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2010 - Sobre a estética de "Persepolis"

2010, Anima Rural (Blog)

O longa-metragem de animação Persepolis (2007) deriva da novela gráfica criada pela artista de origem iraniana Marjane Satrapi, publicada originalmente em francês, a partir de 2000, por L'Association. Os desenhos dessa obra são caracterizados por um primitivismo intencional, pela simplicidade linear e por fortes contrastes de branco e preto, que remetem aos resultados obtidos por técnicas gráficas tradicionais, em especial a xilogravura popular (uma comparação com, por exemplo, as ilustrações da chamada literatura de cordel brasileira não seria aqui descabida). A ausência quase total de nuances e de meias-tintas foi mesmo por vezes interpretada como uma alusão ao suposto maniqueismo da constituição teocrática implantada no Irã em 1979, que elevou o aiatolá Khomeini ao posto de Guia Supremo da república iraniana. . Capa e uma página da versão em quadrinhos de Persepolis, de Marjane Satrapi.

15/02/2019 Anima Rural: Sobre a estética de Persepolis domingo, 27 de junho de 2010 Anima Rural Sobre a estética de Persepolis Anima Rural é um projeto de extensão vinculado ao Departamento de Artes da UFRRJ, que visa à exibição de curtas e longas metragens de Cinema de Animação, realizados em diferentes países, desde os primeiros experimentos dessa arte até a produção contemporânea. As sessões são gratuitas e abertas a todos os membros da comunidade da UFRRJ e aos demais interessados. As sessões são, ademais, complementadas por palestras e debates, que focam em especial o processo de criação dos filmes exibidos e suas relações com outras formas de arte. O longa-metragem de animação Persepolis (2007) deriva da novela gráfica criada pela artista de origem iraniana Marjane Satrapi, publicada originalmente em francês, a partir de 2000, por L'Association. Os desenhos dessa obra são caracterizados por um primitivismo intencional, pela simplicidade linear e por fortes contrastes de branco e preto, que remetem aos resultados obtidos por técnicas gráficas tradicionais, em especial a xilogravura popular (uma comparação com, por exemplo, as ilustrações da chamada literatura de cordel brasileira não seria aqui descabida). A ausência quase total de nuances e de meias-tintas foi mesmo por vezes interpretada como uma alusão ao suposto maniqueismo da constituição teocrática implantada no Irã em 1979, que elevou o aiatolá Khomeini ao posto de Guia Supremo da república iraniana. . Arquivo do Blog ► ► 2012 (4) ► ► 2011 (9) Capa e uma página da versão em quadrinhos de Persepolis, de Marjane Satrapi. . Fotograma de Persepolis (2007) . Todavia, se a estética da animação é bastante calcada na concepção visual criada por Satrapi para os quadrinhos, simultaneamente, ela se revela mais variada e sutil no seu emprego de tons, cores e referências visuais. Por um lado, a simplicidade do desenho e o contraste exclusivo entre áreas chapadas de branco e preto se mantêm, caracterizando especialmente os personagens - fato que, ao menos em parte, parece se relacionar ao desejo de facilitar os trabalhos de animação. Por outro lado, a ambientação e os cenários de fundo são geralmente repletos de refinadas nuances de cinza e as cenas que retratam o dia-a-dia atual da Marjane adulta fogem completamente da estrita monocromia, sendo colorizadas com delicadeza. . http://cineclubeanimarural.blogspot.com/2010/06/sobre-estetica-de-persepolis_27.html 1/4 15/02/2019 Fotogramas de Persepolis (2007) . Em boa medida, essas e outras divergências verificáveis entre a estética dos quadrinhos e a da animação parecem derivar das necessidades levantadas pela transposição entre as duas técnicas artísticas diversas. Para solucioná-las, Satrapi e o co-diretor de Persepolis, Vincent Paronnaud, se referendaram, em grande medida, ao visual de certas correntes do cinema live-action, mais do a animações stricto sensu. Como Satrapi exprimiu a esse respeito: . Penso que [o visual de Persepolis] poderia ser definido como “realismo estilizado”, porque queríamos um desenho completamente verossímil, não um cartoon. Portanto, diferente de um cartoon, não tínhamos muita margem em termos de expressão facial e movimento. […] Sempre fui obcecada pelos filmes pós-guerra do neo-realismo italiano e do expressionismo alemão, e muito cedo entendi o porquê. Na Alemanha pós-Primeira Guerra, a economia estava tão devastada que não era permitido rodar filmes em locações, eles eram rodados em estúdios, usando evocativas e impressionantes formas geométricas. Na Itália pós-Segunda Guerra, a situação era a mesma, mas o resultado foi o avesso - eles rodavam filmes nas ruas, com atores desconhecidos, pois não tinham dinheiro. Em ambas as escolas, você encontra uma espécie de esperança em pessoas que passaram pela guerra e experimentaram grande desespero. Eu mesmo sou uma pessoa pós-guerra, tendo atravessado os 8 anos da guerra Irã-Iraque. O filme é uma combinação de expressionismo alemão e neo-realismo italiano. Ele combina cenas bem prosaicas, bem realistas, e uma abordagem altamente estilizada, com imagens por vezes tocando as raias da abstração.[1] . Filmes norte-americanos P&B, da década de 1950, reminiscentes do expressionismo alemão, como O Mensageiro do Diabo (The Night Of The Hunter, 1955), de Charles Laughton, e A Marca da Maldade (Touch of Evil, 1958), de Orson Welles, foram igualmente citados por Paronnaud como referências para a identidade visual particular da versão animada de Persepolis.[2] . Robert Mitchum em The Night of the Hunter (1955), dirigido por Charles Laughton. . Um outro fator que favorece a diversidade estética em Persepolis é maneira como a própria história é narrada: nos dias atuais (em cores), uma Marjane adulta relembra a sua vida em grandes flashbacks (em P&B), que são, por sua vez, intercalados com seus sonhos e visões e com os relatos de vivências de outros personagens. A passagem entre esses diversos níveis de realidade favorece as mudanças nos estilos da animação e, especialmente no caso dos relatos dentro do relato-mor, esses estilos adquirem um forte acento étnico. . Assim, por exemplo, quando o pai da pequena ‘Marji’ explica como o Xá chegou ao poder no Irã, as figuras mostradas passam, de pronto, a agir como bonecos, confinados à caixa cênica de um teatro de fantoches. A artificialidade da ambientação, em planos sobrepostos, e do movimento dos personagens evoca manifestações culturais bastante difundidas no Oriente Médio, como o Karagöz, o teatro de sombras turco, que, desde o início da era moderna, influenciou profundamente a arte http://cineclubeanimarural.blogspot.com/2010/06/sobre-estetica-de-persepolis_27.html 2/4 15/02/2019 das marionetes nessa região. . Fotogramas de Persepolis (2007). O Karagöz, teatro de sombras turco,visto da platéia e dos bastidores. Ou, ainda, quando Anouche, tio de Marjane, relata a fracassada independência do Azerbeijão e a sua fuga dificultosa para a antiga União Soviética, toda a sequência, com a sua justaposição de diversos padrões decorativos e com a espacialidade vagamente isométrica de seus cenários, parece pagar tributo à estética estilizada das miniaturas persas.. . Fotogramas de Persepolis (2007) . http://cineclubeanimarural.blogspot.com/2010/06/sobre-estetica-de-persepolis_27.html 3/4 15/02/2019 O Jardim da Rosa, ilustração do Khamsa de Djami, 1553. . Arthur Valle _____ . [1] "I guess it could be defined as "stylized realism," because we wanted the drawing to be completely life-like, not like a cartoon. Therefore, unlike a cartoon, we didn't have that much of a margin in terms of facial expressions and movement. [...] I've always been obsessed with the post-war film schools of Italian neo-realism and German expressionism and soon understood why. In post-WWI Germany, the economy was so devastated that they couldn't afford to shoot films on location, and so they were shot in studios using mood and amazing geometrical shapes. In post-WWII Italy, the same happened, but things turned out the opposite - they shot films in the streets with unknown actors because they had no money. In both schools, you find the kind of hope in people who went through the war and experienced great despair. I am myself a post-war person having lived through the 8 year war between Iraq and Iran. The film is a combination of sorts; of German expressionism and Italian neo-realism. It features very down-to-earth, realistic scenes, and a highly design-oriented approach, with images sometimes bordering on the abstract." Interview with Marjane Satrapi - Director/Author. Disponível em: http://www.hellosanfrancisco.com/shared/movies/Persepolis.cfm , aba Details. Acesso 26 jun. 2010. [2] "Did you watch films together before starting to work on Persepolis? / I did watch a few films like The Night Of The Hunter and Touch of Evil, and some action films like Duel which taught me a lot about editing." In: Interview with Vincent Paronnaud - Director. Disponível em: http://www.hellosanfrancisco.com/shared/movies/Persepolis.cfm, aba Details. Acesso 26 jun. 2010, e a entrevista com Satrapi e Paronnaud em Drawn to life. Disponível em: http://www.nytimes.com/packages/html/movies/20071225_PERSEPOLIS_FEATURE/index.html Acesso 26 jun. 2010. http://cineclubeanimarural.blogspot.com/2010/06/sobre-estetica-de-persepolis_27.html 4/4