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Colonialidade e Geopoliětica do conhecimento

2019, COLONIALIDADE E GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO: O PODER, O SER E SEU SABER

O objetivo desse texto é abordar o processo de colonialidade como uma dominação epistêmica dos colonizadores sobre os povos originários da América Latina, assim como discutir seus contrapontos e implicações na hegemonia contemporânea. Para tanto, pretende-se adentrar no conceito da colonialidade do poder, do ser e do saber desenvolvido por autores como Aníbal Quijano, e também no debate da geopolítica do conhecimento presente na obra de Enrique Dussel.

COLONIALIDADE E GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO: O PODER, O SER E SEU SABER OLAYA, Christian Mauricio Pinilla Estudante do Curso de Letras – Artes e Mediação cultural, - ILAACH – UNILA. E-mail: [email protected]; CHAER, Guilherme Vieira Estudante do Curso de Ciência política e sociologia – Sociedade, Estado e Política na América Latina / ILAESP - UNILA. E-mail: [email protected] DA COSTA, Gabriel Moreira Estudante do Curso de Letras – Artes e Mediação cultural, - ILAACH – UNILA. E-mail: [email protected] RESUMO O objetivo desse texto é abordar o processo de colonialidade como uma dominação epistêmica dos colonizadores sobre os povos originários da América Latina, assim como discutir seus contrapontos e implicações na hegemonia contemporânea. Para tanto, pretende-se adentrar no conceito da colonialidade do poder, do ser e do saber desenvolvido por autores como Aníbal Quijano, e também no debate da geopolítica do conhecimento presente na obra de Enrique Dussel. Palavras-chave: Colonialidade do poder, Colonialidade do ser e saber, Geopolítica do conhecimento, Decolonialidade. RESUMEN El objetivo de este texto es abordar el proceso de colonialidad como una dominación epistémica de los colonizadores sobre los pueblos originarios de América Latina, así como discutir sus contrapuntos e implicaciones en la hegemonía contemporánea. Para ello, se pretende adentrarse en el concepto de la colonialidad del ser y del saber desarrollado por autores como Aníbal Quijano, y también en el debate de la geopolítica del conocimiento presente en la obra de Enrique Dussel. Palabras clave: Colonialidad del poder, Colonialidad del ser y saber, Geopolítica del conocimiento, Decolonialidad. 1. INTRODUÇÃO Atualmente as estruturas homogêneas e hierárquicas, autodeclaradas gerentes da produção de pensamento e do conhecimento, estão enfrentando um vendaval de questionamentos dirigidos às suas metodologias, análises, dispositivos hostis e bélicos, cânones, e resultados formulados por um modelo permeado de noções racistas, machistas, com intolerância à alteridade e delimitado em um território que se estende da França à Grécia e ao norte do Mar Mediterrâneo. Assim, a crítica do eurocentrismo está penetrando com vigor as bases da organização atual do sistema mundial, inspirada por uma necessidade pulsante da população excluída e subjugada, entre outras tantas forças de entusiasmo. Entre a lógica da colonialidade global imposta pela Europa, se encontra a colonialidade do poder  — e que dá origem a colonialidade do ser e de seu saber, o primeiro tópico a ser trabalhado no presente artigo  —, que se define como a naturalização dos valores impostos e engendrados durante a colonização e que se pretendem universais, operando sobre os pilares epistemológicos, científicos, filosóficos e na relação entre as diferentes línguas e conhecimentos. Em outros termos, segundo Quijano (2005), é um conhecimento que foi imposto sobre a noção de hierarquização entre raças, geradora essa de uma naturalização de segmentos desiguais de valor, e que inibem a importância e o reconhecimento dos saberes que não provêm da raça e gênero dominantes: os homens brancos europeus. Em um segundo momento, nos referimos a geopolítica do conhecimento, entendendo essa como as diferentes análises dos eventos políticos e possíveis efeitos que se produziram na sociedade por meio de uma articulação entre a geografia política, a geografia descritiva e a história, em relação com a produção de conhecimento que desde o começo da modernidade evidencia sua base na diferença colonial. De acordo com Dussel(1996), há uma batalha geopolítica-epistêmica em curso, pois a filosofia é também uma categoria de suma importância nos processos de disputa pela hegemonia, e na medida que um determinado estudo só é capaz de pensar a realidade inteligível ao ser que a concebe, e portanto, de seu mundo, de seu sistema, de sua espacialidade, sendo incapaz de pensar verdadeiramente algo fora dele, o que geraria conflitos geopolíticos pela controle da legitimidade do saber. 2. COLONIALIDADE DO PODER: O SER E SEU SABER Em primeiro lugar, tentaremos fazer uma abordagem prática da noção de colonialidade, ao tratar de alguns - para se manter em apenas alguns - questionamentos que surgiram durante a presente investigação, assim: Quem definiu o modelo de periodização que organiza a "história universal" como a conhecemos? Por que dividir as etapas da humanidade com temporalidades abruptamente desiguais? Por que não nos é ensinado nas escolas o conhecimento produzido em outros continentes que não o europeu? Como esses, infinidades de questionamentos aparecem quando pensamos na forma como se está organizado e distribuído o conhecimento do mundo. Enquanto a América Latina, a colonialidade é o resultado do genocídio das populações/culturas originárias existentes neste ‘’quarto pedaço de terra’’, executado pelos grupos/culturas européias que utilizavam tais populações aborígenes para sua exploração como mão de obra escrava, além de trazerem doenças desconhecidas que resultaram em aniquilamentos massivos, pragas, silenciamento e perseguições; objetivando como consequência a erradicação de grande parte do conhecimento produzido por essas populações. No caso da cultura presente na Ásia e no Oriente Médio, essas foram colocadas em uma posição de subalternidade por parte do discurso colonial europeu. Por outro lado, para África a destruição não foi tão forte como na América, porém foi maior, sim, que na Ásia, por decorrência da perseguição e violência sofrida por esses povos que eram tirados de suas terras e levados em condições deploráveis para o território americano onde eram utilizados como mão de obra escrava. Não satisfeitos, os colonizadores durante sua imposição cultural os privaram da legitimidade e do reconhecimento na escala mundial, reduzindo os conhecimentos da tradição africana à simples concepções ‘’exóticas’’, que depois se configuraram em preconceitos que atualmente a população afro tem que lidar. Não é por acaso que universalmente se pense que ‘’os negros são bons apenas para dançar’’.    A cultura européia ou ocidental, pelo poder político-militar e tecnológico das sociedades portadoras, impôs sua imagem paradigmática e seus principais elementos cognitivos, como norma norteadora de todo desenvolvimento cultural, especialmente intelectual e artístico. Esta relação se converteu, por consequência, em parte constitutiva das condições de reprodução daquelas sociedades e culturas, impelidas para a europeização em todo ou em parte. (QUIJANO, 1992, p. 440) A América se constitui como parte intrínseca do processo histórico de colonização pelos países europeus, no qual deu-se origem ao atual padrão de poder mundialmente dominante. A colonialidade e a globalidade se tornaram fundamentos e modos constitutivos desse novo padrão de poder desenvolvido no período moderno/colonial, cujo processo histórico definiu a dependência histórica-estrutural da América Latina ao despojar essa de um papel central na nova existência social que se configurava, ainda que o continente fosse a sede dos elementos materiais e subjetivos que fundaram esse momento histórico. Sendo fonte dos recursos que impulsionaram o nascimento de uma nova sociedade global, a América Latina é a primeira identidade histórica que funda o atual sistema-mundo, não obstante, a realidade é que essa não pôde atingir sua potencialidade histórica de pleno desenvolvimento, havendo sido negados a si os atributos e frutos da modernidade, e herdando, por outro lado, as relações de poder estabelecidas nesse período em suas próprias dinâmicas internas e externas, dando origem ao que se chama de colonialidade do poder. Colonialidade do poder é a naturalização dos valores hierárquicos de dominação engendrados durante o  colonialismo, — sejam esses territoriais, sociais, culturais e até epistêmicos —  que transcendem as particularidades do período colonial e atuam como um reflexo do colonialismo no sistema-mundo atual, sendo capaz de reproduzir as relações de produção e controle da subjetividade herdadas desse período. Segundo Quijano (2005) foi precisamente essa hegemonia histórica que permitiu a esses países elaborarem sua própria versão da modernidade e da racionalidade, assim como se apropriarem da identidade histórico-cultural de ‘’Ocidente’’ herdada dos greco-romanos — mesmo que essa tenha sido preservada e trabalhada por muito mais tempo como parte do Mediterrâneo muçulmano-judeu, e não da Península ibérica —. Apesar da colonialidade ser algo atualmente global, é importante reconhecer que tem suas raízes no processo de invasão à América, servindo essa como um laboratório onde se testaram diferentes mecanismos de controle e subjugação não só dos corpos, mas também dos espaços e tudo que esses implicavam. Durante esse período se incorporou o conceito de raça ligado a diferença aparentemente biológica e natural(segundo a Europa) entre os colonizados e os colonizadores. Sobre esse fundamento se constituíram as relações de poder desiguais, em que os colonizados eram inferiores aos colonizadores pelo simples fato de ter características físicas distintas: Na América, a ideia de raça foi um modo de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu sobre o resto do mundo conduziram a elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. (QUIJANO, 2005, p. 118) Nesse sentido, a invenção da ideia de raça é fundamental para justificar a o novo padrão de dominação e exploração do trabalho: esta é a primeira categoria de classificação social da modernidade. A ideia de raça foi a primeira classificação social básica e universal dos indivíduos feita na história, e cujo nasce precisamente para dar sentido às relações de poder entre indígenas e ibéricos que se desenvolveram durante a colonização. O novo sistema de hierarquização sobrepunha todo tipo de ordem, as posições de poder, o sexo biológico, todas essas categorias estavam antes submetidas a posição de cada um na classificação racial, que era dada sobretudo pela cor. Em termos práticos, pode-se dizer que o período colonial foi um genocídio e uma exploração em massa da terra e dos povos originários da América Latina com objetivo de estabelecer uma nova ordem de poder baseada nessa relação de dominação. Além de destruírem toda a produção material, intelectual e cultural dos povos originários  —, deixando-a inacessível para os sobreviventes desse mundo   a ideia de raça foi um produto mental e social específico do processo de destruição de um mundo histórico, que busca justificar sua crueldade não como um conflito de poder, mas sim como algo natural aos povos que são inferiores em sua materialidade   lê-se raça  —, e portanto, também em sua  capacidade de produção histórico-cultural. Nesse sentido, Quijano pontua a armadilha criada “por sua natureza, a perspectiva eurocêntrica distorce, quando não bloqueia, a percepção de nossa experiência histórico-social, enquanto leva, ao mesmo tempo, a admiti-la como verdadeira”. (QUIJANO, 2005, p. 15) Essa ideia se fez tão profunda no imaginário social da população ao longo dos séculos, que não se faz espantar que nossa história não possa ter tido um movimento autônomo e coerente, em detrimento dos fantasmas históricos que nos assombram desde os problemas arraigados da modernidade. Mesmo por volta do século XX, os detentores do pensar na América ainda eram justamente os dominadores coloniais, ou seja, europeus, sobretudo brancos e identificados com o ‘’Ocidente’’, enquanto a esmagadora maioria da população de não-europeus não tinham nenhum espaço nas subjetividades da produção de conhecimento, dado sua condição de raças inferiores e culturalmente primitivos, já na condição de desconhecedores de sua própria história. A colonialidade do poder faz da América, assim, um cenário que reflete os desencontros com nossa experiência, nosso conhecimento e nossa memória histórica. Para lidar com tais fantasmas, é indispensável liberar nossa interpretação histórica da prisão eurocentrista e reconhecer nosso próprio sentido de existência histórica-social: o patrimônio cultural original desintegrado era um dos mais vastos, diversos e avançados da experiência histórica humana. Com isso, Quijano elucida a colonialidade do poder, também como uma forma de dominação epistemológica: Em outros termos, a colonialidade do poder implicava então, e ainda hoje no fundamental, a invisibilidade sociológica dos não-europeus, “índios”, “negros” e seus “mestiços”, ou seja, da esmagadora maioria da população da América e sobretudo da América Latina, com relação à produção de subjetividade, de memória histórica, de imaginário, de conhecimento “racional”. Logo, de identidade. (QUIJANO, 2005, P. 24) É necessário recuperar nossos símbolos, imagens, ideias, artes visuais, sonoras, etc. Sobretudo no aspecto do mundo simbólico, da cosmovisão, divisor de águas no processo de construção e recuperação da identidade. Assim, diante de tantos fantasmas, se mostra cada vez mais necessária a construção de uma identidade latino americana que seja verdadeiramente emancipatória.   3. GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO: O CENTRO E PERIFERIA GLOBAIS O pensar que se refugia no centro termina por pensá-lo como a única realidade. (DUSSEL, 1996, p. 16) A frase acima pertence à Enrique Dussel, filósofo argentino ainda vivo, que estabeleceu um marco no pensamento latino americano em seu trabalho ‘’Filosofia de la liberación’’, no qual aborda a importância da filosofia hegemônica na práxis político-histórica-social mundial, e cuja influência subjugou a América Latina por anos à fio, formando assim uma preponderância que se tornou além de geopolítica, também filosófica-epistémica. Nesse sentido, Dussel(1996) entende que estamos em guerra. Em suas palavras: fria para os que a fazem e quente para os que a sofrem; o autor se refere a batalha política do conhecimento, uma vez que teoriza também que é da filosofia — sobretudo a ontologia — que nasce a dominação imposta aos povos diferentes daquele que a pensa. Em outras palavras, uma determinada ontologia — o estudo do ser e da realidade —, só pode pensar a realidade inteligível ao ser que a concebe, e portanto, de seu mundo, de seu sistema, de sua espacialidade, e é incapaz de pensar verdadeiramente algo fora dele, onde se situaria um não-ser, um nada, ou algo sem sentido. Desse modo, formaram-se inúmeras ideias ao longo da história no qual aqueles que pertenciam à tal hegemonia ideológica subjugaram os outros que estavam fora de sua ontologia como bárbaros, inferiores, ou mesmo apenas instrumentos ‘’úteis’’, inteligíveis e interpretáveis, em poucas palavras: mão de obra inculta e nada mais. Essa hegemonia ideológica, como exemplifica Dussel com Aristóteles, São Tomás de Aquino, Descartes e Hegel, forma o suposto direito de dominar, ou melhor, a ‘’missão de civilizar’’ do imaginário europeu perante ao Mundo. É precisamente a identificação europeia(ser) com o poder(sistema-mundo), da filosofia grega clássica, à moderna e até contemporânea, que serviu de acabamento teórico capaz de justificar sua posição e seus privilégios, e com isso a opressão das periferias perante ao centro, uma vez que esse último tem legitimidade para julgar as outras culturas, sendo portanto, uma filosofia da dominação. 4. CONCLUSÃO Diante do exposto, se torna claro a necessidade da conscientização dos fantasmas históricos que assombram a América Latina — à luz de palavras como modernidade, democracia, desenvolvimento e unidade — , para podermos então nos posicionarmos diante das armadilhas presentes nas disputas pela hegemonia geopolítica do poder, do ser e do saber. No século XXI, já é realidade que há movimentos político-culturais que negam a racionalidade européia imposta com a modernidade e propõe sua própria racionalidade como alternativa, na medida que negam completamente qualquer classificação de ‘’raça’’, a legitimidade do Estado-nação construída sob a colonialidade, a separação homem-natureza, e salientam ainda, a reprodução da reciprocidade de uma ética de solidariedade social face a selvageria do capitalismo atual. Muito além da hegemonia, a própria sobrevivência e perpetuação de uma identidade verdadeiramente latino americana está em jogo, na medida que essa é, no momento, um projeto aberto e heterogêneo, e não só uma busca por uma identidade que represente nossas memórias, mas também a formulação de uma própria forma de saber criada à partir da periferia global e sua formação social. Ademais, é papel desse movimento insurgente construir um saber capaz de destituir a ontologia eurocêntrica clássica, avançando na jornada de resistência histórica que inevitavelmente deverá — e há de — desembocar na destruição e liberação efetiva das hierarquias impostas pela colonialidade do poder, e quiçá, finalmente, descrever o sentido da práxis necessária à revolução e liberação neocolonial do último e mais avançado grau do capitalismo: o imperialismo norte americano nascido pós segunda guerra mundial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUSSEL, E. Filosofía de la liberación. Bogotá: Nueva América, 1996. Ítem 1. QUIJANO, A. Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina. Estud. av.,  São Paulo, v. 19, n. 55, pp. 9-31, Dec. 2005. QUIJANO, A. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005, pp. 117- 138. QUIJANO, A. ‘’Colonialidad y Modernidad-racionalidad’’ In: BONILLO, Heraclio(comp.). Los conquistados. Bogotá: Tercer Mundo Ediciones; FLACSO, 1992, pp. 437-449. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. 9