para
a distinção, nos escritos de Schoenberg, dos termos
“alteração” e “substituição”. “O primeiro [alteração],
significa que o mesmo elemento foi modificado[...]”,ou
seja, implica mudança de alguns aspectos sem a perda da
própria identidade; “[...] enquanto o último [substituição]
presume que um elemento é usado no lugar de outro”.
As Transformações mais simples dos acordes ocorrem no
âmbito das notas erguidas sobre a fundamental. Os Exs.
9a, 9b e 9c demonstram transformações do acorde Dm
(II grau de Dó maior) através da introdução das notas
substitutas Fá# e Láb, gerando os acordes D, Dm(b5),
D7, Dø e D7(b5). As notas substitutas representam,
respectivamente, a Região da Dominante, e a Região da
Subdominante menor (ou da Região da Tônica menor).
A substituta Fá# foi introduzida através da alteração
da terça (Fá). No Ex.9b, a substituta Láb foi introduzida
através da alteração da quinta (Lá). O Ex.9c apresenta as
duas substitutas combinadas produzindo um acorde com
terça maior e quinta abaixada (b5).
Os casos mais complexos de transformações envolvem
as noções de 1) Imutabilidade da Fundamental, em que
não é possível alterar a fundamental; e 2) Omissão da
Fundamental, que admite a possibilidade de se omitir a
fundamental. Esta concepção reforça a consciência das
funções estruturais das progressões das fundamentais e
assume que a função estrutural de um acorde depende
apenas do grau da escala sobre o qual a fundamental do
acorde está ancorada. Qualquer nota que esteja sobre esta
fundamental e que constitua uma terça, quinta, sétima,
nona etc., “serve somente para dar maior variedade à
segunda melodia” (SCHOENBERG, 2004, p.23).
Os casos mais típicos de acordes com fundamental
omitida são os acordes de sétima diminuta, e os acordes
de sexta aumentada (veja sete casos no Ex. 9 abaixo). O
Ex.9d mostra o acorde de sétima diminuta “F#º”, como
um acorde de sétima e nona abaixada sobre o II grau de
Dó maior, ou seja, D7(b9) com a fundamental omitida3
(Ex.9d). Já o Ex.9e e o Ex.9f mostram o acorde de sexta
aumentada (cifrados entre colchetes como Ab7/F#
e Ab7) como o II grau transformado em um acorde de
sétima menor e quinta e nona abaixadas e fundamental
omitidas. Por outro lado, ocorrerão casos excepcionais,
onde a fundamental será relacionada ao grau cromático
como é o caso do acorde Napolitano “(b)II”, mostrado
no Ex.9g, e outras transformações, que são justificadas
via empréstimo de outras Regiões, mostrado no Ex.9g.
Schoenberg utiliza o caso do acorde Napolitano para
reforçar o princípio da imutabilidade das fundamentais:
O acorde Napolitano representa uma exceção em relação a
alteração das fundamentais. Sua fundamental seria alterada de Ré
para Réb em Dó maior acarretando em uma contradição junto ao
sistema de fundamentais não alteradas. Isso, entretanto, implicaria
em duas fundamentais distintas no segundo grau. Para evitar esse
problema, Schoenberg não deriva o acorde de Sexta Napolitana
através da transformação, mas sim, como acorde emprestado in
toto da Região da Subdominante menor (DUDEQUE, 2005, p.78).
Da mesma forma, vários acordes cujas fundamentais
não são diatônicas, podem conviver com a tonalidade
nos contextos da Mistura Modal e da Permutabilidade
Maior/ Menor. Quando introduzidos nesses contextos,
esses acordes não são analisados como transformação
da fundamental, mas como inteiramente emprestados de
Regiões próximas.
Sobre a notação dos Acordes Transformados, fizemos
algumas modificações para promover convergências com
as notações da música popular. Os Acordes Transformados
através das substitutas são assinalados por Schoenberg
com algarismos romanos riscados. Por exemplo, II, significa
“Segundo grau transformado”. O algarismo romano
refere-se à fundamental do acorde, seja ela omitida
ou não, sendo que as notas substitutas introduzidas
não são indicadas na cifragem. DUDEQUE (1997, p.7)
Exs. 9a, b, c, d, e, f, e g – Transformações do II grau – adaptação do Ex.50 de FEH (Schoenberg, 2004, p.55).
41
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
afirma que a não indicação das notas substitutas é “...
justificável uma vez que Schoenberg analisa a harmonia
sempre relacionando as fundamentais ao centro tonal”
e que as referências às notas substitutas encontramse nos textos das análises. Além disso, Schoenberg se
preocupa mais em analisar Regiões Tonais que acordes.
A seguir, apresentamos nossa proposta de notação, que
justificamos pelo fato de ela evidenciar dados relevantes
das práticas da música popular na elaboração de arranjos,
na improvisação e na interpretação de lead sheets. Mas
essa notação se justifica principalmente em relação à
performance, pois evidencia para o intérprete não só os
acordes, mas também as Regiões Tonais.
Quando o grau não se apresentar em sua forma original
do Campo Harmônico Diatônico, o algarismo romano
será riscado (IV) e em seguida será indicada sua
estrutura resultante (IVø). Se esse grau for emprestado
de uma Região vizinha – através de Mistura Modal
ou Permutabilidade Maior/Menor – e surgir como se
tivesse a fundamental alterada, o símbolo (#) ou (b) ou o
bequadro (se for o caso) será colocado entre parênteses
antes do grau. Por exemplo, se sobre o IV grau (Fá) de
Dó Maior surgir o acorde “F#ø”, este será analisado
como (#)IVø para demonstrar a nova configuração do
IV grau, sendo que o símbolo “(#)” antes do grau indica
sua situação em relação à Tônica da Região em que se
encontra. Portanto, “(#)IVø” representa e analisa, ao
mesmo tempo, a situação desse grau. O Ex.10 (em Dó
maior) e o Ex.11 (em Dó menor) ilustram como acordes
diatônicos, acordes emprestados e substitutas cromáticas
podem ser distinguidos através desta simbologia.
Ex.10 – Interpretação da simbologia proposta no
Campo Harmônico Diatônico Maior (exemplo em Dó-maior).
Ex.11– Interpretação da simbologia proposta no
Campo Harmônico Diatônico Menor (exemplo em Dó-menor).
42
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.12a e b – “Quadro de Regiões em Maior” e exemplificação em Dó maior
(Extraído de FEH, Schoenberg, 2004, p.38-39).
2.5 - Conceito de Regiões Tonais e suas relações
2.5.1 – Regiões Tonais
As Regiões Tonais são segmentos da tonalidade tratados
como se fossem tonalidades independentes. Como
consequência lógica do princípio da monotonalidade,
o conceito de Regiões fornece a compreensão da
unidade harmônica de uma música através de suas
relações com a Tônica. Em FEH, SCHOENBERG (2004,
p.37) esclarece o conceito de Regiões: “(...) segmentos
que antigamente seriam considerados como outra
tonalidade, são apenas Regiões, um contraste
harmônico interno à tonalidade original”.
As relações das Regiões com a Tônica diferem de acordo
com o modo da Tônica da música, Maior ou Menor.
Schoenberg criou o “Quadro de Regiões” (Ex.12a e 12b),
onde estas são apresentadas por meio de símbolos que
indicam suas respectivas relações com a Tônica. Os
símbolos são abreviações que descrevem as funções das
Regiões. No Ex.12a, o “Quadro de Regiões em Maior” é
apresentado com as abreviações das relações das Regiões
com a Tônica. Já o Ex.12b exemplifica as tônicas de um
Quadro de Regiões em Dó maior.
DUDEQUE (2005, p.102) esclarece a estrutura e disposição
lógica do Quadro de Regiões, indicando que as relações
com a tônica, mostradas através das abreviações de suas
funções, são estruturadas de duas maneiras: (1) Relações
verticais, obtidas pelo círculo das quintas; (2) Relações
horizontais, com as relações paralelas (homônimas) e as
relações relativas. Ele ainda explica que (3) a distância das
relações entre as Regiões é determinada pela distância
entre as Regiões e a cruz central; e que (4) as Regiões
relacionadas e/ou derivadas da Região Subdominante
ficam do lado direito, enquanto que as Regiões derivadas
da Região da Dominante ficam do lado esquerdo.
As relações das Regiões com a tônica, no modo Menor,
são estruturadas conforme o “Quadro de Regiões em
Menor” (Ex.13). Deve-se notar que no modo menor,
a região M está uma terça menor acima, assim como
a SM está uma terça menor abaixo. As mediantes
situadas uma terça maior acima ou abaixo são
identificadas, respectivamente, por M#, e SM#. Em
Menor, o número de Regiões diretamente relacionadas
à Tônica é pequeno, pois esta não detém um controle
tão direto sobre suas Regiões como no Maior. Isso se
deve ao fato de que, devido à sua derivação do modo
Eólio4, seu estabelecimento enquanto tonalidade se dá
via utilização das sete notas da escala diatônica (Jônio).
Assim, esses traços característicos do Jônio são gerados,
na tonalidade Menor, por meio de alterações dos sexto
e sétimo graus. Desta forma, a t (Lá menor) estaria mais
suscetível a promover modulação ou mudar de Região,
principalmente para sua relativa maior, a Mediante maior
(Dó maior), através da Sub/T (Sol maior). Por outro lado,
como observa DUDEQUE (2005, p.102-3), as relações
da t com as Regiões cujas modulações são obtidas
indiretamente, como a relativa maior M (Dó maior), são
ofuscadas, pelo potencial de função de Dominante e
polarizador dessas Regiões Intermediárias Maiores.
43
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.13 – “Quadro de Regiões em Menor”, (Extraído de FEH, Schoenberg, 2004, p.49).
Ex.14 – Progressões com Regiões Intermediárias apoiadas na Permutabilidade Maior/ Menor.
2.5.2 – Regiões Tonais Intermediárias
Regiões Tonais Intermediárias podem ser entendidas
como Regiões momentâneas, definição encontrada nos
Exercícios Preliminares em Contraponto (SCHOENBERG,
2001). Também podem ser compreendidas como
Regiões com função de conectar Regiões indiretamente
relacionadas. Em FEH (2004), Schoenberg demonstra
que a conexão entre a T (Dó maior) e a M (Mi maior),
se dá através da Região Intermediária m (Mi menor).
As Regiões Intermediárias são utilizadas para promover
transições suaves e graduais entre Regiões indiretamente
relacionadas ou remotas.
Em Harmonia (SCHOENBERG, 1999), ainda sem utilizar
o conceito de Regiões, Schoenberg fala sobre modulação
através da intervenção de tonalidades intermediárias. A
identificação de uma Região como intermediária dependerá
de dois fatores, identificados por DUDEQUE (2005, p.103)
44
como: 1) seu estabelecimento, ou não: 2) sua duração. A
principal característica de uma Região Intermediária é seu
caráter passageiro e conector. Assim, para uma Região
Intermediária, mais vale a utilização funcional de suas
características do que seu estabelecimento como Região
contrastante dentro da peça.
A Região Intermediária desempenha o papel de criar
uma área neutra capaz de proporcionar o giro em
direção à Região que se queira alcançar. Por isso,
de certa forma, devemos observar o movimento de
Regiões sob o mesmo ponto de vista dos movimentos
dos acordes. As Regiões Intermediárias fazem parte de
um pensamento de prolongamento tonal que surge da
ideia de Sucessão e Progressão Harmônica. A primeira
não produz movimento tonal e, portanto, prolonga
uma tônica ou harmonia qualquer. Já a segunda produz
movimento e tem um objetivo tonal. É nesse sentido que
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
as Regiões Intermediárias devem ser percebidas, podendo
ser uma Região que produz uma Sucessão Harmônica,
portanto, prolongando uma Região qualquer, ou podem
promover movimento tonal, produzindo uma Progressão
Harmônica, se dirigindo para outra Região tonal. A
utilização de Regiões Intermediárias apoia-se no conceito
de Permutabilidade Maior/Menor (Ex.14).
Conforme dito anteriormente, o movimento entre Regiões
pode obedecer ao padrão das Sucessões Harmônicas,
produzindo prolongamento de uma Região. O Ex.15
ilustra algumas possibilidades:
Em FEH, SCHOENBERG (2004) sugere como algumas
Regiões indiretamente relacionadas em Menor podem
ser alcançadas por meio de Regiões Intermediárias.
Acrescentamos, no Ex.16, uma quarta coluna
explicitando as relações aproveitadas para efetuar a
conexão entre as Regiões.
DUDEQUE (2005, p.104) estabelece uma distinção entre
dois tipos de Regiões: 1) aquelas que definem uma
nova área tonal: 2) aquelas que não definem, em qeu as
Regiões Intermediárias não se estabelecem e, portanto,
não definem uma nova área tonal, apenas utilizando suas
características para promover uma conexão, como uma
Progressão, ou uma prolongamento, como uma Sucessão.
2.5.3 – Classificação das Relações entre
Regiões Tonais
As Regiões são classificadas de acordo com a
maneira que se relacionam com a Tônica, analisadas
separadamente no modo Maior e no Menor pois,
em cada caso, obedecem a critérios diferentes. As
classificações aparecem de maneiras diferentes em três
fontes primárias (Models for Beginners in Composition,
FEH e Exercícios Preliminares em Contraponto).
Em Models for Beguinners in Composition (SCHOENBERG,
1943), as Regiões no Modo Maior aparecem em quatro
grupos (Ex.17): (1) Regiões derivadas dos seis modos;
(2) Regiões baseadas na relação da Tônica com sua
Subdominante menor; (3) Regiões derivadas da Tônica
menor; (4) Regiões baseadas na Permutabilidade entre
os modos Maior e o Menor.
Ex.15 – Prolongamento de Regiões por Sucessões Harmônicas.
Ex.16 – Regiões Intermediárias que podem funcionar para conectar Regiões Indiretamente Relacionadas, segundo
indicação em FEH (SCHOENBERG, 2004, p.97).
45
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.17 – Classificação das Regiões do modo Maior, como aparece no Models for Beginners in Composition: Syllabus and
Glossary (SCHOENBER G, 1943, p.14-15).
Ex.18 – Classificação das Regiões do modo Menor, como aparece no Models for Beginners in Composition: Syllabus
and Glossary (SCHOENBERG, 1943, p.14-15). OBS: As Regiões assinaladas com (*) são mais remotas e utilizadas mais
frequentemente na música erudita.
Ainda em Models for Beguinners in Composition
(SCHOENBERG, 1943), as relações são classificadas
através de três derivações no Modo Menor (Ex.18):
(1) Relações derivadas da Relativa maior; (2) Relações
derivadas da Tônica maior; e (3) Relações derivadas da
Subdominante menor.
Em FEH (SCHOENBERG, 2004), aparece uma
classificação segundo o Modo Maior (Ex.19) e o
Modo Menor (Ex.20), caracterizando as relações
pelas sua proximidade (Próxima, Remota, Distante)
e necessidade de intermediação (Direta, Indireta).
Schoenberg estabelece cinco categorias: 1) Direta
e Próxima; 2) Indireta, mas Próxima; 3) Indireta; 4)
Indireta e Remota; 5) Distante.
Norton Dudeque aponta aqui uma aparente
inconsistência na classificação da Categoria 4 do
modo Maior (Ex.20) em relação ao princípio das notas
comuns, observando que, ao classificar a Região dor
como remota, Schoenberg estaria desconsiderando
o princípio das notas comuns, pois esta Região
contém cinco notas em comum com a T em sua
forma harmônica, e seis notas em sua forma melódica
ascendente ou descendente: “A Região Dórica é
classificada como indireta e remota, provavelmente
porque esta é considerada em relação à SD, e este fato
determina sua relação e distância da Região tônica”
(DUDEQUE, 2005, p.112. nota de rodapé).
46
Finalmente, o Ex.21 mostra as Regiões classificadas como
Próximas em Exercícios Preliminares em Contraponto
(SCHOENBERG, 2001).
DUDEQUE (2005) busca compatibilizar as três perspectivas
do próprio Schoenberg e propõe uma alternativa coerente
com as três classificações apresentadas acima:
A classificação das áreas tonais parece atuar de modo que a
categoria de relações próximas seja aplicada àquelas Regiões que
atuem conforme a sintaxe da D, SD, sm e m; depois, às Regiões
da Np, S/T e dor, que são compreendidas como áreas tonais de
aplicação por uso comum. Através da Permutabilidade Maior/
Menor, as Regiões da t, sd, v menor, SM, e M, também são
consideradas proximamente relacionadas à Tônica. O próximo
nível de relação (Indireta, mas Próxima), aplica-se às Regiões
derivadas da Tônica menor, Quinto-menor, e Subdominante menor,
e àquelas Regiões que apresentam alterações na fundamental da
Região. Finalmente, todas outras Regiões resultam, em relações
distantes. (DUDEQUE, 2005, p.112).
A inclusão das Regiões Np, S/T, e dor na categoria de
relações próximas e de aplicação por uso comum, coincide
com a classificação apresentada em Models for Beginners
in Composition (SCHOENBERG, 1943; Ex.17 e 18 acima).
DUDEQUE (2005, p.112) observa ainda que a situação especial
da Região Np no Quadro de Regiões em Maior (Ex.12a)
denotaria que esta relação ambígua seja derivada da prática
comum. Assim, as relações da Dominante e Subdominante,
as Relativas, as provenientes da Permutabilidade Maior/
Menor e as da “Prática comum” seriam consideradas de
grande afinidade com a Tônica, como mostra o Ex.22.5
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.19 – Classificação das Regiões do modo Maior, como aparece em FEH (SCHOENBERG, 2004, p.91).
Ex.20 – Classificação das Regiões no modo Menor, como aparece em FEH (Schoenberg, 2004, p.98).
Ex.21 – Classificação das Regiões no modo Maior e Menor, como aparece em Exercício Preliminares em Contraponto
(SCHOENBERG, 2001, p.99).
Ex.22 – Classificação das Regiões do modo Maior, como aparece em Music Theory and Analysis in the Writings of
Arnold Schoenberg (1874-1951) (DUDEQUE, 2005, p.112).
47
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
3 – Funções Tonais (Geral, Específica e de
Acordes Vagantes/Função Múltipla)
Aqui abordamos o aspecto funcional geral e específico
das relações tonais das notas, acordes e Regiões, na
produção de progressões ou sucessões. DUDEQUE (1997)
identifica dois tipos de funções tonais no pensamento
schoenberguiano: (1) a Função Tonal Específica e (2)
a Função Tonal Geral. A primeira refere-se às notas
e acordes, e a segunda refere-se à utilização das
funções específicas das notas e acordes para afirmar ou
contradizer uma tonalidade. A estas se junta a Função
Tonal dos Acordes Vagantes (ou de Função Múltipla).
Antes de abordar as Funções Tonais, entretanto,
sugerimos uma notação que traduza os Princípios da
Transformação de Acordes e da Transferência de Função
Tonal (discutidos mais abaixo). Como a Transferência de
Função Tonal ocorre quase sempre a partir da imitação
de modelos cadenciais, propomos aqui o sistema
adotado por CHEDIAK (1986), mostrado no Ex.23, cuja
notação explicita analiticamente os passos cadenciais.
Na utilização dessa notação, algumas considerações
sobre o modelo cadencial são importantes:
1. cada tom contém uma sensível tonal – representada
pelo sétimo grau da escala – que resolve ou se dirige
para o tom;
2. cada tom contém uma sensível modal – representada
pelo quarto grau da escala – que resolve ou se dirige
para a terça definidora do modo maior ou menor;
3. a sensível tonal é uma representante em potencial
da Região da Dominante;
4. a sensível modal é uma representante em potencial
da Região da Subdominante;
Além dessas características, lembramos a visão de
Schoenberg em que, num contexto onde a Tônica seja,
por exemplo, Dó maior, uma das funções da nota Si
(sensível tonal) é evitar a possibilidade da nota Sib
(definidora da Região da Subdominante, Fá maior) ser
percebida como pertencente ao tom, impedindo uma
espécie de impulso da percepção rumo a Região da
Subdominante.
O nosso empenho, portanto, deverá concentrar-se em primeiro
lugar, em não permitir que se estabeleça o impulso rumo
à Subdominante: a sensação de Fá-maior. Melodicamente
consegue-se isso com a nota Si natural. O Si pertence a três
acordes: aqueles dispostos sobre o III, o V e o VII. Dispomos,
portanto, desses acordes para expressão harmônica desta
intenção (SCHOENBERG, 1999, p.199).
Da mesma forma Schoenberg justifica o uso da nota Fá
natural para impedir a tendência rumo a Região da Dominante
(Sol maior). Com isso, enfatiza-se a função de demarcação
dessas notas. Mesmo considerando, pelo desdobramento
do mesmo raciocínio citado, o movimento II-V-I como
o mais adequado para estabelecer, inequivocamente,
a tonalidade, Schoenberg acrescenta: “Não obstante,
também outras cadências, mais débeis, podem ser atrativas
sob determinadas condições, e por isso discutiremos aqui
as aptidões dos outros graus” (SCHOENBERG, 1999, p.204).
Ainda assim, Schoenberg caracteriza não só o efeito do III
grau como inabitual (e por isso débil), como também exclui
o VII pelo desuso. E recomenda, como disponível, apenas o
VI grau no lugar do II.
O direcionamento da sensível também caracteriza
sua função dentro do modelo cadencial. Quando fala
sobre notas estranhas ao tom, no capítulo sobre as
dominantes secundárias no Harmonia (SCHOENBERG,
1999), e no Capítulo 3 de FEH (SCHOENBERG, 2004),
ele caracteriza quatro alterações ascendentes e
uma descendente. Observamos que as alterações
ascendentes produzem tendências rumo a Regiões do
lado do círculo das quintas da Dominante, e a alteração
descendente tende a Regiões do lado do círculo das
quintas da Subdominante6.
Concluindo, propomos a seta contínua para indicar
o passo cadencial produzido pela sensível tonal,
preferencialmente onde o movimento de fundamentais
seja o de quarta ascendente. Para indicar a cadência
deceptiva usaremos a seta contínua cortada. Para
indicar o passo cadencial que antecede o movimento
da sensível tonal, e caracteriza a influência da
Subdominante, usaremos o colchete. Assim, o conjunto
formado pelo colchete e pela seta contínua indica o
movimento cadencial geral, mesmo onde não exista a
imitação exata do modelo cadencial II – V ou IV – V.
Já a representação da função do acorde cifrado se dará
por um conjunto de sinais e suas diferentes associações
para representar as funções específicas implícitas nas
cifras. O Ex.24 enumera esses sinais, seus símbolos
e seus significados. Os símbolos assinalados com (*)
indicam tonalidade expandida, e serão explicados em
detalhe no tópico 4.3.
Ex.23 – Notação com sinais analíticos cadenciais em passos de 4ª ascendente (CHEDIAK, 1986).
48
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Em relação aos Princípios da Transformação de Acordes
e da Transferência de Função Tonal , as relações tonais
e funcionais, dentro do pensamento schoenberguiano,
são influenciadas por dois fenômenos harmônicos:
(a) Transformação de Acordes, que “... não admite
substituição da fundamental e é baseada nas sete
funções fixas dos sete graus da escala” (DUDEQUE, 1997,
p.9); e (b) Transferência de Função, que “... sugere uma
função móvel...” (DUDEQUE, 1997, p.9). Por exemplo, um
acorde pode surgir sobre um determinado grau da escala
de uma Região, ser transformado e seguir sua tendência
rumo a outras Regiões. Mesmo que a configuração
do acorde contenha notas transformadas, a função
específica da sua fundamental permanece inalterada,
indicando sua relação com a tônica. Por outro lado,
ao seguir suas tendências rumo a outra Região, sua
fundamental adquire nova função e deve ser analisada
na Região à qual está naquele momento.
A Transformação de Acordes, produzida pelo processo
da Substituição, acarreta uma nova configuração de um
dado acorde sobre um grau diatônico. Depois de assumir
sua nova configuração, esse acorde tende a imitar os
modelos convencionais de movimento de fundamentais.
Essa tendência pressupõe a transferência da função
de outro grau escalar ao grau transformado. No Ex.25,
o acorde sobre o I grau foi transformado através da
Ex.24 – Adaptação e explicação da notação analítica de análise harmônica.
Ex.25 – Transformação de Acorde e Transferência de Função com o modelo V7 – I .
49
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
introdução cromática da substituta Sib (segundo tempo
do c.3). Essa nova configuração (acorde de sétima da
Dominante) tende ao movimento típico da função do
V7 grau diatônico, função Dominante, função que foi
transferida para o I grau transformado.
No Ex.26, o V7 grau foi transformado através da
introdução cromática da substituta Sib (segundo tempo
do c.3), adquirindo a configuração Gm7. Essa nova
configuração tende a imitar os modelos IIm7 – V7, ou
IVm – V7. Nesse caso, o acorde Gm7 imitou a função de
IIm grau cadencial, em direção ao I grau transformado
em I7. Houve a transferência da Função do IIm e V7 graus
para os graus Vm7 e I7 transformados.
Outras possibilidades poderiam surgir a partir desse
mesmo acorde menor. O Ex.27 demonstra a imitação do
modelo IVm – V – I, fazendo com que o Gm7 siga para
o A7 (primeiro e segundo tempos do c.3), preparando
o Dm. Segundo Schoenberg, “transformações que
alteram a quinta justa em diminuta tendem a ser
seguidas por uma tríade maior, de acordo com o padrão
II V em menor” (SCHOENBERG, 2004, p.62). No c.6
do Ex.27 mostramos essa tendência, com o III grau
transformado. O procedimento de imitação dos modelos
e, consequentemente, da transferência de função, é
responsável por um grande enriquecimento das relações
dentro do sistema tonal.
3.1 - Função Tonal Geral
A conceituação de Função Tonal Geral está diretamente
ligada à expressão da relação dos elementos específicos a
uma determinada tonalidade. Assim, os elementos sempre
estarão atuando no sentido de afirmar ou estabelecer
uma tonalidade – função centrípeta –, ou, no sentido de
contradizer uma tonalidade – função centrífuga. Uma
tríade tem, em potencial, uma tendência centrífuga,
e por isso, necessita da cadência (função centrípeta),
para anular esse efeito, e proporcionar a centricidade.
DUDEQUE (1997) ressalta a importância da função
tonal na teoria schoenberguiana quando relacionada ao
princípio da monotonalidade:
Este conceito é muito mais amplo e complexo do que normalmente
os teóricos afirmam e parte do princípio de que uma obra tonal
tem suas funções tonais específicas e gerais relacionadas a uma
tonalidade única que domina a obra por inteiro, representada pelo
princípio da monotonalidade (DUDEQUE, 1997, p.3).
Patricia Carpenter e Severine Neef (SCHOENBERG, 2006),
citados por DUDEQUE (1997), sugerem que, da mesma
Ex.26 – Transformação de Acorde e Transferência de função com o modelo IIm7 – V7 – I .
Ex.27 – Transformação de Acorde e Transferência de função com o modelo IVm7 – V7 – I .
50
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
forma como a conceito de monotonalidade engloba todas
as tonalidades em um sistema inclusivo, este “envolve uma
rede de funções definidas pelos graus da escala, em que
todas as notas, acordes e Regiões tonais, cada qual com sua
função específica, são relacionados a uma tônica central”.
Recordando que, para Schoenberg, o acorde deve ser
compreendido a partir de dois elementos - sua fundamental
e as notas erigidas sobre essa fundamental - estes elementos
específicos assumem funções gerais independentemente
um do outro. A fundamental, através da Transferência de
Função assume função centrífuga, de negação à tônica
central, pois faz referência a outras tônicas. Por outro
lado, as notas erigidas sobre o grau, quando percebidas
como transformadas, isto é, produto da substituição e
com um novo direcionamento, possuem relação com a
tônica central. É nesse sentido que DUDEQUE (1997, p.9)
afirma que os princípios da Transformação de Acorde e da
Transferência de Função devem ser interpretados como
funções gerais complementares.
3.2 – Função Tonal Específica
A Função Tonal Específica das notas consiste em relacionar
as notas aos graus de uma escala relacionada à tônica
de uma tonalidade ou Região tonal. Por exemplo: A nota
(Sol#), em Dó maior, poderia assumir a função específica
de VII grau (sensível) da Região da sm (Lá menor). Outro
exemplo: A nota (Fá#), em Dó maior, poderia assumir a
função de VI grau da Região sm (Lá menor) ou, em outro
contexto, a função de VII grau (sensível) da Região D
(Sol maior). Já a Função Tonal Específica dos acordes
é expressa pela relação de sua fundamental com um
determinado centro tonal, ou Região. Da mesma forma,
um determinado segmento de uma Região é relacionado
a um centro tonal como se fosse um grau de uma escala,
incluindo a função dos acordes e notas.
Uma nota individual possui a capacidade de expressar
uma tonalidade se assumir a função de determinados
graus característicos, que são responsáveis por estabelecer
e diferenciar as tonalidades: o 4^ e o 7^ graus no Modo
Maior; e o 6^ e o 7^ graus elevados no Modo Menor (Ex.28).
Essas notas possuem sua Função Específica
independentemente do acorde ao qual estão ligadas,
função que está diretamente relacionada aos processos de
substituição cromática e quase-diatônica (especialmente
quando executada pelo processo da Neutralização).
A neutralização ou sua falta determina a função de
uma nota como substituta cromática (centrípeta), ou
substituta quase-diatônica (centrífuga).
Na teoria schoenberguiana, a Função Tonal Específica
de um acorde é dada por sua fundamental, que define
sua relação com um centro tonal. As fundamentais estão
fixadas sobre os graus da escala de referência – Maior ou
Menor – e são identificadas com os nomes tradicionais
das funções tonais (Ex.29).
O lugar que a fundamental do acorde ocupa, dentro da
escala, determina sua relação funcional com a tônica.
Esta relação independe da configuração do acorde. Por
outro lado, deve-se estar atento a outros fatores que
determinam o estabelecimento de uma função em um
acorde: (a) seu Contexto Tonal; e (b) a noção de Região.
O Contexto Tonal está ligado à relação do acorde com os
acordes que o antecedem ou que o sucedem. Esta relação
pode promover uma Sucessão ou uma Progressão e, com
isso, determinar o significado harmônico desse acorde. Já
a Região implica no conhecimento do campo harmônico
e das notas características das Regiões, que podem estar
atuando em contexto, quer no sentido de se estabelecerem
Ex.28 – Graus característicos nos modos Maior e Menor.
Ex.29 – Funções Tonais das Fundamentais dos acordes nos modos maior e menor.
51
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
(como contraste), quer no sentido de passagem (como
Regiões Intermediárias), conectando ou prolongando
Regiões. Finalmente, a determinação da Função Específica
de um acorde deve observar os princípios da Transformação
de Acordes e da Transferência de Função.
3.3 - Função de Acordes Vagantes (ou de
Função Múltipla)
Os Acordes Vagantes formam uma categoria especial de
acordes que podem assumir a função de vagar ou transitar
livremente sobre diferentes Regiões harmônicas, graças
à flexibilidade de transformação dos graus. Segundo
Schoenberg, tais acordes:
Não pertencem exclusivamente a nenhuma tonalidade, senão que,
sem alterar sua configuração (nem sequer é necessária a inversão
bastando uma relação imaginária com a fundamental), podem
pertencer a muitas tonalidades, muitas vezes a quase todas”
(SCHOENBERG,1999,p.286).
Estes acordes são derivados das Transformações e podem
ter funções múltiplas devido às suas constituições
específicas. Os casos mais evidentes são os acordes de
sétima diminuta, a tríade aumentada e o acorde de sexta
aumentada e suas inversões.
Na teoria da música popular, os acordes vagantes
correspondem aos acordes de Substituição de
Dominantes. Por exemplo, o II7 grau de Dó maior (D7)
pode ser transformado com a alteração da quinta e da
nona, assumindo uma configuração semelhante a Ab7.
Na música popular, dizemos que esses acordes são
substitutos, ou, Ab7 é o subV7 (Dominante substituta)
de D7. Outra maneira de observar essa relação seria
reconhecer a presença do mesmo trítono na estrutura
desses acordes. Acordes Dominantes que possuem o
mesmo trítono são substitutos entre si, ou seja, são
Acordes Vagantes correspondentes. As correspondências
entre os acordes vagantes são demonstradas no tópico
seguinte, dos Contextos Tonais.
4 - Contextos Tonais
Finalmente, na análise schoenberguiana, podemos
reconhecer as relações tonais em Contextos Tonais por
meio (1) Enriquecimento da Cadência, (2) Permutabilidade
entre Maior e Menor e Mistura Modal, (3) Tonalidade
Expandida, (4) Tonalidade Flutuante e (5) Tonalidade
Suspensa. A identificação dos contextos tonais está
diretamente ligada à percepção do direcionamento do
movimento do discurso harmônico. Esse direcionamento
é observado a partir da leitura dos elementos estruturais e
de Prolongamento7 nos três níveis da análise: (1) Regiões,
(2) fundamentais dos acordes, (3) notas dos acordes.
4.1- Contexto de Permutabilidade Maior-Menor
Na tendência de enriquecimento da tonalidade,
Schoenberg destaca a Permutabilidade entre Maior
e Menor, procedimento também identificado como
Mistura Modal (Mode Mixture). Em Harmonia
(SCHOENBERG, 1999), este procedimento é apresentado
no capítulo “Relações com a Subdominante menor”,
com a introdução de acordes desta Região ao Campo
Harmônico Diatônico. Em FEH (SCHOENBERG, 2004), o
procedimento é apresentado de forma mais sistemática
com a introdução de acordes de Regiões consideradas
próximas à Tônica, como a t (Tônica menor), o v menor
(Quinto menor), além da sd (Subdominante menor). Na
maioria das vezes os acordes derivados dessas relações
(Ex.30) são obtidos por transformação das notas sobre
a fundamental, porém, em alguns casos, Schoenberg
parece admitir a alteração da fundamental. A esse
respeito DUDEQUE (2005) afirma:
No exemplo que ilustra os acordes substitutos, Schoenberg
endereça todos os acordes em relação à tônica maior. Obviamente,
ele considerou, nessa ilustração específica, a possibilidade de
alteração da fundamental, e consequentemente a escala cromática
como referencial. Entretanto, essa não é a prática adotada em FEH.
Schoenberg analisa um vasto repertório de excertos da literatura
musical de acordo com o sistema de fundamentais diatônicas.
(DUDEQUE, 2005, p.79).
Ex.30 – Acordes emprestados por Permutabilidade entre Maior e Menor
(Extraído de FEH, SCHOENBERG, 2004, p.73) 8.
52
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Assim, esses acordes são percebidos como emprestados
das Regiões próximas, com as substitutas introduzidas
cromaticamente, assumindo, desta forma a característica
de notas guias. A substituição cromática desempenha
importante papel nesse contexto de Mistura Modal.
4.2- Contexto de Enriquecimento da Cadência
A Permutabilidade entre Maior e Menor traz a possibilidade
do acorde Napolitano, emprestado do sexto grau da
Região da Subdominante menor, acorde que passou a
ser utilizado como clichê harmônico. Em Dó maior temos
Db7M. Na discussão sobre a compreensão desse acorde no
contexto tonal, SCHOENBERG (1999, p.338) afirma que
“Seu aparecimento típico é como imitação do II grau da
cadência. Por isso têm-se admitido que ele seja uma nova
transformação cromática do II grau”. Mas, logo em seguida,
Schoenberg levanta a hipótese de que seja possível a
existência de duas fundamentais sobre o segundo grau da
escala, assim como acontece com o sexto e sétimo graus
da escala menor, projetando “uma espécie de princípio
fundamental à consideração dos eventos harmônicos: a
escala cromática” (SCHOENBERG, 1999, p.338).
Desta forma, percebemos que, na expressão da
tonalidade, ocorre o convívio de um elemento definidor
das relações tonais (as fundamentais diatônicas), e de um
elemento que funciona como ampliador e enriquecedor
dessas relações (a substituição).
Assim, Schoenberg considera o acorde de Sexta Napolitana
como representante do segundo grau na cadência, de
onde vem seu uso típico. Embora possa ser alcançado
por transformação, não é considerado como derivado
do processo de transformação, mas sim como acorde
totalmemte emprestado da Região da Subdominante
menor. Ao uso típíco do acorde napolitano denominamos
Cadência Napolitana, que segue dois modelos: (b)II7M –
V7 – I e (b)II7M – I. É possível, portanto, a imitação dos
modelos da cadência Napolitana, descendo por semitom
em direção aos graus diatônicos.
Se a tonalidade de referência estiver no modo Menor, a
Permutabilidade dá-se da seguinte forma:
Partindo do modo menor, recomendo a princípio, aproveitar
meramente a relação obtida através da tonalidade maior
homônima. Assim por exemplo em Dó-menor, seriam os acordes
relacionados à Subdominante menor de Dó-maior. Mais tarde, o
aluno poderá também aproveitar o alargamento dessa relação
(através da tonalidade maior paralela, isto é: em Dó-menor, a de
Mib-maior) (SCHOENBERG, 1999, p.335).
Em um exemplo em Dó menor (Ex.31), mostramos como
seria este alargamento de relações para as 3 regiões
próximas (t, sd, v-menor) tanto da maior homônima (Dó
maior) e da maior relativa.
A expressão da tonalidade ocorre em dois níveis: (1) Nível
das Fundamentais: que é representado pela função dos
graus, e por isso, mantém-se essencialmente diatônico;
(2) Nível da Substituição: que ocorre sobre as notas
erigidas sobre a fundamental (mesmo que esta esteja
omitida). Reforçando a importância das fundamentais
diatônicas, Schoenberg afirma: “A alteração das notas
naturais em notas estranhas, geralmente, não mudará a
qualidade funcional do grau sobre o qual o acorde está
erigido” (SCHOENBERG, 1942, glossário p.13).
Leonard Stein, citado por DUDEQUE (2005, p.78-79),
identifica três formas de extensão das relações, através
da substituição:
1. Enriquecimento das progressões através de sensíveis
ascendentes ou descendentes;
2. Enriquecimento dos recursos da cadência com o
prolongamento da função da fundamental, e com as
possibilidades da Permutabilidade Maior/Menor;
3. Produção de Regiões conduzidas como uma tonalidade.
As duas primeiras possibilidades podem ser identificadas
como Cadência Enriquecida, pois implicam na ocorrência
da substituição cromática, enquanto a última depende
da substituição quase-diatônica, através do processo
de Neutralização. Portanto, a identificação da Cadência
Enriquecida depende da produção de progressões no
movimento das fundamentais; e dos procedimentos
cromáticos no nível da substituição. Porém, há ainda a
possibilidade de, no nível das fundamentais, identificar
“elaborações da função das fundamentais principalmente
sob a forma de prolongamento da fundamental”
(DUDEQUE, 2005, p.93)9.
Ex.31 – Regiões para Permutabilidade entre Maior e Menor à partir do alargamento das relações para a Maior
Homônima e a Maior Paralela (exemplo em Dó menor).
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
No Ex.32 ilustramos um prolongamento da função da
fundamental sobre o II grau. Primeiramente, consideramos
as fundamentais omitidas: o segundo acorde do c.5
normalmente seria cifrado como Ab7, supondo um
movimento cadencial para o Db7M. Porém, esse acorde
pode ser visto como Transformação do segundo grau
com baixo na quinta diminuta e fundamental omitida e,
assim, o Db7M pode ser visto como um acorde de Sexta
Napolitana. Essa análise se fundamenta na percepção
do trecho produzindo a Progressão II - V - I, de forma
que a fundamental Réb atue como emprestada por
Permutabilidade Maior/Menor. Entende-se que todos os
acordes transformados do trecho em questão possuem
a função de II grau. Assim, esse exemplo é analisado
como Cadência Enriquecida, pois o objetivo tonal da
cadência é alcançado após a prolongamento da função
do II grau dirigindo-se ao V7. Observamos que esse
caso de prolongamento da fundamental contou com a
utilização de: (1) cromatismos no nível da substituição;
(2) consideração das fundamentais omitidas e; (3)
consideração de cromatismo no nível das fundamentais
com acordes emprestados por Permutabilidade Maior/
Menor, como o acorde de Sexta Napolitana.
O contexto da Cadência Enriquecida consiste,
basicamente, na utilização de recursos de expansão,
tais como: Prolongamento de uma fundamental e
Transformações remotas adicionadas às possibilidades
da Permutabilidade entre Maior e Menor, dentro da
cadência. Arno Roberto Von Buettner apresenta uma série
de procedimentos de ampliação harmônica, no contexto
da música popular, dentre eles, a Interpolação Harmônica,
que “... acontece quando, numa cadência, o V7 torna-se
IIm7, onde acorde interpolado está situado entre duas
Dominantes” (BUETTNER, 2004, p.31), como no Ex. 33a.
Em outro exemplo, o autor demonstra o que chama de
Interpolação da Interpolação Harmônica: “Existem casos
em que o IIm7 ou V7 sub, podem estar entre o IIm7 e V7
originais, não afetando a realização da cadência, porque
o último acorde antes da resolução sempre será o V7
original” (BUETTNER. 2004, p.36), mostrado no Ex. 33b.
4.3- Contexto de Tonalidade Expandida
A Tonalidade Expandida é, em certo sentido, o início
do abandono da Monotonalidade, mas um contexto no
qual transformações remotas e sucessões harmônicas
ainda são compreendidas dentro de uma tonalidade.
Segundo SCHOENBERG (2004, p.99), nesse contexto
“tais progressões podem, ou não, produzir modulações
ou estabelecer as diversas Regiões”, funcionando
como enriquecimento da harmonia. DUDEQUE (2005,
p.123) afirma que a monotonalidade, vista já como
Tonalidade Expandida, “encontrou um limite em seu
desenvolvimento, resultando em seu abandono como
princípio geral organizador das relações tonais”.
Desta forma, os dois conceitos Tonalidade Flutuante e
Tonalidade Suspensa, dentro da Tonalidade Expandida,
“reforçam a desestabilização do centro tonal, e
consequentemente, o abandono da monotonalidade”.
Concluindo, poderíamos admitir que a Tonalidade
Expandida é uma prática que tem seu início a partir
da Monotonalidade, e encontra seu fim na Tonalidade
Flutuante ou na Tonalidade Suspensa.
Ex.32 – Trecho com Prolongamento da função da fundamental sobre o II grau.
Ex.33a, b – Interpolação harmônica
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Nos vários exemplos utilizados em FEH, Schoenberg
caracteriza a Tonalidade Expandida com a ocorrência
de transformações que levam a desvios de Regiões
muito remotas. Ele encontra exemplos na música de
compositores desde o Barroco, como Bach (SCHOENBERG,
2004, p.102) ou na música clássica descritiva, como a
de Schubert (SCHOENBERG, 2004, p.103), que contem
modulações “extravagantes”, como da tônica menor [t]
(Dó menor), para a mediante menor da Dominante [mD]
(Si menor). Schoenberg cita exemplos de Tonalidade
Expandida, como a inclusão da Sexta Napolitana e uso
de Regiões no interior dos temas estruturais de uma
obra. Na sua análise das Variações Diabelli de Beethoven
(SCHOENBERG, 2004, p.114-121), ele demonstra algumas
dificuldades na interpretação de alguns trechos para
se estabelecer Regiões. Em passagens da música de
Dvorák, Grieg e Bruckner (SCHOENBERG, 2004, p.122),
ele demonstra a ocorrência de acordes de passagem,
suspensões e notas de passagem (inclusive sem resolução),
explicando como trechos de análise problemática pode
ser compreendidos sempre na Região da Tônica. Em
um trecho de Reger (SCHOENBERG,2004, p.125), ele
demonstra a ocorrência de acordes incompletos. No
exemplo 113 que criou (SCHOENBERG, 2004, p.126), ele
mostra como classificar as Regiões distantes. Já no seu
exemplo 114 (SCHOENBERG, 2004, p.127), analisa trechos
nas tonalidades homônimas simultaneamente [t/T].
Acordes Vagantes e Escalas Alteradas e Simétricas (ou
Sistema de Correspondências entre Acordes Vagantes):
Finalmente, dentro do contexto da Tonalidade Expandida,
buscamos uma adaptação do conceito de Acordes
Vagantes com o conceito de Escala de Acorde (GUEST,
1996, p.49), utilizado por improvisadores e arranjadores na
Música Popular10. Através das Escalas de Acorde Simétricas
Octatônica e Hexafônica; e dos Modos da Escala Menor
Melódica, procuramos “gerenciar” as correspondências
entre acordes vagantes. Aventamos a possibilidade de
ampliação desta rede a partir dos “Modos de Transposição
Limitada” de Messiaen (dos quais a octatônica e a
hexafônica fazem parte), e de modos e acordes de escalas
“Diatônicas Alteradas” (MILLER, 1996, p.115-124) como a
Maior Harmônica e Menor Melódica #5.
Devido ao caráter múltiplo das estruturas vagantes, ou
seja, a possibilidade de serem representados por vários
acordes, a identificação da verdadeira função (isto é, da
fundamental) de tais acordes nem sempre é explicitada
pela cifra. Analisaremos primeiramente os acordes
diminutos e, depois, os acordes de sexta aumentada,
com o objetivo de estabelecer suas correspondências,
buscando quais outros acordes seriam também
representados pela estrutura analisada. Demonstraremos
como essas correspondências podem ser organizadas
por uma espécie de sistema derivado das Escalas de
Acordes11. Com a associação de um acorde à uma Escalas
de Acorde obtêm-se a possibilidade de uma gama maior
de alterações. A escala correspondente a um determinado
acorde deve conter suas notas estruturais, chamadas de
Notas do Acorde (fundamental, terça, quinta e sétima), e
a extensão (nona, décima primeira e décima terceira) do
acorde que serão as Notas de Tensão. Algumas escalas
oferecem alterações específicas de notas de tensão e notas
estruturais, ao que chamamos aqui de Gama de Alterações.
A cifra é um elemento determinante na visualização
dessa relação entre escala e acorde. Normalmente, a
indicação das Gamas de Alterações encontra-se entre
parênteses ao lado da cifra, como por exemplo: Ab7(b9,
#11,13). TINÉ (2002) propõe a associação do acorde de
Sexta Germânica à Escala Octatônica.
A possibilidade de outras dissonâncias pode derivar de duas escalas
simétricas usadas pelos improvisadores para estes acordes: pode
utilizar-se a escala octatônica para o acorde de 6a Ger.: Ré, Mib,Fá,
Fá#, Sol#, Lá, Si, Dó, tendo como possibilidade a 9a aumentada, e a
escala hexafônica para o acorde de 6a Fr: Ré, Mi, Fá#, Sol#, Sib, Dó,
tendo como possibilidade a 9a maior (TINÉ, 2002, p.10).
Esse sistema de correspondência de acordes que propomos
indica as múltiplas tendências possíveis a estes acordes
em formar progressões ou sucessões. Indica também
padrões de transformações para o acorde de Sétima da
Dominante e para o acorde Meio Diminuto.
O Acorde de Sétima Diminuta e os Acordes de Sexta
Aumentada e Dominantes Alteradas:
O acorde de Sétima Diminuta é o primeiro tipo de Acorde
Vagante demonstrado em Harmonia. É apresentado como
possibilidade de imitação do modelo cadencial VIIº - I da
Escala Menor Harmônica.
A introdução sistemática, de acordes estranhos à escala pode
continuar, (...), tentando-se transplantar também para o acorde
de sétima diminuta para onde ele não ocorre naturalmente. Para
isso interessa, em primeiro lugar, apresentá-lo sobre os mesmos
graus que façam lembrar um VII grau do modo menor, pelo fato
de apresentar um passo de segunda menor ascendente em direção
ao próximo grau fundamental próprio da escala (SCHOENBERG,
1999, p.282).
Assim, para cada grau diatônico, existirá um acorde de
sétima diminuta situado uma segunda menor abaixo.
| VIIº I7M | #Iº IIm7 | #IIº IIIm7 | IIIº IV7M | #IVº V7
| #Vº VIm7 |
É aqui que Schoenberg afasta a possibilidade de
transformação dos sons fundamentais, em favor da
possibilidade de uma fundamental omitida. Por isso
analisa os acordes diminutos como acordes com sétima
menor e nona abaixada, e fundamental omitida. A
verdadeira fundamental desse acorde encontra-se
sobre o grau diatônico situado uma quarta abaixo
do grau de resolução. No Ex.34, o acorde de sétima
diminuta “C#º”, estranho à tonalidade de Dó maior,
situado uma segunda menor abaixo do IIm7 (Dm7),
corresponde ao acorde de Dominante secundária com
nona abaixada situado uma quarta abaixo do IIm, ou
seja VI7(b9) (A7(b9)). Portanto, o acorde diminuto,
55
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
corresponde a um acorde de sétima da Dominante com
nona abaixada, com fundamental omitida.
análise, o acorde Ab7/Gb permite a adição da nota Ré
(omitida), e uma vez que já contém a quinta justa, o Ré
surge como nota de tensão “#11”. Assim, esse acorde seria
potencialmente um Ab7 (#11)/Gb. Seguindo o raciocínio
apresentado mais acima sobre a relação escala/acorde,
relacionamos esta estrutura à Escala Octatônica, que
oferece a seguinte Gama de Alterações.
a)
Ex.34 – Acorde diminuto visto como dominante com
fundamental omitida.
A estrutura do acorde de sétima diminuta é simétrica,
ou seja, compõe-se de intervalos idênticos. Por isso,
suas inversões também geram estruturas idênticas, de
modo que um acorde de sétima diminuta corresponda a
um total de quatro acordes distantes entre si por uma
terça menor. Assim, compreende-se que o sistema possui
apenas três acordes diminutos e, consequentemente,
suas correspondências (incluindo-se as enarmonias12).
Por exemplo:
a) C#º, Eº, Gº, Bbº e seus correspondentes A7(b9),
C7(b9), Eb7(b9), Gb7(b9).
b) Dº, Fº, Abº, Bº e seus correspondentes Bb(b9),
Db7(b9), E7(b9), G7(b9).
c) Ebº, Gbº, Aº, Cº e seus correspondentes B(b9),
D7(b9), F7(b9), Ab7(b9).
Os acordes de sexta aumentada são casos típicos de
acordes vagantes. São obtidos como resultado da
transformação dos graus diatônicos em Dominantes
Secundárias com a quinta e nona abaixadas. Podem
assumir três configurações: Acorde aumentado de
quinta e sexta, chamado de Acorde de Sexta Germânica
(ou Sexta Alemã); Acorde aumentado de terça e quarta
(acorde de Sexta Francesa), e Acorde aumentado de
sexta (acorde de Sexta Italiana). Na teoria da harmonia
na música popular, esses acordes são analisados
como substitutos da Dominante. Abaixo fazemos uma
discussão mais detalhada sobre essas configurações
no contexto da música popular, e seu potencial de
tratamento como Tonalidade Expandida.
O Acorde de Sexta Germânica e a Escala Octatônica:
É a primeira derivação do acorde de sexta aumentada
apresentada por Schoenberg em Harmonia, demonstrado
através da transformação do “acorde de quinta e
sexta sobre o II grau do modo maior, elevando-se
a terça e a fundamental, e rebaixando-se a quinta”
(SCHOENBERG,1999, p.352). Em outras palavras, o acorde
Dm7/F é transformado e assume a configuração de D7(b9,
b5)/F# com a fundamental Ré omitida. Essa configuração
enarmonizada corresponde ao Ab7/Gb. Numa primeira
56
X7 (b9, #9, #11, ou b5,13)
A Escala Octatônica é uma escala simétrica que promove
a correspondência de vários acordes em intervalos de
um tom e meio (terça menor ou segunda aumentada).
Na música erudita normalmente diz-se que há apenas
dois tipos de escala octatônica: Tipo A: que começa
com tom-semiton (Dó-Ré-Mib......) e Tipo B que começa
com semiton-tom (Dó- Réb – Mib.....) e suas diversas
transposições (12 + 12 = 24 sem contar os enarmônicos).
Essas escalas Tipo a e Tipo B poderiam têm equivalência
na música popular com as escalas dom-dim (dominantediminuta; cuja segunda nota é a nona maior [por exemplo
Ré se estivermos em Dó Maior]) e dim-dom (diminutadominante, cuja segunda nota é a nona menor [por
exemplo Ré b se estivermos em Dó Maior]). No entanto,
se levarmos em consideração correspondência entre os
acordes diminutos e os acordes dominantes demonstrada
mais acima, teremos três escalas (Ex.35) para cobrir
todas as possibilidades do cromático de 12 sons. O
Ex.36 mostra os Acordes Diminutos correspondentes aos
Acordes de Sétima da Dominante com a nona abaixada
e fundamental omitida.
Assim, o acorde vagante diminuto e o acorde de
Sexta Germânica são correspondentes se relacionados
à escala octatônica. Tomemos como exemplo um
acorde vagante cifrado como um Dº. Relacionando-o
à 3ª coleção octatônica, ele torna-se equivalente aos
acordes dominantes C#7, ou E7, ou qualquer outro
desta coleção, podendo assumir suas propriedades
funcionais. Além disso, com tal associação, o Dº passa
a ter como notas de tensão disponíveis, todas as notas
da gama, podendo ser utilizado como Dº 7M (9, 11, b13).
Da mesma forma, um acorde dominante associado a
esta coleção terá como configuração disponível, por
exemplo, E7 (b9, #9, #11, 13).
O Acorde de Sexta Francesa e Escala Tons Inteiros (ou
Escala Hexafônica):
O Acorde de Sexta Francesa pode ser demonstrado
através da transformação do acorde de terça e quarta
sobre o II grau do modo maior ou menor, elevando-se
a terça e rebaixando-se a quinta (SCHOENBERG, 1999,
p.365). Em Dó maior, o acorde Dm7/A é transformado e
assume a configuração de D7(b5)/Ab. Continuando com
a associação de escalas às configurações dos acordes de
Sexta Aumentada, notamos que, no caso do acorde de
Sexta Francesa, não existe uma determinação quanto à
nona. TINÉ (2002) sugere a associação desse acorde à
Escala Hexafônica, também conhecida como Escala de
Tons Inteiros. A escala simétrica Hexafônica é formada
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
por sucessão de intervalos de um tom, e por isso se reduz
a duas formas e suas transposições (Ex.37). A Escala
Hexafônica promove a seguinte gama de alterações a
um acorde vagante:
•
X7 (9,#11 ou b5, #5 ou b13)
O Acorde de Sexta Italiana, a Escala Lídia (b7) e a
Escala Alterada:
Exemplificado por Schoenberg através do II grau do modo
maior com a quinta abaixada e fundamental omitida.
Em outras palavras: Dm7/A transformado em D7(b5)/
Ab com a fundamental omitida. Essa configuração
confunde-se com Ab7 sem a quinta. Pelo fato de não
apresentar nenhuma exigência sobre a alteração da
nona e da quinta, ele permite ser associado a dois
modos da escala menor melódica: (1) aquele sobre o
IV grau, conhecido como modo Lídio b7, ou Mixolídio
#11; e (2) aquele sobre o VII grau, conhecido como modo
Superlócrio. No modo Lídio b7, ou Mixolídio #11 (Ex.38),
o Acorde Vagante pode assumir a seguinte gama de
alterações: X7 (9, #11, 13).
O modo sobre o VII grau da Escala Menor Melódica é
o modo Superlócrio e corresponde a um acorde meio
diminuto. Porém, na prática da música popular esse modo
é denominado Escala Alterada e é associado a um acorde
de Sétima Dominante conhecido na teoria da música
popular como Acorde Alterado. TINÉ (2002) explica que,
para a consideração dessa escala,:
(...) não se considera uma sobreposição de 3as, mas de 4as
(Sol#, Dó, Fá#, Si, Mi, Lá, Ré), gerando um acorde Dominante
(enarmonizando do em Si#) com 9a aumentada (enarmonizando
Si em Lá##), 13a menor, 9a menor e 11a aumentada, com função
de V (Dominante), não de Lá (neste exemplo), mas de Dó# (maior
ou menor) (TINÉ, 2002, p.5).
O Ex.39a mostra: (1) o modo Superlócrio e seu Acorde Meio
Diminuto correspondente dentro do sistema de referência
tercial; (2) a Escala Alterada e seu Acorde de Sétima da
Dominante Alterado, no sistema de referência quartal.
Ex.35 – Coleções Octatônicas e notas disponíveis em um acorde dominante C7.
Ex.36 – Acordes Diminutos correspondentes aos Acordes de Sétima da Dominante com a nona abaixada
e fundamental omitida.
57
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.37 – Acordes vagantes correspondentes, segundo as duas Coleções Hexafônicas (Tons inteiros).
Ex.38 – Modo Lídio b7 ou Mixolídio #11.
Com a inclusão do VII grau pelo sistema quartal, obtemos
uma correspondência importante para o acorde de Sexta
Italiana. O acorde de Sexta Italiana pode ser prolongado
com nona, décima primeira aumentada e décima terceira,
e assim assumir correspondência direta com um acorde
cuja fundamental esteja à distância de um trítono. Este
novo acorde pode ser prolongado com as notas da escala
alterada, isto é, a nona abaixada e aumentada, a décima
primeira aumentada e a décima terceira abaixada: (a) IV7
(9,#11,13) ou IV7 (9,b5,13); (b) VII7 (alt) ou VII7 (b9,#9,#11
ou b5, b13 ou #5). O Ex.40 ilustra a correspondência
entre o modo Lídio b7 e a Escala Alterada advindos de
uma mesma escala Menor Melódica.
O Ex.41 mostra as correspondências dos Acordes Dominantes
relacionados ao modo Lídio b7 e à Escala Alterada. Com
essas observações podemos propor que os Acordes Vagantes
possam ser regidos por um sistema de relações que atua
paralela e simultaneamente à tonalidade. Esse sistema, que
aqui chamamos de Sistema de Correspondências dos Acordes
Vagantes, faz com que os acordes de Sexta Aumentada
assumam determinados padrões de configuração (Gama
58
de Alterações) que serão automaticamente relacionadas à
coleção Octatônica; ou à coleção Hexafônica; ou aos modos
da Escala Menor Melódica.
4.3.1 – Procedimentos
Harmônica
de
Expansão
Dentre os Procedimentos de Expansão Harmônica mais
comuns estão a Imitação dos Modelos Cadenciais e a
Omissão do Caminho. A primeira possibilidade sugere
que qualquer um desses acordes possa ser precedido pelo
IIm7 ou IIø e (b)II7M dos seus correspondentes, segundo os
modelos cadenciais II – V.13
O Acorde de Sexta Germânica e as Coleções Octatônicas:
O Ex.42 mostra os acordes correspondentes de F7
na primeira coluna, e os respectivos segundos graus
cadenciais na segunda coluna.
No Ex.43 (a, b e c), mostramos como a progressão | F7 |
Bbm | pode sofrer duas Expansões Harmônicas: primeiro
para | Cm7 F7 | Bbm | e, depois, para | Cø F7 | Bbm |.
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.39 a e b – Modo Superlócrio e a Escala Alterada, com respectivos acordes Meio Diminuto G#m7(b5) e Sétima da
Dominante Alterado G#7(alt).
Ex.40 – Correspondência entre o modo Lídio b7 e Escala Alterada advindos de uma mesma
escala Menor Melódica, com respectivos Acorde Lídio b7 F7(9, #11, 13) e Acorde Alterado B7(alt).
Ex.41 – Acordes Vagantes correspondentes segundo os graus IV7 e ( )VII7 da escala Menor Melódica.
Ex.42 – Possibilidades de expansão de um Acorde Dominante de Sétima (F7)
relacionado à uma Coleção Octatônica.
59
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
O Ex.44 (a, b e c) mostra seis possibilidades de Expansão
Harmônica, nas quais o Acorde Vagante F7 com
configuração relacionada à Coleção Octatônica pode
ser precedido pelo II grau dos seus correspondentes.
Esta expansão caracteriza-se por acrescentar o passo
cadencial que representa a força da Subdominante.
Por isso, a relação (dentro da cadência) do acorde
expandido com o Dominante Vagante, pode ser bem
representada pelo colchete tracejado. O acorde pode
ser analisado como grau transformado com auxílio do
algarismo cortado (por exemplo: VIIm7) e da alteração
em parênteses, se for o caso (por exemplo: (#)VIø),
seguido pelo colchete tracejado. Observamos que o
colchete tracejado é utilizado na sinalização analítica
de CHEDIAK (1986, p.101), apenas para indicar II
cadencial do subV7. Observamos ainda que o acorde
vagante F7 assumiu diferentes “roupagens”, ou padrões
dentro das possibilidades oferecidas pela Coleção
Octatônica, que seriam as combinações das notas
nona abaixada, nona aumentada, décima primeira
aumentada ou quinta diminuta e décima terceira maior
(b9, #9, #11 ou b5, 13), além da fundamental, terça
maior e sétima menor (1,3,7). No Ex.44a, o padrão é
F7(b9,#11,13) e F7(#9,#11). Já no Ex.44b, o padrão é
F7(#9, #11) e F7(b9, 13)
O Acorde de Sexta Francesa e a Coleção Hexafônica (ou
Escala de Tons Inteiros):
Seguindo o mesmo procedimento, temos que todos os
acordes aumentados de Sexta Francesa relacionados
a uma coleção hexafônica podem ser precedidos
pelos segundos graus cadenciais m7 ou ø de seus
correspondentes. O Ex.45 mostra o acorde F7(#5) e seus
correspondentes associados à Coleção Hexafônica ( G7,
A7, B7, C#7 ou D#7).
O Acorde de Sexta Italiana e os Modos da Escala
Menor Melódica:
Existem duas possibilidades de expansão nesse caso.
Primeiro, o acorde pode ser precedido pelo seu II grau,
seguindo o modelo cadencial IIm7 -V7 ou IIø - V7. Como,
por exemplo | F7 | Bbm | com expansão para | Cm7 F7 |
Bbm | ou para | Cø F7 | Bbm | . Segundo, o acorde pode ser
precedido pelo II grau do seu correspondente (neste caso,
B7). Como, por exemplo, | F7 | Bbm | com expansão para
| F#m7 F7 | Bbm | ou para | F#ø F7 | Bbm | .
Diferente das escalas octatônica e hexafônica, que produzem
um mesmo tipo de acorde em seus graus, a escala menor
melódica produz diferentes tipos de acordes (Ver Ex.3b). Uma
expansão possível e mais radical é considerar todos esses
acordes como correspondentes para a expansão. LEVINE
(1989, p.73-75) explica que as notas da escala menor melódica
são intercambiáveis para todos os acordes de seu campo
harmônico por que ela não possui “notas evitadas”, como é
o caso da escala maior. Com isso, temos que os acordes da
menor mélodica, a saber: Xm7M; Xm7(b9); X7M(#5); X7(#11);
X7(b13); Xø(9); X7(alt); são correspondentes pois podem
ser associados a uma mesma escala menor melódica. Por
exemplo, Eb7M(#5) é bIII grau de Dó menor melódica, assim
com F7(#11) é o IV grau e B7(alt) é o VII grau. Estas relações
permitem a expansão do exemplo do parágrafo anterior,
| F7 | Bbm |, em: a) | Eb7M(#5) | Bbm |; b)| Cm7 Eb7M(#5)
| Bm |; c) |Cø Eb7M(#5)| Bbm |; d) | F#m7 Eb7M(#5) |
Bbm |; e) | F#ø Eb7M(#5) | Bbm |.
A Omissão do caminho
A Omissão do Caminho é um procedimento de expansão
que deriva do princípio da Abreviação dos Passos das
Fundamentais.14 Schoenberg apresenta essa concepção
Ex.43 (a, b e c) – Duas possibilidade de Expansão Harmônica por adição do II grau cadencial.
60
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.44 (a,b e c) – Seis possibilidades de Expansão Harmônica de F7 - Bbm por adição do II grau cadencial dos Acordes
Vagantes correspondentes.
Ex.45 – Possibilidades de expansão de um Acorde Dominante relacionado a uma Coleção Hexafônica.
Nota: Para todos os acordes acima valem suas enarmonias.
61
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
em Harmonia, no tópico “Abreviação de viragens através
da omissão do caminho” (SCHOENBERG, 1999, p.500).
Ao longo de seu raciocínio, Schoenberg conclui que,
dentro da cadência, o passo cadencial desempenhado
pela Dominante pode ser abreviado, ficando a intenção
cadencial subentendida apenas com o acorde com
tendência à função de Subdominante.
(..) é uma semelhante abreviação aquele tratamento da Sexta
Napolitana que traz diretamente o V grau. (..) As conclusões
plagais talvez sejam também algo semelhante. Talvez por isso
soem imperfeitas, porque alguma coisa foi eliminada. A saber:
em vez de IV-V-I ou II-V-I coloca-se IV-I e II-I. (...) No geral,
abreviações desse gênero somente podem ser efetuadas em
encadeamentos que possuam uma função determinada; logo,
sobretudo nas cadências (SCHOENBERG, 1999, p.500-501).
Usemos com exemplo, a progressão | F7 | Bbm |.
O acorde dominante F7, se associado à Coleção
Octatônica, terá como configuração possível F7(b9,
#9,#11,13) e como acordes correspondentes. (neste
caso: Ab7; B7; D7). Aplicando-se o procedimento de
Omissão do Caminho, a progressão pode ser expandida
com o II grau cadencial de B7: | F#m7 | Bbm | ou | F#ø
| Bbm | ; expandida com o II grau cadencial de Ab7: |
Ebm7 | Bbm | ou | Ebø l de B7: | Bbm | ; expandida
com o II grau cadencial de D7: | Am7 | Bbm | ou |
Aø | Bbm | . Os Acordes Meio Diminutos podem ser
mais apropriados para desempenhar essa função, se
associados ao modo Lócrio 9, isto é, ao VI grau da escala
menor melódica, com a configuração Xø(9,11,b13). Essa
expansão leva a uma relação bastante remota, pois faz
com que o Acorde Meio Diminuto seja considerado um
Acorde Vagante, organizado por uma coleção diferente
da Octatônica (no caso a menor melódica). Porém, sua
relação com os acordes dentro da cadência provém das
correspondências da Octatônica.
4.4 - Contexto de Tonalidade Flutuante
Segundo DUDEQUE (2005, p.124), a Tonalidade Flutuante
ocorre quando se considera a existência de duas tônicas
em um contexto tonal ambíguo. Assim, sua principal
característica seria a incerteza, ou seja, a existência
de trechos que podem ser analisados em duas Regiões.
Schoenberg demonstra o papel dos acordes vagantes
dentro da Tonalidade Flutuante:
Se a tonalidade deve flutuar, terá, em algum ponto, de estar
firme. Porém, não tão firme que não possa movimentar-se com
soltura. Para isso são adequadas duas tonalidades que possuam
alguns acordes em comum, por exemplo, a Sexta Napolitana ou o
aumentado de quinta e sexta (SCHOENBERG, 1999, p.528).
Em seguida, Schoenberg fornece dois exemplos de relações
entre Regiões que seriam adequadas para caracterizar a
Tonalidade Flutuante: (a) T (Dó maior) e Np (Réb maior); sm
(Lá menor) e DMb (Sib maior); (b) Deixando-se a T oscilar
contra a relativa sm, e consequentemente, a Np contra
sua relativa, o que gera novas relações: sm (Lá menor) e
Np (Réb maior); e T (Dó maior) e vmb (Sib menor). Nesta
última, o V7 da vmb – “F7” –, corresponde ao II7(b5) –
62
B7(b5) – , acorde de Sexta Italiana da Intermediária [sm].
Como comentado anteriormente, a Tonalidade Flutuante
seria um caso particular de Tonalidade Expandida. Esse
contexto pode fazer parte da estrutura da peça, ou ser
encontrado apenas em trechos da música.
4.5- Contexto de Tonalidade Suspensa
Em Harmonia (1999), Schoenberg destaca duas
características da Tonalidade Suspensa. Primeiro, seu
aspecto melódico:
Pelo que diz respeito à Tonalidade Suspensa, depende totalmente do
tema. Este deve, através de suas viragens, fornecer o motivo para
semelhante liberdade harmônica (SCHOENBERG, 1999, p.529).
Depois, a predominância de Acordes Vagantes:
Sob o aspecto harmônico tratar-se-á aqui, quase que de forma
exclusiva, de acordes nitidamente errantes. Qualquer tríade maior
ou menor poderia, ainda que de passagem, ser interpretadas, como
se fosse em si uma tonalidade (SCHOENBERG, 1999, p.529).
Portanto, suspender a sensação de centro tonal através
de Acordes Vagantes em relação ao aspecto melódico e
temático é um procedimento que coloca o centro tonal
dentro da possibilidade teórica das fundamentais omitidas.
Além disso, esta aparente suspensão seria suavizada, ou
unificada, com uma condução de vozes elaborada através
de Variação Progressiva (conceito que será abordado no
próximo artigo, às p.70-95 desse número de Per Musi).
Essas considerações apontam sempre no sentido de que
os conceitos harmônicos de Schoenberg permitiriam
extrapolar os efeitos clichês de re-harmonização.
As relações estabelecidas sempre apontam para um
centro que, com a engenhosidade das possibilidades de
Expansão e consequentemente, Flutuação e Suspensão,
permitem que a tônica não apareça na peça (!) e, ainda
assim, apresentar uma influência incontestável sobre
suas relações harmônicas.
A prática da improvisação na música popular poderia se
beneficiar da comparação que Schoenberg estabelece
entre a utilização da Tonalidade Suspensa e as
seções formais dos desenvolvimentos [Durchfuhrung]
clássicos:
Uma semelhança, não demasiado distante, já se tem nos
desenvolvimentos clássicos, onde por certo o momento isolado
exprime necessariamente uma tonalidade, mas tão desprendida que
pode perder-se a qualquer instante (SCHOENBERG, 1999, p.529).
Os conceitos de Tonalidade Suspensa e Tonalidade
Flutuante poderiam facilmente levar a generalizações ou
interpretações enganosas, como por exemplo, na análise
de uma peça que sugira modulações em sequência. Mas
devemos ter em mente que esses conceitos são casos
especiais de Tonalidade Expandida. Por outro lado, estes
conceitos poderiam desempenhar um papel importante
na elaboração de arranjos, como ferramentas práticas
para o desenvolvimento de variações do tema e estrutura
harmônica expostos nas lead sheets.
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
5 – Exemplos de articulação dos conceitos
em lead sheets.
Nos exemplos abaixo, ilustramos a articulação dos
conceitos revisados ao longo desse artigo a partir de
situações encontradas na lead sheet de 9 de Agosto de
1996 de Hermeto PASCOAL (2000a) e 14 de Novembro
de 1996 de Hermeto PASCOAL (2000b) para uma
possível realização dessas músicas. Uma das vantagens
desta abordagem é facilitar a criação de linhas
contrapontísticas na sua realização. Essas linhas dão
uma alternativa à realização tradicional estritamente
homofônica dos acordes, e mostram o direcionamento
do discurso musical e o trânsito entre as Regiões. Assim,
pode-se criar mais facilmente movimentos quasediatônicos ou cromáticos com vistas a uma realização
com função centrípeta ou centrífuga do trecho.
5.1 – Criação de linhas contrapontísticas
para a realização da música 9 de Agosto de
1996 de Hermeto Pascoal
Esta canção instrumental começa na t (Ré menor)
com um prolongamento e uma cadência deceptiva até
o c.7 (Ex.46). No c.9 o acorde cifrado como Bb458/
G5+7 (cifra especial de voicings criada por Hermeto) é
analisado como Eb(add2)/G, acorde de Sexta Napolitana
sobre o II grau (Ex.47). Desta forma, os c.7-9 parecem
caracterizar uma Sucessão gerada pelo prolongamento
do II grau da Região da t. Porém, embora todo esse
trecho possa ser analisado como prolongamento do
II grau através de transformações, a continuidade
do discurso nos mostra que, no lugar de um possível
prolongamento, pode estar ocorrendo, na verdade,
uma Progressão cujo destino parece ser a Região da
Np. O primeiro fator que sugere isso é a sequência
Bb7/Ab – Eb e C7/Bb – F/A nos c.8-10 (Ex.48). Este
trecho parece delinear duas Regiões Intermediárias
que se dirigem para a Região da Np, no c.12 (Ex.48).
Essas Regiões estão sempre representadas pelo seu
IV grau, e preparadas pelo I grau transformado com
quinta abaixada, com baixo na sétima [I7(b5)/7ª],
respectivamente, a SM (Sib maior) e a SubT (Dó
maior). Este acorde é utilizado como Acorde Vagante
para conectar as Regiões da Np e da sm. Nos c.15 e
16 (Ex.49), a Região D (Lá maior) antecede o retorno
da Região da t (Ré menor). No c.17, ocorre o acorde
de Sexta Napolitana sobre o II grau transformado. A
música se conclui sugerindo uma Região mais distante,
a da S/T (Mi maior), e este distanciamento continua
até a mS/T (Dó# menor).
Nos c.5-6 do Ex.46, ocorre a utilização do 6^ grau
elevado seguido pelo 6^ natural. Para Schoenberg, o
sexto grau elevado é utilizado para fins cadenciais.
Segundo o procedimento da Neutralização, o 6^ grau
elevado deve seguir ao sétimo grau elevado e este à
tônica. Isso pode ser aproveitado no c.5 para criar uma
linha contrapontística quase-diatônica (Qd) ascendente,
ligando a nota Lá à nota Ré. Enquanto isso, outra linha,
cromática (Cr) e descendente, é criada no baixo com as
notas fundamentais Si, Sib e Lá.
O Ex.47 mostra como aproveitar a concepção de
Transformação para obter direcionamentos das vozes
transformadas. O acorde do c.7 é interpretado como
sus (b9), o que permite sua leitura como IIø e V7. Com
isso, a nota do baixo Lá desce para Sol de modo a
configurar o acorde Eø/G. O acorde do c.8 foi analisado
como transformação do II grau anterior da t através da
elevação da terça Sol para Sol#, isto é um E7(b5). Uma
vez configurado como Acorde Vagante e que, com isso,
passa a ser utilizado como Bb7(#11). Assim, a nota Sol# é
enarmonizada como Láb e naturalmente segue sua nova
tendência de resolução descendente para o Sol.
Observar que o movimento dessa linha foi obtido apenas
com dados extraídos da análise. Assim, podemos tratar
a primeira sequência de notas Lá – Sol –Sol# como uma
resolução indireta. No c.9, o acorde foi analisado como
II grau transformado, por alteração da terça. Assim, a
nota Mib é transformada em Mi natural. Mais uma vez, a
configuração do acorde resultante é Vagante, que passa a
funcionar como Dominante secundário do IV grau da Região
subT, por transferência de função. Esse exemplo mostra
Ex.46 – criação de duas linhas contrapontísticas em 9 de Agosto de 1996 de Hermeto Pascoal.
63
ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
como os conceitos harmônicos schoenberguianos
podem esclarecer as direções inerentes ou implícitas em
determinadas vozes.
Para se obter um direcionamento da(s) voz(es)
transformada(s) por meio da própria cifra, observamos
dois passos. Primeiro, a direção ascendente ou
descendente é determinada pela transformação indicada
na cifra da Região de origem. Segundo, com base na
configuração resultante dessa transformação, devese identificar e verificar, através de sua continuação,
se houve transferência de função e assim identificar
as possíveis direções das vozes. Os Acordes Vagantes
costumam alterar o direcionamento da voz.
No Ex.48, o acorde G7/B é utilizado como Acorde Vagante
para conectar as Regiões da Np e sm como Db7(b5). A
nota Ré foi trocada de oitava e assume a posição do
baixo já transformada em Réb. Esse movimento, Ré –
Réb, suaviza a passagem entre essas Regiões remotas,
pois anuncia a Região da sm. No c.15, a Permutabilidade
Maior/Menor é aproveitada para desenhar uma linha
melódica em forma de resolução indireta ou cambiata.
O acorde Bm7 sofre transformação da quinta, mas
mantém sua fundamental baseada no II grau. Desta
forma é criada uma linha cromática descendente com
o Fá#, que é transformado em Fá natural e dirige-se
para a nota Mi, quinta do acorde A7M. A continuação
da linha é feita na direção contrária através da sensível
(Sol#) da região analisada D. A sensível conduz à sétima
maior do acorde Napolitano, seguida pelo Sib, terça
menor do acorde cifrado Gm7, que é analisado como
prolongamento do acorde Napolitano.
5.2 - Substituição cromática e quasediatônica em 14 de Novembro de 1996
No Ex.49, o acorde cifrado como B7(#9,b13) foi
analisado como acorde vagante e considerado como
Prolongamento do IV grau, correspondendo ao acorde
F7(9,#11,13). Porém, pelo fato de ele surgir com a
cifragem de seu correspondente B7, através do modelo
cadencial IIø – V7, isto sugere que a nota substituta Ré#
(terça maior de B7) tenha surgido quase-diatônicamente
(função centrífuga), produzindo a função específica de
sensível ascendente com potencial de resolução na nota
Mi. Com a caracterização do Acorde Vagante, a nota
Ré# é enarmonizada como Mib (sétima menor de F7),
sugerindo que a mesma tenha surgido como substituta
cromática (função centrípeta), com movimento em
direção à nota Ré do próximo acorde.
No Ex.50, os acordes de sétima da Dominante, na
sequência dos c. 5-6 podem ser realizados como
estruturas de acordes vagantes. Neste caso, procurouse criar duas linhas de contraponto à melodia de modo
que, no encontro dessas linhas fosse gerado uma
estrutura Vagante. Sobre os dois primeiros acordes, Dm7
e G7, interpretamos o G7 como uma estrutura Vagante
semelhante àquela do modo Lídio b7. Desta forma, a voz
melódica deveria delinear o modo Sol Lídio b7. Por outro
lado, esse mesmo modo é encontrado sobre o IV grau
de Ré menor melódica, e essa compreensão possibilita
utilizar o procedimento de Neutralização para promover
o surgimento da décima primeira aumentada (#11) no
acorde G7. Após essa nota ser introduzida de maneira
quase-diatônica, sua continuação para o próximo acorde
Cm7 se dá por via cromática, de modo que a nota Dó# ,
Ex.47 – Utilização dos direcionamentos das vozes transformadas em 9 de Agosto de 1996 de Hermeto Pascoal.
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
Ex.48 – Transformação preparando nova Região e Cromatismo gerado por Permutabilidade Maior/Menor em 9 de
Agosto de 1996 de Hermeto Pascoal.
Ex.49 – Substituição cromática e quase-diatônica em um excerto de 14 de Novembro de 1996 de Hermeto Pascoal.
Ex.50 – Acordes vagantes na sequência dos c. 5-6 em 14 de Novembro de 1996 de Hermeto Pascoal.
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
décima primeira aumentada, muda seu direcionamento,
movendo-se em direção a nota Dó. Esse motivo melódico
é utilizado em sequência sobre os próximos modelos IIV7. Entretanto, na terceira e quarta sequências, este é
executado pela terceira voz.
O Ex.51 ilustra um trecho da música que sofre uma
sequência de modulações muito breves, no espaço
de apenas um compasso, sempre realizadas por uma
cadência Napolitana (modelo bII7M – I). No c.8, o acorde
Fm7 funciona como Ab7M, dando início à sequência de
cadências Napolitanas. Assim, este acorde é analisado
como (b)II7M na Região da D (Sol maior). Logo depois da
cadência, o I grau da D (Sol maior), é reinterpretado como
IV da S/T (Ré maior). Essa Transferência de Função (ver
tópico 3 acima)de I para IV, logo depois que a cadência
Napolitana sofre repetições até o c.11, promove as
modulações para T (Dó maior) – D (Sol maior) – S/T (Ré
maior) – SM (Lá maior) – DM (Si maior).
No trecho compreendido nos c.8-11 foi analisado
como progredindo da T para SM, através das Regiões
Intermediárias [D], [S/T]. A Região da DM (Si maior)
determina o clímax desse percurso, como uma espécie
de movimento de bordadura, pois logo depois retorna
para a SM (Lá maior). A partir deste ponto, a Região
da SM (Lá maior) flutua para a M (Mi maior), e retorna
para a T (Dó maior), através da Np (Réb maior). Mais
uma vez, todas as modulações são feitas através da
cadência Napolitana (Ex.51 e 52).
6 - Considerações finais
Ao rever a literatura sobre o ensino da harmonia tonal na
música popular, observamos que, até a década de 1990,
quase não havia materiais didáticos no Brasil (CHEDIAK,
1986, FARIA, 1991), situação que começou a mudar
somente no século XXI com a publicação de trabalhos
mais bem fundamentados (TINÉ, 2002; ALMADA, 2006;
FREITAS, 2010). Da mesma forma, somente a partir da
década de 1990 é que os trabalhos teóricos de Arnold
SCHOENBERG (1993, 1999, 2001, 2004) ou sobre sua obra
didática (DUDEQUE, 1997, 2004a, 2004b, 2005) começam
a ser publicados no Brasil. Mas ainda são escassas
as iniciativas no ensino da harmonia tonal, com seus
procedimentos de afastamento da tonalidade em uma
linguagem que busque a integração entre as linguagens
das músicas popular e erudita. No presente artigo,
buscamos rever, adaptar, propor sua utilização e aplicar na
Ex.51 – Tonalidade Expandida com uso de cadências napolitanas nos c.8-11 em 14 de Novembro de 1996 de Hermeto Pascoal.
Ex.52 – Tonalidade Expandida com uso de cadência Napolitana nos c.12-17 em14 de Novembro de 1996 de Hermeto Pascoal.
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
música popular (aqui em duas canções instrumentais de
Hermeto Pascoal), os diversos Conceitos Tonais, Funções
Tonais e Contextos Tonais (e seus princípios) contidos no
pensamento harmônico tonal de Schoenberg.
Consideramos que as contradições extremas entre o
cromatismo e o diatonicismo expostas por Schoenberg,
que eventualmente levam a questões como a omissão
da tônica ou a existência de duas tônicas simultâneas,
representam um ponto fundamental de conexão com
a música popular. Trata-se de uma perspectiva que
nos permite compreender e facilitar procedimentos
de performance, composição e arranjo na música
popular - especialmente no seu aspectos instrumental
e improvisatório – que se consolidaram no meio não
letrado, mas sim a partir da experiência prática – não
teórica -, vivida nos palcos e construída com base na
tradição aural e oral. Como Schoenberg no seu conceito
de Monotonalidade, o músico popular consegue conviver
bem e explicar grandes divagações harmônicas sem
recorrer à modulação.
Finalmente, esperamos que o presente artigo (assim como
o seguinte, publicado às p.70-95 desse número de Per Musi)
possa contribuir para que os músicos – popular e erudito
- possam melhorar suas ferramentas para compreender,
arranjar, compor e improvisar musicalmente. Se o
músico erudito, recorrendo à visão schoenberguiana de
harmonia tonal, pode explicar melhor os trechos tonais
harmonicamente mais obnubilados e perceber estruturas
formais mais amplas sem recorrer à modulação, o músico
popular pode, por outro lado, ampliar seu vocabulário
de acordes e suas progressões e – o que ainda é raro
- incluir, com mais liberdade e consciência – tanto ao
nível da improvisação, do arranjo ou da composição – o
pensamento contrapontístico.
Referências:
ARAÚJO, Fabiano; BORÉM, Fausto. Variação Progressiva de Schoenberg em Hermeto Pascoal: análise e realização de duas
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Notas
1 A tradução deste conceito, do alemão para o português, feita por Marden Maluf para na edição brasileira de Harmonia, é Acorde Errante. Optamos
pela tradução de Eduardo Seincman, (do inglês para o português) de Funções Estruturais da Harmonia, Acordes Vagantes (em inglês Vagrant
Chords).
2 A respeito desta concepção de Condução de Vozes, FREITAS (1995, nota de rodapé, p.4) a define como: “O domínio da harmonia que trata das
técnicas de encadeamento dos acordes no que tange os movimentos melódicos (lineares) que as notas constitutivas desses acordes executam
quando se combinam”
3 De outra forma poderíamos entender o acorde F#º como o IV grau de Dó maior com a fundamental alterada, possibilidade que é rejeitada por
Schoenberg.
4 Derivação sugerida pelo teórico vienense Simon Sechter.
5 Essa conclusão de DUDEQUE (2005, p.112) corrobora a afirmação de SALZER (1982, p.26) sobre os movimentos estruturais. Progressões baseadas na
Progressão de Fundamentais I – V – I não são as únicas estruturas sobre as quais os movimentos encontram expressão. Isso se aplica especialmente
à música de hoje que tende a evitar a obviedade inerente à relação harmônica tônica – dominante.
6 Essa observação corrobora o pensamento schoenberguiano de que a Tônica está o tempo todo sobre a influência de seus satélites, a D e a SD. As
condições de equilíbrio tonal dependem da tensão entre essas duas forças sobre a Tônica. Com a interpretação de DUDEQUE (2005, p.102) sobre a
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ARAÚJO, F.; BORÉM, F. A teoria tonal de Schoenberg: uma proposta para a análise... Per Musi, Belo Horizonte, n.28, 2013, p.35-69.
disposição do Quadro de Regiões, onde afirma: “No lado direito estão as Regiões relacionadas e/ou derivadas da Região Subdominante, enquanto
no lado esquerdo, estão as Regiões derivadas da Região da Dominante”, podemos acrescentar que as condições de equilíbrio tonal dependem da
tensão entre as forças da SD – e suas Regiões derivadas ou relacionadas – e da D – e suas Regiões derivadas ou relacionadas – conforme disposição
do Quadro de Regiões.
7 Esse pensamento de prolongamento tonal surge da ideia de Sucessão e Progressão Harmônica. Apesar de ser obviamente schenkeriano, o conceito
de prolongamento em SALZER (1962), aproxima-se de algumas ideias de Schoenberg. Para SALZER (1982, p.16), o termo Prolongamento, pode ser
aplicado à expansão de uma Progressão de um acorde para outro, ou à expansão de um único acorde.
8 Nesse exemplo extraído de Funções Estruturais da Harmonia, SCHOENBERG (2004) não utiliza a alteração da fundamental em parênteses (b), ou
(#), conforme adotamos nesse trabalho.
9 DUDEQUE (2005, p.93, nota de rodapé) alerta que a compreensão do termo “prolongamento da fundamental” deve ser compreendido como “extensão
da função específica da fundamental de um acorde”, e que não deveria ser associado ao significado schenkeriano do termo “prolongamento”.
10 Escala de Acorde é a escala formada pelo conjunto das notas que caracterizam o acorde, chamadas Notas de Acorde, e as notas que o enriquecem,
chamadas Notas de Tensão.
11 CHEDIAK (1986, p.337), define Escala de Acorde como “o conjunto das notas disponíveis que uma cifra apresenta para formar harmonia ou linha
de improviso”.
12 Sons enarmônicos são sons iguais que recebem nomes diferentes.
13 A imitação do modelo cadencial IVm – V levaria à produção dos mesmos acordes, devido à característica simétrica dessas relações.
14 Os passos superfortes de 2ª ascendente e descendente são considerados abreviações de dois passos crescentes (SCHOENBERG, 1999, p.181-185).
Fabiano Araújo, pianista e compositor, desenvolve tese de doutorado sobre o jazz contemporâneo, desde 2012, na
Universidade Paris-Sorbonne (Paris-IV), com bolsa CAPES, junto ao grupo JCMP-OMF (Jazz, chanson et musiques populaires
– Observatoire Musical Français). É Mestre em Música pela Escola de Música da UFMG e Bacharel em Música Popular pelo
Centro de Artes da UNICAMP. É Professor Assistente do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
onde contribuiu para a criação o curso de Bacharelado em Música, habilitação em Composição com ênfase em Trilha
Musical. Possui 4 CD’s lançados: O Aleph (2007); Calendário do Som - 9 dias (2009) de Hermeto Pascoal, gravado e publicado
em Portugal, com a participação do contrabaixista norueguês Arild Andersen do baterista Alexandre Frazão (Brasil/Portugal)
e do saxofonista Guto Lucena (Brasil/Portugal); Rheomusi (2011) em trio com Arild Andersen e Naná Vasconcelos, e Baobab
trio (2012), com peças de Radamés Gnattali, Baden Powell além de música improvisada em trio.
Fausto Borém é Professor Titular da UFMG, onde criou o Mestrado e a Revista Per Musi. Pesquisador do CNPq desde 1994,
publicou dois livros, três capítulos de livro, dezenas de artigos sobre práticas de performance e suas interfaces (composição,
análise, musicologia, etnomusicologia da música popular e educação musical) em periódicos nacionais e internacionais,
dezenas de edições de partituras e recitais nos principais eventos nacionais e internacionais de contrabaixo. Recebeu
diversos prêmios no Brasil e no exterior como solista, teórico, compositor e professor. Acompanhou músicos eruditos
como Yo-Yo Ma, Midori, Menahen Pressler, Yoel Levi, Arnaldo Cohen, Luis Otávio Santos e músicos populares como
Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Henry Mancini, Bill Mays, Kristin Korb, Grupo UAKTI, Toninho Horta, Juarez Moreira,
Tavinho Moura, Roberto Corrêa e Túlio Mourão. Participou do CD e DVD O Aleph de Fabiano Araújo Costa.
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