Academia.eduAcademia.edu

A SUPRANACIONALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA

2015, Direito, Sociedade e Política Internacional Contemporânea

A União Europeia, denominação dada ao bloco econômico de maior estrutura política da atualidade, é um construção que começou no pós 2ª Guerra Mundial com o intuito de aproximar "inimigos"-França e Alemanha-e estabelecer um crescimento econômico vigiado. Muitos teóricos defendiam que a Europa somente seria um sistema internacional próspero e pacífico se houvesse uma maior cooperação internacional em áreas ou em relação a tarefas funcionais específicas, que deveria ser feitas por organizações internacionais separadas. O poder decisório sobre determinados temas não estaria condicionado aos interesses de um Estado, mas ao do grupo de Estados que fizessem parte da organização. O Mercado Comum progressivo para carvão e aço-CECA-aproximou França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália, e mostrou aos demais países europeus e do mundo que o desenvolvimento econômico é mais acessível quando compartilhado com outros parceiros. A dimensão econômica emergiu como um eixo condutor do processo de integração, e, para atingir a União Econômica, o bloco expandiu sua área de atuação para abranger quase 500 milhões de habitantes e um dos maiores PIB do planeta. Os Estados foram além de isenções de tarifas e liberdade de circulação de capitais e pessoas. Criaram instituições com características supranacionais que legislam e executam funções para a comunidade em si, e não mais para um ou outro Estado.

A SUPRANACIONALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA Caroline Lima Ferraz Sumário: Introdução – 1. A integração regional – 2. Da comunidade econômica do carvão e do aço à União Europeia – 3. Da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço à União Europeia – 4. A supranacionalidade na União Europeia e a soberania nacional – Palavras-chave: Integração regional, União Europeia, Supranacionalidade, Soberania INTRODUÇÃO A União Europeia, denominação dada ao bloco econômico de maior estrutura política da atualidade, é um construção que começou no pós 2ª Guerra Mundial com o intuito de aproximar “inimigos” – França e Alemanha – e estabelecer um crescimento econômico vigiado. Muitos teóricos defendiam que a Europa somente seria um sistema internacional próspero e pacífico se houvesse uma maior cooperação internacional em áreas ou em relação a tarefas funcionais específicas, que deveria ser feitas por organizações internacionais separadas. O poder decisório sobre determinados temas não estaria condicionado aos interesses de um Estado, mas ao do grupo de Estados que fizessem parte da organização. O Mercado Comum progressivo para carvão e aço – CECA – aproximou França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália, e mostrou aos demais países europeus e do mundo que o desenvolvimento econômico é mais acessível quando compartilhado com outros parceiros. A dimensão econômica emergiu como um eixo condutor do processo de integração, e, para atingir a União Econômica, o bloco expandiu sua área de atuação para abranger quase 500 milhões de habitantes e um dos maiores PIB do planeta. Os Estados foram além de isenções de tarifas e liberdade de circulação de capitais e pessoas. Criaram instituições com características supranacionais que legislam e executam funções para a comunidade em si, e não mais para um ou outro Estado. 1 Para analisar o processo de integração europeu e a supranacionalidade das instituições da União Europeia, foi realizada uma análise fenomenológica dedutiva da literatura especializada em integração regional, uma evolução da União Europeia e como a soberania nacional pode ser delegada a um entre supranacional sem que haja perdas significativas à autonomia estatal. 1. A INTEGRAÇÃO REGIONAL A aproximação entre determinados Estados, com o objetivo de se criar uma integração econômica ou política pode ocorrer de forma horizontal e vertical. Na integração horizontal, a comunidade internacional clássica, formada por Estados Soberanos, respeita diretamente a soberania nacional – que é a afirmação do individualismo de cada Estado –, sobrepondo-a aos interesses comuns. Não há que se falar em entidade acima dos Estados. Na vertical, os Estados têm sua soberania limitada a atuação de um órgão supranacional que zela pelos interesses comuns (ACCIOLY, 2010, p. 23) Para atingir essa integração vertical, cujo único exemplo é a União Europeia, os Estados-partes devem assegura-se de princípios sólidos na base da construção da entidade supranacional e aceitar a delegação de soberania. Cada fase da integração econômica pressupõe uma renúncia gradual das competências inerentes à soberania nacional (ACCIOLY, 2010, p. 24). Para Bela Balassa, as fases da integração são, inicialmente, a Zona de Livre Comércio, a União Aduaneira, o Mercado Comum, a União Econômica e, por fim, a Integração Econômica Total (BALASSA, 1961, p. 13). A Zona de Livre Comércio, regulamentada no art. XXIV, do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT1 ocorre quando um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros se une para a eliminação de direitos de aduana e das demais regulamentações comerciais restritivas (...) com respeito ao essencial dos intercâmbios comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre comércio (GATT, apud ACCIOLY, 2010, p. 25). Há a livre circulação de mercadorias 1 Embora os Estados tenha se unido para a criação da Organização Mundial do Comércio em 1995, o GATT ainda está em vigor. 2 produzidas, observadas as regras do regime de origem 2, nos países-membros sem barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras. Os países-membros possuem total liberdade para negociar tarifas aduaneiras com Estados não pertencentes ao grupo. Na União Aduaneira, além da livre circulação de mercadorias, os Estados se comprometem a estabelecer uma política comercial comum, denominada Tarifa Externa Comum – TEC. Após ser aplicada a TEC aos produtos originários de outros países, todas as mercadorias terão livre circulação dentro do bloco. Ao aceitar a União Aduaneira, os Estados perdem parte relevante de sua soberania comercial, visto que não poderão negociar individualmente acordos comerciais de aduana com terceiros países, apenas com o bloco (ACCIOLY, 2010, p. 28). A etapa seguinte é a criação de um Mercado Comum, que pressupõe a livre circulação dos fatores de produção, capital e trabalho, que ensejará, por conseguinte, o livre estabelecimento e a livre prestação de serviços por seus nacionais. A livre circulação de bens implica na abertura de fronteias e desmantelamento de barreiras alfandegárias; a livre circulação de pessoas, na liberdade de circulação e permanência de qualquer nacional dos países membros nos demais países, bem como a possibilidade de fixar residência e ter trabalho legalizado; a liberdade de circulação de capitais, possibilidade de instalação de empresas e envios de recursos sem distinção de países dentro do bloco (ACCIOLY, 2010, p. 29-39). A perda da soberania é ainda maior, pois os Estados devem estabelecer normas comunitárias para regulamentar os direitos adquiridos pela população. A União Econômica abarca as características do mercado comum, acrescidas da harmonização de todas as legislações nacionais relacionadas ao sistema econômico. Para Bela Balassa, a diferença entre a união econômica e o mercado comum consiste em associar a supressão de restrições aos movimentos de mercadorias e fatores com um certo grau de harmonização das políticas econômicas nacionais, de forma a abolir as discriminações resultantes das disparidades existentes entre políticas (BALASSA, apud FERNANDES, p. 42). 2 Regime de Origem é a comprovação de que determinado produto tem a maior parte de seus componentes e mão de obra provenientes de um dos países do grupo. 3 Passa-se a ter políticas comuns nas áreas econômicas, financeiras e monetárias coordenadas pela autoridade supranacional (BÖHLKE, 2003, p. 40) e o estabelecimento de uma moeda única (ACCIOLY, 2010, p. 41). Para Paulo Pitta e Cunha, a formação da união monetária implicará a cessão, por parte dos Estados-membros, de um símbolo do poder exclusivo do Estado soberano. A união monetária já tem, na verdade, implicações significativas no p;ano da integração política, sendo difícil conceberse que venha a ter êxito caso não se enverede decididamente para o estágio das fianças públicas federais (PITTA E CUNHA, apud ACCIOLY, 2010, p. 42). Por fim, a integração econômica total ou, para outros autores, como Elizabeth Accioly, União Política, pressupõe a unificação das todas as políticas monetárias, fiscais e sociais, em busca de um progresso do bloco. Ainda exige-se o estabelecimento de uma autoridade supranacional que legisle e execute todas as normas comunitárias (BALASSA, apud FERNANDES, p. 42). 2. DA COMUNIDADE ECONÔMICA DO CARVÃO E DO AÇO À UNIÃO EUROPEIA A União Europeia, principal bloco econômico e político do cenário político internacional, ao longo de 62 anos, evoluiu de um mercado comum imperfeito a uma União Econômica – com uma moeda comum a quase todos os seus membros. Esse processo de integração retoma ao fim da 2ª Guerra Mundial, quando ressurgem os pensamentos integracionistas europeus, com a abertura de efetivas negociações de cooperação política para a integração (LESSA, 2003, p. 20). Segundo Leonardo Ramos, esses teóricos integracionistas, em especial os da corrente funcionalista, afirmavam que a Europa seria um sistema internacional próspero e pacífico se houvesse uma maior cooperação internacional em áreas ou em relação a tarefas funcionais específicas, que deveria ser colada sob o comando de organizações internacionais separadas. O poder decisório sobre determinados temas não deveriam estar condicionados aos interesses de um Estado, mas do grupo de Estados que fizessem parte da organização. (RAMOS, 2009). A abordagem a funcionalista previa a integração de temas da low politics para high politics 4 Contudo, ainda pairava o receio de nova guerra generalizada na Europa, em especial após a instauração de uma guerra velada entre EUA e URSS, a guerra fria. Nesse período de pós 2ª Guerra Mundial, Europa tornou-se área de influência imediata das duas potências, mas o interesse de cooperação, integração e desenvolvimento coletivo tornava-se política de Estados. Como forma de auxiliar na reconstrução da Europa e manter a hegemonia na região, os EUA apresentaram o Plano Marshall, que não se limitava a um aporte financeiro aos países europeus, incluindo a URSS - que negou a ajuda –, mas estimulava a cooperação dos Estados em uma organização coletiva. Essa iniciativa deu origem à Organização Europeia de Cooperação Econômica. Foi o primeiro passo para um Concerto Europeu mais eficaz (LESSA, 2003, p. 28). Além dos recursos financeiros americanos, o principal mecanismo para a reconstrução econômica da França e da Alemanha eram as indústrias de carvão e aço. Com receio de que a Alemanha Ocidental recuperasse seu poderia militar, o Ministro de Negócios franceses, Robert Schuman, em 1950, apresentou um plano para a exploração conjunta dos recursos de carvão e de aço da Europa Ocidental (LESSA, 2003, p. 36). O Plano Schuman, de abordagem gradualista, prévia realizações concretas, ainda que limitadas, mas que permitissem a criação de uma solidariedade de fato. (...) As instituições apresentadas no Plano Schuman adquiriam um caráter francamente supranacional, ganhando a forma de uma Alta Autoridade, cujas decisões ligariam os Estados-membro, composta de membros independentes dos governos nacionais e cujas decisões teriam execução plena nos diferentes países. (LESSA, 2003, p. 36-37) Dessas negociações, realizadas entre RFA, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo – esses três já faziam parte de uma União Aduaneira denominada Benelux –, surgiu a Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), em 1951. O Tratado previa um mercado comum progressivo do carvão e do aço, implicando, em consequência, implicando na supressão de direitos alfandegários, restrições quantitativas a livre circulação desses bens, de medidas discriminatórias e outros. A CECA instituía assim o elemento supranacional: “o poder executivo estava na mão da Alta Autoridade, que representava os interesses da Comunidade no 5 seu todo e que não podia ser dissolvido pelo Conselho de Ministros – representante dos Estados-membros” (LESSA, 2003, p. 37). Após a entrada em vigor da CECA, em 1952, os Estados decidiram relançar o projeto de uma Comunidade Europeia de Defesa, com exército comum. Embora um tratado tenha sido assinado, os Estados da CECA decidiram pela constituição de uma comunidade política paralela à Comunidade de Defesa. Em 1954, na Conferência de Paris, foram assinados os acordos que colocariam fim à ocupação da RFA e que criariam a União Europeia Ocidental (UEO), instituição destinada a ser um elo entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN e os Estados Europeus, favorecendo a admissão da Alemanha na Aliança Atlântica. Em junho de 1955, os países do Benelux apresentaram projeto para o relançamento do ímpeto integracionista, na forma de criação de um mercado comum mais amplo que incluiria a livre circulação de bens, capitais e do trabalho. Em 1957 foram assinados os Tratados de Roma, criando a Comunidade Econômica Europeia, marco fundamental do processo de construção da Europa, tinha como objetivo o estabelecimento de um mercado comum entre os parceiros, e criando a Comunidade Europeia de Energia Atômica – EURATOM, com o propósito de favorecer a formação e o crescimento de uma indústria nuclear europeia. A estrutura criada pelo Tratado se assemelhava a um Poder Executivo comunitário que eram denominadas Comissões, independentes dos governos nacionais, com poderes mais limitados do que aqueles que tinham a Alta Autoridade da CECA. O tratado previa, ainda, a personalidade jurídica às duas instituições e a criação de uma Política Agrícola Comum – PAC (LESSA, 2003, p.48). A expansão do processo integracionista foi retardada com a ascensão De Gaulle, novamente ao governo da França, em 1958. O General, símbolo da resistência francesa na 2ª Guerra Mundial, via com péssimos olhos as instâncias supranacionais criadas pelos Tratados de Roma, além de vetar a tentativa de o Reino Unido entrar novamente no Mercado Comum. Para ele, a França “perderia sua independência, uma vez que as decisões seriam tomadas de maneira supranacional, ou seja, eventualmente impostas por uma maioria da qual o país não tomaria parte” (LESSA, 2003, p. 54). 6 Em 1965, o Mercado Comum entrava em crise, pois os Estadosmembros estavam reticentes quanto ao financiamento da política agrícola e à questão decisória do Mercado Comum. Para se ter uma ideia, From 1 July 1965 till 17 January 1966 France boycotted the institutions of the Community, manifestly because of the failure to reach agreement on the financing of the common agricultural policy. Evidently, the house was not in order! (GALTUNG, 1973, p. 21). O entrave político duraria até 1969. Nesse ano, o governo de Georges Pompidou reaproxima a França das discussões da Comunidade Econômica Europeia, e, na Cúpula de Haia, os Estados-membros decidiram concluir os processos em abertos, ou seja a PAC, aprofundar na integração para a criação de uma união econômica e monetária e, finalmente, expandir o bloco (LESSA, 2003, p. 64-65). Foi acordada a criação de uma união econômica e monetária, as os esforços seriam retardos visto que, em 1971, é declarado o fim do padrão ouro-dólar e o início da crise do choque do petróleo em 1973. Acordou-se também que seriam admitidos novos membros à Comunidade. Iniciou-se, assim, as negociações com o Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Noruega. No início de 1973, entrou em vigor o Tratado de Adesão da Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca à CEE. Como a Irlanda era um país em desenvolvimento e com economia basicamente agrária, foi necessário um processo de compensação para ajudar no desenvolvimento do país. A Noruega teve a entrada no bloco aceita, mas um plebiscito interno rejeitou a participação do país na Comunidade (LESSA, 2003). Após a entrada de mais três países, a Comunidade passou a década de 1970 consolidando suas estruturas comunitárias e inovando em diversas áreas, amadurecendo seu pensamento político e social em torno dos acertos e erros de todo o processo (LESSA, 2003, p. 88). Os primeiros ajustes necessários foram a fusão da Alta Autoridade da CECA, da Comissão do Mercado Comum e da Euratom; as funções do Parlamento também foram ampliadas, além de eleição direta para seus membros; entrou em vigor o Sistema Monetário Europeu e o estabelecimento de moeda escritural para liquidação entre os Bancos Centrais (LESSA, 2003, p. 85) Na década seguinte, a Comunidade teve de lidar com a instabilidade econômica e o encerramento de um longo ciclo de crescimento. Segundo Antônio 7 Lessa, “os problemas criados pela recessão e as mudanças no sistema econômico internacional foram persistentes e tiveram um impacto direto no desenvolvimento político e econômico da Comunidade” (LESSA, 2003, p. 73). Além disso, a adesão da Grécia, em 1981, à Comunidade trouxe a tona uma realidade diferente: um membro com uma configuração econômica e social tendente ao subdesenvolvimento. Para lidar com o que foi chamado de “Desafio grego”, os lideres da Europa dos Dez tiveram de pressionar as políticas redistributivas da Comunidade. Esse problema ficaria ainda mais evidente quando os países ibéricos aderiram ao Bloco, em 1986. A Comunidade Europeia também trabalhava para a formação de uma união política e um verdadeiro mercado único. Assim, em 1985, foi assinado o Ato Único Europeu. O Ato expande a integração e fixa a data de 1992 para a criação da União Europeia, insere novos temas nas discussões e na integração, como meio ambiente, cooperação, tecnologia e pesquisa e estabelece a necessidade de um processo decisório mais simplificado: as decisões deveriam ser decididas por maioria qualificada em vários temas. (LESSA, 2003, p. 95) Nesse meio termo, a Europa passa por uma mudança significativa em seu cenário político: o fim da URSS. Com isso, tem-se a reunificação da Alemanha, o inicio da transição dos países ex-socialistas para a economia de mercado e as incertezas do fim da guerra fria. As medidas do Ato Único Europeu, ao mesmo tempo em que empurravam os parceiros para a desregulamentação de seus mercados nacionais, criavam necessariamente novas regulamentações, em nível comunitário, para garantir que as novas liberdades necessárias ao mercado unificado seriam efetivamente implementadas (LESSA, 2003, p. 98). Era necessária, assim, uma reforma completa das instituições. Para isso, foi assinado o Tratado de Maastricht, em 1992. O Tratado de Maastricht “levou a cabo a mais profunda e ampla revisão dos Tratados Comunitários deste os tratados de Paris e de Roma” (QUADROS, apud CORREA JR, 2009, p. 53). As Comunidades Europeias seriam reunidas em uma União Europeia com finalidades políticas e não apenas econômicas. A União Europeia era criada sob três pilares: Comunidades Europeias (CEE e EURATOM), regida pelo princípio da supranacionalidade – exercida pelo Conselho Europeu – e com personalidade jurídica internacional (exercida pela 8 Comissão Europeia) e trata de assuntos como meio ambiente e comércio; a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), com o estabelecimento de objetivos gerais e consolidação da democracia e o estado de direito; e a Cooperação em Matéria Jurídica e Policial (LESSA, 2003, p. 105) O núcleo do Tratado ainda previa o estabelecimento de uma União Econômica e Monetária, com a criação de moeda única, para o ano de 2002. Além disso, o Tratado previa um processo revisor e o alargamento do Bloco, com a adesão de Áustria, Finlândia e Suécia. Novamente a Noruega é aceita, mas um referendo popular obsta a entrada do país no bloco. A revisão das estruturas da União Europeia foi realizada no Tratado de Amsterdã, de 1997. Ele configurou o desenho da arquitetura europeia visualizada nos três pilares sobre os quais se encontra alicerçada a União Europeia: o primeiro refere-se à colaboração em matérias de política exterior e de segurança comum; o segundo, à cooperação no âmbito judicial e policial em matéria penal; e, por fim; no terceiro pilar estão as Comunidades (SILVA, 2005. p. 35). Ainda havia assuntos a serem reformados e melhorados, visto que agora não eram mais 6 países, mas 15. Para isso, foi assinado o Tratado de Nice, de 2001, que foca na questão do alargamento do bloco e em uma nova tentativa revisora. O principal ponto tratado era a ponderação dos votos dos membros, em especial com o estabelecimento da “dupla maioria” para a aceitação de uma decisão. Caso não fossem resolvidas essas questões, a adesão dos novos 10 membros seria inviável (CORRÊA JR., 2009, p. 55). Em 2004, acontece a maior expansão do bloco, com a entrada de Estônia, Lituânia e Letônia, Polônia, Hungria, Republica Tcheca, Eslováquia, Eslovênia, Mata e Chipre. Em 2007, é a vez de Bulgária e Romênia. Neste mesmo ano, é estabelecido to Tratado de Lisboa. O Tratado de Lisboa, ou “Constituição Europeia”, previa a simplificação da complexa estrutura de normas formadas pelos diversos tratados constitutivos e modificativos das Comunidades e da União Europeia, a delimitação explícita das competências das Comunidades e da União Europeia, a definição da tipologia das normas produzidas pelos órgãos comunitários, mediante adoção de um 9 sistema jurídico hierarquizado, e, por fim, a convalidação das instituições comunitárias (CORRÊA JR., 2009, p. 56). O Tratado estabeleceu a personalidade jurídica para a União Europeia, a criação de três cargos importantes:  Presidente do Conselho Europeu;  Alto Representante para Política Externa da União Europeia, assessorado pelo Serviço de Ação Externa da União Europeia – corpo diplomático próprio da União Europeia (CORRÊA, JR., 2009, p. 57);  Promotor Público da União Europeia – consolidação do judiciário comunitário O Tratado tornou juridicamente vinculante a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, que numa leitura mais detalhada e liberal, seria permitido o aborto. Isso causou um problema na Irlanda, único país que teve que realizar plebiscito para aprovar o Tratado. Acreditava-se que passaria facilmente na Irlanda, mas foi rejeitado. Um ano depois, um novo plebiscito foi realizado, e o Tratado foi aprovado porque algumas concessões foram feitas (sistema Vinculante e o Sistema Opt-out – ressalvas). Manteve ainda alguns sistemas de decisões do Tratado de Nice consenso –, mas cria novos, como o sistema simplificado de decisões por 55% dos Estados e 65% da população a partir de 2014. Por fim, o Tratado de Lisboa colocou fim ao sistema dos 3 pilares, substituindo-os por níveis de domínio, sendo eles, a Competência Exclusiva – mantém a soberania nacional e a de matérias supranacionais, como a Pesca –, Competência Compartilhada – abarca a maioria dos temas, como políticas sociais, a PAC, os transportes, a energia –, e a Competência Residual/ Subsidiária – promoção industrial, por exemplo. Em 2013, ocorreu a última expansão do bloco, com a entrada da Croácia. Agora são 28 países, com uma população superior a 500 milhões de habitantes e que, em 2005, movimentou 1/5 do comércio global (CORRÊA JR., 2009, p. 57). Apesar das dificuldades, não há dúvidas de que a União Européia é uma experiência benéfica para seus Estados-membros e exemplo para outros processos de integração. 10 3. A SUPRANACIONALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA E A SOBERANIA NACIONAL A soberania sempre foi um dos principais formadores do Estado e, segundo Dalmo Dallari, “é uma das bases da ideia de Estado Moderno” (DALLARI, 2002, p. 74). O mesmo autor afirma que a soberania está sempre ligada a uma concepção de poder, pois mesmo quando concebida como o centro unificador de uma ordem está implícita a ideia de poder de unificação. (...) É o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar competências. (...) A soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em ultima instancia, sobre a eficácia de qualquer norma; como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potencia estrangeira (DALLARI, 2002, p. 79-84). Até o século XIX, quando os tratados eram basicamente de comércio e navegação, e os governantes não aceitavam qualquer possibilidade de gerência externa em seus territórios, esse conceito de soberania absoluto poderia ser utilizado de forma ampla e irrestrita. Porém, a soberania como controle total do território e das normas internas não é mais a adotada nos dias atuais. A partir do Séc. XX, surgem entidades criadas pelos próprios Estados com atribuições e poderes de se impor contra as decisões unilaterais dos países-membros (ACCIOLY, 2010, p. 144). Jorge Miranda afirma ainda que hoje a soberania não pode ser entendida como antes, no entanto a soberania ainda tema quilo que se pode chamar de conteúdo essencial, a soberania de um Estado consiste num certo conjunto de faculdades e principalmente num certo conjunto de meios para o exercício dessas faculdades com os demais Estados na vida internacional, pelo menos em igualdade jurídica, prevalece a ideia de igualdade (MIRANDA apud ACCIOLY, 2010, p. 144). A evolução do conceito de soberania permitiu que fossem criados e aperfeiçoados modelos de integração econômica e política. A União Europeia é o 11 exemplo mais bem sucedido de como a delegação de poder a órgãos supranacionais podem superar as desavenças políticas e econômicas. Elizabeth Accioly afirma que a experiência da União Europeia ensina que uma das mais dificieis tarefas da construo integracionista foi a aceitação da soberania partilhada pelos Estados-membros, fato que veio a ser debatido mais efusivamente quando da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, em 1993, que veio reforçar as suas características federais, no âmbito político, sócia e econômico, com a ousada meta de se criar uma moeda única, para além de se avançar numa Política de Segurança e Defesa comum (ACCIOLY, 2010, p. 144). Segundo Pierre Pescatore, “a ideia preconcebida de soberania indivisível fecha os olhos do espírito do fenômeno da integração” (PESCATORE apud SILVA, 2005, p. 54). O autor lista três elementos essenciais à supranacionalidade, sendo eles, o reconhecimento dos valores comuns, a submissão de determinados poderes a serviço do cumprimento desses valores comuns e a existência de autonomia desse poder. (ACCIOLY, instrumentalizam-se na 2010, p. 145). delegação de poderes, Esses elementos fator combinados fundamental para a supranacionalidade das instituições. Cabe ressaltar que delegação de poderes não pode ser confundida com transferência de atribuições. No primeiro, a titularidade dos poderes conserva-se no órgão ou no sujeito delegante, sem cessão definitiva, “enquanto que na transferência de poderes há uma alienação desses poderes da parte de quem até então era – e deixa de ser – seu titular, (...), cedendo definitivamente os respectivos poderes para nunca mais se poder reavê-los” (QUADROS apud ACCIOLY, 2010, p. 145-6). Na União Europeia, é exatamente essa delegação que regem as instâncias supranacionais. “No âmbito do bloco europeu, os Estados aceitam delegar competências às instituições europeias e passam a respeitar as decisões emanadas desse poder superior, dessa instituição supranacional” (MACHADO, 2011, p. 150) As Constituições estatais possuem dispositivos que permitem a delegação de algumas competências e estabelecem outros para que as normas emanadas dos órgãos supranacionais sejam recepcionadas pelos Estados delegantes (ACCIOLy, 2010, p. 146), 12 No artigo 23, da Constituição alemã, que trata da União Europeia, por exemplo, está previsto que: 1. Para a edificação de uma Europa unida, a República Federal da Alemanha contribui para o desenvolvimento da União Europeia que deverá respeitar os princípios da democracia, do Estado de direito, do Estado social e federativo com o princípio da subsidiariedade e que garante uma proteção dos direitos fundamentais substancialmente comparável à lei fundamental. Para este feito, a Federação pode transferir direitos de soberania por uma lei aprovada pelo `Bunderast`” (ACCIOLY, 2010, p. 146, nota 173). Na União Europeia, a supranacionalidade não está apenas nas instancias administrativas, mas também no bloco como um todo e nas normas jurídicas, que ostentam primazia frente ao Direito interno dos países-membros. O bloco, as instituições e as fontes comunitárias são órgãos supranacionais. Nesse diapasão, a União Européia estaria então organizada em um Conselho Europeu, formado pelos Chefes de Estados e Ministros de Relações Exteriores, e responsável pelas diretrizes políticas do bloco. O Conselho da União Européia, de nível ministerial, é a mais importante instância na estrutura decisória comunitária, traduzindo a expressão da vontade dos Estados-Membros e exercendo várias funções essenciais no desenvolvimento da integração européia. É o principal órgão executivo, legislativo, junto com o Parlamento Europeu, e orçamentário. Segundo Diego Machado, “cabe a ele definir as políticas da União e desenvolver atividades de coordenação do bloco, deliberando, em regra, por maioria qualificada” (MACHADO, 2011, p. 155). O Parlamento Europeu paulatinamente tem ganhado mais funções. É a expressão democrática dos milhões de cidadãos europeus e passou a ter co-decisão com o Conselho em alguns temas (LESSA, 2003, p. 139). É uma instituição supranacional, de caráter essencialmente político, que também é responsável pela definição do orçamento e as prioridades dentro do Bloco. Diferente de outros parlamentos, cabe ao Parlamento Europeu exercer funções de controle político ou supervisão e de consulta, além da eleição do presidente da Comissão Europeia (MACHADO, 2011, p. 153). A Comissão Europeia é o órgão executivo e o motor do sistema institucional da União Européia. Ele tem a função de promover o interesse geral da Instituição, velando pela aplicabilidade dos tratados, bem como das medidas adotadas 13 pelas demais instituições do bloco. Além disso, os atos legislativos da União Europeia “só podem ser adotados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos tratados. Desta forma, infere-se que essas fontes de Direito Comunitário, em regra, são propostas pela Comissão” (MACHADO, 2011, p. 157). Outro órgão supranacional da União Europeia é o Tribunal Europeu de Justiça, que aprecia litígios em que podem ser partes os Estados-membros, as instituições comunitárias, as empresas e os cidadãos europeus, além de verificar a boa execução do orçamento da União (LESSA, 2003, p. 142). Segundo Diego Machado, na Corte do Bloco vigora uma ampla acessibilidade jurisdicional, mais um elemento do desenvolvimento integracionaista da União Europeia. O Tribunal pode ainda funcionar como um tribunal internacional (quando decide litígios envolvendo Estados-membros), como uma corte constitucional (quando fiscaliza a legalidade dos atos adotados pelas instituições do bloco) ou como tribunal administrativo (quando julga recursos de qualquer pessoa física ou jurídica). (MACHADO, 2011, p. 159). Os outros organismos e agências são o Comitê Econômico e Social Europeu, órgão consultivo, o Banco Europeu de Investimentos, instituição financeira de fomento, o Comitê das Regiões, órgão consultivo, O Tribunal de Contas da União Europeia e o Banco Central Europeu, responsável por monitorar os impactos do Euro em todas as dimensões da integração (LESSA, 2003, p. 146-54). Como poder supranacional, as instituições da União Europeia “operam à luz do princípio de equilíbrio institucional, baseado na colaboração e diálogo interno imprescindíveis para o bom funcionamento do enredado tecido de interrelações comunitárias” (SILVA, 2005, p. 59) Assim, o desenvolvimento político e econômico do Bloco Europeu rumo a uma possível União Econômica Total ou União Política se deu graças ao fortalecimento das instituições supranacionais que articularam iniciativas e competências comunitárias e nacionais para a realização de ações de interesses comuns. Os custos de curto prazo, principalmente, a delegação de algumas competências da soberania nacional para a instância comunitária, podem trazer “benefícios políticos e sociais que, em longo prazo, compensam os poderes perdidos na sua implementação” (LESSA, 2003, p. 157). 14 Por fim, a soberania permanece viva, pois a nação continua sendo a depositária da soberania popular, e o aspecto original, o exercício de determinados poderes, é delegado à organização internacional (SILVA, 2005, p. 55). CONCLUSÃO A integração regional foi o “divisor de águas” na aproximação de antigos rivais europeus – França e Alemanha – e no desenvolvimento da região nas décadas que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial. O processo de integração, defendido pelos teóricos do integracionismo, foi fundamental para a construção de uma Europa próspera e com um papel nas Relações Internacionais além do previsto. Como mencionado ao longo do artigo, muitos teóricos defendiam que a Europa somente seria um sistema internacional próspero se se empenhasse em estabelecer um ambiente propício para a integração regional. E conseguiu. De um mercado comum imperfeito para carvão e aço, com seis países – França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália –, a União Europeia abarca um universo de 500 milhões de habitantes, em 28 países, e um orçamento acordado para 2014-2020 de 960 bilhões de euros. Pode-se compreender que a União Europeia, embora seja um bloco sui generis das relações jurídicas internacionais, é exemplo para as demais propostas de integração regional espalhadas pelo planeta. É um bloco que foi além de isenções de tarifas e liberdade de circulação de capitais e pessoas. A União Europeia mostrou que os Estados precisam criar instituições com características supranacionais que legislam e executam funções para a comunidade em si, e não mais para um ou outro Estado. É preciso delegar soberania a um ente que trabalhe para o bloco. REFERÊNCIAS ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul e União Europeia: estrutura Jurídico- Instittucional. Curitiba: Juruá, 2010. BALASSA, BELA. Teoria de integração econômica. Tradução de Maria F. Gonçalves e Maria E. Ferreira. Lisboa: Livraria Clássica, 1961 15 BÖHLKE, Marcelo. O processo de integração regional & autonomia do seu ordenamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2003 CORRÊA JR, Antonio. Comunidades Europeias e seu ordenamento jurídico – uma aplicação da Teoria de Norberto Bobbio. Curitiba: Juruá, 2009. DALLARI. Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 23ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. FERNANDES, Joel Aló. A integração econômica como estratégia de desenvolvimento do continente africano: proposta de fusão entre a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Econômica w Monetária da África Ocidental (UEMOA). Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: < http://www.didinho.org/dissertacao_de_mestrado_de_Joel_Alo_Fernandes.pdf>, acesso em 13/11/2013. GALTUNG, Johan. The European Community: a Superpower in the making. Oslo: Universitetsforlaget, 1973. LESSA, Antônio Carlos. A construção da Europa: a última utopia das Relações Internacionais. Coleção Relações Internacionais. Brasília: Editora Instituto Brasileiro de Relações Internacionais 2003. MACHADO, Diego Pereira e DEL’OMO, Florisbal de Souza. Direito da Integração, Direito Comunitário, Mercosul e União Europeia. Salvador: Editora JusPodium, 2011. RAMOS, Leonardo, MARQUES, Sylvia Ferreira, VIEIRA DE JESUS, Diego Santos. A União Europeia e os Estudos de Integração Regional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. SILVA, Karine de Souza. Direito da Comunidade Europeia – Fontes, Princípios e Procedimento. Ijuí: Unijui, 2005. 16