A SUPRANACIONALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA
Caroline Lima Ferraz
Sumário: Introdução – 1. A integração regional – 2. Da comunidade econômica do
carvão e do aço à União Europeia – 3. Da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço
à União Europeia – 4. A supranacionalidade na União Europeia e a soberania nacional –
Palavras-chave: Integração regional, União Europeia, Supranacionalidade,
Soberania
INTRODUÇÃO
A União Europeia, denominação dada ao bloco econômico de maior
estrutura política da atualidade, é um construção que começou no pós 2ª Guerra
Mundial com o intuito de aproximar “inimigos” – França e Alemanha – e estabelecer
um crescimento econômico vigiado.
Muitos teóricos defendiam que a Europa somente seria um sistema
internacional próspero e pacífico se houvesse uma maior cooperação internacional em
áreas ou em relação a tarefas funcionais específicas, que deveria ser feitas por
organizações internacionais separadas. O poder decisório sobre determinados temas não
estaria condicionado aos interesses de um Estado, mas ao do grupo de Estados que
fizessem parte da organização. O Mercado Comum progressivo para carvão e aço –
CECA – aproximou França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália, e
mostrou aos demais países europeus e do mundo que o desenvolvimento econômico é
mais acessível quando compartilhado com outros parceiros.
A dimensão econômica emergiu como um eixo condutor do processo
de integração, e, para atingir a União Econômica, o bloco expandiu sua área de atuação
para abranger quase 500 milhões de habitantes e um dos maiores PIB do planeta. Os
Estados foram além de isenções de tarifas e liberdade de circulação de capitais e
pessoas. Criaram instituições com características supranacionais que legislam e
executam funções para a comunidade em si, e não mais para um ou outro Estado.
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Para analisar o processo de integração europeu e a supranacionalidade
das instituições da União Europeia, foi realizada uma análise fenomenológica dedutiva
da literatura especializada em integração regional, uma evolução da União Europeia e
como a soberania nacional pode ser delegada a um entre supranacional sem que haja
perdas significativas à autonomia estatal.
1. A INTEGRAÇÃO REGIONAL
A aproximação entre determinados Estados, com o objetivo de se
criar uma integração econômica ou política pode ocorrer de forma horizontal e vertical.
Na integração horizontal, a comunidade internacional clássica, formada por Estados
Soberanos, respeita diretamente a soberania nacional – que é a afirmação do
individualismo de cada Estado –, sobrepondo-a aos interesses comuns. Não há que se
falar em entidade acima dos Estados. Na vertical, os Estados têm sua soberania limitada
a atuação de um órgão supranacional que zela pelos interesses comuns (ACCIOLY,
2010, p. 23)
Para atingir essa integração vertical, cujo único exemplo é a União
Europeia, os Estados-partes devem assegura-se de princípios sólidos na base da
construção da entidade supranacional e aceitar a delegação de soberania. Cada fase da
integração econômica pressupõe uma renúncia gradual das competências inerentes à
soberania nacional (ACCIOLY, 2010, p. 24). Para Bela Balassa, as fases da integração
são, inicialmente, a Zona de Livre Comércio, a União Aduaneira, o Mercado Comum, a
União Econômica e, por fim, a Integração Econômica Total (BALASSA, 1961, p. 13).
A Zona de Livre Comércio, regulamentada no art. XXIV, do General
Agreement on Tariffs and Trade – GATT1 ocorre quando um grupo de dois ou mais
territórios aduaneiros se une para a eliminação de direitos de aduana e das demais
regulamentações comerciais restritivas (...) com respeito ao essencial dos intercâmbios
comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre
comércio (GATT, apud ACCIOLY, 2010, p. 25). Há a livre circulação de mercadorias
1
Embora os Estados tenha se unido para a criação da Organização Mundial do Comércio em 1995, o
GATT ainda está em vigor.
2
produzidas, observadas as regras do regime de origem 2, nos países-membros sem
barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras. Os países-membros possuem total
liberdade para negociar tarifas aduaneiras com Estados não pertencentes ao grupo.
Na União Aduaneira, além da livre circulação de mercadorias, os
Estados se comprometem a estabelecer uma política comercial comum, denominada
Tarifa Externa Comum – TEC. Após ser aplicada a TEC aos produtos originários de
outros países, todas as mercadorias terão livre circulação dentro do bloco. Ao aceitar a
União Aduaneira, os Estados perdem parte relevante de sua soberania comercial, visto
que não poderão negociar individualmente acordos comerciais de aduana com terceiros
países, apenas com o bloco (ACCIOLY, 2010, p. 28).
A etapa seguinte é a criação de um Mercado Comum, que pressupõe
a livre circulação dos fatores de produção, capital e trabalho, que ensejará, por
conseguinte, o livre estabelecimento e a livre prestação de serviços por seus nacionais.
A livre circulação de bens implica na abertura de fronteias e desmantelamento de
barreiras alfandegárias; a livre circulação de pessoas, na liberdade de circulação e
permanência de qualquer nacional dos países membros nos demais países, bem como a
possibilidade de fixar residência e ter trabalho legalizado; a liberdade de circulação de
capitais, possibilidade de instalação de empresas e envios de recursos sem distinção de
países dentro do bloco (ACCIOLY, 2010, p. 29-39). A perda da soberania é ainda
maior, pois os Estados devem estabelecer normas comunitárias para regulamentar os
direitos adquiridos pela população.
A União Econômica abarca as características do mercado comum,
acrescidas da harmonização de todas as legislações nacionais relacionadas ao sistema
econômico. Para Bela Balassa, a diferença entre a união econômica e o mercado comum
consiste em
associar a supressão de restrições aos movimentos de mercadorias e
fatores com um certo grau de harmonização das políticas econômicas
nacionais, de forma a abolir as discriminações resultantes das
disparidades
existentes
entre
políticas
(BALASSA,
apud
FERNANDES, p. 42).
2
Regime de Origem é a comprovação de que determinado produto tem a maior parte de seus
componentes e mão de obra provenientes de um dos países do grupo.
3
Passa-se a ter políticas comuns nas áreas econômicas, financeiras e
monetárias coordenadas pela autoridade supranacional (BÖHLKE, 2003, p. 40) e o
estabelecimento de uma moeda única (ACCIOLY, 2010, p. 41). Para Paulo Pitta e
Cunha,
a formação da união monetária implicará a cessão, por parte dos
Estados-membros, de um símbolo do poder exclusivo do Estado
soberano. A união monetária já tem, na verdade, implicações
significativas no p;ano da integração política, sendo difícil conceberse que venha a ter êxito caso não se enverede decididamente para o
estágio das fianças públicas federais (PITTA E CUNHA, apud
ACCIOLY, 2010, p. 42).
Por fim, a integração econômica total ou, para outros autores, como
Elizabeth Accioly, União Política, pressupõe a unificação das todas as políticas
monetárias, fiscais e sociais, em busca de um progresso do bloco. Ainda exige-se o
estabelecimento de uma autoridade supranacional que legisle e execute todas as normas
comunitárias (BALASSA, apud FERNANDES, p. 42).
2. DA COMUNIDADE ECONÔMICA DO CARVÃO E DO AÇO À UNIÃO
EUROPEIA
A União Europeia, principal bloco econômico e político do cenário
político internacional, ao longo de 62 anos, evoluiu de um mercado comum imperfeito a
uma União Econômica – com uma moeda comum a quase todos os seus membros. Esse
processo de integração retoma ao fim da 2ª Guerra Mundial, quando ressurgem os
pensamentos integracionistas europeus, com a abertura de efetivas negociações de
cooperação política para a integração (LESSA, 2003, p. 20).
Segundo Leonardo Ramos, esses teóricos integracionistas, em
especial os da corrente funcionalista, afirmavam que a Europa seria um sistema
internacional próspero e pacífico se houvesse uma maior cooperação internacional em
áreas ou em relação a tarefas funcionais específicas, que deveria ser colada sob o
comando de organizações internacionais separadas. O poder decisório sobre
determinados temas não deveriam estar condicionados aos interesses de um Estado, mas
do grupo de Estados que fizessem parte da organização. (RAMOS, 2009). A abordagem
a funcionalista previa a integração de temas da low politics para high politics
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Contudo, ainda pairava o receio de nova guerra generalizada na
Europa, em especial após a instauração de uma guerra velada entre EUA e URSS, a
guerra fria. Nesse período de pós 2ª Guerra Mundial, Europa tornou-se área de
influência imediata das duas potências, mas o interesse de cooperação, integração e
desenvolvimento coletivo tornava-se política de Estados.
Como forma de auxiliar na reconstrução da Europa e manter a
hegemonia na região, os EUA apresentaram o Plano Marshall, que não se limitava a um
aporte financeiro aos países europeus, incluindo a URSS - que negou a ajuda –, mas
estimulava a cooperação dos Estados em uma organização coletiva. Essa iniciativa deu
origem à Organização Europeia de Cooperação Econômica. Foi o primeiro passo para
um Concerto Europeu mais eficaz (LESSA, 2003, p. 28).
Além dos recursos financeiros americanos, o principal mecanismo
para a reconstrução econômica da França e da Alemanha eram as indústrias de carvão e
aço. Com receio de que a Alemanha Ocidental recuperasse seu poderia militar, o
Ministro de Negócios franceses, Robert Schuman, em 1950, apresentou um plano para a
exploração conjunta dos recursos de carvão e de aço da Europa Ocidental (LESSA,
2003, p. 36). O Plano Schuman, de abordagem gradualista, prévia
realizações concretas, ainda que limitadas, mas que permitissem a
criação de uma solidariedade de fato. (...) As instituições apresentadas
no Plano Schuman adquiriam um caráter francamente supranacional,
ganhando a forma de uma Alta Autoridade, cujas decisões ligariam os
Estados-membro, composta de membros independentes dos governos
nacionais e cujas decisões teriam execução plena nos diferentes
países. (LESSA, 2003, p. 36-37)
Dessas negociações, realizadas entre RFA, França, Itália, Bélgica,
Países Baixos e Luxemburgo – esses três já faziam parte de uma União Aduaneira
denominada Benelux –, surgiu a Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), em 1951. O
Tratado previa um mercado comum progressivo do carvão e do aço, implicando, em
consequência,
implicando
na
supressão
de direitos alfandegários,
restrições
quantitativas a livre circulação desses bens, de medidas discriminatórias e outros.
A CECA instituía assim o elemento supranacional: “o poder executivo
estava na mão da Alta Autoridade, que representava os interesses da Comunidade no
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seu todo e que não podia ser dissolvido pelo Conselho de Ministros – representante dos
Estados-membros” (LESSA, 2003, p. 37).
Após a entrada em vigor da CECA, em 1952, os Estados decidiram
relançar o projeto de uma Comunidade Europeia de Defesa, com exército comum.
Embora um tratado tenha sido assinado, os Estados da CECA decidiram pela
constituição de uma comunidade política paralela à Comunidade de Defesa.
Em 1954, na Conferência de Paris, foram assinados os acordos que
colocariam fim à ocupação da RFA e que criariam a União Europeia Ocidental (UEO),
instituição destinada a ser um elo entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte –
OTAN e os Estados Europeus, favorecendo a admissão da Alemanha na Aliança
Atlântica.
Em junho de 1955, os países do Benelux apresentaram projeto para o
relançamento do ímpeto integracionista, na forma de criação de um mercado comum
mais amplo que incluiria a livre circulação de bens, capitais e do trabalho. Em 1957
foram assinados os Tratados de Roma, criando a Comunidade Econômica Europeia,
marco fundamental do processo de construção da Europa, tinha como objetivo o
estabelecimento de um mercado comum entre os parceiros, e criando a Comunidade
Europeia de Energia Atômica – EURATOM, com o propósito de favorecer a formação e
o crescimento de uma indústria nuclear europeia.
A estrutura criada pelo Tratado se assemelhava a um Poder Executivo
comunitário que eram denominadas Comissões, independentes dos governos nacionais,
com poderes mais limitados do que aqueles que tinham a Alta Autoridade da CECA. O
tratado previa, ainda, a personalidade jurídica às duas instituições e a criação de uma
Política Agrícola Comum – PAC (LESSA, 2003, p.48).
A expansão do processo integracionista foi retardada com a ascensão
De Gaulle, novamente ao governo da França, em 1958. O General, símbolo da
resistência francesa na 2ª Guerra Mundial, via com péssimos olhos as instâncias
supranacionais criadas pelos Tratados de Roma, além de vetar a tentativa de o Reino
Unido entrar novamente no Mercado Comum. Para ele, a França “perderia sua
independência, uma vez que as decisões seriam tomadas de maneira supranacional, ou
seja, eventualmente impostas por uma maioria da qual o país não tomaria parte”
(LESSA, 2003, p. 54).
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Em 1965, o Mercado Comum entrava em crise, pois os Estadosmembros estavam reticentes quanto ao financiamento da política agrícola e à questão
decisória do Mercado Comum. Para se ter uma ideia,
From 1 July 1965 till 17 January 1966 France boycotted the
institutions of the Community, manifestly because of the failure to
reach agreement on the financing of the common agricultural policy.
Evidently, the house was not in order! (GALTUNG, 1973, p. 21).
O entrave político duraria até 1969. Nesse ano, o governo de Georges
Pompidou reaproxima a França das discussões da Comunidade Econômica Europeia, e,
na Cúpula de Haia, os Estados-membros decidiram concluir os processos em abertos, ou
seja a PAC, aprofundar na integração para a criação de uma união econômica e
monetária e, finalmente, expandir o bloco (LESSA, 2003, p. 64-65).
Foi acordada a criação de uma união econômica e monetária, as os
esforços seriam retardos visto que, em 1971, é declarado o fim do padrão ouro-dólar e o
início da crise do choque do petróleo em 1973. Acordou-se também que seriam
admitidos novos membros à Comunidade. Iniciou-se, assim, as negociações com o
Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Noruega. No início de 1973, entrou em vigor o
Tratado de Adesão da Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca à CEE. Como a Irlanda era
um país em desenvolvimento e com economia basicamente agrária, foi necessário um
processo de compensação para ajudar no desenvolvimento do país. A Noruega teve a
entrada no bloco aceita, mas um plebiscito interno rejeitou a participação do país na
Comunidade (LESSA, 2003).
Após a entrada de mais três países, a Comunidade passou a década de
1970 consolidando suas estruturas comunitárias e inovando em diversas áreas,
amadurecendo seu pensamento político e social em torno dos acertos e erros de todo o
processo (LESSA, 2003, p. 88).
Os primeiros ajustes necessários foram a fusão da Alta Autoridade da
CECA, da Comissão do Mercado Comum e da Euratom; as funções do Parlamento
também foram ampliadas, além de eleição direta para seus membros; entrou em vigor o
Sistema Monetário Europeu e o estabelecimento de moeda escritural para liquidação
entre os Bancos Centrais (LESSA, 2003, p. 85)
Na década seguinte, a Comunidade teve de lidar com a instabilidade
econômica e o encerramento de um longo ciclo de crescimento. Segundo Antônio
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Lessa, “os problemas criados pela recessão e as mudanças no sistema econômico
internacional foram persistentes e tiveram um impacto direto no desenvolvimento
político e econômico da Comunidade” (LESSA, 2003, p. 73). Além disso, a adesão da
Grécia, em 1981, à Comunidade trouxe a tona uma realidade diferente: um membro
com uma configuração econômica e social tendente ao subdesenvolvimento. Para lidar
com o que foi chamado de “Desafio grego”, os lideres da Europa dos Dez tiveram de
pressionar as políticas redistributivas da Comunidade. Esse problema ficaria ainda mais
evidente quando os países ibéricos aderiram ao Bloco, em 1986.
A Comunidade Europeia também trabalhava para a formação de uma
união política e um verdadeiro mercado único. Assim, em 1985, foi assinado o Ato
Único Europeu. O Ato expande a integração e fixa a data de 1992 para a criação da
União Europeia, insere novos temas nas discussões e na integração, como meio
ambiente, cooperação, tecnologia e pesquisa e estabelece a necessidade de um processo
decisório mais simplificado: as decisões deveriam ser decididas por maioria qualificada
em vários temas. (LESSA, 2003, p. 95)
Nesse meio termo, a Europa passa por uma mudança significativa em
seu cenário político: o fim da URSS. Com isso, tem-se a reunificação da Alemanha, o
inicio da transição dos países ex-socialistas para a economia de mercado e as incertezas
do fim da guerra fria.
As medidas do Ato Único Europeu, ao mesmo tempo em que
empurravam os parceiros para a desregulamentação de seus mercados nacionais,
criavam necessariamente novas regulamentações, em nível comunitário, para garantir
que as novas liberdades necessárias ao mercado unificado seriam efetivamente
implementadas (LESSA, 2003, p. 98). Era necessária, assim, uma reforma completa das
instituições. Para isso, foi assinado o Tratado de Maastricht, em 1992.
O Tratado de Maastricht “levou a cabo a mais profunda e ampla
revisão dos Tratados Comunitários deste os tratados de Paris e de Roma” (QUADROS,
apud CORREA JR, 2009, p. 53). As Comunidades Europeias seriam reunidas em uma
União Europeia com finalidades políticas e não apenas econômicas.
A União Europeia era criada sob três pilares: Comunidades Europeias
(CEE e EURATOM), regida pelo princípio da supranacionalidade – exercida pelo
Conselho Europeu – e com personalidade jurídica internacional (exercida pela
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Comissão Europeia) e trata de assuntos como meio ambiente e comércio; a Política
Externa e de Segurança Comum (PESC), com o estabelecimento de objetivos gerais e
consolidação da democracia e o estado de direito; e a Cooperação em Matéria Jurídica e
Policial (LESSA, 2003, p. 105)
O núcleo do Tratado ainda previa o estabelecimento de uma União
Econômica e Monetária, com a criação de moeda única, para o ano de 2002. Além
disso, o Tratado previa um processo revisor e o alargamento do Bloco, com a adesão de
Áustria, Finlândia e Suécia. Novamente a Noruega é aceita, mas um referendo popular
obsta a entrada do país no bloco.
A revisão das estruturas da União Europeia foi realizada no Tratado
de Amsterdã, de 1997. Ele
configurou o desenho da arquitetura europeia visualizada nos três
pilares sobre os quais se encontra alicerçada a União Europeia: o
primeiro refere-se à colaboração em matérias de política exterior e de
segurança comum; o segundo, à cooperação no âmbito judicial e
policial em matéria penal; e, por fim; no terceiro pilar estão as
Comunidades (SILVA, 2005. p. 35).
Ainda havia assuntos a serem reformados e melhorados, visto que
agora não eram mais 6 países, mas 15. Para isso, foi assinado o Tratado de Nice, de
2001, que foca na questão do alargamento do bloco e em uma nova tentativa revisora. O
principal ponto tratado era a ponderação dos votos dos membros, em especial com o
estabelecimento da “dupla maioria” para a aceitação de uma decisão. Caso não fossem
resolvidas essas questões, a adesão dos novos 10 membros seria inviável (CORRÊA
JR., 2009, p. 55).
Em 2004, acontece a maior expansão do bloco, com a entrada de
Estônia, Lituânia e Letônia, Polônia, Hungria, Republica Tcheca, Eslováquia,
Eslovênia, Mata e Chipre. Em 2007, é a vez de Bulgária e Romênia. Neste mesmo ano,
é estabelecido to Tratado de Lisboa.
O Tratado de Lisboa, ou “Constituição Europeia”, previa a
simplificação da complexa estrutura de normas formadas pelos diversos tratados
constitutivos e modificativos das Comunidades e da União Europeia, a delimitação
explícita das competências das Comunidades e da União Europeia, a definição da
tipologia das normas produzidas pelos órgãos comunitários, mediante adoção de um
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sistema jurídico hierarquizado, e, por fim, a convalidação das instituições comunitárias
(CORRÊA JR., 2009, p. 56).
O Tratado estabeleceu a personalidade jurídica para a União Europeia,
a criação de três cargos importantes:
Presidente do Conselho Europeu;
Alto Representante para Política Externa da União Europeia, assessorado
pelo Serviço de Ação Externa da União Europeia – corpo diplomático
próprio da União Europeia (CORRÊA, JR., 2009, p. 57);
Promotor Público da União Europeia – consolidação do judiciário
comunitário
O Tratado tornou juridicamente vinculante a Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia, que numa leitura mais detalhada e liberal, seria
permitido o aborto. Isso causou um problema na Irlanda, único país que teve que
realizar plebiscito para aprovar o Tratado. Acreditava-se que passaria facilmente na
Irlanda, mas foi rejeitado. Um ano depois, um novo plebiscito foi realizado, e o Tratado
foi aprovado porque algumas concessões foram feitas (sistema Vinculante e o Sistema
Opt-out – ressalvas).
Manteve ainda alguns sistemas de decisões do Tratado de Nice consenso –, mas cria novos, como o sistema simplificado de decisões por 55% dos
Estados e 65% da população a partir de 2014.
Por fim, o Tratado de Lisboa colocou fim ao sistema dos 3 pilares,
substituindo-os por níveis de domínio, sendo eles, a Competência Exclusiva – mantém a
soberania nacional e a de matérias supranacionais, como a Pesca –, Competência
Compartilhada – abarca a maioria dos temas, como políticas sociais, a PAC, os
transportes, a energia –, e a Competência Residual/ Subsidiária – promoção industrial,
por exemplo.
Em 2013, ocorreu a última expansão do bloco, com a entrada da
Croácia. Agora são 28 países, com uma população superior a 500 milhões de habitantes
e que, em 2005, movimentou 1/5 do comércio global (CORRÊA JR., 2009, p. 57).
Apesar das dificuldades, não há dúvidas de que a União Européia é uma experiência
benéfica para seus Estados-membros e exemplo para outros processos de integração.
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3. A SUPRANACIONALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA E A SOBERANIA
NACIONAL
A soberania sempre foi um dos principais formadores do Estado e,
segundo Dalmo Dallari, “é uma das bases da ideia de Estado Moderno” (DALLARI,
2002, p. 74). O mesmo autor afirma que
a soberania está sempre ligada a uma concepção de poder, pois
mesmo quando concebida como o centro unificador de uma ordem
está implícita a ideia de poder de unificação. (...) É o poder
incontrastável de querer coercitivamente e de fixar competências. (...)
A soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas:
como poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da
jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em ultima
instancia, sobre a eficácia de qualquer norma; como sinônimo de
independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos
Estados que desejam afirmar, sobretudo ao próprio povo, não serem
mais submissos a qualquer potencia estrangeira (DALLARI, 2002, p.
79-84).
Até o século XIX, quando os tratados eram basicamente de comércio e
navegação, e os governantes não aceitavam qualquer possibilidade de gerência externa
em seus territórios, esse conceito de soberania absoluto poderia ser utilizado de forma
ampla e irrestrita. Porém, a soberania como controle total do território e das normas
internas não é mais a adotada nos dias atuais. A partir do Séc. XX, surgem entidades
criadas pelos próprios Estados com atribuições e poderes de se impor contra as decisões
unilaterais dos países-membros (ACCIOLY, 2010, p. 144).
Jorge Miranda afirma ainda que
hoje a soberania não pode ser entendida como antes, no entanto a
soberania ainda tema quilo que se pode chamar de conteúdo
essencial, a soberania de um Estado consiste num certo conjunto de
faculdades e principalmente num certo conjunto de meios para o
exercício dessas faculdades com os demais Estados na vida
internacional, pelo menos em igualdade jurídica, prevalece a ideia de
igualdade (MIRANDA apud ACCIOLY, 2010, p. 144).
A evolução do conceito de soberania permitiu que fossem criados e
aperfeiçoados modelos de integração econômica e política. A União Europeia é o
11
exemplo mais bem sucedido de como a delegação de poder a órgãos supranacionais
podem superar as desavenças políticas e econômicas.
Elizabeth Accioly afirma que
a experiência da União Europeia ensina que uma das mais dificieis
tarefas da construo integracionista foi a aceitação da soberania
partilhada pelos Estados-membros, fato que veio a ser debatido mais
efusivamente quando da entrada em vigor do Tratado da União
Europeia, em 1993, que veio reforçar as suas características federais,
no âmbito político, sócia e econômico, com a ousada meta de se criar
uma moeda única, para além de se avançar numa Política de
Segurança e Defesa comum (ACCIOLY, 2010, p. 144).
Segundo Pierre Pescatore, “a ideia preconcebida de soberania
indivisível fecha os olhos do espírito do fenômeno da integração” (PESCATORE apud
SILVA, 2005, p. 54). O autor lista três elementos essenciais à supranacionalidade,
sendo eles, o reconhecimento dos valores comuns, a submissão de determinados
poderes a serviço do cumprimento desses valores comuns e a existência de autonomia
desse
poder.
(ACCIOLY,
instrumentalizam-se
na
2010,
p.
145).
delegação
de
poderes,
Esses
elementos
fator
combinados
fundamental
para
a
supranacionalidade das instituições.
Cabe ressaltar que delegação de poderes não pode ser confundida com
transferência de atribuições. No primeiro, a titularidade dos poderes conserva-se no
órgão ou no sujeito delegante, sem cessão definitiva, “enquanto que na transferência de
poderes há uma alienação desses poderes da parte de quem até então era – e deixa de ser
– seu titular, (...), cedendo definitivamente os respectivos poderes para nunca mais se
poder reavê-los” (QUADROS apud ACCIOLY, 2010, p. 145-6).
Na União Europeia, é exatamente essa delegação que regem as
instâncias supranacionais. “No âmbito do bloco europeu, os Estados aceitam delegar
competências às instituições europeias e passam a respeitar as decisões emanadas desse
poder superior, dessa instituição supranacional” (MACHADO, 2011, p. 150)
As Constituições estatais possuem dispositivos que permitem a
delegação de algumas competências e estabelecem outros para que as normas emanadas
dos órgãos supranacionais sejam recepcionadas pelos Estados delegantes (ACCIOLy,
2010, p. 146),
12
No artigo 23, da Constituição alemã, que trata da União Europeia, por
exemplo, está previsto que:
1. Para a edificação de uma Europa unida, a República Federal da
Alemanha contribui para o desenvolvimento da União Europeia que
deverá respeitar os princípios da democracia, do Estado de direito, do
Estado social e federativo com o princípio da subsidiariedade e que
garante uma proteção dos direitos fundamentais substancialmente
comparável à lei fundamental. Para este feito, a Federação pode
transferir direitos de soberania por uma lei aprovada pelo
`Bunderast`” (ACCIOLY, 2010, p. 146, nota 173).
Na União Europeia, a supranacionalidade não está apenas nas
instancias administrativas, mas também no bloco como um todo e nas normas jurídicas,
que ostentam primazia frente ao Direito interno dos países-membros. O bloco, as
instituições e as fontes comunitárias são órgãos supranacionais.
Nesse diapasão, a União Européia estaria então organizada em um
Conselho Europeu, formado pelos Chefes de Estados e Ministros de Relações
Exteriores, e responsável pelas diretrizes políticas do bloco. O Conselho da União
Européia, de nível ministerial, é a mais importante instância na estrutura decisória
comunitária, traduzindo a expressão da vontade dos Estados-Membros e exercendo
várias funções essenciais no desenvolvimento da integração européia. É o principal
órgão executivo, legislativo, junto com o Parlamento Europeu, e orçamentário. Segundo
Diego Machado, “cabe a ele definir as políticas da União e desenvolver atividades de
coordenação do bloco, deliberando, em regra, por maioria qualificada” (MACHADO,
2011, p. 155).
O Parlamento Europeu paulatinamente tem ganhado mais funções. É a
expressão democrática dos milhões de cidadãos europeus e passou a ter co-decisão com
o Conselho em alguns temas (LESSA, 2003, p. 139). É uma instituição supranacional,
de caráter essencialmente político, que também é responsável pela definição do
orçamento e as prioridades dentro do Bloco. Diferente de outros parlamentos, cabe ao
Parlamento Europeu exercer funções de controle político ou supervisão e de consulta,
além da eleição do presidente da Comissão Europeia (MACHADO, 2011, p. 153).
A Comissão Europeia é o órgão executivo e o motor do sistema
institucional da União Européia. Ele tem a função de promover o interesse geral da
Instituição, velando pela aplicabilidade dos tratados, bem como das medidas adotadas
13
pelas demais instituições do bloco. Além disso, os atos legislativos da União Europeia
“só podem ser adotados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos
tratados. Desta forma, infere-se que essas fontes de Direito Comunitário, em regra, são
propostas pela Comissão” (MACHADO, 2011, p. 157).
Outro órgão supranacional da União Europeia é o Tribunal Europeu
de Justiça, que aprecia litígios em que podem ser partes os Estados-membros, as
instituições comunitárias, as empresas e os cidadãos europeus, além de verificar a boa
execução do orçamento da União (LESSA, 2003, p. 142). Segundo Diego Machado, na
Corte do Bloco vigora uma ampla acessibilidade jurisdicional, mais um elemento do
desenvolvimento integracionaista da União Europeia. O Tribunal pode ainda
funcionar como um tribunal internacional (quando decide litígios
envolvendo Estados-membros), como uma corte constitucional (quando
fiscaliza a legalidade dos atos adotados pelas instituições do bloco) ou como
tribunal administrativo (quando julga recursos de qualquer pessoa física ou
jurídica). (MACHADO, 2011, p. 159).
Os outros organismos e agências são o Comitê Econômico e Social
Europeu, órgão consultivo, o Banco Europeu de Investimentos, instituição financeira de
fomento, o Comitê das Regiões, órgão consultivo, O Tribunal de Contas da União
Europeia e o Banco Central Europeu, responsável por monitorar os impactos do Euro
em todas as dimensões da integração (LESSA, 2003, p. 146-54).
Como poder supranacional, as instituições da União Europeia
“operam à luz do princípio de equilíbrio institucional, baseado na colaboração e diálogo
interno imprescindíveis para o bom funcionamento do enredado tecido de interrelações
comunitárias” (SILVA, 2005, p. 59)
Assim, o desenvolvimento político e econômico do Bloco Europeu
rumo a uma possível União Econômica Total ou União Política se deu graças ao
fortalecimento
das
instituições
supranacionais
que
articularam
iniciativas
e
competências comunitárias e nacionais para a realização de ações de interesses comuns.
Os custos de curto prazo, principalmente, a delegação de algumas competências da
soberania nacional para a instância comunitária, podem trazer “benefícios políticos e
sociais que, em longo prazo, compensam os poderes perdidos na sua implementação”
(LESSA, 2003, p. 157).
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Por fim, a soberania permanece viva, pois a nação continua sendo a
depositária da soberania popular, e o aspecto original, o exercício de determinados
poderes, é delegado à organização internacional (SILVA, 2005, p. 55).
CONCLUSÃO
A integração regional foi o “divisor de águas” na aproximação de
antigos rivais europeus – França e Alemanha – e no desenvolvimento da região nas
décadas que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial. O processo de integração,
defendido pelos teóricos do integracionismo, foi fundamental para a construção de uma
Europa próspera e com um papel nas Relações Internacionais além do previsto.
Como mencionado ao longo do artigo, muitos teóricos defendiam que
a Europa somente seria um sistema internacional próspero se se empenhasse em
estabelecer um ambiente propício para a integração regional. E conseguiu. De um
mercado comum imperfeito para carvão e aço, com seis países – França, Alemanha,
Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália –, a União Europeia abarca um universo de 500
milhões de habitantes, em 28 países, e um orçamento acordado para 2014-2020 de 960
bilhões de euros.
Pode-se compreender que a União Europeia, embora seja um bloco sui
generis das relações jurídicas internacionais, é exemplo para as demais propostas de
integração regional espalhadas pelo planeta. É um bloco que foi além de isenções de
tarifas e liberdade de circulação de capitais e pessoas. A União Europeia mostrou que os
Estados precisam criar instituições com características supranacionais que legislam e
executam funções para a comunidade em si, e não mais para um ou outro Estado. É
preciso delegar soberania a um ente que trabalhe para o bloco.
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