Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Anais da I Semana de Arqueologia, Suplemento 8: 197-205, 2009
Micromorfologia de depósitos arqueológicos
Ximena Suárez Villagrán*
VILLAGRÁN, X. S. Micromorfologia de depósitos arqueológicos. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo,
Suplemento 8: 197-205, 2009.
Resumo: A micromorfologia de depósitos arqueológicos está ocupando progressivamente um lugar
primordial nas pesquisas geoarqueológicas. Considerada o complemento muitas vezes necessário das
técnicas sedimentológicas padrão, esta ferramenta de análise representa o nexo campo-laboratório
ao habilitar a observação na escala microscópica da realidade descrita a partir da avaliação dos perfis
estratigráficos no campo e dos dados quantitativos obtidos no laboratório. Neste artigo, os fundamentos
da técnica são apresentados com um protocolo para a correta amostragem, secagem, impregnação e
laminação de amostras arqueossedimentares para análise micromorfológica, que leva em consideração a
natureza dos materiais e os objetivos da pesquisa.
Palavras-chave: Micromorfologia – Sedimentos arqueológicos – Geoarqueologia.
1. Introdução
Desde a década de 1990 tem aparecido
nos meios de divulgação científica uma
grande quantidade de pesquisas que utilizam a
micromorfologia de solos na resolução de ampla
diversidade de questões arqueológicas. Estas
questões estão principalmente relacionadas
à identificação e caracterização de pisos de
ocupação vinculados a diversas atividades dentro
dos sítios (Gé et al. 1993; Goldberg;Whitbread
1993; Gebhardt; Langohr 1999; Courty 2001;
MacPhail et al. 2004), ao reconhecimento de
atividades agrícolas (MacPhail et al. 1990a) ou
pesqueiras (Simpson et al. 2000), aos processos
de formação de sítio (Simpson; Barret 1996;
Matthews et al. 1997; Simpson et al. 1999;
Creemengs 2005), às mudanças paleoambientais
registradas nos sedimentos arqueológicos
(Karkanas 2002), aos tipos de combustíveis
utilizados nos depósitos (Simpson et al. 2003),
entre outros diversos temas de estudo.
Mas a micromorfologia não é uma ciência
em si mesma, senão uma ferramenta de pesquisa
(*) Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP).
Mestrado. Bolsista FAPESP.
[email protected].
que permite o estudo de amostras intactas de
solos e sedimentos com a ajuda de técnicas de
microscopia (Delvigne 1998). Foi originalmente
formulada por Kubiena na década de 1930,
e sua primeira aplicação em arqueologia
remonta à década de 1950 com os trabalhos
de Cronwall (1958) e Darlymple (1958) que
demonstraram a utilidade desta técnica em
estudos paleoambientais e geocronológicos. Não
obstante, foi na década de 1980 que floresceram
suas aplicações em arqueologia com a publicação
dos primeiros trabalhos de autores como Goldberg
(1979; 1983), MacPhail (1983) e Courty (1983).
A micromorfologia estuda os constituintes
de solos e sedimentos e suas relações (tipos de
organizações, hierarquias entre componentes
e cronologia das organizações) para identificar
os processos responsáveis pela sua formação e
transformação, assim como para explicar algumas
de suas feições particulares. Trabalha com
constituintes e organizações na ordem de medida
dos mm e principalmente dos µm e trata-se de
uma técnica de laboratório complementar entre as
análises físicas, químicas e mineralógicas, que não
pode estar desvinculada do trabalho de campo
prévio.
O valor da micromorfologia dentro das
pesquisas geoarqueológicas está na sua capacidade
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de responder a uma ampla variedade de questões
que não se alcançam através das técnicas de
laboratório padrão (Courty et al. 1989; MacPhail
et al. 1990b; Davidson et al. 1992; Matthews
et al. 1997; MacPhail; Cruise 2001; Courty
2001; Courty; Fedoroff 2002), principalmente
relacionadas com a atuação conjunta de agentes
humanos e naturais na formação e transformação
dos sedimentos arqueológicos.
A utilização da micromorfologia em
geoarqueologia pode ser fundamental
para alcançar um melhor e mais completo
conhecimento dos processos de formação de sítio,
já que permite identificar as relações entre os
constituintes dos sedimentos arqueológicos, assim
como as hierarquias entre os processos atuantes
na sua configuração (processos deposicionais,
pós-deposicionais, naturais e antrópicos). Da
mesma maneira, a análise na escala microscópica
proporciona o nexo campo-laboratório (Solé
1991) que habilita a observação direta tanto da
realidade qualitativa descrita em campo (através
da descrição dos perfis), como dos dados físicos
e composicionais quantitativos obtidos no
laboratório.
Atualmente, a micromorfologia de depósitos
arqueológicos encontra-se numa conjuntura
de trajetórias divergentes, herdadas de duas
disciplinas das ciências da Terra, a pedologia
e a sedimentologia. Porém, diferentemente
da micromorfologia de solos e da petrografia
sedimentar, interessadas pela dinâmica das
organizações pedológicas e sedimentares
respectivamente, a micromorfologia de
depósitos arqueológicos integra ambas as
abordagens outorgando uma dimensão original
aos estudos micromorfológicos. Ela vincula-se às transformações de solos e sedimentos
pelas atividades humanas (Courty; Fedoroff
2002), elemento quase sempre ignorado pela
sedimentologia e vinculado exclusivamente às
práticas agrícolas na pedologia.
A micromorfologia está atualmente
experimentando um momento de glória e
ampla difusão, principalmente por esforços em
colocar a técnica como panacéia dos problemas
geoarqueológicos. Porém, dado os altos custos que
exige, tanto em campo e laboratório como em
formação de pessoal especializado, esta técnica
deve ser aplicada com objetivos claros, e sempre
como técnica complementar para compreender
o papel da ação antrópica na configuração do
registro arqueossedimentar.
2. Fundamentos
O estudo microscópico de lâminas
delgadas de solos e sedimentos, finalidade da
micromorfologia, fundamenta-se na obtenção
em campo de amostras não perturbadas. Isto é
geralmente feito mediante a utilização de caixas
de amostragem que se introduzem no perfil
estratigráfico dos sítios para extrair blocos de
material inalterado.
O tamanho das amostras vai depender da
natureza do perfil sob estudo e dos objetivos
da pesquisa, ao mesmo tempo relacionado
com o tamanho de lâmina que se queira obter.
Geralmente as lâminas de tamanho “mamut” são as
mais usadas em micromorfologia (13,5 x 6,5 cm),
mas lâminas de dimensões médias (7,5 x 4,5 cm)
também podem ser usadas, todas elas com entre 25
e 30µm de espessura.
As caixas de amostragem devem sempre ter
pelo menos um centímetro a mais que o tamanho
de lâmina desejada; por exemplo, para confecção
de lâminas mamut a caixa deve ter no mínimo
14,5 x 7,5 cm. A espessura das caixas deve ser
sempre de pelo menos 5,0cm e estas podem ser de
alumínio (conhecidas como “caixas de kubiena”),
ou de papel cartão, dependendo da fragilidade
do sedimento amostrado. As caixas de papel
cartão além de ser economicamente favoráveis
não precisam ser retiradas na impregnação,
diferentemente das caixas de Kubiena que devem
ser desmontadas.
Blocos irregulares de sedimento inalterado
também podem ser extraídos do perfil sem a ajuda
das caixinhas de amostragem, especialmente em
sedimentos muito compactos e com inclusões
líticas ou cerâmicas que impedem a introdução
das caixinhas. Em outros casos podem se esculpir
os blocos no perfil e cobrir-se com gesso que cura
in situ, o que permite a retirada e transporte de
amostras maiores. Deve-se lembrar que a caixa
tem principalmente uma função de proteção do
material durante amostragem e transporte até o
laboratório, principalmente em amostras friáveis e
incoesas, mas sua utilização não é obrigatória em
micromorfologia.
Para amostragem, um bloco de material
sedimentar, com as dimensões do recipiente de
amostragem, deve ser esculpido cuidadosamente
no perfil. Este processo requer de extrema
paciência e precisão, pelo qual não deve nunca
ser deixado como última tarefa após um dia de
trabalho de campo. Para esculpir o bloco, e para
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liberá-lo quando estiver pronto, é suficiente uma
boa faca de cozinha de entre 15cm a 20cm de
comprimento. Uma vez obtido o bloco, encaixa-se o recipiente de amostragem nele e efetua-se a
extração da amostra do perfil. Uma vez extraída,
a amostra deve ser embrulhada com filme de PVC
(“magic pack”) e fita crepe, sempre indicando a
orientação dos blocos no perfil com uma flecha,
para ser finalmente colocada no recipiente onde
será transportada até o laboratório.
Fig. 1. Procedimento de amostragem para micromorfologia: 1) escultura do bloco, classificação, e orientação
no perfil. 2) extração. 3) acondicionamento da amostra.
A escolha das posições de amostragem ao
longo de um perfil já fotografado e descrito,
geralmente é realizada com o objetivo de abranger
a totalidade das mudanças estratigráficas que
nele se observam, com ênfase nos limites entre
camadas (Courty et al. 1989; Goldberg; MacPhail
2003). Porém, a amostragem também pode ser
feita para responder perguntas pontuais sobre a
natureza das unidades arqueoestratigráficas ou
arqueofácies que compõem o perfil, a possível
existência de pisos de ocupação, o significado de
uma coloração específica no sedimento etc.
Fig. 2. Exemplo de localização dos blocos de amostragem
para micromorfologia em perfil estratigráfico. Sítio
Jabuticabeira II (Jaguaruna II, Santa Catarina).
3. Preparação das amostras no laboratório
Solos e sedimentos são materiais friáveis que
devem ser endurecidos para confecção de lâminas
delgadas. Três são os passos fundamentais na
preparação de amostras para micromorfologia:
secagem, impregnação e laminação. Cada uma
destas etapas deve ser desenhada em função
da natureza dos sedimentos amostrados para
minimizar as possíveis alterações da fábrica1
original ao longo do processo de elaboração dos
blocos impregnados.
Existe uma extensa bibliografia disponível
sobre secagem e impregnação de amostras de
solos para estudos micromorfológicos (Brewer
1964; Conway 1982; Murphy 1982, 1985,
1986; Castro 1985; Chartres et al. 1989; Moran
et al. 1989; de Paula et al. 1991; Carter 1993;
Fitzpatrick 1993; Filizola; Gomes 2004), que
pode guiar nos procedimentos mais adequados de
acordo à natureza das amostras. Não obstante,
sempre é recomendável coletar blocos inalterados
(1) O termo “fábrica” é definido por Bullock et al.(1985)
como a organização total do solo, expressada pelo arranjo
espacial dos componentes do solo (sólido, líquido, gasoso),
e sua forma, tamanho e frequência, considerados do ponto
de vista funcional, genético e evolutivo.
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adicionais que permitam ensaiar e elaborar o
procedimento de secagem e impregnação que
melhor se ajuste ao material amostrado.
As resinas utilizadas para impregnação de
amostras incoesas são hidrofóbicas, portanto
a água deve ser totalmente removida dos
sedimentos. Na maioria dos laboratórios a
secagem das amostras se realiza ao ar durante
aproximadamente 48 horas, ou até que o peso
se torne constante, e na estufa a temperatura
baixa (40º C no máximo) até a amostra secar
completamente. Este procedimento de secagem
é altamente eficiente em areias ou siltes que não
sofrem encolhimento na estufa, mas para materiais
muito orgânicos ou ricos em argilas expansivas,
que na estufa sofreriam severas diminuições no
seu volume2 com produção de gretas artefatuais, é
recomendado o uso de acetona, especialmente na
sua forma liquida, para substituir a água nos poros
prévia à impregnação das amostras (para maior
informação sobre secagem por substituição com
acetona ver Murphy 1982, 1985, 1986; Conway
1982; Chartres et al. 1989; Moran et al. 1989;
Carter 1993).
O material de impregnação ideal deve
cumprir cinco requisitos fundamentais (Brewer
1964; Murphy 1986): ter baixa viscosidade; se
diluir em acetona ou álcool; secar em bloco rígido
sem requerer de condições extremas; não mudar
a estrutura física das amostras; ser totalmente
isotrópico e incolor na secção delgada; e não
emitir vapores daninhos.
Duas resinas são frequentementeutilizadas
na impregnação de solos e sedimentos: as de
poliéster e as de epóxi. Estas são misturadas
com um material diluente, para aumentar
sua viscosidade, mais o catalizador (para
polimerização) que favorecerá sua cura em
material rígido. Embora a resina de poliéster
permita obter os melhores resultados em termos
de impregnação, o monômero de estireno
utilizado como agente diluente é altamente
tóxico, o que tem provocado o abandono do
seu uso em laboratórios especializados. Porém,
a resina de epóxi comercialmente conhecida
como Araldite, menos nociva à saúde e não
(2) A secagem ao forno produz um encolhimento de
um 14% em amostras argilosas, isto não só provoca a
redução na quantidade de poros, mas também corta sua
continuidade, o que impossibilita a impregnação total
inclusive a alto vácuo (Murphy 1986).
destrói a matéria orgânica contida no solo
ou sedimento (dissolvida pelo monômero de
estireno), também demonstrou resultados
satisfatórios e tem sido adotada como substituto
das resinas de poliéster na maioria dos
laboratórios de micromorfologia.
A solução de impregnação (resina +
endurecedor + diluente) é preparada num béquer
com auxílio de um bastão de vidro e sempre
na capela. A proporção entre componentes
da solução dependerá da resina escolhida. Em
termos gerais, para resina poliéster a proporção
é: 55% polylite, 45% monômero de estierno, 3%
catalizador peróxido de metil-etil-cetona por 100g
de resina (Castro 1985; de Paula et al. 1991). Para
a resina Araldite às proporções são as seguintes:
50% em peso de Araldite, 5% de endurecedor e
45 ± 5% de álcool anidro ou acetona (de Paula et
al. 1991).
Para impregnação, as amostras são colocadas
em bandejas de plástico resistente ou alumínio
dentro de um dissecador conectado a uma
bomba de vácuo com uma pressão negativa de
aproximadamente 17 libras/pol2. A utilização de
vácuo facilitará a ascensão capilar e favorecerá a
penetração total da resina nos poros. Através de
uma abertura na tampa do dissecador coloca-se
um funil de decantação que permitirá o ingresso
paulatino da resina no recipiente que contêm
a amostra. O gotejamento de resina deve ser
controlado por uma presilha de controle de fluxo
presa ao tubo flexível de gotejamento. Deve-se lembrar que a resina nunca deve ser vertida
diretamente sobre a amostra, mas na base do
recipiente onde será absorvida por capilaridade.
Também se deve cuidar que o nível de resina
no recipiente nunca ultrapasse a frente de
molhamento na amostra.
O procedimento de impregnação a vácuo
continua até o bloco ficar totalmente molhado e
coberto de resina, o que leva aproximadamente 8
horas. Após a impregnação, a amostra é deixada
no dissecador por algumas horas e colocada numa
capela por 48 horas, onde começa o processo de
cura. Posteriormente, é colocada na estufa a 40-50º C durante 5 a 6 dias até atingir a completa
polimerização. Os tempos de cura apresentados
neste trabalho são aproximados, já que são
altamente dependentes do tipo de resina utilizado
na impregnação. A resina poliéster, por exemplo,
tem uma cura mais lenta que pode levar até um
mês, enquanto a resina araldite pode curar em até
48 horas.
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Fig. 3. Esquema de impregnação no laboratório de
amostras de solos e sedimentos para micromorfologia,
adaptado de Courty et al. (1989:59).
Em algumas ocasiões a resina não alcança
impregnar a totalidade do bloco (ver figura
4), por causa de alta viscosidade na solução
de impregnação ou por alta concentração de
materiais finos na amostra. Nestes casos, pode
se pingar a resina manualmente ou no vácuo
naqueles locais que sofreram impregnação
incompleta. Este procedimento, embora permita
a correção de uma impregnação insuficiente,
provoca alterações da fábrica original e deve ser
evitado mediante o desenho de um procedimento
de impregnação eficiente.
Finalmente, a laminação dos blocos é feita
com ajuda de uma serra adiamantada para
obter plaquetas de aproximadamente 5mm de
espessura. Essas plaquetas são coladas em lâmina
de vidro com bálsamo de Canadá. As lâminas são
posteriormente afinadas e polidas até alcançar a
espessura de ± 30µ. Lamínulas podem ser coladas
em função dos objetivos da análise.
O procedimento de laminação pode ser
feito em qualquer laboratório de laminação de
rochas ou de solos consolidados, com a única
variante de que em laboratórios de rochas as
lâminas vão ser de dimensão petrográfica (2,5cm
x 4,5cm) e em laboratórios de solos serão de
superfície maior, o qual é mais recomendável para
estudos micromorfológicos. No Estado de São
Paulo, existem dois laboratórios especializados
na confecção de lâminas delgadas de solos e
sedimentos que oferecem serviços de impregnação
e laminação no tamanho mamut (o mais
recomendado para análise micromorfológica):
o Laboratório de Micromorfologia de Solos da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(ESALQ/USP); e o Laboratório de Solos do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
Fig. 4. Fotografias e dois blocos impregnados e serrados. O bloco à direita (1) foi impregnado completamente,
ou seja, a resina conseguiu penetrar com sucesso na totalidade dos poros. O bloco à esquerda (2) sofreu uma
impregnação incompleta e deverá ser impregnado novamente, mas com menor chance de sucesso e maior
alteração da fábrica original.
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4. Análise
A análise micromorfológica é realizada com
a ajuda de lupas e de microscópios ópticos de luz
polarizada em aumentos de x2,5 até x400 , tanto
em Luz Plana Polarizada (PPL), Luz Polarizada
Cruzada (XPL) e Luz Incidente Oblíqua (OIL). A
combinação de diferentes formas de iluminação
permite realizar um número considerável de
testes ópticos sobre os materiais estudados que
respaldarão sua identificação. As lâminas também
podem ser submetidas à microscopia eletrônica de
varredura (MEV) e à microanálise, desde que não
estejam recobertas por lamínula.
A descrição deve ser feita de acordo com
os guias internacionalmente estabelecidos para
a análise micromorfológica, principalmente o
manual de Stoops (2003), Bullock et al. (1985) e
o de Courty, Goldberg e MacPhail (1989) para a
interpretação de materiais arqueológicos.
Fig. 5. Fotomicrografia em PPL da camada preta que recobre o Sítio Jabuticabeira II. Observam-se grãos de
quartzo (q), fragmentos de carvão © e diversos fragmentos de osso (o).
5. Considerações finais
O poder de resolução da micromorfologia,
em questões relacionadas com a identificação das
transformações antrópicas em solos e sedimentos
naturais e em sedimentos arqueológicos, é
inquestionável. A capacidade de observar
na escala microscópica os componentes
sedimentares, suas relações e hierarquias, vai
indefectivelmente outorgar informações valiosas
para o conhecimento dos processos de formação e
transformação dos depósitos arqueológicos.
Porém, nada é tão simples e perfeito em
micromorfologia. Frequentemente esta técnica
peca em não outorgar uma base sólida e clara que
permita a interpretação cultural, objetivo da nossa
disciplina, a partir desse registro microscópico.
Até que ponto informações na escala dos µm
vão nos prover de ferramentas interpretativas na
escala de uma população humana? Como pode a
observação de feições microscópicas auxiliar no
entendimento das relações sociais e da estrutura
econômica de uma sociedade? É extremamente
necessário que a geoarqueologia, como disciplina
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interface entre as ciências naturais e as ciências
humanas, consiga construir essa ponte entre
a descrição e análise de atributos físicos e
químicos relacionados com processos naturais (e
neste caso microscópicos) e a interpretação de
comportamentos humanos.
A micromorfologia por si mesma não
soluciona a vida do geoarqueólogo, como muitos
autores tentam colocar, e sua aplicação cega não
garante o sucesso da pesquisa. O geoarqueólogo,
como arqueólogo, sempre deverá atuar como
link entre a valorização do mundo empírico e a
elucidação do mundo comportamental, valendo-se de ferramentas analíticas geocientíficas (como
a geoquímica, a micromorfologia, a microscopia
eletrônica de varredura entre outras), mas
também de artifícios interpretativos para alcançar
a tão anelada explicação cultural.
VILLAGRÁN, X. S. Micromorphology of archaeological deposits. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo,
Suplemento 8: 197-205, 2009.
Abstract: Micromophology of archaeological deposits is progressively acquiring a primordial
place in geoarchaeological research. Frequently considered as a necessary complement of standard
sedimentological techniques, this analytical tool represents the link between field and laboratory studies
as it allows observation in the microscopic scale of stratigraphic profiles description made from field
evaluation and quantitative data obtained from laboratory analysis. In this paper, the fundaments of this
technique are presented together with a protocol for the correct sampling, drying, impregnation and
lamination of archaeosedimentary samples for micromorphological analyses, that considers the nature of
the materials under study and the research objectives.
Keywords: Micromorphology - Archaeological sediments - Geoarchaeology
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