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Base industrial de Defesa Indiana

2017, Revista da Escola de Guerra Naval

https://doi.org/10.22491/1809-3191.v23n1.p191-210

A Índia, país com características semelhantes a do Brasil e potência regional, desenvolveu uma ampla Base Industrial de Defesa (BID) a partir de sua independência. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é analisar a forma como se desenvolveu o processo do estabelecimento da infraestrutura indiana e os principais ensinamentos que podem advir dele. Esse artigo é um estudo qualitativo, assinala-se por ser uma pesquisa do tipo aplicada, composto por uma revisão de literatura com a finalidade de detectar conceitos-chaves e melhorar o entendimento dos dados. Além disso, verifica-se que quanto aos procedimentos técnicos foi empregada uma pesquisa bibliográfica, documental e de levantamento, com base na análise de sítios eletrônicos,de artigos,de dissertações, de relatórios e de livros que abordam o referido tema. Assim, este trabalho investiga a BID indiana, focando na origem e na sua evolução, na política de offset, na busca da autonomia tecnológica, nos problemas do setor e na atualidade. As considerações finais esboçarão conclusões a respeito da indústria de defesa indiana referentes aos principais ensinamentos verificados na sua evolução

DOI 10.22491/1809-3191.v23n1.p191-210 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA André Mendes Pereira de Paula¹ RESUMO A Índia, país com características semelhantes a do Brasil e potência regional, desenvolveu uma ampla Base Industrial de Defesa (BID) a partir de sua independência. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é analisar a forma como se desenvolveu o processo do estabelecimento da infraestrutura indiana e os principais ensinamentos que podem advir dele. Esse artigo é um estudo qualitativo, assinala-se por ser uma pesquisa do tipo aplicada, composto por uma revisão de literatura com a finalidade de detectar conceitos-chaves e melhorar o entendimento dos dados. Além disso, verifica-se que quanto aos procedimentos técnicos foi empregada uma pesquisa bibliográfica, documental e de levantamento, com base na análise de sítios eletrônicos,de artigos,de dissertações, de relatórios e de livros que abordam o referido tema. Assim, este trabalho investiga a BID indiana, focando na origem e na sua evolução, na política de offset, na busca da autonomia tecnológica, nos problemas do setor e na atualidade. As considerações finais esboçarão conclusões a respeito da indústria de defesa indiana referentes aos principais ensinamentos verificados na sua evolução. Palavras-Chave: Industrial de Defesa. Autossuficiência. Política de offset. Índia. ¹ Mestre em Ciência Militares pelo Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e EstadoMaior do Exército (ECEME).E-mail: [email protected] R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 192 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA INTRODUÇÃO A Índia se destaca por sua emergente economia e por ser, assim como o Brasil, uma nação com grande população multiétnica e multicultural, além de um vasto território a ser defendido. Dentro do contexto da nova ordem mundial, a Índia tem apresentado forte desenvolvimento industrial (com destaque para área da tecnologia da informação) e cada vez maior participação na geopolítica mundial, sendo uma potência nuclear com forte atuação junto à Organização das Nações Unidas (ONU), orientada por seu desejo de maior inserção no sistema internacional. Entre seus anseios junto à comunidade internacional, está o objetivo de possuir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (CSNU), que deve ser respaldados não somente no campo econômico, mas principalmente no componente militar, por intermédio de Forças Armadas profissionais e uma dissuasória indústria de defesa, cuja autossuficiência é sempre uma capacidade desejável. Frente a esse ambiente, a Índia busca manter dois tipos de “dissuasão”, a nuclear e a convencional. A primeira já foi alcançada há alguns anos e se centra no medo da destruição mútua assegurada, enquanto a segunda, baseada no convencimento por parte de um provável oponente da impossibilidade da vitória (na emergência de um conflito armado), deve ser constantemente buscada, uma vez que a constante evolução da tecnologia que essa dissuasão seja perdida rapidamente. Nesse sentido, o desenvolvimento de uma Base Industrial de Defesa (BID) é de vital importância para o poder militar de um país, principalmente num entorno estratégico tão complexo quanto o do Sul da Ásia, que possui duas potências nucleares antagonistas (Índia e Paquistão), além de países com presença de terroristas como o Afeganistão. Logicamente, o governo tem papel fundamental sobre a BID, a fim de possibilitar o completo desenvolvimento da infraestrutura de defesa nacional e, consequentemente, gerando reflexos positivos na própria economia por meio das exportações. Nesse cenário, o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) descreve que, de 2010 até 2015, a Índia concluiu a exportação, entre outros produtos de defesa, de 24 (vinte e quatro) viaturas Mine Protective R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 193 Vehicle (MPV) para o Nepal, 3 (três) helicópteros leves SA-315B Lama para o Afeganistão, 3 (três) sonares HMS-X para Myanmar e 3 (três) helicópteros leves SA-316B Alouette-3 para o Suriname, proporcionando incremento na balança comercial indiana (SIPRI, 2016). Em contrapartida, o referido país tem tido alguns óbices para consolidar seus esforços em desenvolver uma indústria de defesa nos moldes dos países desenvolvidos. Enquanto parte da Índia parece estar alinhada com a globalização presente no século XXI, alimentada por uma economia dinâmica orientada para o mercado aberto, a indústria de defesa apresenta menor dinamismo devido à existência de empresas pouco competitivas e com baixa inovação (BITZINGER, 2014, p. 1). Nessa seara, o presente artigo pretende discutir a BID indiana, buscando verificar as peculiaridades e os ensinamentos da indústria de defesa desse importante ator mundial e parceiro do Brasil e justifica-se pela importância do tema (Base Industrial de Defesa), trazendo um estudo de caso com um país similar ao nosso e com crescente projeção internacional. Esse trabalho é um estudo qualitativo, assinala-se por ser uma pesquisa do tipo aplicada (geradora de conhecimento para aplicação prática), composto por uma revisão de literatura com a finalidade de detectar conceitos-chaves e melhorar o entendimento dos dados. Além disso, verifica-se que, quanto aos procedimentos técnicos, foi empregada uma pesquisa bibliográfica, documental e de levantamento, com base na análise de sítios eletrônicos, artigos, dissertações, relatórios e livros que abordam o referido tema. Desse modo, o artigo foi dividido da seguinte forma: primeiramente analisam-se os conceitos e as definições sobre o tema; em seguida discorre-se sobre o caso indiano, sua origem e evolução, sobre a autonomia tecnológica, sua base industrial de defesa, a política de offset, os problemas do setor e sua atualidade, finalizando com breves considerações finais. CONCEITOS E DEFINIÇÕES Inicialmente, é necessário estabelecer alguns conceitos relevantes para a completa compreensão sobre o tema, além de extrair o pensamento de pesquisadores ligados às ideias-chave presentes nesse artigo. Assim, cabe apresentar a BID como sendo o conjunto de empresas dependentes, em diferentes níveis, do orçamento de defesa, e cujo Estado é tributário do intento de obter os equipamentos que lhe são necessários R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 194 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA para atender sua função constitucional de Defesa Nacional (DUNNE, 1995, p. 402). Dunne (1995) também relata que a BID não envolve somente as indústrias que produzem equipamento para o Ministério da Defesa incluindo armamento leve e armas não letais - mas também as empresas envolvidas na produção de ração e uniformes. Nesse ponto, a P&D possibilita à BID uma melhora qualitativa, ao invés do simples aumento quantitativo (DUNNE; BRADDON, 2008). Cunha e Amarante (2011, p. 15–16) aproveitam a figura da “pirâmide de defesa” para facilitar o entendimento das instituições ligadas ao setor. O 1º nível da pirâmide (mais alto) compreende a consciência sobre a necessidade de defesa, ou seja, pelas instituições responsáveis pela doutrina (o que e como fazer), “onde são abrigados os estudos sobre as aspirações, as potencialidades e as vulnerabilidades do País e avaliadas as probabilidades de surgimento de ameaças, crises e guerras”. O 2º nível é composto pelas Forças Armadas, o poder militar, sendo que a “política e estratégia militares, as hipóteses de emprego e o trato dos assuntos relacionados às operações e à logística das operações militares estão aqui representados [ou seja, saímos do nível político e estratégico e chegamos ao nível operacional]” (CUNHA; AMARANTE, 2011, p. 15–16). Já o 3º nível “apresenta a ‘base científica, tecnológica, industrial e logística, nacional, de defesa (BID)’, suporte das forças combatentes em termos de conhecimentos, sistemas, equipamentos, materiais, serviços e tecnologia”. Por último, o 4º nível é ocupado pela “base nacional”, sustento industrial, tecnológico e de recursos humanos para todo o setor de defesa (CUNHA; AMARANTE, 2011, p. 15–16). A ligação entre o 3º e o 4º nível com as Forças Armadas (2º nível) é obtido por meio da logística operacional (KRESS, 2002, p. 39). Figura 1 – Pirâmide de defesa Fonte: CUNHA; AMARANTE, 2011, p. 16 R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 195 Destarte, verifica-se que a defesa possui ligação direta com suas Forças Armadas, o braço forte do Estado, e com a BID, setor responsável por fornecer os meios necessários para o emprego constitucional da violência e da dissuasão. CASO INDIANO: ORIGEM E EVOLUÇÃO Historicamente, o início do desenvolvimento da infraestrutura de defesa na Índia é ligado ao período colonial. Durante a dominação britânica, há cerca de 200 anos, iniciou-se a fabricação de armamentos e munições no país, embora a área científica e de engenharia fosse desencorajada pelos ingleses (NAYAN, 2012, p. 68). Em 1947, num discurso pouco depois da independência Nehru indicou que os interesses do país orientariam a política externa, ou seja, aplicando uma agenda pragmática, adotando a política do não alinhamento e coligado a um pensamento realista (KISSINGER, 2015). Já em 1958, o Ministério da Defesa da Índia constituiu a Organização de Desenvolvimento e Pesquisa de Defesa, Defence Research and Development Organisation (DRDO), uma empresa indiana com o “objetivo de fornecer soluções de tecnologia de defesa para as Forças Armadas Indianas” (INDIA, 2013, p. 82, tradução nossa). Esta era, uma instituição pública voltada tão somente para a pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produtos de defesa. Cabe ressaltar que o Primeiro-Ministro Nehru “percebia a necessidade do estabelecimento de uma forte BID”, possibilitando autonomia no setor por meio da “primeira política industrial do país e gerando parâmetros para o desenvolvimento de uma indústria de defesa”. Como a Índia era um país pouco desenvolvido, ocorreram diversos óbices para o estabelecimento de uma BID autóctone, sendo que a DRDO atuou no sentido de ajudar essas indústrias de defesa a superar tais problemas (NAYAN, 2012, p. 68, tradução nossa). Em 1962, foi criado o Departamento de Produção de Defesa, Departament of Defence Production (DDP) “com o objetivo de desenvolver infraestrutura voltada para a produção de armas, sistemas, plataformas e equipamentos de defesa”. O DDP desenvolve seus equipamentos de defesa por intermédio das Fábricas de Material Bélico, Ordnance Factories (OF) e as Empresas Públicas do Setor de Defesa, Defence Public Sector Undertakings (DPSUs)” (INDIA, 2013, p. 82, tradução nossa, grifo nosso). R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 196 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA No presente, a BID indiana possui OF distribuídas “em 24 locais diferentes, oito DPSUs e um crescente aumento de micro, pequenas, médias e grandes empresas do setor privado” (NAYAN, 2012, p. 68, tradução nossa). Behera (2013, p. 9–10, tradução nossa) aponta que a organização das OF tomou grande impulso no período posterior a guerra indochinesa “associado ao desejo de autossuficiência, que proporcionou a criação de 16 novas OFs, diferentemente das cinco OFs emergidas entre 1949 e 1962. Essas OFs são divididas em cinco divisões operacionais: a. Munições e explosivos – composta por 10 fábricas; b. Armas, veículos e equipamentos – composta por 10 fábricas; c. Materiais e componentes – composta por nove fábricas; d. Veículos blindados – composta por cinco fábricas; e e. Grupo de fábricas de equipamento bélico – composta por cinco fábricas. Com isso, infere-se parcialmente que a participação do estado indiano para a criação, o desenvolvimento e a manutenção da indústria de defesa foi positiva, contribuindo para o estabelecimento de base inicial no setor bélico do país. AUTONOMIA TECNOLÓGICA A autonomia na produção de armamentos autóctones tem sido objetivo fundamental na Índia, conforme Ajay Singh: “Depois da independência e da adoção da política do não alinhamento, isto é...óbvio que a política externa necessitaria ser reforçada pela política de autonomia da defesa... O primeiro- ministro Jawaharlal Nehru acreditou que nenhum país será verdadeiramente independente ao menos que seja independente em termos de armamento” (SINGH apud BITZINGER, 2014, p. 2, tradução nossa). Importante entender a definição de Singh no sentido de que autossuficiência requer que todos os estágios na produção de defesa (incluindo o projeto e a matéria-prima) devem ser realizados nacionalmente e sem a participação estrangeira, enquanto que a autonomia permite a importação de projetos, tecnologias, sistemas e Know How de outros países R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 197 (BITZINGER apud SINGH, 2014, p. 2). Essas definições se aproximam do pensamento de Subrahmanyam que também identifica três fases no processo de industrialização de defesa indiano: primeiro, no pós-independência, quando a autossuficiência era um princípio econômico norteador da logística estratégica indiana; segundo, da década de 1960 até meados de 1980, quando o termo “autonomia” substituiu “autossuficiência” na produção de defesa e, terceiro, do final da década de 1980 até os dias atuais, quando foi enfatizada a autossuficiência por meio da coprodução, sendo conferida a partir dos anos 2000, mais ênfase à iniciativa privada (BEHERA, 2013, p. 34). Nessa seara, o governo indiano admitiu a necessidade de importação de tecnologia militar estrangeira, principalmente da Rússia, França e Reino Unido, possibilitando a fabricação em solo indiano de sistemas como o caça MIG-21 e o carro de combate T-55 e T-72 (BARKARQAN apud BITZINGER, 2014, p. 2). A partir da década de 1980, iniciou-se o desenvolvimento e a produção de armamentos realmente nativos, como o ambicioso projeto da aeronave leve de combate (rebatizada de Teja em 2005) e, principalmente, o programa de desenvolvimento de mísseis guiados. Esses projetos buscavam reduzir ao máximo o conteúdo tecnológico não nacional, a fim de alcançar a “verdadeira autossuficiência”, “reduzindo a dependência tecnológica ao longo da cadeia produtiva” (BITZINGER apud BITZINGER, 2014, p. 2). Essa intenção ganhou destaque em 1995, quando o governo anunciou a intenção de aumentar o percentual de 30 para 70 por cento o índice de “conteúdo local” nos sistemas de armas das Forças Armadas (SINGH apud BITZINGER, 2014, p. 2). Nesse diapasão, Kaur (2013) destaca que, para se aumentar o status de poder de uma nação, a autossuficiência em defesa seria um ponto nevrálgico para tal, citando os Estados Unidos da América (EUA), a França e o Reino Unido como exemplos de sucesso. Porém, embora o Comitê Kelkar tenha verificado a necessidade do desenvolvimento de uma BID nativa autossuficiente, a consecução de tal tarefa não tem sido fácil de atingir no grau desejável. BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: SETOR ESTATAL A Índia não possui livro branco de defesa ou estratégia de segurança nacional no nível político, diferentemente da China, EUA e diversos outros R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 198 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA países (ATARODI et al, 2010, p. 24). Portanto, o desenvolvimento da BID é direcionada pelas políticas públicas do governo, que são constantemente analisadas por instituições de pesquisas, tais como o Institute for Defence Studies and Analyses (IDSA). De maneira geral, a indústria de defesa indiana tem participação preponderantemente estatal. Atualmente, as instituições públicas que compõem a BID da Índia carregam a massa do setor de defesa indiano, monopolizando o fornecimento dos produtos correlatos (BITZINGER, 2014, p. 3). Antônio Henrique Lucena Silva, mestre em ciência política pelo PPGCP da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que após anos de conflitos internacionais e intervenções, a Índia modificou sua postura em relação à segurança, focando no desenvolvimento de um complexo industrial militar, com o objetivo de mitigar sua dependência externa e possuir uma indústria de defesa confiável (SILVA, 2012, p. 58, 59). Nesse sentido, o investimento em defesa em relação ao PIB indiano permaneceu nas últimas duas décadas acima da média global – entre 2,4 e 3 % do Produto Interno Bruto (PIB) - como pode ser verificado no gráfico 1. Gráfico 1 - Orçamento de defesa indiano em relação ao PIB Fonte: THE WORLD BANK, 2015. No viés dos gastos militares, “embora possua modesta dotação orçamentária para a pesquisa e desenvolvimento (ver gráfico 2), a DRDO tem sido relativamente bem-sucedida no desenvolvimento de uma gama de tecnologias e produtos (...)”. A produção da DRDO girava uma receita em torno de Rs 1,40,000 crores, em março de 2012, (aproximadamente 20 R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 199 bilhões de dólares) (BEHERA, 2013, p. 29, tradução nossa). Gráfico 2 – Divisão orçamentária de defesa Fonte: INDIA, 2013, p. 17 O Annual Report 2011-2012 descreve que a Índia reserva um montante de 5,50% do seu orçamento para P&D e de 0,35% para produção (INDIA, 2011, p. 16), conforme demonstra o gráfico 3. Mesmo sendo considerados modestos por analistas indianos, comparativamente, a proporção orçamentária direcionadas a esses segmentos é bem superior em relação a países da América do Sul, incluindo o Brasil. Enquanto a China investiu em 2011 cerca de 6 bilhões de dólares em P&D, a Índia tinha investido somente 1 bilhão de dólares (3% dos gastos totais) (BITZINGER, 2014, p. 5). Cabe destacar, conforme abordado anteriormente, que esse passado estatizante de Nehru impediu por muito tempo o estabelecimento de um setor de defesa dinâmico e orientado para o livre-mercado. Essa R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 200 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA situação fez que o Complexo Industrial produzisse equipamentos militares de tecnologia de médio ou baixo valor agregado associado a custos elevados. Nesse ponto, a falta de inovação seria um óbice, que fica restrita, dentre outros problemas, devido a burocracia, a corrupção e ao nepotismo (BITZINGER, 2014, p. 1). Gráfico 3 – Porcentagem de alocação de verba da Defesa Indiana Fonte: INDIA, 2011, p. 16 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: SETOR PRIVADO A iniciativa privada já foi objeto de estudos nos EUA em 1996, evidenciando as vantagens da privatização e da adoção de práticas comerciais em entidades governamentais, que geram maior competitividade e baixa dos custos de produção (CARDINALI apud SILVA, MUSETTI, 2003, p. 348). De maneira distinta, a entrada da iniciativa privada no segmento bélico é recente na Índia. Somente em 2001, o governo autorizou a abertura de sua indústria de defesa estatal e monopolista (ATARODI et al, 2010, p. 1). Nessa circunstância, o crescimento da participação do setor privado na produção de defesa tornou-se objetivo da Política de Defesa Indiana. Pranab Mukherjee, como Ministro da Defesa, passou a incentivar a presença da iniciativa privada nesse setor, “permitindo 100% de participação da mesma e 26% de investimento direto estrangeiro”. Em R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 201 meados da metade do ano de 2012, mais de 180 licenças industriais haviam sido dadas para iniciativa privada (NAYAN, 2012, p. 69, tradução nossa). No que tange o perfil das empresas, “a característica essencial da BID indiana privada reside no fato de que seus atores principais são grupos com múltiplas atividades cuja inserção no mercado de defesa ocorreu recentemente” (MEMHELD, 2015, tradução nossa). Este é o caso do “Grupo Tata, que está ativo no setor da defesa desde a independência da Índia, sendo especialista na fabricação de veículos [...] e mais recentemente tem investido em eletrônica de defesa com a Honeywell e em aviação militar com a Airbus”, ou seja, os grupos privados ligados à defesa têm somente parte de sua produção investida nesse setor (MEMHELD, 2015, tradução nossa). Outro fato que acelerou a participação privada foi a abertura do mercado indiano para as Joint Ventures entre empresas indianas e estrangeiras, podendo ter as empresas não nacionais até 49% da estrutura comum (MEMHELD, 2015). Além dos grandes grupos empresariais que procuram ter ampliada sua fatia no mercado de defesa, existem muitas pequenas e médias empresas especializadas que conseguem contratos de terceirização, ofertando essa capacidade produtiva para indústrias estrangeiras (MEMHELD, 2015). Essa prática contribui para ampliação do Know-how de empresas privadas indianas em produtos específicos de defesa. Com isso, o incentivo governamental para inserção de empresas privadas na defesa tem possibilitado ampliar a velocidade de obtenção de tecnologias e, por conseguinte, de sistemas de armas com maior conteúdo tecnológico. P OL ÍT IC A DE O F F S E T S A Portaria nº 764/MD, de 27 de dezembro de 2002, estabelece a definição de Offset: “É toda e qualquer prática compensatória acordada entre as partes, como condição para a importação de bens, serviços e tecnologia, com a intenção de gerar benefícios de natureza industrial, tecnológica e comercial. Esses benefícios poderão ser concretizados na forma de: a. co-produção; b. produção sob licença; c. produção subcontratada; d. investimento financeiro em capacitação industrial e tecnológica; R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 202 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA e. transferência de tecnologia; f. obtenção de materiais e meios auxiliares de instrução; g. treinamento de recursos humanos; e h. contrapartida comercial.” (BRASIL, 2002). Essa prática possibilita a realização de saltos geracionais tecnológicos, que se fosse realizado em condições normais seriam muito mais custosos e demorados. Segundo Behera (2015, p. 9) os contratos offsets podem ser diretos ou indiretos. Enquanto os diretos estão relacionados com a coprodução, subcontratação ou produção licenciada, o offset indireto não é relacionado especificamente aos itens importados, mas ao seu processo de produção, como a transferência de tecnologia. O desafio para indústria de defesa indiana com o uso de offsets é atingir a capacidade de fabricar peças nacionalmente, bem como seus sistemas. Portanto, não se resume a transferir tecnologia e know-how, mas também maximizar a exportação, a criação de empregos e melhorar a qualificação do trabalhador. Exemplo desse fato é o setor aeronáutico, que precisará de um milhão de trabalhadores nos próximos 10 anos (MEMHELD, 2015). Por outro lado, a Índia assinou 25 contratos de offsets avaliados em 4,8 bilhões de dólares até o ano de 2014, o que não gerou benefícios concretos para a indústria nacional. Segundo a Auditoria Geral da Índia, Auditor General of India (CAG), ocorreram diversas deficiências nos contratos como a adição nula de transferência de equipamentos, a fraca monitoração de contratos e a seleção equivocada de parceiros de offsets, que possuíam restrições de exportações ou necessidade de honrar direito de propriedade intelectual, obstando a obtenção de conhecimentos de tecnologias essenciais (BEHERA, 2015, p. 47; 63). Cabe ressaltar que, em 2015, a Índia previa um gasto de U$ 80 bilhões associado ao encorajamento das exportações e ao uso de tecnologia spin-off por meio de offsets, com o objetivo de impulsionar a BID, não excluindo o financiamento estatal nas DPSU e OF (NAYAN, 2012, p. 69). PROBLEMAS DO SETOR DE DEFESA Em 1995, o governo indiano já pretendia aumentar o índice de “conteúdo local” de 30% para 70%, porém ainda em 2010 permanecia com os mesmos 70% (BITZINGER, 2014, p. 5). Assim, percebe-se que a Indústria de Defesa Indiana possui problemas estruturais, financeiros e, acima de tudo, de cunho cultural. O R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 203 processo de produção de armas tem sido dominado por empresas estatais, as DPSU e as OF, que acabam monopolizando o mercado e possuindo uma capacidade produtiva ociosa. Além disso, o orçamento de defesa apresenta valores insuficientes para a modernização e para a manutenção de uma produção de armas no “estado de arte” (BITZINGER, 2014, p. 5). O general Nirbhay Sharm, um dos mais condecorados comandantes do Exército Indiano, aponta que o monopólio estatal gerou “vícios comuns a outras atividades econômicas, tais como ineficiência, falta de responsabilidade corporativa, baixa inovação, emprego de tecnologias de baixo conteúdo tecnológico e alto custo” (SHARMA, 2013, p. 7, tradução nossa). Além disso, o setor de defesa tem tido outros problemas como a incapacidade de formar suficientemente técnicos, engenheiros e cientistas para as necessidades da indústria (mesmo com um relativo desempenho constante na tabela 2), dificuldade em coordenar o setor de projetos com as Forças Armadas, além do baixo incentivo para a restruturação e a reforma do referido setor (BITZINGER, 2014, p. 1). Em relação ao desenvolvimento de tecnologias de ponta, conforme demonstra a tabela 1, ocorreram atrasos em muitos projetos emblemáticos, que são explicados pela complexidade em desenvolver tecnologias do “estado da arte”, tendo em vista a indisponibilidade de componentes críticos, a negação de tecnologia de ponta, o aumento dos custos e outros (BEHERA, 2013, p. 29). Tabela 1 – Tempo e custo de projetos do Cabinet Commitee on Secutity PROJETOS Provável data e conclusão Custos (Valores em Crore) Original Revisado Original Revisado Light Combate Aircraft (LCA) Dez/08 Dez/12 3301,75 5777,53 Naval Light Combat Aircraft (LCA, Navy) Mar/10 Dez/14 948,90 1714,98 Aero-engine Kaveri Dez/96 Dez/09 383,81 2839,00 Airbone Early Warning & Control (AEW&C) System Out/11 Mar/14 1800,00 2157,00 R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 204 Long Range Surface-to-Air Missile (LRSAM) BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA Maio/11 Dez/15 2606,02 Não revisionado Fonte: BEHERA, 2013, p. 30 Finalmente, esse Complexo Industrial Militar, sob o pretexto da autonomia tecnológica, tem apresentado incapacidade de atingir a qualidade e a eficácia operacional no setor, fazendo que com 50 anos de esforço a história da Indústria de Defesa da Índia esteja repleta de equívocos (BITZINGER, 2014, p. 6). Nesse caso, a DRDO é uma das prováveis culpadas, tendo em vista a execução de um “fraco planejamento, os prazos excessivos e a falta de coordenação” (COHEN, DASGUPTA, 2010 apud BITZINGER, 2014, p. 6, tradução nossa). ATUALIDADE Em 2010, o Primeiro-Ministro indiano AK Antony colocou sua visão sobre a BID indiana, objetivando o aumento de conteúdo nacional: Our aim is to have a strong defence industrial base in India, because a country like India cannot indefinitely depend on foreign suppliers for majority of our equipments. At the moment 65-70 percent of equipment is imported; we have to reverse this trend (ALISSON, 2012, p. 1) Portanto, outro objetivo do governo indiano é reduzir de forma crescente a importação de equipamentos, bem como a busca pela inserção no mercado mundial de defesa baseado nas suas expertises tecnológicas, como as ligadas à tecnologia da informação. Além disso, no início desta década, a Política de Produção de Defesa, Defence Production Policy (DPrP) deu novo fôlego para o setor bélico. Dessa forma, a indústria de defesa ganhou forte incentivo, por meio de um documento político, de 2012, que abarcava a inclusão de grande autonomia em projetos, no desenvolvimento e na produção de equipamentos para defesa no curto prazo, na criação de condições favoráveis para iniciativa privada, bem como no aumento da participação de pequenas e médias empresas na “nacionalização” (BEHERA, 2013, p. 100; 101). R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 205 No que se refere à inovação (tabela 2), verifica-se que a Índia está num nível intermediário sendo o 61º colocado no número de patentes, o que demonstra uma necessidade de melhoria, principalmente na qualidade das instituições de pesquisa, tendo em vista que já está em boa monta os gastos das empresas em P&D e a quantidade de cientistas no país. Tabela 2 – Ranking da Inovação Inovação Valor Posição no Mundo Capacidade de Inovação 4.0 48 Qualidade das instituições de pesquisa 4.0 52 Gastos das empresas em P&D 3.8 30 Colaboração das UniversidadesIndústrias em P&D 3.9 50 Aquisição de produtos tecnológicos pelo governo 3.5 61 Disponibilidade de cientistas e engenheiros 4.4 45 Patentes 1.5 61 Fonte: SCHWAB, 2013, p. 213. Cabe analisar que, mesmo com esses índices baixos de inovação (causados pelo monopólio estatal), atualmente a BID indiana possui três empresas entre as 100 maiores do mundo (com receitas maiores que 4 bilhões de dólares), focando na produção de aeronaves, helicópteros, eletrônicos, dentre outros, conforme verificado na tabela 3. Tabela 3 – Venda de produtos bélicos Ranking Empresa Vendas (milhões dólares) 42 Hindustan Aeronautics 2390 54 Indian Ordnance Factories 1210 82 Bharat Electronics 900 Fonte: SIPRI Arms Industry Database apud PERLO-FREEMAN; FLEAURANT, 2014. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos formar três conclusões: A primeira diz respeito a política de estado do governo indiano no sentido de priorizar a autossuficiência ou a autonomia em tecnologia na área de defesa desde sua independência, R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 206 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA INDIANA caracterizando uma política industrial proativa, com visão holística e preocupada com a independência tecnológica e econômica do país. A segunda ideia se refere à importância da inserção da iniciativa privada no desenvolvimento de tecnologia. Embora as empresas estatais sejam importantes para criar um surto industrial inicial e estarem sustentando uma boa participação indiana entre as 100 maiores indústrias de defesa do mundo, em algum momento a inovação se torna estagnada ou passa a evoluir de forma lenta. Dessa maneira, as empresas privadas são importantes vetores para evolução tecnológica, uma vez que as mesmas necessitam permanecer competitivas numa economia de mercado. Por último, o correto direcionamento do offset associado à escolha assertiva dos parceiros nos contratos pode auxiliar de forma eficiente na obtenção de conteúdo tecnológico que a priori levaria anos para ser alcançado de forma convencional. Do exposto, conclui-se que a Índia tem traçado a própria história no desenvolvimento de sua base industrial de defesa, sendo um exemplo de estudo de caso a ser analisado. Sugere-se também que, para estudos futuros, seja comparada e verificada as possibilidades de ensinamentos da BID indiana com a brasileira, a fim de maximizar a BID nacional. R. Esc. Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.23 n.1, p. 191 - 210. jan./abr. 2017 André Mendes Pereira de Paula 207 INDIA’S DEFENSE INDUSTRIAL BASE ABSTRACT India, a country with characteristics similar to Brazil and regional power, has developed an extensive Defense Industrial Base (DIB) from its independence. Thus, the aim of this study is to analyze how developed the process of establishing the Indian infrastructure and the main lessons that can come of it. This article is a qualitative study, characterized as one kind of applied research, consists of a literature review in order to detect key concepts and improve understanding of the data. Moreover, was used a bibliographical, documentary and survey research, based on the analysis of electronic sites, articles, dissertations, reports and books. This paper investigates the Indian’s DIB, focusing on the origin and evolution of the same, the offset policy, in the search for technological autonomy, the industry’s problems and nowadays. The final consideration presents the findings on the Indian defense industry related to the main teachings checked in its evolution. Keywords: Defense Industrial Base. Self-sufficiency; Offset policy. India. REFERÊNCIAS .ALISSON, Rodnie. Indian Aerospace: poised for takeoff?. 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