Organizadores
Emir Sader
Fernanda Gdynia
Leonardo Magalhães
Maria Villarreal
O Porta l Bra sil Con tem p orâ n eo:
Min a s Gera is
PROJETO
Portal Brasil Contemporâneo
EXECUTOR
Sader Assessoria e Participações
ORGANIZADORES
Emir Sader
Fernanda Gdynia
Leonardo Magalhães
Maria Villarreal
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Renata Duarte
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons
Atribuição 4.0 Internacional
PATROCINADORES
COPASA
Governo do Estado de Minas Gerais
CAPTAÇÃO DE RECURSOS
Lei de Incentivo à Cultura
minas.portalbrasilcontemporaneo.com.br
P842
Portal Brasil Contemporâneo, 2018 O Portal Brasil Contemporâneo: Minas Gerais / organizadores Emir Sader,
Fernanda Gdynia, Leonardo Magalhães, María Villarreal. –
Rio de Janeiro: Périplos, 2018.
604 p. ; E-book ; 19618 KB
ISBN 978-85-92920-03-6
Minas Gerais 2. Sociedade. 3. Política 4. Economia
5. Território I. Título.
CDD 080
O Portal Brasil Contemporâneo: Minas Gerais
Organização
Emir Sader
Fernanda Gdynia
Leonardo Magalhães
Maria Villarreal
Autores
Adinei Almeida Crisóstomo
Ana Flávia Rocha de Araújo
Andréa Maria Narciso Rocha de Paula
Angelo Oswaldo de Araújo Santos
Bruno Viveiros Martins
Cezar Manoel de Medeiros
Christian Guimarães
Danilo Araujo Marques
Gildette Soares Fonseca
Gustavo Dias
Ivanir Alves Corgosinho
José Antônio de Souza Queiroz
Juarez Guimarães
Leonel de O. Pinheiro
Lilian Maria Santos
Luiz Dulci
Marcela Telles Elian de Lima
Maria Cecília Cordeiro Pires
Maria Evaristo dos Santos
Pedro Moreira
Rosilene Rocha
Victória Pinho e Godinho
Virgílio Guimarães de Paula
Virginia Siqueira Starling
Vladimir de Paula Brito
Périplos
Rio de Janeiro
2018
APRESENTAÇÃO
O Brasil vive um momento intenso de desafios políticos, sociais e econômicos
no qual a cultura e o conhecimento afirmam-se como valiosos fatores de
desenvolvimento.
Nossa perspectiva é reunir, por meio da criação de um acervo bibliográfico
e documental, rico conteúdo sobre o Brasil Contemporâneo, tornando-se
obra de referência virtual nos mais variados temas como arquitetura, artes
visuais, cinema, dança, educação, esportes, diversidade cultural, gastronomia,
gênero, geografia, juventude, literatura, meios de comunicação, movimentos
populares, música, política, relações internacionais, teatro e trabalho. Nesse
contexto, as novas tecnologias assumem papel essencial. A internet revela-se o
melhor espaço para acesso democrático a divulgação ampla e gratuita deste
conteúdo. Também apresenta-se como sistema de armazenamento seguro, a
atualização ágil e consulta integrada de um acervo crescente.
O Portal Brasil Contemporâneo (http://portalbrasilcontemporaneo.com.br/)
pretende ser uma obra de referência de conteúdo sobre nossa atualidade,
no modelo elaborado para o premiado livro Latinoamericana – Enciclopédia
Contemporânea da América Latina e do Caribe, aliando-se ao desafio da
inclusão digital no país. Divulgando conteúdo inédito em português, espanhol
e inglês para a rede mundial web, disponibilizaremos espaço a novas reflexões,
olhares e pensamentos sobre o Brasil. Em sua apresentação, conterá verbetes
escrito pelos melhores especialistas de cada tema. Além de verbetes sobre
os principais personagens da história brasileira recente, de nossa cultura,
instituições, e de acontecimentos. Nossa missão é criar um portal para cada
estado brasileiro, que reúnam conteúdo plural e de qualidade sobre nosso país,
como pontos de partida para se pensar possibilidades e conjunturas de nossa
atualidade. Como obras de referência proporcionaremos novas experiências
ao público reunindo conteúdo geolocalizado e ricamente ilustrado de livre
acesso sobre nossa cultura, sociedade e política.
Emir Sader
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Território
Cultura
Turismo
Esportes
Migrações
mineiras
Belo Horizonte
Culinária
Meios de
comunicação
Tem á tica s
Minas Gerais
Movimentos
sociais
Política
contemporânea
Situação e
política agrária
Meio ambiente
Economia
Transportes
e energia
Segurança
pública
Políticas
sociais
Tem á tica s
Educação
Sumário
Verbete Minas Gerais
A GEOGRAFIA DE MINAS .........................................................................................................18
OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO ...................................................................................................20
AS REGIÕES ................................................................................................................................23
MINAS GERAIS E SUA DIVISÃO EM REGIÕES DE PLANEJAMENTO ........................................24
METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE .............................................................................26
CAMPO DAS VERTENTES .....................................................................................................26
SUL – SUDOESTE ...................................................................................................................27
CENTRO-OESTE ....................................................................................................................27
ZONA DA MATA..................................................................................................................28
VALE DO RIO DOCE............................................................................................................29
VALE DO MUCURI ...............................................................................................................29
JEQUITINHONHA ..................................................................................................................30
NORTE DE MINAS ................................................................................................................30
NOROESTE DE MINAS ..........................................................................................................31
TRIÂNGULO – ALTO PARANAIBA.........................................................................................31
POPULAÇÃO ............................................................................................................................32
Território
COMPLEXO SANTUáRIO DO CARAÇA ..............................................................................39
INSTINTO INHOTIM ..............................................................................................................40
Arte Contemporânea ....................................................................................................41
JARDIM BOTÂNICO ............................................................................................................41
LAGO DE FURNAS ...............................................................................................................42
História .............................................................................................................................42
Atividades ........................................................................................................................43
MERCADO CENTRAL DE BELO HORIZONTE .......................................................................43
História ................................................................................................................................. 43
PARQUE DAS áGUAS DE SÃO LOURENÇO .......................................................................44
Centro hidroterápico – Balneário SPA .........................................................................45
Fontes................................................................................................................................45
Fonte Oriental ..................................................................................................................45
Fonte José Carlos de Andrade .....................................................................................45
Fonte Ferruginosa............................................................................................................46
Fonte Andrade Figuera...................................................................................................46
PARQUE ESTADUAL DO IBITIPOCA......................................................................................46
PARQUE MUNICIPAL DAS MANGABEIRAS .........................................................................48
VISTA DO MIRANTE DO PARQUE DAS MANGABEIRAS.......................................................48
SERRA DA CANASTRA..........................................................................................................49
PARQUE NACIONAL SERRA DO CIPÓ ...............................................................................50
SANTUáRIO BOM JESUS DE MATOZINHOS ........................................................................51
Igreja..................................................................................................................................52
Os doze Profetas..............................................................................................................52
SÃO THOMé DAS LETRAS.....................................................................................................53
História...............................................................................................................................53
Principais Pontos Turísticos .............................................................................................54
Gruta São Thomé ....................................................................................................54
Igreja Nossa Senhora do Rosário ...........................................................................54
Pedra da Bruxa ........................................................................................................54
Gruta do Carimbado ..............................................................................................54
Vale das Borboletas .................................................................................................54
Casa da Pirâmide ...................................................................................................54
Cachoeira Shangri-lá ..............................................................................................54
SERRO...................................................................................................................................55
belo Horizonte
FUNDAMENTOS ....................................................................................................................57
NO DUPLO VINTE, UMA CIDADE DEBUTANTE ...................................................................58
Minas Gerais, a antecipação de Belo Horizonte........................................................60
Belo Horizonte, uma antecipação de Brasília ............................................................62
Belo Horizonte, Século II: “incipta vita nova” .............................................................68
Cultura
MINAS GERAIS: A CULTURA CONTEMPORÂNEA ...............................................................73
BARROCO, MODERNISMO E GUIGNARD ..........................................................................75
TRANSFORMAÇÕES ACELERADAS APÓS A DéCADA DE 60 ............................................77
INHOTIM E EXPANSÃO DA ARTE CONTEMPORÂNEA ........................................................78
PROTAGONISMO EM NOVAS VERTENTES DA MúSICA .....................................................82
DANÇA PRESENTE NA CENA INTERNACIONAL .................................................................84
PRODUÇÃO PROFUSA NA PLURALIDADE DAS LETRAS ....................................................85
ARTES CêNICAS OCUPAM PALCO E RUA .........................................................................88
UMA GERAÇÃO DINÂMICA à FRENTE DO AUDIOVISUAL ................................................91
FEIJÃO, ANGU, COUVE E PÃO DE QUEIJO .......................................................................93
“SOU DO MUNDO, SOU DO OURO, SOU MINAS GERAIS” ...............................................94
PERSONALIDADES .............................................................................................................95
turisMo
MINAS GERAIS à BEIRA DOS CAMINHOS .......................................................................106
Caminho Velho ............................................................................................................107
Caminho Novo .............................................................................................................112
Caminho dos Diamantes ............................................................................................114
Caminho de Sabarabuçu ...........................................................................................117
BELO HORIZONTE ..............................................................................................................119
Parque Municipal .........................................................................................................121
Pampulha ......................................................................................................................122
Circuito Cultural Praça da Liberdade........................................................................123
Os arredores de Belo Horizonte ................................................................................125
A TRADIÇÃO DO CARNAVAL EM MINAS GERAIS ..........................................................125
O CIRCUITO DAS áGUAS .................................................................................................126
O ECOTURISMO E O TURISMO DE AVENTURA .................................................................128
Ecoturismo .....................................................................................................................128
Turismo de Aventura ....................................................................................................131
VIAJANTES E TURISTAS: ALGUMAS REFLEXÕES A TíTULO DE CONCLUSÃO ....................131
Culinária
O AMARELO DO OURO NO BRANCO DO QUEIJO: FOME E FARTURA NA CULINáRIA DAS
MINAS.................................................................................................................................139
A CANASTRA, O SERRO E O PÃO DE QUEIJO: A FABRICAÇÃO DE LATICíNIOS EM MINAS
GERAIS ...............................................................................................................................142
AS OUTRAS RIQUEZAS DA TERRA: GRÃOS, FRUTOS, PLANTAS E SEUS SABORES ......................145
OS FARTOS MARES DE MINAS ...........................................................................................151
A BRANQUINHA QUE PASSARINHO NÃO BEBE: A CACHAÇA E SEU LUGAR NA MESA
MINEIRA ..............................................................................................................................152
MINEIRíSSIMA COZINHA....................................................................................................157
esportes
O CICLISMO E O TURFE ....................................................................................................163
EDUCAÇÃO FíSICA ..........................................................................................................165
MINAS TêNIS CLUBE (1937) ...............................................................................................166
FUTEBOL .............................................................................................................................168
Clube Atlético Mineiro (1908)......................................................................................172
América Futebol Clube (1912)....................................................................................175
Cruzeiro Esporte Clube (1921)....................................................................................178
Estádio Independência (1950)....................................................................................182
Estádio Mineirão (1965)................................................................................................183
PERSPECTIVAS FUTURAS ...................................................................................................185
MiGrações Mineiras
MIGRAÇÃO INTRAESTADUAL EM MINAS GERAIS ............................................................190
MIGRAÇÃO INTERESTADUAL DE MINAS GERAIS .............................................................197
MIGRAÇÃO INTERNACIONAL DE MINAS GERAIS ...........................................................202
Meios de CoMuniCação
DIáRIO DE MINAS: O JORNAL (QUASE) OFICIAL QUE INCUBOU UMA REVOLUÇÃO
CULTURAL ................................................................................................................................219
ESTADO DE MINAS: A LONGA VIDA DE UM JORNAL ENVOLVIDO COM A POLíTICA
NACIONAL ..............................................................................................................................221
FOLHA DE MINAS: O DIáRIO QUE NASCEU ANTAGONISTA ...............................................223
BINôMIO: ENTRE O DEBOCHE E A DENúNCIA POLíTICA ....................................................225
DE FATO: O MINEIRO ALTERNATIVO .....................................................................................227
SUPLEMENTO LITERáRIO DO MINAS GERAIS: UM ESPAÇO DE EXPERIMENTAÇÃO
CULTURAL REFUGIADO NA BARRIGA DA IMPRENSA OFICIAL ...........................................229
IMPRENSA REGIONAL: O INTERIOR TAMBéM IRRADIA INFORMAÇÃO COM
CRIATIVIDADE .........................................................................................................................231
SUPER NOTíCIA: A NOVA CARA E LINGUAGEM DA IMPRENSA EM MINAS GERAIS..........233
RáDIO E TV .......................................................................................................................235
Rádio Mineira ................................................................................................................236
Rádio Guarani 96,5 FM ................................................................................................238
Rádio Inconfidência AM 880 e FM 100,9 ...................................................................239
Rádio Itatiaia AM 610 e FM 95,7 .................................................................................240
Rádio Autêntica 106,7 Favela FM...............................................................................242
TV Itacolomi, Canal 4 .................................................................................................243
TV Alterosa, Canal 5 ....................................................................................................244
TV Globo Minas, Canal 12 ..........................................................................................246
TV Bandeirantes, Canal 7............................................................................................247
eduCação
O DESMONTE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA EDUCAÇÃO E A REGULAÇÃO
AUTORITáRIA ....................................................................................................................253
OUVIR PARA GOVERNAR.................................................................................................255
INDICADORES EDUCACIONAIS EM 2015 ........................................................................256
ESCOLAS DEMOCRáTICAS ..............................................................................................257
EDUCAÇÃO 2015/2018 .....................................................................................................261
Dados gerais da Rede ................................................................................................261
Nomeações ..................................................................................................................261
Aposentadorias ............................................................................................................261
ACORDO HISTÓRICO E EVOLUÇÃO SALARIAL ..............................................................262
PROGRESSÕES E PROMOÇÕES .......................................................................................262
EDUCAÇÃO INTEGRAL E INTEGRADA – ENSINO MéDIO EM TEMPO INTEGRAL ............262
REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ............................................................263
ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO DIFERENCIADO (APD) .......................................263
AVALIAÇÃO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (ANA) .....................................................264
ENSINO MéDIO NOTURNO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...............................264
VIRADA EDUCAÇÃO (VEM) .............................................................................................265
INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS ...................................................................................265
PROGRAMA DE CONVIVêNCIA DEMOCRáTICA ...........................................................265
INICIAÇÃO CIENTíFICA .....................................................................................................266
CONFERêNCIA DE EDUCAÇÃO ......................................................................................266
OBMEP ..............................................................................................................................266
MoViMentos soCiais
MOVIMENTOS SOCIAIS EM MINAS GERAIS NO SéCULO XXI ..........................................269
O AMBIENTE POLíTICO NO ESTADO DE MINAS GERAIS ENTRE OS ANOS 2000 E 2014 ......269
PERFIL DOS CONFLITOS SOCIAIS EM MINAS GERAIS ......................................................281
VERBETES COMPLEMENTARES ..........................................................................................293
polítiCa ConteMporânea
O CLARO ENIGMA DOS MINEIROS E A REPúBLICA DEMOCRáTICA ..................317
REVOLUÇÃO PASSIVA OU REVOLUÇÃO DEMOCRáTICA? ....................................327
Situação e Política Agrária
O campesinato e a política agrária em Minas Gerais ...................................331
A MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CAMPO A PARTIR DA DéCADA DE 1960 .............335
O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA PAUTA AGRáRIA........337
A RESPOSTA NEOLIBERAL E A QUESTÃO AGRáRIA CONTEMPORÂNEA EM MINAS......339
A QUESTÃO FUNDIáRIA EM MINAS..............................................................................343
A LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS.......................................................................347
Meio aMbiente
QUEM TE VIU, QUEM TE Vê: AS PAISAGENS MINEIRAS E SEUS PROCESSOS DE
TRANSFORMAÇÃO................................................................................................................365
O QUE VEM DE MINAS E O QUE DELA FIZEMOS: EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS
E IMPACTOS NO MEIO AMBIENTE .....................................................................................372
UM FUTURO SUSTENTáVEL? – INICIATIVAS E PROJETOS DE CONSERVAÇÃO EM MINAS
GERAIS ................................................................................................................................381
eConoMia
CENáRIO E INDICADORES DE DESEMPENHO DE MINAS GERAIS EM 2014 – BASE PARA O PMDI
– PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO -2015/2018 ............................389
O PMDI (PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO) 2015-2018 – PRINCIPAIS
CARACTERíSTICAS.................................................................................................................393
Redução das desigualdades sociais e regionais – PDTIs.........................................395
Diversificação, modernização e atração de empresas de base tecnológica e de
setores que MG reune vantagens comparativas.....................................................397
Infraestrutura – Estruturação de externalidades para atrair investimentos ..........398
transportes e enerGia
AS ESTRADAS DE MINAS ................................................................................................413
Malha rodoviária ..........................................................................................................414
Navegação fluvial .......................................................................................................418
As ferrovias ....................................................................................................................422
ENERGIA, INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTISMO .....................................426
seGurança públiCa
CONTEXTO ORIGINáRIO ..................................................................................................443
FORMAÇÕES ORIGINáRIAS DAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA...................................447
SEGURANÇA NAS MINAS NO DECORRER DO SéCULO XIX ...........................................452
SEGURANÇA PúBLICA NO ALVORECER DA REPúBLICA ................................................459
O INIMIGO INTERNO DO PERíODO MILITAR ....................................................................467
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: UM NOVO MARCO? ...............................................469
A SEGURANÇA PúBLICA NO ESTADO DE MINAS GERAIS ..............................................479
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................514
polítiCas soCiais
LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................525
CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E ECONôMICA DO ESTADO..............................................528
O PLANEJAMENTO EM MINAS GERAIS: AS POLíTICAS SOCIAIS NOS PLANOS MINEIROS
DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ..............................................................................540
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2000 – 2003 ................................541
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2003 – 2020 ................................541
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2007 – 2023 ................................542
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2011 – 2030 ................................542
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2016 – 2027 ................................543
O PLANEJADO E O POSSíVEL – CRISE FINANCEIRA, LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E
AS RESTRIÇÕES à AÇÃO DO ESTADO..............................................................................545
AS POLíTICAS SOCIAIS EM CURSO EM MG......................................................................547
Os Territórios de Desenvolvimento e os Fóruns Regionais .......................................554
A Assistência Social - O SUAS em Minas Gerais.........................................................556
Proteção Social Básica..........................................................................................557
Apoio Técnico e Educação Permanente ..........................................................559
Programa de Aprimoramento da Rede Socioassistencial do Sistema único de
Assistência Social– Rede Cuidar ..........................................................................563
Proteção Social Especial .......................................................................................566
As ações voltadas para o mundo do trabalho e a empregabilidade .................567
Mercado de Trabalho e Mundo do Trabalho ....................................................568
Economia Popular Solidaria...................................................................................568
Resultados da prática da Economia Popular Solidária em Minas Gerais 568
Cenário da Economia Solidária em Minas Gerais .............................................570
O papel das mulheres na Economia Popular Solidária.....................................571
Sistema de Emprego: a busca ativa....................................................................572
Educação Profissional ...........................................................................................574
Juventudes – Cooperação para Promoção da Autonomia Jovem.....................575
Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo ...........581
Projeto Sementes Presentes..................................................................................586
ANEXOS.............................................................................................................................591
SISTEMA úNICO DE ASSISTêNCIA SOCIAL – SUAS.......................................................591
CREAS / CREAS REGIONAL..........................................................................................594
CENTRO DE REFERêNCIA DE ASSISTêNCIA SOCIAL (CRAS) ......................................595
FAMíLIA ACOLHEDORA ................................................................................................595
REGIONALIZAÇÃO........................................................................................................596
POBREZA MULTIDIMENSIONAL ......................................................................................597
O PROTAGONISMO JUVENIL NO CONTEXTO DO PROGRAMA JUVENTUDES........597
PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL ........................................................................598
INTERSETORIALIDADE......................................................................................................599
O Porta l Bra sil
Verbete
Mina s Gera is
por Luiz Dulce
O
estado de Minas Gerais está
situado no Sudeste do Brasil,
sendo o mais extenso dessa
parte do país, com 588.383 km2. é um
estado mediterrâneo, sem acesso
ao mar. Limita-se com a Bahia, o
Espírito Santo, o Rio de Janeiro, São
Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás.
Portanto, constitui um território de
ligação entre distintas áreas do país,
com suas respectivas realidades
naturais e socioeconômicas. As várias
regiões que compõem Minas Gerais
correspondem a essa diferenciação
de paisagens e culturas.
17
A GEOGRAFIA DE MINAS
O território mineiro é composto em
grande medida por terras altas. A
leste e sudeste se encontram as serras
da Mantiqueira e do Caparaó, bem
como vasta área de planaltos. é a
parte mais elevada. Ao centro, a
serra do Espinhaço, que segue para
o nordeste do estado. Do centro
para o norte, localiza-se a depressão
do rio São Francisco. E a oeste, os
chapadões do Triângulo Mineiro e
da área contígua a Goiás.
O clima varia de acordo com essas
características do relevo. São três
tipos marcantes. No norte do estado,
tem-se o clima tropical semiárido,
quente e seco, com p¬ou¬ca chuva.
Na maior parte de Minas, observa-se
18
o clima tropical semiúmido, que¬nte,
com estações definidas: chuvas no
verão e seca no inverno, quando
a temperatura é mais fresca. Por
fim, no centro e no Sul, predomina
o clima tropical de altitude, que
difere do semiúmido por ser mais
frio, semelhante ao do Sul do país. É
particularmente frio nas serras.
As chuvas se distribuem de modo
variado. Há áreas com baixa
precipitação, como os extremos
norte, nordeste e leste. Aumentam as
chuvas no Oeste, no Sul e no centro.
As serras (Mantiqueira, Canastra e
Espinhaço) são os pontos onde mais
chove, ao passo que os vales do São
Francisco e do Jequitinhonha estão
no caso oposto, com muita seca.
O estado de Minas Gerais foi
chamado de “caixa d’agua do Brasil”,
pelo fato de abrigar as nascentes
de diversos rios importantes do país.
Juntamente com seus afluentes,
eles formam bacias que chegam a
ocupar extensões consideráveis.
A maior bacia é a do rio São
Francisco, que se estende por quase
40% do território mineiro. O rio São
Francisco nasce na Serra da Canastra,
no centro-oeste do estado, e desce
na direção norte, rumo ao estado da
Bahia. De seu curso total de 2.830 km,
percorre em Minas 1.206 km e nesse
seu trecho inicial recebe grande
número de afluentes, dos quais os
principais são, pela margem direita,
o rio das Velhas, o Verde Grande, o
Paraopeba e o Pará, e pela margem
esquerda o Paracatu e o Urucuia.
A segunda maior bacia é a do
rio Paraná, o qual é formado
pelo encontro dos rios Grande e
Paranaíba, no bico do Triângulo
Mineiro. O rio Grande, com 1.432
km de curso, nasce na Serra da
Mantiqueira, percorre o Sul de Minas
e depois serve de divisa entre Minas
e São Paulo. O rio Paranaíba, com
1.148 km, também assinala a fronteira
natural com Goiás e Mato Grosso do
Sul.
Outras bacias demarcam áreas
características do território mineiro e
suas águas descem para o Oceano
Atlântico através dos estados
litorâneos vizinhos.
O rio Doce
atravessa o leste de Minas e segue
para o mar no estado do Espírito
Santo, ao longo de 853 km. Por sua
vez, o rio Jequitinhonha cruza o
nordeste do estado e chega à sua
foz, no sul da Bahia, após 1.090 km de
19
percurso, dos quais 876 km em Minas.
Curso semelhante, de Minas para o
sul da Bahia, é o do rio Mucuri, com
446 km de extensão, e o do rio Pardo,
com 565 km.
Deve-se mencionar ainda o rio
Paraíba do Sul, na fronteira com o
Rio de Janeiro, com afluentes do lado
mineiro: os rios Pomba, Paraibuna e
Muriaé são os principais. A bacia
abrange ao todo 56.500 km2, sendo
20.900 km2 em Minas.
OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
Minas Gerais é um estado muito
heterogêneo, cuja unidade é
basicamente político-administrativa,
sem grande integração econômica
nem cultural entre suas partes.
E essa característica se liga, em
grande medida, ao processo de
ocupação do território com seus
desdobramentos ao longo do tempo.
Até o século XVII era habitada por
diversos grupos indígenas, como
os Caiapó, os Bororo, os Puris e os
chamados Botocudos. As incursões
dos portugueses e dos colonos
nativos, seus descendentes, eram
raras. Em meados daquele século, os
bandeirantes paulistas desbravaram
a região em busca de riquezas, até
que houve a descoberta do ouro
em 1694. Houve grande afluxo de
pessoas no decorrer do século XVIII,
vindas primeiro de São Paulo, em
seguida de outras áreas do Brasil
e principalmente de Portugal. A
aquisição de escravos negros foi
intensa. A atividade aurífera fixou
a população e gerou cidades na
área central (depois chamada de
Zona Metalúrgica), onde ficavam
as principais minas de ouro. O
centro político-administrativo ali se
estabeleceu e permanece até hoje.
A mineração do ouro decaiu na
segunda metade do século XVIII,
mas já então a população mineira
detinha a primazia no Brasil, condição
que manteve até o início do século
20
XX. No primeiro censo demográfico,
realizado em 1872, os habitantes
de Minas correspondiam a mais de
20% da população do país. E essa
proporção se manteve até o censo
de 1920.
indígenas que até então circulavam,
como povos nômades que eram, por
todas essas áreas. Os índios foram
combatidos como selvagens ou
então cristianizados e assimilados à
cultura luso-brasileira.
Com a maior população, Minas
possuía também uma parcela
elevada de poder no cenário
nacional, o que se evidenciou na
época da Monarquia e continuou
na Primeira República.
Economicamente, a extração
do ouro não foi substituída por
outra atividade tão lucrativa. Daí
a imagem de decadência da
região que surgiu e perdurou, em
contraste com a opulência anterior.
Essa imagem exerceu forte efeito
político, pois motivou esforços
de sucessivas gerações da elite
mineira para implantar estratégias
de recuperação econômica. No
entanto, era uma visão demasiado
pessimista. Houve crescimento, talvez
lento, mas não decadência. O fato
de que a população permaneceu
A maior parte dos habitantes, após o
auge da mineração, se transferiu do
meio urbano para o rural. Esse singular
processo de ruralização significou
a ocupação humana e produtiva
das demais zonas do atual território
mineiro no decorrer do século XIX. Tal
deslocamento de pessoas resultou na
destruição gradual das comunidades
21
dentro de Minas, inclusive o vasto
contingente de escravos, indica
que a economia se reciclou, em
atividades de subsistência e de
produção comercial. Expandiu-se
um circuito entre as localidades,
que dava para sustentar toda
aquela sociedade. Esta foi a base do
desenvolvimento da agricultura para
o mercado interno (notadamente
cereais) e do importante pecuária
regional, de bovinos e suínos, com
seus subprodutos, como o leite, os
queijos e as carnes de porco, tão
característicos da presença mineira
no Brasil.
A cultura do café se estabeleceu
no meio do século XIX, na Zona da
Mata, trazendo consigo as ferrovias
e financiando indústrias. Porém só na
Mata o nexo café-indústria funcionou.
O segmento têxtil, que era o carrochefe da indústria, se fixou também
22
em outras partes, sobretudo na velha
área central, por meio do capital
de comerciantes e fazendeiros.
Houve também algum investimento
estrangeiro em setores específicos.
A indústria mineira, que começou
com a mineração, prosseguiu com
tecidos e alimentos (laticínios,
açúcar) e se estendeu para outros
bens de consumo familiar. Esse
modelo era interessante para
incentivar empreendimentos nas
diversas zonas do território mineiro.
O governo favorecia a diversificação
produtiva conforme as vocações
locais, abrangendo não só a indústria
como também a agricultura que
se procurava modernizar. Era uma
espécie de política de substituição de
importações, mas que só funcionaria
num cenário de relativo isolamento.
Porém, tão logo o mercado brasileiro
se nacionalizou, nos anos 1930,
a situação de Minas se revelou
difícil diante de seus vizinhos mais
competitivos.
Em meados do século XX, o foco
se deslocou para a especialização
produtiva, com base nos vastos
recursos minerais da região. A
siderurgia já estava em andamento
desde antes e ganhou centralidade.
Ao mesmo tempo, expandiu-se a
mineração em escala moderna,
principalmente do ferro, com
a criação da Cia. Vale do Rio
Doce. Esta opção nunca agradou
inteiramente aos mineiros, mas foi
trazendo resultados sob a forma de
impostos, empregos e salários, junto
com grandes passivos ambientais.
O novo modelo de especialização
parecia mais viável no cenário
econômico do Brasil pautado pelo
nacional-desenvolvimentismo. No
entanto, supunha concentração
de capitais e de renda nas regiões
dinâmicas, como o Centro, a Zona
Metalúrgica e o contíguo Vale do
Aço, onde se localizam as principais
usinas siderúrgicas. As desigualdades
internas ao estado foram assim
acentuadas.
Não obstante, novas possibilidades
de desenvolvimento econômico se
abriram para outras zonas do estado.
A cafeicultura voltou a ganhar
proeminência no último quarto do
século XX, quando Minas se tornou
o principal estado produtor. Ocupa
parte relevante da Zona Sul, mas não
se limita a esta, pois emergiram outras
áreas promissoras, como a do café
do Cerrado.
Outras culturas comerciais ganharam
espaço, em particular a soja e a cana.
No Triângulo Mineiro se implantaram
muitas usinas de açúcar e álcool.
Prossegue a produção de cereais
para o mercado interno, atividade
tradicional. O mesmo acontece com
a pecuária. A indústria de laticínios é
uma marca do estado.
AS REGIÕES
A diversidade entre as regiões
mineiras tem sido destacada nos
estudos sobre a sua economia e
sua cultura. Uma ideia que ganhou
popularidade é a de diferenciar entre
as Minas e as Gerais, ou seja, entre a
área que se originou da civilização
do ouro e o resto do estado, fruto do
processo de ruralização pós-colonial.
As Gerais, nesse sentido, não são
consideradas propriamente mineiras.
São inclusive muito diferentes entre si.
Como classificá-las?
Para fins administrativos, o governo
estadual elaborou um critério
oficial de regionalização, que
resultou no estabelecimento de
doze mesorregiões ou regiões de
planejamento, mostradas no mapa
seguinte.
23
A população do estado, distribuída por essas regiões de planejamento, foi
assim apurada pelo Censo Demográfico de 2010:
POPULAÇÃO DE MINAS GERAIS POR REGIÕES (2010)
Metropolitana de BH
6.236.118
Sul/Sudoeste de Minas
2.438.610
Zona da Mata
2.173.374
Triângulo/Alto Paranaíba
2.144.482
Vale do Rio Doce
1.620.993
Norte de Minas
1.610.413
Oeste de Minas
955.029
Jequitinhonha
699.414
Campo das Vertentes
554.354
Central Mineira
412.716
Vale do Mucur
385.413
Noroeste de Minas
366.418
Fonte: Censo Demográfico de 2010.
A distribuição populacional por regiões pode ser complementada pela lista
dos municípios mais populosos, os quais se distribuem pelas diversas áreas do
estado:
MINAS GERAIS E SUA DIVISÃO EM REGIÕES DE PLANEJAMENTO
24
MUNICIPIOS MAIS POPULOSOS DE MINAS GERAIS (2010)
Município
População
Localização regional
Belo Horizonte
2.375.151
Metropolitana
Uberlândia
604.013
Triângulo
Contagem
603.442
Metropolitana
Juiz de Fora
516.247
Zona da Mata
Betim
378.915
Metropolitana
Montes Claro
361.915
Norte de Minas
Ribeirão das Neves
296.317
Metropolitana
Uberaba
295.988
Triângulo
Governador Valadares
263.689
Vale do Rio Doce
Ipatinga
239.468
Vale do Rio Doce
Sete Lagoas
214.152
Metropolitana
Divinópolis
213.016
Centro-Oeste
Santa Luzia
202.942
Metropolitana
Ibirité
158.954
Metropolitana
Poços de Caldas
152.435
Sul de Minas
Patos de Minas
138.710
Alto Paranaíba
Teófilo Otoni
134.745
Vale do Mucuri
Pouso Alegre
130.615
Sul de Minas
Barbacena
126.284
Campo das Vertentes
Sabará
126.269
Metropolitana
Fonte: Censo Demográfico de 2010.
Minas Gerais possui 853 municípios e estes são os vinte mais populosos.
Nota-se o peso relativo da região metropolitana de Belo Horizonte, com oito
municípios entre os vinte. O Sul de Minas e a Zona da Mata são as regiões
seguintes em população, mas aparecem pouco na listagem. é que elas
possuem um grande número de municípios (respectivamente 146 e 143), com
população de média para pequena. E as áreas desses municípios também
não são muito extensas, devido às periódicas subdivisões que os afetaram a
partir do século XIX. Já na porção norte do estado o número de municípios
é proporcionalmente menor, as respectivas áreas são bem mais extensas e a
ruralidade é mais pronunciada.
Aqui está uma breve descrição das diversas regiões do estado.
25
METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE
É a região das Minas, formada
na época colonial. Engloba 105
municípios, entre os quais núcleos
urbanos de grande valor histórico
e artístico: Ouro Preto, Mariana e
Congonhas.
Belo Horizonte é a capital desde
1897. Foi construída para substituir
Ouro Preto, a antiga capital. Cidade
planejada de acordo com os
modelos urbanísticos da época, Belo
Horizonte se destinava a ser o polo
de modernização de Minas Gerais
na nova era republicana que se
iniciava no país. Devia servir também
de centro de gravitação das diversas
partes do estado.
A capital cresceu aos poucos,
ganhando maior porte na metade
do século XX. Não chegou a polarizar
as heterogêneas áreas de Minas,
dada a concorrência de centros
mais fortes como São Paulo e o Rio de
Janeiro. Mas, junto com suas funções
governamentais, tornou-se eixo de
uma forte estrutura industrial, baseada
nos setores de metalurgia e mineração
do ferro, fabricação de cimento e
produção de veículos (automóveis,
caminhões e locomotivas). A rede
de indústrias se localiza em diversos
municípios da área metropolitana,
com destaque para Contagem
e Betim, interligados à capital.
A aglomeração metropolitana
envolve também outros municípios,
alguns bastante populosos, como
26
Santa Luzia, Ribeirão das Neves,
Ibirité e Sabará. A certa distância
da capital se encontram cidades
economicamente importantes, em
especial Sete Lagoas e Conselheiro
Lafaiete.
Belo Horizonte é um grande polo de
comércio, assim como de serviços
de saúde e educação superior. é
sede da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia
Universidade Católica de Minas
Gerais, que estão entre as maiores
do país. A Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP) é outra instituição
acadêmica tradicional da região,
oriunda da Escola de Minas fundada
em 1876 para formar engenheiros, a
qual exerceu influência marcante na
industrialização do Brasil.
CAMPO DAS VERTENTES
Composta por 36 municípios, a
região do Campo das Vertentes
tem esse nome por servir de divisor
de águas de quatro bacias: a do São
Francisco, a do Paraná, a do Paraíba
do Sul e a do Doce. Nela fica a parte
final da Serra da Mantiqueira, cujos
desdobramentos, em montanhas e
colinas, fazem a divisão dos rios que
compõem as bacias mencionadas.
Foi habitada desde a época da
colônia, pois era área de passagem
dos bandeirantes paulistas para a
região das minas de ouro. Algumas
de suas cidades são bastante antigas,
como São João del Rei e Tiradentes,
valorizadas por seu patrimônio
histórico. Outras cidades importantes
são Barbacena e Lavras.
é uma região equilibrada, tanto em
sua economia quanto nas condições
sociais. A pecuária se destaca como
atividade produtiva, assim como
alguns ramos industriais (cimento,
laticínios) e o turismo, atraído pelas
cidades históricas e pelo artesanato
das pequenas cidades. Possui duas
universidades federais, a de São João
del Rei (UFSJ) e a de Lavras (UFAL), e um
campus da Universidade do Estado
de Minas Gerais em Barbacena, além
de instituições particulares.
SUL – SUDOESTE
Área formada por 146 municípios,
foi percorrida inicialmente pelos
desbravadores paulistas que
procuravam as minas de metais
preciosos. Pertenceu a São Paulo
até 1764, quando passou à
jurisdição mineira, mas até hoje é
bastante ligada ao estado vizinho.
Traços culturais do Sul de Minas são
semelhantes aos do interior de São
Paulo. E suas economias apresentam
complementaridades.
é região de economia sólida, tanto
na agricultura quanto na indústria.
Sua produção de café é a principal
do país. Seu parque industrial é
diversificado, abrangendo fábricas
de queijos e outros derivados do leite,
medicamentos, produtos químicos,
eletrônica, telecomunicações,
autopeças, metalurgia e helicópteros.
Apresenta três grandes atrações
turísticas: a Serra da Mantiqueira, o
Lago de Furnas e o Circuito das águas,
com as estâncias hidrominerais de
Poços de Caldas, Caxambu, São
Lourenço, Lambari e Cambuquira.
A rede urbana do Sul de Minas é
bem distribuída, com várias cidades
de porte médio e bons índices de
desenvolvimento socioeconômico. A
maior é Poços de Caldas, seguindose Pouso Alegre, Varginha, Passos,
Itajubá, Alfenas e Três Corações.
A região é sede de duas universidades
federais, em Itajubá (Unifei) e Alfenas
(Unifal), bem como de muitas outras
instituições universitárias particulares
em suas principais cidades. Em Santa
Rita do Sapucaí, o Instituto Nacional
de Telecomunicações (Inatel) deu
origem ao maior polo de tecnologia
eletroeletrônica do país, apelidado
de Vale da Eletrônica.
CENTRO-OESTE
Sob essa denominação podem
ser agrupadas as mesorregiões
Oeste e Central Mineira, que têm
características comuns. Situam-se
no Alto São Francisco, desde suas
nascentes na Serra da Canastra até
a Represa de Três Marias.
27
Ao todo são 74 municípios. A maior
cidade é Divinópolis, centro comercial
e de serviços, com uma extensa
indústria de vestuário e confecções.
Itaúna, que lhe é próxima, sedia a
Universidade de Itaúna, particular,
e unidades industriais nos ramos
siderúrgico e têxtil. Nova Serrana
é outro núcleo que se destaca na
região como polo da fabricação
de calçados. Essas três são as mais
populosas, seguidas por Curvelo,
Bom Despacho e Formiga.
A Serra da Canastra, protegida
como parque nacional, é local de
grande beleza. Nessa área se elabora
o queijo da Canastra, a variedade
mais famosa dos típicos queijos de
Minas.
ZONA DA MATA
Situada no sudeste de Minas,
abrange 142 municípios. O nome
surgiu do predomínio da Mata
Atlântica sobre a região, a qual
durante a era colonial permaneceu
praticamente indevassada. Toda a
parte leste do atual território mineiro
era interditada pelos portugueses
para evitar o contrabando do ouro.
Com o declínio da mineração aurífera
é que as terras da Mata começaram
a ser ocupadas e cultivadas, ao
longo do século XIX.
Assim como o Sul de Minas se ligava
a São Paulo, a Zona da Mata sempre
foi ligada ao Rio de Janeiro, dada a
28
sua proximidade com a antiga capital
do país. Daí veio o impulso maior
para o seu desenvolvimento, com
a transposição da cultura do café
do Rio para Minas e a implantação
das ferrovias na segunda metade do
século XIX.
Durante muito tempo, até meados
do século XX, a Mata viveu um
ciclo de desenvolvimento, com
a riqueza proporcionada pelo
café alimentando um processo de
industrialização que a destacou
como uma das áreas mais dinâmicas
da economia brasileira. Juiz de Fora,
o principal núcleo urbano da região,
abrigava um grande número de
fábricas de tecidos, de alimentos e de
outros bens de consumo. Em menor
escala, o mesmo ocorria em Santos
Dumont, Cataguases, Leopoldina,
Ubá, Muriaé e Ponte Nova.
Esse ciclo se esgotou e a Zona
da Mata buscou alternativas, que
foram encontradas, por exemplo,
na indústria de móveis de Ubá e na
suinocultura da área de Ponte Nova.
Juiz de Fora se converteu em centro
de comércio e de serviços para toda
a Mata, com a sua universidade
federal (UFJF) e outras instituições de
ensino superior, ao lado de vasta rede
de atendimento médico e hospitalar.
A Universidade Federal de Viçosa
(UFV) é instituição de referência no
campo das ciências agrárias, com
quase cem anos de atuação. Há
ainda um campus da Universidade
do Estado (UEMG) em Carangola e
diversas escolas técnicas federais.
Em população, Ubá e Muriaé são
os dois principais municípios depois
de Juiz de Fora, vindo em seguida
Manhuaçu, Viçosa, Cataguases e
Ponte Nova.
Não é uma região turística, mas em
suas extremidades estão locais de
grande atração: o parque estadual
da Serra de Ibitipoca, que é um
trecho da Mantiqueira, e o parque
nacional do Caparaó, na fronteira
com o Espírito Santo, ideal para
montanhistas, pois ali se encontram
alguns dos picos mais altos do Brasil.
VALE DO RIO DOCE
A exemplo da Zona da Mata, a área
do Rio Doce permaneceu interditada
durante o período colonial, e
se manteve à margem da vida
nacional até o século XX. Era trecho
da Mata Atlântica em que viviam
grupos indígenas e certo número de
posseiros.
Diversos projetos de desenvolvimento
da economia mineira com base
nos recursos minerais do estado
provocaram a sua integração: o
aproveitamento da madeira para
carvão vegetal de uso industrial;
a exportação de minério de ferro
através do vale para o mar no
Espírito Santo; a e implantação de
usinas siderúrgicas, que originaram o
apelido de “Vale do Aço”. A ferrovia
Vitória a Minas e a rodovia Rio-Bahia
contribuíram decisivamente para
articular o Vale do Rio Doce aos
mercados interno e internacional.
Com 102 municípios, a região tem
como polo a cidade de Governador
Valadares, centro comercial e de
serviços. É localidade famosa entre
os adeptos do voo livre, por suas
excepcionais condições para a
prática desse esporte. Outro centro
relevante é a cidade de Caratinga.
A estrutura industrial se concentra
nas cidades de Ipatinga, Coronel
Fabriciano e Timóteo, que são
interligadas e formam uma espécie
de área metropolitana de médio
porte.
VALE DO MUCURI
é uma região menor, com 23
municípios, localizados ao longo do
Rio Mucuri e de seus afluentes.
Adjacente ao extremo-sul da Bahia,
o vale do Mucuri foi um dos pontos
de entrada do território mineiro para
os portugueses, mas permaneceu
praticamente intocado como área
da Mata Atlântica habitada por
indígenas. Em meados do século XIX,
Teófilo Otoni, político e empresário
mineiro, lançou um projeto de
aproveitamento econômico do
Mucuri, com a construção de
estradas e a atração de famílias de
29
imigrantes europeus. A cidade que
hoje tem o seu nome era o núcleo do
empreendimento e continua sendo o
maior centro regional.
Posteriormente, a implantação da
ferrovia Bahia a Minas, ligando o
vale do Mucuri ao mar, ajudou a
movimentar as atividades agrícolas
da região e a aproximar seus
habitantes. Já no século XX, a rodovia
Rio-Bahia completou a integração
da área ao sistema nacional.
Nessa época, a indústria madeireira
era muito ativa, à custa da derrubada
da Mata Atlântica, da qual pouco
resta nos dias de hoje. Em seu lugar
expandiu-se a criação de gado.
Ao lado da agropecuária, um setor
que se tornou conhecido é o da
extração de pedras preciosas. A
cidade de Teófilo Otoni possui grande
número de casas de lapidação de
gemas bem como de empresas
de comercialização das pedras
preciosas.
JEQUITINHONHA
O Vale do Jequitinhonha se situa no
nordeste de Minas, vizinho ao estado
da Bahia. Abrange 53 municípios.
É uma região tipicamente sertaneja,
relativamente pobre em termos
econômicos e rica do ponto de
vista cultural. A cerâmica artesanal
da região é das mais destacadas no
campo da arte popular brasileira. O
30
patrimônio histórico e artístico, legado
da época colonial, é de grande valor
e se encontra principalmente nas
cidades de Diamantina, Serro e Minas
Novas. O queijo do Serro é uma das
principais variedades do queijo de
Minas.
Não possui nenhuma cidade de
grande porte. As três principais são
Diamantina, Araçuaí e Almenara.
Elas referenciam as três subdivisões
do Vale: alto, médio e baixo
Jequitinhonha.
Diamantina é centro educacional,
sede da Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri e
de outras instituições acadêmicas.
NORTE DE MINAS
é a região mais extensa de
Minas Gerais, composta de 89
municípios. Eles se localizam em
diferentes pontos da bacia do Rio
São Francisco em seu trecho mineiro.
Tradicionalmente rural e isolado,
o Norte de Minas ingressou na era
industrial quando foi incluído no
Polígono das Secas e na área de
jurisdição da Sudene, desde sua
criação em 1959. A partir daí, por
meio de incentivos fiscais, foram
estabelecidas indústrias de diversos
ramos: cimento, metalurgia,
medicamentos, alimentos. Projetos
agropecuários modernos também
foram implantados, com vistas à
produção de frutas. A cultura do
algodão e a criação de gado são
atividades tradicionais. A silvicultura,
para produção de carvão vegetal
que alimenta as siderúrgicas do
centro do estado, se faz presente em
muitos municípios.
Montes Claros é o centro regional.
é uma das maiores cidades do
interior de Minas. Nela se localizam
as principais indústrias e os serviços
de saúde e educação que atendem
aos pequenos municípios vizinhos.
A Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes) é uma das
principais universidades de Minas
e tem unidades em várias outras
localidades da região.
Seguem-se em população os
municípios de Janaúba, Januária,
São Francisco e Pirapora.
NOROESTE DE MINAS
Com 19 municípios, é a região
menos populosa do estado. Possui
duas cidades principais: Paracatu e
Unaí.
Embora Paracatu tenha surgido
na época da mineração do ouro,
o Noroeste permaneceu isolado e
relativamente vazio até o século XX.
Era o “grande sertão” retratado por
Guimarães Rosa em suas obras
Com a construção de Brasília, a
nova capital federal, é que essa
parte de Minas foi articulada ao resto
do estado e do país. Unaí, município
próximo ao Distrito Federal, ganhou
relevo como área de agricultura
comercial e o mesmo ocorreu com
outros municípios da região.
TRIÂNGULO – ALTO PARANAIBA
é a segunda região do estado em
extensão, e também a segunda em
potência econômica, após a região
metropolitana da capital.
área desbravada pelos bandeirantes
a caminho de Goiás, era conhecida
como Sertão da Farinha Podre,
ocupada pelos índios caiapós.
Pertenceu a São Paulo até 1749,
quando passou a Goiás. Em 1816 foi
incorporada a Minas Gerais.
Sua principal cidade, Uberlândia, é
a maior do interior de Minas. Outros
centros importantes são Uberaba,
Patos de Minas, Araguari, Ituiutaba,
Araxá e Patrocínio.
Economicamente, destaca-se na
agropecuária, na indústria e no setor
terciário. Uberaba tem uma longa
história de liderança na criação do
gado zebu no país. Uberlândia é o
maior centro atacadista do interior
brasileiro, tirando partido de sua
localização central para distribuir
mercadorias pelas diversas regiões
do país. Patos de Minas se destaca
na cultura de cereais para o mercado
interno (feijão, milho). Araxá é
cidade turística e estância de águas
31
minerais. Indústrias de vários setores
se localizam nas principais cidades
da região, a exemplo de diversas
usinas de açúcar e álcool.
A região possui duas universidades
federais: a Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) e a Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM),
com sede em Uberaba. Há
outras instituições universitárias
públicas, inclusive duas unidades
da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG), sendo uma
em Ituiutaba e a outra em Frutal,
além de diversas faculdades privadas
e escolas técnicas.
POPULAÇÃO
Isso significa diminuição gradual do
número de crianças no conjunto da
população. Por outro lado, a taxa
de mortalidade também recuou,
resultando no aumento das faixas
etárias mais velhas.
Com esse dado, a participação
mineira na população do país
caiu para 10,27%. Há cem anos
representava mais de 20%.
Esta é uma situação que tem
despertado o interesse dos
especialistas nos estudos de
população, pois caracteriza a
chamada transição demográfica.
A composição populacional
de Minas, nesse sentido, está
se aproximando daquela das
sociedades mais desenvolvidas em
termos socioeconômicos: menos
crianças e mais idosos. Diminui a taxa
de fecundidade e o mesmo ocorre
com a taxa de mortalidade.
A queda paulatina se explica
por diversos fatores. Um deles é a
mudança na ocupação humana do
território brasileiro, pela interiorização
da população em vastas áreas
quase vazias, como os estados do
Centro-Oeste e do Norte. Esse seria
Não se trata somente de
constatação de cunho acadêmico.
Ao contrário, tem graves implicações
para a agenda das políticas
públicas. A transição demográfica
impõe uma revisão de prioridades
que contemple as novas situações.
O Censo de 2010 registrou para
o estado de Minas Gerais um total
de 19.597.330 habitantes, sendo
9.641.877 homens e 9.955.453
mulheres. O resultado surpreendeu
pelo baixo crescimento, um dos
menores entre os estados brasileiros.
32
um fator de cunho mais geral. Mas
houve também elementos internos
a Minas. A intensa emigração, com
saldo migratório negativo, marcou
a fisionomia do estado ao longo do
século XX. E, acima de tudo, deu-se
a redução da taxa de fecundidade.
Em 1970 era de 6,3 filhos por mulher
em idade reprodutiva. Em 2000, caiu
para 2,2 filhos. E em 2010 caiu ainda
mais para 1,8, ou seja, abaixo do nível
de reposição.
Assim, há que se investir mais na
saúde de adultos, no cuidado com
idosos, na assistência a essa faixa
etária. Com o tempo, menor volume
de recursos será necessário para a
saúde materno-infantil, sem prejuízo
do bom atendimento às crianças e
às suas mães. O mesmo vai ocorrer
com a educação infantil, quando
ela estiver universalizada. Havendo
menos pressão pela quantidade
de usuários, pode-se melhorar a
qualidade dos serviços.
Observando a atual pirâmide etária,
constata-se que o grupo maior é o
de jovens, correspondendo à faixa
dos 15 aos 30 anos. Políticas públicas
para a juventude estão emergindo
no Brasil, mas ainda temos um longo
caminho a percorrer para contemplar
de fato essa parcela da população.
Seja em termos de educação, de
profissionalização, de emprego, de
cultura e de participação cidadã.
É certo que a referida transição não
acontece de modo homogêneo
através do território. é mais rápida nas
áreas de feição urbano-industrial e
mais lenta nas áreas rurais. Portanto, as
políticas públicas devem considerar
a heterogeneidade da dinâmica
populacional e calibrar suas ações
de acordo com ela.
Isso nos leva a apresentar uma
dimensão relevante da trajetória
mineira: o seu processo de
urbanização. Este é uma expressão
bastante visível das mudanças
socioeconômicas que o estado viveu
nas últimas décadas. No passado, a
proporção da população urbana
de Minas era sempre menor do que
a do Brasil em seu conjunto. Mas no
século XXI ela passou a ser maior. No
Censo de 2010 a população urbana
de Minas alcançou 85,3%, um pouco
acima da brasileira, que chegou a
84,35%.
Os Censos utilizam um critério
administrativo para designar a
população urbana: ela compreende
os moradores de sedes de
municípios e de distritos. Esse critério
superdimensiona o urbano em
relação ao rural, pois um grande
número de cidades, para não falar
de vilas que sediam distritos, são muito
mais rurais que urbanas em termos
econômicos, sociais e culturais. É o
que tem ressaltado a discussão sobre
as novas ruralidades no Brasil.
Mesmo assim é inegável o ritmo
da urbanização em Minas. O
crescimento urbano se concentrou
na área metropolitana de Belo
Horizonte e em algumas dezenas
de cidades maiores. Em contraste,
alguns censos revelaram a perda de
população, em números absolutos,
de muitos municípios, não apenas de
zonas muito pobres, como o Vale do
Jequitinhonha, mas inclusive da Zona
da Mata, limítrofe do Rio de Janeiro.
Sendo Minas era um estado de
emigrantes, conclui-se que a
inchação das grandes cidades
33
deriva em boa parte do êxodo rural
(ou semi-rural) a partir dos pequenos
municípios agropecuários. Seria uma
migração interna ao próprio estado,
fruto das disparidades regionais,
da estagnação econômica de
certas zonas e da modernização
tecnológica que atropela outras
zonas, rompendo com o seu estilo
de vida tradicional e desenraizando
seus habitantes.
Já foi mencionada a importância do
fenômeno da emigração na trajetória
do estado. Com efeito, houve um
fluxo constante de emigrantes ao
longo do século XX – em geral para
estados vizinhos, como São Paulo
e Rio de Janeiro, em meados do
século para o Paraná e para Brasília,
mais recentemente para a fronteira
agrícola do Norte (Tocantins, Pará,
Rondônia, etc.). A emigração para o
exterior também ganhou destaque,
sobretudo nas últimas décadas
do século XX, com o declínio da
economia e da oferta de empregos
no Brasil. Há uma vasta colônia de
mineiros nos Estados Unidos e algo
semelhante se esboçou em Portugal.
Houve uma reversão da tendência
na década de 1990, despertando a
expectativa positiva de que a perda
constante de população estaria
estancada. No entanto, entre 2005
e 2010 os números de Minas Gerais
voltaram a registrar déficit migratório,
ainda que em pequena escala:
menos 14.105 habitantes. Pode ser
34
uma ligeira inflexão em torno de
um ponto de equilíbrio, de modo
que teríamos, a cada levantamento
estatístico, pequenas oscilações para
mais e para menos. é provável que
não volte a sangria de habitantes
em massa, uma vez que a melhoria
relativa das condições internas reduz
o ritmo do êxodo, ao passo que os
fatores de atração para outras partes
do país já não exercem o mesmo
impacto do passado. E há, além
disso, a redução do crescimento
da população, que alivia a pressão
interna.
Quanto à emigração internacional,
segundo estimativa do Censo de 2010
os mineiros formavam o contingente
mais numeroso de brasileiros nos
Estados Unidos (43,2%) e em Portugal
(20,9%). Estes eram os dois principais
países de destino de emigrantes
brasileiros. Contudo, entre os estados,
São Paulo tinha mais naturais fora do
país (106.099) do que Minas (82.749),
destacando-se o Japão como país
de destino dos paulistas. Ao todo,
foram estimados 491.645 brasileiros
residentes no exterior naquele ano.
No entanto, esse número é muito
inferior ao que geralmente se estima
por outras vias (principalmente
pelo serviço diplomático brasileiro)
e o próprio IBGE reconhece que
o registro está subdimensionado,
dada a dificuldade de identificar e
pesquisar toda a população visada.
A origem territorial dos emigrantes
é concentrada. Eles provêm
maciçamente de municípios do vale
do Rio Doce, seja de Governador
Valadares, que é o seu polo regional,
seja de localidades menores, nas
quais praticamente todas as famílias
têm membros residindo nos Estados
Unidos. E aqui entra outro aspecto
relevante: o impacto econômicofinanceiro da emigração para
essas famílias e para os próprios
municípios. As remessas de dinheiro
que os emigrantes economizam por
lá e enviam para as famílias formam
parte significativa da renda local,
ajudando a movimentar o comércio
e a indústria de construção civil.
Na esteira da crise econômica
que eclodiu em 2008, começou
um movimento de regresso dos
emigrantes para suas cidades em
Minas. O fluxo de retornados, na
medida em que tomou corpo, tem
provocado a necessidade de facilitar
sua reinserção no Brasil mediante
o apoio do poder público e da
sociedade civil.
Por último, vejamos algumas
projeções para o futuro.
Tendo em vista o cenário demográfico
descrito, a principal projeção para a
população mineira é a de decréscimo
nas próximas décadas. Estima-se que
as taxas de crescimento serão cada
vez menores. Entre 2040 e 2050 a
população começará a diminuir e
algumas regiões serão despovoadas.
A população deverá envelhecer
mais rapidamente, enquanto os
nascimentos se reduzem.
Preveem-se também diferenças
entre as regiões do estado quanto ao
crescimento populacional. Algumas
delas continuarão a crescer um
pouco, sobretudo as quatro regiões
mais ao norte: o Norte de Minas, o Vale
do Jequitinhonha, o Vale do Mucuri e
o Noroeste. Em contrapartida, a Zona
da Mata, o Triângulo/Alto Paranaíba,
o Campo das Vertentes e o Oeste
de Minas deverão perder população
já na década de 2030. A área
metropolitana de Belo Horizonte e o
Sul de Minas vão começar a perder
população na década seguinte.
As regiões que continuarão a
crescer, na porção norte do estado,
terão, contudo, que enfrentar perdas
de habitantes por emigração.
Isso ampliará a proporção do
envelhecimento em tais áreas, pois
os emigrantes são jovens ou, de todo
modo, estão em idade ativa. Além
disso, é conhecido, ali, o fenômeno
do deslocamento sazonal de
trabalhadores para estados vizinhos,
deixando suas mulheres e filhos por
longo tempo.
Há que considerar, ainda, a possível
tendência ao envelhecimento da
população rural. Na medida em que
os jovens se deslocam para as cidades,
em busca de melhores condições
de vida, ocorre um esvaziamento
no sistema de agricultura familiar.
35
A perspectiva de permanência dos
jovens em suas comunidades rurais é
importante para que eles sucedam
aos pais e prossigam nas atividades
desse setor tão importante para o
país.
36
37
O Porta l Bra sil
Território
por Luiz Dulce
Complexo Santuário do Caraça
O complexo do Santuário do Caraça.
é um centro de espiritualidade,
cultura, educação, conservação
ambiental, lazer e turismo, localizado
nos municípios de Catas Altas e Santa
Bárbara e Patrimônio Cultural do Brasil,
com tombamentos em nível federal,
estadual e municipal;
Pertence a Província Brasileira
da Congregação da Missão, com
área total de 11.233 hectares, com
múltiplas funções. É composto pelo
Conjunto Arquitetônico do Santuário,
onde estão igreja neogótica, o prédio
do antigo colégio (hoje museu e
biblioteca) e a pousada.
Na área de manejo estão localizadas
a Fazenda do Engenho, o Buraco da
Boiada, a Fazenda do Capivari. Além
da Reserva Particular do Patrimônio
Natural, de 10.187 hectares.
é um grande pólo turístico da região
e uma das mais importantes e mais
visitadas Unidades de Conservação
do Estado de Minas Gerais, com
média de 70 mil turistas por ano, além
de ser uma das maiores: corresponde
praticamente por 51% das Reservas
Particulares do Estado.
O Caraça oferece turismo alternativo,
com trilhas, cachoeiras, tanques,
piscinas naturais, antigas construções,
grutas e picos que só podem ser
visitados com guias, onde a formação
de valores é realçada em todos os
momentos.
39
Instinto Inhotim
O Instituto Inhotim é considerado o
maior museu de arte ao ar livre da
América Latina, e um dos maiores
acervos de arte contemporânea do
Brasil, além de abrigar uma coleção
botânica que reúne espécies raras
de todos os continentes
Fica localizado na cidade de
Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte
Começou a ser idealizado em
meados dos anos 80 pelo Empresário
Bernardo de Mello Paz
Em 1984 recebeu a visita do
paisagista Burle Marx apresentou
sugestões e colaborações para os
jardins do Instituto.
40
Com o passar do tempo a
propriedade particular se transformou
em um grande espaço cultural,
com as primeiras construções
destinadas a receber obras de arte
contemporânea, e em 2005 ganhou
um rico acervo botânico de diferentes
partes do Brasil, ao todo são mais
de 4.700 acessos, que representam
181 famílias botânicas, 953 gêneros
e aproximadamente 4.300 espécies
de plantas vasculares.
Arte Contemporânea
O Instituto Inhotim abriga uma série
de pavilhões e galerias de arte e
esculturas expostas ao ar livre.
Desde o seu início tem a missão de
criar um acervo e definir estratégias
museológicas que possibilitem o
acesso da comunidade a cultura,
aproximando o público das obras de
artistas de diversas partes do mundo,
e trazendo a reflexão questões da
contemporaneidade.
Novos projetos são inaugurados
periodicamente, incluindo obras
criadas para o local.
Jardim Botânico
Além da contemplação, os jardins
são campos de estudos florísticos,
catalogação de novas espécies
botânicas e ações de educação
ambiental.
Em 2010 o Instituto recebeu o
titulo de Jardim Botânico atribuído
pela Comissão Nacional de Jardins
Botânicos, e desde então integra a
Rede Brasileira de Jardins Botânicos.
41
Lago de Furnas
Com 1.406,26 km² e 3.500 km de
perímetro é um dos maiores lagos
artificiais do mundo e a maior extensão
de água do estado. O lago de águas
cristalinas banha 34 municípios, e
compõe a paisagem com piscinas
naturais, pequenos lagos, cachoeiras
e formações rochosas com mais de
20 metros de altura.
42
História
Em 1957, presidente Juscelino
Kubitschek assinou o decreto federal
n° 41.066, para a criação da Central
Elétrica de Furnas, para resolver a
crise elétrica que o país enfrentava
na época.
O Local escolhido para a instalação
da hidrelétrica foi o curso médio do
rio grande, no Sul de Minas Gerais,
entre os municípios de São João
Batista do Glória e São José da Barra.
As águas do rio foram desviadas
para a construção da usina, em
1963, e assim teve início a formação
do Lago de Furnas. Neste processo
o município de Guapé ficou
praticamente submerso, e o distrito
de São José da Barra desapareceu
sob as águas do lago.
Atividades
Estão disponíveis muitos passeios e
atividades nas cidades banhadas
pelo lago; pesca esportiva, passeio
de lanchas, chalana, rafting, voos de
asa delta, mergulho, onde é possível
ver as ruinas das cidades que ficaram
submersas. Além de todas estas
opções, um dos principais atrativos é
o cânion, por onde os turistas podem
navegar entre os paredões rochosos
e conhecer as inúmeras cachoeiras.
A entidade que cuida dos interesses
da região é a Associação dos
Municípios do Lago de Furnas
(Alago), que tem como associados
os seguintes municípios: Aguanil,
Alfenas, Alpinópolis, Alterosa,
Areado, Boa Esperança, Cabo Verde,
Camacho, Campo Belo, Campo do
Meio, Campos Gerais, Cana Verde,
Candeias, Capitólio, Carmo do Rio
Claro, Coqueiral, Cristais, Divisa Nova,
Elói Mendes, Fama, Formiga, Guapé,
Ilicínea, Itapecerica, Juruaia, Lavras,
Machado, Monte Belo, Muzambinho,
Nepomuceno, Paraguaçu, Perdões,
Pimenta, Ribeirão Vermelho, São
João Batista do Glória, Varginha, São
José da Barra, Serrania e Três Pontas.
Mercado Central de Belo
Horizonte
O Mercado Central de Belo Horizonte
é um dos pontos comerciais mais
procurados da cidade, e recebe
visitantes de todas as partes do
estado e do mundo.
Pelos seus corredores temáticos
é possível encontrar frutas, artigos
religiosos, artesanato, e ervas, mas
dentre os produtos mais procurados
estão a cachaça, a goiabada e o
famoso queijo minas.
História
Em 1929, o então prefeito Cristiano
Machado resolveu reunir em um só
lugar os produtos que abasteciam
a cidade. Em um terreno de 14 mil
metros quadrados, foram reunidos
todos os feirantes, o que centralizou
o abastecimento da população.
O Mercado Municipal, como era
chamado na época, funcionou até
1964, na gestão do prefeito Jorge
Carone, que alegou impossibilidade
de administrar a feira e colocou o
terreno à venda.
43
Para evitar o fechamento do
mercado, os comerciantes se
organizaram em uma cooperativa
e compraram o imóvel da Prefeitura,
que deu uma prazo de cinco anos
para que fosse construído um galpão
coberto, caso contrário, teriam que
devolver a área.
A tarefa só pode ser cumprida com
a ajuda dos irmãos Osvaldo, Vicente
e Milton de Araújo, que acreditaram
no empreendimento, e contrataram
quatro construtoras, cada uma
responsável por uma lateral, tudo
isso faltando apenas duas semanas
para o final do prazo estabelecido.
Com a participação ativa dos
comerciantes, o Mercado ampliou
suas atividades ano após ano, e
hoje, com mais de oito décadas de
existência, possuiu mais de 400 lojas
e oferece serviço de informação
bilíngue, e é um dos locais mais
queridos pelos mineiros.
Parque das águas de São
Lourenço
Localizado no centro da cidade
de São Lourenço, possui 430.000 m²
de área e fontes de água mineral
com propriedades terapêuticas e
medicinais.
As nascentes do São Lourenço foram
descobertas em 1826, mas o local
passou a ter maior atenção após a
criação da Companhia de águas São
Lourenço, em 1890. Porém, somente
nas últimas décadas o turismo se
desenvolveu na região.
O Parque tem espaços para prática
de várias atividades, como pista
de cooper e bicicleta, quadras
esportivas, lago com pedalinhos,
minigolfe, além da gruta Nossa
Senhora dos Remédios, jardim
Japonês, a catedral de bambu, onde
acontecem apresentações musicais,
lojas e restaurantes
Imagem de https://www.nestle.com.br/portalnestle/parquedasaguas/parque.html
44
Mas apesar de todas estas opções,
a procura maior dos turistas é pelo
Centro Hidroterápico (o Balneário) e
as nove fontes de água, cada uma
delas com composição, gosto e
indicação terapêutica diferente
Atualmente o parque é administrado
pela empresa Nestlé, que além de
manter a estrutura o parque, também
engarrafa e distribui a as águas para
o Brasil e para o exterior.
Centro hidroterápico – Balneário SPA
O prédio neoclássico foi construído
em 1935, para que as pessoas
pudessem se banhar nas águas
medicinais.
Foi reformado em 2008, e hoje
funciona mais como um Spa, com
banho turco, limpeza e hidratação
de pele, duchas escocesas, sauna e
massagens.
Fontes
O parque possui nove fontes de
seis diferentes tipos: Gasosa Natural,
Magnesiana, Sulfurosa, Alcalina,
Carbogasosa e Ferruginosa.
Fonte Oriental
Foi a primeira fonte a ser construída,
em 1892. Sua água é mineral gasosa
natural e indicada para distúrbios
renais e digestivos e alguns tipos de
intoxicação.
Fonte José Carlos de Andrade
água Carbogasosa, e pode conter
lítio na sua composição. Indicada
para depressão e estresse, processos
alérgicos e colites
Imagem de https://www.nestle.com.br/portalnestle/parquedasaguas/parque.html
45
Fonte Ferruginosa
água levemente gasosa e rica
em ferro. Indicada para anorexia,
anemia e astenia.
Fonte Primavera
A água desta fonte tem as mesmas
propriedades e indicações da água
da Fonte Ferruginosa, porem seu
sabor é mais intenso
Fonte Andrade Figuera
água magnesiana, indicada para
distúrbios hepáticos, vesícula e
alterações do intestino grosso.
Fonte Vichy
Suas propriedades são indicadas
para problemas gástricos e renais.
Mas na França, o outro único
lugar no mundo onde essa fonte é
encontrada, ela foi desenvolvida
para atuar em tratamentos estéticos.
Fonte Alcalina
Fonte de água alcalina, indicada
para eliminação de ácido úrico e
cálculos renais
Fonte Jayme Sotto Maior
A água sulforosa desta fonte é
indicada para tratamento de
diabetes e distúrbios intestinais e
ajuda melhorar alergias de pele. Os
gases liberados por esta água são
usados no tratamento de sinusite e
problemas respiratórios.
Fonte Sulforosa
Possui as mesmas caracterizas da
Fonte Jayme Sotto Maior.
46
Parque Estadual do Ibitipoca
Localizado na Zona da Mata, nos
municípios de Lima Duarte e Santa
Rita do Ibitipoca, o parque tem uma
área de 1.488 hectares, e ocupa
o Alto da Serra de Ibitipoca, uma
extensão da Serra da Mantiqueira.
Foi criado em 4 de julho de 1973, e
é um dos parques mais visitados do
estado.
Seu nome significa “serra estourada”
em tupi, devido à grande incidência
de descargas elétricas que ocorriam
na região
O parque abriga grutas, mirantes,
praias, cachoeiras, piscinas naturais
formadas pelos rios do Salto e
Vermelho, e o córrego do Monjolinho.
O Ponto mais alto do parque se
chama Pico da Lombada, que está
a 1.800 metros do nível do mar. Dele
é possível ter a visão para o horizonte
de 360°, pois ao seu redor nenhuma
montanha faz barreira a visão.
Espécies ameaçadas de extinção
fazem parte da fauna local, como
a onça parda, o lobo guará, e o
primata guigó.
A infraestrutura de apoio aos
visitantes e pesquisadores conta
com portaria, estacionamento, área
de camping, restaurante, centro
de administração e de pesquisa, e
alojamentos.
47
Vista do Mirante do Parque das Mangabeiras
Parque Municipal
Mangabeiras
das
O Parque Municipal das Mangabeiras
é localizado ao pé da Serra do Curral,
zona sul da cidade de Belo Horizonte,
e é a maior área verde da capital.
O projeto paisagístico foi assinado
por Burle Marx, e está localizado
em uma das regiões mais altas da
cidade.
Seus 2,3 milhões de metros quadrados
de mata nativa, reúnem 59 nascentes
do Córrego da Serra, que integra a
Bacia do rio São Francisco.
O Cerrado ocupa as áreas de maior
altitude do parque, onde árvores
como barbatimão, guabiroba, pau
santo e candeia são comuns, devido
a baixa disponibilidade de nutrientes
no solo.
48
A mata atlântica é presente nas
encostas, onde os solos são mais
profundos e ricos. Nessas regiões se
encontram jequitibás, jacarandás,
copaíbas, que são típicas deste
ambiente.
A fauna é comporta por 160 espécies
de aves registradas, e podem ser
observadas com facilidade em todo
o parque. Também foram registradas
30 espécies de mamíferos, embora
sua visualização seja mais difícil, 20
espécies de répteis e 20 de anfíbios.
São disponíveis três rotas de visitação:
•
Rota da Mata – onde é
possível conhecer um pouco mais da
vegetação, passando pelo centro de
educação ambiental (CEAM), viveiro
de mudas, mirante da mata e morro
do picnic.
•
Rota do Sol – que é uma rota
de recreação que conta com pista
de skate, ciranda dos brinquedos e
parque esportivo
•
Rota das Águas - integrado
pelo Recanto da Cascatinha e Lago
dos Sonhos, formados pelas águas do
Córrego da Serra.
Serra da Canastra
Situado no Sudoeste do estado,
a 400km de Belo Horizonte, tem uma
área de mais de 200.000 hectares e
abrange seis municípios: Roque de
Minas, Vargem Bonita, Sacramento,
Delfinópolis, São João Batista do
Glória e Capitólio.
A principal atração é o Parque
Nacional da Serra da Canastra,
criado em 1972, com a finalidade
de preservar as centenas nascentes,
entre elas a nascente histórica do Rio
São Francisco, que surgem em função
da umidade que a rocha fria absorve
do ar, principalmente à noite.
Sua vegetação é de transição
entre a Mata Atlântica e o início
do cerrado, e abriga espécies de
animais ameaçados de extinção,
como o lobo guará, tatu-canastra,
lobo guará, e o pato mergulhão.
Os principais atrativos são o turismo
de aventura; trilhas, canoagem,
rapel, passeios de 4x4 e de moto, e
principalmente a visita a nascente do
Rio São Francisco e às dez cachoeiras
do parque. A mais famosa delas é
a Casca D’Anta, primeira grande
queda do Rio São Francisco, de
quase 200 metros de altura.
O Turismo gastronômico também
é uma atração, já que na Serra da
Canastra se produz um dos queijos
mais saborosos e premiados do país.
Muito produtores abrem as portas
de suas fazendas aos turistas que
buscam essa iguaria.
49
Parque Nacional Serra do Cipó
50
Localizado no centro do estado, na
parte sul da cordilheira do Espinhaço,
o parque possui uma área de 33.800
hectares, o que corresponde a
superfície total da cidade de Belo
Horizonte.
Para aumentar a proteção dos
ecossistemas da região, em 1990
o governo federal criou a área de
proteção ambiental (APA) Morro
da Pedreira, que circunda todo o
parque.
Envolve os municípios de
Jaboticatubas, Santana do Riacho,
Morro do Pilar e Itambé do Mato
dentro.
A altitude do parque varia entre 900
e 1.600 metros. Este relevo dá origem
a corredeiras e cachoeiras de grande
beleza.
O parque foi criado em 1978, com
o objetivo de proteger a fauna
e a flora, devido ao alto grau de
endemismo de suas espécies. Para
proteção também a nascente da
bacia de captação do rio Cipó,
importante por suas cachoeiras e
águas cristalinas, e para preservação
da beleza da paisagem da região,
que é muito procurada por turistas,
motivados pelos rios, cachoeiras,
cânions, paredões para escalada,
cavernas e trilhas de caminhada.
O clima na Serra é tropical, e a
temperatura média oscila entre 17
e 19 graus.
A vegetação é composta por:
matas de galeria (que ficam no
fundo dos vales úmidos e ao longo
dos rios, suas principais espécies são
a copaíba, as quaresmeiras, crótons,
samambaiaçus e pau-pombo),
campos rupestres (campos limpos,
de gramíneas diversas, bromélias,
cactos, e inúmeras espécies de
orquídeas. Se situam em altitudes
superiores a 900 metros, onde não
existe poeira, por isso as cores de
suas pedras são alteradas somente
pela presença de liquens. No inverno
a temperatura pode ser menor que
zero graus) e campos cerrados (com
árvores baixas e tortuosas, e espécies
típicas como o murici, ipês e pauterra).
Santuário Bom Jesus de
Matozinhos
O conjunto arquitetônico consiste
em uma igreja, um adro murado e
uma escadaria externa decorada
com estátuas dos 12 profetas,
esculpidas em pedra sabão, e seis
capelas que abrigam 66 estátuas de
madeira policromada, em tamanho
real, e reúne sete grupos de Passos
da Paixão de Cristo, que ilustram a
via crucis de Jesus Cristo.
é um dos mais completos grupos de
imagens sacras do mundo, e uma das
obras-primas de Francisco Antônio
Lisboa, o Aleijadinho.
Situado no município de Congonhas,
sua inspiração é relacionada a igrejas
portuguesas, como a Igreja de Bom
Jesus do Monte, em Braga.
O santuário é centro de uma das
mais populares devoções do país , e
recebe milhares de peregrinos todos
os anos.
Tornou-se um ícone do Barroco
Brasileiro e uma grande atração
turística.
Devido a sua importância histórica,
social e artística, foi tombado
como patrimônio histórico, em
1939, e declarado patrimônio da
humanidade pela UNESCO, em 1985.
51
Igreja
A decoração do interior é
de estilo Rococó.
Os painéis narram a
história da redenção
do homem do pecado
original até a glorificação
de jesus.
O destaque da nave são
dois grandes dragões que
sustentam o lampadário,
e os púlpitos com animais
fantásticos entalhados nas suas bases.
No exterior o que chama a atenção é o adro com a escadaria em linhas
curvas.
Os doze Profetas
52
O Adro da igreja é ornamentado por
esculturas feitas em Pedra Sabão, por
Aleijadinho em 1805.
dos Inconfidentes, identificando cada
um deles como um personagem da
conspiração mineira.
Cada um dos profetas segura um
pergaminho com uma mensagem
que convida à reflexão e penitência.
Essa interpretação gera polemica,
pois não há registro de interesse do
artista por política.
Vários estudiosos acreditam que
Aleijadinho os esculpiu como
alegorias
São consideradas as melhores
produções de Aleijadinho.
Capelas dos Passos da Paixão
As capelas só foram construídas
muito tempo depois da construção
da Igreja.
O artista Aleijadinho demorou três
anos e cinco meses para concluir as
66 estátuas que retratam os passos
da Paixão de Cristo.
Cada uma das seis capelas
representa um dos passos da Paixão
de Cristo.
Essas capelas se encontram em
uma ladeira, e o caminho entre elas
é feito em zigue zague. Foi planejada
desta maneira para a realização
de procissões de penitencia pelos
peregrinos do final do século XVIII,
para reproduzir a caminhada de
Cristo até o Calvário,
São Thomé Das Letras
São Thomé das letras é um município
situado ao sul do Estado de Minas
Gerais, localizada na Serra da
Mantiqueira, a 1.444 metros de
altitude permite a observação de
toda região ao redor.
Cercada por um vale cheio de
cachoeiras, trilhas e grutas, destacase pela beleza exótica de suas
pedras, casarões antigos e mistérios.
Algumas pessoas acreditam que seja
um dos sete pontos de maior energia
da Terra, por isso atrai comunidades
alternativas,
científicas.
espiritualistas
e
História
A lenda que conta o início da
cidade se deu quando um escravo,
cansado dos maus tratos, fugiu e se
abrigou numa gruta no alto da Serra,
onde passou a viver de pesca e raízes
da região.
Um dia apareceu um senhor de
vestes brancas e lhe entregou um
bilhete para que fosse entregue ao
seu antigo dono, prometendo que
esse o perdoaria depois que o lesse.
O capitão, que era muito religioso,
ordenou que fosse levado até a
tal gruta. Quando chegaram lá
havia uma imagem de São Thomé
entalhada em madeira, e mandou
erguer uma capela no local, a
imagem sumiu e reapareceu na
gruta diversas vezes.
Em 1785 foi construída a Igreja Matriz,
dando origem ao povoado.
O nome da cidade teve origem
devido a aparição, e também por
inscrições rupestres encontradas
na entrada da gruta, que não se
sabe se foram escritas pelos antigos
moradores da região, os índios
Cataguases, ou se foram palavras
deixadas pelo santo.
Estas lendas e histórias criam o clima
de esotérico da cidade, a tornam
53
conhecida como “cidade mística
do Brasil”.
Principais Pontos Turísticos
Gruta São Thomé
A gruta na qual São Thomé teria
aparecido e que deu origem a
história da cidade, fica situada ao
lado da igreja Matriz.
Igreja Nossa Senhora do Rosário
Sua arquitetura de pedras
sobrepostas uma a uma é típica da
cidade. Foi iniciada por escravos no
século XVIII, mas só foi entregue ao
público em 1995. Foi tombada como
Patrimônio Histórico Estadual.
Pedra da Bruxa
Faz parte do Parque Antônio Rosa. A
rocha, quando vista de perfil, lembra
a silhueta da face de uma bruxa. Fica
situada em uma das regiões mais
altas da cidade, e é o local ideal
para se admirar o nascer e o pôr do
sol.
Gruta do Carimbado
Muitos esotéricos acreditam que esta
gruta é uma passagem secreta para
Machu Picchu, no Peru. Além disso
acreditam que ela tem propriedades
curativas e que ela retém a energia
de quem entra nela.
54
Esse mistério movimenta, até hoje,
uma série de estudiosos, curiosos e
turistas.
Vale das Borboletas
Localizada na serra de São Thomé,
na estrada para Três Corações. É
considerada uma das cachoeiras
mais bonitas de São Thomé. Com
seis metros de altura que forma uma
piscina natural, de 10 metros de
profundidade. O vale é cercado por
flores e vegetação, onde é possível
observar dezenas de espécies de
borboletas.
Casa da Pirâmide
Localizada no Parque Municipal
Antônio Rosa, a construção de forma
piramidal com várias janelas que
possibilita uma visão de 360 graus
do vale.
Cachoeira Shangri-lá
O córrego de águas cristalinas
desliza sobre pedras de quartzito
rosa, formando pequenos poços
ideias para banho.
As margens são formadas por flores
e vegetação de mata nativa. Ainda
no local podem ser vistas pinturas
rupestres, semelhantes às da Gruta
São Thomé.
Serro
Localizada na região centro nordeste
do estado, na Serra do Espinhaço, a
230km da capital
O município atrai pesquisadores
e amantes do turismo ecológico
e histórico, pois é rodeado por
cachoeiras, rios, morros, e faz parte
do caminho dos diamantes, que
atraiu, no passado, os bandeirantes
vindos do nordeste e de São Paulo.
No roteiro de Turismo Rural, os
visitantes podem passear pelas
antigas fazendas que produzem o
famoso queijo do Serro e a cachaça
mineira, típica da região.
55
O Porta l Bra sil
Belo Horizonte
por Virgílio Guimarães de Paula
Fundamentos
*Capital de Minas Gerais
* Primeira capital planejada para
no Brasil.
*Inauguração: 12 de dezembro de
1897
*Fundadores:
- Aarão Reis (Planejador e chefe
da construção)Crispim Jacques
Bias Fortes (Governador do Estado
na construção e inauguração)
- Afonso Pena (Governador do
Estado que definiu Belo Horizonte
como capital)
- Augusto de Lima (Governador
do Estado que assinou o decreto
que estabeleceu que a Capital
seria mudada)
* População: 2,5mi (cidade), 5,9mi
(região metropolitana)
* Altitude: 852,19 m
*Temperatura média anual: 20.5 °C
*Renda per capita: R$ 1.497,29
*IDH: 0,882
*Gentílico: Belo-horizontino
*Siglas, acrônimo e perífrases: BH,
BHZ, BHTE, Beagá, Belô, Cidade
Vergel, Santuário dos Botequeiros,
Capital da Cerveja Artesanal,
57
Terra de Padre Eustáquio, Capital
dos Queijos e do Pão de Queijo,
Capital dos Raios
*Apodos: Roça Grande, Belzónti,
Cidade do Tédio (Drummond),
Sepultura do Samba (atribuído a
Vinicius: “São Paulo é o túmulo,
aqui a sepultura”), Vila Amish
*Anagrama: zoon botelheiro (de
“o belo horizonte”)
NO DUPLO VINTE, UMA CIDADE
DEBUTANTE
Doze de setembro de 1920, dia
comum em Belo Horizonte. Poucos
talvez se lembrassem de que, silente,
transcorria o segundo centenário de
Minas Gerais, apartada que fora no
século XVIII a capitania da efêmera
São Paulo e Minas de Ouro. O mesmo
12 de setembro, por outro lado, era
58
data ansiosamente aguardada pelo
jovem Juscelino, diamantinense que
necessitava completar os dezoito
anos para assumir o emprego
de telegrafista na nova capital,
essencial para assegurar-lhe as
condições para a mudança e para
a sobrevivência enquanto cursasse
medicina na faculdade há poucos
anos criada. Exatamente, nessa
mesma época, dois outros mineiros
do interior, de Itabira e Cordisburgo,
retomavam seus estudos em Belo
Horizonte, visando alcançar também
em cursos superiores na área da
saúde na mesma “alma mater” do
primeiro, naquela que viria a ser a
Universidade Federal de Minas Gerais:
como farmacêutico, Carlos Drumond
de Andrade e como médico, João
Guimarães Rosa.
Mas, naquela altura, nada disso
importava ou contava, nem que
sobrassem informação e premonição:
a cidade respirava ao ritmo da espera
do casal real, Alberto e Elizabetta,
da Bélgica, que chegaria do Rio
de Janeiro no dia 2 de outubro em
companhia do Presidente Epitácio
Pessoa em vagão ferroviário
especialmente construído para este
fim. O jovem e curioso Drummond era
um dos que, na multidão, assistiram ao
desembarque, que descreveu em um
de seus primeiros poemas.
A cidade freneticamente se enfeitou,
reformou o Palácio do Governo, todo
seu mobiliário foi renovado e seus
jardins se avultaram, transformando-se
no que é hoje a Praça da Liberdade.
Tudo isso “apenas” para hospedar os
modernos, atléticos e simpaticíssimos
soberanos belgas que retribuíram os
mimos recebidos com o regalo de um
casal de cisnes negros para adornar o
lago palaciano e a doação de uma
locomotiva do tipo mais moderno do
mundo à época, para fazer a linha RioBH. No banquete palaciano oferecido
à realeza, não se podendo alcançar
o sucesso carioca, obtido com a
surpreendente sobremesa gelada a
base de frutas tropicais, concebida
pela Confeitaria Colombo e “batizada”
de “Rei Alberto”, a criatividade local
se limitou à substituição da prosaica
couve mineira por uma novidade: a
“couve de Bruxelas”!!!
Mas para os mineiros, nada disso
importava, pois a verdadeira “pièce
de resistence” era a sua imbatível
especialidade, o jogo político. O
presidente (governador) do Estado e
futuro presidente da República Arthur
Bernardes travava com o presidente
Epitácio Pessoa uma surda luta
estratégica sobre o aproveitamento
das riquezas minerais da região:
se seriam exportadas in natura ou
transformadas em aço, como queria
o governo local. O deslocamento do
Rei para uma visita a Belo Horizonte
liquidou a pendenga: o governo belga
simplesmente a desempatou a favor
da siderurgia, criando de imediato a
Companhia Siderúrgica Belgo Mineira.
Pode-se dizer que a primogênita
capital republicana, o mais puro
rebento do novo regime, teve, na
“inauguração de sua reinauguração”,
a marca paradoxal da nobreza. O
“duplo vinte” (década de vinte do
século vinte) foi a fase de “conclusão/
reconstrução/construção” da
finalmente grande capital moderna
e pujante de toda Minas Gerais. Foi
sua década “debut”, sua maioridade
política, econômica e cultural,
concluída com a fundação da
universidade e com os alicerces para
a vitória da Revolução de 30.
Quanto ao assunto universidade,
vale lembrar que quando da visita
de Alberto I ao Brasil, o país não
possuía nenhuma universidade
– as incipientes experiências por
parte da Bahia, do Amazonas e do
Paraná estavam encerradas. Só
restava então ao governo federal,
59
como tentativa de dar certo brilho
a formalidade de conceder ao rei
um título de “doutor honoris causa”
foi por uma mera academia de
comércio, o jeitinho brasileiro “criar”,
mesmo que apenas em papel, uma
inexistente “Universidade do Brasil”
e, junto, um reitor adrede fabricado
para a solenidade, para proferir a
saudação e receber do monarca
uma comenda só cabível a reitor de
Universidade. Essa “universidade” só
deixa de ser cartorial, implantada
e em funcionamento na década
seguinte, bem depois da UFMG,
já com sua plenitude universitária
indiscutivelmente alcançada a partir
de 1927 e tendo funcionamento
ininterrupto até os dias de hoje, se
constitui, neste exato sentido, a
decana do Brasil. Por sinal, seu “incipta vita nova” – para orientar os
destinos de Belo Horizonte.
Minas Gerais, a antecipação de
Belo Horizonte
O aspecto vetusto e conservador ao
olhar de alguns sobre a Minas Gerais
de hoje reflete apenas a exuberância
e o vanguardismo verificado na
região num século XVIII em que o
restante daquela colônia portuguesa
grande, paupérrima e pasmacenta.
Considerando as capitanias que lhes
deram origem, Minas, ainda não
tricentenária, tem pouco mais da
metade da idade histórica do que
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro
60
e São Paulo, todos já adentrados em
seus sextos séculos de existência.
A corrida do ouro começa com
a descoberta do metal na região
feita pelos bandeirantes paulistas
(vicentinos, à época) e visibilizada
pelos emboabas (baianos e
portugueses, estirpe basilar do
povo mineiro) que chegados do
Norte pelos rios levavam os víveres
indispensáveis para que se minerasse.
A disputa pelo “marco regulatório”
da mineração foi imediata: os
paulistas queriam que o ouro fosse de
quem o descobriu (eles próprios); a
coroa portuguesa queria que o ouro
fosse da coroa portuguesa ou de
quem ela permitisse (a troco de um
percentual, claro, para ela mesma);
enquanto emboabas queriam que as
minas fossem gerais, ou seja, abertas
a todos e o ouro seria de quem o
lavrasse (evidentemente que eles
próprios, que detinham os alimentos).
A consequência não podia ser outra:
uma guerra sem quartel entre paulistas
e emboabas! Três anos de guerra de
extermínio, com a vitória completa
dos emboabas que expulsaram dali
todos os paulistas que acabaram
levados por seu chefe Borba Gato,
indo procurar ouro no extremo oeste,
expandindo ainda mais as fronteiras
do Brasil. Além disso, os emboabas
elegeram por votação direta (parece
que a primeira eleição direta de
um chefe de governo em todas as
Américas) e totalmente à revelia de
Portugal o seu líder máximo, Manoel
Nunes Vianna, o Governador de
Minas Gerais! Pouco depois, Portugal
oferece acordo, mas tudo pagando
para evitar qualquer governo próprio
na região e até aquele “subversivo”
nome, Minas Gerais. Assim foi criada
a capitania que pouco durou,
denominada São Paulo e Minas de
Ouro. A coroa logo percebeu que
podia ceder no secundário (nome e
separação de São Paulo), desde que
aceitasse o pagamento de “royality”
sobre o ouro e não tivesse qualquer
saída própria para o mar.
A criação da capitania de Minas
Gerais, e até a aceitação de sua
denominação, foi uma concessão
tácita ao sentimento nativista
e rebelde já manifestado, uma
prevenção às naturais e previsíveis
revoltas que surgiriam em região rica
e culturalmente em rápido processo
de evolução. Duas, extremamente
sangrentas, sobretudo na fase de
repressão, ocorreram no primeiro
semestre do mesmo 1720: a Revolta
de Pitangui (ou Revolta da Cachaça,
como ficou conhecida) e a Rebelião de
Felipe dos Santos. Além dessa questão
política, era também indispensável
dotar-se de uma administração
própria, mais diretamente sob as
vistas da Coroa, uma capitania que
já se revelava ser, de longe, a mais
dinâmica e moderna do país, quem
sabe do mundo, naquele período.
O século XVIII foi para Minas Gerais
um extraordinário espetáculo
de florescimento em todos os
sentidos: econômico, demográfico,
arquitetônico, urbanístico, infraestrutural, educacional, artístico,
cultural e político. Atraia aventureiros,
investidores, profissionais e
administradores, os melhores da
metrópole e, junto de tudo isso, ideias
inovadoras e libertárias. Rapidamente
a nova capitania já seria a mais rica
e mais populosa de toda a Colônia.
Logo também se percebeu o quanto
havia sido prudente não lhe conceder
uma saída própria para o mar,
quando se iniciou a série de diversas
inconfidências que antecederam
a mais importante de todas, a
Inconfidência Mineira. Mesmo que
apresentasse um caráter mais antipombalino que emancipacionista,
sempre com forte presença do clero,
já trazia o gene da insubordinação
frente ao poder real metropolitano. A
Primeira Inconfidência de Curvelo, em
1760, foi seguida pelas Inconfidências
de Mariana e de Sabará, tendo este
ciclo se encerrado com a Segunda
Inconfidência de Curvelo já na
segunda metade da década de 70, às
portas da independência americana,
da revolução francesa e da própria
Inconfidência Mineira, referências que
colocaram em outro patamar, mais
completos e libertários, os ideais da
época.
Hoje, sob um olhar histórico
comparativo, constata-se que a
gênese de Minas antecipou a de sua
futura capital: tanto de uma nova
conjuntura e da imposição de seu
61
povo, até na denominação: formada
pela justaposição de partes de um
todo diante do qual pode ser tomada
como um seu ponto de equilíbrio e
de representação; causa e efeito de
novo ciclo de desenvolvimento; em
seus albores, intrépida e rebelde, em
sua madurez, precavida e retraída.
Belo Horizonte, uma antecipação de
Brasília
Mais rápido que o fulgurante
crescimento da antiga capital
mineira, Ouro Preto, só mesmo o
seu declínio. E para bem-vindo e
providencial declínio, única hipótese
a legar ao futuro – inalterada,
perfeita – o privilégio e o orgulho de
receber a Ouro Preto preservada e,
pois, a seu modo, mais fulgurante
que nunca. Fundada em 1711, tinha
em 1730 nada menos que 40.000
habitantes! Poucas décadas depois,
foi a 80.000, a maior cidade de todas
as Américas! A mais moderna, a
mais bem-dotada de infraestrutura,
de belíssimas igrejas, de teatro, de
bibliotecas e magníficos prédios
governamentais. Alguns garantem
que passou de 100.000 habitantes.
Porém, em seu sesquicentenário,
eram evidentes seu envelhecimento,
sua inadequação ao crescimento,
sua impropriedade para sediar a
capital de uma província do porte
de Minas Gerais. Quatro tentativas
foram feitas de transferência da
capital, inclusive uma votada e
62
aprovada pela Assembleia Provincial
para uma região mais plana e central
da província em algum ponto entre
Curvelo e Sete Lagoas, entre o
Rio das Velhas e o Paraopeba. A
população ouropretana em revolta
obrigou a convocação de sessão
extraordinária na mesma noite e a
imediata revogação do ato pela
mesma Assembleia. A partir daí,
só a República poderia reavivar
projeto semelhante. Mas, para isso,
os republicanos teriam que mostrar
que aprenderam a lição com os
fracassos do Império, lição essa que
legariam a um futuro Presidente da
República mineiro, para também
conseguir mudar uma capital, desta
vez a do País.
Proclamada a República, os líderes
mineiros ligados ao novo regime
decidiram que a mudança da capital
deveria ser decidida de imediato,
ainda sob o impacto das primeiras
medidas, e sua implementação
deveria ser rapidíssima para evitar
possíveis recuos (poder-se-ia dizer
“construção em ritmo de Brasília”?) e
tudo feito com o máximo de costuras
políticas para se evitar obstáculos
procastinadores. Tudo combinado e
perfeitamente executado. Augusto
de Lima, governador (presidente do
estado) provisório por pouquíssimos
meses se encarregou de definir através
de simples decreto que haveria
transferência, sem determinar para
onde. A disputa pela localização
ficou por conta do governo de Afonso
Pena, sendo fixada em posição não
tão central geograficamente, porém
mais bem equilibrada consideradas
as regiões por seu peso político.
Portanto, Belo Horizonte nasce com
características de ser resumo de Minas
do mesmo modo que esta surgiu como
um resumo das regiões do Brasil.
Definida a localização, o que
concentrava as atenções e esforços
políticos, ao mesmo tempo que,
de certa forma, preservou alguma
expectativa de permanência em
Ouro Preto, veio, aí sim, grande
desafio, o de construir e inaugurar a
nova capital, em único governo de
quatro anos apenas, sem margem
para recuos. Vencer esse desafio
coube ao governo Bias Fortes, que
iniciou as obras e inaugurou a capital.
JK dispunha de cinco anos e já tinha
o local previamente escolhido, além
de máquinas e equipamentos, mais
modernos, mas todo o planejamento
teria que ser seu, o que no caso mineiro
pode ser desenvolvido pelo governo
anterior, de Afonso Pena. Também
a Juscelino assustava fantasmas
mais reais: nada de suas intenções
poderia vazar antes das eleições e o
fracasso em não inaugurar a cidade
fatalmente levaria a seu abandono
por um sucessor que, se assim fosse,
seria eleito com discurso focado na
inutilidade da obra e desperdício de
recursos. Quanto ao primeiro risco,
ninguém pode garantir que a intenção
de mudar a capital do País existia ou
não durante a campanha, vencida
com a defesa de trinta metas dentre
as quais não se incluía tal medida.
Mas que os recentíssimos e graves
acontecimentos no Rio de Janeiro
se ajustam a justificativas dadas
posteriormente para uma capital mais
distanciada dos clamorosos políticos,
como Brasília, não há dúvida. E que
um anúncio precipitado de que o
Rio, essencial nos votos que deu ao
futuro presidente em sua apertada
vitória, levaria a sua derrota, há menos
dúvidas ainda. Quanto ao “ritmo de
Brasília” para garantir a inauguração
no mesmo governo, isso toda a história
registra e comprova.
BH foi o espelho para Brasília em
muitos outros momentos, talvez o
principal deles na construção do
Complexo Arquitetônico da Pampulha
tal como os governadores mineiros
montaram uma super equipe técnica
para projetar e construir a capital
moderna em tempo recorde, no caso,
a equipe liderada pelo jovem, mas já
experiente engenheiro e urbanista
paraense Aarão Reis, o jovem prefeito
de BH, Juscelino Kubitschek, montou a
equipe liderada pelo arquiteto Oscar
Niemeyer e pelo paisagista Burle Marx
para a concepção da Pampulha,
equipe depois reforçada pelo
urbanista Lucio Costa para Brasília.
Não por acaso, a Pampulha foi a “préestreia” de Brasília, seu ensaio geral
com o reforço de outras obras pela
cidade. Belo Horizonte foi marco do
início e do fecho das grandes obras
de Niemayer, enquanto Brasília foi seu
63
ápice; ambas as cidades parecem
marchar em par, na prancheta
daquele grande mestre.
Os lagos da Pampulha e Paranoá,
ambos projetados, parecem irmãos.
Os palácios de moradia, Alvorada
e Mangabeiras, os palácios de
governo, Tiradentes e Despachos, o
Teatro Nacional e o Palácio das Artes,
a Biblioteca Nacional e a Biblioteca
Estadual, a igrejinha de São Francisco
e a de D. Bosco, a catedral Rainha
da Paz e a Catedral Cristo Rei, a
UnB e o Colégio Estadual Central, a
Esplanada dos Ministérios e o conjunto
do Minas com o Gerais, a Estação
Rodoferroviária e o Mercado das
Flores (antiga Estação dos Bondes),
o Iate Clube e a Concha Acústica,
a Casa de Baile e o Clube do Choro,
além de tantas outras similaridades
não podem ser meras coincidências.
Claro que Brasília ostenta diversas
maravilhas, como memoriais e outros
palácios, que vão muito além do
acervo belorizontino, a quem só resta
o “consolo” de possuir a obra prima
dentre os prédios residenciais do
Mestre, o edifício Niemeyer, na Praça
da Liberdade. Mas, nesse ponto, vale
ainda um registro. O maravilhoso
conjunto que compõe o Congresso
Nacional, com suas imponentes
torres duplas (alguém pode garantir
que as de Nova Iorque nunca nelas
se inpiraram?) provavelmente teve
seu “rascunho”, ainda que sem as
cúpulas côncava e convexa, no
edifício JK, com suas duas torres
64
“gêmeas”, a depender do ângulo
de visão do observador.
Mesmo tendo deixado tantas
experiências políticas e urbanísticas
claramente aproveitadas pelos
idealizadores e construtores de
Brasília, Belo Horizonte teve uma
história subsequente à inauguração
que também se repetiu na nova
capital federal, talvez por faltar a
seus novos gestores a visão histórica
mineira de Juscelino.
Minas, ao final do século XIX,
dispunha de abundante mão de
obra não qualificada, inclusive
ex-escravos, tendo que buscar às
pressas operários especializados
europeus – portugueses, espanhóis
e, sobretudo, italianos – que foram
alojados “provisoriamente” em áreas
dentro do setor urbano planejado.
Tais operários trouxeram junto de si a
consciência de classe, o sindicalismo,
o anarquismo, o socialismo. Ou
seja, em consequência, trouxeram
a resistência, as lutas e as greves.
Os campeonatos operários logo se
transformaram em ocupações e
resistência, alterando estruturalmente
o planejamento esquematizado.
Maior exemplo foi o bairro Barro
Preto, contíguo à maior e mais bela
praça da cidade, a Praça Central,
cruzamento de quatro grandes
avenidas, uma fazendo ligação
direta com o Palácio de Governo,
bairro símbolo da resistência operária
italiana, o que “empurrou” o
comércio e edificações mais “nobres”
para longe e postergou em 40 anos a
inauguração da Praça Raul Soares. O
Barro Preto guarda mais de cem anos
depois as marcas de sua história, com
os pequenos comércios e manufaturas,
serviços e oficinas especializadas com
os indefectíveis sobrenomes italianos,
além do casario revelador de seu
passado de cortiços, das inúmeros
“espagueterias” e do campo de
futebol do antigo Palestra Itália. Belo
Horizonte nunca teve, sobretudo em
suas primeiras décadas, propriamente
uma burguesia, sendo sua “elite”
econômica constituída de altos
funcionários públicos, advogados,
médios comerciantes, porém que
queriam guardar não a gratidão
devida àqueles que construíram sua
cidade, mas a distância prudente
daqueles que temiam.
Além da resistência física aos despejos,
os operários europeus desenvolveram
lutas reivindicatórias, chegando à
Grande Greve Geral de 1912 e até
a algumas escaramuças políticas em
apoio à Revolução Bolchevique de
1917. Os operários formados dentre os
moradores locais, sobretudo negros e
colaterais, aprenderam e fizeram sua
parte, com ocupação e resistência
cultural e religiosa. Tanto é que hoje
BH talvez seja a capital com maior
número de áreas quilombolas, de
candomblés e de grupos de capoeira
que outros grandes centros do País.
Até os times de futebol de BH
traduzem em seus uniformes, marcas
atualíssimas de resistência e inovação.
O Cruzeiro, antigo Palestra Itália de
camisa tricolor como a bandeira
italiana, obrigado pelo Estado Novo
a renegar sua origem devido à
declaração de guerra àquele país,
espertamente burlou a censura
adotando a camisa azul das seleções
italianas alegando ser a “squadra
azzurra” Cruzeiro do Sul. Adotou o
novo nome, driblou a ditadura.
O América que já adotava o verde
oficial dos médicos, futuro da maioria
de seus atletas, obrigado a se transferir
para uma das alamedas do parque
municipal, reforçou sua vocação,
sendo a primeira bandeira viva
ligando a saúde e o meio ambiente.
O Atlético Mineiro, com o alvinegro
do galo carijó, de estatura pequena,
mas que não se intimida diante de
qualquer adversário, somou a este
espírito de luta a igualdade racial
(sempre irmanou negros e brancos)
além de simbolizar o desenvolvimento
social para os mais pobres.
De igual modo, observamos as
lendárias e folclóricas figuras de rua,
Belo Horizonte “vis-a-vis” Ouro Preto.
Nas vetustas ruelas e calçadas ouropretanas, pontificava gloriosa a
inesquecível Dona Olímpia, com seu
requintado ar de nobreza manifestado,
evidentemente sem o saber, sob um
visual inegável de precursora do futuro
65
tropicalismo. Sempre paparicada por
ávidos fotógrafos, políticos, artistas
e que tais, compondo o escracho
bem comportado da época. Por
sua vez, no centro de Belo Horizonte,
reinava outra popular figura, a dona
do pedaço, o escracho escrachado
da população tida como “dos de
baixo”, a inesquecível e imbatível
Maria Lambreta, debochando
da granfinagem na Avenida,
empolgando as torcidas do Atlético
Mineiro, das equipes da Escola de
Engenharia e sempre disposta a
enfrentar fisicamente a polícia, em
passeatas dos protestos estudantis
contra a Ditadura, mas sobretudo
tomando as dores em solidariedade
a mendigos, prostitutas, bêbados de
ruas, dos maltrapilhos e humilhados:
uma inconsciente porém autêntica
expressão de uma luta de classes. Nas
distintas simbologias de cada uma,
o dolorido desenho do contraditório
avanço social.
O Brasil, na década de 50, já
dispunha de engenheiros e empresas
construtoras especializadas, aptos
para fazer uma grande cidade. Porém,
no Planalto Central, não havia a mão
de obra braçal suficiente, a qual
acabou sendo buscada, sobretudo,
no nordeste do país. Os “candangos”,
como foram conhecidos os futuros
habitantes de Brasília, talvez movidos
por sentimentos elitistas como houve
em BH, recusaram este como seu
gentílico, optando por “roubar” do
Brasil o termo “brasiliense”), foram
66
instalados em vilas provisórias fora
do Plano Piloto, quem sabe para não
terem reações como as havidas na
capital mineira e fossem, ao final,
facilmente removidos. Leda, ledíssima
previsão! Sair daí para onde? Sem
previsão de assentamento, voltar
para que casa? Melhor trazer a
família, e muitas outras famílias para
junto das (possíveis) oportunidades.
Por caminhos opostos, o resultado foi
o mesmo, os “esquecidos” operários
construíram seu próprio planejamento
fazendo tábula rasa das plantas e
escrituras! Assim como hoje a parte
planejada por Aarão Reis é apenas
o hipercentro de BH. O Plano Piloto
de Lucio Costa tende ao hipercentro
burocrático (administrativo e
habitacional) do Distrito federal.
Belo Horizonte e Brasília foram
pensadas para jamais sofrer
problemas com o trânsito. Uma,
com suas ruas perpendiculares
formando perfeito tabuleiro cortado
por grandes avenidas em diagonal,
verdadeiras (à época) vias expressas.
Outra, com suas superquadras
auto-suficientes, tendo em perfeita
vizinhança e proximidade, superiores
e seus servidores, com deslocamentos
apenas para órgãos não muito
distantes através de grandes eixos
de trânsito rápido. Também aí o
planejamento resultou em seu
contrário. As vias belorizontinas,
entrecortadas e cheias de ângulos
de 45 graus, fazem com que a
engenharia do tráfego local seja das
mais complexas e de difícil resolução,
só menos que o caso de Brasília, com
suas cidades satélites dormitórios, não
integradas entre si e com fluxos de
tráfego com picos e vales bruscos e
extremos.
Ao deslocar a capital de Minas,
imaginava-se que haveria um
saudável distanciamento político
das pressões ouropretanas, próximas
e atentas, muito no rumo do que se
pensava seis décadas depois sobre
as mudanças do cerco da politizada
e atenta opinião pública do Rio de
Janeiro para a distante Praça dos
Três Poderes, inalcançável – pensavase – pelos movimentos políticos e
sociais. Em ambos os casos, deuse o contrário. Belo Horizonte foi
crescentemente palco de iniciativas
e conflitos, comandando a parte
mais crescente da revolução de 30,
suportando o impacto mais duro da
reação a ela em 32 e sendo o centro
operativo da “institucionalização” do
Estado novo, sendo pouco depois o
arauto primeiro de sua superação
com simples, porém demolidor,
manifesto de seus políticos, marcando
a sua queda. Mas, foi ali também,
exatamente nos idos daquele fatídico
agosto de 54 que o Presidente com
segurança, sob o aplauso popular de
um povo e o pálio de seu governador,
formulou por inteiro sua estratégia de
“sair da vida para entrar na história”
com sua longa sobrevida política,
a demostrada na vitória de 55. Foi
dali também que partiram as forças
militares para por fim ao regime
constitucional de 46 e, junto a isso,
tentar neutralizar as forças operárias
e populares que vinham sustentando
o regime, desde Vargas, JK e Jango,
tudo sob o manto da autointitulada
“Tradicional Família Mineira” e
das marchas de um catolicismo
obscurantista. Novamente, deu-se aí
o caldo de cultura de seu oposto, os
movimentos estudantis, ainda em 64
e 65, as greves operárias de 68 e seu
auge em 79 (“BH, capital das greves”)
e de uma igreja engajada, resistente,
pensante, até em sua aliança com as
mais eloquentes formas de luta.
Mais uma vez, BH e seus opostos,
Brasília o seu espelho. Idealizada e
construída por governo democrático,
por presidente que anistiou tentativas
de golpe contra si próprio e
terminou vitima de outro, Brasília foi
definitivamente consolidada pelo
regime militar, parecia transmitir em
sua frieza e distância, a imagem do
“lócus” ideal da ditadura. Engano.
Sem indústrias e operários, a luta de
classes se reconstroi nos serviços, nos
bancos, nas estatais, nos serviços
públicos. A universidade fervilha,
o mundo cultural desabrocha e
Brasília se abre com estuário dos
movimentos sociais do Brasil inteiro,
dando a ele uma dimensão nacional
jamais vista, nas incontáveis marchas,
acampamentos e jornadas de lutas,
dando a cada um o sentido maior
de unir o reivindicatório com o
político. A esplanada se transmuda
67
no maior palco de lutas jamais
visto, de vastidão impreenchível
em engarrafamento cotidiano de
incontáveis e superpostas passeatas,
de aridez inalcançável em objeto
de desejo de todas as categorias e
corporações que em busca dela se
organizam, mobilizam, nacionalizam.
Belo Horizonte, em sua grandeza
e contradições, redefiniu e uniu
Minas; Brasília, na esplanada, se
redefiniu, uniu seu ideal criador
com as contradições e conflito,
portanto, com a vida, de todo o
País. São dois destinos univitelinos
que se assemelham, explicam-se,
completam-se e se projetam.
Belo Horizonte, Século II: “incipta vita
nova”.
A escolha da localização da nova
capital se revelou não só um completo
êxito político como também um
inesperado acerto vivencial.
O “belo horizonte”, em realidade,
são “belos horizontes”. Quem se
aproxima da região pela “raia
noroeste” dos chapadões das
“gerais” em direção às montanhas
das minas, de longe já vislumbra o
horizonte belo azulado, tom-sobretom recortado, no suave ondulado
típico das alterosas, formado pela
Serra do Curral, moldura, inspiração
e símbolo da cidade. Aqueles mais
dispostos, que ousarem subir até o
cimo daquele contraforte, postando68
se junto na linha antes avistada como
o “belo horizonte”, ao lançarem seu
olhar na direção de quem busca
o oceano receberá de choque
o impacto da vista de um “mar”
encapelado de montanhas a seus
pés, perfazendo ao longe um novo
e espetacular “belo horizonte”.
Ao sopé da Serra do Curral, estendese o que era conhecido como “viveiro
das águas”, área com incríveis mais
de mil nascentes o que, junto as
suas fertilíssimas terras e às grandes
extensões para isso reservadas, fez
da Belo Horizonte adolescente a
capital da exuberância verde, a
“cidade vergel”. O clima ameno da
montanha, suas brisas suaves, suas
manhãs estivais, a onipresença de
suas quaresmeiras completavam
o cenário adequado ao torná-la paradoxo tratando-se de uma capital
– em “lócus” ideal para pousadas
de veraneio e incontáveis clínicas
de repouso e tratamento, sobretudo
para doenças pulmonares. Porém,
como logo se verá, tal “solidez”
também “se desmancha no ar”.
A bela montanha em que Belo
Horizonte já encarapitada trazia
nas suas entranhas uma riqueza e
um desígnio: uma hematita a 70%
de ferro da melhor qualidade! O
quadrilátero ferrífero no coração
de Minas capitaneou um novo ciclo
mineral, o ferro e o aço em seus
volumes, superaram largamente o
ouro e, mais uma vez, a nova se impôs
velha capital!
Mas algo de sombrio, um friozinho de
sinistro havia, como se “um espectro
rondasse BH”. A cidade parecia
irremediavelmente triste, melancólica,
enfadonha. Rômulo Paes, autor de
músicas para a mais alegre de todas
as festas, o carnaval, descreveu
a cidade, em sua mais célebre
composição como “a vida é esta,
a vida é esta, subir Bahia e descer
Floresta”, numa clara referência aos
barnabés, em sua maioria moradores
do bairro Floresta, em seu repetitivo
vai-e-vem da casa para o trabalho,
através de um côncavo trajeto
pela rua da Bahia, rumo à Praça da
Liberdade, sede das secretárias do
Estado. Carlos Drummond de Andrade
não deixou por menos e, após
protestar contra a troca de nome da
rua dos Emboabas, a demolição do
cine Odeon e a ocupação argentária
do pátio da igreja de São José, sugeriu
que se trocasse logo de vez o nome
da cidade para Triste Horizonte, onde
ele jamais tornaria a tocar os pés. Noel
Rosa, compositor inspirado e prolífero,
com extensa obra em apenas 8 anos
de vida artística, dos quais cerca
de 20% desse tempo passados em
Belo Horizonte para recuperação de
saúde, deu, sem nada dizer, eloquente
testemunho sobre a “aura” do lugar,
pois enquanto aí permanecia, nada
compunha, não dedicando a ela um
único verso.
Guimarães Rosa identifica Belo
Horizonte com Lion, Liverpool
e Magdeburgo como espaços
“essencialmente, terrestremente,
deprimentes, tristes, enfadonhos”
acrescentando, quanto à capital
mineira que “não obstante o clima
ótimo, há de ser sempre propensa à
melancolia e ao tédio”. Atribui ele tal
caráter às “emanações telúricas”, “às
invisíveis forças que saem do chão”
responsáveis pelas sensações “ódicas,
fisioelétricas e prânicas” que ajudam
a compor esse “buquê difuso”, essa
“aura” ou “atmosfera” que, no caso
dessas cidades, seriam as “aspirationes
terrarum” de origem mineral.
A localização privilegiadíssima para
o clima ameno e saudável numa
encosta da serra foi se revelando,
com a expansão urbana, um
problema, sobretudo com a tomada
da consciência de que uma grande
cidade aí posta, hoje fatalmente seria
considerada grave crime ambiental.
Na prática, de consolidação difícil e
cara: terrenos acidentados e frágeis,
drenagem complexa e abundante,
trânsito estrangulado com vários
obstáculos à construção de novas
artérias de desvios rodoviários.
Também por esse ângulo a nova
capital reprisa a antiga. O tardio e
lento deslocamento para as novas
ocupações dos vazios metropolitanos
nos platôs situados ao longo do vetor
norte urbano parece obedecer a
uma fatalidade lógica voltada para a
exata localização técnica da capital.
69
Desde os primeiros anos de seu
segundo século de existência, Belo
Horizonte parece em busca de um
acerto de contas consigo mesma.
De uma cidade que parecia
impulsionada por uma espécie
de “síndrome de crescimento”,
de se orgulhar de cada degrau
conquistado na escala das maiores
capitais, chegando ao terceiro posto,
hoje busca a qualidade de vida e
o equilíbrio proporcionado pelo
crescimento de baixa intensidade,
o que se comprova em inúmeras
premiações internacionais de
qualidade de vida. “Incipta vita
nova”, o velho lema universitário,
para guiar o novo século da Capital,
preservada a velha dualidade
interativa de inovador com o
conservador. Chama a atenção
nesse ponto, a preocupação, quase
uma fixação, com a preservação
histórica de uma cidade tão nova,
mas já dilacerada: Belo Horizonte tem
um número de patrimônio tombado
superior à soma dos tombamentos de
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e
Recife, quatro mais antigas capitais,
cada uma com cerca de quatro
vezes sua idade e, no conjunto, com
15 vezes sua população.
A cidade parece sôfrega, na busca
da alegria. Sob a consigna de “quem
não tem mar, navega no bar”, tornouse capital inconteste dos botecos. De
uma gastronomia própria. Parca e
tosca (só se registram duas iguarias
genuinamente belorizontinas: o
70
jiló, frito com fígado acebolado e
o tradicionalíssimo Caol, para as
inovações sofisticadas dos petiscos
famosos e premiados. O Caol, vale
lembrar, vem de cachaça, arroz,
ovo e linguiça, acrônimo depois
reforçado pela introdução da couve.
A cidade já hoje indiscutivelmente
erigida em “capital da cerveja
artesanal” disputa o título de melhor
cidade para se tomar vinhos. Cidade
não litorânea, tem o maior carnaval
espontâneo de rua e um dos bairros
mais musicais do País – o tradicional
Santa Teresa, o moderno Santé –
centro da seresta e do chorinho,
casa do Clube da Esquina, acolhida
maior da música popular mineira e
do Jequitinhonha, santuário do hiphop sob o vão de seu viaduto, berço
das bandas de rock, como Skank e
Sepultura.
O espaço de convívio do Belo
Horizonte, o Mercado Central – ou
“Mercadão” – é outra expressão
do impulso transformador e
modernizador da cidade. De um
passado vulgar, lamacento e sujo se
apresenta hoje como um charmoso
espaço gastronômico, sem perder
seu caráter popular. Lá o queijo de
minas impera soberano, os produtos
do Serro, da canastra e do Salitre,
artesanais e elaborado, com leite
cru, sejam eles frescos ou curados,
podem ser adquiridos obedecida a lei
maior, a lei do sabor, da qualidade e
da tradição. Em meio aos aromas dos
temperos mais variados misturados
com as emanações de frituras de jiló
acebolado estão os botecos mais
autênticos e as cachaças típicas
de Minas. Eleitos recentemente, por
consulta popular, como o espaço
símbolo de Belo Horizonte, foi também
apresentado por companhias aéreas
internacionais como o terceiro
melhor mercado do mundo abaixo
apenas do Barouge Marketing
de Londres e, evidentemente, do
Mercat La Boqueria de Barcelona, o
melhor de todos. Também ali, outra
tradição da cidade se materializa: a
fitoterapia natural onde todas as suas
folhas e raízes podem ser “aviadas”.
O maior de todos os fitoterapeutas
de Belo Horizonte é hoje também o
Seu Santo, devidamente beatificado
pelo Vaticano. Padre Eustáquio van
Lieshout (pronuncia-se “fan lesrraute”)
taumaturgo renomado, curado
por plantas fé e milagres. Trazia
sempre de fitoterapia Os Domingos
de Ramos, início da Semana Santa,
eram em sua época, como ainda
crescentemente voltaram a ser
após a beatificação, verdadeiras
odes ao poder curativo das plantas,
grande reorganizador das festas
religiosas, São Pedro Eustáquio, ou
São Eustáquio van Lieshout, como vier
a ser chamado, indica sua terra de
adoção, Belo Horizonte, como centro
sob sua proteção e prodígios para
celebrações como Natal e Semana
Santa. De origem holandesa, Van
Lieshout (só no Brasil recebeu o nome
de Eustáquio) foi estimulado para cá
se dirigir ao receber das mãos do Rei
Alberto da Bélgica, estivera em Belo
Horizonte, a já mencionada Gran
Cruz da Ordem de Rei Leopoldo aos
refugiados belgas, dentre tantos de
outras partes do mundo. Por essa
razão é que hoje padre Eustáquio é
invocado com frequência a proteção
dos refugiados internacionais e a
todas as violências correlatas.
As festas juninas da cidade, quem
sabe também inspiração do Santo,
guardam um estilo próprio visual e
dançante, um belo espetáculo de
disputa artística, na direção do que
ocorre com os grandes desfiles das
escolas de samba no carnaval.
A feira de artes, artesanato e
variedades, com seus mais de dez mil
expositores, é sem dúvida e de longe
a maior e melhor de todo o País.
Belo Horizonte, no vigésimo primeiro
ano pós centenário atinge a plena
maioridade.
Remoçada, alegre, criativa e
moderna, bem corporifica o INCIPTA,
VITA NOVA.
71
O Porta l Bra sil
Cultura
por Ângelo Oswaldo de Araújo Santos
Minas Gerais:
contemporânea
a
cultura
O Estado de Minas Gerais é
sucedâneo da Capitania criada em
1720, desmembrada da Capitania de
São Paulo e Minas de Ouro, de 1709,
e, após a independência do Brasil,
da Província constituída durante o
período imperial (1822-1889). Suas
dimensões territoriais correspondem
às da França continental, sendo
igualmente rica a diversidade
cultural de ambos os territórios. Minas
é muitas, reconheceu o escritor
João Guimarães Rosa (1908-1967),
mineiro dos Gerais de Cordisburgo,
orgulhoso de sua “patriazinha”.
Em célebre discurso, Afonso Arinos
de Melo Franco, nascido em Belo
Horizonte (1905-1990), enfatizou a
centralidade de Minas como uma
síntese e um amálgama do Brasil,
por suas conexões com o Nordeste
e o Sul, o Sudeste e o CentroOeste, graças à projeção territorial
alcançada a partir do núcleo
inicial da mineração aurífera, entre
Sabará, Mariana e Ouro Preto. Nestas
localidades pioneiras, erigiram-se em
1711 as três primeiras das atuais 853
municipalidades do Estado, o maior
contingente de municípios numa
unidade da Federação.
O ciclo do ouro, cujos primórdios
remontam a 1674, ano da partida de
São Paulo da grande bandeira de
73
Fernão Dias, ensejou o surgimento da
primeira sociedade urbana do Brasil.
A mineração acendeu uma imensa
constelação de arraiais e de quatorze
vilas, como então se denominavam
as sedes municipais. A vida citadina
estimulou o desenvolvimento cultural,
e variadas manifestações artísticas
floresceram intensamente. Deram
origem ao grande patrimônio que se
convencionou chamar de Barroco
Mineiro, embora muita vez predomine
o rococó, nas artes plásticas, ou o
estilo pré-clássico nas composições
musicais, sobretudo na segunda
metade do século XVIII.
O arquiteto, escultor e entalhador
Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho
(1738-1814), é considerado o primeiro
artista genuinamente brasileiro, pela
interpretação pessoal dos padrões
europeus do barroco e do rococó. Os
escultores e entalhadores Francisco
Xavier de Brito (falecido em Ouro
Preto em 1751), Francisco Vieira
Servas (1720-1811) e o Mestre de
Piranga, anônimo ou oficina que
deixou obra de singular importância,
os pintores Manuel da Costa Ataide
(1762-1830), Francisco Carneiro,
João Nepomuceno Correia e Castro,
Manuel Victor de Jesus, Silvestre
de Almeida Lopes, José Soares de
Araújo e Caetano Luiz de Miranda
evidenciam o opulento acervo de
artes plásticas do período minerador.
O compositor José Joaquim Emerico
Lobo de Mesquita, atuante em
Diamantina e Ouro Preto, falecido no
74
Rio de Janeiro em 1805, é considerado
o mais importante dentre numerosos
músicos ativos na Capitania do ouro.
Adotando o estilo pastoril da
Arcádia romana, muitos autores
foram pródigos na produção de uma
das primeiras expressões da poesia
brasileira: Cláudio Manuel da Costa
(1729-1789), Tomás Antônio Gonzaga
(1744-1810), Inácio José Alvarenga
Peixoto (estes três inconfidentes
envolvidos na Conjuração Mineira
de 1789), Manuel da Silva Alvarenga
(preso na Inconfidência Fluminense
de 1794), Basílio da Gama, Frei José
de Santa Rita Durão, Francisco de
Melo Franco e José Eloy Ottoni.
Minas Gerais foi a província mais
populosa do Império, contando com
a maior representação parlamentar,
o que iria prevalecer até o final da
primeira República, demarcado
pela Revolução de 1930. A base
cultural sedimentada no período da
abundância do ouro e dos diamantes
fez com que naturais de Minas se
destacassem na política, na literatura
e nas artes do Brasil, garantindo ao
Estado uma proeminência que cedeu
lugar aos Estados de São Paulo e
Rio de Janeiro, a partir da Segunda
Guerra Mundial.
As características de uma
região montanhosa e distante do
litoral, contribuindo para certo
enclausuramento da vida mineira,
implicaram traços de conservadorismo
recorrentes no comportamento
social e individual de seus habitantes.
“O senso grave da ordem” pautou
o comportamento de suas elites
políticas, mas personalidades como o
presidente Juscelino Kubitschek (19021976) e o antropólogo Darcy Ribeiro
(1922-1997) contrariaram esse coro
circunspecto em favor de mudanças
de forte impacto na história do
país. Tradição e ruptura traduzem,
assim, o movimento pendular que
alterna fenômenos transformadores
e reações conservadoras no âmago
do processo histórico mineiro.
prefeito Juscelino Kubitschek concluía
os quatro prédios principais do
Conjunto da Pampulha, hoje
patrimônio da humanidade (Unesco,
2016).
A década de 1920 foi privilegiada
por movimentos modernizantes. O
grupo da Rua da Bahia, em Belo
Horizonte, reuniu os jovens Carlos
Drummond de Andrade, Pedro Nava,
Emílio Moura, Abgar Renault, João
Alphonsus, Gustavo Capanema e
Milton Campos, tendo lançado “A
Revista”, em 1925. Em Cataguases,
em 1927, apareceu a Revista Verde,
criada por Ascânio Lopes, Rosário
Barroco, modernismo e
Fusco, Guilhermino César, Enrique de
Guignard
Resende e Francisco Inácio Peixoto.
Mas não correspondeu à
Três fundamentos culturais
notável renovação da
sustentam os rumos da
poesia e da literatura
contemporaneidade
qualquer movimento
de Minas Gerais
mais significativo no
neste
primeiro
campo das artes
quartel do século
plásticas. Surgido
XXI: a herança
simultaneamente,
barroca setecentista,
o
cinema
de
da qual procedem
Humberto Mauro, em
ricos veios da criação
Cataguases, foi um
artística; o legado do
fenômeno autônomo.
modernismo literário
Especialmente
a
da década de 1920,
obra poética de Carlos
Alberto da Veiga Guignard
emblematizado pelo
Imagem reproduzida de
Drummond de Andrade
Grupo da Rua da Bahia,
http://www.elfikurten.com.br
marcou as gerações
em Belo Horizonte, e pela
literárias que se sucederam, no
Revista Verde, de Cataguases; e a
decorrer do século XX, como as
lição do pintor Alberto da Veiga
do romancista Cyro dos Anjos, da
Guignard, criador da primeira escola
poeta Henriqueta Lisboa e dos
de arte moderna da Capital mineira,
“vintanistas” da década de 40 (Otto
em 1944, no instante em que o
75
Lara Resende, Fernando Sabino,
Hélio Pelegrino e Paulo Mendes
Campos, ao lado de Murilo Rubião
e Alphonsus de Guimaraens Filho),
sempre articuladas em movimentos
como os denominados Edifício,
Complemento, Tendência, Ptyx,
Estória e Suplemento Literário.
A “excursão modernista” de abril
de 1924 alavancou o movimento
dos poetas mineiros, em contato
direto com Mário de Andrade, Tarsila
Amaral e Oswald de Andrade, que
visitaram a capital e várias cidades
históricas em companhia do poeta
suíço-francês Blaise Cendrars. O
governo estadual do presidente
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
deu início a programas de proteção
do patrimônio histórico e valorização
da “mineiridade”, tendo criado a
Universidade do Estado, em 1927,
e promovido notável reforma do
ensino, em 1929, com a participação
da educadora russa Helena Antipoff
e da escultora belga Jeanne Louise
Milde, que se fixaram em Belo
Horizonte.
As artes plásticas só adquiriram
expressão relevante com a vinda de
Alberto da Veiga Guignard (18961962) para Belo Horizonte. Os pintores
Honório Esteves, Alberto Delpino,
Aníbal Matos, Nazareno Altavilla,
Renato de Lima e Genesco Murta
compuseram obras de qualidade,
dentro dos padrões da tradição.
Apaixonado pela paisagem das
76
cidades históricas, sobretudo de Ouro
Preto, onde foi sepultado, Guignard
criou uma escola para ensinar Belo
Horizonte a ver a arte moderna
e perceber as obras erguidas na
Pampulha (Cassino, Igreja de São
Francisco de Assis, Casa do Baile e
Iate Clube) pelo prefeito Kubitschek
pelas mãos do arquiteto Oscar
Niemeyer, do pintor Cândido Portinari,
do escultor Alfredo Ceschiatti e do
paisagista Roberto Burle Marx.
No mesmo ano de 1944, uma
exposição de arte moderna, na
galeria do Edifício Mariana, no centro
da cidade, teve uma tela de Portinari
rasgada a canivete, em meio a uma
polêmica a respeito da nova pintura.
A Escola do Parque Municipal, como
ficou conhecida, reuniu entre seus
primeiros alunos os escultores Amílcar
de Castro e Mary Vieira (que se
transferiu para a Europa) e os pintores
Maria Helena Andrés, Mário Silésio e
Sara ávila. Farnese de Andrade cursou
a escola de Guignard e foi para o Rio
de Janeiro, onde criou um universo
de objetos referindo uma herança
cultural mineira. Nessa mesma
época, a chegada dos maestros
e compositores Sergio Magnani e
Alfredo Bossmann inaugurou novo
compasso para a música erudita.
Duas artistas plásticas que cedo
deixaram o Estado iriam alcançar
projeção internacional: Lígia Clark,
nascida em Belo Horizonte, e Maria
Martins, em Campanha, Sul de Minas.
Amílcar de Castro atuou em Nova
York e no Rio, mantendo presença
luminosa em Minas Gerais, como
professor em Belo Horizonte e Ouro
Preto.
A partir da década de 1950,
diversas iniciativas provaram que a
linha evolutiva da produção cultural
mineira não percorria apenas o
trajeto da vanguarda literária, mas
alcançava manifestações no teatro
(Haydée Bittencourt, Jota Dângelo,
Jonas Bloch, Carlos Kroeber), na
dança (Klauss Viana, Angel Viana,
Carlos Leite) e na arquitetura
(projetos de Sylvio de Vasconcellos,
Gilson de Paula, Hélio Ferreira Pinto,
Shakespeare Gomes, Raphael Hardy
Filho). Surgiram também núcleos
de atividades cinematográficas,
com destaque para o CEC, centro
de estudos que formou gerações
de críticos de cinema. Ao mesmo
tempo, em muitas cidades do
interior do Estado, artistas, escritores
e intelectuais, individualmente ou
em grupo, participaram de ações
inovadoras, como a geração da
Galeria Celina, em Juiz de Fora,
entre outros polos como Cataguases,
Pirapora, Oliveira, Ouro Preto e
Barbacena. álvaro Apocalipse, Teresa
Veloso e Madu Vivacqua Martins,
artistas plásticos, criaram o grupo
de teatro de bonecos Giramundo.
Nello Nuno Rangel e Anna Amélia
Lopes fundaram a Escola de Arte
Rodrigo Melo Franco de Andrade,
da Fundação de arte de Ouro Preto,
FAOP.
Permanecem atuantes o pintor,
poeta e crítico de arte Márcio
Sampaio, a gravadora Lothus Lobo,
autora de um trabalho inovador a
partir de marcas industriais, e o pintor
Carlos Bracher (Ouro Preto).
Transformações aceleradas
após a década de 60
A década de 1960, marcada pela
instauração do regime militar, em
1964, assistiu ao lançamento de uma
série de movimentos de vanguarda,
nos territórios da cultura, o que se
intensificou até os anos 90. A criação
do Suplemento Literário do “Minas
Gerais”, diário oficial do Estado, em
1966, pelo escritor Murilo Rubião,
a convite do governador Israel
Pinheiro, resultou na aglutinação
de uma efervescente geração
de escritores, sobretudo contistas,
poetas e artistas plásticos. Entre os
autores, destacaram-se os ficcionistas
Sérgio Sant’Anna e Luiz Vilela e o
poeta Sebastião Nunes. Até hoje, o
Suplemento Literário prossegue na
missão de reunir e divulgar a literatura
contemporânea.
Naquele mesmo ano, o governo
mineiro promoveu um festival de
arte em Ouro Preto, já em 1967
transformado em Festival de Inverno
da UFMG, com larga repercussão
dentro e fora do Estado. Em 1971,
Julian Beck, Judith Malina e o Living
Theatre foram presos em Ouro
77
Preto, quando se preparavam para
participar do evento, sendo em
seguida expulsos do país por ordem
do governo federal.
Na atualidade, o Estado conta
com um grande número de festivais
literários, musicais e teatrais, em
praticamente todas as regiões. O
Festivale e o MucuriArte movimentam
o Vale do Jequitinhonha e o Vale do
Mucuri, nas regiões Norte e Nordeste.
Do Festival de Inverno procederam
outros congêneres e grupos
importantes que chegam ao presente
consagrados internacionalmente: o
Grupo Galpão, de artes cênicas; o
Grupo Corpo, companhia de dança
contemporânea; o Giramundo, teatro
de bonecos; o Ukati, hoje extinto,
utilizando instrumentos inventados
por seus integrantes. O Madrigal
Renascentista e o Ars Nova, da UFMG,
foram corais que contribuíram para
o brilhantismo do ambiente cultural,
adotando propostas inovadoras.
A inauguração do Palácio das
Artes, da Fundação Clóvis Salgado,
pelo Governo mineiro, em 1971,
ofereceu à capital um espaço que
se tornara imprescindível ao seu
desenvolvimento cultural. A presença
do escultor Amílcar de Castro (19202002) em Belo Horizonte, a partir dos
anos 80, exerceu forte influência nas
gerações novas, com a lição de rigor
e síntese proporcionada por sua obra
internacionalmente reconhecida.
78
Inhotim e expansão da arte
contemporânea
Em 2005, a inauguração de Inhotim,
centro de arte contemporânea
situado no município de Brumadinho,
a cerca de 30 quilômetros de Belo
Horizonte, fixou, nesse espetacular
conjunto de jardins (o primeiro deles
assinado por Roberto Burle Marx),
pavilhões especialmente projetados
e obras de arte de autores notáveis
da atualidade internacional, uma
referência mundial. Se a cidade de
Ouro Preto e o conjunto moderno
da Pampulha, inscritos no patrimônio
da humanidade pela Unesco, em
1980 e 2016, era os documentos
de identidade de Minas Gerais no
espaço global da cultura, Inhotim
veio impor-se como terceira via para
a “descoberta” pelos estrangeiros
do território dominado pelo barroco
setecentista. Fluxos de visitantes de
variada procedência consagraram
a atratividade e a importância desse
“museu imaginário” criado pelo
colecionador Bernardo Paz.
Ao mesmo tempo, Inhotim deixou
sob certa penumbra a produção
contemporânea de Minas Gerais,
ao adotar um restritivo critério
internacionalista, que foi buscar
em Nova York e no Rio de Janeiro
as mineiras Valeska Soares e Yole
de Freitas. Enquanto isso, a Bienal
de Veneza de 2015 convidou dois
artistas de Minas Gerais que se têm
destacado pela singularidade de
suas propostas: Paulo Nazaré, entre
performances e instalações, e Sônia
Gomes, que tece cria retalhos de
tecido e fios inusitados objetos.
Na Bienal de Veneza de 2017, foi
premiada com menção especial a
mineira Cinthia Marcelle.
A par do fenômeno cultural e turístico
que se caracterizou em Inhotim,
evidentemente trazendo impactos
positivos para o ambiente artístico da
capital mineira, amplia-se o quadro
de manifestações relevantes. No
primeiro decênio do século, a Bolsa
Pampulha, criada no Museu de Arte
da Pampulha, MAP, pela diretora
Priscila Freire e o curador Adriano
Pedrosa, incentivou intensamente a
emergência de novos valores
Sensações de estranhamento
e inquietação, perplexidade
e incômodo, saturação e
enfrentamento da banalidade,
percorrem os trabalhos de Cristiano
Rennó, Leonora Weissmann, Mabe
Bethônico, Marco Paulo Rolla,
Marilá Dardot, Nídia Negromonte,
Pedro Motta, Rafael Zavagli, Rivane
Neuschwander, Roberto Bethônico
e Rosângela Rennó. De igual modo,
os videomakers Cao Guimarães e
Eder Santos cercam-se de largo
reconhecimento.
Os pintores Fernando Lucchesi,
Fernando Velloso, Mário Zavagli
e Ricardo Homem, os escultores
Advânio Lessa, Jorge dos Anjos,
Maurino de Araújo e Paulo Laender,
Instituto inhotim
Imagem reproduzda de http://www.inhotim.org.br/blog/
79
os autores de objetos José Pedro e
Marcos Benjamim, o gravador Paulo
Roberto Lisboa, a desenhista Liliane
Dardot e o aquarelista José Alberto
Nemer demonstram a vitalidade de
obras iniciadas no século anterior,
seguindo caminhos próprios. Em
outros pontos do Estado, aparecem
os pintores Hélio Siqueira e Paulo
Miranda (Uberaba) e o artista Jorge
Luiz Fonseca (Ouro Preto). A cerâmica
tem autores de reconhecida trajetória,
como Erli Fantini. No setor de design,
aparecem Ângela Dourado, Gustavo
Greco e Júlia Bianchi. Há grande
movimento no setor da fotografia,
com encontros e festivais em Belo
Horizonte, Tiradentes e Ouro Preto,
entre outras cidades. Fotógrafos em
intensa atividade: Eugênio Sávio,
Eugênio Pacelli, Daniel Mansur, Dimas
Guedes, Israel Abrantes, Miguel Aum,
Rui César Santos.
Um certeiro olhar retrospectivo
recuperou a obra de Teresinha Soares
(1927), que mereceu importante
exposição em 2017, no MASP, em
São Paulo, como também a sua
inclusão em mostras internacionais
de pop art, em Los Angeles e em
Londres. Teresinha Soares criou
uma expressão original da pop art
e da nova objetividade, ao fazer
pintura, gravura, objetos, instalações
e performances, com temática
erótica, instigante e provocadora,
numa época de censura militar e
preconceitos sociais acirrados.
80
Pedro Moraleida (1977-1999),
precocemente falecido, deixou um
acervo no qual se identificam signos e
rumos da produção contemporânea.
Nessa linha, o universo do grafite
evoluiu no sentido de uma dimensão
especial na arte de Belo Horizonte.
O legado de Raymundo Colares
(1944-1986), mineiro de Montes
Claros atuante no Rio de Janeiro,
onde atuou ao lado de Antônio
Manuel e Hélio Oiticica, reveste-se
de renovada admiração. Também a
obra de Arlindo Daibert (1952-1993),
desenhista e gravador de Juiz de
Fora, mantém interesse e atenção.
No campo da arte popular, que
se distingue do artesanato pela
não serialização das obras autorais,
os escultores GTO (Geraldo Teles
de Oliveira), de Divinópolis, e Artur
Pereira (Cachoeira do Brumado,
em Mariana), o pintor Amadeu
Lorenzatto, que viveu em Belo
Horizonte, e os ceramistas Ulisses e
Isabel, do Vale do Jequitinhonha, são
emblemas de um dos mais opulentos
veios da manifestação artística de
Minas Gerais, na qual é exemplo vivo
a ceramista Noemisa, do município de
Caraí. Arte popular e artesanato são
território de uma riqueza incalculável,
em todo o Estado.
Essa tradição sustenta-se e se
revigora na atualidade. Na capital,
o pintor autodidata Célio de Faria
cria paisagens com lirismo e vigor,
e Antônio Eustáquio, nascido em
Raul Soares, vivendo em Mariana,
trabalha com o imaginário
popular, em especial temas com
representação religiosa. No campo
da escultura, na Zona da Mata, em
Cataguases, surge o artista e artesão
Virgínio Rios, enquanto Ricardo Costa
atua no Oeste, em Dores do Indaiá.
Zezin é outro artista envolvido com
a madeira. Além de entalhador de
móveis, dedica-se à escultura. Willi
de Carvalho vive e trabalha em
Belo Horizonte. Através de materiais
aparentemente descartáveis e
inúteis, constrói representações de
festejos populares e figuras lendárias.
João Maciel e Warley Desali, ambos
formados pela Escola Guignard, são
reconhecidos pelas intervenções
artísticas em grafite em espaços
urbanos. Randolfo Lamonier atua
numa linha experimental de mídias.
Minas Gerais tem cerca de 400
museus cadastrados no Sistema
Nacional, junto ao Instituto Brasileiro
de museus, IBRAM. O Museu de Arte
da Pampulha, MAP, voltado para a
arte contemporânea, o Museu Mineiro
(coleções históricas) e o Museu
de Artes e Ofícios (história da mão
trabalhadora e criativa) destacamse em Belo Horizonte. O Museu Murilo
Mendes (coleção internacional do
poeta Murilo Mendes (1901-1975)) e
o Museu Mariano Procópio (coleções
históricas, sobretudo do período
imperial) em Juiz de Fora, o Museu da
Inconfidência (período colonial), em
Ouro Preto, o Museu de Sant’Ana, em
Tiradentes, e o Museu de Congonhas
(a obra máxima do Aleijadinho
escultor) são exemplos de notável
qualidade museológica.
No campo das Ciências, destacamse o Museu de História Natural da
PUC/Minas, em Belo Horizonte, o
Museu de Ciência e Técnica da
Escola de Minas/UFOP, em Ouro
Preto, e o Parque Paleontológico de
Peirópolis, em Uberaba.
A arquitetura mineira moderna
desenvolveu-se a partir da escola
pioneira da UFMG e da lição da
Pampulha. Destacou-se, na década
de 1950, o professor e autor Sylvio de
Vasconcellos, também estudioso da
obra do Aleijadinho e dos partidos
arquitetônicos do período colonial.
Humberto Serpa, nos anos 70, marca
a paisagem dom o edifício do BDMG.
álvaro Hardy e Eolo Maia atuaram
intensamente no final do século
XX. Maia ligou-se às vertentes pósmodernas e projetou-se no exterior.
Na atualidade, os arquitetos Gustavo
Penna (Escola Guignard, Memorial
da Imigração Japonesa, Edifício
Cemig, Museu de Congonhas) e Jô
Vasconcellos (Sala Minas Gerais) são
referências marcantes. Um coletivo
jovem (Arquitetos Associados) e
Thomas Regatos são responsáveis por
vários pavilhões de Inhotim.
81
Protagonismo em
vertentes da música
novas
Na virada dos anos 60 para a
década de 70, consolidou-se o grupo
do chamado “Clube da Esquina”,
que reuniu em Belo Horizonte
compositores
como Milton
Nascimento,
Fernando
Brant, Toninho
Horta, Márcio
Borges, além
de Lô Borges,
Beto Guedes
e
Tavinho
Moura.
A
capital mineira
caracterizou-se
como berço de uma nova vertente,
no quadro da MPB. Mais tarde,
com o surgimento de grupos como
o Sepultura, o Jota Quest, o Pato
Fu e o Skank, a cidade ganhou
projeção e referência no mundo do
metal e do pop rock. é inequívoco
o protagonismo da música mineira
em território nacional e internacional,
sempre marcada pela complexidade
harmônica e rítmica que encontra
grandes representantes como
Toninho Horta e Maurício Tizumba,
mestre dos tambores.
No século XXI, o sertanejo avança e
triunfa na música mineira. A partir de
2010, grupos de hip-hop conquistaram
hegemonia e se destacam no
contexto nacional, também pela
82
presença feminina nas formações.
Rappers como Flávio Renegado,
Matéria Prima, Gustavo Djonga e o
grupo Zimun são destaques do hiphop, bem como Tamara Franklin,
Bárbara Sweet e Brisa Flow.
A música negra
tem
grande
destaque na
p r o d u ç ã o
m i n e i r a .
Sérgio Pererê
é multiartista
e diretor de
espetáculos
que variam
de peças de
teatro até o mais
recente show Bala
da Palavra, composto por artistas
negros do calibre de Débora Costa,
Maýra Motta, Johny Herno, Daniel
Guedes, Richard Neves, Douglas
Din, Laís Lacôrte, dentre outros.
Pererê, por sua vez, destaca-se
pela singularidade da voz, numa
sonoridade que evoca as raízes afrobrasileiras de parte significativa da
produção atual.
Há também que ressaltar a pluralidade
da produção musical mineira, da
tradição à contemporaneidade.
O pop rock dançante de Wilson
Sideral, as experimentações do
trio Zevinipim, o rock de atitude da
banda Tianastácia e o peso da cena
dos metaleiros Sarcófago, Soul Fly,
Overdose e Cavaleira Conspiracy.
Alcançando grande proeminência
em todo o país, o gênero sertanejo
tem em Minas os seus maiores
artistas: Cesar Menotti e Fabiano,
Gustavo Lima, Paula Fernandes e
vários outros sucessos nacionais.
A MPB tem autores e intérpretes
nas Gerais: 14 Bis, Affonsinho, Ana
Carolina, Eduardo Filizzola e Emerson
Nogueira são nomes consolidados;
Kadu Vianna, Mariana Nunes e Pedro
Morais formam, junto ao compositor
Flávio Henrique, o Quarteto Cobra
Coral. A obra de Vander Lee, que
faleceu em 2016, girou todo o Brasil.
O samba mineiro, herança do
ubaense Ary Barroso, tem hoje
grandes expoentes. Entre eles, os
conjuntos Tradição, Zé da Guiomar,
Copo Lagoinha, Samba na Batuta,
Camarão de Rama, Samba de
Fino Trato e Fidelidade Partidária.
O projeto Samba da Criação só
interpreta sambas autorais mineiros
contemporâneos, exaltando as
canções de Dé Lucas, Ederson
Melão, Serginho Beagá, Toninho
Geraes, Fernando Bento, Fabinho
do Terreiro, Tino Fernandes, Lucas
Fainblat e tantos outros compositores.
As cantoras mineiras projetam-se:
Aline Calixto, Cinara Ribeiro, Giselle
Couto, Marina Gomes, Manu Dias
e Silvia Gomes são apenas alguns
entre tantos ótimos nomes. O gênero
pagode, por sua vez, tem em
Alexandre Pires um de seus maiores
nomes de todos os tempos.
A cena da música instrumental é,
também, um verdadeiro banco de
talentos: Thiago Delegado, Juarez
Moreira, Marcos Frederico, Leonardo
Brasilino, Sérgio Danilo, Deangelo
Silva, Carlos Walter, Warley Henrique,
Lucas Telles, Caxi Rajão, Luiza Mitre
e Rafael Martini são somente alguns
desses artistas que, além de exímios
instrumentistas, são frequentemente
compositores, arranjadores e,
eventualmente, regentes. O curso de
Música Popular da UFMG, aliado às
tradicionais premiações oferecidas
anualmente pelo BDMG contribuíram
bastante para o avanço da música
instrumental mineira. Além disso, as
diversas rodas de choro semanais
que acontecem na capital mineira
atestam a capacidade de nossos
músicos e o intenso trabalho do
Clube do Choro, presidido por Acyr
Antão. O gênero do jazz também
encontra, em Minas, representantes
como Frederico Heliodoro, Antônio
Loureiro e Felipe Continentino.
O cenário autoral de música
contemporânea registra intensa
atividade. A banda “Graveola e o Lixo
Polifônico” se apresenta dentro e fora
do país. Luiz Gabriel Lopes acaba de
lançar novo disco. Pablo Castro faz
direção musical para a circulação do
clássico disco “Tênis”, de Lô Borges,
e assina parcerias musicais com
Makelly Ka. Vitor Santana e o músico
português João Pires desenvolvem
o projeto lusófono “Coladera”.
Fomentando esse cenário autoral foi
83
criada a Mostra Cantautores de Belo
Horizonte. Trata-se de um encontro
intimista de criadores da canção
contemporânea e tem por conceitobase a realização de apresentações
solo, em que cantores-compositores
tocam suas canções em formato
bruto, acompanhados apenas por
seu instrumento, revivendo, de certa
maneira, os festivais universitários dos
anos 70.
Nos últimos anos, os blocos de
carnaval de Belo Horizonte passaram
a movimentar bastante a cena
musical. Apresentam-se ao longo
do ano, passados os quatro dias
tradicionais da festa. Inúmeras
agremiações como Chama o Síndico,
Me Beija que sou Pagodeiro, Então
Brilha e Bloco Magnólia têm intenso
calendário de apresentações não só
na capital como, também, no interior
de nosso estado. Em Ouro Preto, o
compositor e violonista Chiquinho de
Assis Gonzaga invou com o grupo
Candonguero, que apresenta o
melhor da MPB em concertos durante
o carnaval.
No campo da música erudita,
destacam-se: a Orquestra Sinfônica
de Minas Gerais e o Coro Lírico
do Palácio das Artes, ligados
à Fundação Clóvis Salgado; a
Orquestra Filarmônica de Minas
Gerais; a Fundação de Educação
Artística, dirigida pela pianista
Berenice Menegale; o Conservatório
Lorenzo Fernandes, com quatro mil
84
alunos em Montes Claros; os demais
11 conservatórios estaduais; e os
cursos superiores de música (UFMG,
UFOP, UFSJ, UFJF, UEMG). Cerca
de 670 bandas de música estão
cadastradas na Secretaria de Estado
de Cultura, além das 20 integrantes
da Polícia Militar, única corporação
policial-militar da América Latina
a contar com uma Orquestra
Sinfônica. A Orquestra do Sesiminas
e a Orquestra Ouro Preto cumprem
intensa programação. O Prêmio
Jovem Instrumentista, do BDMG,
prestigia novos talentos da música
erudita.
A Fundação Clóvis Salgado monta
duas óperas por ano, graças a seus
corpos estáveis, sobressaindo-se
no cenário brasileiro atual por essa
programação operística. Merece
menção especial a existência de
órgãos históricos em igrejas tombadas
em Mariana (Arp Schnitger, fabricado
Hamburgo, em 1701), Tiradentes
(fabricado no Porto, em 1780),
Diamantina, Formiga e Santuário
do Caraça, proporcionando uma
série de recitais. O trabalho da
organista e tecladista Elisa Freixo tem
reconhecimento internacional.
Dança presente na cena
internacional
A dança em Minas Gerais projetouse a partir da dedicação do professor
Carlos Leite e do profissionalismo de
Klaus Vianna e sua mulher, Angel
Abras Vianna. Do trabalho pioneiro
que realizaram, veio inspiração para
a formação de muitas companhias,
como o Grupo Transforma, de
Marilene Martins. Um dos três corpos
estáveis da Fundação Clóvis Salgado
é a Companhia de Dança Palácio
das Artes, hoje dirigida por Cristiano
Reis. Destaca-se pelos bailarinos
criadores de dança contemporânea.
O grupo Corpo, criado pelos irmãos
Pederneiras em 1976, em Belo
Horizonte, é um dos mais aplaudidos
na cena internacional. Tendo
estreado com “Maria Maria”, música
de Milton Nascimento e coreografia
do uruguaio Oscar Arrais, o Corpo tem
como seu principal criador e diretor o
coreógrafo Rodrigo Pederneiras.
O Primeiro Ato, dirigido por Suely
Machado, coleciona prêmios pelos
trabalhos na linha contemporânea.
O grupo Aruanda particulariza-se
pela pesquisa de temas do folclore
regional e internacional. Em Montes
Claros, nessa mesma linha, atua o
Grupo Banzé.
A contemporaneidade é a marca
do trabalho apresentado por Dudude
Hermann e Adriana Banana, com
projetos fundados em pesquisa e
criatividade. Adriana Banana teve
a iniciativa de criação do Festival
Internacional de Dança – FID, evento
que se inscreveu no calendário
nacional. Esforços individuais e
coletivos resultam em ações positivas
para a dança mineira, sendo
referência os dançarinos Mário
Nascimento e Rui Moreira (ao lado
de Bete Arenque, Moreira criou a
Cia Seraquê?), o coreógrafo Tuca
Pinheiro, Quik Cia de Dança e Grupo
Camaleão de Dança. No campo
da formação, o Estado mantém,
na Fundação Clóvis Salgado, as
atividades do Centro de Formação
Artística e Tecnológica (CEFART),
sendo a dança uma das principais
disciplinas ofertadas. No interior, a
cidade de Viçosa, na Zona da Mata,
abriga o Grupo êxtase de Dança. No
Vale do Aço, a Híbridus Cia de Dança
é um coletivo premiado. A cidade
de Uberlândia criou um renomado
festival nacional de dança, e conta
hoje com um moderno palco para
tanto, em teatro projetado pelo
arquiteto Oscar Niemeyer.
Produção
profusa
pluralidade das letras
na
A criação literária em Minas Gerais
continua profícua após a Geração
Suplemento, até os dias de hoje. Há,
dos anos 80 até a atualidade, novas
formas de aglutinar o fazer literário no
território mineiro. Se já era um afluente
dos grupos literários há décadas,
o edifício Maletta, na capital,
continua um local de atividades
literárias que se desdobram desde
sebos e editoras – como a Crisálida
Editora, de Oséias Ferraz, responsável
por primeiras edições de nomes
85
hoje já consagrados, como o de
Andityas Soares de Moura, poeta
de Barbacena – até performances
artísticas em torno da literatura,
como as de Ricardo Aleixo, Grace
Passô, Marcelo Dolabela, Renato
Negrão, entre outros. Este último é
o organizador de saraus e slams
poéticos, trazendo a literatura da
periferia para os eixos centrais da
cultura.
Nos anos 90, há o surgimento de
uma livraria de rua, a Scriptum, e um
selo editorial de mesmo nome. Dali
que almejava entrelaçar Nietzsche,
Rimbaud e o grupo poprock Titãs.
Nos anos 2000, aparece o Coletivo
21, no intuito de ser a concretização
e o fortalecimento associativo de
poetas e escritores de Minas Gerais
como Dagmar Braga, André Rubião,
Adriano Macedo, Branca Maria
de Paula, Caio Junqueira Maciel,
Cláudio Martins, Cristina Agostinho,
Jaime Prado Gouvêa, Jeter Neves,
Leo Cunha, Luís Giffoni, Luiz Ruffato,
Neusa Sorrenti, Olavo Romano,
Ronaldo Guimarães e Ronaldo
Simões Coelho. Ao contrário das
gerações precedentes, este e outros
coletivos têm a característica de
sua pluralidade de linguagem e
gerações.
nasce a Revista Orobó, em 1997, com
o poeta, ensaísta e editor Anelito de
Oliveira (posteriormente seria o editor
do Suplemento Literário de Minas
Gerais), cuja origem em Montes
Claros transpõe novamente
Há que se pontuar
distâncias
e
a ocupação do
enriquece ainda
espaço urbano
mais a literatura
pela poesia e
mineira. Naquela
performances,
r e v i s t a , h ou v e,
unindo distâncias,
mais uma vez,
dessacralizando
a
marca
da
fazeres e saberes,
vanguarda mineira,
extinguindo
a
unindo escritores
dicotomia entre
Sarau ViraLata
e
fotógrafosperiférico
Imagem reproduzida de https://jornalggn.com.br o
escritores e artistas
e
pretensas
visuais, como João
centralidades. Este é o caso do Sarau
Evangelista Rodrigues, entre tantos
ViraLata, movimento itinerante que
outros. Em seu primeiro número,
atua nos espaços públicos para
já constavam nomes como os da
difundir a poesia. Produzido pelo
poeta e acadêmica Maria Esther
coletivo Sindicato dos Cachorros
Maciel, unindo Mallarmé, Octavio
de Rua, é composto por Mikaela
Paz e Fernando Pessoa, ou de Janete
Gabriele, Walkiria Gabriele e Zi Reis.
Flor de Maio Fonseca e seu ensaio
86
Nasceu de uma ideia simples: ocupar
os mais diferentes espaços da cidade
com poesia, a cada 15 dias, reunindo
as pessoas para compartilhar arte de
forma livre e horizontal.
Ainda nos anos 2000, ressaltam-se
dois movimentos de peso: o Terças
Poéticas, dirigido pelo poeta Wilmar
Silva, notadamente nos jardins
internos do Palácio das Artes, e o
Ofício da Palavra, desenvolvido por
José Eduardo Gonçalves, no Museu
de Artes e Ofícios – antiga sede da
estação de trem da capital mineira.
Estes também foram espaços
multidisciplinares com a centralidade
da literatura, construindo pontes
entre o fazer literário mineiro e o resto
do Brasil.
Na cidade de Conselheiro Lafaiete,
o Grupo Lesma realiza anualmente
o Abril Poético. Em Ouro Preto,
Guilherme Mansur foi chamado de
“tipoeta” por Haroldo de Campos,
ao valer-se de uma antiga tipografia
para criar e publicar poesia. Ainda
em Ouro Preto, está a ficcionista
Guiomar de Grammont, ganhadora
do Prêmio Casa de las Américas,
de Cuba. Na cidade de Mariana,
o jornal “Aldrava” reúne os poetas
J.S. Ferreira, Gabriel Bicalho, Luiz
Tyller, Hebe Rôla, J.B. DonadonLeal e Lázaro F. Silva. Em Montes
Claros, ocorre o Salão Nacional de
Poesia Psiu Poético, evento literário
idealizado pelo poeta Aroldo Pereira.
De um festival como outros tantos,
criou-se uma identidade literária
que agrega o Norte de Minas Gerais
com todas as centralidades do país.
Realizado desde o ano de 1986, o
evento consiste em apresentação
de poemas, edições, lançamento de
livros e palestras sobre a produção
literária no Brasil e tem a participação
de escritores conhecidos de diversas
escolas literárias, especialmente em
verso.
Na Zona da Mata Mineira, há uma
concentração de escritores de
excelência, tendo sido traduzidos
para diversas línguas. Entre outros,
destaca-se o poeta Edimilson de
Almeida Pereira, pela articulação de
sua linguagem junto à africanidade
antropológica de ritmos e temáticas,
bem como o poeta Iacyr Anderson
Freitas. é importante lembrar que
Carolina de Jesus passou a infância
em Sacramento e Conceição Evaristo
nasceu em Belo Horizonte.
Em Cataguases, terra do escritor
Luís Ruffato e das poetas Lina
Tâmega e Flausina Moreira da Silva,
atuam os poetas Joaquim Branco
e Ronaldo Werneck. No Sudoeste,
em Arceburgo, Antônio Geraldo
Figueiredo Ferreira constrói uma obra
importante na literatura de ficção.
Poeta e escritora, Adélia Prado vive
e trabalha em Divinópolis.
Há mais de 30 anos, o “Sempre Um
Papo”, idealizado pelo escritor Afonso
Borges, dissemina, em Minas Gerais
e no Brasil, por meio de palestras e
87
lançamento de livros, a produção
literária mineira e brasileira. Sobre os
eventos literários em Minas Gerais,
mais de trinta 30 festivais demonstram
a força do setor. Entre eles, achamse a Bienal do livro de Belo Horizonte,
o Salão do Livro Infantil e Juvenil de
Belo Horizonte, a Flipoços (Poços de
Caldas), FliAraxá (Araxá), Fórum das
Letras de Ouro Preto e FliMinas, Festa
Literária de Rio Novo.
A editora Mazza particularizouse pelo lançamento de autores
afro-brasileiros, o que
tem assegurado a
projeção de poetas
e escritores que não
haviam conseguido
acesso ao plano
editorial.
que consiste em 24 microantologias
de poetas a cada ano. Os livros
são distribuídos, gratuitamente, na
capital mineira.
A Biblioteca Pública Estadual de
Minas Gerais coordena o Sistema
Estadual de Bibliotecas Municipais,
ao qual se vinculam cerca de 800
municípios, com suas respectivas
unidades.
Artes cênicas ocupam palco
e rua
As artes cênicas
sempre
foram
atividade importante
em Minas Gerais. O
mais antigo teatro
em funcionamento
O escritor e poeta
nas Américas é a
Fabrício Marques
Casa da Ópera de
lançou a obra
Vila Rica, inaugurada
intitulada “Uma
em Ouro Preto no dia
Cidade Se Inventa
6 de junho de 1770.
– Belo Horizonte na
O Teatro de Sabará
Visão de Seus Escritores”.
também procede do ciclo
Grupo GiraMundo
Marcílio França Castro é
do ouro, havendo referências
considerado um dos mais
nas salas que se abrem ainda
relevantes contistas, ganhador de
hoje em Diamantina (Teatro Santa
prêmios nacionais. Ana Martins
Isabel) e São João del Rei. Além destas
Marques é poeta que traz a
cidades, Cataguases, Divinópolis,
singularidade da escrita-mulher,
Guaranésia, Ibirité, Ipatinga, Itabirito,
herança da poesia marginal e
Itajubá, Juiz de Fora, Mariana,
seus cotidianos. Ana Elisa Ribeiro,
Muriaé, Nova Lima, Poços de Caldas,
poeta contemporânea já traduzida,
Pouso Alegre (inaugurado em 1875),
desenvolve, com o poeta e editor
Rio Novo, Santa Luzia, Uberaba,
Bruno Brum, a Coleção Leve Um Livro
Uberlândia, Varginha, Vespasiano
88
mantêm espaços teatrais em pleno
funcionamento.
Há anos as artes cênicas em
Minas Gerais trilham um caminho
de luta, ocupação de espaços e
reconhecimento. Tem papel singular
o chamado teatro de grupo, pois há
uma trajetória fortemente marcada
por esse tipo de fazer teatral. À frente,
vem o Grupo Galpão, devido aos 35
anos de trajetória completados em
2017. Se montagens como “Romeu
& Julieta” e “Rua da Amargura”,
ambas com direção de Gabriel
Vilela, marcaram época e ajudaram
a formar um público teatral que
mais tarde se acostumaria a conferir
produções de quilate, gerações
atuais continuam tendo no grupo de
Inês Peixoto, Teuda Bara, Rodolfo Vaz,
Beto Franco, Arildo de Barros e Chico
Pelúcio e seus colegas, uma usina de
excelência dramatúrgica sempre
antenada na contemporaneidade,
como na abordagem realizada em
“Nós”, a mais recente produção do
grupo.
Esse caráter coletivo continua se
expandindo e encontrando morada
em outros conjuntos que apresentam
trabalhos transformadores, como
as performances dos grupos Luna
Lunera, Espanca, Teatro Invertido,
Grupo Trama de Teatro, Cia. Pierrot
Lunar e Quatroloscinco. Ainda nesse
campo, o Armatrux, com seus quase
25 anos de percurso, e o Grupo
Oficcina Multimédia, de Ione de
Medeiros, conseguem proeminência
no trabalho de pesquisa e diálogo
com outras manifestações artísticas.
A exuberância teatral amplia-se
pelas veredas do interior mineiro,
em um cenário vivo composto
por grupos que movimentam suas
regiões, além de um farto calendário
de festivais que ocupam todo o
ano. Waldir de Luna Cordeiro é uma
referência histórica, em Alfenas.
Fica em Barbacena, no Campo
das Vertentes, um dos coletivos
que conseguem destaque com um
trabalho inovador, coordenado por
Regina Bertola. Trata-se do Ponto de
Partida, fundado em 1980, com um
expressivo viés de formação artística.
Atrair novas gerações aos palcos
também é objetivo visado por outras
tantas iniciativas, como a Plataforma
Rotunda, também em Barbacena, o
Close Formação Artística, que Trajano
Amaral coordena em Juiz de Fora, o InCena, de Teófilo Otoni, e Grupontapé
de Teatro, de Uberlândia. O Grupo
Teatro Kabana atua em várias
comunidades do interior, como Buriti
Grande, distrito de Martinho Campos,
no qual surgiu a Trupe Teatro Buriti.
O agitador cultural Geraldo Lafaiete
é um importante incentivador e
irradiador do teatro amador, o
que torna a cidade de Conselheiro
Lafaiete um ponto de convergência
para o fazer teatral na juventude.
São João del-Rei (Teatro da Pedra),
Passos (Trupe Ventania), Ouro Branco
(Insólita Trupe), Araçuaí (Luz da Lua)
89
e Ipatinga (Farroupilha e Perna de
Palco) também merecem relevo
no mapeamento das artes cênicas
em Minas Gerais. Carluty Ferreira e
Carloman Bonfim publicaram, em
2017, o livro “Memória do Teatro de
Grupo – O teatro em Minas Gerais”,
exaustivo levantamento dessa
produção.
Títeres, marionetes e ventríloquos
são manuseados com habilidade
em Minas Gerais. O artista plástico
Álvaro Apocalipse foi o fundador do
Giramundo, o maior grupo de teatro
de bonecos do Brasil, com quase
meio século de trabalho, a partir de
sua sede e museu, em Belo Horizonte.
Os seres inanimados rendem ainda
montagens de excelência elaboradas
pelo Teatro Navegante, de Mariana,
além dos discípulos de álvaro
Apocalipse que seguem trajetórias
próprias nas companhias Catibrum
Teatro de Bonecos, Pigmalião
Escultura que Mexe, Aldeia Teatro de
Bonecos, Grupo Girino e o já citado
Armatrux, todos da capital mineira.
O circo também dialoga com o
teatro em trabalhos de companhias
que mesclam técnicas dessas duas
linguagens. Bons espetáculos têm
sido apresentados pelos grupos
Trampulim, Yepocá Cia. de Teatro,
Maria Cutia e Cia Circunstância.
Toda essa tradição teatral só pode
ser alicerçada graças ao trabalho de
nomes basilares da cena estadual,
alguns ainda atuantes, como João
90
das Neves, Jota Dangelo, Eid Ribeiro,
Pedro Paulo Cava, Paulo César
Bicalho, Wilma Henriques, Matilde
Biadi e Prsicila Freire, que criou o
teatro Escola da Cruz Vermelha,
TESC, nos anos de 1970. Deixaram
marca especial nomes como João
Etienne Filho, João Ceschiatti,
Ronaldo Brandão, Elvécio Guimarães,
Ronaldo Boschi e o cenógrafo Raul
Belém Machado. Há cursos superiores
de artes cênicas na UFMG, em Belo
Horizonte, e na UFOP, em Ouro Preto.
O circo mineiro vive uma fase
de revitalização. O trabalho de
levantamento, estudo e estímulo
coordenado pela pesquisadora
Sula Mavrudis Kyriacos acumula
consequências afirmativas. O circo
tem uma cadeira no Conselho
Estadual de Política Cultural. Uma
articulação com as Prefeituras
estabeleceu a lista de municípios nos
quais o poder público reserva espaço
próprio para a montagem dos
circos, uma das maiores dificuldades
que as companhias enfrentam
na atualidade. Várias Prefeituras
continuam a aderir à proposta.
Anualmente, realiza-se na cidade
de Mariana um festival de palhaços.
Em Belo Horizonte, é bienal o Festival
Mundial do Circo.
Uma geração dinâmica à
frente do audiovisual
O audiovisual tem se alimentado,
com eficácia, dos cenários oferecidos
por Minas Gerais. é neste contexto
que os realizadores do cinema mineiro
se inspiram e têm realizado uma
produção que chama a atenção
nacional e internacional. Humberto
Mauro, considerado o pai do cinema
brasileiro, é nome fundamental para
qualquer estudioso ou produtor que
queira se debruçar sobre a história
do cinema nacional. A partir dessa
origem inspiradora, os mineiros exibem
um brio particular no audiovisual. Suas
obras cinematográficas, com forte
apelo autoral, integram a maioria
dos principais festivais do Brasil e do
exterior.
Saiu de Minas Gerais o grande
vencedor da Mostra de Tiradentes
2017. O filme “A Baronesa”, da
cineasta mineira Juliana Antunes, foi
o escolhido. Marília Rocha também
subiu ao alto do pódio no 49ª
Festival de Brasília, com o filme “A
Cidade Onde Envelheço”. A crítica
especializada rende elogios à Filmes
de Plásticos, produtora formada por
um grupo de jovens realizadores da
cidade de Contagem. Temas sociais
abordados em suas produções
dão corpo a um trabalho situado
entre os mais intrigantes do cenário
nacional, como no filme “Ela Volta
na Quinta”, de André Novais. Essa
trupe de realizadores das gerações
mais novas tem em Ricardo Alves Jr.
outro representante de destaque.
Logo em seu primeiro longametragem, ele conseguiu espaço
em diversos festivais. O filme “Elon
Não Acredita na Morte” faturou o
prêmio de melhor ator no Festival
de Brasília e representou o Brasil na
mais recente edição do Festival
de Cinema de Roterdã. O elenco
que inova e renova a produção
audiovisual é complementado
pelas obras de Clarissa Campolina,
Leonardo Barcelos, Affonso Uchoa,
João Dumans, Tiago Mata Machado,
Gabriel Martins, Sávio Leite, Helder
Quiroga, Cris Azzi e Sérgio Borges.
A notoriedade envolve o Polo
Audiovisual da Zona da Mata, ação
coordenada a partir de Cataguases
por Cesar Piva, Mônica Botelho,
Marcos Pimentel e Gilca Napier. O
movimento consegue articular ações
que envolvem cultura, educação
e inovação, culminando em
produções audiovisuais, formação
técnica, festivais, eventos e ações
estratégicas para consolidação do
setor audiovisual como vetor de
desenvolvimento na região.
Tem assim sequência um roteiro
que já vinha sendo escrito, de forma
bastante competente, por cineastas
com mais do que uma câmera na
mão e uma ideia na cabeça. Foi
pelo trabalho deles que produções
mineiras ganharam holofotes em
tempos passados, abrindo as
91
telas Brasil afora para as gerações
atuais. Nessa escrita coletiva, o
cineasta Helvécio Ratton é dono
de traços basilares. São de sua
autoria alguns filmes inquestionáveis
na cinematografia nacional, como
“Menino Maluquinho” e “Batismo
de Sangue”. De gerações próximas,
Elza Cataldo (“Vinho de Rosas”) e
Rafael Conde (“Fronteira” e “SambaCanção”) também conquistaram
audiência qualificada e bons
resultados na crítica especializada.
No
segmento
da
produção
comercial, o Estado responde por
momentos de evidência, como na
recente produção do mineiro José Luiz
Villamarim intitulada “Redemoinho”.
Os filmes “O Segredo dos Diamantes”
e “Menino no Espelho” são outros
exemplos de filmes que alcançaram
a atenção em espaços comerciais.
Na década passada, a produtora
Camisa Listrada também obteve
êxito nacional quando da exibição
de seu filme “Cinco Frações de Uma
Quase História”.
O viés experimental é latente no
audiovisual mineiro. Seus maiores
expoentes são Cao Guimarães e
Eder Santos. A história da videoarte
brasileira passa fatalmente pela
produção de ambos realizadores,
cada um com sua particularidade e
potência visual.
Para além de todo esse emaranhado
de nomes, o calendário de eventos
do audiovisual pousa em solo mineiro
92
cotidianamente. Os holofotes
são ligados em janeiro, início da
programação no Brasil, quando
começa a Mostra de Cinema de
Tiradentes, dedicada a obras que
debatem sobre o cinema autoral
e contemporâneo. A diversidade
desses eventos no Estado enriquece
toda a cadeia produtora e perpassa
camadas diferentes do segmento.
Preservação é o tema da Mostra
de Cinema de Ouro Preto - CineOP,
enquanto o cinema documentário
é o foco do Fórum.doc. A Mostra de
Cinema de Belo Horizonte, Cine BH,
volta-se para o diálogo entre culturas,
mercado e produção internacional.
O Indie Festival é a principal
vitrine de exibição do cinema
independente, mas os curtasmetragens concentram- se no
FestCurtas, que sempre acontece no
Cine Humberto Mauro, do Palácio das
Artes, um espaço privilegiado para
o público cinéfilo em Minas Gerais.
Produções de animação recheiam
a programação do Múmia, e filmes
de países que não pertencem a
grandes eixos produtores têm espaço
na grade sempre diversa montada
por Adyr Assunção, do Imagem dos
Povos.
A universidade dialoga com
esse vigor audiovisual, ofertando
cursos em vários níveis que atraem
estudantes que darão sequência
na produção feita em Minas Gerais.
Destacam-se iniciativas promovidas
pelas universidades UFMG, Una e
PUC/Minas.
Os cineastas e demais profissionais
do setor passaram a ter um ponto
de encontro todo o ano, graças
à realização da MAX, a Minas
Gerais Audiovisual Expo, o maior
evento regional de fomento ao
audiovisual do país. Realizado pela
Codemig, consolidou-se como
referência para os profissionais de
mídia e entretenimento do Brasil.
Aberto aos mercados nacional
e internacional, seu objetivo é
fortalecer a cadeia produtiva e
aumentar a competitividade da
indústria criativa em Minas Gerais.
Essa iniciativa do Governo de Minas
Gerais é uma das ações do Programa
de Desenvolvimento do Audiovisual
Mineiro – PRODAM, realizado em
parceria com a Secretaria de Estado
de Cultura.
Feijão, angu, couve e pão de
queijo
A ênfase nos valores locais
acelera a projeção de produtos da
gastronomia mineira, radicalmente
ligados à cultura regional. Livros de
receitas tradicionais lançados nos
anos de 1970 por Maria Estela Libânio
Christo e Maria Lúcia Clementino
de Moura Nunes (Dona Lucinha)
estão na origem do novo sabor
da comida mineira. O Mercado
Central de Belo Horizonte passou a
ser visto como um “centro cultural”.
Na atualidade, contam-se inúmeros
festivais gastronômicos e iniciativas
ligadas ao setor, sempre sublinhando
os aspectos de cultura alimentar
contidos na comida mineira.
Minas Gerais é o maior produtor
brasileiro de café, que se bebe à
mesa farta de sequilhos e quitutes,
na qual pontifica o pão de queijo.
Registradas como patrimônio cultural
imaterial pelo IPHAN e pelo IEPHA/
MG, quatro variedades do Queijo
de Minas ganham o mundo, com
premiações internacionais: Serra da
Canastra, Serra do Salitre, Serro e
Queijo Minas padrão. A produção
de queijos artesanais na Serra da
Mantiqueira, no Sul Minas, conquista
resultados impressionantes.
De igual modo, a de azeite e
vinho de qualidade, fato inédito
até recentemente, alcança
comprovação singular, dentro e
fora do país. Belo Horizonte passa
a caracterizar-se como um polo
nacional de cerveja artesanal. A
cachaça, que tem uma feira nacional
anualmente realizada em Belo
Horizonte, conta com um museu na
cidade de Salinas, Norte do Estado,
e tem sua produção cada vez mais
qualificada e sofisticada em todas as
regiões. O Governo do Estado criou,
em 2017, a Casa da Gastronomia
Mineira, a “Mineiraria”, integrante do
centro cultural em que se acham a
Sala Minas Gerais (Filarmônica) e a
93
sede da Rádio inconfidência/Rede
Minas.
“Sou do mundo, sou do ouro,
sou Minas Gerais”
Estudos sobre a mineiridade e a
cultura mineira contribuíram para
enfatizar características da produção
regional, de modo a valorizá-las em
novas interpretações. Um famoso
ensaio de Alceu Amoroso Lima
(Tristão de Ataíde), sob o título de
“Voz de Minas”, seguiu-se de estudos
de Eduardo Frieiro (“Feijão, Angu e
Couve”), Aires da Mata Machado
Filho, Sylvio de Vasconcellos,
Francisco Iglésias, Washington
Albino Peluso de Sousa, Affonso Ávila
(“Resíduos Seiscentistas em Minas
Gerais – Triunfo Eucarístico e Áureo
Trono Episcopal”), Fernando Correia
Dias, João Antônio de Paula, Leda
Martins e Sônia Queiroz.
Autores estrangeiros como o francês
Germain Bazin e o inglês John Bury,
estudando o barroco e o rococó, o
português Manuel Rodrigues Lapa
(a poesia mineira do século XVIII) e
o alemão-uruguaio Francisco Curt
Lange (a música do período colonial)
avivaram a atenção dos estudiosos
locais. O poeta Affonso Ávila (19282012) criou a Revista Barroco, que
reúne estudos sobre a cultura
barroca em Minas Gerais, no país
e no exterior. Memorialistas como
Pedro Nava, Maria Helena Cardoso,
94
Raquel Jardim e o poeta Murilo
Mendes igualmente contribuíram
para o aumento do interesse sobre
a temática da mineiridade.
A Biblioteca Pública Estadual de
Minas Gerais estabeleceu uma
Seção Mineiriana, e a Fundação
João Pinheiro instituiu a Coleção
Mineiriana, que publica obras
clássicas sobre a história e a cultura
do Estado. O Instituto Amílcar Martins,
ICAM, formou uma notável Coleção
Mineiriana e edita obras ligadas à
história mineira.
A multiplicação de estudos
históricos a respeito de Minas Gerais
e a valorização da herança de
arte barroca setecentista resultam
em influências sensíveis nas artes
plásticas, no audiovisual, na dança,
no teatro, na música e na literatura.
Numerosos autores e diretores foram
às fontes da história da arte e do
processo histórico de Minas Gerais em
busca de matéria para suas criações.
Cerca de 700 dos 853 municípios
do Estado instalaram o seu Conselho
Municipal de Patrimônio Cultural,
praticando o tombamento de bens
materiais e o registro dos imateriais.
O Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais,
IEPHA/MG, acaba de efetuar o
registro das Folias de Minas (Folias de
Reis e congêneres) e prepara o das
Violas de Minas, reconhecendo um
instrumento tradicional que adquiriu
notável projeção na atualidade.
Personalidades
Amílcar de Castro. Escultor, designer,
desenhista, gravador e pintor. Nasceu
em Paraisópolis, MG, em 1920, onde
o pai, desembargador Amílcar de
Castro, era então juiz de Direito.
Estudou na Escola de Direito da UFMG,
ao tempo em que seguia o curso do
pintor e desenhista Alberto da Veiga
Guignard, na escola livre do Parque
Municipal de Belo Horizonte, na qual
lecionava também o escultor Franz
Weissmann. Na década de 1950,
mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde realizou a marcante reforma
gráfica do “Jornal do Brasil” e assinou
o manifesto do Neoconcretismo, em
1959. Participou da 2ª Bienal de São
Paulo, em 1953. Em 1968, com bolsa
da Fundação Guggenheim, morou
nos Estados Unidos. Fixado em Belo
Horizonte, atuou intensamente como
artista plástico e professor. Morreu
em 2002. Deixou obras nos principais
museus brasileiros.
Milton Nascimento. Compositor e
cantor, Milton Nascimento nasceu
no Rio de Janeiro, em 1942, e passou
a infância em Três Pontas, MG. Em
Belo Horizonte, começou a realizar
apresentações musicais em clubes.
à sua volta, articulou-se um grupo
de jovens músicos e poetas, no final
dos anos 60, que veio a se denominar
“Clube da Esquina”. Dele faziam
parte, ao lado de Milton, conhecido
pelo apelido de “Bituca”, o poeta,
letrista e jornalista Fernando Brant
(1946-2015), o letrista Márcio Borges,
o compositor e cantor Lô Borges e
o compositor e cantor Beto Guedes.
Milton Nascimento projetou-se com
a música “Travessia”, parceria com
Fernando Brant, em 1967, e tornouse um dos mais importantes músicos
brasileiros, internacionalmente
reconhecido.
Teresinha Soares. Pintora, desenhista
e gravadora, Teresinha Soares
nasceu em Araxá, MG, em 1927. Foi
vereadora na cidade natal. Radicada
em Belo Horizonte, desenvolveu
intenso trabalho no campo da arte,
entre o meado da década de 1960
e o final dos anos 70. Instalações e
performances assinalam-se na sua
produção, que ilustra uma significativa
vertente da pop art no Brasil. Uma
exposição retrospectiva de Teresinha
Soares foi apresentada pelo MASP,
em 2017, logo após sua participação
em mostras realizadas na Inglaterra
e nos Estados Unidos sobre a pintura
pop no mundo. Valeska Soares,
sua filha, vive nos Estados Unidos e
desenvolve importante trabalho no
campo plástico-visual, tendo um
pavilhão em Inhotim, MG.
Ana Elisa Ribeiro. Poeta, nasceu em
Belo Horizonte, MG, em 1975. Sua
obra está voltada ao poema curto,
em que trata das questões relacionais
e de gênero. É escritora, professora
e doutora em linguística. Publicou
mais de 20 livros entre poesia,
conto, crônica, infantis e técnico95
científicos. É autora de Poesinha
(BH, Pandora, 1997), Perversa (SP,
Ciência do Acidente, 2002), Fresta
por onde olhar (BH, InterDitado,
2008), Anzol de pescar infernos
(2013, SP, Patuá, semifinalista do
prêmio Portugal Telecom) e Xadrez
(BH, Scriptum, 2015). Com o poeta
Bruno Brum, publicou Marmelada,
pela coleção Leve um Livro, que
ela também edita, com o patrocínio
da Prefeitura de Belo Horizonte. Tem
poemas publicados em mais de
uma dezena de antologias, revistas
e jornais no Brasil, além de poemas
publicados e traduzidos na Espanha,
no México, na França e em Portugal.
Participa de festivais literários em
mesas-redondas, leituras e oficinas.
Atualmente, em seu trabalho como
professora e pesquisadora, tem
investigado as questões editoriais
de mulheres escritoras e editoras no
Brasil.
Ana Martins Marques. Poeta, nasceu
em Belo Horizonte, MG, em 1977.
Busca na expressão da linguagem
contemporânea a observação
poética do cotidiano. É formada
em Letras e doutora em literatura
comparada pela UFMG. Publicou
os livros “A vida submarina”, “Da
arte das armadilhas” e “O livro das
semelhanças”, estes dois pela Cia
das Letras. Em 2007 e 2008, recebeu
o Prêmio Cidade de Belo Horizonte
de Literatura. Com “Da arte das
armadilhas” recebeu o Prêmio da
Fundação Biblioteca Nacional, na
96
categoria poesia, e foi finalista do
Prêmio Portugal Telecom. “O livro
das semelhanças” recebeu o Prêmio
APCA de Poesia e o terceiro lugar do
Prêmio Oceanos. Recentemente,
publicou dois livros em dupla: “Duas
janelas”, com o poeta Marcos Siscar,
e “Como se fosse a casa (uma
correspondência)”, com o poeta
Eduardo Jorge.
Edimilson de Almeida Pereira.
Poeta, nasceu em Juiz de Fora, MG,
em 1963. Sua poética multicultural
é ligada a pesquisas etnográficas,
principalmente voltadas à poesia
africana. É docente de Literatura
Portuguesa e Literaturas Africanas
de Língua Portuguesa na Faculdade
de Letras da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Na área de antropologia
social, publicou os livros “Mundo
encaixado: significação da cultura
popular” (1992), “Do presépio à
balança: representações sociais da
vida religiosa” (1995), “A saliva da
fala: notas sobre a poética bantocatólica no Brasil” (2017) e “Entre
Orfe(x) e Exunouveau: análise
de uma epistemologia de base
afrodiaspórica na Literatura Brasileira”
(2017). Na área de literatura infantil e
infanto-juvenil, editou “Os reizinhos de
Congo” (2004), “O primeiro menino”
(2013) e “Poemas para ler com
palmas” (2017). Sua obra poética foi
reunida nos volumes “Zeosório blues”
(2002), “Lugares ares” (2003), “Casa
da palavra” (2003) e “As coisas
arcas” (2003). Seus livros de poesia
mais recentes são “Relva” (2015),
“Maginot, o” (2016), “Guelras” (2016),
e (2017) e “Qvasi – segundo caderno”
(2017, editora 34).
Fabrício Marques. Poeta, nasceu em
Manhuaçu, MG, em 1965. é poeta
memorialista e trabalha a relação
entre o homem e a máquina para
dar corpo à sua poesia. Foi editor
do Suplemento Literário de Minas
Gerais em 2004. Publicou os seguintes
livros de poesia: “Samplers” (Relume
Dumará, 2000, Prêmios Culturais de
Literatura do Estado da Bahia), “Meu
pequeno fim” (Scriptum, 2002) e “A
fera incompletude” (Dobra Editorial,
2011, finalista dos Prêmios Portugal
Telecom e Jabuti). Também é autor de
“Uma cidade se inventa” (Scriptum,
2015, finalista do Prêmio Jabuti), “Dez
conversas” (entrevistas com poetas
contemporâneos, edição bilíngue,
Gutenberg, 2004, finalista do Prêmio
Jabuti) e “Aço em flor: a poesia de
Paulo Leminski” (ensaio, Autêntica,
2001). Organizou, para a Editora da
UFMG, “Sebastião Nunes” (2008) e
“Papel Passado” (seleção de poemas
de Libério Neves, 2013). Juntamente
com Tarso de Melo, organizou a
antologia digital Inventar la felicidad.
Muestra de poesía brasileña (Vallejo
& Co., 2016). Participa de antologias
e festivais de poesia no Brasil e no
exterior.
Lucas Guimaraens. Poeta, nasceu
em Belo Horizonte, MG, em 1979.
De família de escritores, possui uma
produção calcada na remissão
literária e no coloquialismo da geração
contemporânea, utilizando uma
linguagem atrelada ao neo-surrelismo
de Murilo Mendes e Jorge de Lima.
Atualmente, é o Superintendente de
Bibliotecas Públicas e Suplemento
Literário de Minas Gerais, consultor
da cátedra de filosofia da cultura e
das instituições culturais da UNESCO
e embaixador da UNESCO. é poeta,
ensaísta e tradutor. Possui formação
em Direito, no Brasil, e em filosofia, na
França. Publicou poemas em diversas
antologias, periódicos e revistas no
Brasil e no exterior (dentre as quais, a
Revista Poesia Sempre, da Fundação
Biblioteca Nacional, a Revista da
Academia Mineira de Letras, a revista
espanhola En Sentido Figurado, a
turca Siiristanbul Poetistanbul 2014 e a
francesa Caravelles), tendo recebido
prêmios literários. Participa de
festivais no Brasil e no mundo, sendo
também curador literário. Lançou,
em 2011, seu livro: “Onde (poeira
pixel poesia)”, pela editora carioca
7Letras. Em setembro de 2014 lançou,
em Paris, pela editora L’Harmattan,
o livro de filosofia “Michel Foucault
et la Dignité Humaine”. Em 2015,
lançou, pela Azougue Editorial, novo
livro de poemas, “33,333 – conexões
bilaterais”, com o artista plástico
Fernando Pacheco. Em 2017, lançou,
em Paris, pela editora L’Harmattan,
seu terceiro livro de poemas, “Exil –
Le lac des incertitudes”, em edição
bilíngue. Este último será lançado no
Brasil em março de 2018.
97
Guilherme Mansur. Poeta, editor,
tipógrafo e artista gráfico, Guilherme
Mansur Barbosa nasceu em Ouro
Preto, MG, em 1958. Criou a
publicação “Poesia Livre”, em 1977,
editando durante nove anos poemas
em cartelas reunidas em saquinhos
de papel utilizados em padarias.
Criou também a “Chuva de Poesia”,
com o lançamento de poemas em
cartelas coloridas das torres sineiras
das igrejas de Ouro Preto. Foi designer
gráfico do Suplemento Literário de
Minas Gerais. Lançou livros de poesia
e cria instalações, álbuns e cartazes
poéticos, tendo participado de
mostras nacionais e estrangeiras. O
poeta Haroldo de Campos chamou-o
de “tipoeta”, por dedicar especial
atenção à arte tipográfica.
Ricardo Aleixo. Poeta, músico,
artista plástico e editor, nasceu em
Belo Horizonte, em 1960. Tem vários
livros publicados e participação em
antologias internacionais. Realiza
performances poéticas, a partir do
seu “poemanto”, conjugando a
força da oralidade com a expressão
corporal para enfatizar o corte
dramático da poesia. Valoriza as
raízes afro-brasileiras e aproxima-se
da poesia concreta.
Anelito de Oliveira. Poeta, ensaísta
e editor, nasceu em Bocaiúva,
MG, em 1970. Fez mestrado na
UFMG, doutorado na USP e pósdoutorado na Unicamp, em literatura.
Montes Claros, MG. É professor da
98
Universidade Estadual de Montes
Claros, Unimontes. Foi editor do
Suplemento Literário de Minas Gerais
e da revista Orobó, voltada para
temas da cultura afro-brasileira.
Estudioso da obra de Machado de
Assis e do poeta Affonso Ávila, tem
vários livros publicados, de poesia e
crítica, e atividades realizadas em
universidades do exterior.
Rodrigo Pederneiras. Coreógrafo,
nasceu em Belo Horizonte, MG, em
1955. Foi um dos criadores do grupo
Corpo, no qual atuou primeiramente
como bailarino, de 1976 a 1980.
Tornou-se o coreógrafo residente da
companhia, além coreografar, como
convidado especial, espetáculos
realizados em diversos países. Sua
criação articula um vocabulário
próprio, inovador e instigante. é autor
de grandes sucessos do grupo Corpo,
aplaudidos no Brasil e no exterior,
como “Missa do Orfanato” (1989),
“Nazareth” (1993), “Parabelo” (1997),
“Lecuona” (2004), “Sem Mim” (2011),
“Triz” (2013) e “Ginga” (2017).
Cao Guimarães. Cineasta, fotógrafo
e artista visual, nasceu em Belo
Horizonte, MG, em 1965. Estudou
filosofia na UFMG e jornalismo na
PUC-Minas, tendo realizado curso
de fotografia na Universidade de
Westminster, no Reino Unido. Obras
de sua autora integram importantes
coleções de arte contemporânea,
como a Tate Modern, no Reino Unido,
e o MoMa e o Museu Guggenheim, nos
Estados Unidos. Recebeu destacados
prêmios de fotografia e cinema. O
diálogo entre o filme documentário e
a arte contemporânea enriquece a
poética do cineasta. Seus trabalhos
são considerados uma contribuição
impactante ao novo mundo das
imagens da arte.
Pedro Moraleida. Artista plástico,
nasceu em Belo Horizonte, em 1977, e
morreu aos 22 anos, em 1999. Cursou a
Escola de Belas Artes da UFMG. Deixou
um acervo significativo de obras que
compreendem pintura, desenho,
instalações, textos e sonoridades. Sua
criação dimensiona-se no espaço
mais radical da arte contemporânea.
Aborda temas da sexualidade e da
religião, em clima de enfrentamento
e contestação das convenções
sociais. Em 2002, foi realizada uma
primeira grande exposição de seus
trabalhos, em Belo Horizonte, com
amplo reconhecimento. Em 2017,
uma mostra a ele dedicada, na
Grande Galeria do Palácio das Artes,
sob o título de “Faça Você mesmo
sua Capela Sistina”, provocou forte
reação contrária, de igual modo
contestada pelos meios artísticos e
culturais, ensejando manifestações
em favor da liberdade de expressão
no país.
Paulo Nazareth. Artista plástico,
nasceu em Governador Valadares,
MG, em 1977. Paulo Sérgio da Silva
adotou o nome de Paulo Nazareth,
em homenagem a sua avó, a
índia Nazareth Cassiano de Jesus.
Depois exercer as mais variadas
profissões, ele recebeu em 2005 a
Bolsa Pampulha, programa especial
do Museu de Arte da Pampulha,
em Belo Horizonte, voltado para o
desenvolvimento de projetos de arte
contemporânea. Entre instalações
e performances, Paulo Nazareth
leva seu trabalho a diversos países
e participa de importantes mostras,
como a Bienal de Veneza. Essas
viagens fazem parte de seu processo
criativo, no qual se particulariza o
interesse pelas questões dos povos
indígenas e autóctones.
Sônia Gomes. Artista plástica,
nasceu em Caetanópolis, MG, em
1948. Representou o Brasil na Bienal
de Veneza, em 2015. Sua obra
cerca-se de ampliado interesse e
reconhecimento internacional. Ela
trabalha geralmente com pedaços
de tecidos diversos, valendo-se
de costura, torções e nós para
criar objetos e instalações. A mão
costureira da mulher transforma-se
no surpreendente gesto criador da
artista. As assemblages de panos
transportam-se como mobiles para
o campo escultórico, no qual uma
linguagem singular se estabelece,
sempre tocada pela inovação e pela
surpresa.
Regina Bertola. Atriz, é fundadora e
diretora do Grupo Ponto de Partida
e da Escola Bituca/Universidade Livre
de Música, na cidade de Barbacena,
99
MG. Instaladas em edificações da
antiga sericícola, fábrica de seda
que funcionou na primeira metade
do século XX, a companhia teatral
e a escola de música desenvolvem
intensa atividade, desde 1980. Peças
de teatro e espetáculos musicais
constam da programação do Ponto
de Partida, que explora aspectos
variados da cultura genuína de
Minas Gerais. Em 2017, a companhia
encenou uma criação especial, em
homenagem ao grupo El Galpón, do
Uruguai.
100
101
O Porta l Bra sil
Turism o
por Bruno Viveiros Martins e
José Antônio de Souza Queiroz
E
m outros tempos, as viagens
eram fundamentalmente
os meios disponíveis de se
conhecer e mapear o mundo, ampliar
as fronteiras, descobrir melhores
condições de sobrevivência. Viajar
tinha uma conotação diferente da
que tem hoje: elas nem sempre eram
de ida e volta. Se tomarmos a Era
Moderna como referência, podemos
pensar nos navegadores que nos
séculos XV e XVI saíram em busca do
Novo Mundo e nem sempre faziam o
caminho de volta, seja por opção ou
pela impossibilidade de retorno. é o
caso, também, de tantos naturalistas
que no século XIX empreenderam
expedições exploratórias pela
América, África e Ásia. Viajar era
uma tarefa de homens inquietos,
curiosos ou insatisfeitos, que são
atraídos pelas fronteiras e que a
cada ponto divisam algo adiante:
são experiências de estranhamento
que ampliam o exercício do olhar. Ao
longo do século XIX, principalmente,
o viajante era compreendido – e,
em muitos casos, compreendia
a si mesmo – como realizador
de uma missão civilizatória. Hoje,
diferentemente daqueles tempos,
as viagens constituem no substrato
da vida contemporânea: em nossa
sociedade, a viagem é a maneira
comum com que seus membros
ligam as suas vidas e consomem um
mundo de significados e lugares.
103
Foi ao longo do século XIX
que o termo turista começou a se
popularizar. Embora em um primeiro
momento tenha sido entendido
como sinônimo de viajante, o termo
vai, com o tempo, ganhando uma
conotação diferenciada. Quando
o Imperador Dom Pedro II e a
Princesa Isabel visitaram as estâncias
hidrominerais do sul de Minas na
segunda na segunda parte do
século XIX, não estavam realizando
nenhuma missão científica, nem
mesmo uma viagem sem retorno.
Estavam visitando cidades cujas
águas tinham fama de ser milagrosas
– devido suas propriedades minerais.
Depois disso, cidades como
Caxambu, São Lourenço, Poços de
Caldas, e outras, se notabilizaram por
receber viajantes ilustres e grandes
investimentos, tornando a região um
dos principais atrativos do estado.
Essa viagem marca o nascimento do
turismo em Minas Gerais.
Já no começo do século XX, outros
viajantes bem conhecidos ajudaram
a sedimentar o lugar de Minas Gerais
como cenário turístico de importância
nacional: trata-se da Caravana
Modernista. Realizada em abril de
1924, o passeio histórico capitaneado
por Mário de Andrade, levou para
Minas personalidades como Oswald
de Andrade, Tarsila do Amaral, Olívia
Guedes Penteado e o poeta francosuíço Blaise Cendrars, ganhando o
nome de “Viagem de Descoberta
do Brasil”. O objetivo da Caravana
104
era mostrar o Brasil para o visitante
estrangeiro – mas, na verdade, para
eles mesmos. Motivados pelo desejo
de apreender o que acreditavam o
“ser brasileiro”, se depararam com
o a riqueza do passado histórico
das cidades do barroco. Depois
de passar por Belo Horizonte, a
Caravana visitou pelas cidades de
Ouro Preto, Mariana, São João DelRey, Tiradentes e Congonhas.
Na capital mineira, os modernistas
foram recebidos pelos escritores
Carlos Drummond de Andrade,
Pedro Nava, Martins de Almeida e
Emílio Moura, que os levaram para
conhecer a cidade. As impressões de
Mário de Andrade estão registradas
no longo poema chamado Noturno
de Belo Horizonte, no qual fala
do ecletismo de uma capital
“moderníssima” em contraste com
as cidades históricas mais antigas.
Por mais que tenham ficado
impressionados com Belo Horizonte,
os paulistas estavam empenhados
em conhecer as cidades barrocas
e o legado de Antonio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho. Em um artigo
que leva o nome do escultor, Mário
de Andrade defendeu que suas obras
não representavam cópias artificiais
do barroco europeu, mas criavam
novas concepções, que deveriam ser
valorizadas como o berço da cultura
brasileira. Na visão do autor, o caráter
singular e a força do barroco mineiro
foram resultados tanto do ambiente
urbano característico da sociedade
mineradora quanto da criatividade
de artistas que reinventaram o
repertório europeu que lhes serviu
de modelo. A partir da viagem dos
modernistas, o interesse pelo tema
do barroco mineiro aumentou entre
pesquisadores de várias áreas. O
turismo também se beneficiou dessa
valorização, passando a ser mais
vivenciado nas cidades históricas que
desde o século XIX eram visitadas por
viajantes estrangeiros.
O turismo deve ser compreendido
como um fenômeno social complexo,
que está estritamente relacionado
com a economia, a geografia,
a cultura e a história do país.
Enquanto setor específico, teve um
desenvolvimento tardio e irregular,
recebendo tratamento diferenciado
apenas com a criação do Sistema
Nacional de Turismo em 1966,
composto pela Empresa Brasileira de
Turismo (EMBRATUR) e pelo Conselho
Nacional de Turismo (CNTur). Ambos
os órgãos eram vinculados ao
Ministério da Indústria e Comércio,
sendo encarregados, principalmente,
de atrair turistas estrangeiros para o
Brasil. A tomada e foco das decisões
passou da esfera federal para
a estadual em 1994, quando foi
lançado o Programa Nacional de
Municipalização do Turismo (PNMT).
A partir desse momento, o turismo
passou a ser pensado no âmbito
dos municípios: a primeira linha de
ação do Programa foi a realização
de oficinas para formação de
agentes multiplicadores em todo
o território nacional. Em busca de
conscientização, capacitação e
planejamento, as oficinas buscavam
sensibilizar a comunidade sobre o
turismo e orientar sobre a existência
órgãos centrais do setor.
A criação do Ministério do Turismo
em 2003 foi resultado dessa nova
perspectiva sobre o potencial
econômico do turismo. Nesse sentido,
o lançamento do Programa de
Regionalização do Turismo – Roteiros
do Brasil (PRT) visava estimular
em todo o país a adição de um
modelo de gestão descentralizada,
coordenada e integrada. No
cerne do programa está a noção
de sustentabilidade ambiental,
sociocultural e econômica e o foco
da ação passou, definitivamente, a
ser regional e localizado. A adoção
do conceito de roteirização propõe
pensar o turismo em uma cadeia
produtiva, como forma de oferecer
ao turista a possibilidade de se manter
por mais tempo no território, na
medida em a estruturação de roteiros
temáticos amplia seu interesse pela
região.
Dentro de Minas Gerais, os impactos
da regionalização do turismo foram
marcantes. Em 1999 foi criada a
Secretaria de Estado de Turismo
(SETUR), que tem por finalidade
planejar, coordenar e fomentar
ações do turismo, objetivando sua
expansão, a melhoria da qualidade
105
de vida das comunidades, a geração
de emprego e renda e a divulgação
do potencial turístico do estado. Uma
das principais providências da SETUR foi
a reorganização espacial do território
mineiro, para fins de planejamento
do turismo. é nesse momento que
começa a ser implantada a política
mineira de Circuitos Turísticos, para
sanar dois problemas: a grande
extensão territorial de Minas Gerais
e a falta de uma política pública
de turismo eficiente para o Estado.
O principal objetivo dos Circuitos é
abrigar um conjunto de cidades de
uma mesma região, com afinidades
culturais, sociais e econômicas
que se unem para organizar e
desenvolver a atividade turística
de forma sustentável, consolidando
uma identidade regional. Hoje, de
acordo com a Resolução 045/2014,
Minas Gerais conta com 45 Circuitos
Turísticos certificados, envolvendo
todas as regiões do estado e
aproximadamente 450 municípios.
2. Minas Gerais à beira dos
caminhos
A partir do século XVII, uma teia
de caminhos, atalhos, picadas e
trilhas, mais ou menos concorridos,
estabeleceram a ligação entre
o território das Minas Gerais e o
restante da América portuguesa.
Hoje conhecemos esses caminhos
pelo nome de Estrada Real, que
até a primeira metade do século
106
XIX era estruturada em quatro
grandes Caminhos. O mais antigo
de todos era o Caminho Velho,
também chamado de Caminho de
São Paulo. Era a principal “boca de
Minas”: uma picada que ligava São
Paulo de Piratininga e São Sebastião
do Rio de Janeiro ao ouro recém
descoberto nos ribeirões de Ouro
Preto e de Nossa Senhora do Carmo
e nas margens do Rio das Mortes e do
Rio das Velhas. Para quem quisesse
vir para Minas dos portos do Recife
ou de Salvador, tomava o Caminho
Geral do Sertão, também conhecido
como Picada da Bahia ou Caminho
dos Currais do São Francisco. Era a
via de percurso mais longo entre as
“bocas de Minas”. Já o Caminho
Novo era uma rota mais curta do
que o Caminho Velho e tinha por
objetivo de estabelecer uma rede de
circulação de mercadorias capaz de
conectar os distritos mineradores do
ouro e do diamante a dois importantes
centros de abastecimento da época
– o porto do Rio de Janeiro e a vila de
São Paulo. Por último, o Caminho do
Mato Dentro ou Caminho do Serro Frio
e do Tejuco, guiou-se pelo conjunto
de serras que formam o maciço do
Espinhaço para ligar Vila Rica à única
região da área mineradora capaz
de produzir diamantes – as famosas
pedras brancas, a riqueza mais
cobiçada pelo homem do século
XVIII.
Boa parte dessa teia de caminhos
foi substituída pelo asfalto de novas
e velhas rodovias, ou incorporada
caminhos diferentes: o Caminho
à periferia de cidades sempre em
Velho, o Caminho Novo, o Caminho
expansão, ou ainda transformoudos Diamantes e o Caminho de
se em pastagens. Para preservar
Sabarabuçu.
essa história e explorar o potencial
turístico das cidades e paisagens que
2. 1. Caminho Velho
compõem esses Caminhos, foi criado
em 1999 o Instituto Estrada Real, que
O Caminho Velho foi criado
atualmente oferece o mais
oficialmente pela Coroa
longo roteiro turístico
Portuguesa no século
do país: são mais de
XVII, para ligar o
1630 quilômetros
litoral fluminense à
de extensão, por
região produtora
Minas Gerais, Rio de
de ouro no interior
Janeiro e São Paulo.
de Minas Gerais. Na
Ao longo do tempo,
época, o percurso
esses Caminhos
levava 60 dias para
r e c e b e r a m
ser feito a cavalo.
v a r i a d a s
Atualmente, para
nomenclaturas
percorrer os 710
e configurações.
quilômetros,
o
Mas uma coisa
viajante gasta 15
não mudou: eles
Ouro Preto
dias de bicicleta, 48 dias
sempre passaram por
caminhando, 8 dias
cidades históricas,
de carro e 24 dias
cachoeiras, trechos
a cavalo, sendo
de mata atlântica
que o percurso é
e cerrado, sítios
mais de 80% em
arqueológicos
estrada de terra.
e outras tantas
paisagens que
Ouro Preto, que
impressionavam
foi a capital de
os
primeiros
Minas Gerais até
viajantes e ainda
1897, não é apenas
impressionam
a principal cidade
os turistas dos
do
Caminho
tempos atuais.
Velho,
mas
é
Atualmente, o Instituto
também a cidade que
Igreja Nossa Senhora do Carmo,
em Mariana
Estrada Real opera na
liga todos os caminhos
preservação de quatro
da Estrada Real. Sua
107
história começa em 1698, quando
o bandeirante paulista Antônio Dias
fundou um arraial próximo ao pico do
Itacolomi, onde encontrara ouro. Em
pouco tempo, foram surgindo núcleos
colonizadores e em 1711 os arraiais
de Antonio Dias e de Ouro Preto se
fundiram, recebendo o nome de Vila
Rica – que logo se tornou um dos pólos
econômicos do Império português.
Em fins do século XVIII, os moradores
de Vila Rica circulavam por uma
paisagem urbana irregular, entre
palácios de pedra argamassada,
sobrados, edifícios baixos e de
madeira, casas de adobe e de pau
a pique, ruas planas, alguns largos
onde davam os avisos públicos e se
abrigava o pelourinho, becos tortos
e vielas íngremes. Nessa época, Vila
Rica já tinha levantado paredes
e ornamentado igrejas como São
Francisco de Assis, Nossa Senhora da
Conceição e Antônio Dias e a Matriz
de Nossa Senhora do Pilar.
Ouro Preto foi a primeira cidade
brasileira a ser declarada, pela
UNESCO, Patrimônio Histórico e
Cultural da Humanidade, em 1980.
Dentre os variados atrativos da
cidade, um dos mais visitados é a
Igreja de São Francisco de Assis.
Considerada por especialistas como
uma das obras-primas de Aleijadinho
e Mestre Ataíde, a Igreja chama
atenção pela pintura do teto da
capela-mor, onde as cores vivas
são associadas à exuberância dos
trópicos e, se observadas de perto, as
108
madonas, santos e anjos têm traços
mestiços. Ataíde realizou uma obraprima: pintada no forro da nave,
numa perspectiva ilusória, em que as
colunas parecem avançar e o teto
se abre para o céu, sobe, carregada
em nuvem, uma Nossa Senhora da
Porciúncula soberba, roliça e mulata,
acompanhada por uma revoada de
anjos, igualmente mestiços.
A Matriz Nossa Senhora do Pilar foi
construída em 1731 e é considerada
pelos historiadores um dos exemplos
mais completos do barroco no
estado, por conta da representação
do recurso cênico e pela importância
dada à riqueza enquanto prova
de devoção – uma característica
marcante da sociedade da época.
O visitante terá um impacto logo que
entrar nessa Igreja coberta por cerca
de 400 quilos de ouro. Há opulência
em cada detalhe: no arco central
há mais de uma centena de flores
brasileiras esculpidas e folheadas a
outro. No subsolo da fica o Museu de
Arte Sacra de Ouro Preto, com um
grande acervo de peças produzidas
entre os séculos XVI e XIX, tais como
imagens, paramentos, tecidos
bordados a ouro e prataria.
Outro lugar muito visitado pelos
turistas é o Museu da Inconfidência,
com um acervo formado por mais de
4 mil objetos de praticamente todas
as esferas da vida social mineira
dos séculos XVIII e XIX. O prédio,
antiga Casa da Câmara e Cadeia
de Vila Rica, foi construído em 1784
e reformado em 1854. Um dos mais
representativos e conservados
exemplares da arquitetura mineira
do século XVIII, nele estão os restos
mortais dos conjurados. Ao passear
pela cidade, o turista encontra ainda
alguns dos chafarizes lavrados em
pedra, que abasteceram Vila Rica
nos tempos do ouro e são um dos
símbolos da cidade, como o Chafariz
dos Contos (1745) e o Chafariz
de Marília (1758), construído por
Aleijadinho. São inúmeras atrações,
que não se esgotam na cidade: em
seu entorno, possui um variado e rico
ecossistema, com cachoeiras e trilhas
dentro de uma enorme área de mata
nativa. No ano de 2015, a cidade
registrou 400 estabelecimentos
ligados ao turismo, que empregam
2.299 trabalhadores.
Ao lado de Ouro Preto, está
localizada a cidade de Mariana. O
trajeto pode ser feito por uma Maria
Fumaça – locomotiva a vapor surgida
no século XIX, movida pela queima
de carvão – que liga as duas cidades.
Erguida por entre altas montanhas,
foi a primeira capital, cidade e vila
do Estado, sendo também sede do
bispado de Minas, em 1745. Com mais
de 300 anos de existência, Mariana
fica a 112 quilômetros de Belo
Horizonte e guarda grande parte do
patrimônio histórico cultural de Minas
Gerais. A arquitetura colonial pode
ser apreciada, por exemplo, na rua
Direita, onde se enfileiram casas bem
conservadas, muitas transformadas
em museus ou centros culturais. Uma
de suas principais atrações é a Igreja
Nossa Senhora do Carmo, que teve
sua construção iniciada em 1784 e
finalizada apenas em 1835, quando
foram instalados os relógios da torre.
Foi erguida pelos irmãos da Ordem
Terceira do Carmo e, em seu interior,
os altares são em talha, no estilo
rococó. Em 1999, um incêndio destruiu
todos os elementos em madeira da
nave principal. Várias imagens dos
séculos XVII e XVIII e a pintura do
teto foram também consumidas pelo
fogo. A restauração foi concluída em
2006.
A Catedral Basílica de Nossa Senhora
da Assunção, cuja construção se
estendeu de 1709 a 1750, é um
exemplar da primeira fase do barroco
mineiro. Quase toda de taipa de
pilão, passou por várias reformas e sua
fachada simples esconde um interior
cheio de preciosidades, como a tela
de Ataíde no batistério, além da pia
batismal e do tapa-vento atribuídos
a Aleijadinho. Mas seu maior tesouro
é o órgão alemão Arp-Schnitger
fabricado em 1701 e doado por D.
João VI em 1753. é o único instrumento
desse fabricante fora da Europa
e um dos pouquíssimos, em todo
mundo, a conservar a maior parte
do mecanismo original. Inteiramente
restaurado, ele pode ser ouvido
todas as semanas em concertos
na Catedral. A poucos quarteirões
dali, está localizado um dos mais
109
completos museus de arte sacra do
país, com um acervo de cerca de 2
mil peças, entre mobiliário, imagens,
pinturas, paramentos, louças e cristais.
O Museu de Arquidiocesano de Arte
Sacra está instalado em um casarão
de 1770, construído com alvenaria de
pedra e detalhes de cantaria.
Além de preservar um importante
conjunto de casas civis do século
XVIII, a cidade abriga a maior mina
de ouro aberta à visitação do
mundo: a Mina da Passagem, que
chega a 315 metros de extensão e
sua descida por estreitas galerias
encravadas na terra chegam a
120 metros de profundidade, onde
no fundo se avista um lago natural
de águas límpidas. Dono de uma
natureza rica e diversificada, o
município apresenta nascentes,
cachoeiras, grutas e minas, muito
apreciadas pelos ecoturistas. Além
desses atrativos, a cidade de Mariana
é conhecida pelas celebrações
religiosas e manifestações culturais
típicas, como o Zé-Pereira, o Boi-deManta, o Congado, as Pastorinhas e
a Folia de Reis.
A pouco mais de 70 quilômetros de
Mariana, a cidade de Congonhas
está localizada na região do Alto
Paraopeba. Vigiada do alto da
colina pelos 12 profetas, as primeiras
informações sobre a cidade datam
1734, quando alguns colonizadores
portugueses se estabeleceram em
busca de novas lavras auríferas.
110
Graças ao Santuário Bom Jesus de
Matosinhos, Congonhas é conhecida
mundialmente: sua construção devese à promessa do português Feliciano
Mendes ao Senhor Bom Jesus.
Acometido por grave enfermidade,
Feliciano prometeu entregar uma
igreja ao Santo caso obtivesse a cura.
E ela veio: logo depois, o português
dedicou a vida na construção do
Santuário – nos moldes daqueles
que haviam em sua terra ao norte de
Portugal. A obra só se completou com
a participação do mestre Antonio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
De agosto de 1796 a 1800, foram
executadas as 64 figuras em cedrorosa que compõem as estações da
via crucis. Os 12 profetas esculpidos
em pedra-sabão foram concluídos
em 1805 e encontram-se distribuídos
simetricamente no adro da igreja.
Em 1985, o Santuário Bom Jesus de
Matosinhos recebeu da UNESCO
o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade.
A história do Arraial de São José
do Rio das Mortes (que mais tarde
se torna a cidade de Tiradentes)
começou em 1702, quando os
bandeirantes paulistas encontraram
ouro na superfície da Serra de São
José. Ao longo de todo o século
XVIII, a região foi um dos pólos de
mineração da capitania de Minas
Gerais. Graças à preservação de
seu patrimônio histórico, a cidade é
escolhida com freqüência para servir
de set para gravações de filmes e
minisséries de época. Um dos pontos
turísticos da cidade é a Igreja Matriz
de Santo Antônio, que começou a
ser construída em 1710 e oferece
uma visão privilegiada da Serra. Lá
também o turista poderá contemplar
o relógio de sol que compõe – com
a fachada do templo projetada por
o Aleijadinho –, um dos lugares mais
visitados da cidade. A Igreja possui
quase meia tonelada de ouro, sendo
considerada uma das mais ricas do
Brasil. Em seus adornos, existe um
dos quinze órgãos mais importantes
do mundo: ele data do século XVIII
e possui oito fileiras de tubos com
pinturas em estilo rococó.
Outra atração da cidade é o Museu
do Padre Toledo, um dos participantes
da Conjuração Mineira, do qual vale
destacar os forros pintados dos seus
doze cômodos, alguns com motivos
clássicos, como o da Sala dos Cinco
Sentidos. Atualmente, o Museu é
administrado pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
Outra atração da cidade é o Chafariz
de São José, o famoso “chafariz azul”,
construído em 1749 e considerado
o mais importante do circuito do
ouro. Cercado por uma mureta, os
três rostos de pedra lavrada que o
compõem jorram água potável,
proveniente de um antigo aqueduto
de pedra, cujo ponto de origem é
o bosque da Mãe D’água, na base
da Serra de São José. O calendário
da cidade é repleto de eventos,
como o tradicional carnaval de
rua, a Semana Santa, o Festival de
Cinema e o Festival Internacional
de Cultura e Gastronomia – festas,
tour gastronômico, cursos, palestras,
degustações, shows, teatro e dança,
fazem parte da programação, que
recebe os principais chefs do Brasil.
Perto de Tiradentes, está São
João Del-Rey, que foi fundada
por bandeirantes paulistas com o
objetivo de ser uma conexão entre
Paraty e as cidades da região central
de Minas Gerais. é conhecida como
“terra onde os sinos falam”: pela
tradição, com o toque do sino sabese onde e por qual celebrante será
realizada a solenidade, se haverá
procissão e até se, no caso de morte,
se a pessoa falecida é homem ou
mulher. A cidade é uma das que mais
zelosamente preservam o código dos
sinos e a sutileza de suas linguagens – o
que a diferencia das demais cidades
mineiras. Em reconhecimento a essa
tradição, a linguagem dos sinos foi
considerada patrimônio nacional
pelo IPHAN em 2009.
Duas igrejas da cidade são
especialmente visitadas pelos
turistas. Uma delas é a Igreja de
Nossa Senhora do Carmo, que foi
construída entre 1732 e 1785, na fase
rococó. Tem em seu interior uma bela
imagem esculpida em madeira, o
famoso “cristo inacabado” de autoria
desconhecida. O teto, os altares
laterais e algumas imagens são de
Joaquim Francisco de Assis Pereira. A
111
fins do século XVII em conseqüência
do processo de ocupação iniciado
com os primeiros bandeirantes. Ouro
Branco foi uma das mais antigas
vilas mineradoras da Capitania de
Minas Gerais. O município conta
com construções setecentistas como
antigos casarões, fazendas e igrejas –
como a Matriz de Santo Antonio, que
foi construída na primeira metade do
século XVIII e tem a pintura do teto
atribuída a Ataíde. Vale destacar
que o calendário da cidade está
repleto de festividades religiosas que
atraem turistas ao longo
de todo ano, como
as celebrações de
Corpus Christi e da
Semana Santa.
outra é a Igreja de São Francisco de
Assis, cuja construção projetada por
Aleijadinho data de 1774. Mais tarde,
foi modificada e hoje é propriedade
da Irmandade da Venerável Ordem
Terceira de São Francisco de Assis.
Além disso, o turista não pode deixar
de percorrer os 12 quilômetros do
percurso da Maria Fumaça que liga a
cidade a Tiradentes, inaugurada em
1881 pelo Imperador Dom Pedro II.
2.2. Caminho Novo
Foi aberto para ser
uma alternativa mais
rápida e fácil ao
Caminho Velho.
Atualmente, para
percorrer os 515
quilômetros,
o
viajante gasta 11
dias de bicicleta, 35
dias caminhando, 6
dias de carro e 18 dias
a cavalo, sendo que o
percurso é de 63%
em estrada de
terra.
Uma das pontas
do Caminho Novo
é Ouro Preto e a
outra é o Porto
Estrela, no Rio
de Janeiro. Entre
elas o turista passa
pela cidade de Ouro
Branco, que teve sua origem em
112
Diamantina
Serro
Um dos locais
mais visitados pelos
turistas é a Casa
de Tiradentes, que
inicialmente
se
chamava Fazenda
das Carreiras, e guarda
características
típicas
da
arquitetura rural
do século XVIII:
paredes de pau
a pique, telhado
entrelaçado com
cipó amarrando
as estruturas de
madeira, pisos
de tábua corrida,
trancas reforçadas, sala para
guardar valores e uma grande
varanda contornando os cômodos.
Especula-se que a Casa teria sido
um ponto de encontro para os
participantes da Conjuração Mineira.
Embora a estrutura seja um pouco
precária, alguns esportes de aventura
são praticados em Ouro Branco, como
provas de MotoCross e Mountain
Biking. Isso porque na cidade iniciase o complexo montanhoso da Serra
do Espinhaço, que corta o Estado
e entra pela Bahia. A Serra possui
diversas cachoeiras, trilhas e outras
atrações naturais para os praticantes
de ecoturismo.
O Caminho Novo começou a ser
aberto pelo bandeirante Garcia
Rodrigues Paes e para percorrê-lo
era preciso atravessar a Serra da
Mantiqueira e rasgar uma vasta
extensão de florestas tropicais. Foi
assim que começou a ocupação da
Zona da Mata: muitos municípios da
região têm construções de grande
valor histórico, museus, centros de
cultura e uma ampla gama de eventos
ligados à música, literatura e cinema.
Na Zona da Mata, por exemplo,
está a cidade de Cataguases, onde
nasceu Humberto Mauro (um dos
pioneiros do cinema brasileiro). A
cidade se notabiliza por seu conjunto
arquitetônico modernista, como o
Monumento a José Inácio Peixoto
foi projetado em 1956 e é composto
por duas obras: o painel em azulejo
As fiandeiras, de Cândido Portinari, e
a escultura em bronze A família, de
Bruno Giorgi. Além desses artistas,
arquitetos e paisagistas como Oscar
Niemeyer, Francisco Bologna, Aldary
Toledo, Edgar Guimarães do Valle e
Burle Marx também deixaram seus
traços em Cataguases.
A maior cidade da Zona da Mata é
Juiz de Fora, que projetou nomes da
literatura como Pedro Nava, Murilo
Mendes e abriga o Museu Mariano
Procópio, um dos mais ricos acervos
de Minas: são mais de 45 mil peças
distribuídas por temas – artes, ciências
naturais, indumentária e mobiliário
colonial. A poucos quilômetros
da cidade e dentro da Serra da
Mantiqueira, o Parque Cabangu
preserva o Museu Casa Natal de
Santos Dumont, composto por uma
edificação de meados do século XIX,
onde o aviador nasceu. A pequena
casa mantém sua distribuição
original e guarda objetos pessoais do
inventor e de sua família. Na região
da Zona Mata o turista ainda pode
visitar a cidade Barbacena, que é
conhecida como “cidade das rosas”
pela produção e vendas de flores e
também pelo Museu da Loucura,
instalado no prédio onde funcionou
– de 1903 a fins dos anos 1970 –
uma das mais famosas instituições
psiquiátricas do Brasil, o Hospital
Colônia de Barbacena.
113
As Fiandeiras, de Portinari
2.3. Caminho dos Diamantes
Em 1729, os diamantes encontrados
no Arraial do Tejuco (atualmente
cidade de Diamantina) ganharam
destaque na economia brasileira e
no Império português. O Caminho se
destaca por suas belezas naturais,
além de possuir uma gastronomia
bastante singular. Atualmente,
para percorrer os 395 quilômetros, o
viajante gasta 8 dias de bicicleta, 27
dias caminhando, 4 dias de carro e 14
dias a cavalo, sendo que o percurso
é de 73,5% em estrada de terra.
Uma das pontas do caminho que
começa em Ouro Preto é a cidade
de Diamantina, que ainda preserva
sua arquitetura, cultura e natureza,
tornando-se uma das cidades
históricas mais conhecidas e visitadas
114
do Brasil. Possui casario colonial de
inspiração barroca, construções
históricas, igrejas seculares, paisagem
cênica e uma forte tradição religiosa,
folclórica e musical. As casas da
rua da Quitanda, por exemplo,
são palco das vesperatas, uma
tradição que remonta o século XIX:
das janelas e sacadas das casas,
músicos e cantores desfiam um
eclético repertório, conduzidos por
um maestro que fica embaixo, no
centro da praça. As apresentações
ocorrem entre maio e outubro,
dois sábados por mês. Diamantina
preserva algumas particularidades,
que fazem dela uma cidade muito
diferente das outras, como Ouro
Preto, Mariana e São João Del Rey.
Por exemplo: as ruas de pedras
capistranas, datadas do século XIX,
com uma faixa mais estreita para
facilitar o caminhar a pé, pedras que
produzem um som cavo, durante a
procissão do Calvário, na sexta-feira
da Semana Santa, quando as lanças
da guarda de Pôncio Pilatos vão
batendo ritmadas no chão.
Uma de suas principais atrações é a
Casa de Chica da Silva, construída
provavelmente na segunda metade
do século XVIII para ser sua residência.
A Casa tem um grande terreno nos
fundos, como é típico do casario
colonial, e uma fachada lateral de
influência árabe. Foram executadas
restaurações nas décadas de 1950
à década de 1980 e no seu primeiro
andar estão em exibição painéis
com informações sobre a vida de
Chica da Silva. Além da Casa, o
turista não pode deixar de visitar o
Mercado Municipal, um dos principais
cartões postais de Diamantina,
construído por volta de 1835. Nele
funcionou um rancho de tropeiros,
mais conhecido como intendência,
onde ocorria o descarregamento
e a comercialização dos produtos
que chegavam a Diamantina e teve
tal função até ser desativado em
1884. Alguns pesquisadores afirmam
que Oscar Niemeyer se inspirou
nas arcadas da construção para
desenhar o Palácio da Alvorada, em
Brasília.
Perto do Mercado funciona o Museu
do Diamante, instalado na casa
onde viveu o Padre Rolim, integrante
da Conjuração Mineira de 1789. O
Museu recompõe a história do ciclo
do diamante na região por meio de
objetos de uso corrente nos séculos
XVIII e XIX. Constam em seu acervo
utensílios domésticos, mobiliário,
pinturas, imagens e armas, além de
ferramentas e instrumentos usados na
mineração de diamantes. A cidade
tem inúmeras atrações e uma das mais
interessantes é o Passadiço da Glória,
construído em 1876 para interligar
duas construções que abrigavam
colégio de freiras. O objetivo do
Passadiço era que as internas
pudessem transitar de uma ala a
outra sem serem vistas. Diamantina
é uma cidade que soube manter-se
tradicional e moderna, ao mesmo
tempo. Um de seus cidadãos ilustres é
Juscelino Kubitschek e o começo de
sua história está preservado na Casa
de Juscelino, construção de pau a
pique do século XVIII que guarda
um museu com fotos, informações e
objetos pessoais do político mineiro.
Todas essas características trouxeram
para a cidade o título de Patrimônio
Cultural da Humanidade, entregue
pela UNESCO em 1999.
A cidade também é um centro
de distribuição da cerâmica do
vale do Jequitinhonha, que pode
ser encontrada nas lojas que se
espalham pelo seu centro histórico.
O Vale situa-se ao norte de Minas e
é banhado pelo rio Jequitinhonha
e seus afluentes. É uma região de
115
contrastes: a pobreza gerada pela
seca e pela falta de emprego
convive com uma rica cultura, que
se sustenta através do artesanato,
agricultura de subsistência e turismo.
Dentre os artesões mais conhecidos
da região, podemos citar Ulisses
Pereira Chaves, que em agosto de
2004 foi considerado pela UNESCO
um dos dez melhores ceramistas
da América Latina e Caribe; Isabel
Mendes Cunha, famosa mestra das
bonecas de cerâmica; Maria José
Gomes da Silva, a “Mestra Zezinha”
e os mestres São Sebastião Felix das
Chagas, o “Sô Tão” e Zé do Ponto.
Pouco abaixo de Diamantina e um
dos pontos fortes de turismo na região
está o pequeno distrito de Milho Verde,
que ainda mantém um aspecto e um
modo de vida tranquilo entre os seus
habitantes. Situada nas vertentes
da Serra do Espinhaço, o lugarejo
é um dos cartões postais de Minas
Gerais e fica a aproximadamente
312 quilômetros de Belo Horizonte. Os
maiores destaques de Milho Verde
ficam por conta das cachoeiras,
como a do Piolho e a do Moinho,
que são utilizadas pelos turistas tanto
para a prática de rapel como para
banho, em suas águas minerais. No
centro do distrito, o turista pode visitar
a Igreja Nossa Senhora do Rosário:
edificada em madeira e barro, é
representante típica do chamado
“barroco estradeiro”, que é baseado
na informação e difusão do estilo
através do trânsito pelos vários
116
arraiais coloniais, que fazem uma
apropriação dos modelos eruditos
a partir dos recursos e elementos
disponíveis. Vale destacar, também,
a Igreja Matriz Nossa Senhora dos
Prazeres, em que foi batizada Chica
da Silva. A Igreja, construída de taipa,
abriga uma imagem da santa e um
sino do século XVIII.
Por fim, cidade do Serro foi uma
dos pólos econômicos de Minas
Gerais ao longo dos séculos XVIII e
XIX, quando ainda era chamada
de Vila do Príncipe. Rodeada por
montanhas (ideais para caminhadas
e trilhas), a cidade produz o queijo
que se tornou patrimônio imaterial de
Minas Gerais. Em julho acontece um
dos principais eventos da cidade: a
Festa do Rosário, que é um exemplo
das festividades religiosas que
impulsionam o turismo no estado.
Dentre os principais atrativos da
cidade, temos a Igreja Matriz Nossa
Senhora da Conceição, edificada em
1713. Feita em estilo barroco, a Matriz
foi construída sob embasamento de
cantaria e paredes de pau a pique
em taipa de pilão, o que dá a ela
uma peculiaridade que a torna uma
das mais significativas edificações
religiosas de Minas Gerais. No Serro
também fica a Capela do Nosso
Senhor do Bom Jesus de Matosinhos,
cujas pinturas do forro e do teto
datam de 1797 e são atribuídas a
Silvestre Almeida Lopes, um artista
negro nascido no Arraial do Tejuco.
Emoldurado por conchas, flores e
anjos, no melhor estilo rococó, o
medalhão central retrata o episódio
do recolhimento do Cristo crucificado
na praia de Matosinhos, em Portugal.
Mas o pintor, explicitamente misturou
tudo: o homem que acolhe Cristo
está trajado como um sans-culotte
e usa um barrete frígio, e o prédio do
fundo evoca a Bastilha – todos esses
símbolos são alusões aos princípios da
Revolução Francesa.
2.4. Caminho de Sabarabuçu
A lenda em torno da Serra de
Sabarabuçu foi espalhada pelos
índios da região: a Serra só poderia
ser vista de longe e era impossível
chegar a ela, tamanho o seu
resplendor – chamavam-na na
língua tupi de “sol da terra”. Das
encostas descia um rio do qual
transbordavam pedras de prata, ouro
e esmeraldas. Acreditando nisso, o
bandeirante Fernão Dias Paes Leme
empreendeu diversas tentativas de
adentrar o território, o que resultou
na fundação grande parte dos
pequenos povoados localizados no
vale do rio das Velhas. Atualmente,
para percorrer os 160 quilômetros, o
viajante gasta 4 dias de bicicleta, 11
dias caminhando, 2 dias de carro e 6
dias a cavalo, sendo que o percurso
é de 77,5% em estrada de terra.
O Caminho de Sabarabuçu é o mais
curto de todos: começa em Cocais
e termina na cidade de Glaura, cujo
nome homenageia a obra do poeta
Manuel Inácio da Silva Alvarenga.
Uma de suas cidades principais é
Caeté, cuja história de começa em
1662 e tem sua descoberta atribuída
ao bandeirante paulista Lourenço
Castanho Taques. Situada na região
metropolitana de Belo Horizonte, a
60 quilômetros da capital mineira,
aos pés da Serra da Piedade, Caeté
proporciona a prática de atividades
de ecoturismo e turismo de aventura,
tendo grande tradição no arvorismo.
O Santuário Nossa Senhora da
Piedade – padroeira de Minas Gerais
na tradição católica – está localizado
no alto da Serra e é composto pela
Igreja Abrigo, Cruzeiro, Casa dos
Romeiros e pela Ermida de Nossa
Senhora da Piedade.
Originalmente construída de adobe,
sua estrutura foi parcialmente
mantida em função das várias
reformas que sofreu ao longo dos
anos. Já no interior da capela
destaca-se o retábulo do altarmor em estilo rococó e a imagem
de Nossa Senhora da Piedade
recebendo nos braços o seu filho
morto. A obra é atribuída a Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Tanto a Serra quanto o Santuário são
tombados pelo IPHAN. Atualmente, o
Santuário recebe romeiros de várias
partes de Minas Gerais e do Brasil. Em
Caeté, o turista pode visitar, também,
a Igreja Matriz de Nossa Senhora
do Bom Sucesso. É uma edificação
bastante alta em relação a outras
construções barrocas. Construída
117
entre 1752 e 1758 em alvenaria, no
arco do cruzeiro é possível apreciar
uma pintura com referências ao
Parthenon.
A 30 quilômetros de Caeté, a
cidade de Sabará foi fundada na
virada do século XVI para o XVII,
quando o povoado foi elevado a
município em 1711, com o nome
de Vila Real de Nossa Senhora da
Conceição do Sabará. O nome
da cidade é uma abreviação da
palavra tupi tesáberabusu que
significa “grandes olhos brilhantes”,
se referindo às pepitas de ouro
que foram encontradas na região.
Anualmente, entre os meses de
outubro e novembro, a cidade
recebe o Festival de Jabuticaba, em
que os moradores alugam as árvores
de seus quintais ou chácaras para os
turistas, que tem a oportunidade de
experimentar geléias, tortas, licores,
vinhos, sorvetes e bombons feitos
com a fruta. Apesar de deteriorado,
o centro histórico da cidade ainda
preserva suas vielas estreitas de
paralelepípedos, cercadas por
construções remanescentes do século
XVIII. Um dos principais cartões-postais
da cidade é o Teatro Municipal, que
foi inaugurado em 1819 e é uma das
mais antigas Casas de Ópera em
funcionamento no Brasil. Ali estiveram
os imperadores D. Pedro I e D. Pedro
II. Em suas linhas arquitetônicas,
a influência dos teatros ingleses
da época de Elizabeth I, razão de
118
sua denominação popular: Teatro
Elisabetano.
Instalado em 1946, na antiga Casa
de Intendência e Fundição, o Museu
do Ouro abriga um acervo de mais
de trezentas peças de instrumentos
originais do processo de extração
aurífera e da produção do metal,
maquetes, algumas peças sacras de
prataria e a Santa Maestra, escultura
de Aleijadinho. Outro atrativo turístico
que a Cidade oferece é a Igreja
de Nossa Senhora do Ó: uma das
mais singulares igrejas do barroco
mineiro do século XVIII. A pequena
construção tem fachada simples com
torre central, seu interior apresenta
uma decoração onde predominam
o azul, vermelho e o dourado. Nos
painéis octogonais no entorno do
arco do cruzeiro, estão as chamadas
“chinesices”, com figuras de pagodes
e de pássaros pintadas a ouro sobre
fundos de azul escuro, inspirados nos
tecidos e nas porcelanas vindos de
Macau. Nas Minas no final do século
XVIII, o ouro e o barroco andaram
juntos e misturados. Assim como
misturados ficaram seus santos,
mulatos de olhos orientais, como se o
barroco distinguisse e unisse diferentes
pontos desse Império português, que
começava em Macau e terminava
em Vila Rica – ou vice-versa.
A poucos quilômetros a noroeste
da cidade de Sabará, saindo do
Caminho de Sabarabuçu, o turista
tem a possibilidade de realizar o
Circuito das Grutas. A região é
rica em sítios arqueológicos, com
destaque para as grutas do Maquiné
em Cordisburgo, da Lapinha em
Lagoa Santa e do Rei do Mato em
Sete Lagoas. Foi nas proximidades da
Gruta da Lapinha que o arqueólogo
dinamarquês Peter Wilhelm Lund
(considerado o pai da paleontologia
brasileira) encontrou, na primeira
metade do século XIX, vestígios
de fósseis humanos e animais préhistóricos, que viveram há 25 mil anos,
juntamente com sítios, cavernas e
pinturas rupestres. Mais de um século
depois, no sítio arqueológico Lapa
Vermelha em Pedro Leopoldo, foi
encontrado o fóssil humano mais
antigo da América, que recebeu o
nome de Luzia. Dada a importância
arqueológica e natural de toda essa
região, foi criado o Parque Estadual
do Sumidouro, que possui uma área
total de 2.004 hectares e está situado
entre os municípios de Lagoa Santa e
Pedro Leopoldo – distando certa de
50 quilômetros da capital mineira. O
Parque recebeu este nome devido
a sua lagoa, uma abertura natural
para uma rede de galerias, por meio
da qual um curso d’água penetra no
subsolo denominado “sumidouro” –
que desemboca no Rio das Velhas.
3. Belo Horizonte
Nas palavras do escritor
João do Rio, Belo Horizonte foi a
“única e talvez derradeira poesia
da República”. Ao final do século
XIX, Minas Gerais dispunha de uma
condição singular dentro do país: um
imaginário urbano e uma economia
sustentada pela área rural. Com o
esgotamento do ouro nas cidades
mineiras e a consolidação da
economia do café, Minas não foi
capaz de competir com São Paulo e
fazer do produto o passaporte para a
indústria e modernização econômica.
Belo Horizonte foi resultado de uma
complexa e delicada costura política
engendrada por três personagens
fundamentais: Afonso Pena, Bias
Fortes e João Pinheiro. Os republicanos
mineiros construíram a nova capital
de Minas Gerais na tentativa de
119
unificar política e culturalmente o
estado de economia decadente
e marcado pela divisão de poder
entre as oligarquias regionais, que
disputavam o controle político na
antiga capital, Ouro Preto.
O projeto de Belo Horizonte foi
imposto de modo autoritário: exigiu
a destruição total do povoado
do Curral del Rey, a expulsão da
população pobre para a zona
suburbana e a distribuição ordenada
por bairros. Fincada ao pé da Serra
do Curral, a Comissão Construtora
desenhou Belo Horizonte com largas
avenidas que permitissem maior
fluência de tráfego, muitas praças
e uma noção rigorosa de hierarquia
de área urbana: de um lado ficavam
os serviços comuns, como a estação
ferroviária, o hospital e o comércio;
do outro, teatro e escolas. O centro
político da capital, com todas as
secretarias e o Palácio do Governo,
ficava na parte mais alta da cidade,
que ganhou o nome de Praça da
Liberdade.
Ao combinar ares de província e de
metrópole, Belo Horizonte sintetiza
a tradição e a modernidade. A
cidade, inaugurada em dezembro
de 1897, respira cultura, arte, boemia
e gastronomia e já revelou muitos dos
grupos de dança contemporânea,
teatro e música, de repercussão
internacional. é o caso do Grupo
Corpo, do Grupo Galpão, o Grupo
Giramundo, do Clube da Esquina,
120
do Skank e do Sepultura. é também
a cidade da moda, reveladora
de talentos como Ronaldo Fraga,
Graça Ottoni e Renato Loureiro, que
ajudaram a consolidar Belo Horizonte
no cenário fashion nacional. A vida
literária da cidade começou a se
intensificar por volta dos anos 1920,
quando circulavam por suas ruas
escritores como Carlos Drummond
de Andrade, Emílio Moura, Murilo
Mendes Pedro Nava, Afonso Arinos
e outros modernistas. Algumas
décadas depois, Belo Horizonte foi
o encontro marcado dos escritores
Otto Lara Resende, Fernando Sabino,
Paulo Mendes Campos e Hélio
Pellegrino, que ficaram conhecidos
nacionalmente como os “quatro
cavaleiros mineiros do apocalipse”.
E a cidade segue revelando nomes
para a literatura nacional, como é o
caso de Ricardo Aleixo, que estreou
na literatura em 1992 com o livro de
poesia Festim. Outra característica
marcante de Belo Horizonte é a
intensa vida noturna: atualmente
existem mais de 8 mil bares
espalhados por todos os cantos da
capital. E não para por aí. Pesquisas
recentes apontam que a cidade
vem ganhando uma nova vocação,
para o turismo empresarial e de
negócios. Uma pesquisa realizada
em 2013 aponta que mais de 30% dos
turistas que visitaram Belo Horizonte
vieram com esse objetivo. Isso se
dá, em grande medida, por sua
localização geográfica estratégica,
sendo eqüidistante de São Paulo, Rio
de Janeiro e Brasília e servida pelas
principais rodovias do Brasil.
3.1. Parque Municipal
naugurado dois meses antes da
nova capital de Minas Gerais, o
Parque Municipal Renê Giannetti está
localizado em plena área central.
O arquiteto e paisagista francês,
Paul Villon, sonhava em plantar na
cidade o maior parque urbano da
América Latina. Em estilo romântico
inglês, o parque previa um cassino,
um restaurante e um observatório
meteorológico. Suas ruas e alamedas,
lagoas e riachos, foram traçados
de forma livre pelo arquiteto. A
arborização foi introduzida por meio
de transplantação de árvores de
grande porte, trazidas de diversos
locais da cidade e do plantio de
mudas introduzidas em dois viveiros
criados por Paul Villon às margens do
Córrego da Serra. O parque possuía,
originalmente, uma área de 555
mil metros quadrados, tendo como
limites as avenidas Afonso Pena,
Mantiqueira, atual Alfredo Balena,
Araguaia, atual Francisco Sales, e
Tocantins, atual Assis Chateaubriand.
Na década de 20, são instalados o
gradil de ferro, o Coreto, a Estação
dos Bondes (atual Mercado das
Flores), a quadra de tênis e a pista
de patinação. Com o correr dos
anos, o parque foi constantemente
reformado com o plantio de novas
espécies arbóreas, implantação de
sistema de irrigação, repavimentação
das alamedas, instalação de novos
portões de entrada e aparelhos
de ginástica, além da construção
de uma pista de caminhada com
aproximadamente dois mil metros.
Até por volta dos anos 1940, Belo
121
Horizonte era conhecida como
“Cidade Jardim”, famosa em todo
país pelo clima ameno e pela
vegetação abundante. Com o passar
dos anos os limites do Parque foram
alterados. Dentro de seu espaço,
foi criado o Palácio das Artes, que
atualmente é o maior complexo
cultural e artístico da cidade, com
teatros, cinema, galerias de arte e
biblioteca. Foi projetado por Oscar
Niemeyer e oferece uma variada
programação, como óperas,
concertos, balés, exposições e
apresentações de teatro.
Além do Parque Municipal, vale
a pena destacar o Parque das
Mangabeiras, situado em local mais
elevado em relação ao centro da
cidade, com acesso pela Avenida
Afonso Pena. O Parque proporciona a
visão da serra do Curral e o contorno
que a Serra faz na capital mineira
pode ser contemplado a partir do
mirante, posicionado um pouco
acima da Praça do Papa – a vista é
122
impressionante, principalmente
porque se cont rapõem duas
paisagens: a preservada, das
montanhas, e a devastada pela
atividade mineradora.
3.2. Pampulha
Idealizado por Juscelino Kubitschek,
o conjunto arquitetônico da
Pampulha está situado ao norte
da capital mineira e foi construído
para ser o cartão postal da cidade.
Pampulha era um dos córregos
que cortavam o Arraial de Santo
Antônio, sendo desapropriado pela
prefeitura para a construção de
um grande reservatório de água.
Ao assumir o governo municipal em
1940, Juscelino alterou o projeto da
represa: a barragem se transformaria
num grande lago artificial, em torno
do qual se edificaria um complexo
urbano, destinado a ser um polo
de diversão e turismo. Formado por
edifícios públicos e particulares,
como o Cassino da Pampulha
(atual Museu de Arte da Pampulha),
a Igreja de São Francisco de Assis,
o Iate Golfe Clube (atual Iate Tênis
Clube), a Casa do Baile (atual
Centro de Referência em Urbanismo,
Arquitetura e Design), a Fundação
Zoobotânica e a residência de campo
do prefeito (atual Casa Kubitscheck),
a Pampulha seria um novo bairro,
dotado de amplas residências, que
ofereceriam alta qualidade de vida
aos seus moradores. Com afilada
percepção estética, o prefeito
convidou o arquiteto Oscar Niemeyer
e uma equipe de artistas, como o
paisagista Burle Marx, os escultores
Zamoyski e Alfredo Ceschiatti, e
Cândido Portinari, que desenhou as
histórias da Via Sacra e da vida de
São Francisco na Igreja que leva o
seu nome, na forma de quadros e
painéis de azulejo. O Complexo da
Pampulha, que nesse ano de 2017
recebeu o título de Patrimônio
Mundial da Unesco, marca o início
dos trabalhos de Oscar Niemeyer em
Belo Horizonte, que se notabiliza por
ser a cidade onde o arquiteto mais
assinou projetos.
3.3. Circuito Cultural Praça da
Liberdade
A Praça da Liberdade foi
originalmente projetada, em 1897,
pelo arquiteto José de Magalhães
para abrigar a nova sede do governo
estadual de Minas Gerais e suas
principais Secretarias. Situada no
ponto mais elevado da cidade, a
Praça foi desenhada pelo paisagista
Paul Villon, respeitando o estilo
neoclássico vigente da época.
Em 1920, sofreu uma completa
Praça da Liberdade
123
transformação: Belo Horizonte
recebeu os reis Belgas Elizabeth
e Alberto I e o presidente do
Estado, Arthur Bernardes, como
bom anfitrião, decidiu remodelar
o jardim, substituindo suas formas
arredondadas pelo formato
geométrico e retilíneo, inspirado nos
jardins de Versalhes. Quando Juscelino
Kubitscheck ocupou a cadeira do
Palácio da Liberdade, promoveu
novas transformações. Sustentado
pelo traço de seu arquiteto predileto,
Oscar Niemeyer, construiu em um
dos lados do Palácio, um edifício
curvo em forma de um pergaminho
desenrolado. Era a Biblioteca Pública
Estadual, construída em 1954 sobre o
serpentário do Instituto Ezequiel Dias.
Do outro lado, o antigo Palacete
Portela foi substituído por um grande
prédio de 12 andares, o Edifício
Niemeyer: um projeto arrojado,
pois suas curvas não só resolviam os
problemas técnicos que
o terreno triangular
e a topografia
impunham, mas
introduzira a Praça
da Liberdade na
era da arquitetura
moderna.
O
Circuito
turístico Praça da
Liberdade nasceu
em 2010, logo após
a in a u gu r a çã o
da
Cidade
Administrativa
124
Presidente Tancredo Neves – que
resultou na desocupação do Palácio
e das Secretarias. é composto
por 15 instituições, dentre museus,
centros de cultura e de formação,
que mapeiam diferentes aspectos
do universo cultural e artístico. Sob
a gestão do Instituto Estadual de
Patrimônio Histórico e Artístico de
Minas Gerais (IEPHA) desde abril de
2015, o projeto busca agora uma
maior articulação com o espaço
urbano e os diversos grupos artísticos
e populares, consolidando-se como
um braço forte da política pública
de cultura do governo estadual.
O Circuito passa por um processo
de ampliação do seu perímetro,
considerando os eixos da Avenida
João Pinheiro e da Rua da Bahia,
o que pode ser traduzido em seu
novo nome: Circuito Liberdade.
Dentro dessa perspectiva, o BDMG
Cultural e a Academia Mineira de
Letras passaram a integrar
o complexo. Os
principais atrativos
do Circuito são: a
Biblioteca Estadual
Luiz de Bessa, o
Centro de Arte
Popular da Cemig,
o Centro Cultural
do Banco do
Brasil, o Espaço de
Conhecimento da
UFMG, o Memorial
Minas Vale e o
Museu de Minas e
do Metal.
Edifício Niemayer
3.4. Os arredores de Belo Horizonte
Os arredores da capital mineira
compreendem cidades, distritos,
lugarejos que unem atrativos de valor
arquitetônico, histórico, religioso,
geográfico e natural. A 49 quilômetros
de Belo Horizonte, a cidade de
Brumadinho abriga o Centro de Arte
Contemporânea de Inhotim, um
enorme museu com 20,23 quilômetros
quadrados. Instalado em uma área
verde, além de mata nativa e lagos,
o Museu foi criado pelo empresário
e colecionador Bernardo Paz. São
exibidas cerca de oitenta obras de
seu acervo particular, a maioria de
artistas contemporâneos, produzidas
a partir da década de 1960: Tunga,
Cildo Meireles, Miguel Rio Branco,
Vik Muniz e José Damasceno,
dentre outros. Também há peças de
estrangeiros, como Olafur Eliasson,
Dan Graham, Albert Oehlen e Zhang
Huan. O museu é conhecido por
proporcionar o encontro entre a arte
e a natureza: pode ser percorrido
por trilhas que conduzem a obras
expostas em meio à vegetação,
organizadas em galerias e pavilhões
temáticos.
4. A tradição do carnaval em
Minas Gerais
O carnaval em Minas Gerais é
marcado pela pluralidade. Dentro
dos 45 Circuitos Turísticos disponíveis,
o turista encontra no carnaval
mineiro um estilo peculiar, que
vai desde os blocos caricatos aos
carnavais de rua, que mobilizam
milhares de foliões, como é o caso
de Diamantina, Ouro Preto (que tem
um dos blocos mais antigos do Brasil,
o Zé Pereira, com mais de 150 anos),
Mariana e, de uns anos para cá, Belo
Horizonte. Em Oliveira, por exemplo,
o carnaval da cidade remonta a
tradição das festividades religiosas
ocorridas em Braga e Sevilha, que
inspiraram o Dominó – personagem
encapuzado lúdico, romântico e
assustador que anuncia o carnaval
da cidade. Já na cidade de Bonfim,
localizada na região central do
Estado, consolidou-se uma tradição
de realizar cavalgadas pela cidade:
cada cavalheiro é responsável
por manter sua fantasia de veludo
bordado com pedras e seu cavalo
devidamente enfeitado.
Conforme as informações da
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo (CNC),
Minas Gerais também é um dos
estados brasileiros que movimenta
sua economia no carnaval. Nos
últimos anos, o carnaval de Belo
Horizonte vem ganhando força e já
é considerado um dos melhores do
país. Os números impressionam: a
presença de turistas na cidade, no
ano de 2017, aumentou em 240%
em relação ao ano de 2015. Em
média, as ruas da capital receberam
845.963 foliões por dia, sendo que
quase 150.000 eram visitantes –
principalmente vindos do interior
125
de Minas Gerais, de São Paulo e do
Rio de Janeiro. Ao longo dos quatro
dias de festa, cada folião gastou
em média 90 reais por dia. No total,
a receita gerada no feriado foi de
532 milhões de reais e a ocupação
hoteleira foi de 53,3%. A festa foi feita
pelos 368 blocos de rua cadastrados,
pelos 5 palcos montados que
receberam mais de 30 artistas, além
dos 215 eventos privados que foram
divulgados.
O sucesso do carnaval belohorizontino despertou interesses
políticos e econômicos, que
observam com atenção um produto
que tem alto potencial de lucro.
Entretanto, a inserção na cena
pública desses “novos sujeitos”,
forças e interesses, fazem com que
os blocos do carnaval de rua tecem
uma rede de significados específicos
do momento atual de Belo Horizonte.
Na formatação dos blocos, está em
discussão questões relacionadas
a ocupação democrática de
ruas, praças e demais espaços
públicos. Além disso, mostra-se em
consonância à cultura do país,
compartilhando valores de nossa
identidade através da inversão do
carnaval, na influência da cultura
afro-brasileira, através de ritmos
musicais das marchinhas de carnaval,
sambas, frevos e do axé, mas,
também, através da homenagem
dos blocos Então Brilha e do bloco
Pena de Pavão de Krishina, a artistas
de expressão nacional como os
126
cantores e compositores Caetano
Veloso, Belchior, Jorge Ben e Gilberto
Gil. Esses blocos de carnaval, tanto
os grandes e mais cheios quanto os
pequenos e mais familiares, estão
distribuídos por todos os cantos da
capital, possibilitando aos foliões um
verdadeiro tour pela capital, que
passa pelos Filhos de Tcha Tcha no
bairro Concórdia, o Tico-Tico Serra
Copo, que desfila principalmente na
região nordeste de Belo Horizonte e
o Bloco Praia da Estação, na região
central. Atualmente, o bloco das
Baianas Ozadas é o maior da cidade
e, em 2017 prestou uma homenagem
a Morais Moreira – o primeiro cantor
de trio elétrico do Brasil –, levando
mais de 500 mil pessoas para as ruas.
5. O Circuito das águas
Minas Gerais compensa a falta
de mar possuindo uma imensa
quantidade de cachoeiras, riachos,
represas, lagos, fontes e os rios,
como o São Francisco, o rio Doce,
o rio Jequitinhonha, que conectam
o estado a outras regiões do país
e são símbolos importantes da
paisagem mineira. Não por acaso,
foi pelas águas que o turismo em
Minas Gerais começou, ainda no
século XIX. Certificado em julho de
2005, o Circuito Turístico das águas
engloba uma série de cidades do
sul do estado, que atraem os turistas
pela propriedade medicinal de suas
águas, pelo clima, pelas muitas
opções de passeios. Elas constituem
destinos certos para os turistas em
busca de alternativas para melhorar
e manter a saúde e para aqueles
que desejam livrar-se do estresse.
As fontes de água provêm da Serra
da Mantiqueira, que preserva boa
parte da Mata Atlântica de Minas. O
Circuito das Águas é formado pelas
cidades de Baependi, Cambuquira,
Campanha, Carmo de Minas,
Caxambu, Conceição do Rio Verde,
Lambari, São Lourenço, Poços de
Caldas, Soledade de Minas e Três
Corações. Hoje, a atividade turística
permeia a região, que começou a ser
visitada ainda no século XIX, quando
a família real fez uma excursão por
várias das cidades que compõem o
Circuito.
A principal cidade é Caxambu, que
encanta o turista com suas belezas
naturais, jardins e pelo Parque das
águas. Outros passeios são: o city tour
de charrete e o passeio de teleférico
ao Morro de Caxambu. Fora da
cidade, o visitante pode caminhar
ao Horto Florestal, visitar os criatórios
e exposições de cavalos mangalarga machador ou cavalgar pelas
fazendas da região. O parque das
águas é carro-chefe de Caxambu:
com uma área total de 210.000
metros quadrados, possui 12 fontes
de águas minerais de alto poder
diurético e desintoxicante. é um
completo balneário hidroterápico,
que oferece banhos de imersão
em água mineral, piscina de
hidroterapia, saunas a vapor e secas,
duchas e tratamentos estéticos. Além
de festividades culturais e religiosas
como Semana Santa, Corpus Christi,
e Festa Junina, a cidade recebe os
encontros da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS).
Poços de Caldas, também,
sempre atraiu turistas por causa
das propriedades medicinais de
suas águas. Pelos salões do Palace
Casssino e do Palace Hotel já
passaram grandes nomes como Silvio
Caldas, Carmem Miranda, Orlando
Silva, Rui Barbosa, Santos Dumont,
Olavo Bilac e Juscelino Kubitschek.
Até hoje, uma das maiores atrações
do hotel é sua piscina térmica,
construída em um suntuoso salão
sustentado por colunas de mármore
carrara. A cidade ainda oferece
muitos outros atrativos, como o
turismo ecológico, cultural e de
aventura. Uma de suas atrações
naturais é a Serra de São Domingos,
com 1.686 metros de altitude. Além
do contato com a natureza, o local
oferece passeio de teleférico e, para
quem gosta de emoção, uma pista
para salto de asa-delta.
Já a cidade de São Lourenço é
considerada a maior e mais jovem
estância hidromineral do país. A maior
atração é o Parque das águas com
sua fonte de água mineral e de valor
medicinal propiciado pelos banhos
de relaxamento. Além disso, tem o
127
Trem das águas que é um passeio de
Maria Fumaça que vai da estação
6. O ecoturismo e o turismo de
de São Lourenço até a estação de
aventura
Soledade de Minas. São Lourenço
possui um comércio variado, com
6.1. Ecoturismo
centros de artesanato e galerias com
Em 1994, a EMBRATUR
bons lugares para fazer
definiu o ecoturismo
compras e degustar
como sendo um
queijos,
doces,
segmento
da
biscoitos, mel, balas,
atividade turística
cachaças e licores.
que utiliza, de
O Parque das águas
forma sustentável, o
da cidade conta
patrimônio natural
com nove fontes
e cultural, incentiva
de águas minerais e
sua conservação e
centro hidroterápico.
busca a formação
A 37 quilômetros
de uma consciência
da cidade, está
ambientalista,
localizado
o
promovendo o bem
município de Lambari
estar das populações
– que inicialmente
Parque da Caraça
envolvidas.
Esta
era chamado de águas
conceituação acompanha
Formosas. Outra cidade, que
a concepção que vem
está fora do Circuito,
predominando,
mas também é
em todo o mundo,
conhecida pelas
de considerar o
propriedades
ecoturismo como
medicinais de
uma prática que
suas águas, é
vise não somente
Araxá, que abriga
o
proveito
o Complexo do
dos
prazeres
Barreiro: uma área
oferecidos pela
com 33 mil metros
natureza, mas
quadrados que
também como
inclui o Parque das
uma
atitude
águas, as Termas
proativa
em
de Araxá e o Ouro
respeito ao meio
Minas Grande
ambiente e das
Hotel.
Caverna de Clarabóia, em Ibitipoca
populações que
128
habitam as áreas visitadas. Com isto,
nasceram e consolidaram-se novas
práticas de turismo conhecidas como
“Turismo Responsável” e o “Turismo
Solidário”, dentre outras.
Tal variedade paisagística faz de
Minas Gerais um lugar privilegiado
para as atividades ligadas ao
ecoturismo e ao turismo de
aventura. O estado abriga uma das
maiores concentrações de relevos
montanhosos do Brasil e, por conta
disso, o ecoturismo é o que atrai
mais de 30% de todos os turistas
que visitam Minas Gerais por ano.
Um desses pólos é a Cadeia do
Espinhaço, considerada uma Reserva
da Biosfera pela UNESCO, com suas
serras, escarpas, picos (como o Pico
do Abreu e o Pico do Itambé) e
planaltos (como o de Diamantina),
funcionando como reservatórios de
águas subterrâneas que alimentam
as cachoeiras durante a estação
seca. Na Serra da Mantiqueira, entre
Minas Gerais e o Rio de Janeiro, está
localizado o Parque Nacional do
Itatiaia, que tem o Pico das Agulhas
Negras (que está localizado entre
o município mineiro de Bocaina de
Minas e os municípios fluminenses de
Itatiaia e Resende) de 2791 metros,
o Maciço das Prateleiras, com 2254
e a Floresta Nacional de Passa
Quatro, que conta 248 hectares de
mata atlântica nativa. Foi o primeiro
parque nacional criado no Brasil, em
1937, por Getúlio Vargas.
Na região sul de Minas está
localizado o Parque Estadual do
Ibitipoca, que foi criado em 1973 e
ocupa uma área de 1488 hectares,
com relevo escarpado e altitudes
entre 1100 e 1784 metros, onde
predominam a vegetação de mata
atlântica e dos campos rupestres.
A fauna inclui mamíferos como a
onça-parda e o lobo guará, além
de duzentas espécies de aves. O
parque tem a maior concentração
de grutas de quartzito do Brasil: são
mais de quarenta, embora apenas
oito estejam abertas à visitação.
O Parque tem ótima estrutura e o
Serra do Cipó
129
número de visitantes é limitado à
trezentas pessoas em dias úteis e
oitocentas nos fins de semana.
Na região central de Minas, perto
de Belo Horizonte, o Parque Nacional
Serra do Cipó ocupa uma área de
34.000 hectares e foi criado para
preservar os ecossistemas da Serra
do Cipó e o patrimônio arqueológico
deixado por povos que habitaram a
região. A Serra do Cipó divide as águas
das bacias dos rios São Francisco e
Doce e faz parte da cordilheira do
Espinhaço, prolongamento da Serra
Geral, que se estende em direção à
Bahia até a divisa com o Piauí. Perto
de Conceição do Mato Dentro, a
Cachoeira do Tabuleiro com 273
metros é uma das mais altas do Brasil
e termina com uma grande piscina
natural. As formações rochosas
ocorrem em toda a área, dividindo
a paisagem com o cânion do rio
Mascate. O Parque apresenta três
diferentes conjuntos de vegetação:
matas de galeria e capões de mata,
presentes nos vales, regiões de
baixa altitude e ao longo dos cursos
dos rios; campos cerrados, onde
crescem árvores de pequeno porte;
e campos rupestres e de altitude, em
terrenos acima de 900 m, em que se
destacam as espécies com pequenas
flores, como a sempre-viva. A
fauna é integrada por espécies de
mamíferos ameaçadas de extinção,
como o lobo-guará e o tamanduábandeira. Em média, 25.000 pessoas
por ano visitam o Parque.
130
Na região metropolitana de Belo
Horizonte, o Parque Estadual da Serra
do Rola-Moça é o terceiro maior
parque em área urbana do país e
abriga alguns dos mananciais que
abastecem a capital. O nome do
Parque foi contado e imortalizado
pelo poema Noturno de Belo
Horizonte, de Mário de Andrade, que
relata a história de um casal que, logo
após a cerimônia de casamento,
cruzou a Serra para voltar para casa.
No caminho, o cavalo da moça
escorregou e, como diz o poema,
“a Serra do Rola-Moça, Rola-Moça
se chamou”. Os 3.941 hectares
do Parque são habitat natural de
espécies de fauna ameaçadas de
extinção, como a onça parda, a
jaguatirica, o lobo-guará, o gato-domato e o veado campeiro. O Parque
está situado numa zona de transição
de cerrado para mata atlântica.
Por fim, dentre as atrações
ecoturísticas mais visitadas está o
Quadrilátero Ferrífero, uma região
repleta de serras, entre as quais: a
Serra do Caraça, território do Lobo
Guará, e o Parque Estadual do
Itacolomy, que protege o Pico do
Itacolomy (1772 metros). O Parque
Natural e Santuário do Caraça é
uma reserva com 11.233 hectares
de uma paisagem de transição
entre mata atlântica e cerrado,
emolduradas por uma cadeia de
montanhas com picos superiores a
2 mil metros de altitude, que fazem
parte do complexo do Espinhaço. A
sede do Parque engloba o Santuário
Nossa Senhora Mãe dos Homens,
onde está e Igreja que leva o mesmo
nome, construída entre 1876 e 1883.
Primeira em estilo neogótico no Brasil,
ela abriga a tela Santa Ceia feita por
Ataíde, o corpo de são Pio Mártir e o
vitral central francês doado por Dom
Pedro II.
6.2. Turismo de Aventura
O Ministério do Turismo considera
que o turismo de aventura
compreende os movimentos turísticos
decorrentes da prática de atividades
de aventura de caráter recreativo
não competitivo. Deste modo, são
consideradas atividades de aventura
as experiências físicas e recreativas
que envolvem desafios, riscos
avaliados, controláveis e assumidos.
Essas atividades de aventura,
que identificam o segmento de
Turismo de Aventura, podem
ocorrer em quaisquer espaços:
natural, construído, rural, urbano,
estabelecido como área protegida
ou não, desde que atendam a
critérios de segurança e respeito
ao meio ambiente. Caso contrário,
elas podem tornar-se atividades
antagônicas aos objetivos da
sustentabilidade, ou seja, atividades
nocivas ao desenvolvimento local.
O segmento do Turismo de Aventura
tem absorvido os aportes de novas
tecnologias que vieram viabilizando
a prática de novas modalidades no
decorrer dos últimos anos. Algumas
destas modalidades demonstraram
claras incompatibilidades com os
preceitos básicos da conservação
ambiental, funcionando muito mais
como atividades predadoras dos
componentes ambientais do que
como aliadas da sustentabilidade.
Refere-se aqui, principalmente, às
práticas de esportes motorizados
realizadas “fora-de-estrada” (ou
offroad), bem como as que envolvem
o trail com motos e os percursos com
veículos com 4 rodas “traçadas”
(4x4).
7. Viajantes e turistas: algumas
reflexões a título de conclusão
Ao contrário dos viajantes antigos,
que pareciam sempre conhecer
primeiro para ver depois, o turista
foi considerado por muitos anos um
tipo de viajante diferente, que viaja
sem conhecer aquilo que vê. Essa
afirmação preconceituosa remete a
um tempo em que o turista era visto
como uma ameaça a um privilégio
de poucos. Mas a questão não é
apenas econômica: diz respeito,
principalmente, a atitude do turista
em relação aquilo que vê. Existe uma
diferença substantiva entre ver e
olhar. Ver conota certa passividade,
discrição, reserva. Uma postura dócil,
quase desatenta, que desliza os
olhos sobre as coisas, as espelha e
registra, reflete e grava. Já o olhar, é
131
outra coisa: remete a uma ação que
perscruta e investiga, indaga a partir
e para além do que é visto. Entre ver
e olhar é a própria configuração do
mundo que se transforma. Hoje é certo
que a indústria do turismo avançou,
sofisticou-se e banalizou a imagem
do turista, tornando-o por vezes um
estereótipo risível. Essa impressão de
que o turista viaja sem conhecer o
que vê, acusa certa displicência
desses “novos viajantes” que visitam
igrejas, catedrais, museus e locais
sagrados por mera fruição, de forma
displicente e descompromissada.
é preciso escapar dessa armadilha
para perceber que, assim como os
novos caminhos construídos sobre
velhas picadas, o turismo é uma
construção cultural, que dá sentido
e significado a coisas e costumes
de tempos diversos e de pessoas
diferentes do turista. Em condições
ideais, o turismo gera uma série de
impactos positivos na economia
(aumento de renda, criação de
empregos, distribuição de renda), no
meio ambiente (estímulo às medidas
de preservação) e na sociedade,
de modo geral, como melhoria
na qualidade de vida, incentivo
a preservação do patrimônio e
o intercâmbio cultural. Nenhum
roteiro, mapa ou guia podem
ter a pretensão de esgotar as
informações e potencialidades que
se abrem ao turista: a experiência
turística, mesmo que permeada
de informações prévias, é única e
132
é surpreendentemente construída
na viagem. O turista não deve abrir
mão dessa surpresa, embora o
planejador do turismo deva projetar
as potencialidades de determinado
lugar.
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134
135
O Porta l Bra sil
Culiná ria
por Bruno Viveiros Martins e
Virginia Siqueira Starling
cheiro de café fresco se
mistura ao aroma fresco de
pães de queijo, bolos e broas
recém-saídas do forno. O crepitar do
fogo no fogão a lenha se junta às
vozes de quem aproveita o espaço
para contar casos e cumprimentar
a cozinheira. Mesa posta, pessoas
reunidas em um ambiente acolhedor,
onde tachos de cobre e panelas de
pedra-sabão estão lado a lado com
carnes defumadas, ervas usadas
como temperos e também remédios
caseiros, compotas e conservas das
mais diversas cores. Ao fundo, os sons
do gado no pasto, das galinhas soltas
no terreiro ou presas no galinheiro
próximo, e o burburinho de alguma
bica, nascente ou roda-d’água.
O
E, como paisagem admirada das
janelas, as montanhas de Minas que
ondulam ao longe, até o horizonte.
Essa é a imagem mais vívida no
imaginário popular quando se
pensa na fazenda mineira – e, mais
ainda, na cozinha que, ao longo
dos séculos, tornou-se o centro da
vida social e produtiva da casa
rural em Minas Gerais. é lá que se
unem a família e as visitas, patrões
e trabalhadores, em um espaço de
sociabilidade e interação que evoca
a fartura da culinária do estado, a
receptividade e a hospitalidade do
mineiro, e os costumes e atitudes que
identificam o habitante das Minas em
qualquer ponto do Brasil. A cozinha,
137
mas também o que nela se produz,
são centrais à fazenda, à casa e aos
apartamentos nas grandes cidades,
e constroem seus legados históricos e
culturais que perduram até o século
XXI.
O alimento conta suas próprias
histórias, justamente porque não se
mantém estático com o passar do
tempo. Por serem preparados por
pessoas cujas origens são tão variadas
quanto os ingredientes empregados
em sua composição, os pratos típicos
e as receitas passadas de geração
em geração sofrem modificações,
são adaptados e reformulados, têm
medidas recalculadas e passam a
ser servidos em contextos nos quais
nunca sequer se cogitaria mencionálos quando de seu surgimento: quem
diria que o feijão tropeiro, comida dos
integrantes de tropas de comércio e
transporte de produtos que cruzaram
138
as Minas de cima a baixo, entraria
no cardápio de festas e grandes
almoços? Ou, ainda, que a cachaça,
bebida usada como moeda de troca
no comércio de escravos e consumida
primordialmente pelas classes mais
populares nos tempos de colônia,
seria exportada mundo afora como
bebida de alta qualidade? A culinária,
não importa de onde for, atravessa
gerações e séculos com suas histórias
– e a mineira, especialmente, tem
muitos casos para contar. Afinal, há
de surgir tarefa mais árdua do que
separar o povo das Minas Gerais de
suas receitas: elas compõem, com os
sabores pelos quais ficou conhecida,
as cores que alegram a mesa e os
ingredientes que tornam qualquer
despensa mais farta, a ideia de
uma identidade mineira construída
através dos anos, por cada canto do
estado, e pelas muitas gentes que
cozinham, experimentam e registram
a riqueza dessa culinária.
1. O amarelo do ouro no branco
do queijo: fome e fartura na
culinária das Minas
Viajantes que cruzassem os Registros
de Passagem da comarca de Serro do
Frio, na década de 1770, teriam seus
pertences revistados em busca de
ouro e diamantes contrabandeados,
mas a revista não pararia nos
objetos pessoais: quem porventura
carregasse consigo rodelas de queijo
as teriam perfuradas. Se é conhecida
a manobra dos contrabandistas de
esconderem o ouro e as pedras
desencaminhadas dentro de
imagens de santos em madeira – os
“santos do pau oco” –, talvez seja
mais surpreendente a técnica de
traficar as riquezas e burlar o fisco
usando alimentos. Mas no Serro, cujas
jazidas de ouro foram encontradas
em 1702 e as de diamante em 1729,
a prática foi tema de ordem do sexto
Conde de Valadares, que exigia que
os agentes da Coroa portuguesa
furassem os queijos que passassem
por esses postos de fiscalização,
a fim de evitar a perda de ouro e
diamantes para o contrabando.
Nesses tempos, no entanto, usar o
queijo como meio de transporte de
pedras preciosas contrabandeadas
não era sinal de fartura de alimento,
mas de riquezas certamente não
comestíveis. Aliás, as Minas só foram
conhecer a fartura depois da época
colonial, quando o período de auge
da mineração aurífera deu lugar
a uma economia cada vez mais
diversificada e a tradições de cultivo
que se enraizaram nos costumes
mineiros, após passarem por graves
crises de fome mesmo com tanto
dinheiro nas mãos.
O território de Minas Gerais foi
ocupado durante um processo
peculiar e diferente do que
aconteceu em outras capitanias
coloniais no Brasil. Devido à
descoberta de ouro nos córregos e
leitos de rios no interior do estado,
cujos primeiros registros datam da
década de 1690, gente de todo canto
da colônia se dirigiu para a região
entre os rios Doce e São Francisco,
onde uma linha de jazidas ia da atual
cidade de Ouro Preto a Diamantina.
Rapidamente, a capitania começou
a ser povoada em um misto de
urbanização acelerada – três vilas
foram fundadas só em 1711: Nossa
Senhora do Carmo, Vila Rica e Nossa
Senhora da Conceição do Sabará,
hoje Mariana, Ouro Preto e Sabará,
respectivamente – e ocupação de
base rural, mas quase ninguém que
se dirigia à região pensava em outra
coisa que não o ouro. No período
inicial da formação de Minas Gerais,
juntava-se à falta de caminhos em
direção a outras capitanias e regiões
mais estabelecidas o fato de que
poucos dos recém-chegados se
139
preocupavam em cultivar o que
os alimentaria, o que levou a três
ondas de fome generalizadas pelo
território. Em 1698, entre 1700 e 1701
e, por último, em 1713, os mineiros
não tinham mandioca, milho, feijão
e carne suficientes para alimentar
o contingente populacional que
só crescia. Nesse meio tempo,
aprenderam a comer o que estava
à sua frente, de cães e gatos a raízes,
insetos e lagartos, independente da
origem.
Com a abertura de novos caminhos
vindos da Bahia, de São Paulo e do
Rio de Janeiro, incrementou-se a
alimentação da população, que
passou a consumir mais carne bovina
importada de outras capitanias e teve
acesso a outros artigos indispensáveis
à sua sobrevivência. A escassez,
no entanto, não cessaria tão
facilmente, e os preços de açúcar,
carne de boi ou galinha e farinha,
por exemplo, eram exorbitantes e
consideravelmente mais altos do
que os dos mesmos produtos em
São Paulo. Como afirmou Francisco
Tavares de Brito, em seu Itinerário
geográfico, publicado em Sevilha
em 1732, “He esta villa falta de tudo
o que depende da Agricultura, assim
que todo o mantimento lhe vem dos
referidos campos por distância de
três, quatro e cinco legoas”. O ouro
parecia ser o único a brotar com
opulência da terra mineira.
140
Foram os caminhos, contudo, como
o Caminho Novo – que ligava o Rio
de Janeiro a Vila Rica – e o Caminho
Geral do Sertão, pelo qual passava o
gado vindo da Bahia, que trouxeram
não só os grãos e a carne de que
tanto precisavam os mineiros, mas
também introduziram novos costumes
e receitas usadas até os dias de hoje.
Com as tropas, que comercializavam
alimentos e artigos de consumo
pessoal e eram formadas por burros
de carga e tropeiros determinados
a enfrentar os perigos que
marcavam os caminhos das Minas,
vinham cachaças, rapadura, sal,
sementes, toucinho, grãos, tecidos,
louças, biscoitos.... Os tropeiros
transportavam as mercadorias em
embornais, balaios de taquara, barris
e sacolas de couro, no lombo de
mulas. Em seu trajeto, pernoitavam
em ranchos armados por eles próprios,
invariavelmente perto de cursos
d’água, e se punham a preparar o
cardápio que os sustentaria por mais
um dia de dura viagem. Eles usavam
brotos nativos que encontrassem ao
redor para complementar os pratos
de mandioca, arroz e feijão – que,
passados séculos, transformou-se
no conhecido feijão tropeiro, uma
das receitas consideradas típicas
de Minas Gerais, conhecida e
apreciada em todo o estado, e feita
com toucinho defumado, linguiça,
ovos, cebola, alho, couve, farinha e,
claro, feijão.
Essa homenagem aos homens que
desbravavam o sertão e as terras
desconhecidas do território mineiro
(e, nesse processo, inauguraram as
raízes da culinária de Minas) não
deixa de ser um reconhecimento
ao grão que, desde o princípio, foi
fundamental à dieta da população
regional e mantém sua posição
de destaque nas refeições diárias.
Outro prato extremamente popular
preparado com o feijão é o tutu, feito
com feijão cozido e engrossado com
farinha de mandioca ou de milho.
Servido com torresmos, ovos cozidos
ou linguiça, o tutu de feijão também
está tradicionalmente presente
na mesa mineira. Uma segunda
herança culinária desses tempos é a
vaca-atolada, um caldo quente de
costelas de boi picadas, mandioca,
cachaça, salsa, cebola, urucum,
pimenta e cebolinha que apareceu
pela primeira vez nos fogões rústicos
dos garimpeiros de diamante nos
ribeirões do Tejuco.
A grave carência alimentar que
marcou o século XVIII em Minas
Gerais era igualmente provocada
pela escassa oferta de carne, como
mencionado anteriormente. Quando
havia, era cara, e só podia ser paga
por quem possuía lavras e minerava
ouro em grandes quantidades. O
alto valor da carne bovina advinha
do fato de que esta era trazida de
Curitiba, da Bahia, de São Paulo e
de Pernambuco, e, para facilitar
sua conservação, os moradores de
Minas passaram a salgá-la e secá-la
em mantas – origem da carne seca,
também conhecida como carne
de sol, jabá, charque e carne-devento. Historicamente consumida
pelas parcelas mais desfavorecidas
da população e só recentemente
perdendo o estigma de ter baixa
qualidade, a carne seca ganhou
popularidade no norte do estado,
servida com farinha e um molho feito
com dendê e as pimentas malagueta
e cumari. Por carne de sol, identificase um corte mais nobre do boi, menos
seco e salgado, separado em fatias
que secam ao sol por ao menos quatro
horas. Tais tradições de produção e
consumo são mantidas no município
de Mirabela, no norte de Minas,
nacionalmente reconhecida como
a capital da carne de sol e endereço
da Festa Nacional da Carne de Sol,
realizada anualmente em agosto.
A necessidade de abastecimento
da população mineira, tanto nas
cidades que despontavam no
cenário montanhoso quanto nos
rincões mais distantes do sertão,
estimulava a vinda de tropas de outros
estados, mas também fomentou
o surgimento de grandes fazendas
às margens do rio das Velhas e na
fronteira entre a região das minas
de ouro e o cerrado, bem como
de arraiais cuja produção agrícola
era destinada às aglomerações
dos entornos. Nessas fazendas,
iniciou-se a tradição do consumo
do frango e da galinha caipira na
141
culinária mineira: as aves, criadas
soltas e em grandes quantidades
no terreiro da casa, costumavam
ser abatidas apenas em ocasiões
especiais, como em dias santos,
festividades e aos domingos. Suas
receitas incluem servi-lo ensopado
ao seu próprio caldo, como o frango
ao molho pardo (feito com o sangue
recolhido no momento do abate), ou
acompanhado de quiabo, couve e
angu – prato apreciado em todo o
estado e frequente na mesa mineira.
Longe de se resumir à mineração,
a economia mineira começou a se
diversificar desde o início do processo
de ocupação do território, o que
incluía a produção agropecuária.
Por outro lado, além de estimular o
cultivo e a criação de animais em
âmbito local para o consumo interno
da região, o povoamento de Minas
Gerais, por ter sido realizado por
indivíduos de origens diversas, fez com
que os costumes, a cultura e, claro,
a culinária do estado recebessem
influências variadas não só de outras
partes do Brasil, como também de
outros povos e países.
Historicamente, a cozinha
mineira possui raízes indígenas,
portuguesas e africanas, desde o
uso de determinados alimentos e
utensílios no preparo dos pratos –
sendo a mandioca, o milho e as
batatas ingredientes básicos, e os
balaios e panelas de barro como
instrumentos primordiais das cozinhas
142
mais tradicionais – às influências
relacionadas aos rituais de preparo
e organização. Em Minas, a culinária
é harmonizada sem temperos
excessivamente fortes, embora conte
com o emprego de ervas, frutas e
brotos locais para garantir um sabor
especial às receitas – sal com alho,
ora-pró-nobis, urucum, limão; muitos
caldos e carnes refogadas; geleias,
broas e pães caseiros no começo
do dia; doces, como goiabada,
doce de leite, ou manga em calda,
servidos com uma fatia de queijo
para adoçar o paladar após as
refeições; e tudo oriundo da própria
região, ainda que receba pequenos
ajustes e inspirações de outras
cozinhas, vindas de longe. As receitas
não se perdem, mas se refazem e
mantêm sua relevância no cenário
cultural mineiro, próprias das áreas
nas quais foram concebidas, sendo
reconhecidas nacionalmente e se
tornando alvos de reinterpretações
e atualizações.
2. A Canastra, o Serro e o pão
de queijo: a fabricação de
laticínios em Minas Gerais
Minas é conhecida no Brasil como,
dentre outros apelidos, a terra do pão
de queijo. E tem mineiro que pode
até dizer que não suporta mais a
iguaria, mas, quando deixa sua terra,
admite sentir falta do inigualável pão
de queijo que só Minas Gerais sabe
mesmo fazer. Porém, não é só nesse
salgado, presença obrigatória em
qualquer padaria, lanchonete e café
da tarde caseiro, que o queijo deixa
sua marca na culinária e no dia-a-dia
mineiros.
Se o queijo já era
usado como “meio
de transporte”
de metais e
pedras preciosos
contrabandeados
no século XVIII,
seu
consumo
na região data,
sem dúvida, da
fundação do próprio
território de Minas Gerais. O estado,
de forte tradição pecuarista e
que hoje abriga o segundo maior
rebanho de gado do país, deu
início à sua indústria de laticínios já
no final daquele século,
em fazendas que
aproveitavam o
leite das vacas para
produzir um queijo
branco, fresco e
em formato de
disco que ganhou
o nome de queijo
Minas. As bases
do preparo do queijo
artesanal brasileiro são oriundas das
tradições portuguesas da Serra da
Estrela, mas foram reformuladas e
adaptadas à realidade geográfica
e social do país. Na metade do
século XIX, na região da Mantiqueira,
deu-se início à produção em escala
industrial, a qual deu origem ao
queijo do Reino, fabricado segundo
técnicas holandesas. Mais tarde,
vieram os imigrantes europeus e
seus queijos, com novas práticas e
receitas incorporadas às cadeias
de produção fabris
e que, também
na serra da
Mantiqueira,
suscitaram o
nascimento de
tradições de
produção de
queijos finos.
Os municípios de
Minduri, Cruzília, São
Vicente de Minas e Andrelândia
formam a primeira região produtora
de queijos finos do Brasil, como o brie,
camembert, gouda e gorgonzola,
graças aos imigrantes
dinamarqueses que
aportaram nas
montanhas do
sul de Minas.
Tais técnicas
e
receitas
importadas, no
entanto, não
roubam o brilho
dos
tradicionais
queijos mineiros, reconhecidos como
patrimônios culturais imateriais do
estado e fabricados artesanalmente.
Dois deles possuem, inclusive, um selo
concedido pelo Instituto Nacional
de Propriedade Industrial (INPI)
143
que reconhece sua procedência
geográfica: o queijo do Serro e
o da Serra da Canastra. Cada
microrregião produtora de laticínios
apresenta especificidades de clima,
relevo e solo que interferem no tipo de
bactérias lácticas produtoras do soro
e responsáveis por conferirem sabores
distintos a cada queijo. Porém, as
práticas de fabrico são similares
e fazem parte das comunidades
rurais como mais do que uma fonte
de renda: o próprio fazer do queijo
movimenta culturalmente municípios
e confere uma marca a cada
território.
A produção de queijo ganha
destaque em diversas áreas de
Minas. Na Serra do Salitre, no
Triângulo Mineiro, no Campo das
Vertentes e em Araxá, o produto
diversifica a economia e contribui
para a sustentação de famílias
proprietárias de pequenos terrenos
rurais. Na microrregião do Serro,
por sua vez, localizada na vertente
oriental da Serra do Espinhaço, o
queijo é um dos pilares econômicos e
culturais, fabricado em propriedades
menores, de mão de obra familiar
e em criações de rebanhos mistos.
Essas características são semelhantes
às existentes na Serra da Canastra,
cuja cultura historicamente agrária
se dinamizou devido à demanda
crescente pelo produto em todo o
Brasil. O clima tropical de altitude, o
relevo acidentado e a abundância
de recursos hídricos favorecem a
144
indústria de laticínios e tornam o
sabor desses queijos algo singular
no mercado alimentício. Em junho
de 2008, a fabricação artesanal dos
queijos da Serra do Salitre, do Serro
e da Serra da Canastra foi registrada
pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan) como
conhecimento tradicional e bem
imaterial da cultura brasileira, uma
vez que cada microrregião possui
modos de fazer e técnicas específicas
que vão da manipulação do leite
cru ao tempo de cura, além do
uso de fermentos lácticos naturais
(chamados de pingo) condicionados
a elementos geomorfológicos
característicos.
Na cozinha mineira, o queijo é
protagonista não apenas para
ser consumido puro ou como
acompanhamento de doces típicos.
A sofisticação de receitas básicas e o
crescimento da produção de queijos
no estado levaram à evolução do
modo de preparo de diversos pratos
e quitutes, como um reflexo das
condições alimentares próprias de
cada época. O queijo passou a ser
incorporado em broas, biscoitos e,
dessas receitas, originou-se o pão
de queijo, um parente distante do
biscoito de goma e queijo, enrolado
em pequenas bolas e cuja massa
é feita a partir de polvilho, um dos
subprodutos da mandioca.
3. As outras riquezas da terra:
grãos,
frutos,
plantas e seus
sabores
A
natureza
c o s t u m a
r e se r v a r belas
descobertas
a quem busca
conhecê-la, e em
Minas Gerais não falta
o que se descobrir.
O estado, cujos
biomas abrigam
ricas formações
vegetais e são
c a ra c te riza dos
por
ampla
biodiversidade de
espécies, oferece aos
seus habitantes um
extenso catálogo
de plantas, ervas e
frutos que podem
ser aproveitados
na culinária e
ganham o país em
receitas criativas
e pratos saborosos,
além de serem
homenageados em
festivais regionais.
Ora-pro-nóbis,
goiaba, pequi e
jabuticaba são
alguns dos nomes
que correm o
território e as mesas de Minas. A
essas plantas e frutas
consumidas pelas
populações
indígenas nativas
e incorporadas
pelos colonos
à sua dieta,
combinamse
cereais
e
tubérculos, como o
milho e a mandioca,
no papel de
a l i m e n t o s
igualmente
e s s e n c i a i s
ao cardápio
brasileiro e que
ocupam posições
centrais no panteão
culinário de Minas Gerais,
ao lado do feijão, do
queijo e da carne
bovina e suína,
por exemplo.
Cultivados
ou não, esses
ingredientes
entram
nas
cozinhas
de
Minas como atores
principais para iniciar
uma refeição,
incrementar
pratos principais
ou
finalizar
com um toque
açucarado.
145
A “tradicional mesa mineira”,
conhecida de norte a sul do estado
e elemento-chave da construção
da imagem nacional do mineiro, é
formada basicamente por feijão,
arroz e angu, sem faltar a farofa de
farinha de milho ou de mandioca. Por
garantir saciedade e sustância, esses
alimentos compõem em grande
parte a dieta de trabalhadores rurais
e urbanos até os dias de hoje, mas
também formam a base de diversas
receitas popularizadas nas várias
regiões de Minas. A generalização
do uso do milho e da mandioca,
principalmente, pode ser rastreada
de volta aos primeiros movimentos
de ocupação do território mineiro,
quando as bandeiras de exploração
e apresamento de indígenas
capitaneadas pelos paulistas
plantavam pequenas roças a fim
de assegurarem a sua sobrevivência
em seu trajeto de volta dos difíceis
e desconhecidos sertões. O
abastecimento com os alimentos
cultivados nessas plantações fez
com que os bandeirantes fizessem
o reconhecimento do território
e estabelecessem núcleos de
ocupação, como aconteceu
durante a expedição chefiada por
Fernão Dias Pais Leme entre 1675 e
1781 – a estratégia de plantio dessas
roças foi bem-sucedida e possibilitou
a colonização da região. Mas
tanto o milho quanto a mandioca
são frutos da influência indígena,
e não só no Brasil. Populações da
América pré-colombiana já usavam
146
extensamente ambos os alimentos
em sua dieta e, assim como o cacau,
a batata, a pimenta e o tomate,
foram levados para a Europa pelos
colonizadores como uma das muitas
práticas dos nativos americanos
a serem adotadas, apropriadas e
disseminadas.
Mandioca e milho são alimentos
versáteis, passíveis de serem
aproveitados em diversas formas e
meios, e se consolidaram como a
base do sustento alimentar de Minas
Gerais. Em primeiro lugar, o angu:
preparado a partir do fubá (o grão
de milho moído e transformado em
uma farinha fina) misturado a água. O
angu mineiro é normalmente feito sem
sal, o que o diferencia de sua versão
paulista, devido a graves condições
de escassez de sal durante o século
XVIII, e mantém-se como alimento
básico e parte indispensável do prato
de cada dia. Não eram, contudo, só
os roceiros que consumiam o angu
com feijão para se sustentarem na
lida. Os escravos também baseavam
sua dieta na combinação de angu e
feijão, ainda que malcozidos, e por
vezes acompanhados por toucinho,
ervas e frutas, como a laranja.
Por outro lado, a histórica escassez
de alimentos em Minas estimulou as
gentes a aproveitarem o máximo
que pudessem dos ingredientes que
tinham em mãos. Da necessidade
surgiram receitas que refletem a
importância da utilização de todas
as partes e restos, sobretudo no
caso do milho e da mandioca.
Daí, talvez, venha a explicação
para sua inevitável e inescapável
presença. Além do angu, o milho
ainda entra, como fubá ou como
grão, na composição do mingau; de
cuscuz, curau, pipocas e pamonhas;
de cerveja de milho verde e
aguardente; de bolos, broas e pães;
da canjiquinha, uma sopa feita do
grão cozido e refogado; e de rações
usadas para alimentar gado, porcos
e galinhas. Aliás, o emprego do milho
na criação de animais movimenta
a indústria agropecuária mineira
enquanto cereal de elevado valor
nutritivo e que, além disso, pode ser
usado industrialmente na produção
de álcool e gorduras.
Como evidência do papel crucial
desempenhado pelo milho na
economia e na cultura mineiras, a
cidade de Patos de Minas, no Alto
Paranaíba, organiza anualmente
desde 1959 a Fenamilho, a maior
festa agropecuária do estado. O
evento movimenta a cidade e sua
região, incitando os moradores a
prepararem novas receitas tendo
o milho como ingrediente principal
e atraindo pessoas de todo o país
com suas atrações musicais e, claro,
culinárias.
Já a mandioca, raiz cuja farinha
é tão popularmente usada quanto
a de milho, deve a maioria de suas
receitas às tradições indígenas,
transmitidas ao longo dos séculos
graças à importância de sua
participação na formação do
povo brasileiro. O “pão da terra”,
conhecido como um símbolo da
cultura nacional, possui significativo
valor nutricional e apresenta uma
miríade de usos e formas de preparo.
Assada, cozida ou frita, a mandioca
pode ser transformada em farinha –
largamente empregada na cozinha
mineira – e em goma doce ou azeda,
da qual são feitos polvilho, bolos e
biscoitos. Esses biscoitos tiveram suas
receitas modificadas e enriquecidas
com a diversificação dos recursos
alimentares do estado, através do
crescimento da criação de suínos,
aves e bovinos. Tendo a goma como
ingrediente de base, os biscoitos
passaram a ser feitos com ovos,
gordura de porco, queijo, leite, nata e
manteiga, conferindo novos sabores,
consistências e formatos a um quitute
comum nas primeiras horas do dia
e como acompanhamento para o
café. Se antes eles eram consumidos
pelos tropeiros como maneira de
enganar a fome – os grossos biscoitos
bagageiros, feitos só com goma –,
biscoitos em forma de meia-lua,
de argolas trançadas, de palito ou
de bolachas passaram a encher a
mesa e agradar o paladar de visitas,
familiares e amigos.
Uma frutinha pequena e preta,
própria de árvores de tamanho
mediano espalhadas pelas matas
de Minas. Um fruto de casca
147
esverdeada e polpa amarelada,
típico do cerrado e cujos usos vão
da produção de licores a óleos
nas indústrias farmacêutica e de
cosméticos. Uma planta de nome
em latim, mas já enraizada nas terras
e na mesa mineiras. E, por fim, uma
fruta de casca verde e interior de
um vermelho intenso, ingrediente
de doces em calda e barra famosos
em todo o país: a culinária de Minas
Gerais também é feita com frutos
e plantas ecléticos, os quais há
muito se consolidaram nas tradições
gastronômicas e culturais do estado.
Bastante comum nas regiões central
e sul do estado, a jabuticaba é uma
fruta endêmica da Mata Atlântica.
Seu sabor adocicado é apreciado
tanto em seu estado natural, como
fruto colhido do pé, quanto em
licores, geleias, compotas e molhos, e
se tornou atrativo em diversas cidades
mineiras. Em Sabará, por exemplo,
uma das cidades históricas da Estrada
Real e parte da Região Metropolitana
de Belo Horizonte, a arquitetura
colonial se transformou em cenário
para o Festival da Jabuticaba, o
maior evento gastronômico do
município, realizado desde 1987 e
registrado como Patrimônio Cultural.
Elemento da culinária regional já
no auge da mineração aurífera, a
jabuticaba passou de complemento
da dieta das populações locais a
fonte de tradições no preparo de
doces, caldas e compotas. Chega
o mês de agosto e a safra das frutas
148
tem início – até setembro e, em
algumas ocasiões, estendendo-se
até novembro, as jabuticabeiras se
enchem dos pequenos frutos negros.
De novembro a fevereiro, é a vez
dos pequizeiros darem suas frutas
no sertão do cerrado mineiro.
Quando a casca de cor verdeamarelada amolece, o pequi, cujo
nome significa “casca espinhosa”
em tupi, está maduro e pronto para
o consumo, especialmente como
condimento para pratos salgados.
Cozinhado com arroz, peixes, carnes,
frango e até macarrão, a fruta lhes
confere a mesma coloração amarela
de sua polpa e garante o consumo
de altos índices de proteínas e de
vitaminas A e C. Há uma técnica
para aqueles que se aventuram a
experimentar a fruta: sua polpa,
rodeada por espinhos, nunca deve
ser mordida, mas roída para evitar
que estes furem as gengivas. Como
ocorre com tantos outros alimentos,
porém, não é apenas a polpa do
pequi que entra na culinária mineira,
principalmente da região norte do
estado: a castanha é comestível e
especialmente saborosa quando
torrada, além de ser usada na indústria
de cosméticos; o óleo da fruta é
tonificante e bastante empregado
no combate a doenças respiratórias,
como bronquite e resfriados; e das
folhas do pequizeiro pode ser feito
um chá eficaz no controle dos rins, do
ciclo menstrual e da bexiga. Não é à
toa que essa é uma árvore protegida
por lei. Fundamental para as
comunidades do cerrado mineiro, o
pequizeiro atua não só como sustento
alimentar, mas também como fonte
de renda devido às possibilidades
econômicas proporcionadas por seus
frutos e folhas, uma vez que o corte
e comercialização de sua madeira
são proibidos.
Outra planta que proporciona
diversas utilizações e tem uma história
rica é a ora-pro-nóbis, hortaliça
capaz de brotar em qualquer tipo de
solo e própria dos climas tropical e
subtropical, dominantes no Brasil. Em
Minas Gerais, a ora-pro-nóbis – nome
latino que, em português, pode ser
traduzido para “rogai por nós” e
está intimamente ligado ao seu uso
como cerca-viva nos quintais de
igrejas, prontamente colhidas pelos
habitantes das cidades enquanto os
padres finalizavam as missas matinais
– é presença indiscutível nas cozinhas
de Sabará, Tiradentes, Diamantina,
Ouro Preto e São João del-Rei, todas
cidades setecentistas marcadas por
fortes tradições culinárias e religiosas.
Na primeira metade do ano, brotam
as flores brancas de miolo laranja,
que contrastam com as folhas e os
espinhos pontiagudos nos ramos.
Alguns meses depois, entre junho e
julho, vêm os frutos, pequenas bagas
redondas e amareladas. No entanto,
as cores que nascem na ora-pro-nóbis
são apenas ornamentação, pois seu
uso culinário está nas próprias folhas,
de alto teor proteico, incluída como
condimentos em receitas típicas
do estado. Em sopas, refogados e
tortas, a hortaliça entra com as folhas
secas e moídas; e estas vão cruas em
saladas que acompanham outros
pratos ou para enriquecer farinhas,
pães e massas. No angu, com carne
de porco e, principalmente, com
galinha caipira, a ora-pro-nóbis caiu
nas graças da população mineira e
continua a rogar por aqueles que,
a princípio, precisavam inventar
novas maneiras de incrementar sua
alimentação. Para tanto, escolheram
a folhinha verde que nascia na
parte externa das igrejas, elemento
inextricável do cenário e da história
mineiras.
Muitos municípios mineiros carregam
orgulhosamente as tradições
culinárias históricas que os definem.
Se Sabará é conhecida como a terra
da jabuticaba e Patos de Minas, a
cidade do milho – para citar apenas
algumas –, São Bartolomeu, distrito
de Ouro Preto, é o berço da goiaba
e dos doces artesanais feitos com mil
e uma frutas. Arraial datado do início
do século XVIII e de importância
estratégica para o abastecimento
da região mineradora, localizado
à beira do rio das Velhas, São
Bartolomeu continua pequeno
em tamanho, mas é grandioso na
produção dos doces consagrados
como Patrimônio Imaterial do
distrito. Historicamente, essas receitas
surgiram como uma maneira de
driblar a perda de estoques de frutas:
149
ao transformá-las em doces, usava-se
o açúcar disponível – uma influência
inteiramente portuguesa, pois os
indígenas adoçavam seus alimentos
com mel e beterraba – e garantia-se
a conservação de alimentos que, de
outra forma, seriam desperdiçados.
Desde os Oitocentos, portanto,
São Bartolomeu movimenta sua
economia com a comercialização de
doces artesanais, sejam de goiaba –
a goiabada cascão, por exemplo,
feita com a fruta inteira, inclusive a
casca, é invenção de doceiros do
distrito –, figo, marmelo, pêssego,
leite, cidra ou mamão, e não importa
o formato – em calda, cristalizado,
em barra, pastoso ou em pedaços.
Os cristalizados exigem cuidados
especiais para que o açúcar da
cobertura fique no ponto e seu
preparo leva de três a quatro dias.
Cada receita tem suas técnicas, cada
fruta demanda cuidados especiais, e
os doceiros de São Bartolomeu têm
plena consciência da importância de
manter as tradições na fabricação
de doces cuja fama atravessou,
e há muito, fronteiras regionais. Já
em 1845, por exemplo, a Câmara
Municipal de Ouro Preto confirmava
seu interesse na venda dos doces
para o Rio de Janeiro; em um Dossiê
de Registro de 1902, marmeleiros e
goiabeiras são reconhecidos como
plantas essenciais à cultura local e
ao cotidiano dos moradores.
São Bartolomeu, ao lado de
Ponte Nova e Barão de Cocais,
150
respectivamente localizados na Zona
da Mata mineira e na região Central
do estado, realizam anualmente suas
festas dedicadas à goiaba e aos
doces que com ela produzem. A fruta
de formato arredondado, com polpa
vermelha ou branca, é o ingrediente
principal não só de compotas e
doces, mas também de geleias,
sucos e sorvetes. Seu consumo é
amplamente recomendado graças
à composição rica em vitaminas C, A
e do complexo B, e por possuir baixa
acidez e pouca gordura.
Contudo, frutas não são o único
ponto de partida para a produção
de doces, embora as barras e caldas
sejam extremamente populares na
mesa mineira. A doçaria tradicional
de Minas Gerais, além dos biscoitos
e broas, é feita de iguarias cujos
ingredientes variam de leite e ovos
a amendoim e coco. Quindim, doce
de leite, papo-de-anjo, baba-demoça, mãe-benta, pé-de-moleque,
canudos recheados e brevidade
misturam influências portuguesas a
adaptações tipicamente mineiras,
próprias dos recursos alimentares
disponíveis e das técnicas aprendidas
e modificadas com o passar do
tempo. Doces como esses não faltam
em festas, almoços de família e
ocasiões especiais, nem mesmo em
velórios: ambrosia preta, feita com
ovos, canela e leite; cueca virada, um
biscoito de farinha de trigo polvilhado
com açúcar; e amor em pedaços,
um docinho feito com abacaxi, são
alguns dos quitutes tradicionais dos
cardápios de quem tem visitas para
velar entes queridos. Todas essas
receitas trazem consigo tradições
seculares da arte de transformar
ingredientes básicos, encontrados
no pomar e no terreiro da casa,
em sabores açucarados, texturas
delicadas e memórias valiosas.
4. Os fartos mares de Minas
Minas Gerais é o estado das
montanhas, não do mar – mas isso
dificilmente impede que sua culinária
seja composta também pela carne
de peixes vindos dos muitos rios,
ribeirões e cursos d’água que cortam
o território. Apesar dos índices mais
elevados do consumo de carnes
de origem bovina, suína e de aves,
a alimentação baseada em peixes
e outras espécies de água doce é
ainda mais significativa nas cidades e
comunidades ribeirinhas, onde os rios
se estabelecem como as principais
fontes de alimento e estimulam a
formação de tradições culturais
locais. Ao longo do rio São Francisco,
do rio das Velhas e do Paranaíba,
o peixe compõe a dieta regional
tanto quanto o feijão, a mandioca
e o arroz, em pratos que espelham
a imensidão de possibilidades
culinárias a partir de diferentes
espécimes e modos de preparo. Seja
assado, frito ou em bolinhos servidos
como aperitivos, os pescados
completam a mesa mineira, possuem
vários acompanhamentos e são
aproveitados quase integralmente,
da cabeça às entranhas.
O rio São Francisco, carinhosamente
apelidado de Velho Chico, oferece
todo um cardápio de pratos e
receitas aos habitantes da região de
sua bacia. Embora a biodiversidade
seja rica, algumas espécies são
especialmente apreciadas devido
ao sabor de sua carne, ou por
apresentar uma menor quantidade
de espinhas, como o surubim, o
dourado e o mandi. Outros peixes de
água doce, como o pacu, o bagre,
a traíra e a piranha, são abundantes
nas águas do São Francisco e,
consequentemente, nas mesas dos
ribeirinhos e moradores locais. O Rio
das Velhas, o principal afluente do
Velho Chico, percorre mais de 700
quilômetros na porção central do
estado, banha aproximadamente
cinquenta municípios e assegura,
nesse longo trajeto, grande
variedade para pesca. Lambaris,
dourados, mandis, pacus, piaus e
tucunarés são espécies conhecidas
e fundamentais para a subsistência
de comunidades ribeirinhas e para o
comércio estadual. Já no Paranaíba,
que banha a região do Triângulo
Mineiro, no oeste de Minas, o consumo
de peixes é notável, sobretudo de
pacus e dourados, mas também de
piracanjubas, pirapitingas e jaús.
151
Com arroz, pirão e farinha de
mandioca, os pescados ganham
destaque em um estado que pode
até não margear o oceano, mas
conta com uma ampla oferta de rios
para garantir-lhe alimentos. Pescados
até hoje com métodos rudimentares,
como um anzol preso a uma vara
comprida, ou então com redes e
instrumentos mais avançados, os
peixes aparecem nas receitas mais
comuns fritos ou assados ao forno,
cobertos por algum molho e com
condimentos, enquanto outros modos
de preparo populares incluem a
moqueca, que geralmente leva leite
de coco e azeite de dendê e é clara
influência da culinária nordestina; a
paçoca de peixe, feita com peixe
frito, salgado e socado no pilão com
farinha de mandioca ou de milho, e
que pode ser comida com as mãos,
em pequenas porções – o que, em
Minas Gerais, se conhece como
“comer de arremesso”; os bolinhos
de peixe frito, enrolados em uma
massa batida com ovos e maisena
levada à gordura quente; e o bolo
de piaba, no qual a piaba é frita e
colocada em uma massa de fubá
bastante temperada com alho, sal
e pimenta.
Infelizmente, a abundância de peixes
e receitas feitas com essas espécies
é ameaçada pela degradação
dos rios e a consequente queda de
biodiversidade nesses cursos d’água.
A poluição da rede fluvial, através da
contaminação com rejeitos tóxicos
152
da atividade industrial e minerária
e dejetos urbanos se combina
à redução do nível de lençóis
freáticos – os reservatórios de água
subterrânea, fontes de abastecimento
fundamentais ao equilíbrio dos
ecossistemas –, à intensificação do
processo de assoreamento dos rios,
isto é, o transporte de sedimentos que
se acumulam, e ao desaparecimento
de nascentes, provocado pela
redução da cobertura vegetal nativa
protetora. Os impactos ambientais
são tão graves quanto os sociais, uma
vez que os ecossistemas aquáticos
de Minas envolvem a manutenção
econômica e cultural de diversas
comunidades e o resguardo de
inúmeras tradições. Os mares de
Minas são fartos e enriquecem a
culinária de todo o estado, mas há o
risco de que não permaneçam assim.
5. A branquinha que passarinho
não bebe: a cachaça e seu
lugar na mesa mineira
Incolor, forte em aroma e sabor,
famosa nos quatro cantos do mundo
e o começo de muitos casos a serem
contados. A cachaça é a bebida
alcoólica mais conhecida a ser
produzida em Minas Gerais, embora
não seja originária nem exclusiva
do estado; ela pode ser consumida
pura; em ponches, normalmente
com açúcar e laranja azeda;
como quentão, bebida quente
tradicionalmente servida em festas
juninas; ou caipirinha, uma batida
de cachaça e limão. é a água que
passarinho não bebe, pinga, caninha
e branquinha, além de uma infinidade
de nomes, e sempre há
um motivo para se
justificar um trago
– principalmente
quando
o
cachaceiro diz que
é preciso “alegrar
o coração”. Na
culinária mineira,
a cachaça ocupa,
sem dúvidas, posição de
destaque, e o faz há séculos: mal
chegaram os primeiros ocupantes do
território, e engenhos foram erguidos
para moer cana, fazer rapadura
e, claro, destilar aguardente. Esse
subproduto da cana-de-açúcar
se consolidou como elemento
fundamental da economia colonial,
era largamente usada no comércio
de escravos e seu consumo se
popularizara entre as
camadas populares.
De elevado nível
calórico (e também
de teor alcóolico,
que varia entre 38%
e 48%), a cachaça
era tomada como
um complemento à
alimentação, vendiase a preços baixíssimos
e a facilidade com que era
encontrada e adquirida só favoreceu
sua disseminação. Apesar de
tentativas de proibição pela Coroa,
engenhos de açúcar pipocaram
nas Minas e passaram a produzir
aguardente, garantindo que, ainda
que a procura aumentasse, sua
oferta permaneceria
alta.
O preparo da
cachaça depende
de
técnicas,
aparelhos
e
processos bastante
específicos, sendo
que diversos fatores
interferem na qualidade
do produto final. A espécie da canade-açúcar moída, o solo no qual a
planta foi cultivada, a época da
colheita, o tempo de fermentação
e destilação, o período de
envelhecimento e os tonéis em que a
bebida é conservada e envelhecida
são os principais elementos capazes
de influenciar diretamente em seu
sabor, e os únicos aditivos passíveis
de serem acrescentados à garapa
da cana são grãos de
fubá ou de milho,
os quais ativam a
fermentação. O
período entre os
meses de julho e
outubro é o mais
propício
para
a
colheita
da
cana, que deve ser
realizada sem fogo para
evitar a danificação do solo e o
ressecamento da planta. Depois
de cortadas e limpas, a cana é
153
levada para o engenho, aonde é
moída, e o caldo derivado desse
processo é coado, passa por uma
peneira e cai em um cocho, no qual
a garapa fermentará pelo tempo
que for necessário. É só após o final
da fermentação que a cachaça
propriamente dita será produzida:
transferido para o alambique, o
“vinho” – como é conhecido o
caldo fermentado – é destilado e
produz líquidos de diferentes teores
alcóolicos e qualidades de sabor.
O primeiro a sair, a “cabeceira” ou
“cabeça”, é extremamente forte;
o intermediário, a “cachaça boa”,
possui aproximadamente 18º de
teor alcoólico e é adequada para
ser conservada e envelhecida
em tonéis, preferencialmente de
madeira; por fim, a “água fraca” ou
“cauda”, com apenas 12º de teor
alcóolico, é guardada no cocho
para ser reaproveitada na próxima
destilação.
Em Minas, a produção artesanal
da cachaça é a maior do país. A
enorme popularidade da bebida – o
terceiro destilado mais consumido no
mundo – é ainda mais significativa em
alguns municípios, como na cidade
de Salinas, no norte do estado,
reconhecida como a capital mundial
da cachaça. Além de abrigar um
museu dedicado inteiramente à
aguardente, de sua história às formas
de produção artesanal, Salinas
realiza um festival anual desde 2002,
o Festival Mundial da Cachaça,
no qual produtores dos mais de 60
rótulos disponíveis se reúnem para
exibir suas bebidas e ter acesso a
novas máquinas e equipamentos
de destilação. Ademais, a cachaça
de alambique mineira é Patrimônio
Histórico e Cultural nacional, o que
contribui para a sua valorização
enquanto bebida típica e elemento
indissociável da culinária mineira, em
suas diversas formas e combinações.
Cidade de Tiradentes
154
6. De Tiradentes para o mundo:
a importância do Festival para a
gastronomia mineira
Após rodar o Brasil inteiro e alguns
outros cantos do mundo, a equipe
do Projeto Fartura – Comidas
do Brasil descobriu o que muito
mineiro já sabia: a gastronomia de
Minas Gerais é uma das mais ricas
e fartas do país. A diversidade de
ingredientes, a criatividade dos
pratos e a pluralidade de sabores se
combinam à famosa receptividade
do povo mineiro e à relevância
desse setor para a economia, a
história e a cultura do estado. E, a
fim de celebrar a culinária mineira
em suas muitas dimensões, o Festival
Cultura e Gastronomia Tiradentes
– o maior evento gastronômico do
Brasil –, para festejar seus 20 anos
de existência em 2017, escolheu
justamente Minas como tema
principal. Pioneiro em festas desse
tipo, o Festival de Tiradentes reúne
chefs, produtores, representantes da
indústria e o público interessado em
culinária para promover o contato
com receitas e cozinhas de diferentes
regiões do país, além de divulgar
oportunidades de redescobrir a
diversidade gastronômica brasileira.
Idealizado pelo Projeto Fartura, no
qual uma equipe viaja por todo o
Brasil para identificar novas facetas
da cultura gastronômica nacional
e organiza eventos nos estados de
Pernambuco, São Paulo, Rio Grande
do Sul e Minas Gerais, o Festival ocorre
anualmente desde 1997, e transforma
a cidade histórica de Tiradentes em
um caldeirão de sabores, cheiros e
histórias.
A rotina já é conhecida em
Tiradentes. No mês de agosto, a
praça da Rodoviária recebe shows,
estandes dos mais conhecidos
restaurantes de Minas Gerais e
chefs cozinhando ao vivo; o Largo
das Forras, no centro do município,
passa a ser chamada de Praça do
Conhecimento e vira o endereço
de aulas teóricas e interativas com
grandes nomes da cozinha brasileira;
restaurantes locais oferecem
pratos e cardápios especiais, e
atividades culturais pipocam em
diferentes partes da cidade; e, a
partir de 2017, um novo centro de
atrações culinárias e musicais foi
estabelecido: a Praça das Vertentes,
assim denominada para ressaltar seu
objetivo de valorizar a gastronomia e
a cultura da mesorregião do Campo
das Vertentes, na qual Tiradentes
está localizada e que contém, ainda,
parte da Serra da Mantiqueira e
outros 35 municípios mineiros. Ao
longo de suas décadas de existência,
o Festival se baseia na combinação
certeira entre cultura e gastronomia.
Números divulgados pela plataforma
do projeto Fartura indicam que
mais de meio milhão de pessoas já
participaram do evento, enquanto
três mil profissionais estiveram por trás
da programação de quase duas mil
155
atrações gastronômicas e outras
novecentas artísticas.
Selecionar a culinária mineira, em
suas muitas variedades, para ser o
núcleo temático do marco de vinte
anos de duração do Festival vai
além de um retorno às origens do
evento. As expedições do Fartura
– Comidas do Brasil evidenciaram
como a cozinha das Minas é um
aspecto fundamental da cultura do
estado e também um importante
motor econômico. O valor afetivo
e cultural de cada ingrediente,
como o queijo, a cachaça, o feijão
e tantos outros, é potencializado
quando estes são expostos em uma
vitrine de visibilidade internacional,
mas outro fator é destacado no
âmbito do evento: o setor culinário
e alimentício é uma fatia expressiva
da economia mineira. Responsável
por metade do café exportado pelo
país em 2016 – logo, a maior região
exportadora do grão no mundo,
uma vez que o Brasil é a nação
que mais o produz e vende –, Minas
também estrutura roteiros turísticos
em torno de atrações gastronômicas;
confere certificados de origem e
procedência a diversos produtos,
sendo o segundo estado a mais
fazê-lo no país; oferece cerca de 16
cursos na área em nível tecnológico;
e já cadastrou aproximadamente
400 mil agricultores familiares em
todo o seu território, cuja produção
agropecuária entra de forma
definitiva nas cozinhas espalhadas
156
pela região. A indústria agropecuária
é forte no estado, que possui o
segundo maior rebanho bovino do
Brasil e é dos maiores produtores de
milho, feijão, soja, cana-de-açúcar,
arroz e, claro, café. Essa junção entre
tradições artesanais e familiares e o
crescimento da fronteira agrícola
diversificam ainda mais as práticas
culinárias e os recursos disponíveis
para tanto. E, em uma região
conhecida pela hospitalidade de
seus moradores, a gastronomia fica
mesmo na linha de frente de quem
quer conhecer ou redescobrir Minas
Gerais.
O Festival Cultura e Gastronomia
Tiradentes é a culminação de
séculos de criatividade e trabalho
nas cozinhas mineiras. Ao ressaltar
a importância do que já se tornou
patrimônio histórico e cultural, o
evento garante que as riquezas que
saem dessas cozinhas não parem nas
montanhas que cercam o estado.
Receitas, técnicas, ingredientes,
histórias, costumes e nomes
atravessam as fronteiras geográficas
para se fincarem em outras partes
do país e, por que não, do mundo. A
integração entre tantas experiências
gastronômicas se mostra crucial para
a manutenção de tradições, mas
também para a criação de novos
fazeres culinários – e, assim, Minas
vai se reinventando, refazendo e
trilhando novos caminhos, lado a
lado dos já conhecidos.
7. Mineiríssima cozinha
A primeira impressão do visitante que
se aventura a explorar o Mercado
Central de Belo Horizonte é a de
aromas, cores e vozes de todos os
matizes, preenchendo corredores
de lojas, bancas e estandes que
serpenteiam em um enorme espaço
coberto. Os mais de quatrocentos
estabelecimentos que fazem parte
dessa instituição comercial, cultural
e histórica da capital mineira atraem
turistas, vindos do Brasil e de outras
partes do mundo, e residentes da
cidade, que veem o Mercado como
um ponto de encontro. Entre os
corredores dedicados ao comércio
de ervas e especiarias, bebidas,
queijos, frutas e doces, e as praças
para as quais escoam vários desses
caminhos, como a do abacaxi e a
da feijoada, circulam pessoas que
procuram produtos específicos para
suas próximas receitas, querem
encontrar amigos, ou desejam
apenas conhecer a variedade de
sabores que caracterizam as cozinhas
de Minas Gerais. Afinal, o Mercado
Central é um dos maiores símbolos
da pluralidade e inventividade
da culinária mineira, fruto das
tantas influências responsáveis
pela formação de uma cultura
gastronômica singular.
naugurado no dia 7 de setembro
de 1929, o Mercado foi a solução
encontrada pelo então prefeito
Cristiano Machado para centralizar
os núcleos de comércio e de
abastecimento do município em
um só ponto, bem no centro de
Belo Horizonte, ao lado da praça
Raul Soares. Em um terreno de
aproximadamente 14 mil m 2 , o
correspondente a 22 lotes, os feirantes
se reuniram para fazer funcionar
um mercado a céu aberto, onde o
movimento constante e intenso seria
também o endereço para encontros
entre a população ainda pequena
de 47 mil habitantes. E assim ele o
foi por mais de trinta anos: barracas
de madeira e carroças de transporte
de alimentos dividiam o espaço
com os muitos clientes, e, enquanto
a cidade crescia, as atividades do
mercado se dinamizavam. Porém,
em 1964, a prefeitura, afirmando
que a administração das feiras no
mercado se tornara impossível,
colocou o terreno à venda. Seria
o fim do mercado, não fosse pela
mobilização rápida dos comerciantes
em uma cooperativa que adquiriu o
imóvel e aceitou a condição imposta
pelo prefeito de cobrir toda a área
dos lotes em um único galpão.
Foi então que o Mercado Central
assumiu o rosto que hoje mostra
ao mundo. Um imponente galpão
coberto, e o endereço atual de
tantos pontos de venda de produtos
alimentícios, religiosos e de artesanato
que oferecem um vislumbre da
enormidade das Minas Gerais. As lojas
em que se vendem queijos, doces e
cachaças artesanais, ingredientes
157
para feijoadas e churrascos,
e as espaçosas bancadas de
hortifrutigranjeiros são, certamente,
as atrações principais. Mercadorias
facilmente reconhecíveis como
tipicamente mineiras – goiabada,
queijo minas, roscas e biscoitos –
convivem facilmente com alimentos
de outras origens, como os expostos
em estandes dedicados às culinárias
baiana e sírio-libanesa. Esse espírito
de fácil convivência é, na verdade,
uma das maiores marcas do Mercado
Central: comerciantes de crenças e
trajetórias completamente diferentes
compartilham o mesmo espaço, com
a intenção de oferecerem a um
amplo público o acesso a tradições,
costumes, saberes e histórias através
da culinária, do artesanato, da
religião e da interação cotidiana. Se
perder pelos corredores não precisa
de um motivo específico. Seja em
busca de linguiças e farinhas para
um feijão tropeiro, de generosas
rodelas de queijo do Serro, ou para
encontrar novas formas de apreciar a
mineiríssima cozinha das Gerais, uma
visita ao Mercado Central de Belo
Horizonte pode se transformar em um
ponto de partida (ou de chegada)
para redescobrir o importante
papel da culinária na construção
da identidade cultural de um povo.
A gastronomia mineira não pode
ser definida apenas por um ou dois
pratos ditos típicos, e tampouco vista
como a síntese de tradições culinárias
de uma única região. Variedade
é uma das palavras-chave para
158
compreender as dimensões das
influências e especialidades dessa
cozinha.
Identificar e delinear a cozinha
típica mineira requer a percepção
de que seus pratos, ingredientes e
preferências gastronômicas não são
únicos ou exclusivos. Antes, é preciso
compreender que sua formação vem
de um processo histórico reforçado
por matizes culturais, econômicas
e sociais das quais as influências
das culinárias de outros povos, a
abundância ou carência de recursos
alimentares, a dificuldade de acesso
a determinados produtos e a própria
produção regional estão entre os
elementos mais relevantes. As tais
receitas típicas de Minas são aquelas
que, a partir de ingredientes em sua
maioria comuns no restante do país
e técnicas por vezes assimiladas
de outras cozinhas, esboçam um
retrato saboroso de um estado e seus
habitantes e, principalmente, refletem
as circunstâncias e condições que
estimularam a construção de um rico
saber culinário.
A
gastronomia
mineira,
marcadamente plural e construída
no limiar entre a tradição e a
renovação, não é feita de feijão
tropeiro, frango com quiabo, tutu à
mineira, goiabada, doce de leite,
cachaça artesanal e pão de queijo.
Além desses sabores característicos,
reconhecidos mundo afora como
sendo invenção de uma gente que se
fez entre montanhas de ouro, rios que
mais parecem mares e estradas por
onde passavam de contrabandistas
a reis, as cozinhas de Minas Gerais
trazem em si – nos seus utensílios, nos
ingredientes, nas práticas e receitas – a
história do estado, em um movimento
de constante e quase contraditório
de preservação, perpetuação e
transformação. A história de Minas
não terminou de ser escrita, assim
como a sua culinária – ou melhor, as
suas culinárias – não permanecerá
a mesma. Com a chegada de
imigrantes de tantas partes do mundo
a partir do século XX e a busca dos
mineiros por inovações culinárias em
viagens por vários países, entraram
nas cozinhas pratos sírios, como o
quibe; italianos, nas macarronadas,
lasanhas e pizzas; as sofisticadas
receitas francesas, as importações
norte-americanas e as distintas
culinárias orientais. Sem mencionar o
que atravessa as fronteiras regionais
e vem do próprio Brasil, embora de
partes significativamente diferentes,
como o vatapá nordestino e as
carnes sulinas. Mas, ao mesmo
tempo em que o estado recebe
novas influências e adiciona hábitos
diferentes ao seu repertório de
costumes, Minas exporta o seu modo
de fazer, como propõe o Festival
Cultura e Gastronomia Tiradentes. As
serras e montanhas deixaram de ser,
afinal, barreiras intransponíveis.
Hoje, a gastronomia mineira
repercute cultural e economicamente
no Brasil. Amplamente apreciada
e facilmente reconhecível pelos
ingredientes que utiliza e os sabores
que cria, ela mantém aspectos
constantes enquanto tece novas
interpretações para a identidade
de Minas Gerais. Sua essência está
aí, no feijão com angu, no queijo e
no frango ao molho pardo. Mais do
que isso, porém, ela reside no saber
que engloba todas essas receitas,
registrado, guardado e repassado
pelas competentes e criativas mãos
de tantos mineiros e mineiras, as quais
transformaram a falta em fartura e o
trivial em símbolos de seu estado.
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memórias de São Bartolomeu. Ouro
Preto: ADAF, 2014.
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Fartura. Disponível em: <http://
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160
161
O Porta l Bra sil
Esp ortes
por Bruno Viveiros Martins
história da difusão do esporte
em Minas Gerais está ligada
diretamente à construção
de Belo Horizonte, em 1897. A cidade,
no contexto da modernização
política e econômica promovida pelo
regime republicano em fins do século
XIX, seria o polo irradiador de uma
nova identidade cultural. As várias
práticas esportivas – principalmente,
o futebol – colaboraram com esse
propósito tornando-se, ao longo de
todo o século XX, um dos fatores de
coesão social na medida em que a
própria capital mineira consolidou-se
no cenário nacional como um dos
principais centros urbanos do país.
A
1. O Ciclismo e o Turfe
O primeiro espaço destinado ao
esporte em Belo Horizonte foi o Parque
Municipal. Localizado na Avenida
Afonso Pena, no centro da cidade,
em sua planta original, constava a
construção de um velódromo para o
ciclismo. Essa modalidade esportiva
mobilizou a pequena população da
nova capital de Minas Gerais em
seus primeiros anos. As corridas de
bicicleta eram a principal atração
nos finais de semana e feriados. As
elegantes famílias reuniam-se para
admirar o movimento rápido dos
ciclistas pelas alamedas do parque.
163
O alvoroço era grande quando um
deles perdia o equilíbrio indo ao
chão em meio às gargalhadas, gritos
de surpresa e frases de apoio. Seu
grande incentivador foi o engenheiro
Fernando Esquerdo, o primeiro
a possuir uma bicicleta em Belo
Horizonte.
Por volta de 1896, o modelo
Cleveland, no qual Esquerdo era visto
pedalando pelas ruas de terra era
uma das coisas mais “chics” entre a
mocidade aristocrática da capital.
Com o tempo, essas “máquinas”
passaram a ser um investimento de
toda a família. Segundo cronistas
da época, era comum ver “moços,
velhos, senhoras e senhoritas da
melhor sociedade” se exercitando
com a maior elegância em cima
de duas rodas pela cidade à fora.
Fernando Esquerdo foi também
um dos fundadores do Velo Club,
entidade criada com o objetivo de
desenvolver o gosto pelo esporte e
garantir a diversão e distração dos
belorizontinos em um momento em
que a cidade ainda não oferecia
grandes afazeres para seus habitantes
nas horas vagas do trabalho ou dos
estudos.
Vinte e seis entusiastas do chamado
sport-byciclettico compareceram à
reunião de fundação no dia 24 de
junho de 1898. A notícia ganhou as
páginas dos jornais. A partir daí seriam
organizadas corridas periódicas na
pista construída no Parque Municipal.
164
A corrida inaugural ocorreu poucos
dias depois em 25 de julho, às 16
horas, com presença da banda militar
e grande número de espectadores
que lotaram as arquibancadas.
Foram disputados três páreos,
vencidos respectivamente pelos
ciclistas Lucifer, Hefeslo e Nelumbro,
transformados instantaneamente
nos primeiros ídolos do esporte da
cidade.
O turfe foi a outra modalidade
esportiva a causar sensação nos
primórdios da de Belo Horizonte. A
primeira referência publicada nos
jornais sobre o encontro motivado
pelo esporte noticia, em 1895, a
fundação do Club Sportivo 17 de
Dezembro. A nota dava conta
de que a associação criada, em
sua maioria, pelos membros da
Comissão Construtora nomeada
para coordenar as obras da nova
capital de Minas Gerais iria dedicarse ao turfe. Infelizmente, são poucas
as informações sobre esse clube.
Sabe-se que teve uma duração
efêmera, realizando corridas de
cavalos em uma pista improvisada
nas imediações das ruas Guarani,
Tamoios e Avenida São Francisco,
atual Olegário Maciel. Contudo,
segundo a planta original da cidade,
estava prevista a construção de um
hipódromo na IV Secção suburbana
da cidade, em uma esplanada entre
o bairro do Barro Preto e o subúrbio
do Calafete.
Sua construção teve inicio, em 1906,
com o capital privado da Sociedade
Anônima Prado Mineiro, fundada
em outubro de 1904, entidade que
deixava clara a intenção de construir
um grande empreendimento voltado
para a prática esportiva, além é
claro, do interesse nos negócios que
poderiam ser promovidos em torno
das corridas de cavalo. Uma comissão
de acionistas foi logo eleita para
tratar com a Prefeitura as condições
para a construção do hipódromo
que passou a ser conhecido como
Prado Mineiro, na rua Platina, onde
hoje está localizado um batalhão da
Polícia Militar.
Contudo, foi a própria entidade que
construiu as instalações e passou a
gerir o espaço em questão. Foram
promovidas várias estratégias para
divulgação e popularização dos
eventos ligados ao turfe na cidade.
Passada a euforia inicial, a população
belo-horizontina não se sentiu muito
motivada pelo esporte apesar dos
esforços da diretoria da Sociedade
Prado Mineiro. Com o tempo, as
arquibancadas da rua Platina
passaram a receber outro público
ávido por acompanhar outro tipo de
espetáculo esportivo. A partir desses
mesmos anos, o futebol se tornaria o
esporte mais popular da cidade.
2. Educação Física
Em Minas Gerais, a cultura esportiva
ganhou maior a atenção do Estado
apenas na década de 1930. Somente
a partir do governo de Getúlio Vargas
temos uma aproximação mais
intensa entre as políticas públicas e o
esporte. As primeiras intervenções no
debate em torno dos exercícios físicos
e práticas esportivas tiveram início,
porém, em 1927, com a criação da
Inspetoria de Educação Física.
A entidade visava o aprimoramento
de programas de “cultura física”
não resumindo esse conceito ao
sentido de cultivar a anatomia ou o
culto à boa forma física. Era preciso,
portanto, alargar seu escopo para
abarcar o lazer e a recreação como
atividades ligadas a uma educação
do corpo, principalmente em se
tratando de crianças e jovens.
A aplicação desses novos ideais
ganhou força a partir de uma série
de medidas apresentadas pela
Reforma de Ensino Francisco Campos,
de 1931. A ideia era promover nos
estabelecimentos de ensino uma
maior aproximação dos alunos aos
jogos e experiências coletivas em
oposição aos tradicionais métodos
ginásticos difundidos até então.
Essa orientação já vinha sendo
implementada gradativamente,
por exemplo, com a substituição
da denominação da disciplina
“Gymnastica” por “Educação
Physica” nas escolas normais.
165
O método da Ginástica compreendia
os exercícios físicos individuais
praticados segundo a orientação
sueca, país que disseminou sua
importância nas escolas. Essa
redefinição da política educacional
pela priorização dos jogos coletivos
atendia a preocupação de
disseminar, durante o processo de
ensino de crianças em idade escolar,
uma primeira inserção dos futuros
cidadãos em experiências sociais
como cooperação, solidariedade,
ajuda mutua. Esse aprendizado não
se restringia ao âmbito do esporte.
Seus resultados deveriam ser sentidos
na vida social de um modo geral. A
proposta apostava na capacidade
da escola enquanto instituição
promotora da organização e da
disciplina também em relação ao
mundo do trabalho em termos de
eficiência, eficácia, resistência e
produção, resultados aprendidos
durante a vivência coletiva
proporcionada pela Educação Física.
O objetivo da Inspetoria de
Educação Física era organizar e
regular não apenas as atividades,
exercícios, jogos nas escolas de
acordo com o desenvolvimento
físico e cultural de crianças e jovens,
como também instruir e orientar
os professores através de cursos
de formação e aperfeiçoamento
profissional. Segundo o projeto
inicial, para promover a Educação
Física no Estado era necessário
ainda investir em infraestrutura
166
como praças de esporte em lugares
convenientes para atender todos os
alunos do ensino público na capital
e nas cidades do interior. Esses locais
seriam equipados com a aquisição
de aparelhos e materiais e contariam
com o acompanhamento de uma
Inspetoria Médica e corpo de
instrutores de escotismo. Cada um
desses espaços seria administrado por
um auxiliar designado pela própria
Inspetoria de Educação Física.
A primeira praça de esporte a
sair do papel foi o Parque Olegário
Maciel inaugurado apenas em 1933
para atender aos grupos escolares
Caetano Azeredo e Francisco
Sales localizadas na rua Guajajaras
no bairro do Barro Preto. No ano
seguinte, o projeto Inspetoria de
Educação Física já apresenta sinais
de desamparo governamental com
um pesado corte de verbas em sua
receita até a sua extinção formal
em 1937. Não sem antes render
importantes frutos para a prática
esportiva de Minas Gerais. A extinção
do órgão aconteceu um mês após a
inauguração de uma organização
que se tornou, ainda hoje, modelo da
prática esportiva no Estado: O Minas
Tênis Clube.
3. Minas Tênis Clube (1937)
O Minas Tênis Clube (MTC)
fundado em 15 de novembro
1935. Sua praça de esportes
inaugurada em 27 de novembro
foi
de
foi
de
1937 pela Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte em um terreno destinado
originalmente ao Jardim Zoológico
na rua da Bahia, zona sul da capital
mineira. O clube foi arrendado a um
grupo da elite econômica e política
com fortes relações com o poder
governamental que se comprometeu
a assumir a defesa dos valores
agregados pelo Estado ao esporte
considerados fundamentais como:
o progresso, o bem-estar e
o a p e rf eiçoa mento
social. Segundo as
palavras do próprio
presidente Getúlio
Vargas, em discurso
proferido durante
a
solenidade
de abertura das
atividades do clube:
“O Tênis Clube é
uma instituição
b e n e m é r i t a ,
colaborando com o
governo de Minas Gerais,
de um modo eficiente e patriota, na
educação da juventude”.
O Minas Tênis Clube representou
uma nova experiência não apenas
esportiva, mas também social.
Sua inserção na história de Belo
Horizonte configura um novo
estilo vida comprometido com a
modernidade tão caro ao projeto
de construção da capital projetada
como centro organizador e difusor
de uma identidade cultural ligada
ao dinamismo, desenvolvimento e
modernização de Minas Gerais. O
Minas Tênis nasceu com a proposta
de formar os futuros professores e
monitores aptos para a promoção da
Educação Física, realizando cursos
de treinamento desses profissionais
que iriam atuar nas praças de
esportes e colégios da cidade em
uma época em que ainda não
havia faculdade de Educação Física
no Estado. Entre suas atribuições,
o MTC se responsabilizava
por expandir a cultura
física com base nos
valores morais como
a ordem, disciplina,
obediência
e
civismo, bem ao
estilo do projeto
político do governo
varguista
que
identificou no setor
esportivo um espaço
de intervenção do
Estado na educação
dos cidadãos.
Foi definido por estatuto que o Minas
Tênis Clube possui autonomia total em
sua gestão. Ainda assim, o presidente
do clube seria indicado por livre
escolha do governador de Minas
Gerais. A ressalva em sua legislação
assegurava a permanência dos
interesses estatais na instituição,
visando sua colaboração com a
Secretaria de Educação e Saúde
Pública como a criação, por
exemplo, de cursos populares de
esportes específicos para crianças
167
não sócias. Os exercícios físicos
seriam, portanto, grandes aliados
do Estado no sentido de fomentar
a construção de uma nova ordem
política e social com base no papel
do poder público de construir um
país formado por cidadão saudáveis,
aptos a enfrentar o cotidiano da vida
moderna e, principalmente, dispostos
a colaborar com os interesses cívicos
apresentados pelo Governo Vargas
ao Brasil. Nesse sentido, o corpo de
cada cidadão deveria ser a própria
imagem da nação.
Em seus mais de oitenta anos de
existência, o Minas Tênis Clube tornouse uma das instituições esportivas
mais respeitadas do Brasil. Ele é uma
referência nacional na criação de
talentos em diversas modalidades
como vôlei, natação, judô, basquete,
futsal, ginástica artística, ginástica de
trampolim. Nesse período, seus atletas
acumularam várias participações em
jogos olímpicos, além de vitórias nos
diversos campeonatos em disputa.
Um bom exemplo foi a campanha
dos minastenistas na temporada
2001/2002 da Liga Nacional de Vôlei.
Ele foi o único clube na história do país
a vencer o torneio nas modalidades
feminina e masculina em uma mesma
edição. Em 2007, ano que seu time
de basquete venceu o Campeonato
Sul-americano, o clube saía vitorioso
também nas quadras de futsal ao
conquistar a Taça Brasil, uma das
competições de grande importância
do esporte especializado. Já nas
168
quadras de tênis, o Minas Tênis
Clube revelou esportistas de renome
internacional como André Sá, Bruno
Soares e Marcelo Melo. Na natação,
um dos destaques é Cesar Cielo,
campeão olímpico, em Pequim, em
2008.
A estrutura do clube conta,
atualmente, com a Unidade Minas
Tênis Clube I, Minas Tênis Clube II,
Minas Tênis Country Clube e o Minas
Tênis Náutico Clube, além da Arena
Minas Tênis Clube, um ginásio com
quadra poliesportiva, arquibancadas
fixas e retráteis com capacidade
para, aproximadamente, quatro mil
pessoas construída em uma área de
sete mil metros quadrados.
4. Futebol
Segundo registros oficiais, a primeira
partida de futebol disputada em Belo
Horizonte de que se tem notícia foi
realizada no dia três de outubro de
1904 por um grupo de garotos em
um campo na rua Sapucaí no bairro
Floresta. Quatro meses antes, no dia
dez de junho, eles haviam fundado o
Sport Club Foot-ball por iniciativa de
Victor Serpa, jovem recém-chegado
à cidade, no ano anterior, para
ingressar na Faculdade de Direito.
Nascido no Rio de janeiro, o estudante
aprendeu a jogar futebol durante
uma viagem a Suíça. Naquela
tarde, os garotos do mesmo time se
dividiram em dois quadros – Colombo
e Vespúcio –, pois o clube ainda não
tinha rival que pudesse enfrenta-lo no
campo de jogo. O resultado final foi
2X1 para o quadro liderado por Victor
Serpa contra o de Oscar Americano,
um cirurgião-dentista. Os dois times
eram formados, em sua maioria, por
acadêmicos, professores, grandes
comerciantes e filhos de altos
funcionários do Estado.
A partir daí, foram fundados
outros clubes sempre por jovens
pertencentes à elite belo-horizontina
interessados na prática do esporte.
Os primeiros times da cidade como
Juvenil, Plínio, Atlético Mineiro (que
não tem relação com o atual), Brasil,
Yale, Esperança, Jose de Alencar e
Estrada (esse último trocou seu nome
para Viserpa em homenagem ao
principal incentivador do esporte
na cidade após seu falecimento)
tiveram uma existência efêmera. Seus
integrantes eram, em grande parte,
estudantes oriundos de diversos
lugares do Estado, assim como a
própria população da nova capital
de Minas Gerais em seus primeiros
anos de existência. Por essa razão,
os laços sociais eram ainda muito
tênues e o universo social bastante
limitado.
Nesse contexto, os jogos eram
geralmente disputados no período
escolar. Já durante as férias ou
mesmo nas longas temporadas de
chuvas que tornava os campos
impraticáveis, o esporte era deixado
de lado e os clubes ficavam
inativos. Victor Serpa voltou para
o Rio de Janeiro. Ele, contudo,
deixou plantado no coração dos
mineiros o entusiasmo pela prática
do chamado “esporte bretão”.
Criado na Inglaterra, o futebol se
adequava ao gosto das elites por
oferecer feições cosmopolitas à nova
capital, cuja juventude ansiava por
práticas que possibilitassem uma
integração social entre seus próprios
membros, desde que estivessem
em diálogo direto com a cultura
europeia. Dessa forma, para fazer
parte de uma agremiação esportiva,
era necessário ser aprovado por
seu estatuto que, invariavelmente,
reproduzia os padrões hierárquicos
da ordem vigente.
A partir da década 1910, após idas
e vindas entre períodos de grande
interesse e perda de visibilidade nos
jornais, da criação e dissolução de
diversas agremiações e da tentativa
de fundar uma liga capaz de
organizar campeonatos regulares;
o futebol conseguia movimentar
um contingente considerável de
interessados em uma época em que
ele praticado apenas por setores
privilegiados economicamente. Até
então, apenas as famílias abastadas
da sociedade frequentavam os
espaços de lazer como o Parque
Municipal e os campos de futebol.
Já no início da década, a imprensa
passava a publicar com mais
frequência, notícias e crônicas
169
sobre a difusão do esporte em Belo
Horizonte, Ouro Preto, Nova Lima,
Juiz de Fora, Sete Lagoas, Barbacena
entre outras cidades. Inclusive com a
realização de partidas contra clubes
de outros Estados.
Em 1914, foi realizada a Taça
Bueno Brandão, considerada a
primeira competição de futebol
da cidade. Seu nome homenageia
o então governador Júlio Bueno
Brandão. Ela foi disputada pelos
três clubes mais estruturados da
capital: Yale, América e Atlético,
sendo este último o vencedor. O
evento foi muito comemorado, pois
a primeira tentativa de organização
de uma competição oficial datava
de 1904. Contudo, não havia
ainda naquele momento inicial um
sentido organizativo e tampouco um
espírito competitivo que animasse a
rivalidade entre os primeiros clubes
da cidade. Dessa forma, as notícias
publicadas nos jornais da época
são insuficientes para saber quem
foi o campeão ou mesmo se o
campeonato de 1904 foi disputado
até o final.
Foram necessários, portanto,
dez anos até que fosse criada a
Liga Mineira de Esportes Atléticos,
rebatizada posteriormente Liga
Mineira de Desportos Terrestres,
entidade responsável por oferecer
maior legitimidade para a prática do
esporte. Em 1915, a LMEA reuniu as
agremiações associadas e organizou
170
o primeiro campeonato oficial da
cidade disputado por América, Yale,
Higiênicos, Cristóvão Colombo e
Atlético, que novamente sagrou-se
campeão. A partir daí a Liga ganharia
novos sócios e o campeonato seria
disputado ano a ano por clubes de
todo o Estado como o Villa Nova de
Nova Lima (1908), Tupi de Juiz de
Fora (1912), Atlético de Três Corações
(1913), Democrata de Sete Lagoas
(1914), Uberaba (1917) entre vários
outros.
Segundo
os
pesquisadores,
calculasse que entre as décadas
de 1910 e 1920, quase uma centena
de clubes de futebol tenha surgido
e desaparecido precocemente
apenas em Belo Horizonte. Esse
dado demonstra o grande interesse
adquirido pelo futebol, que se
tornou desde então o esporte
mais popular do Brasil, como é
conhecimento de todos. Por outro
lado, informa também o grau de
dificuldade encontrado por seus
adeptos em torno da organização
e da manutenção da maioria dos
times fundados, principalmente, nas
áreas suburbanas devido aos critérios
seletivos adotados pela Liga de
Desportos Terrestres que inviabilizou
o fortalecimento de um maior
número de agremiações dispostas a
participar do campeonato. Isso não
impediu que o futebol, ganhasse
nos anos seguintes contornos
cada vez mais democráticos e
participativos, extrapolando as
dimensões do campo esportivo ao
envolver aspectos sociais, culturais,
econômicos e políticos à trajetória
das associações.
A partir da década de 1930, Belo
Horizonte passa por um maior
crescimento demográfico. A capital
planejada para ser o centro político
e administrativo de Minas Gerais aos
poucos modifica sua face ganhando
mais diversidade. A sociedade
adquire complexidade com a
chegada de novos atores sociais.
A cultura torna-se mais presente
na vida da cidade com a entrada
em cena de literatos, jornalistas,
artistas. Em 1933, após uma fase de
transições, polêmicas e discussões, os
clubes mineiros – com a exceção do
América – aderem definitivamente
ao profissionalismo, seguindo a
corrente dominante em todo o país
decorrente da popularização do
futebol entre os diferentes grupos
sociais. Os defensores do amadorismo
justificavam seu posicionamento com
base no argumento de preservar uma
suposta “essência romântica” do
esporte. Essa visão segregacionista
refirmava o futebol como prática
exercida por uns poucos privilegiados
em contraposição à sua disseminação
em toda a sociedade. No entanto, o
futebol começa a ser jogado por um
conjunto muito mais amplo de pessoas
que passaram a ser remuneradas e
poderiam ascender socialmente
através de sua habilidade com a
bola nos pés.
O resultado mais imediato das
transformações sofridas pelo futebol
em Minas Gerais, após a mudança
definitiva para o profissionalismo,
foram os quatro títulos conquistados
entre 1932 e 1935 pelo Villa Nova
Atlético Clube, fundado em 1908, por
operários e mineradores da Saint John
Del Rey Mining Company Limited,
na cidade de Nova Lima. Durante
muito tempo, o time alvirrubro foi
praticamente imbatível no estádio
Municipal Castor Cinfuentes, que
ficou famoso como o “Alçapão do
Bonfim”, em referência ao bairro da
cidade metropolitana onde ele está
localizado. O Villa Nova foi o clube
que se adaptou mais rapidamente
ao profissionalismo.
O exemplo foi seguido pelo Esporte
Clube Siderúrgica, campeão mineiro
de 1937, também fundado por
operários, na cidade de Sabará, que
trabalhavam na Usina Siderúrgica
Belgo-Mineira. A empresa patrocinava
o “esquadrão de ferro”, como o time
passou a ser conhecido na época
em que rivalizava com os grandes da
capital. Na verdade, times como o
Villa Nova já vinham se fortalecendo
mesmo antes do profissionalismo,
pois contavam com os “operáriosjogadores”, ou seja, empregados da
indústria que recebiam regalias em
relação aos demais trabalhadores
para dedicar-se, inclusive, de forma
exclusiva aos treinos e jogos de seus
times de futebol.
171
Um fator determinante para a
popularização do futebol e seu
enraizamento no imaginário popular
nas décadas de 1930 e 1940 foi a
imprensa que, nesse período, passava
por uma fase de modernização
em termos de linguagem, projetos
gráficos, direção empresarial,
qualidade técnica. A imprensa
esportiva, por sua vez, passa a apostar
em um noticiário mais vibrante com
manchetes provocativas, texto mais
accessível com ênfase na atuação
dos times, na carreira pessoal dos
principais craques e na emoção
vivida pelos torcedores a cada
grande jogo. Nesse contexto, o
rádio passa a ser fundamental para
o futebol, com a criação das rádios
Inconfidência e Guarani em 1937.
Nessa última, despontou álvaro Celso
Trindade, conhecido como Badaró, o
primeiro grande narrador de futebol
da cidade no programa Esportes
pela Antena, pioneiro do jornalismo
esportivo.
Foi, contudo, a partir de 1945
que Fernando Pieruccett, um
dos introdutores das tendências
modernistas nas artes plásticas em
Minas Gerais e vencedor da primeira
exposição de arte moderna realizada
em Belo Horizonte (o Salão Bar Brasil
de 1936) começa a mudar a história
da imprensa esportiva. Ilustrador
e caricaturista, Pieruccett marcou
época ao inventar, nas charges do
jornal Folha de Minas, os mascotes de
todos os times do Estado. Utilizando
172
o codinome “Mangabeira”, ele
criou aproximadamente noventa
personagens que ainda hoje
simbolizam os clubes mineiros.
Seus desenhos antropomórficos
chamaram a atenção dos leitores pelo
traço moderno com que misturava,
conforme as circunstancias, a fauna
brasileira com a linguagem das
revistas em quadrinhos; as fábulas
de Esopo e La Fontaine com os
acontecimentos esportivos do
momento; a modernização urbana
promovida durante a gestão do então
prefeito Juscelino Kubitschek (19401945) com os saberes e tradições do
interior mineiro. O olhar perspicaz
e a linguagem original do artista
sintetizaram com extrema eficácia as
marcas características, as simbologias
e, principalmente, a identidade
construída entre os clubes e suas
torcidas. Com o tempo, galo, coelho,
raposa, leão, tartaruga, jacaré, zebu
entre tantos outros passaram a ser
sinônimos dos times mineiros.
4.1. Clube Atlético Mineiro
(1908)
O Atlético foi fundado no dia 25
de março de 1908 por vinte e dois
estudantes, com média de 18 anos
de idade, em uma reunião no coreto
do Parque Municipal. Belo Horizonte,
fundada em 1897, tinha apenas onze
anos de existência. A prática esportiva
foi a experiência responsável por
criar laços de sociabilidade entre
jovens nascidos em diferentes
lugares, mas também um vínculo de
identidade e pertencimento à nova
capital do Estado. Seu primeiro jogo
foi disputado, em 1909, contra o
pioneiro Sport Club, criado por Victor
Serpa, e vencido pelo placar de 3X0,
sendo de Anibal Machado, futuro
escritor e integrante do movimento
modernista mineiro, o primeiro gol
marcado pelo clube em
sua história. O Atlético
é o time de futebol
há mais tempo em
atividade em Minas
Gerais.
Seus fundadores
eram todos filhos
de famílias ricas
e influentes que
frequentavam
as “peladas” nas
imediações
da
avenida Afonso Pena.
O primeiro campo, de
tamanho irregular, foi um terreno na
rua Guajajaras, entre São Paulo e
Curitiba doado pela Prefeitura, fato
que revela as boas relações dos
rapazes com os círculos do poder. Em
1912, esse espaço seria trocado pelo
quarteirão na Avenida Paraopeba
(atual Augusto Lima) entre as ruas
Curitiba e Santa Catarina onde se
localiza o prédio do Minascentro.
Os títulos da Taça Bueno Brandão
de 1914 e do Campeonato da
Cidade, em 1915, fizeram com que
o clube ganhasse confiança, respeito
perante os adversários e prestígio
entre os torcedores. Contudo, seriam
necessários mais dez anos para que
o Atlético levantasse outro troféu.
Nesse período, todos eles foram
conquistados pelo América, seu maior
rival até a década de 1950, quando
o embate entre os dois clubes era
denominado pela imprensa esportiva
de “clássico das multidões”.
Entre os anos 1920 e
1930, a economia do
Estado, até então de
base agrícola, passa
a se diversificar. A
capital assume de
vez a condição de
importante polo
econômico
da
região Sudeste com
a instalação de
bancos, pequenas
indústrias
nas
imediações da Praça da
Estação, primeiras fundições e
siderúrgicas nos municípios vizinhos,
além da expansão da rede viária
e ferroviária. O adensamento da
população faz a cidade crescer
para todos os lados, transbordando
a Avenida do Contorno, limite entre
a área central e a periferia. Belo
Horizonte sofre um crescimento
habitacional
acelerado
e
desordenado de 55 mil habitantes
em 1920 para 140 mil nos anos 1930.
Em 1929, o clube trocaria de
endereço novamente ao inaugurar
173
o Estádio Presidente Antônio Carlos
na Avenida Olegário Maciel. Ele
também era conhecido como
“Estádio de Lourdes”, nome do bairro
onde foi construído. No local, hoje,
funciona um shopping center. Nesse
campo, o Atlético venceu, em 1936,
o “Torneio dos campeões”, primeira
competição nacional de clubes
profissionais do país. Organizado
pela Federação Brasileira de Futebol
(FBF), o torneio foi disputado pelos
campeões dos Estados de São
Paulo (Portuguesa), Rio de Janeiro
(Fluminense), Espirito Santo (Rio
Branco) e Minas Gerais (Atlético).
O título fez crescer a popularidade
do clube, tido por seus torcedores
como “orgulho do esporte nacional”.
Segundo registros da época, o time
levava cada vez mais público ao seu
estádio com médias superiores a dez
mil pessoas. Além disso, solidificou a
fama de se impor perante os times
do eixo Rio-São Paulo, principais
praças esportivas que centralizavam
diversos outros aspectos da cultura
no país. No início da década de 1930,
período de transição do amadorismo
ao profissionalismo, o Atlético abre
seus quadros para a entrada de
atletas de diferentes camadas sociais
sem restrições de origem, cor ou
condição econômica. A estratégia
fez com o time ganhasse mais
competitividade no campo de jogo,
além de ser decisiva para conquistar
novos torcedores em amplos setores,
consolidando assim sua imagem de
174
clube eminentemente popular, dono
de grande torcida.
Em 1950, o Brasil perdeu a Copa
do Mundo na final disputada
contra o Uruguai em pleno estádio
do Maracanã, no Rio de Janeiro.
A Seleção Brasileira, considerada
favorita ao título, precisava apenas
do empate, mas foi vencida por 2x1
de virada. Segundo Nelson Rodrigues,
com a perda da Copa, no dia 16 de
julho, o fantasma do maracanazo
passou a assombrar os brasileiros
que, desde então, sofriam também
a “síndrome de vira-latas”. Nesse
mesmo ano, o Atlético foi o primeiro
clube de Minas Gerais a realizar
uma excursão pela Europa, ainda
em reconstrução desde o fim da
Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Segundo os críticos, essa era uma
ousadia imperdoável que poderia
desmoralizar ainda mais o esporte
brasileiro. Para os atleticanos, era
uma chance de vingar a fama do
nosso futebol.
Na oportunidade, o time
alvinegro estreou nos gramados
do velho continente, jogando na
Alemanha, áustria, Luxemburgo,
Bélgica e França. Nesse último
país, a delegação atleticana foi
recebida no consulado brasileiro,
em Paris, pelo então diplomata
João Guimarães Rosa, mineiro de
Cordisburgo que lançaria, em 1958, o
romance “Grande Sertão: veredas”.
O retrospecto positivo nos dez jogos
disputados (seis vitórias, dois empates
e duas derrotas) fez com que seus
jogadores fossem recebidos na Praça
da Estação, em Belo Horizonte, por
milhares de pessoas e saudações
aos “Campeões do gelo”. Alusão
às baixas temperaturas enfrentas
durante os meses de novembro e
dezembro no continente europeu.
Para os torcedores que assistiram,
poucos meses antes, uma das derrotas
mais dramáticas da seleção de seu
país, o título simbólico conquistado
no exterior era um motivo de orgulho
que merecia entrar para o hino
do clube.
Pouco antes, em 1945,
o Atlético passou a
ser conhecido como
o “galo”, devido ao
sucesso do mascote
criado por Fernando
Pieruccetti. O artista
escolheu esse animal
devido à coloração da
raça carijó, semelhante às
cores preta e branca dispostas
em listras verticais da camisa
que, segundo o escritor Roberto
Drummond, quando pendurada no
varal em dias de tempestade, faz o
atleticano torcer “contra o vento”.
Naquela época, as rinhas de galo
eram muito populares em todos
os cantos da cidade. A ave é um
conhecido emblema da vigilância
diante dos perigos. Seu canto
anuncia o nascer do dia, dissipando
os pavores noturnos. A crista alta
é um signo de altivez, enquanto
as esporas simbolizam coragem e
persistência frente às adversidades.
Ele é tido como teimoso e bom de
briga, sendo por natureza, o dono
do terreiro. Ou seja, possuía todos os
atributos necessários para conquistar
o público. Depois que o mascote
passou a frequentar as charges de
Mangabeira, nenhum atleticano
jamais deixou de gritar “galo!” em
comemoração a um gol do seu time
de coração.
4.2. América Futebol
Clube (1912)
O América foi criado
por garotos com média
de treze anos de idade
que praticavam o
futebol nos arredores
na Rua da Bahia. A
ideia de criar um clube
começou a ganhar força
a partir de uma primeira
reunião realizada, no dia 30 de abril
de 1911, embaixo de uma árvore na
esquina da rua dos Timbiras, principal
ponto de encontros do grupo.
Outras reuniões se sucederam no
Parque Municipal, em suas próprias
residências e, até mesmo, no Palácio
da Liberdade, já que dois de seus
fundadores eram filhos de Júlio Bueno
Brandão, governador entre 1910 e
1914.
175
A fundação oficial ocorre, no
entanto, exatamente um ano mais
tarde em uma reunião na casa
de José Gonçalves, secretário
de Agricultura do Estado e pai
de outro de seus fundadores. A
maioria dos meninos era estudante
do conceituado Colégio AngloMineiro, instituição responsável pela
difusão da cultura estadunidense
em Belo Horizonte. Suas aulas eram
ministradas em inglês por professores
norte-americanos. O primeiro
uniforme foi uma adaptação da
camisa de malha e calções brancos
de ginástica utilizados nos exercícios
físicos da escola com uma faixa verde
costurada sem padrão de largura ou
comprimento. A segunda camisa,
confeccionada, posteriormente seria
listrada em verde e branco. As cores
foram registradas em seu estatuto,
assim com a proibição da entrada de
maiores de quatorze anos no clube.
Não existem registros oficiais das
primeiras partidas realizadas pelo
time devido à desorganização
inicial resultante, inclusive, da baixa
faixa etária de seus componentes.
Sabe-se que os três primeiros anos
foram de insucessos ainda que seus
adversários em muitas oportunidades
fossem ainda meninos como eles
próprios. O clube, aliás, não possuía
um campo próprio para treinamentos
e disputa das partidas. Passada essa
primeira fase, o América consegue se
estruturar, elevando-se à condição
de maior clube de Minas Gerais, nas
176
duas primeiras décadas do século XX.
Seu domínio nos gramados do Estado
foi incontestável entre 1916 e 1925
quando se sagrou deca campeão
mineiro, a maior série consecutiva
alcançada por um time de futebol
no Brasil ainda hoje.
Essa reviravolta tem início em 1913.
Por iniciativa de Olinto Meireles, então
prefeito de Belo Horizonte (o mesmo
que doou um terreno ao Atlético) e
presidente de honra do Minas Gerais,
clube em vias de extinção devido
às dificuldades financeiras. Em troca
do pagamento de suas dívidas, o
América seria reforçado por seus
atletas além de ocupar um campo,
cedido pela prefeitura, em boas
condições na avenida Paraopeba,
atual Augusto de Lima, no quarteirão
onde está localizado hoje o Mercado
Central. Nesse mesmo ano, vários
integrantes do Atlético passariam a
defender as cores americanas após
uma dissidência em seu clube. No dia
sete de setembro, o América inaugura
seu primeiro campo exatamente em
frente ao do seu maior rival e sobre
o qual estabeleceria a primazia no
futebol mineiro nos anos seguintes.
Marcando essas transformações
decisivas em sua história, o clube
altera seu estatuto adotando também
a cor preta em seu uniforme, disposta
principalmente, em seu calção de
jogo, além de liberar o acesso de
integrantes maiores de idade.
Após esse novo período de
adaptações o América inicia sua
trajetória de importantes conquistas.
Em 1922, o campo da Avenida
Paraopeba é transformado em
uma praça de esportes, ganhando
arquibancadas de madeiras com
e sem cobertura com capacidade
para cinco mil pessoas, além de
quadras de tênis, vôlei e basquete.
A hegemonia do clube alviverde em
Minas Gerais, que não se resumia
apenas aos troféus, mas também em
termos de estrutura e organização,
chegaria ao fim somente na década
de 1930. Pouco antes, em 1926, tem
início uma fase do futebol mineiro
conhecida como “amadorismo
marrom”. Ou seja, os clubes passavam
a reforçar seus elencos “contratando”
jogadores sem declarar o pagamento
de salários, mas fazendo ofertas
atrativas como o custeio dos estudos,
cargos públicos, empregos em casas
comerciais, moradia, alimentação e
mesmo dinheiro. O único a recusar
esse subterfúgio foi o América que
pagou um alto preço por isso.
Enquanto adversários como Atlético,
Palestra Itália e Villa Nova renovavam
seus quadros com os melhores atletas
em atividade no momento, o time
sofria uma defasagem técnica que
mergulhou o clube em um jejum de
vinte e três anos sem títulos que durou
até 1948.
Além disso, a própria imagem do
América sofria o estigma do clube
pertencente a uma pequena “elite”,
presa ao passado, com dificuldades
de acompanhar a modernização
e, principalmente, a popularização
do futebol. O deca campeonato
havia lhe alçado a uma condição
invejável, não apenas em termos de
respeitabilidade no meio esportivo
como também pela constituição de
um grande número de torcedores
sempre orgulhos de suas conquistas.
Talvez, essa mesma condição
tenha feito com que seus dirigentes
fechassem seus olhos para os novos
rumos que o futebol e a própria
dinâmica social adquiriam com
o tempo. Ainda assim, em 1928,
o América inaugura seu segundo
estádio na avenida Araguaia, atual
Francisco Sales, onde hoje funciona
um hipermercado. A troca de
endereço ocorre em permuta com a
Prefeitura que desmembrou parte do
Parque Municipal para a construção
da área hospitalar, região da cidade
que também abrigou o Estádio álvaro
Celso da Trindade, mais conhecido
como o “Campo da Alameda”, no
bairro de Santa Efigênia.
Em 1933, o América recusou-se a
aderir ao profissionalismo. Como
protesto, ele altera suas cores
novamente, passando a jogar de
camisas vermelhas e calções brancos
até 1942, ano em que a agremiação
passa a contar, enfim, com jogadores
profissionais em seu elenco. Seis
anos mais tarde, os americanos
conquistam seu primeiro título no
regime do profissionalismo. O estádio
177
havia passado por uma grande
reforma (denominando-se a seguir
Otacílio Negrão de Lima), fato que
parece ter trazido nova motivação
ao time que venceu no jogo decisivo,
justamente, o Atlético, seu velho rival
dos tempos da Avenida Paraopeba.
Essa foi a primeira vez que o “coelho”
enfrentaria o “galo” em uma final de
campeonato.
Contudo, o primeiro mascote
desenhado por Fernando Pieruccetti
para o América foi o Pato Donald.
A escolha inicial pelo personagem
mais encrenqueiro e turrão de Walt
Disney se deve aos enfrentamentos
entre o América e a
Federação Mineira
que se arrastavam
desde os tempos
do “amadorismo
marrom”. A opção
não agradou os
torcedores que
escreveram várias
cartas para a
redação do jornal
Folha de Minas,
tecendo severas
críticas às charges de
Mangabeira. Segundo consta, nem
mesmo o artista ficou satisfeito. Ele
logo tratou de criar outro personagem
mais condizente com as tradições
americanas e também mais próximo
de seu estilo original.
A alternativa encontrada foi a
melhor possível. O coelho simboliza
178
a riqueza, a prosperidade e a
agilidade. Nas fábulas, ele utiliza da
inteligência contra a força física de
seus oponentes. O coelho sempre
se sai melhor quando o rival pensa
já ter dominado a situação. Ele tira
proveito de sua suposta condição
de fragilidade para reverter uma
situação adversa, sem nunca perder
a classe. Sua imagem é associada ao
refinamento e à civilidade. A empatia
dos americanos pelo novo mascote
foi imediata. Inclusive, pelo fato de
ter lhe trazido sorte na primeira final
em que entrou em campo, como
todo bom pé de coelho.
4.3. Cruzeiro
Esporte Clube
(1921)
O Cruzeiro foi
fundado
por
imigrantes, em
02 de janeiro
de 1921, com o
objetivo de agregar
os integrantes da
colônia italiana de Belo
Horizonte em torno de um clube que
realmente fosse capaz de representala no esporte mais popular do estado
à época e também na vida social
da cidade.
A partir de 1892, o governo do
Estado, preocupado com o projeto
de construção da nova capital,
adota medidas para incentivar a
chegada de imigrantes estrangeiros
que se comprometessem a residir em
Belo Horizonte como, por exemplo, a
concessão de passagens, a criação de
núcleos coloniais e a oferta de títulos
de propriedade para quem estivesse
disposto a se fixar definitivamente
e colaborar com conhecimento
e mão de obra. A consequência
dessas ações foi a chegada de
diversas famílias, principalmente, de
italianos, portugueses, espanhóis,
sírios, libaneses e judeus. Na
região rural, eles dedicaram-se às
atividades agrícolas, cooperativas
e ao abastecimento. Na área
urbana, fixaram-se trabalhadores
da construção civil, engenheiros,
arquitetos, comerciantes de ramos
variados, grandes empreendedores
e industriais, além de prestadores
de serviços fundamentais para a
constituição da sociedade belohorizontina.
Como não poderia deixar de ser,
também se dedicaram à criação
de agremiações esportivas como o
Syrio Horizontino, o Luzitano, além dos
ingleses que fundaram o Morro Velho
na vizinha cidade de Nova Lima.
Os clubes de futebol fundados por
imigrantes em Belo Horizonte tiveram
vida curta. Contudo, suas camisas
representavam identidades bem
demarcadas e suas atividades, apesar
da pouca duração, criaram espaços
de confraternização e solidariedade.
A exceção foram os italianos que,
apesar dos insucessos iniciais, nunca
desistiram de possuir um grande time
na cidade que defendesse as cores
de sua terra natal. Até a década de
1920, eles jogavam de forma dispersa
nos vários times da capital como o
Yale, Cristovam Colombo, Sete de
Setembro e o Atlético.
Esporadicamente, reunia-se em uma
espécie de selecionado chamado
Scrath Italiano para disputar partidas
contra clubes e combinados locais
em datas festivas. Mas isso ainda
não era suficiente. A ideia era
fundar uma equipe que participasse
regularmente dos campeonatos
oficias da Liga Mineira. A partir de
1914, notícias vindas de São Paulo
reforçam ainda mais os ânimos em
relação a esse propósito. Nesse ano,
foi criada a Sociedade Esportiva
Palestra Itália, (a atual Sociedade
Esportiva Palmeiras) cujo time de
futebol era composto exclusivamente
por italianos e seus descendentes e
que logo se transformou em uma das
principais entidades esportivas de seu
Estado. Esse deveria ser o modelo
a ser seguido pela colônia de Belo
Horizonte que não perdeu tempo em
solicitar uma cópia do estatuto da
agremiação paulista. O documento
caiu como uma verdadeira luva.
Faltava o apoio financeiro.
Grande parte dos italianos que
migraram para Belo Horizonte, no
final do século XIX, pertencia às
camadas populares como pedreiros,
carpinteiros, sapateiros, padeiros que
179
moravam nos bairros do Barro Preto,
Carlos Prates e Calafate, na periferia
da cidade. O que não quer dizer
que faltassem membros na colônia
com capital suficiente, sensibilidade
o bastante e simpatia de sobra
pelo futebol para investir o recurso
econômico necessário para criar um
clube esportivo que competisse logo
de imediato e de igual para igual
com os grandes times da capital. As
famílias Savassi, Ranieiri, Mancini, Lod,
Noce, Falci, Gagliard, entre outras,
seriam os seus “mecenas”.
A r e u n iã o de fu n daçã o da
Sociedade Esportiva Palestra Itália
– exatamente o mesmo nome do
co-irmão paulista – foi realizada
na fábrica de calçados e artigos
esportivos Augustinho Ranieiri na rua
Caetés, primeiro centro comercial da
cidade. Outras reuniões ocorreram na
Sociedade Italiana de Beneficência
e Mutuo Socorro, na rua Tamoios
entre São Paulo e Rio de Janeiro.
As cores escolhidas para o uniforme
foram o verde, branco e vermelho
que integram a bandeira da nação
materna. Foi estabelecido por
estatuto que o clube era restrito aos
italianos natos e seus descendentes
diretos. Decisão que perdurou até
1925.
Ainda em 1921, seu primeiro ano
de existência, o Palestra Itália tem
acesso à elite do futebol no Estado
ao disputar a primeira divisão do
campeonato organizado pela Liga
180
Mineira de Desportos Terrestres.
Apenas dois anos depois de sua
fundação, a sociedade esportiva
organizada em torno das famílias
exponenciais da colônia adquiri um
quarteirão na Avenida Paraopeba
(atual Augusto de Lima), entre as ruas
Ouro Preto e Araguari no bairro do
Barro Preto. No local, foi inaugurado
no dia 23 de setembro de 1923 um
estádio com capacidade para cerca
de cinco mil pessoas. Somando
o valor pago à Prefeitura pela
compra do terreno, indenização
aos seus ocupantes e construção
das arquibancadas, foram gastos
90 mil reis. A quantia não era nada
pequena para a época. Nesse
mesmo momento, o Estado passava
para as mãos da iniciativa privada,
boa parte das obras de construção
da cidade, que se arrastavam
devido à crise financeira gerada pela
diminuição da agro exportação para
a Europa, desde os anos da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918).
De 1922 a 1925, o Palestra Itália
alcançou melhor colocação que a
de times veteranos como o Atlético,
ficando atrás apenas do campeão
América. Entre 1928 e 1930, a equipe
confirma sua rápida ascensão ao
conquistar o tricampeonato da
cidade, sendo que os dois últimos
foram vencidos de forma invicta.
Para muitos, o futebol dos palestrinos
era uma verdadeira arte. Por essa
razão receberam o apelido de “timepoesia”. Os dois maiores destaques
eram os primos Otávio e João Fantoni,
conhecidos como Nininho e Ninão,
que em abril de 1931, deixaram o
pequeno campo do Barro Preto para
disputar o campeonato italiano pelo
time da Lazio de Roma, além de serem
convocados para seleção italiana.
Eles foram os primeiros brasileiros a se
transferirem para a Itália. Anos depois,
Orlando, Fernando e Benito, todos
da família Fantoni, também foram
contratados pelo clube romano.
Contudo, a eclosão da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) muda os
rumos do Palestra Itália. Um decretolei determina a nacionalização dos
nomes de todas as entidades que
fizessem referências às potências
do Eixo. Em Belo Horizonte casas
comerciais de imigrantes italianos
são atacadas. O estádio do Palestra
Itália sofre ameaças de incêndio.
Após os incidentes, o clube passa
a se chamar Palestra Mineiro. Em
29 de setembro de 1942, o Brasil
declara guerra à Itália, Alemanha
e Japão. Temendo novos conflitos,
seus dirigentes adotam um nome
ainda mais nacional: Ypiranga. Uma
derrota por 2x1 para o Atlético,
em 02 de outubro, no Barro Preto,
condenou o nome. Cinco dias após
esse jogo, o conselho deliberativo se
reuniu para votar outra denominação
para a equipe. Foi decidido em
assembleia que o clube passaria a
se chamar Cruzeiro Esporte Clube em
homenagem à constelação símbolo
dos céus do Brasil mencionada,
inclusive, nos versos “A imagem
do cruzeiro resplandece” do hino
nacional. Todas as taças e troféus do
antigo Palestra Itália foram doadas à
campanha patriótica realizada pela
Defesa Nacional para produção de
armamentos.
No ano seguinte, o Cruzeiro
apresenta para a torcida seu novo
uniforme: a camisa azul com as
cinco estrelas no peito dentro de um
círculo branco, cor também utilizada
nos calções. As mesmas tonalidades
defendidas pela Squadra Azurra, cor
oficial da realeza italiana utilizada
pela seleção de futebol do país.
Coincidência ou não, o fato é que
após todas essas mudanças o clube
conquista o segundo tricampeonato
de sua história entre 1943 e 1945.
Ou seja, o Cruzeiro renasceu
campeão. Coube a Mangabeira
criar o mascote do novo time nas
páginas da Folha de Minas. O animal
deveria ser astuto como os dirigentes
do clube, grandes empresários e
empreendedores acostumados às
rodas de negociação. Ao mesmo
tempo, ser tão elegante quanto o
futebol desenvolvido pelo seu time
em campo. Esperto, inventivo,
sedutor e matreiro o mascote só
poderia ser: a raposa.
181
4.4. Estádio Independência
(1950)
Em
fins
da
década de
1940, o Brasil
preparava-se
para sediar a
quarta edição
da
Copa
do Mundo
de futebol,
organizada
pela Federação
Internacional de
Futebol (FIFA), em 1950. Os belohorizontinos não queriam ficar de
fora do maior evento futebolístico da
história do país até então. Contudo, os
pequenos estádios da capital mineira
não possuíam estrutura adequada
para abrigar jogos com tão grande
envergadura. Por exigências
da Confederação Brasileira de
Desportos (CBD), era necessário
construir uma nova praça de esportes
para que Minas Gerais pudesse
sediar uma das chaves do torneio.
O desafio foi aceito pelo prefeito
Otacílio Negrão de Lima. As obras
começaram em 1948 e às vésperas
da Copa do Mundo foi inaugurado
o Estádio Raimundo Sampaio,
mais conhecido como Estádio
Independência. Como Atlético,
América e Cruzeiro já possuíam seus
estádios, o Independência ficou sob
administração do Sete de setembro
Futebol Clube. Fundado em 1913,
era um dos times mais tradicionais da
182
cidade, mas que, porém, não tinha
campo próprio para a disputa de
suas partidas.
O novo palco
do futebol
mineiro,
construído
no bairro do
Horto, com
capacidade
para trinta
mil pessoas,
foi entregue
à população de
Belo Horizonte para a disputa do
campeonato mundial de seleções.
No local foram disputadas três
partidas. A primeira delas marcou a
inauguração do estádio no dia 25 de
junho de 1950: Iugoslávia 3x0 Suíça.
No dia 29 de junho acontece uma
das maiores zebras da história das
Copas do Mundo. Essa foi a primeira
participação dos ingleses, que
formavam uma das seleções mais
poderosas da época, além de serem
reconhecidos como os “inventores”
do futebol. Contudo, a Inglaterra
perde por 1x0 para os Estados Unidos,
país sem nenhuma tradição nesse
esporte, que enviou uma equipe
amadora para a disputa do torneio.
O terceiro jogo, realizado no dia 02
de julho, termina com uma goleada
de 8x0 do Uruguai contra a Bolívia.
Nessa partida, os mineiros tiveram a
oportunidade de assistir a chamada
“Celeste Olímpica”, como a seleção
uruguaia que se tornou campeã
mundial para infelicidade dos
brasileiros, ainda hoje é conhecida.
Apesar de toda a festa, o
Independência recebeu três partidas
da Copa do Mundo ainda inacabado.
O projeto original concebido para o
estádio previa a construção de um
anel fechado de arquibancadas.
Com o esgotamento do prazo para
a entrega, ele foi alterado para o
formato de “ferradura”. Durante a
disputa, também não havia cabines
de imprensa para emissoras de rádio
e televisão. Os locutores esportivos
transmitiam os jogos sentados em
banquinhos acomodados na pista
de atletismo. Ao fim da competição,
o prefeito Otacílio Negrão de Lima
comunicou aos dirigentes do Sete de
Setembro que não havia verbas para
a conclusão da obra. Dessa forma,
o formato “ferradura” entrou para a
história.
Durante
quinze
anos
o
Independência foi o maior estádio
do futebol mineiro. Em seu gramado
foram jogados os principais clássicos
entre os times da capital e todos
os campeonatos disputados até
1964. Melhor para o Atlético que
conquistou nove títulos contra quatro
do Cruzeiro e um de Villa Nova (1951),
América (1957), e Siderúrgica (1964).
Com a inauguração do Mineirão,
no ano seguinte, o Independência
perdeu seu posto. Entre 1984 e 1986,
o governo do Estado realizou a
primeira grande reforma. Com o fim
das atividades do Sete de Setembro,
o estádio foi repassado em regime de
comodato ao América que o utiliza
em todos os jogos em que possui o
mando de campo.
Em 2012, durante os preparativos
para a segunda Copa do Mundo
realizada no Brasil, o Independência
ganhou uma segunda reforma que
modernizou totalmente sua estrutura.
Atualmente, ele possui capacidade
para vinte e duas mil pessoas com
assento coberto em arquibancadas
superiores, inferiores e camarotes,
além de estacionamento, posto
médico e trinta e dois bares. Com
essa segunda reforma, não apenas,
o América, mas também o Atlético
voltou a jogar em um dos gramados
mais tradicionais de Minas Gerais.
4.5. Estádio Mineirão (1965)
O Estádio Governador Magalhães
Pinto, mais conhecido como Mineirão,
foi inaugurado no dia 05 de setembro
de 1965 com a partida amistosa entre
o River Plate da Argentina e a Seleção
Mineira que terminou com o placar
de 1x 0 para os mineiros. O primeiro
gol no novo estádio foi marcado
por Bougleux. Conhecido como o
“Gigante da Pampulha”, devido à
capacidade máxima original para
cento e trinta mil pessoas, o estádio
representou a modernização do
esporte em Minas Gerais, além de
uma grande ascensão dos clubes
183
mineiros no cenário nacional. A
rivalidade existente entre Atlético
e Cruzeiro, consolidada ao longo
das décadas de 1940 e 1950, após
a perda gradativa de espaço do
América (campeão mineiro em
1971, 1993, 2001 e 2016) ganha ares
de supremacia. Esse passa a ser o
grande “clássico” de
Minas Gerais
O Cruzeiro
liderado por
Tostão, Piazza,
Dirceu Lopes e
Natal domina
amplamente
o
futebol
mineiro nos
primeiros anos
do
Mineirão.
A habilidade de
tantos craques reunidos em uma
única equipe encanta o país. Nos
anos 1960, o Cruzeiro deixa der
definitivamente o clube da colônia
italiana, ou o “time do Barro Preto”,
como era desdenhado pelos rivais,
para tornar-se uma verdadeira escola
de futebol baseada na técnica e
no toque de bola refinado de seus
jogadores. Entre as grandes façanhas
do time da camisa azul estrelada
figura a conquista da Taça Brasil de
1966. O título foi ganho sobre o até
então pentacampeão do torneio:
o Santos de Pelé com duas vitórias:
6x2 em Belo Horizonte e 3X2 em São
Paulo. Dez anos depois, uma nova
geração de craques como Palhinha,
184
Jairzinho, Joaozinho e Nelinho entre
outros vence o River Plate na final
da primeira Copa Libertadores da
América conquistada pelo clube.
Em referência ao seu crescimento
vertiginoso, a torcida cruzeirense
passa a ser conhecida como a
“China Azul”. A partir dos anos
1990, o Cruzeiro reuniu
uma verdadeira
coleção
de
títulos como
as
quatro
Copas do Brasil
(1993, 1996,
2000, 2003), o
tricampeonato
brasileiro
em
2003,
2014 e 2015,
além de outra
Taça Libertadores da
América, em 1997, contra o Sporting
Cristal do Peru.
Já o Atlético passou por altos e
baixos em sua trajetória no Mineirão.
Ainda assim, sua torcida continuou fiel,
principalmente durante os anos em
que o Cruzeiro ampliou seu domínio
em Minas Gerais. Em 1971, um time
aguerrido comandado pelo técnico
Telê Santana no banco e Dario “Peito
de aço” em campo surpreende
os favoritos e conquista o título do
primeiro Campeonato Brasileiro. Essa
equipe sem grandes craques superou
adversários como o Santos de Pelé,
o Botafogo de Jairzinho, o São Paulo
de Gerson, o Corinthians de Rivelino,
e o próprio Cruzeiro de Tostão. Ou
seja, as estrelas que conquistaram
definitivamente a Taça Jules Rimet
para a Seleção Brasileira na Copa do
Mundo disputada no México um ano
antes.
Em 1977, os atleticanos viram uma
de suas melhores gerações formada
por Reinaldo, Cerezo, Marcelo, Paulo
Isidoro e outros perderem o título do
Campeonato Brasileiro de forma
invicta na decisão por pênaltis para
o São Paulo em pleno Mineirão. Ao
longo da década de 1980, o clube
retoma a supremacia no futebol
mineiro impondo grande sequência
de vitórias sobre seus rivais, porém,
sem a conquista de um título de
repercussão nacional. A pior derrota
seria o rebaixamento para a segunda
divisão do Campeonato Brasileiro em
2005. A longa espera dos atleticanos
por uma grande conquista chegaria
ao fim apenas em 2013, ao ser
campeão da Taça Libertadores
da América, no Mineirão, contra o
Olympia do Paraguay.
No ano seguinte, os dois jogos
decisivos da Copa do Brasil colocariam
frente a frente Atlético e Cruzeiro na
disputa mais importante de toda a
história do “clássico” mineiro. Nunca
os dois rivais haviam chegado juntos
à final de um torneio nacional. O tirateima foi vencido pelo Atlético que
saiu campeão com as duas vitórias:
2x0 no Independência e 1x0 no
Mineirão. Nesse mesmo ano, o estádio
da Pampulha seria palco da segunda
maior decepção da torcida brasileira
em relação à seleção de futebol do
país. A derrota por goleada de 7x1
para a Seleção Alemã durante a
disputa da segunda Copa do Mundo
realizada em território nacional.
5. Perspectivas futuras
Atualmente, o campeonato mineiro
de futebol profissional é disputado por
doze clubes nos módulos um e dois,
além de nove clubes em sua segunda
divisão. A Federação Mineira de
Futebol, entidade máxima do futebol
no Estado e filiada da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), promove
ainda o campeonato mineiro
feminino, além das categorias Sub20, Sub-17 e Sub-15. A competição
é uma das mais tradicionais do país.
Ainda assim, tem sido cada vez mais
desvalorizada desde os anos 1990,
como todos os outros campeonatos
estaduais do país nos quais apenas
duas grandes forças – Atlético e
Cruzeiro – disputam majoritariamente
seu título. Os dois clubes, por sua
vez, alegam que o baixo retorno
financeiro obtido com a renda dos
jogos prejudica as disputas. Muitas
agremiações do interior, ao contrário,
consideram o campeonato, apesar
de suas deficiências, como única
forma de viabilizar recursos para
pagamento de seus atletas e,
consequentemente, garantir sua
185
própria existência. Essa é, contudo,
uma realidade que perpassa todo o
futebol brasileiro.
No outro lado dessa moeda, Atlético
e Cruzeiro (e o América em diferentes
proporções) consolidaram-se no
cenário nacional entre os grandes
times de futebol da atualidade.
Os clubes da capital dispõem de
centros de treinamento entre os
mais modernos e bem equipados do
país. Eles contam com orçamentos
vultuosos gerados a partir de
patrocínios, cotas de transmissão
de seus jogos em canais fechados
de televisão, comercialização de
suas marcas em produtos variados,
negociações envolvendo atletas,
principalmente, para o mercado
europeu e a criação de um sistema
para atrair ainda mais público
consumidor conhecido como “sócio
torcedor”. Essa nova logística faz
com que os clubes passem a contar
com uma receita mensal garantida
por meio da venda de pacote de
ingressos além de outros serviços
destinados a aproximar os torcedores
dos clubes em diversos planos e
categorias.
Em um contexto de grande
mercantilização que envolve todos
os setores do futebol – desde a
formação dos atletas nas categorias
de base até a realização dos
grandes espetáculos esportivos
com transmissão simultânea para
vários países do mundo – os três
186
maiores clubes de Minas Gerais
estão entre aqueles que possuem
as melhores condições em termos
de patrimônio, estrutura, qualidade
técnica, excelência esportiva e
principalmente, grande número de
torcedores, capazes de garantir
longa trajetória no cenário esportivo
brasileiro.
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187
O Porta l Bra sil
Mig ra ções
m ineira s
por Gustavo Dias
Gildette Soares Fonseca
Andréa Maria Narciso Rocha de Paula
Lilian Maria Santos
Adinei Almeida Crisóstomo
Ana Flávia Rocha de Araújo
Victória Pinho e Godinho
Maria Cecília Cordeiro Pires
D
esde a segunda metade do
século XX, estudos dedicados
ao deslocamento migratório
brasileiro têm revelado a importância
do estado de Minas Gerais nos fluxos
migratórios nacionais e internacionais.
Na escala nacional, a migração
mineira revela ser um fenômeno
social com diferentes facetas e
dimensões distintas. Pesquisas
apontam para uma mobilidade
desde regional caracterizada por
deslocamentos entre as diferentes
mesorregiões do estado, até fluxos
para outros estados e capitais como,
Distrito Federal, Goiás e São Paulo.
Semelhante importância pode ser
vislumbrada nos fluxos migratórios
internacionais. A literatura cada vez
mais demonstra – através de dados
empíricos – como países situados na
Europa e, sobretudo, na América
do Norte tornaram-se destinos para
mineiros nas últimas três décadas
(MARGOLIS, 1994; TOGNI, 2012; DIAS,
2015).
Entretanto, Minas Gerais confirma
que o seu papel dentro dos fluxos
migratórios brasileiros não pode ser
reduzido apenas ao da contabilidade
de entrada e saída de sua própria
população. Outro ponto bastante
destacado é o papel desempenhado
por esse estado nas inúmeras
redes migratórias desveladas em
estudos empíricos. Distintas, porém,
conectadas indústrias migratórias
189
regionais, desenvolvidas ao longo
de décadas, são responsáveis pelo
ir e vir de pessoas, dinheiro, bens
materiais e informações. Desde
agências de viagens, advogados
especializados em cidadania, casas
de câmbio, escolas de idiomas
até o mercado informal focado no
contato com atravessadores e na
produção de documentos falsos,
colocaram algumas das cidades
mineiras numa posição central
perante rotas migratórias nacionais
e internacionais.
Importantes centros regionais, como
Governador Valadares, Montes Claros,
Uberlândia, bem como, pequenas
cidades a exemplo de Mantena,
Tiros, Mirabela, Carmo do Paranaíba,
tornaram-se conhecidas em outros
Estados brasileiros pela capacidade
em estabelecer conexões eficazes
com diferentes localidades nacionais
e internacionais. Imprescindível
ressaltar que a população rural das
regiões Norte e Nordeste de Minas
Gerais e o Vale do Jequitinhonha
perpassam também essas rotas
migratórias na busca por trabalho
sazonal preferencialmente agrícola.
Ser e estar nesse mundo em
constante movimento produz
transformações consideráveis na
geografia social e no modo de vida
da população. Não obstante, Minas
Gerais revela como a migração tece
profundas conexões entre lugares
190
aparentemente distantes através de
pessoas, bens e saberes.
Nesse verbete, pretendemos
abordar a migração em Minas
Gerais através de três perspectivas:
migrações intraestaduais, migrações
interestaduais e migrações
internacionais. Através de corpo
literário especializado em cada um
desses recortes em conjunto com os
dados censitários produzidos pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE/2010), revelaremos
a importância e a complexidade do
fenômeno migratório nesse estado
brasileiro.
Migração Intraestadual em
Minas Gerais
Com população de 19.597.330
habitantes no ano de 2010 (IBGE,
2010) e estimativa em 2017 de
21.119.536, Minas Gerais é o Estado
com a segunda maior população
do Brasil (apenas o Estado de São
Paulo abriga mais habitantes) e o
quarto maior estado brasileiro por
extensão territorial, com uma área de
586.520.732 km². São 853 municípios
organizados em 12 mesorregiões
e 66 microrregiões (Figura 1) que
apresentam características físicas e
socioeconômicas distintas, aspectos
que favorecem a mobilidade da
população.
Figura 1 - Mesorregiões geográficas de Minas Gerais - IBGE 1990
Cada mesorregião compreende
uma quantidade de microrregiões
distintas, assim como municípios,
porém, respeitam os limites
geográficos de cada um. Existe
dinâmica populacional que carrega
a multiplicidade de seus lugares,
mesos, micros e municípios, o que
favorece a mobilidade da população
intrarregional.
Podemos entender o fenômeno
da mobilidade migratória enquanto
um processo social que abarca
inúmeras complexidades. é
caracteristicamente fluído e mutável.
Fator que é revelado pela dificuldade
em que os estudos têm para
mensurar em dados quantitativos as
inúmeras diversidades de situações,
razões, motivos ou sonhos pelos
quais perpassam a mobilidade. No
Brasil, uma das formas de realizar
um levantamento quantitativo da
migração é através dos censos do
IBGE, mais especificamente através
de duas variáveis: a última etapa
e a data fixa. A variável data fixa
aponta o município cinco anos antes
do Censo e a variável última etapa o
município de residência anterior dez
anos antes (FONSECA, 2015).
No panorama da mobilidade
espacial da população brasileira,
nos últimos tempos, destaca-se certa
complexidade e diversificação nos
deslocamentos advindos como
consequência de um intenso
processo de urbanização no país, que
modificou os trajetos como também
os motivos pelos quais o processo
é realizado. Como resultado, há
191
maior intensificação das migrações
do tipo urbano-urbano e novas
configurações que envolvem tanto
os espaços, como os períodos,
as dinâmicas e os modos de vida
dos sujeitos envolvidos. O que não
significa dizer que as migrações entre
regiões rurais ou de regiões rurais
para urbanas deixaram de existir.
Num contexto geral, os movimentos
m ig r a t ó r ios in ter n os n o B rasi l
estiveram fortemente relacionados
“[...] aos processos de urbanização
e de redistribuição espacial da
população, marcados pela intensa
mobilidade populacional, e inseridos
nas distintas etapas econômicas,
sociais e políticas”. (BAENINGER, 2012,
p.3).
Ao longo dos últimos anos, as
migrações internas têm reorganizado
grande parte da população no
território nacional, e, principalmente,
nos estados de origem como é o caso
de Minas Gerais, onde as vertentes
da industrialização e das fronteiras
agrícolas originaram um processo de
refluxo1 (retorno).
De fato, com o passar dos anos
e consequentemente com as
modificações e transformações nos
espaços, ocorreram significativas
mudanças econômicas, sociais
e políticas que tiveram reflexos
nos movimentos migratórios. Para
1
Ver MARTINE, George. “A
redistribuição espacial da população
brasileira durante a década de 80”,
IDEM. “Migração e metropolização”.
192
Baeninger (2012), ao lado do processo
de esgotamento das fronteiras
agrícolas, houve também um forte
processo de desconcentração
relativa da indústria, que resultou
na alteração da distribuição das
atividades econômicas, e propiciou
fluxos migratórios (retorno) para essas
direções. Entre os anos de 1981 –
1991, o movimento de retorno aos
Estados de nascimento contribuiu
para a elevação no número de
Estados receptores. “Nos anos 70, o
movimento de retorno aos Estados
de nascimento representava apenas
11,0% do total da migração nacional,
proporção que chegou a dobrar no
período 1981 – 1991, alcançando
24,5% do total” (BAENINGER, 2012,
p.6).
A migração de retorno tem
representado ação importante no
cenário das migrações no Brasil,
e, consequentemente no cenário
das migrações em Minas Gerais.
Para Garcia (2014), no período de
1980 a 2000, ocorreu um aumento
na proporção de naturais mineiros
(aqueles nascidos em Minas Gerais)
residentes em Minas Gerais, por outro,
também foi identificado redução
da proporção de naturais mineiros
residentes em São Paulo, Rio de
Janeiro, Paraná e Goiás. “Ao mesmo
tempo, observou-se um aumento
proporcional, dentre os residentes
em Minas Gerais, de naturais de São
Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás”
(GARCIA, 2014, p.2). Fenômenos que
estão relacionados e no contexto dos deslocamentos representam, em certa
medida, os efeitos diretos e indiretos da migração de retorno dos naturais
mineiros ao local de nascimento.
Na Tabela 1, podemos visualizar um panorama que demonstra o saldo
migratório das cidades médias de Minas Gerais, caracterizando as migrações
internas dentro do próprio Estado.
Tabela 1 - Saldo Migratório e taxa de migração líquida Cidades Médias
de Minas Gerais – 1986 – 2010
Saldo Migratório
_____________________________
Cidades
1986-1991
1995-2000
Taxa de Migração Líquida (%)
___________________________
2005-2010
1986-1991
1995-2000
2005-2010
Divinópolis
5.405
4.710
2.397
3,57
2,56
Governador Valadares
-2.828
-7.776
-7.663
-1,23
-3,15
1,13
Juiz de Fora
9.296
14.434
5.362
2,41
3,16
1,04
Montes Claros
7.633
5.223
1.607
3,05
1,70
0,44
Pouso Alegre
7.342
5.548
6.184
8,97
5,20
4,73
Teófilo Otoni
-8.418
-10.372
-3.721
-6,47
-7,44
-2,56
Uberaba
5.224
7.410
9.684
2,50
2,88
3,18
Uberlândia
28.734
31.507
20.573
7,83
6,29
3,41
Varginha
3.244
2.823
745
3,69
2,59
0,61
ACP Ipatinga
-779
3.606
-3.245
-0,24
0,95
-0,76
Cidades Médias
54.853
57.113
31.923
2,47
2,12
1,03
-2,91
Fonte: Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.
Elaborado por: CARVALHO, R. C.; RIGOTTI, J. I. R. 2015, adaptado por ARAúJO, Ana Flávia
Rocha de.
Os dados apontam que embora o conjunto das cidades médias apresente
saldos migratórios positivos, a população seria menor 2,47% em 1991, 2,12% em
2000 e 1,03% em 2010, se não tivessem ocorrido fluxos migratórios nesses períodos.
Tendo os resultados do Censo Demográfico de 2010 como denominador da
atual situação do Estado de Minas Gerais, compreende-se que apesar dos
valores positivos, houve uma queda significativa no saldo migratório dos últimos
anos (CARVALHO, RIGOTTI, 2015).
No contexto que abrange os deslocamentos sociais de determinada
população, dois fatores seguem interligados. São eles: os fatores exógenos
e endógenos. O primeiro é característico da própria dinâmica do mercado
de trabalho que interferem na estrutura do processo, sendo alteradas por
condições climáticas, mudanças demográficas, econômicas, políticas e até
mesmo culturais. Em contrapartida, os fatores endógenos seguem associados
193
entre o lugar de origem e destino social. Nesta dinâmica encontra-se maior
complexidade na análise em virtude da diversidade de contextos que os
processos migratórios desencadeiam. O foco, no entanto, está em analisar
a desigualdade de oportunidades de mobilidade segundo a origem social, e
assim, ter a possibilidade de caracterizar estruturas importantes no processo
que possam determinar o destino social.
Observamos que há grande heterogeneidade no que se refere ao crescimento
populacional e às migrações, muito em função das dinâmicas e das estruturas
de cada cidade média, que em determinados contextos atuam como pólos de
atração e repulsão. Na Tabela 2 podemos observar a dimensão populacional
de Minas Gerais por mesorregião.
Tabela 2 - População por mesorregiões de Minas Gerais, 2010
Mesorregião
População
Urbana
População
Rural
População Total
Metropolitana de Belo Horizonte
5.944. 870
291. 247
6 .236. 117
Sul/Sudoeste de Minas
1. 980. 222
458. 389
2 .438. 611
Zona da Mata
1. 756. 051
417. 323
2 .173. 374
Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba
1. 960. 028
184. 454
2 .144. 482
Vale do Rio Doce
1. 301. 332
319. 661
1 .620. 993
Norte de Minas
1. 118. 294
492. 119
1 .610. 413
Oeste de Minas
842. 622
112. 408
955. 030
Jequitinhonha
435. 162
264. 251
699 413
Campo das Vertentes
468. 746
85. 608
554. 354
Central Mineira
360. 347
52. 365
412. 712
Vale do Mucuri
260. 924
124. 489
385. 413
Noroeste de Minas
286. 618
79. 800
366. 418
16 .715. 216
2. 882 .114
19. 597.330
Total
Fonte: IBGE, Censo 2010. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017
Em 2010, no estado de Minas Gerais foram recenseadas quase 20 milhões de
habitantes, com predomínio de população urbana. No entanto a distribuição
por mesorregião é bastante desigual, sendo o maior volume na Metropolitana
de Belo Horizonte e o menor no Noroeste de Minas. Neste contexto, buscamos
sinalizar alguns dados sobre migração, com base no Censo de 2010, partindo
da variável data fixa (Tabela 3) e da última etapa (Tabela 4).
194
Tabela 3 – Pessoas de 5 anos ou mais de idade que não residiam no município
em 31/07/2005, por sexo, situação do domicílio e grupos de idade, 2010
Mesorregião
Metropolitana de Belo Horizonte
Sul/Sudoeste de Minas
Zona da Mata
Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba
Vale do Rio Doce
Norte de Minas
Oeste de Minas
Jequitinhonha
Campo das Vertentes
Central Mineira
Vale do Mucuri
Noroeste de Minas
Total
Domicílio Urbano
464.020
139.545
111.692
176.185
106.739
69.228
60.331
26.647
28.215
23.703
18.093
19.162
1 .243.560
Domicílio
Rural
25.162
35.113
24.208
22.724
20.103
16.476
8.481
8.684
4.078
4.354
4.931
7.305
181. 619
Total
489.182
174.658
135.901
198.908
126.841
85.704
68.812
35.330
32.293
28.057
23.024
26.467
1. 425.179
Fonte: IBGE, Censo 2010 amostra. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017
Percebemos nos dados2 a presença das mobilidades no estado e que as
posições em relação ao número de emigrantes, na maior parte, se equivalem
à posição ocupada no ranking do número total de habitantes, variando entre
5% a 9,3% de migrantes.
Tabela 4 - Pessoas que residiam há menos de 10 anos ininterruptos na Unidade
da Federação, por lugar de residência anterior, 2010
Mesorregião
Metropolitana de Belo Horizonte
Sul/Sudoeste de Minas
Zona da Mata
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba
Vale do Rio Doce
Norte de Minas
Oeste de Minas
Jequitinhonha
Campo das Vertentes
Central Mineira
Vale do Mucuri
Noroeste de Minas
Total
Lugar de residência anterior
Total
Minas Gerais
209. 847
54. 267
170. 110
21. 465
104. 135
15. 639
194. 609
21. 177
78. 635
15. 712
60. 434
11. 832
37. 798
10. 522
26. 378
4. 980
19. 751
3. 985
11. 805
3.452
20. 547
3.170
24. 134
3.293
958. 184
169.494
Fonte: IBGE, Censo 2010 amostra. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017
2
Na variável data fixa o sujeito é perguntado sobre o município de residência 5 anos antes do censo,
tendo como referência a data 31 de julho de 2005.
195
Com os dados da última etapa conseguimos obter as variações de lugares
de residência no espaço de 10 anos. Destacamos as migrações regionais,
ou seja, os deslocamentos dentro do próprio estado. Podemos perceber em
comparação com outros estados brasileiros que o lugar de residência anterior
que mais aparece é o próprio estado de Minas Gerais3, revelando processo de
incremento da migração intraestadual nos últimos 10 anos.
A migração no estado é apontada por diversos estudos e pesquisas, apesar
do IBGE não mensurar migração temporária, também é comum em todas as
mesorregiões. “[...] migrante temporário é aquele que vai e volta e o processo
social que ele vive é o de sair e retornar” (MARTINS, 1988, p.45). Devido ao
constante ir e vir, esse tipo de migração integra pesquisas qualitativas, dentre
elas detectamos para essa forma de deslocamento como forma de resistir
no território, “[...] para aqueles, cujo poder de aporte de investimentos na
maioria das vezes significa apenas a venda da força de trabalho, a migração
é uma estratégia, uma resistência, uma eterna possibilidade ou impossibilidade
de ficar ou sair” (PAULA, 2003, p.123). A imagem abaixo revela a migração
que ocorre através do Rio São Francisco. Em seu estudo sobre os processos
migratórios de pescadores artesanais no “Sertão Molhado de Minas Gerais”
(2016), Araújo revela uma mobilidade “forçada” ocasionada por diversos fatores
Fonte: ARAúJO, Ana Flávia Rocha de. ( 2016)
Município de São Francisco/MG – Migração pelo rio que acontece todos os dias para o trabalho do outro
lado da margem do rio São Francisco.
196
3
Dados do Censo do IBGE 2010 (Tabela 3190), disponível em: <https://sidra.ibge.
gov.br/tabela/3190>>.
degradação do rio, dificuldade no exercício da pesca, “cercamento” de terras
e águas, aumento da pesca amadora, dentre outros. Segundo a autora, esses
fatores desarticulam não só o ambiente natural, mas, também as dinâmicas
estabelecidas do/no lugar.
Neste contexto, caracterizamos que as migrações internas no estado de Minas
Gerais se configuram enquanto fenômeno desencadeado por várias vertentes,
apresentando áreas de atração, retração e de rotatividade.
Migração interestadual de Minas Gerais
Administrativamente o Brasil compreende 27 Unidades da Federação, sendo
26 estados e um Distrito Federal, distribuídos em cinco regiões: Sudeste, Sul,
Centro-Oeste, Norte, Nordeste e Distrito Federal. (Figura 2).
Figura 2 - Grandes Regiões do Brasil -IBGE
Para compreender a migração interestadual de pessoas que nasceram
em Minas Gerais, utilizamos os dados do censo de 2010 de emigrantes de Minas
Gerais em outras Unidades da Federação por sexo (Tabela 5). A priori buscamos
identificar as Unidades de Federação onde o maior número de mineiros reside,
com intuito de analisar os principais destinos, assim como, analisamos os dados
por sexo, apresentando as diferenças existentes entre as migrações masculinas
e femininas.
197
Tabela 5 - Emigrantes de Minas Gerais em outras Unidades da Federação
por sexo 2010
Região
Norte
Nordeste
Sul
Centro-Oeste
Sudeste
Total
Unidade da Federação
Masculino
Feminino
Total
Amapá
952
594
1.545
Roraima
1.305
1.175
2.481
Acre
2.291
1.728
4.019
Amazonas
4.307
2.593
6.901
Tocantins
14.381
11.494
25.875
Pará
28.795
22.434
51.229
Rondônia
48.641
44.861
93.501
Piauí
1.382
1.068
2.450
Alagoas
1.267
1.336
2.603
Sergipe
1.752
1.529
3.281
Paraíba
1.828
2.083
3.911
Rio Grande do Norte
2.382
2.459
4.841
Ceará
3.119
3.250
6.369
Pernambuco
4.287
3.800
8.087
Maranhão
6.219
4.539
10.758
Bahia
52.471
56.927
109.399
Rio Grande do Sul
4.848
5.164
10.013
Santa Catarina
10.259
9.860
20.118
Paraná
93.210
99.647
192.857
Mato Grosso do Sul
20.926
18.265
39.191
Mato Grosso
50.309
46.512
96.821
Distrito Federal
90.338
109.179
199.517
Goiás
148.800
154.014
302.813
Espírito Santo
135.750
151.138
286.888
Rio de Janeiro
204.383
275.843
480.226
São Paulo
748.584
868.301
1.616.885
1.682.786
1.899.793
3.582.579
Fonte: IBGE, Censo Amostra, 2010. Org: FONSECA, Gildette, 2017
Conforme o IBGE (2010), foi identificado pessoas naturais de Minas Gerais em
todas as Regiões do Brasil, sendo maior na Região Sudeste e menor na Região
Norte. Ao analisar por Unidades da Federação, identificamos maior volume em
São Paulo, seguido do Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo e Distrito Federal. O
menor número de mineiros foi identificado no Amapá.
198
Os dados apontam a realidade histórica envolvendo o trabalho como fator
relevante para a motivação da migração (MATOS, 2012). O movimento dos
mineiros para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, é justificado uma vez
que a partir da década de 1930 representam o núcleo industrial brasileiro,
apesar de apresentar retrações devido às oscilações políticas e econômicas
(VALE; et al. 2004; MATOS, 2012).
A partir do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a construção de
Brasília, esta também passa a ser palco de migrações no Brasil devido à oferta
de trabalho, às dificuldades do meio rural, bem como, ao êxodo rural (MATOS,
2012). De acordo com Carvalho (2008), Brasília refletia o sonho de trabalho e
prosperidade, atraindo muitos migrantes à época de sua construção, sendo a
maioria de origem mineira, goiana e nordestina.
Podemos considerar que os motivos que compreendem os fluxos migratórios
de Minas para o Espírito Santo centram na condição fronteiriça e na questão
econômica, pois Minas Gerais estabeleceu forte vínculo com o Estado por conta
do escoamento de minério via mar. Esta relação culminou em investimentos em
transporte ferroviário, polos industriais e siderúrgicos, o que favorece migrações
interestaduais (DOTA, 2016).
Casari; Ribeiro; Damasceno (2014) ressaltam que a migração de mineiros
para Goiás é muito expressiva desde 1940, onde 44,77% dos migrantes que
residiam em Goiás eram provenientes de Minas Gerais e em 1950 este número
já alcançava 53,32%. De acordo com estes autores os marcos passíveis de
justificar estes números foram a “Marcha para o Oeste” no Governo de Getúlio
Vargas (1934-1945, 1951-1954) e o “Plano de Metas”, no governo de Juscelino
Kubitscheck. O fato de Goiás fazer parte das fronteiras agrícolas em expansão
foi um atrativo para aqueles que buscavam novas oportunidades de trabalho.
Embora estes números tenham retraído nas décadas de 1980 e 1990, Goiás
sempre ocupou lugar de destaque nos censos que tratam das migrações de
Minas Gerais.
O Estado do Amapá está acerca de 6.565 km de distância de Minas Gerais,
tomando como referência as capitais dos estados – Macapá a Belo Horizonte.
Esta extensão, envolvendo a distância entre os estados, demonstra uma das
razões para o menor fluxo de migração. Outra justificativa assenta-se no fato
do Estado do Amapá está localizado na Região Norte do país, que apresenta
menos incentivos, fomentos e investimentos na modernização e industrialização,
tornando-o pouco atrativo para aqueles que buscam emprego e/ou novas
oportunidades (VALE; et al, 2004).
199
De acordo com o IBGE (2010), o Amapá apresentava em 2010, população
de 8.069, sendo que a estimativa para 2017 é de apenas 8.757 habitantes.
Desta forma podemos considerar que, embora a migração seja menor que
em outras Unidades de Federação, a quantidade de 1.545 pessoas que se
declaram nascidas em Minas Gerais e residentes no Amapá se torna expressiva,
considerando a população total do Estado.
Ao analisar os dados por sexo, identificamos maior número de emigrantes
do sexo feminino, sendo 1.899.793 e 1.682.786 do sexo masculino. Assim, a
quantidade de mulheres naturais de Minas que vivem em outros estados é
superior à quantidade de homens na mesma condição. O número de mulheres
naturais de Minas Gerais em relação ao número de homens, que migram e que
residem em outros estados é maior em 12 Unidades de Federação, tendo maior
destaque: Paraíba, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio
Grande do Sul, Goiás e Distrito Federal.
Embora a migração feminina tenha sido negligenciada estatisticamente por
um longo tempo, por diversas razões, nos censos mais recentes estes números
retratam o significativo movimento migratório de mulheres como exposto na
tabela acima. Os estudos apontam para uma migração feminina, que pode
ser motivada por questões envolvidas em redes migratórias, organizações
familiares e comunitárias, questões étnicas e culturais; bem como, motivações
relacionadas à desigualdade, vulnerabilidade e trabalho. Faz-se necessário
ressaltar que a modernização e industrialização também favoreceram a
migração feminina que, geralmente, concentra suas atividades em trabalhos
domésticos, cuidados, comércio e a informalidade (FARIA, 2014).
Os dados indicam também 14 Unidades de Federação, onde a quantidade
de homens nascidos em Minas e que vivem em outros estados é superior ao
número de mulheres migrantes. Neste contexto destacam-se os seguintes
estados onde esta relação possui maior expressão: Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Tocantins, Rondônia e Pará.
O Mato Grosso recebeu migrantes de vários locais do Brasil nas diferentes fases
da sua ocupação e, em ambas as fases, o processo de atração migratório esteve
pautado na exploração de recursos naturais e nas políticas governamentais de
programas de ocupação e desenvolvimento regional, com maior expressividade
tem-se a relação da exploração da pecuária extensiva, e em menor escala o
comércio local. Os principais motivos de atração dos migrantes são o acesso
a terra, melhoria nas condições de vida e possibilidades de emprego (GOMES,
2000). Aqui cabe salientar a forte presença de migrantes oriundos de Minas
200
Gerais, mais especificamente da cidade de Porteirinha. O estudo de Pires (2016)
evidencia como a produção do algodão no cerrado mato-grossense propiciou
a formação de fortes redes migratórias nessa pequena cidade localizada
na mesorregião do Norte de Minas. Em geral, essas redes são compostas por
migrantes temporários que acompanham o ciclo da produção algodoeira.
Fonte: Arquivo pessoal
de Gilberto Pires Silveira,
cedido no trabalho de
campo para PIRES,
Maria Cecilia. (2016)
O
Tocantins
configura-se como
uma área de média absorção migratória, onde grande parte do crescimento
populacional nesse estado apoia-se no agronegócio. No Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Tocantins, o aumento populacional está relacionado à expansão
das fronteiras agrícolas com a presença do cultivo em larga escala de produtos
como milho, soja e algodão (IBGE, 2011).
Dentre os principais fatores que levaram os migrantes à Rondônia, está a
possibilidade de adquirirem terras férteis. A população do estado é uma das
mais diversificadas do Brasil, composta de migrantes de todas as regiões do
país. Sua ocupação foi marcada pela extração de recursos naturais, dentre
eles o látex, no primeiro e segundo ciclo da borracha, posteriormente as pedras
preciosas e madeiras. Foi uma ocupação marcada pelo processo desigual de
distribuição de terras e expropriação de terras indígenas. (SANTOS, 2014)
Em relação ao Pará, o governo fomentou facilidades para o acesso a terras e
empregos na região do Amazonas, exaltando projetos agropecuários. Deste
modo os migrantes que já se mobilizavam para o Estado desde a década
de 1950, em busca de terras férteis, se intensificaram com os investimentos
governamentais (PEREIRA, 2013).
201
Nesse sentido, mesmo que não seja possível apontar os motivos pelos quais
os homens migram mais intensamente que as mulheres para estas regiões;
conseguimos demonstrar que a migração para os estados acima apontados
está diretamente ligada às explorações dos recursos naturais e agronegócios.
Assim, é possível justificar a maior presença dos homens em relação às mulheres,
embora, como Faria (2014) sinaliza, a divisão sexual do trabalho é variada no
tempo e espaço, assim como também é variada a rigidez da separação entre
as tarefas ditas próprias de homens e próprias às mulheres.
Nas últimas três décadas, a migração internacional surgiu como um fator
relevante no Brasil. Diante desse fenômeno, que contribui para a transformação
da sociedade brasileira, na seção seguinte, dedicaremos atenção à presença
de Minas Gerais no fluxo internacional de brasileiros.
Migração internacional de Minas Gerais
De acordo com dados do Ministério Brasileiro de Relações Exteriores (2012),
um número considerável de brasileiros reside no exterior, configurando
aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Os principais destinos são: Estados
Unidos (1.280.000); Paraguai (500.000); Japão (280.000) e países europeus, como
por exemplo, Reino Unido (180.000); Portugal (137.000); Espanha (125.000);
Alemanha (89.200); Itália (70.000); França (60.000); Suíça (57.500) e a Bélgica
(42.000). Tal mobilidade migratória seria produzida pelo o que os estudos
migratórios denominam como a primeira onda migratória de brasileiros para o
exterior (MARGOLIS, 1994; TORRESAN, 1994), iniciada nos anos 1980, e concluída
nos anos 1990; e a segunda onda migratória, iniciada em meados dos anos
2000 e ainda em curso (DIAS, 2016; SCHROOTEN, SALAZAR. DIAS, 2015).
202
Figura 3- Emigrantes internacionais por município
Fonte: IBGE- Censo Demográfico 2010
A partir do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 a migração internacional
tornou-se claramente um fenômeno importante na sociedade brasileira. As
mudanças econômicas e sociais produzidas pelos governos de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002, 2002-2006), Luis Inácio Lula da Silva (2003–
2006, 2007–2010) e Dilma Rousseff (2011–2014, 2015-2016) contribuíram para
a constituição e o aumento das redes sociais entre migrantes brasileiros no
exterior, bem como, impactaram na mudança do perfil de brasileiros no exterior
(MARTINS JR, 2014; PADILLA, 2006).
A abertura econômica produzida pelo governo brasileiro na segunda
metade da década de 1990, mesmo que contraditória, possibilitou ao Brasil
experimentar mudanças que restauraram conexões com o mercado global,
além de produzir melhorias nas infraestruturas de telecomunicações, sistemas
de informação e transporte. Tais transformações foram seguidas por amplas
políticas socioeconômicas no início da década seguinte. Acesso ao crédito,
203
criação de empregos formais, investimento em programas sociais e o aumento
constante no salário mínimo possibilitaram inserir de maneira inédita uma grande
parcela da população brasileira no mercado consumidor interno (ANDERSON,
2011).
A emergência de uma classe ávida pelo consumo foi vislumbrada pelo
governo brasileiro como um promissor mercado de consumo, capaz de manter
a produção interna de bens e serviços constantemente ativa (YACCOUB, 2011;
BORGES, 2013). Esta parcela populacional não só começou a consumir com
entusiasmo produtos como eletrodomésticos, móveis, eletrônicos e automóveis,
mas também serviços. O turismo, em particular, passou a ser acessado por esse
crescente público. As facilidades de crédito para viagens e parcelamento
de pacotes aéreos fizeram parte da estratégia do governo para incentivar o
consumo deste tipo de serviço e, assim, manter o crescimento da economia
doméstica. Para o Ministério do Turismo,
O aumento da renda média e do consumo das famílias e a emergência
de uma nova classe média no Brasil constituem uma oportunidade ímpar
de fortalecimento deste mercado e de reconhecimento do Turismo
como importante fator de desenvolvimento econômico e social. No
momento em que novos produtos entram, a cada dia, na pauta de
consumo dos brasileiros, as viagens podem e devem ser incluídas neste
rol, potencializando o consumo doméstico e aquecendo a economia
(BRASIL, 2011, p.34).
Viagens internacionais, neste contexto, tornaram-se muito apreciadas por
essa população emergente, já que as tarifas aéreas se tornaram mais baratas
e a presença de companhias aéreas internacionais cresceu no Brasil nos anos
2000 (FRANCO, 2012; BORGES, 2013). Sair do Brasil tornou-se uma prática cada
vez mais possível. Estudos empíricos conduzidos recentemente em Londres e
Bruxelas revelam que tal popularização foi essencial para estimular a migração
de brasileiros para a Europa ocidental (MARTINS JR, 2017; DIAS, 2015, 2016;
SCHROOTEN, SALAZAR, DIAS, 2015).
A oportunidade de migrar para cidades dos EUA ou da Europa, onde bens
materiais - vestuários e bens eletrônicos – podem ser acessados com relativa
facilidade, quando se compara com o Brasil, e a possibilidade de acumular
capital em moedas estrangeiras, valorizadas em relação à moeda nacional,
também se tornou um forte desejo entre brasileiros originários de Minas Gerais
(TOGNI, 2012; SIQUEIRA, 2009; ALBUQUERQUE, 2012; MARTINS JR e DIAS, 2013).
Existem destinos internacionais com os quais Minas Gerais, ao longo de décadas
204
de intensa migração populacional, acabou estabelecendo fortes conexões
transnacionais.
De acordo com o IBGE (2010), a América do Norte e a Europa Ocidental
são os principais continentes onde a migração mineira ocorre. O Gráfico
1 mostra quais são os principais países procurados pelas redes migratórias
mineiras. De antemão, podemos dizer que os Estados Unidos é o principal
destino. Entre os 75.578 entrevistados pelo IBGE (2010), foram identificados
35.763 que emigraram para os Estados Unidos. O que corresponde a mais de
47% do público entrevistado. Já Portugal, mesmo que com diferença grande
em relação aos Estados Unidos, apresenta-se como o segundo destino mais
procurado entre mineiros, com cerca de 17.326 pessoas; na sequência foram
identificados com volume significativo Itália (4.599); Espanha (4.584) e o Reino
Unido (4582).
Gráfico 1- Países de destino dos emigrantes de Minas Gerais
Fonte: IBGE, Censo 2010. Org.: DIAS, Gustavo.; 2017
A literatura especializada em migração internacional demonstra que diferentes
mesorregiões mineiras desenvolveram, ao longo de décadas, fortes redes
migratórias com esses países (MARGOLIS, 1994; SIQUEIRA 2009; PEREIRA, 2012;
DIAS, 2015, 2016; TOGNI, 2012; FUSCO, 2005; SOARES, 2002; FAZITO, RIOS-NETO,
2008). Redes migratórias desenvolvidas em cidades como, por exemplo, Carmo
do Paranaíba (29.752 habitantes), Tiros (7.416 habitantes) e Rio Paranaíba (10.809
habitantes), localizadas na Microrregião de Patos de Minas e Mesorregião do
205
Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba - asseguram uma intensa circulação de
pessoas, bens e informações com o Nordeste dos Estados Unidos, Reino Unido
e Espanha (DIAS, 2016).
Tais redes foram estabelecidas no começo dos anos 1990 e desde então
revelam o desenvolvimento de uma indústria migratória especializada em
táticas de mobilidade migratória capazes de superar o sistema de vigilância
fronteiriça nesses países. Estudos conduzidos por Pereira, (2012), por exemplo,
evidenciam que redes migratórias possibilitam a mobilidade da mesorregião
do Jequitinhonha para os monocultivos de café e cana na região Sudeste
do Brasil e, em seguida, para o exterior. Pereira, (2012) destaca os Estados
Unidos, Espanha e Portugal como principais destinos, porém, pontua que outras
regiões menos usuais também se tornaram atrativas para essa população
jequitinhonhense.
Dos três municípios que selecionei para analisar, Araçuaí, Novo Cruzeiro e
Padre Paraíso, os jovens migram para Portugal e Espanha. Contudo, vale
observar que a crise econômica mundial com acento grave em 2005 na
Europa também contribuiu para que alguns imigrantes jequitinhonhenses
diversificassem suas rotas migratórias operando, em certos casos, a
migração de retorno ao Brasil, e, em outros, avançando sua fronteira
migratória indo para a África do Sul, Guiana Francesa e China (PEREIRA,
2012, p.36).
Não obstante, o Censo demonstra que a intensidade migratória é bastante
dispare entre essas mesorregiões, quando comparadas. O mapa abaixo, por
exemplo, demonstra a forte predominância da mesorregião do Vale do Rio
Doce sobre as demais (Figura 4).
Figura 4 - Origem
dos emigrantes
internacionais
por Mesorregião
de MG
206
No que diz respeito à Mesorregião do Vale do Rio Doce, a Microrregião de
Governador Valadares é a grande responsável por acentuar tal disparidade
em relação às demais mesorregiões mineiras. De acordo com Siqueira (2004), a
migração internacional do município de Governador Valadares é um fenômeno
que remonta a década de 1940. Durante a Segunda Guerra Mundial, a extração
da substância mineral mica de Governador Valadares e sua exportação para
os Estados Unidos permite o primeiro contato de valadarenses com o “sonho
americano”.
O contato com o dólar recebido como pagamento ou gorjeta aos
favores ou trabalhos prestados, cujo valor era muito acima da moeda
brasileira, passava a idéia de opulência e fartura do local de onde
vinham os americanos. Findo o ciclo econômico da mica, fica no
imaginário popular a visão dos EUA como o Eldorado [...]. Essa visão de
que a migração internacional era um projeto possível e relativamente
fácil de SE concretizar, permite compreender a saída dos primeiros
valadarenses para os EUA, na década de 60. Eram jovens, aventureiros,
de famílias de classe média que, hoje, no relato de suas experiências,
demonstram como a cultura da emigração impregnou toda uma
geração. ” (SIQUEIRA, 2004, p.04)
Na década de 60, os primeiros Valadarenses começam a migrar para os
Estados Unidos. O “sonho de fazer a América” motiva jovens em busca de
empregos pagos em dólar, bem como, a possibilidade de acessar um modelo
de vida tão fortemente promovido no Brasil. Porém, somente no final da década
de 1980, a cidade de Governador Valadares emergiu como uma espécie de
plataforma migratória, não apenas para sua microrregião, mas, até para o
restante do país. O movimento já não é mais caracterizado por aventura, mas
são migrantes resultantes da crise econômica vivenciada pelo Brasil durante o
período conhecido como a Década Perdida4. Esses compreendem a primeira
onda migratória de brasileiros para o exterior. Soares (1995, p.15), pontua que
o “[...] número de emigrantes valadarenses que se encaminham para outros
países [...] é da ordem de 33,468 pessoas; o que representa, tendo como base
o Censo de 1991, 15,9% da população encontrada na sede do munícipio e
14,5% da população do município”. Os Estados Unidos seguido do Canadá e,
mais recentemente, Portugal são os principais destinos.
4
Os primeiros estudos consideram a «Década Perdida», durante os anos de 1980
(um período caracterizado pela turbulência econômica causada por duas sucessivas
crises do petróleo - 1973 e 1979 - e a crise financeira mexicana em 1982, que se espalhou
rapidamente em toda a América Latina) como o principal motivo econômico e social
para explicar a saída de brasileiros (KAWAMURA, 1994; SALES, 1995; ver também SASAKI,
1995). De acordo com Sales (1995) e Margolis (1994), durante a década de 1980, a
migração tornou-se uma solução temporária para uma classe média que estava
lutando para manter seu estilo de vida.
207
Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos já na primeira metade de 1990
revelam a importância da indústria migratória presente em Governador
Valadares (MARGOLIS, 1994; SALES, 1995). Entre as escolas de inglês, escritórios
de advogados especializados em vistos, empresas de transferência e remoção
de dinheiro, o que parece ser mais relevante é o fato de que as agências
de viagens assumiram um papel fundamental na circularidade internacional
(MARGOLIS, 1994; FUSCO, 2005; FAZITO e RIOS-NETO, 2008; TOGNI 2012). Como
consequência, Margolis (1994) afirma que esta cidade criou uma espécie de
“cultura de migração”, onde seus habitantes consideram que a migração
traz benefícios para suas vidas e ampliam seus horizontes e muitas crianças
crescem esperando migrar como parte de sua experiência de vida. O sucesso
dos migrantes anteriores é espalhado por jornais e conversas.
A presença de uma cultura generalizada de migração em uma
determinada cidade ou região faz com que os emigrantes tenham
diversas origens econômicas e educacionais. Não só as grandes áreas
de cidadãos estão expostas à informação sobre a emigração, mas
as remessas enviadas de parentes que já fizeram o movimento para o
exterior permitem que outros sigam o mesmo. Em outras palavras, uma
cultura de migração fornece tanto a ideologia como a base material
- sob a forma de remessas de parentes no exterior - que aumentam a
possibilidade de emigração para pessoas de ampla gama de origens
(MARGOLIS 1994, p. 96, tradução nossa).
Como resultado, entre as cidades de Minas Gerais com indústrias de migração
bem estabelecidas, Governador Valadares tornou-se um lugar bem conhecido
que proporciona mobilidade não apenas para sua própria população, mas
também para pessoas de outros estados brasileiros. Alguns deles localizados a
centenas de quilômetros de distância (MARGOLIS, 1994; FUSCO, 2005; SIQUEIRA,
2009). De acordo com Fazito e Rios-Neto (2008), os contatos com pessoas
especializadas em mobilidade ainda são feitos com outras redes migratórias
brasileiras que operam em estados como Rio de Janeiro, Goiás e São Paulo.
Nas palavras Fazito e Rios-Neto,
Em março de 2003, uma pesquisa na base de dados oficial de
Governadores Valadares revelou aproximadamente 70 agências de
viagens em operação5. Portanto, deve-se considerar a adequação
das ações do turismo das agências (e seus esquemas reticulares) para
entender a estrutura do sistema de imigração brasileiro contemporâneo
- porque, como foi relatado na imprensa brasileira nos últimos dois anos,
de acordo com a investigação da polícia federal, a evidência sugere
que a rede ilegal de agências de Valadares se estende a outras cidades
brasileiras como Victoria, Rio de Janeiro e Poços de Caldas (2008, p. 314).
5
Segundo o IBGE (2015), Governador Valadares tinha uma população de cerca
de 240 mil habitantes em 2003.
208
De fato, Governador Valadares, designada por Machado (2009, p.171) como
a “capital nacional da migração”, tem sido o foco das atenções de inúmeras
pesquisas. Exemplo disto é a extensa bibliografia apresentada nesse verbete,
que tem a cidade como objeto principal de análise ou ainda pesquisas que
fazem referência a Governador Valadares para tornar inteligíveis conceitos
como “cultura migratória” ou “redes migratórias”. Fusco (2005) mostra que a
população de Governador Valadares compõe o grande número de brasileiros
em quatro Estados diferentes dos Estados Unidos, com mais de 51% de sua
população concentrada em Massachusetts. Uma afirmação semelhante pode
ser encontrada em estudos desenvolvidos por Sales (2005), que pesquisou a
origem dos brasileiros nos Estados Unidos e também encontraram a cidade de
Governador Valadares como o principal envio.
Através do exemplo apresentado acima, onde revela a circularidade
transnacional de Governador Valadares para os Estados Unidos, podemos
compreender a forte presença de redes migratórias internacionais no estado
de Minas Gerais. Uma forte indústria migratória que pode ser desdobrada em
agências de viagens, casas de câmbio, escolas de idiomas ou escritórios de
advocacia especializados em vistos. Essa indústria é responsável por superar
o forte sistema de vigilância fronteiriça que tem se multiplicado no mundo
contemporâneo. Mais do que possibilitar o trânsito transnacional de pessoas,
bens e informações, essas redes migratórias têm, também, a capacidade de
buscar destinos migratórios que sejam menos vigiados por sistemas de fronteiras
ou produzir caminhos alternativos.
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214
215
O Porta l Bra sil
Meios de
com unica çã o
por Danilo Araujo Marques
Bruno Viveiros Martins
Virgínia Siqueira Starling
“
Quem receber este primeiro
número e não o devolver será
considerado assinante para
todos os efeitos”. No início do século
XX, era comum o leitor se deparar
com esta sincera advertência
estampada em letras inconfundíveis
na primeira página de muitos jornais
mineiros – fossem eles da recémfundada capital ou das antigas
cidades do interior. Era uma forma
de contornar a hostilidade de um
ambiente marcado pelo baixo
nível de leitura e pelos altos índices
de mortalidade jornalística. “Ano
após ano”, dizia o cronista Cyro
dos Anjos, “jornais nasciam e, com
poucos meses, morriam de inanição.
(...) Nem só por falta de dinheiro:
também de assunto e de público”.
Estigmatizada pela vida breve de
seus veículos de informação, houve
um tempo em que a imprensa mineira
foi reduzida à má fama da imprensa
belorizontina, qualificada, em 1926,
pela pena pouco transigente do
cronista Moacyr Andrade no diário
carioca A Manhã, como “A cidade
que Gutenberg esqueceu”.
Acontece que algumas experiências
realizadas ainda no século XIX, como
o Compilador Mineiro – o primeiro
jornal do estado, criado em 1823 na
antiga capital Vila Rica – e o Sentinela
do Serro – que iniciou suas atividades
217
em 1830 e foi editado durante três
anos pelo republicano Teófilo Otoni,
em Vila do Príncipe, atual Serro
–, mostram que, se havia alguma
razão na vacilante reputação da
imprensa mineira, não era por falta
de iniciativa daqueles que a faziam.
Somente nos primeiros vinte e cinco
anos da nova capital, fundada em
1897, brotaram nada menos que 160
publicações – isso sem contar aquelas
que surgiram e desapareceram sem
deixar rastros nos arquivos. Em 1930,
passava de 200 o número de jornais
criados desde a inauguração de Belo
Horizonte. “Alguns eram brilhantes”,
admite Moacyr Andrade um pouco
mais complacente, “mas todos
pirilampejavam e morriam”.
Característica que se intensificou na
virada dos anos 1920 para os anos
1930 – talvez o momento mais rico
da imprensa mineira –, quando uma
verdadeira compulsão jornalística
tomou conta da capital e se
propagou para outras cidades. De
um lado, o Estado de Minas, criado
em 1928, se firmava como “o grande
jornal dos mineiros”, enquanto
puxava o Diário da Tarde, de 1931,
e era acompanhado pela Folha
de Minas de Afonso Arinos de Melo
Franco. De outro, conta o historiador
Abílio Barreto, “a fundação de jornais
na capital [tornou-se] iniciativa de
porta de café”. Em meio ao frenesi
de publicações, de fato chegou
a existir um periódico com este
perfil, o Diarinho-Reclame, que se
218
apresentava como diário, mas só
circulava quando seu editor – que
também era redator e tipógrafo –
conseguia anúncios. Nesses casos,
o homem saía de café em café à
procura de algum escritor disposto
a receber quatro mil réis para redigir
todo o jornal. E muitos textos eram
produzidos no local de encontro
mesmo, “para atender à solicitação,
imediatamente”, lembra Moacyr
Andrade, que escreveu muita coisa
em mesas de café. Tamanha era
febre jornalística em Belo Horizonte
nos anos 1930, que uma certa
Adelina Corroti, diz Abílio Barreto,
“não dispondo de recursos para a
pagar a impressão, manuscrevia o
seu quinzenário O poste em uma
folha de papel almaço e o afixava
em dois pontos mais movimentados
da cidade”.
é provável que venha destes tempos
a imagem gasta de uma imprensa
provinciana, que sempre esteve às
voltas com publicações de vida breve
e pouco alcance nacional. Clichês a
parte, a história da imprensa em Minas
Gerais mostra um panorama bem
diferente. Se é verdade que muitos
jornais nasceram e morreram no meio
desse percurso, há que se ter em
vista outras tantas experiências que,
valendo-se de artifícios engenhosos e
originais, conseguiram se reinventar e
se estabelecer sob a sombra daquela
que sempre foi uma das maiores
características da imprensa mineira:
o domínio da política.
O certo mesmo é que muita coisa
mudou desde o início do século
passado. Longe daquela realidade
de cem anos atrás – quando, por falta
de público, o leitor que se interessava
por uma publicação mineira era logo
advertido de que poderia se tornar
um assinante compulsório –, hoje em
dia o jornal impresso mais lido no país
é o diário belorizontino Super Notícia
– que entre 2014 e 2015 alcançou
um média de circulação de 249.297
exemplares, de acordo com o último
ranking da Associação Nacional de
Jornais (ANJ). Uma reviravolta que
com certeza não teria acontecido
sem a inventividade de publicações
que, em alguns casos, podem até
não ter durado muito tempo, mas
não deixaram de impactar a forma
de se fazer jornalismo no Brasil.
1. Diário de Minas: o jornal
(quase) oficial que incubou
uma revolução cultural
Com o primeiro número publicado
no dia 1 de janeiro de 1899, o
Diário de Minas chegou às bancas
mostrando logo a que vinha: voltar
toda a sua artilharia política contra o
então presidente do estado Francisco
Silviano de Almeida Brandão. Não
poderia ser diferente, seu fundador e
diretor era ninguém menos Francisco
Mendes Pimentel, o principal nome
de oposição a Silviano Brandão na
bancada mineira do Congresso.
Mas essa fase de independência
antagonista não durou muito tempo:
em novembro do mesmo ano, o jornal
foi vendido para o todo-poderoso
Partido Republicano Mineiro (PRM)
e tornou-se seu órgão oficial. Como
a rotatividade no poder ainda era
apenas de nomes e não de partidos,
não demorou muito para que o Diário
de Minas também se tornasse uma
espécie de porta-voz do Palácio da
Liberdade – de onde assomavam
discretas contribuições. Nada muito
vultoso, percebia-se logo pelo volume
minguado de 4 páginas e por sua
dependência do serviço telegráfico
do Minas Gerais – publicação oficial
do estado – quando a pauta eram
notícias vindas do Rio de Janeiro.
Logo nos primeiros anos, o Diário de
Minas quase não tinha leitores que
não fossem políticos do PRM. A praxe
da assinatura era forçosa, uma vez
que, com frequência, o jornal era o
único meio de se ter notícia sobre
quem ia bem ou mal na avaliação
da Comissão Executiva do partido.
Como sentenciava um antigo bordão
da organização “Fora do PRM não há
salvação”. Por isso mesmo o Diário
de Minas não era um jornal para se
ler como os outros. Muitos iam direto
para seção que informava sobre
o embarque e o desembarque de
políticos na estação ferroviária de
Belo Horizonte. Na verdade, para o
PRM o jornal não tinha outra função
a não ser esta. Talvez seja por essa
espécie de negligência com relação
aos outros espaços do jornal é que
219
tenha sido possível surgir – a partir
da chegada de Carlos Drummond
de Andrade na redação, ainda
nos anos 1920 – uma revolucionária
página de literatura, capaz de tornar
o tradicionalista Diário de Minas um
arauto do movimento modernista em
Minas Gerais.
O jornal do PRM sempre havia
contado com a presença de
escritores. Durante os primeiros anos
do século XX, sua redação na rua
da Bahia chegou a reunir adeptos
do parnasianismo, que, à sombra
do poeta Mendes de Oliveira,
publicavam uma seção de trocadilhos
e quadrinhas humorísticas. Mas foi a
partir de 1921, com a publicação dos
primeiros textos do poeta itabirano
Carlos Drummond de Andrade, que
o panorama começou a mudar.
Mesmo que, no ano seguinte, a
tradicional publicação do PRM
não tenha dedicado sequer uma
linha à Semana de Arte Moderna –
realizada entre 8 e 11 fevereiro de
1922 na cidade de São Paulo –, nada
conseguiu evitar que dali em diante
suas páginas reverberassem o abalo
da revolução cultural que estava
em curso no país. Em setembro
daquele ano, Drummond comentou
o romance Os condenados, de
Oswald de Andrade, e fez referência
ao Pauliceia desvairada de Mário
de Andrade; tudo em um mesmo
artigo. Dali dois anos, em 1924, já
não era mais possível que o jornal
se mantivesse alheio à visita dos dois
220
Andrades: “Minas histórica através da
visão de um esteta moderno”, anotou
um redator anônimo, que apresentou
uma entrevista com Oswald de
Andrade sob o título “Embaixada
artística”. Estava dada a largada para
a progressiva ocupação da página
de literatura do Diário de Minas
pelos modernistas, consumada de
uma vez por todas em 1926, quando
Carlos Drummond de Andrade foi
convidado para se tornar redator e
logo se viu responsável pelo cargo
de editor-chefe.
Logo que se entrava era aquele
barulho de impressão, o cheiro de
tinta, misturado ao do tabaco, a
luz crua descendo de lâmpadas
nuas. Funcionários e visitas iam se
abancando, os primeiros acostumados
a escrever artigos, corrigi-los, rever
provas conversando e sem se
perturbarem com as interrupções nem
com a barulhada de locomotiva que
subia das tipográficas. E começava
a prosa até quando saíam para os
ventos da noite fria deixando o jornal
pronto para o dia seguinte.
As palavras são de Pedro Nava, um
dos “rapazes do Diário”, que, sob
o olhar atento do chefe “futurista”,
dividia as tarefas do cotidiano de
redação com os colegas Afonso
Arinos, Emílio Moura, Cyro dos Anjos,
João Alphonsus, Abílio Barreto e
Martins de Almeida. Todos animados
e muito bem representados pela
“perfeita ironia” de que tratam os
versos de Drummond: “a mão tece
ditirambos / ao partido terrível. E ele
me sustenta”. Importante espaço
para a formação da nova geração
de escritores mineiros na virada dos
anos 1920 para os anos 1930, com o
espaço de apenas uma página, o
Diário de Minas inovou na forma de
se fazer jornalismo em Minas Gerais.
Circulou em todo o estado até 1931,
quando, um ano após a deposição
de Washington Luís da presidência da
República pela Aliança Liberal, O PRM
se dividiu entre os que apoiavam e se
opunham à solução revolucionária.
Ressurgiu 18 anos depois, em 14
de julho de 1949, comprado pelo
então prefeito de Belo Horizonte
Otacílio Negrão de Lima – que, a
essa época, tinha intenções de
usá-lo para conquistar o Palácio da
Liberdade. Em sua nova fase, o Diário
de Minas atravessou um período sob
a sombra do Jornal do Brasil, que o
arrendou por algum tempo nos anos
1960. Protagonizou um capítulo de
brilho, quando, na década de 1970,
tornou-se um verdadeiro ninho de
jovens talentos. Fechou as portas da
redação em 1994, por decreto do
Tribunal Regional Eleitoral (TRE), depois
veicular uma denúncia de desvio do
Fundo Nacional do Desenvolvimento
da Educação (FNDE) contra o então
senador Eduardo Azeredo. Um fim
não muito digno de um jornal que
um dia abriu as portas de Minas para
o restante do país.
2. Estado de Minas: a longa
vida de um jornal envolvido
com a política nacional
“Primeiro esforço válido e frutificante
para dotar Belo Horizonte de um
jornal jornalístico, em linha de
independência e compostura”,
segundo palavras de Carlos
Drummond de Andrade, o jornal
Estado de Minas foi fundado em 7
de março de 1928 por Juscelino
Barbosa, álvaro Mendes Pimentel e
Pedro Aleixo, a partir da experiência
frustrada do Diário da Manhã,
criado um ano antes, em 1927.
Com 12 páginas, formato tabloide e
tiragem inicial de 5 mil exemplares,
o diário chegava às bancas ainda
pela manhã após o trabalho de
uma equipe de jovens redatores,
composta por nomes como José Maria
Alkmin, Milton Campos, Tancredo
Neves e Francisco Negrão de Lima.
Conhecido pelo envolvimento nos
assuntos da política, o Estado de
Minas inaugurou a prática ainda no
primeiro semestre de 1929, quando
repercutiu a campanha em favor do
voto secreto, lançada pelo então
presidente do estado Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada – que, por estes
tempos, se dizia empenhado em fazer
“serenamente a revolução, antes
que o povo a faça pela violência”.
Transformado numa Sociedade
Anônima em junho de 1929, o Estado
de Minas passou a ser controlado pelo
sócio majoritário Francisco de Assis
221
Chateaubriand de Melo – empresário
paraibano que a esta altura já dava
os primeiros passos na formação
dos Diários Associados –, enquanto
Pedro Aleixo tornou-se presidente e
José Maria Alkmin, gerente. A partir
de então, o jornal engajou-se na
campanha da Aliança Liberal para
a presidência da República, tendo
Milton Campos como redator-chefe
e Tancredo Neves no cargo de
secretário de redação.
Com a derrota da Aliança Liberal
nas eleições de 1930, o Estado
de Minas abraçou a causa do
movimento armado revolucionário
e, no ano seguinte, passou a contar
com a força de outro jornal criado
por Assis Chateaubriand na capital
mineira, o Diário da Tarde. Contudo,
à medida que o tempo passava e
o Governo Provisório se mantinha
no poder, o jornal começou uma
campanha de oposição a Getúlio
Vargas e transferiu seu apoio político
àqueles setores do PRM ligados a Artur
Bernardes e simpáticos à Revolução
Constitucionalista de 1932.
Dali a 3 anos, em 1935, o jornal
voltava atrás para dar apoio a Vargas
no combate à organização de forças
políticas de esquerda em torno da
Aliança Nacional Libertadora (ANL).
Foi nessa mesma época que a
redação recebeu um jovem cronista
de 19 anos, descrito pelo então
diretor Afonso Arinos como “magro
222
(...), silencioso, caçoísta e meio
casmurro”, chamado Rubem Braga.
A posição favorável do Estado
de Minas ao governo de Getúlio
Vargas continuou durante sua fase
constitucional, atravessou o golpe
que instaurou o Estado Novo em
1937 e só foi sofrer um revés em
outubro de 1943, quando o jornal
deu ampla cobertura ao “Manifesto
dos Mineiros”: primeira manifestação
pública contra a ditadura do
Estado Novo, assinada por muitos
funcionários e colaboradores do
diário, como Pedro Aleixo, Milton
Campos, Artur Bernardes, Afonso
Arinos e Pedro Nava.
Desde então, um antigetulismo
passou a dar o tom dos editoriais
no Estado de Minas. Postura que
se manteve durante as eleições
presidenciais de 1945 e 1950,
passou pela crítica à campanha
popularizada com o lema “O petróleo
é nosso” e se acentuou em 1954,
quando o diário mineiro reproduziu
as pressões para a deposição de
Vargas que vinham da Tribuna da
Imprensa, de Carlos Lacerda. Neste
mesmo período, enquanto o país
acompanhava perplexo a notícia do
suicídio de Getúlio Vargas, o jornal
passou por uma reforma gráfica e
adotou o formato standard. Foi este
o momento que marcou a inusitada
decisão do diário mineiro de manter
uma postura mais neutra e afastada
dos conflitos políticos.
Não durou muito. Em 1962, quando
João Goulart já havia assumido
a presidência da República e o
compromisso com as reformas de
base, os editoriais do Estado de
Minas alertavam seus leitores para
uma ameaça que parecia rondar
o país: o fantasma do comunismo.
Foi assim que o jornal mineiro passou
a funcionar como um dos órgãos
articuladores do golpe militar, que
em 31 de março de 1964, depôs o
presidente João Goulart. Enquanto
isso, o diário passava por mais
inovações técnicas: em abril de 1963
inaugurou o serviço de radiofoto e, no
ano seguinte, passou por mais uma
reforma gráfica, dessa vez elaborada
pelo artista plástico Amílcar de
Castro.
Já na década de 1980, o
jornal cresceu em captação
de publicidade, vendas avulsas e
número de assinantes. E em 20 de
março de 1988, teve sua primeira foto
colorida impressa na capa, registro
do treino da seleção brasileira de
vôlei. Por esses tempos, o Estado de
Minas se destacava como o maior e
mais ruidoso órgão de oposição ao
então governador de Minas Gerais,
Newton Cardoso, tratado em suas
páginas como “o eventual ocupante
do Palácio da Liberdade”. Tamanho
era o desgaste político causado
pelo jornal dos Diários Associados
que, ainda em 1988, o governador
do estado decidiu fundar um jornal
próprio, o Hoje em Dia – diário que
circula até hoje em Belo Horizonte e
região metropolitana.
Mas dali a 3 anos, em março de 1991,
aconteceu o que parecia ser uma
reviravolta inesperada. O governador
Newton Cardoso comprou parte das
ações do Estado de Minas das mãos
do filho de Assis Chateaubriand,
Gilberto Chateaubriand, que, à
época, se encontrava em litígio
com os outros herdeiros dos Diários
e Emissoras Associados. Apesar da
surpresa, o ato não trouxe maiores
consequências para o diário mineiro.
Em janeiro de 1996, o jornal se
modernizou e passou a integrar
o Portal Uai, do grupo Diários
Associados, abrindo as portas de
sua redação para o formato digital.
Hoje, perto de completar 90 anos de
existência, o Estado de Minas não
mais concentra o monopólio das
comunicações em Minas Gerais. Não
obstante, continua atuando como
um dos principais e mais importantes
veículos da imprensa mineira, com
uma média de circulação de 48.695,
segundo dados de pesquisa realizada
em 2015 pela Associação Nacional
de Jornais (ANJ).
3. Folha de Minas: o diário que
nasceu antagonista
Em 1933, Afonso Arinos de Melo
Franco se desentendeu com Assis
Chateaubriand e deixou a direção
do Estado de Minas. O motivo era
223
a escolha que o presidente Getúlio
Vargas havia feito para o posto
de interventor federal no estado:
enquanto muitos juravam que o
escolhido seria Gustavo Capanema
– interventor interino desde a morte
de Olegário Maciel –, a surpresa
chegou a galope com a nomeação
do deputado Benedito Valladares.
Desde então, Afonso Arinos
empenhou-se na construção da
imagem de opositor dos governos
estadual e federal. Tanto fez que
acabou atingindo o ex-presidente
Antônio Carlos, num artigo
que, por determinação de Assis
Chateaubriand, foi prontamente
censurado. No dia seguinte, 14 de
junho de 1934, Arinos demitiu-se
dos Diários Associados para dar os
primeiros passos na criação do jornal
Folha de Minas, ao lado do irmão
Virgílio de Melo Franco. Conseguiu
arrastar muita gente da equipe de
reportagem do Estado de Minas,
além de atrair grandes nomes do
Rio de Janeiro e São Paulo, como
Manuel Bandeira, Gilberto Freyre,
Mário de Andrade e Sérgio Buarque
de Holanda.
O primeiro número chegou às
bancas no dia 14 de outubro de 1934
e vendeu 11 mil exemplares. Uma
estreia considerável para a época.
Mas a experiência não foi muito longe.
Às voltas com problemas financeiros,
não demorou muito para a folha ir a
pique. E o tiro de misericórdia veio
224
com a censura imposta à imprensa
pelo Levante Comunista de 1935. No
final daquele mesmo ano, o jornal que
havia surgido para importunar a vida
daqueles que ocupavam o Catete e
o Palácio da Liberdade, passou para
as mãos dos bancos oficiais mineiros.
O que em outras palavras significa
que foi parar nas mãos de ninguém
menos que Benedito Valladares.
Desgostoso, Afonso Arinos tomou o
trem para o Rio de Janeiro e nunca
mais voltou para sua terra natal.
Apesar do temerário passo do diário
depois da saída de Afonso Arinos, a
redação da Folha de Minas – na rua
Rio de Janeiro, esquina com Tamoios
– até chegou a se tornar um ponto
importante no mapa cultural de Belo
Horizonte. Certa vez, foi prontamente
convertida numa galeria de arte
para receber uma exposição do
pintor Genesco Murta. E, nos anos
1940, era visitada todo fim de tarde
por colaboradores da estirpe de Cyro
dos Anjos, Emílio Moura, Eduardo
Frieiro e João Alphonsus.
Não foi por falta de bons jornalistas
e pautas que a Folha de Minas jamais
decolou. Muito pelo contrário: além
de contar com alguns dos melhores
nomes da imprensa mineira, desde
os tempos de Afonso Arinos sempre
publicou literatura de primeira
ordem em suas páginas. E com uma
liberdade bem maior que nos outros
jornais, pois, assim como no Diário
de Minas, para o dono da Folha – o
governo estadual – a única coisa que
importava era o noticiário político.
Por isso mesmo, o melhor da Folha de
Minas foi o seu suplemento literário,
comandado, primeiro, por Otto Lara
Resende, depois por Paulo Mendes
Campos, Jaques do Prado Brandão
e Edmur Fonseca. Foram muitos os
escritores que fizeram sua estreia ali.
Por exemplo, Roberto Drummond,
que publicou o conto “O medo”
por volta de 1960 nas páginas da
Folha e, durante duas décadas, o
contabilizou como solitário exemplar
de sua produção literária.
Entre pontos altos e baixos, a Folha
de Minas seguiu uma trajetória rica
em termos de cultura, mas vacilante
quando o assunto era política. Isso
até acabar de vez em 1964, por
determinação do então governador
José de Magalhães Pinto.
4. Binômio: entre o deboche e
a denúncia política
Os primeiros anos da década de
1950 marcaram o surgimento de
uma das experiências mais originais
da imprensa brasileira: o semanário
Binômio. Tudo começou como uma
brincadeira de dois estudantes de
Direito, José Maria Rabelo e Euro
Arantes. Enfastiados com o apoio
quase unânime que a imprensa
mineira dava ao então governador
Juscelino Kubitschek, os dois jovens
trataram de concentrar esforços na
criação de uma folha com traço
meio burlesco, que desempenhasse
o papel de voz dissonante naquele
mar de consenso. O título tinha como
inspiração o slogan da campanha
responsável por conduzir Juscelino
Kubitschek ao Palácio da Liberdade
em 1950. Mas, no entendimento de
seus criadores, o lema “Binômio:
energia e transporte” deveria passar
por uma pequena modificação
a fim de ser mais condizente
com o comportamento do novo
governador. E foi assim que surgiu
a ideia do título “Binômio: sombra e
água fresca”, sempre acompanhado
de um subtítulo atrevido: “Órgão
quase independente”.
Com quatro páginas e composição
manual, o primeiro número da
publicação de José Maria Rabelo e
Euro Arantes saiu às ruas no dia 22
de fevereiro de 1952. Ainda não era
um semanário. Durante 2 anos, o
jornal chegava às bancas de 3 em
3 semanas. Quando a brincadeira
se tornou mais séria, a redação
foi transferida da república de
estudantes para o Edifício Capixaba,
na rua Rio de Janeiro, no centro de
Belo Horizonte, para depois instalar-se
em definitivo na rua Curitiba, esquina
com Carijós.
Animado por uma verve debochada,
não demorou muito para que o jornal
tivesse seus exemplares confiscados.
Tudo por conta de uma simples
viagem realizada pelo governador
225
Juscelino Kubitschek à cidade
mineira de Araxá, em companhia
do empresário Joaquim Rolla, que
não passou incólume à tinta ácida
do Binômio. Em pleno domingo, 27
de julho de 1952, a primeira página
do número 9 trazia em caixa alta
a manchete “Juscelino foi a Araxá
e levou Rolla”. E emendava com
algumas supostas palavras do
empresário, segundo o qual “muitos
entenderam que a manchete punha
em dúvida a masculinidade do
governador”. O escarcéu foi tamanho
que o então secretário de Segurança
Pública de Belo Horizonte, Geraldo
Vidigal, mandou recolher todos os
exemplares da edição, alegando
ofensa à moral e bons costumes do
tradicional povo mineiro.
Não seria a última vez. Quando
o Binômio convergiu toda a sua
artilharia contra o governo de José
Francisco Bias Fortes, as pressões do
velho político de Barbacena sobre
a redação e gráfica foram tão
pronunciadas que a direção do jornal
não teve outra alternativa a não ser
transferir a impressão para o Rio de
Janeiro. “Foi o segundo caso de exílio
tipográfico na história da imprensa
brasileira”, dizia José Maria Rabelo
– o primeiro havia sido o Correio
Braziliense de Hipólito José da Costa,
transferido para Londres por pressões
políticas da Corte portuguesa no
início do século XIX.
226
O Binômio começou a enfrentar
problemas ainda mais graves quando
tornou pública e manifesta sua
inclinação à esquerda. Foi o caso,
por exemplo, de quando José Maria
Rabelo e Euro Arantes caçaram
confusão com os integralistas. Durante
a campanha presidencial de 1955,
o jornal publicou uma montagem
fotográfica em que Plínio Salgado, o
candidato dos integralistas, aparecia
lendo tanto a Vida de Jesus, quanto
um livro da atriz nudista Luz del Fuego
– o mesmo para o qual havia escrito
um prefácio. Não demorou muito
para que os integralistas descessem
em peso para a redação do jornal.
Vendo o bando chegar e cercar o
edifício Capixaba, José Maria Rabêlo
e Euro Arantes pensaram rápido
e tiveram uma ideia: instalaram
alguns alto-falantes, de propriedade
do Partido Socialista, nas janelas e
começaram a gritar insultos, correndo
de um para o outro e mudando as
vozes. O objetivo era dar a ideia de
que havia muita gente na redação
disposta a resistir. Não se sabe se os
integralistas ficaram intimidados. Fato
é que se dispersaram em questão de
minutos.
A história não acabou tão bem para
o semanário no final de 1961. Na onda
do radicalismo político que sucedeu
a renúncia do presidente Jânio
Quadros e embalou a luta pela posse
do vice-presidente João Goulart, o
comandante das forças federais em
Belo Horizonte, general João Punaro
Bley, deu uma palestra na Associação
Comercial em que denunciava
o avanço comunista e insistia na
necessidade de se “defender a
democracia”. Poucos dias depois,
em um editorial do Binômio, José
Maria Rabelo admitia a necessidade
de se defender a democracia, mas
colocava em cheque a índole do
general para tanto. “Afinal, quem
é esse general, Punaro Bley?”. A
resposta vinha com o material trazido
por José Nilo Tavares – repórter do
Binômio enviado ao estado em que
Punaro Bley havia sido interventor, o
Espírito Santo – repleto de relatos de
violência cometida contra militantes
de esquerda: “Democrata hoje,
fascista ontem”. Foi a conta certa
do militar se dirigir à redação do
Binômio para tirar satisfação. Falou
alto com os redatores, trocou alguns
murros com Rabelo e saiu com o
rosto sangrando. Duas horas depois
o prédio foi cercado, invadido
pelo exército e toda a redação foi
destruída. Mesmo assim, o Binômio
circulou na semana seguinte – e
publicou de novo a reportagem
sobre Punaro Bley.
às vésperas do Golpe de 1964,
enquanto chegava às bancas
a edição de número 508 – a
última do Binômio –, os militares já
haviam colocado em execução a
“Operação Gaiola”. Foi por pouco
que José Maria Rabelo escapou
dessa: no exato instante em que
descia por um elevador, subiam, por
outro, os homens encarregados de
engaiolá-lo. Precursor d’O Pasquim,
que só surgiria em 1969, o Binômio –
responsável por revelar nomes como
Wander Piroli, Fernando Gabeira e
Ziraldo – terminou por ali mesmo.
José Maria Rabelo exilou-se na
Bolívia, Chile, França e só retornou ao
Brasil em 1979, após a Lei de Anistia.
Nunca mais retomou a impressão do
semanário que havia ajudado a criar
no início dos anos 1950. Os tempos
eram outros, e afinal como disse Euro
Arantes, tudo não passou de “uma
brincadeira de estudantes que a
polícia resolveu levar a sério”.
5. De Fato: o mineiro alternativo
Não foi só o Binômio que combinou
denúncia política e jornalismo em
Minas Gerais. Ainda em 1943 – em
plena ditadura do Estado Novo –,
Hélio Pellegrino, Otto Lara Resente,
Francisco Iglésias e Darcy Ribeiro
se juntavam em uma casa atrás
da Praça da Liberdade, a poucos
metros da antiga “Chefatura de
Polícia”, para editar o clandestino
Liberdade. Já 33 anos depois, em
1976 – quando dessa vez a ditadura
era militar –, a chamada “imprensa
alternativa” viu nascer outro de seus
principais exemplares mineiros, o
jornal De Fato. De acordo com Aloisio
Morais, um de seus fundadores, o
assassinato de Vladimir Herzog nas
dependências do Codi paulista em
1975 serviu como o grande pretexto
227
para se criar a publicação. O De
Fato surgia como resposta aos níveis
alarmantes atingidos pela falta de
liberdade de imprensa no Brasil.
“Quanto ao preço, cinco cruzeiros
(...) lembramos que é mais barato que
um maço de cigarros Hollywood”.
Assim terminava o editorial do
primeiro número do jornal De Fato,
publicado em janeiro de 1976. As
reuniões de pauta aconteciam
na casa de Aloisio Morais e as
tiragens eram custeadas pelos
próprios colaboradores. “A gente
se sentava numa mesa na casa do
Aloisio e cada um fazia o que podia
para ajudar”, relata a diagramadora
Dione Dutra, “às vezes varamos a
madrugada”. Vendido em bares,
portas de teatro e na Feira Hippie,
a regularidade das publicações
do De Fato era prejudicada pela
constante apreensão de exemplares
– o que só mantinha o prejuízo de
quem colaborava e aumentava o
problema da falta de recursos para
as edições seguintes.
Os assuntos abordados no jornal
eram muito diferentes do que se via
nas páginas da grande imprensa.
Variavam entre política e cultura,
economia e educação, religião e
sexualidade; e não foram poucas
as vezes em que os próprios leitores
pautaram as matérias. Foi uma
das primeiras publicações mineiras
a repercutir a voz do movimento
feminista e escancarar denúncias
228
de graves violações de direitos
humanos cometidas por policiais e
militares em Minas Gerais. Daí mesmo
apareceu uma de suas matérias
mais polêmicas, que tornavam
públicas as ações violentas da
Polícia Metropolitana (Metropol),
chamada de “Metropau” logo na
primeira página.
O jornal De Fato funcionou até 2 de
setembro de 1978, dia em que sua
redação – a casa de Aloisio Morais
e Fernando Assunção –, que ficava
no número 2.399 da Avenida do
Contorno, no bairro Floresta, sofreu
um atentado.
De manhã, estava tudo aberto e
revirado, a caderneta de endereços
tinha sido levada, fio do telefone
arrancado. Uma garrafa com um
líquido estranho sobre a mesa dava
para perceber que era uma bomba
caseira. A gente recebia cada vez
mais ameaças por telefone, de
madrugada, principalmente.
Em uma nota assinada pela equipe,
o último número do De Fato relatava
o atentado e completava: “Em que
pese a série de dificuldades que
temos enfrentado, intimidações como
estas não nos afastarão da verdade
dos fatos e continuaremos firmes no
propósito de permanecermos na
luta ao lado da oprimida maioria
do povo brasileiro.” Dali em diante o
jornal parou de circular e o atentado
nunca foi esclarecido.
6. Suplemento Literário do
Minas Gerais: um espaço de
experimentação cultural refugiado
na barriga da Imprensa Oficial
Assim que assumiu a cadeira do
Palácio da Liberdade, em 1966, o
governador Israel Pinheiro decidiu
renovar as monótonas páginas do
antigo jornal oficial do estado, o Minas
Gerais, com a ideia de incorporar
algo que fosse capaz de suavizar a
aspereza do texto burocrático. Afinal,
ele argumentava, o Minas Gerais
era o único jornal que circulava em
200 municípios do norte do estado.
A reforma ficou por conta do então
secretário de governo e diretor da
Imprensa Oficial, Raul Bernardo
Nelson de Senna, que imaginou uma
página semana de literatura e tratou
de levar a ideia para a avaliação
de três redatores do jornal: Murilo
Rubião, Ayres da Mata Machado
Filho e Bueno de Rivera.
“Por que não um suplemento literário,
em vez de uma simples página?” Raul
Bernardo gostou da ideia de Murilo
Rubião e o projeto começou a andar.
Misturando autores consagrados e
principiantes, o Suplemento Literário
do Minas Gerais foi lançado em 3 de
setembro de 1966, como encarte das
edições de sábado do Diário Oficial.
Trazia na capa um poema de Bueno
Rivera, “O país dos laticínios”, um
desenho de álvaro Apocalypse e
não se restringia à ficção, à poesia
e ao ensaio sobre literatura. Tratava,
também, de teatro, cinema e
artes plásticas. A pequena equipe
contratada por Murilo Rubião era
composta pelos redatores Márcio
Sampaio e José Márcio Penido e pelo
diagramador Lucas Raposo.
O sucesso foi instantâneo. De
outros pontos do Brasil e do exterior
começaram a chegar tanto
congratulações como colaborações.
Do Rio de Janeiro, escreveram
João Guimarães Rosa e Carlos
Drummond de Andrade. De Roma,
o poeta Murilo Mendes. Todas essas
ilustres participações contribuíram
para tornar comum a prática da
publicação de especiais – quando,
além dos 27 mil exemplares em papel
jornal do Minas Gerais, circulavam
cópias mais caprichadas, em papel
de qualidade e em cores, que se
desdobravam em 2 ou 3 semanas.
Foi em um desses especiais que,
no início de 1968, o suplemento
dedicou espaço aos jovens escritores
e artistas plásticos mineiros, gesto
fundamental na composição da
nova cena cultural do estado. Desde
que decidira acolher a produção
de jovens autores, o Suplemento
Literário do Minas Gerais já vinha
desempenhando essa tarefa. Só que
com o especial de 1968, o jornal não
formou apenas um grupo literário,
mas uma verdadeira federação
de grupos envolvidos na produção
cultural, conhecida como “geração
Suplemento”, que escolheu como
229
ponto de encontro a própria redação
do semanário. Dela faziam parte
nomes como Luiz Vilela, Humberto
Werneck, Jaime Prado Gouvêa,
Sérgio Sant’Anna, Duílio Gomes,
Márcio Sampaio, Adão Ventura.
Celebrado muito mais fora do
que dentro do próprio estado que
dava nome ao jornal, não demorou
muito para que o Suplemento
Literário esbarrasse em dificuldades
decorrentes do provincianismo
e conservadorismo político de
autoridades do interior de Minas
Gerais. Isso porque como o jornal
era recebido compulsoriamente
em repartições públicas de todo o
estado, volta e meia brotava uma
montanha de reclamações sobre
a conduta da publicação na mesa
do diretor da Imprensa Oficial – ou
mesmo no gabinete do governador
Israel Pinheiro. Foi o que aconteceu
em setembro de 1967, quando
um poema de Affonso Romano
de Sant’Anna na primeira página,
intitulado “O poeta mede a altura
do edifício”, chamou o Empire State
Building, de Nova Iorque, de “pênis
maior do mundo”. Padres, prefeitos,
vereadores e juízes de todo canto
de Minas Gerais indignaram-se com
tamanho despudor. Israel Pinheiro
mesmo não dava muita importância
a esses episódios. Na verdade, até
se divertia. Certa vez, chegou
para Murilo Rubião no Palácio da
Liberdade e perguntou: “Como é,
tem saído muito palavrão no nosso
230
suplemento?”, e emendou com uma
sonora gargalhada.
Mas não seria assim para sempre.
No início dos anos 1970, o novo
governador de Minas Gerais, Rondon
Pacheco, foi alertado para o teor
“avançado” das publicações no
Suplemento Literário. A partir de
então o semanário começou a sofrer
sérios cortes da censura, foi acusado
de ser um “antro de comunistas e
homossexuais” e começou a perder
sua importância. O suplemento
seguiu aos trancos e barrancos
até maio de 1975, quando, por
ordem do diretor Hélio Caetano,
as máquinas pararam de imprimir
um número que já estava prestes a
sair, enquanto um editorial do Minas
Gerais anunciava que a publicação
seria reformulada com vistas a “uma
maior integração de outras fontes
de cultura, de maior densidade e
abrangência”. “O episódio, que teve
repercussão nacional”, diz Humberto
Werneck, um de seus redatores,
“significava uma vitória das velhas
forças da subliteratura estadual,
concentradas na Academia Mineira
de Letras. Ao cabo de quase nove
anos de batalha, essa gente havia
conseguido, finalmente, pôr as mãos
no Suplemento Literário do Minas
Gerais”.
A eleição de Tancredo Neves
para o governo do estado, em
1982, parecia trazer consigo ventos
melhores. Como Israel Pinheiro havia
feito em 1966, o novo governador
estava empenhado em restaurar a
importância que o suplemento tivera
em outros tempos, quando chegou a
ser reconhecido internacionalmente
como um dos mais importantes
veículos de informação cultural
da língua portuguesa. Mas, apesar
do esforço em compor uma nova
equipe e preparar novas edições
especiais, ninguém discordava de
que os tempos definitivamente eram
outros. Para o poeta Affonso Ávila,
a história do Suplemento Literário
do Minas Gerais acaba em 17 de
maio de 1975, dia que saiu às ruas a
edição de número 454, última sob o
comando de Wander Piroli. “Foi nesse
momento preciso que (...) o jornal
criado por Murilo Rubião deixou de
ser relevante”
7. Imprensa Regional: o interior
também irradia informação
com criatividade
Quando o assunto é imprensa
mineira, é muito comum que as
experiências relatadas se limitem à
capital, Belo Horizonte. Mas Minas
Gerais é grande demais para caber
em 330 km². E com a criação de
veículos de notícia é claro que não
poderia ser diferente. A começar
pela própria região metropolitana
de Belo Horizonte, que atualmente
conta uma lista robusta de canais
de comunicação independentes.
Para indicar apenas alguns: Folha
de Betim e Tribuna de Betim; Diário
de Contagem e Folha de Contagem;
em Santa Luzia, Virou Notícia, Muro
de Pedra e O Grito – publicação que
esteve no centro das acusações que
recentemente levaram à exoneração
e prisão da prefeita do município,
Roseli Pimentel. Ampliando ainda
mais o raio de alcance, temos o
diário Correio do Sul, em Varginha;
o Correio de Uberlândia; o Diário do
Aço, em Ipatinga; e a Tribuna de
Minas, na cidade de Juiz de Fora.
Jornais com histórias próprias e
acentuada atuação local. Alguns de
longevidade invejável para muitas
publicações da capital – como o
jornal Lavoura & Comércio, que,
fundado em Uberaba no dia 6 de julho
de 1899, circulou até 27 de outubro
de 2003. E outros que, embora mais
recentes, não deixaram de agitar a
cena cultural de algumas das mais
pacatas cidades do interior mineiro.
Foi este o caso do jornal O Cometa
Itabirano, criado na cidade de Itabira
em novembro de 1979 por Lúcio
Sampaio, Altamir Barros, Robinson
Damasceno, Carlos Cruz, Agostinho
Souza (o Tiusguinha), Lelinho Assuero,
Genin Quintão e Humberto Sampaio
(o Touro).
Fundado como alternativa à
imprensa itabirana do período –
que, em muitos casos, não ousava se
contrapor à influência econômica da
poderosa Companhia Vale do Rio do
Doce na região –, O Cometa, conta
231
Robinson Damasceno, “era feito em
longas e caóticas reuniões etílicas
na casa do Lúcio e de lá saíamos
com nossas pautas, imediatamente
revogadas assim que surgiam
assuntos mais importantes. Tudo com
muita música, longas conversas sobre
cinema, teatro e literatura”.
Do Rio de Janeiro, o poeta
Carlos Drummond de Andrade
acompanhava com interesse a
irreverente inciativa dos jornalistas
itabiranos da nova geração. “Gosto
dos garotos do Cometa Itabirano”
expressou, certa vez, em carta
endereçada ao conterrâneo Arp
Procópio,
acho que eles, fazendo força e
se disciplinando o mínimo que é
necessário para fazer pontualmente
um jornal, poderão prestar grande
serviço à nossa Itabira, Como você
sabe, o que existe por lá são folhas
mal escritas e todas dependentes do
controle econômico da Vale, a que
não escapam as próprias autoridades
municipais, mesmo as mais bemintencionadas.
Além de colaborar com poemas
e crônicas para a publicação,
Drummond servia como uma
espécie de conselheiro e guru dos
jovens jornalistas. Era indispensável
a experiência de quem saiu de
Itabira, fez carreira jornalística em
Belo Horizonte e foi parar em um dos
principais veículos de comunicação
do país, no Rio de Janeiro. Por isso
mesmo, a troca de cartas era intensa.
Em uma delas, datada de 25 de maio
232
de 1980 – quando o jornal ainda não
havia passado do quinto número –, o
poeta indicou os pontos positivos da
lépida folha itabirana, mas chamou
a atenção:
Acho (...) que o Cometa deve
abandonar
o
vício
de
imitar
o Pasquim, que é fenômeno carioca
nunca adaptável a uma formação
social ainda muito sentimentada
como a da velha Itabira; e escrever
para a nova formação, adventícia e
incaracterística, no estilo que ela usa
(...). O Cometa pode e deve dizer
verdades que os outros jornalecos
não estão em condições de dizer, mas
pode fazê-lo em melhor linguagem e
mais apurada, com uma seriedade
mesclada de bom humor.
Puxou a orelha para concluir com
um diplomático – e retórico – “Está
de acordo?”.
“O jornal era e foi uma tremenda
experiência coletiva. Debatia-se
tudo e mais um pouco, sem medo
de rusgas. Poderíamos ter feito um
partido político decente, mas aí
o jornal não duraria o tempo que
durou”. As palavras são de Robinson
Damasceno, um dos fundadores d’O
Cometa. Sua fala está conjugada no
passado, mas a publicação ainda
hoje circula por Itabira – mesmo
que com uma periodicidade nada
periódica. Publica divertidos cartuns
e charges, e textos interessantes
sobre cultura.
Mas há quem diga que não se trata
daquele mesmo jornal com que um
dia Drummond se correspondeu. A
distância parece ter diminuído com
o passar dos anos e, atualmente,
o periódico é editado em Belo
Horizonte. Talvez seja por essa
suposta perda da identidade local
que Damasceno justifique seu
testemunho um tanto nostálgico
sobre o cotidiano d’O Cometa
Itabirano: “falo aqui de um jornal
que já não há. Aquele Cometa durou
exatos dez anos e acabou. Sua morte
ainda não foi anunciada por razões
que não me cabe discutir aqui. Mas
olhem: foram dez anos de um ganho
emocional fabuloso para todos os
que participaram daquela aventura
maravilhosa que foi O Cometa”.
8. Super Notícia: a nova cara
e linguagem da imprensa em
Minas Gerais
Certa vez, o veterano jornalista
Moacyr Andrade contou como era
o cotidiano na redação do jornal
mineiro Correio da Manhã – fundado
em 1927 por Victor Silveira e extinto
três anos depois, em 1930: “Nossos
repórteres pelejavam para arranjar
sensacionalismo noticiando crimes,
mas voltavam suados à redação, com
atentados insignificantes ao Código,
que mal mereciam uma coluna”. E,
no limite do desespero pela notícia,
não foram poucas as vezes em que os
redatores lançaram mão de recursos
escusos para encher a bola da folha:
“Inventamos pitonisas, assombrações
e até um faquir indiano, que dissemos
estar aqui incógnito, vindo de um
mosteiro do Himalaia”, confessou.
A falta de material para um “furo
jornalístico” – como se diz hoje – era
tanta que, quando finalmente um
certo sargento Anhambira matou um
tenente Humberto no quartel do 1º
Batalhão de Polícia de Minas Gerais,
o Correio Mineiro explorou a história
o máximo que pôde, e o esticou ao
longo de três meses “para que o povo
não perdesse o seu sabor, assim como
se conserva carne no congelador...”.
Não havia um só dia em que o editor
sergipano Alberto Deodato, já sem
muitas esperanças, não se queixava
da monotonia da capital mineira:
“Que cidade horrorosa, que não dá
crimes!”, saía gritando por entre as
mesas da redação. “Não dá nada
de sensacional, e temos de encher
um jornal!”.
De lá para cá, muita coisa mudou.
A cidade cresceu para além de
seu contorno original, o número de
habitantes – tanto na capital, como
nos demais municípios do estado
– explodiu. E é claro que com a
quantidade de crimes não haveria de
ser diferente. O certo é que aquela
busca por “arranjar sensacionalismo”,
que tirava o sono dos repórteres
na redação do Correio da Manhã
no final dos anos 1920, deixou de
ser tão frustrante e tomou enormes
proporções nos dias de hoje.
E foi sob a sombra desse fenômeno
social que há poucos anos surgiu em
233
Minas Gerais uma das experiências
mais bem-sucedidas em termos de
alcance público hoje no Brasil. Com
formato tabloide e linguagem direta,
o Super Notícia saiu pela primeira vez
às ruas no dia 1º de maio de 2002.
Publicado pela Sempre Editora –
criada em 1996 pelo empresário e
político Vittorio Medioli para rodar
o diário O Tempo –, o jornal Super
se destaca das outras publicações
por seguir uma linha editorial que
privilegia manchetes sensacionalistas,
textos reduzidos e prestação de
serviços públicos.
Isso sem falar no baixo custo e acesso
fácil. Se em seus primeiros anos o
tabloide podia ser adquirido por 25
centavos até mesmo em pontos de
ônibus e semáforos, hoje, em qualquer
padaria, supermercado ou farmácia,
o diário é vendido a 50 centavos.
“Desbravamos assim o mundo da
leitura ‘popular’ menosprezada,
marginalizada,
esquecida.
Cutucamos a ‘base da pirâmide’”,
diz Medioli. “Um Super debaixo do
braço ou entre mãos calejadas
passou a preencher o panorama
de Belo Horizonte, das cidades mais
próximas e de outras que, embora
distantes da capital, reclamavam
sua dose de notícias. Hoje, são 400
municípios alcançados”.
Preocupado muito menos com a
dimensão informativa da notícia
do que com seu aspecto de
entretenimento, o formato padrão
234
da primeira página do diário é a
sua principal marca: a manchete
em caixa alta de algum crime do
tipo “MORTO POR UM COPO DE
CERVEJA”, seguido da foto de uma
mulher seminua e o título do noticiário
esportivo. Portanto, se é verdade
que hoje o Super Notícia é o jornal
impresso que mais circula no país – de
acordo com o último levantamento
da Associação Nacional de Jornais
(ANJ) – e tem papel importante
na democratização da leitura e
informação, há que se observar a
diferença que o próprio tabloide
mineiro procura assumir em relação
a outros grandes veículos da
imprensa nacional, como O Globo
e Folha de São Paulo – para falar
só no segundo e terceiro lugares do
ranking da ANJ. Primeiro por conta
de uma postura que muitas vezes
desagua no mero sensacionalismo
e negligencia questões políticas
relevantes – como é o caso da
utilização da imagem feminina como
puro marketing. Segundo porque,
apesar de possuir uma equipe própria
de jovens redatores, fotógrafos e
diagramadores, não é incomum
encontrar matérias que não passam
de reformulações estilísticas de
textos publicados no jornal O Tempo
– o que, aliás, acontece com outro
tabloide mineiro da mesma natureza,
o Aqui, com relação ao diário Estado
de Minas.
Com 15 anos de existência, o
Super Notícia ao menos segue
contrariando a estatística daquela
mortalidade jornalística precoce tão
característica à história imprensa
mineira. Atualmente, chega a cerca
de 200 cidades também pelas
ondas do rádio, através do “Super
Notícia FM”, e possui uma seção
própria no portal virtual de notícias
O Tempo. Mas, apesar de todas
essas frentes, seu grande cavalo de
batalha continua sendo a versão
impressa. Com uma linguagem
direta e acessível, o “Super” – como
é popularmente conhecido – leva
informação e entretenimento a uma
parcela da população que até então
não tinha acesso a qualquer veículo
de imprensa, e acaba contribuindo
para a popularização da prática
de leitura. Isso tudo, a julgar pela
imagem que tem se tornado tão
comum nos últimos anos: pessoas que
chegam nas padarias e farmácias
pela manhã, para sair também com
um exemplar do Super Notícia nas
mãos.
Contudo, o tabloide está longe
de fechar com chave de ouro
este percurso da imprensa mineira.
Após atravessar todos estes anos
e diferentes experiências, fica a
sensação de que a história do
jornalismo impresso em Minas Gerais
revela um grande paradoxo. Se antes
o número de leitores era reduzido, é
inegável que hoje uma quantidade
muito maior de pessoas tem acesso
à produção jornalística. Mas se
houve um dia em que parecia haver
certo esforço – criativo até – para
produzir informação de qualidade,
atualmente a distinção no trato do
conteúdo deixa muito a desejar.
Enquanto jornais como Diário de
Minas, Binômio e Suplemento Literário
foram importantes vetores da cena
cultural mineira, a publicação que
mais circula no Brasil hoje preza antes
por um entretenimento rasteiro. Se
alguns dos mais influentes nomes da
literatura brasileira foram formados em
redações de antigos jornais mineiros,
não é incomum se deparar com textos
de qualidade duvidosa nas poucas
linhas que ainda restam nas páginas
da atual imprensa de Minas – sem
falar no recorrente corporativismo
político e baixo alcance nacional de
suas publicações. De fato, a história
nunca tem um destino certo e nem
é simples conta de somar. Ganha-se
muita coisa, é verdade, mas muito
também se perde. E com a imprensa
mineira não haveria de ser diferente.
Rádio e TV
“Quem não comunica, se trumbica!”
É verdade que o velho jargão de José
Abelardo Barbosa, o Chacrinha, já
foi repetido à exaustão e usado nas
mais diferentes ocasiões. Mas nem
por isso deixou de ter lá sua parcela
de verdade. Fazer a história do “se”
é sempre complicado – e muitas
vezes até controverso –, mas é bem
provável que o estado Minas Gerais
235
não teria a mesma posição no cenário
nacional sem o desenvolvimento de
seus próprios meios de comunicação.
E desde as primeiras atividades, o
rádio e a televisão têm se mantido
entre os grandes carros-chefes
da comunicação social em terras
mineiras. é verdade que este caminho
não está sendo percorrido sem
entraves, obstáculos e recuos. Mas,
de olho naquela lição de Chacrinha,
se até hoje os mineiros teimam
em manter o desenvolvimento
e atualização de seus meios de
comunicação é para não se dar
mal e continuarem sendo ouvidos no
restante do país. Uma turra que pode
ser muito bem resumida nas palavras
de Guimarães Rosa, afinal “sapo não
pula por boniteza, mas por precisão”.
1. Rádio Mineira
Em uma sala alugada na
movimentada avenida Bias Fortes, no
centro de Belo Horizonte, o radialista
Gil Costa ensaiava o retorno da
rádio que ganhara seu coração.
Conhecido pela capital como um
homem de gênio fortíssimo, incapaz
de se manter neutro em qualquer
questão que fosse, Costa entrara na
equipe da Rádio Mineira no início
dos anos 1990, quando a emissora
já passara pelas mãos de diversos
empreendedores do rádio em Minas
Gerais, e não queria largar seu posto.
Em suas tentativas de retomar as
transmissões da emissora, com um
236
quê experimental e certamente
improvisado, o radialista atropelava
ordens judiciais e desconsiderava a
aura decadente de uma rádio antiga,
já datada e perdida na cacofonia
de programas, locutores, músicas e
emissões que preenchiam as ondas
sonoras a percorrer Minas. Mas a
determinação de Costa em devolver
a Mineira ao seu lugar de origem – no
dial sempre ao alcance de uma mão
– refletia as primeiras transmissões da
rádio, sete décadas antes, em 1929,
quando um grupo de entusiastas
queria experimentar essa nova forma
de se comunicar e tratou de botar no
ar uma emissora que transmitiu meio
clandestinamente por dois anos, até
ser devida e oficialmente inaugurada
em 6 de fevereiro de 1931.
A Rádio Mineira, então, nasceu antes
mesmo de ser oficialmente declarada
a primeira emissora radiofônica de
Belo Horizonte, usando equipamentos
desativados e vendidos pela Rádio
Nacional carioca. A partir do início
da década de 1930, a Mineira
passou a contar com a colaboração
musical e financeira de seus fiéis
ouvintes, que emprestavam discos
de música clássica e enviavam cinco
contos de réis mensais à emissora,
até que esta atraiu anunciantes
suficientes para chamar a atenção
dos Diários e Emissoras Associados,
o grupo de comunicação de
Assis Chateaubriand, ao qual foi
incorporada no começo da década
seguinte.
Com uma programação eclética,
que a princípio combinava
informativos e música erudita para,
mais tarde, dar início a coberturas
jornalísticas de cunho político e
cultural entremeadas com uma
seleção musical apurada, a Rádio
Mineira cresceu, obtendo um
faturamento significativo, até meados
dos anos 1960: reflexo de uma grande
audiência, representada até pelos
motoristas da capital. Segundo
pesquisas do período, 85% dos belohorizontinos sintonizavam na Mineira
enquanto conduziam seus veículos
pelas avenidas largas e arborizadas
da capital. Tal preferência pode
ser contabilizada sob a criação de
dois programas de caráter único
no cenário radiofônico mineiro – o
“Plenimúsica”, no qual produções
recém-saídas das gravadoras e
algumas que nem haviam sido
lançadas eram apresentadas ao
público; e “Factorama”, emissão
jornalística de cinco minutos de
duração que ia na contramão dos
programas de notícia típicos da
época. Ao invés de anunciar os
acontecimentos com a voz pomposa,
como era o costume de programas
no estilo do “Repórter Esso”, noticiário
da Rádio Nacional que se dizia a
“testemunha ocular da História”,
os repórteres do “Factorama”
procuravam estabelecer um diálogo
com seus ouvintes em um tom mais
descontraído.
Os primeiros grandes obstáculos no
turbulento percurso da Rádio Mineira
vieram em 1969, ano em que os Diários
Associados decidiram implementar
modificações drásticas na popular
programação da emissora. Ao
cortar os sucessos musicais e trocar
as emissões jornalísticas por versões
empobrecidas, os dirigentes do
grupo tentavam reduzir a significativa
audiência da rádio, que já ultrapassara
o público da Rádio Guarani, também
dos Diários Associados. O auto
boicote funcionou, mas não sem
atrair a indignação dos ouvintes, que
telefonaram um sem-fim de vezes
para os escritórios da companhia
para protestar contra a decisão. Na
década de 1980, quando a Mineira
há muito perdera seu destaque entre
as emissoras de rádio do estado,
teve início a sucessão de vendas
e reformulações da programação
que culminaram, em 2004, com
seu desligamento final. De 1983 a
2002, entre processos judiciais e
disputas pela administração, a rádio
passou pela direção do médico
psiquiatra Wellington Armanelli, que a
administrou por dez anos; de Salvador
Masci, ex-presidente do clube de
futebol Cruzeiro, período em que o
radialista Gil Costa foi convidado
para chefiar a equipe; e do exdeputado Sérgio Naya, até 2002, ano
em que uma ordem judicial retirou a
emissora do ar. Quando Costa tentou
reviver a Mineira, quase não havia
mais fôlego. Meses depois, a Rádio
237
Mineira passou das ondas de rádio
para as páginas da história.
2. Rádio Guarani 96,5 FM
A poucos segundos da meianoite de 30 de abril de 2015, uma
quinta-feira, algumas palavras de
despedida ressoaram pelos rádios
de Belo Horizonte. Hoje, o anúncio
concluía, a Guarani FM se despede
da frequência 96,5, mas nossa
música, assim como nosso bom gosto,
vai continuar para sempre. Fica aqui
nosso até logo. Não foram poucos os
ouvintes que se entristeceram: afinal,
a Rádio Guarani trazia melodias do
pop, da MPB, do jazz e da bossa
nova, além das sinfonias clássicas, ao
cotidiano da capital mineira há mais
de setenta anos. Sua programação
musical eclética e refinada era, sem
dúvidas, o forte da emissora, e blocos
de programas informativos, com
claro enfoque cultural, intercalavam
a extensa seleção musical.
A Guarani foi ao ar pela primeira
vez em 10 de agosto de 1936,
em frequência AM. Fundada por
Lauro Souza Barros, a emissora se
estabeleceu como estação de
serviços e se dizia “A voz do povo”.
Seis anos depois de sua fundação,
já reconhecida como uma rádio
que revelava estrelas musicais,
grupos teatrais e orquestras em
sua programação musical e de
entretenimento, a Guarani foi
238
comprada pelo grupo de mídia
de Assis Chateaubriand, os Diários
Associados, e passou a integrar um
catálogo de jornais impressos, canais
de televisão e emissoras radiofônicas
provenientes de vários estados do
Brasil. O formato AM se manteve até
1980, quando problemas técnicos de
transmissão na região da Lagoa da
Pampulha, na capital mineira, e a
crescente disseminação das rádios
de frequência modulada (FM) fizeram
com que a frequência 1190 AM
passasse a retransmitir o conteúdo
da 96,5 FM – e a Guarani assumiu o
rosto que perdurou até 2015.
No dial FM, a Guarani cunhou novo
slogan, “Música para o seu bom
gosto”, e se consagrou definitivamente
como uma das emissoras de melhor
programação musical de Belo
Horizonte. A fama de seus programas
e músicas fez com que muitos
produtores de eventos se voltassem
para a rádio como parceira cultural
na organização de espetáculos,
festivais, concertos e shows, da música
pop às apresentações da orquestra
sinfônica. “Nota Jazz”, “ U m t o q u e
de clássico” e “Kacophonia” eram
as emissões de maior sucesso da
emissora.
Entretanto, a fama e o bom gosto
musical não impediram que a
frequência 96,5 fosse arrendada
pelos Diários Associados para a
rádio evangélica Feliz FM, de São
Paulo. Os fãs – Órfãos da Guarani
FM – protestaram e lamentaram,
mas o dia finalmente chegou. Em 30
de abril de 2015, a Guarani fez suas
últimas transmissões em frequência
FM e deixou vários ouvintes saudosos
espalhados por Belo Horizonte.
Uma surpresa, no entanto, estava
reservada: em junho do mesmo ano,
antigos funcionários, produtores e
jornalistas da rádio inauguraram a
Guarani Web, “a rádio que você
já conhece, em outro endereço”,
como afirma seu slogan. Emissões
consagradas no formato original se
juntam a novas atrações em uma
programação contínua e diária,
que mantém diversos elementos do
projeto artístico inicial da emissora
em um novo espaço, e pode ser
acompanhada no site guaraniweb.
com.br.
3. Rádio Inconfidência AM 880 e FM
100,9
Tradição e a vocação de transmitir
para todo o estado e, por que
não, todo o país também: esses
são os primeiros aspectos que vêm
à mente quando se considera a
história da Rádio Inconfidência,
uma das emissoras mais antigas de
Minas Gerais e que, até hoje, possui
uma programação cultural, musical
e de serviços completa, ancorada
na promoção e valorização das
produções mineira e nacional.
A Inconfidência nasceu em 3 de
setembro de 1936 como uma rádio
pública, vinculada ao governo
estadual, cujos esforços se voltariam
para a integração do território
mineiro através das ondas sonoras –
o que fica claro no primeiro slogan
adotado pela emissora, “A voz de
Minas para toda a América”. Apenas
cinco dias depois de suas primeiras
transmissões, a Inconfidência lançou
o que atualmente é considerado o
mais antigo programa radiofônico
brasileiro ainda veiculado ao vivo,
“A Hora do Fazendeiro”. Criada
pelo engenheiro agrônomo João
Anatólio Lima como um canal de
comunicação entre os moradores
das cidades e os produtores rurais, a
emissão permanece na grade diária
de programação da rádio.
Na década de 1940, a Rádio
Inconfidência inaugurou seus
dois canais em ondas curtas,
que retransmitiam as emissões do
canal AM, e deu início a emissões
que fariam enorme sucesso de
público durante a próxima década,
considerada a era de ouro do rádio
brasileiro: com as radionovelas
e, mais tarde, os programas de
auditório ao vivo, a emissora reuniu
maestros consagrados e importantes
nomes da música brasileira, como
Carmem Miranda, Orlando Silva,
Clara Nunes e Nelson Gonçalves. No
entanto, a partir dos anos sessenta
e devido à crescente concorrência
da televisão, a Inconfidência trouxe
mudanças à sua programação.
Em fevereiro de 1979, criou o canal
239
Inconfidência FM 100,9, apelidado de
Brasileiríssima pelo seu compromisso
com a música popular brasileira.
Com grade musical ocupada em
sua totalidade por músicas e artistas
mineiros e brasileiros, a Brasileiríssima
se consolidou no cenário cultural
nacional e se tornou apoiadora e
patrocinadora de diversos eventos e
projetos artísticos em Belo Horizonte.
Em 2004, quase sete décadas
após sua fundação, a Rádio
Inconfidência passou por um
processo de revitalização em que
seu acervo foi digitalizado, os
equipamentos, modernizados, e as
torres de transmissão, reformadas.
Os investimentos do governo
estadual, ao qual a emissora
permanece vinculada, permitiram
o relançamento da estação AM,
chamado de O Gigante do Ar,
com toda a sua capacidade de
transmissão. A programação do dial
AM 880 é diferente da Brasileiríssima,
focando em jornalismo esportivo,
emissões culturais e prestação de
serviços que chegam a todos os
municípios mineiros. Já o aniversário
de 80 anos da Inconfidência, em 2016,
foi comemorado com o lançamento
de 15 programas no canal FM e da
Inconfidência Web TV, na qual os
ouvintes podem usar as plataformas
digitais para assistir a vídeos gravados
nos bastidores da rádio e a entrevistas
com produtores dos programas.
4. Rádio Itatiaia AM 610 e FM 95,7
240
Para a Itatiaia, não havia regra
que a impedisse de concluir as
suas coberturas jornalísticas e
esportivas. Foi o que aconteceu em
1954, meros dois anos depois de ter
obtido permissão para operar em
Belo Horizonte, quando a equipe
de jornalismo da rádio fincou pés
e equipamentos transmissores em
pleno Fórum Lafayette, na capital
mineira, para dar as últimas notícias
do julgamento que deixara a
cidade suspensa de curiosidade. O
“Crime do Parque Municipal”, como
ficou popularmente conhecido
o assassinato do engenheiro Luiz
Delgado no principal parque de
Belo Horizonte pelo poeta Décio
Escobar, mexeu com o interesse
da população e o julgamento
do acusado, realizado no Fórum,
parecera ao diretor e fundador da
Itatiaia, Januário Laurindo Carneiro,
um prato cheio para conquistar
de vez a audiência da capital e se
estabelecer de vez como uma das
maiores emissoras de rádio do estado.
A equipe não fora autorizada a fazer
suas transmissões ao vivo, mas para
tudo havia uma solução: Januário
Carneiro escalou locutores para se
posicionarem ao fundo da sala do
auditório, ouvirem todas as discussões
durante a sessões do júri e dublarem
os debates e depoimentos. Por 42
horas, a Itatiaia fez a cobertura de um
tema de altíssimo interesse popular, e
as outras rádios de Belo Horizonte só
foram perceber o erro tarde demais.
Quando deram por si, precisavam
recolher as informações de uma
rival que despontava, a velocidade
impressionante, no cenário cada vez
mais diversificado da rádio mineira.
O episódio do julgamento do “Crime
do Parque Municipal” é só um na
coletânea de casos que fizeram a
história da Rádio Itatiaia, embora
mostre como a emissora encontrou
novas formas de fazer rádio. Desde
seu nascimento, a Itatiaia focou
sua programação em dois pilares
principais, esporte e jornalismo –
ainda que, ao longo das décadas,
suas emissões tenham adquirido
outros contornos, como de prestação
de serviços e até quadros musicais
e humorísticos. Seu sucesso de
público, refletido nos altos índices de
faturamento, deve-se à combinação
de assuntos que interessam a
mineiros de todas as idades e classes
socioeconômicas, e que incluem
desde as transmissões e comentários
de jogos de futebol a coberturas
internacionais, iniciadas nos anos
1960 e aprimoradas com a instalação
do primeiro canal de satélite de Minas
Gerais. As transmissões em satélite,
na verdade, levaram à criação da
Rede Itasat, uma rede composta por
seis emissoras próprias e 51 estações
afiliadas em todo o estado, capazes
de transmitir para aproximadamente
90% do território e que levam para a
audiência os programas esportivos
e jornalísticos de maior destaque da
Itatiaia.
A “rádio de Minas”, como ficou
conhecida, não detém o primeiro
lugar de audiência no estado, apesar
de ser reconhecida como uma das
cinco maiores emissoras do Brasil.
Mas seu slogan vem da relação com
Minas Gerais e as formas como a
rádio não só estabelece linguagens
mais próximas para se comunicar
com seus ouvintes, mas também se
ancora na valorização do estado
ao priorizar temas de cunho regional
e produzir quase a totalidade do
conteúdo que veicula, ao contrário
de emissoras de rádio e televisão
cujas sedes em São Paulo ou no Rio
de Janeiro fazem com que a maioria
dos programas não seja produzido
localmente. Pioneira ao transmitir
uma programação 24 horas no ar,
em 1958; a cobrir a estreia da seleção
brasileira de futebol no Campeonato
Sul-Americano, direto de Buenos
Aires, um ano mais tarde; e de enviar
uma equipe própria para a Inglaterra,
para transmitir os jogos do Brasil na
Copa do Mundo de Futebol em 1966,
a Rádio Itatiaia procura envolver sua
audiência com programas que vão
do jornalismo policial e investigativo,
o “Itatiaia Patrulha”, a bate-papos
nas noites de domingo sobre as
últimas notícias esportivas, a “Grande
Resenha Esportiva”. A presença
da rádio permanece marcante
nos maiores acontecimentos do
estado, para realizar as coberturas
que levam milhares de mineiros aos
seus aparelhos de rádio, telefones e
computadores.
241
5. Rádio Autêntica 106,7 Favela FM
Baterias automotivas, tocadiscos a pilha e equipamentos
improvisados, espalhados em um
barraco que ocupava um dos
morros do Aglomerado da Serra,
um conjunto de favelas na zona
sul de Belo Horizonte. Aliás, não era
só um barraco: tudo precisava ser
transportado com rapidez de um
canto da favela para outro, para
fugir da repressão policial que volta
e meia subia o morro para lacrar os
transmissores e calar o que já ficara
conhecido na Favela do Cafezal – a
Rádio Favela. Foram desses barracos,
que fizeram com que mais e mais
membros da favela se envolvessem
com o projeto ao emprestarem
suas casas para a realização das
emissões, e da necessidade de
improvisação, combinada ao desejo
de falar de dentro das favelas
e para essas comunidades, que
saiu a Rádio Favela, uma emissora
clandestina que, desde o final dos
anos 1970, persistiu e resistiu durante
a repressão da ditadura militar
brasileira, o preconceito contra uma
produção vinda das comunidades
marginalizadas belo-horizontinas e
a perseguição policial. Na Favela
do Cafezal, uma das comunidades
que formam o Aglomerado da
Serra, não havia energia elétrica
quando a Rádio começou, pelas
mãos de Misael Avelino dos Santos e
Nerimar Wanderley Teixeira. E os dois
242
tinham objetivos muito claros, bemdefinidos o bastante para garantirem
que mantivessem seus esforços
para driblar todas as dificuldades
impostas à transmissão de sua rádio:
além de divulgarem a música e
a cultura negras, a dupla queria
denunciar a discriminação contra
moradores das favelas, combater a
violência e promover a educação
da comunidade sobre os problemas
provenientes do tráfico de drogas.
A Rádio Favela não só sobreviveu às
investidas policiais, aos transmissores
lacrados e a uma inundação em
1995, mas ganhou o apoio das
comunidades às quais queria falar
e a simpatia de outras parcelas
da população de Belo Horizonte.
O reconhecimento internacional
veio em 1998, com o convite para
a participação no 7º Congresso
Mundial de Rádios Comunitárias,
em Milão, aonde foi premiada
como o melhor programa de rádio
alternativo; um ano depois, quando
o jornal norte-americano The Wall
Street Journal dedicou uma matéria
ao trabalho educativo empreendido
por Avelino dos Santos e Teixeira; e a
Organização das Nações Unidas já
concedeu, por duas vezes, o prêmio
Dia Mundial Sem Drogas à rádio.
Apesar dos impressionantes esforços
educativos e culturais da emissora,
a Rádio Favela se manteve na
ilegalidade até 2002, quando o
reconhecimento do governo brasileiro
finalmente veio. Nesse ano, a rádio
recebeu a frequência 106,7 FM pelo
então ministro das Comunicações,
Pimenta da Veiga, e mudou seu
nome para Rádio Educativa Favela.
Cinco anos depois, a outorga
definitiva da rádio foi entregue por
Hélio Costa, também Ministro das
Comunicações, e a Rádio Favela
pôde operar livremente. Os projetos
educacionais e o combate ao
tráfico, ao preconceito e à violência
continuam, em uma emissora que, a
partir de 2011, acrescentou uma de
suas características mais definidoras
ao seu nome: a Rádio Autêntica
Favela.
6. TV Itacolomi, Canal 4
Imagine a seguinte cena de
desenho animado: um indiozinho
sobe uma escada com uma lata de
tinta e um pincel nas mãos, pinta o
mapa do Brasil e destaca com uma
flor a localização de Belo Horizonte
no mapa de Minas Gerais. Tudo
isso embalado por um coro que ao
fundo canta: “TV Itacolomi, sempre
na liderança. Canal 4, Belo Horizonte,
Minas Gerais”. Esta foi apenas
mais uma das várias vinhetas que
marcaram a programação da TV
Itacolomi ao longo de quase vinte e
cinco anos de existência.
Fundada em 1955, na capital
mineira, pelo empresário paraibano
Francisco de Assis Chateaubriand,
a TV Itacolomi fazia parte da
realização de uma ideia ousada:
levar informação e entretenimento
ao público mineiro através de
imagem e som conjugados. Desde
1950, com a fundação da TV Tupi em
São Paulo – e, poucos meses depois,
da TV Tupi Rio –, a inovação animada
pelos Diários Associados vinha dando
mostras de que tinha tudo para dar
certo. Afinal, a repercussão parecia
promissora: em apenas quatro
anos, de 1950 a 1954, o número de
aparelhos televisores em uso no país
já havia saltado de 200 para 34.000
unidades. “Não existe hoje, fora a
bomba atômica, reação maior na
sensibilidade de um meio coletivo
do que a televisão”, dizia Assis
Chateaubriand.
A primeira transmissão da TV
Itacolomi, no canal 4, foi realizada no
dia 8 de novembro de 1955. Após o
locutor Bernardo Grimberg romper um
círculo de papel com o logotipo da
RCA (Radio Corporation of America),
a palavra ficou a cargo de Juscelino
Kubitschek, eleito presidente da
República há pouco mais de um mês.
A programação, que começava às
19h com algum desenho animado,
tinha hora certa para terminar. às
22h, o telejornal Repórter Real –
patrocinado pela Real Aerovias do
Brasil – encerrava a curta grade de
programas, com o material ilustrativo
e informativo da redação do jornal
Estado de Minas. Com o decorrer
dos anos, esse limite de tempo foi
se alargando, tanto para a frente
243
quanto para trás, e a população de
Belo Horizonte começou a criar o
hábito de ir dormir mais tarde.
Com sede no vigésimo terceiro
andar do edifício Acaiaca, no centro
de Belo Horizonte, a TV Itacolomi
contava com um estúdio de 8 por 14
metros dividido em três espaços, com
uma câmera para cada, onde se
fazia de tudo – ao vivo e ao mesmo
tempo: teleteatro, programa de
noticiário, comerciais com garotaspropaganda vindas da TV Tupi de
São Paulo. Além das três câmeras
para o estúdio, haviam outras três
para tomadas externas. Foram
estas as responsáveis pela primeira
transmissão ao vivo de um jogo de
futebol em Minas Gerais, no dia 15
de janeiro de 1956, entre os times
Villa Nova e Siderúrgica no estádio
Independência, que fica na região
leste da capital mineira.
Já na década de 1970, a TV Itacolomi
mudou-se para o Palácio da Rádio,
na avenida Assis Chateaubriand,
bairro Floresta – onde hoje se
encontra a sede da TV Alterosa.
Foi de lá que, em 4 de fevereiro
de 1971, após um pico de luz em
boa parte da cidade, a equipe de
jornalismo saiu às pressas para cobrir
o maior acidente da construção
civil brasileira: o desabamento do
pavilhão no Parque da Gameleira,
que deixou 65 operários mortos e 50
feridos.
244
A TV Itacolomi manteve sua
programação no canal 4 até o
dia 18 de julho de 1980, quando
agentes do Departamento Nacional
de Telecomunicações (DENTEL)
lacraram sua antena transmissora
na Serra do Curral, por determinação
de um decreto assinado pelo então
presidente da República João Batista
Figueiredo, que cassava a concessão
dos canais pertencentes à Rede Tupi
de Televisão em todo o país. O motivo
não era nada claro. No dia seguinte,
em matéria especial, o Jornal do
Brasil resumiu assim a situação:
A direção dos Diários e Emissoras
Associados em Minas ainda não
decidiu o que fará com os 300
empregados da TV Itacolomi, que
ontem não chegou a entrar no ar. (...)
às 10h27m, quando representantes
do Dentel desligaram os dois cristais
dos transmissores da Itacolomi, na
Serra do Curral, o clima entre os
funcionários, que já era de completa
tristeza, chegou à desolação. (...).
Durante todo o dia, uma guarnição
da radiopatrulha permaneceu em
frente ao local.
7. TV Alterosa, Canal 5
Mas, apesar do grande sucesso,
a TV Itacolomi não foi a única
iniciativa de Assis Chateaubriand
na “terra dos montanheses”, como
gostava de dizer. Em 13 de março
de 1962, “Chatô” ajudou a fundar a
TV Alterosa, emissora que dois anos
mais tarde passou a integrar o grupo
dos Diários e Emissoras Associados.
Além de retransmitir a programação
da Rede Tupi de Televisão e se valer
do alcance da TV Itacolomi em Minas
Gerais, não foram poucas as vezes em
que a TV Alterosa também transmitiu
alguns programas da Rede Unidas
de Rádio e Televisão, do empresário
paulista Paulo Machado de Carvalho
– que mais tarde mudou o nome
do grupo para Rede de Emissoras
Independentes.
Funcionou no canal 2 até 1977, ano
em que o governo federal decretou
a transferência de todas as emissoras
públicas do país para este canal. A
TV Alterosa foi logo transferida para
o canal 5, mas a ideia não pegou
em Minas Gerais: em 1984, a emissora
pública Rede Minas foi estabelecida
no canal 9. Enquanto isso, o canal
2 – que já estava vago desde 1977
– ficou sem transmitir nada durante
catorze anos. Até que, em 1991,
foi apropriado pela TV Sociedade,
fundada pelo então governador
do estado de Minas Gerais Newton
Cardoso e incorporada dois anos
mais tarde pelo Grupo Record.
Com o súbito fechamento
da TV Itacolomi em 1980, a TV
Alterosa passou a receber maiores
investimentos do Sistema Estaminas
de Comunicação – braço dos Diários
e Emissoras Associados em Minas
Gerais – e assumiu, como sede própria,
tanto o antigo prédio da TV Itacolomi,
no bairro Floresta, como sua antena
de transmissão, na Serra do Curral.
Dali a pouco mais de um ano, a TV
Alterosa filiou-se ao Sistema Brasileiro
de Televisão (SBT) logo após a sua
fundação, realizada pelo empresário
Silvio Santos em 19 de agosto de 1981
– condição que mantém até hoje. Foi
neste período que programas como
“Clubinho da Tia Dulce” – pioneiro no
formato de programas de auditório
infantis no Brasil – e “O povo na TV”,
apresentado por Dirceu Pereira,
tornaram-se grandes sucessos de
audiência entre o público mineiro.
Em 1996, a TV Alterosa instalou um
sistema digital de transmissão e passou
a difundir seu sinal para um número
maior de cidades mineiras através do
satélite Brasilsat B1, incentivando a
divulgação de programações locais.
Sob o slogan “A TV que o mineiro
vê”, as transmissões regionais da
Rede Alterosa chegam hoje a 834
dos 853 municípios mineiros, a partir
de cinco emissoras próprias: além da
pioneira TV Alterosa Belo Horizonte, a
TV Alterosa Divinópolis; Juiz de Fora;
Varginha e TV Alterosa Leste, com
sede em Manhuaçu.
8. TV Globo Minas, Canal 12
Um ano após a fundação da TV
Alterosa, em 1963, as Emissoras Unidas
deram um passo além das fronteiras
do eixo Rio-São Paulo. Só que dessa
245
vez, quem tomou a frente foi João
Batista “Pipa” do Amaral, cunhado
do empresário Paulo Machado de
Carvalho e fundador da TV Rio em
1955. Para conquistar a atenção do
telespectador mineiro, as Emissoras
Unidas estabeleceram, no canal 12,
a afiliada TV Belo Horizonte.
durante dez anos, até a inauguração
do Jornal das Sete, em 02 de abril de
1979. Com 15 minutos de duração, o
telejornal era voltado para o noticiário
local e editado por equipes formadas
em cada estado. Como não podia
deixar de ser, Minas Gerais também
teve o seu Jornal das Sete.
Mas a iniciativa não durou mais
que cinco anos. Em 5 de fevereiro
de 1968, apenas três anos desde a
sua primeira transmissão no Rio de
Janeiro, a TV Globo Ltda., de Roberto
Marinho, adquiriu a concessão da
TV Belo Horizonte e inaugurou a TV
Globo Minas, sediada na rua Rio de
Janeiro, centro de Belo Horizonte.
Com uma antena de transmissão
na Serra do Curral e retransmissores
na cidade de Juiz de Fora e em
Conselheiro Lafaiete, a TV Globo
Minas dava uma nova cara à
empresa de Marinho: de TV Globo
Ltda., começava a se estabelecer
como rede de emissoras – com sedes
no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais –, capaz de disputar parte da
audiência já estabelecida pela Rede
Tupi de Televisão.
Mas este formato de noticiário local
acabou substituído em toda a Rede
Globo pela Praça TV, em janeiro de
1983. A partir de então, cada emissora
ou afiliada ficava responsável pela
edição geral das notícias de seu
estado. Veiculadas em telejornais
que mudavam de nome de acordo
com a sigla de cada estado, a Praça
TV conferiu maior identidade ao
jornalismo regional. Em Minas Gerais,
o MGTV estreou no dia 3 de janeiro
de 1983, às 19h45, apresentado pelo
jornalista Neimar Fernandes. Exibido
antes do Jornal Nacional, durava
dez minutos e era dividido em três
blocos. Seis meses depois, o telejornal
ganhou uma edição às 12h40. A 1ª
e 2ª edições do MGTV são exibidas
até hoje, e se tornou dos programas
com maior audiência na grade da TV
Globo Minas. Em sua bancada, foram
formados jornalistas e editores como
Guilherme Menezes, Artur Almeida,
Vivian Santos e Lair Rennó.
Tanto o noticiário geral, quanto
local ficavam por conta do Jornal
Nacional, transmitido pela primeira
vez em setembro de 1969. De repente,
no meio do telejornal, desfazia-se a
rede e cada estado entrava com sua
sequência de notícias. O tempo era
curtíssimo. às vezes as matérias não
passavam de 30 segundos. Foi assim
246
Desde 25 de abril de 2008, a TV
Globo Minas passou a transmitir
sinal digital pelo canal 33 UHF
e quatro anos depois, em julho
de 2012, passou a exibir toda a
programação em alta definição. Por
determinação da Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL),
o antigo sinal analógico da Globo
Minas, no canal 12, foi desligado no
dia 8 de novembro de 2017, passando
a valer apenas a transmissão do sinal
digital.
9. TV Bandeirantes, Canal 7
Ligada à Rede Excelsior, do
empresário e sócio da Panair do Brasil
Mário Wallace Simonsen, a TV Vila
Rica foi fundada em Belo Horizonte
no ano de 1967, a partir de uma
concessão para o Banco Real, e
passou a funcionar no canal 7. Sem
muita expressão diante da disputa
entre TV Itacolomi, TV Alterosa e
Globo Minas pela audiência dos
mineiros, a TV Vila Rica foi vendida
para a Rede Bandeirantes em 1976,
nove anos depois de ser inaugurada.
O canal 7 em Minas Gerais passava
a se chamar TV Bandeirantes – ou
simplesmente Band Minas.
transmitidas por semana na TV Band
Minas. Grande parte desse déficit
acaba sendo suprido pela estação
mineira da rádio Band News FM.
Além da Band Minas, sediada na
Avenida Raja Gabaglia, em Belo
Horizonte, o Grupo Bandeirantes de
Comunicação conta ainda com
outra emissora em Minas Gerais. é a
TV Bandeirantes Triângulo, sediada
na cidade de Uberaba e responsável
pela cobertura das regiões do
Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba,
Noroeste, Sul e Sudoeste de Minas
Gerais. Funcionando também no
canal 7, a TV Band Triângulo passou
a receber este nome depois que
a antiga TV Regional – que nas
décadas de 1970 e 1980 foi afiliada
à Rede Tupi e tinha como nome TV
Uberaba – passou para as mãos do
Grupo Bandeirantes. Atualmente,
essa emissora possui uma grade de
programação mais identificada com
a produção local, com programas
como “Minas Acontece”, “Minas
Urgente” e “Paracatu Rural”.
Com uma grade de programação
pautada pela retransmissão da TV
Bandeirantes paulista, a Band Minas
reserva espaço para a iniciativa
local apenas nos telejornais. Este é
o caso do Jornal Band Minas, que
atualmente é exibido durante 30
minutos antes do noticiário nacional
apresentado pelo Jornal da Band.
Com essa dinâmica, apenas 16
horas de programação local são
247
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250
251
O Porta l Bra sil
Educa çã o
por Maria Evaristo dos Santos
O DESMONTE DAS RELAÇÕES
DE TRABALHO NA EDUCAÇÃO
E A REGULAÇÃO AUTORITáRIA
No período de 2003 a 2014, a
organização do sistema educativo
em Minas Gerais foi orientada por um
programa de governo denominado
“Choque de Gestão/Estado
para Resultados”. Esse programa,
caracterizado pelo governo como
reforma de segunda geração, foi
definido em grandes diretrizes de
acordo com seus propositores:
• Do Estado provedor para o Estado
regulador e promotor;
• Da gestão pública burocrática
para a gestão gerencial;
• Da gestão de pessoas pelo controle
para o comprometimento e
alinhamento, por meio de um
Acordo de Resultados, a partir
de um pacto para o alcance das
metas e dos objetivos expressos
em sua agenda.
O Acordo de Resultados da área
educacional concentrou sobre
as escolas e os professores a
responsabilidade pelo fracasso ou
sucesso dos estudantes, definindo
de forma unilateral, isto é, sem a
participação das escolas, os percentuais
de estudantes que deveriam ser
promovidos e os índices de proficiência
acadêmica a serem obtidos por
escola e etapa da Educação Básica.
253
Também fez parte do programa a
alteração das relações de trabalho
dos professores das escolas estaduais:
aqueles profissionais que ingressaram
no serviço público do Estado a partir
de 2003 tiveram suas carreiras regidas,
exclusivamente, pelo desempenho, e
perderam qualquer tipo de benefício
individual decorrente do tempo de
trabalho. No aspecto salarial, vigorou
o pagamento por subsídios básicos,
instituído de forma autoritária, retirando o
direito a adicionais ou gratificações que,
anteriormente, serviram para aumentar
um pouco a remuneração, sem gerar
incorporação aos vencimentos. Esses
subsídios representavam muito menos
que o Piso Nacional do Magistério.
ordem constitucional, a investidura
em cargo ou emprego público
depende da prévia aprovação em
concurso e que as exceções a essa
regra estão taxativamente previstas
na Constituição, como ocorre nas
nomeações para cargos em comissão
declarados em lei de livre nomeação
e exoneração ou no recrutamento de
servidores temporários. Em razão disso,
segundo seu voto, aqueles dispositivos
da legislação mineira permitiram a
permanência de pessoas nos quadros da
administração pública em desacordo
com as exigências constitucionais.
Não podemos chancelar tamanha
invigilância com a Constituição de
1988”.
A avaliação de desempenho individual
dos professores foi condicionada
à melhoria dos resultados do
desempenho dos estudantes, criandose um bônus, denominado “Prêmio de
Produtividade”, por meio da Lei do
Assim, coube ao novo governo
2015/2018 tomar as medidas cabíveis
para não só o cumprimento de uma
determinação judicial, mas também o
tratamento respeitoso e transparente
das questões referentes aos servidores
públicos da educação, que foram
os mais prejudicados pela Lei
Complementar 100/2007. Fato é que,
em 2015, para atender os 2 milhões de
estudantes da Rede estadual nos 853
municípios mineiros, apenas 27% desses
profissionais eram concursados e com
vínculos efetivos em suas áreas de
atuação.
Acordo de Resultados.
Outra medida que submeteu os
profissionais da educação à situação
deextrema precarizaçãoe fragilidade
institucional foi a Lei Complementar
100, de 2007, que efetivou servidores
públicos no Estado de Minas Gerais
sem aprovação prévia em concurso
público. A LC 100 foi derrubada pelo
Supremo
Tribunal
Federal (STF),
em 2014,
que julgou procedente a
Ação Direta de Inconstitucionalidade
4876. O relator, Ministro Dias Toffoli,
destacou à época que, “na atual
254
A atitude que marcou o governo
anterior em termos de política de
pessoal na área de educação foi
vender ilusão para cerca de 90 mil
trabalhadores contratados sem
concurso e ‘efetivados’, em 2007, por
lei originária de projeto do governador
à época. A inconstitucionalidade da
chamada Lei 100 era clara e motivou
imediata ação judicial do Ministério
Público.
aprovados em concursos e que
aguardavam nomeação. Em menos
de três anos de governo, 50 mil foram
nomeados. Destes, 96% atuam
diretamente na escola e 82% são
professores.
Em vez de admitir a irresponsabilidade e
buscar soluções legais para o problema,
as administrações insistiram em persuadir
os efetivados de que a Justiça manteria
os efeitos da Lei 100. Chegaram ao
cúmulo de, em algumas ocasiões,
desestimular esses trabalhadores a
buscar o ingresso na carreira por meio
de concurso público.
Graças a esse esforço de nomeação,
os servidores efetivos passaram a
representar 43% do Quadro, devendo
chegar a 50% no fim de 2018, melhorando
sensivelmente a situação encontrada
no início de 2015, quando apenas 27%
dos servidores da educação eram
concursados.
Quando, em março de 2014, a Lei
100 foi julgada inconstitucional pelo
STF, sem possibilidade de recurso,
os administradores, já em flagrante
campanha eleitoral, tentaram enganar,
mais uma vez, os efetivados, com um
novo projeto de lei estadual que não
tinha chance alguma de prosperar.
O STF deu prazo até abril de 2015 para
que os efetivados que não cumpriam os
requisitos para a aposentadoria fossem
desligados, o que atingiu cerca de 60
mil trabalhadores, mas por esforço da
nova gestão estadual esse prazo foi
dilatado para dezembro de 2015.
OUVIR PARA GOVERNAR
A linha adotada pelo atual governo
desde o início da gestão é a de valorizar
o profissional da educação. A começar
pelos milhares de trabalhadores
Seguindo a vertente da valorização,
ampliou-se o número de profissionais
com habilitação adequada. A atual
gestão reduziu a menos da metade o
índice de professores não habilitados
para o conteúdo que lecionam. Eles
eram 17,09% do total no começo de
2015 e, hoje, são apenas 7,35%, como
resultado das nomeações e do
aprimoramento do processo para a
contratação temporária (designação),
que agora tem formatação online.
Malgrado a delicada e difícil situação
financeira herdada da administração
anterior, o salário de ingresso do
professor é hoje R$ 2.135,64, ante os R$
1.455,30 vigentes em janeiro de 2015.
Coube ao Governo Fernando
Pimentel cumprir a dolorosa decisão
do STF sobre os efetivados da Lei
100. E cumpriu de forma transparente
e negociada amplamente com
as entidades representativas dos
255
trabalhadores e a Assembleia
Legislativa, adotando medidas de
redução de danos, em especial para
os servidores que estavam em licença
médica, e buscou-se dar celeridade
às aposentadorias das pessoas que
reuniam as condições para obter o
benefício.
INDICADORES EDUCACIONAIS
EM 2015
40% da população do Estado em
idade escolar:
Minas tem uma população de 20,6
milhões de pessoas, dentre as quais 7,7
milhões com idades entre 0 e 24 anos,
ou seja, quase 40% da população em
idade escolar.
1,2 milhão de pessoas com 15 anos
ou mais de idade são analfabetas:
Minas tem hoje 7,6% da população com
15 anos ou mais de idade analfabeta, o
que representa cerca de 1,2 milhões
de pessoas.
População adulta, cuja escolaridade
média não apresenta nem ao menos
o Ensino Fundamental completo:
256
ranking dos estados brasileiros, neste
quesito.
15% da população de 15 a 17 anos
estão fora da escola:
No que se refere ao atendimento
escolar,
ainda há muito o que ser
feito para levar as crianças e jovens
mineiros às escolas, principalmente
quando considerados os jovens acima
de 15 anos. Destes, 15% estavam fora
do sistema, ao passo que, na faixa
etária anterior, de 6 a 14 anos, observase um atendimento praticamente
universalizado.
Dos 85,7% da população de 15 a
17 anos que frequentam a escola
(idade recomendada para se cursar
o Ensino Médio), cerca de 40% ainda
se encontra no Ensino Fundamental:
Outra preocupação importante,
afora o atendimento escolar, referese à relação entre idade e nível de
ensino cursado. Essa distorção é
reflexo dos altos índices de retenção
e de abandono escolar.
25,5% dos alunos dos anos finais e
30,3% dos estudantes do Ensino Médio
estadual apresentam idade acima da
adequada para a série que frequenta:
Escolaridade medida da população
adulta (25 anos de idade ou mais),
calculada em 7,35 anos. Minas
possui uma população adulta, cuja
escolaridade média não alcança
o Ensino Fundamental completo,
Na Rede estadual, segundo dados do
Censo Escolar de 2013, 5,2% dos alunos
dos Anos Iniciais, 25,5% dos alunos
dos Anos Finais e 30,3% do alunado do
Ensino Médio estadual apresentam-
deixando o estado na 14ª posição no
se distorcidos em relação à idade-
série, ou seja, apresentam idade
superior (em pelo menos dois anos) à
idade recomendada à série que
frequentam.
19,6% dos alunos da rede estadual são
reprovados ou abandonam o Ensino Médio
(cerca de 135 mil jovens):
Considerando-se agora os indicadores
educacionais mineiros, no que
tange às taxas de rendimento dos
alunos (aprovação, reprovação e
abandono), observa-se que cerca
de 10% dos alunos é reprovada
ou abandona
alguma série dos
Anos Finais do Ensino Fundamental.
Essa taxa é praticamente dobrada,
quando se trata do Ensino
Médio – 19,6%. Em outras palavras,
aproximadamente 135 mil jovens são
reprovados ou abandonam o último
nível de ensino da Educação Básica,
revelando um cenário alarmante.
96% dos alunos não sabem o
recomendado em Matemática e
64% não sabem o recomendado
em matemática e 64%, não sabem o
recomendado em Língua Portuguesa:
Quanto ao desempenho escolar dos
estudantes, Minas Gerais tem liderado
o ranking dos estados brasileiros
no índice de Desenvolvimento de
Educação Básica – IDEB no Ensino
Fundamental (tanto nos Anos Iniciais
quanto nos Anos Finais). No entanto,
apesar de ainda ser destaque – ficando
em 3º lugar no ranking dos estados
– o Ensino Médio precisa de urgentes
intervenções, pois a última avaliação
censitária de desempenho dos alunos
da Rede estadual mineira (PROEB)
aponta que 96% dos alunos não sabem
o recomendado em Matemática e 64%
não sabem o recomendado em Língua
Portuguesa, terminando a Educação
Básica com gravíssimas lacunas de
conhecimento.
Gargalos de reprovação e abandono no
6ºano do Ensino Fundamental e no 1º ano
do Ensino Médio:
ESCOLAS DEMOCRáTICAS
Em termos mais detalhados, é
possível identificar que os maiores
gargalos ocorrem no 6º ano do Ensino
Fundamental e no 1º ano do Ensino
Médio – por apresentarem as maiores
taxas de abandono e reprovação – que
afunilam ou mesmo retardam o acesso
dos alunos às demais etapas de ensino
da Educação Básica.
Em 2015, a herança recebida do
governo anterior não era nada
encorajadora: dos salários baixos para
os trabalhadores à falta de diálogo
com a categoria; das escolas com
infraestrutura precária, com apenas
26% delas em condições adequadas
de funcionamento a uma visão dos
processos de aprendizagem, sem
falar nas altas taxas de evasão e
abandono escolar, especialmente no
257
Ensino Médio; e, claro, um quadro
de pessoal prestes a se dissolver
depois que a Lei 100 foi considerada
inconstitucional, “retirando”, com isso,
do quadro de funcionários, mais de
65 mil trabalhadores da Educação.
Um cenário desafiador, para dizer o
mínimo.
Quando o assunto era aprendizagem
dos estudantes, os governos anteriores
tinham um viés meritocrático, com
vistas apenas nos resultados, traduzido
na prática por uma educação boa
para os supostamente bons - num
cenário de evasão, abandono e
dificuldades de aprendizagem, claro
está que esta prática só aprofundava
as desigualdades educacionais.
O estimulo para as unidades
educacionais era o bônus salarial
pago aos trabalhadores das escolas
que alcançassem bons resultados
nas avaliações externas e tivessem
o seu índice de Desenvolvimento da
Educação (IDEB) em crescimento.
Uma política que, além de excludente,
gerava competitividade ilegítima
entre as escolas que tinham diferenças
gritantes e necessidades diversas. Essa
estratégia dava margem para que as
escolas só aplicassem as avaliações
aos estudantes qualificados e que
tinham bom desempenho.
Especialmente em relação ao
Ensino Médio, a principal proposta
apresentada foi denominada de
“Reinventando o Ensino Médio”, que
consistia na extensão obrigatória de
258
um horário (50 minutos) na jornada
diária dos estudantes, ocupado
com pinceladas sobre o mercado
de trabalho, dentro de um leque de
seis áreas, entre elas turismo, gestão
de negócios, empreendedorismo e
informática. O viés da abordagem era a
empregabilidade, ou seja, informar
o jovem e desenvolver habilidades
exigidas pelo mercado.
Na Educação Profissional, os governos
anteriores optaram pela terceirização,
por meio do Programa de Educação
Profissional (PEP), com repasses a
instituições formadoras privadas
que ofertavam cursos técnicos
profissionalizantes aos jovens das
escolas públicas. Em mais ou menos 8
anos, foram gastos aproximadamente
R$ 70 milhões para formar apenas 36
mil estudantes.
Uma nova gestão com foco na
participação democrática, no trabalho
coletivo, na aprendizagem significativa
implica um conjunto de mudanças no
fazer pedagógico, especialmente em
relação ao jovem. A opção foi ouvir
a juventude, ciente de que uma
mudança no Ensino Médio jamais
daria certo sem que os principais
interessados se tornassem protagonistas
de suas trajetórias. Em 2015, realizamos
Rodas de Conversa nos 17 Territórios de
Desenvolvimento do Estado, reunindo
estudantes e profissionais para debater
como as escolas poderiam se aproximar
da realidade da juventude.
A política para o Ensino Médio
implantada a partir desse diagnóstico
participativo tem em sua essência o
reconhecimento dos jovens e de suas
necessidades e busca uma educação
para a equidade. Uma proposta que
leva em conta a necessidade de cada
um: do estudante que está com uma
trajetória regular na escola àquele
que apresenta distorção idade/série.
E também a realidade daquele que
apenas estuda, ou que estuda e
trabalha, que mora no campo ou na
zona urbana, os estudantes indígenas,
quilombolas, com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento,
altas habilidades/superdotação. Ou
seja, atuar no aprofundamento da
equidade, olhando para os diferentes
e para a diversidade de suas vidas.
Na prática, esta política inclusiva, que
considera os sujeitos, seus saberes e
necessidades se concretizou em ações
distintas, tais como o Ensino Médio
Noturno e o Integral e Integrado. O
primeiro atende o estudante trabalhador,
oferece um horário compativel com
essa condição, de 19h às 22h15, com
um dos quatro horários reservado para
uma disciplina Diversidade, Inclusão
e Mundo do Trabalho (DIM) que, por
meio da pedagogia de projetos e da
interdisciplinaridade, faz o diálogo
entre o conhecimento escolar e o
mundo do trabalho.
Para o Ensino Médio, apostamos no
protagonismo juvenil e na formação
de coletivos juvenis. Além disso, criamos
o Programa de Iniciação Cientifica
articulado com a universidade e cujo
objetivo é fazer pesquisa aplicada com
estudantes para que busquem soluções
para os problemas de seu território.
O Ensino Médio Integral e Integrado
foi implantado em 44 escolas em
2017 e chegará a 80 escolas em
2018. O projeto baseia-se na gestão
democrática, assegurada pela
participação dos estudantes na
organização da escola e do currículo; o
direito à aprendizagem, proporcionado
pela extensão da carga horária;
e na apropriação da cidade pelos
estudantes, resultante da combinação
das disciplinas “Pesquisa e Intervenção”
e “Diálogos Abertos com a Cidade”.
O estudante é quem opta pela
Educação Integral e Integrada e
também é ele quem escolhe os temas de
estudo na ampliação da jornada. Essa
escolha se dá em três grandes campos
de integração curricular: “Cultura, Artes
e Cidadania”, “Pesquisa e Inovação
Tecnológica” e “Comunicação,
Linguagens e Mídias”, além de um Curso
Técnico Profissionalizante integrado.
Iniciado em agosto, o projeto atendeu
aproximadamente 5 mil estudantes e
a expectativa é ampliar para mais de
19 mil em 2018.
A Secretaria de Estado de Educação
também instituiu, em 2015, uma
nova concepção de avaliação dos
estudantes e das escolas, p a u t a d a
no compromisso com a promoção
da equidade e com a redução
259
das desigualdades educacionais.
A proposta implementada visa
promover uma mudança de cultura na
avaliação, que leve as comunidades
escolares a discutirem suas próprias
potencialidades, sem provocar disputas
competitivas e posição em ranking. E,
ainda, implantar um novo paradigma
que estimule a cultura da participação,
da contribuição dos resultados para
que cada escola compreenda sua
realidade, entenda como está inserida
em seu contexto social e que, a partir da
sua realidade, busque alternativas de
melhoria da aprendizagem.
Assim, o Sistema Mineiro de Avaliação
(Simave) trouxe algumas novidades que
reforçam a mudança da centralidade
da avaliação para uma ótica de
promoção da equidade.
O Sistema Mineiro de Avaliação
(Simave) foi criado com vistas ao
levantamento de informações acerca
do desempenho dos estudantes do
Ensino Fundamental e Médio do
sistemapúblico de educação do Estado
em avaliações externas: o Proalfa e o
Proeb. As avaliações são desenvolvidas
por meio de parceria entre a Secretaria
de Estado de Educação e o Centro
de Políticas Públicas e Avaliação da
Educação (Caed), da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF).
O Proalfa é uma avaliação anual e
censitária para os alunos do 3º ano
do Ensino Fundamental para verificar
o desempenho dos estudantes em
procedimentos de leitura e escrita.
260
Já o Proeb avalia competências expressas
pelos alunos do Ensino Fundamental
e Médio em Língua Portuguesa e
Matemática.
Até 2014, o Proeb era aplicado apenas
no 9º ano do Ensino Fundamental e no
3º ano do Ensino Médio, isto é, apenas
no final de cada etapa de ensino. A
novidade implantada em 2015 foi a
ampliação da avaliação de estudantes
do 7º ano do Ensino Fundamental e do 1º
ano do Ensino Médio. Ao introduzir este
formato, a Secretaria de Estado visualiza
a realidade do aluno que está na escola
e atua nas dificuldades que surgem no
processo de aprendizagem. O dado
da avaliação nos anos intermediários
permite visualizar os desafios que estão
em curso. Com isso, a ação da escola
fica mais qualificada e compromissada
com a redução das desigualdades
educacionais. Esta concepção
de avaliação pode fortalecer o
compromisso dos educadores com a
melhoria da qualidade da educação,
por meio da socialização e da
apropriação de seus resultados.
Outra novidade foi a inclusão de
mais um padrão de desempenho na
escala de proficiência, que passou
a ter quatro níveis: baixo, intermediário,
recomendável e avançado, permitindo
uma análise mais aprofundada dos
resultados e melhor distribuição dos
alunos por grupos.
As comunidades escolares de Minas
Gerais participam de forma efetiva
nesses processos de avaliação que
variam entre 80 e 90% dos alunos da Rede
pública. O teste não é obrigatório, mas
há intensa mobilização e participação
efetiva das 47 Superintendências
Regionais de Ensino (SREs), diretores,
gestores, pais e alunos e prefeituras dos
853 municípios de Minas. Em 2015,
foram mais de um milhão de alunos
de todas as Redes públicas (Estado e
Municípios). O trabalho, em parceria
com as Superintendências, inclui a
capacitação de pessoal que garanta
que os testes sejam sigilosos e que
cheguem a cada um dos estudantes.
Associada à avaliação da proficiência
foi desenvolvida uma plataforma de
monitoramento da aprendizagem, em
que cada uma das escolas desenvolve,
de forma participativa, um diagnóstico
que articula indicadores de contexto
e desempenho, cujo objetivo é
a construção coletiva de ações
pedagógicas para a melhoria da
aprendizagem, da oferta educativa e
da convivência democrática.
Por fim, a Educação Técnica
Profissional se tornou realidade no
sistema estadual de ensino. Em 2016,
foram criados 34 cursos, distribuídos
em 282 escolas da Rede, que tiveram
em dois anos 44 mil estudantes
matriculados. Esse número é superior a
todos os formados pelo antigo PEP em
oito anos. E com uma grande diferença:
são cursos incorporados ao plano
de atendimento das escolas, o que
garante a sua continuidade, pois não
dependem de convênios e repasses a
instituições formadoras privadas.
A tudo isso, soma-se a política de
valorização dos trabalhadores da
Educação, com várias medidas que
impactaram a vida do trabalhador e
a qualidade do ensino ofertado.
EDUCAÇÃO 2015/2018
DADOS GERAIS DA REDE
A Rede Estadual de Ensino tem
2.137.891 alunos matriculados, em
3.643 escolas. Ensino Fundamental:
1.148.060 matrículas
Professores ativos no Estado: 162.509,
sendo 62.246 efetivos e 100.263
designados. Total de trabalhadores:
230 mil, entre efetivos e designados
Fonte: Censo Escolar 2016
NOMEAçõES
O Governo de Minas Gerais já
nomeou 50.457 novos servidores
desde 2015. Somente em 2017 , foram
13.255 servidores nomeados. Do
total de nomeados, 41.353 (82%) são
professores.
APOSENTADORIAS
Desde 2015, o Governo de Minas
já aposentou 40.498 servidores da
educação. Foram 13.555 servidores
261
em 2015; 15.237 em 2016 e, em 2017
já foram publicados 11.706 atos de
aposentadoria.
Já o salário médio dos servidores teve
um aumento de mais de 54%, passando
de R$ 2.127,47 para R$ 3.277,74 (os
dados são de julho de 2017); sem
contar o pagamento do Adveb.
ACORDO HISTÓRICO E EVOLUçÃO
SALARIAL
Em cumprimento ao acordo
histórico que foi transformado na Lei
nº 21.710/2015, os reajustes salariais
concedidos aos servidores por esta
gestão do Governo de Minas Gerais
representam um aumento de 46,75% na
remuneração dos professores da Rede
estadual. Em janeiro de 2015, quando
o governador Fernando Pimentel
assumiu, os professores de Educação
Básica da Rede estadual de ensino
mineira recebiam um salário inicial de R$
1.455,33. Hoje, a remuneração inicial do
professor é de R$ 2.135,64, contando o
vencimento básico, que é de R$1.982,54,
mais um abono de R$ 153,10, que será
incorporado à tabela de vencimento
em julho de 2018, para uma carga
horária de 24 horas semanais. Vale
destacar que a mesma proporção
dos reajustes salariais e o benefício do
Adicional de Valorização da Educação
Básica (Adveb) também são estendidos
às demais carreiras da Educação e aos
servidores aposentados. Este adicional
é pago mensalmente e corresponde a
5% do vencimento básico do servidor,
a cada cinco anos de efetivo exercício,
contados a partir de 1º de janeiro de
2012, o que já beneficia mais de 40
mil servidores.
262
PROGRESSõES E PROMOçõES
Desde o início da gestão, já foram
realizadas 54.771 progressões de grau e
34.491 promoções de nível em todo o
Estado. Valedestacarqueaspromoções
na carreira estavam congeladas desde
2011.
EDUCAçÃO INTEGRAL E INTEGRADA
– ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL
Desde 2015, o número de estudantes
atendidos nessa iniciativa cresceu
50% e a proposta é ampliar ainda mais
a ação. No final de 2014, eram 102 mil
e em 2018 esse número já chega a 150
mil alunos, em cerca de 2 mil escolas.
A Secretaria de Estado de Educação
implantou 14 polos de Educação Integral
para o Ensino Fundamental, a fim de
ampliar e diversificar as atividades da
Educação Integral e Integrada em
Minas Gerais, e outros seis estão sendo
implementados.
Em 2017 a Educação Integral foi
implementada em 44 escolas de
Ensino Médio de Minas Gerais,
atendendo aproximadamente 9 mil
alunos. Para 2018, teremos mais 36
escolas participando da iniciativa,
totalizando 80 escolas estaduais
oferecendo a Educação Integral para
o Ensino Médio e a expectativa é que
sejam beneficiados cerca de 19.600
estudantes.
o avanço da aprendizagem dos
estudantes de 4º ao 9º ano do Ensino
Fundamental, que não estejam
alfabetizados e com defasagem em
leitura, escrita e cálculos matemáticos,
o APD foi lançado em 2016,
contemplando, inicialmente, 423
escolas.
REDE ESTADUAL DE EDUCAçÃO
PROFISSIONAL
As unidades escolhidas para esse
atendimento foram aquelas que
apresentaram maior deficiência nessas
áreas de conhecimento. Nestas escolas,
as crianças são atendidas em grupos,
fora da turma as quais estão inseridas.
O professor alfabetizador contratado
conta com o acompanhamento das
equipes de currículo e analistas das
SREs.
De 2016 para 2017, o número de vagas
para nos cursos técnicos ofertados pelas
escolas estaduais do Estado cresceu
cerca de 150%. Em 2016 foram 16 mil
estudantes atendidos. No segundo
semestre de 2017 já haviam 44.300 mat
rículas nos cursos técnicos oferecidos
dentro das escolas estaduais, um número
recorde no Estado. São 249 escolas
estaduais com oferta de educação
profissional, em 189 municípios do
Estado.
O volume de investimentos também
cresceu de forma significativa: de R$
4,5 milhões em 2016 para R$ 26 milhões
em 2017, um acréscimo de 480%.
ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO
DIFERENCIADO (APD)
A Secretaria de Estado de Educação
(SEE) ampliou para 510 o número de
escolas atendidas pelo projeto de
Acompanhamento Pedagógico
Diferenciado (APD). Com o propósito
de promover ações que possibilitem
EDUCAÇÃO ESPECIAL
A SEE trabalha em toda a sua Rede
para que a oferta do ensino seja universal
e de maneira inclusiva, também para os
alunos com deficiência. A inclusão na
escola, previstanalegislação, partedo
princípio de que todos têm direito
de acesso ao conhecimento sem
nenhuma forma de discriminação,
ou seja, nenhuma criança pode ter
a sua matrícula negada em razão
de sua deficiência ou qualquer outro
motivo. Para isso, a escola tem de
ser preparada, tanto no aspecto da
infraestrutura, quanto no seu projeto
pedagógico.
263
Para garantir suporte ao estudante
com deficiência, as escolas oferecem o
AtendimentoEducacional Especializado
(AEE), que tem por objetivo levar aos
alunos com deficiências, transtornos
globais do desenvolvimento e
superdotação/altas habilidades o
atendimento especializado que lhes
possibilite a participação plena na
escola. Esse atendimento, em caráter
complementar e de apoio, permite ao
estudante um melhor aproveitamento
de suas potencialidades, melhorando
seu processo de aprendizagem e
facilitando a sua inclusão nas classes
comuns.
Atualmente, a Rede estadual de
ensino mineira possui 39.917 alunos
matriculados na Educação Especial,
sendo 36.808 na educação inclusiva, em
escolas comuns, e 3.109 em educação
exclusiva, que são as escolas especiais.
A Rede estadual conta com 1.765
escolas com oferta de Atendimento
Educacional Especializado (AEE)
em salas de recursos, nas diversas
localidadesdoEstado. Esse atendimento
é ofertado no turno inverso ao de
escolarização do aluno (contraturno).
Além disso, as escolas contam com
recursos materiais e profissionais
especializados para oferecerem
as condições de acessibilidade
aos estudantes, conforme suas
necessidades. Atualmente, a Rede
conta com de 7.186 professores de
Apoio à Comunicação, Linguagem e
Tecnologias Assistivas, que dão suporte
264
ao aluno para a sua participação nas
atividades escolares; 1.004 intérpretes
da Língua Brasileira de Sinais (Libras),
para os alunos surdos; e 6 guiasintérpretes, para os alunos surdocegos.
AVALIAçÃO NACIONAL
ALFABETIZAçÃO (ANA)
DE
Minas Gerais é o Estado brasileiro que
obteve o melhor índice em Leitura na
Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA). O Estado aparece com 62,35%
dos estudantes acima dos 8 anos, faixa
etária de 90% dos avaliados, nos níveis
3 e 4, referentes à escala adequada e
desejável, sendo o Estado com maior
percentual de estudantes no nível
desejável (23,29%). Em Matemática,
os estudantes mineiros também são
destaque: 62,17% aparecem no nível
suficiente (somatório dos níveis 3 e 4),
pouco abaixo dos estudantes de Santa
Catarina, que aparecem com 62,18%.
Já em Escrita, o Estado está em 1º lugar
no nível 5 (adequado), com 16,1%; e
está em 4º lugar no nível suficiente, com
79,25% dos estudantes, perto de São
Paulo (82,9%), Santa Catarina (84,84%)
e Paraná (85,63%).
ENSINO MÉDIO NOTURNO E
EDUCAçÃO DE JOVENS E ADULTOS
Com uma política educacional
voltada para o atendimento do
jovem, a Secretaria de Estado de
Educação ampliou as turmas de Ensino
Médio no turno noturno e de Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Além disso,
alterou o conteúdo curricular para
melhor se adaptar à realidade de quem
estuda à noite.
Tanto na EJA quanto
no Ensino Médio Noturno foi introduzida
uma nova disciplina “Diversidade,
Inclusão e Mundo do Trabalho
(DIM)” Em todo o Estado, 1.789 escolas
estaduais oferecem a modalidade de
Educação de Jovens e Adultos. Em
Belo Horizonte, são 172 unidades
escolares.
VIRADA EDUCAçÃO (VEM)
A Secretaria de Educação realiza,
desde 2015, a Virada Educação Minas
Gerais, um chamado ao jovem que
deixou de estudar para retornar aos
estudos. A Campanha VEM faz parte de
um esforço da SEE em escutar os jovens e
discutir com toda a comunidade escolar
estratégias para criar uma escola mais
acolhedora para os jovens.
INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS
Tambéma partir de 2015, investimentos
sistemáticos na infraestrutura
tecnológica das escolas foram
realizados. Atualmente, são 2 mil salas
de professores com conectividade e 40
mil novos computadores adquiridos. O
governo de Minas Gerais investiu mais
de R$ 145 milhões nessas ações, além
de R$ 25 milhões em infraestrutura de
rede lógica e elétrica, necessária para
funcionamento desses laboratórios de
informática.
Em funcionamento na Rede estadual
desde março de 2017, o Diário Escolar
Digital (DED) é mais um passo que a
Educação em Minas Gerais dá no
sentido de modernizar as escolas
e disponibilizar tecnologias que
facilitem o dia a dia do professor,
ao mesmo tempo em que permite
uma gestão mais qualificada
das informações dos estudantes,
escolas, professores, entre outras.
Uma ferramenta criada para melhorar
os processos educacionais, otimizar o
trabalho dos profissionais que atuam
nas escolas estaduais, monitorar a
frequência dos estudantes e garantir
maior segurança e veracidade dos
dados escolares, dentre outros pontos.
PROGRAMA DE CONVIVÊNCIA
DEMOCRÁTICA
Este programa tem como propósito
compreender e enfrentar as violências,
reconhecer e valorizar as diferenças e as
diversidades no ambiente escolar, além
de incentivar a participação política
da comunidade onde as escolas
estão inseridas, por meio de projetos e
estratégias educativas. Também já está
em funcionamento um sistema on-line
de registro de situações de violência
dentro das escolas, um mecanismo
265
criado para acompanhamento dos
casos que envolvem todos os tipos de
violência existentes no ambiente
escolar.
Para 2018, a meta é ofertar aos
educadores uma formação em
Convivência Escolar e Prevenção
à Violência nas Escolas. O Curso
será organizado em parceria com
a Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais – FLACSO e contemplará
mil profissionais da Educação, em mais
ou menos 500 escolas estaduais, que
serão definidas pela Secretaria.
INICIAçÃO CIENTÍFICA
A Secretaria de Estado de Educação
(SEE) selecionou projetos de iniciação
cientifica que farão parte dos eixos
“Núcleo de Pesquisa e Estudos
Africanos, Afro-brasileiros e da
Diáspora – Ubuntu/Nupeeas” e
“Territórios de Iniciação Cientifica (TICs)”
no Ensino Médio da Rede Estadual de
ensino. Ao todo, foram selecionados
127 projetos de autoria de estudantes
e professores - 94 que fazem do eixo
de pesquisa Ubuntu/Nupeaas e 33 que
integram os TICs, que formarão coletivos
de pesquisa em escolas estaduais.
CONFERÊNCIA DE EDUCAçÃO
O Fórum Estadual Permanente de
Educação do Estado de Minas Gerais
266
lançou no dia 15 de setembro de 2017,
em Belo Horizonte, a Conferência de
Educação de Minas Gerais, que terá
como tema “A Construção do Sistema
Integrado de Educação Pública de Minas
Gerais (SIEP/MG) e a implementação
dos Planos de Educação”. Etapa
preparatória da Conferência Nacional
de Educação (CONAE 2018) e da
Conferência Nacional Popular de
Educação (CONAPE), a Conferência
de Educação de Minas Gerais vai
acontecer entre os dias 22 e 25 de
março de 2018.
A Conferência foi precedida de
etapas municipais e territoriais que
aconteceram em 2017. As etapas
municipais foram realizadas entre os dias
15 de setembro e 17 de novembro, e as
territoriais em 12 municípios, no dia 25
de novembro, e mais de 4 mil pessoas
participaram da etapa territorial.
OBMEP
Minas Gerais é o Estado com o maior
número de medalhas na Olimpíada
Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas (OBMEP) de 2017. Esta é a 11ª
vez consecutiva que Minas Gerais
fica em 1º lugar em número de alunos
medalhistas. Ao todo, foram 1.448
medalhas, sendo 119 de ouro, 381 de
prata e 948 de bronze. O segundo Estado
com mais premiações é São Paulo, com
94 de ouro, 274 de prata, 914 de bronze,
1.282 no total.
267
O Porta l Bra sil
Movim entos
socia is
por Ivanir Alves Corgosinho
MOVIMENTOS SOCIAIS EM
MINAS GERAIS NO SéCULO XXI
O ambiente político no Estado de
Minas Gerais entre os anos 2000 e
2014
Histórica e estruturalmente
vinculadas ao capital exportador
de produtos primários, as elites
econômicas de Minas gerais têm se
alimentado, basicamente, de uma
cadeia produtiva estruturada em
torno da exploração dos recursos da
terra e da crescente mercantilização
dos territórios. Minas Gerais é o mais
importante estado minerador do país
e ocupa a 5ª colocação no ranking
dos principais estados exportadores
do agronegócio. A sustentação
da indústria do minério e do
agronegócio está escorada em uma
rede de fornecedores em logística de
transporte, energia, água, químicos
e outros insumos, de tal modo a vida
da maioria dos mineiros e mineiras
gravita em torno e depende dessa
cadeia produtiva. Circunstância que
não deixa o povo mais confiante no
futuro.
A política econômica adotada
no Estado tende a ser altamente
geradora de conflitos sociais. Não
raro, os empreendimentos impactam
negativamente os direitos, sonhos e
esperanças das pessoas comuns,
com resultados que podem
269
chegar à dimensão do trágico.
O desastre ocorrido em Mariana,
em 05 novembro de 2015, com o
rompimento da barragem Fundão
da mineradora Samarco, devastou
o distrito de Bento Rodrigues, deixou
19 mortos (entre moradores e
funcionários da empresa), destruiu
centenas de imóveis, deixou milhares
de pessoas desabrigadas, provocou
a poluição do Rio Doce e causou
danos ambientais que se estenderam
aos estados do Espírito Santo e da
Bahia.
Este vazamento, considerado
o maior de todos os tempos em
volume de material despejado por
barragens de rejeitos de mineração,
está longe de ser um caso único e
irrepetível. Foi um retrato, em escala
monumental, dos dramas que afligem
cotidianamente as comunidades
ribeirinhas, pescadores e agricultores
no Estado. O Mapa dos Conflitos
Ambientais no estado de Minas
Gerais, identificou cerca de 1.023
situações possíveis de conflito no
período compreendido entre os anos
2000 e 2010, nas 12 mesorregiões do
estado.
A questão da terra e os problemas
ambientais têm, por consequência,
um lugar de forte destaque na
configuração dos movimentos
sociais que articulam a resistência ao
padrão de acumulação capitalista
dominante em Minas Gerais. A
estes, soma-se a miríade de outros
270
transtornos vividos pela população,
derivados das escolhas feitas por seus
sucessivos governantes.
Minas Gerais é a terceira economia
do país, mas seu PIB per capita
é o menor entre os estados do
Sudeste e o nono do Brasil. O estado
ocupa a nona posição no índice
de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) e, neste mesmo
ranqueamento, está em último lugar
entre os estados das regiões Sul e
Sudeste. As desigualdades regionais
são tão acentuadas quanto as
que prevalecem no país. Cerca
de 46% dos municípios mineiros são
considerados carentes, de acordo
com o IDHM, enquanto a Região
Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH) responde, sozinha, por 44%
do PIB estadual. Entre a capital
mineira e os municípios do interior,
há um desnível colossal em termos
de acesso a recursos econômicos,
à cobertura social, empregos e
investimentos na infraestrutura
necessária ao aumento de suas
fontes de receita. As diferenças no
desenvolvimento das macrorregiões
Norte, Caparaó, Alto Jequitinhonha,
Mucuri e Médio e Baixo Jequitinhonha
são nítidas e seculares. Nessas áreas,
são registrados os maiores índices
de mortalidade infantil, pobreza,
analfabetismo e vulnerabilidade
social, dentre outros indicadores
socioeconômicos.
As disparidades também ocorrem
nos recortes por gênero e cor da pele.
O IDHM da população branca no
Estado, em 2010, era de 0,775 (alto),
enquanto o da população negra era
de 0,693 (médio). A renda per capita
média da população negra mineira,
ainda em 2010, era de R$ 535,12.
Já a renda per capita dos brancos
chegava a R$ 1.006,29. No caso da
esperança de vida ao nascer, em
2010, era de 74,9 anos para os negros
e de 76,2 anos para os brancos. No
caso das mulheres, as com menor
nível de instrução recebem, em
média, 33% menos que os homens
com o mesmo nível de instrução. Já as
mulheres com nível superior completo
ganham aproximadamente 43%
menos que os homens desse mesmo
estrato populacional. Minas Gerais
é um dos estados brasileiros menos
violento contra as mulheres e ocupa,
no ranking nacional, a 22ª posição.
Ainda assim, é um altamente violento
e, se fosse um país, seria o sétimo
do mundo em violência contra as
mulheres.
Nestas duas primeiras décadas do
século XXI, os esforços populares
para pautar e dar tratamento a
essas carências e disparidades,
esbarrou, na maior parte do tempo,
no condomínio público-privado
articulado pelas elites econômicas
e sua representação nas esferas
política e jurídica. Como fartamente
denunciado ao longo das décadas
por lideranças, sindicatos e outras
organizações da sociedade civil, a
postura típica dos governos tucanos
em Minas Gerais foi a de intolerância
aos movimentos sociais e de
implementação acelerada de seu
projeto neoliberal, visto como uma
fórmula a ser adotada no restante
do País.
Este projeto, de fato, teve início
com o governo Eduardo Azeredo
(1995 a 1999) e com Fernando
Henrique Cardoso na presidência da
República, de 1995 a 2003. Sofreu uma
breve interrupção durante o governo
de Itamar Franco, mas foi retomado
– com maior ímpeto e escala – nas
administrações de Aécio Neves,
iniciadas em 1º de janeiro de 2003,
continuado por Antonio Anastasia a
partir de 2010 (devido à renúncia de
Aécio Neves para concorrer à eleição
para o Senado) e só interrompido em
1º de janeiro de 2015, com a posse
do petista Fernando Pimentel.
No curso dessas gestões, o Estado
mineiro foi sucateado. Quase todo
o setor financeiro estatal, a partir do
qual se poderia induzir um processo
mais igualitarista de desenvolvimento,
foi privatizado. Venderam o
Banco do Estado de Minas Gerais
(Bemge), o Banco de Credito
Real de Minas Gerais (Credireal)
e a Minas Caixa. A chamada Lei
Kandir (Lei complementar nº 87,
de 13 de setembro de 1996), do
ex-presidente Fernando Henrique,
favoreceu as mineradoras às custas
271
da arrecadação estadual e dos
cofres municipais. O chamado
“choque de gestão”, implementado
por Anastasia, correspondeu a
uma severa contenção dos gastos
públicos que afetou drasticamente
as áreas de saúde, educação e
segurança pública.
Unificando as elites estaduais
em torno da disputa com os
tucanos paulistas, tendo em vista
a presidência da República, o
“aecismo” forjou uma poderosa
blindagem institucional, de alcance
nacional. Essa rede de proteção
envolveu uma base de sustentação
majoritária na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais, o Ministério Público,
o Tribunal de Justiça, as forças
policiais e, destacadamente, os
veículos de comunicação. Sob o
comando de Andrea Neves, irmã
de Aécio Neves, o Núcleo Gestor de
Comunicação Social do Governo
impôs a um absoluto controle
sobre a mídia mineira, impedindo
a circulação de notícias negativas,
por menores que fossem, às custas
de ameaças e gastos generosos com
publicidade. Durante o tempo em
que foi comandado pelos tucanos,
o Estado gastou mais de R$ 547
milhões com publicidade, em valores
corrigidos pela inflação (veja quadro
abaixo), num crescimento estimado
em 900%, já descontada a inflação
do período. Vitorioso, foi este projeto
que disputou a eleição presidencial
272
de 2014, contra a petista Dilma
Rousseff.
Quanto aos movimentos, prevaleceu
a “linha dura”, num roteiro que incluiu
desde a leniência e morosidade
na resolução de conflitos sociais e
de crimes contra direitos humanos,
esvaziamento e aparelhamento
dos conselhos estaduais de politicas
públicas, repressão ostensiva às
manifestações reivindicativas,
perseguição a lideranças populares
e sindicalistas, demissão e até a
prisão de jornalistas, como no caso
de Marco Aurélio Carone, criador e
editor do Novo Jornal.
A força do “aecismo”, por óbvio, não
impediu que lutas ocorressem, como
ocorreram, num fértil laboratório para
a experimentação das mais variadas
formas de ação, de organização e
de pautas de reivindicações que
abarcaram desde a inclusão social,
no sentido mais básico do combate à
pobreza, à preservação ambiental e
do patrimônio, passando pela defesa
dos direitos dos negros, das mulheres
e da população LGBTIQ (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais
e pessoas Intersex), além de abordar
temáticas urbanas de forte valor
simbólico, como a ocupação popular
das praças com eventos culturais.
Entretanto, apenas ao final da
primeira década, notadamente
a partir de 2010, surgiu em Minas
Gerais a possibilidade de uma
proposta aglutinadora capaz
de promover a unificação das
demandas populares no escopo de
um projeto político auto-orientado
e alternativo ao projeto neoliberal
dominante. Isso aconteceu devido
às disputas partidárias e ideológicas
que marcaram a convivência entre
as diversas correntes de opinião
presentes nos movimentos sociais
mineiros na década anterior. Grosso
modo, essa disputa opôs o projeto
petista de chegada ao poder
governamental nacional, e as demais
abordagens sobre as questões da
reforma social e da revolução do
Estado brasileiro.
Maior partido de base popular
no Brasil, e umbilicalmente ligado
aos movimentos sociais, o Partido
dos Trabalhadores (PT) apenas
apresentou um projeto e uma
candidatura competitiva no Estado
na eleição de 2014, vencida pelo
petista Fernando Pimentel. “Em pelo
menos sete eleições que disputamos
para o governo de Minas – 1982,
1986, 1990, 1994, 1998, 2002, 2006 –
faltou ‘apetite político’ no Partido:
as eleições para governadores não
foram priorizadas; nosso acúmulo
político programático era sofrível e os
candidatos escolhidos eram quadros
partidários que ‘iam para o sacrifício’.
Perdemos uma oportunidade valiosa
para chegar ao governo de Minas
em 2002, quando se abriu um claro
espaço para uma terceira via, dado
o fracasso dos governos de Eduardo
Azeredo (PSDB) e de Itamar Franco
(PMDB)”, afirma o economista José
Prata de Araújo, autor do livro “Por
que Dilma e Fernando Pimentel
venceram as eleições em Minas?”.
A timidez do PT no debate político
estadual está relacionada ao esforço
para levar Lula à presidência tanto
na eleição de 2002 quanto na de
2006. Nos estados, Lula manteve-se
distantes das disputas aos governos
e buscou reunir uma ampla gama
de aliados que, em alguns casos,
incluiu até mesmo setores aos quais
o PT se opunha no plano nacional.
é o caso de Minas onde, em 2002,
o então governador Itamar Franco
apoiou Lula para a presidência e
Aécio Neves para o governo local,
engendrando o famoso “Lulécio”,
com a anuência de ambos os
candidatos dado o comum interesse
em neutralizar o PSDB paulista. Essa
estratégia foi repetida em 2006.
Artifício semelhante foi tentado na
eleição para a prefeitura de Belo
Horizonte em 2008, quando o exprefeito Marcio Lacerda (PSB) foi
eleito com os apoios de Aécio Neves
(PSDB) e de Fernando Pimentel (PT).
Essa iniciativa dividiu o PT mineiro,
que viveu um danoso confronto
público entre o ex-ministro Patrus
Ananias e Pimentel. Esse conflito
foi parcialmente resolvido com
intervenção do Diretório Nacional do
partido, que não aprovou a aliança
formal entre petistas e tucanos, mas
273
cedeu quanto ao apoio informal à
candidatura de Marcio Lacerda.
Finalmente, houve nova tentativa
de emplacar a chamada “política
de convergência” entre PT e PSDB na
eleição de 2010. Naquela ocasião,
o prefeito Marcio Lacerda assumiu
a coordenação de um movimento
municipalista suprapartidário que
se tornou expressão do apoio à
candidatura de Dilma Roussef (PT) à
presidência da República, de Antonio
Anastasia (PSDB) ao governo estadual
(arranjo que se tornou conhecido
como “Dilmasia”) e das candidaturas
de Fernando Pimentel e Aécio Neves
ao Senado, dobradinha apelidada
de “Pimentécio”. Essa tentativa,
entretanto, ocorreu já num quadro
de acirramento da competição
eleitoral entre o PT e o PSDB em nível
nacional. No confronto que decidiria
a sucessão de Lula, o PT mudou a
postura, nacionalizou fortemente
a disputa no confronto com os
tucanos e, com isso, inviabilizou a
chapa “Dilmasia”. O “Pimentécio”
contou com baixa adesão entre os
petistas, restrita aos inconformados
com a escolha do ex-ministro Hélio
Costa (PMDB) como candidato ao
governo de Minas pela base aliada
do governo federal.
Essas estratégias inibiram a disputa
de projetos globais no estado,
confundiram a população e deixaram
os movimentos sociais sem o respaldo
institucional que necessitavam para a
274
maior efetividade de suas lutas. Por isso
mesmo, a tática eleitoral do PT foi mal
recebida por boa parte das correntes
de esquerda presentes no cotidiano
dos movimentos sociais. Ademais, as
gestões de Lula e de Dilma também
foram motivos de controvérsia entre
essas organizações. A vitória de Lula
na eleição presidencial de 2002
despertou expectativas e esperanças
extremadas que acabaram
frustrando-se frente as escolhas feitas
pelo governo federal. É, entre outros,
o caso da reforma agrária. “O que
houve na verdade foi um aumento
no número de famílias assentadas
sendo que no ano de 2003 foram
assentadas 36 mil famílias, mas
nada comparado as metas do Plano
Nacional de Reforma Agrária – PNRA
que era assentar 413 mil famílias em
dois anos, meta que não foi atingida
assim como não houve avanços
da reforma agrária”, anota Natália
Lorena Campos, uma estudiosa dos
movimento sociais rurais em Minas
Gerais.
As tentativas de unificação dos
movimentos sociais e de articulação
de suas forças com o propósito de dar
enfrentamento comum ao projeto
em execução desde o governo
estadual foram dificultadas, portanto,
por dissenções que dividiram os
movimentos sociais mineiros em
três grandes campos de opinião
relativas à questão nacional. De um
lado, haviam as forças alinhadas ao
governo federal, tais como a Central
única dos Trabalhadores (CUT) e o
PT. Por outro, aqueles que tendiam a
uma oposição frontal cuja intenção
era fazer com que Lula, e depois
Dilma, aprofundassem as reformas
e atacassem mais abertamente o
establishment econômico. Entre
esses, estavam o Partido Socialista
dos Trabalhadores Unificado (PSTU)
e as correntes que vieram a formar o
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
em 2005. Finalmente, pelo centro,
haviam aqueles que tentavam
conciliar as duas partes, ainda que
manifestassem, frequentemente, um
viés mais crítico às gestões petistas.
Entre eles, os movimentos e grupos
articulados na Via Campesina.
Assim, do início deste século até,
praticamente, o final de sua primeira
década, o que se viu em Minas Gerais
foi um franco processo de isolamento
dos movimentos sociais, com sua
consequente desarticulação e baixa
unidade. Isso ocorreu devido à força
do projeto “aecista”, à repressão e
perseguição aos militantes e ativistas,
ao esvaziamento da dimensão
participativa da gestão pública e à
ausência de uma interlocução eficaz
com os partidos que, no Estado, se
situavam no campo da oposição aos
governos tucanos.
Em âmbito nacional, desde 2003,
a construção da unidade de ação
entre as correntes de pensamento
e movimentos sociais passava pela
Coordenação dos Movimentos
Sociais (CMS), criada em 26 de junho
daquele ano, e composta pela CUT,
pelo Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST), pela Federação
Nacional dos Advogados (FNA),
pela Marcha Mundial das Mulheres
(MMM) e pela Comissão Pastoral
da Terra (CPT), além de entidades
estudantis e outras organizações.
Essa articulação, entretanto, jamais
se efetivou em Minas Gerais, informa
Frederico Santana Rick, dirigente
da Consulta Popular. Em parte, isso
se deveu às divergências sobre a
questão nacional que, como vimos,
indispunham as organizações mesmo
quando a pauta se restringia aos
assuntos locais e à oposição ao
governo neoliberal de Aécio Neves.
Em Minas, as tentativas de
congregação dos movimentos
ocorriam, principalmente, por dentro
do Comitê Mineiro do Fórum Social
Mundial que se constituía num espaço
genérico para o encontro de forças
políticas com perfil democrático
e de esquerda. Nesse espaço,
essas forças tanto podiam construir
agendas em torno da tematização
mais característica do Fórum Social
Mundial, fortemente voltada para
assuntos globais, quanto sobre temas
mais propriamente locais e relativos à
politica estadual. Assim, por exemplo,
já em 2001, foi realizado em Belo
Horizonte o Fórum “Minas por um
outro mundo – Produção da Riqueza
e Reprodução Social”. A “Carta de
Belo Horizonte”, aprovada pelos
275
participantes desse encontro, trata
de uma variada gama de questões
que iam da entrada do Brasil na área
de Livre Comércio das Américas
(Alca), exigindo a realização de um
plebiscito para que o povo definisse
a posição brasileira, até o problema
das privatizações das empresas
nacionais, em curso acelerado nas
gestões do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.
O Comitê Mineiro do Fórum Social
Mundial cumpriu esse papel até
meados da década de 2000. Em
2005, durante o Fórum Social Mineiro
daquele ano, participantes de
algumas organizações decidiram pela
criação do assim chamado “Fórum
das Articulações”. A Via Campesina
foi a principal impulsionadora dessa
articulação e de sua primeira reunião
que contou com a participação,
entre outros, do Fórum Mineiro da
Economia Popular Solidária, da
Articulação Mineira de Agroecologia,
da Articulação do Semiárido (ASA),
do Fórum das Pastorais Sociais,
do Fórum Mineiros de Segurança
Alimentar, além de militantes cristãos
ligados à Cáritas. Foi baixa a adesão
dos sindicatos. Entretanto, dessa
experiência nasceram os Encontros
dos Movimentos Sociais de Minas
Gerais, atualmente o mais importante
momento de confluência do ativismo
social no Estado.
O 1º Encontro dos Movimentos
Sociais de Minas aconteceu entre os
276
dias 29 de março a 4 de abril de 2006,
reunindo mais de 2.000 participantes.
Na época, o governador de Minas
Gerais, Aécio Neves, auspiciou
a realização da 47ª Assembleia
de Governadores do Banco
Interamericano de Desenvolvimento
(BID), vinculado ao Banco Mundial
e ao Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD). O Encontro dos Movimentos
Sociais ocorreu em paralelo a este
evento, organizado pelo Fórum
das Articulações, com uma pauta
focada na luta contra as altas tarifas
da energia elétrica no Estado e a
entrega, pelo governador, de terras
devolutas a empresas privadas que
as utilizavam para a ampliação das
áreas de monocultura. O segundo
Encontro ocorreu no ano seguinte,
2007, com pauta semelhante, mas que
incluía a luta contra a transposição
do Rio São Francisco, projeto que
era uma espécie de menina dos
olhos de Lula. Devido a esse viés
demarcatório com o governo federal,
esse encontro polarizou as relações
entre os movimentos. Por um lado,
afastou os grupos próximos ao projeto
federal que chegaram a frertar com
o espaço oferecido pelos encontros.
Por outro, atraiu forças políticas em
disputa com o petismo, como o
Partido Comunista Revolucionário
(PCR), o Partido Comunista do Brasil
(PC do B), o PSOL e a central sindical
Conlutas, e outras organizações
menores.
O Fórum das Articulações não
resistiu à tensão e esvaziou-se no
curso das tratativas para a eleição
de 2008, em Belo Horizonte. Com seu
enfraquecimento, as organizações
ligadas à Via Campesina se afastaram
das tentativas de unificação da
esquerda e dos movimentos sociais no
estado, dedicando-se à construção
das chamadas Assembleias Populares
(AP), na época incentivadas pela
Confederação Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB).
A esta altura, as relações entre os
movimentos sindicais representativos
dos servidores públicos e o governo
Aécio haviam enverado para uma
situação de confronto aberto em
consequência do desmonte das
empresas públicas; do processo
acelerado de terceirização de
serviços; dos ataques sistemáticos aos
dirigentes sindicais, especialmente no
caso dos professores; à indisposição
para as negociações e ao abuso
da violência ostensiva contra as
manifestações promovidas pelos
movimentos. Em 2008, no curso da
campanha salarial dos eletricitários
do Estado, as práticas antissindicais
do governo estadual, com o apoio da
Justiça mineira, chegaram a um ponto
crítico. A Companhia Energética de
Minas Gerais S.A (CEMIG) utilizou seu
enorme poder de comunicação para
jogar os trabalhadores contra seus
sindicatos representantes, enviando
e-mails e mensagens por celular
aos trabalhadores e acionando as
gerências das unidades para que
fizessem o jogo de intimidação.
A empresa chegou a organizar
um abaixo-assinado pelo qual os
eletricitários solicitavam a retirada de
sua entidade da campanha salarial
unificada, promovida pelo Sindicato
Intermunicipal dos Trabalhadores na
Indústria Energética de Minas Gerais
(Sindieletro) e pelo Sindicato de
Eletricitários do Sul de Minas (Sindsul).
Ao mesmo tempo, como relata
Fernando Neiva, diretor do Sindicato
dos Bancários de Belo Horizonte e
Região, desde 2007 o governador
tucano maquinava um plano para
tomar a direção de importantes
sindicatos de trabalhadores, como os
da Copasa, Cemig e da educação
da rede estadual. Os instrumentos
para a realização desse projeto
eram a Força Sindical, o Centro de
Solidariedade e Apoio ao Trabalhador
(CSAT), “uma espécie de ‘clone’
estadual do Sistema Nacional de
Emprego(Sine)”, segundo Neiva, e o
Secretariado Estadual de Relações
Trabalhistas e Sindical do partido,
denominado PSDB Sindical, que veio
a ser criado em 2011.
Além de disputar algumas eleições
sindicais (amargando derrotas em
todas), o PSDB sindical patrocinou
tentativas de rachar a base dos
sindicatos, como aconteceu em
2012, com o próprio Sindicato dos
Bancários. Com o apoio da Nova
Central Sindical (NCST), os tucanos
277
chamaram uma assembleia de
trabalhadores para criar o Sindicato
de Empregados em Empresas de
Crédito de Betim (SINTEC Betim).
Dirigentes e apoiadores do Sindicato
dos Bancários responderam ao
golpe comparecendo ao local da
assembleia e enfrentando o aparato
repressivo montado para afastá-los. A
rua Santos Dumont, onde foi realizada
a assembleia, estava bloqueada
por viaturas e policiais fortemente
armados. Os quarteirões próximos
também estavam fechados por
viaturas, motos e cavalos. A tentativa
foi frustrada por decisão do juiz do
Trabalho de Betim, Mauro césar Silva,
que declarou a assembleia inválida
e ilegal a criação do novo sindicato.
Numa indicação evidente de que
as possibilidades de sustentação da
“política de convergência” entre
PT e PSDB no Estado esgotavam-se
rapidamente, o movimento sindical
mais identificado com as forças de
esquerda decidiu dar uma resposta
unificada à ofensiva antissindical
dos tucanos. Em 2008, foi criado
o Fórum Sindical e Social de Minas
Gerais (FSS), com o apoio da Central
única dos Trabalhadores, Central
dos Trabalhadores e Trabalhadoras
do Brasil (CTB), federações sindicais
e sindicatos de tradição combativa
no Estado, como o Sindicado dos
Jornalistas, o Sindieletro, o SindSaúde/MG, o Sindicato único dos
Trabalhadores em Educação de
Minas Gerais (SindUTE), o Sindicato dos
278
Trabalhadores em Telecomunicações
de Minas Gerais (Sinttel), bancários
e petroleiros, além de movimentos
estudantis e sociais. Esta iniciativa
também foi apoiada por grupos
identificados com a Via Campesina,
como o Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) e o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST).
é deste Fórum a autoria de uma
carta aberta à população mineira
com o título “Minas, teu outro nome
já foi liberdade!”, numa alusão à frase
de Tancredo Neves que se encontra
gravada no busto do ex-presidente,
instalado no Aeroporto Internacional
Tancredo Neves, em Confins, Região
Metropolitana de Belo Horizonte. A
FSS reuniu cerca de 28 entidades
sindicais urbanas e movimentos
populares, estabelecendo como
diretriz “atuar de forma unitária
em todas as situações em que os
direitos de trabalhadores estejam
sendo desrespeitados, seja pelo setor
público (em quaisquer níveis), seja
pelo privado”. Numa tentativa de
resposta ao bloqueio dos meios de
comunicação no Estado, a FSS criou
o Portal Minas Livre, que continua
ativo. Em 2009, em contraposição à
Medalha da Inconfidência que seria
entregue por Aécio naquele ano, o
FSS instituiu a Medalha da Conjuração,
com a qual homenageou lideranças
que se destacaram na luta por
melhorias sociais no Estado.
De qualquer forma, apenas no
início da década de 2010 os esforços
de unidade voltaram a convergir
decididamente, frente a ameaça
de retorno dos setores mais alinhados
com o neoliberalismo ao governo
federal. Lula deixava a presidência
da República e havia escolhido
Dilma Rousseff como sua sucessora.
Dilma venceu a eleição presidencial
daquele ano e, em âmbito
institucional, o “Lulécio” estava
acabado. Em 2011, foi criado, na
Assembleia Legislativa, o bloco Minas
Sem Censura reunindo o PT, o PMDB,
o PCdoB e o PRB, com os objetivos
de oferecer sustentação ao Governo
Dilma no Estado, trazer programas e
benefícios federais para Minas e fazer
a oposição ao Governo Anastasia.
Neste ambiente, entre os dias 30 de
Abril a 2 de Maio de 2011, ocorreu o 3º
Encontro dos Movimentos Populares
de Minas Gerais. Com a participação
de mais de duas mil pessoas, de 100
organizações sindicais, estudantis e
populares, esta reunião organizouse sob o tema “Minas não quer
CHOQUE, quer TERRA, TRABALHO
e EDUCAÇÃO!”, focando seus
debates na questão estadual e
adotando uma agenda ampla, que
contemplava desde demandas dos
servidores públicos, notadamente a
educação, até a questão da reforma
agrária e do combate às empresas
de mineração.
Essa reunião de campos de opinião e
tendências ideológicas e partidárias
foi reforçada pela greve realizada
pelos trabalhadores da educação
naquele ano, considerada a
mais longa da história de Minas.
A paralisação eclodiu em 08 de
junho sob a direção do SindUTE,
o maior sindicato dos servidores
públicos do Estado e, mais uma vez,
reivindicava o pagamento imediato
do Piso Nacional da Educação (à
época, R$ 1.597 para o nível médio
por jornada semanal de 24 horas),
conforme determina a Lei Federal
11.738, criada em 2008. O piso em
Minas era de R$ 369, o mais baixo
do país, e o governo oferecia R$ 712
na forma de gratificações (e não de
piso), nos termos do PL 2355/2011,
de autoria do governador. E se
recusava a negociar. Sobre esta
greve escreveram o cientista político
mineiro Juarez Guimarães, e o diretor
de Comunicação da CUT-MG,
Neemias de Souza Rodrigues: “Mas
a maior repressão que mobilizou todo
o aparato do governo de Minas –
da Polícia Militar à Polícia Civil, de
promotores ao TRE, da propaganda
oficial à censura imposta na mídia
mineira – se desencadeou nestes anos
sobre as lideranças dos professores
da rede pública do estado”.
A greve teve duração de 112 dias e
quase levou à destruição do sindicato
devido ao tratamento perverso
dispensado pelo governo aos
grevistas e aos dirigentes sindicais. A
opressão aos grevistas foi tão intensa
que, entre os dirigentes de outras
279
organizações, prevaleceu a sensação
de que todos os movimentos seriam
quebrados junto com o SindUTE, caso
os professores não recebessem forte
amparo e solidariedade. A partir
dessa conclusão, deu-se início um
amplo movimento de apoio político
à greve, articulado pelo grupo
“Quem Luta Educa” e que envolveu
outros sindicatos, movimentos sociais
e estudantis, segmentos religiosos, a
OAB, o MAB, o MST e deputados do
Movimento Minas Sem Censura. Na
sequência, no dia 24 de agosto de
2011, o Supremo Tribunal Federal (STF)
determinou o pagamento do Piso
Nacional aos professores, decisão
que alterou os rumos do movimento.
No mesmo dia, uma manifestação
com 15 mil pessoas marcou a entrada
simbólica dos movimentos sociais
na greve dos professores mineiros.
De acordo com o depoimento de
Frederico Santana Rick foi a maior
manifestação de rua já vista e
organizada por aquela geração de
ativistas sociais. Sobre a articulação
dos movimentos sociais em apoio à
greve, a presidente do SindUTE, Beatriz
Cerqueira, anotou em seu blog no
dia 27 de agosto: “Foi o isolamento
dos movimentos que possibilitou a
ascensão de um projeto de estado
que não está a serviço dos interesses
da população. Por isso esta ‘rede’
que se construiu a partir da nossa
greve é tão importante. O dia 24 de
agosto foi, por tudo isso, um Marco
em nossa história recente”.
280
A greve ainda durou até o dia 27
de setembro quando, enfim, aos
grevistas, pareceu que haviam
quebrado a intransigência do
governo mineiro. Para isso, não
faltaram lances extremados como a
heroica greve de fome iniciada em
19 de setembro pelos professores
Abdon Geraldo e Marilda Araújo,
que só terminou com o encerramento
da greve. Ou, em 26 de setembro, a
ocupação do Plenário da Assembleia
Legislativa (espaço de uso exclusivo
dos deputados) por cerca de
40 professores. No dia 27, após
negociações tensas entre sindicato,
deputados e membros do Governo
do Estado, chegou-se a um acordo
que, todavia, jamais foi cumprido
pelo governo tucano.
Os professores seguiram com suas
batalhas, como tinha que ser. Apesar
da frustração, o saldo político e
organizativo deixado pela greve
mudou a realidade dos movimentos
sociais no Estado. Desde então,
esses movimentos têm marchado
relativamente juntos e protagonizado
lutas gerais de grande importância
para a vida da população mineira.
Em 2012 foi realizado o 4º Encontro
dos Movimentos Sociais, novamente
centrado na questão da energia. No
ano seguinte, 2013, foi realizado o
primeiro plebiscito de caráter estadual
pela redução das tarifas, reunindo
cerca de 600 mil assinaturas. Em
junho de 2013, o Estado foi abalado
pelas grandes manifestações de
junho que, ao contrário do que se
viu em outros estados, permitiram
a participação dos partidos e
organizações tradicionais.
Em maio de 2014, o 5º Encontro
foi preparatório para a Plebiscito
Popular pela Constituinte, ocorrido
em setembro, e para as eleições de
outubro. Minas Gerais foi o segundo
estado em número de votantes no
plebiscito, com arrecadação de
1.300.000 votos, e o petista Fernando
Pimental venceu a disputa eleitoral.
O sexto encontro aconteceu em
maio de 2015, já no quadro da forte
investida do campo neoliberal sobre
o governo Dilma, que culminou com
sua deposição. Na luta contra o
golpe, o Estado foi escolhido para
sediar a Conferência Nacional
Popular que, em 5 de setembro de
2015, criou a Frente Brasil Popular
(FBP). Essa frente se define como
um espaço de articulação “ampla,
unitária e consensual artistas,
intelectuais, religiosos, parlamentares
e governantes, integrantes e
representantes de movimentos
populares, sindicais, partidos políticos
e pastorais, indígenas e quilombolas,
LGBT, negros e negras, mulheres e
juventude, cidadãs e cidadãos de
todas as regiões do País”, como
consta do documento “Compromissos
da Militância”, aprovado neste
encontro. Minas Gerais também
foi o estado escolhido para a
realização do “Encontro Brasileiro dos
Movimentos Populares em diálogo
com o Papa”, que aconteceu entre
os dias 2 e 5 de junho de 2016, no
Centro de Convenções da Prefeitura
de Mariana (MG).
Perfil dos conflitos sociais em Minas
Gerais
A questão da terra – Como
mencionado, o problema da terra é o
que mais chama atenção e mobiliza
os atores sociais em Minas Gerais,
com repercussões sobre diferentes
áreas do viver humano, tais como a
moradia e a preservação ambiental.
De acordo com dados do DATALUTA,
cerca de 51% das manifestações
populares ocorridas no Estado, entre
1990 e 2014, foram diretamente
relacionadas à questão agraria e
ao acesso à terra, e envolveram
demandas como a suspensão de
expropriações, fim da grilagem,
desapropriação de terrenos ou
definição de limites de propriedade,
reassentamentos, reforma agrária,
regularização fundiária, entre vários
outros motes.
De acordo com este banco de dados,
no período citado, foram realizadas
mais de 710 ocupações de terras em
Minas Gerais, envolvendo cerca de 70
mil famílias. Dentre essas ocupações,
mais da metade aconteceram nas
mesorregiões do Triangulo Mineiro/
alto Paranaíba, Norte de Minas
e Noroeste de Minas, devido às
características do desenvolvimento
281
econômico estadual que concentrou
nessas regiões as grandes áreas de
monocultura.
Se é mais intensa meio rural, a questão
da terra também está presente
nas áreas urbanas, especialmente
na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH), sob a forma de
movimentos de luta por moradia.
Bastante ativos nos anos 1990, esses
movimentos perderam o ímpeto no
começo do século em função dos
modelos participativos de gestão
adotados na capital mineira com
a administração do petista de
Patrus Ananias. Já a partir de 2008,
com a mudança de orientação
na gestão da prefeitura municipal,
eles voltaram a ganhar destaque e,
atualmente, existem pelo menos 34
ocupações urbanas, na RMBH. Por
sua vez, o Sistema de Gestão de
Ocupações (SGO), uma plataforma
online desenvolvida pela equipe da
Secretaria Executiva da Mesa de
Diálogo, mecanismo de mediação
de conflitos criado pelo atual
governo mineiro, registrava, em
agosto deste ano, 147 conflitos rurais,
102 conflitos urbanos e seis conflitos
socioambientais em Minas Gerais.
Essas lutas envolvem uma grande
variedade de organizações, algumas
de alcance nacional, como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
e o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST), e outras com
atuação mais local ou regional,
282
como o Movimento de Libertação
dos Sem Terra (MLST), forte no
Triangulo Mineiro/Alto Paranaíba,
especialmente nos maiores centros,
como Uberaba e Uberlândia. Além
destes, é necessário nomear a Via
Campesina, o Movimento de Luta
nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB),
as Brigadas Populares, Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto(MTST),
a União Estadual por Moradia
Popular (UEMP), vinculados ao Fórum
Nacional de Reforma Urbana (FNRU),
entre vários outros.
Povos indígenas e comunidades
quilombolas – No capítulo da
questão fundiária no estado de Minas
Gerais, merece destaque a situação
dos índios e das comunidades
quilombolas. Basicamente, a maior
demanda destes dois grupos é o
acesso à terra via a demarcação de
seus territórios, no caso dos indígenas,
ou da titularidade das glebas em
que estão localizadas, no caso das
Comunidades Remanescentes de
Quilombos (CRQ’s).
De acordo com a Associação
Nacional de Ação Indigenista
(Anaí), no estado de Minas Gerais
há atualmente doze etnias indígenas
espalhadas em dezessete territórios
diferentes. As etnias são: Maxakali,
Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ,
Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, CatuAwá-Arachás, Caxixó, Puris, XukuruKariri e Pankararu, todas pertencentes
ao tronco linguístico Macro-Jê e
com, aproximadamente, onze mil
indivíduos.
As principais demandas desses
povos são relacionadas ao território
e a manifestações de violência
contra suas lideranças. A população
indígena deseja a retirada dos nãoíndios de suas terras, tema que é de
competência do Ministério da Justiça
e da Fundação Nacional do índio.
Outro assunto relevante para essas
comunidades é a saúde, que precisa
ser assegura por meio de políticas
públicas. O Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), ligado à Igreja
Católica, é o principal braço de
apoio à luta dessas comunidades.
Quanto aos quilombolas, o Governo
Estadual informa que existem em
Minas Gerais, 800 Comunidades
Remanescentes de Quilombos
(CRQ’s), sendo 300 delas certificadas.
A certificação é a primeira etapa
para a obtenção da Titulação
de Território Quilombola e este
processo é de responsabilidade
da Fundação Cultural Palmares
(FCP). As comunidades, entretanto,
denunciam a dificuldade para o
reconhecimento dos territórios, pois
o processo é lento e, muitas vezes,
esbarra em casos de preconceito e
de agência política (ou tráfico de
influência). Sem a titulação, estão
sujeitos a riscos que envolvem suas
condições básicas de vida como
moradia, saúde e trabalho. No Estado,
essa população é representada,
principalmente, pela Federação das
Comunidades Quilombolas do Estado
de Minas Gerais – N’GOLO.
Conflitos ambientais e a questão da
água – De acordo com os dados do
DATALUTA, os conflitos socioespaciais
que envolvem a questão da água
têm adquirido relevância em Minas
Gerais e responderam por 22% do
total de manifestações ocorridas no
estado entre 1990 e 2014 (segunda
colocação no ranqueamento). A
maioria desses conflitos é motivada
pela construção de barragens e de
equipamentos para a produção de
energia.
Já o Mapa dos Conflitos Ambientais
no Estado de Minas Gerais (que
trata este assunto de modo mais
abrangente), identificou 120 casos
com indicativos prévios de situações
de conflito e outras 1.023 situações
possíveis de conflito, entre os anos de
2000 a 2010 nas doze mesorregiões
do Estado. As três mesorregiões
com maiores indicativos de conflitos
correspondem à Metropolitana de
Belo Horizonte, ao Sul/Sudoeste de
Minas e à Zona da Mata, a maioria
deles decorrente das atividades
ligadas à mineração, ao saneamento
e às atividades alimentícias. é
importante salientar, entretanto,
que parte significativa dos conflitos
ambientais mapeados envolvem,
ainda que de modo lateral, a questão
283
da terra. Os “reflorestamentos”, por
exemplo, baseados na monocultura
do eucalipto destinado às indústrias
de celulose e de carvão, trazem
impactos ambientais negativos, mas
também alijam pequenos agricultores
de suas glebas de terra. Dessa forma,
a gradativa substituição do bioma
Cerrado vem acarretando múltiplos
problemas tanto para o ecossistema
como para as comunidades acuadas
pela monocultura.
N o n ív el das macr op olíti cas
estaduais, este assunto diz respeito ao
Sistema Estadual do Meio Ambiente
e Recursos Hídricos (Sisema),
subordinado à Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Semad). Entre as
atribuições do Sisema está o
licenciamento ambiental no Estado
e, por consequência, mobiliza
as atenções de uma grande
quantidade de associações civis,
como o Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), a Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Minas Gerais (Fetaemg),
a Associação Mineira de Defesa
do Ambiente (Amda), Associação
Sindical dos Servidores do Estado do
Meio Ambiente, além de ONGs e
órgãos mistos, como os Comitês de
Bacias hidrográficas que, em Minas
Gerais, somam 35.
No meio urbano, a característica
mais acentuada dos movimentos
relacionados ao meio ambiente
284
é defesa da preservação de
áreas verdes remanescentes e da
arborização. Enfrentam, portanto,
a cidade-empresa que privatiza
continuamente os espaços públicos
e produz enclaves de classe, como
os condomínios fechados das
elites econômicas, ignorando os
impactos ambientais provocados
pelo desmatamento, a poluição e
contaminação do solo por lixões e
pelo esgoto a seu aberto, os altos
índices de violência, o tráfico de
drogas e o comprometimento da
qualidade dos serviços básicos. No
plano cotidiano, esses combates têm
sido, cada vez, travados por grupos
locais de moradores, a exemplo do
Salve a Mata do Planalto, criado em
2009, e que se dedica à luta contra
a especulação imobiliária e pela
preservação do remanescente de
Mata Atlântica conhecido como
Mata do Planalto, localizado no
bairro Planalto em Belo Horizonte.
A questão da mobilidade urbana –
A questão da mobilidade envolve
diretamente o direito de acesso à
cidade, o que significa acesso ao
trabalho, aos equipamentos de
saúde e de educação e, também, à
cultura e ao lazer. Por isso mesmo, está
diretamente relacionada às políticas
públicas, num ambiente de crise
nas arrecadações governamentais.
Apenas 2% dos municípios mineiros
possuem um plano de mobilidade
urbana, apesar de a Lei Federal
12.857, de 2012, haver determinado
que todos os municípios do País com
mais de 20 mil habitantes deveriam
elaborar seus planos de mobilidade
até 2015. Encontram-se, portanto,
em permanente debate uma
ampla gama de temas derivados
da questão, com destaque para
os serviços de transporte público
coletivo; a acessibilidade para
pessoas com deficiência e restrição
de mobilidade; o transporte de carga;
o problema dos estacionamentos; a
circulação viária e, naturalmente, as
tarifas e o financiamento do serviço.
O assunto envolve ainda, e com forte
destaque, as práticas predadoras
das empresas do setor. Em 2015, o
Ministério Público do Trabalho (MPT)
de Minas Gerais instaurou nada
menos que 134 inquéritos e ajuizou
29 ações públicas contra mais de
60 empresas de transporte coletivo
da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Entre os motivos, estão a
exploração da jornada profissional,
fraude no sistema de registro de
ponto de cobradores e motoristas,
más condições de infraestrutura e
desrespeito a folgas e intervalos para
refeição.
Mais recentemente, a tentativa
de articulação de um movimento
capaz de abordar a questão da
mobilidade de modo eficiente, e
com a amplitude necessária, ganhou
corpo no curso das mobilizações de
junho de 2013 e via a organização do
Movimento Tarifa Zero BH, que conta
com a participação de vários outros
movimentos sociais e organizações
civis, além de instituições culturais,
centros acadêmicos e, até mesmo,
pequenos estabelecimentos
comerciais.
Entre os ativistas sociais mais
diretamente envolvidos com este
tema prevalece a sensação de que o
assunto vem sendo, deliberadamente,
abandonado. Entre as organizações
mais ativas nesse campo, estão
a Associação de Usuários de
Transporte Coletivo de BH e Região
Metropolitana (AUTC), a BH em Ciclo
– Associação dos Ciclistas Urbanos
de Belo Horizonte; a Federação
das Associações Comunitárias do
Estado de Minas Gerais (FAMENG); a
Associação Municipal dos Estudantes
Secundaristas (AMES BH), além de
ONGs como a “Vou de Trem”, várias
associações de bairros, comissões
locais de transportes, e sindicatos,
como o Sindicato dos Trabalhadores
em Transportes Rodoviários de Belo
Horizonte e Região (STTR) e o Sindicato
dos Trabalhadores do Metrô de Belo
Horizonte (Sindimetro).
Movimentos de juventude e
estudantil – Os assuntos pertinentes à
questão da juventude são transversais
e existem jovens atuantes em
praticamente todos os movimentos
sociais. Em Minas, até junho de
285
2013, os movimentos e organizações
tipicamente juvenis estavam restritos
ao universo do movimento estudantil,
aos movimentos culturais (grafite, o
break, o rap, o funk e outras formas
de expressão), além dos braços dos
partidos e sindicatos voltados para
este público. Certamente, o marco
da emergência dos movimentos
de jovens e estudantes no Estado,
neste começo de século, está nas
mobilizações de junho de 2013. No
Estado, as maiores manifestações
aconteceram em BH, com ponto
nevrálgico na Praça Sete, no
Centro, de onde a multidão saia em
passeata em direção ao Mineirão, na
Pampulha, local de realização dos
jogos da Copa das Confederações.
A repressão aos manifestantes foi
ostensiva, com bombas de gás
lacrimogêneo e de efeito moral,
tiros de balas de borracha, presos
e feridos. Apesar disso, os protestos
concluíram com o recuo do
prefeito Marcio Lacerda (PSB) que
decidiu pela redução no preço da
passagem, mais isenção do ISSQN.
Esses movimentos deixaram, como
saldo organizativo, o movimento
Assembleia Popular Horizontal (APH),
que continua existindo.
Os movimentos de juventude e
estudantis ressurgiram em nova onda
de mobilizações em 2016, no curso das
discussões sobre a reforma do ensino
médio (Medida Provisória 746) e a
Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 241, que estabelecia um teto ao
286
crescimento dos gastos públicos. Mais
de 100 escolas secundaristas foram
ocupadas por estudantes, de acordo
com informações prestadas pela
Secretaria de Estado de Educação
(SEE) aos veículos de imprensa. As
ocupações também aconteceram
em institutos federais e em, pelo
menos, sete universidades federais
na capital, em Montes Claros, Ouro
Preto, Viçosa, Diamantina, Janaúba,
Mariana e Unai, com notada
participação do Levante Popular da
Juventude.
Direitos humanos – Seguidas
violações aos direitos de ativistas
e lideranças populares deram à
dimensão dos direitos humanos um
lugar de destaque no cenário mineiro
das duas últimas décadas. Ressaltese, nesse sentido, a repressão sobre
jornalistas mineiros mais aguerridos,
vários dos quais foram demitidos
de seus empregos. O vídeodocumentário “Liberdade, essa
palavra”, produzido pelo jornalista
Marcelo Baêta, aborda a relação de
Aécio Neves com a imprensa no seu
primeiro mandato como governador
de Minas e denuncia a chamada
“operação mordaça” que resultou
na demissão de Marco Nascimento,
ex-diretor de jornalismo da Globo
Minas; Paulo Sérgio, ex-apresentador
do Itatiaia Patrulha; Ulisses Magnus,
ex-editor de esporte da Rede Minas,
Kajuru, ex-repórter do Esporte Total
(Band), Ugo Braga, ex-editor do
Estado de Minas, além da prisão do já
mencionado Marco Aurélio Carone,
criador e editor do Novo Jornal.
No meio rural, o tema direitos
humanos aparece diretamente
associado à demanda por punição
aos crimes cometidos contra famílias
acampadas, como no caso do
Massacre de Felisburgo, ou de
atentados contra servidores públicos
que trabalham com fiscalização,
como no caso da Chacina de
Unai. Nos maiores centros urbanos,
abrangem a violência contra
mulheres, homossexuais, presidiários,
crimes religiosos, intolerância racial
e ataques policiais aos direitos das
famílias em ocupações urbanas.
Entre as organizações mais
destacadas nesta pauta, no campo
ou na cidade, estão a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), o Conselho
Regional de Psicologia (CRP) e a
Ordem dos Advogados do Brasil,
seção Minas Gerais, além de
sindicatos e ONGs defensoras dos
direitos civis.
Igualdade de direitos – Embora
se articulem em espaços distintos
e possuam demandas específicas,
os movimentos pela igualdade de
direitos envolvem, principalmente,
organizações de mulheres,
organizações de combate ao racismo
e coletivos vinculados à comunidade
atualmente autodenominada
LGBTIQ. Tais organizações e grupos
apresentam forte proximidade
em suas reivindicações, dentre
elas o combate ao preconceito
e à discriminação, o combate à
violência sexual, a capacitação das
polícias Civil e Militar, exigência de
públicas de saúde especializadas,
de delegacias especializadas,
maior participação em instâncias
decisórias e o estabelecimento
de sistemas de coleta de dados e
processamento de informações que
possibilitem o registro eficiente seja
da dimensão dessas populações,
seja das agressões que sofrem ou
demandas que apresentam. Trata-se,
enfim, ou da criação ou da melhoria
tanto das legislações pertinentes
quanto dos canais institucionais de
representação de interesses coletivos.
Por outro lado, em Minas Gerais,
o envolvimento e a participação
dos movimentos de mulheres e de
negros ocorrem, principalmente, nas
instâncias de controle social e nos
movimentos sindicais e partidários.
No caso dos movimentos LGBTIQ nem
isso, dada a forte estigmatização
existente. Em Minas, ainda hoje,
inexiste um conselho de políticas
públicas a favor da diversidade.
Persistem, portanto, dificuldades
para a articulação de ações e lutas
conjuntas, que tendem a ocorrer
apenas em datas oficiais, como o
8 de março, o 28 de junho (Dia do
287
Orgulho LGBTI) e o 20 de Novembro,
Dia Nacional da Consciência Negra.
A Questão trabalhista – Existem em
Minas Gerais cerca de 1.185 sindicatos
profissionais que representam
cerca de 390 mil trabalhadores e
trabalhadoras, rurais e urbanos,
segundo dados do Ministério do
Trabalho. Também atuam no Estado
as seguintes centrais sindicais: CUT
(Central Unica dos Trabalhadores),
CTB (Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil), UGT (União
Geral dos Trabalhadores), Força
Sindical, CSP-Conlutas, CSB (Central
dos Sindicatos Brasileiros) CGTB
(Central Geral dos Trabalhadores do
Brasil) e a Intersindical.
Assim como aconteceu ao
sindicalismo brasileiro de modo geral,
o sindicalismo mineiro se ressentiu,
no final do século XX, dos efeitos da
política de estabilização econômica
adota nas gestões Fernando Henrique
Cardoso. A gestão tucana no plano
federal deixou uma das mais altas de
desemprego que o Brasil já conheceu.
Também pesaram, como fatores
influentes sobre a ação sindical, a
política de abertura comercial, a
privatização de empresas estatais
e os processos de reestruturação
produtiva das empresas, acelerados
pela assim chamada globalização
econômica.
288
Dessa forma, ainda que fortemente
acuados pela ofensiva neoliberal nos
anos 1990, os trabalhadores resistiram
e marcaram aquela década com
muitas manifestações e greves. O nível
de mobilização, porém, mudou na
década seguinte, com a chegada de
Luis Inácio Lula da Silva à presidência
da República. A retomada do
crescimento econômico a partir
de 2004 (resultado da expansão
da economia internacional, da
estabilidade da inflação, do
aumento do crédito popular e da
valorização do salário mínimo, entre
outras medidas para a dinamização
do mercado interno adotadas pelo
petista), levou a um cenário novo no
mercado de trabalho, após décadas
de continuada estagnação, retração
do emprego e precarização das
relações de trabalho. Essas políticas
tiveram continuidade no primeiro
mandato da ex-presidenta Dilma
Rousseff, embora com dificuldades
para serem sustentadas a partir do
início da década atual.
Como resultado, houve um sensível
arrefecimento da atividade sindical
reivindicativa, tanto no Brasil quanto
em Minas Gerais, na década de
2010. Isso aconteceu tanto entre os
trabalhadores das redes públicas
quanto entre os trabalhadores
empregados pela iniciativa privada.
Números apurados pelo DIEESE
mostram que foram realizadas 7.753
greves no Brasil, entre os anos 1991
e 2000, somados os trabalhadores
públicos e privados. Na década
seguinte, entre 2001 e 2010 esse
número caiu para 3.665 greves.
Um indicativo dos efeitos benéficos
das políticas macroeconômicas
de Lula e Dilma sobre a situação
dos trabalhadores é a variação do
número de greves apenas entre
os trabalhadores privados, nestes
mesmos períodos. Foram cerca de
5.000 paralisações entre os anos
1991 e 2000 contra apenas 1.758 na
década seguinte.
Na década em curso, parece
haver uma retomada do ativismo
sindical, certamente em virtude das
repercussões da crise econômicofinanceira que persiste em escala
global; das medidas de ajuste
adotadas pelas empresas e dos
ajustes fiscais com vistas à contenção
do gasto público, especialmente nos
estados e municípios. Apenas nos
três primeiros anos desta década
foram realizadas 3.486 greves no
país, número equiparável ao total
de paralisações em toda a década
passada. No caso dos tralhadores do
setor privado, o total de paralisações
entre 2011 e 2013 (1.802) já ultrapassou
o total de greves realizadas entre
2001 e 2010 (1.758). Na área pública,
o número também é expressivo, com
1.668 greves.
O comportamento dos sindicatos em
Minas Gerais vem acompanhando
esta tendência. Foram realizadas 350
greves no Estado, entre os anos 1991
e 2000, somados os trabalhadores
públicos e privados. Na década
seguinte, entre 2001 e 2010, esse
número caiu para 156. Entre os
trabalhadores privados, a quantidade
de paralisações decaiu de 141
para 71 no mesmo período. Nesta
década, o número de greves voltou
a crescer e, entre 2011 e 2013, foram
deflagadas 158 paralisações – duas a
mais que na década passada, sendo
o setor público o mais mobilizado1.
Questões difusas e outras questões
– Na última década, a questão da
cidade tem aparecido como uma
pauta forte e diversificada, ensejando
o surgimento de uma pluralidade
de formas de ação coletiva. Em
Minas Gerais, especialmente na
capital, além das manifestações
que abordam questões tradicionais,
como a economia, ampliaram-se
os movimentos que questionam as
gestões municipais e sua postura pró
mercantilização do espaço urbano,
na defesa de uma apropriação
mais inclusiva e democrática de
espaços como parques e praças.
Associadas a questões como a
reforma urbana, o acesso à moradia,
a mobilidade, o saneamento, a
proteção ambiental, o direito à
diversidade, entre outros motes,
1
As informações relativas aos
anos 2014 a 2016 ainda não foram
disponibilizadas pelo DIEESE.
289
esses movimentos se expressam sob
a forma de atividades lúdicas, como
eventos culturais, feiras, exposições,
caminhadas e rodas de conversas.
Trata-se de uma experimentação
promissora que, no Estado, resultou
em saldos organizativos como o
movimento “Praia da Estação”,
criado em 2010 e que se tornou-se
uma referência de movimento difuso
e abrangente, e a “Muitas – Cidade
que Queremos”, uma articulação
multissetorial organizada com o
deliberado objetivo de influenciar as
eleições municipais de 2016.
Fontes de informação
Sobre a economia mineira
* Minas em Números, mantido pelo
Governo do Estado de Minas Gerais
- http://www.numeros.mg.gov.br
* Fundação João Pinheiro (FJP) www.fjp.mg.gov.br
* Atlas do Desenvolvimento Humano
no Brasil - www.atlasbrasil.org.br
Livros
* José Prata de Araújo. “Por que
Dilma e Fernando Pimentel venceram
as eleições em Minas?”, Contagem,
Minas Gerais, janeiro de 2015. Edição
do autor.
290
* Maria da Glória Gohn. Movimentos
sociais e redes de mobilizações civis
no Brasil contemporâneo, Petrópolis,
RJ: Vozes, 2010
Artigos, monografias
De onde vem e para onde pensa
que vai o sindicalismo tucano
- https://bancariosbh.org.br/
leia-artigo-de-onde-vem-e-paraonde-pensa-que-vai-o-sindicalismotucano-escrito-pelo-diretor-dosindicato-fernando-neiva
Everson de Alcântara Tardeli. Justiça
do capital: violência estrutural nas
relações de trabalho dos eletricitários
em Minas Gerais. Dissertação
apresentada ao Programa de
PósGraduação em Serviço Social
da Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
Franca, 2014.
Juarez Guimarães e Neemias de
Souza Rodrigues. Violência e barbárie
no governo de Aécio em Minas.
Carta Capital, 17/10/2014. Disponível
em http://www.cartamaior.com.
br/?/Editoria/Politica/Violencia-ebarbarie-no-governo-de-Aecio-emMinas/4/32024
Miguel Fernandes Felippe, Alfredo
Costa, Roberto Franco, Ralfo Matos.
A tragédia do Rio Doce, a lama,
o povo e a água. Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG/
Universidade Federak de Juiz de
Fora – UFJF. Belo Horizonte - MG /
Juiz de Fora - MG, Janeiro/2016.
Disponível em http://www.ufjf.br/
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Um balanço da semana. Blog
Beatriz Cerqueira, 27 de agosto
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Documentos
Frente Brasil Popular. Conpromissos
da Militância. Belo Horizonte, 5 de
setembro de 2015. Disponível em
http://www.frentebrasilpopular.org.
br/conteudo/compromissos-damilitancia
Depoimentos ao autor Frederico
Santana Rick, sociólogo, militante da
Consulta Popular e da Frente Brasil
Popular
Notícias
‘Dobradinha’ entre PT e PSDB faz
Lacerda passar do anonimato político
para vitória em Belo Horizonte. UOL,
sem data. Disponível em https://
eleicoes.uol.com.br/2008/belohorizonte/lacerda_eleito.jhtm
Comitê Mineiro do Fórum Social
Mundial divulga carta. Assembleia
Legislativa de Minas Gerais,
03/09/2001. Disponível em https://
www.almg.gov.br/acompanhe/
noticias/arquivos/2001/09/
SCT270762.html
Decisão da Justiça suspende efeitos
de assembleia de falsos sindicalistas.
Sindicato dos Bancários de Belo
Horizonte e Região, 24/04/2012.
Disponível em http://bancariosbh.
org.br/decisao-da-justica-suspendeefeitos-de-assembleia-de-falsossindicalistas
Deputados querem retomar o Bloco
Minas sem Censura – PT, 23/04/2013.
Disponível em http://www.ptmg.
org.br/deputados-querem-retomaro-bloco-minas-sem-censura/#.
WX3s44jyvI
Força dos bancários impede golpe
contra a democracia em Betim.
Sindicato dos Bancarios de Belo
Horizonte e Região, 24/04/2012.
Disponível em http://bancariosbh.
org.br/forca-dos-bancarios-impedegolpe-contra-a-democracia-embetim
291
Grande BH pode ter quase 25 mil
famílias vivendo em ocupações
urbanas. Portal Minas Livre,
04/08/2016. Disponível em http://
minaslivre.com.br/plus/modulos/
noticias/ler.php?cdnoticia=4556#.
WXzt5YjyvIW
Marcio Lacerda declara apoio
ao Pimentécio. Jornal Estado
de Minas, 29/09/2010. Disponível
em http://www.em.com.br/app/
noticia/politica/2010/09/29/interna_
politica,182548/marcio-lacerdadeclara-apoio-ao-pimentecio.shtml
Marcio Lacerda entra na campanha
ao lado do governador e do prefeito
- Jornal O Tempo, 10/07/08. Disponível
em http://www.otempo.com.br/
capa/pol%C3%ADtica/marciolacerda-entra-na-campanhaao-lado-do-governador-e-doprefeito-1.261310
Minas divulga na internet gastos com
publicidade oficial - UOL, 24/12/2014.
Disponível em http://www1.folha.
uol.com.br/poder/2014/12/1566733minas-divulga-na-internet-gastoscom-publicidade-oficial.shtml
Ministério Público abrirá inquérito
para apurar irregularidades em 65
empresas de ônibus da Grande BH.
Jornal Estado de Minas, 29/10/2015.
Disponível em http://www.em.com.
br/app/noticia/gerais/2015/10/29/
interna_gerais,702722/ministeriopublico-abrira-inquerito-para-apurarirregularidades.shtml
292
Verbetes complementares
Assembleia Popular Horizontal (APH)1
– Fórum de debates criado em Belo
Horizonte no curso das jornadas de
junho de 2013. A primeira sessão
da Assembleia aconteceu no dia
18, sob o Viaduto Santa Tereza,
e aprovou a seguinte pauta de
reivindicações: revogação do último
aumento das passagens de ônibus;
passe livre para desempregados e
estudantes; apresentação pública da
composição das tarifas de transporte
coletivo; desoneração da folha de
pagamento e também dos tributos
federais relativos ao Programa
de Integração Social (PIS) e a
Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social (Cofins). As
manifestações convocadas pela
APH – que incluíram a ocupação da
Câmara Municipal de Belo Horizonte
durante nove dias – tiveram ampla
repercussão junto aos organismos
políticos institucionais e, de modo
geral, foram tratadas com extrema
violência da polícia militar. Em 5
de julho de 2013, a prefeitura de
Belo Horizonte cedeu à pressão de
manifestantes e anunciou redução
de 15 centavos do preço das
passagens dos ônibus da capital.
Com o abrandamento das jornadas
de junho, o movimento decaiu em
expressão política e esvaziou-se. A
experiência permanece, entretanto,
como uma das mais inovadoras
formas de intervenção política no
cotidiano da cidade.
A Assembleia não se defina como
um movimento nem como uma
manifestação popular stricto sênsu.
Era um espaço para o levantamento
de questões e reivindicações. Como
tal, buscava inovar no seu modo
de funcionamento, apresentandose como um fórum de diálogo
horizontal, autônomo, espontâneo,
suprapartidário e aberto à pluralidade
de vozes, individuais ou coletivas,
que dela queiram participar. Nesse
sentido, a Assembleia era receptiva
à proposição de qualquer temática
e pautava, de maneira geral, desde
questões relativas às políticas públicas
e até questões comportamentais.
Seu propósito genérico foi a busca de
uma sociedade fundamentada em
princípios como vida digna, respeito
e valorização da diversidade, fim de
preconceitos de qualquer espécie,
empoderamento pessoal e esforço
coletivo nas questões da cidade. Para
sistematizar o debate e a formulação
de ações, foram criados Grupos
Temáticos (Gts), como o GT de Arte
e Cultura, o de Democratização da
Mídia, o de Mobilidade Urbana, entre
outros.
1
Assembleia Popular Horizontal
(APH) - http://aph-bh.wikidot.com
293
Brigadas
Populares
(BPs)2
–
Movimento político organizado
em Belo Horizonte por alunos da
Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG),
a partir de um grupo de estudos
sobre marxismo. As Brigadas se
identificam como uma organização
política desde 2009, propondo-se a
discutir e construir um projeto político
alternativo de país, a partir de um
ideário socialista. Em âmbito nacional,
surgiu em 18 de setembro de 2011,
com a fusão das Brigadas Populares
com o Coletivo Autocrítica, Coletivo
21 de Junho (C21J) e Movimento
Revolucionário Nacionalista – círculos
bolivarianos (MORENA – cb) em uma
única organização. Conforme seu
manifesto, a fusão teve por objetivo
“contribuir com a edificação de
uma pátria soberana e socialista. Em
seu sentido amplo significa recolher
de forma critica e inovadora as
tradições de luta e experiências
históricas de larga duração dos
setores nacionalistas revolucionários,
comunistas e socialistas da esquerda
brasileira.”
Em 2006, ocorreu a primeira
ocupação urbana organizada
pelas Brigadas, conhecida como
“Ocupação Caracol” e articulada
com famílias do Aglomerado da
Serra, em Belo Horizonte. O nome
“Caracol” é uma referência à forma
de organização dos Zapatistas,
2
Brigadas Populares
brigadaspopulares.org.br
294
-
https://
movimento revolucionário do México.
Desde então, as Brigadas têm se
destacado como um importante ator
nas lutas pela reforma urbana e nas
ocupações em Belo Horizonte e em
sua Região Metropolitana. A agenda
política do grupo, entretanto, não
se restringe à reforma urbana. As
Brigadas Populares estão presentes
em várias outras áreas temáticas,
como o feminismo, as questões raciais,
a luta antiprisional, a juventude e a
mídia popular, com atuação no Rio
de Janeiro, Santa Catarina, Paraná,
Pará, São Paulo e no Distrito Federal.
Atualmente integram a Frente Povo
Sem Medo e desde 2016, conforme
decisão da IV Assembleia Nacional
das Brigadas Populares, fazem parte
da Intersindical - Central da Classe
Trabalhadora, criada pelo Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL).
Central dos Sindicatos Brasileiros
(CSB)3 – Antiga Central Sindical de
Profissionais (CSP), fundada em 8
de fevereiro de 2008 por um grupo
de sindicatos “nacionalistas e por
profissionais, em sua grande maioria,
liberais”. Seu primeiro presidente foi
Luiz Sérgio da Rosa Lopes, presidente
da Federação dos Contabilistas
dos Estados do RJ, ES e BA. Em 7
de fevereiro de 2012, depois de
um período de arrefecimento no
trabalho de organização da central,
3
Central dos Sindicatos Brasileiros
(CSB) - http://csb.org.br/conheca-a-csb
resultante de uma malograda
tentativa de fusão, a CSP realizou
um Congresso Extraordinário que
retomou a construção da entidade
e elegeu o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores em Tecnologia
da Informação de São Paulo,
Antonio Fernandes dos Santos Neto,
como novo dirigente da central. O
novo nome, Central dos Sindicatos
Brasileiros (CSB), foi adotado em 27 de
setembro do mesmo ano, por decisão
de Assembleia Geral Extraordinária
da entidade, realizada na cidade
de São Paulo4. A CSB é conhecida
no movimento sindical como “a
central do PMDB”. Antonio Neto, na
ocasião em que foi eleito presidente,
também presidia o Núcleo Sindical
do PMDB, declarava-se próximo ao
então vice-presidente da República,
Michel Temer, e integrava o diretório
nacional do partido. Em 03 de julho
de 2017, Antonio Neto comunicou
oficialmente sua desfiliação do
PMDB, alegando a impossibilidade de
permanecer em um partido que “sob
o comando de uma pequena cúpula,
que afronta o programa partidário;
ignora os anseios e a vontade do
povo; promove a destruição da
Constituição de 1988; enxovalha a
democracia duramente conquistada;
desrespeita e desmoraliza os Poderes
4
CSP passa a se chamar Central
dos Sindicatos Brasileiros (CSB). CSB, 28 de
setembro de 2012, disponível em http://
csb.org.br/blog/2012/09/28/csp-passaa-se-chamar-central-dos-sindicatosbrasileiros-csb
da República; rasga os direitos
trabalhistas e sociais; avilta os direitos
previdenciários e enterra os sonhos
da construção de uma Nação mais
justa e igualitária”5.
Em Minas Gerais, a comissão
provisória da CSB foi criada 10 de
maio de 2012, com a incumbência
de realizar uma campanha de
filiação e definir a data e o local de
realização do congresso estadual da
central. Este congresso está previsto
para os dias 12 a 15 de setembro
próximo, em Belo Horizonte, quando
deverá ser eleita a direção estadual6.
Atualmente, no estado, existem 89
sindicatos de trabalhadores filiados à
CSB, conforme informações do Portal
de Informações sobre Relações do
Trabalho, do ministro do Trabalho
e Emprego (MTE). Em número de
sindicatos filiados, é a sexta maior
central sindical ativa no Estado.
5
Presidente
da
central
CSB
anuncia
desfiliação
do
PMDB:
‘Vergonha e indignação. Rede Brasil
Atual,
04/07/2017,
disponível
em
http://www.redebrasilatual.com.br/
politica/2017/07/presidente-da-centralsindical-csb-anuncia-desfiliacao-dopmdb-vergonha-e-indignacao
6
Filiados criam comissão da CSP
em Minas Gerais. CSB, 11 de maio de
2012, disponível em http://csb.org.
br/blog/2012/05/11/filiados-criamcomissao-da-csp-em-minas-gerais/
295
Central dos Trabalhadores e das
Trabalhadoras do Brasil (CTB) 7
– Central sindical fundada em
congresso realizado em Belo Horizonte
entre os dias 12 e 14 de dezembro
de 2007. A organização dessa nova
central foi estimulada pela “reforma
sindical” que o ex-presidente Luis
Inácio Lula da Silva iniciou em seu
primeiro mandato (2003-2007).
Entre as iniciativas propostas por
Lula, estava o reconhecimento das
centrais sindicais, que passaram a
ter poderes negociais e acesso a
recursos oriundos de parcelas do
imposto sindical, anteriormente
vetados (Lei 11.648, de 31 março de
2008). A nova situação permitiu que
tensões históricas entre as diferentes
facções cutistas se expressassem sob
a forma da organização de outras
centrais sindicais. Assim, alguns
setores identificados com a Corrente
Sindical Classista, ligada ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), e ao
Sindicalismo Socialista Brasileiro
(SSB), ligado ao Partido Socialista
Brasileiro (PSB), associaram-se para
a fundação da CTB. Segundo dados
da própria CTB, estiveram presentes
a seu congresso de fundação 1.300
delegados, representantes de 556
entidades sindicais urbanas e rurais
de 25 estados. Entre essas entidades,
figuravam federações estaduais
de trabalhadores na agricultura,
federações e sindicatos do setor
marítimo, portuário, da indústria e
7
296
portalctb.org.br
outros. Em Minas Gerais, a CTB foi
fundada no dia 26 de abril de 2008
em congresso no sítio da Federação
dos Trabalhadores na Agricultura de
Minas Gerais (Fetaemg), em Belo
Horizonte. Gilson Reis, presidente do
Sinpro Minas, foi eleito seu o primeiro
presidente8. Atualmente, a CTB Minas
Gerais é presidida por uma mulher,
a professora Valéria Morato, que
também é presidenta do Sinpro
Minas. Morato foi eleita durante a
quarta edição do Encontro Estadual
realizado nos dias 14 e 15 de julho no
Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte,
e deve conduzir a entidade até
20209. Em Minas Gerais existem 108
sindicatos de trabalhadores filiados à
CTB, conforme informações do Portal
de Informações sobre Relações do
Trabalho, do ministro do Trabalho
e Emprego (MTE). Em número de
sindicatos filiados, é a quinta maior
central sindical ativa no Estado.
Central Única dos Trabalhadores
(CUT) 10 – Central sindical fundada
em 28 de agosto de 1983, na cidade
de São Bernardo do Campo, em
8
Encontro em Belo Horizonte funda
a CTB Minas. Portal Vermelho, 28 de
abril de 2008, disponível http://www.
vermelho.org.br/noticia/34585-8
9
Congresso da CTB Minas elege
Valéria Morato como presidenta. Sinpro
Minas, 17/07/2017, disponível em http://
sinprominas.org.br/noticias/congressoda-ctb-minas-elege-valeria-moratocomo-presidenta
10
CUT-MG http://www.cutmg.org.br
São Paulo, durante o 1º Congresso
Nacional da Classe Trabalhadora
(CONCLAT). A CUT-MG nasceu
no ano seguinte. No final de 1983,
representantes do assim chamado
“novo sindicalismo” em Minas
assumiram a tarefa de organizar o
1º Congresso da CUT Minas Gerais
(Cecut-MG) que aconteceu em
1984 e criou a CUT-MG e as CUTs
regionais no Estado. De acordo com
o registro da própria Central, sua
fundação em Minas Gerais “contou
com a participação fundamental
dos metalúrgicos, dos trabalhadores
em educação, então coordenados
pela UTE (que deu origem ao SindUTE-MG), dos marceneiros e dos
trabalhadores rurais”.
O primeiro presidente da Central
no Estado foi o metalúrgico João
Paulo Pires de Vasconcellos, do
Sindicato dos Metalúrgicos de João
Monlevade e Região. Ainda de
acordo com os registros, a principal
conquista da CUT/MG no ano de sua
fundação foi a conquista da direção
do Sindicato dos Metalúrgicos de
Belo Horizonte, Contagem e Região
que, durante anos, foi controlado
por um grupo conservador. Desde
então, o Sindicato dos Metalúrgicos
está no campo cutista. Atualmente,
154 sindicatos de trabalhadores são
filiados à CUT, conforme informações
do Portal de Informações sobre
Relações do Trabalho, do ministro
do Trabalho e Emprego (MTE). Em
número de sindicatos filiados, a
central é a terceira maior no Estado.
Em 3 de junho de 2012, durante o
11º Congresso da CUT Minas Gerais
(Cecut-MG), pela primeira vez, uma
mulher chegou à presidência da
entidade. A Coordenadora-Geral do
Sind-UTE, Beatriz Cerqueira, foi eleita
pela chapa de consenso “Avançar
na Luta” e assumiu o cargo para a
gestão 2012/2015. A presidenta eleita
prometeu uma Central combativa
e fortalecida no enfrentamento ao
governo neoliberal então vigente
no Estado. “A nossa expectativa é
de, nos próximos três anos, ampliar a
atuação da CUT no Estado, fortalecer
e organizar a classe trabalhadora,
ser aglutinadora das lutas e fazer o
enfrentamento com esse projeto que
está no governo e que não interessa
aos trabalhadores e trabalhadoras”,
afirmou em seu discurso de posse11.
O 12º Cecut, ocorrido em 2015,
reconduziu Beatriz Cerqueira ao
cargo para gestão 2015/2019.
Beatriz da Silva Cerqueira, ou Bia
Cerqueira como é conhecida,
nasceu em 3 de março de 1978,
em Belo Horizonte. é graduada em
Direito e formou-se como professora
no Instituto de Educação de Minas
Gerais. Começou sua militância
política em grupos de jovens ligados
11
Beatriz Cerqueira é eleita para a
presidência da CUT-MG. CUT, 04/06/2012,
disponível em https://cut.org.br/noticias/
beatriz-cerqueira-e-eleita-para-apresidencia-da-cut-mg-9b54
297
à Pastoral da Juventude, militou no
movimento estudantil e, em Betim,
ingressou no movimento sindical. Ela
permanece na Coordenação-geral
do Sind-UTE/MG.
Chacina de Unaí – Massacre ocorrido
na cidade de Unaí (município do
noroeste de Minas Gerais, a 166 km
de Brasília), em 28 de janeiro de
2004. Durante uma fiscalização em
fazendas suspeitas de contratação
irregular de trabalhadores (trabalho
escravo), quatro funcionários do
Ministério do Trabalho e Emprego
sofreram uma emboscada e foram
assassinados a tiros. As vítimas foram
os auditores do trabalho Nelson
José da Silva, João Batista Lage e
Eratóstenes de Almeida Gonçalves,
e o motorista Ailton Pereira de
Oliveira. A investigação do Ministério
Público Federal (MPF), concluiu que
os assassinos foram os pistoleiros
Erinaldo de Vasconcelos (que
confessou o crime e denunciou os
outros dois), Rogério Alan Rocha Rios
e Silva e William Gomes de Miranda,
encarregado de providenciar o carro
para fuga dos três.
Em 31 de agosto de 2013, depois
de mais de nove anos de batalhas
jurídicas em diversas instâncias e
quatro dias de julgamento, Rogério,
Erinaldo e William foram condenados
por júri popular em Belo Horizonte.
Rogério Alan foi sentenciado a 94
anos de prisão. Erinaldo recebeu o
298
benefício da delação premiada e
pena de 74 anos. A sentença mais
leve foi para William, condenado a
54 anos.
Em outubro de 2015, o Tribunal
Regional Federal de Minas Gerais
condenou os fazendeiros e irmãos
Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí
entre 2005 e 2012, e Norberto Mânica,
um dos maiores produtores de feijão
do País, como mandantes do crime.
Ambos foram condenados a 100
anos de prisão e tiveram o direito de
recorrer em liberdade por serem réus
primários.
No mesmo ano, foram julgados os
empresários cerealistas José Alberto
de Castro e Hugo Alves Pimenta. O
primeiro recebeu pena de 96 anos
de reclusão por ter intermediado a
contratação dos pistoleiros. Também
apontado como intermediário, Hugo
havia feito acordo de delação
premiada, assumido participação no
crime, e entregado Norberto Mânica
como mandante da contratação.
Sua pena inicial de 96 anos foi
reduzida para 47 anos, três meses e
27 dias de prisão.
Além dos quatro condenados em
2015, estavam envolvidos Francisco
élder Pinheiro e Humberto Pereira da
Silva. O primeiro, que as investigações
concluíram ter sido o contratante dos
executores, morreu em 2013. Quanto
a Humberto, seu crime prescreveu
em 2010. Ele foi apontado como
encarregado de apagar a folha do
livro de registros do Hotel Athos, em
Unaí, onde Erinaldo, Rogério Alan e
William ficaram hospedados.
O Dia Nacional de Combate ao
Trabalho Escravo, comemorado todo
28 de janeiro, foi estabelecido em
homenagem às quatro vítimas.
Consulta Popular 12 – Movimento
social criado em dezembro de
1997, em Conferência Nacional
realizada na cidade de Itaici, SP.
Esta conferência foi convocada pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra ( MST) com o objetivo de
analisar a conjuntura política que, à
época, ingressava numa nova fase,
desfavorável ao campo popular.
Entre alguns setores de esquerda,
havia a opinião de que a última curva
ascendente dos movimentos sociais
estava esgotada e que se avizinhava
um período de descenso das lutas
de massas. Daí a necessidade de um
esforço de refundação e de resgate
de um “Projeto Popular para o Brasil”.
A construção desse projeto, a ser
feita via consultas aos movimentos
e ativistas sociais, convergiu para
a formação de uma organização
permanente, a Consulta Popular.
Esse processo foi fortalecido com a
Marcha Popular pelo Brasil que, entre
julho e outubro de 1999, levou cerca
de 1.100 militantes do Rio de Janeiro
a Brasília, debatendo o projeto
12
Consulta Popular - http://www.
consultapopular.org.br
com a população de centenas de
cidades. A assembleia final aprovou
o texto “Opção Brasileira” (ou
“Projeto Popular para o Brasil”), que
se constitui no documento-base da
Consulta Popular13.
Em sua III Assembleia Nacional,
realizada em Belo Horizonte, em
2007, a Consulta Popular assumiu
o caráter de uma organização
política e aprovou iniciativas para
aprofundar o caráter partidário do
movimento. Atualmente, a Consulta
Popular reúne uma rede de militantes
e organizações como a Central
de Movimentos Populares (CMP),
pastorais da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), Articulação
Nacional das Mulheres Trabalhadoras
Rurais, Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB)
e sindicalistas filiados a diversos
sindicatos. Um desdobramento
do grupo é o “Levante Popular da
Juventude”, organização que se
define como a “juventude do projeto
popular”14. A Consulta é responsável
pela publicação do Brasil de Fato,
cujo lançamento remonta ao Fórum
Social Mundial de 2003, em Porto
13
Movimento Consulta Popular:
das origens à formação de uma
organização política. Entrevista especial
com Ricardo Gebrim. Revista Fórum,
17 de fevereiro de 2014, disponível
em
http://www.revistaforum.com.br/
mariafro/2014/02/17/42598/
14
Levante Popular da Juventude http://levante.org.br/
299
Alegre. Em 2013, logo após São Paulo,
foi publicada a versão mineira deste
informativo. No Estado, o jornal tem
periodicidade semanal, distribuição
gratuita e é financeiramente
sustentado pela CUT e 12 sindicatos.
CSP Conlutas 15 – Central sindical
fundada no Congresso Nacional
da Classe Trabalhadora (CONCLAT)
ocorrido na cidade de Santos, São
Paulo, nos dias 5 e 6 de junho de
2010. A organização dessa nova
central foi estimulada pela “reforma
sindical” que o ex-presidente Luis
Inácio Lula da Silva iniciou em seu
primeiro mandato (2003-2007).
Entre as iniciativas propostas por
Lula, estava o reconhecimento das
centrais sindicais que passaram a ter
poderes negociais e acesso a recursos
oriundos de parcelas do imposto
sindical, anteriormente vetados (Lei
11.648, de 31 março de 2008). A
nova situação permitiu que tensões
históricas entre as diferentes facções
cutistas se expressassem sob a forma
da organização de outras centrais
sindicais. Assim, setores sindicais
ligados à Intersindical do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL); ao
Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU) organizados na
Coordenação Nacional de Lutas
(Conlutas), existente desde 2004
15
CSP Conlutas - http://cspconlutas.
org.br
300
e também de base sindical 16 , o
Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST), o Movimento Urbano
dos Sem Teto (MUST) e outras
organizações do movimento popular
urbano, como o Movimento Terra,
Trabalho e Liberdade (MTL), se uniram
para fundar a CSP Conlutas.
A central apresentou-se, nesse
sentido, como uma “experiência
inovadora na organização de nossa
classe no Brasil. Unir, numa mesma
entidade nacional, os movimentos
sindicais, populares, da juventude
e de luta contra a opressão das
mulheres, negros, homossexuais e
outros segmentos”. à época de
sua formação, também apontava
a necessidade de lutar “contra as
reformas neoliberais aplicadas pelo
governo Lula”17.
No congresso de fundação, a nova
central viveu seu primeiro racha. Se
retiraram do congresso as correntes
Intersindical/Psol, Unidos para Lutar
(CST-PSOL) e o MAS (Movimento
Avançando Sindical (corrente
prestista com presença em Santa
Catarina). O motivo da divisão,
até hoje pouco compreendido, foi
o nome da central. A Intersindical
16
CSP-Conlutas já é parte da
tradição do movimento sindical e
popular do país. PSTU, 12/04/2012,
disponível em http://www.pstu.org.br/
csp-conlutas-ja-e-parte-da-tradicao-domovimento-sindical-e-popular-do-pais
17
CSP Conlutas História - http://
cspconlutas.org.br/quem-somos/historia
era contrária a que se constasse a
expressão Conlutas na sigla, e propôs,
como alternativa, o nome Ceclat
(Central Classista dos Trabalhadores).
Derrotados em votação, optaram
pelo racha18.
de Informações sobre Relações do
Trabalho, do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE), não registra
informações sobre a CSP Conlutas.
19
Carta de saída da CSP Conlutas.
CMI Brasil, 14/07/2012, disponível em
https://midiaindependente.org/pt/
green/2012/07/509732.shtml
Fórum Sindical e Social de
Minas Gerais (FSS) 21 – Articulação
permanente, suprapartidária e
suprassindical mineira criada em
19 novembro de 2008. Na época,
a conjuntura política em Minas
Gerais estava marcada por um
forte isolamento dos movimentos
sociais e pela ofensiva do projeto
“aecista”. Em decorrência, estava
em curso um acelerado processo de
sucateamento de empresas, órgãos
públicos e serviços no Estado, com
redução de investimentos públicos e
compressão dos salários profissionais,
sob o nome de “Choque de Gestão”.
Acrescente-se a posição quase
unânime da mídia mineira em torno
do projeto político do Governo
Estadual, deixando os sindicatos
e os movimentos sociais cada vez
mais sem voz. No dia 19, cerca de
27 entidades sindicais e movimentos
sociais realizaram um ato de protesto
na Casa dos Jornalistas para
denunciar a Cemig, que pretendia
suprimir várias conquistas sindicais da
categoria eletricitária, que estava em
greve. Neste evento foi decidida a
criação de um fórum de articulação
20
Sindicatos voltam a debater
organização da Conlutas. SINJUS MG,
14/02/06, disponível em http://sinjus.
org.br/sindicatos-voltam-a-debaterorganizacao-da-conlutas
21
Fórum Sindical e Social de Minas
Gerais - http://minaslivre.com.br/plus/
modulos/conteudo/?tac=fss
Em Julho de 2012, durante reunião
da Coordenação Nacional da
CSP-Conlutas, o Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST)
anunciou sua saída da entidade,
devido a divergências com o PSTU,
partido que ainda exerce forte
influência sobre a central19.
Em Minas Gerais, a organização
da CSP Conlutas data de 2006
quando, em 19 de janeiro, foi eleita
a diretoria do Conlutas Estadual. Foi
eleito como presidente Boaventura
Mendes, presidente do Sindicato dos
Empregados em Estabelecimentos
de Serviços de Saúde de BH e
Região (Sindeess), e como vicepresidente Gilberto Gomes (Giba), da
Federação Sindical e Democrática
dos Metalúrgicos de Minas20. O Portal
18
Nova central é fundada, mas setor
minoritário rompe com o Congresso.
PSTU, 09/06/2010, disponível em http://
www.pstu.org.br/nova-central-efundada-mas-setor-minoritario-rompecom-o-congresso
301
intersindical e divulgada uma carta
aberta à população mineira sob
título “MINAS, teu outro nome já foi
liberdade!”. No dia, 25 em nova
reunião, as entidades definiram o
nome Fórum Sindical e Social de
Minas Gerais (FSS) e seus objetivos.
Em 21 de abril de 2009, o FSS criou
a “Medalha da Conjuração” com
a qual homenageou as lideranças
do movimento Popular e Sindical
em contraponto à a Medalha da
Inconfidência, comenda oficial do
governo. Foram homenageados
Frei Gilvander, ênio Bonemberg,
Gilse Cosenza, Helena Greco, João
Batista Rebouças, Euler Ribeiro, Célio
de Castro, Lúcio Célio Guterres,
Clodesmidt Riani, Dazinho, Eliana Silva
de Jesus, Eloi Ferreira, o motorista e os
auditores do trabalho assassinados
na Chacina de Unaí (Ailton Pereira
de Oliveira, Nelson José da Silva,
João Batista Lage e Eratóstenes de
Almeida Gonçalves), João Calazans,
Ondina Pedrosa Nahas e Edgar da
Matta Machado22. Em alternativa ao
bloqueio exercido pelos meios de
comunicação, o FSS criou o Portal
Minas Livre 23, com o propósito de
reunir informações das categorias e
difundi-las interna e externamente. O
302
portal está no ar desde o dia 24 de
setembro de 2010.
Intersindical - Instrumento de
Luta e Organização da Classe
Trabalhadora 24 – Central Sindical
formada em junho de 2006 por
facções sindicais em dissenso com
a Central única dos Trabalhadores
(CUT). A organização dessa nova
central foi estimulada pela “reforma
sindical” que o ex-presidente Luis
Inácio Lula da Silva iniciou em seu
primeiro mandato (2003-2007).
Entre as iniciativas propostas por
Lula, estava o reconhecimento das
centrais sindicais que passaram a
ter poderes negociais e acesso a
recursos oriundos de parcelas do
imposto sindical, anteriormente
vetados (Lei 11.648, de 31 março de
2008). A nova situação permitiu que
tensões históricas entre as diferentes
facções cutistas se expressassem sob
a forma da organização de outras
centrais sindicais. Assim, a corrente
sindical petista Alternativa Sindical
Socialista (ASS), a Unidade Classista,
corrente ligada ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB); o PSOL e vários
coletivos independentes, como a
Resistência Popular 25 e a Consulta
Popular, se uniram para fundar a
Intersindical.
22
No dia da liberdade em Ouro
Preto, Aécio faz lembrar os tempos da
ditadura. Blog Minas Livre, 22 de abril de
2009, disponível em http://sindicalsocial.
blogspot.com.br/2009/04/no-dia-daliberdade-em-ouro-preto-aecio.html
24
Intersindical - Instrumento de Luta
e Organização da Classe Trabalhadora https://www.intersindical.org.br
23
Portal Minas Livre http://minaslivre.
com.br
25
Resistência Popular - http://
resistenciapopular.blogspot.com.br
No 2º Encontro Nacional da
Intersindical, em abril de 2008, o
PSOL rompeu com esta central e
optou pela construção de outra,
de mesmo nome (Intersindical –
Central da Classe Trabalhadora). “Os
setores do PSOL que se retiraram do
Congresso chamado para fundação
de uma central sindical popular se
utilizaram do nome da Intersindical,
para tentar causar confusão no
interior do movimento sindical.
Na troca de e-mail’s e nas notas
divulgadas por ambos os lados da
disputa, com acusações recíprocas,
não se esclareceu que a Intersindical
verdadeira, formada pela Alternativa
Sindical Socialista, Unidade Classista,
Resistência Popular, Consulta Popular
e vários Sindicatos e Coletivos
Independentes não participou
do Congresso chamado para a
fundação de mais uma central”,
esclareceu a Intersindical em nota
publica26.
A Intersindical declara como
princípios
fundamentais
a
independência em relação ao
Capital e ao Estado, autonomia
em relação aos partidos políticos e
a organização pela base com um
instrumento fundamental para a
26
A
verdadeira
Intersindica
segue viva e atuante nas lutas da
classe
trabalhadora.
Intersindical,
sem data, disponível em http://www.
intersindical.org.br/2010/julho/item/101a-verdadeira-intersindical-segueviva-e-atuante-nas-lutas-da-classetrabalhadora
luta de classes. Também propugna
a solidariedade ativa e internacional
da classe trabalhadora e a não
submissão ao reconhecimento do
Estado. Nesse sentido, rejeita o
enquadramento sindical e a atual
estrutura sindical, “herança do
governo Getúlio Vargas que atrelou
a estrutura sindical ao Estado para
conter a luta de classes”. Em Minas
Gerais, a formação da Intersindical
teve início em novembro de 2009,
com a formação de sua comissão
organizativa e lançamento do
“Manifesto da Intersindical à Classe
Trabalhadora de Minas Gerais”27. A
II Plenária Estadual da Intersindical,
realizada em 17 de julho de 2010,
aprovou sua estrutura organizativa.
O Portal de Informações sobre
Relações do Trabalho, do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), não
registra informações sobre esta
central.
Marcha Mundial das Mulheres
(MMM) 28 – Movimento feminista
internacional iniciado no ano 2000
com a finalidade de realizar uma
campanha mundial contra a pobreza
e a violência contra as mulheres. A
inspiração para a criação da Marcha
27
Manifesto da Intersindical à classe
trabalhadora de MG. PCB, 25/11/2009,
disponível
em
https://pcb.org.br/
portal2/16
Marcha
Mundial
28
das
Mulhereshttp://www.
marchamundialdasmulheres.org.br
303
Mundial das Mulheres partiu de uma
manifestação realizada em 1995, em
Quebec, no Canadá, quando 850
mulheres marcharam 200 quilômetros,
pedindo, simbolicamente, “Pão e
Rosas”. As ações começaram no
dia 8 de março, Dia Internacional
da Mulher, e terminaram em 17 de
outubro, sob o tema “2000 razões
para marchar contra a pobreza e a
violência sexista”.
A ação mobilizou cerca de seis
mil grupos de mulheres em 159
países e territórios e culminou com
a entrega à ONU, em Nova Iorque,
de um documento assinado por mais
de 5 milhões de pessoas, com 17
reivindicações. A partir de então, a
MMM se constituiu como movimento
e como uma rede internacional de
organizações feministas com ações
locais (municípios ou regiões),
nacionais e internacionais. Em
sua segunda ação internacional,
realizada em 2005, a MMM lançou
a Carta Das Mulheres para a
Humanidade, documento que
expressa a visão do movimento
quanto às alternativas econômicas,
sociais e culturais para a construção
de um mundo fundado nos princípios
da igualdade, liberdade, justiça, paz
e solidariedade entre os povos e seres
humanos em geral, respeitando o
meio ambiente e a biodiversidade. A
preparação das ações internacionais,
a cada cinco anos, marca processos
de sínteses políticas da plataforma
da MMM.
304
Grupos de mulheres brasileiras
participam da Marcha desde o
primeiro ano. Entre os dias 8 de
março e 17 de outubro de 2000,
foram realizadas atividades em todos
os estados da federação, e o grande
momento de unidade a nacional foi
a Marcha das Margaridas, proposta
pelas mulheres da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag). O nome é
uma referência a Margarida Alves,
sindicalista brasileira, defensora dos
direitos humanos, considerada a
primeira mulher a lutar pelos direitos
trabalhistas no estado da Paraíba
durante a ditadura militar. Margarida
Alves foi assassinada por um matador
de aluguel em 12 de agosto de 1983.
Em 1988, ela recebeu o Prêmio Pax
Christi Internacional.
Até 2005, o Fórum Social Mundial
foi o espaço de encontro e
articulação das organizações
brasileiras integrantes da MMM e
desta com outras organizações e
movimentos sociais. Entre estes, a
Rede Latino-americana Mulheres
Transformando a Economia (REMTE),
a Via Campesina e Amigos da Terra
Internacional. Entre os dias 25 e 28
de agosto de 2006, foi realizado, em
Belo Horizonte, o Iº Encontro Nacional
da MMM, reunindo cerca de 500
mulheres. Neste encontro, Miriam
Nobre, engenheira agrônoma pulista,
foi eleita para a coordenação da
Secretaria Internacional da MMM.
A transferência do Secretariado
Internacional do Quebec para o
Brasil havia sido definida um mês
antes, no 6º Encontro Internacional
da MMM. Durante sua gestão foi
realizada, no Brasil, a Terceira Ação
Internacional da MMM. Em 2010,
três mil mulheres marcharam entre
as cidades de Campinas e São
Paulo enquanto mais de 100 mil
mulheres de 75 países participaram
em atividades correlatas nacionais,
regionais e internacionais. Miriam
Nobre ocupou o cargo até 2013,
ano de realização do 9º Encontro
Internacional da Marcha Mundial das
Mulheres (MMM), em São Paulo.
Atualmente, a MMM está organizada
em 20 estados do Brasil, a partir de
núcleos e comitês, nas cidades e
estados, e há duas maneiras para
participar. Os grupos de mulheres que
tenham identidade política com a
MMM, podem aderir coletivamente.
As mulheres que não participam
de algum grupo podem participar
diretamente, bastando participar das
reuniões dos núcleos ou das atividades
organizadas pela Marcha. Em
âmbito nacional uma coordenação
executiva é responsável pelo
seguimento das tarefas e processos.
Em Minas Gerais, uma miríade de
organizações participam, em algum
nível, da rede MMM.
Massacre de Felisburgo – Crime
ocorrido em 20 de novembro de
2004 em Felisburgo, região do Vale
do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Em maio de 2002, integrantes do MST
haviam montado o acampamento
Terra Prometida, na fazenda Nova
Alegria, parcialmente localizada
em terras públicas. Cerca de 567
hectares da propriedade estavam
classificados como terra devoluta
pelo Instituto de Terra de Minas
Gerais (ITER). A intenção do MST,
com a ocupação, foi a de pressionar
o governo sobre a decisão do ITER,
além de questionar a utilização do
restante da fazenda, suspeita de
não cumprir sua função social de
produzir respeitando as legislações
trabalhistas e ambientais.
O dono da fazenda, Adriano Chafick,
não conseguiu a reintegração de
posse. Inconformado, ordenou um
ataque ao acampamento, do qual
participou pessoalmente. Armados
com pistolas, escopetas e rifles, 17
homens liderados por Chafik puseram
fogo nos barracos e em uma escola,
mataram cinco integrantes do MST
e deixaram 20 pessoas feridas, entre
elas uma criança de 12 anos. Foram
assassinados Iraquia Ferreira da Silva,
23 anos; Miguel José dos Santos,
56 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65
anos; Francisco Ferreira Nascimento,
72 anos; e Joaquim José dos Santos,
48 anos, todos trabalhadores do
campo29.
29
Massacre de Felisburgo. MST, sem
data, disponível em http://www.mst.org.
br/nossa-historia/00-04
305
Os pistoleiros e Adriano Chafik
foram presos logo após o ocorrido,
quando o latifundiário confessou
em depoimento ter participado do
massacre. Mas, poucos dias depois,
foram todos postos em liberdade,
o que permitiu a fuga de vários
assassinos.
Em 2013, o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG) condenou
Adriano Chafik a 115 anos de prisão
pelos crimes de homicídio qualificado,
lesão corporal, incêndio e formação
de quadrilha. No mesmo julgamento,
o gerente da fazenda Washington
da Silva foi condenado a 97 anos de
prisão. Ele e Adriano Chafick saíram
do Tribunal do Júri em liberdade pois
tinham um habeas corpus do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2014, outros dois réus acusados
de participar do crime, Francisco
de Assis Rodrigues de Oliveira e de
Milton Francisco de Souza foram
condenados a 102 anos e seis meses
de reclusão, cada um, por tentativa
de homicídio, homicídio qualificado
e por terem colocado fogo no
acampamento.
Em 2015, o governador Fernando
Pimentel assinou decreto de
desapropriação da Fazenda, que foi
entregue aos assentados.
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas
e Favelas (MLB)30 – De acordo com
alguns levantamentos históricos,
como o realizado por Cleiton Ferreira
da Silva 31, o MLB foi fundado em
Minas Gerais no ano de 1999, a
partir de divergências de sentido
ideológico entre integrantes da
ocupação da Vila Corumbiara, na
região do Barreiro, em Belo Horizonte.
Já Wellington Bernardo, um dos
coordenadores do MLB em Natal, Rio
Grande do Norte, localiza a origem
do grupo em Recife (PE), também
em 199932. De acordo com Bernardo,
essa origem se deve à influência do
Partido Comunista Revolucionário
(PCR) para a constituição do MLB.
O PCR tem sua principal base de
atuação naquele estado. Por outro
lado, este dirigente afirma que a
ocupação da Vila Corumbiara teria
sido a primeira realizada pelo grupo.
Cleiton Ferreira da Silva afirma que
a primeira ocupação organizada e
direcionada pelo MLB foi em Mércia
de Albuquerque, no município de
Jaboatão dos Guararapes, Região
30
Movimento de Luta nos Bairros,
Vilas e Favelas (MLB) - https://www.
mlbbrasil.org
31
SILVA,
Cleiton
Ferreira.
A
construção de territórios de resistência
a partir das ações e práticas do MLB na
cidade. Revista Geografia em Questão,
V.06, N. 02, 2013 pág. 94-107.
32
Natal só construiu casa popular
na época de Aluízio Alves. Jornal Tribuna
do Norte, 19/09/2010. Disponível em
http://www.tribunadonorte.com.br/
noticia/natal-so-construiu-casa-popularna-epoca-de-aluizio-alves/159488
306
Metropolitana do Recife, em meados
de 2002.
Atualmente, o MLB é um movimento
social nacional que luta pela reforma
urbana, pelo direito à moradia e
pelo socialismo, buscando agregar
famílias sem-teto na luta contra a
especulação fundiária e imobiliária.
É filiado à Central de Movimentos
Populares (CMP) e participa fóruns
e conselhos que congregam outros
movimentos, como o Conselho
Nacional das Cidades, conselhos
municipais e estaduais das Cidades
e o Fórum Nacional pela Reforma
Urbana (FNRU). Já o Partido
Comunista Revolucionário é uma
organização política de inspiração
marxista-leninista, não legalizada e
fundada em 1966.
Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) 33 – As origens
do MAB estão relacionadas à
intensificação da construção de
grandes barragens para a geração
de eletricidade no Brasil na década
de 1970, no contexto da crise
mundial do petróleo e do assim
chamado “milagre econômico”,
durante a ditadura militar. Estas obras
repercutiam muito negativamente
sobre a vida das populações
ribeirinhas, que se recusavam a sair
de forma compulsória das áreas
33
Movimento
dos
Atingidos
por Barragens (MAB) - http://www.
mabnacional.org.br
onde se encontravam e buscavam,
por consequência, se organizar
e impor alguma resistência à
destruição de seu modo de vida.
São particularmente relevantes para
a história do MAB, os movimentos de
resistência organizados em torno
da construção da Usina Hidrelétrica
(UHE) de Sobradinho, no final dos anos
70, nos municípios de Sobradinho e
Casa Nova, estado da Bahia, que
desalojou cerca de 70 mil pessoas;
da UHE de Itaipu, na bacia do Rio
Paraná, a partir de 1978 (cerca de
42.444 moradores desalojados) e, no
mesmo período, da UHE Tucuruí (PA)
que resultou no remanejamento de
mais de 40 mil pessoas.
Estimulados pela Comissão Pastoral
da Terra e inicialmente regionalizados,
esses movimentos buscaram formas
de ampliar sua articulação e alcançar
um caráter nacional, uma vez que
os conflitos gerados pela construção
das barragens vinham se repetindo
em todo o território nacional. Assim,
nos anos 1980, ao menos no sul do
país, a luta contra as desapropriações
já se autodenominava “Movimento
dos Atingidos por Barragens” e, em
1986 ocorreu a primeira assembleia
das comissões regionais de atingidos
por barragens. Em abril de 1989,
foi realizado o Primeiro Encontro
Nacional de Trabalhadores Atingidos
por Barragens, com a participação
de representantes de várias regiões e
que decidiu pela constituição de uma
organização nacional. A fundação
307
do MAB aconteceu em março de
1991, durante o Iº Congresso Nacional
dos Atingidos por Barragens. Este
congresso também decidiu que
o MAB deveria ser um movimento
nacional, popular e autônomo,
organizado a partir de comissões de
base.
Em março de 1997, na cidade de
Curitiba, foi realizado o 1º Encontro
Internacional dos Povos Atingidos
por Barragens. Representantes dos 20
países instituíram o dia 14 de março
como Dia Nacional de Luta Contra
as Barragens.
A organização do MAB em Minas
Gerais data de meados da década
de 1990, quando estavam em
andamento alguns projetos de
construção de usinas hidrelétricas
na região da Zona da Mata, no
Vale do Rio Doce, entre elas a UHE
de Pilar e a UHE Jurumirim. Em 1999,
com o apoio de setores progressistas
da Arquidiocese de Mariana, da
Universidade Federal de Viçosa e
da ONG Associação de Pescadores
e Amigos do Rio Piranga (Asparpi),
foi criado o Conselho Regional dos
Atingidos por Barragens34. O Conselho
recorreu à assessoria do MAB visando
promover cursos de formação para
34
OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa;
ROTHMAN, Franklin Daniel. Arquidiocese
de Mariana, Teologia da Libertação e
Emergência do Movimento dos Atingidos
por Barragens do Alto Rio Doce (MG).
Política e Sociedade, Nº 12 – abril de
2008.
308
as lideranças e fortalecer o poder
de barganha dos atingidos, para
obter indenizações mais justas ou
reassentamentos viáveis na região.
Naquele mesmo ano, em novembro,
o MAB realizou em Minas Gerais o seu
IV Congresso Nacional e, em 2001,
estava constituído o MAB Alto Rio
Doce (MAB-ARD).
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST)35 – Movimento social
rural cuja origem remonta à década
de 1980, na luta de oposição ao
modelo de reforma agrária imposto
pelo regime militar brasileiro. Em 1984,
apoiados pela Comissão Pastoral
da Terra (CPT), representantes de
movimentos sociais, sindicatos
de trabalhadores rurais e outras
organizações reuniram-se em
Cascavel, Paraná, no 1º Encontro
Nacional dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, e fundaram o MST.
Em Minas Gerais, a organização do
MST teve início em 1985, logo após o
I Congresso Nacional do movimento,
que aconteceu em janeiro daquele
ano. As primeiras reuniões foram
organizadas pela CPT e contaram
com a participação de “camponeses
proprietários, meeiros, posseiros,
parceiros, rendeiros, agregados
e assalariados”, de acordo com
o registro de Bernardo Mançano
35
Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) - http://www.mst.
org.br
Fernandes36. Em 02 de fevereiro de
1988, o MST promoveu sua primeira
ocupação no Estado: a fazenda
Aruega, no município de Novo
Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha,
com a participação de 400 famílias
originárias de vários municípios da
região do Jequitinhonha e Mucuri.
Atualmente, o MST em Minas Gerais
está organizado em sete regiões:
Mucuri, Jequitinhonha, Vale do Rio
Doce, Sul de Minas, Triângulo, Norte,
Grande Belo Horizonte e Zona da
Mata. Nos registros do DATALUTA, é a
organização mais atuante no estado,
responsável pela promoção de 37%
das manifestações realizadas em
Minas Gerais entre 2000 e 2014.
Em 1993, o MST filiou-se à Via
Campesina, movimento internacional
criado naquele ano e que aglutina
diversas organizações camponesas
de pequenos e médios agricultores,
trabalhadores agrícolas, mulheres
camponesas e comunidades
indígenas dos cinco continentes.
Entre outras bandeiras, a Via
Campesina defende a soberania
alimentar, o desenvolvimento local, a
diversidade da produção agrícola e
agroecológica, a água e as sementes
como bens universais. De acordo
com o DATALUTA, é a organização
responsável pelo maior número de
manifestações rurais realizadas na
capital mineira entre 2000 e 2014.
36
FERNANDES, B. M. A formação do
MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000
Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST) 37 – Movimento popular
surgido em 1997 por iniciativa de
militantes ligados ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O levantamento da história do MTST
é atravessado por incertezas dada a
ausência de fontes oficiais disponíveis
de informação. O movimento faz
referência à sua origem em apenas
um documento, a Cartilha do
Militante, datada de 2005, e que
não cita datas ou atos de fundação.
Sabe-se que desde o início dos anos
1990, o MST vinha se propondo o
desafio de pensar sua atuação nos
centros urbanos, especialmente em
função das famílias que participavam
de ocupações de terra, mas não
desejavam sair de suas cidades. Essa
necessidade teria aparecido, com
maior ênfase, durante uma ocupação
no Pontal do Paranapanema, em
São Paulo, foi pautada no III Encontro
Nacional do MST, cujas resoluções
tratam explicitamente da ampliação
da luta pela reforma agrária, que
deveria ser levada para dentro das
cidades. Esse desafio, diz o texto,
“mas faz parte de um novo modelo
de desenvolvimento nacional e
está relacionado com a maioria
dos problemas que acontecem
nas cidades. A reforma agrária é
uma solução não apenas para os
problemas do meio rural, mas também
37
Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto (MTST) - http://www.mtst.org
309
de toda a sociedade brasileira, e
também do meio urbano”38.
A partir de então, o MST adotou a
prática de liberar militantes para que
se envolvessem em determinados
movimentos urbanos, notadamente
os movimentos de sem teto já
existentes nas cidades. Em 1997 39,
a Marcha Popular Nacional, ao
passar por diversas cidades, ampliou
a reflexão e as experiências que o
MST vinha fazendo, permitindo um
contato mais próximo dos militantes
com os problemas sociais vividos
pelos trabalhadores urbanos nos
bairros periféricos. Nessa Marcha teria
sido assentada a ideia de criar um
braço do movimento com atuação
na cidade e capaz de unificar as
38
MOVIMENTO
DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA –
MST. Proposta de Reforma Agrária do MST
- 1995. In: STéDILE, J.P. (Org.) A questão
agrária no Brasil: programas de reforma
agrária 1946-2003. São Paulo: Expressão
Popular, 2005, p. 187-210.
39
A Marcha Nacional por
Reforma Agrária, Emprego e Justiça
ocorreu em 1997 para denunciar
a impunidade dos policiais que
empregaram a violência, no fato que
ficou conhecido como Massacre de
Eldorado dos Carajás, ocorrido em
1996. Nessa ação para desobstrução
da rodovia, foram assassinados 19
trabalhadores rurais. Outro objetivo da
Marcha era dar visibilidade à oposição
do movimento ao governo federal de
Fernando Henrique Cardoso. A Marcha
saiu de três localidades: São Paulo (SP),
com agricultores vindos do sul e sudeste;
Rondonópolis (MT) e Governador
Valadares (MG), rumo à Brasília (DF), e
durou 60 dias, com a participação de
cerca de 1300 pessoas.
310
diversas experiências locais de luta
por moradia 40. é particularmente
relevante nesta história, o movimento
de ocupação ocorrido a partir de oito
de fevereiro de 1997, num terreno em
Campinas que se tornou conhecido
como Parque Oziel 41. O MST teria
liberado militantes para participarem
da ocupação, inicialmente liderada
por Gentil Ribeiro, conhecido como
Paraíba, e pelo padre Nelson
Ferreira de Campos. Mais tarde,
essa ocupação seria vista como a
primeira experiência de organização
e luta em ocupação urbana do
MST. Entretanto, naquele mesmo
ano, o MTST figurou como uma das
organizações promotoras do ato
do Dia do Trabalho, realizado em
02 de maio, junto com 19 sindicatos
da região de Campinas, e do qual
participaram 4.000 sem teto. Supõese, portanto, que o movimento estava
criado.
A partir do ano 2000, o movimento
já possuía uma organização
autônoma, desvinculada do MST,
princípios e programa próprios a
partir da reivindicação por moradia
e reforma urbana. A estrutura do
MTST está baseada nos “Coletivos
40
GOULART, Débora Cristina. O
Anticapitalismo do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Tese
(doutorado) – Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências 2011. Orientador: Marcos Tadeu
Del Roio. Marília, 2011.
41
História. Parque Oziel, sem data,
disponível
em
https://parqueoziel.
wordpress.com/historia
Políticos” (Coordenações Estaduais
e Coordenação Nacional), nos
“Coletivos Organizativos” (cuja
função é cuidar das diversas
tarefas necessárias à construção
do movimento) e nos “Coletivos
Territoriais” (Coordenações de
Acampamento, de Núcleos e
Coordenações Regionais), que
cuidam do trabalho territorial e da
relação com a base em seu espaço
de atuação.
Em seu Encontro Estadual de 2007,
o MTST decidiu ampliar a atuação
do movimento, inicialmente
consolidando um “cinturão” de
lutas no estado de São Paulo42. Esse
movimento, que foi chamado de
“estadualização”, foi marcado pela
realização de ocupações em cidades
do interior de São Paulo situadas
fora na região metropolitana, e pela
adoção dos “trancaços” (bloqueio de
estradas, interrompendo o transporte
de mercadorias nas principais
rodovias do estado). Um ano depois,
o movimento se propôs o objetivo da
nacionalização, formando grupos
de atuação em vários estados. Em
Minas Gerais, a primeira ocupação
com a bandeira do MTST aconteceu
42
Goulart,
Débora
Cristina.
Do barracão à nacionalização: o
Movimento dos Trabalhadores SemTeto
– MTST como proposta de poder
popular e resistência ao neoliberalismo.
I Simpósio Trabalhadores e a Produção
Social, Centro de Memória Operária e
Popular (CEMOP). Disponível em http://
www.simposioproducaosocial.org.br/
Trabalhos/401.pdf
em 26 de novembro de 2016 no
bairro Custódio Pereira, às margens
da rodovia BR-050, em Uberlândia43.
Foi chamada de “Ocupação Fidel
Castro”, em homenagem ao líder
cubano morto no dia anterior.
Movimento Ter r a Tr ab alho e
Liberdade (MTL) 44 – Organização
fundada em 18 de agosto de 2002
durante encontro nacional realizado
em Goiânia (GO). Na ocasião,
representantes do Movimento de
Luta Socialista (MLS), do Movimento
de Libertação dos Sem Terra de
Luta (MLSTL) e do Movimento dos
Trabalhadores (MT) unificaram suas
organizações dando origem ao
MTL45. Até então, o MLS concentrava
suas ações nas áreas urbanas. Essa
organização foi formada no ano
2000 por um grupo de militantes do
Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificado (PSTU) que, então, dirigia
o Sindicato dos Previdenciários do
Rio de Janeiro e o Sindicato dos
Gráficos de Belo Horizonte. O MT,
43
Área no Custódio Pereira já é
ocupada por mais de 2,1 mil famílias Correio de Uberlândia, 30 de novembro
de 2016. Disponível em http://www.
correiodeuberlandia.com.br/cidade-eregiao/area-no-custodio-pereira-ja-eocupada-por-mais-de-21-mil-familias
44
Movimento Terra Trabalho e
Liberdade (MTL) - http://www.geocities.
ws/design_pe/mtl_oque.html
45
Manifesto do Movimento Terra
Trabalho e Liberdade. MTL, sem data,
disponível em http://www.geocities.ws/
mtl_recife/manifesto.html
311
fundado em 1995 em Pernambuco,
dedicava-se à luta pela posse de
terras em vários estados do Nordeste
(Pernambuco, Alagoas, Ceará e
Paraíba). Finalmente, o Movimento
de Libertação dos Sem-Terra de
Luta (MLSTL) era uma dissidência
do Movimento de Libertação dos
Trabalhadores Sem-Terra, constituído
também no ano 2000 por lideranças
rurais, agentes pastorais e assessores
da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Em seu manifesto de fundação,
o MTL afirma o socialismo como
estratégia e defende “a construção
de uma alternativa revolucionária
de massas no Brasil e no mundo”.
O manifesto demarca com outras
organizações politicas afirmando que
“Tais preocupações são levantadas
hoje por organizações, por
movimentos sociais e por indivíduos
militantes que compreendem e
ressaltam a necessidade de um polo
político socialista revolucionário na
sociedade brasileira, espaço do
qual o PT abdicou, que o PCdoB
vem demonstrando inaptidão e
incapacidade histórica para ocupar
e que o PSTU também acabou não
conseguindo”. Em Minas Gerais, o
MTL atua de modo mais destacado
na região do triângulo mineiro.
Muitas/Cidade que Queremos 46 –
A Muitas surgiu em Belo Horizonte,
a partir de março de 2015, com o
objetivo determinado de pautar e
participar das eleições municipais de
2016. Sua origem está na união de
diversos grupos, como o Tarifa Zero BH,
voltado para a melhoria do transporte
público; o Resiste Izidora, focado no
direito à moradia; a Praia da Estação,
envolvido com o direito à ocupação
dos espaços públicos, além de outras
associações atuantes no cotidiano
da cidade. A identidade coletiva
do grupo é estruturada por três eixos
principais de agenda política: o
direito à cidade, a radicalização da
democracia e a representatividade
de minorias políticas (eixo que
engloba as questões indígena, das
mulheres, das pessoas negras, das
pessoas trans, dos homossexuais,
das juventudes e também dos
animais). Na campanha eleitoral,
o grupo divulgou suas propostas,
elaboradas a partir de amplo
processo de consultas populares que
receberam o nome de “Explosões
Programáticas”47. Foram abordados
temas como a liberação da
46
Muitas/Cidade que Queremos http://www.somosmuitas.com.br
47
BRASIL, Flávia de Paula Duque;
CARNEIRO, Ricardo; SILVA, Thaysa Sonale
Almeida; BECHTLUFFT, Rodolfo Pinhón.
Movimentos Sociais e Cidade: Uma
análise das formas de ação coletiva
recente em Belo Horizonte. III Encontro
Internacional Participação, Democracia
e Políticas Públicas; 30/05 a 02/06/2017,
UFES, Vitória (ES).
312
maconha, a liberdade sexual, direitos
dos animais, direitos da comunidade
LGBTIQ e luta antiprisional, entre
outros. Na campanha, a Muitas
apresentou 12 candidaturas pela
coligação PSOL–PCB, entre as quais
oito mulheres, incluindo uma mulher
trans e uma mulher indígena. A
campanha foi coletiva sob o slogan
“Votou em uma, votou em todas”. A
coligação recebeu 43.683 mil votos.
Desse total, mais de 35 mil votos
foram destinados às candidaturas
da Muitas, resultado suficiente para
eleger duas candidatas – uma
delas a vereadora mais votada do
município. A organização desse
movimento é nitidamente inspirada
em plataformas municipalistas como
o “Ahora Madrid” e o “Barcelona
en Comú”, que conseguiram reunir
diferentes movimentos sociais,
ativistas e partidos na Espanha,
elegendo candidatas e candidatos
às prefeituras em várias importantes
cidades daquele país em 2015.
Nova Central Sindical de
Trabalhadores (NCST) 48 – Central
sindical fundada em Brasília, em 29 de
junho de 2005. Surgiu da articulação
e associação entre algumas das
confederações já existentes na
estrutura sindical oficial. De acordo
com seu manifesto de lançamento,
48
Nova
Central
Sindical
de
Trabalhadores (NCST) - http://www.ncst.
org.br/
foi formada por 5 confederações,
82 federações, 1078 sindicatos e
representaria cerca de 10 milhões
de trabalhadores em todo país. A
organização dessa nova central
sindical foi estimulada pela “reforma
sindical” que o ex-presidente Luis
Inácio Lula da Silva iniciou em seu
primeiro mandato (2003-2007).
Entre as iniciativas propostas por
Lula estava o reconhecimento das
centrais sindicais, que passaram a ter
poderes negociais e acesso a recursos
oriundos de parcelas do imposto
sindical, anteriormente vetados (Lei
11.648, de 31 março de 2008). Em
Minas Gerais, a NCST foi fundada em
2 de setembro de 2005, em congresso
realizado na cidade de São José da
Lapa. No campo da política estadual,
a central manteve uma postura
ambígua durante as gestões tucanas.
Inicialmente, participou da criação
do Fórum Social e Sindical (FSS) e
assinou o manifesto “Minas, teu outro
nome já foi liberdade”, divulgado por
esse fórum em 2008. Posteriormente,
aderiu ao PSDB Sindical. Finalmente,
na eleição presidencial de 2014,
apoiou a candidatura a presidente
Dilma Rousseff (PT). Atualmente,
no estado, existem 187 sindicatos
de trabalhadores filiados à NCST,
conforme informações do Portal
de Informações sobre Relações do
Trabalho, do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE). Em número de
sindicatos filiados, é a maior central
sindical ativa no Estado.
313
Praia da Estação 49 – Movimento
que se originou como uma reação
decreto nº 13.863/2010, assinado
pelo prefeito Márcio Lacerda, que
limitava, a partir de 1º de janeiro de
2010, a realização de eventos na
Praça da Estação, em Belo Horizonte.
Na época, a prefeitura de Belo
Horizonte alegou dificuldades para
assegurar a segurança púbica em
atividades com público ilimitado e a
necessidade de evitar a depredação
do patrimônio público, que vinha
sendo verificada em eventos
recentes realizados no local. A
primeira reunião do movimento
aconteceu na Praça da Estação, em
26 de janeiro de 2010, e por decisão
dos participantes ficou decidido que
o único objetivo era a derrubada
do decreto. “Acreditamos que o
cerceamento da utilização desse
espaço causa prejuízo a todo(a)s
população belo-horizontino(a)s, que
se veem tolhido(a)s em seu direito
de usufruir e de ocupar a cidade
e que a atitude do prefeito Márcio
Lacerda torna-se abusiva, a partir
do momento em que impede que
a população se aproprie da Praça
da Estação em sua totalidade”,
diz o documento aprovado. Sem
periodicidade definida, o movimento
reúne pessoas que desejam protestar
ou somente se divertir nas fontes da
praça. Não tem liderança ou portavoz.
49
Praia da Estação pracalivrebh.wordpress.com
314
https://
PSDB Sindical – Braço sindical do PSDB
criado com o objetivo de aproximar
a legenda dos movimentos sociais
historicamente ligados à CUT e ao PT.
À época, a iniciativa foi vista como
uma grande estratégia dos tucanos
tendo em vista a eleição presidencial
de 2014. Foi, também, surpreendente
pois ia contra a opinião defendida
pelo ex-presidente Fernando Henrique
em seu artigo “O papel da oposição”,
publicado em abril de 201150. Neste
artigo, FHC argumentou que os
sindicatos pertencem de forma sólida
à base do PT e que o PSDB deveria
se concentrar em conquistar a nova
classe média, que saiu da pobreza
nos anos do governo Lula. “Enquanto
o PSDB e seus aliados persistirem em
disputar com o PT influência sobre os
movimentos sociais ou o povão, isto
é, sobre as massas carentes e pouco
informadas, falarão sozinhos”, redigiu
Fernando Henrique. “Isso porque o
governo aparelhou, cooptou com
benesses e recursos as principais
centrais sindicais e movimentos
organizados da sociedade civil e
dispõe de mecanismos de concessão
de benesses às massas carentes
mais eficazes do que a palavra dos
oposicionistas”, completou.
O PSDB Sindical foi lançado em
Minas Gerais no dia 20 de agosto de
50
Cardoso, Fernando Henrique.
O Papel da Oposição. Blog do
Noblat, 12/04/2011, disponível em
http://noblat.oglobo.globo.com/
artigos/noticia/2011/04/o-papel-daoposicao-374379.html
2011, em evento que contou com a
presença de 400 pessoas e obteve a
assinatura de 93 sindicalistas em seu
manifesto inaugural. Os sindicalistas
que aderiram à iniciativa eram
ligados à Força Sindical, a Nova
Central Sindical e à União Geral dos
Trabalhadores (UGT). A tentativa,
entretanto, malogrou. Um ano
depois de criado, o PSDB Sindical
em Minas não havia conquistado
nenhuma entidade representativa.
A Força Sindical perdeu, depois de 20
anos, a hegemonia no Sindicato dos
Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa),
um dos maiores do país. Além disso,
o PSDB sindical não conseguiu
completar chapas para disputar
outros três grandes sindicatos de Minas:
o Sindicato único dos Trabalhadores
da Educação (SindUTE), o Sindicato
dos Trabalhadores da Indústria
Energética de Minas (SindEletro) e o
dos Trabalhadores em Saneamento
de Minas (Sindágua).
315
O Porta l Bra sil
Política
contem p orâ nea
por Juarez Guimarães
O claro enigma dos mineiros e
a república democrática
Na fortíssima construção da
identidade pública dos mineiros, a
política está no centro. Para esta
afirmação tão simples e categórica,
convergem, ao mesmo tempo, tantas
razões e não menos paixões, tanta
história e quanto mito, que é até
mesmo difícil falar sobre o assunto.
Mas é preciso falar mesmo sem a
certeza das verdades positivas e
incontestáveis. Pois, “a verdade não
deve ser dita sempre em curva?”,
como afirma a sabedoria ancestral
destilada na cultura dos mineiros. E
a política não é mesmo o lugar da
indeterminação, de um obscuro
passado, presente e futuro que resiste
ao fechamento do significado e
sentido? Quem fala sobre isso, deve
desertar das certezas. E, mais difícil,
tirar proveito disso.
Há, em primeiro lugar, a afirmação do
sentido de uma vocação: fechado o
breve intenso, rico e dramático ciclo
do ouro, como nos ensinou Celso
Furtado em “A formação econômica
do Brasil”, que futuro guardava Minas
no princípio do século XIX? Se o ouro
não existia mais, em abundância e
fausto, como lidar com as ruínas do
tempo e com o tempo das ruínas? O
que restava senão repor, com as artes
humanistas da política e da criação,
uma contra-história da decadência?
317
Em sua apresentação amorosa
de Ouro Preto, Manuel Bandeira
faz a inteligente observação que
a decadência salvou o barroco
mineiro da voraz e utilitária predação
pelas formas modernas1. A arte de
Aleijadinho e Athaide, as igrejas
e o casario, a arte feita na pedra
para durar havia se cristalizado
no tempo das decadências. A
memória, já se disse bem, convida
à vidência: os mineiros para sempre
foram chamados a ser poetas mas,
sobretudo, inconfidentes. E até hoje
continuam poetas e inconfidentes,
como canta na noite o “Clube da
Esquina”, no Curral del Rei, a moderna
cidade da conspiração contra as
novas tiranias.
A crônica história da formação da
nacionalidade fixou, não por acaso
e nem por certo por arbítrio, a
Inconfidência Mineira como símbolo
da república ainda a ser construída
pelos brasileiros: “Liberdade
ainda que tardia”. O período de
estabilização do Segundo Reinado
contou já com intensa e central
participação dos políticos de Minas
e dos experimentos de conciliação
entre o Partido Liberal e o Partido
Conservador. E , quando a república
liberal oligárquica se instalou –
contra o povo, contra as mulheres,
contra os negros – a aliança política
entre os donos do café e o Partido
Republicano Mineiro organizou a
estabilidade do regime até a sua
crise. Quando a oligarquia paulista se
318
fechou na auto-reprodução de seu
poder, o deslocamento de Minas para
a aliança com os insurretos gaúchos,
liderados por Getúlio Vargas, criou
a dinâmica da revolução de 30,
renovada nas políticas de afirmação
do Estado nacional. O “Manifesto
dos mineiros”, de 1943, foi um grave
indicador de um princípio de cisão
na coalizão de sustentação do
Estado Novo. E quando Vargas
criou, na redemocratização, os
seus partidos de articulação das
elites e o seu partido trabalhista,
foi em Minas que mais se enraizou
a tradição do PSD, da qual sairiam
as lideranças históricas nacionais de
Juscelino Kubitscheck e Tancredo
Neves. Minas, como se sabe, foi parte
menor do poder e da modernização
conservadora aberta pela ditadura
militar de 1964, mas foi a partir daí, do
governo de Minas, que se abriu o ato
final da desestabilização da frágil e
incompleta república formada em
1946. Foi também da tradição do
PSD de Minas que veio a principal
liderança da transição conservadora
à república democrática pactuada
em 1988 e de Aécio Neves partiria,
candidato a presidente derrotado
em seu próprio estado mas reposto
como figura polarizadora de um
movimento político centrado em São
Paulo, com suas conexões financeiras
internacionais, o golpe parlamentar
de 2016.
é como se na cena da política
nacional, em seus momentos de
estabilidade e de ruptura, a política
de Minas jogasse, alternadamente,
para o centro e para os extremos,
somando de modo decisivo para
decidir ou desempatando a solução
do conflito. Ainda não é o caso
de falar aqui necessariamente
de um mito, sobrecarregar nas
tintas de uma explicação que se
evade da política para se afirmar
exclusivamente na cultura. Longas
trajetórias institucionais cristalizam
tradições políticas, legados formam
efeitos de retro-alimentação, a
política em Minas parece girar
em torno da possibilidade de uma
república, democrática ou não, ou
de sua impossibilidade, dos caminhos
e descaminhos de sua construção.
Será a república democrática, na
linha de Drummond, o claro enigma
dos mineiros?
Mas, como um terceiro momento
de aproximação desta relação
identitária entre os mineiros e a
política está incontornavelmente a
questão do mito. Identificando já
no século XIX a formação de uma
subcultura, aproximando as figuras
do mito e da identidade, Maria
Arminda do Nascimento Arruda
em “A mitologia da mineiridade” (
São Paulo: Editora Brasiliense,1990)
distingue o “mineirismo” ( a cultura
de reprodução da identidade dos
mineiros) da “mineirice” ( o modo
de ser atribuído aos mineiros)
e a “mineiridade“ ( fixação da
singularidade dos mineiros na cultura
brasileira). Se o “mineirismo” faz do
lugar social das montanhas, ao
mesmo tempo isolado mas visionário,
capaz de ver longe, se a “mineirice”
consagra o ser introspectivo, reflexivo,
irônico, sabido e equilibrado, a
“mineiridade” exaltaria o papel
especial de Minas na construção
da unidade nacional. A política e a
cultura seriam, por excelência, estas
vias pelas quais os mineiros se fazem
nacionais.
Maria Arminda
centra a sua
explicação na tradição memorialística
dos mineiros, afeitos ao exílio “do país
das geraes”, mas evocadores através
do “fluxo abissal da sinceridade, das
vagas de solidão depurada”, da vida
que ficou para trás mas não está
perdida, dos caminhos de Minas,
as “vias gloriosas dos mineiros, as
vias dolorosas dos mineiros – como
as estações de sua paixão”, como
nos propõe o maior de todos, Pedro
Nava. Se a arte do barroco mineiro foi
ao centro da cultura dos brasileiros,
se os poetas da Inconfidência foram
lá fixados, de modo definitivo, por
Antonio Candido em “A formação da
literatura brasileira”, as obras literárias
de Drummond, Murilo Mendes, Pedro
Nava e Guimarães Rosa e, no período
recente, a poesia de Adélia Prado,
atualizaram a centralidade desta
sensibilidade e desta imaginação,
impregnada de Minas, na cultura
brasileira.
319
Qual sensibilidade e qual imaginação
fazem a fortuna destas obras perenes
na cultura brasileira?
Certamente a poesia de Drummond,
pela sua longevidade, atravessando
todo o século XX, e com o seu poder
de irradiação, pondo-se desde o início
no centro da cultura do Modernismo
e de seu processo de classicização,
nas décadas seguintes, é formadora
do sentimento de cidadania dos
brasileiros2. Poesia mineral como o
solo dos mineiros, feita de penhas
e despenhamentos, verdadeira
aventura do verso livre, inscrita
na universalidade do humanismo,
quase sempre a ponto de perder
o fôlego existencial mas de larga
respiração social, esta poesia trouxe
o sentimento do mundo para dentro
de si apenas para soprá-lo com os
versos inesquecíveis da fraternidade.
Se Euclides da Cunha já havia
posto os sertões como abismo social
e testemunho de uma catástrofe
genética – uma auto-proclamada
República que atira contra o seu
próprio povo - , Guimarães Rosa nos
oferece, em seu nunca ultrapassado
romance de formação, o espírito da
passagem do mundo da violência e
dos crespos e dos avessos do humano
para um outra possibilidade na qual
o mal nunca deixará de ser mas a
paz, a compreensão sapiencial
de Riobaldo que toda a história
alcança e de tudo faz sentido, a
vida em comum prevalece. Para
320
ir aos infernos e fazer o pacto e de
lá retornar, Guimarães Rosa teve
que recriar a língua neste romance
polifônico, urdido de tantas culturas,
clássicas e contemporâneas, feito de
“metafísica e capim”, como ele uma
vez nos disse.
Murilo Mendes, que junto com
Alphonsus de Guimarães e Jorge de
Lima, fazem a tríade dos três grandes
poetas católicos e cristãos brasileiros,
autor de “Poesia liberdade”, que
escreveu em plena experiência
da segunda guerra mundial, “é
necessário conhecer seu próprio
abismo/ E polir sempre o candelabro
que o esclarece”, logo depois anota:
“ A terra terá que ser retalhada entre
todos/ E restituída em tempo à sua
antiga harmonia./ Tudo marcha para
a arquitetura perfeita:/ A aurora é
coletiva”. O poeta nascido na época
do cometa Halley, crescido “cercado
de pianos por todos os lados”,
Modernista cultor de todas as artes,
cristão muito antigo e surrealista, este
mineiro de visada para o mar está
ainda a enviar murilogramas para a
cultura brasileira, esteja onde estiver.
A inscrição da obra de Pedro Nava
- autor do monumento em prosa
mais importante nas décadas finais
do século XX - na cultura brasileira
ainda está muito longe de esgotar
a sua ventura. Esta memória, de um
narrador em busca de seu tempo
perdido, é o tempo reconquistado
da vida fraturada dos brasileiros. Se
“Sobrados e Mocambos”, de Gilberto
Freyre, já identifica os sinais de cisão da
cultura que a Modernidade, o mundo
utilitário mercantil e urbano, traz para
a sociedade dos brasileiros, “Chão
de ferro” inicia já na aventura da vida
social urbana cindida, entre o mundo
dos que têm nome e propriedade e
o mundo popular. A perda de lastro
familiar com a morte prematura do
pai, o mundo social comunicante dos
desejos, da boemia e da medicina,
a literatura e o nacional-popular,
vão estabelecendo, então, um
lugar que é, como em Proust mas
com mais cor e sabor popular, uma
remissão de todos os Eros. Nava e as
“Memórias videntes do Brasil”, como
tão belamente escreveu o escritor
José Maria Cançado em livro3.
“Sem a corpo/ a alma não goza”,
escreveu em poema erótico cristão
Adélia Prado. Mas a sua poesia
escreve também o contrário. Sem a
alma, o corpo não goza: “O corpo
não tem desvãos/ só inocência e
mistério”. Foi preciso milênios para que
uma mulher do interior de Minas, do
fogão e da Teologia da Libertação,
ousasse dizer não fora da capela,
mas na língua que se fala dentro
dela, o que a tradição de Agostinho
havia proscrito. A partir da poesia de
Adélia Prado, drummondiana mas
em dobras pela condição de mulher
e, portanto, menos esquinada, mais
afeita a súbitos deslumbramentos
a partir de um quase nada, já não
há mais a “cidade dos homens” e a
“cidade de Deus”, o corpo e a alma,
pois um Deus erótico tudo vinca. Esta
poesia da transgressão no interior de
uma tradição, não fora dela, é bem
mineira na sua fatura.
Se é possível e necessário identificar
as grandes linhas deste humanismo,
tendencialmente de esquerda e
aberto às sensibilidades do popular,
que a inscrição destas grandes obras
literárias, sopradas pelo “espírito
de Minas”, como se expressou em
versos o agnóstico Drummond, trouxe
para a cultura nacional, é também
possível e necessário fazer o caminho
inverso. Identificar o que pode haver
de tradicionalista conservador e
até reacionário na invocação da
“mineiridade”.
Este trabalho de identificação
destas matrizes conservadoras é
muito bem realizada por Walderez
Simões Costa Ramalho em “Crítica
ao essencialismo identitário: a
historiografia da mineiridade na
primeira metade do século XX”
( História da historiografia. Ouro
Preto,n.18, agosto de 2015, p. 248265). A reivindicação da mineiridade
faria parte de uma operação política
que incluía a fundação do Arquivo
Público Mineiro (1895) e do Instituto
Historiográfico e Geográfico de
Minas Gerais ( 1907) voltada, em um
primeiro momento, para afirmar a
unidade política do estado diante
de veleidade separatistas e forças
centrífugas. E, em um segundo
321
momento, na redemocratização
após o Estado Novo, para afirmar
um caminho político de centro
conservador para o Brasil. Diogo de
Vasconcelos, historiador marianense,
Nelson Coelho de Sena, Oliveira
Viana ( “Minas do lume e pão”, 1920),
João Camilo de Oliveira Torres ( “ O
homem e a montanha”, 1944), Alceu
Amoroso Lima (“ Voz de Minas”, 1945)
e Gilberto Freyre ( “Ordem, liberdade
e mineiridade”, palestra proferida em
1948) seriam os autores fundamentais
deste empreendimento intelectual.
Ligando Minas à continuidade, à
permanência, à família, às soluções
do centro, aproximando liberdade e
ordem, estes autores formariam um
visão essencialista e conservadora
da identidade dos mineiros.
Mas se a identificação do
mitológico na política, destas
imaginações compartilhadas, é um
empreendimento necessário do
ponto de vista da razão, até para
restabelecer o que há de conflito
e cisão na ordem do discurso, seria
preciso não dar a esta consciência
crítica uma dinâmica de positivação.
Isto é, a pretensão de pensar a política
sem estas dimensões discursivas que
organizam os valores e atualizam
o seu sentido, tornando-a mera
fenomenologia de interesses e razões
estratégicas. Toda política que se faz
sem a impregnação da cultura, dos
valores maiores que incluem o outro
e desestabilizam a identidade até
do próprio adversário, acaba por
322
revelar e padecer do estilhaçamento
do interesse que a particulariza. A
política sem a cultura não unifica mas
divide. Pode até formar poder mas
não hegemonia, como nos ensina
Gramsci. Mesmo em seus momentos
de cisão, a política que se faz em
Minas se apresenta como um esforço
ou um projeto de unidade do país,
mesmo que se apresente de modo
mais ou menos farsesco.
Para além do mito ou, melhor ainda,
tendo consciência dele, é verossímil a
hipótese que a política em Minas tem
um papel extraordinário na formação
e na reprodução da unidade
nacional? é possível responder
afirmativamente a esta questão a
partir da consideração histórica de
que o Estado nacional se construiu
no Império e na Primeira República a
partir da força do centro-sul, contra
as tradições políticas nordestinas e
sulistas revoltosas, e que houve desde
sempre uma tensão política sempre
renovada entre os poderes políticos
e econômicos que se organizavam
em São Paulo e no Rio de Janeiro,
inclusive na formação de suas
tradições intelectuais. A posição
política do poder que se organizava
em Minas, assim, inscreveu-se desde
sempre no centro do processo de
formação do poder nacional e, nos
momentos de crise, na arbitragem
decisiva das disputas de poder.
A esta historicização do lugar
extraordinário de Minas na
formação do Estado nacional e
na reprodução de seu poder, em
diferentes períodos, se somaria a
importância populacional do Estado
na representação e a síntese que o
estado processa entre as regiões mais
tipicamente mineiras ( as “minas” e os
“ campos geraes”), a Mata ( mais afim
às tradições do Rio de Janeiro), o Sul (
mais afim às tradições paulistanas), o
Triângulo ( mais afim ao centro-oeste)
e o Vale do Jequitinhonha e o Norte
(mais afim às nordestinidades).
Isto é, a força do mito depende
de sua qualidade de imanência.
Quanto mais porções de realidade
e le o r gan iz a , ma is for ça de
convencimento ele disporá. E, assim,
parece haver alguma imanência no
mito.
Se há imanência no mito e o mito,
em seu trabalho na história, se faz
também imanência, no sentido de
uma tradição cultural, ele pode
imaginar à direita, ao centro e à
esquerda. E, se é verdade que o
equilíbrio é qualidade do montanhês,
que se movimenta entre escarpas
e vales, entre abismos e quedas,
ele não significa necessariamente
moderação, como nos ensina
Maquiavel. às vezes, é mais prudencial
ousar. E, por isso, se há uma história
cultural conservadora do mito da
mineiridade, se há uma reiterada
captação do mito para uma idéia
de centro, ele pode ser também
formulado em uma imaginação de
esquerda.
A história social, cultural e política
da esquerda em Minas, assim como
a brasileira, não está escrita ou, ao
menos , classicizada, construída
como um paradigma. O que é, por
si só, expressão ou sintoma de seu
inacabado processo histórico de
formação. A história dos revoltosos
coloniais e dos muitos quilombolas,
das lutas agrárias, dos primeiros
movimentos operários e associações
mutualistas, do PCB e do PTB em
Minas, da esquerda católica e
seus comunitarismos, em suas várias
configurações, da Teologia da
Libertação e do PT, dos movimentos
feministas e dos movimentos negros,
dos circuitos culturais libertários que
por Minas vicejaram, da emergência
de uma cultura ecológica: seria
possível elaborar uma narrativa
unitária a partir da idéia de que a
esquerda em Minas imagina o país,
desde dentro da tradição, a partir
de um humanismo, democrático e
popular, tendencialmente socialista?
Pode a mineiridade derivar à
esquerda?
Da transição à democracia: dilemas
da centro-direita
A relação das tradições políticas
dos mineiros com a experiência da
democracia após a ditadura militar
pode ser lida a partir das noções de
gênese, singularidade e impasse.
323
Os motivos da gênese devem
ser historicamente avaliados na
participação decisiva de Tancredo
Neves, formado na tradição getulista
mas em sua expressão não trabalhista
e de centro liberal, na negociação da
transição da ditadura militar para a
democracia. Se a Carta Testamento
de Vargas tornou-se um símbolo e um
programa para a tradição trabalhista
de Jango Goulart e Brizola, para a
tradição identificada com Tancredo
Neves, do PSD mineiro, ela foi sempre
um sinal de trauma, depois renovado
em 1964 quando a política se desfez
sob os antagonismos radicalizados e
sob a conspiração aberta que levou
ao fim da experiência republicana, de
democracia restringida, inaugurada
pela Constituição de 1946.
Quando a figura de Tancredo Neves
emergiu como um caminho para a
transição possível, após a derrota da
Emenda das diretas já, ele evocou
para si, para sua condição e para sua
missão, toda a tradição política de
Minas e seus mitos de mineiridade. As
linguagens da ruptura democrática,
com seus fundamentos de princípio
e de um recomeçar da experiência
republicana democrática, deixaram
o centro do cenário político, ao grito
das ruas se impôs o silêncio em nome
dos arranjos para se formar uma
maioria no Colégio Eleitoral. Esta
era, por excelência, a linguagem
de Tancredo Neves, um radical da
conciliação, um personagem vindo
do fundo da ordem mas com as mãos
324
não manchadas pelos crimes da
ditadura militar e disposto a estendêlas para os recém convertidos à
democracia. Um homem certo,
na hora certa, no lugar certo, com
a palavra certa: todos os acasos
pareciam fazer sentido nesta figura
providencial. E que arrastou para si
praticamente toda a cultura mineira,
exceto as figuras intransigentes e
denunciadoras da esquerda: o
próprio Clube da Esquina emprestaria
a sua música, a sua voz, compondo o
hino da travessia para a democracia.
Uma ciência política da transitologia,
formada em círculos liberais
conservadores internacionais mas já
recepcionada pela jovem ciência
política brasileira, comporia na
alta cultura brasileira a narrativa,
conceitualizada e estruturada,
desta transição. O caminho
da Modernidade se comporia,
exorcizando demônios à direita
certamente mas também à esquerda.
O imperativo maior da estabilidade
na mudança, a concentração na
dinâmica institucional, uma certa
utopia do possível, a fragilidade
da memória democrática, uma
certa avaliação do autoritarismo
“moderado” da experiência
do regime militar brasileiro, em
comparação com os exemplos
argentino e chileno, comporiam esta
grande narrativa liberal conservadora
da gênese da democracia no
Brasil. A linguagem democrática e
popular, das reivindicações sociais
acumuladas, dos novos sujeitos
dos movimentos sociais, dos crimes
contra os direitos humanos que não
deveriam ser anistiados, da abertura
da experiência democrática para o
indeterminado e a novidade, ficaria à
margem, entendida como impróprias
para a festa da conciliação.
A via gloriosa e a via dolorosa
dos mineiros: a morte de Tancredo
trouxe o assombro para a gênese da
democracia brasileira. Mas a deriva
à direita, já estava formulada: foi sob
o signo da continuidade, com o expresidente da Arena, que o primeiro
governo civil se estabeleceu.
A tradição política dos mineiros
havia perdido, com a morte de
Tancredo, seu personagem de
maior lastro histórico. Com uma nova
esquerda ainda em formação, com
a direita fisiológica à ditadura militar
(os destroços da UDN) deslegitimada,
com o centro sem cabeça, qual seria,
então, a presença dos mineiros na
cena política nacional?
A política de Minas - seus partidos,
suas figuras de maior expressão
nacional- perdeu capacidade
de liderar. E, se com a figura de
Itamar Franco, por ordem do acaso,
exerceu com personalidade mas
interinamente a presidência, após
o impeachment de Collor de Mello,
este era por demais idissioncrático
e errático para expressar e, muito
menos, formar uma tradição. Mas na
experiência democrática brasileira
a política de Minas não deixou de
pesar, às vezes decisivamente,
marcando com a sua singularidade
as dinâmicas políticas nacionais.
O ensaio “Dinâmica nacional e
processos estaduais : uma análise
dos partidos e do sistema partidário
em Minas Gerais”, de Carlos Ranulfo
Melo,em “Política e desenvolvimento
institucional de Minas Gerais (Belo
Horizonte: Editora PUCMinas, 2016,
pp. 79-104), sintetiza esta dinâmica.
Desde 1994, mantida uma certa
importância do PMDB, a política em
Minas vem sendo polarizada, como
na dinâmica nacional, por disputas
entre coligações lideradas pelo PSDB
e coligações lideradas pelo PT. Nas
duas vezes em que o candidato
da coligação liderada pelo PSDB
foi majoritário nacionalmente,
foi majoritária também em Minas
no que diz respeito às eleições
presidenciais; nas quatro vezes em
que coligações lideradas pelo PT
foi majoritária nacionalmente, foi
também majoritária em Minas. O
PSDB governou Minas por quatro
mandatos consecutivos; o PT governa
pela primeira vez. Acompanhando
também características nacionais
da representação parlamentar,
a representação parlamentar na
Assembléia Legislativa dos mineiros
foi marcada por uma crescente
fragmentação partidária.
A singularidade é que esta dinâmica
de forte polarização nacional,
325
lideradas por partidos que têm o
seu centro em São Paulo, foi vivida
com mediação em Minas. O voto
dos mineiros nas quatro eleições
nacionais nas quais coligações
lideradas pelo PT foram majoritárias
nacionalmente dividiu-se, do ponto
de vista estadual, em composições
PT/PSDB, isto é, com o voto majoritário
em Lula não sendo acompanhado
por votações majoritárias a
candidatos aos governos pelo PT mas
do PSDB. Chamaram-se “Lulécios” e
“Dilmasias” estes fenômenos eleitorais
de composição, isto é, eleitores que
votavam em Lula para presidente mas
em Aécio Neves para governador ou
em Dilma para presidenta mas em
Anastasia para governador.
Este fenômeno poderia ser
interpretado apenas a
partir
de estratégias eleitorais que se
compõem, em busca de formar
maiorias. Mas o fato é que, em um
vetor em tudo diferente e contrário ao
da polarização vivida entre PT e PSDB
em São Paulo, o então governador
Aécio do PSDB e o prefeito Fernando
Pimentel do PT formaram juntos uma
chapa única para prefeito de Belo
Horizonte nas eleições de 2008,
apoiando e elegendo um candidato
do PSB. Seria, então, a vitória da
tradição centrista de Minas, puxando
direita e a esquerda para um centro
comum, a partir do qual se poderia
pensar estrategicamente uma
conciliação ou uma convergência?
326
Houve, decerto, quem apontasse
este caminho para a resolução
negociada dos impasses da
democracia brasileira. Mas não foi
decididamente o que ocorreu.
Assim como havia participado
decisivamente na gênese da
democracia brasileira através de
Tancredo Neves, a candidatura
de Aécio Neves à presidência em
2014 cumpriu um papel decisivo no
chamado golpe parlamentar que
impediu a democracia brasileira,
na precisa expressão de Wanderley
Guilherme dos Santos. Se Tancredo
Neves havia sido, em circunstâncias
dramáticas, o “cavaleiro da
negociação”, o seu neto foi, trinta
anos depois, o “cavaleiro do
apocalipse”: ao contestar e não
reconhecer o resultado das eleições
presidenciais, daria início ao processo
de desestabilização da democracia
brasileira.
Seria, no entanto, um erro crasso
identificar a tradição de Aécio Neves
à tradição do PSD mineiro, encarnada
por seu avô materno Tancredo Neves.
Entre um e outro, há um pai que foi
presidente da Arena e uma figura
sem escrúpulos na vida pública. E,
sobretudo, há uma dinâmica nacional
nos acontecimentos mais recentes,
com uma inteligência e centro
em São Paulo. Ironia: na palestra
de abertura de sua campanha às
eleições presidenciais de 2014, que
levou o nome “Minas pensa o Brasil”,
o orador de honra era... Fernando
Henrique Cardoso. Em que medida
este desgarramento da tradição de
centro rumo a um conservadorismo
neoliberal extremado levou Aécio
Neves, enfim, um candidato mineiro
à presidência perder as eleições em
seu próprio estado?
Revolução passiva ou revolução
democrática?
Otto Maria Carpeaux, em um célebre
ensaio sobre Antonio Gramsci, havia
já feito a pertinente observação que,
para o caso brasileiro, a chamada
“questão meridional” italiana se
faria setentrional, isto é, a questão
nordestina. Seria o caso, na mesma
direção de identificar tradições
a regiões, chamar Minas de o
“Piemonte” brasileiro, isto é, o lugar
de equilíbrio e centro, o lugar por
excelência da revolução passiva,
da mudança com continuidade,
das transformações moleculares e
sem rupturas? Por esta identificação
ao centro, verdadeiro ponto de
absorção e neutralização das
tendências extremas, a política de
Minas no século XXI continuaria a
cumprir uma função nem à direita
nem à esquerda na política nacional.
Se não se quer aderir simplesmente
ao mito, mesmo considerando a
sua força, seria o caso de abrir o
futuro e também a releitura do
passado político de Minas a outras
possibilidades. Isto se faz pensando a
política de Minas radicalmente como
o lugar da reprodução de um conflito
central, ao modo maquiaveliano,
entre os que dominam e os que não
querem ser dominados, entre a luta
em diferentes épocas históricas entre
os que se apossam do poder para
reproduzir riquezas e privilégios e
aqueles que lutam por liberdade e
por igualdade. Ou seja, seria preciso
afrontar diretamente a linguagem da
conciliação como uma linguagem
possível de domínio, que busca incluir
pela subordinação, na forma de
consenso ou coerção.
Entendida assim como um lugar
de conflito, como reprodução de
estratégias de dominação e não de
conciliação, a tradição política de
Minas pode ser lida na história como
uma permanente luta pela liberdade
e pela igualdade, em geral abortadas
ou reprimidas, no plano da cultura
da dominação ou simplesmente pelo
recurso á violência. Das resistências
de escravizados à multiplicação dos
quilombos, das revoltas coloniais
à Inconfidência Mineira, das lutas
anarco-sindicalistas dos inícios do
século à greve dos metalúrgicos de
Contagem em 1968 (a primeira greve
sob a ditadura militar), do cristianismo
de base que fez surgir a Ação Popular
no pré-64 às novas lideranças dos
Sem-Terra, de Clodismith Riani, expresidente nacional do CGT no pré-64
à magnífica inteligência trabalhista
e popular de Darcy Ribeiro, do PCB
327
às novas lideranças marxistas do
socialismo democrático, a história
política de Minas definitivamente não
cabe em uma narrativa cujas bordas
terminam ao centro.
é a partir da escavação deste
conflito que se poderia pensar o
futuro da política em Minas no século
XXI.
Este pensamento sobre o
futuro, sempre alicerçado em
condicionalidades e incorporando
fortemente um grau importante de
indeterminação, deveria entender
o regime das classes sociais em
Minas e as tradições políticas em sua
projeção regional e nacional.
O processo de modernização
capitalista ocorrido durante o regime
militar teve o importante efeito de
retirar a centralidade de Minas na
conformação do capital bancário
e financeiro nacional, com o novo
protagonismo concentrado em São
Paulo, alentou um circuito industrial
metal-mecânico centrado no Vale
do Aço e em Contagem-Betim, com
a atração da Fiat, modernizou o
regime agrário na região do sul de
Minas e no Triângulo mineiro que se
abre para o centro-oeste. O período
neoliberal dos governos Fernando
Henrique Cardoso e a gestão
seqüenciada de quatro governos do
PSDB em Minas iniciou um processo
de desindustrialização, que não foi
interrompido pelo ciclo de governos
nacionais do PT. Durante os governos
328
Lula e Dilma, foram muito importantes
os impactos sociais de políticas
voltadas para os mais pobres, de
retomada do assalariamento formal,
de incentivos à agricultura familiar
e às comunidades tradicionais, de
ampliação dos campi universitários
em cidades pólo, mas não se
reorganizaram as tendências
econômicas estruturais. O novo
governo de Minas, de coalizão
liderada pelo PT, coincidiu com um
novo ciclo fortemente recessivo da
economia nacional. Este quadro
econômico, assim panoramicamente
descrito, diminui o peso da economia
mineira na economia nacional e
aparta os destinos das suas várias
regiões, submetidas aos azares
predatórios do extrativismo mineral e
da produção de bens primários para
exportação.
O protagonismo político de Minas
na cena nacional deve ser pensado,
de forma imanente a este quadro
econômico e social, podendo se
desenvolver em várias direções.
Não parece provável que Minas
venha a ser o celeiro de um
conservadorismo nacional, de
expressão religiosa ou nacionalista
de tipo fascistizante, embora
estas tradições possam renovar
certamente sua entrada na política
de Minas, na dependência maior
de trajetórias nacionais. O grau
de secularização e de pluralismo
religioso, de cosmopolitanismo e
acesso ao mundo das mídias, corroeu
bastante o tradicionalismo mineiro.
E ele não tem hoje uma expressão
política polarizadora ou central.
A mudança mais significativa, do
ponto de vista da cultura política,
foi a segunda imersão recente do
liberalismo mineiro nos caminhos de
um anti-republicanismo democrático.
O que havia de comum entre figuras
tão diversas como Milton Campos,
Gustavo Capanema, Juscelino
Kubitschek e Tancredo Neves era
uma adesão de raiz a um certo
liberalismo progressivista e, em tinturas
variadas, de sensibilidade social. A
formação do liberalismo em Minas é
menos economicista do que a sua
gênese e desenvolvimento em São
Paulo, dialogou sempre mais com
certas sensibilidades cristãs de justiça
social. Este liberalismo perdeu o seu
chão histórico de desenvolvimento
com a ditadura militar de 1964, ao
apoiar o golpe, e agora dissolveuse no liberalismo extremadamente
mercantil, que tem sede em São
Paulo.
Esta dissolução da identidade do
liberalismo mineiro, em relação
às suas fontes históricas, tende a
neutralizar ou tornar subalterna
a projeção política dos políticos
mineiros de centro ou de centrodireita no cenário nacional.
uma esquerda mineira. Com qual
linguagem política este caminho
pode ser percorrido?
Esta linguagem política pública só
pode se desenvolver a partir de um
diálogo entre as novas correntes
do socialismo democrático com as
correntes republicanas históricas de
Minas, capazes de pensar a partir de
valores humanistas, a relação entre
liberdade política e justiça social.
Para além do mito da mineiridade,
a escavação mineral do futuro,
este encontro entre socialismo e
republicanismo talvez seja o claro
enigma da política dos mineiros no
século XXI.
Notas
Bandeira, Manuel. Guia de Ouro
Preto. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
Guimarães, Juarez. “Drummond e
a formação do cidadão brasileiro”
em “Dimensões políticas da Justiça”
( Rio de Janeiro: civilização Brasileira,
2013).
Cançado, José Maria. Memórias
videntes do Brasil; a obra de pedro
Nava. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2003.
O caminho para o nacional, então,
está decididamente no espaço que
vai de uma centro-esquerda e a
329
O Porta l Bra sil
Situa çã o e
Política Ag rá ria
por Pedro Moreira
e Leonel de O. Pinheiro
O CAMPESINATO E A POLíTICA
AGRáRIA EM MINAS GERAIS.
As políticas agrárias em Minas
Gerais refletem o modelo de
desenvolvimento que hegemoniza
o país e, também, a resposta aos
movimentos que se organizam para
reivindicar o direito à terra.
No Brasil, a partir dos anos 1930, os
Governos Vargas, e principalmente
a partir do plano de metas no
governo de Juscelino Kubitschek,
na segunda metade dos anos 50, a
economia brasileira foi dominada
pelo conceito de industrialização.
Com a emergência das indústrias
agroalimentares, o setor agrícola foi
incorporado na dinâmica dos sistemas
econômicos. Antes vista como
atrasada em relação aos setores
industriais, a agricultura de pequena
escala é inserida nas políticas de
crescimento econômico, tendo
possibilitado seu acesso aos avanços
tecnológicos, principalmente por
meio de políticas de crédito e
assistência técnica, influenciadas,
naquele momento, pelo ideário da
Revolução Verde.
Mesmo sem conseguir influenciar
no padrão de concentração de
terras, a partir da década de 1940,
a regularização fundiária começa a
aparecer como uma alternativa para
331
fixar o homem no campo. O texto da
Constituição de 1946 diz que a lei
“facilitará a fixação do homem no
campo, estabelecendo planos de
colonização e de aproveitamento
das terras pública. Para esse fim,
serão preferidos os nacionais e,
dentre eles, os habitantes das zonas
empobrecidas e os desempregados”.
Em 1949, o Estado de Minas Gerais
publicou a sua primeira legislação
que dispunha sobre a concessão
de terras devolutas.. A Lei Estadual
nº 550, de 22 de dezembro de 1949,
definia quais eram e como poderiam
ser vendidas e distribuídas as terras
devolutas. O texto da normativa diz,
sobre a concessão gratuitas de terras
aos camponeses, que “aos cidadãos
brasileiros ou estrangeiros, chefes de
família, que provarem ser homens
de trabalho, poderá ser concedido,
gratuitamente, um lote de 25 (vinte e
cinco) hectares de terras de cultura
ou 100 (cem) hectares de terras de
criação”.
Com base nesta legislação diversos
contratos de arrendamento foram
celebrados nas décadas posteriores,
p o r é m os con tr a tos focaram
principalmente em incentivar as
atividades de reflorestamento para a
produção de carvão vegetal visando
o abastecimento das indústrias. A
concessão de terras com fins de
reforma agrária quase não ocorreu
no período, apesar de haver previsão
legal.
332
O padrão de industrialização
implementado nos anos 50 no
Brasil teve algumas características
bem marcantes. Indubitavelmente
a de maior importância foi a
presença decisiva do Estado para
sua implementação, e o caráter
conservador do processo, no sentido
de que não representou qualquer
rompimento com as elites agrárias.
No início da década de 1960
o modelo de industrialização
dependente e excludente entrou
em crise. Os mecanismos tradicionais
de financiamento e suas frentes de
expansão foram abalados devido
à perda de capacidade do Estado
de manter o pacto de poder político
que o sustentava, conhecido como
crise do “populismo”, inaugurado nos
governos Vargas.
No governo de João Goulart foram
dados os primeiros passos no âmbito
do Estado brasileiro, no sentido de
construção de políticas públicas de
planejamento estatal, com a criação
do Ministério do Planejamento em
1962, então presidido pelo renomado
economista Celso Furtado. O debate
conduzido por Furtado sobre a
questão do desenvolvimento
econômico girava em torno da
“necessidade de reorganização
do espaço econômico regional e
da integração nacional de modo
mais equilibrado”. O processo de
integração teria de orientar-se no
sentido do aproveitamento mais
racional de recursos e fatores no
conjunto da economia nacional.
incorporação do “trabalho” rural à
sociedade nacional.
Nessa conjuntura, o debate nacional
centralizou-se rapidamente não em
se, mas em como o Estado Brasileiro
deveria intervir na zona rural.
Bem como estabeleceu as bases
legais para o novo papel do Estado,
com um forte controle dos Sindicatos,
que se tornaram agências pseudo
estatais devido a dependência em
relação ao Estado, à inabilidade de
mobilizar membros e ao fornecimento
de serviços estatais.
Apenas sete meses após o Golpe Civil
Militar, em 30 de novembro de 1964,
foi promulgada a primeira lei brasileira
de reforma agrária, conhecida
como o Estatuto da Terra. O Estatuto
da Terra foi resultado de um longo
processo de pressão dos camponeses
e de cidadãos comprometidos
com a Reforma Agrária. Apesar da
legislação progressista, os Governos
Militares defendiam uma mudança
fundiária conservadora.
A partir de 1968, com a promulgação
do Ato Institucional nº5, o Estatuto
da Terra e o seu intuito de realizar
a reforma agrária (seja para
desenvolvimento do capitalismo
ou para minimizar a pobreza e as
desigualdades regionais) é relegado
ao esquecimento. Com o governo
adotando a proposta
de que,
em vez de reformar o latifúndio,
era necessário implementar uma
política de modernização da
agricultura brasileira com o objetivo
de transformá-lo numa grande
empresa capitalista, cujo os pilares
do projeto agrário se sustentavam
no crescimento acelerado na
produção agrícola (Revolução
Verde); a integração nacional; e a
A resposta Mineira para o projeto
agrário dos governos militares foi a
criação da Fundação Rural Mineira
- Colonização e Desenvolvimento
Agrário (RURALMINAS).
A Lei 4.278, de 21 de novembro de
1966, autoriza o poder executivo a
instituir a RURAL MINAS, que o fez
em 30 de novembro do mesmo ano
(Decreto 10.160), com a finalidade
de: (i) planejar, executar e controlar
programas de colonização em terras
públicas de acordo com o Estatuto
da Terra; (ii) incentivar programas
particulares de colonização; (iii)
promover a discriminação de terras
públicas e regularização de títulos
de posse de terras devolutas do
Estado; (iv) Promover programas
de desenvolvimento agrário nas
regiões do Estado, em especial do
Noroeste; e, (v) promover e incentivar
o reflorestamento.
Para sustentáculo ao projeto
modernizante replicado em Minas
pelo projeto agrário conservador,
foi criado um conjunto de instituições
333
estatais de pesquisa agropecuária
e de extensão rural (EPAMIG, 1974
e EMATER, 1975), e Universidades
Públicas, que tiveram um papel
importante na difusão dos pacotes
tecnológicos da revolução verde no
Estado.
A estratégia de ocupação do
espaço agrário estava vinculada ao
incentivo de projetos de colonização
estimulado pelo governo Federal.
Minas Gerais optou pela capitalização
do campo por meio de projetos de
colonização. Este processo provoca
a intensificação da concentração
fundiária em Minas Gerais (Gráfico
01). No período de 1970 e 1980, se
destacam a criação dos Distritos
Florestais, regiões prioritárias para
implantação de monocultura
florestal, com destaque para o
Triângulo Mineiro, o Centro Oeste, e
os vales do Rio Doce, São Francisco
e Jequitinhonha. Outro exemplo é a
implantação do projeto de irrigação
do Jaíba que teve suas primeiras
ações em 1949, mas se consolidou
com o surgimento do Distrito de
Otinolândia em 1976.
Nesse período, para os atores
governamentais e empresariais,
“rural” era sinônimo de “agrícola”
e “desenvolvimento rural” era igual
a “desenvolvimento agrícola”
que, por sua vez, era identificado
com modernização da agricultura,
financiada por crédito subsidiado
(Sistema de Crédito Rural) (1965). Tal
334
política fundamentava-se em quatro
elementos principais: (i) a noção de
crescimento econômico, que tenta
romper com o “atraso” da agricultura
tradicional, introduzindo os valores
econômicos modernos; (ii) a noção
de abertura técnica, econômica
e cultural, com a prevalência da
heteronomia sobre a autonomia
dos agricultores em relação aos
agentes econômicos, com os quais
passam a se relacionar; (iii) a noção
de especialização da produção
agrícola, simplificando os sistemas
de produção e, ao mesmo tempo,
adequando-os às modernas técnicas
de produção; (iv) a valorização de um
novo tipo de agricultor “moderno”,
empresarial, individualista e voltado
à competição por mercados
consumidores. Esse era o mais
importante instrumento da política do
Estado para induzir as transformações
das grandes propriedades rurais
latifundiárias em modernas empresas
rurais; nascia aqui o “Agronegócio”.
Essa concepção de desenvolvimento
rural colocou-a em um patamar em
que a indústria passou a ter papel
central nas relações de produção
e na determinação dos tipos de
interação com mercados. Esse
modelo influenciou o surgimento
de complexos agroindustriais, em
detrimentos dos sistemas produtivos
tradicionais camponeses.
Algumas características da
modernização conservadora da
agricultura brasileira são igualmente
consensuais no Brasil e não obstante
em Minas Gerais: promoveu um
violento processo de expulsão de
mão de obra do campo, no sentido
norte x sul, agravado pelos conflitos
agrários, as grandes distâncias, falta
de infraestrutura e ausência do
Estado, especialmente nas regiões
dos Vales dos Rio Doce, Mucuri,
Jequitinhonha e Norte de Minas (às
Gerais), que foram nas décadas de
60, 70 e 80, territórios exportadores
de abundante mão obra para as
capitais e regiões metropolitanas do
sudeste e sul do Brasil.
As populações excluídas do processo
de modernização eram consideradas
pelo governo militar e por organismos
internacionais como populações
de “baixa renda”, para as quais
eram destinados, especialmente no
Nordeste, os chamados “projetos de
desenvolvimento rural integrado”,
difundidos pelo Banco Mundial por
toda a América Latina.
Neste sentido a organização do
meio rural foi em grande parte
desestruturada devido à adoção
desse modelo de desenvolvimento, o
que levou ao aumento considerável
do número de conflitos do campo.
Ressurge deste processo os
movimentos de luta pela terra, com
maior força a partir da segunda
metade da década de 1970.
A Mobilização Social no Campo a
partir da década de 1960.
A primeira metade da década de 60
foi marcada por intensa mobilização
de trabalhadores rurais assalariados,
posseiros e pequenos produtores que
colocaram na agenda do Estado a
questão agrária e a conquista dos
direitos sociais, materializado no
“Estatuto do Trabalhador Rural” de
1963.
A primeira resposta do Estado para o
campo, a partir das mobilizações pelas
“Reformas de Base”, foi a aprovação
do Estatuto do Trabalhador Rural – ETR,
que estendeu o regime trabalhista
e previdenciário corporativista, que
regulava o trabalho urbano, para a
zona rural. Além de reunir a legislação
trabalhista rural existente em único
corpo de lei.
Os movimentos sociais do
campo foram protagonistas nesta
construção, nomeadamente as Ligas
Camponesas, o Partido Comunista do
Brasil – PCB; segmentos progressistas
da Igreja Católica, como a Juventude
Estudantil Católica – JEC; Juventude
Agrária Católica, Movimento de
Educação de Base – MEB, apoiadores
do nascente movimento sindical dos
trabalhadores rurais - MSTR[1]. Um
marco importante para os movimentos
do campo em Minas Gerais neste
período foi o I Congresso Nacional
do Lavradores e Trabalhadores
Rurais, que ocorreu em Belo Horizonte
no ano de 1961, com o apoio
335
de setores progressistas da igreja
católica. A partir daí foram criados,
em 1962, os primeiros Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais – STRs do
Estado, sendo o STR Poté fundado
em 08/07/1962, reconhecido pelo
Ministério do Trabalho e Previdência
Social em 31/01/1964, seguido pela
criação dos Sindicatos (STRs) de
Esmeraldas, Araçuaí, Centralina,
Santana do Deserto, ambos criados
no ano de 1963. Todos contribuíram
com a criação para fundação de três
Federações criadas por convocação
de um congresso estadual realizado
em Belo Horizonte entre os dias 12 e
18 de dezembro de 1963, onde foram
criadas, depois, intensos debates de
três federações sendo: 1) Federação
dos Trabalhadores na Extrativa Rural
de Minas Gerais; 2) Federação
dos Trabalhadores Autônomos
da Agricultura; 3) Federação dos
Trabalhadores Assalariados Rurais,
que aliados com organizações
de outros Estados fundaram a
Confederação do Trabalhares na
Agricultura – CONTAG, em 22 de
dezembro de 1963 e reconhecida em
21/01/1964. No início do ano 1964
existiam quarenta e sete STRs em
Minas Gerais. Após o Golpe, como
resultado da violenta perseguição da
ditadura, esse número foi reduzido
para três sindicatos, sendo eles os STRs
dos municípios de Poté, Esmeralda e
Araçuaí.
Em 1968 as bases legais para o novo
papel do Estado como regulador dos
336
sindicatos e das relações trabalhistas
rurais foram estabelecidas. Desta
forma, o tema da reforma agrária
passou a ser tratada como questão de
“segurança nacional” pelos governos
militares. Com isto, avança para a
zona rural o projeto de modernização
conservadora e a repressão.
Mesmo com a repressão exaustiva,
após o golpe de 64 que eliminou a
esquerda das áreas rurais do país,
o Estado passa a ser mediador das
relações rurais. Em Minas, após
o golpe, restaram apenas cinco
STRs (Poté, Araçuaí, Esmeraldas,
Brumadinhos e Três Pontas)
reconhecidos pelo Estado, os quais
não foram recolhidas a Carta Sindical
pela repressão. Estes, a partir da
articulação do CONTAG, fundaram
a Federação do Trabalhadores Rurais
na Agricultura – FETAEMG, em 27 de
abril de 1968.
Em Minas Gerais[3] ocorreu uma
brutal repressão aos movimentos
sociais camponeses, com prisão
e morte das principais lideranças
mediadoras dos movimentos sociais
nas regiões de fronteira agrícola
do Estado, nomeadamente o Vale
do Rio Doce, Vale do Mucuri e
Jequitinhonha, Noroeste e Norte de
Minas. Nesse período, nos territórios
de fronteira agrícola[4], ocorreram
intensos conflitos agrários entre
trabalhadores rurais, posseiros,
agregados e pequenos sitiantes
frente às oligarquias regionais
latifundiárias, motivados pelo que
ficou conhecido como “Grilagem
de Terra”, sendo esses territórios
completamente dominados pelas
oligarquias regionais.
Nesse cenário de intensos conflitos
sociais, nascem as Comunidades
Eclesiais de Base – CEBs, movimento
da igreja católica progressista, que
cumpria a tarefa de formação
política e educacional das principais
lideranças dos movimentos sociais
de luta pela reforma agrária e de
enfrentamento do regime militar na
década 1970. As CEBs – em conjunto
com o Movimento Sindical dos
Trabalhadores Rurais, articulados pela
FETAEMG e CONTAG, a Comissão
Pastoral da Terra – CPT, criada em
1975, e as Pastorais Sociais – animaram
os movimentos sociais na luta pela
terra nos anos 1970, produziram uma
apropriação particular do Estatuto
da Terra pelo movimento sindical
progressista, que se centrou na
reivindicação da desapropriação
das áreas de conflito geradas pelo
projeto de modernização dominante.
Como exemplo podemos citar a
Diocese de Teófilo Otoni, que nos
idos de 1972, sintonizada com a
ala progressista da Igreja Católica,
encabeçada pelo movimento
Latino Americano da Teologia da
Libertação, criou uma das primeiras
células das Comunidades Eclesiais de
Base – CEBs.
O processo de democratização e
consolidação da pauta agrária
A década de 1980 foi “marcada pelo
início das mudanças no ambiente
político brasileiro que vieram definir
o novo quadro de atuação do
Estado e das liberdades civis. Tais
mudanças derivam, sobretudo,
do ressurgimento do ativismo civil
na busca por autonomia frente ao
Estado autoritário constituído em
1964” .
No contexto da luta pela
democratização do país, a questão
agrária ganhou nova relevância na
discussão pública sobre os custos
e benefícios das transformações
recentes ocorridas no meio rural, de
modo que a reforma agrária passou
a assumir uma importância política
central, como a reivindicação
representativa e unificadora de
diferentes demandas oriundas da
diversidade de grupos, de atores
sociais e de lutas existentes no meio
rural.
O caráter excludente da
modernização conservadora da
agricultura, aumentou a demanda
por terra por parte do movimento
sindical remanescente – apoiada
por setores da Igreja Católica, como
a Comissão Pastoral da Terra (CPT),
que foi abafada e reprimida pela
repressão política dominante, mas
que se manteve espalhada por todo
o país e enraizada nas experiências
cotidianas dos trabalhadores.
337
Com o processo de democratização
da sociedade brasileira na década
de 1980, revitalizou-se o movimento
sindical, surgiram novos movimentos
sociais no campo, complexificaramse os personagens e as demandas
do mundo do trabalho rural e
começou a ser elaborada uma
crítica contundente ao modelo de
modernização agrícola adotado,
conhecido internacionalmente como
Revolução Verde, desvinculando
progressivamente o conceito
de “rural” do “agrícola” e o de
desenvolvimento rural como sinônimo
de modernização agrícola.
Em Minas Gerais esse processo
alterou a paisagem do rural. As
“chapadas” do Norte de Minas
e Vale do Jequitinhonha, antes
ocupados em grande parte por
vazanteiros, geraizeiros, extrativistas,
quilombolas e outros povos e
comunidades tradicionais, dá lugar
a commodities de monoculturas, a
partir da cessão das terras devolutas
do Estado para grandes empresas do
setor agrossilvicultura, transformando
o cerrado em pastagens e grandes
plantações de eucalipto. No Sul de
Minas e Zona da Mata, os pequenos
agricultores foram expulsos de suas
terras em função da “modernização”,
que por meio da difusão de pacotes
tecnológicos dependentes de
insumos, inviabilizou a atividades dos
camponeses. O mesmo processo de
ampliação dos camponeses sem
terra ocorre devido ao impacto da
338
pecuária extensiva nas áreas de
fronteira agrícolas, seja na região
do Norte, noroeste ou dos Vales
(Jequitinhonha, Mucuri e Doce).
Além do projeto de desenvolvimento
agrícola, contribui decisivamente
para a desterritorialização de
milhares de famílias camponesas, os
grandes projetos de mineração nas
regiões Central e no Vale do Aço, e
os projetos de barragens hidrelétricas
espalha por todo estado.
Neste período, ganham visibilidade
na cena política de Minas Gerais
novos movimentos sociais rurais, como
o Movimento dos Sem Terra - MST,
cujo marco a ocupação da Fazenda
Aruega em 1989, no município de
Novo Cruzeiro, Vale do Jequitinhonha;
O Movimento dos Atingidos por
Barragens – MAB; O Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais; Além
das antigas e novas representações
do movimento sindical, ligados a
Contag e a CUT/Rural.
Ainda no final da década de
80, tiveram papel importante na
organização da luta dos agricultores
familiares e povos e comunidades
tradicionais, as organizações
não-governamentais originárias
do “movimento de agricultura
alternativa”, hoje denominado
“Movimento Agroecológico”, nascido
nas Universidades, e responsáveis
pela contundente crítica ao pacote
tecnológico da revolução verde. O
movimento agroecológico incorpora
aos movimentos sociais do campo,
o saber acadêmico por meio da
pesquisa e extensão universitária,
desenvolvidas a partir de interações
entre instituições acadêmico/
científicas e grupos e organizações
de agricultores, executados por
meio de metodologias participativas,
agregando novos saberes, novos
fazeres, formando novos quadros
de ativistas nas lutas dos movimentos
sociais.
As organizações que protagonizaram
este diálogo em Minas Gerais, foram
o Centro de Tecnologias Alternativas
– CTA, na Zona da Mata Mineira; o
Centro Agroecológico Vicente Nica
– CAVI, no Vale do Jequitinhonha;
o Centro de Agricultura Alternativa
– CAA, no Norte de Minas; o Centro
Agroecológico Tamanduá - CAT,
no Vale do Rio do Doce, a Rede
de Intercâmbio de Tecnologias
Alternativas – REDE na Região
Metropolitana e Região Leste de
Minas.
A consequente e gradual afirmação
social e política desses novos sujeitos e
reivindicações, fez com que a questão
agrária passasse progressivamente
a ganhar uma visibilidade política
sem precedentes na história do
país, tornando-se tematicamente
mais complexa e diversificada, e
abrindo caminho para a futura
implosão da identidade entre rural
e agrícola e entre desenvolvimento
e modernização, que ganharia mais
vigor e substância, conceitual e
política, a partir da década de 1990.
A resposta neoliberal e a questão
agrária contemporânea em Minas
Na década de 90 ocorre a disputa
de dois projetos políticos: o projeto
neoliberal e o que Delgado (2010)
chamou de “projeto democratizante”,
que, por razões diversas, passam a
conviver na sociedade brasileira
de forma não estanque, pois são
excludentes em várias de suas formas
de manifestação. A disputa destes
dois projetos definiu como a questão
agrária deve ser tratada pelo Estado
e qual o papel da agricultura na
economia.
O projeto neoliberal para o
mundo rural, representado pelo
“agronegócio”, herdeiro do projeto
agrário militar, em função do
processo de modernização agrícola,
promoveu no meio rural brasileiro
transformações e um deslocamento
do foco das ações, relações e
interações dos indivíduos, empresas
e instituições que atuam no rural para
a esfera da cadeia de produção
agropecuária.
A primeira resposta a este avanço
do agronegócio foi a ampliação
das ocupações de terra a partir de
meados da década de 1990. Em Minas
Gerais esse período foi de grande
mobilização dos trabalhadores rurais,
posseiros, pequenos agricultores e
339
sem terras, que fizeram ocupações
em todo o Estado, com destaque
para as regiões do Triângulo Mineiro,
Norte e Noroeste (Mapa 02). Os
movimentos sociais e sindicais usaram
as ocupações de terras devolutas
do estado e dos latifúndios como
instrumento de luta pela reforma
agrária.
Porém, a ampliação da hegemonia
do projeto neoliberal e do
agronegócio no Brasil obrigou que
estes movimentos, a partir do final
da década de 1990 e início dos anos
2000, revissem a sua estratégia; os
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
– STR ampliaram suas bandeiras de
lutas para além do acesso aos direitos
sociais (trabalhistas e previdenciários),
os movimentos sociais de luta
por reforma agrária, inclusive o
Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra – MST, incorporaram às suas
reivindicações outras agendas,
como acesso a crédito, assistência
técnica e extensão rural, segurança
alimentar, dentre outras.
A seção mineira da Articulação
do Semiárido Brasileiro – ASA e
Articulação Mineira de Agroecologia
– AMA trouxeram para a agenda
a agroecologia e os povos e
comunidades tradicionais. Estas redes
foram fundamentais, por exemplo,
nas lutas pela retomada da terra
dos povos indígenas de Minas Gerais,
como os Maxacali - Vale do Mucuri,
que tiveram suas terras retomadas e
340
reconhecidas pela Governo Federal
em 1999, os Krenak no Vale do Rio
Doce, os Xacriabá no Norte de Minas.
Contraditoriamente a escolha
do modelo de desenvolvimento
pautado no latifúndio, o processo
de estabilização da economia
favoreceu a emergência de
propostas inovadoras de mudança
social, entre elas as relacionadas ao
desenvolvimento dos espaços rurais.
Como consequência desse
movimento, o projeto democratizante
desconstruiu
intelectual
e
politicamente a concepção de rural
como agrícola e de desenvolvimento
como modernização, e continua
buscando reconstruir, intelectual
e politicamente, conteúdos mais
adequados para as noções de rural
e de desenvolvimento rural.
Porém os avanços oriundos desta
nova perspectiva, não deram conta
de influenciar a diminuição da
desigualdade e da concentração de
terras em Minas Gerais. A expectativa
criada com a Constituição Estadual
de 1989, que limitou em 250 hectares
a área de regularização fundiária,
buscando impedir os arrendamentos
de grandes áreas e a concessão de
vários títulos a um mesmo beneficiário,
surtiu pouco efeito.
Além disto, a escolha feita pelos
governos foi de priorizar a titulação
individual. Em 06 de dezembro de 2001
foi criado, no âmbito do Governo de
Estado, o Instituto de Terras do Estado
de Minas Gerais – ITER, uma autarquia
que tinha como competências a
regularização fundiária de terras
devolutas e a descriminalização,
arrecadação e gestão das terras
devolutas e dos arrendamentos.
Esta escolha não afeta a estrutura
fundiária, pois não retira terras das
grandes propriedades para fins de
reforma agrária, apenas reconhece
aqueles agricultores que já ocupam
uma terra e ainda não possuem
documentação.
Apesar de não ter tido força para
alterar a estrutura fundiária e o
modelo de produção agrícola, as
políticas de desenvolvimento agrário
contribuíram para a diminuição da
pobreza rural e para a superação da
concepção que trata a agricultura
familiar e o rural como atraso.
A primeira ação que aponta na
perspectiva do desenvolvimento
agrário é o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), instituído pelo
governo federal por meio do
Decreto nº 1.946, de 28 de junho
de 1996, após a mobilização de
diferentes organizações coletivas
de agricultores(as) que pleiteavam
a inserção desta pauta na
agenda governamental. O Pronaf
estabeleceu as bases para o apoio
governamental às atividades
produtivas da agricultura familiar e
contribuiu para a emergência da
agricultura familiar como categoria
social e política.
Em janeiro de 2000 foi criado o
Ministério de Desenvolvimento
Agrário – MDA, órgão que tinha como
competências a reforma agrária e a
promoção sustentável do segmento
rural constituído pelos agricultores
familiares. Tanto na reforma agrária
como no desenvolvimento da
agricultura familiar, foi feita a opção
pela escolha da lógica de mercado
através da previsão de crédito
para aquisição de terras e para a
produção.
Assim, a partir de 2002 com a eleição
do Governo Lula, foi retomada
com certa ênfase o debate do
planejamento estatal, bem como o
processo de descentralização das
estruturas de poder do Estado no Brasil.
Esse novo contexto sociopolítico foi
de suma importância para reabrir, no
âmbito do governo federal, o debate
sobre a definição de diferentes
escalas para o planejamento das
suas intervenções, de modo a lhe
permitir maior flexibilidade para a
territorialização de sua incidência,
tendo como principal objetivo
apresentar um enfoque multissetorial
e integrado para a dinamização de
espaços rurais com base em projetos
territoriais inovadores.
Esta abordagem considera o
território, definido com base em
múltiplas dimensões, como o espaço
de mediação social e de incidência
341
de políticas públicas, portanto, lócus
privilegiado para o planejamento
estatal.
alternativa de desenvolvimento que
inclui os camponeses ou a agricultura
familiar.
Sob o escopo do Programa Fome
Zero, foram adotadas novas
estratégia de intervenção territorial
por meio de políticas públicas
captaneadas do Ministério de
Desenvolvimento Agrário – MDA
e Minisntério do Desenvolvimento
Social – MDS, que passam a pensar
o desenvolvimento rural não somente
a partir da produção agropecuária,
mas também considerando a
articulação da demanda/oferta de
outros serviços públicos tidos como
necessários”
Em Minas Gerais a agricultura
familiar entra na agenda do Governo
em 1996, com a criação, através do
decreto nº 38.589/1996, do Conselho
Estadual do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura
Familiar, que tem como atribuição
fomentar o programa em Minas.
Assim, ampliou as políticas de
desenvolvimento rural sustentável.
Foram criadas as políticas públicas de
mercado institucional (PNAE e PAA),
ampliação da Assistência Técnica
e Extensão Rural – ATER, construída
uma política de desenvolvimento
territorial, dentre outras. Entretanto,
o MDA não deu conta de apresentar
uma alternativa de desenvolvimento
da agricultura familiar que superasse
o agronegócio – o crédito para o
agronegócio girou em torno de 8 a
10 vezes ao dedicado à agricultura
familiar. Além disto, as políticas com
maior investimento para agricultura
familiar eram de segurança alimentar
e nutricional vinculada ao Ministério
de Desenvolvimento Social, o que
é fundamental na superação da
pobreza, mas não apresenta uma
342
Outro fato importante foi a
criação, em 1999, do Conselho
de Segurança Alimentar de Minas
Gerais – CONSEAMG, que teve papel
fundamental na criação do ITER e do
Programa de Segurança Alimentar
e Nutricional para os Assentamentos
de Reforma Agrária (PSA). Em
2001, foi criado o Conselho de
Desenvolvimento Rural Sustentável
– CDRS, que em 2012 passa a ser
chamado de CEDRAF.
Paralelo a estes avanços, com a
mobilização dos diversos movimentos
sociais e sindicais da agricultura
familiar a pauta do desenvolvimento
agrário começou a entrar na
agenda dos Governos do Estado
como resultado dos processos de
participação popular na Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, por
meio da Comissão de participação
Popular – CPP.
Consequência destes processos foi
a inserção da agricultura familiar
na estrutura orgânica do Estado,
em 2006, como Superintendência
de Agricultura Familiar vinculada à
Secretaria de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento – SEAPA.
Em 2007, a Superintendência ampliou
suas competências absorvendo a
agenda da Segurança Alimentar e
Nutricional.
A partir de 2011 a agenda da
agricultura familiar ganha força e se
torna Subsecretaria dentro da SEAPA,
assumindo as competências do ITER,
devido sua extinção. Esse período
foi marcado por um avanço dos
marcos legais que regulamentam a
agricultura familiar em Minas Gerais.
Em 2015, com a eleição de Fernando
Pimentel, foi criada a Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Agrário
- SEDA. Na política de acesso à
terra e regularização fundiária foi
retomado o processo de titulação,
parado desde 2011, atingindo 1500
títulos até meados de 2017. Nas
ações de agricultura familiar, a SEDA
tem tentado diminuir os impactos
da redução dos recursos para
agricultura familiar, consequência da
extinção do MDA e desconstrução
das políticas da agricultura familiar
no âmbito federal.
Assim como no âmbito federal,
as políticas de desenvolvimento
agrário têm contribuído mais para
a superação da concepção que
trata a agricultura familiar e o rural
como atraso, do que para influenciar
uma mudança na estrutura fundiária
e produtiva na zona rural de Minas
Gerais.
A Questão Fundiária em Minas
O Censo Agropecuário de 2006,
apesar de estar defasado, continua
sendo a maior e mais recente pesquisa
estatística no país com o objetivo de
disponibilizar informações globais
sobre as atividades agropecuárias.
Estes dados, disponibilizados pelo
IBGE em 2009, evidenciam a alta
desigualdade na distribuição
da posse de terra no Brasil. Os
estabelecimentos agrícolas com
área maior ou igual a 100 hectares
representam apenas 9,6% do total de
estabelecimentos, e 78,6% do total
da área agrícola ocupada. Enquanto
aqueles estabelecimentos com área
inferior a 10 hectares constituem
mais de 50% dos estabelecimentos e
ocupam apenas 2,4% da área total.
Para entender a situação fundiária
é preciso tratar duas perspectivas; a
desigualdade e a concentração. A
desigualdade fundiária se caracteriza
como elevada pelo fato de haver
uma grande participação do total
da área ocupada por uma pequena
parcela dos estabelecimentos, o
que fica evidente ao se constatar
que no Brasil, 5% dos maiores
estabelecimentos atingem 69,3% da
área total ocupada.
343
Gráfico 01
Proporção da área total ocupada pelos 50% menores e 5% maiores
estabelecimentos na condição de proprietários. Brasil e Minas 1975 a 2006.
Fonte: Produção própria. Dados do Censo Agropecuário, IBGE.
A disparidade na distribuição da
terra é alta no Brasil e em todas as
unidades da federação. Além disto,
conforme pode se observar no gráfico,
a má distribuição da terra apresenta
forte estabilidade, mantendo os
maiores estabelecimentos (5% >) com
aproximadamente 70% e a metade
inferior dos estabelecimentos (50% <)
com menos de 2,5% desde a década
de 1970. A desigualdade fundiária é
tão alta que a relação entre a área
total ocupada pelo estrato superior
varia de 27,5 vezes a 30 vezes durante
o período apresentado.
A realidade da desigualdade
na distribuição das propriedades
se aplica a Minas Gerais, porém
com uma intensidade menor que
344
a nacional. Na década de 1970
a área ocupada pelos maiores
estabelecimentos (5% >) eram de
40,5% da área total e os menores
(50% <) de 11,8% da área total. Ou
seja, a área que os estabelecimentos
menores ocupavam em Minas eram
cinco vezes maiores que a nacional.
Porém, diferente da estabilidade
apresentada no País, Minas teve um
processo de avanço da desigualdade
que pode ser percebida tanto pela
relação entre a área ocupada pelos
5% dos maiores estabelecimentos e
os 50% menores estabelecimentos
(Gráfico 01), como pela medição do
índice de Gini Agropecuário (Tabela
01).
Tabela 1:
índice de Gini da distribuição da posse da terra. Brasil e Minas Gerais,
1975 a 2006.
índice de Gini
1975
1980
1985
1995/1996
2006
Proprietário (Brasil)
0,830
0,835
0,834
0,836
0,849
Total (Brasil)
0,855
0,857
0,858
0,857
0,856
Proprietários (Minas Gerais)
0,751
0,761
0,763
0,763
0,790
Total (Minas Gerais)
0,756
0,768
0,772
0,773
0,795
Fonte: Produção própria. Dados Censo Agropecuário, IBGE.
A evolução do índice de Gini
no Brasil comprova mais uma vez
a forte inércia da desigualdade
fundiária a variações decrescentes.
No caso de Minas Gerais, o índice
indica um significativo avanço desta
desigualdade, saindo de 0,756 na
década de 70 e atingindo 0,795 nos
anos 2000, aproximando o Estado
da realidade de má distribuição
nacional.
Importante levar em conta a
diferença entre os indicadores
dos proprietários e do total de
estabelecimentos. O total inclui, além
dos proprietários, os arrendatários,
parceiros e ocupantes. Em Minas o
crescimento da desigualdade foi
similar em ambos os casos. No Brasil
a desigualdade ampliou entre os
proprietários, mas se manteve quase
inerte no total dos estabelecimentos.
Porém, quando olhamos outros
indicadores como área média
e mediana, é possível perceber
que mesmo com a diminuição do
número da área total e ampliação
das áreas ocupadas por latifúndios,
eles apontam para uma evolução
decrescente. “O crescimento da
desigualdade fundiária não deve
ser erroneamente interpretado
como aumento da ‘concentração’
da posse da terra pelos latifúndios.
Se tivesse acontecido apenas o
crescimento dos latifúndios, a área
média das propriedades deveria
aumentar” (Hoffmann e Ney. 2010).
A Tabela 2 demonstra que ocorre
um processo de diminuição da área
média concomitante ao aumento da
desigualdade.
345
Tabela 2 :
Caracterização dos Estabelecimentos Agropecuários.
Minas Gerais, 1975 a 2006.
Caracterização Fundiária de Minas
1975
1980
1985
1995/1996
2006
44.623.332
46.362.287
45.836.651
40.811.660
32.647.547
463.515
480.631
551.488
496.677
551.617
área Média (ha)
96,4
96,8
83,4
82,2
60,8
área Mediana (ha)
25,5
24,2
20,0
19,8
12,9
índice de Gini
0,756
0,768
0,772
0,773
0,795
área Total (ha)
Estabelecimentos (nº)
Fonte: Produção própria. Dados Censo Agropecuário, IBGE.
Mesmo com o aumento da
desigualdade, a área média
das propriedades sofre pressão
decrescente pela inserção de
camponeses que não possuíam
terra. O aumento do número
de estabelecimentos tem como
prováveis causas as pressões dos
movimentos sociais para a realização
da reforma agrária e, também, o
processo de regularização fundiária
que passa a reconhecer Povos e
Comunidades Tradicionais e outros
camponeses como os proprietários
daquelas terras que eles já ocupavam
há muito tempo.
Os dados mais recentes que podem
ajudar a compreender a estrutura
fundiária em Minas, mesmo sem ser
um cadastro focado na regularização
fundiária, é o Cadastro Ambiental
Rural - CAR1. Em números gerais foram
1
O Cadastro Ambiental
Rural – CAR é um registro eletrônico,
obrigatório para todos os imóveis
rurais, que tem por finalidade integrar
346
cadastrados (até meados de 2017)
635.757 estabelecimentos rurais e uma
área total de 36.854.640 hectares.
Estes números do CAR apontam
para a continuação da diminuição
da área média, atingindo um valor
de aproximadamente 57,8 hectares,
porém, com o mesmo padrão de
desigualdade e concentração. Ao
se analisar a relação entre número
de propriedades e área ocupada,
as médias e grandes propriedades
(com mais de 4 módulos fiscais)
atingem uma área média de
466,5 hectares. Enquanto aquelas
propriedades abaixo de 4 módulos
fiscais, que representam quase 90%
dos estabelecimentos rurais e menos
as informações ambientais referentes
à situação das áreas de Preservação
Permanente – APP e das áreas de
Reserva Legal e demais áreas de
proteção ambiental das propriedades
rurais do país. A Lei nº 12.651, de 25 de
maio de 2012, e o Decreto nº 7.830, de
17 de outubro de 2012, regulamentam o
CAR.
de 40% da área, possuem em média
26 hectares.
A Luta pela Terra em Minas Gerais
A estrutura fundiária apresenta um
retrato da situação agrária, porém só
é possível entender a questão agrária
em Minas Gerais a partir do estudo
do grau de conflitividade. A questão
agrária se manifesta, principalmente,
por meio das lutas, das ocupações e
dos acampamentos.
O conflito no campo se dá pelas
grandes desigualdades sociais e
econômicas que resiste nos territórios
rurais do Estado. Essa desigualdade se
inicia na estrutura fundiária e na falta
de acesso à terra dos camponeses,
sejam eles pequenos agricultores ou
povos e comunidades tradicionais, e
continua nas demais dimensões do
território. O território é o espaço social
em que o campesinato reproduz a
vida em suas diversas dimensões,
sejam elas culturais, econômicas,
políticas ou ambientais.
Em Minas Gerais a diversidade de
biomas – mata atlântica, cerrado,
caatinga e as diversas áreas de
transição - e as várias formas de
ocupação do território, que se deu
inicialmente pelo Ciclo do Ouro na
região central e avançou com a
pecuária oriunda do Nordeste pelo
vale do São Francisco, e a ocupação
da Zona da Mata e dos Vales pela
agropecuária, delimitou realidades
territoriais distintas com processos de
lutas pela terra variados.
Decorre destas situações os diferentes
processos de luta pelo acesso à terra.
A luta pela terra ocorre a partir da
mobilização dos camponeses sem
terra, que se organizam através dos
diversos movimentos socioterritoriais
atuantes em Minas. Se destacam,
pelo protagonismo nas manifestações
e pelo número de ocupações,
o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra – MST, que de 2000 a
2015 ocupou mais de 230 fazendas
mobilizando mais de 25.897 famílias
de camponeses. No movimento
sindical se destaca a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura - CONTAG que no mesmo
período dirigiu 83 ocupações e 5432
famílias de acampados.
Com uma atuação mais localizada
no Triângulo Mineiro - a mesorregião
com a maior conflitividade do estado,
seja pelo número de ocupações ou
pelo número de famílias acampadas
- o Movimento de Libertação dos
Sem Terra - MLST é o movimento que
tem o segundo maior número de
acampados, 6669 famílias.
Apesar da importância dessas
organizações, a luta pela terra em
Minas Gerais é muito maior e mais
diversa que estes Movimentos mais
conhecidos. Mais de quarenta
movimentos participam da
construção da reforma agrária no
estado. Estes movimentos possuem
347
representantes ligados à igreja
católica como a Comissão Pastoral
da Terra e Animação Pastoral Rural,
os movimentos ligados aos Povos e
Comunidades Tradicionais, onde se
destacam os indígenas e quilombolas,
além das variadas organizações
e federações do movimento
sindical, que tem na Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do
Estado de Minas Gerais - FETAEMG e
na Federação da Agricultura Familiar
– FETRAF, seus maiores expoentes
regionais.
Apresentados os sujeitos das
lutas, é importante perceber a
intensidades e a territorialização
das manifestações e das ocupações
pela reforma agrária. Segundo o
Estado, mais de 430.000 pessoas se
organizaram para participar da luta
pela terra.
Mapa 01 - Manifestações por
município de Minas Gerais, 2000-2015.
Além
da
mesorregião2
Metropolitana de Belo Horizonte,
que por ser capital administrativa e
política, concentra quase 40% das
manifestações, se destacam pela
frequência das manifestações as
mesorregiões do Norte de Minas (144
manifestações), Triângulo Mineiro/
Alto Paranaíba (93 manifestações) e
Vale do Rio Doce (61 manifestações).
O Vale do Mucuri e do Jequitinhonha
também se destacam pelo número de
pessoas mobilizadas 26.370 e 37.370,
respectivamente.
Desde os
anos 2000 houve
manifestações
todos os anos,
com um aumento
do número de
manifestações
a partir do ano
de 2010. Em 2011
foram mobilizadas
mais de 45.000
pessoas, e em
2012 ocorreram
mais de 100
manifestações
Relatório DATALUTA - Minas Gerais
(2015), houve 752 manifestações
distribuídas pelas diversas regiões do
348
2
O DATALUTA - MG adota como
referência para a divisão territorial da
pesquisa as mesorregiões Geográficas
elaboradas pelo IBGE (1990).
distribuídas por todo território
Mineiro. Este período coincide com
a diminuição das ações e orçamento
para obtenção de terra no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA e, também das
ações de desenvolvimento agrário
do Ministério de Desenvolvimento
Agrário - MDA.
Gráfico 02
Manifestações em Minas Gerais
por ano, 2000 – 2015.
Neste mesmo período ocorre,
em Minas Gerais, uma paralisação
das ações de regularização fundiária
que era realizada pelo Instituto de
Terras do Estado de Minas Gerais - ITER/
MG. Após escândalo envolvendo a
direção do Órgão, as regularizações
que havia atingido seu auge em 2010,
com quase 10.000 titulações foram
suspensas, o que levou a extinção do
órgão em 2013.
As
manifestações
se
materializam em marchas,
fechamentos de rodovias,
ocupações de instituições públicas
e privadas, dentre outras formas de
luta. Os locais são estrategicamente
escolhidos, algumas vezes para dar
respostas a pautas específicas dos
movimentos, como a liberação
de crédito ou da regularização de
algum assentamento, outras vezes
com o objetivo de dar visibilidade e
buscar apoio para
suas reivindicações
e para a causa da
reforma agrária.
Desta forma, as
manifestações são
um instrumento de
luta que conjugam a
pauta da terra com
outras bandeiras
pela transformação
social e luta pela
igualdade.
Já a ocupação
de terra é a forma em que os
movimentos sociais ampliam o
enfrentamento com a propriedade
privada e materializam a reforma
agrária. Através dos acampamentos,
os movimentos de luta pela terra
ocupam as terras devolutas e
improdutivas de particulares e da
União.
Em Minas Gerais a mesorregião
com maior número de ocupações é
o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,
349
com
252
ocupações
e
quase
25.000 famílias
acampadas
no período de
1990 até 2015.
No território
se encontra
Uberlândia, o
município que
individualmente
tem o maior
número
de
ocupações
(58) e famílias
o c u p a d a s
(8.709). Os municípios de Prata, Santa
Vitória e Ituiutaba, que também
fazem parte da mesorregião, se
destacam pela quantidade de
ocupações de terra neste período,
todas com mais de 15 ocupações e
no mínimo 1.200 famílias acampadas
no período.
A segunda mesorregião com
maior número de ocupações (210) é
o Norte de Minas. Apesar de São João
da Ponte, Montes Claros, Pirapora e
Manga se destacarem por ter mais de
1000 famílias acampadas, no período
(1990 a 2015), as ocupações são
muito dispersas por toda a região. No
Noroeste de Minas, terceira região
com maior número de ocupação
(114) e famílias acampadas (10.778),
três municípios - Unaí, Buritis e
Paracatu - representam quase 70%
de todas as ocupações.
350
Mapa 02
Ocupações por município de Minas
Gerais, 1990 -2015.
Alguns municípios de outras
mesorregiões se destacam pelo
número de famílias que estiveram ou
estão acampadas. No Vale do Rio
Doce se destacam Frei Inocêncio
(2.607), Tumiritinga (1.480) e Periquito
(1.120). Na região Sul se destaca
Campo do Meio com 11 ocupações
e 1.336 famílias acampadas.
A distribuição por ano das
ocupações em Minas, demonstram
que o período de maior mobilização
das manifestações não coincide
com os mesmos anos em que houve
um grande número de ocupações.
Enquanto as manifestações
começaram
a
aumentar,
principalmente no final da primeira
década do século XXI, as ocupações
em Minas tiveram maior intensidade
a partir de 1998, cedendo após 2007.
Gráfico 03
Ocupações (número e famílias) em
Minas Gerais por ano, 1990 – 2015.
O resultado desta luta é a criação
dos assentamentos rurais. Existem
várias modalidades como forma
de obtenção de assentamentos
rurais - como arrecadação, cessão,
compra, confisco, desapropriação,
discriminação,
doação,
incorporação, reconhecimento,
regularização, transferência e
reversão de domínio. Em Minas Gerais,
a desapropriação e a regularização
fundiária são as principais formas de
obtenção de terras para a criação
de assentamentos rurais.
Os assentamentos rurais representam
a criação de territórios - oriundos
da organização e luta camponesa
e, também, da intervenção do
estado onde se viabiliza a
recriação do campesinato brasileiro.
Campesinato este que é formado,
além dos assentados, por povos
e comunidades tradicionais e os
camponeses que foram definidos em
lei como agricultores familiares.
Em
Minas
Gerais,
no
p e r í o d o
de 1986 a
2015, foram
criados 414
assentamentos
rurais
de
r e f o r m a
a g r á r i a ,
chegando a
capacidade
de mais de
25.000 famílias
assentadas e 1.054.763 hectares
desapropriados. Este número, que
parece significativo, passa a ser
quantitativamente pouco expressivo
quando comparado com o tamanho
da agricultura familiar no Estado.
No estado existem mais de 430.000
agricultores familiares e quase
33.000.000 hectares, segundo o
Censo Agropecuário de 2006. Ou
seja, a reforma agrária mineira atingiu
apenas 6% dos agricultores e 3% da
área. Como foi demonstrado na
evolução da estrutura fundiária em
Minas, as ações de reforma agrária
não deram conta nem de manter
a desigualdade nos patamares da
década de 1970, pressionada pela
ampliação dos latifúndios.
351
Ao observar a localização dos
assentamentos obtidos através da
desapropriação, é possível perceber
que as ocupações e os assentamentos
se encontram concentrados
nas mesmas mesorregiões.
As
mesorregiões do Noroeste de Minas,
Norte de Minas e Triângulo Mineiro
representam 76% dos Projetos de
Assentamentos (PA’s) e mais de 85%
dos 1.054.763 hectares e a mesma
porcentagem da capacidade de
famílias assentadas.
do estado. é, também, a região com
a capacidade de assentar maior
número de famílias (próximo de
10.000). Em relação à concentração
de projetos de assentamentos por
município, se destaca apenas Jaíba,
com 13 PA’s. Isto demonstra, mais
uma vez, que a luta pela terra tem
uma grande abrangência em toda
a região geográfica.
Mapa 03
Assentamentos por município
de Minas Gerais, 1990 -2015.
O Noroestes
de
Minas
possui o maior
número de
PA’s,
118,
atingindo
um total de
311.654,46
hectares e a
capacidade
de assentar
6.960 famílias.
Se destacam
c o m o
municípios da
região que
possuem um grande número de
assentamentos: Unaí (26 PA’s), Buritis
(24 PA’s), Arinos (17 PA’s), Paracatu
(12 PA’s), João Pinheiro (10 PA’s) e
Lagoa Grande (7 PA’s).
O Norte de Minas é a mesorregião
com a maior área desapropriada, com
472.231 hectares, o que representa
45% do total de todos assentamentos
352
O Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,
apesar de abrigar a maior parte dos
conflitos e ocupações, é a terceira
região em termos de números de
PA’s (87), área total dos projetos
(124.366,56 ha) e capacidade
de famílias assentadas (4.636). Se
destacam na região os municípios de
Uberlândia (14 PA’s), Campina Verde
(12 PA’s) e Ituiutaba (6 PA’s).
As regiões do Vale do Rio Doce
(32 PA’s) e do Jequitinhonha
(35 PA’s) representam juntas
aproximadamente 10% da área dos
assentamentos e 9% das famílias.
Ficando as demais regiões do
estado com uma pequena parte dos
assentamentos rurais, cerca de 5%.
Apesar de não ser considerada
por parte dos movimentos sociais
como reforma agrária, por não
contribuir com a transformação do
padrão da estrutura fundiária, a
regularização fundiária contribui para
o reconhecimento dos agricultores
familiares e os povos e comunidades
tradicionais, em especial os grupos
remanescentes de quilombos, que
já ocupam um território a décadas
(às vezes séculos). Segundo dados
da Fundação Palmares, existem 292
comunidades certificadas em Minas,
a maioria delas localizadas na região
Norte e nos Vales do Jequitinhonha.
Este número pode ser muito maior;
de acordo com os dados do Centro
de Documentação Eloy Ferreira da
Silva – CEDEFES, existem mais de 800
comunidades distribuídas por todo
território estadual.
pró-indiviso à comunidade. Porém,
apenas 13 (aproximadamente 6%)
dos pedidos estão com o processo
em andamento, atendendo um
total de 2.228 famílias e uma área
total de 97.132,35 hectares. Destes,
10 estão na primeira etapa que é
a realização do Relatório Técnico
de Identificação e Delimitação
- RTID que visa o levantamento
de informações cartográficas,
fundiárias, agronômicas, ecológicas,
geográficas, socioeconômicas,
históricas,
etnográficas
e
antropológicas obtidas em campo
junto às comunidades. Uma
comunidade, de Mangueiras em Belo
Horizontes, está na segunda etapa
que encerra a identificação com
a publicação de uma portaria do
INCRA reconhecendo os limites do
território quilombola. A comunidade
de Brejo dos Crioulos, no Norte de
Minas, e Marques, no Vale do Mucuri,
são as que estão com o processo
mais avançado para titulação, já
tendo o decreto que desapropria as
terras por interesse social publicadas
pela presidência da república.
A titulação coletiva das
comunidades quilombolas é
realizada pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária INCRA. Em Minas Gerais existem 196
processos abertos para a titulação
de territórios quilombolas. Neste caso,
o título é coletivo, imprescritível e
353
Tabela 3 :
Quadro Geral do Andamento dos Processos de Titulação Coletiva de Territórios
Quilombolas em Minas Gerais.
Comunidade
Município
Área Total
Brejo dos Crioulos
São João da Ponte, Varzelândia
e Verdelândia
17.302,61
Machadinho
Paracatu
2.217,52
Marques
Carlos Chagas e Teófilo Otoni
Mangueiras
Família
Área Média
Etapa
387
44,71
Decreto
318
6,97
RTID
250,76
6
41,79
Decreto
Belo Horizonte
19,54
35
0,56
Portaria
São Domingos
Paracatu
665,81
49
13,59
RTID
Amaros
Paracatu
960,59
171
5,62
RTID
Mumbuca
Jequitinhonha
8.248,74
88
93,74
RTID
Luizes
Belo Horizonte
2,2928
30
0,08
RTID
Maroba dos Teixeira
Almenara
3.075,11
79
38,93
RTID
Gurutuba
Pai Pedro, Jaiba, Gameleiras e
Porteirinha
45.589,21
891
51,17
RTID
Lagoa Grande
Jenipapo de Minas, Novo
Cruzeiro e Araçuaí
4.737,38
29
163,36
RTID
Lapinha
Matias Cardoso
7.566,16
126
60,05
RTID
Sete Ladeiras e Terra Dura
São João da Ponte
6.498,92
79
82,26
RTID
Fonte: Produção própria. Dados Site do INCRA.
Apesar da grande demanda,
a tramitação da titulação coletiva
tem sido muito morosa, tornando a
titulação individual uma alternativa
mais ágil para a regularização
fundiária - esta alternativa recebe
críticas tantos dos movimentos
que lutam pela reforma agrária
como daqueles que defendem os
territórios dos Povos e Comunidades
Tradicionais como um bem coletivo.
O Instituto de Terras do Estado
de Minas Gerais – ITER, a partir de 2001,
ficou responsável pela regularização
354
fundiária de terras devolutas e,
também, com as atribuições relativas
à ação discriminatória, arrecadação
e gestão das terras devolutas e dos
arrendamentos. O ITER foi responsável
pela titulação de 31.993 famílias
de agricultores no período de 2003
a 2011, atingindo uma média de
mais de 3.500 títulos por ano. Estes
números foram alcançados devido
aos altos índices de titulação
alcançados (26.729 em quatro anos)
a partir da parceria com Ministério de
Desenvolvimento Agrário - MDA em
2008.
Gráfico 03
Número de títulos emitidos pelo ITER
no período de 2003 a 2011.
Fonte: Produção própria. Dados SEDA.
Em setembro de 2011 as titulações
foram suspensas devido a uma
operação da Polícia Federal
que apontou irregularidades nos
procedimentos de regularização
fundiária. A chamada “Operação
Grilo”, ocorrida no governo de
Antônio Anastasia (PSDB), suspendeu
todos os procedimentos que buscam
legitimar e regularizar as terras
públicas localizadas em São João
do Paraíso, Ninheiras, Rio Pardo
de Minas, Vargem Grande do Rio
Pardo, Indaiabira e Santo Antônio
do Retiro, todas no Norte de Minas.
A falta de segurança jurídica e
administrativa nos procedimentos
de regularização realizado pelo ITER
culminou na sua extinção em 2013.
As titulações foram retomadas com
a criação da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Agrário - SEDA
em 2015, até agosto de 2017 foram
emitidos 1500 novos títulos.
A l é m
d a
desapropriação e
regularização fundiária,
a denominada Reforma
Agrária de Mercado
- RAM tem um peso
importante no território
Mineiro. De 1985 a
2015 foram feitos 328
assentamentos de RAM.
Este modelo tem uma
perspectiva diferente
da desapropriação,
ela é feita através da
compra da terra a partir do crédito
subsidiado pelo Banco Mundial.
Algumas linhas de crédito foram
criadas neste sentido: o Programa
Cédula da Terra - PCT, o Banco da
Terra - BT, o Crédito Fundiário - CF,
que substituiu o banco da terra, e o
crédito que financiava o Combate à
Pobreza Rural - CPR.
Ao acompanhar a distribuição
dos assentamentos por período de
governo (Gráfico xx), se percebe
como a partir do segundo mandato
do presidente Fernando Henrique
Cardoso a RAM passou a ser uma
estratégia importante para a política
de reforma agrária, se tornando
hegemônica no período. Vale
destacar que este foi o período com
maior número de assentamentos
criados em Minas Gerais, 266 no total.
355
Gráfico 04
Número de assentamentos rurais de
reforma agrária e reforma agrária de
mercado por período de governo
em Minas Gerais, 1985 a 2011.
Apesar das expectativas criadas
com a vitória de um governo
democrático popular em 2002, em
nenhum dos governos do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) houve
uma política de reforma agrária (seja
por desapropriação ou de mercado)
que efetivasse e ampliasse essa
reforma estrutural. O que houve na
verdade foi o retrocesso do número
de assentamentos criados.
A Reforma Agrária de Mercado,
apesar de diminuir o tempo em que
as famílias acessam a terra, não é
consenso entre os movimentos sociais.
Segundo os setores críticos, a RAM
reforça a pobreza e a desigualdade
no campo. O crédito, mesmo que
subsidiado, gera uma dívida para o
camponês e vincula sua produção
356
a esta dívida o que inviabiliza a sua
autonomia e emancipação.
Outro questionamento é que a RAM
desarticula os movimentos de luta
pela terra. Na
metodologia
para criação
dos assentamentos RAM não
ocorre a participação ativa
dos agricultores
familiares no
processo de negociação e implementação
dos assentamentos. Desta forma, o protagonismo deixa de ser dos camponeses
e passa a ser de uma agente externo,
inclusive na criação das associações.
Em Minas Gerais, apesar deste
modelo aparecer nas regiões onde
se destacam os assentamentos feitos
a partir da desapropriação: Norte de
Minas, Noroeste de Minas e Triângulo
Mineiro/Alto Parnaíba e, também,
na região do Vale do Jequitinhonha
e Vale do Mucuri. A RAM tem uma
maior presença na Zona da Mata e
Sul de Minas (Mapa 04).
Ambos os territórios têm uma
estrutura fundiária com menor
concentração da terra. A
organização do espaço rural nestas
mesorregiões é essencialmente
constituída por propriedades abaixo
de quatro módulos fiscais e com
menor escassez hídrica, aumentando
a possibilidade de produção de
alimentos e reprodução da vida pelos
agricultores familiares, possibilitando
uma resposta ao crédito acessado.
Mapa 03
Assentamentos
RAM por município
de Minas Gerais,
1998 -2009.
Em contrapartida,
como podemos
notar em todas
as outras variáveis
(manifestações,
ocupações
e
assentamentos)
são regiões com
menor grau de conflitividade. Como
consequência, com menor atuação
dos movimentos sociais de luta pela
terra.
357
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361
O Porta l Bra sil
Meio a m biente
por Bruno Viveiros Martins
e Virginia Siqueira Starling
A
s Minas das montanhas, dos
rios e das matas são também
das cidades, das estradas,
da mineração e das hidrelétricas.
As Minas são muitas, um mosaico
de paisagens e gentes que formam
um estado extenso em seu território,
mas também em sua história, cultura
e biodiversidade natural. Desde
que chamou a atenção da Coroa
portuguesa, no final do século
XVII, quando minas de ouro foram
encontradas pela primeira vez no que
viria a ser Minas Gerais, o estado se
tornou uma fonte de recursos naturais
não só para o Brasil, mas para o
mundo: o Quadrilátero Ferrífero, área
na região central, é uma das maiores
jazidas de minério de ferro do planeta,
e coloca o estado na lista dos mais
importantes exportadores do mineral;
os rios que o cruzam fornecem água
e, através de usinas hidrelétricas
como a de Furnas, energia para
os núcleos urbanos que pontilham,
em números cada vez maiores, o
território. As Minas, com todas as suas
cores, sempre se despontaram pelas
suas possibilidades e riquezas.
Se uma linha reta fosse traçada
no mapa de Minas Gerais, de
Montalvânia, no norte, a Cambuí, no
extremo sul do estado, ela passaria
pelas três diferentes configurações
vegetais, climáticas e morfológicas
que compõem, de forma geral,
363
a paisagem mineira. Mas mapas
representam parte de um todo muito
maior, e essa linha cruzaria regiões,
cidades, matas, rios, parques,
fazendas, serras e campos que
constroem, juntos, os muitos caminhos
que percorrem as Minas. Dos morros
ainda cobertos pelos remanescentes
da Mata Atlântica, outrora uma
das coberturas vegetais mais ricas
e extensas do país, às veredas da
bacia do São Francisco; dos campos
de altitude que encobrem a Serra
do Espinhaço às nascentes que
brotam na serra do Gandarela: Minas
Gerais é diversa em sua fauna, flora,
geologia e hidrografia, mas não se
pode esquecer dos outros elementos,
estes antrópicos, ou seja, originados
pela ação humana, que participam
da formação das paisagens e da
história do estado. Não há cenário
intocado pelo homem, não há um
canto inalterado mesmo com as
práticas extrativistas, as cidades
erguidas e expandidas, as rodovias,
pontes e ferrovias construídas. O
meio ambiente mineiro tem sua
história, e as marcas e consequências
dos séculos de interação com a
atividade humana ajudam a retraçar
os caminhos percorridos.
Rios, como o São Francisco, o rio
Doce, o Jequitinhonha e o rio Grande,
e serras como a do Espinhaço, da
Canastra e da Mantiqueira, para citar
apenas alguns nomes, são carregados
de importância simbólica para o povo
mineiro. Longe de ser apenas um, e
364
tão diverso em suas manifestações
culturais e personalidades quanto
a terra em que vive, o mineiro tem
sua história inegavelmente ligada
aos contornos e meandros da
paisagem que o cerca, mas na qual
ele também exerce sua influência. Os
rios e os picos de Minas exerceram
papel fundamental na ocupação do
território, a partir das bandeiras vindas
de São Paulo em busca de ouro e
para aprisionar indígenas, ao se
tornarem referências de localização
e demarcação de fronteiras para
os exploradores paulistas, além de
servirem como porta de entrada no
estado. E, desde então, participaram
dos muitos ciclos econômicos e
de desenvolvimento, seja como
fornecedores de recursos, seja como
caminhos para se chegar em algum
outro lugar. Ainda que alterados, as
serras e os cursos d’água mantêm sua
posição de destaque nas referências
simbólicas da cultura e da história
mineiras.
A relação entre o mineiro e Minas
Gerais – o homem e o meio em
que vive, no qual ele se constrói ao
mesmo tempo em que modifica e
forma paisagens –, que se atualiza e
refaz constantemente, passa por um
contexto contemporâneo conflituoso,
mas certamente decisivo para o futuro
do estado. Negociam-se os projetos
de desenvolvimento econômico
em meio às preocupações com a
preservação do meio ambiente, às
políticas ambientais estaduais e aos
esforços de contenção dos riscos à
sobrevivência de espécies vegetais
e animais ameaçadas pela ação
humana, assim como à busca por
alternativas para os recursos finitos
disponíveis e explorados atualmente.
Afinal, as ameaças ao meio ambiente
refletem, indiscutivelmente, na
qualidade de vida humana e em
sua própria sobrevivência, de
forma que o aumento dos riscos
ambientais cria ainda mais desafios
à formulação de soluções para os
diversos problemas provenientes da
ocupação antrópica. Os impactos
são socioambientais pois neles
convergem as consequências do
crescimento das sociedades em um
ambiente que, para possibilitar essa
expansão, teve de ser profundamente
remodelado – e continua a ser
constantemente explorado.
Em Minas, a questão ambiental
perpassa não só as muitas
especificidades do espaço físico
e geográfico, como também as
características e dinâmicas da
interação entre homem e meio
ambiente. Mais do que definir focos
de atividades econômicas, o território
mineiro traz consigo elementos
fundamentais para a permanência da
sociedade que nele se estabeleceu,
cresceu e prosperou; embora seja
igualmente fonte e fruto de conflitos
ambientais, de cunho social e
político. O conceito de natureza e do
valor dos recursos naturais disponíveis
em Minas Gerais se transformou
desde a chegada dos primeiros
bandeirantes, enquanto o Brasil ainda
era uma colônia subordinada aos
mandos e desmandos de Portugal.
E, juntamente com a evolução da
ideia, mudaram-se as paisagens e o
cenário, ainda que sejam mantidas
algumas características essenciais da
composição ambiental do estado.
Pinta-se o complexo quadro das
paisagens mineiras com muitas
camadas, interpostas e dinâmicas,
e cores mil.
1. Quem te viu, quem te vê:
as paisagens mineiras e seus
processos de transformação
O poeta Carlos Drummond de
Andrade, mineiro de Itabira, já
dizia que “Ninguém sabe Minas”,
exceto os próprios mineiros. E, se o
objetivo for conhecer mais sobre as
paisagens enraizadas na imaginação
de um país, antes começar pelas
suas manifestações mais físicas e as
primeiras a tomarem forma ao se
observar as Minas profundas que,
segundo Drummond, o mineiro não
revela nem a si mesmo.
Em seus mais de 580 mil quilômetros
quadrados de extensão territorial,
relevos montanhosos encobertos
por matas cercam rios e afluentes
– mas também cidades e vilas.
Estradas cortam o estado em todas
as direções, conectando centros
urbanos e localidades rurais, abrindo
365
o caminho para o restante do país e
transportando, seja nas rodovias, seja
pelas ferrovias, o que é produzido
nessa terra. Dos três principais biomas
de Minas Gerais, isto é, as categorias
de unidades biológicas agrupadas
de acordo com características e
formações vegetais, climáticas,
topográficas e de solo comuns,
dois são considerados hotspots
mundiais: regiões com incomparável
biodiversidade, mas amplamente
ameaçadas e sob riscos tão grandes
quanto a riqueza de espécies de fauna
e flora. Ademais, Minas concentra
bacias hidrográficas com ampla
participação no abastecimento
nacional ao exercerem relevante
papel socioeconômico e ecológico.
O quarto maior estado do Brasil não
tem mar e está a meio continente
de distância da Floresta Amazônica
– mas isso não significa que sua
biodiversidade seja menor ou
menos importante em um contexto
internacional do que a de outras
unidades da federação. Localizada
na região Sudeste do Brasil, Minas
Gerais faz fronteira com outros seis
estados: a leste, do outro lado da
Serra da Mantiqueira, estão Espírito
Santo e Rio de Janeiro; Bahia ao norte,
depois do vale do rio Jequitinhonha
e do médio São Francisco; São Paulo
ao sudoeste, atravessando o rio
Grande; e a oeste, por fim, Goiás e
Mato Grosso do Sul. Com seu território
recoberto, ao menos originalmente,
pela Mata Atlântica, pelo Cerrado e
366
pela Caatinga, Minas Gerais possui
um imponente leque de espécies
endêmicas, tanto em sua fauna
quanto na flora, que estimulam a
criação de áreas de preservação e
proteção reguladas por instâncias
administrativas em níveis municipal,
estadual e federal. Contudo, as
pressões realizadas pelo desejo de
expansão de determinadas atividades
econômicas, sejam extrativas ou de
cultivo, limitam as estratégias para
assegurar a manutenção a longo
prazo dos recursos naturais.
Formando um arco que cobre o
leste e o sudeste do estado com
suas matas densas, compostas por
árvores de folhas largas e perenes,
a Mata Atlântica já ocupou quase
metade do território mineiro. Sua
vegetação heterogênea abriga uma
diversidade biológica de enorme
valor: 27% do total de espécies
de plantas do planeta podem ser
encontradas nesse bioma, sendo 8
mil endêmicas, isto é, só existem na
região. E, dos mamíferos registrados
no estado, um terço é exclusivo da
Mata Atlântica – como o muriquido-norte, o maior primata das
Américas e integrante da lista de
mais ameaçados mundialmente.
A Mata Atlântica pertence ao
Domínio dos Mares de Morros,
domínio morfoclimático que
abrange, em Minas Gerais, as
serras da Mantiqueira, Canastra,
Espinhaço e do Caparaó. Esse relevo
acidentado ganhou tal nome devido
aos seus morros arredondados, os
quais parecem desenhar ondas no
horizonte e que também recebem
a alcunha de “meias-laranjas”.
Abastecida por algumas das maiores
redes fluviais do estado, como as
encabeçadas pelos rios Doce, Mucuri
e Grande, a Mata Atlântica deve sua
exuberância, em parte, ao regime
estável e bem distribuído de chuvas.
A abundância hídrica, além de atrair
a presença humana, contribui para
a impressionante biodiversidade do
bioma.
A região é também uma das mais
devastadas desde o período colonial,
devido aos processos de conversão
das matas em áreas produtivas, e
atualmente apresenta altos níveis
de degradação, sobretudo no
solo, já muito erodido e exposto.
Isso se deve, em parte, à intensa
urbanização da área inicialmente
ocupada por essa formação vegetal,
já que aproximadamente 15 milhões
de mineiros habitam a região de
ocorrência da Mata Atlântica,
distribuídos em mais de 600 municípios
que utilizam os recursos hídricos e
geológicos ao seu redor. Afinal, um dos
fatores que mais contribuíram para o
desmatamento e a degradação do
bioma é a área de ocorrência deste,
em uma região que é polo industrial
e do agronegócio.
Em Minas Gerais, remanescentes
da Mata Atlântica variam entre 10
a 26,9% da cobertura original, sendo
que menos de 2% estão em áreas de
proteção integral, regulamentadas
pelo governo. A fragmentação e
o isolamento dos hábitats, nessas
circunstâncias, aceleram a redução
da biodiversidade do bioma e
aumentam a necessidade de
urgência para a criação de políticas
de preservação. O estado conta com
a presença de espécies como o tatu
peludo, a jaguatirica, a capivara e o
gavião de penacho – dos mamíferos,
entre as 270 espécies do bioma no
território nacional, 70% estão em
Minas Gerais; e das aves, 785 espécies
dentre as 1023 registradas no Brasil
podem ser encontradas no estado,
sendo 54 endêmicas. No extenso
catálogo de espécies vegetais,
muitas produzem frutos típicos da
região que fazem parte do cardápio
local, como a jabuticabeira, a
goiabeira e a pitangueira. Bromélias,
samambaias e orquídeas dividem o
espaço com árvores de maior porte,
como uvaia, ipê, jatobá, araçá,
jacarandá e pau-brasil – que, graças
ao seu altíssimo valor comercial para
a construção de móveis finos e a
extração de uma resina usada como
corante de tecidos, foi o primeiro
alvo dos colonizadores ao aportarem
nas terras brasileiras e iniciarem o
desmate da Mata Atlântica.
No alto das serras que cercam a
Mata Atlântica, principalmente as
do Espinhaço e da Mantiqueira –
na porção a nordeste e ao sul de
367
Minas Gerais, respectivamente –
um bioma menor, caracterizado
por uma formação especializada
e que, muitas vezes, é considerado
um ecossistema do cerrado: os
campos rupestres ou de altitude, cuja
diferença é baseada em condições
topográficas e na distância relativa
ao oceano. Constituídos por uma
vegetação de menor porte, os
campos são predominantemente
herbáceos, compostos por plantas
rasteiras, ervas e capins e com
poucas árvores e arbustos, mas que
possuem alto grau de endemismo, ou
seja, espécies nativas e específicas
de determinada região. Frágil, o
ecossistema ocorre em altitudes
geralmente superiores a 900 metros
e em solos ácidos, finos e pobres em
nutrientes. Como em tantos outros
ecossistemas e biomas, as maiores
ameaças aos campos rupestres
estão na mineração, na pecuária
e no extrativismo vegetal não
controlado, além das consequências
decorrentes da contaminação dos
lençóis freáticos, das alterações na
qualidade do ar e da aceleração da
erosão.
Atravessando a Serra do Espinhaço,
que corta o estado da divisa com
a Bahia até a região central, onde
se localiza a capital, Belo Horizonte,
a Mata Atlântica se transforma,
aos poucos, no segundo maior
bioma da América do Sul e o mais
extenso de Minas Gerais. O cerrado,
internacionalmente conhecido como
368
a mais rica savana do mundo, está
especialmente presente ao redor
das bacias dos rios São Francisco
e Jequitinhonha e, juntamente
com a Mata Atlântica, é um dos
hotspots que requerem atenção.
Suas cifras de biodiversidade,
extensão e endemismo são tão
impressionantes quanto os dados
referentes à devastação da
vegetação nativa. Se cerca de
57% de Minas Gerais era ocupada
pelo cerrado, atualmente restam
menos de 40% da cobertura original,
devido aos efeitos da expansão, em
grande escala, da agropecuária. O
segundo maior rebanho do Brasil,
afinal, precisava de espaço para
crescer, e a solução encontrada,
sobretudo no Triângulo Mineiro, foi
a implantação de pastagens com
gramíneas exóticas, isto é, espécies
introduzidas em um ecossistema do
qual ela originalmente não fazia
parte, instaurando um processo
de invasão biológica que ameaça
diretamente a biodiversidade de um
ecossistema.
A imagem é de campos pouco
acidentados cobertos por gramíneas,
arbustos e árvores baixas, mas
de raízes profundas, e de tronco
retorcido, bastante espaçadas entre
si, sobre um solo de cor avermelhada.
E é o solo, ao lado do bem definido
regime de chuvas, com uma estação
seca seguida de uma chuvosa,
quem contribui para essa formação
vegetal bastante específica. A
acidez dos solos, devido à alta
concentração de alumínio em sua
composição, além de elevados níveis
de ferro e manganês, os torna tóxicos
para diversas espécies vegetais,
sobretudo as utilizadas na agricultura.
Entretanto, tecnologias de correção,
como a aplicação de calcário para
neutralizar a acidez e a adubação,
permitiram que o solo impróprio para
plantio se convertesse em uma das
regiões mais produtivas no âmbito
agropecuário, tanto na cultura de
grão e árvores frutíferas quanto para
a criação de rebanhos.
Diversas formações vegetais tecem,
juntas, as paisagens do cerrado em
sua forma nativa. Campos limpos,
cerrados e sujos se alternam, com
diferenças na predominância de
gramíneas e na presença de árvores,
e, em áreas específicas, dão lugar a
fisionomias características, como é
o caso das veredas, das matas de
galeria e do cerradão. Este último
é uma formação marcada pela
existência dos três estratos vegetais –
vegetação rasteira, arbustos e árvores
menores, e árvores que podem atingir
12 metros de altura –, enquanto as
veredas ocorrem em locais onde o
lençol freático aflora à superfície,
possibilitando o crescimento de
espécies próprias. No cerrado,
as veredas são especialmente
valorizadas graças à presença dos
buritis, palmeira aproveitada quase
que integralmente pelas populações
rurais no artesanato, na culinária e
para a obtenção de madeira. Já
as matas de galeria, comumente
encontradas em vales ou nas
cabeceiras de rios, acompanham
os cursos d’água, sobretudo os de
pequeno porte, nos planaltos do Brasil
central. Essas faixas se diferenciam de
seus arredores por serem formadas
por árvores de maior porte, enquanto
a vegetação circundante é de
campos ou savanas de gramíneas e
arbustos.
O cerrado traz numerosos exemplos
de como a população se constrói
juntamente com o meio ambiente.
Além do buriti e seu valor para
as comunidades próximas de
veredas, outras árvores exercem
papel fundamental na economia
regional enquanto fontes de renda
para moradores, como o pequi,
cujos frutos integram a dieta dos
habitantes do norte de Minas; a
copaíba, cujo óleo possui diversas
aplicações; a candeia, de onde se
retira madeira para a fabricação
de cercas, telhados e coberturas, e
folhas com usos medicinais; e a fava
d’anta, da qual se extrai a rutina,
substância largamente empregada
na área farmacêutica. As próprias
veredas são elementos indissociáveis
do imaginário cultural mineiro, tendo
figurado como parte da paisagem do
sertão em uma das obras primordiais
da literatura brasileira – Grande
Sertão: Veredas, do escritor mineiro
João Guimarães Rosa.
369
Se o cerrado é composto por
diferentes formações vegetais, ele
é habitado por espécies animais
adaptadas às especificidades de
cada uma. Da copa das árvores mais
altas, onde predominam primatas
como o macaco-prego e o bugio,
aos campos mais abertos, que
favorecem herbívoros como o veadocampeiro, carnívoros como o loboguará e aves de maior porte, como a
ema e a seriema, o bioma é povoado
em todos os seus estratos, cantos e
pedaços por exemplares únicos de
uma fauna e flora excepcionalmente
ricos.
A expansão da fronteira agrícola,
que coloca em risco a diversidade de
espécies vegetais, tão importantes
para a organização socioeconômica
e cultural das comunidades
sertanejas de Minas, é também uma
ameaça para a fauna do bioma. É o
desmatamento da cobertura nativa
o principal responsável pela perda de
hábitats a redução das populações
silvestres, sob variados pretextos
e com inúmeras consequências.
A demanda por carvão vegetal
para o abastecimento da indústria
siderúrgica e a utilização do solo
por suas características propícias
à agricultura monocultora e à
pecuária extensiva se combinam
à intensificação das queimadas,
já recorrentes no ecossistema,
realizadas deliberadamente para a
retirada da cobertura vegetal nativa
antes do plantio e da formação de
370
pastagens; à poluição e redução de
aquíferos, as formações geológicas
subterrâneas que armazenam água,
cruciais para a sobrevivência das
espécies vegetais e animais; e ao
assoreamento das áreas de vereda
para acentuar a degradação do
cerrado.
Em contraste às muitas paisagens
florestais presentes em todo o Brasil, o
cerrado é erroneamente considerado
um sertão pobre, quase desértico –
e que, em Minas Gerais, se estende
ao domínio da caatinga, no extremo
norte do estado, entre os vales dos
rios Jequitinhonha e São Francisco. A
imagem do sertão mineiro data das
primeiras entradas de bandeirantes,
quando o interior era visto como o
lugar bravio, bárbaro e desconhecido
a ser civilizado. Com o passar dos
séculos, o sertão se tornou o oposto
da modernidade e do progresso,
atraindo o interesse de políticas
desenvolvimentistas que costumam
negligenciar a identidade cultural,
histórica e ambiental da região
que se formou como fronteira que
recua e se desloca com os esforços
de urbanização. E o sertanejo, que
se organiza principalmente em
comunidades rurais, se constrói de
forma independente dos núcleos
urbanos do leste e do centro, após
ter atravessado os ciclos econômicos
e de desenvolvimento com pouco
contato em relação ao restante do
estado.
O cerrado ocupa a parte mais
expressiva do que se conhece como
sertão mineiro, mas a pequena
porção de caatinga, cuja área não
chega a 2% do território do estado,
possui brilho próprio. Os espinhos e os
galhos secos da caatinga são marcas
de uma região onde os recursos
hídricos são escassos, o que influencia
a ocorrência de uma vegetação
predominantemente arbustiva, com
raras manifestações arbóreas. Por
estar localizada no Polígono das
Secas, região de elevado índice
de deficiência hídrica, a caatinga
permanece associada a um cenário
de extrema desigualdade social, que
reforça a carga negativa vinculada
ao sertão – inóspito, isolado,
esquecido.
Entre os três grandes biomas presentes
em Minas Gerais, a caatinga é a que
possui a maior área protegida em
unidades de preservação integral.
Ironicamente, é o ecossistema
que possui o menor repertório de
conhecimento técnico e de registros
acerca de suas formações vegetais e
espécies animais. Sua biodiversidade
não foi estudada e analisada a fundo,
o conhecimento científico construído
é incompleto, mas sua cobertura
nativa continua a ser devastada
para a transformação em pastagens,
queimada como preparação do solo
para usos agrícolas, e desmatada
para satisfazer as demandas
de carvão vegetal. Embarés,
mandacaru, pau-ferro e angicos
são espécies arbóreas comuns; preá,
cutia e a ave asa-branca estão entre
os animais que ocupam esse lado do
sertão.
Na transição entre os três principais
biomas, estendida sobre o maciço
central do estado, está a Serra do
Espinhaço: a espinha dorsal das
Minas, que em seus mais de mil
quilômetros de extensão guarda
exemplos da pluralidade das
paisagens mineiras. Denominada de
“cordilheira brasileira” e formada por
dobramentos geológicos acontecidos
há mais de 2,5 bilhões de anos, o
Espinhaço reúne serras, cachoeiras,
rios, lagos, chapadas e cânions
que abrigam alta biodiversidade
e elevado endemismo. Dessa
paisagem montanhosa, referência
histórica, cultural e ecológica para
mineiros e forasteiros, começou a
ocupação mais definitiva do território,
principalmente depois da descoberta
do ouro. Hoje, a serra atrai pela bela
cenografia, que chama a atenção
de turistas ao prometer experiências
de convívio próximo com a flora, a
fauna e os personagens da região.
O estado montanhês, a “Suíça
brasileira”, como chamou Guimarães
Rosa, tem mais do que montanhas,
morros e serras. Embora essas
formações geológicas sejam os
elementos mais imediatamente
reconhecíveis das paisagens mineiras,
Minas vai além delas. Os rios, ribeirões
e nascentes que conectam o estado
371
a outras partes do país demarcam
fronteiras e são ecossistemas ricos
em biodiversidade. Mas rio, serra e
mata não estão separados entre si
e tampouco existem isoladamente:
constroem ecossistemas únicos,
povoados por espécies variadas
(em alguns casos, exclusivas de suas
regiões), e caracterizados por uma
relação dinâmica de recursos e
caminhos.
Pode ser que ninguém saiba Minas.
Mas é certo que ela está aí para ser
(re)descoberta.
2. O que vem de Minas e o que
dela fizemos: exploração dos
recursos naturais e impactos no
meio ambiente
As Minas são Gerais porque,
depois de um surto de exploração
mineradora que fez história, um
território que, até o final do século
XVII, não passava da promessa de
riquezas para a Coroa portuguesa, se
transformou em uma capitania que
brilhava dourado. E, com a bonança
da corrida do ouro, iniciou-se um longo
processo de ocupação, exploração
e aproveitamento do território
mineiro, que apresentava novas
possibilidades de enriquecimento
e desenvolvimento a cada nova
região “descoberta”. Mais do que
encontrar e garimpar as jazidas do
metal precioso ao longo da cadeia
do Espinhaço, entre as bacias do rio
372
Doce, a leste, e do São Francisco, a
oeste, os que chegavam às Minas
se estabeleceram também em
atividades econômicas secundárias,
como a agropecuária, o comércio
e a prestação de serviços nas vilas e
arraias que surgiam.
No entanto, a mineração se
consagrou como o empreendimento
de destaque da história mineira, um
dos maiores responsáveis pela fixação
de uma população significativa
no estado e referência cultural. O
garimpo do ouro durante o século
XVIII, porém, deixou marcas profundas
não só na paisagem cultural, mas
provocou impactos inegáveis na
conformação atual da superfície
e da geografia mineiras. Se quem
viajava pela Minas setecentista se
surpreendia com a terra esburacada,
os morros destruídos e a água suja
dos ribeirões, estudos comprovam
que a mineração acelerou
processos naturais de modificação
da paisagem, na qual o extrativismo
mineral reduziu o nível de lençóis
freáticos, contaminou cursos d’água
e removeu grandes quantidades
de solo das serras – o que se deve
às técnicas utilizadas tanto pelos
garimpeiros independentes em suas
empreitadas quanto na mineração
de profundidade, realizada por
escravos. Da bateia que separava
o ouro de aluvião da areia do leito
dos rios aos canais cavados para
decantar o cascalho aurífero, além
dos túneis perfurados na rocha
que provocavam desabamentos
frequentes, os mineradores
desenvolviam práticas que os
permitiam explorar, da forma mais
eficiente possível, as jazidas de ouro
que garantiriam seu enriquecimento.
Consolidada a ocupação de Minas
Gerais, vieram outras atividades
econômicas e a expansão urbana,
as quais modificaram a paisagem,
também de maneira intensa. Nas
regiões de cerrado, por exemplo,
a pecuária se estabeleceu como
prática eficaz para assegurar a fixação
de populações e comunidades,
sobretudo ao longo de grandes rios e
seus afluentes, como o São Francisco.
Já no século XXI, Minas possui o
segundo maior rebanho bovino do
Brasil – 22,2 milhões de cabeças de
gado, segundo o censo agropecuário
de 2006 – e pastagens que são
uma das principais causadoras da
perda de hábitats no estado. O uso
de queimadas é uma estratégia
comum para preparar o terreno
para a plantação de espécies de
capins que, não raro, são exóticas
aos ecossistemas mineiros devasta
a cobertura vegetal e prejudica a
qualidade do solo.
Assim como a pecuária, o
agronegócio possui participação
expressiva no cenário econômico
e produtivo mineiro, mas convive
com lavouras familiares voltadas
para a subsistência. Logo, técnicas
de manejo e plantio variam entre
as áreas de cultivo, influenciadas
pelas características climáticas e
dos terrenos, enquanto a própria
produção se diversifica em diferentes
regiões do estado: monoculturas
de soja e milho concentradas
principalmente no Triângulo e no
Alto Paranaíba contrastam com
agricultura familiar e de subsistência
em pequenas propriedades, que
dão preferência ao plantio de grãos
como arroz, feijão e trigo. Contudo,
propriedades de menor porte nem
sempre se limitam a produções
restritas ao consumo próprio, como
ocorre no centro-oeste, sul e noroeste.
O regime de chuvas, as condições
do relevo e o perfil dos solos ditam
o tipo de lavoura a ser praticada e
os investimentos a serem realizados
para viabilizar a agricultura.
Os solos menos nutritivos da
região central, associados ao
relevo acidentado, restringem a
produção agrícola para lavouras
de subsistência no que é o maior
mercado consumidor de produtos
agropecuários. Já no Triângulo,
tecnologias de correção de solo e
o emprego de maquinário pesado
tornam o cerrado uma das principais
áreas de extensas monoculturas
direcionadas para a exportação –
soja, milho, laranja e cana-de-açúcar
são os produtos de maior destaque
dentre as propriedades da região. No
centro-oeste, o tino comercial é forte
nas lavouras de pequeno e médio
porte, cujas produções de milho
373
e cana-de-açúcar são a terceira
e a segunda maiores do estado,
respectivamente. E, em oposição
até mesmo aos menores cultivos
familiares, o Jequitinhonha entra na
lista como a região agropecuária
menos desenvolvida de Minas,
marcado pelo solo empobrecido,
pela ameaça de desertificação
acelerada por práticas rudimentares
e pelos elevados índices de miséria e
analfabetismo.
A maioria dessas práticas agrícolas,
entretanto, se reúnem sob um mesmo
aspecto. Todas causam extensivos
impactos nos ecossistemas em que
são realizadas, devido a técnicas
e práticas de preparação para
o cultivo e nas lavouras. Além da
questão do desmatamento, em que
grandes áreas de cobertura vegetal
são retiradas para a implantação
de lavouras e pastagens, o uso
de produtos agroquímicos que
contaminam solo, aquíferos e rios
ao serem removidos pelas chuvas,
e plantios realizados em áreas
que desconsideram as limitações
e especificidades das formações
geológicas locais desencadeiam
processos de assoreamento de
cursos d’água, através do transporte
de sedimentos para rios, como os
das bacias do São Francisco, Doce
e Grande, e de erosão dos solos.
Pastos degradados, solos revirados
e expostos e rios turvos são cenários
comuns em todo o território mineiro.
374
Mas a produção agropecuária não
pode parar, às custas de prejudicar
a exportação de insumos agrícolas
e o abastecimento de mercados
consumidores urbanos em Minas
Gerais e em outras regiões do Brasil. E
as cidades não só absorvem recursos
naturais e produtos provenientes das
atividades agropecuária e extrativista.
Verdadeiros metabolismos, tudo o
que entra também sai – na forma
de resíduos, efluentes domésticos,
industriais e comerciais, e dejetos.
Quem reside em núcleos urbanos
convive com espécimes de fauna e
flora típicos de cidades, precisa lidar
com o lixo que produz, pode estar
rodeado por áreas ditas verdes ou
com maior concentração de árvores
e vida animal, ou, ainda, próximo
a rios e cursos d’água. A cidade
é uma paisagem em si, embora
faça igualmente parte de uma
composição mais ampla, e se insere
no ambiente como serras ou matas
– certamente, não da mesma forma,
mas capaz de exercer influência
até mais impactante nas dinâmicas
ecológicas.
O intenso e desordenado processo
de urbanização em Minas Gerais,
assim como em diversas outras regiões
do país, é refletido nas consequências
ambientais que comprometem a
qualidade de vida dos habitantes e
fortalecem os riscos aos ecossistemas
próximos. Falar dos impactos urbanos
à sociedade e ao meio ambiente
e à crise ambiental experienciada
pelas metrópoles brasileiras requer
menção ao contexto de degradação
impulsionado pelo desenvolvimento
urbano. Desde a implantação
da cidade aos momentos de
crescimento e exp a nsão, do
transporte urbano à indústria
pesada, causas e consequências
tornam o desafio de estabelecer
práticas ecologicamente corretas e
de menor impacto ainda maior. O
desmatamento e a destruição da
cobertura vegetal nativa e o uso da
rede hídrica acarretam a redução
de áreas verdes, o aumento da
ocorrência de enchentes e do
risco de desabamentos, graças
ao exagero da capacidade de
impermeabilização do solo; o
desaparecimento de recursos
hídricos, como nascentes, veredas
e lagoas, bem como a redução
de lençóis freáticos; a poluição e
a contaminação dos mananciais
de água e rios dentro e fora das
cidades; a contaminação do ar, por
meio da emissão de gases como o
monóxido de carbono, o dióxido
de enxofre, óxidos de nitrogênio,
compostos orgânicos e partículas
sólidos em suspensão, podendo
alterar condições de saúde crônica
e aumentar a incidência de doenças
respiratórias como bronquite, rinite,
pneumonia, asma, DPOC (Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica) e
câncer de pulmão, além de provocar
irritações nos olhos, garganta e
nariz; e a poluição do solo, através
de dejetos tóxicos, resíduos sólidos
e lixo não tratado despejados em
locais inadequados são algumas das
situações complexas existentes nos
núcleos urbanos contemporâneos.
Cidades alteram condições e
sistemas topográficos, hidrográficos,
atmosféricos e biológicos, e os
efeitos danosos ao meio ambiente
físico, como a perda de hábitats e
a degradação de ecossistemas,
reduzem populações silvestres, mas
também humanas. A queda na
qualidade de vida em cidades com
altos índices de poluição, seja da
água, do solo ou do ar, interfere na
saúde de seus habitantes, provocando
doenças respiratórias, aumento de
mortalidade e, em locais onde a rede
de esgoto e de tratamento de água
não funciona adequadamente,
doenças infecciosas.
Nas paisagens urbanas, estão
incluídos os parques industriais, que
contribuem para a exaustão dos
recursos vegetais, hídricos e minerais
através de sua elevada demanda.
A atividade industrial preenche
uma fatia significativa do PIB de
Minas Gerais, o terceiro em valor
do país, e respondeu por 43%, ou
US$ 9,5 milhões, das exportações do
estado no ano de 2016 – cujo setor
mais importante, nesse quesito, é o
de extração de minerais metálicos.
Diversa, a composição industrial
mineira, de extração e transformação,
engloba, em primeiro lugar, a
construção, seguida de mineração,
375
metalurgia e alimentos, mas que
conta também com automação,
químicos, maquinário, vestuário e,
dentre outros, celulose e papel.
Todos esses setores, contribuintes
fundamentais para o crescimento
econômico do estado, estabelecem
uma relação prejudicial com o
meio ambiente. Poucas são as
práticas e normas de regulação que
neutralizam os impactos derivados da
captação de recursos e da poluição
e contaminação dos ecossistemas.
Os rios são vistos como canais de
transporte e descarte de esgotos e
dejetos; as reservas minerais, metálicos
ou não, estimulam a exploração em
grande escala; e áreas de cobertura
vegetal nativa são reflorestadas com
espécies exóticas, como o eucalipto
e o pinus, usadas na produção
de lenha, celulose e de carvão
vegetal para abastecer o parque
siderúrgico. A questão do eucalipto e
do pinus é especialmente delicada:
a monocultura em larga escala
dessas espécies avança sobre áreas
originalmente ocupadas por biomas
nativos, reduz a biodiversidade local,
interfere negativamente no nível dos
lençóis freáticos e desgasta o solo. O
eucalipto, originário da Austrália, é
amplamente utilizado em estratégias
de reflorestamento, e Minas Gerais
é o estado com as maiores florestas
desse tipo – aproximadamente um
milhão de hectares.
376
O principal argumento dos
defensores do uso do eucalipto
para o reflorestamento está no fato
de que uma floresta composta por
essa espécie tem a capacidade
para absorver e fixar cerca de oito
toneladas de carbono por hectare
ao ano. Ademais, o setor florestal
contribui para a geração de empregos
e rende uma parcela considerável do
PIB estadual. Contudo, a monocultura
de eucalipto é preocupante devido
às características da árvore e sua
presença em um hábitat tão distinto
do original. O eucalipto cresce
rapidamente, um benefício para
cultivadores, mas consome mais
água do que espécies endêmicas e
locais, aspecto esse que conduz à
degradação de fontes hídricas graças
à diminuição do fluxo de água. Uma
única espécie em extensas florestas
significa uma menor diversidade de
fauna e flora, e mais: o solo fica mais
propenso à erosão em consequência
do maior escoamento de água, que
não é devidamente absorvida pelas
árvores. Em seu estágio final, esse
processo acarreta a desertificação
de áreas do cerrado e da caatinga,
principalmente.
Além dos problemas ambientais, áreas
de reflorestamento com eucalipto
invadem territórios inicialmente
ocupados por comunidades locais,
ocasionando impactos de ordem
social, como ocorre em Canabrava,
no noroeste mineiro. Conflitos entre
moradores da região e a empresa
V&M, que atua no local, suscitados
pelo desmatamento do cerrado
nativo e a redução do acesso dos
habitantes aos recursos naturais,
culminou na morte de um lavrador por
seguranças terceirizados em 2007. A
monocultura elimina a biodiversidade
que fazia parte do cotidiano e da
obtenção de renda de populações
interioranas, dependentes de
espécimes do cerrado para o
aproveitamento da lenha e a
coleta de frutos. Simultaneamente,
o desgaste dos recursos hídricos
interfere nas dinâmicas de produção
agrícola e criação de animais
nas pequenas propriedades. No
Vale do Jequitinhonha, políticas
governamentais de incentivo à cultura
de eucalipto até meados da década
de 1990 depredaram a vegetação
nativa, aceleraram a desertificação,
empobreceram o solo e reduziram
as áreas agricultáveis. Justamente
na região mineira que mais sofre
com altos índices de desigualdade
social e de renda, e onde os níveis
de analfabetismo, mortalidade e
desnutrição estão entre os maiores
do estado, o cultivo de eucalipto
em larga escala origina questões
socioeconômicas vinculadas à oferta
limitada de emprego, à carência de
investimentos na área e à redução
da oferta de recursos naturais para
uso das populações locais.
Banhada por importantes bacias
hidrográficas, Minas possui represas
e barragens de grande porte,
além de viabilizar a instalação de
usinas hidrelétricas em alguns dos
principais rios. Embora a construção
de usinas dessa natureza seja uma
forte responsável pela perda de
hábitats e áreas naturais, por meio
da inundação de terras produtivas
e da cobertura vegetal, o potencial
elétrico produzido no estado e
transmitido para várias regiões
brasileiras se mantém como obstáculo
à transição para fontes energéticas
renováveis e menos prejudiciais ao
ambiente. A Companhia Elétrica de
Minas Gerais (Cemig), importante
concessionária de energia e que
responde pela maior parte do
abastecimento do estado, opera, no
total, 110 usinas, sendo 84 hidrelétricas.
Suas três maiores hidrelétricas são
as de São Simão e Emborcação,
no Parnaíba; Nova Ponte, no rio
Araguari; e Jaguara, no rio Grande –
perfazendo um potencial energético
total de 3.826.000 megawatts. Já a
usina de Furnas é famosa não só
pelo elevado potencial energético
de 1.216 megawatts, distribuído
em oito usinas, mas também pelo
extenso reservatório, que banha 34
municípios. Localizada no trecho do
rio Grande denominado “Corredeiras
das Furnas”, a usina foi instalada no
início dos anos 1960 para prevenir o
colapso do sistema elétrico nacional
e é operada pela empresa de mesmo
nome, vinculada ao Ministério de
Minas e Energia, subsidiária da
Eletrobrás e de economia mista.
377
Das primeiras descobertas de metais
preciosos às reservas de minério de
ferro que levaram o Brasil ao posto
de maior exportador do mineral no
mundo, Minas Gerais se mantém
conhecido como o estado das jazidas
e minas. Mas as riquezas com as quais
se sonhava no século XVIII mudaram
de cor. Minas é o principal produtor
brasileiro de ferro e responde por
metade da produção nacional – só
no Quadrilátero Ferrífero, região na
porção central do estado, entre as
serras do Caraça, de Ouro Branco,
do Curral e o pico de Itabirito, estão
localizadas jazidas responsáveis por
quase 50% da produção mineral
brasileira –, reforçando a ideia de
que, no estado, a mineração exerce
papel fundamental na ocupação
do território, no estabelecimento de
núcleos urbanos e no desenvolvimento
econômico. E não é só o ferro que
faz o mundo direcionar o olhar para
as serras mineiras. Nióbio (que tem
em Araxá, no Triângulo Mineiro, a
maior reserva do mundo), manganês,
bauxita, níquel, tantalita, ouro,
fosfato, zinco, calcário e enxofre
estão entre os bens que impulsionam
a indústria minerária em Minas Gerais
e, em cada uma das minas e reservas,
provocam impacto próprios dessa
atividade aos ecossistemas.
A “Minas Gerais do ferro”,
influenciada
por
políticas
nacionalistas de desenvolvimento
industrial mas de portas abertas para
empresas estrangeiras, começou a se
378
transformar definitivamente a partir
da década de 1950, com a instituição
de planos de especialização na
produção do estado. A base
industrial seria encabeçada pela
siderurgia, e a dinamização e
modernização da região central
tomou novos rumos com a fundação
de um parque industrial em Betim, em
1938. Uma década depois, foi a vez
de Contagem e Ibirité, municípios
industriais cuja construção acelerou
o ritmo de desmatamento na região
metropolitana de Belo Horizonte
e aumentou as pressões sobre as
bacias dos entornos, sobretudo do
Rio das Velhas, o maior afluente do
São Francisco, e do Paraopeba.
O crescimento econômico não
deve, mas frequentemente é visto
como algo oposto à preservação do
meio ambiente. Em áreas de intensa
atividade mineradora, discute-se essa
questão com ainda mais atenção,
por efeito das ameaças aos sistemas
hidrográficos, à topografia, às
populações silvestres e às coberturas
vegetais nativas. Como em tantas
outras práticas produtivas, precisase remover a vegetação; rebaixase o nível dos lençóis freáticos com
o uso dos recursos hídricos, e rios
são contaminados com elementos
tóxicos empregados na mineração;
nascentes desaparecem, o ar
é poluído pela suspensão de
partículas sólidas; rios sofrem com
o assoreamento, alterações de pH,
redução do oxigênio na água e têm
seus leitos revolvidos; a utilização de
explosivos e a construção de túneis,
canais e dutos modifica e danifica a
estrutura dos solos, além de destruir e
isolar hábitats de espécies animais. Se
feita de acordo com todas as normas
e regulamentações definidas por
órgãos governamentais, a mineração
já é predatória o suficiente para se
estabelecer como um dos principais
causadores de crises ambientais.
Quando acidentes ocorrem, as
consequências podem chegar ao
nível de catástrofe. É o que aconteceu
em novembro de 2015, na região de
Mariana, no Quadrilátero Ferrífero.
Empresas produtoras de bens
minerais são tão abundantes em
Minas Gerais quanto as reservas desses
recursos, e movimentam recursos
financeiros, pessoais e administrativos
de grande porte. Vale, AngloGold
Ashanti, Samarco, Arcelor Mittal,
Vallourec & Mannesmann Mineração,
Usiminas e Votorantim são apenas
alguns dos nomes mais conhecidos
pelos mineiros, não só por serem
empregados dessas indústrias, mas
porque parte da economia mineira
transita em torno delas. Atividades
mineradoras tendem a formar
economias de aglomeração ao seu
redor, que se organizam de acordo
com as dinâmicas demográficas
e comerciais da região. Mas foi o
nome que se destaca entre todos,
após penúltimo mês de 2015, é
o da Samarco, controlada pela
mineradora brasileira Vale e pela
australiana BHP Billiton, e que foi o
ponto de partida do que se tornou o
maior desastre ambiental da história
do país.
O rompimento de barragens
contendo rejeitos industriais e
minerários não é incomum. O
primeiro acidente registrado data
de 1986, na Mina de Fernandinho,
em Itabirito, e deixou sete mortos.
Em 2001, uma barragem rompeu
em São Sebastião das águas Claras,
na mineradora Rio Verde, carregou
rejeitos por seis quilômetros, deixou
cinco mortos, soterrou um córrego
e destruiu uma adutora da Copasa;
uma barragem contendo rejeitos da
produção de celulose da Indústria
Cataguases de Papel contaminou
o córrego do Cágado e o rio
Pomba com 1,4 bilhões de litros de
lixívia negra, um composto químico
resultante do cozimento de madeira
para produção de celulose, e 600 mil
pessoas ficaram sem água; quatro
anos depois, em Miraí, a barragem da
mineradora de bauxita Rio Pomba/
Cataguases liberou 2 milhões de m3 do
mineral na cidade e em outros quatro
municípios; e, em 2014, três mortes
foram causadas pelo rompimento
de uma barragem na mina Retirado
do Sapecado, em Itabirito, a 55
quilômetros de Belo Horizonte.
Extremamente prejudiciais ao meio
ambiente e à sociedade mineira,
todos foram. Porém, o desastre da
Samarco os ultrapassa devido ao
colossal volume dos danos causados:
379
55 milhões de metros cúbicos de
rejeitos de mineração foram liberados
da barragem do Fundão, dos quais
34 milhões chegaram à bacia do
rio Doce e percorreram mais de
660 quilômetros de cursos d’água
em direção ao oceano Atlântico.
Dezenove pessoas morreram e quatro
mil foram diretamente atingidas.
Quando a lama formada por resíduos
provenientes da lavagem do minério
de ferro arrebentou a estrutura da
barragem do Fundão, os milhões de
metros cúbicos desceram na direção
do rio do Carmo, que deságua
no rio Doce, e dos municípios de
Mariana, cujos distritos de Bento
Rodrigues e Paracatu de Baixo
foram completamente destruídos,
Barra Longa e Rio Doce. Ao longo
do caminho, a lama atingiu a usina
hidrelétrica de Candonga, já no rio
Doce, aonde foi parcialmente retida
até seguir seu curso de encontro à
foz no Atlântico, à beira do município
capixaba de Regência, depois
de ter passado por cidades como
Governador Valadares, Resplendor
e Colatina.
Reivindicações e manifestações
contra a impunidade das empresas
envolvidas eclodiram pelo país.
Investigações do IBAMA, da Polícia
Civil e do Ministério Público do Estado
de Minas Gerais revelaram várias
falhas na estrutura da barragem,
que apresentara problemas de
drenagem, rachaduras e tivera a
380
sua capacidade de armazenamento
aumentada para além dos limites
recomendados em 2015. Tampouco
havia um plano de contenção a ser
posto em operação no momento da
crise, cujas dimensões aterrorizaram o
país. Finalmente, as três mineradoras
– Samarco, Vale e Billiton – foram
intimadas a pagar o valor de vinte
bilhões de reais, ao longo de vinte
anos, para indenizar indivíduos,
empresas, municípios e negócios
danificados pelo rompimento
da barragem e para reparar e
compensar os impactos e prejuízos.
Calcula-se que os prejuízos
econômicos tenham chegado à
escala de R$140 milhões na esfera
pública e R$340 milhões para as
iniciativas privadas associadas à
Samarco e à economia da região.
Os danos ambientais, por sua vez,
não são facilmente mensurados,
e tampouco é possível conferir um
valor ao que os habitantes das
comunidades locais perderam –
vidas, casas, bens materiais que
carregavam, cada um, suas histórias.
Rios contaminados por metais tóxicos
à vida e aos ecossistemas aquáticos,
erosão e compactação dos solos,
fragmentação de hábitats, redução
drástica na biodiversidade e nas
populações de animais, tanto peixes,
anfíbios e répteis quanto mamíferos e
aves, formam uma lista sintética dos
impactos provocados pelo desastre,
o qual atingiu áreas de preservação
permanente, o Parque Estadual do
Rio Doce e o Parque Nacional Sete
Salões. A lama levou tudo consigo, e
não deixou nada além de destroços
em seu rastro.
3. Um futuro sustentável?
– Iniciativas e projetos de
conservação em Minas Gerais
Com tantas ameaças e riscos, e
biomas cada vez mais fragmentados,
espalhados em reservas pequenas
para sustentar a biodiversidade
que deveriam apresentar em sua
extensão territorial, as previsões para
o futuro socioambiental de Minas
Gerais parecem pessimistas. Mas
ações empreendidas por órgãos
governamentais e associações da
sociedade civil se esforçam para
estabelecer políticas de preservação,
áreas de proteção e projetos de
restauração ecológica, em uma
tentativa de reverter essas previsões
tecidas pelos índices de poluição,
degradação e desmatamento, e
para provar que meio ambiente e
crescimento econômico não são
inimigos – mas podem se desenvolver
juntos.
Criado em 1962, o Instituto Estadual
de Florestas (IEF) se responsabiliza pela
elaboração e execução de políticas
ambientais ligadas à biodiversidade,
às florestas e aos recursos naturais
renováveis no estado de Minas
Gerais. Desde 1995, o instituto está
vinculado à Secretaria de Estado do
Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SEMAD), para a qual
realiza atividades associadas à
conservação florestal, à gestão das
unidades de conservação e áreas
protegidas, e ao incentivo à pesquisa
científica. À SEMAD, cabem ações de
controle e fiscalização, assim como a
regulamentação ambiental. Dentre
as políticas elaboradas e praticadas
pelos dois órgãos, destaca-se a
criação e gestão das unidades de
conservação, elementos cruciais
das estratégias de preservação do
ambiente e da biodiversidade.
As unidades de conservação (UCs)
são refúgios para espécies vegetais
e animais dedicados a manter
processos ecológicos essenciais,
preservar a diversidade genética,
oferecer oportunidades de pesquisa
científica, capacitação, educação
e lazer, e conservar aspectos físicos
do ambiente de alto valor cultural e
simbólico para as populações. No
Brasil, a Constituição de 1934 e o
primeiro código florestal, promulgado
no mesmo ano, forneceram uma base
legal para o estabelecimento de
uma legislação mais específica que
visasse à criação das unidades de
conservação, o que aconteceria em
junho de 1937, com a inauguração
do Parque Nacional do Itatiaia, no
Rio de Janeiro.
Já o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), instituído após
a promulgação da lei 9.985 em 2000,
381
foi responsável pela consolidação
de critérios e dispositivos de
organização, criação, implantação
e administração das UCs. Até então,
as unidades eram planejadas e
concebidas de acordo com normas
primordialmente estéticas, seguindo
contextos políticos e econômicos
mais favoráveis e sem considerar
a preservação da biodiversidade
como objetivo fundamental. Essa
lei define as UCs como “o espaço
territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais
relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob
regime especial de administração, ao
qual se aplicam garantias adequadas
de proteção”, e as divide em duas
categorias distintas: as unidades de
proteção integral, que, voltadas
para a preservação da natureza,
só permitem o uso indireto dos
recursos naturais ali presentes; e as
unidades de uso sustentável, menos
restritas, que unem a conservação do
ambiente ao uso sustentável de parte
dos recursos disponíveis. Ambos os
grupos se subdividem em categorias
de manejo específicas, que variam
segundo o tipo de organização e os
objetivos que pretendem alcançar:
há estações ecológicas, reservas
biológicas, parques estaduais,
monumentos naturais e refúgios da
vida silvestre, de proteção integral
da biodiversidade que abrigam, e
as áreas de proteção ambiental,
382
florestas estaduais, reservas de
desenvolvimento sustentável e
reservas particulares do patrimônio
natural como unidades que
permitem maior presença e influência
antrópica. Em Minas Gerais, a maior
parte das UCs está sob a jurisdição
do estado – quase metade de
todas as áreas (49%). Unidades
municipais (30%), em sua maioria
parques naturais municipais e áreas
de proteção ambiental municipal,
dividem a porção remanescente
com estações ecológicas, reservas
biológicas, parques nacionais,
áreas de proteção ambiental e
florestas nacionais gerenciadas pela
federação (21%).
Unidades de conservação se
definem, portanto, por serem áreas
protegidas que servem à conservação
de remanescentes da vegetação e
de outros elementos naturais com
expressiva relevância socioambiental.
As experiências de criação e
gestão dessas áreas envolvem a
participação da sociedade civil,
que por vezes se mobilizam para
demandar a implantação de uma
UC. Foi o que aconteceu no norte de
Minas Gerais, quando foi criada, em
2014, a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Nascentes Geraizeiras.
Cerca de 500 famílias de geraizeiros,
isto é, comunidades tradicionais
que vivem nas chapadas e veredas
do cerrado e cuja renda básica
provém de atividades extrativistas
sustentáveis, são beneficiadas pela
reserva, localizada nos municípios
de Montezuma, Rio Pardo de Minas
e Vargem Grande do Rio Pardo. A
demanda nasceu da necessidade de
uma reserva que pudesse conservar
as nascentes de córregos da região
e, ao mesmo tempo, garantisse que
a cobertura florestal do cerrado
permanecesse preservada o bastante
para que pudessem sobreviver de
seus recursos.
Parques, tanto estaduais quanto
nacionais, preservam serras, matas,
nascentes de rios e espécimes
animais, mas seu escopo de
proteção se estende também para
a dimensão cultural dos elementos
que abrangem. O Parque Estadual
do Itacolomi, por exemplo, protege
uma das referências geográficas e
paisagísticas que compõem a história
do estado: o Pico do Itacolomi, de
1.722 metros de altitude, localizado
na porção sul da Serra do Espinhaço,
próximo a Ouro Preto. Seu nome tupi
significa “pedra menina” ou “menino
de pedra”, mas ficou conhecido
como o “farol dos bandeirantes” e se
consagrou como ponto de referência
para os viajantes que passavam pela
Estrada Real. Já o Parque Estadual
do Rio Doce, a primeira UC criada
no estado, em 1944, protege a maior
extensão contínua da Mata Atlântica;
e o Parque Estadual da Serra do
Rola Moça, o terceiro maior parque
em zona urbana do Brasil, abriga
espécies da zona de transição entre
cerrado e Mata Atlântica e protege
animais em risco de extinção, como
o lobo-guará, a onça parda e o
veado campeiro. Devido aos seus
atrativos naturais e a projetos do IEF,
os parques se transformam em pontos
de parada do ecoturismo e, em 11
dos 38 parques estaduais, possuem
infraestrutura para receber visitantes.
Além das reservas, das áreas de
proteção e dos parques, assentados
ao longo dos três principais biomas
com ocorrência em Minas Gerais, mas
principalmente na Mata Atlântica –
cerca de três milhões de hectares,
entre UCs de proteção integral e
de uso sustentável, comparado aos
quase dois milhões de hectares de
cerrado protegidos e aos 90.000
hectares da caatinga em UCs –,
outras iniciativas são elaboradas em
prol da conservação ambiental. O
envolvimento civil nessas questões
é mobilizado e incentivado por
organizações não-governamentais
(ONGs) e associações, por vezes
em parceria com instituições
governamentais, que desenvolvem
projetos com teor sustentável e
socialmente inclusivos, como o
Projeto Manuelzão e a ASMARE.
Cientes da importância de preservar
o meio ambiente a fim de melhorar
índices de qualidade de vida, os
fundadores do Projeto Manuelzão
escolheram a bacia do Rio das
Velhas para atuarem de maneira
integrada e em parceria com os
municípios da região. Seus objetivos
383
incluem a conscientização da
população, a revitalização da bacia,
o desenvolvimento de pesquisas e
projetos educacionais, e o combate
às causas das doenças que afetavam
comunidades rurais no estado e
vinham, em grande parte, dos
problemas ambientais identificados
pelos médicos, pesquisadores e
voluntários que se juntaram ao grupo.
Criado em 1997 por professores
da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais,
o Manuelzão organiza expedições
pela bacia, como a de 2003,
Manuelzão desce o rio das Velhas,
em que foram percorridos os 804 km
do rio em 29 dias, e organiza núcleos
como ferramentas de mobilização e
participação social nos territórios de
cada microbacia, compostos por
membros da sociedade civil e por
representantes do poder público.
E, se o resgate de ecossistemas é
crucial, a revitalização das áreas
urbanas ocupa uma posição
igualmente importante nos esforços
de conservação e preservação.
A Associação dos Catadores de
Papel, Papelão e Material Reciclável
(ASMARE), de Belo Horizonte, processa
uma média de 3,4 mil toneladas de
material reciclado anualmente. Os
catadores associados à ASMARE
fazem do lixo produzido em enormes
quantidades na capital uma forma
de lutar contra condições precárias
de vida, e realizam um importante
trabalho de cunho social e ambiental
384
que procura conscientizar a
população belo-horizontina acerca
da necessidade de garantir um
destino adequado para os resíduos
produzidos no centro urbano, bem
como de reduzir a vulnerabilidade
econômica e social dos catadores.
Ao lado da Prefeitura de Belo
Horizonte, de centrais e órgãos
municipais e empresas, a associação
presta serviços de reciclagem, coleta
seletiva e palestras educativas
através de parcerias capazes de
viabilizar a continuidade do trabalho
da ASMARE e ampliar seu escopo de
atuação.
Projetos de reciclagem, como o
da ASMARE, geram benefícios para
o ambiente urbano e contribuem
para elevar a qualidade de vida nas
cidades. Segundo dados divulgados
pela associação, a quantidade de
material reciclado que coletam
por ano evita o corte de árvores
equivalentes a 115 campos de
futebol, o gasto de um volume de
água correspondente ao consumo
diário de 112.600 pessoas, a extração
de 9.500 barris de petróleo e o gasto
de energia equivalente ao consumo
de 10% das indústrias da Região
Metropolitana de Belo Horizonte. às
vezes, números dizem o suficiente,
principalmente em contextos
nos quais outros dados indicam
circunstâncias preocupantes de
grave degradação ambiental.
As paisagens de Minas e o seu
meio ambiente contam uma longa
história, que está longe de terminar.
Preservar os ecossistemas, repensar
as práticas e formas de organização
dos núcleos urbanos e incentivar
uma regulamentação mais eficaz
das atividades econômicas que
prejudicam e degradam o ambiente
são maneiras de conservar os
caminhos já percorridos, entre
serras, rios e cidades, e garantir que
outros poderão ser trilhados. O breve
panorama apresentado do meio
ambiente mineiro é como uma janela
aberta para um território extenso e
diverso, mas permanece incapaz de
tudo revelar. Outras perspectivas são
construídas a cada dia, e se juntam
ao mosaico de vozes, músicas,
sabores e cores que, com os tantos
ecossistemas mineiros, compõe Minas
Gerais.
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Brasil. Disponível em: <http://
reporterbrasil.org.br/wp-content/
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RIBEIRO, Ricardo Ferreira. Florestas
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TORRES, Rute Guimarães. O Parnaso
Mineiro: A construção histórica da
paisagem do Pico do Itacolomi (18891967). 2016. 233 p. Tese (mestrado
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e Ciências Humanas, Universidade
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SCHWARCZ, Lilia M. & STARLING,
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Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável. A questão ambiental
em Minas Gerais: discurso e política.
Belo Horizonte: Centro de Estudos
Históricos e Culturais, Fundação João
Pinheiro, 1998.
387
O Porta l Bra sil
Econom ia
por Cezar Manoel de Medeiros
1 – Cenário e indicadores
de desempenho de Minas
Gerais em 2014 – Base para
o PMDI – Plano Mineiro de
desenvolvimento integrado
-2015/2018
O modelo de gestão adotado em
Minas Gerais no período de 2003 a
2014 teve como indutor o denominado
Choque de Gestão, a centralização
de administração pública, em do
sistema de planejamento e controle
implantados de cima para baixo,
sem envolvimento dos principais
atores sociais e da sociedade civil
em suas diversas representações
e acentuado viés burocrático,
priorização do controle dos processos
político, gerencial e administrativo se
sobrepondo ao Planejamento e uma
sistemática inclusiva da estrutura
de mídia e marketing político
governamental.
Como resultados Minas Gerais não
obteve avanços econômicos e
sociais em relação ao restante do
país para o mesmo período, perdeu
atratividade e manteve elevados
níveis de desigualdade sociais e
regionais. Ao final de 2015 o estado
registrou 9 trimestres consecutivos
de taxas negativas de crescimento
como consequência de políticas
públicas fragmentadas de alcances
restritos
389
Em síntese, o modelo gerêncialista de Minas Gerais resultou na ausência
de mecanismos de apoio e estímulos ao crescimento, à modernização e à
diversificação da estrutura produtiva. Pelo contrário, a economia mineira
experimentou apenas uma pequena elevação das participações das atividades
mínero-metarlúrgicas no valor da transformação industrial do Estado, passando
de 41,1% para 45,4 entre 2002 e 2013, forte crescimento da dívida pública
estadual devido a orçamentos irrealistas em relação ao crescente déficit
financeiro face ao crescimento dos custos devido a inadequada gestão da
folha de salários, tanto dos funcionários da ativa quanto da péssima estrutura
previdenciária.
Apesar das enormes potencialidades de Minas Gerais, a economia mineira
se encontrava, em 2014, e plena retração; em um processo de decadência
econômica, com perdas de produção e redução das atividades da maioria dos
ramos de indústria de transformação. Ou seja: a política econômica adotada
entre 2003 e 2014 não foi eficaz para a modernizar e diversificar a estrutura
produtiva do estado,
Ao cenário sintetizado cabe acrescentar indicadores recentes sobre o
desempenho econômico e social de Minas Gerais, que mostram que o aparato
institucional e os instrumentos disponíveis para atrair investimentos adotados nos
últimos 15 a 20 anos, não tem sido suficientes para reduzir desigualdades regionais
e sociais; para elevar o poder aquisitivo e o tamanho do mercado do estado
como um todo; nem para obter mudanças significativas na estrutura produtiva
ainda bastante dependente do comportamento sazonal de comodities minerais
e agropecuários. (ver quadro)
No caso da infraestrutura, Minas Gerais apresenta uma matriz energética
cuja produção é inferior ao consumo devido a dependência de combustíveis;
um sistema de telecomunicações e de redes de abastecimento de água, e
principalmente, de esgoto com baixos níveis de interiorização.
O caso da logística merece destaque especial por se tratar de um dos principais
entraves para atrair investimentos, apesar da privilegiada posição geográfica
de Minas em relação aos principais mercados (SP, RJ, DF) e portos (SP, RJ, ES).
Em relação ao principais indicadores cabe enfatizar: o PIB de Minas está em
3º lugar no Brasil (IBGE 2013); o PIB per capta em 10 º lugar no Brasil (IBGE 2013);
Renda Média domiciliar per capta em 11º lugar no Brasil (IBGE 2012); IDH em
10º lugar no Brasil – 0,800 (2013 – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil –
PNUD). Minas Gerais é o segundo estado com a maior população do país com
20.869.000 de habitantes atrás apenas de São Paulo, porém o estado ainda
390
está abaixo da média nacional do PIB per capta de todos os outros estados
da região Sudeste. (Ver quadros 1 e 2)
No que tange as finanças públicas, Minas também vem experimentando
intenso retrocesso. Desde 2014 o Estado vem figurando na segunda colocação
entre os estados mais endividados da federação, o que compromete a
capacidade de investimentos do governo do Estado. O elevado nível de
endividamento público e de encargos financeiros da dívida minimizam a
capacidade de investir do governo e comprometem a capacidade do governo
arcar com seus compromissos correntes, o que vem provocando atrasos junto
a fornecedores e parcelamentos dos salários dos funcionários públicos ativos
e inativos.
Em poucas palavras: os indicadores aqui salientados orientaram o novo
governo de Minas Gerais a estabelecer prioridades contempladas no PMDI –
Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado - para o período de 2015/2018,
já em pleno andamento.
Por último, deve ser ressaltado que as relações entre o governo de Minas
Gerais com grandes empresas privadas que atuam no Estado, mas cujos
processos de tomada de decisões de investir estão fora de Minas, seja devido ao
processo de privatização acompanhado da multinacionalização das empresas
de exploração mineral e de siderúrgicas mineiras (Vale do Rio Doce, USIMINAS,
Belgo, CBMM e etc...) e de fertilizantes ( Petrofértil, Valefértil, etc...) devido a
transferência para fora de Minas de grandes empresas anteriormente com
sede em Minas Gerais como são os casos das grandes construtoras.
391
\
QUADRO 1: CLASSIFICAÇÃO POR CATEGORIA/PONTUAÇÃO
Sustentabilidade Social
1° Santa Catarina ... 100,0 5° Minas Gerais .... 82,0
Segurança Pública
1° Paraná .............. 100,0 10° Minas Gerais ... 75,0
Infraestrutura
1° São Paulo ......... 100,0 12° Minas Gerais ... 53,7
Educação
1° São Paulo ......... 100,0 2° Minas Gerais ..... 86,8
Sustentabilidade Fiscal
1° Espirito Santo .. 100,0 19° Minas Gerais .... 70,4
Eficiência da Máquina Pública
1° Espirito Santo ... 100,0 6° Minas Gerais .... 95,0
Capital Humano
1° Rio de Janeiro ... 100,0 8° Minas Gerais .... 43,2
Sustentabilidade Ambiental
1° Distrito Federal ..100,0 9° Minas Gerais .... 55,5
Potencial de Mercado
1° São Paulo ......... 100,0 14° Minas Gerais ... 57,8
Inovação
1° São Paulo ......... 100,0 7° Minas Gerais .... 42,6
Fonte: Mercado Comum (06/2016) com Dados extraídos do MDIC e Revista
Exame
Massa salarial da indústria extrativa de MG cresceu á taxa de 10 p.p. maior
que a estadual entre 2010/13
392
2 - O PMDI (Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado) 20152018 – Principais Características
O governo de Minas Gerais vem baseando o equilíbrio das finanças públicas e a
recuperação da capacidade de investir do estado, o que envolve significativa
redução e mudança do perfil do elevadíssimo nível de endividamento herdado
do governo anterior; e ao mesmo tempo, a montagem de engenharias
financeiras que proporcionando, a redução de despesas e elevação de receitas,
diminuição de sonegações fiscais, recuperação de créditos e negociações da
dívida do estado junto ao governo federal mediante critérios e parâmetros que
diferem completamente das condições exigidas pelo ministério da Fazenda.
393
Em outras palavras, o governo de MG não pretende efetuar privatizações,
elevar ônus para aposentados, diminuir ou prejudicar serviços públicos de
saúde, de educação, de segurança e de proteção social, como pretende o
governo federal.
O encontro de contas entre os governos federal e do estado deverá beneficiar
MG, porque envolve o ressarcimento de mais de R$ 130 bilhões de crédito que
MG acumula junto ao governo federal devido á LEI KANDIR, ao passo que
contabiliza dívida, já decrescente nos últimos anos, de cerca de R$ 80 bilhões,
junto ao Governo Federal.
No que diz a respeito ao aumento da capacidade de investir, cabe destacar
a importância da aprovação dos seis novos fundos de investimentos (ver
anexo), recém criado pelo governo de Minas cuja implementação possibilitará
a realização de ousado e amplo plano de investimentos em Minas Gerais no
curto, no médio e no longo prazo, extrapolando, inclusive, o atual e os próximos
mandatos de governo do estado.
A modernização e diversificação da estrutura empresarial via o reaparelhamento
tecnológico, (Catching up) e ao mesmo tempo atrair empresas de base
tecnológica capazes de alocar mão de obra qualificada que vem saindo
de MG por falta de oportunidades devido a estrutura produtiva de baixa
produtividade.
Além disso o PMDI visa aproveitar vantagens competitivas do estado, tais
como: localização geográfica privilegiada como centro de gravidade dos
principais mercados (SP,RJ, Centro-Oeste).O que requer expandir e modernizar
a logística de transportes e diversificar a matriz energética com ênfase na
energia solar, na busca de maior eficiência energética e da interiorização
do atendimento urbano e rural (Luz para Todos), a interiorização da banda
larga e de fibra ótica, de abastecimento de água e de esgoto, assim como
da utilização de recursos hídricos em todo estado de MG.
No que diz respeito aos dois eixos; desenvolvimento produtivo, científico e
tecnológico, infraestrutura e logística, quatro grandes grupos de prioridades
devem ser enfatizados:
Em poucas palavras: o novo modelo de desenvolvimento em curso em Minas
Gerais está baseado na redução de desigualdades sociais e regionais; na
inclusão social e na participação dos próprios beneficiários.
394
A – Redução das desigualdades sociais e regionais – PDTIs
O estado de Minas Gerais foi dividido em 17 e respectivos Fóruns Territoriais que
visam elevar e selecionar ações prioritárias em PDTS – Plano de Desenvolvimento
Territoriais Integrados – tais como a redução de desigualdades sociais e regionais
capazes de elevar o tamanho do mercado, que é variável fundamental para
atrair investimentos, diversificação e modernizar a estrutura produtiva, diminuir
a dependência de comodities minerais e agrícolas, muito vulneráveis ao
comportamento da conjuntura racional, e ás oscilações de preços internacionais.
– criação e implementação de PDTI’s – Plano de Desenvolvimento Territoriais
Integrados para cada um de 17 territórios através de 5 grupos de prioridades.
O novo Governo de Minas Gerais está implementando os 17 PDTIs – Programas
de Desenvolvimento Territorial Integrados que visam, em conjunto com as
próprias comunidades beneficiadas, através de fóruns compostos pelo governo e
representantes da sociedade atender às principais necessidades da população
em cada território. O levantamento de demandas que os participantes dos
Fóruns consideram mais prioritárias para a ação do Governo de Minas Gerais
em cada território.
395
O quadro a seguir (investimentos por território) mostra a importância dos PDTIs,
da interiorização dos programas estruturantes da SEDESE, da SEDA, da SECIR,
da SEC. da Educação, Saúde, Turismo, da Cultura, de Esportes, das Estatais:
CEMIG, GASMIG, COPASA, CEMIGTELECOM, da CODEMIG, bem como do
BDMG, do IMA, para em conjunto empreendedores de todos os portes, desde
MEIs até multinacionais, para reduzir desigualdades sociais e regionais, elevar
o poder aquisitivo da população de cada território e expandir o tamanho do
mercado regional, variável considerada da maior importância para a tomada
de decisões de investimentos empresariais.
Quadro 3: Distribuição espacial dos investimentos planejados
por Território de Desenvolvimento – 2004 a 2014
Neste sentido, algumas iniciativas governamentais recentes visando reduzir
desigualdades e elevar o tamanho de mercado mineiro devem ser destacadas:
• a implementação mais de 800 ações já em curso em obediência às
demandas principais identificadas nos formatos realizados até o momento
(ver do CIDADÃO)
396
• a SEDA está consolidando um programa de garantia de renda mínima para
pequenos agricultores de baixa renda, fortalecendo o PRONAF – Programa
Nacional de Apoio à Agricultura Familiar, legitimando propriedades de
pequenos produtores, etc.
• a Cemig vem desenvolvendo várias novas ações sociais tais como:
aquecimento solar para beneficiários da minha casa minha vida,
enquanto a CEMIG EFFICCIêNTIA, além de promover a substituição de
eletrodomésticos e chuveiros visando reduzir o consumo de energia e
de gastos familiares, vem organizando torneios de futebol via programa
Campos de Luz para iluminação de campos de futebol amador em
comunidades carentes, doação de equipamentos para hospitais etc;
extensão de redes elétricas em parcerias com municípios, programa para
estimular a pesca em comunidades do entorno de usinas, e programa
“100% presente” para eletrificação rural, em 774 municípios, energização
de 1.500 poços artesianos que também pretende canalizar ligações de
energia elétrica para 50 mil pequenas propriedades rurais.
Os resultados obtidos pelas implementações dos PDTIs são bastante
animadores em relação aos objetivos de cinco eixos conforme mostraram
os últimos relatórios de desempenho para cada PDTI. (Ver “Fóruns regionais:
“entregas realizadas, ações em curso e ações previstas”)
B - DIVERSIFICAçÃO, MODERNIZAçÃO E ATRAçÃO DE EMPRESAS DE BASE
TECNOLÓGICAS E DE SETORES QUE MG REUNE VANTAGENS COMPARATIVAS
Minas Gerais tem sido mais produtiva do que a média nacional em apenas 7
dos 22 setores da indústria de transformação, estes são: Transporte (exceto auto),
Produtos de Madeira, Metalurgia, Extração de Mineração metálica, Produtos de
minerais não-metálicos, Materiais elétricos, Alimentícios, Produtos de metal, Papel
e celulose, Coque e derivados de petróleo, Automotores, Máquinas, Móveis,
Plástico, Couros e calçados, Têxteis, Mineração não-metálica, Farmacêuticos,
Químicos, Eletrônicos e TI, Confecção e Apoio à extração de mineral, Minas é
mais produtiva em: Transporte (exceto auto), Produtos de Madeira, Metalurgia,
Extração de Mineração metálica, Produtos de minerais não-metálicos, Materiais
elétricos e Alimentícios, o que mostra a urgente necessidade de promover a
diversificação e modernização da estrutura produtiva.
Neste Contexto, o PMDI -2015/18 contempla entre as principais prioridades:
397
- reestruturação de setores estratégicos de MG, tais como os casos da siderurgia,
de fertilizantes e de ramos do setor químico, cujas privatizações não foram
acompanhadas de planos de investimentos em expansão e em modernização
para aproveitar de oportunidades disponíveis na década de 1990 para se
tornarem grandes players mundiais;
- adensamento, enobrecimento e agregação de valor de cadeias intersetoriais
que MG reúne, ou pode reunir, vantagens comparativas e competitivas, tais
como, por exemplos: mineração – carvão vegetal; produtos siderúrgicos –
metalurgia; agronegócios envolvidos em café e soja entre outros; estruturação
de cadeias de fornecedores e clientes envolvidos na exploração de cada fonte
energética; entre outras cadeias intersetoriais importantes que compõem a
estrutura produtiva do estado;
- apoiar as empresas de setores de base tecnológica que necessitam de
mão de obra qualificada disponível em MG: aero-espacial, ciências da
vida, biotecnologia, novos materiais, cerâmica avançada, nanotecnologia,
TI e C (Tecnologia da informação e comunicação), minérios e ligas nobres,
aproveitamento de terras raras, entre outros;
- apoio a indústria 4.0 e ao reaparelhamento (catching - up) tecnológico
via transformação digital, maior densidade entre serviços de design, de 3D,
no processamento de indústrias de transformação e destas com serviços de
marketing, de logística de distribuição e comercialização indispensável para
viabilizar “Just – in Time” empresariais seja no recebimento de insumos, seja no
escoamento de produção;
- aproveitamento integral da silvicultura como insumo para a siderurgia,
fábricas de celulose, indústrias moveleiras, etc...
Fontes de Recursos: (Ver cap. IV)
C - INFRAESTRUTURA – ESTRUTURAÇÃO DE EXTERNALIDADES PARA ATRAIR
INVESTIMENTOS
C.1 – Matriz Energética – expansão do programa “Luz para todos” (Rural
e urbana) e de iluminação pública municipal.
Fontes de Recursos: (Ver cap. IV)
2.2
– Telecomunicações – interiorização da rede telefônica, da
banda larga e de Fibra Ótica – Via criação de Fundo de equalização junto
398
á Cemig – Telecom.
Fontes de Recursos: (Ver cap. IV)
C.3 – Saneamento Básico - Aumentar significativamente a cobertura
de abastecimento de água e da rede de esgoto via concessões e/ou
prestação de serviços pela COPASA através da criação de um fundo de
equalização.
Fonte de Recursos: (Ver cap. IV)
C.4 – Logística de distribuição e comercialização bem como da mobilidade
urbana e interurbana através de conexões entre cidades mais importantes
de cada território e entre cidades polo de territórios contíguos.
Fontes de Recursos: (Ver cap. IV)
1.
Energia
- diversificar a matriz energética no aproveitamento das potencialidades de
energia fotovoltaica e de bioenergia, do aumento da eficiência na geração,
na transmissão, e na distribuição de energia para compensar a perda da
posse das usinas: (Miranda, Jaguara, São Simão). Para tanto será necessário
aumentar o capital social da CEMIG de modo a fortalecer sua capacidade de
tomar recursos nos mercados de crédito e de capitais, dinamizar a CEMIGPAR
para viabilizar parcerias da CEMIG em investimentos de fornecedores e de
clientes em MG.
Fontes de Recursos: (Ver cap. IV)
2.
Telecomunicações
Viabilizar a plena interiorização de banda larga, e de fibra ótica e de telefonia,
de todos os municípios de MG, importantes “Utilities” para atrair investimentos
no estado, para a CEMIG/TELECOM
399
Fontes de Recursos:
• Via captação de recursos nos mercados de capitais e de créditos em
condições adequadas, quanto á prazo e encargos financeiros
•
FECIDAT - Fundo especial de créditos inadimplidos
•
FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG
• Através da criação de um fundo de equalização, em parcerias (PPP’s –
Parcerias Públicos Privadas e SPE’s Sociedade para propósito específico,
com investidores institucionais e/ou empresas.
3.
Saneamento Básico
Expandir significativamente as redes de abastecimento de água e,
principalmente, de esgoto.
Tendo em conta as precariedades dos serviços prestados, tanto de
abastecimento de água (cerca de 200 municípios) quanto de esgoto (500
municípios), onde a COPASA não é concessionária
Ademais tendo em conta que a COPASA ainda não conseguiu otimizar a
oferta, particularmente da rede de esgoto de suas próprias concessões, em
municípios, inclusive BH, onde são observadas carências a céu aberto, caberá
a empresa expandir prestações serviços de saneamento básico (água e esgoto)
aos demais municípios de MG.
Fontes de Recursos: (ver cap. IV)
4.
Logística de distribuição e comercialização
A otimização do aproveitamento de localização geográfica privilegiada
do estado como centro de gravidade dos principais mercados do Brasil (SP,
RJ, Região Centro-Oeste) e principais portos (SP, RJ, ES), por ser alcançada
através de estruturação do sistema de logística do estado (rodovias, ferrovias,
aeroportos, hidrovias, e de intermodais estrategicamente localizadas no estado)
através dos seguintes eixos:
400
- entre principais cidades principais de cada um dos 17 territórios – objetos
de PPP’s (Parcerias Público Privadas) e/ou SPE’s (Sociedades para propósitos
espevificos).
- entre cidades polos de territórios contíguos que também podem ser objetos
de PPP’s (Parcerias Público Privadas e/ou SPE’s (Sociedades para propósitos
espevificos).
- estruturações de CLIAS – Centros Logísticos Integrados Aduaneiros e PLIS
– Plataformas Logísticas Integradas localizados em intermodais altamente
atrativos para investidores institucionais e geram impactos altamente positivos
para esta modal.
- projetos estruturantes de rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias
I.
O PMDI – PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO E A
CRIAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS
1 – PDTI’S – Planos de Desenvolvimentos Territoriais Integrados
1.1 - Modernização e diversificação da estrutura produtiva e tecnológica
conforme as vantagens comparativas existentes em cada território.
1.2 - Fortalecimento de APL’s – Arranjos Produtivos Locais e de micro
e pequenas empresas (FOPEMIMPE), da agricultura familiar (PRONAF) e de
economia solidária (ECOSOL)
1.3 - Infraestrutura – ampla Interiorização de saneamento básico, de
telecomunicações e da matriz energética
1.4 - logística de distribuição de transportes: conexões entre as principais
cidades de cada território e entre cidades polos de territórios contíguos
2 – ESTRUTURA PRODUTIVA – DIVERSIFICAÇÃO E MODERNIZAÇÃO
2.1 – Indentificação de fronteiras tecnológicas em função de mão – de
– obra qualificada por região.
- Biotecnologia
- Ciências da Vida
401
- Cerâmica Avançada
- Indústria 4.0 (adensamento entre manufaturas e serviços avançados)
- Nanotecnologia
- Aeroespacial
- T, I e C (Start UP’s)
- Internet das Coisas (IOT)
- Inteligência Artificial
2.2 - Adensamento, enobrecimento e agregação de valor de cadeias
intersetoriais que MG reúne ou pode reunir vantagens competitivas
- Minério, carvão Vegetal, produtos siderúrgicos, metalurgia
- Complexo Automobilístico
- Agronegócios ( Café, cana-de-açucar, etc ...)
- Integração produtiva entre fornecedores e geradores de energia
envolvidos na exploração de cada fonte energética(hidroelétrica, solar, gás,
biomassa, floresta, etc...)
2.3 – Fortalecimento e Modernização de setores estratégicos para o
estado
- Siderurgia
- Metalurgia
- Silvicultura
- Química
- Moveleira
- Materiais de construção
- Resíduos sólidos eletroeletrônicos de alto valor do poder decisório,
devido
á composição de minérios nobres
2.4 – Apoio a manutenção do poder decisório de empresas estratégicas
para o desenvolvimento do estado de MG e que podem ser grandes players
nacionais ou internacionais, como por exemplo: USIMINAS, ARCELOR, APERAM,
DELP, AG – Andrade Gutierrez, MJ-Mendes Júnior, ALGAR, FOSFéRTIL, CBMM,
MINASPLAC, NANSEM, HELIBRáS, MANGEL’S, VALOUREC - SUMITOMO, TORA
402
LOGíSTICA, GE-General Eletric, SADA, LOCALIZA,CENIBRA, AGRONEGÓCIOS E
ESTATAIS(GRUPO CEMIG, COPASA, CODEMIG, BDMG, MGI)
3– INFRAESTRUTURA
-
MATRIZ ENERGÉTICA – Interiorização, expansão, diversificação e
política industrial(CEMIG como motor)
- Universalização das redes de água, esgoto, comunicações, ou seja
de utilities.
- Logística de distribuição e comercialização – 4 eixos prioritários:
*
entre municípios mais importantes de cada território
*
entre municípios polos de territórios contíguos
* estruturação de CLIAS – Centros logísticos Integrados Aduaneiros
e PLI’s – Plataformas logísticas Integradas em intermodais atrativos para
investidores institucionais, (BI’s Bancos de Investimentos, fundos de previdência
complementar, etc...)
*
projetos estruturantes de rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias
via SPE’s – Sociedades para Projetos Específicos em parcerias com o Governo
Federal (EPL, VALEC, GElVOT, etc...) e investidores institucionais nacionais e
internacionais.
4 – CAPTAÇÃO DE RECURSOS (Ver anexo I)
- FII’s – Fundos de Investimentos Imobiliários
- FIP’s – Fundos de Investimentos em Participações
- PE’s – Privates Equities
- Fundos para Equalização
- Os seis fundos de investimentos recém-criados pelo governo de MG
- Lançamento de Debêntures Incentivadas para infraestrutura
- Estruturação de um fundo de investimentos baseado em ativos ( Ações
de empresas do GRUPO CEMIG, da COPASA, da CODEMIG, etc...),
5 - Criação de uma empresa de logística (MGLOGÍSTICA)ou fortalecimento
403
da MGI – EMIP via aumento de capital social e reestruturação organizacional,
para implementar projetos de infraestrutura logística.
A MGI ou MG Logística, sob orientação da SETOP e dos comitês de
desenvolvimento e de infraestrutura, poderá exercer atuação semelhante a
da CEMIG no caso da matriz energética, da COPASA em Saneamento Básico
e da CEMIG/TELECOM em telecomunicações, para desenvolver intermodais e
modais de transportes, de modo a aproveitar a posição geográfica privilegiada
de MG como centro de gravidade dos principais mercados (SP, RJ, CO) e de
portos do país (SP, RJ, ES).
ANEXO I
FUNDOS DE INVESTIMENTOS-MG
CRONOGRAMA PARA OPERACIONALIZAÇÃO – SUGESTÕES PRELIMINARES
1 – Encaminhamento da proposta á ALMG em 04/04/17 pelo governo de MG.
2 – Aprovados pela ALMG (Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais)
em 21/07/17
3 – Regulamentação pelo BDMG (em processo)
4 – Encaminhamento à CVM dos seguintes fundos de investimentos :
FECIDAT - Fundo especial de créditos inadimplidos e dívida ativa
FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG
MG INVESTE
5 – Prospecções de mercado já contando com o envolvimento de possíveis
advisers (BI’s, administradoras de recursos como por exemplos; FIRCAPITAL,
CONFRAPAR, etc...)
6 – Licitações para contratar instituições financeiras com significativa rede de
distribuição para administrar cada fundo de investimento de acordo com suas
especificidades.
7- Sob presidência da fazenda, o conselho gestor em parceria com os
administradores de cada fundo de investimento, desenvolverá estratégias para
404
lançamento de cada fundo de investimento junto a investidores ( BI’s, Fundos
de Previdência Complementar, Seguradoras, FIP’s, PE’s, etc...), nacionais e
internacionais.
II.
– ESTRUTURAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS DERIVADOS DOS
SEIS FUNDOS RECEM CRIADOS – PROPOSIÇÕES PARA DISCUSSÃO
A captação de recursos junto a investidores institucionais para estruturar
os recentes fundos de investimentos, criados pelo governo de MG, abrem
oportunidades para estruturações de findos de investimentos estratégicos para
viabilizar a operacionalização dos objetivos e programas propostos em II e III.
Efeitos multiplicadores dos 6 fundos recém-criados proporcionam concretas
possibilidades para criar, gradativamente, novos fundos de investimentos
derivados como estratégia diferenciada para promoção de desenvolvimento
de MG.
As proposições a seguir visam subsidiar o estabelecimento de diretrizes
para orientar a atuação dos conselhos gestores e das instituições financeiras
que poderão ser administradoras de cada fundo.
A.
FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES
A.1-FIP – Fundos de investimentos em participações – Fronteiras
tecnológicas:
- viabilizar investimentos empresariais em ciências da vida, biotecnologia,
nanotecnologia, aeroespacial, T, I e C e etc, com recursos do FECIDAT - Fundo
especial de créditos inadimplidos e dívida ativa, FIIMG - Fundo de Investimentos
Imobiliários de MG, MG INVESTE, e captações junto ao BNDES, BB, CEF, FINEP,
BIRD, BID, CAF, FIEMG,
405
•
Investidores institucionais, como os Fundos de previdência complementar,
BI’s, etc...
A.2 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Inteligência
- desenvolver setores de inteligência artificial, (IOT - Internet das Coisas,
indústrias 4.0 de qualquer porte) e integração entre fábricas e de serviços (
design, 3D, logística, etc.):
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG
INVESTE,
•
FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG
•
CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais, com
captações junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID
•
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais,
•
Investidores institucionais, bancos de Investimentos, seguradoras, etc...
A.3 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Modernização empresarial
– (CATCHING-UP):
- promover a modernização empresarial de setores que lideram a estrutura
produtiva de MG, com apoio:
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG
INVESTE, FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG
•
CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais,
e captações de recursos junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID,
406
•
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
•
Investidores institucionais, Bancos de Investimentos, Seguradoras, etc...
A.4 - FIP – Fundos de investimentos em participações –Cadeias intersetoriais:
- apoiar o adensamento, enobrecimento e agregação de valor de
cadeias intersetoriais estratégicas para o desenvolvimento de MG, tais como
minero-metalúrgica, agronegócios, entre outras, com o apoio:
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG
INVESTE, FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG
CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais,
•
e captação de recursos junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID
•
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, FAEMG –
Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais
•
Investidores institucionais e administradoras de recursos (EX: CONFRAPAR,
FIRCAPITAL, ETC.. de MG)
A.5 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Ecologia:
- promover o desenvolvimento integrado de recursos naturais, o meioambiente e do ecossistema via:
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG
INVEST,
•
FIIMG -
•
CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais,
Fundo de Investimentos Imobiliários de MG,
e captação junto ao BNDES
•
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, investidores
institucionais, fundos internacionais e empresas potencialmente geradoras
de enclaves regionais, como mineração por exemplo.
A.6 - FIP – Fundos de investimentos em participações – ou lançamento de
debêntures incentivadas para infraestrutura:
- diversificar, modernizar e elevar a eficiência da matriz energética;
407
universalizar a rede de telefonia, de banda larga, de fibra ótica; estruturar
amplo sistema de logística de
distribuição para otimizar o aproveitamento
da situação geográfica privilegiada de MG, como
centro de gravidade dos
principais mercados (SP,RJ e CO) e portos do Brasil, com o apoio do
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos
e Dívida Ativa , do
MG INVEST,
•
FIIMG
•
FPP – Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas,
•
CODEMIG - Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais
•
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
•
Investidores institucionais, bancos de fomento e etc.
B.
- Fundo de Investimentos Imobiliários de MG,
FUNDOS DE EQUALIZAÇÃO
Tendo em conta necessidades de reduzir custos para atividades e/ou
projetos que atendem populações de baixo poder aquisitivo e, por conseguinte,
não geram rentabilidade atrativa para investidores, mas que são da maior
importância para o desenvolvimento social e redução de desigualdades
regionais de Minas Gerais, é cabe propor o uso de parcelas de recursos dos
fundos FECIDAT, FIING e FPP para estruturar de fundos de equalização como
propostas a seguir:
1 – Fundo de equalização para saneamento básico visando interiorização
de redes de abastecimento de água e, principalmente, redes de esgoto, devem
ser objetos de prioridades máximas do governo do estado. Para, tanto a rede
de abastecimento de água em cerca de 600 municípios e de esgoto em 300,
inclusive na RMBH, onde são observadas carências a céu aberto que estão sob
concessões da COPASA e tendo em conta, as necessidades de prestações de
serviços, também pela COPASA, para os municípios que não estão sob concessão
da empresa, cabe sugerir a criação de um fundo de equalização para subsidiar
a atuação da empresa em termos empresariais aos demais municípios de MG.
408
2 - Fundo de equalização territorial para acelerar o atendimento de
demandas estratégicas dos eixos: desenvolvimento produtivo e tecnológico
e de infraestrutura de cada território, através do uso de parcelas de recursos
capitados pelo
•
FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa.
3 – Fundo de equalização para apoio complementar de projetos de
economia Solidária, cooperativismo e associativismo de um modo geral, para
agricultura de baixa renda, a micro-empreendedores individuais e as micro e
pequenas empresas.
4 – Fundo de equalização para apoio complementar aos programas:
luz para todos, a telefonia rural e urbana em comunidades de menor poder
aquisitivo e também para construção de eixos de transportes visando conexões
entre cidades mais importantes de cada território e entre polos de territórios
contíguos.
5 – Fundo de equalização p/ o desenvolvimento de esportes, de lazer e
de entretenimento altamente intensivos em mão-de-obra, expansão tanta na
Região metropolitana de Belo Horizonte quanto no interior do estado que a
exemplo de campos de luz ou “ Corujões” da CEMIG, com o apoio da Rede
Globo, que vem contribuindo até mesmo para segurança pública.
III – CONCLUSÕES
Em síntese: o novo modelo de desenvolvimento em curso em Minas Gerais
desde o início de 2015, está baseado em três pilares:
- promoção de um novo ciclo de crescimento através do PMDI – Plano
Mineiro de Desenvolvimento Integrado para 2015-2018- baseado na inclusão
social e na redução das desigualdades sociais regionais que, mostra que o
governo de Minas Gerais, ao contrário do governo federal vem exercendo
papel de coordenador do processo de retomada do desenvolvimento através
de ativas políticas públicas de estímulos a demanda (escopo Keynesiano);
409
- metodologia de planejamento que conta com ampla participação dos
segmentos beneficiários da sociedade através de constituição de fóruns para
cada um dos 17 territórios; com a interiorização de atividades de cada órgão
da administração direta, de autarquias, de fundações e de empresas estatais
do estado;
- diversificação e modernização da estrutura produtiva; ativa atuação
governamental visando a redução da dependência de comodities agrícolas e
minerais (potenciais geradores de enclaves regionais), melhor aproveitamento
de mão de obra qualificada e de algumas cidades dotadas de equipamentos
capazes de oferecer qualidade de bem-estar social.
Neste contexto Minas Gerais está incorporando princípios Schupterianos
via seleção de prioridades setoriais (fronteiras tecnológicas, biotecnologia,
nanotecnologia, indústrias aeroespaciais, ciências da vida, industrias 4.0, etc.);
- no que diz respeito a avanços do aparato institucional, o governo de
Minas Gerais, além da estruturação de fóruns e da interiorização de processos
de gestão do estado, criou comitês com poder decisório para definir prioridades
visando modernizar e diversificar a estrutura produtiva, selecionar projetos
estruturantes em energia, de saneamento básico, de telecomunicações e de
logística de transportes, para a saúde, para educação e para proteção social.
- cabe destacar também, que o governo de Minas Gerais está desenvolvendo
novo padrão de financiamento de investimentos através da implementação
de novos fundos de investimentos baseados em ativos e recebíveis controlados
pelo próprio estado
410
411
O Porta l Bra sil
Tra nsp ortes
e energ ia
por Bruno Viveiros Martins
e Marcela Telles Elian de Lima
1. As estradas de Minas
“Minas Gerais é muitas. São pelo
menos, várias Minas”, afirmava o
escritor Guimarães Rosa, em 1957.
Já sobre os Gerais, definiu em seu
romance Grande Sertão: Veredas,
“os Gerais correm por fora”. As
muitas Minas e os Gerais de que fala
Rosa foram distribuídas ao longo do
território por fios bem finos, traçados
por indígenas, bandeirantes,
aventureiros,
exploradores,
conquistadores e comerciantes.
Esses fios ligaram grupos humanos,
formaram cidades e forjaram, ao
longo de seus traçados, um legado
único de pensamentos, práticas
de trabalho e comportamentos.
Os homens se dispersaram pelo
território e os fios eram muito finos
para mantê-los conectados frente ao
desafio colocado pelos preconceitos
culturais, pela vigilância sobre os
caminhos, pelas barreiras naturais.
Os núcleos urbanos primeiro se
espalharam, depois se separaram
em grupos distintos, mas por fim,
com o passar dos anos, o livre
mercado, o desenvolvimento de
uma comunidade cientifica e a
disseminação da democracia
ajudaram a suspender as barreiras.
Era necessário fundir-se novamente.
Estreitar as conexões políticas e
comerciais, fortalecer essas finas
linhas de comunicação, dar-lhes
413
densidade para conferir fluidez ao
trânsito entre as muitas Minas, entre
as Minas e os Gerais, entre Minas
Gerais e as demais regiões do país,
até a globalização do presente.
Engenheiros, empresários, políticos,
sonharam em forjar uma rede única
que abrangesse as diferentes partes
da província/estado, às demais do
Brasil e, ainda mais importante, ao
Atlântico, porta para o mundo, de
modo que a teia de aranha tecida
por indígenas e bandeirantes, se
tornasse a rede de asfalto, trilhos, e
rotas aéreas dos dias atuais. Minas
Gerais se conectou ao atual mundo
globalizado e cada uma de suas
“muitas Minas” preencheu esse
mundo com suas próprias relíquias,
seus sotaques, suas crenças, hábitos
alimentares, músicas e práticas
políticas singulares.
1.1. Malha rodoviária
As primeiras linhas traçadas pelos
portugueses sobre o território que viria
a ser Minas Gerais, eram tributárias
das antigas picadas abertas pelos
indígenas, antes mesmo da chegada
dos colonizadores. A descoberta do
ouro na região das Minas, repisou
esses caminhos e abriu outros tantos.
O afluxo de pessoas se deu a partir da
conexão de diferentes trajetos que
conformaram o que hoje é conhecido
como Estrada Real. Por sua vez, a
estrutura dessa estrada serviu de
guia para instalação das modernas
414
rodovias que hoje atravessam todo
o estado.
A Estrada Real foi formada pela
conjunção de três caminhos que
seguiam do litoral em direção ao
interior a partir de São Paulo, Bahia
e Rio de Janeiro. Desses pontos
partiam o Caminho de São Paulo
para Minas, o Caminho da Bahia, ou
dos Currais do Sertão e os Caminhos
Velho e Novo, que ligavam o Rio
de Janeiro às Minas. A partir dessas
estradas principais se ramificavam
uma série de trilhas que interligavam
as demais regiões ocupadas. Os
paulistas seguiram rumo as minas
abrindo picadas desde a Vila de São
Paulo em direção ao planalto interior.
Pela Bahia, a estrada margeava o
rio São Francisco. Mas, os caminhos
percorridos pelo maior número de
pessoas eram aqueles que ligavam
a região central das minas ao Rio
de Janeiro. Primeiro, passando por
Paraty e vilas da capitania de São
Paulo – o Caminho Velho – e, a partir
de 1698, para diminuir distâncias e
reduzir a influência paulista sobre a
região, através do Caminho Novo.
Esse novo percurso reduziu o tempo
de viagem entre as Minas e o porto
do Rio de Janeiro pela metade, mas
ainda assim era um trajeto perigoso,
pois ao invés de acompanhar o
vale dos rios, seguia quase sempre
pelo alto das serras. Não era uma
viagem fácil. Animais selvagens,
doenças, mosquitos, a fome e a
possibilidade de ataque por parte
de bandos de negros fugidos e
salteadores deixavam em sobressalto
os comerciantes e viajantes que se
arriscavam a enfrentar a estrada.
Ainda assim, muitos atreveram-se
ainda mais, para fugir ao controle
exercido pela Coroa portuguesa
sobre o trânsito de ouro e diamantes
pela capitania. Abriram itinerários
clandestinos por onde estabeleceram
inúmeros descaminhos para o ouro.
Em 1720, em Ato Régio, foi proibido a
abertura de outras estradas e aqueles
que ainda assim se arriscassem
seriam acusados de crime de lesamajestade e severamente punidos.
Mas, a nova conjuntura aberta após
1808, como a chegada da Corte
ao Rio de Janeiro, tornou obsoleta
essa proibição. As constantes crises
de abastecimento que inquietavam
seus moradores levaram o príncipe
regente d. João VI, a tomar uma
série de medidas com o objetivo
de articular a capital às regiões
abastecedoras do interior do pais,
entre elas Minas Gerais. Com a crise
da produção aurífera, a capitania
das Minas, não poderia mais se
valer do ouro para impulsionar
seu desenvolvimento econômico
e o comércio com a capital do
Império abriu-se como uma nova
oportunidade para os proprietários
ligados a produção destinada ao
comércio interno. Em 1809, uma
estrada de 121 léguas entre Goiás
e o Norte foi aberta. Em seguida,
Minas voltou a se ligar à Bahia com
regularidade, acompanhando o
curso do Rio Doce. Abriu-se também
uma estrada entre Minas e o Espirito
Santo e entre Minas e Campos de
Goitacazes, no Rio de Janeiro.
Os caminhos por onde se dava
o comércio para abastecimento
da Corte, no início do século XIX
eram os mesmos que serviram
as Minas do século XVIII. Mas, a
direção do fluxo inverteu-se e o
trânsito de mercadorias, passou a
se orientar do interior para o litoral.
Medidas foram tomadas no sentido
de abrir e preservar novas vias de
comunicação, a fim de regularizar
o fluxo dos negociantes de tropas
soltas ou carregadas de toucinho,
queijos, tecido de algodão, galinhas,
e barras de ouro para vender.
Além das porcadas, carneiradas e
boiadas conduzidas por camaradas,
escravizados e trabalhadores pobres
livres que seguiam para o litoral em
direção à praia dos Mineiros, onde
as quitandas eram comercializadas
em barracas montadas em praça
pública, ao longo da baía de
Guanabara.
A margem das estradas desenvolviase um tipo especial de negócios,
organizado para dar apoio aos
comerciantes, suas mulas e animais.
Eram vendas, ranchos e pastagens
que buscavam suprir as necessidades
dos viajantes e oferecer um intervalo
para o descanso entre a travessia
por um atoleiro ou outro, sobre
415
um rio fora do leito e duas ou três
pontes quebradas. Em 1812, teve
início a construção das estradas do
Comércio e da Polícia os projetos
mais ambiciosos desse período que
tinham por objetivo tornar mais
fluida as ligações entre a capital
e a comarca mineira do Rio das
Mortes. A abertura das novas vias
foi acompanhada pelo incentivo ao
povoamento e colonização, de suas
margens, garantidos pela distribuição
de sesmarias em áreas desocupadas.
São João del Rei, sede da comarca
do Rio das Mortes, tornou-se o centro
das exportações mineiras e, junto
com Barbacena, firmou-se como
entreposto comercial. Situados na
entrada dos Gerais, centralizavam o
fluxo das mercadorias de diferentes
regiões da província e até mesmo
de províncias vizinhas como Goiás
e Mato Grosso. São João del Rei
era servida por diferentes canais de
escoamento: estrada do Comércio,
estrada da Policia, Caminho Novo.
A partir de 1830, o café assumiu
posição cada vez mais relevante
na economia mineira e a Zona da
Mata se converteu em importante
área exportadora de Minas, tendo
Juiz de Fora como principal polo.
Para garantir o constante aumento
da produção, era preciso sempre
agregar novas áreas ao cultivo do
café e, para tanto, o Estado manteve
um contínuo investimento em
transportes. Em 1861, com a presença
do Imperador Pedro II foi inaugurada
416
a rodovia União e Indústria, que ligava
Juiz de Fora à Petrópolis. A rodovia
facilitou o escoamento da produção
e diminuiu os custos com transporte.
A estrada construída por Mariano
Procópio Ferreira Lage foi recebida
como o primeiro sistema moderno de
ligação viária entre a sede litorânea
da Corte e o interior do Brasil. Por
sua vez, o governo provincial, fez da
estrada do Paraibuna seu principal
empreendimento viário. A estrada
começava na ponte do rio Paraibuna,
divisa com a província do Rio de
Janeiro, e seguia em direção ao
norte para a cidade de Barbacena
por 151,8 km, passando por Matias
Barbosa, Simão Pereira, Juiz de Fora.
A passagem para a República, e
a inauguração, em 1897, de uma
nova capital na região central do
Estado, conferiram novo rearranjo
a disposição da malha rodoviária.
A articulação entre as diferentes
regiões passaram a se orientar a partir
de Belo Horizonte e a Inspetoria das
Estradas de Rodagem, organizada
em 1923, tinha entre seus objetivos
sistematizar esse novo modelo de
integração via estradas. O projeto
elaborado pela Inspetoria previa a
construção de linhas tronco capazes
de conectar os principais centros
regionais do estado à Belo Horizonte
e de uma estrada de rodagem que
ligasse a nova capital diretamente
ao Rio de Janeiro. O presidente do
estado, Olegário Maciel propôs,
em 1924, um Plano Rodoviário que
contemplava um sistema de rodovias
radiais, com um total de 15.000 km
de extensão, que permitissem a
articulação da nova capital com
as várias regiões do estado. Porém,
pouco foi implementado. A região
do Triângulo Mineiro, Sul de Minas e
Zona da Mata, conectavam-se muito
mais com outros estados do que
com o próprio centro geográfico e
econômico do estado. O norte do
estado, por sua vez permanecia
praticamente isolado das demais
regiões. Entre 1937 e 1944, ainda
que não tenha havido aumento
no número de estradas, houve
uma melhora na conservação dos
caminhos e, ao final desse período, 8%
da malha rodoviária era formada por
estradas com cascalho. Ainda assim,
era muito pouco para sustentar o
trânsito por automóveis e os veículos
a tração animal continuavam a ser
os mais utilizados, em Minas Gerais.
Em 1946, após a promulgação
da lei Joppert que conferia
autonomia técnica e financeira ao
Departamento Nacional de Estradas
de Rodagem e estabelecia a criação
do Fundo Rodoviário Nacional (FRN),
foi estruturado o Departamento de
Estradas de Rodagem de Minas Gerais
(DER-MG). Ao assumir o governo do
Estado, em 1951, Juscelino Kubistchek
se valeu do DER-MG como um dos
pilares na execução do Plano Binômio
Transporte e Energia. O principal
objetivo do Plano, com relação as
estradas, era incrementar o sistema
rodoviário, deixando a cargo da
União as ferrovias. Seu propósito
era interligar as diversas regiões do
estado por meio de três estradas
tronco: Centro-Sudoeste (entre as
cidades de Passos e Formiga); Belo
Horizonte-Norte (ligando a capital
ao município de Salto da Divisa);
e, Belo Horizonte-Zona da Mata. Os
recursos repassados ao estado pelo
FRN iniciaram uma nova fase da era
rodoviária em Minas e entre 1946 e
1955 foram abertos 4.339,7 km de
estradas e pavimentados 137 km.
O tráfego pelas rodovias do estado
cresceu consideravelmente nesse
período. Se, em 1946 havia 72 linhas
de passageiros legalizadas junto ao
DER, em 1955 esse número havia
subido para 872 e 1084 veículos em
circulação.
Com a passagem de Juscelino
Kubitschek do governo do Estado à
presidência da República, e imediata
execução de seu Plano de Metas,
o território mineiro firmou-se como
importante centro articulador da
malha federal, atravessado por suas
principais rodovias. Principalmente,
devido a construção de Brasília, uma
nova capital erguida bem no centro
do país. Ao final de 1963, Minas
Gerais passa a ser o estado com a
maior extensão de vias federais. Com
o golpe militar, os Departamentos
de Estradas e Rodagem perdem
autonomia e o planejamento
rodoviário para a ser elaborado pelo
próprio Governo Federal. Grande
417
parte dos investimentos da União
foram empregados para interligar
o estado mineiro através de uma
lógica radial, em que Belo Horizonte
ocupava o centro irradiador de
rodovias.
Atualmente, Minas Gerais tem a
maior malha rodoviária do Brasil. São
269.546 km de rodovias. Deste total,
7.689 km são de rodovias federais,
23.663 km de rodovias estaduais, e
238.191 km, de rodovias municipais.
A Rodovia Fernão Dias (BR 381) que
liga as regiões metropolitanas de
Belo Horizonte e São Paulo é um dos
mais importantes eixos de transporte
de carga e de passageiros de todo
o Brasil. A BR 040, numa ponta, liga
Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e na
outra, atravessa o Noroeste de Minas
conectando o estado à Brasília. A
Rio-Bahia (BR 116), que corta o leste e
o noroeste de Minas Gerais funciona
como elo entre as regiões Sul e
Sudeste do Brasil com o Nordeste.
A BR 262, por sua vez liga Vitória,
importante porto de exportação, ao
Triângulo Mineiro.
1.2. Navegação fluvial
Até o século XIX, o acesso ao mar
era vedado aos mineiros, pela Coroa
Portuguesa, a fim de evitar possíveis
descaminhos para o ouro. Com o
declínio das jazidas, a possibilidade
de acesso ao Atlântico, e com ele
ao mundo, abria-se aos olhos dos
habitantes da província. Ouro e
418
diamantes não mais garantiam o
desenvolvimento econômico das
Minas Gerais. Era necessário sair à
procura de novas perspectivas. A
partir de então, a chave virou e todos
os esforços foram empreendidos
para conceder a Minas Gerais
acesso rápido para o mar. Sua
produção deveria ser escoada para
os principais portos: Rio de Janeiro,
Recife e Salvador. Que saída mais
fácil havia, senão acompanhar o
caminho naturalmente estabelecido
pelas principais redes hidrográficas da
província: a bacia do São Francisco e
o sistema hidrográfico formados pelos
rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha.
Resolvia-se dois problemas de uma só
vez: incorporava-se as terras incultas
ou pouco exploradas localizadas
às margens desses rios e promoviase o desenvolvimento do comércio
interno e de exportação.
Os primeiros esforços oficiais para
a viabilização de uma navegação
fluvial em Minas, foram direcionadas
para o Rio Doce. Sua rede hidrográfica
localizava-se nos chamados sertões
intermédios - terras e rios localizados
entre as regiões auríferas e o mar.
Nessa extensa zona de floresta era
proibido aos colonos durante o século
XVIII estabelecerem-se e aquele
que se arriscasse estava sujeito a
ser severamente punido. Somente
em 1800, quando são demarcados
os limites entre as Capitanias de
Minas Gerais e Espírito Santo que a
navegação pelos rios Doce e Caeté
é aberta aos mineiros. O rio passa a
ser considerado o caminho para se
retornar ao período de prosperidade,
perdida com a crise da produção
aurífera. Em 1801, o governador da
capitania do Espirito Santo, Antônio da
Silva Pontes, alardeava a novidade:
estava aberta a navegação pelo rio
Doce. Esperava pela chegada de
fazendeiros e comerciantes; afinal o
comércio pelo rio Doce e o cultivo
das áreas em torno de suas margens
ofereciam vantagens econômicas
evidentes como a redução do preço
dos fretes e do tempo de viagem até
o porto de mar. A cidade de Vitória
se afirmaria como uma importante
praça comercial e Minas Gerais teria
acesso direto ao mercado mundial.
Para a colonização do sertão e a
transformação do rio Doce só faltava
começar. Mas ninguém começou e
Silva Pontes estava certo do motivo
por trás desse desinteresse: as matas
infestadas pelo “gentio inimigo”. Era
necessário primeiro povoar a região.
Organizar uma rede de suporte ao
comércio ao longo do rio. Mas, como
povoar terras já povoadas? Remover
o obstáculo representado pelas
populações indígenas, deveria ser
prioridade.
Em 13 de maio de 1808, o príncipe
regente, d. João, declarou guerra
aos botocudos com o objetivo de
conquistar o território e estabelecer
a navegação, pelo rio Doce. Dois
anos depois, d. João encarregou
os governadores de Minas e
Espirito Santo de implementarem a
navegação por esse rio. Em 1818, a
Junta Militar de Conquista, Civilização
do índios, Colonização e Navegação
do rio Doce, construiu quarteis ao
longo de suas margens e afluentes
principais. D. João VI era claro: com
a navegação pretendia promover
a comunicação com as comarcas
de Vila Rica, Sabará e Serro Frio,
cuja estagnação atribuía a falta de
acesso aos portos de mar. A tarefa
foi abraçada por um punhado de
empresários brasileiros reunidos na
Sociedade de Agricultura, Comércio
e Navegação do Rio Doce. A
sociedade prometia ligar Vila Rica
e Mariana, diretamente com o mar.
As chances do empreendimento
se tornar rentável eram muito
baixas e, em 1824, esses brasileiros
se associaram ao capital inglês na
criação da Companhia Brasileira do
Rio Doce. A parceria foi recebida
com desconfiança pelo poder
público e o Conselho Provincial
conseguiu que o imperador, Pedro
I, revogasse o estatuto da empresa
e, em seguida, procurou garantir o
controle sobre o Sertão do Rio Doce.
O imperador autorizou o investimento
de recursos públicos na navegação
que até então continuava sendo
praticada praticamente por canoas
militares e outras poucas de comércio
ocupadas apenas em buscar sal em
Linhares, no Espírito Santo.
Cinco anos depois, o governo de
Minas Gerais, entregou os pontos. A
419
execução do projeto só seria possível
caso houvesse interesse por parte da
iniciativa privada, com a participação
até mesmo de capital estrangeiro.
Em 1833, foi formada em Londres,
a Companhia do Rio Doce com
objetivo de estabelecer a navegação
regular entre o Rio de Janeiro e
a foz do rio Doce e navegação
fluvial por meio de barcaças ou
embarcações maiores. A companhia
anglo-brasileira foi recebida com
entusiasmo. Havia chegado a hora
de tornar a navegação a vapor
uma realidade no rio Doce. O
entusiasmo não durou muito3 e, em
1939, as expectativas em torno do
empreendimento eram poucas. Os
resultados práticos conquistados
pela companhia eram insignificantes.
Em 1843, durante fala dirigida à
Assembleia Provincial o presidente da
província denunciou o desinteresse
da empresa em estabelecer uma
navegação regular pelo rio. Para
ele, “a companhia se importará mais
com as ricas madeiras, que irá tirando
das matas em proveito próprio, do
que com interesses vitais do país”. A
possibilidade de navegação pelo rio
Doce deixa a pauta da Assembleia
Provincial. A atenção volta-se para
outros rios da província: os rios Mucuri,
Jequitinhonha, rio das Velhas e São
Francisco.
O fracasso da Companhia do rio
Doce levou o deputado pela província
mineira Teófilo Ottoni a pensar novas
saídas para as comarcas do Serro e
420
Minas Novas. Não era possível que
a cidade do Serro continuasse a
importar “sobre as costas de bestas
do Rio de Janeiro, o sal, fazendas
e louças, que podiam ir com uma
viagem de 50 léguas, quando, hoje,
é de mais de 100, (...) Do Serro ao
litoral distam, talvez, pouco mais de
dois graus...”, afirmava em discurso
na Câmara dos Deputados. Em
1847, Teófilo e seu irmão Honório
constituíram a Companhia do Mucuri.
Uma companhia de pretensões
ambiciosas. Tinha por objetivo
implementar a navegação pelos
rios Mucuri, Doce e Jequitinhonha,
até chegar ao Atlântico, nas terras
baianas das comarcas de Porto
Seguro e Caravelas. Em torno desse
sistema hidrográfico, se daria a
ocupação de terras férteis “tão
produtivas como este rico torrão
das vizinhanças do Rio de Janeiro”,
comparava Ottoni. A integração
desse território poderia levar a criação
de uma nova província: “Província
de Porto Seguro, ou Santa Cruz, ou
de Mucuri, ou Jequitinhonha, ou de
Minas Novas”, especulava. E para a
nova província uma nova cidade:
Filadélfia, fundada em 1853, no vale
do Mucuri.
No mesmo ano em que a Nova
Filadélfia é inaugurada, o vapor
Santa Clara corta pela primeira vez
as aguas do rio Mucuri. Quatro anos
depois, os vapores da Companhia
transitavam carregados de
mercadoria entre Santa Clara, São
José do Porto Alegre, e Caravelas.
Mas, as dificuldades em colonizar a
região e a campanha movida por
inimigos políticos de Teófilo Ottoni
na Corte, dificultaram suas chances
de conseguir empréstimos para
contornar as dificuldades financeiras
da empresa. Sem recursos, Ottoni
retorna ao Rio de Janeiro, a bordo do
vapor Mucuri. Na viagem, ao longo
do litoral do Espirito Santo, o barco
naufraga e é destruído ao ser jogado
contra as pedras. Não houve vítimas,
mas o episódio pode ser considerado
como um melancólico epílogo para
as atividades de navegação da
Companhia do Mucuri.
Restava ainda a bacia do rio das
Velhas e São Francisco. Desde
1833, o governo imperial tentava
sem sucesso estabelecer viagens
comerciais regulares ao longo de seus
trechos navegáveis. Pouco antes da
proclamação da República, em junho
de 1889, foi fundada no Rio de Janeiro,
a Companhia Viação Central do
Brasil. Tinha por objetivo, estabelecer
um sistema integrado de transporte
que articularia a navegação fluvial,
pelos rios da Velha e São Francisco
a um sistema ferroviário e terrestre
de escoamento da produção e
comércio. A ferrovia Central do Brasil
ligaria o Rio de Janeiro às margens
do rio das Velhas. Pelo rio das Velhas
e São Francisco o transporte ficaria
a cargo da navegação à vapor
até Juazeiro, na Bahia de onde
partiria uma nova estrada de ferro
em direção à Salvador. Estabeleciase assim, um intricado sistema de
comunicação e transporte ligando
o norte ao sul, através do centro do
pais. Em 1894, já estava estabelecido
o transporte regular de cargas e
passageiros pelo rio São Francisco.
Dois anos depois, foi aberto o trafego
de vapores a partir da estação de
Juazeiro e a ferrovia ligando esta
cidade a Salvador foi inaugurada.
O oceano Atlântico abria-se para
o comércio da produção do médio
São Francisco. Em maio de 1901, a
empresa possuía onze vapores, além
das barcaças que estabeleciam o
comércio interno e contava com dois
estaleiros, um em Juazeiro e outro em
Sabará. Os vapores, ou gaiolas, como
ficaram conhecidos pela população
ribeirinha percorreram por muitas
décadas, século XX adentro, o trecho
de maior trânsito do percurso, entre
Pirapora, em Minas Gerais e Juazeiro,
na Bahia. Hoje, numa ponta, em
Juazeiro, um dos primeiros vapores a
percorrer o rio, o Saldanha Marinho,
permanece atracado ao porto
como ponto turístico da cidade.
Na outra, em Pirapora, o Benjamin
Guimarães, insiste ainda em romper
o rio São Francisco, em meio as suas
margens assoreadas e permanece
como única embarcação a vapor
em atividade no mundo.
421
1.3. As ferrovias
Em 1854, foi inaugurada a Imperial
Companhia de Navegação a Vapor
e Estrada de Ferro de Petrópolis.
Era a primeira via férrea do país e
contava com cerca de 16 km de
extensão. No ano anterior, em 1853,
a Assembleia Legislativa Provincial de
Minas Gerais, inseriu na pauta para
debate o papel a ser desempenhado
por esse novo meio de transporte
no desenvolvimento da província.
O então presidente Luiz Barbosa,
comunicava entusiasmado à
Assembleia os planos para construção
de duas estradas de ferro entre
Minas e o Rio de Janeiro. A novidade
iria promover uma integração
e desenvolvimento nacional
conjugada aos interesses próprios
da província e de sua elite. “Todos
os interesses a reclamam, e a época
o permite”, afirmou. As estradas não
saíram do discurso, e por dezesseis
anos a Assembleia Provincial não
voltou a tocar no assunto.
O
engenheiro Christiano Ottoni, por
sua vez, cujos irmãos Honório e Teófilo
Ottoni, empenhavam-se em cortar
a região do Mucuri com estradas e
vapores, seguia, ao longo da década
de 1950, apostando nos benefícios
que as ferrovias trariam para o
desenvolvimento e integração das
diferentes partes da província. O trem
de ferro, afirmava, acertaria o passo
de Minas Gerais ao das províncias
litorâneas, ao prover uma ligação
direta com o mundo através do rápido
422
acesso ao mar. Quatro anos após a
inauguração da primeira linha férrea,
Minas Gerais não possuía nem uma
légua de trilhos, e logo Minas, que
ocupava a “sexta parte do Império
em população e representação”,
constatava Christiano Ottoni.
Em 1869, os primeiros passos foram
dados na integração da província
à ainda incipiente malha ferroviária
em construção pelo país. Não foi sem
entusiasmo que o então Presidente
da Província, José Maria de Sá e
Benavides anunciou à Assembleia
Legislativa de Minas Gerais a
chegada da ferrovia em território
mineiro com a inauguração das
estações de Santa Fé e Chiador,
na Estrada de Ferro de Dom Pedro
II (EFPII). A província sairia de seu
atraso, era a notícia que corria de
boca em boca. Seus sertões, áreas
incivilizadas por onde pululavam o
bravio gentio, seriam cortadas pela
máquina do progresso e se abririam
à uma colonização preocupada
em desenvolver a agricultura e a
pecuária, para o comércio interno e
externo. Além disso, com a ligação
entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro,
a família Ottoni acrescentou mais
uma façanha em seu currículo, a
transposição da Serra do Mar, entre
1863 e 1864. Cristiano Benedito Ottoni
havia sido indicado pelo Imperador
D. Pedro II para assumir a direção
da EFPII. Era a oportunidade para
colocar em prática um projeto de
integração nacional costurada pelos
trilhos de ferro. Essa costura seria firme
o necessário para manter os “laços
de uma união, que não pesa nem
oprime” e maleável o suficiente
para garantir a autonomia de suas
diferentes províncias.
O plano era ambicioso. Partindo da
Corte, as ferrovias se ramificariam
por Minas Gerais, Bahia, São Paulo
e Mato Grosso “para que o princípio
civilizado circule sem interrupção por
todo o corpo político”, formando
uma rede de comunicação à
vapor que conjugaria navegação
fluvial e ferroviária, às rodovias por
onde percorriam as tropas e carros
de bois. Mas o trânsito de mulas,
boiadas, porcadas e carneiradas
pelas estradas também estariam com
os dias contados. Com o objetivo
de assumir o abastecimento de
carnes para o Rio de Janeiro, foram
aprovados os estatutos da primeira
companhia ferroviária com sede em
Minas Gerais, a Estrada de Ferro Oeste
de Minas (EFOM). A região oeste
continha o maior rebanho bovino
da província e o transporte do gado
por trem de ferro reduziria o tempo
e os prejuízos causados pelas longas
jornadas por estradas em péssimas
condições. Em janeiro de 1881, os
trilhos da EFOM, partindo da Estação
do Sítio, no atual município de Antônio
Carlos (MG), da conjunção com
a EFPII, chegaram à São João del
Rei. Desde então, a ferrovia nunca
parou de funcionar. Atualmente, os
12 km que ligam São João Del Rei a
Tiradentes são percorridos por turistas
interessados em vivenciar o que seria
a experiência por excelência da
industrialização e progresso, durante
o século XIX.
Após a instalação da EFOM,
chegaram em Minas os trilhos da
Estrada de Ferro Bahia-Minas, em
1882, da E. F. Minas e Rio, em 1884,
da paulista E. F. Mogiana, em 1886;
da Viação Férrea Sapucaí, em 1891;
da E. F.Muzambinho, em 1892; da E.
F. Três-Pontana, em 1895. Em 1907,
foi a vez da E. F. Goiás, derivada de
um projeto ambicioso formulado
ainda em 1857, cujo objetivo era ligar
Goiás ao litoral. O projeto só foi sair
do papel, com a República, quando
em 1892 formou-se a Estrada de Ferro
Alto Tocantins (EFAT) posteriormente
denominada Companhia de Estrada
de Ferro Goiás (EFG). Seu traçado
veio dar em Minas, mais precisamente
na cidade de Formiga, de onde
seguiria passando por Uberaba
e Goiás, até Cuiabá. Em 1919, a
aposta do presidente de Minas,
Arthur Bernardes era que a estrada
iria dar conta de um problema que
começava a preocupar: o triangulo
mineiro. Essa região foi transferida
de Goiás para Minas, por d. João VI,
em 1816, mas no início do século XX,
permanecida isolada das demais
regiões do estado. Em 1906, já havia
sido fundado o Partido Separatista
do Triângulo. Se não havia caminho
para as Minas, por sua vez, havia para
São Paulo. Os trilhos da Companhia
423
Mogiana de Estradas de Ferro, a
muito haviam alcançado Uberaba
a partir desse estado, e o mineiro da
região central que se aventurasse a
chegar no Triângulo, de trem, teria
inevitavelmente que passar por ...
São Paulo. Artur Bernardes via na
“ligação direta do opulento Triangulo
Mineiro com o centro de Minas e
com esta Capital, de que se acha
atualmente afastado por quatro dias
de longa e penosa viagem” a linha
que manteria a região atada ao
Estado. Não só Bernardes, mas outros
presidentes do Estado, como Raul
Soares, consideravam o investimento
em ferrovias uma prioridade para se
manter a unidade territorial. Em 1921,
Bernardes anunciou a compra da EFG
pelo Estado de Minas, articulou sua
venda para a EFOM, que a essa altura
estava nas mãos do governo federal.
Como em 1906, Afonso Penna, então
Presidente da República, já havia
aprovado a organização da Rede
de Viação Férrea Sul-Oeste de Minas,
através da fusão entre a EFOM, a
E. F. Sapucaí e a E.F. Muzambinho,
em 1922, a EFOM se firmou como a
terceira maior companhia ferroviária
do país. Podia contar com 1982 km
de trilhos espalhados pelos estados
do Rio de Janeiro e Minas Gerais e só
perdia em extensão para a Estrada
de Ferro Central do Brasil, antiga
Pedro II, e para a Estrada de Ferro
Leopoldina. Em 1931, a Rede de
Viação Férrea Sul-Oeste de Minas e
junto com a Rede Sul Mineira (RSM)
formaram a Rede Mineira de Viação
424
(RMV). Mas, os tempos eram outros e
entre as décadas de 1930 e 1940, em
Minas Gerais, assim como em todo o
país, cada vez menos, novos trechos
eram inaugurados.
Nos anos de 1950, com Juscelino
Kubitschek no governo do estado, e
depois na Presidência da República,
a opção da União foi antes pelo
desenvolvimento das rodovias.
Em 1955, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE
– atual BNDES), por meio do Grupo
Especial Ferroviário, foi encarregado
de redesenhar o setor Ferroviário. A
saída seria investir nas estradas de
ferro da União, reaparelhar somente
as vias férreas cujo trânsito justificasse
o investimento e desativar as linhas
cuja renda não cobria os custos.
Em março de 1957, um ano após
assumir a Presidência da República,
Juscelino Kubistchek criou a Rede
Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). Das
vias férreas que passavam por Minas,
foram encampadas a Rede Mineira
de Viação (RMV), a E. F. Central
do Brasil, a E. F. Leopoldina e a E. F.
Bahia-Minas. Na década de 1970, a
RFFSA passou a priorizar o transporte
de cargas, principalmente o minério
de ferro.
Com a crise do petróleo durante a
década de 1970, o governo militar
elaborou o Plano de Desenvolvimento
Ferroviário e entre as linhas projetadas,
estava a Ferrovia do Aço. Seria uma
ferrovia moderna, com cerca de 834
km de vias duplas, eletrificadas e
avançados sistemas de comunicação
e controle de tráfego, no interior do
triângulo formado por três importantes
centros econômicos: Minas Gerais,
São Paulo e Rio de Janeiro. A ferrovia
escoaria o minério de ferro para as
usinas de Volta Redonda e ligaria
a regiões metropolitanas de Belo
Horizonte e São Paulo. E tudo isso
deveria ser executado em 1.000
dias! Mas, três anos após o começo
das obras, o Governo Federal
suspendeu a execução da linhatronco entre Itutinga e São Paulo. O
trabalho foi paralisado por falta de
verba e somente, em 30 de maio de
1989, inaugurou-se o trecho entre
o município de Jeceaba (MG) e
Saudade (RJ). Muitas das estruturas
erguidas para execução do projeto
da Ferrovia do Aço, apodrecem ao
relento. Tuneis que ligam nada a
lugar nenhum, trilhos abandonados
sem terem levado sequer um vagão.
No caminho para Sabará, oito pilares
que nunca suportaram trilhos se
erguem sobre a rodovia MG-05 e
o Rio das Velhas. Entre esses pilares
passam os trilhos da Estrada de Ferro
Vitória-Minas (EFVM). A EFVM é gerida
por uma das três concessionarias que
atualmente operam em Minas Gerais:
VALE (Estrada de Ferro Vitória a
Minas), VLI (Ferrovia Centro-Atlântica
S.A; Ferrovia Norte Sul S.A,) e MRS
Logística S.A, após a RFFSA ter sido
incorporada ao Programa Nacional
de Desestatização (PND) e extinta
em 2007. A Vitória-Minas, ainda hoje,
à revelia do tempo, das rodovias
e vias aéreas permanece ligando
Minas ao litoral. É a única linha férrea
diária interestadual do Brasil, porque
a seguir o conselho de Guimarães
Rosa, “melhor, para a ideia se bem
abrir, é viajando em trem-de-ferro”.
Hoje, o litoral é logo ali. A partir da
inauguração, em 1984, do Aeroporto
Internacional Tancredo Neves – o
terceiro maior aeroporto do Brasil
e com a maior pista de pouso –
alcançar o Atlântico não seria
mais uma meta e sim ultrapassálo. O aeroporto Tancredo Neves,
localizado nos municípios de
Lagoa Santa e Confins, na região
metropolitana de Belo Horizonte, foi
construído durante a ditadura militar
não apenas para desafogar o tráfego
aéreo centralizado no Aeroporto de
Belo Horizonte/Pampulha – Carlos
Drummond de Andrade que, em 1980,
operava além de sua capacidade
máxima. Seu principal objetivo era
fornecer as condições para conectar
a capital mineira diretamente ao
resto do mundo – sem escalas. Ainda
assim, os saguões do aeroporto de
Confins, como ficou conhecido,
permaneceram vazios até 2005,
quando uma lei que limitava em
70, o número de passageiros por
avião autorizados a utilizar as pistas
aéreas da Pampulha, redirecionou o
tráfego aéreo para Confins. Seis anos
depois, em 2011, o aeroporto havia
alcançado sua capacidade máxima
425
e o Governo Federal acabou por
leiloa-lo para o consórcio AeroBrasil.
Em 2016, um novo terminal foi
inaugurado. A área do aeroporto
foi ampliada em mais de 60% e
sua capacidade expandida para
22 milhões de passageiros por ano.
Em 2015, 11 milhões de passageiros
passaram por Confins. O objetivo é
fazer desse aeroporto internacional,
um dos principais pontos de conexão
do país. Por sua vez, o Aeroporto
de Belo Horizonte/Pampulha, que
havia sido inaugurado, em 1930,
para atender os voos do Correio
Aéreo Militar, é direcionado para o
atendimento das principais cidades
de Minas Gerais, firmando-se entre
um dos mais importantes aeroportos
regionais do Brasil.
Em 2013, entre os principais
aeroportos da região Central do
Estado, além de Confins e Pampulha,
estão o Aeroporto de Belo Horizonte
- Carlos Prates, e os aeroportos de
Diamantina, Barbacena e São João
del Rei. O Alto Paranaíba, conta com
aeroportos em Patrocínio, Araxá e
Patos de Minas, o Triângulo Mineiro
em Ituiutaba, Uberaba e Uberlândia,
o Sul de Minas em Alfenas, Varginha,
Poços de Caldas e Pouso Alegre; o
Norte de Minas possui aeroportos em
Montes Claros; Pirapora e Jaíba, o
Noroeste de Minas, em Unaí, a Zona
da Mata em Ubá e Juiz de Fora,
o Centro-Oeste em Divinópolis, a
região do Jequitinhonha/Mucuri, tem
426
seu principal aeroporto localizado
em Araçuaí e, o Rio Doce, em
Ipatinga e Governador Valadares.
Segundo dados da Infraero, em 2013,
12.939 passageiros embarcaram/
desembarcaram em Minas Gerais, e
18.574 toneladas foram carregadas/
descarregadas, nesse período. Hoje,
de Belo Horizonte, partem voos diretos
para Lisboa, em Portugal, Orlando,
nos EUA, Buenos Aires, na Argentina
e cidade do Panamá.
2. Energia, industrialização e
desenvolvimentismo
Em 1883, um ano depois da
inauguração da primeira hidrelétrica
do mundo, nos Estados Unidos,
começou a funcionar outra usina do
mesmo tipo em Diamantina, Minas
Gerais. A primeira usina hidrelétrica
do Brasil foi construída no Ribeirão
do Inferno, e era responsável pela
maior linha de transmissão até
então em atividade, com 2 km de
extensão. Isso tudo para movimentar
duas bombas d´água utilizadas no
desmonte de terrenos diamantíferos.
A medida em que, pelo mundo, iam
sendo inventadas novas máquinas
e motores capazes de converter
um tipo de energia em outro, em
Minas Gerais, elas eram adaptadas
às necessidades específicas de sua
economia. Se na Grã-Bretanha, a
descoberta do motor a vapor para
uso nas minas de carvão transformou
a Inglaterra na oficina do mundo,
no final do século XIX, Minas Gerais,
mesmo sem reservas carboníferas de
boa qualidade, tinha no município
de Juiz de Fora, sua “Manchester
Mineira”. Sem o carvão, a geração
hidrelétrica se firmou como a principal
opção para a produção de energia
e, em 1889, entrou em operação
em Juiz de Fora a usina de Marmelos
Zero, primeira hidrelétrica da América
Latina.
do Complexo Solar Pirapora,
abrigará um dos maiores projetos
de energia solar da América Latina.
No caminho, matas e cerrados
foram derrubados, rios represados
e as paisagens de Minas Gerais a
cada dia tornam-se mais cinzentas.
Mas degradação ecológica não é o
mesmo que escassez de recursos. Os
recursos disponíveis estão crescendo
constantemente e é bem provável
que continuem a crescer.
Foi identificado quantidade imensa
de energia nos átomos? Em 1953,
Ainda que a produção de energia
elétrica tenha sido pioneira em Minas
o engenheiro Francisco Magalhães
Gomes funda, em Belo Horizonte, o
Instituto de Pesquisas Radioativas,
ligado à Universidade Federal de
Minas Gerais, onde se formou, em
1965, o Grupo do Tório, e dão início
ao desenvolvimento de um reator
nuclear, o Triga. A descoberta
do motor de combustão interna
revolucionou o transporte humano
e fez do petróleo poder politico
liquido? A Escola de Minas de Ouro
Preto, a partir de sua fundação em
1876, formou uma mão-de-obra
especializada, com conhecimento
científico suficiente para sair pelo
país a procura do ouro negro. A
cada dia novas fontes de energia
são identificadas. O petróleo não é
uma fonte renovável de energia?
A energia fornecida pelo sol, por
sua vez, é infinitamente superior à
quantidade de energia armazenada
em todo combustível fóssil da Terra
e Minas Gerais, com a implantação
Gerais, a instalação da usina do
Ribeirão do Inferno, em Diamantina,
foi uma iniciativa independente
e isolada seguida por outras de
formato similar ainda que com
maior capacidade de produção.
Como por exemplo, a usina instalada
no rio Turvo Sujo, pela Cia Fiação
e Tecidos São Silvestre, em 1885,
cujo objetivo era fornecer energia
às instalações de sua fábrica, em
Viçosa. A exceção dessas iniciativas
individuais, a maior parte do estado
permanecia no escuro. Quando não,
os próprios moradores da moderna,
nova e planejada capital do Estado,
regularmente saíam as portas de
suas casas anunciando para os
desavisados: A luz foi embora! Para
sua iluminação, a Nova Capital valiase da energia produzida pela usina
de Freitas, construída em uma queda
d’agua no ribeirão Arrudas. A usina
foi erguida em terreno adquirido
pelo Estado e integrou o conjunto
427
de obras públicas que compunham
a Nova Capital, inauguradas em
1897. O fornecimento de energia à
Belo Horizonte seria reforçado dez
anos depois, pela hidrelétrica de
Rio de Pedras, construída no Rio das
Velhas, em Itabirito. Mesmo assim,
as interrupções no fornecimento
eram frequentes. Na tentativa de
solucionar o problema, a prefeitura
instalou no centro da cidade da
Usina de Gás Pobre.
As usinas espalharam-se não só
em Belo Horizonte, mas por todo
o estado. Em 1920, Minas Gerais
chegou a ocupar o primeiro lugar
em número de usinas e empresas
de eletricidade, do país, ainda que,
com relação à potência instalada,
sua posição caísse para o terceiro
lugar, sendo precedida por São
Paulo e Rio de Janeiro, onde o
grupo canadense Brazilian Traction,
Light and Power, concentrava a
maior parcela de serviços elétricos.
Em Minas Gerais, ao contrário,
grande parte das usinas pertencia a
pequenas concessionárias privadas
ou aos munícipios. Os centros de
produção de energia espalhavam-se
pelo território sem um planejamento
capaz de articulá-los. Ao final da
década de 1920, o grupo norteamericano American and Foreign
Power Company (Amforp) obteve
a concessão dos serviços de
eletricidade de Belo Horizonte e
Santa Bárbara, por intermédio da
Companhia Força e Luz de Minas
428
Gerais (CFLMG) e assumiu todos os
bens e instalações do Departamento
de Eletricidade, do governo do
Estado.
Em 1934, o Código de águas,
decretado por Getúlio Vargas,
então chefe do Governo Provisório,
produziu uma forte inflexão na
indústria de eletricidade ao assegurar
à União o monopólio do poder de
concessão dos aproveitamentos
hidrelétricos. O governo determinou
ainda a fiscalização técnica, contábil
e financeira das empresas do setor e,
em 1939, com a criação de um órgão
regulador – Conselho Nacional de
águas e Energia Elétrica – o Estado
tomou para si a responsabilidade de
orientar a exploração desses recursos.
Quando o Código das Aguas foi
promulgado, o interventor Benedito
Valadares no comando do governo
de Minas Gerais, iniciou uma política
de intervenção estatal na produção
de energia elétrica, em sintonia com
o governo varguista.
Durante a década de 1930, após
a inauguração da Companhia
Siderúrgica Belgo-Mineira, em 1921,
a siderurgia passou a ser considerada
como a saída para a recuperação
da economia do estado. A Belgo não
só incorporou várias pequenas usinas
como se dispôs a construir a usina
de Monlevade. Entre 1925 e 1940, a
produção de ferro-gusa passou de
31.000 toneladas/ano para 159.000
toneladas/ano. Para aumentar
ainda as expectativas em torno da
siderurgia, cogitava-se a hipótese
de que a Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) fosse instalada em
Minas o que acabou não ocorrendo,
e a CSN acabou indo parar em Volta
Redonda, no Rio de Janeiro.
Benedito Valadares continuou a
apostar na industrialização como
saída para o desenvolvimento
do estado. O problema era: sem
energia, como movimentar as
máquinas? Para resolver a questão
deu início a construção de uma
série de hidrelétricas: Pai Joaquim,
no Triângulo Mineiro, Santa Marta,
no norte de Minas Gerais, a usina de
Gafanhoto, cujo objetivo era fornecer
energia para a Cidade Industrial de
Contagem. A ideia de construir uma
Cidade Industrial nas proximidades
de Belo Horizonte, foi do secretário
de Agricultura, Indústria, Comércio
e Trabalho, Israel Pinheiro – o futuro
presidente da NOVACAP, responsável
pela construção de Brasília. Em 1941,
quando a construção da Cidade
Industrial foi decretada, as obras para
a usina de Gafanhoto, já estavam
em andamento. O governo havia se
comprometido a fornecer energia
elétrica para as indústrias, só não
contava que o navio vindo dos EUA,
carregado com os geradores, seria
afundado nos conflitos da Segunda
Guerra, sem chegar ao seu destino. A
usina só foi concluída em 1946, com
algumas fábricas já instaladas na
Cidade Industrial, como por exemplo,
a Cimento Itaú, que pronta para dar
início à produção, precisou esperar
alguns meses até a chegada da
energia, para colocar suas máquinas
em funcionamento.
Em 1947, Milton Soares Campos
tomou posse no governo de Minas
e lançou o Plano de Recuperação
Econômica e Fomento a Produção,
em que a incipiente rede de
transporte e produção de energia
aparecem como os principais
entraves à industrialização do estado.
Milton Campos toma uma iniciativa e
contrata a Companhia Brasileira de
Engenharia (CBE) sob coordenação
do engenheiro Lucas Lopes, para
elaborar o Plano de Eletrificação
de Minas Gerais. Ao longo dos
cinco volumes que compõem o
plano, Lucas Lopes defendia a
interligação do sistema energético,
a instalação de grandes unidades
geradoras, ao invés das insuficientes
pequenas unidades espalhadas
pelo território, propõe a construção
de sete subsistemas regionais e a
combinação entre usinas e redes
privadas e pública. Mais importante: o
plano propõe a criação de empresas
públicas regionais conectadas e
controladas por uma empresa, uma
holding. Tal projeto está na origem
das Centrais Elétricas de Minas Gerais
S.A. (CEMIG).
A proposta de Lucas Lopes estava
em sintonia com os debates em torno
do papel a ser ocupado pelo Estado
429
no processo de desenvolvimento
econômico do país, que marcaria à
década de 1950. Nesse período, na
Europa, EUA e América Latina, teóricos
do desenvolvimento defendiam a
intervenção do setor público como
meio para acelerar o crescimento
econômico. No Brasil, esse debate
foi especialmente agudo no segundo
governo Vargas e culminou com a
criação da Petrobrás e da Eletrobrás.
Quando Vargas retomou ao poder,
em 1951, as previsões davam como
certa – e próxima – uma grave crise de
abastecimento de energia elétrica de
consequências imprevisíveis. Resolver
o problema tornou-se prioridade
para seu governo.
Por sua vez, também Juscelino
Kubitschek ao assumir o cargo de
governador de Minas, em janeiro
de 1951, chegou com uma ideia
fixa: industrializar o estado. Mas,
os problemas da energia e do
transporte, identificados nas gestões
anteriores permaneciam. O novo
governador concentrou todos os
esforços no desenvolvimento desses
dois setores, sintetizados no Plano
Binômio Energia e Transporte. Lucas
Lopes foi indicado para execução
do programa de energia do novo
governo e uma de suas primeiras
ações foi colocar em prática a
construção da holding como previsto
em seu Plano de Eletrificação. Em
22 de maio de 1952, foi fundada a
Centrais Elétricas de Minas Gerais e
Lucas Lopes assumiu sua presidência.
430
A Cemig priorizou a construção
das hidrelétricas de Salto Grande,
Itutinga, Tronqueiras e Piau, da
barragem de Cajuru, complementar
à usina de Gafanhoto, da usina
térmica de reserva na Cidade
Industrial, além da implantação
de uma rede de transmissão com
cerca de 800 km de extensão O
programa pretendia adicionar 100
mil kW ao parque gerador de Minas
Gerais até 1956 e o cronograma
era apertado. Logo que assumiu o
governo do Estado, JK foi indicado
pelo presidente Getúlio Vargas para
entrar em entendimento com um
grupo de alemães interessados em
instalar uma indústria siderúrgica no
país. Para decidirem-se por Minas
Gerais, no entanto, o estado deveria
garantir um suprimento de energia
elétrica da ordem de 50 mil kw em
três anos. Era praticamente à metade
de todo o consumo do Estado. Lucas
Lopes, presidente da Cemig, achou
que era inviável o cumprimento
desse item do acordo, mas Juscelino
firmou o pé e, em maio de 1952, a
pedra fundamental da Mannesman
foi inaugurada. “Lutamos contra
o relógio”, recorda o engenheiro
John Cotrim, “e tivemos sucesso:
a usina de Salto Grande entrou
em funcionamento a tempo de
suprir a Mannesmann, e Itutinga foi
inaugurada no início de fevereiro de
1955”. Nos anos 1950, entre os maiores
consumidores de energia elétrica da
Cemig, estavam a Mannesman e a
Belgo-Mineira.
Enquanto as usinas eram construídas
para atender a demanda das indústrias
a serem instaladas em Minas Gerais,
a Cemig, deu início a uma série de
estudos para determinar o potencial
hidrelétrico ainda a ser desenvolvido
no estado. Em particular, o potencial
energético do rio Grande. Em 1955,
ao fim do levantamento realizado,
uma das principais descobertas foi o
local conhecido como corredeiras
de Furnas, próximo ao município de
Passos. Com a posse de Juscelino
Kubitschek na presidência da
República, em 1956, não apenas
o projeto de Furnas, mas também
Três Marias, no rio São Francisco,
passaram à ordem do dia.
A Usina de Três Marias detinha um
papel estratégico em relação à
construção de Brasília: estava a meio
caminho de distância entre o Rio de
Janeiro e a nova capital federal. Numa
época em que não existiam linhas
de transmissão a grandes distâncias,
possuir uma usina, com grande
potencial, no centro do território
de Minas Gerais, seria fundamental
para interligar, energeticamente, o
planalto central à região Sudeste.
A barragem de Três Marias,
denominada Bernardo Mascarenhas,
era parte integrante do plano de
desenvolvimento econômico para a
região rio São Francisco, elaborado
pela Companhia Vale do São
Francisco, da qual o engenheiro
Lucas Lopes havia sido diretor de
Planos e Obras. A usina aproveitaria o
potencial hidráulico da bacia e, além
disso, contribuiria para o controle
das enchentes responsáveis pelas
inundações anuais da região.
A construção da barragem principal
foi iniciada em 1957 com término
previsto para 1960, com a instalação
imediata das turbinas e o início
da produção energética. A Usina
de Três Marias foi projetada para
aproveitar um potencial energético
equivalente a 500.000 Kw. O tempo
para execução do projeto, no
entanto, foi superior ao estimado. A
barragem foi inaugurada em 1961
e a usina começou a funcionar em
julho de 1962. A barragem de Três
Marias possui 2,7 Km de extensão
e 75 m de altura com capacidade
para 21bilhões de metros cúbicos
de água. Seu lago artificial possui
uma superfície de 1.050 quilômetros
quadrados, três vezes maior que a
Baía de Guanabara.
A construção da hidrelétrica de
Furnas por sua vez, era fundamental
para o cumprimento da meta
de energia elétrica, do plano de
governo de JK. Tratava-se de um
empreendimento gigantesco para os
padrões da época e, segundo Lucas
Lopes, “veio exatamente na hora em
que o Brasil precisou de um milhão de
quilowatts, para dar um salto enorme
na sua expansão”. A execução
da obra ficou a cargo da Central
Elétrica de Furnas, fundada em
fevereiro de 1957 sob a presidência
do engenheiro John Cotrim. Essa
431
nova empresa federal de economia
mista assumiu, no lugar da Cemig,
a responsabilidade de conduzir as
operações pois, uma usina com a
proporção de Furnas, dizia respeito
a vários estados da região Centro-Sul
e não apenas a Minas Gerais. Esse
interesse compartilhado, foi recebido
com desconfiança por muitos
mineiros, entre eles o governador
José Francisco Bias Fortes. Tratavase realmente de uma grande usina,
cuja barragem ocuparia uma ampla
extensão do território, mas sua
produção estava direcionada para
o mercado paulista. A construção da
usina de Furnas inundou 8% da área
total do Estado e atingiu 32 de seus
municípios. Cerca de 35.000 pessoas
– moradores da região inundada –
foram afetadas diretamente e 9.000
obrigadas a deixar suas propriedades.
Ora, corria à boca pequena: “Minas
não pode ser a caixa-d’água do
Brasil”.
Os projetos hidrelétricos dessa fase
pioneira da Cemig, ao pensarem para
além das fronteiras de Minas, deram
origem a sistemas integrados de
produção e distribuição de energia
elétrica como Furnas, que fizeram
daquele núcleo central de Minas,
a base para o sistema interligado
brasileiro de energia elétrica.
Atualmente, a Cemig atende cerca
de 30 milhões de pessoas em 805
municípios em Minas Gerais e Rio de
Janeiro e é responsável pela gestão
da maior rede de distribuição de
432
energia elétrica da América do Sul,
com mais de 525.224 mil quilômetros
de extensão. Novas usinas foram
implantadas por todo interior do
estado. As hidrelétricas são mais
recorrentes no Triângulo Mineiro,
devido ao maior potencial hidráulico
dessa região. Mas mesmo regiões com
poucos recursos hídricos como o Vale
do Jequitinhonha, conta hoje com
a instalação da usina hidrelétrica
de Irapé – Usina Presidente Juscelino
Kubitschek –, nos municípios de Berilo
e Grão-Mogol
No entanto, a diversidade de
ecossistemas em seu território, permite
ao estado mineiro, um quadro rico
em alternativas para produção
de energia elétrica. Em Pirapora,
no norte do estado, em 2016, foi
iniciada as obras para implantação
do Complexo Solar Pirapora. A
maior usina de geração de energia
fotovoltaica da América Latina será
instalada pela espanhola Solatio
Energia em parceria com a Canadian
Solar, que fornecerá os painéis solares.
O complexo será composto por cinco
usinas fotovoltaicas, com potência
instalada total de 150 megawatts
(MW) e capacidade para atender
a demanda de 189.842 residências.
Além da incidência do sol, a região foi
escolhida para instalação do projeto
por contar com uma subestação de
energia que permitirá a conexão
da nova unidade geradora com o
sistema nacional.
O potencial eólico do estado, por
sua vez, vem sendo mapeado desde
1981 quando a Cemig iniciou a
execução do projeto Estudos sobre
Aproveitamento de Energias Solar
e Eólica em Minas Gerais. Em 1992,
iniciou-se o projeto de construção
da Usina Eolioelétrica Experimental
(UEEE) do Morro do Camelinho, em
Gouveia. Localizada na Serra do
Espinhaço, a 1350 m de altitude, a
região foi considerada, nesse período,
o local com características mais
adequadas para a implementação
do parque eólico: melhor regime de
ventos, presença de uma rede de
transmissão e de uma infraestrutura
desenvolvida. A Usina foi inaugurada
em 1994, tornando a Cemig a primeira
concessionária no Brasil a implantar
uma usina eolioelétrica interligada
ao sistema elétrico nacional. Mas, o
alto custo com a manutenção dos
equipamentos levou a desativação
da usina.
Minas Gerais conta ainda com
usinas termelétricas, como a de
Ipatinga, Formoso, Barreiro e Igarapé.
A usina termelétrica de Ipatinga foi
construída pelas Usinas Siderúrgicas
de Minas Gerais (Usiminas) e foi
inaugurada, em 1986. A energia
produzida a partir do aproveitamento
dos combustíveis gasosos produzidos
pela própria Usiminas. Tratava-se de
um dos maiores investimentos de
co-geração de energia até então
desenvolvidos no país. Em 2000, a
empresa foi adquirida pela Cemig.
A usina termelétrica do Barreiro,
localizada no bairro do Barreiro,
em Belo Horizonte, por sua vez, foi
construída pela Cemig em parceira
com a siderúrgica franco-alemã
Vallourec & Mannesmann Tubes do
Brasil (VMB). é uma unidade de cogeração que aproveita combustíveis
residuais dos processos de produção
da siderúrgica. A usina termelétrica
de Formoso, localizada na região
noroeste de Minas Gerais, inaugurada
em 1992, foi a primeira usina da Cemig
a se valer da gaseificação de carvão
vegetal para gerar eletricidade e a
usina termelétrica de Igarapé, no
município de Juatuba, é a única
usina à base de óleo combustível da
Cemig.
Atualmente, o Brasil é referência
internacional na área energética,
na produção de petróleo em
águas profundas, na produção de
etanol, no seu parque de geração
hidrelétrico, no aproveitamento da
energia eólica, no seu extenso e
integrado sistema de transmissão de
energia elétrica e, especialmente, na
capacidade de renovar, não apenas
sua matriz energética, como os meios
de produzir energia elétrica. Em 2010,
81% do total produzido de energia
elétrica, no país, foi por meio das
hidrelétricas. Em Minas Gerais, como
em todo país, a hidroeletricidade se
mantém como principal meio para
gerar energia elétrica.
433
Mas, a descoberta de novas
fontes de energia, novos tipos de
matérias-primas, melhor maquinaria
e métodos de produção inovadores,
tendem a reverter esse quadro.
Quando olhamos para o futuro
daqui a vinte anos, esperamos
produzir e consumir muito mais do
que hoje. As chances para superar
qualquer problema de escassez de
recursos são boas: energia eólica,
fotovoltaica, biodiesel, biomassa, gás
natural, geotérmica e Minas Gerais
tem potencial para a produção de
muitas delas. Porém, crescimento
econômico e desenvolvimento
cientifico se passam numa mesma
frágil biosfera e cada avanço produz
forte impacto ecológico. A maior
parte do território mineiro enfrenta
problemas relacionados ao meio
ambiente. Em mais de 40% dos
municípios de Minas Gerais, o índice
de degradação ambiental chega a
100%.
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436
437
O Porta l Bra sil
Seg ura nça
p ública
por Vladimir de Paula Brito
e Christian Guimarães
1- Introdução
Discutir segurança pública em Minas
Gerais é debater uma temática
complexa, de múltiplas dimensões e
olhares, em que são percebidos uma
ampla variação de conceitos chave,
que variam conforme o interlocutor.
Sob esses variados olhares segurança
pode ser um estado da mente,
uma sensação ou percepção de
se estar seguro. Também pode ser
compreendida como a defesa do
Estado e do império da lei ante
eventuais transgressores. Igualmente
é compreendida para muitos como
a defesa dos direitos dos cidadãos,
sendo a garantidora dos direitos
constitucionais de cada indivíduo.
Outro viés envolve ainda a ideia de
instituições, como as polícias ou o
sistema judiciário, voltadas para a
aplicação da lei ou para a garantia
da ordem pública.
Nesse conjunto de diferentes
interpretações um elemento a
ser considerado nas reflexões
relacionadas à segurança pública
é justamente a dualidade entre
suas dimensões objetiva e subjetiva.
Objetivamente, a segurança
pública é observada nos números
das ocorrências criminais, nos
acontecimentos diários em que
muitas vezes variadas formas de
violência estão presentes. Por outro
lado, subjetivamente, expressa a
439
percepção dos indivíduos em relação
à segurança, seus sentimentos sobre
o que seja estar seguro. Aqui cabe
notar que tais perspectivas não
necessariamente convergem para
uma única tradução da realidade.
De todo modo, como aponta Soares
(2017)
Isso mostra que, ainda que
analiticamente seja necessário
fazê-lo, no fluxo da vida real, a
sensação, fruto da percepção,
e os eventos criminais – ou assim
interpretados– são duas faces da
mesma moeda, são dimensões
inseparáveis, e ambas as faces têm
de ser levadas em conta tanto na
conceitualização da segurança
quanto
na
elaboração
de
diagnósticos e de planos de ação
institucionais e governamentais.
Considerando essas facetas Soares
(2017) define que a segurança
pública é “a generalização da
confiança na ordem pública, a qual
corresponde à profecia que se autocumpre e à capacidade do poder
público de prevenir intervenções
que obstruam este processo de
conversão das expectativas positivas
em confirmações reiteradas”. Nessa
acepção quanto maior a confiança
dos indivíduos em relação a segurança
e bem-estar comuns ou no tocante a
punição dos eventuais transgressores,
maior a probabilidade de que
essas mesmas pessoas contribuam
mesmo que involuntariamente para
a manutenção dessa referida ordem
pública.
440
Delimitando um pouco mais o
tema do presente texto, sob o
viés governamental a segurança
é reconhecida como um direito
fundamental do homem, e definese como uma das finalidades
primordiais do Estado moderno.
Em relação à segurança pública,
o Estado brasileiro a reconhece
como dever do Estado e direito e
responsabilidade de todos. Essa
pode ser entendida como um serviço
público, baseado na prevenção e
na repressão qualificada à violência
e à criminalidade, “com respeito
à equidade, à dignidade humana
e guiado pelo respeito aos Direitos
Humanos e ao Estado democrático
de Direito” (FÓRUM BRASILEIRO DE
SEGURANÇA PúBLICA, 2017).
Assim, tomando segurança pública
como um “dever do Estado”, que
é concretizado em um “serviço
público”, um primeiro desafio envolve
a compreensão de como o aparato
estatal se desenvolveu para lidar com
esse fenômeno. Um grande desafio
para as organizações do Estado
no desenvolvimento dessa função
reside no fato de que o fenômeno
criminal se apresenta de múltiplas
formas, com naturezas inteiramente
distintas entre si. A mesma estrutura
que deve lidar com crimes de
pedofilia, estupro e violência de
gênero também enfrentará o desvio
de verbas públicas. Enfrenta-se do
furto, tráfico de drogas e homicídio
à sonegação fiscal e crimes
ambientais. Para, além disso, existe
ainda o elemento temporal a ser
considerado. As prioridades das
instituições do Estado e da sociedade
do que sejam ameaças à segurança
pública tendem a sofrer enormes
variações de acordo com o passar
das décadas e séculos.
Com naturezas tão diferentes
é possível então concluir que
os elementos causais para a
ocorrências de crimes possam variar
enormemente. No plano individual,
podemos encontrar fatores psíquicos,
associações e relações pessoais, a
exposição a fatores criminógenos
como armas e drogas psicotrópicas.
Também há os elementos estruturais
de ordem social, econômica
e demográfica, como renda,
desigualdade socioeconômica,
adensamento populacional e
estrutura etária. Ainda podem
ser apontados fatores estruturais
relacionados à própria capacidade
da ação coercitiva do Estado para
prevenir e reprimir o crime, por
meio do sistema de justiça criminal
(CERQUEIRA, 2014).
No Brasil, a estrutura disponível
que leva aos indivíduos o pretenso
direito a segurança, permitindo o
pleno exercício da sua cidadania,
está predominantemente sob a
responsabilidade executiva dos
Estados. Todavia, desde meados do
século XX a arquitetura institucional
de segurança nesses mesmos Estados
é determinada quase inteiramente
por um arcabouço jurídico
federalizado. Assim, enquanto os
desafios nessa temática obedecem a
peculiaridades locais, a estrutura das
organizações é acentuadamente
similar. Mudanças profundas nas
polícias, por exemplo, exigiriam
alterações na legislação federal e na
própria Constituição da República.
Por conseguinte, essa padronização
em como o Estado se apresenta
pode infundir a falsa compreensão
de que Segurança Pública se
constitui como um único fenômeno
de norte a sul do país. Igualmente é
repassada aos governos estaduais
uma responsabilização junto à
população sobre as falhas do sistema,
sendo que as margens de manobra
de governadores e secretários de
segurança são limitadas por essa
estrutura jurídica.
O Sistema de Segurança Pública,
que se compõe das organizações
com atribuições para a prevenção e
controle da violência e criminalidade
é o principal foco de análise do
presente trabalho. Porém, com a
delimitação geográfica da análise
localizada no Estado de Minas
Gerais. Apesar de que diferentes
dimensões da Segurança Pública
poderiam vir a ser objeto de estudo,
tal escolha se explica em muito pela
pouca evolução desse sistema que
mantém sua arquitetura e lógica
presas as matrizes fundacionais que
remontam a aproximadamente dois
441
séculos. Tal fato em muito contribui
para o fracasso no cumprimento de
sua missão institucional e, diante de
quadro tão desafiador, representa
significativo avanço adequar toda
essa estrutura ao século XXI. Nesse
sentido, compreender as instituições
e seus processos é um instrumento
basilar para que se pensem as
mudanças necessárias nesse serviço
do Estado. Paralelamente, o recorte
territorial focado em Minas Gerais
da presente pesquisa se justifica
pela complexidade das próprias
instituições, processos e políticas
que compõem o tema. Conforme
observado, apesar da aparente
uniformidade interestadual Minas
Gerais apresentou uma ampla gama
de peculiaridades em relação ao
processo formador do seu sistema
de segurança pública. Em que
pese o hermetismo da estrutural
legal vigente, o processo formador
do que seja segurança pública nas
Minas Gerais foi bastante peculiar em
relação ao restante do país.
Tão importante quanto à
delimitação geográfica dessa
temática, situando-a no contexto
mineiro, é a análise do processo de
evolução histórica das organizações
voltadas para a segurança. As raízes
de instituições como a Polícia Militar
de Minas Gerais ou o judiciário, por
exemplo, remontam ao final do
século XVII e início do Século XVIII,
trazendo características desse tempo
que ainda estão profundamente
442
enraizadas até os dias de hoje. O
mesmo se dá com a Polícia Civil
cujas origens se mesclam com
o nascimento dos tribunais no
país, em que a sobreposição de
funções e ausência de fronteiras
funcionais perdurou por séculos. Às
vezes o que para muitos pode ser
considerado um comportamento
errático das instituições de segurança
defendendo prerrogativas e papeis
na contramão de suas atuais
finalidades, para os que carregam
o peso de uma tradição histórica
secular é tão somente a manutenção
de um legado a ser preservado.
Dessa maneira, o texto busca em
um primeiro momento identificar as
origens das instituições de segurança
no Estado de Minas, sua evolução,
bem como a evolução do próprio
conceito de segurança pública no
Estado. De posse desse alicerce se
tem um segundo momento em que
são discutidos os desafios atuais sob
a égide desse horizonte histórico e
geográfico.
Se mudanças são necessárias nessa
temática, o primeiro passo é a justa
compreensão de suas raízes e dos
desafios presentes.
2 - Contexto originário
A questão da segurança pública
é um dos aspectos marcantes da
conformação do Estado de Minas
Gerais desde suas mais remotas
origens. Como todas as regiões do
mundo “desabitadas” em que
surgia a promessa de riqueza rápida,
o povoamento da região de Vila
Rica (atual Ouro Preto) ocorreu de
maneira quase incontrolável depois
que a notícia da descoberta do
ouro se espalhou pelas Américas e
Europa. Em um primeiro momento
milhares de aventureiros dos mais
distantes rincões do Brasil e Portugal
se deslocaram para a região em
busca de fortuna, sendo secundados
por europeus de todos os matizes.
Vila Rica, nas primeiras décadas do
século XVIII, chegou a se constituir
como a cidade mais populosa das
Américas, com mais habitantes que
Nova York.
No entanto, esse crescimento
desordenado se provou insustentável
em termos logísticos, gerando como
consequência quase imediata a
carência generalizada de produtos
alimentícios. Em um episódio que
ficou conhecido como “a grande
fome” muitas pessoas morreram e
milhares fugiram para os bosques
em busca de sustento. Os “paulistas”,
como aventureiros acostumados
às entradas e bandeiras cuja
sobrevivência em meio a natureza
era quase um hábito, conseguiram
estratégias mais eficientes para
lidarem com a falta de alimentos, os
demais brasileiros e portugueses não.
Conforme descrição feita no período:
Sendo a terra que dá ouro
esterilíssima de tudo o que se há
mister para a vida humana, e
não menos estéril a maior parte
dos caminhos das minas, não se
pode crer o que padeceram ao
princípio os mineiros por falta de
mantimentos, achando-se não
poucos mortos com uma espiga
de milho na mão e uma pepita
de ouro noutra, sem terem outro
sustento (ANTONIL, 1711).
Em meio a esse cenário de miséria
e fome generalizada comida valia
mais do que ouro, pois era a garantia
de sobrevivência imediata. Na busca
por alimento até mesmo as ricas
lavras de minério ficaram desertas,
se tornando alvo de saqueadores,
ladrões e invasores. Com picos em
1699 e 1701, a situação somente
começou a se normalizar a partir de
1706 (ROMEIRO, 2008). Para além do
ouro, alimentos eram fonte de cobiça
e, portanto, alvo de ações violentas,
com assassinatos e saques.
Por outro lado, a fome também
trouxe oportunidades para diversos
setores sociais no Brasil e no
exterior. Ante tamanha escassez de
gêneros alimentícios fazendeiros,
comerciantes e prestadores de
serviços diversos logo começaram
a se assentar em cidades próximas
da região das minas com o intuito
de atender a forte demanda gerada
443
444
pelo povoamento exponencial.
Cidades foram erigidas de simples
vilarejos, aglutinando milhares
de novos moradores. Para além
dos locais de extração do ouro
“caminhos” foram traçados em
direção ao Rio de Janeiro, São Paulo
e Bahia, gerando novos vilarejos e
cidades relativamente distantes das
minas, mas com importante papel de
fornecedoras de alimentos e insumos.
O fluxo de novos mineradores, tropas
de bois, produtos agrícolas, bens e
mercadorias se tornou grande e
quase ininterrupto. Todavia, mais
do que os complexos problemas
de abastecimento, todo esse
crescimento gerou um grande
paradoxo ao Estado português,
pondo em xeque seu modelo de
colonização de até então. Uma
vez que o reino precisava de meios
logísticos para assegurar a exploração
do ouro, igualmente pretendia
controlar o acesso local evitando o
contrabando do metal precioso bem
como o próprio fornecimento de
carne clandestino. Se eram fundadas
vilas e cidades estas deviam ser
policiadas, se estradas surgiam seu
fluxo devia ser fiscalizado, pois o
ouro somente era legalizado quando
fundido e cunhado.
em que o interior do país fora deixado
anteriormente como responsabilidade
apenas das elites locais, leia-se os
proprietários de terras. Até então
a colonização portuguesa nos
séculos XVI e XVII fora desenvolvida
centralmente a partir do litoral.
Focada inicialmente na exploração
da madeira e posteriormente nas
grandes empresas de produção de
açúcar para exportação, o controle
colonial do território era um encargo
da iniciativa privada, mediante as
grandes capitanias hereditárias. Por
conseguinte, o cerne do esquema
Assim, concomitantemente a
esse amontoado incontrolável de
novos indivíduos, caminhos e cidades
onde antes nada havia, tinha-se um
Estado português extremamente
frágil, em um modelo de colonização
Nesse
sentido,
ao
lidar
originariamente com esse inusitado
crescimento populacional nas
Minas, no interior profundo do
Império Colonial Português inexistia
um aparato que permitisse ao Rei
de segurança e defesa lusitano
envolvia uma marinha poderosa que
protegesse o litoral do ataque de
piratas e das potências concorrentes,
enquanto o interior do continente era
deixado por conta dos proprietários de
terras e suas milícias privadas. Com a
descoberta do ouro e a interiorização
do desenvolvimento econômico,
profundas mudanças tiveram que
ser realizadas nesse modelo de
colonização e mais precisamente
na estrutura de segurança e defesa
do Estado. Mudanças essas que
alteraram profundamente a lógica
de segurança pública das Minas
Gerais impactando, todavia, todo o
país.
assegurar os objetivos do Estado de
controle sobre o ouro e muito menos
garantir a lei e a ordem para a
crescente população local. Embora
a extração de riquezas exigisse um
constante fluxo de pessoas e bens,
ao mesmo tempo fragilizava o
controle português sobre o ouro e
sua tributação mediante a coleta
da quinta parte desse ao tesouro do
Rei.
C o m o con sequ ên cia a e ssa
lógica de controle o Estado elegeu
o enfrentamento dos setores
que atuavam para minar a sua
soberania sonegando impostos,
contrabandeando produtos e
arquitetando revoltas e insurgências.
Controlar estradas, limitar o fluxo de
pessoas, obrigar a cunhagem de
moedas e combater movimentos
armados era a prioridade das
forças de segurança portuguesas.
Como observado, vindo de um
modelo colonial em que a “lei” era
imposta pelas elites locais, o Império
Português passou a competir com
os seus outrora colaboradores na
tentativa de fortalecer o poder
central. Se antes os adversários eram
as potências concorrentes como
França ou Holanda, que objetivavam
saquear ou tomar parte do litoral
brasileiro, agora era no interior dos
domínios que a disputa por riquezas
estava dada. Era política do Império
Português tomar sua justa parte de
ouro mediante pesada tributação
bem como o controle das riquezas
(SODRé, 2010, p. 19-80).
Inevitavelmente essa pesada
tributação foi o principal fato gerador
de revoltas dos “poderosos” locais em
que o equilíbrio político-econômico
vigente fora rompido pela Coroa.
As Minas Gerais, praticamente
inexistentes no mapa colonial do Séc.
XVI, se tornariam um dos principais
focos de conspirações e conflitos
brasileiros no final do Séc. XVII. Um
panorama desse cenário é dado
pelo relato do Conde de Assumar1
(1720) sobre as insurgentes terras das
Minas Gerais e os conflitos com sua
elite:
...os motins são naturais das Minas,
e que é propriedade e virtude do
ouro tornar inquietos e buliçosos
os ânimos dos que habitam
as terras onde ele se cria. Pelo
menos, eu acho que, depois que
se principiou a tirar ouro, se viram
as primeiras dúvidas e contendas
no mundo: retirou-se a justiça para
o céu, e produziu a terra gigantes
e poderosos, que, atrevidos,
rebeldes e insolentes, intentaram
levantar-se contra o seu soberano.
E bem que nesta forma tenha a
maior parte dos mineiros alguma
desculpa em frequentar os motins,
a que interiormente os inclina a
força e arrasta a natureza, que
podendo os não castiga, nenhuma
desculpa têm (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 1994).
1
Foi o terceiro Governador e
Capitão-mor da Capitania de São Paulo
e Minas do Ouro em Mariana Minas
Gerais. 1717 a 1721.
445
Sob esse prisma a Guerra dos
Emboabas (1707 a 1709), a Revolta
de Felipe dos Santos (1720), a
Inconfidência Mineira (1789),
foram grandes irrupções em um
amplo contexto de conflagração
permanente. Menos conhecidas,
mais conflagrações violentas
aconteceram ainda em Minas Gerais
nesse mesmo período histórico, tais
como os levantamentos de Vila do
Carmo (1713), Sabará, Vila Nova da
Rainha, Vila Rica e Vila do Carmo
(1715), a revolta negra em Vila Rica
(1719), a revolta escrava em Catas
Altas (1735), “a sedição do sertão do
rio São Francisco, ocorrida em 1736, e
que se voltou contra as autoridades
reais e a capitação – cobrança
dos quintos reais (impostos) feita
com base no número de escravos”.
Motins ocorreram também em
Campanha do Rio Verde, entre 1743
e 1746. Além disso desabrocharam
inconfidências em lugares isolados de
Minas – Curvelo (1760-1763), Mariana
(1769), Sabará (1775) e novamente
Curvelo (1776) – continuamente em
razão de fricções com autoridades
e seus acompadrados (ANATASIA,
1994; VILLALTA, 2013). Em que
pese sua relativa frequência, essas
conflagrações se constituíram tão
somente como pontos de tensão
em uma imensa trama de sedições
mescladas por pequenas revoltas,
reuniões clandestinas, contrabando
de ouro, sonegação fiscal em
grande escala e até mesmo pelo
contrabando de gado e alimentos
446
em que a soberania e controle do
Rei estavam constantemente em
cheque. Assim, as elites outrora aliadas
do Estado colonial e proprietárias de
capitanias se tornaram seu principal
antagonista.
Além dessas ações capitaneadas
pelos potentados locais descontentes,
também se envolviam nesse clima de
violência e conspiração reinantes os
setores sociais menos favorecidos.
Fugas de escravos eram articuladas
em quilombos, rebeliões negras
eram planejadas, escravos foragidos
mesclados a população miserável se
articulavam em bandos para roubar
estradas e vilarejos, aventureiros
matavam e morriam para conseguir
glebas de exploração de ouro ou
até mesmo vizinhos levavam suas
disputas às últimas consequências
sabedores de que inexistia um
aparato do Estado para fazer cumprir
a lei, ao menos sob o prisma da
segurança dos súditos. Conforme
descreve o registro de época do
aventureiro Antonil (1711): “não há
ministros nem justiças que tratem ou
possam tratar do castigo dos crimes,
que não são poucos, principalmente
dos homicídios e furtos”. Em outra
passagem acrescenta ainda:
Os vadios que vão às minas para
tirar ouro não dos ribeiros, mas
dos canudos em que o ajuntam
e guardam os que trabalham
nas catas, usaram de traições
lamentáveis e de mortes mais que
cruéis, ficando estes crimes sem
castigo, porque nas minas a justiça
humana não teve ainda tribunal
e o respeito de que em outras
partes goza, aonde há ministros de
suposição, assistidos de numeroso
e seguro presídio, e só agora
poderá esperar-se algum remédio,
indo lá governador e ministros.
Como se pode facilmente inferir
os súditos mais humildes de sua
majestade se viam constantemente
presos em um conflito de grandes
proporções entre os detentores do
poder político e econômico local
e o poder imperial português. Para
além disso, essa mesma população
era concomitantemente vítima e
algoz de indizíveis violências. Como
as milícias locais serviam aos seus
próprios senhores constituindo-se
como um instrumento privado ao
mesmo tempo em que a coroa
portuguesa tinha como centro de
suas preocupações o controle do
território e o ouro, a estrutura de
segurança pública praticamente
inexistia.
3 - Formações originárias das
instituições de segurança
A lógica formadora do aparato
de segurança pública mineiro bem
como de suas políticas foi balizada
por uma relação pendular entre
diversas forças antagônicas que
também marcaram a evolução
do Estado de Minas, em particular,
e mesmo do país de maneira mais
ampla. Organizações públicas
versus organizações privadas,
busca por centralização por parte
do Estado e por descentralização
pelas oligarquias locais, tensão
entre civis e militares, doutrina
de segurança nacional e direitos
humanos dentre outros aspectos.
Mais do que caminhos lineares, têmse um mosaico de descontinuidades
e rupturas, em que o atual panorama
foi sendo bricolado por um
aparentemente anárquico conjunto
de ações. Contudo, marcadamente,
como já antes destacado, o modelo
de segurança pública mineiro foi
demarcado pela dicotomia entre a
busca pela “ordem pública” como
política principal em detrimento de
outro aspecto igualmente relevante
às instituições de segurança que seria
a “defesa dos direitos dos cidadãos”.
Ao contrário da metrópole Lisboa, ou
mesmo da capital Rio de Janeiro, as
Minas foram ocupadas tendo como
peculiaridade o enfrentamento da
Coroa ao “inimigo interno” pela
disputa do controle das riquezas
minerais ao mesmo tempo em que,
no contexto da escravidão, os
negros deveriam ser controlados e
enfrentados (COTTA, 2012, p. 43-106).
Dessa maneira, conforme observado
em um primeiro momento no processo
de ocupação das regiões auríferas,
inexistia qualquer fenômeno que
pudesse ser caracterizado como
algo relativamente próximo ao
moderno conceito de segurança
pública. Mediante as capitanias
hereditárias como alavancadoras
447
de recursos humanos e financeiros
para a colonização, o processo de
ocupação do Brasil, e das Minas
Gerais mais especificamente, foi
antes de tudo um acontecimento de
cunho marcadamente privado em
suas origens. As chamadas bandeiras,
um empreendimento de aventureiros
e grandes proprietários que saiam
riçando as serras e sertões a procura
de mais riquezas territoriais e minerais
bem como de índios para serem
escravizados, foram as responsáveis
pela ocupação e colonização inicial
do interior brasileiro. Assim, quando
da descoberta do ouro na região
da futura Vila Rica em 1693 e nos
primeiros anos de sua exploração
o poder e a segurança locais
eram dos potentados da região e
de seus “Corpos de Ordenança”,
que eram constituídos, armados
e chefiados diretamente pelos
grandes proprietários de terras e
das glebas de mineração. Dada
a fragilidade da Coroa dentro do
próprio território, a expulsão dos
paulistas da região dando o controle
direto da exploração aos súditos mais
próximos de Sua Majestade, entre
1707 e 1709 na Guerra dos Emboabas,
foi levada a cabo pelos mesmos,
sem participação direta do Estado
colonial dada sua quase inexistência.
Aproximadamente uma década
depois, já como decorrência do
processo exploratório português,
quando do contexto da Revolta de
Vila Rica (Felipe dos Santos) o então
448
governador Conde de Assumar
solicitou o envio de tropas de primeira
linha portuguesas, o qual foi atendido.
Em 1719 chegaram os Dragões Del Rey
com o papel inicial restrito “à guarda
dos governadores, ao comboio da
Fazenda de sua Majestade e ao
socorro contra os poderosos, que
se faziam fortes com seus escravos”
(COTTA, 2014, p. 69). Percebe-se,
portanto, que a função das primeiras
tropas pertencentes diretamente ao
Estado com o papel de segurança
interna seria principalmente o de
assegurar o recebimento do quinto
do ouro extraído e a subjugação
dos “poderosos” locais, que de
aliados se transformaram em rivais
do rei. Compostos por portugueses,
os Dragões projetavam o poder
real sobre os grupos privados de
até então. Compete observar que
nesse contexto inicial é facilmente
perceptível que a segurança da
população inexistia como um ativo
a ser alcançado ou sequer buscado.
Desde que a violência e o crime
privados não afetassem a ordem
pública necessária aos negócios do
reino, ou seja, a extração de ouro,
pouco importava o destino individual
dos cidadãos. Segurança “pública”
seria, portanto, as medidas para
que o Estado não fosse furtado nem
tivesse seu controle do território posto
em questão seja por potentados,
bandoleiros, quilombolas ou índios.
Uma vez que as elites foram
relativamente subjugadas, com o
avançar do século XVIII o Império
Português foi obrigado a se apoiar
novamente nessas mesmas elites,
conformando Corpos Auxiliares e
Ordenanças como meios acessórios
ao relativamente reduzido efetivo
dos Dragões. Em 1775 foi criado o
Regimento Regular de Cavalaria de
Minas, considerado como a unidade
fundacional da Polícia Militar de
Minas Gerais. O estabelecimento do
regimento foi uma clara anuência do
governo quanto a inevitabilidade de
contar com recursos humanos locais
para compor o quadro permanente
do aparato de segurança estatal.
Por instáveis que fossem as relações
com os poderosos locais, os
caminhos do ouro eram muitos e a
capacidade portuguesa de fornecer
recursos militares limitada, tendo em
vista os constantes conflitos pela
hegemonia cisplatina no sul do país.
De tal modo que, mesmo herdando
o remanescente dos Dragões Del
Rey, o Regimento de Cavalaria se
assentava majoritariamente sobre a
população mineira.
Nesse ponto da evolução histórica
compete notar que a Inconfidência
Mineira de 1789 contou com
representantes desse grupamento
de cavalaria dentre outros setores
militares participantes, sendo a mais
conhecida a do Alferes Joaquim José
da Silva Xavier. Todavia, os potentados
regionais não representavam mais
uma ameaça militar de grande
magnitude. No cenário de atuação
do Regimento de Cavalaria e grupos
auxiliares “intensificaram as ações
de tentativa de controle social e a
repressão aos extravios, contrabandos
e quilombos” (COTTA, 2014, p. 103).
Se não existiam mais propriedades
que se constituíam como verdadeiros
Estados autônomos dentro do Império
Português, o conflito de cunho social
para subjugar quilombolas e demais
parias se mantinha constante.
Conforme será observado adiante,
sob o prisma da imposição ostensiva
da lei desde os primórdios toda
a estrutura do Estado nas Minas
dependia (e ainda depende) de
suas organizações militares. O que
a evolução histórica alterou foi a
amplitude da atuação, que, todavia,
sempre se manterá marcada pela
centralidade da busca constante
pela “ordem pública”. Por outro
lado, sob o viés da promoção da
justiça e da investigação judiciária
dos atos criminais mudanças mais
significativas foram sofridas pelas
instituições estatais. Quando do início
da presença de fato do governo
português nas Minas as principais
instâncias judiciais estabelecidas
foram as Câmaras, a Junta de Justiça
e a figura do Ouvidor.
Estabelecida em 1731 a Junta de
Justiça era baseada em Vila Rica
e atuava julgando crimes como
desobediência militar, sedições,
rebeliões e homicídios, tendo até
mesmo o poder de condenar à pena
449
capital a população não branca. Era
presidida pelo próprio governador da
capitania e composta pelos quatro
ouvidores das comarcas de Minas
dentre outros personagens de relativa
importância. Por sua vez o Ouvidor
respondia pela segunda instância em
sua comarca, tanto conferindo os
processos julgados quanto analisando
recursos e agravos às decisões dos
juízes de primeira instância. Também
podia atuar diretamente em primeira
instância avocando para si devassas,
em caso de morte, e também
decretando correições nas Câmaras
da comarca. Tal qual o Ouvidor,
os Juízes de Fora eram letrados
compostos por indicações do rei,
ao contrário dos Juízes Ordinários os
quais não tinham necessariamente
elevada escolaridade ou mesmo
razoável aprofundamento nos
conhecimentos legais. Por fim,
tinham-se as Câmaras compostas
por “homens bons” em que eram
mescladas funções dos três poderes
onde se resolviam questões cotidianas
dos centros urbanos (ANTUNES, 2007,
p. 172). Observa-se ainda nesse
arcabouço institucional a ausência
de uma estrutura especializada na
investigação de denúncias e crimes,
próxima ao que seria uma polícia
judiciária. Como inexistia separação
entre poderes todo levantamento de
informações era levado a cabo pelos
próprios juízes e o seu entorno ou
pelos advogados das partes, tudo de
maneira relativamente improvisada.
Sob o viés do uso da força decisões
450
tomadas por instâncias como a Junta
de Justiça ou as Câmaras contavam
com o apoio militar, que lhes era
outorgado pela simples presença
em sua composição de detentores
formais do que veio a ser conhecido
como poder executivo.
Essa arquitetura legal como
não poderia deixar de ser era
constantemente perpassada pelas
disputas de poder entre os diversos
grupos locais bem como pelas
relações dicotômicas entre os
interesses dos poderosos locais em
confronto com as pretensões da Coroa
portuguesa. Tráfico de influência e
relações de mutua promoção de
interesses eram corriqueiros bem
como suspeitas de corrupção. A
insatisfação com o próprio caráter
do Judiciário também estava
igualmente presente, com acusações
de parcialidade nos julgamentos
bem como do estabelecimento de
privilégios financeiros em detrimento
dos demais compromissos do Estado.
Exemplo desse desagrado com o
sistema judiciário em formação, tanto
por parte da população quanto do
próprio governo, foi a publicação
do alvará de 15 de outubro de
1754 por D. José I, Rei de Portugal.
Nele se legislava sobre os “salários
e assinaturas” dos oficiais da Justiça
em Minas Gerais, uma vez que esses
estabeleceram para si mesmos
remunerações extremamente
elevadas. Mais do que um problema
estritamente governamental os
custos do que seria os primórdios
do poder judiciário recaiam sobre
a população mais pobre, vez que o
mesmo erário atendia da construção
de pontes e acessos até aos
salários. Para além de mera questão
pontual, o tema das despesas e das
características da Justiça permearam
a capitania das Minas desde os seus
primórdios. Uma ocorrência que
ilustra adequadamente o caráter
originário dessas insatisfações foi a
Sedição de Vila Rica em 1720. Essa
rebelião teve justamente como uma
de suas bandeiras a reivindicação
da diminuição dos rendimentos
dos oficiais (de justiça) e a redução
dos custos judiciais. Em que pese a
repressão sobre os sediciosos, em
1721 foi publicada uma primeira
normatização sobre salários e
emolumentos da Justiça de Minas
Gerais (ANTUNES, 2007) que seria
complementada, como observado,
pela de 1754. Mais de três décadas
entre as duas normas é um indício da
ininterrupção do problema.
Como descrito, originariamente
primeira e segunda instância
funcionavam em Vila Rica permitindo
maior articulação entre as múltiplas
esferas de poder, o que se traduzia
também em acordos não muito
éticos sobre salários ou decisões de
processos. Contraditoriamente, essa
primazia das instâncias locais no
processo decisório dos litígios entre os
colonos ou desses para com a Coroa
tinha também um papel positivo nas
difíceis relações com o Rei. Embora
existisse um já vasto arcabouço legal
promovido pelo Império Português,
primava uma espécie de direito
consuetudinário colonial, em que
normas e leis eram reinterpretadas
pela Justiça na colônia a partir
dos costumes e convenções locais
servindo na prática como mediadoras
de conflitos com os colonos. Desta
forma, os elevados salários, as
revisões de valores de impostos ou
mesmo perdões de insurgências e
revoltas serviam como um processo
de reacomodamento entre interesses
locais e as pretensões da metrópole.
O próprio aparato instituído na
colônia identificava e mediava os
eventuais exageros de um Estado
português situado a milhares de
quilômetros na condução de uma
população propensa a revolta,
vivendo em meio a uma realidade
violenta e premida por uma elite
local cobiçosa. As distantes leis
portuguesas eram interpretadas e
redecodificadas de acordo com a
conjuntura e suas necessidades de
governabilidade. Sob o prisma do
Rei salários extremamente elevados
eram praticados como forma de
cooptação e mesmo uma pequena
dose de corrupção latente seria
melhor do que conflitos de cunho
ruptural.
Com a “a lei da Boa Razão” de 1769
oriunda do despotismo esclarecido do
451
Marquês de Pombal2, que atuou como
ministro do Rei procurando fortalecer
e centralizar o poder do Estado
lusitano, teve-se a transferência das
cortes de segunda instância para a
capital da colônia. De tal modo que
Pombal “erigia o Tribunal da Relação
como a 2ª instância de julgamento,
tirando de todos os responsáveis pela
justiça local, entenda-se os oficiais da
Câmara e os ouvidores de comarca,
essa prerrogativa, o que dificultava o
gerenciamento dos interesses locais”
(ANASTASIA, 2002, p. 38). Existindo
somente o Tribunal da Relação de
Salvador e o do Rio de Janeiro esse
último foi encarregado dos processos
de toda região Sul-Sudeste do Brasil.
Conforme supõe Anastasia (2002),
provavelmente essa ausência de
uma camada de amortecimento
entre o Poder real e as elites locais
tenha influenciado o caráter das
conspirações mineiras que mudariam
o tom da exigência de reformas
para a ruptura completa como
exemplificou a Inconfidência Mineira.
Isso tudo em um contexto prévio
conflitivo associado a uma maior
exigência fiscal com a instituição
da derrama em 1765 pelo mesmo
Marques de Pombal.
2
Sebastião José de Carvalho e
Melo, Marquês de Pombal e Conde de
Oeiras (Lisboa, 13 de maio de 1699 – Pombal, 8
de maio de 1782) foi um nobre, diplomata e
estadista português. Foi secretário de Estado
do Reino durante o reinado de D. José
I (1750-1777).
452
A partir de 1808, coma vinda da
família real para o Brasil o Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro se
tornou a Casa da Suplicação do
Brasil assumindo a justiça de última
instância em todo o território brasileiro.
Como é analisado adiante o Tribunal
de Relação será instituído em Minas
somente em 1873, permanecendo,
portanto, mais de cem anos sem
justiça de segunda instância.
4 - Segurança nas Minas no
decorrer do Século XIX
Na transição para a independência
nacional e o surgimento do Império
do Brasil, como será observado a
seguir, inúmeras instituições relativas
à segurança pública foram erigidas,
modificadas, encerradas e mais uma
vez refundadas, em um processo de
experimentação permanente. Com o
encerramento do vínculo com o reino
português o Estado brasileiro teve
que rever o arcabouço normativo
herdado, ajustando-o a sua nova
e relativamente instável realidade.
Um dos aspectos considerados foi
o da nova correlação de forças
compondo as novas relações de
poder. Ante o vácuo deixado pela
ruptura com o aparato do Estado
lusitano a monarquia brasileira se viu
na contingência de descentralizar
paulatinamente o domínio estatal,
ainda pouco confiável, apoiando-se
nas elites regionais, principalmente
nos proprietários de terras, que
dependiam diretamente do trabalho
escravo. Isso significou, em um
primeiro momento, a vitória dos
interesses locais ante a centralidade
que o Estado português manteve
originariamente na Capitania
das Minas. O Império brasileiro,
no entanto, manteve a principal
característica da estrutura policial
de outrora, qual seja, a política da
“ordem pública” em detrimento de
qualquer política de promoção dos
“direitos individuais” do cidadão
(COTTA, 2012).
Na lógica desse novo contexto
histórico, as instituições que
formatariam com o passar do
tempo a arquitetura do sistema
de segurança pública mineiro se
subordinaram novamente às classes
dirigentes da região. Contudo,
ainda se mantiveram incólumes
as influências do iluminismo ou da
revolução francesa, dada a questão
representada pela escravatura que
não fora findada. Por mais que a
vinda da família real portuguesa ao
Brasil em 1808 tenha representado
a possibilidade da introdução de
uma lógica mais cidadã no trato
com os súditos urbanos na cidade
do Rio de Janeiro, tais políticas não
se mostraram perenes. De fato, o
governo português inicialmente
replicou sua estrutura institucional
de segurança na nova capital do
Reino, com o estabelecimento
do Intendente Geral de Polícia
da Corte e do Estado do Brasil
(1808), tal qual existia em Lisboa
desde 1760. Nessa interpretação
originária do conceito de Polícia,
sua missão seria centralmente de
cunho civilizatório. Sob esse viés
coube ao intendente a fiscalização
da adequada segurança contra
incêndios, o funcionamento das
cadeias, a segurança das ruas, mas
também o aterramento de pântanos,
calçamento de ruas, construção de
pontes, dentre outros processos de
gestão. Tendo atividades de caráter
eminentemente administrativas, o
braço operacional da Intendência
foi a Divisão Militar da Guarda Real
de Polícia, que posteriormente deu
origem a Polícia Militar do Rio de
Janeiro (1809) e à Secretaria de
Polícia (1808), berço da Polícia Civil
do Estado. De tal modo que
Nos primeiros anos da polícia no
Rio de Janeiro, tentou-se conciliar
os ideais da polícia enquanto
civilização com as ideais de
Ordem. Tal conciliação mostrarase bem sucedida em Portugal,
onde fora proibida a escravatura,
como forma de alinhamento aos
paradigmas da nobreza europeia
dos finais do século XVIII. A fórmula
torna-se desarranjada quando
se acrescenta a ela a dinâmica
escravista da sociedade lusobrasileira do século XIX, em que os
direitos do homem não são para
todos, mas sim para uma minoria
(COTTA, 2014, p. 43).
Conforme antes reiterado, as
Minas viviam um outro contexto
colonizatório, em que a obtenção
das riquezas primava sobre qualquer
453
outro tipo de relação econômica ou
política. Se com o fim do ciclo do ouro
e a “conquista” da independência
foi eliminada a necessidade de
subjugar os setores sociais dissidentes
da população branca proprietária, o
imperativo de dominar a população
negra não somente se manteve
bem como recrudesceu, já que
a economia agrícola dependia
quase inteiramente dessa mão
de obra. Herdando uma lógica
de funcionamento originada de
um governo que operava tal qual
uma força de ocupação sobre o
território debelando os setores sociais
descontentes, parte dos atores tidos
como ameaça à ordem pública
se manteve incólume na visão
ordenatória do Estado.
Como a mineração era baseada
quase inteiramente no trabalho
escravo, engendrou-se uma enorme
população de origem africana.
Dessa maneira, passado o temor
das rebeliões fomentadas por
potentados, o terror de uma revolta
quilombola em grande escala
permaneceu como uma constante.
Tal temor não era sem fundamento,
diga-se de passagem. Diversas
revoltas escravas foram debeladas
no decorrer do século XVII, pairando
sobre os brancos a ameaça do
“Rei negro”. A capitania de Minas
aglutinou uma “população escrava
sem precedentes na América
portuguesa”. Enquanto em 17161717 possuía em seu território 27.909
454
indivíduos escravizados, chegou
a 174.135 em 1789. Isso ante uma
população branca de 70.769 (REIS,
2007, p. 477). Parte dessa população
negra vivia em quilombos, se
mancomunava com bandoleiros e
atacava estradas e fazendas bem
como roubava pertences nas vilas
de maneira a conseguir dinheiro
para comprar sua própria liberdade
(REIS, 2007). Se tais ações poderiam
ser vistas como a resistência de um
povo a ignominia da escravidão,
inegavelmente tinham o efeito
prático de provocar a reação
governamental no reforço das
políticas de “ordem pública”, em
que a questão racial permanecia de
maneira subjacente.
Como decorrência dessa lógica
ordenadora balizada pela política
de repressão e controle social,
as forças de atuação ostensiva e
caráter militar continuaram como o
principal instrumento de segurança
na capitania. A grande mudança
ocasionada pela independência,
como antes mencionado, foi a
descentralização das relações de
poder com o fortalecimento das
elites regionais. Expressão disso foi
a criação da Guarda Nacional em
agosto de 18313 cuja subordinação
Lei de 18 de Agosto de 1831. Crêa as
Guardas Nacionaes e extingue os corpos de
milicias, guardas municipaes e ordenanças.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.
br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18agosto-1831-564307-publicacaooriginal88297-pl.html>.
3
era para com os juízes de paz,
juízes criminais, presidentes das
províncias e Ministro da Justiça, com
o evidente enfoque nos poderes
locais em detrimento do movimento
de centralização anterior. Como
mencionado, dada a fragilidade
inicial da monarquia brasileira, o
Exército e demais estruturas herdadas
do poder português não eram
confiáveis, apresentando diversas
ameaças ao novo governo.
Assim sendo, nesses turbulentos
anos após a proclamação da
independência o Regimento de
Cavalaria de Minas foi remodelado
vez que era herança do período
colonial. Parte do seu efetivo foi
incorporado ao Exército ao mesmo
tempo em que foi criado o Corpo de
Guardas Municipais Permanentes em
12 de dezembro de 1831, que também
aproveitou parte das companhias
remanescentes do Regimento.
Paradigmaticamente, o primeiro
grande desafio dos Guardas como
nova força de segurança nas minas
foi enfrentar uma sublevação militar
em Ouro Preto em 1833 derivada
justamente de um dos diversos polos
de restauração oriundos da corte
(COTTA, 2014, p. 116).
Quatro anos depois os Guardas foram
transformados no Corpo Policial de
Minas, em 15 de dezembro de 1835,
cujo papel era manter a segurança
e ordem pública também fazendo as
vezes de auxiliar da justiça quando
necessário. Em que pese a recém
adquirida denominação de “polícia”,
o caráter de grupamento militar se
manteve evidente. O Corpo policial
enviou contingentes para lutar nas
guerras do Sul do Brasil em 1841 e
também na guerra do Paraguai em
1865. Nesse ínterim entre 1840 e 1875
também operaram paralelamente
Guardas Municipais como forças
auxiliares do Corpo Policial. Todavia,
na medida em que este aumentou sua
penetração na província a estrutura
municipal foi descontinuada. Ainda
nesse contexto do apogeu do
período imperial, em setembro de
1850, por meio da Lei nº 602 4, a
Guarda Nacional foi reorganizada
e manteve suas competências
subordinadas ao Ministro da Justiça e
aos presidentes de província,
provavelmente no que constituiria
um movimento de redução paulatina
ao grande empoderamento dado às
elites locais.
Nesse mesmo contexto histórico, ao
contrário da estrutura miliar ostensiva,
a polícia de cunho investigatório, civil,
teve em seu processo de evolução
um caráter moroso, marcado por
idiossincrasias e contradições ainda
maiores. Enquanto a atividade
policial de cunho ostensivo nasceu
nas Minas desde o início de sua
colonização como uma necessidade
4
Lei Nº 602 - de 19 de setembro de 1850.
Dá nova organização a Guarda Nacional
do Império. Disponível em: <http://legis.
senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.
action?id=64284&norma=80189>.
455
basilar da coroa para impor seu
modelo exploratório, a polícia de
cunho judiciário foi um componente
de criação tardia, sendo erigida
de fato no decorrer do período
imperial. As polícias originárias eram
corpos militares empregados como
forças de ocupação cuja prioridade
absoluta consistia em manter a
ordem social em níveis adequados
a exploração econômica. Por outro
lado, com grande pragmatismo,
uma vez atingida a cota anual de
Sua Majestade, com derrama ou sem
derrama, os desvios ocorridos eram
tratados como perdas aceitáveis.
Logo, as investigações sobre
questões que pusessem em cheque
os interesses econômicos portugueses
seriam levadas a cabo por juízes e
ouvidores com o uso do aparato
militar como braço armado. Crimes
sucedidos a partir do Estado como
roubos ao erário, desvios de verbas,
superfaturamentos, pagamentos de
propinas, salários elevados, dentre
outros, seriam investigados na medida
do possível. Isso, claro, desde que os
governantes e funcionários envolvidos
tivessem a sabedoria de atingir ou
aproximar a arrecadação da cota de
cem arrobas (aproximadamente mil
e quinhentos quilos) de ouro exigidas
pela coroa.
Dessa maneira, no período colonial
as devassas e arrolamentos eram
originadas principalmente nas
ouvidorias, vez que as exigências
investigatórias não eram a prioridade
456
do império lusitano em sua região
aurífera. Porém, com o fim do ciclo
do ouro e o crescimento de vários
polos urbanos no país a realidade
se modificou no período pósindependência. Dessa maneira, no
decorrer do século XIX forçosamente
foram sendo testados diferentes
aparelhos institucionais como
balizadores dessas atividades de
investigação criminal. Diferentemente
do modelo ostensivo de policiamento
em que houve um desenvolvimento
paralelo de instituições na Capitania
de Minas em relação a Lisboa ou o Rio
de Janeiro, o mesmo fenômeno não
ocorreu sob o prisma da atividade
de polícia judiciária uma vez que
essa, na prática, quase não existia.
Sob esse prisma, será necessária uma
análise sobre a evolução geral dessa
estrutura no país, tendo em vista que
sua normatização será um processo
de cunho nacional que influirá
decisivamente no modelo adotado
nas Minas Gerais.
Adentrando nessa análise, com
algum grau de especialização,
como previamente ponderado, tãosomente após a chegada da Corte
portuguesa no Brasil em 1808 foi
estabelecida a Intendência Geral de
Polícia cujo comando era exercido
por um desembargador designado
Intendente Geral de Polícia. Tal
funcionário tinha status de ministro de
Estado vez que as atribuições desse
conceito originário de polícia eram
amplas e variadas. Considerando-
se o tamanho do país o intendente
delegava poder a representantes
nas longínquas províncias, donde
surge o conceito de delegado e
delegacias. Nesse nascedouro, o
delegado cuidava de uma ampla
gama de funções, sendo mais um
representante direto do poder do Rei
e posteriormente do Imperador do
que propriamente uma autoridade
policial. Em um país continental existia
uma enorme dificuldade por parte
do Estado de se fazer representar,
sendo a autoridade estatal muitas
vezes posse de indivíduos mais do
que de instituições.
Com a independência e a
conformação do Estado brasileiro,
ante o cada vez mais frágil governo
de D. Pedro I, já em 15 de outubro
de 1827 5 foi implementada outra
mudança na arquitetura da atividade
policial investigativa resgatando a
figura dos juízes como controladores
diretos dessa atividade. Nesse
novo arcabouço foi introduzida
a figura do juiz de paz que fora
previsto na Constituição de 1824,
com competências tanto policiais
quanto judiciárias, abolindo a figura
do delegado de polícia. Ao contrário
dos delegados do imperador cujo
poder era oriundo do monarca, o juiz
de paz era um legítimo representante
do poder local sendo eleito na
própria região em que atuaria.
Ainda recente a independência,
o estabelecimento dessa instância
judicial/policial representava mais
um instrumento de empoderamento
das elites regionais em detrimento
do poder central do Estado. Vale
ressaltar que tanto as funções policiais
quanto judiciárias se imiscuem em um
mesmo personagem que investiga,
denuncia e julga fazendo as vezes
de policial, promotor e juiz.
Esse processo de descentralização
estatal dos aparatos de segurança,
dada sua fragilidade originária após
a ruptura com a monarquia lusitana,
tem um momento de inflexão com
a reforma processual de 1841. Nela,
a Lei 261, de 03 de dezembro 6 ,
estabeleceu que os chefes de polícia
seriam selecionados entre os juízes
de direito e desembargadores e que
os delegados e os subdelegados
podiam ser designados dentre juízes
e também dentre os cidadãos tendo
autoridade tanto para julgar quanto
para punir. Nessa abordagem o
chefe de polícia delegaria poder
à representantes em distritos e vilas
sendo tais representantes delegados
do seu poder. Por fim, surgiria a figura
do promotor igualmente dependente
do chefe de polícia. Essa mesma
legislação também separou as
funções de polícia administrativa e
5
Lei de 15 de outubro de 1827.
Institui o Juiz de Paz. Disponível em: <http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/18241899/lei-38396-15-outubro-1827-566688publicacaooriginal-90219-pl.html>.
6
Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841.
Reformando o Código do Processo Criminal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/lim/LIM261.htm>.
457
de polícia judiciária. Na atividade
administrativa os chefes de polícia
e seus representantes passaram
a assumir tarefas da Câmara
Municipal tais como as de limpeza
urbana, fiscalização de teatros e
vias públicas. Ao mesmo tempo
conservaram o papel de prevenir a
ocorrência de crimes bem como a
manutenção da ordem. Por sua vez,
na atividade judiciária, os chefes
e seus representantes podiam
conceder mandados de busca
e apreensão, efetuar o corpo de
delito, julgar crimes com penas até
seis meses e multa até cem mil-réis e
ainda estabelecer fianças.
Caminhando para o final do
período imperial, em 1871 78 se tem
um novo arcabouço legal instituído
que faz avançar a separação entre
os poderes e melhor identifica o
que seriam atividades judiciais e
policiais. Em que pese os chefes de
polícia continuarem a ser recrutados
prioritariamente entre os magistrados,
vedou-se a estes e seus delegados
e subdelegados o julgamento de
quaisquer ilicitudes sendo esse
repassado quase integralmente ao
7
Lei n. 2.033, de 20 de setembro
de 1871. Altera diferentes disposições da
Legislação Judiciaria. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/
LIM2033.htm>.
8
Decreto nº 4.824, de 22 de novembro
de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033
de 24 de Setembro do corrente anno, que
alterou differentes disposições da Legislação
Judiciaria. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/
dim/dim4824.htm>.
458
sistema judiciário. Do mesmo modo
foi instituído o inquérito policial como
formato legal para a investigação
criminal estabelecendo um conjunto
de procedimentos, instrumentos
e prazos. O mesmo arcabouço
legal tornou obrigatória a figura do
promotor público sendo este de
carreira ou recrutado localmente.
Sob o prisma das instituições
de segurança pré-existentes
seria facilmente presumível que
entrechoques se tornariam inevitáveis
entre os modelos embrionários de
polícia judiciária e o já quase secular
Corpo Policial de Minas – e de fato
ocorreram. Como cabia formalmente
ao chefe de polícia e seus delegados
o comando de toda a segurança
pública em suas áreas de atuação,
ao mesmo tempo em que o Corpo
policial de Minas mantinha tarefas
de promoção da ordem pública
coordenadas por sua oficialidade,
conflitos entre as múltiplas instâncias
foram permanentes chegando
inevitavelmente a um ponto de
ebulição. Em 1880 o acirramento das
disputas entre delegados e capitães
sobre a “precedência no uso da tropa
e resolução de problemas policiais”
provocaram sérias consequências
na estabilidade do Corpo Policial
culminando na reforma do coronel9
que o chefiava. Como possível
Coronel Zeferino Antônio Ferreira.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=LEI&num=2737&ano=1880>.
9
consequência dessa disputa, em 1884
as circunscrições foram eliminadas e
as companhias militares retornaram
a Ouro Preto, contudo a totalidade
da tropa “continuou subordinada
diretamente ao chefe de polícia por
intermédio dos delegados” (COTTA,
2012, p. 118-119).
Paralelamente o Judiciário no
Estado caminhava para recompor
sua segunda instância deliberatória
que, como já visto, havia sido
transferida para o Rio de Janeiro a
mais de cem anos. Dessa forma, em
meados de 1873 10 foi publicado o
Decreto Imperial que criou a Relação
de Minas, com sede em Ouro Preto.
Criado em conjunto com sete Estados
indicou uma dinâmica de maior
capilaridade do poder judiciário bem
como uma opção por descentralizar
as instâncias desse poder.
5 - Segurança pública no alvorecer da
República
Com
a
proclamação
da
República, em 1889, novo processo
de instabilidade atinge a lógica
ordenatória das políticas e instituições
de segurança pública. Em um primeiro
momento o objetivo do novo poder
seria o de “purificar” as instituições
que se originaram na monarquia,
no qual a polícia ostensiva, militar,
originada nos Dragões do Rey seria
o caso emblemático. Nessa lógica,
em 12 de abril de 1890, quase como
um processo de autoafirmação
institucional o Corpo Policial de Minas
tem seu nome modificado para
Guarda Republicana. Ainda de forma
errática, menos de um mês depois,
em 06 de maio de 1890, altera-se
novamente sua denominação, sendo
rebatizada como Corpos Militares de
Polícia de Minas.
Com a promulgação da nova
Constituição Federalista de 189111, a
fundação e manutenção das forças
policiais dentre outras instituições,
tornou-se um encargo das antigas
províncias que doravante receberam
a denominação de Estados. Como
decorrência da autonomia recém
adquirida bem como da recémpublicada Constituição Mineira de
189112, em 24 de outubro de 1891 os
Corpos Militares de Polícia de Minas
são transformados na Força Pública
de Minas. Como peculiaridade a
Força Pública passa a ampliar sua
presença no Estado com Corpos em
Uberaba, Juiz de Fora, Ouro Preto e
Diamantina. Em 22 de julho de 1893
11
10
Decreto Imperial nº 2.342 de 6 de
agosto de 1873. Crêa mais sete Relações no
Imperio e dá outras providencias. Disponível
em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
decret/1824-1899/decreto-2342-6-agosto1873-550798-publicacaooriginal-66847-pl.
html>.
Constituição da república dos estados
unidos do brasil (de 24 de fevereiro de 1891).
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>.
12
Constituição política do Estado de
Minas Gerais. Promulgada em 15 de junho
de 1891. Disponível em: <https://dspace.
almg.gov.br/handle/11037/400>.
459
ocorre nova alteração de nome,
passando a ser chamada de Brigada
Policial de Minas Gerais. Em 10 de
junho de 1912 nova alteração de
denominação acontece, tornandose a Força Pública do Estado de
Minas Gerais.
Mais do que simples nomenclatura
a denominação Força Pública
em detrimento do termo “Polícia”
e xp r e sso u u ma car a cter íst i ca
originária da República brasileira, que
foi a grande autonomia administrativa
oferecida aos Estados. Como se
pode inferir a partir da análise do
processo histórico, tem-se o padrão
de fortalecimento das elites locais
sempre em um primeiro momento de
consolidação de uma nova etapa
político-econômica no país para em
seguida, a partir de quando o novo
modelo se consolida, começar o
processo de centralização de poder.
Nessa lógica como visto, quando
da ocupação do Brasil houve o
incentivo da Coroa portuguesa
aos particulares estabelecendo
para isso as Capitanias Hereditárias.
Com o avançar da colonização e a
descoberta do ouro em Minas instituise a presença dos Dragões Del Rey
como aparato de força em detrimento
dos bandeirantes e das capitanias
hereditárias. Posteriormente,
com a Independência se tem o
empoderamento do Corpo Policial
através da subordinação direta aos
governadores e seus lugar-tenentes.
Concomitantemente se tem a
460
criação da Guarda Nacional, com
sua oficialidade sendo nomeada
entre os potentados locais, como polo
de poder contraposto ao Exército
ainda com forte presença lusitana.
Com os anos finais da monarquia
e o decorrente fortalecimento do
Exército após a Guerra do Paraguai
a correlação de forças aponta
novamente para a centralização do
poder militar por parte do governo
federal. Com o início da república,
como se infere, o pêndulo se
movimenta novamente para o outro
lado devolvendo parcela do poder
dos “coronéis” locais como forma de
esvaziar o aparelho de Estado central
ainda com fortes resquícios culturais
do período imperial.
Assim sendo, sopesando-se a
herança histórica mineira dos Dragões
do Século XVII enquanto uma unidade
militar de ocupação e controle, mais
do que uma organização policial
propriamente dita, rapidamente a
Força Pública reforça sua vocação de
“exército do governador” mantendo
uma lógica de preparação muito
mais próxima das organizações
militares de defesa nacional do
que de uma instituição voltada
para a segurança pública. Tendo
passado, no decorrer da década
de vinte e trinta, por um processo
de treinamento e revitalização de
matriz prussiana, a Força Pública
participou ativamente de diversos
conflitos de cunho nacional nesse
período. Em 1924 ajudou o governo
de São Paulo a combater a revolta
tenentista deflagrada na capital, na
sequência foi enviada para Goiás
para combater os tenentes já sob
o comando de Luiz Carlos Prestes.
Em 1925, sob comando de Rondon,
foi utilizada no Mato Grosso com a
mesma finalidade também sendo
enviada a Bahia em 1926 para o
conflito com a “Coluna Prestes”. A
partir de 3 de outubro de 1930 a Força
Pública de Minas Gerais participa
ativamente do arco de alianças que
alça Getúlio Vargas para a conquista
militar do poder encerrando o
período denominado República
velha ou primeira República. Dois
anos depois, entre julho e outubro
de 1932, essa mesma Força Pública
cumpre um papel primordial na
contenção e derrota da Revolução
Constitucionalista de São Paulo
confrontando os paulistas no alto da
serra da Mantiqueira e disputando
o controle da Garganta do Embaú
bem como do Túnel da Mantiqueira
que compunha a malha da estrada
férrea da então Rede Mineira de
Viação (NETO, 2012).
Essa disposição institucional do poder
militar estadual e da Força Mineira
como um “exército do governador”
sofreu novas mudanças com o Estado
Novo de Vargas em 1937 e sua
constituição de cunho fascista. Nela
Vargas faz o pêndulo das relações
de poder se mover em direção ao
centro novamente centralizando
as forças estaduais sob a égide do
Exército bem como procurando
esvaziar o poder bélico detido pelos
Estados. é sob esse paradigma que
a Força Pública é rebatizada como
Força Policial de Minas Gerais em
10 de dezembro de 1940. Por fim,
após a redemocratização do país
e a Constituição de 1946, em 18
de setembro de 1946, tem-se a
denominação que vigora ainda hoje
de Policia Militar de Minas Gerais
(COTTA, 2014, p. 129-145).
Simultaneamente se tem a evolução
da estrutura de Polícia Judiciária
do Estado de Minas pautada por
mudanças ainda maiores do as sofridas
pelas organizações militares. Com o
avançar do período republicano, a
autonomia dos governos estaduais
e o crescimento urbano foi possível
um melhor delineamento do que
viria a ser a Polícia civil. Foi criado
um braço de policiamento ostensivo
com a estruturação em 1909 da
Guarda Civil13 na capital do Estado
subordinada ao secretário do interior
e em completa disponibilidade para
o chefe de polícia. A Guarda era
dirigida por um Inspetor que recebeu
posteriormente a denominação de
Fiscal Geral contando com fiscais
auxiliares e guardas. Começou o
processo de expansão de delegacias
bem como a criação de delegacias
especializadas com a estruturação
13
Decreto
2654,
de
13/10/1909.
Cria a guarda civil para a capital do
estado.
Disponível
em:
<http://www.
lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas.
gerais:estadual:decreto:1909-10-13;2654>.
461
do Gabinete de Identificação e
Estatística Criminal 14, da Inspetoria
de Veículos, do Gabinete MédicoLegal e do Gabinete de Investigação
e Capturas.
Nesse momento tem-se também
a separação da atividade de
policiamento na capital. Na zona
urbana seria de responsabilidade da
Guarda Civil e em zona suburbana
efetuado pela Força Pública. Dada
a fragilidade dos limites de ambas as
instituições era inevitável que, mais
uma vez, as contradições no tocante
às atribuições continuassem. De tal
modo que, “o pessoal da Guarda
Civil e as praças da Força Pública que
efetuavam o policiamento na cidade
entraram em constante conflito
no exercício de suas atividades,
característica que avança até, no
mínimo, o início da década de 1930”
(PEREIRA, 2013, p. 49).
Em relação a disposição da
nascente Polícia civil tinha-se o
seguinte cenário: A atividade de
policiamento no conjunto do Estado
era responsabilidade da Secretaria da
Polícia de Minas Gerais que por sua vez
compunha a Secretaria do Interior. A
chefia da Secretaria e gestão policial
era encargo do Chefe de Polícia15;
as cidades e os distritos, por sua vez,
seriam atribuições dos delegados,
14
15
Decreto nº 2.437 de 1909.
Decreto nº 613, de 9 de
março
de
1893.
<http://www.
lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas.
gerais:estadual:decreto:1893-03-09;613>.
462
subdelegados e inspetores, em
ordem descendente de acordo com
a disponibilidade. Nesse contexto
de início século para o exercício
da função de Chefe de Polícia se
tinha como critério o bacharelado
em direito exigindo-se também
experiência na área. Por sua vez, a
ocupação do cargo de delegado
e subdelegado não previa qualquer
tipo de formação acadêmica
completa. Para assumir tal ocupação
necessitariam ser cidadãos brasileiros
com um mínimo 21 anos de idade
residindo nas cidades de atuação.
Exigia-se igualmente a competência
em ler e escrever. Por fim, o critério
relativamente subjetivo da probidade
e inteligência reconhecidas. Ante o
aumento populacional das principais
cidades mineiras, sobretudo na
capital, posteriormente foram criados
os cargos de delegado auxiliar e
delegado auxiliar da Capital.
Uma mudança aparentemente
inócua foi realizada a partir de 1911
com lei n° 55216 que passou a exigir
que os delegados também tivessem
formação em direito. A mesma
lei compôs o início de carreiras
administrativas formais dentro da
segurança pública mineira com
o estabelecimento de concursos
para a contratação de recursos
humanos para as funções de
16
Lei 552, de 18/08/1911. Cria os
lugares de delegados de polícia exercidos
por bacharéis em direito e da outras
providências.<https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
secretário, primeiro e segundo oficial,
amanuense, porteiro, contínuo e
servente (COSTA e SILVA, 2009, p. 3337). Faz-se necessário aqui chamar a
atenção para essa aparentemente
pequena modificação, mas que terá
profundas consequências no modelo
de polícia judiciária do Estado sendo
melhor discorrida em capítulo à
frente. A exigência do saber jurídico
formal para a função de delegado foi
uma escolha pautada pela lógica no
contexto de Minas Gerais no início do
século XX. Nessa realidade de então
praticamente inexistia população
com ensino superior e a relação dos
cursos ofertados era limitada. Para
além disso a capacidade do Estado
se fazer representar adequadamente
era débil. Como decorrência, a
formação em direito cumpria um
duplo papel positivo: ao mesmo
tempo em que era um dos cursos com
maior oferta e tradição auferindo
legitimidade aos seus bacharéis, o
conhecimento jurídico asseguraria o
pretenso cumprimento da legalidade,
para além das investigações
policiais, em relação a miríade de
procedimentos administrativos cuja
responsabilidade era da polícia
judiciária. Vale lembrar que como
herança do período colonial a
“polícia” respondia formalmente por
diversas áreas como fiscalização de
teatros, cinemas e contra incêndios
ou o controle de estrangeiros.
Sob o prisma da condução dos
“inquéritos”, em tempos de um ainda
restrito contingente populacional,
o Delegado conseguiria participar
diretamente das poucas investigações
ocorridas nesse período. Embora os
procedimentos mantidos no inquérito
policial emulassem funções do poder
judiciário reproduzindo processos na
esfera da polícia que seriam repetidos
na justiça, isso era compensado
com a disponibilidade de investigar
pessoalmente os episódios criminais.
Dessa maneira:
Por ser a capital do Estado, Belo
Horizonte era a sede não só da
Secretaria da Polícia, como das
Delegacias Auxiliares, das Secções,
ou seja, a cidade foi alvo de uma
grande vigilância, pois todos os
chefes e diretores residiam aqui
e não precisavam deslocar-se
em diligências como faziam para
outros municípios e comarcas. De
certa forma, esse aspecto garantiu
a Belo Horizonte uma polícia
mais presente e efetiva, ―o olhar
está alerta em toda parte. Essa
característica ainda possibilitou a
inserção do Chefe de Polícia no
serviço cotidiano de policiamento
da cidade, condição que viria a
alterar-se com o passar do tempo,
com a transformação do cargo de
Chefe numa função mais política
e administrativa. Essa mudança
tornou-se possível à medida
em que a polícia forjou novas
subdivisões em sua hierarquia,
justificadas pelo suposto aumento
da complexidade no serviço
de
policiamento
devido
às
novas demandas da cidade em
desenvolvimento (COSTA e SILVA,
2009, p. 58).
463
Essas camadas hierárquicas entre o
agente da investigação e o objeto de
seu trabalho, qual seja, a ocorrência
criminal, trarão uma ampla gama de
contradições à produtividade dessa
empreitada bem como quanto à
capacidade de descobrir autoria
e materialidade das ocorrências
averiguadas.
Nesse sentido, conforme já
mencionado, ainda será observado
nesse trabalho que essa mudança
pontual provocará um grande impacto
no curso do processo evolutivo da
Polícia Judiciária em Minas Gerais.
A conjunção do monopólio de um
saber especifico, com a herança
cultural do judiciário reproduzida
por sucessivos juízes recrutados para
essa atividade em suas origens, bem
como o crescimento exponencial
das investigações distanciando o
responsável dessa da cena do crime,
resultarão em características bastante
peculiares para a polícia investigativa
no Estado e no país.
Retomando o fluxo da narrativa, têmse outro marco evolutivo do período
em 192617, quando foi particionada a
então Secretaria do Interior, dando
origem também a Secretaria de
Estado da Segurança e Assistência
Públicas. Concomitantemente foi
html?tipo=LEI&num=552&comp=&ano=1911>.
17
Lei nº 919, de 4 de setembro de 1926.
Revigora o art. 1.º da lei n.º 643 de 1.º de outubro
de 1914, desdobrando em duas a secretaria do
interior e contém outras disposições. <http://
www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas.
gerais:estadual:lei:1926-09-04;919>.
464
extinto o cargo de chefe de Polícia,
com o estabelecimento da função de
Secretário da segurança. Mais do que
uma alteração de cunho cosmético,
também trouxe consequências
significativas. Até então o chefe de
polícia era recrutado prioritariamente
no judiciário, ou no meio policial,
tendo a análise de sua trajetória na
área como critério de contratação.
Essa função chefiava muitas vezes
diretamente a Força Pública e a
Polícia Civil. Com sua extinção, ambas
as corporações passaram a serem
dirigidas por membros egressos de
suas próprias fileiras, e por outro lado,
a Secretaria da Segurança por um
político sem qualquer experiência na
atividade.
Por fim, ao analisar o processo de
evolução institucional da Polícia Civil no
início do século XX, é também possível
presumir que o componente da busca
“ordem pública” igualmente primava
sobre a defesa dos direitos individuais,
tal qual a lógica ordenadora da
Força Pública no Estado. Conforme
observação de pesquisas sobre a
polícia civil, nas primeiras décadas do
século XX percebe-se que o tom de
sua ação teria primado pelo controle
social.
A minha hipótese é de que a polícia
era um aparelho de disciplina do
Estado e atuava sobre os corpos na
medida em que estava muito menos
comprometida com a questão da
criminalidade e muito mais envolvida
com a questão da manutenção
da ordem e controle social através
do controle dos corpos. Ela agia
para garantir a tranquilidade e a
ordem pública, ou seja, prezava
por um determinado modelo de se
comportar na cidade, legitimava
algumas práticas, no limite,
legitimava modos de ver, ouvir,
comer, sentir, se divertir (COSTA e
SILVA, 2009, p. 79).
A polícia “seria lembrada muito
mais em matéria de aconchego
e tranquilidade, do que como
mantenedora da segurança no
sentido estreito do termo, isto é,
o combate ao crime. Os policiais,
bem como os guardas e vigias
municipais – responsáveis pelos
costumes e pelo ordenamento
urbano -, figuraram muito mais
como depositários da ordem e
do bom comportamento dos
indivíduos em público do que
como combatentes de delitos.
(SIMÃO, 2008, p. 83).
Esse primar da “ordem pública” para
além da cultura herdada da lógica
de ocupação da antiga capitania
das Minas estabelecida pelo modelo
colonial português, também teria
como explicação o forte influxo
da gestão de atividades de cunho
fiscalizatório que não compunham
estritamente o que seria uma
polícia judiciária, refletindo antes
disso uma concepção positivista
de mundo. A ordenação da polícia
civil em 1947 18 é emblemática
quanto a essa diversidade dos
temas geridos e seu caráter mais
18
Decreto-lei 2147, de 11/07/1947.
Consolida disposições sobre a organização
da chefia de polícia e dá outras
providências.<https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=DEL&num=2147&ano=194>.
fiscalizatório do que propriamente
judiciário. Em um total de nove
delegacias especializadas nesse
período, quatro eram encarregadas
de temas clássicos das policiais
judiciárias: Delegacia de Segurança
Pessoal; Delegacia de Furtos;
Delegacia de Roubos e Falsificações;
Delegacia Especializada de Ordem
Econômica. Todavia, tinha-se cinco
especializações cujas atividades
estariam parcialmente ou totalmente
fora do conceito de polícia judiciária,
sendo essas: a Delegacia de Ordem
Pública; Delegacia Especializada
de Assistência Social; Delegacia
Especializada de Fiscalização de
Costumes e Jogos; Delegacia
Especializada Transito e Acidentes;
Delegacia de Vigilância e Repressão
à Vadiagem.
Temas como “ordem pública”,
“costumes” ou “vadiagem” já trazem
embutidos em seu significado uma
interpretação da realidade que
posiciona completamente a Polícia
Judiciária dentro do espectro
político, perdendo qualquer caráter
de uma tentativa de isenção dentro
das complexas interações sociais
que caracterizam as sociedades
modernas. Ademais, a promoção
dos “bons costumes”, são antes um
objetivo moral do que um contexto
criminal que exija investigação. Logo,
pode-se crer que uma população
que se vê constantemente tolhida
em seus valores pela polícia, tenha
dificuldade em estabelecer um
465
vínculo de confiança que auxilie
na efetividade das investigações a
cargo dessa mesma instituição. Nessa
acepção, quando a ação policial
judiciária é pautada na construção
de um padrão comportamental, em
detrimento da busca pela qualidade
investigativa, ferramentas como o
inquérito policial podem tender para
certa seletividade em sua eficácia.
Nessa lógica a simples ameaça
investigatória atenderia em certa
medida a política de “ordem pública”,
sendo sua efetividade objetivada
quando os resultados corroborem
com essa política. Outro aspecto
a ser considerado é o enfoque
“administrativo”, em que temas como
“assistência social, “fiscalização de
jogos” ou de “transito e acidentes”
potencializariam um viés de controle
de bens direitos e atividades,
fortalecendo o conceito de polícia
administrativa, em detrimento da
atividade investigativa.
Como ponto culminante desse
enfoque na “ordem pública”, deu-se
a partir dos anos trinta, a estruturação
da Delegacia de Segurança Pessoal
e Ordem Política e Social na polícia
da capital, dando posterior origem
ao Departamento de Ordem Política
e Social de Minas Gerais – DOPS/MG.
Balizada pelo contexto posterior da
Guerra Fria, essa estrutura evoluiria
até se tornar o principal foco de
atuação da polícia judiciária nos
anos da ditadura militar (ASSUNÇÃO,
2006, p. 18-60). Assumindo uma
466
posição política de confronto com
os inimigos do regime ditatorial, a
atividade de polícia judiciária ficou
maculada como parte de uma
mecânica política cujo objetivo se
resume ao controle social.
Concomitantemente ao processo
de evolução das policias, no decorrer
de meados do século XX o judiciário
mineiro sofreu relativamente um
menor número de mudanças, vez que
sua atividade fim, a promoção da
justiça, pouco foi modificada. Pode-se
caracterizar que viveu centralmente
um aumento de autonomia, se
caracterizando como um poder do
Estado autônomo com o passar dos
anos. Com a constituição estadual
de 15 de junho de 189119 a carreira
judiciária ganhou mais autonomia,
bem como capilaridade no interior
do Estado. Em 5 de agosto de 1897,
antes mesmo da inauguração da
nova capital, o Tribunal da Relação,
ocupando o local onde hoje funciona
o Instituto de Educação, reunia-se
pela primeira vez em Belo Horizonte,
deslocando-se a segunda instância
de Ouro Preto para a nova capital.
Com a Constituição de 30 de julho
de 1935 se prevê pela primeira vez no
Estado o funcionamento do Ministério
público composto por procuradores
e subprocuradores.
Também
estabelece o funcionamento de
19
Constituições do Estado de Minas
Gerais (de 1891, 1935, 1945, 1947 e 1967 e
suas alterações). <https://dspace.almg.gov.
br/handle/11037/400>.
um Tribunal de Justiça na esfera
do Estado, prevendo uma série de
garantias aos seus membros, bem
como uma maior capilaridade. O
poder judiciário no Estado passa a ser
definido com a seguinte arquitetura:
I - Tribunal de Justiça; II - Juízes de
Direito; III - Juízes Municipais; IV Juízes de Paz; V - Tribunal e Conselhos
Militares. Promulgada em 14 de julho
de 1947 a nova constituição do
Estado após o período da ditadura
Vargas novamente apresenta um
tópico sobre o Ministério público, em
que seu chefe, o Procurador Geral
seria de livre nomeação, e demissão,
por parte do governador. Além disso
sua organização fica a cargo de uma
lei complementar, demonstrando a
relativa fragilidade desse instrumento
de defesa na lógica ordenadora
do Estado. Por sua vez o judiciário
passa a ser estruturado da seguinte
forma: “Art. 57 - O Poder Judiciário
será exercido: a) pelo Tribunal de
Apelação, com sede na Capital e
jurisdição em todo o Estado b) por
juízes de direito, municipais e de paz,
nas comarcas, termos e distritos; c)
pelo tribunal do júri20”.
No decorrer do regime militar
que seria iniciado em 1964 esse
processo evolutivo seria refreado,
principalmente em relação ao papel
do Ministério Público.
6 - O inimigo interno do período
militar
Sob o prisma das políticas de
segurança pública no Estado de
Minas Gerais os anos de ditadura
consolidaram diversas medidas
que encapsulariam as instituições
no modelo herdado, eliminando
qualquer possibilidade de mudança.
No tocante a Polícia Militar sua
autonomia e papel de “exército
do governador” foi eliminado com
o seu estabelecimento como força
auxiliar do Exército brasileiro, sob o
comando de um general. Depois
de mais de trezentos anos de uma
disputa entre os atores regionais e o
poder central, esse se sagrou vitorioso
com a subordinação das policias
militares. Por outro lado, no decorrer
desse regime de exceção as policias
militares também são fortalecidas em
relação as policias civis, adquirindo
as primeiras o monopólio do
policiamento ostensivo. Em 1969 o
governo do General Castelo Branco
publicou legislação centralizando as
características do funcionamento
ostensivo de tais polícias, bem como
seu caráter de força de reserva a
disposição do Exército brasileiro.
Como consequência direta,
em 1970 a Guarda Civil mais de
sessenta anos após a sua fundação
é extinta, e seu pessoal adaptado
para a função de investigadores
dentro das delegacias 21. Se existia
20
Constituições do Estado de Minas
Gerais, p. 121.
21
Decreto-Lei Federal n. 1.072, de 30 de
467
a disputa entre instituições em
relação a sobreposição de funções
de policiamento, por outro lado a
Guarda Civil permitia a Polícia Civil
ter uma estrutura próxima do que
seria uma polícia de ciclo completo,
em que todas as etapas da atividade
policial estariam dentro de uma
mesma instituição, dialogando entre
si. Se esse processo de maturação
evolutiva sofria limitações nos
sucessivos regimes ditatoriais
brasileiros, com a redemocratização
poderia ter fornecido o esteio de
um novo modelo de polícia a ser
testado, mas essa variante histórica
foi eliminada.
Em ambas as instituições o
viés da do controle social foi
acentuadamente ressaltado. Desta
feita, na Constituição do Estado de
Minas Gerais Promulgada em 13 de
maio de 1967. Tem-se reforçado no
Parágrafo único do artigo 107 que
“Compete à Polícia Militar preservar
e manter, na forma da lei, a ordem
pública e a segurança interna, sendo
considerada força auxiliar, reserva
do Exército”. Por sua vez, no artigo
110 explicita-se que “cabe à Polícia
Civil, organizada de acordo com os
princípios de hierarquia, disciplina
e subordinação à autoridade do
Governador do Estado, entre outras
dezembro de 1969. < http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1072.
htm>. Artigo 8º da Lei orgânica da Polícia
Civil mineira. <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?num=5406&ano=1969&tipo=LEI>.
468
atribuições fixadas em lei, preservar a
ordem pública e apurar as infrações
penais ocorridas no território do
Estado, respeitada a competência
da União”.
Sob o viés do judiciário nesse período
foi estruturado nos níveis de: I Tribunal
de Justiça; II - Tribunal de Alçada; III Juízes de Direito; IV - Juízes de Paz; V Conselho Superior da Magistratura; VI
- Corregedoria de Justiça; VII - Tribunal
do Júri; VIII - Tribunal de Justiça Militar;
IX - Conselhos Militares.
Na passagem abaixo um trecho de
emenda constitucional do Estado
que sintetiza de maneira cabal a
arquitetura de parcela do sistema
de segurança de Minas Gerais no
período militar:
Seção Da Segurança Pública Art.
82 - A Secretaria da Segurança
Pública
é
responsável
pela
preservação e manutenção, em
todo o Estado, da ordem pública
e segurança interna, por meio
da Polícia Civil e Polícia Militar.
Art. 83 - Para o cumprimento
de suas finalidades, integram a
Secretaria da Segurança Pública,
subordinadas
ao
respectivo
Secretário: - a Polícia Civil, que
lhe é subordinada administrativa e
funcionalmente; II - a Polícia Militar,
com subordinação operacional.
Art. 84 - Compete à Polícia Civil,
organizada de acordo com
os princípios de hierarquia e
disciplina, entre outras atribuições,
fixadas em lei, preservar a ordem
pública e apurar as infrações
penais ocorridas no território do
Estado, respeitada a competência
da União. 321 Art. 85 - A Polícia
Civil será estruturada em carreira,
observando-se o acesso por
merecimento e antiguidade, na
forma da lei. § 1 - Os cargos de
carreira de Delegados de Polícia,
serão providos por bacharel em
Direito, processando-se o ingresso
na classe inicial, conforme se
dispuser na legislação específica.
§ 22 - Poderão ser designados
delegados especiais, os delegados
de carreira aposentados e os
oficiais da Polícia Militar da ativa,
da reserva ou reformados, na
forma da lei. Art. 86 - A Polícia
Militar, instituída para manutenção
da ordem pública no Estado, e
o seu Corpo de Bombeiros são
considerados forças auxiliares,
reserva do Exército, não podendo
seus postos ou graduações ter
remuneração superior à fixada
para os postos e graduação
correspondentes
no
Exército,
exceção feita para cabos e
soldados22.
Moldada assim por mais de duas
décadas de ausências de debates
políticos, em um processo de
adaptação e mudanças pautado por
disputas corporativas e entre cargos
e esferas de poder, particularmente
na relação entre delegados e oficiais
militares. Paralelamente, interesses
políticos balizados pela guerra fria
e por uma concepção positivista
de ordem pública não permitiram
grandes experimentos nas atividades
de policiamento preventivo ou
investigativo como se deu em
diversos países democráticos. Em
assim sendo, o sistema de segurança
pública mineiro chega ao processo
de redemocratização e com a
constituição de 1988 sem qualquer
tipo de maturação da sociedade
sobre qual modelo de segurança
pública almejaria. Longe disso, as
concessões feitas aos polos de poder
legitimados pelas instituições policiais
encaradas como barganhas para
garantia do conjunto do processo
democrático e não como um repensar
das práticas dessas organizações.
Como será objeto de análise a
seguir, não existiu folego por parte
da sociedade e seus legisladores
para modificar impulsos cujas origens
como já visto são seculares nas Minas
Gerais, potencializados por mais de
vinte anos sem qualquer espaço
democrático de debate.
7 - Constituição Federal de
1988: um novo marco?
Após a ditadura civil-militar de 1964
a 1985, a transição democrática
ocorrida no final da década de
1970 até os anos de 1980 teve como
importante marco a Constituição
Federal de 1988. A “Constituição
Cidadã” trouxe diversos avanços
em relação aos direitos e garantias
fundamentais, juntamente com os
direitos civis e políticos, por outro lado,
no que se refere especificamente à
estrutura do sistema de segurança
pública não houve avanços a serem
considerados.
22
Constituições do Estado de Minas
Gerais, 1988, p. 321.
469
De um lado a inserção de um
capítulo sobre a segurança pública
no texto constitucional denota a
relevância dada ao tema para o
Estado e o seu reconhecimento
como um direito inalienável de
todos os cidadãos, sobretudo em um
contexto de redemocratização. Por
outro lado, a configuração instituída
focada no papel das polícias, a
imprecisão de expressões como
“ordem pública” e a reprodução de
características de modelos anteriores
demonstram que sua construção se
deu num processo de conciliação de
interesses outros que não os anseios
democráticos e de mudança da
sociedade. Essa replicação da
arquitetura precedente pode ser
melhor compreendida a partir da
constatação do desenvolvimento da
temática ao longo das Constituições
brasileiras, de como a questão foi
trazida para a Constituição de 1988,
e as forças e interesses que atuaram
fazendo com que o texto fosse mais
marcado pelas continuidades que
pelos avanços. Neste tópico será
feito, portanto, também um pequeno
resgate histórico, de maneira a que
sejam adequadamente identificados
os processos que balizaram a atual
Constituição, tendo em vista que seu
arcabouço é determinante para o
entendimento dos desafios postos a
segurança pública em Minas Gerais
e no país.
470
●
Antecedentes Constitucionais
A segurança já era objeto de algum
tratamento constitucional desde a
primeira constituição republicana do
Brasil em 1891. O arranjo institucional
herdado pela Assembleia Nacional
Constituinte em 1987 foi de
reconhecimento da segurança
como direito individual, a definição
constitucional das atribuições da
Polícia Federal (PF), um modelo
dualizado de polícias e a militarização
desta atividade (FONTOURA; RIVERO;
RODRIGUES, 2009).
Conforme
apresentado
anteriormente, a organização
dualizada das polícias brasileiras
vem desde o século XIX. As forças
policiais militarizadas, encarregadas
de manter a ordem pública, foram
criadas ainda durante o período
colonial, passando pelo Império e,
após a promulgação da República,
foram denominadas forças públicas
em diversos estados. A essas, como
ocorrido em Belo Horizonte, Minas
Gerais, sucedeu-se a criação
de guardas civis que passaram
a responder pelo policiamento
ostensivo com objetivo de prevenir
a criminalidade.
Nas Constituições de 1934 à 1967
é ilustrativo observar que as Polícias
Militares aparecem inseridas em
seu texto. Três aspectos podem ser
destacados em relação às referências
a essas forças nessas redações
constitucionais: (1) a competência
privativa da União para legislar sobre
sua organização, efetivos, instrução,
justiça e garantias; (2) o seu papel
como reserva e/ou forças auxiliares
do Exército; (3) sua função em
relação à segurança interna.
A citada competência privativa
da União para legislar sobre a
organização, instrução, justiça e
garantias das Polícias Militares está
presente nas Constituições de 1934
e 1937. Todavia, nas Constituições
de 1967 e 1969 foi acrescido a esses
tópicos a previsão relacionada aos
efetivos dessas forças policiais. Já
o papel das Polícias Militares como
reserva e/ou forças auxiliares do
Exército está presente em todas as
constituições do período militar.
A função dessas forças em relação
à segurança interna inscrita no texto
constitucional aparece em 1946 e
se mantém em 1967. De fato, em
1946, sua função aparecia como
“segurança interna e manutenção
da ordem”; em 1967, esta ordem é
invertida “manutenção da ordem
e segurança interna” e, em 1969,
a função das PMs passa a ser a
manutenção da ordem pública”.
Destaca-se que, apesar de não estar
presente no texto constitucional de
1969, o Decreto-Lei n° 667/1969, que
manteve sua validade, salientava
em texto legal a função das PMs na
segurança interna.
Dois fatores políticos extensamente
observados
parecem
ser
determinantes para a inserção das
Polícias Militares nessas constituições
brasileiras: sua função clássica em
relação à segurança interna, leia-se
ordem pública, e a necessidade de
centralização militar pelo Governo
Federal, em detrimento das elites
locais. Ambos os fatores perpassam
toda evolução histórica da segurança
pública em Minas Gerais desde o final
do século XVII.
Importante notar que a ideia de
segurança interna pode carregar
diferentes significados. O termo
pode referir-se, como historicamente
em Portugal, a atividade estatal
desenvolvida com o objetivo de
garantir a ordem, a segurança e
a tranquilidade públicas, proteger
pessoas e bens, prevenir e reprimir
a criminalidade e contribuir para
assegurar o normal funcionamento
das instituições democráticas,
o regular exercício dos direitos,
liberdades e garantias fundamentais
dos cidadãos e o respeito pela
legalidade democrática 23 . Por
outro lado, a expressão pode se
conceituada conforme os DecretosLei nº 314, de 13 de março de 1967 e
nº 898, de 29 de setembro de 1969, e
Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de
1978, Leis de Segurança Nacional
que trataram dos crimes contra
a segurança nacional, a ordem
23
PORTUGAL. Lei n.º 53, de 29 de agosto
de 2008. Aprova a Lei de Segurança Interna.
Lisboa, 2017. Disponível em: <http://www.
pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.
php?nid=1012&tabela=leis>.
471
política e social. De acordo com essa
abordagem a “segurança interna,
integrada na segurança nacional,
diz respeito às ameaças ou pressões
antagônicas, de qualquer origem,
forma ou natureza, que se manifestem
ou produzam efeito no âmbito interno
do país24”. Com a edição da Lei de
Segurança Nacional atualmente em
vigor25, em 1983, deixam de constar
a referência e a conceituação da
segurança interna em seu texto.
Já o aspecto relacionado à
centralização do poder iniciado por
Getúlio Vargas anteriormente tratado
passou pelo desmantelamento da
capacidade militar dos estados.
As lições de 1932, quando a Força
Pública de São Paulo enfrentou
o Exército, foram rapidamente
assimiladas.
A
Constituição
Federal de 1934 declarou que
polícias militares eram forças de
reserva do Exército e assegurou a
competência privativa da União
para legislar sobre a organização,
instrução, justiça e garantias
das forças policiais dos estados.
(COSTA, 2004, p. 96).
24
BRASIL. Decreto-Lei nº 314, de 13
de março de 1967. Define os crimes contra
a segurança nacional, a ordem política
e social e dá outras providências. Brasília,
1969. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/
Del0314impressao.htm>.
25
BRASIL. Lei nº 7.170, de 14 de
dezembro de 1983. Define os crimes contra
a segurança nacional, a ordem política e
social, estabelece seu processo e julgamento
e dá outras providências. Brasília, 1983.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/LEIS/L7170.htm#art35>.
472
Esse processo de monopólio do
poder militar por parte do governo
federal iniciado no período Vargas foi
complementado no pós 1964 com o
enquadramento das policias militares
dentro da estrutura do Exército.
Assim, ao mesmo tempo em à Polícia
Militar de Minas Gerais conquistou o
completo controle das atividades
de polícia ostensiva, em detrimento
da Polícia Civil, acabou de perder o
resquício de autonomia que ainda
possuía.
Sob esse viés, percebe-se, portanto,
que a preocupação com o controle
das Polícias Militares e sua utilização
na segurança interna em nada
se relaciona interesses ligados à
segurança pública e garantia de
direitos dos cidadãos, mas sim com
a proteção do Estado e do poder
central instituído em contraponto as
oligarquias regionais.
●
O Processo Constituinte
O processo de elaboração da
Constituição foi organizado em
comissões e subcomissões temáticas.
O tema segurança pública ficou a
cargo da Subcomissão de Defesa
do Estado, da Sociedade e de sua
Segurança, ligada à Comissão da
Organização Eleitoral, Partidária e
Garantia das Instituições. A matéria
deveria ficar a cabo da Comissão de
Organização dos Poderes e Sistema
de Governo, entretanto, devido ao
perfil dos relatores dessas comissões
e suas respectivas subcomissões e ao
papel-chave desses nos trabalhos da
Constituinte, tal mudança ocorreu de
forma a entregar a questão militar a
parlamentares mais conservadores
(MIGUEL, 1999, p. 3 apud
FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES,
2009). Essas mudanças permitiram
que se concentrassem na mesma
subcomissão os principais tópicos de
interesse das Forças Armadas. Além
de garantir sua missão constitucional,
interessava-lhes nas circunstâncias
de então a manutenção do serviço
militar obrigatório, a preservação da
jurisdição especial para crimes de
natureza militar, o veto às propostas
de criação de um Ministério da
Defesa (MD), e a manutenção das
Polícias Militares e sua subordinação
ao Exército.
No decorrer de seu funcionamento a
subcomissão realizou oito audiências
públicas nas quais foram ouvidos 23
convidados: 4 oficiais de Policiais
Militares; 4 professores da Escola
Superior de Guerra (ESG); 6 oficiais
das Forças Armadas; 1 oficial do
Corpo de Bombeiros; 2 integrantes
do Conselho de Segurança Nacional
(CSN); 3 delegados da Polícia
Federal; 1 delegado de polícia
civil; 1 professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e o
presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) 26. Dessa “agenda
26
CÂMARA
DOS
DEPUTADOS.
Anteprojeto do Relator da Subcomissão.
Disponível
em:
<http://www.camara.
desequilibrada de convidados”,
apenas os 3 últimos propuseram
mudanças na relação entre policiais
civis e militares (ZAVERUCHA, 2005,
p.61). A relação de debatedores
indica que era previsível um resultado
que mantivesse no texto constitucional
os interesses dos militares. Também
é possível perceber que a Comissão
estava mais aberta para ouvir
as corporações, aumentando
a possibilidade de influências
comprometidas com o atendimento
de demandas corporativistas que
um redesenho institucional com base
nas necessidades da nova realidade
democrática e do aperfeiçoamento
das políticas públicas.
Cabe destacar que a proposta
da Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais, conhecida como
Comissão Afonso Arinos, previa
que as Polícias Civis dos estados
teriam função de proceder às
investigações criminais e realizar
a vigilância ostensiva e preventiva
podendo manter quadros de
agentes uniformizados. Segundo o
texto, os estados poderiam criar sua
própria Polícia Militar “para garantia
da tranquilidade pública, por meio
de policiamento ostensivo, quando
insuficientes os agentes uniformizados
da Polícia Civil e do Corpo de
Bombeiros27”. Segundo levantamento
gov.br/internet/constituicao20anos/
DocumentosAvulsos/vol-132.pdf>.
27
BRASIL. Diário do Congresso Nacional.
Anteprojeto da Comissão de Estudos
473
do relator da Subcomissão, também
foram apresentadas sete sugestões
com proposta de fusão entre PC e PM
em uma única estrutura de caráter
civil, além do projeto de Constituição
apresentado pela bancada do
Partido dos Trabalhadores (PT),
no qual se propunha a extinção
das Polícias Militares estaduais e
a criação de forças policiais de
natureza civil. Em contraposição,
teriam sido apresentadas 29
sugestões pela manutenção das PMs
no policiamento ostensivo.
O modelo dualizado de polícias no
âmbito estadual resultou de forte
atuação dos grupos de interesse
durante os trabalhos da Constituinte.
Delegados e oficiais das polícias
militares e das Forças Armadas
atuaram intensamente, todavia
defendendo posições divergentes.
Os delegados propunham ou a
unificação das polícias ou a restrição
da atuação da Polícia Militar à
atividade de choque, tornando
o policiamento ostensivo a um
segmento fardado da Polícia Civil. Os
oficiais da Polícia Militar e das Forças
Armadas defendiam a manutenção
de duas polícias, com funções,
organização e métodos distintos.
Diferentemente das Forças
Armadas 28 e das corporações
Constitucionais. 1986. Disponível em: <ttp://
www.senado.gov.br/publicacoes/anais/
constituinte/AfonsoArinos.pdf>.
28
Zaverucha (2005) aponta que,
cientes da importância das disposições
474
policiais, os grupos mais progressistas
e ligados à esquerda não tinham
proposta homogênea para as forças
policiais e a área de segurança
pública. Alguns profissionais da área,
defensores dos direitos humanos e
juristas da área criminal defendiam a
desmilitarização da polícia, mas esta
não era proposta conciliadora e não
foi objeto de grandes investimentos
por parte das esquerdas. Não
ocorreu uma necessária participação
do campo democrático popular
para evitar a continuidade desse
modelo originário da sucessão de
governos autoritários que pautaram
os séculos anteriores, e que deveria
ser remodelado para se adequar
a um Estado democrático. Soares
(2006, p. 111) aponta que, após
uma longa submissão à repressão
policial durante o regime militar, os
progressistas não tiveram disposição
ou capacidade para formular
propostas alternativas. “Eram bons na
denúncia e na crítica, mas fracos na
proposição construtiva”. Contribuiu
para isso uma equivocada visão dos
setores populares em que a relação
com a polícia seria a de que esta
não teria papel num contexto de
igualdade social, que apenas atuaria
para perseguir oprimidos numa
sociedade de classe29 e que o crime
legais da nova constituição, as Forças
Armadas nomearam 13 oficiais superiores
para realizarem lobby pelos interesses
militares junto aos constituintes.
29
Soares (2006) aponta que essa
suposição, “ainda que equivocada quando
generalizada, coincidia com a experiência
seria um mero sintoma, podendo ser
relegado a um segundo plano em
detrimento do tratamento de suas
causas: a economia, o emprego, a
educação e a desigualdade social.
Todo esse conjunto de fatores
contribuiu para que na Subcomissão
de Defesa do Estado, da Sociedade
e de sua Segurança as proposições
em relação ao sistema de segurança
pública fossem dominadas pelos
atores que defendiam basicamente a
manutenção do arranjo institucional
modelado no período ditatorial.
Tal domínio foi materializado na
conformação do texto constitucional
que passou a vigorar em 1988. Como
será observado, ao contrário de
rediscutir a segurança pública e suas
instituições e processos sob o marco
de uma nova etapa democrática,
simplesmente foram acentuadas as
mesmas políticas que vinham sendo
delineadas no decorrer do século.
●
A segurança pública
Constituição Federal de 1988
na
A Constituição Federal de 1988 trouxe
para seu texto, em capítulo próprio,
o tema da segurança pública que
na história constitucional brasileira
apenas aparecia em referências
difusas. A compreensão do modelo
de segurança pública e problemas
histórica brasileira, na medida em eu nosso
sistema de justiça criminal, em seu conjunto,
e as polícias, em particular, tradicionalmente,
vêm violando os princípios de equidade e
aplicando as leis com filtro social e racista.”
associados atualmente no Estado de
Minas Gerais, ou em âmbito nacional,
passa para compreensão desse que
é seu principal marco normativo
e organizativo, vez que o governo
federal historicamente assumiu o
controle da definição dessas políticas.
Nesse sentido, conforme aponta
Souza Neto (2007):
A
constitucionalização
traz
importantes consequências para
a legitimação da atuação estatal
na formulação e na execução
de políticas de segurança. As leis
sobre segurança, nos três planos
federativos de governo, devem
estar em conformidade com
a Constituição Federal, assim
como as respectivas estruturas
administrativas e as próprias
ações concretas das autoridades
policiais. O fundamento último de
uma diligência investigatória ou
de uma ação de policiamento
ostensivo é o que dispõe a
Constituição.
No capítulo DA SEGURANÇA
PúBLICA, o texto constitucional
dispõe em seu artigo 144 que,
A segurança pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do
patrimônio através dos seguintes
órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
475
V - polícias militares e corpos de
bombeiros militares. (BRASIL, 1988).
A Polícia Federal (PF) exerce, em
nível federal, as atividades de
polícia de investigação de crimes
específicos, de polícia judiciária
da União e de polícia marítima,
aeroportuária e de fronteiras. A PF
destina-se a “apurar infrações penais
contra a ordem política e social ou
em detrimento de bens, serviços
e interesses da União ou de suas
entidades autárquicas e empresas
públicas, assim como outras infrações
cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e
exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei”; “prevenir e reprimir
o tráfico ilícito de entorpecentes
e drogas afins, o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos
públicos nas respectivas áreas de
competência”; “exercer as funções
de polícia marítima, aeroportuária
e de fronteiras”; “exercer, com
exclusividade, as funções de polícia
judiciária da União”.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF),
outro órgão policial subordinado
ao Governo Federal, destina-se
ao patrulhamento ostensivo das
rodovias federais. Assim, a PRF tem
como missão institucional ostentar
a presença policial nas estradas
federais e reprimir, de modo imediato,
os delitos que ali sejam cometidos.
476
Prevê que a Polícia Ferroviária
Federal (PFF) é órgão permanente
e mantido pela União destinado
ao patrulhamento ostensivo das
ferrovias federais. Apesar da previsão
constitucional, o órgão nunca foi
objeto de criação efetiva 30, muito
em razão da significativa limitação
do sistema ferroviário nacional.
Uma característica comum em
relação aos órgãos policiais federais
e que os distingue dos demais
previstos no artigo 144 é previsão de
que estes são órgãos permanentes,
organizados e mantidos pela União
e estruturados em carreira.
A Constituição Federal prevê que
as Polícias Civis são responsáveis
pelas funções de polícia judiciária
e de apuração de infrações penais,
ressalvando-se a competência da
União31 e a investigação de crimes
30
A Lei nº 8.490/92 autorizou o Poder
Executivo a criar, no âmbito do Ministério
da Justiça, o Departamento de Polícia
Ferroviária Federal. A PFF passou a constar em
sua estrutura do Ministério com a edição do
Decreto nº 2.802/98, com a competência de
propor a política de segurança ferroviária e
supervisionar o policiamento e a fiscalização
das ferrovias federais, de acordo com a
legislação específica. Já no próximo decreto
sobre a estrutura regimental do Ministério da
Justiça posteriormente editado, a PFF deixou
de estar prevista, não sendo novamente
recriada.
31
A
apuração
de
crimes
de
competência da União está a cargo
da Polícia Federal que tem elencados
no texto constitucional os crimes sob
sua responsabilidade e exerce, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária
da União.
militares 32 . Ou seja, assume com
exclusividade a elucidação de
crimes que exijam investigação. Um
outro aspecto distintivo em relação
às polícias civis é a menção que
essas são dirigidas por delegados de
polícia de carreira.
Às Polícias Militares cabe a função
de polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública. Sob esse prisma
elas mantém o controle histórico,
que na Polícia Militar de Minas se
origina nos Dragões del Rey em
1719, do controle das desordens
sociais que afetem o Estado. Ao
mesmo tempo, conforme antes
observado, assumem pela primeira
vez o controle exclusivo sobre o
policiamento preventivo, executado
de maneira ostensiva. Essas também
são definidas, juntamente com
os corpos de bombeiros militares,
como forças auxiliares e reserva
do Exército. Assim como as Polícias
Civis, as Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares subordinam-se
aos Governadores dos Estados e do
Distrito Federal. Todavia, como força
de reserva as polícias militares devem
também subordinação ao Comando
do Exército.
No § 8º do artigo 144, a Constituição
traz a previsão de que os municípios
podem constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus
32
A apuração de crimes militares é de
responsabilidade das Forças Armadas ou
das instituições militares estaduais, Polícias ou
Bombeiros Militares.
bens, serviços e instalações.
Conforme previsto no texto, as
guardas municipais tem a função
de guarda patrimonial e não se
tratam de órgão policial. Assim,
não é atribuição dessas guardas a
realização de investigações criminais
ou do policiamento ostensivo. Cabe
observar que a participação dos
municípios no aparato de segurança
pública por meio de guardas
municipais foi objeto de disputas na
Assembleia Nacional Constituinte 33
e mantém-se atual. Argumenta-se
que as guardas também deveriam
atuar na proteção do cidadão
e houve grande debate quanto
à possibilidade de guardas civis
municipais terem ou não porte de
arma. Atualmente, o Estatuto do
Estatuto do Desarmamento, Lei
n°10.826/2003, com nova redação
dada no ano de 2004, prevê que
municípios com população superior à
33
Destaca-se
que
a
proposta
da
Comissão
Provisória
de
Estudos
Constitucionais, conhecida como Comissão
Afonso Arinos, propunha que “os Municípios
com mais de duzentos mil habitantes
poderão criar e manter guarda municipal
como auxiliar da polícia civil.” Destacase aqui que as polícias civis descritas nesse
projeto teriam função de proceder às
investigações criminais e realizar a vigilância
ostensiva e preventiva, mantendo quadro
de agentes uniformizados.
BRASIL. Diário do Congresso
Nacional. Anteprojeto da Comissão
de
Estudos
Constitucionais.
1986.
Disponível
em:
<ttp://www.senado.
gov.br/publicacoes/anais/constituinte/
AfonsoArinos.pdf>.
477
50 mil habitantes podem ter guardas
civis armadas34.
Um exemplo do peso da herança
histórica sobre essas instituições
policiais são as atividades de
cunho não essencialmente policial.
A especificação de atribuições
para cada uma das agências de
segurança estatal pela Constituição
Federal não impediu, ou busca
impedir, que essas desenvolvam
outras funções, sendo muito comum o
desempenho de atividades de polícia
administrativa. No caso específico
das polícias do Estado de Minas
Gerais e da Guarda Municipal de
Belo Horizonte observamos que essas
instituições desenvolvem atividades
nas quais exercem, por exemplo,
o poder de polícia de trânsito35 . A
34
Já os integrantes das guardas
municipais das capitais dos Estados e dos
Municípios com mais de 500.000 habitantes o
porte não está restrito à situação de serviço.
BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003. Dispõe sobre registro,
posse e comercialização de armas de fogo
e munição, sobre o Sistema Nacional de
Armas - Sinarm, define crimes e dá outras
providências. Brasília, 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2003/L10.826.htm>.
35
De acordo com o artigo 78 do Código
Tributário Nacional “considera-se poder de
polícia a atividade da administração pública
que, limitando ou disciplinando direito,
interesse ou liberdade, regula a prática de
ato ou abstenção de fato, em razão de
interesse público concernente à segurança,
à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício
de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do poder público,
à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou
coletivos.” (BRASIL. Lei nº 5172, de 25 de
dezembro de 1966. Dispõe sobre o Sistema
478
Polícia Civil de Minas Gerais, por meio
do Departamento de Trânsito de
Minas Gerais (DETRAN/MG), exerce
a função de órgão executivo de
trânsito do Estado prevista no Código
de Trânsito Brasileiro (CTB)36.
Em relação às Polícias Militares dos
Estados e do Distrito Federal, aqui
incluída a de Minas Gerais, o CTB
estabelece como sua competência
“executar a fiscalização de trânsito,
quando e conforme convênio
firmado, como agente do órgão ou
entidade executivos de trânsito ou
executivos rodoviários”. Também
define o policiamento ostensivo de
trânsito como a “função exercida
Tributário Nacional e institui normas gerais de
direito tributário aplicáveis à União, Estados
e Municípios. Brasília, 2007. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/
L5172.htm>.) Conforme apresentado por Di
Pietro (2014, p. 124), pelo conceito moderno,
o poder de polícia é a atividade do Estado
consistente em limitar o exercício dos
direitos individuais em benefício do interesse
público”. O poder de polícia de trânsito
refere-se à que atividade que disciplina,
controla e fiscaliza o trânsito de veículos em
geral, coibindo a ocorrência de infrações de
trânsito.
De acordo com o CTB fazem parte
do Sistema Nacional de Trânsito os órgãos
e entidades executivos de trânsito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Cabe aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios organizar seus
respectivos órgãos e entidades executivos
de trânsito e executivos rodoviários. (BRASIL.
Lei nº 9503, de 23 de setembro de 1997.
Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília,
2016. Disponível em: < http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>).
A associação dos órgãos de trânsito com
Polícias Civis não é uma regra. Em diversas
unidades da Federação, como Brasília, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro entidades
apartadas de suas polícias estaduais.
36
pelas Polícias Militares com o
objetivo de prevenir e reprimir atos
relacionados com a segurança
pública e de garantir obediência
às normas relativas à segurança
de trânsito, assegurando a livre
circulação e evitando acidentes”.
Pelo disposto no CTB, o DETRAN/MG
e a Polícia Militar de Minas Gerais
compõem o Sistema Nacional de
Trânsito.
Criada em 2003 por meio da Lei
Municipal 8.486, a Guarda Municipal
de Belo Horizonte (GMBH) tem entre
suas competências legais “atuar
na fiscalização, no controle e na
orientação do trânsito e do tráfego”37.
No exercício de suas as atividades a
GMBH trabalha em conjunto com a
BHTrans38 e o Batalhão de Trânsito da
Polícia Militar em ações voltadas para
a coordenação e fiscalização da
circulação de veículos e pedestres.
37
BELO HORIZONTE. Lei nº 9319, de
19 de janeiro de 2007. Institui o Estatuto da
Guarda Municipal de Belo Horizonte e dá
outras providências. Belo Horizonte, 2014.
Disponível em: <https://intranetgmbh.pbh.
gov.br/guarda-municipal-de-belo-horizonte1?q=node/74>
38
A BHTRANS é uma sociedade de
economia mista municipal, dependente e
de capital fechado que tem como principal
acionista a Prefeitura de Belo Horizonte que
detém 98% de seu capital social. Criada
em 1991 pela Lei Municipal nº 5.953, tem
por finalidade planejar, organizar, dirigir,
coordenar, executar, delegar e controlar
a prestação de serviços públicos relativos
a transporte coletivo e individual de
passageiros, tráfego, trânsito e sistema
viário, observado o planejamento urbano
municipal.
Na realidade a própria Lei nº
13.022, de 08 de agosto de 201439,
que trata do Estatuto Geral das
Guardas Municipais prevê entre as
atribuições das Guardas “exercer
as competências de trânsito que
lhes forem conferidas, nas vias e
logradouros municipais”, nos termos
do Código de Trânsito Brasileiro, ou
de forma concorrente, mediante
convênio celebrado com órgão de
trânsito estadual ou municipal.
Apresentado esse cenário
estabelecido pela última Constituição
que pautou a arquitetura do sistema
de segurança pública brasileiro,
pode-se adentrar as particularidades
de Minas Gerais.
8 - A Segurança Pública no
Estado de Minas Gerais
Para subsidiar a análise do presente
quadro de segurança pública em
Minas Gerais será necessária uma
pequena síntese da estrutura legal
determinada pela Constituição
Federal de 1988, bem como da
Constituição de Minas Gerais que
foi balizada por esta. Vale lembrar
que a autonomia dada aos Estados
no tocante a Segurança Pública é
mínima, vez que o movimento de
centralização política iniciado por
BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto
de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das
Guardas Municipais. Brasília, 2014. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm>
39
479
Getúlio e continuado pelos militares
desde 1964 não sofreu qualquer
contraponto com o processo de
redemocratização. Por conseguinte,
a Constituição Federal de 1988
acabou por moldar o sistema de
segurança pública ao dar forma
única e específica ao sistema policial
brasileiro. Promulgada em 21 de
setembro 1989, aproximadamente
um ano após a Constituição Federal,
a Constituição do Estado de Minas
de Gerais basicamente reproduz na
esfera estadual a previsões do artigo
144 sobre a segurança pública. O
texto original da Constituição mineira
dispunha que
A segurança pública, dever do
Estado e direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I – Polícia Civil;
II – Polícia Militar. (Minas Gerais,
1989)
A Emenda à Constituição
nº 39, de 2 de junho de 1999 40 ,
desmembrou o Corpo de Bombeiros
Militar da Polícia Militar da Polícia
Militar que o continha e desenvolvia
40
MINAS GERAIS. Constituição (1989).
Emenda à Constituição nº 39, de 2 de junho de
1999. Altera a redação dos arts. 39, 61, 66, 90,
106, 110, 111, 136, 137, 142 e 143 da Constituição
do Estado, acrescenta dispositivos ao
Ato
das
Disposições
Constitucionais
Transitórias e dá outras providências.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?ano=1999&num=39&tipo=EM>.
480
atividades de prevenção e combate
a incêndio, busca e salvamento.
Com a alteração passaram a constar
como órgãos responsáveis pela
segurança pública: a Polícia Civil, a
Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros
Militar. Tais órgãos são autônomos
e subordinados diretamente ao
Governador do Estado, compondo
conjuntamente com a Secretaria
de Estado de Segurança Pública
(Sesp) e a Secretaria de Estado
de Administração Prisional
(Seap), o sistema de segurança
pública de Minas Gerais. Seus
dirigentes compõem a Câmara
de Coordenação das Políticas de
Segurança Pública (CCPSP).
Mesmo após 1988, o sistema de
segurança pública de Minas Gerais
apresentou ao longo do tempo
diferentes estruturações junto ao
organograma do Estado. Isso decorre
do fato de que é competência do
Governo e da Assembleia Legislativa
do Estado a definição da organização
dos elementos que estruturam
a execução da política criminal
estadual, respeitadas as limitações
constitucionais e a competência da
União e do Congresso Nacional.
A atual estrutura foi dada
pela Lei Estadual nº 22.257, de julho
de 2016 41, que promoveu reforma
41
MINAS GERAIS. Lei nº 22257, de 27
de julho de 2016. Estabelece a estrutura
orgânica da administração pública do Poder
Executivo do Estado e dá outras providências.
Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do
Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível
administrativa no âmbito do Estado.
Em relação à segurança pública,
uma de suas principais mudanças foi
o desmembramento da Secretaria de
Estado de Defesa Social (SEDS) nas
Secretarias de Estado de Segurança
Pública (Sesp) e de Administração
Prisional (Seap). Essa reorganização
pôs fim a mais de uma década de
políticas no Estado que objetivavam
unificar o aparato das secretarias
sob um mesmo comando, ao mesmo
tempo em que pouco avançou na
reestruturação das próprias policias,
ministério público ou sistema judiciário.
De forma a reorganizar
a estrutura, a criação da extinta
Secretaria de Estado de Defesa
Social (SEDS) ocorreu em 200342 e foi o
elemento central na implementação
de uma nova política estadual de
segurança pública e do projeto de
integração das organizações policiais.
A SEDS resultou da fusão da Secretaria
em:
<https://www.almg.gov.br/consulte/
legislacao/completa/completa-nova-min.
html?tipo=LEI&num=22257&ano=2016>.
42
MINAS GERAIS. Lei Delegada nº 49,
de 02 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a
estrutura orgânica da Administração Pública
do Poder Executivo Do Estado e dá outras
providências. Belo Horizonte. Assembleia
Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2007.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=LDL&num=49&comp=&ano=2003>.
MINAS GERAIS. Lei Delegada nº 56, de
29 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a Secretaria
de Estado de Defesa Social e dá outras
providências. Belo Horizonte. Assembleia
Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2007.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=LDL&num=56&ano=2003>.
de Estado de Segurança Pública (que
incorporava a Polícia Civil) e Secretaria
de Estado de Justiça e de Direitos
Humanos (responsável pelo Sistema
Prisional, Sistema Socioeducativo
e pela Defensoria Pública). Assim
permitiu-se que fossem reunidos e
vinculados à mesma estrutura as
ações relacionadas à prevenção à
criminalidade; integração operacional
dos órgãos de Defesa Social;
custódia, educação e reinserção
social dos indivíduos privados de
liberdade; a defensoria pública e o
enfrentamento de calamidades. Sob
sua responsabilidade foi colocada
a coordenação operacional das
atividades das Polícias Civil e Militar,
do Corpo de Bombeiros Militar, da
Defensoria Pública e da então criada
Subsecretaria de Administração
Penitenciária (Suape). Em 2011 a
SEDS também absorveu a execução
da política estadual antidrogas, por
meio da Subsecretaria de Políticas
sobre Drogas (Supod)43.
A implantação da nova política
e do processo de integração das
organizações do sistema de segurança
pública foi fortemente impulsionada
por uma profunda crise na área de
segurança e por um contexto político
43
MINAS GERAIS. Lei Delegada nº
179, de 01 de janeiro de 2011. Dispõe sobre
a organização básica e a estrutura da
Administração Pública do Poder Executivo
do Estado. Belo Horizonte. Assembleia
Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=LDL&num=179&ano=2011>.
481
regional e nacional favoráveis.
Segundo dados da Fundação João
Pinheiro (2010, p. 4), de 1995 a 2003,
num período de apenas 8 anos, as
taxas de “crimes violentos”44 por 100
estadual, para a eficácia das ações
de segurança45.
Um
dos
maiores
problemas
estruturais das polícias estaduais
é a dificuldade de trabalharem
integradamente. A dualidade
histórica do setor de segurança
pública criou um distanciamento
entre a Polícia Militar e a Polícia
Civil. Conflitos de competência e
duplicidade de gerenciamento,
de equipamentos e de ações
de policiamento fazem parte
do
cotidiano
das
polícias
nos estados. Mesmo com as
limitações
decorrentes
da
estrutura
constitucional,
é
viável adotar diversas iniciativas
que
possibilitem
às
polícias
atuarem de forma integrada,
compartilhando
determinadas
rotinas, procedimentos e estruturas,
racionalizando a administração
dos recursos humanos e materiais,
e otimizando a eficácia do aparato
policial. Para tanto, a subordinação
de ambas as polícias ao comando
do(a) Secretário(a) de Segurança
é fundamental. (BRASIL, 2003).
mil habitantes aumentaram mas
408% no Estado, saltando de 132,86
para 541,55. Para os “crimes violentos
contra o patrimônio” (roubos
somados a roubos a mão armada),
o aumento no mesmo período foi de
581%, enquanto que, de 1997 a 2003,
o crime de homicídio apresentou um
aumento de 96% (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 2005, p. 14).
Paralelamente ao significativo
crescimento da criminalidade no
Estado é certo consenso entre
especialistas sobre a incapacidade
de sua contenção pela estrutura
policial dicotômica vigente. Também
existe a percepção comum de
que às diretrizes preconizadas pelo
Governo Federal foram decisivas
para o desenvolvimento da nova
política de segurança pública em
Minas Gerais (SAPORI, LUíS FLáVIO;
ANDRADE, 2008). Denominado
“Segurança Pública para o Brasil”, o
Plano Nacional de Segurança Pública
(PNSP) adotado pelo Governo Lula
em 2003 definiu entre suas prioridades
a integração das organizações
policiais, principalmente no nível
Ocorrências
classificadas
como
Homicídio, Homicídio Tentado, Estupro,
Roubo e Roubo a Mão Armada, segundo a
caracterização determinada pelo Código
Penal Brasileiro.
44
482
Como mecanismo de fomento
às diretrizes de integração que
compunham o PNSP, houve a
vinculação do repasse de recursos
do Fundo Nacional de Segurança
Pública (FNSP)46 à implantação dessas
45
Essas se relacionavam a uma série
de ações previstas para o Sistema único
de Segurança Pública (SUSP). Além da
promoção da integração das polícias
estaduais, O SUSP previa a articulação
de diversas ações em segurança pública
a serem desenvolvidas nos níveis federal,
estadual e municipal, incluindo as polícias
da União, secretarias de segurança nos três
níveis de governo, órgãos do sistema de
justiça criminal e a sociedade civil.
46
O Fundo Nacional de Segurança
estratégias por parte dos Estados. A
liberação dos recursos dependia da
apresentação de Plano Estadual de
Segurança Pública em conformidade
com o Plano Nacional. Em 2003, o
Governo de Minas Gerais submeteu
seu plano à Secretaria Nacional
de Segurança Pública (SENASP) 47,
possibilitando os recursos financeiros
necessários para a implementação
de sua nova política de segurança
(ANDRADE, 2006).
A política de integração das
organizações policiais em Minas Gerais
teve como principais estratégias a
integração das informações, das
áreas geográficas de atuação e
do planejamento operacional. Isso
decorreu do fato de que foram
apontados como os principais
focos de disjunção do trabalho
policial o não compartilhamento de
informações entre as organizações
policiais, em especial de seus sistemas
informatizados, a incompatibilidade
de áreas territoriais de atuação e
a inexistência de planejamento
conjunto de ações.
Pública (FNSP), instituído no âmbito do
Ministério da Justiça, tem o objetivo de apoiar
projetos na área de segurança pública e
prevenção à violência, enquadrados nas
diretrizes do plano de segurança pública do
Governo Federal.
Foram propostos três projetos para
lidar com esses problemas. Na área
informacional o projeto denominado
Sistema Integrado de Defesa Social
(Sids), priorizou o compartilhamento
de informações e a padronização
dos registros de ocorrências. Em
relação à integração geográfica, a
implantação das áreas Integradas
de Segurança Pública (Aisp) deu
início à compatibilização de
áreas de atuação, de forma que
houvesse correspondência entre
unidades de Polícia Civil e de Polícia
Militar. Numa segunda fase, para
o planejamento operacional foi
implantada uma metodologia de
gerenciamento do trabalho policial
denominada Integração da Gestão
em Segurança Pública (Igesp),
inspirada nas experiências de sucesso
de Nova Iorque nos Estados Unidos,
com o COMPSTAT48 na década de
1990, e na política de Segurança
Cidadã de Bogotá na Colômbia.
Como estratégias complementares
foram eleitas à integração do
trabalho correcional, bem como
dos processos de formação e
treinamento das polícias estaduais.
(SAPORI; ANDRADE, 2013; SAPORI,
ANDRADE, 2008).
47
A Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP) é um órgão do Governo
Federal subordinado ao Ministério da Justiça
que tem por finalidade assessorar o Ministro
de Estado na definição e implementação da
política nacional de segurança pública e,
em todo o território nacional, acompanhar
as atividades dos órgãos responsáveis pela
segurança pública.
48
COMPSTAT (Computerized Statistics
- estatísticas comparadas por computador)
é
uma
ferramenta
administrativoorganizacional e de planejamento das
atividades e resultados das organizações
policiais, implementada em Nova York, no
início de 1990.
483
A avaliação dos resultados de
uma política de segurança pública
a partir de taxas de criminalidade
certamente apresenta limitações
visto que a dinâmica dos crimes
está associada a múltiplas variáveis,
como questões socioeconômicas e
outras tantas. Devido a isso se torna
tarefa extremamente complexa o
isolamento dos impactos de diferentes
políticas e outras alterações na
realidade social de forma que os
números analisados possam expressar
uma relação de causalidade.
Assim, antes de qualquer inferência
relacionada a evolução dos números
sobre criminalidade em Minas Gerais,
merece destacar que, durante
um período que coincide com a
implementação e consolidação do
projeto em questão e de todo um
conjunto de ações que objetivavam
a redução do número de crimes
no Estado, o Brasil vivenciou “uma
espécie de ciclo virtuoso” que fez
com que a taxa de homicídios
diminuísse em 11 estados (CERQUEIRA,
2014)49. De fato, os governos federal
e municipais começaram a atuar
mais decisivamente nas questões
de segurança pública. Houve
uma consistentemente diminuição
da desigualdade social, com o
aumento da renda e do emprego.
Ao mesmo tempo, vários estados
assistiram a uma diminuição relativa
da parcela de jovens na população.
Ocorreu uma elevação das taxas de
encarceramento e de condenações
a penas alternativas. Aliado a isso,
o Estatuto do Desarmamento, lei
10.826, de 22 de dezembro de 200350,
promoveu o controle e restrição ao
acesso e uso de armas de fogo, o que
de alguma forma ajudou a conter o
crescimento por sua demanda.
A despeito das limitações para o
estabelecimento de uma relação de
causa e efeito, é possível observar que
entre 2004, ano em que começou a ser
implantado o modelo de segurança
pública de Minas Gerais voltado para
a integração das ações das polícias
e de prevenção da criminalidade,
e 2011, a taxa de crimes violentos
no Estado caiu 48,80% (SECRETARIA
DE DEFESA SOCIAL, 2012). Pelos
dados, é possível inferir que parte
do resultado na redução de crimes
violentos observada tenha decorrido
das políticas de segurança iniciadas.
49
Cerqueira (2014), em seu trabalho
“Causas e consequências do crime no
Brasil”, apresenta a provável associação
entre taxas de crimes e fatores como a renda
e a desigualdade de renda; à estrutura
demográfica e de gênero da população,
mais especificamente, a proporção de
homens jovens na população; a efetividade
do sistema de justiça criminal e elementos
criminógenos, que favorecem ao crime,
entre os quais, a demanda por armas de
fogo.
484
BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003. Dispõe sobre registro,
posse e comercialização de armas de fogo
e munição, sobre o Sistema Nacional de
Armas - Sinarm, define crimes e dá outras
providências. Brasília, 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/2003/L10.826.htm>
50
Entretanto, a partir de 2011 percebe-se uma inversão dessa tendência de
queda da criminalidade no Estado. Conforme pode ser observada na tabela
abaixo, a taxa por grupo de 100 mil habitantes, que leva em conta o crescimento
populacional, tem um crescimento de 276% de 2010 a 2016.
TABELA 1
TAXA ANUAL DE CRIME VIOLENTO REGISTRADO EM MINAS GERAIS
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
541,55
539,15
520,95
467,43
430,81
349,96
294,99
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
250,52
277,78
376,76
446,81
522,39
614,96
691,44
1
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dados de 2003 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010);
2
Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012);
3
Dados de 2012 a 2016 disponíveis em Minas Gerais (2017).
O gráfico abaixo apresenta de forma clara que, após um declínio da taxa
de crime violento a partir de 2004, essas passam a apresentar uma elevação
após 2010, atualmente superando de forma significativa os índices anteriores.
Fonte: Elaborado pelos autores.
1 Dados de 2003 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010);
2 Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012);
3 Dados de 2012 a 2016 disponíveis em Minas Gerais (2017).
485
No gráfico 2 pode-se acompanhar a evolução da taxa de crime violento por
grupo de 100 mil habitantes de 1986 a 2016. Conforme apontado anteriormente
os números iniciam uma trajetória de elevação de 1995 a 2003. Após quedas
a partir de 2004, inicia-se um forte alta nas taxas a partir de 2011.
Fonte: Elaborado pelos autores.
1 Dados de 1986 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010);
2 Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012);
3 Dados de 2012 a 2017 disponíveis em Minas Gerais (2017).
A reforma administrativa no âmbito do Estado de Minas Gerais ocorrida julho
de 2016, desmembrou a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) nas
Secretarias de Estado de Segurança Pública (Sesp) e de Administração Prisional
(Seap)51.
A Sesp tem como finalidade planejar, deliberar, organizar, coordenar e gerir
as políticas estaduais de segurança pública, as atividades de inteligência de
segurança pública, as ações de prevenção à tortura e outros tratamentos ou
penas cruéis, desumanos ou degradantes no Estado e a política de atendimento
às medidas socioeducativas de semiliberdade e internação. Já a Seap tem
como competência planejar, organizar, coordenar e gerir a política prisional,
51
MINAS GERAIS. Lei nº 22257, de 27 de julho de 2016. Estabelece a estrutura orgânica da
administração pública do Poder Executivo do Estado e dá outras providências. Belo Horizonte.
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.
br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.html?tipo=LEI&num=22257&ano=2016>.
486
assegurando efetiva execução das
decisões judiciais e privilegiando a
humanização do atendimento e a
inclusão social dos indivíduos em
cumprimento de penas.
Criada no âmbito da reforma e
integrando a área de competência
da Sesp, a Câmara de Coordenação
das Políticas de Segurança Pública
(CCPSP) é a estrutura responsável
pela integração dos órgãos da área
de segurança pública. A CCPSP
é um órgão colegiado de caráter
consultivo, propositivo e deliberativo
que tem como competência
acompanhar a elaboração e a
implementação da política de
segurança pública do Estado,
em articulação com o Conselho
de Defesa Social. Compoem a
CCPSP o Secretário de Estado de
Segurança Pública, o Secretário de
Estado de Administração Prisional,
o Comandante da Polícia Militar
de Minas Gerais, o Chefe da Polícia
Civil do Estado de Minas Gerais e o
Comandante do Corpo de Bombeiros
Militar de Minas Gerais.
Mesmo com as mudanças
promovidas na estrutura de segurança,
os focos da política de segurança
pública no Estado permanecem
voltados para a integração entre
os órgãos de segurança pública e
entre estes e outras organizações
e a prevenção a criminalidade.
Dando continuidade a estratégia de
integração geográfica, em fevereiro
de 2017 foi implantada a 19ª Região
Integrada de Segurança Pública
(Risp) em Sete Lagoas. Atualmente o
Estado de Minas Gerais está dividido
em 19 Risps52, que são repartidas em
áreas de Coordenação Integrada
de Segurança Pública (Acisps). Essas,
por sua vez, são compostas por áreas
Integradas de Segurança Pública
(Aisps).
Diversas ações que compõem o
programa “Mais Segurança” do
Governo de Minas Gerais, como
aumento do efetivo de policiais civis
e militares e renovação de frota de
veículos dessas forças, vem sendo
implementadas. Outras, como o
projeto Segurança Comunitária,
envolvendo a divisão da capital
mineira em 86 territórios, nos quais
serão instaladas bases comunitárias,
e prevê uma maior aproximação do
trabalho da PM junto ao cidadão
e a comunidade, estão sendo
desenvolvidas.
Os dados totalizados ao final da
primeira metade do ano de 2017
relativos às taxas de crimes violentos
por grupo de 100 mil habitantes
apontaram uma redução de 8,83%
no Estado na comparação entre os
primeiros semestres de 2017 e 2016.
Enquanto o acumulado de janeiro a
52
As 19 Risps estão instaladas em
Barbacena, Belo Horizonte, Contagem,
Curvelo, Divinópolis, Governador Valadares,
Ipatinga, Juiz de Fora, Lavras, Montes Claros,
Patos de Minas, Poços de Caldas, Pouso
Alegre, Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Uberaba,
Uberlândia, Unaí e Vespasiano.
487
julho de 2016 apresentou uma taxa de
403,55, em 2017 a taxa foi de 367, 94
para o mesmo período (MINAS GERAIS,
2017). Foi observada redução em 10
das 12 estatísticas de criminalidade
monitoradas pelo Governo do
Estado. O comportamento do
número de roubos foi destacado
pelo Governo visto que, após
subirem seguidamente por seis
anos, apresentaram redução pelo
terceiro mês em 2017, alcançando
uma variação percentual de 8%. Tal
índice representa a maior diminuição
percentual dos últimos seis anos em
Minas Gerais53.
Conforme antes extensamente
observado, a Polícia Civil de Minas
Gerais (PCMG) e a Polícia Militar
de Minas Gerais (PMMG), órgãos
policiais que compõem seu sistema
de segurança pública do Estado,
estão previstos na Constituição
estadual de forma adequada ao
que prevê a Constituição Federal.
Aqui cabe destacar novamente que
a Constituição Federal é taxativa
quanto ao rol de órgãos policiais
e apenas os órgãos assim nela
definidos podem ser instituídos como
corporações policiais. Dessa forma
não haveria outra possibilidade que
não criar, no âmbito do estado, duas
53
AGêNCIA MINAS GERAIS. Minas
Gerais fecha semestre com queda de 8%
nos roubos e 4% nos homicídios. Disponível
em: <http://www.agenciaminas.mg.gov.br/
noticia/minas-gerais-fecha-semestre-comqueda-de-8-nos-roubos-e-4-nos-homicidios>.
Acesso em: 22 ago. 2017.
488
forças policiais que executam de
forma separada funções específicas
da atividade de polícia. Se por um
lado a definição da estrutura policial
em Minas Gerais foi determinada
pelo
modelo
consolidado
pela Constituição de 1988 que
simplesmente reproduziu modelo
dualizado de polícias existente no
Brasil há mais de século, por outro,
conforme discutido anteriormente,
as organizações policiais do estado
traziam sua história, já sendo naquele
momento instituições estabelecidas,
com uma extensa jornada atrás de si.
Polícia Militar
A Constituição Estadual de 1989
estabelece que a Polícia Militar é uma
força pública estadual organizada
com base na hierarquia e disciplina
militares, competindo-lhe a função
“de polícia ostensiva de prevenção
criminal, de segurança, de trânsito
urbano e rodoviário, de florestas e de
mananciais, bem como as atividades
relacionadas com a preservação
e restauração da ordem pública”.
Nos mesmos termos da Constituição
Federal, também dispõe que a Polícia
Militar é força auxiliar e reserva do
Exército.
Dados do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, publicação
do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP), em sua edição de 2016
apresentam que a PMMG contava
com um efetivo de 42.115 servidores em 201454. A Lei Estadual n° 22.41555, de
16 de dezembro de 2016, definiu o seu efetivo para o período de 2017 a 2019
como sendo 51.669 políciais.
Tabela 02
Total do efetivo previsto da PMMG por quadro
Quadro
2017 - 2018 - 2019
Quadro de Oficiais – QO-PM
2.350
Quadro de Oficiais Complementares – QOC-PM
1.100
Quadro de Oficiais de Saúde – QOS-PM
750
Quadro de Oficiais Especialistas – QOE-PM
70
Quadro de Oficiais Capelães – QOCPL
9
Quadro de Praças – QP-PM
45.190
Quadro de Praças Especialistas – QPE-PM
2.200
Total
51.669
Fonte: Lei Estadual nº 22415, de 16 de dezembro de 2016.
A estrutura hierárquica da PMMG reproduz a do Exército, com os seguintes
postos e graduações56:
I – Oficiais de Polícia
a) Superiores: Coronel, Tenente-Coronel e Major
b) Intermediários: Capitão
c) Subalternos: 1º Tenente, 2º Tenente
II – Praças Especiais de Polícia
a) Aspirante a Oficial
54
Essa mais recente publicação do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública conta
apenas com dados referentes à 2014 devido à indisponibilidade de dados atualizados.
LIMA, Renato Sérgio De et al. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2016. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/
storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf>.
MINAS GERAIS. Lei nº 22415, de 16 de dezembro de 2016. Fixa os efetivos da Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais – PMMG – e do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais – CBMMG
– para o período de 2017 a 2019 e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa
do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/
completa/completa.html?tipo=LEI&num=21976&ano=2016>.
55
56
MINAS GERAIS. Lei nº 5301, de 16 de outubro de 1969. Contém o Estatuto dos Militares do
Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2017.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.
html?tipo=LEI&num=5301&comp=&ano=1969&texto=consolidado>.
489
b) Cadetes do último ano do Curso
de Formação de Oficiais e Alunos do
Curso de Habilitação de Oficiais;
c) Cadetes do Curso de Formação
de Oficiais dos demais anos;
III – Praças de Polícia:
a) Subtenentes e Sargentos;
Subtenente; 1º Sargento; 2º Sargento
e 3º Sargento;
b) Cabos e Soldados:
Cabo; Soldado de 1ª Classe e
Soldado de 2ª Classe (Recruta).
Como se observa são muitos os
níveis hierárquicos, totalizando 17
postos e graduações57. Em relação
a hierarquização excessiva da
estrutura das polícias militares, o Plano
Nacional de Segurança Pública de
2003 apontava que essa arquitetura
institucional dificulta a relação interna
e prejudica a qualidade do serviço
prestado por essas organizações.
Como decorrência o referido plano
igualmente recomendava a redução
dos graus hierárquicos a partir de
estudos que indicassem qual a melhor
forma de organização hierárquica
interna (BRASIL, 2003).
Nesse modelo vigente os cabos
e soldados são encarregados da
execução do policiamento ostensivo.
Subtenentes e sargentos também
o executam e ainda comandam
Posto é o grau hierárquico dos oficiais,
conferido por ato do Chefe do Governo do
Estado. Graduação é o grau hierárquico dos
praças, conferido pelo Comandante Geral
da Polícia Militar.
57
490
guarnições de radiopatrulha e grupos
de cabos e soldados no policiamento
a pé e em operações que empreguem
no máximo 10 policiais militares. Além
de cumprir as mesmas atribuições dos
praças, os oficiais são responsáveis
pelo planejamento, apuração de
desvios, coordenação e controle do
policiamento ostensivo e comando
de grandes frações, como pelotões,
companhias, batalhões e comandos
regionais.
Conforme pode ser constatado na
tabela 02, os oficiais representam 8,28%
do efetivo ali definido. Apesar desse
baixo percentual, o investimento em
sua formação é bastante significativo
quando comparados aos praças,
que recebem menor atenção
na sua formação mesmo tendo
maior contato com o atendimento
de ocorrências. “Isso ocorre não
somente porque o número de oficiais
é menor, mas também reproduz uma
dicotomia entre oficiais e praças,
em que os primeiros formulam as
estratégias para que os outros
executem” (ANDRADE, 2006, p. 59).
Apesar da carreira policial militar
representar uma unidade, o que
pode ser percebido na linearidade
das graduações e postos, o acesso
a ela é dado por duas portas de
entrada: os ingressos no quadro de
praças e no quadro de oficiais. O
ingresso nos quadros da PMMG se
dá mediante concurso público que
tem como requisito de escolaridade
o nível superior, sendo que para o de oficiais é exigido o título de bacharel
em Direito. A exigência do nível superior para praças e do bacharelado em
Direito foi implantada em 2010 por meio de alterações no Estatuto do Militares
do estado58 e na Constituição do Estado59.
Muniz (2001, p. 186) Aponta que, num esforço de tentar superar limitações do
“militarismo” à polícia, as Polícias Militares brasileiras se conduziram a uma outra
armadilha doutrinária, o “bacharelismo”, um o apego acrítico à perspectiva
criminal do direito.
Mas a proximidade e mesmo a instrumentalidade do direito penal para certas
questões de polícia não devem ser confundidas com o amplo espectro da
atuação policial, em particular o das polícias militares ou polícias do provimento
da ordem pública. é óbvio que a legislação criminal constitui um importante
instrumento para polícia ostensiva. Mas é apenas um instrumento tão necessário
quanto tantos outros no dia-a-dia de um PM.
O movimento de tornar o bacharelado em Direito uma exigência para o
ingresso no quadro de oficiais não é uma exclusividade de Minas Gerais. Em
contatos com oficiais superiores do Estado e outras unidades, esses relataram
que tais iniciativas tinham como objetivo a valorização, inclusive financeira,
desses profissionais, já que consideravam que as carreiras jurídicas estariam
num patamar remuneratório superior no serviço público no País.
Nesse sentido é interessante ressaltar que a alteração na Constituição estadual
promovida pela Emenda nº 83 não só incluiu o requisito do título de bacharel
em Direito como também definiu que o “cargo de Oficial do Quadro de Oficiais
da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de
Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os
fins, a carreira jurídica militar do Estado”.
Ocorrida em janeiro de 2007, uma significativa alteração no Estatuto dos
Militares de Minas Gerais instituiu os Quadros de Oficiais Complementares da
Polícia Militar (QOC-PM) e de Oficiais Especialistas da Polícia Militar (QOE-PM)60.
58
MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 115, de 05 de agosto de 2010. Altera a Lei nº
5301, de 16 de outubro de 1969, que Contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas
Gerais. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2010. Disponível
em:
<https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.
html?tipo=LEI&num=5301&comp=&ano=1969&texto=consolidado>.
59
MINAS GERAIS. Constituição (1989). Emenda à Constituição nº 83, de 03 de agosto de 2010.
Acrescenta os §§ 3º E 4º ao art. 142 da Constituição do Estado. Disponível em: < https://www.almg.
gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=EMC&num=83&comp=&ano=2010>.
60
MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 95, de 17 de janeiro de 2007. Altera a Lei nº 5301,
de 16 de outubro de 1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais, e
dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2009.
491
O ingresso nesses quadros se dá
mediante aprovação no Curso de
Habilitação de Oficiais da Polícia
Militar (CHO-PM) destinado aos
Subtenentes, aos 1º e 2º Sargentos
com no mínimo 15 anos de efetivo
serviço na PMMG. A admissão
no CHO-PM ocorre por meio de
processo seletivo interno. Os militares
aprovados no curso ingressam no
posto de 2º Tenente e podem ser
promovidos, na ativa, até o posto de
Capitão.
Como pode ser observado na
Tabela 02, o número desses oficiais
provenientes dos praças representa
uma proporção de praticamente 50%
em relação ao número de oficiais
do QO-PM, estes formados no Curso
de Formação de Oficiais (CFO-PM)
e que ingressam nos quadros da
PMMG já como oficiais. Tal medida
representa uma importante política
de pessoal já que representa uma
forma de valorização do quadro dos
praças e se aproxima do modelo de
carreira única defendido por vários
especialistas e muito facilmente
aplicável às polícias militares tendo
em vista que já compõe uma carreira.
O modelo de carreira única,
melhor denominado como “entrada
única”, é apontado em um conjunto
de propostas concretas para a
segurança pública no Brasil no
documento “Agenda Prioritária de
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?tipo=LCP&num=95&ano=2007>.
492
Segurança Pública” (Instituto Sou da
Paz, 2014) elaborado por um grupo
de organizações civis e especialistas.
Em relação à reforma do modelo
policial brasileiro, propõe “reformar
as carreiras das diferentes polícias
garantindo a entrada única e a
possibilidade de progressão até o
nível mais alto da hierarquia”.
Apesar de não ser incomum a
criação de quadros de oficias
como o QOC-PM ou a adoção
da exigência do bacharelado em
Direito para o ingresso como oficial
das polícias militares brasileiras,
é praticamente inexistente uma
iniciativa de Governos ou das
próprias corporações no sentido
da adoção do modelo de entrada
única proposto por especialistas. Em
fevereiro de 2015 o jornal O DIA do Rio
de Janeiro noticiava: “Polícia Militar
muda acesso e, agora, soldado pode
chegar a oficial - Ideia do comando
segue modelo americano, em que se
chega ao topo da carreira vindo de
baixo”61. De acordo com a matéria
a medida estaria em fase final de
elaboração pelo Estado-Maior da
corporação. à época o Coronel
Robson Rodrigues, chefe do EstadoMaior afirmou que “a carreira fica
mais atrativa e a polícia aproveitará
61
BALOCCO, ANDRé. Polícia Militar
muda acesso e, agora, soldado pode
chegar a oficial. O Dia, Rio de Janeiro, 12 fev.
2015. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/
noticia/rio-de-janeiro/2015-02-12/policiamilitar-muda-acesso-e-agora-soldadopode-chegar-a-oficial.html>. Acesso em: 14
ago. 2017.
seus melhores quadros”. “Teremos
apenas um concurso, uma única
entrada, ao contrário de hoje, em
que existem dois separando praças e
oficiais.” Sobre a iniciativa, a doutora
em Ciência Social Sílvia Ramos,
Diretora do Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania (Cesec)
da Universidade Candido Mendes,
afirmou ser “revolucionária” e que, a
reformulação na estrutura da Polícia
Militar do Rio mudaria os parâmetros
de segurança pública do país, e
tenderia a se espalhar por todos os
estados.
“É uma reivindicação antiga. Hoje,
temos duas polícias dentro da PM:
a dos oficiais e a dos praças”, [...]
“Nos EUA, o chefe de polícia, um
dia, dirigiu o carro como praça.
Isso é fundamental para tornar
a carreira atrativa e evitar esta
separação atual, em que um
jovem aspirante a tenente nunca
dialogou com o soldado em sua
formação. Este é um modelo que
só existe no Brasil”.
Após menos de um mês a primeira
notícia, outra divulgação no jornal
EXTRA62 informava que Polícia Militar
do Rio de Janeiro passaria a exigir
nível superior para candidatos a
oficial. O de ingresso único na PMRJ
tinha sido descartado e as mudanças
OLIVEIRA, Djalma. Polícia Militar
passará a exigir nível superior para
candidatos a oficial. Extra, Rio de Janeiro,
9 mar. 2015. Disponível em: <https://extra.
globo.com/emprego/servidor-publico/
policia-militar-passara-exigir-nivel-superiorpara-candidatos-oficial-15531108.html>.
Acesso em: 14 ago. 2017.
62
ainda estariam sendo “estudadas e
planejadas”.
Como pode se observar, alterações
na estrutura das polícias militares não
é tarefa fácil. Além de altamente
estratificadas e marcadas pela
excessiva hierarquização, a
diferenciação dos grupos de
praças e oficiais é muito marcada e
secularmente enraizada. Curioso que
tal característica pode ser observada
mesmo em alguns elementos de uma
política que promove uma polícia
mais igualitária para seus quadros
como a criação do Quadro de
Oficiais Complementar na PMMG. Um
ponto é que os oficiais desses quadros
somente podem ser promovidos
até o posto de Capitão, um oficial
intermediário. Outro aspecto é que,
apesar de estarem num mesmo nível
na hierarquia da PMMG, os Cadetes
do último ano do Curso de Formação
de Oficiais têm precedência
funcional em relação aos Alunos do
Curso de Habilitação de Oficiais. Na
realidade, a própria criação de um
quadro de oficiais específico para
esse grupo proveniente dos praças
é uma diferenciação explícita de
tratamento dispensado a estes.
Um traumático evento que marca
essa tensão entre praças e oficiais
é a greve dos policiais militares
mineiros em 1997. Esse movimento
reivindicatório se constituiu em um
conjunto de protestos promovidos
por praças da PMMG transcorridos no
493
período de 12 a 26 de junho de 1997,
dos quais os principais foram duas
grandes passeatas nos dias 13 e 24
de junho. Importante destacar que,
devido sua caracterização como
militares, a Constituição Federal veda
a esses policiais o direito à greve e
à sindicalização. A greve desses é
considerada inconstitucional e crime
militar pelo Código Penal Militar.
à época havia um contexto de
insatisfações internas relacionadas
ao baixo salário, péssimas condições
de trabalho, grande número
de suicídios entre os policiais,
abusos e privilégios dos oficiais e o
Regulamento Disciplinar da Polícia
Militar (RDPM), copiado das Forças
Armadas, considerado pelos praças
como arbitrário, rígido e ultrapassado.
Apesar disso, o estopim dos protestos
foi um aumento de 11% concedido
em 06 de junho exclusivamente aos
oficiais, pelo então governador do
Estado Eduardo Azeredo em um
acordo com o Comandante Geral
da PMMG. Este teria garantido ao
governo que não representaria um
problema o aumento direcionado
somente aos oficiais, pois teria
controle sobre a tropa (ALVES, 2013).
O ápice da tensão do movimento
ocorreu durante a tentativa de
invasão ao Alto Comando no dia 24 de
junho, situação na qual o cabo Valério
dos Santos de Oliveira foi atingido por
um tiro na cabeça, vindo a falecer
em 28 do mesmo mês. Os eventos
494
levaram o governador Eduardo
Azeredo a solicitar à Presidência da
República o auxílio do Exército que
se concentrou nas imediações para
garantir a segurança da capital
e das instâncias governamentais.
O movimento se encerou no dia
26 de junho com a finalização da
negociação resultando em um
significativo aumento salarial para
os policiais militares 63. Retomando
o controle pelo comando, as
apurações das condutas levaram
à punição de vários participantes,
sendo 186 expulsos da PMMG.
Posteriormente os praças expulsos
foram anistiados no governo de
Itamar Franco (1998-2002), com a
Emenda à Constituição do Estado
nº 3964. Tal emenda que desvinculou
o Corpo de Bombeiros Militar da
estrutura da PMMG subordinando-o
ao governador, em seu artigo 12
dispôs sobre a inclusão nos seus
quadros dos praças da Polícia
Militar excluídos da corporação em
63
Tida como a primeira greve de policiais
militares do Brasil, o movimento acabou
por influenciar o início de movimentos em
outros estados onde policiais se mobilizaram
motivados pela repercussão do movimento
mineiro.
64
MINAS
GERAIS.
Constituição (1989). Emenda à Constituição
nº 39, de 02 de junho de 1999. Altera a
redação dos arts. 39, 61, 66, 90, 106, 110,
111, 136, 137, 142 e 143 da Constituição do
Estado, acrescenta dispositivos ao Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e
dá outras providências. Disponível em: <
http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/
legiscont/Constitui%C3%A7%C3%A3o%20
Estadual.pdf>.
virtude do movimento reivindicatório
ocorrido em 1997. Tal solução foi
dada, já que o retorno desses
policiais aos quadros da PMMG não
seria aceito por seus oficiais que
consideraram a greve como “motim”,
um ato de “insubordinação” da tropa
em relação às determinações dos
comandos.
Esse evento é considerado um
marco para a organização, já
que subverteu a lógica militar da
cadeia de comando na qual a
PMMG foi erguida. O movimento
trouxe para a Polícia Militar mineira
significativas mudanças nas regras
que a configuram, principalmente
com a substituição do RDPM pelo
Código de ética tornando possível
um melhor diálogo entre praças e
oficiais (ALVES, 2013, p. 138). Entre
suas consequências se deu também
o estabelecimento de mecanismos
de participação dos praças nas
questões institucionais e de um novo
modelo de relacionamento entre
seus grupos (ANDRADE, 2006).
Aqui cabe observar que alguns
temas são recorrentes nas discussões
relacionadas às polícias militares
brasileiras, o que por sua vez tem
efeito direto sobre a Polícia Militar
de Minas Gerais. Um desses temas
decorre do fato de termos no Brasil
duas polícias de ciclo incompleto.
A expressão “ciclo completo de
polícia” deve ser compreendida
como a atribuição das atividades
de patrulhamento ostensivo e de
investigação criminal a uma mesma
organização policial. Estão integrados
numa mesma corporação, um
segmento fardado que realiza o
patrulhamento ostensivo nas ruas
e outro segmento incumbidos de
coletar evidências de materialidade
e autoria dos crimes eventualmente
registrados. Cada um possui suas
respectivas chefias, porém ambos
subordinados hierarquicamente à
mesma autoridade (SAPORI, 2016).
Diferentemente da maioria dos
países, onde prevalece o modelo
de ciclo completo, no Brasil temos
duas “meias” polícias, o que
acarreta “conflitos de competência,
distanciamento das direções das
instituições policiais, duplicidade de
equipamentos e de gerenciamento
das operações, que, somados,
constituem uma das principais
causas estruturais da ineficiência
do setor” (MARIANO, 2004, p. 21).
Apesar de ainda não ser consensual,
poucos ignoram o fato de que essa
“dualidade polícia ostensiva/polícia
investigativa tornou-se foco crônico
de ineficiência na atuação do Estado
na provisão da segurança pública”
(SAPORI, 2016, p, 51). Justamente
para lidar com essa questão o PNSP
de 2003 propunha a implantação
do ciclo completo de polícia,
inclusive idealizando o Sistema único
de Segurança Pública (SUSP) nos
Estados como uma estratégia para
uma integração progressiva até a
495
criação uma ou mais instituições
de ciclo completo (BRASIL, 2003).
Também nesse sentido as políticas de
segurança pública implementadas
em Minas Gerais a partir de 2003
com foco na integração da
PMMG e da Polícia Civil de Minas
Gerais representaram um esforço
no enfrentamento dos problemas
decorrentes dessa desarticulação e
na busca por efetividade na redução
da crescente criminalidade.
Apesar de serem louváveis os
planos locais de integração das
polícias e haja necessidade de sua
continuidade, esses encontram
limitações no enfrentamento de
uma questão de ordem estrutural.
Como apresentado anteriormente,
a atual origem e determinação
dessa dualidade organizacional do
nosso sistema policial, é a previsão
na Constituição de 1988 das polícias
militares e polícias civis cada um
com atribuição específicas e
complementares no ciclo completo
de polícia. Como também observado
tais diferenças advém de modelos
cujas origens são díspares, e no caso
da Polícia Militar de Minas Gerais tem
suas origens remontando quase três
séculos, o que se traduz por uma
herança cultural nada desprezível.
Sob a responsabilidade das polícias
militares está a polícia ostensiva e
de preservação da ordem pública,
enquanto as funções de polícia
judiciária e apuração das infrações
penais estão a cargo das polícias
496
civis. Assim, cada uma das nossas
“meias polícias” cumpre parte
das funções previstas para o ciclo
completo de atividades policiais.
Essa previsão constitucional faz
com que a implantação do ciclo
completo de polícia no Brasil passe
necessariamente por uma alteração
do texto constitucional. Diversas
propostas de alteração à Constituição
tratam do tema podendo ser
destacadas as Propostas de Emenda
Constitucional (PEC) 431/201465, de
autoria do Deputado Federal por
Minas Gerais, Subtenente Gonzaga, e
51/201366 apresentada pelo Senador
pelo Rio de Janeiro, Lindbergh Farias.
65
BRASIL.
Câmara
dos Deputados. Proposta de Emenda à
Constituição 431/2014. Acrescenta ao art.
144 da Constituição Federal parágrafo
para ampliar a competência dos órgãos
de segurança pública que especifica, e dá
outras providências. Brasília. Câmara dos
Deputados, 2017. Disponível em: <http://
www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=643936>.
66
BRASIL.
Senado
Federal. Proposta de Emenda à Constituição
n° 51, de 2013. Altera os arts. 21, 24 e 144 da
Constituição; acrescenta os arts. 143-A, 144-A
e 144-B, reestrutura o modelo de segurança
pública a partir da desmilitarização do
modelo policial. Brasília. Senado Federal,
2017.
Disponível
em:
<https://www25.
senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/114516>.
No texto “PEC-51: revolução na
arquitetura institucional da segurança
pública”, Luiz Eduardo Soares trata da
proposta que se propõe a “transformar
a arquitetura institucional da segurança
pública, um legado da ditadura que
permaneceu intocado nos 25 anos
de vigência da Constituição cidadã,
impedindo a democratização da área e sua
modernização.” Disponível em: <http://www.
luizeduardosoares.com/pec-51-revolucaona-arquitetura-institucional-da-seguranca-
Vale destacar que não há um
modelo ideal de polícia de ciclo
completo e existem diferentes
arranjos institucionais do sistema
policial possíveis. Sapori (2016)
identifica três opções de implantação
do ciclo completo, considerando a
manutenção do modelo de polícias
estadualizadas:
Polícias
estaduais
unificadas.
Envolveria a unificação das polícias
civil e militar criando-se uma única
polícia estadual. Essa nova polícia
estadual estaria incumbida das
funções de policiamento ostensivo,
preservação da ordem pública
e de polícia judiciária nos limites
territoriais do respectivo estado.
Polícias militares e civis de ciclo
completo. Nessa outra opção de
implantação do ciclo completo, a
Constituição Federal simplesmente
estabeleceria que as polícias civis e
as polícias militares teriam, ambas,
as funções de polícia ostensiva e
judiciária. Essas passariam a ter um
segmento fardado, responsável
pelo patrulhamento cotidiano
e um segmento investigativo,
responsável
pela
condução
das investigações criminais. “Na
prática essa proposta significa
implantar um setor investigativo
na Polícia Militar, e um setor de
patrulhamento na Polícia Civil”
. Nesse modelo se propõe a
existência de uma distribuição
geográfica dessas duas polícias
de forma a evitar conflitos entre
as duas corporações, como hoje
já acontece. Como já observado,
a Polícia Civil de Minas Gerais
por várias décadas possuiu uma
organização
próxima
dessa
arquitetura funcionando em Belo
publica/>.
Horizonte com a Guarda Civil,
em que existia uma delimitação
geográfica para com a Polícia
Militar.
Ciclo completo por tipo de crime.
Nessa terceira acepção de
ciclo completo de polícia seriam
atribuídas as funções ostensiva e
investigativa às polícias militares,
mantando-se a função atual das
polícias civis. A função investigativa
seria dividida por competência
penal.
Cada
polícia
ficaria
responsável por parte dos crimes e
contravenções estabelecidas pelo
Código Penal. “Alguns estudiosos
defendem, por exemplo, que
a polícia militar se incumba
dos crimes de menor potencial
ofensivo, delegando para a polícia
civil os crimes mais violentos, tais
como homicídios e latrocínios”.
Nesse modelo as duas polícias
poderiam ter responsabilidade
sobre a mesma região geográfica.
Cada uma das opções identificadas
tem suas potencialidades e seus riscos.
Em diferentes países se encontra
modelos que neles se enquadram. O
que parece mais relevante na adoção
do ciclo completo de polícia como
uma evolução para o sistema de
segurança pública é a possibilidade
de uma abordagem sistêmica
da atividade policial. Como esse
trabalho identificou, historicamente
existe uma desconexão entre a
Polícia Militar mineira, originária da
necessidade de controle do território
e suas riquezas, para com os chefes de
polícia, delegados e subdelegados
que tem sua origem como um ramo
do embrionário sistema judiciário
brasileiro. As duas estruturas
497
desde então mais se justapuseram
do que se concatenaram, não
originando, portanto, uma mesma
lógica ordenadora do que seja
segurança pública, bem como
dos seus respectivos papeis. Com
a adoção desse modelo integral
no que seria possível para uma
organização a plena utilização de
dados e informações, elaboração
de diagnósticos e planejamento
integrado nos níveis estratégicos,
tático e operacional para o
enfrentamento dos problemas de
criminalidade e segurança.
Atualmente o maior desafio no
processo de implantação de algum
modelo de ciclo completo de polícia
encontra-se no enfrentamento de
interesses corporativistas de grupos
e instituições que buscam manter o
monopólio da investigação criminal
e o modelo no existente no Brasil.
Outro ponto objeto de intensos
debates e críticas é o fato das
polícias militares se caracterizarem
como órgãos militares vinculadas ao
Exército como forças auxiliares. Como
visto anteriormente, a previsão da
existência de polícias militares com
função de policiamento ostensivo e
sua vinculação às Forças Armadas
está definida na Constituição Federal
de 1988. Apesar desta ter sido fruto
de um processo de elaboração
democrático, resultando avanços
relacionados aos direitos e garantias
fundamentais, no que se refere às
498
Forças Armadas, às polícias militares
estaduais, ao sistema judiciário militar
e ao de segurança pública em
geral, a “Constituição permaneceu
praticamente idêntica à Constituição
de 1967 e à sua emenda de 1969”
(ZAVERUCHA, 2010, p. 45).
O conceito de que a atividade
policial, em uma sociedade
democrática, deveria ter caráter
civil é preconizado por um grande
número de especialistas. A lógica
militar, de guerra e de combate ao
inimigo, certamente se diferencia
daquela relacionada à prevenção
da violência e da criminalidade.
Soares (2014) aponta que o melhor
formato organizacional é aquele
que melhor serve às finalidades
da instituição. Organizações com
f i nal i dades di sti nt as exi gi ri am
estruturas organizacionais diferentes.
Dessa forma “só seria racional
reproduzir na polícia o formato do
exército se as finalidades de ambas
as instituições fossem as mesmas”.
Nesse sentido,
O exército destina-se a defender
o território e a soberania nacional.
Para cumprir essa função, precisa
organizar-se para executar o
“pronto emprego”, isto é, mobilizar
grandes contingentes humanos
e equipamentos com máxima
presteza e estrita observância das
ordens emanadas do comando.
Necessita manter-se alerta para
ações de defesa e, no limite, fazer
a guerra. O “pronto emprego”
requer centralização decisória,
hierarquia rígida e estrutura
fortemente
verticalizada.
[...]
Nada disso se verifica na polícia
militar. Sua função é garantir os
direitos dos cidadãos, prevenindo
e reprimindo violações, recorrendo
ao uso comedido e proporcional
da força. Segurança é um bem
público que deve ser oferecido
universalmente e com equidade
pelos profissionais encarregados de
prestar esse serviço à cidadania.
Os confrontos de tipo quase-bélico
correspondem às únicas situações
em que alguma semelhança
poderia ser identificada com o
exército, ainda que mesmo aí haja
diferenças significativas. De todo
modo, os confrontos equivalem a
menos de 1% das atividades que
envolvem as PMs. Não faria sentido
impor a toda a instituição um
modelo organizacional adequado
a atender 1% de suas atribuições.
(SOARES, (2014).
Conforme aponta Soares (2014),
a maioria dos desafios enfrentados
pela polícia ostensiva é melhor
resolvida por meio de estratégias
praticamente inviáveis na estrutura
militar. Num modelo moderno de
policiamento, o policial na rua
não se restringe a cumprir ordens,
executando o determinado pelo
Estado-maior da corporação, em
busca de prisões em flagrante.
Esse é um profissional responsável
por agir como o gestor local da
segurança pública o que envolve:
(1) diagnosticar os problemas e
identificar as prioridades em diálogo
com a comunidade; (2) planejar
ações preventivas, mobilizando
iniciativas multissetoriais do poder
público e contando com o auxílio da
comunidade. “Há sempre supervisão
e interconexão, mas, sobretudo
autonomia para atuação criativa e
adaptação plástica a circunstâncias
que tendem a ser específicas aos
locais e aos momentos”.
A definição das polícias militares
como forças auxiliares do Exército,
além de obrigá-las a espelhar a
estrutura deste, acaba por gerar
uma dupla subordinação. As Polícias
Militares respondem ao Estado
Maior do Exército, mas também,
aos governadores estaduais. Cabe
ao Exército promover inspeções
nas polícias militares; controlar a
organização, a instrução dos efetivos,
o armamento e o material bélico
utilizados; apreciar os quadros de
mobilização de cada unidade da
Federação, com vistas ao emprego
em missões específicas e na defesa
territorial. Essa configuração situação
diferencia o Brasil de outros países
democráticos que possuem polícias
com estética militar. “Neles, tais
polícias são controladas pelo
Ministério do Interior, da Justiça
ou da Defesa. Contudo, não são
forças auxiliares do Exército, mas de
reserva” (ZAVERUCHA, 2010, p. 46).
Como anteriormente observado, esse
modelo de controle central foi imposto
originalmente no período Vargas
muito mais como um mecanismo
de controle da Federação sobre os
“exércitos dos governadores” do
que como um meio privilegiado para
a segurança pública ou mesmo para
a defesa nacional. Embora possa
499
se argumentar que tal estrutura
dilui a possibilidade de insurreições
estaduais como as que deram origem
a revolução de 1930 que alçou
Getúlio ao poder, ou a revolução
constitucionalista de 1932, esse
contexto histórico foi desconstruído
há décadas, não existindo nenhum
elemento que aponte para o risco de
uma corrida militar entre oligarquias
estaduais.
Outro ponto merecedor de atenção
em relação às polícias militares é
a prerrogativa por parte de seus
policiais de serem julgados pelas
justiças militares estaduais em caso
de crimes militares. Em 1977, durante
o Regime Castrense, foi incluída
na Constituição a possibilidade de
criação de justiça militar estadual.
A Constituição de 1988 acabou por
mantê-la, autorizando a criação
dessa justiça na esfera estadual e
prevendo tribunais de justiça militar
nos estados em que o efetivo militar
seja superior a 20 mil integrantes (Art.
125, § 3º). Também o próprio texto
constitucional que trata das policiais
civis (§ 4º do Art. 144), ao definir que
lhes compete às funções de “polícia
judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares”, acaba
por definir esse foro privilegiado para
policiais militares.
Zaverucha (2010) aponta que a
possibilidade de um militar ser julgado
por tribunal comum é praticamente
nula tendo em vista que a definição
500
de crime militar é tão ampla que faz
com que vários ilícitos cometidos por
militares possam ser enquadrados em
algum artigo do Código Penal Militar.
Apenas em 1996, com o advento
da Lei nº 9.299, a competência
para julgar crimes dolosos contra
a vida praticados por militares
contra civis foi transferida para a
Justiça comum, permanecendo de
fora de sua alçada os crimes mais
corriqueiramente praticados pelos
membros da corporação, a exemplo
dos crimes contra o patrimônio, abuso
de autoridade, espancamento,
prisão ilegal, extorsão, sequestro e
prevaricação.
A existência de polícias militares não é
uma exclusividade do Brasil. Em países
como França, Itália, Portugal e Chile
existem polícias militares. Entretanto
o arranjo institucional encontrado
no Brasil possui características que o
distanciam de referências de nações
democráticas. Além um grande apoio
de especialistas à desmilitarização
das polícias, como expresso na
já citada “Agenda Prioritária de
Segurança Pública” (Instituto Sou
da Paz, 2014), em levantamento
junto aos próprios profissionais de
segurança pública realizado pelo
Fórum Brasileiro de Segurança
Pública em 201467 76,1% dos policiais
67
LIMA, Renato Sérgio De; BUENO,
Samira;
SANTOS,
Thandara.
Opinião
dos policiais brasileiros sobre reformas e
modernização da segurança pública.
São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 2014. Disponível em: <http://www.
militares brasileiros indicaram ser
favoráveis ao fim do vínculo com
o Exército. Considerando apenas
a amostra referente à Minas Gerais
esse percentual cai para 51,60%.
Nessa amostra também se mostraram
favoráveis à modernização dos
regimentos e códigos disciplinares
(89,60%) e a regulamentação do
direito à sindicalização e de greve
desses policiais (76,10%). Já em
relação ao fim da justiça militar
para as polícias militares, 58,10% se
mostraram contrários.
Apesar muitas polícias militares
terem se aberto a reformas
tendentes à adequação ao
estado de direito, como é o caso
da PMMG, e ainda existir apoio à
manutenção dessas polícias como
instituições militares, não parece
haver motivos significativamente
válidos que contraindicassem a
sua desmilitarização. Mais uma vez,
além de questões ligadas à tradição
e cultura, interesses corporativos
acabam por exercer forte pressão
para a manutenção do modelo
vigente.
Civil, atualmente, como o órgão
responsável pela investigação e
instrução processual dos crimes
praticados no território estadual,
ressalvados aqueles de competência
da União e os crimes militares. A
Constituição estadual define ainda
que são atividades privativas da
PCMG: a polícia técnico-científica,
o processamento e arquivo de
identificação civil e criminal, bem
como o registro e licenciamento de
veículo automotor e a habilitação
de condutor. De acordo com dados
do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública de 2016, a PCMG conta com
um efetivo de 9.744 servidores68.
Interessante notar como
também no atual contexto da Polícia
Civil, cuja origem histórica é bem
mais recente que a PMMG contexto,
ainda se percebe a herança de uma
Minas colonial, em que a polícia se
imiscui em diferentes dimensões da
vida dos cidadãos com o intuito de
impor primordialmente algum nível
de controle comportamental. Um
exemplo desse fenômeno é a gestão
do trânsito no Estado, em que a
atividade relacionada ao registro e
licenciamento de veículo automotor
Polícia Civil
Paralelamente a esse processo de
evolução da Polícia Militar enquanto
força ostensiva, tem-se a Polícia
forumseguranca.org.br/publicacoes/
opiniao-dos-policiais-brasileiros-sobrereformas-e-modernizacao-da-segurancapublica/>.
68
Essa mais recente publicação do
anuário do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública conta apenas com dados referentes
à 2014 devido à indisponibilidade de dados
atualizados. LIMA, Renato Sérgio De et al.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, 2016. Disponível em: <http://www.
forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_
site_18-11-2016-retificado.pdf>.
501
e a habilitação de condutor estão a
cargo do Departamento de Trânsito
de Minas Gerais (Detran-MG), órgão
executivo de trânsito do Estado,
cuja estrutura compõe a PCMG.
Nesse caso se apresenta mais uma
dimensão da herança cultural da
conformação das instituições de
segurança pública nas Minas do que
uma imposição legal. Essa associação
dos órgãos de trânsito com Polícias
Civis, apesar de comum, não é uma
regra no Brasil. Em diversas unidades
da Federação, como Brasília, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro,
Tocantins, entidades desvinculadas
de suas polícias estaduais exercem
a função de órgão executivo de
trânsito.
Na realidade o Plano Nacional
de Segurança Pública de 2003
apontava entre os pontos a
serem objeto de reformas para o
aperfeiçoamento das polícias na
esfera estadual a desvinculação
entre os Departamentos de Trânsito
e as polícias civis.
No Estado de São Paulo, 90% do
efetivo do Detran são integrados
por servidores vinculados à Polícia
Civil e sua direção é composta
por delegados de polícia. Vincular
esse órgão às Secretarias Estaduais
de Transporte e não às Secretarias
de Segurança Pública, aumentará
o efetivo para a atividade-fim
da Polícia Civil: a investigação.
(BRASIL, 2003).
Como se pode inferir, sob a
perspectiva das políticas federais
502
a partir de 2003 seria necessário
retirar as polícias de parte de seu
viés administrativo, focando-as em
atividades voltadas diretamente
para a segurança pública. No
tocante as Polícias Civis seriam as
atividades de polícia judiciária e de
polícia investigativa.
Todavia,
foi justamente nas mudanças de
cunho estrutural, que afetariam
profundamente a estrutura
corporativa das instituições de
segurança pública, onde o Plano
Nacional encontrou sólidos limites.
Em que pese ter localizado aspectos
centrais a serem modificados: no
controle de atividades não policiais;
na fragmentação da atuação das
polícias; e na ênfase no controle
social e na ineficácia do processo
investigativo, as ações de mudanças
esbarraram nas limitações de ordem
constitucional, e nos interesses
corporativos. Para além da quase
impossibilidade de retirar atividades
de cunho administrativo da
responsabilidade das polícias, como
a gestão do trânsito, tão pouco
grandes progressos ocorreram no
aumento da eficiência dos processos
vinculados a sua atividade fim, o que
no caso das policiais civis seria a
atividade investigativa materializada
no inquérito policial.
Nesse sentido, apesar da PCMG ser
responsável historicamente por outras
atividades, o que caracteriza as
Polícias Civis brasileiras é sua função
de polícia judiciária e de apuração
de infrações penais. Classicamente
a atividade de polícia judiciária
tem sido tratada como sinônimo de
investigação criminal. Apesar da
definição das funções constitucionais
das polícias civis distinguir o que seja
polícia judiciária da investigação,
por vezes essa diferenciação não é
percebida, inclusive para profissionais
de polícia. De acordo com o disposto
na Lei Estadual nº 129, de 08 de
novembro 201369, que contém a Lei
Orgânica da Polícia Civil do Estado
de Minas Gerais a investigação
criminal teria como objetivo “à
apuração de infrações penais e de
atos infracionais, para subsidiar a
realização da função jurisdicional
do Estado, e à adoção de políticas
públicas para a proteção de pessoas
e bens para a boa qualidade de
vida social”. Já a função de polícia
judiciária consistiria “no auxílio ao
sistema de justiça criminal para a
aplicação da lei penal e processual,
bem como nos registros e fiscalização
de natureza regulamentar”.
O instrumento disponível à PCMG
para o desenvolvimento dessas
atividades é justamente o referido
69
MINAS GERAIS. Lei Complementar
nº 129, de 08 de novembro de 2013.
Contém a Lei Orgânica da Polícia Civil
do Estado de Minas Gerais - PCMG -, o
regime jurídico dos integrantes das carreiras
policiais civis e aumenta o quantitativo
de cargos nas carreiras da PCMG. Belo
Horizonte.
Assembleia
Legislativa
do
Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível
em:
<https://www.almg.gov.br/consulte/
legislacao/completa/completa-nova-min.
html?tipo=LCP&num=129&ano=2013>.
inquérito policial, que pretensamente
seria a pedra angular da atuação
das policiais judiciárias brasileiras. Sob
esse prisma nesse tópico da análise
contexto atual da segurança pública
em Minas gerais será feita uma breve
digressão sobre este, objetivando
auferir indícios de sua real efetividade.
Como já visto anteriormente a política
dos Estados é fortemente pautada
pelo governo federal, sendo este,
por sua vez, limitado pela legislação
constitucional. Também foi observado
que pouco foi alterado na arquitetura
dos sistemas de segurança pública
que emergiram do período dos
governos militares. Por conseguinte,
foi igualmente constatado que
as políticas do Plano Nacional de
Segurança de 2003 diagnosticaram
uma série de elementos estruturais
que impossibilitam a adaptação das
instituições da área de segurança
pública aos desafios presentes,
todavia sofreu uma série de limitações
legais herdadas da Constituição de
1988 nas políticas a serem executadas.
Ao analisarmos brevemente o que
seja o atual inquérito policial são
observados indícios da existência, ou
não, de meios para a modernização
dos aparatos de segurança pública
sem profundas mudanças de cunho
legal, a exemplo da manutenção
do próprio inquérito. Uma vez que
a evolução histórica secular da
Segurança Pública no Estado de
Minas esteja na presente conjuntura
sob a égide da centralização por
parte do governo federal, o avanço
503
da compreensão sobre o tema
exige um olhar mais acurado sob os
elementos que subsidiam o processo
de investigação no arcabouço
jurídico.
Posto o pressuposto acima, embora o
inquérito policial possa ter sido objeto
de diferentes leituras no decorrer
de sua longa história, no atual
contexto pode ser definido como
“um procedimento investigatório
prévio, constituído por uma série
de diligências, cuja finalidade é a
obtenção de provas (justa causa)
para que o titular da ação penal
possa propô-la contra o autor de uma
infração penal” (HANSEN; CORRÊA;
LOPES FILHO, 2012).
O inquérito policial reúne os
resultados
da
investigação
transpostos para a lógica e
linguagem jurídicas, consistindo
em um documento escrito e
obrigatório previsto pelo Código
de Processo Penal brasileiro. Nele,
encontram-se agrupados, dentre
outros: o registro de ocorrência
realizado por policiais militares;
laudos e exames confeccionados
por peritos; ordens de serviços
cumpridas por investigadores;
depoimentos
transcritos
por
escrivães; portarias e relatórios
de delegados; manifestações
de promotores, solicitando novas
investigações ou autorizando a
dilatação dos prazos; despachos
de juízes sobre prisão; escuta
telefônica e mandados de busca e
apreensão; e, até mesmo, petições
de defensores. Isso tudo com o
aval dos carimbos e assinaturas
que visam tornar esses registros,
documentos de fé pública, isto é,
504
com veracidade atestada pelo
Estado. (VARGAS; RODRIGUES,
2011).
Aqui cabe uma pequena análise
objetivando dar suporte a avaliação
da polícia judiciária em Minas Gerais.
De fato, o inquérito policial ao ser
criado no período imperial tinha
uma forte razão para centralizar
esse amplo conjunto tipológico
de documentos, que vão da
atividade fim, como relatórios de
investigação, até variados tipos de
registros processuais. No contexto
histórico de sua origem praticamente
inexistia divisão de poderes, e,
predominantemente, o chefe de
polícia havia trabalhado como juiz,
tendo predisposição natural para
aglutinar tudo que pudesse ser útil
ao processo, mesmo que fossem
peças de cunho administrativo,
inúteis sob o viés estritamente
processual. Para, além disso, como
já observado, em suas origens as
funções policiais exerciam atividades
hoje pertencentes ao judiciário.
Vale lembrar que se vive em um
país continental, em que o Estado
era extremamente tênue em muitos
lugares. Logo, se um dossiê contivesse
grande redundância de dados, ou
mesmo realizasse procedimentos de
outras instituições, nessa realidade
de ausência institucional seria um
facilitador para a ação desse Estado
integrado, composto quase como um
único poder, embora com fachadas
distintas.
Por outro lado, nesse mesmo período
imperial se tinha uma conjuntura
bem mais restrita de investigações
criminais executadas pelo Estado.
Indubitavelmente existiam muitos
crimes, como visto no processo
colonizatório das Minas Gerais, a
questão é que o Estado se incomodava
com aqueles que afetavam sua visão
de ordem pública, ou seja, poderiam
ameaçar o bom andamento do
funcionamento do próprio Estado.
Então, provavelmente, o volume
de investigações desenvolvidas de
fato era bastante reduzido. Como
consequência, ao mesmo tempo
em que o chefe de polícia designava
delegados e subdelegados para
atuarem como sua longa manus, esses
tinham autonomia decisória para
efetuar investigações diretamente.
Ou seja, no tocante aos atos
investigatórios realizavam as próprias
diligencias, com a presença direta
em locais de crimes, realização de
vigilâncias, dentre outras medidas, o
que daria acentuada celeridade ao
processo.
Nesse sentido da efetividade
da investigação também cabe
considerar a existência do controle
do ciclo investigatório. De maneira
geral, nas origens da polícia judiciária
nas Minas o sujeito responsável
pela investigação tinha o controle
de seu início, meio e fim, o que lhe
permitia empregar amplamente sua
experiência e conhecimentos no
processo investigatório. De tal modo
que os delegados e subdelegados
não tinham suas atividades
investigatórias fragmentadas, o
que certamente seria feito caso
cumprissem expedientes de centenas
de investigações sem poder arbitrar
seu conjunto. Como antes visto
tinham também o controle da Força
Pública, mas sua utilização tendia
ao suporte da investigação, como
a convocação de testemunhas
ou o apoio em prisões. Por fim,
cabe observar que a existência
de um movimento objetivando
tornar privativo dos bacharéis os
cargos da área de segurança
pública não era, ainda, um óbice
a sua eficácia. Praticamente
inexistiam cursos superiores no país,
e os primeiros a serem instituídos
foram justamente nessa área. O
recrutamento de advogados para
comporem diferentes instâncias da
administração pública era, portanto,
quase que a única fonte originária de
indivíduos com formação superior. No
tocante a polícia é licito supor que
esse acúmulo de policiais oriundos de
uma mesma área do conhecimento,
o direito, era a melhor alternativa
existente se comparada com a
miríade de pessoas com pouquíssima
escolaridade que compunham os
quadros policiais nos rincões das
gerais.
Então, ao analisar-se a seguir a
atuação investigatória da Polícia
Civil de Minas gerais é necessário o
resgate dessas premissas conceituais
505
históricas, de maneira que a análise
da efetividade atual da investigação
policial e suas deficiências não
sejam consideradas somente pelo
viés simplista da produtividade
e desempenho de funcionários
públicos, desconsiderando a
pesada herança histórica nessas
instituições. Com esse efeito, nesse
ponto também se faz necessária uma
recontextualização dos aspectos
citados acima que permitiam que
as polícias tivessem um desempenho
satisfatório para o Estado naquele
momento, mas que ao contrário,
com o passar do tempo se tornaram
possíveis óbices ao seu desempenho.
Listam-se os seguintes aspectos:
a) o Estado brasileiro se sofisticou.
Como decorrência o judiciário
e executivo se tornaram de fato
poderes distintos, o Ministério Público
ganhou autonomia real. Atividades
desempenhadas pela polícia
como expedição de mandados,
deliberações de prisões, julgamentos,
são agora privativos do Poder
Judiciário. Logo, o conjunto de
informações de cunho administrativo
contidas no inquérito policial foi
perdendo paulatinamente sua
utilidade. Dados como ofícios com
pedidos a outros órgãos, despachos
ou comunicação de substituição
de funcionários, que não dizem
respeito diretamente à investigação
e somente agregam conhecimentos
506
que as próprias instituições envolvidas
possuem, tumultuam os inquéritos,
dificultando que cumpram seu papel
informativo. Procedimentos como
a inquisição de testemunhas nas
delegacias com os ritos do judiciário
se tornaram elementos redundantes,
vez que serão ouvidos também em
juízo. O delegado não é mais um tipo
de juiz;
b) Investigadores distantes da
investigação.
Quando da existência da figura
do chefe de polícia os delegados
e subdelegados atuavam como
representantes de seu poder,
atuando diretamente sobre os
eventos investigados. Com sua
eliminação e o fortalecimento
da figura do delegado, esse se
distanciou do ambiente onde são
investigados os fatos, não permitindo
a mesma autonomia formal aos
policiais que passaram a atuar sobre
a investigação, no caso os agentes,
investigadores ou inspetores;
c) O número de casos se avolumou.
Com a evolução da sociedade
brasileira diversas situações criminais
passaram a não ser mais ignoradas
pelo sistema criminal, ao menos em
sua dimensão formal. Em que pese
à constância do Estado no enfoque
do controle comportamental,
o arcabouço legal incorporou
elementos do iluminismo, revolução
francesa, e direito inglês que
estabeleceram a inclusão dos demais
cidadãos. Mesmo que somente
um formalismo, parte dos índices
não computados passaram a existir
formalmente. Paralelamente, a partir
da década de oitenta do século XX
se tem uma explosão de violência
no país oriunda de aspectos como
desigualdade social, crescimento
populacional de número de jovens,
tráfico de drogas e proliferação
de armas de fogo. Já no início
do presente século começam a
aparecer cada vez mais crimes de
cunho patrimonialista, relacionados
à elite brasileira, que outrora não
eram sequer formalizados, quanto
mais apurados;
d) A investigação foi fragmentada.
Enquanto delegados acumulam
centenas de inquéritos policiais,
aqueles que agora investigam
diretamente cumprem diligências
dessas centenas de casos, não tendo
autonomia (formal) para pensar
e produzir conhecimento sobre o
conjunto do panorama investigado.
Por decorrência enquanto um
delegado mal tem tempo para
efetuar qualquer despacho possível
em seus inquéritos, vez que esses
têm prazo legal para essas medidas,
dezenas de outros policiais não
podem intervir sobre esse evidente
gargalo;
e) Hegemonia
bacharelesca.
da
cultura
Com a sofisticação das investigações
no mundo todo, a atividade policial
é considerada multidisciplinar por
natureza. O componente jurídico
se casa com conhecimentos em
contabilidade, informática, gestão
da informação, psicologia ou
administração. Todavia, nas polícias
judiciárias e recentemente na Polícia
Militar do estado, quase todas as
chefias são ocupadas por bacharéis
em direito. Com um único enfoque
epistemológico em uma atividade
multidisciplinar por natureza, diversos
processos não são percebidos pelos
gestores, o quando o são tem origem
nos demais atores, que, todavia, não
receberão qualquer reconhecimento
pelo feito.
Uma vez feitas esse conjunto de
inferências a presente análise
seguirá analisando o presente
contexto da polícia judiciária mineira.
Uma das formas de avaliação da
atividade de investigação criminal
e, portanto, da própria organização
por ela responsável, é através da
taxa de esclarecimento de crimes.
A taxa de esclarecimento referese à proporção entre os crimes
denunciados pelo Ministério Público e
o total de crimes informados à polícia
507
num determinado período. Por sua relevância e outras a característica que
propiciam a sua elucidação, o acompanhamento dessas taxas relacionadas
ao crime de homicídio são uma boa referência para avaliação e comparação
de desempenhos.
Informações sobre os inquéritos policiais da PCMG não estão disponíveis nos
canais nos quais são disponibilizadas estatísticas criminais pelo Governo do
Estado. A indisponibilidade desses dados faz com que os números de inquéritos
de homicídio instaurados e relatados com autoria e relatados sem autoria
em Minas Gerais não estejam presentes nas edições do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública70.
Dados relacionados a taxas de esclarecimento no município de Belo
Horizonte para o período de 2000 a 2006 são encontrados em Sapori (2007).
Tabela 3
Taxa de esclarecimento do crime de homicídio consumado - Belo Horizonte,
2000-06
Ano
Ocorrências
Inquéritos remetidos à Justiça
Taxa de esclarecimento
2000
669
59
8,82
2001
676
81
11,98
2002
856
281
32,83
2003
1.175
150
12,77
2004
1.227
91
7,42
2005
1.027
163
15,87
1
2006
759
330
43,48
Fonte: Sapori (2007)
A indisponibilidade de dados mais recentes não permite uma avaliação da
evolução das taxas de esclarecimento de homicídios pela PCMG na capital
mineira. No período de 2000 a 2005 há uma grande variação da taxa, atingindo
14,95 como taxa média. A elevação ocorrida em 2006 são associadas por
Sapori a uma série de ações mais amplas ligadas ao programa de segurança
pública iniciado em 2003, dando destaque ao programa de prevenção social
da criminalidade ao Projeto “Fica vivo!”, voltado para jovens de 15 a 24 anos
residentes em favelas com altos indicadores de homicídios.
70
Anuários Brasileiros de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP). Disponível em: < http://www.forumseguranca.org.br/publica/>.
508
De uma forma geral o índice de
elucidação dos crimes de homicídio
no Brasil é muito baixo. Tendo em
vista que não existe um sistema de
indicadores que permita mensurar
o desempenho da investigação
criminal com segurança, ainda
não é possível determinar quantos
homicídios foram esclarecidos.
Algumas pesquisas têm apontado
um fraco desempenho das polícias
brasileiras no esclarecimento dos
crimes de homicídios de maneira
geral.
Embora utilizem metodologia e
critérios distintos, estudos sugerem
que o desempenho das investigações
criminais varia bastante. Em
alguns estados o número de casos
denunciados pelo Ministério Público é
inferior a 15% (RJ, MG e PE) enquanto
em outros a taxa de esclarecimento
supera 50% dos casos (SP e DF). Como
referência de comparação temos,
em 2002, taxas bem mais expressivas
de esclarecimento de homicídios em
países como Alemanha (96%), Japão
(95%), Inglaterra (81%), Canadá (80%)
e EUA (64%) (COSTA, 2012, p. 4).
Obviamente os fatores que
concorrem para a baixa efetividade
das investigações criminais no
estado e no Brasil de uma forma
geral são muitos. O Relatório
Nacional da Execução da Meta
2 do Grupo de Persecução Penal
da Estratégia Nacional de Justiça
e Segurança Pública (ENASP) 71
enumera diversos desses elementos
que comprometem o resultado desse
trabalhado, passando por falta de
pessoal e equipamentos e falhas
na capacitação de profissionais
envolvidos. De forma mais relevante
também são apontadas falhas
no próprio processo de apuração
dos homicídios. Entre as principais
dificuldades da investigação estão a
inadequada preservação do local do
crime, a demora ou a não realização
de perícias e um distanciamento
entre as atividades da polícia e do
Ministério Público (ENASP, 2012).
Destacando-se dos diversos fatores
que colaboram para os baixos índices
elucidação de crimes tem-se o próprio
modelo de investigação criminal
por meio do inquérito policial. Esse
instrumento é alvo de contundentes
críticas por parte daqueles que o
consideram um procedimento que
vai de encontro ao restante do nosso
71
Estratégia Nacional de Justiça
e Segurança Pública (ENASP) foi uma
iniciativa promovida pelo Ministério da
Justiça, Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) e Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Tem como objetivo planejar
e implementar a coordenação de ações e
metas que contribuam para tornar efetivas as
políticas públicas de prevenção e combate
à violência no País, nas quais para sua
execução haja necessidade de conjugação
articulada de esforços dos órgãos de justiça
e de segurança pública, do Poder Judiciário
e do Ministério Público.
A
Meta
2
consistia em concluir todos os inquéritos e
procedimentos pendentes de finalização
o que investigassem homicídios dolosos,
tentados ou consumados, instaurados até
31 de dezembro de 2007, desdobra-se nos
seguintes componentes.
509
sistema constitucional e de suas
garantias relativas à persecução
penal.
Como se viu anteriormente, o
inquérito policial ingressou no
ordenamento jurídico brasileiro no
final do período imperial por meio Lei
2.03372, de 20 de setembro de 1871,
sendo regulamentado através do
Decreto nº 4.824, de 22 de novembro
e 187173.
nova comissão e elaborado novo
projeto.
Na exposição de motivos do projeto
do Código de Processo Penal de
1941, elaborada pelo então Ministro
da Justiça e Negócios Interiores do
governo Vargas, Francisco Campos,
este declara acerca da conservação
do inquérito policial:
Foi mantido o inquérito policial
como processo preliminar ou
preparatório da ação penal,
guardadas as suas características
atuais.
As críticas ao modelo e diversas
propostas para sua substituição tem
se acumulado ao longo do tempo.
Já em 1936, o projeto de Código
de Processo Penal elaborado por
comissão constituída pelos Ministros
do Supremo Tribunal Federal Antônio
Bento de Faria e Plínio de Castro
Casado, pelo Professor da Faculdade
de Direito de São Paulo, Luiz Barbosa
da Gama Cerqueira e presidida pelo
Ministro da Justiça, Vicente Ráo,
propunha a adoção do juizado de
instrução, o que suprimiria a instrução
criminal por meio do inquérito policial.
O projeto elaborado pela comissão
não prosperou, sendo constituída
O ponderado exame da realidade
brasileira, que não é apenas a dos
centros urbanos, senão também a
dos remotos distritos das comarcas
do interior, desaconselha o repúdio
do sistema vigente. O preconizado
juízo de instrução, que importaria
limitar a função da autoridade
policial a prender criminosos,
averiguar a materialidade dos
crimes e indicar testemunhas, só
é praticável sob a condição de
que as distâncias dentro do seu
território de jurisdição sejam fácil e
rapidamente superáveis74.
Tendo entrado em vigor no dia 1º de
janeiro de 1942, o Código de Processo
Penal (CPP) 75 brasileiro vigente foi
elaborado durante regime de Getúlio
72
Lei n. 2.033, de 20 de setembro
de 1871. Altera diferentes disposições da
Legislação Judiciaria. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/
LIM2033.htm>.
73
Decreto nº 4.824, de 22 de novembro
de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033
de 24 de Setembro do corrente anno, que
alterou differentes disposições da Legislação
Judiciaria. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/
dim/dim4824.htm>.
510
74
Ministério da Justiça e Negócios
Interiores. Exposição de Motivos do Código
de Processo Penal, de 8 de setembro de
1941. Disponível em: <http://honoriscausa.
weebly.com/uploads/1/7/4/2/17427811/
exmcpp_processo_penal.pdf>.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3689, de 3
de outubro de 1941. Código de Processo
Penal. Brasília, 1941. Disponível em: < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
Del3689Compilado.htm>
75
Vargas com forte inspiração no
Código de Processo Penal Italiano de
1930, concebido durante o auge da
ditadura fascista de Benito Mussolini.
é nessa legislação que está previsto o
inquérito policial como a formalidade
destinada à apuração de crimes
adotada ainda hoje. Nas palavras
de Lopes Filho (2011, p. 22)
A partir da elaboração e
decretação do atual Código de
Processo Penal Brasileiro (DecretoLei nº 3.689/41), o inquérito
configurado no período medieval
chega ao Brasil do século XX. Após
sobreviver até o final da década
de 30, com os mesmos traços
de sua origem, é positivado em
sua última versão sem essenciais
alterações.
O debate em torno de modelo de
instrução criminal a ser adotado
também se fez presente durante as
discussões da Assembleia Nacional
Constituinte (ANC). O modelo do
juizado de instrução constou em
diversas fases do Projeto Constituição.
Em artigo contemporâneo à ANC no
qual defende a adoção do juizado
de instrução, Lazzarini (1989, p. 199)
apresenta crítica ao modelo de
polícia burocratizada
[...] nada, absolutamente nada,
justifica que o policial, seja civil ou
seja militar, tenha truncada a sua
atividade administrativa de polícia,
com a obrigatoriedade de levar a
ocorrência que atendeu ao órgão
policial intermediário, de nítido e
desnecessário caráter cartorário
burocrático, para a elaboração
do reconhecidamente anacrônico
inquérito policial. O inquérito
policial, sabido é por quem milita
na Justiça Criminal, é uma mera
peça informativa, de duvidoso
valor jurídico, em que pese a
respeitáveis opiniões em contrário
de ilustres processualistas e demais
interessados em manter esse
retrógrado meio de levar à Justiça
Criminal, muito tempo depois,
quando tudo está diluído pelo
tempo ou pelas pressões, a notícia
da prática delitiva.
Em audiências Subcomissão de
Defesa do Estado, da Sociedade e
de sua Segurança, o seu relator, o
constituinte Ricardo Fiúza, um dos
líderes do grupo conservador na ANC,
manifestou que opinião no sentido
de que o juizado de instrução seria
um aprimoramento fundamental,
mas que caberia discutir quanto à
capacidade de implantá-lo em um
país continental como Brasil. Em
audiências públicas dessa mesma
Subcomissão, o Presidente da
Associação dos Delegados de Polícia
do Brasil, Cyro Vidal, apresentou
defesa do inquérito inquisitorial,
enquanto o Diretor-Geral da Polícia
Federal, Delegado de Polícia Romeu
Tuma, afirmou acreditar que, com as
distâncias entre municípios e capitais,
não se deveria adotar o juizado de
instrução, “sendo a preservação da
presidência do inquérito policial para
o delegado de polícia condição
que se impunha para a aplicação
da Justiça” (BACKES; AZEVEDO;
ARAúJO, 2009, p. 271 e p. 280). Vale
aqui ressaltar que o argumento das
dimensões do país vem justificando o
511
modelo de investigação e instrução
criminal atualmente adotado no
Brasil ao longo de sua história.
A despeito das articulações para a
adoção do juizado de instrução e a
superação do modelo baseado no
inquérito policial, este foi mantido na
estrutura adotada pela Constituição
Federal de 1988. Tal fato decorreu do
papel desempenhado pelas mesmas
forças conservadoras que garantiram,
durante o processo constituinte, a
manutenção do arranjo institucional
do sistema de segurança pública
modelado no período ditatorial.
Em relação ao inquérito policial,
o Plano Nacional de Segurança
Pública de 2003 o apontava “como
instrumento arcaico e superado
para a investigação criminal, um
procedimento burocratizado, que
não garante eficácia na descoberta
dos crimes e dos elementos para o
desencadeamento da ação penal”.
Propunha também sua substituição
por um outro modelo simplificado,
desburocratizado e ágil, capaz de
recolher, com celeridade e eficácia,
os elementos necessários para a
instauração do processo criminal.
(BRASIL, 2003).
Como previamente observado,
certamente alterações dessa natureza
num instituto com profundas raízes
históricas e culturais e fortemente
entranhado na burocracia estatal
são um grande desafio. Junta-se
a isso um conjunto de interesses
512
corporativos na manutenção do
status quo.
De acordo com Mingardi (2000), dois
grupos defenderiam a manutenção
do inquérito policial no formato atual:
os delegados de polícia e alguns
advogados criminalistas. Os primeiros
tem fortes motivos corporativos visto
que é uma questão de manutenção
do espaço, havendo mesmo o
medo de que qualquer alteração
no inquérito abra caminho para
extinção do cargo. O segundo grupo,
apesar das nobres justificativas para a
defesa do procedimento, na prática
tem como principal motivo a sua má
qualidade, o que facilitaria a defesa
dos réus.
A condução do inquérito policial
está cargo do delegado de polícia,
definido como autoridade policial. A
Lei nº 12.830, de 20 de junho de 201376,
estabelece que cabe ao delegado de
polícia, na qualidade de autoridade
policial, a condução da investigação
criminal por meio de inquérito policial
ou outro procedimento previsto
em lei. Também prescreve que
“as funções de polícia judiciária e
a apuração de infrações penais
exercidas pelo delegado de polícia
são de natureza jurídica” e que a
este deve ser dispensado “o mesmo
tratamento protocolar que recebem
BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho
de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal
conduzida pelo delegado de polícia. Brasília,
2013. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/
l12830.htm>
76
os magistrados, os membros da
Defensoria Pública e do Ministério
Público e os advogados”. Da
mesma forma define a Lei Estadual
Complementar nº 129, de 08 de
novembro de 2013 77, que contém
a Lei Orgânica da Polícia Civil do
Estado de Minas Gerais e o regime
jurídico dos integrantes das carreiras
policiais.
Nesse mesmo sentido a Constituição
do Estado de Minas Gerais já previa
que para o ingresso na carreira de
Delegado de Polícia, é exigido o título
de Bacharel em Direito e concurso
público. Ainda, por meio de emenda
à Constituição estadual em 2010 78,
foi acrescentado texto que prevê
que o cargo de Delegado de Polícia
integra, para todos os fins, as carreiras
jurídicas do Estado.
Conforme abordado no resgate
histórico relativo à segurança pública
no Estado e no país, inicialmente a
atividade de apuração de crimes
77
MINAS GERAIS. Lei Complementar
nº 129, de 08 de novembro de 2013.
Contém a Lei Orgânica da Polícia Civil
do Estado de Minas Gerais - PCMG -, o
regime jurídico dos integrantes das carreiras
policiais civis e aumenta o quantitativo
de cargos nas carreiras da PCMG. Belo
Horizonte.
Assembleia
Legislativa
do
Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível
em:
<https://www.almg.gov.br/consulte/
legislacao/completa/completa-nova-min.
html?tipo=LCP&num=129&ano=2013>.
78
MINAS GERAIS. Constituição (1989).
Emenda à Constituição nº 82, de 14 de
abril de2010. A Acrescenta parágrafo
ao art. 140 da Constituição do Estado.
Disponível em: <https://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.
html?ano=2010&num=82&tipo=EMC>.
e mesmo a organização por ela
responsável estava subordinada ao
Judiciário, sendo os chefes de polícia
selecionados entre os juízes de direito
e desembargadores, podendo seus
delegados e subdelegados ser
designados dentre juízes e também
dentre os cidadãos. Mesmo com
posterior desvinculação das
atividades judiciais e policiais, não
houve alteração da prática de que
os chefes de polícia continuassem
a ser recrutados, prioritariamente,
entre magistrados. Em meados do
início século, para a função de
Chefe de Polícia do Estado de Minas
Gerais tinha-se como exigência o
bacharelado em direito, enquanto
para a ocupação do cargo de
delegado e subdelegado não havia
previsão de formação acadêmica
completa. A partir de 1911 passou a
se exigir que os delegados também
tivessem formação em direito.
O que se observa é que a apuração
de infrações e a instrução criminal
preliminar historicamente esteve
muito próxima ou se confundiu
com as funções do judiciário. Essa
aproximação se apresenta até
mesmo no nome polícia judiciária.
Certamente a formação jurídica dos
responsáveis pela chefia da polícia
ou pela condução das apurações
criminais cumpriu ao longo do
tempo importante papel, visto que
possibilitaria balizar a sua ação
estatal pela legalidade. Entretanto,
a identidade desses profissionais com
513
o mundo jurídico, a cartorialização
da investigação criminal, o
progressivo distanciamento da
autoridade policial do ambiente de
investigação, acabou por promover
um modelo no qual se privilegia a
atividade burocrática em detrimento
da atividade investigativa. Tal
deficiência apenas se agrava
com as demandas decorrentes do
exacerbado incremento no número
de ocorrências.
Apesar da necessidade
de adequações, diversos fatores
concorrem para a manutenção do
inquérito policial, conforme aponta
Vargas e Rodrigues (2011, p. 93).
Em primeiro lugar, o aferramento do
delegado a esse instrumento que
justifica a existência da função que
lhe confere poder. A obstinação
dessa categoria funcional por
esse modelo de investigação
faz-se particularmente visível no
lobby que exerce no Congresso
Nacional para garantir a sua
permanência com o menor
número de modificações possíveis.
Não é a toa que, há mais de dez
anos, ali tramitam propostas de
simplificação da investigação
criminal e outros tópicos a ela
concernentes
sem
nenhum
resultado.
Outro
aspecto
relacionado à evolução do modelo
de investigação a ser considerado é
a própria necessidade da formação
jurídica do delegado de polícia ou
qualquer cargo responsável pela
condução da investigação criminal,
já que a atual estrutura do sistema de
514
Justiça Criminal envolve também o
Ministério Público, Defensoria Pública
e Judiciário que desenvolvem
importante papel no controle e
garantia da legalidade. Soma-se
a isso o fato de que atualmente
o conhecimento jurídico não é
monopolizado pelos bacharéis em
Direito. Na realidade todo agente
público das mais diferentes áreas
manejam o Direito no exercício de suas
funções, visto que a administração
pública é regida pelo princípio
da legalidade. Numa perspectiva
moderna de investigação criminal
como uma atividade interdisciplinar
que lida com delitos de diferentes
naturezas o conhecimento jurídico
vem a ter um caráter instrumental,
como em outras tantas atividades
estatais.
9- Considerações finais
Atualmente, questões relacionadas
à violência e criminalidade tem se
destacado como uma das principais
preocupações dos cidadãos em
todo país. A resposta a esse desafio
cabe ao Estado, que para o exercício
desse seu dever estruturou ao longo
da história organismos e arcabouços
legais capazes de desenvolverem tal
fim.
Como apresentado no decorrer do
presente trabalho, a função estatal
de provimento de segurança evoluiu
lentamente, ao menos em termos
teóricos, do foco na defesa nos
interesses do Estado e seus monarcas,
em detrimento de seus súditos, para
a sua garantia como um direito
fundamental. Tal fato pôde ser
observado na evolução de sistema
de segurança em Minas Gerais,
conforme aqui apresentado.
Sob o viés analisado, partiu-se
nos primórdios da colonização
portuguesa da “capitania das Minas”,
da ausência de qualquer fenômeno
que pudesse ser caracterizado como
algo próximo ao moderno conceito
de um serviço de segurança pública.
Todavia, no decorrer do processo de
ocupação das regiões auríferas, teve
início a conformação de organismos
responsáveis pela manutenção
da ordem, numa progressiva
diferenciação das atividades de
polícias das atividades de militares
e bélicas. Passou-se pela influência
de modelos da então metrópole
Portugal, modelos esses que sofreram
inflexões locais devido a política de
controle da exploração do ouro,
cujo caráter envolvia o domínio
do território e a estabilização da
“ordem pública”, muito mais do que
a segurança dos indivíduos. Com a
entrada em cena do Império Brasileiro
e posteriormente da República
Velha, instituições com caráter
de polícia, bem como um sistema
judiciário foram se estabilizando no
âmbito das Minas Gerais. Nesse longo
devir, as polícias principalmente
foram experimentando um
constante movimento pendular de
centralização e descentralização de
poder entre o Estado e oligarquias
locais, de acordo com a correlação
de forças vigente.
Sob este viés pendular, as capitanias
hereditárias descentralizaram para
adentrar o território e ocupar; o
Estado colonial português centralizou
o poder militar na capitania das
Minas para controlar a exploração
do ouro; a independência nacional
descentralizou para fragilizar as forças
federais ainda com forte influência
portuguesa; posteriormente a
Guerra do Paraguai fortaleceu o
Exército em detrimento dos poderes
locais; a proclamação da república
se apoiou nas oligarquias locais
descentralizando novamente o
poder de polícia para desmantelar
parte da máquina do Império; por
sua vez o Estado novo getulista
teve como política diminuir o poder
militar dos Estados, na tentativa
de evitar novas ameaças militares,
centralizando na federação o poder
militar. Essa agenda de centralização
foi fortalecida pelo regime militar
de 1964, que interferiu de forma
decisiva nesse sistema provocando
uma ruptura quase definitiva de
sua evolução institucional. Aqui o
conceito de segurança pública
foi alinhado com o de segurança
nacional e a ordem interna tornase novamente o principal foco da
atividade. Concomitantemente
o arcabouço jurídico do sistema
515
foi doravante engessado, com a
determinação da existência de dois
tipos de polícia em todos os Estados:
civil e militar, como focos diversos de
atuação. Onde existiam experiências
de polícias de ciclo completo, como
a Guarda Civil em Belo Horizonte, tais
acúmulos foram encerrados.
reconhece a natureza multicausal
da violência e a heterogeneidade
de suas manifestações, direcionou a
atuação do sistema de segurança
estadual tanto para o controle como
para a prevenção, envolvendo
políticas públicas integradas no
âmbito local.
Com a redemocratização,
encontrou-se alguns avanços no
reconhecimento da segurança
como um direito do cidadão e na
possibilidade da organização de
um sistema de segurança e órgãos
voltados para esse fim. Contudo, os
interesses de grupos conservadores
e das próprias corporações estatais
acabaram por limitar tais avanços.
Foi mantida a essência do modelo
previamente estabelecido no
regime militar, sendo cristalizado na
constituição de 1988. Por conseguinte,
este ainda é o modelo hoje vigente.
Essas mudanças organizacionais de
cunho gerencial realizadas visando
aumentar a sua eficiência e a
articulação entre os componentes
do sistema, assim como políticas
baseadas apenas em aportes de
recursos financeiros acabaram
por se mostrar insuficientes para
lidarem com o complexo problema
relacionado ao controle da violência
e da criminalidade. Os desafios
postos para o sistema de segurança
e órgão policiais são de natureza
estrutural. Quando no muito são
encontradas práticas modernas
em meio a estruturas arcaicas e
anacrônicas. Fortemente arraigadas,
essas questões estruturais estão
entranhadas na cultura secular dessas
organizações, nos seus métodos e
lógica.
Não obstante, em que pese essa
arquitetura institucional implicar
em restrições as possibilidades do
Estado de Minas Gerais nas suas
políticas públicas para a área, ações
buscando aperfeiçoar o sistema e
suas organizações e dar efetividade
no provimento da segurança podem
ser observadas a partir do início do
século atual. Diversos projetos e
ações promoveram a incorporação
de modernas tecnologias e
conhecimentos científicos. A adoção
de uma perspectiva mais atual
de segurança cidadã, na qual se
516
A grande maioria das propostas
estruturais para o aperfeiçoamento
do sistema de segurança pública não
são novas e normalmente giram em
torno das mesmas questões. Dentre
elas estão: implantação de ciclo
completo de polícia; a modernização
do modelo de investigação criminal;
desenvolvimento de modelos de
policiamento que envolvam a
comunidade e orientados para a
resolução de problemas; mudanças
organizacionais nas policias como
aquelas envolvendo carreiras
e cargos, desvinculação de
atividades administrativas e mesmo a
desmilitarização. Além do acumulo de
reflexões e proposições relacionadas
a essas e outras propostas ao longo do
tempo, também a farta experiência
internacional sobre segurança e
polícias certamente tem muito
a contribuir e apontar caminhos
que possam inspirar a modelagem
de soluções adequadas à nossa
realidade.
Como extensamente observado a
trajetória das questões de Segurança
Pública em Minas Gerais se mesclam
as suas origens. Em ciclos históricos
que se repetem viciosamente, não se
rompe com uma lógica ordenadora
que permita a reinvenção dessas
instituições. Se quando do início do
ciclo do ouro as Minas eram uma terra
sem lei, com o Estado protegendo
seu poder e riqueza e não sua
população, a demanda atual por
segurança também é real e urgente,
parecendo por vez similar. Em que
pesem os esforços dos governos
em investir continuamente nessa
área, projetando a continuidade
das condições atuais os cenários
são pouco auspiciosos. Conforme
demonstrado no presente estudo,
a arquitetura do sistema de
segurança mineiro tem centenas
de anos de existência e traz em seu
bojo profundas contradições de
cunho estrutural, que ao não serem
modificadas tornam os investimentos
em pequenas reformas relativamente
inócuos.
Apesar de serem muitos os desafios
na construção de um aparato de
segurança que seja eficiente e
comprometido com os princípios
de cidadania, há um longo
caminho a ser percorrido, repleto
de condicionantes e variáveis.
Compreendendo a complexidade
envolvida não somente na mudança
da estrutura de Segurança Pública,
mas principalmente na alteração
de uma profunda herança cultural,
uma alternativa seria a tentativa
de flexibilizar a legislação federal
sobre o tema, descentralizando sua
regulação, e permitindo aos Estados
maior maleabilidade na gestão de
seus respectivos sistemas. Dessa
maneira poderiam ser tentadas
pequenas experiências, tentativas e
aproximações, somente alterando o
conjunto do sistema quando de seu
sucesso comprovado pela prática.
Mesmo que em um lento caminhar,
se paulatinamente forem aplicadas
mudanças nessas instituições de
Estado em direção aos legítimos
interesses da sociedade, mesmo que
vagarosamente, a arquitetura de
segurança pública começara a ser
de fato transformada. Por lentas que
sejam tais mutações, vez que sejam
precedidas por extenso planejamento
517
e atenção aos detalhes, certamente
trarão mais resultados do que
grandes aportes financeiros em um
modelo de antemão falido, centrado
em uma ficta Minas Gerais que não
existe mais.
Referências
ALVES, Juliana do Carmo Cardoso.
Memória Dividida: narrativas acerca
do movimento reivindicatório dos
praças da Polícia Militar de Minas
Gerais no ano de 1997. 2013. 143 f.
Dissertação (Mestrado em História
Social) – Universidade Federal
Fluminense, Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia, Departamento
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O Porta l Bra sil
Política s socia is
por Rosilene Cristina Rocha
LISTA DE SIGLAS
ACESSUAS - TRABALHO - Programa de Promoção do Acesso ao Mundo
do Trabalho
AMM – Associação Mineira de Municípios
BPC - Benefício da Prestação Continuada
CADSOL – Cadastro Nacional da Economia Solidária
CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CEAS-MG – Conselho Estadual de Assistência Social de Minas Gerais
CEEPS – Conselho Estadual de Economia Popular Solidária
CEJUVE – Conselho Estadual da Juventude
CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais S.A.
CETER – Conselho Estadual de Trabalho, Emprego e Renda
CF-88 – Constituição Federal de 1988
CIB - Comissão Intergestora Bipartite
525
CIB – Comissão Intergestora Bipartite
CIMOS – Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNEAS – Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social
CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais
COHAB MINAS – Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais
COPASA - Companhia de Saneamento de Minas Gerais
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Regionais – Centro de Referência Especializado da Assistência
Social
EMATER-MG - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado
de Minas Gerais
EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
FAPEMIG – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FJP – Fundação João Pinheiro
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
GESTRADO - Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho
Docente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
ID Acolhimento – Indicador de Desenvolvimento das Unidades de
Acolhimento
IDF – índice de Desenvolvimento da Família
IDH – índice de Desenvolvimento Humano
IDHM – índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
MG – Minas Gerais
NEEP-SUAS/MG – Núcleo Estadual de Educação Permanente do Sistema
Único de Assistência Social de Minas Gerais
526
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONGs – Organizações não Governamentais
PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e/ ou
Individuo
PCTs – Povos e Comunidades Tradicionais
PIA – Plano Individual de Atendimento
PIB – Produto Interno BrutoPMDI - Plano Mineiro de Desenvolvimento
Integrado
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNEP – Política Nacional de Educação Permanente
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Tecnológico
PSB – Proteção Social Básica
REDS – Registro de Eventos de Defesa Social
RENEP/SUAS – Rede Nacional de Educação Permanente do Sistema único
de Assistência Social
SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SEAPA – Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
SEC – Secretaria de Estado de Cultura
SECIR – Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional
SEDA – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário
SEDECTES – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior
SEDESE – Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social
SEDIF - Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns
Regionais
SEDINOR – Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do
Norte e Nordeste de Minas Gerais
SEDPAC – Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social
e Cidadania
527
SEE – Secretaria de Estado de Educação
SEPLAG – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão
SERVAS – Serviço Voluntário de Assistência Social
SINE – Sistema Nacional de Emprego
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
UAI – Unidade de Atendimento Integrado
UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais
UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros
URCMAS – União Regional dos Conselhos Municipais de Assistência Social
1 - CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E ECONôMICA DO ESTADO
O atual governo do Estado de Minas Gerais (2015/2018) adotou como estratégia
gerencial a divisão do estado em 17 territórios de maneira a comportar uma
análise de suas distinções sociais, econômicas, culturais e populacionais. O
diagnóstico territorial oferece uma leitura mais próxima da realidade intra e
inter-regional, possibilitando a formulação e a entrega de serviços públicos que
considerem tais distinções. Para muitos estudiosos, Minas Gerais é a síntese do
Brasil. O estado possui características regionais tão distintas quanto às do país.
Há territórios cujos indicadores se aproximam dos piores indicadores do país e
outros com características de regiões mais desenvolvidas e produtivas.
A ausência de uma estratégia voltada ao enfrentamento das desigualdades
regionais no estado, de uma proposta de desenvolvimento regional nos últimos
anos induziu à proposta de diagnóstico regional, intervenção baseada nessas
distintas realidades e decisões tomadas com o conjunto dos atores de cada
região.
Nessa nova perspectiva o conceito de região se modifica da ideia de
homogeneidade do aspecto físico, econômico, cultural e de ocupação pela
ideia de território entendido como um espaço que é social e historicamente
construído por meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da
política. O Estado passa a ter um papel baseado nos resultados determinados
pelos comportamentos dos atores, agentes e instituições locais. Isso traz como
528
desafio ações das instituições públicas mais descentralizadas e que consideram
os movimentos de “baixo para cima”.1
Minas Gerais é o segundo Estado mais populoso do Brasil com estimativa em
2016 de 20.997.560 habitantes. O Censo Demográfico de 2010 informou que
a população mineira somava 19.597.330 (dezenove milhões, quinhentos e
noventa e sete mil, trezentos e trinta) habitantes residindo em 6.027.492 (seis
milhões, vinte e sete mil, quatrocentos e noventa e dois) domicílios, com uma
média de 3,25 habitantes por domicílio. A distribuição da população por grupo
de idade, em comparação com o ano de 2000, apresentou envelhecimento. A
população com idade superior a 60 anos cresceu 42,2%, a população adulta
(entre 30 e 59 anos) cresceu 24,5%, a população jovem e adolescente (14 aos
29 anos) cresceu apenas 1,26% e a população infantil decresceu em 17,8%. A
população infantil (abaixo de 14 anos) representou 22,4% do total dos residentes
e os maiores de 65 anos representaram 8,3%.
Figura 1 – Distribuição da população por sexo, segundo grupo de idade, Minas Gerais
Censo – 2010. Fonte: IBGE. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.
php?dados=26&uf=31> Acesso em: 22/08/2017.
1
SOUSA, Carla Cristina Aguilar de; VIANA, Raquel de Mattos; LEAL FILHO, Raimundo
de Sousa. Desigualdade nos Territorios de Desenvolvimento de Minas Gerais: período 2000
a 2013. Informação dos autores: artigo foi escrito com a colaboração da pesquisadora
Maria Aparecida Sales Santos. Disponível em: <http://diamantina.cedeplar.ufmg.br/2016/anais/
economia/147-235-1-RV_2016_10_09_00_33_14_423>. Acesso em: 29/08/2017. Pag.4.pdf
529
Os domicílios urbanos abrigavam 86% da população, porém 1,8% residiam
em áreas de difícil acesso, como municípios distantes das capitais e cidades
polos, ou vilas urbanas de difícil circulação interna ou sem endereços para
identificação.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontou em 2014 que
a taxa de analfabetismo no Brasil em pessoas com 15 anos ou mais era de 8,3%,
enquanto em Minas Gerais estimava-se 7,1% de analfabetos; na faixa etária
de 10 a 14 anos esse “quantum” era de 1,1%, em Minas Gerais, em relação ao
índice de 1,8% no Brasil. O Governo de Minas Gerais tem implantado programas
pedagógicos específicos que tem reduzido o número de analfabetos no
Estado2 . Em municípios com população inferior a 20.000 habitantes (78,1%
dos municípios de Minas Gerais, segundo a estimativa populacional 2016 do
IBGE) as taxas de analfabetismo permaneçam mais elevadas que a média
estadual. Todavia, houve queda do analfabetismo de maneira geral, pois em
2010, o Brasil apresentava taxas de 12,4% (para faixa etária de 15 anos ou mais)
e 3,9% (entre 10 e 14 anos). Em Minas Gerais, os índices eram respectivamente
de 11,7% (15 anos ou mais) e 1,7% (faixa etária entre 10 e 14 anos).
As mulheres foram as principais responsáveis por 37% dos domicílios3, sendo que
em cidades com população superior a 500.000 mil habitantes a percentagem
subiu para 42,0%.
Quanto aos fatores econômicos, em específico a renda média per capita,
os mineiros ocupam a 8ª (oitava) posição no ranking nacional, considerando
o rendimento nominal mensal domiciliar per capita em 2016. A renda per
capita foi calculada em R$ 1.168 (Um mil, cento e sessenta e oito reais)4, 4,73%
abaixo da média nacional e inferior a renda per capita da população residente
em estados cujo Produto Interno Bruto são menores que o mineiro, como por
exemplo, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa
Catarina5.
2
Disponível em: <http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/programaspedagogicos-contribuem-para-queda-do-analfabetismo-em-minas-gerais. Acesso em
12 de ago.de 2017.
3
Fonte: IBGE/ PNAD 2015 - População e Domicílios - Síntese de Indicadores. Disponível
em:
<http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=mg&tema=pnad_2015>
Acesso em 16/08/2017.
4
Fonte: IBGE: PNAD Contínua. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
mercado/2017/02/1861675-20-estados-tiveram-renda-per-capita-abaixo-da-mediaem-2016-diz-ibge.shtml> Acesso em: 16/Ago./2017
5
530
Fonte: IBGE, Contas Regionais do Brasil, 2005-2009- Tabela 8 – Produto Interno
O caderno “Situação social nos estados, Minas Gerais/ Ipea, publicado em
2012, informou que a renda domiciliar per capita do Brasil cresceu 23,5% entre
os anos de 2001 e 2009 e que no mesmo período a taxa de crescimento da
renda domiciliar per capita dos mineiros foi de 39,4%, (superior à taxa nacional e
também superior a taxa da região Sudeste que foi de 17,3%). Cálculos elaborados
pela Fundação João Pinheiro-FJP, com base em dados do IBGE, apontam uma
taxa média anual de crescimento da renda per capita de 3,66%, traduzindo
a evolução desse indicador na década. O Caderno do Ipea/2012, chamou a
atenção para a questão da desigualdade de renda em Minas, que diminuiu
um pouco, já que a renda domiciliar per capita na zona rural teve crescimento
de 49%, superior a observada na zona urbana (36,7%). Mas, ainda assim, diz o
documento: “a discrepância entre as magnitudes desses indicadores rurais e
urbanos chama a atenção” (IPEA, 2012, p. 15)6.
A diferença entre regiões é bastante significativa: a região Central e Triângulo
registram renda per capita cerca de 20% superior à média estadual, enquanto
as regiões dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Norte registram renda per
capita 42% inferior à média. Quando comparamos as regiões rurais mais pobres
com as regiões urbanas mais ricas, a renda per capita das mais pobres é cerca
de 30% da renda das mais ricas. A renda per capita média nas regiões rurais
mais pobres de Minas Gerais, como por exemplo, o Norte é equivalente a R$
295,36, ou seja, 27% menor que a renda per capita do Maranhão, o estado
com menor rendimento per capita do país.
O gráfico a seguir representará a renda domiciliar per capita média, analisada
no país e no Estado de Minas Gerais no interstício entre 2014 e 2016. De acordo
com o IBGE, os rendimentos domiciliares são obtidos pela soma dos rendimentos
do trabalho e de outras fontes recebidas por cada morador no mês de referência
da pesquisa. Logo, trata-se o rendimento domiciliar per capita e da divisão dos
rendimentos domiciliares pelo total dos moradores.
Bruto, população residente e PIB per capita segundo grandes regiões e as Unidades da
Federação – 2009. Faz-se mister pontuar que, avaliada pelo PIB em valores correntes,
a economia de Minas Gerais ocupa o 3º lugar no ranking nacional, com um valor de
386 bilhões de reais, antecedido por São Paulo (com um PIB de 1.349 trilhões) e Rio de
Janeiro (com um PIB de 462 bilhões de reais).
6
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Situação Social nos Estados:
Minas Gerais. Brasília: DF, 2012. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/
PDFs/120210_relatorio_situacaosocial_mg.pdf> Acesso em: 05/09/2017.
531
Figura 2. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE)
O indicador “rendimento médio do trabalho”7, representado na figura a seguir,
permite apreender que a média do trabalho rural é inferior à média da região
Sudeste8 e também inferior à média nacional. A diferença existente entre a
remuneração rural e a urbana é expressiva. (A remuneração rural é em torno
de 46% menor que a urbana).
7
Trata-se do rendimento médio só dos que tiveram renda proveniente do trabalho.
Os ocupados com renda zero foram excluídos do cálculo.
8
Segundo o Ipea, em 2009 o rendimento médio do trabalho em Minas Gerais foi
de R$ 1.022,60, na região Sudeste R$ 1.264,00 e no Brasil R$ 1.116,39).
532
Figura 3. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE)
O rendimento médio real corresponde àquele rendimento que é habitualmente
recebido em todos os trabalhos pelas pessoas com 14 anos ou mais de idade,
ocupadas na semana de referência em que ocorreu a pesquisa.
Em relação ao Cadúnico do Governo Federal, se registrou em 2012, em nível
nacional, 21.046.932 famílias pobres ou extremamente pobres, com renda
per capita inferior a R$ 140,00, das quais 2.169.402 famílias (10,3% do total
cadastrado) eram domiciliadas em Minas Gerais. Dentre as famílias pobres,
237.803 eram consideradas extremamente pobres, ou seja, com renda per
capita inferior a R$ 70,00. Dados do Ipea (2012) / IBGE (2010) estimaram que
a população extremamente pobre em Minas Gerais era de cerca de 3% da
população total (cerca de 587.900 pessoas). Constatou-se, também, que
desde o ano de 2001 se observava uma tendência de queda (em 2001, 9%
da população vivia em situação de extrema pobreza). No contexto rural,
os indicadores de pobreza extrema acompanharam a tendência de queda
com maior intensidade.9 Ainda assim o combate à pobreza no campo persiste
como um dos maiores desafios às políticas sociais do Estado, uma vez que os
resultados alcançados são inferiores aos das áreas urbanas.
Após uma década de redução da parcela de nacionais abaixo da linha da
pobreza, registrou-se em 2016 o segundo ano consecutivo de aumento desse
número, quão efeito perverso do desemprego e da inflação na renda do
trabalho, conforme representação a seguir.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Situação Social dos Estados, Minas
Gerais – Brasília, DF – 2012.
9
533
Figura 4. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD Contínua/IBGE
A crise política se irradiou para o mercado e consequentemente o desemprego
disparou. Medida pelo IBGE, a desocupação de trabalhadores no Brasil galopou
de 7,9% no primeiro trimestre de 2015 para 13,7% no 1º trimestre de 2017, caindo
para 13% no 2º trimestre do ano de referência (queda de 0,7 pontos percentuais).
Em Minas Gerais a taxa de desemprego evoluiu de 8,2% no primeiro trimestre
de 2015 para 13,7% no 1º trimestre de 2017, caindo para 12,2% no 2º trimestre
do ano de referência (queda de 1,5 pontos percentuais).
A dinâmica do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro também exige atenção,
como mostram os dados representados a seguir.
Figura 5. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Boletim de Conjuntura PIB
Trimestral de Minas Gerais/FJP
534
Todavia, o resultado do PIB brasileiro, que apresentou crescimento de 1,0%, e
do PIB de Minas Gerais, com 0,0%de movimento no primeiro trimestre de 2017
(performance superior aos -0,7% do trimestre anterior e -0,3% do 1º trimestre
de 2016), indica que a atividade econômica se estabilizou nos dois anos
(com performance nacional ligeiramente melhor à estadual) em relação ao
desempenho registrado no trimestre anterior e no mesmo período do ano
anterior.
Em toda a história de Minas Gerais o reflexo da movimentação do PIB brasileiro
refletiu em sua performance, ou seja: toda vez que cresce o PIB no Brasil o de
Minas Gerais cresce mais. No entanto, quando o PIB brasileiro decresce, o de
Minas Gerais decresce em maior proporção. Nesse momento de crise os reflexos
são ainda mais graves para o Estado, com reverberações tanto no PIB (a partir
de 2014) quanto em relação ao expressivo aumento do número de pobres no
Brasil (a partir de 2015).
Figura 6: obtida através da apresentação intitulada: “Ajuste fiscal: escolhas orçamentárias?”,
proferida pelo Presidente do BDMG, Dr. Marco Aurélio Crocco Afonso, em 28/08/2017.
535
Figura 7: obtida através da apresentação intitulada: “Ajuste fiscal: escolhas orçamentárias?”,
proferida pelo Presidente do BDMG, Dr. Marco Aurélio Crocco Afonso, em 28/08/2017.
Para vislumbrar as condições de vida das famílias mineiras, revelando
a sua dependência de políticas públicas e identificar os municípios mais
empobrecidos, bem como suas diferenças, pode-se utilizar, dentre outros, o
índice de Desenvolvimento da Família (IDF), elaborado pelo Governo Federal
(Barros et.al., 2003)10.
O referido indicador é composto por seis dimensões, quais sejam: a) ausência
de vulnerabilidade; b) acesso ao conhecimento; c) acesso ao trabalho;
d) disponibilidade de recurso; e) desenvolvimento infantil e f) condições
habitacionais, e “Cada uma dessas dimensões representa, em parte, o acesso
aos meios necessários para as famílias satisfazerem suas necessidades e, em outra
parte, a consecução de fins, ou seja, a satisfação efetiva de tais necessidades”.
No limite, pode-se dizer que O IDF mede (dando uma nota que vai de 0 a
1) o acesso de uma família a direitos fundamentais. Uma família aufere nota
1 quando tem acesso a todos os direitos fundamentais e nota 0 quando não
aufere nenhum desses direitos e garantias. O IDF é calculado pelo CadÚnico,
base federal com dados de dezenas de milhões de famílias pobres.
Em regra, os governos usam a renda para aferir a pobreza (por exemplo, famílias
que auferem até R$ 140 mensais per capita) ou a miséria (famílias que auferem
10
BARROS, P. A.; CARVALHO, M., FRANCO, S. Índice de desenvolvimento da família
(IDF). IPEA: Rio de Janeiro, 2003. (Texto para discussão N0 986).
536
até R$ 70 mensais per capita). O IDF possibilita uma análise mais pormenorizada
e multimensional, dividindo a situação da família em seis dimensões. Ao se
medir, por exemplo, o desenvolvimento infantil (uma dessas seis dimensões),
busca-se conhecer o grau educacional de crianças e adolescentes. Logo,
aumenta-se a nota quando as crianças e adolescentes estão fora do trabalho
infantil, na escola e alfabetizadas, e se reduz as notas quando estes sujeitos
se encontram em condições de exploração de trabalho, fora da escola e
se enquadram no “status” de analfabetas. A vulnerabilidade das famílias é
medida pelo acesso às possibilidades de seu desenvolvimento. Logo, a nota é
aumentada quando a família possui um número maior de pessoas a comporem
a população economicamente ativa, e é diminuída se a família é constituída
por idosos, crianças, pessoas com deficiência etc..11
As dimensões da pobreza intituladas como “vulnerabilidade da família”, “acesso
ao trabalho” e “acesso ao conhecimento” apontam os meios necessários ao
desenvolvimento; “disponibilidade de recurso”, “condições habitacionais” e
“desenvolvimento infantil” indicam a consecução dos fins.
Pesquisadores financiados pela FAPEMIG (Rocha et.al.,200612), elaboraram
um trabalho de estimativa do IDF para os anos de 1991 e 2000 para cidades
e grupos demográficos mineiros, utilizaram na análise uma hierarquização
semelhante ao do IDH. O IDF médio para os anos de 1991 e 2000 foram 0,57 e 0,64
respectivamente. Observaram uma nítida melhora no nível de desenvolvimento
das famílias na década analisada, porém as microrregiões localizadas no norte
do estado apresentaram desenvolvimento inferior à média. Quanto às demais
regiões, na medida em que se desloca para o sul e sudeste, aumenta o nível
de desenvolvimento familiar. Outra constatação relevante foi que a melhora
de nível se deu nas dimensões caracterizadas como “fins” (disponibilidade de
recursos, condições habitacionais e desenvolvimento infantil), enquanto as
dimensões que representam os “meios” (vulnerabilidade da família, acesso ao
trabalho e acesso ao conhecimento) apresentaram modesta elevação.
O estudo sinaliza que a desigualdade entre as regiões do estado possui relação
inarredável com nível de desenvolvimento da família: as regiões com maior
desigualdade social no Estado são as que possuem menor IDF.
11
Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/poder/2013/05/23/idf/>. Acesso
em: 17/Ago./2017
12
índice de Desenvolvimento da Família (IDF): uma análise para as microrregiões e
grupos demográficos do estado de minas gerais. Trabalho que apresenta os resultados
finais do Projeto de Pesquisa coordenado pelo primeiro autor e financiado pela
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, Edital Universal
2006.
537
A seguir, as tabelas 1 e 2 explicitarão a situação geral das famílias pobres
mineiras. Buscou-se comparar, em amostras, o IDF agregado por cidades. O
primeiro grupo é formado por cidades selecionadas, aleatoriamente, dentre
as de menor desenvolvimento econômico nas regiões Norte, Jequitinhonha,
Mucuri, Triângulo, Noroeste e Rio Doce – Tabela 1. O segundo grupo foi formado
pelos quatro municípios de maior desenvolvimento econômico, quais sejam:
Belo Horizonte, Betim, Uberlândia e Juiz de Fora – Tabela 2.
Observando as tabelas, apreende-se que a situação descrita na década
anterior (1990/2000) em muito pouco se diferenciava da situação percebida
para o ano de 2012.
Tabela 1 – IDF, cidades de menor desenvolvimento econômico, MG – 2012.
Almenara
Januבria
(Jequitinh
(Norte)
onha)
ŽŽŽŽŽŽŽ
Acesso ao conhecimento
Acesso ao trabalho
Disponibilidade de recursos
Desenvolvimento infantil
Condiץחes habitacionais
IDF
0,68
0,38
0,11
0,43
0,95
0,67
0,54
0,72
0,29
0,17
0,33
0,95
0,78
0,54
Pavדo
(Mucuri)
0,72
0,30
0,12
0,41
0,95
0,75
0,54
Iturama Brasilגndia
(Triגngulo) (Noroeste)
0,66
0,42
0,20
0,44
0,96
0,88
0,59
0,68
0,41
0,17
0,47
0,94
0,82
0,58
Pocrane
(Rio
Doce)
0,74
0,35
0,10
0,53
0,96
0,73
0,57
Tabela 2 – IDF, cidades de maior desenvolvimento econômico, MG – 2012
Belo
Betim Uberlandia Juiz Fora
MG
Horizonte
ŽŽŽŽŽŽŽ
0,67
0,70
0,67
0,66
0,70
Acesso ao conhecimento
0,48
0,45
0,47
0,47
0,40
Acesso ao trabalho
0,34
0,25
0,33
0,33
0,22
Disponibilidade de recursos
0,57
0,46
0,57
0,55
0,50
Desenvolvimento infantil
0,95
0,91
0,94
0,94
0,94
Condiץחes habitacionais
0,88
0,88
0,87
0,87
0,81
IDF
0,65
0,61
0,64
0,64
0,60
Conforme foi demonstrado por Amaral (2006), Resende (2006), Ipea (2012), Rocha
et.al. (2006) sobre o Estado de Minas Gerais, os esforços de desenvolvimento
socioeconômico e a atuação de políticas sociais (proteção e promoção)
esbarram em uma sólida e resistente má distribuição da renda e dos “meios”, o
que inviabiliza o desenvolvimento humano e social de forma equânime e justa.
538
O Estado possui diferenças regionais que representam características dos piores
e melhores indicadores sociais do Brasil. A literatura produzida em Minas Gerais
tem discutido as razões e o perfil desta disparidade para o desenvolvimento das
regiões e suas implicações para as famílias e para o Estado. Tais desigualdades
decorrem, além de características históricas, de opções que mesmo em
períodos de mudanças da base produtiva, mantiveram a extrema distinção
entre as regiões. Contrabalançar os investimentos e opções para enfrentar as
grandes desigualdades regionais é o desafio para qualquer política pública
no território mineiro e desafio para o atual governo.
Outra importante distinção do Estado de Minas Gerais é o número e o tamanho
dos seus municípios.
Minas Gerais possuiu 853 municípios, sendo que 675 deles (79,13%) possuem
uma população abaixo de 20 mil habitantes e 240 municípios (28,13%) têm uma
população abaixo de 5 mil habitantes13. Essa realidade faz com que boa parte
desses entes vivam apenas de FPM – Fundo de Participação dos Municípios,
pequena economia local e circulação de recursos advindos de benefícios
sociais.
UF
Até 2.000 hab.
2.001 até 5.000 5.001 até 10.000
hab.
hab.
10.001 até
15.000 hab.
15.001 até
20.000 hab.
Total até
20.000 hab.
MG
19
2,81
221 32,74
251 37,19
123 18,22
61
9,04
675
SP
20
4,99
137 34,16
122 30,42
71 17,71
51 12,72
401
ES
0
0,00
1
2,38
11 26,19
23 54,76
7 16,67
42
RJ
0
0,00
0
0,00
7 25,93
12 44,44
8 29,63
27
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
Total Brasil
118
3,01 1183 30,22
1212 30,97
884 22,59
517 13,21 3914
17,25
10,25
1,07
0,69
100
Tabela 3: adaptada da apresentação intitulada: “O PLANO DECENAL: DIAGNÓSTICO,
PERSPECTIVAS E AS DIVERSIDADES ESTADUAIS E REGIONAL”, proferida no ENCONTRO REGIONAL
CONGEMAS/ COGEMASES/ REGIÃO SUDESTE por Dirce Koga, em 17/03/2016.
Além da dependência econômica os municípios mineiros têm baixa
capacidade institucional, exigindo do estado um acompanhamento técnico
que vai desde o desenho e assessoria para elaboração de projetos até o
processo de capacitação em gastos públicos. Em 2015, por exemplo, havia
1,5 bilhões de reais nas contas dos Fundos Municipais de Assistência Social em
todo o país, indicador das dificuldades de aplicação, e deste total, 200 milhões
13
Apresentação intitulada: “O PLANO DECENAL: DIAGNÓSTICO, PERSPECTIVAS
E AS DIVERSIDADES ESTADUAIS E REGIONAL”, proferida no ENCONTRO REGIONAL
CONGEMAS/ COGEMASES/ REGIÃO SUDESTE por Dirce Koga, em 17/03/2016.
539
(13,3%) em municípios do Estado de Minas Gerais. Os recursos, necessários e
disponíveis, não chegavam à população por dificuldades operacionais em sua
aplicação por parte dos municípios.14
O tamanho e a divisão do estado espelham ainda o necessário esforço em
torno do pacto federativo. O desafio na construção de metas comuns num
universo tão diversificado e com tantos municípios tem sido foco permanente
de construção de estratégias de acordos indispensáveis na gestão pública e
que se traduzam na efetiva entrega de serviços públicos à população.
A síntese dos indicadores do estado e suas distinções regionais mostram a
demanda da atenção por parte do estado, a necessidade de construção de
acordos entre governos estadual e municipais, a decisiva e diferente presença
do estado em cada uma das regiões, a necessidade de inclusão produtiva e
de indução ao desenvolvimento social e econômico.
2. O PLANEJAMENTO EM MINAS GERAIS: AS POLíTICAS SOCIAIS NOS
PLANOS MINEIROS DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO
Na primeira década do século XXI, os mineiros vivenciaram dois modelos
de desenvolvimento distintos e antagônicos quanto ao papel e alcance das
políticas sociais.
No âmbito estadual, repetindo o modelo praticado pelo Governo FHC na
segunda metade da década de 1990 e início dos anos 2000, a política social
foi subordinada ao imperativo do equilíbrio fiscal, da redução da estrutura do
Estado (Choque de Gestão), e da entrega das questões do desenvolvimento
social ao mercado. Frente à opção do endividamento do Estado por meio de
captação de poupança externa, exigia-se cada vez mais “superávit primário”,
com consequente redução de investimentos em políticas sociais.
No âmbito Federal, ao contrário, era implementada uma estratégia de
desenvolvimento que priorizava a inclusão e promoção social e a igualdade
de oportunidades. Para isso, foi adotada uma política de amplos e crescentes
investimentos em políticas sociais de educação, saúde, assistência social –
incluindo amplos programas de renda como o Bolsa Família e a ampliação do
14
Fonte: Relatório financeiro de saldo detalhado por conta/Fundo Nacional de
Assistência Social/MDS. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/suaswebcons/
restrito/execute.jsf?b=*tbmepQbsdfmbtQbhbtNC&event=*fyjcjs
540
BPC – Benefício de Prestação Continuada –, saneamento, habitação, segurança
alimentar, desenvolvimento rural, dentre outras.
A chegada de um governo de matriz popular e democrático ao Executivo
estadual em 2015 carregava a esperança de, pela primeira vez em mais
de uma década, haver alinhamento das políticas sociais, nos dois casos
orientadas pelo compromisso com a redução das desigualdades e a garantia
de direitos. A interrupção do mandato da Presidenta Dilma e a crise fiscal sem
precedentes vivenciada em Minas Gerais alteraram radicalmente o cenário
para implementação das políticas sociais, ainda que o compromisso com seu
fortalecimento venha sendo preservado pelo governo estadual.
O papel das políticas sociais nas diferentes estratégias adotadas pelos
governos mineiros pode ser acompanhado por meio dos Planos Mineiros de
Desenvolvimento Integrado – PMDI, documento cuja elaboração está prevista
na Constituição Mineira, conforme estabelecido em seu capítulo II (Da Ordem
Econômica). Desde o ano 2000, foram elaborados cinco Planos, cada um
deles refletindo as distintas propostas de desenvolvimento dos governos, que
espelham a visão de Estado e de política social que se pretende implementar
em cada gestão do governo de Minas Gerais.
a) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2000 – 2003
Enfrentando uma conjuntura de dificuldades impostas aos governos estaduais
e buscando responder aos anseios de melhoria social e democratização da
sociedade brasileira, o PMDI 2000 – 2003, elaborado na gestão do governador
Itamar Franco, buscava retomar o papel de Minas Gerais na Federação:
“(...) ao recusar a subordinação estrita aos interesses econômicos e
financeiros que dominam o país, ao propor a reconstrução das instancias
estadual e municipal de planejamento do desenvolvimento, fragilizadas
ao longo de vários governos e decisivas para a construção de um perfil
econômico e social mais adequado às potencialidades regionais, e ao
sublinhar nosso papel histórico na vida política nacional”. (MINAS GERAIS,
2000)
Para tanto, a principal diretriz desse Plano foi a retomada do papel do Estado
como ente fundamental no desenvolvimento e alocação de recursos, de
forma a orientar o processo econômico e social, seja por meio das empresas e
agências estatais, pela reestruturação da máquina pública de planejamento
e gestão, e pela recuperação dos serviços públicos. De acordo com o
documento, “as políticas sociais devem ser garantidas, em contexto de interesses
conflitantes, pela própria expansão social da democracia e pelo potencial de
541
protagonismo social que as classes, grupos e instituições da sociedade civil
possam desempenhar no Estado”.
b) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2003 – 2020
O PMDI 2003 – 2020, apresentado na primeira gestão do governador Aécio
Neves, estabeleceu como visão de futuro “Tornar Minas Gerais o melhor Estado
para se viver”, por meio de três eixos estratégicos:
Promover o desenvolvimento econômico e social em bases sustentáveis;
Reorganizar e modernizar a administração pública estadual, colocando
em prática o “Choque de Gestão”;
Recuperar o vigor político de Minas Gerais.
Um dos diferenciais trazidos pelo PMDI 2003 – 2020, além da proposta de
estabelecer um planejamento de longo prazo, foi a seleção de uma carteira
de 30 programas prioritários para o governo, também chamados de projetos
estruturadores, que teriam acompanhamento intensivo e priorização
orçamentária.
c) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2007 – 2023
O PMDI 2007 – 2023, apresentado no segundo governo de Aécio Neves, propôs
trabalhar com o conceito de “áreas de Resultados”, análogo ao conceito de
dimensões definido no PMDI 2000 – 2003. Dessa forma, o documento buscou
reorganizar os grandes desafios a serem superados nos diversos campos de
atuação do governo, resultando na definição de 11 áreas15:
A principal característica desse Plano foi a continuidade da priorização do
chamado “Choque de Gestão” e da estratégia de controle fiscal. Segundo o
documento:
“Do ponto de vista fiscal, a atual taxa de crescimento das despesas
públicas, com impactos na carga tributária ou no endividamento, é
insustentável a médio prazo. Por outro lado, apesar do forte crescimento
das despesas, percebe-se que não há correspondente melhoria,
perceptível pela sociedade, nos serviços públicos. Diante desse dilema,
uma nova Agenda para o setor público brasileiro deve considerar,
15
Educação de Qualidade, Protagonismo Juvenil, Vida Saudável, Investimento
e Valor Agregado da Produção, Inovação, Tecnologia e Qualidade, Logística de
Integração e Desenvolvimento, Desenvolvimento do Norte de Minas, Jequitinhonha,
Mucuri e Rio Doce, Redução da Pobreza e Inclusão Produtiva, Qualidade Ambiental,
Defesa Social, Rede de Cidades e Serviços
542
inexoravelmente, o aumento na produtividade do gasto público. Apesar
de não ser uma panacéia, ganhos de produtividade melhoram a
qualidade dos serviços e possibilitam redução nas despesas correntes.”
(MINAS GERAIS, 2007)
Embora promova avanços na definição das estratégias adotadas, esse PMDI
demonstra o caráter de continuidade e manutenção das diretrizes do Plano que
o antecede. Ainda que o enfrentamento à pobreza apareça explicitamente
como “área de resultado”, a subordinação de todos os investimentos, inclusive
os sociais, ao imperativo do “Choque de Gestão” impôs limites estreitos à ação
pública nesta área.
d) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2011 – 2030
O PMDI 2011 – 2030, apresentado na gestão do governador Antônio Anastasia, é
caracterizado pela continuidade em relação às orientações e diretrizes até então
adotadas, enfatizando o chamado “binômio” do ajuste fiscal com melhorias
inovadoras na gestão pública. Como novidade, propõe o que chamou de
“Gestão para a Cidadania”, definindo como “principal desafio para o Governo
de Minas Gerais a participação da sociedade civil organizada na priorização
e acompanhamento da implementação da estratégia governamental”.
Pretendia, ao adotar este novo conceito, promover um alinhamento, ainda
que teórico, ao modelo de desenvolvimento adotado no âmbito federal no
período.
Em evolução às “dimensões” apresentadas em 2003 e às “áreas de resultado”
apresentadas em 2007, o PMDI 2011 – 2030 estruturou a estratégia de atuação
do governo na forma de “redes de desenvolvimento integrado”, uma tentativa
de colocar em prática a intersetorialidade das políticas públicas. Entretanto,
essas proposições não se consubstanciaram na evolução da estrutura de gestão
do governo ou na distribuição e alocação dos recursos fiscais, de forma a
adotar políticas públicas diferenciadas que visassem à melhoria das condições
de vida das famílias e o decréscimo das disparidades regionais.
Observa-se, nesse sentido, que nos primeiros 14 anos do século XXI as políticas
sociais foram secundarizadas pelo Governo Estadual, em favor de um modelo de
“Estado gerente”, que enfocou o planejamento em áreas de gestão e preteriu
o desenvolvimento social, ignorando que este é parte do desenvolvimento
de um Estado. Esse mesmo modelo foi rejeitado pela sociedade brasileira,
quando da tentativa de sua implantação em âmbito nacional, impondo uma
ultrapassada visão da dicotomia entre Estado mínimo e Estado do bem-estar.
543
e) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2016 – 2027
Em 2015, a gestão do governador Fernando Pimentel iniciou a construção
do PMDI 2016 – 2027. A opção pelo horizonte de planejamento de 12 anos
deveu-se ao fato de a instabilidade e a crise econômica instaladas no país
impossibilitarem um planejamento de prazo tão longo quanto 20 anos.
O novo PMDI adotou o lema a “Redução das desigualdades sociais e regionais”
e fez a escolha política de ancorar o projeto para o Estado em objetivos similares
aos em curso no governo federal. Além disso, o PMDI 2016 – 2027 foi amplamente
discutido com a população, adotando uma metodologia mais democrática,
marcada pela valorização das atividades de planejamento participativo,
rompendo com o caráter endógeno que o caracterizara até então. Tal ação
tem como referência outras experiências de sucesso, como a do Orçamento
Participativo implantado em diversos municípios, inclusive em Belo Horizonte,
em 1993.
Essa mudança começou pela incorporação dos subsídios produzidos em
dezessete Fóruns Regionais, realizados em todos os Territórios de Desenvolvimento
de Minas Gerais, envolvendo cerca de 25.000 pessoas, durante 2015. Tais Fóruns
são a tradução prática dos conceitos de territorialidade, intersetorialidade e
participação social como centro da gestão em Minas Gerais e se tornariam,
nos anos seguintes, instrumentos decisivos para uma gestão que atende as
demandas prioritárias da população, mesmo em tempos de crise fiscal.
O novo PMDI também está estruturado em eixos, que aglutinam e orientam
as estratégias, programas e ações, tendo optado pela adoção dos seguintes:
1.
Desenvolvimento Produtivo, Científico e Tecnológico
2.
Infraestrutura e Logística
3.
Saúde e Proteção social
4.
Segurança Pública
5.
Educação e Cultura
Aos eixos, em suas linhas estratégicas se incorporam outras cinco dimensões
fundamentais que devem ser observadas na formulação das políticas públicas:
a. Participação
b. Desenvolvimento de Pessoas
c. Sustentabilidade Fiscal
d. Modelo de Gestão
e. Sustentabilidade Territorial.
544
Figura 8 - Matriz básica do PMDI 2016 - 2027 - Objetivo Geral, Eixos e Dimensões
Fonte: MINAS GERAIS (2016)
Como se observa, as políticas sociais estão concentradas especialmente
em dois eixos: “Saúde e Proteção Social”, que envolvem políticas de Saúde,
Desenvolvimento Integrado do Norte e Nordeste, Assistência Social e Trabalho,
Direitos Humanos e Cidadania; e “Educação e Cultura”. Cada uma das políticas
setoriais que integram os eixos, além dos diagnósticos conjunturais, apresentou
seus objetivos estratégicos.
2.1 – O planejado e o possível – crise financeira, Lei de Responsabilidade Fiscal
e as restrições à ação do Estado.
Logo no início da gestão Pimentel no Governo de Minas Gerais, o conhecimento
do real cenário econômico do Estado e das informações internas do Governo
impuseram condicionantes à ação pública. O déficit anunciado de R$ 6 bilhões
correspondia, em realidade, a R$ 9 bilhões, o que exigiu a retirada do orçamento
proposto para 2015 da Assembleia de Minas Gerais, para sua revisão, para
adoção de uma arrecadação mais realista e do valor real do déficit.
A elaboração do PMDI 2016 – 2027 já considerou essa nova realidade financeira,
mas não podia prever o agravamento subsequente, que levou o gasto com
545
pessoal a superar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e ao posterior
decreto de estado de calamidade financeira das contas estaduais.
Outro fato que impactou negativamente as contas do Estado e o seu
planejamento de investimento em políticas sociais foi a crise política, que
levou à interrupção do mandato da Presidenta Dilma Rousseff em 2016. O
aprofundamento da crise econômica e a adoção, pelo governo que assumiu
pós impeachment da Presidenta Dilma, de uma política social restritiva, com
redução drástica de investimentos em políticas públicas em geral e a adoção
de propostas de reformas no campo trabalhista, previdenciário e assistencial –
como a do BPC e do Bolsa Família, comprometeram sobremaneira os ganhos
sociais ocorridos nos últimos anos e impedem a ampliação da oferta por parte
de estados e municípios. O decréscimo substancial de repasses federais impediu
a expansão prevista e exigiu o enfrentamento dos impactos do desmonte de
inúmeros programas, serviços e benefícios da rede de proteção social brasileira.
Nesse sentido, a expansão das ofertas em políticas sociais em Minas Gerais
depende de uma recuperação das combalidas contas públicas federais e
estaduais. No âmbito do Estado, este desafio tem sido enfrentado por meio
de inúmeras iniciativas, como o projeto que cria fundos imobiliários a partir
dos imóveis de propriedade do Estado e programa Novo Regularize, que visa
o pagamento de débitos tributários em condições especiais.
No entanto, a estratégia que poderá alterar substancialmente a realidade das
contas públicas mineira é o “encontro de contas” proposto pelo Governo de
Minas ao Governo Federal a partir das perdas da chamada “Lei Kandir”. Isso
porque, desde 1996, quando foi sancionada a Lei Kandir, Minas Gerais e outros
Estados foram impactados pela desoneração de ICMS sobre suas exportações. O
objetivo era garantir mais competitividade dos produtos brasileiros no mercado
externo, mas o ressarcimento aos estados afetados nunca ocorreu nos termos
e volumes de recursos previstos.
Visando corrigir essa falha, Minas Gerais ingressou com ação no Supremo
Tribunal Federal juntamente com outros estados exportadores, como o Pará.
Ambos os estados são grandes exportadores e perderam muitos recursos
durante esse período.
Em ação já julgada no Supremo Tribunal Federal, o Governo Federal deve, até
dezembro de 2017, propor legislação para regularizar a compensação pelas
perdas financeiras. Caso a união não publique essa maneira de repor as perdas
estaduais, a sentença do STF já prevê que a Câmara dos Deputados o faça.
546
Ao propor o encontro de contas, Minas Gerais espera passar de devedora a
credora, cessando imediatamente o pagamento dos cerca de R$ 300 milhões/
mês de sua dívida de R$ 87,2 bilhões com a União. Além disso, considerando o
crédito do Estado com a União, que estima-se ser da ordem de R$ 135,6 bilhões,
Minas Gerais e seus municípios16 passariam a dispor de um volume expressivo
de recursos para investir em políticas sociais e infraestrutura.
Ainda que com dificuldades financeiras, o Estado de Minas Gerais tem mantido
as políticas sociais em curso e realizado obras prioritárias, sendo por meio
do diálogo com a população, o que tem colaborado para o melhor e justo
emprego dos parcos recursos públicos disponíveis. Ainda que o hiato entre o
planejado e o possível – a partir da real situação financeira do Estado – tenha
exigido a adequação orçamentária e financeira, bem como a revisão de metas
e de entregas para a população, foi preservada a diretriz de manter o Estado
funcionando e prestando os serviços e realizando os investimentos, inclusive
em políticas sociais, fundamentais para a população. Na crise, as escolhas
de Minas Gerais têm sido de manter direitos e enfrentar, mesmo que em ritmo
inferior ao esperado, os obstáculos à redução da desigualdade no Estado.
Na próxima sessão, detalhamos as principais políticas sociais no campo da
proteção e promoção social em curso, além das prioridades da gestão e seus
arranjos territoriais. Todas elas sendo implementadas com diálogo e muito
trabalho, para evitar a paralisia do Estado e garantir a atenção necessária aos
direitos das mineiras e dos mineiros.
3. AS POLíTICAS SOCIAIS EM CURSO EM MG
Uma definição conceitual de políticas sociais encontra-se no Dicionário –
Verbete do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente
(GESTRADO), que as concebe como um rol de
intervenções políticas de caráter distributivo, voltadas para assegurar o
exercício dos direitos sociais da cidadania e impulsionar a segurança e
coesão da sociedade por meio do acesso e utilização de benefícios e
serviços sociais considerados como necessários para promover a justiça
social e o bem-estar dos membros da comunidade. (Fleury, Sônia. Políticas
Sociais. Disponível em: <http://www.gestrado.net.br/?pg=dicionarioverbetes&id=327>. Acesso em: 07 ago. 2017.)
16
A compensação financeira beneficia também os municípios, uma vez que
25% dos recursos desonerados são devidos às Prefeituras. Dessa forma, os municípios
poderiam receber, no montante global, cerca de R$ 33 bilhões.
547
Nesse afinamento, as políticas sociais são institucionalizadas pelo seu condão de
cumprir duas funções, quais sejam: 1) engendrar garantia estatal da igualdade
de condições de acesso aos cidadãos (seus beneficiários) e 2) permitir uma
melhor distribuição das riquezas, elevando o padrão de vida das sociedades
(inclusive quando mantidas as condições estruturais de pobreza e desigualdade
social).
Em 2010, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) buscou organizar os
conceitos que nortearam os chamados Eixos Estratégicos do Desenvolvimento,
por meio de um estudo denominado Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.
Foram publicados dez livros em quinze volumes e no volume n°. 10, ao analisar
a institucionalidade da Política Social, se constatou que naquele período
(2010) buscava-se os seguintes objetivos para a política social: a) A Proteção
Social, que almejaria a solidariedade e o seguro social a indivíduos e grupos em
situações de risco social (seguridade social), e; b) Promoção Social que teria
como meta a geração, utilização e fruição das capacidades de indivíduos e
grupos sociais (oportunidades e resultados).
Sintetizou-se a atuação do Governo na política social em torno das seguintes
políticas setoriais: Previdência Social, Saúde, Assistência Social formaram o campo
de ação da Proteção Social; Trabalho e Renda, Educação, Desenvolvimento
Agrário e Cultura compunham a Promoção Social. Habitação e Urbanismo
juntamente com Saneamento Básico integraram as políticas sociais com efeito
sobre a Promoção e a Proteção Social.
As políticas de “defesa de direitos” (Igualdade de Gênero, Igualdade
Racial, Criança e Adolescentes, Juventude e Idosos) foram promovidas,
preferencialmente, pela atuação transversal das políticas setoriais enumeradas.
O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (2016/2027) projeta para as
políticas sociais, especialmente para as ações de proteção e promoção, um
papel de relevância ampliada com abordagem integral e de articulação das
diferentes políticas setoriais. Diz o documento: - “A integralidade da atenção
requer adotar uma perspectiva de proteção que inclua e articule quatro
conjuntos de políticas ligadas ao âmbito da promoção social:
a) garantir assistência social, articulando benefícios/transferências e serviços
no campo da proteção não contributiva, incluindo sistemas de cuidado
para públicos especialmente vulneráveis, como mulheres, pobres, chefes
de família, idosos, crianças e deficientes;
548
b) viabilizar o acesso a serviços públicos de base universal como saúde e
educação, articulado a garantias de atendimento das necessidades dos
segmentos vulneráveis;
c) prover seguridade no âmbito da proteção contributiva;
d) promover uma estrutura de oportunidades robusta, no campo da
regulação dos mercados de trabalho, das políticas de emprego, de renda,
de acesso a crédito e de qualificação profissional.”
A seguir apresentaremos uma síntese dos papeis de alguns órgãos de Estado
e de que forma as ações desses podem estar relacionadas (explícita ou
tacitamente) às políticas sociais do Governo.
O Estado de Minas Gerais possui diversas secretarias e um expressivo rol de
órgãos constitutivos da administração direta e indireta, que desenvolvem
políticas sociais ou criam as condições necessárias para que elas sejam
implantadas. Para fins didáticos e puramente exemplificativos (sem qualquer
pretensão exauriente, mas puramente demonstrativa), alguns desses órgãos
serão descritos e interpretados a seguir como um todo integrado e estruturado
organicamente, que convergem positivamente na direção da realização das
políticas sociais.
A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa),
por exemplo, enquanto responsável pela promoção do desenvolvimento
sustentável da atividade agropecuária de Minas Gerais, tem propiciado avanços
no agronegócio e, concomitantemente, condições de segurança alimentar
e nutricional à sociedade, melhoria da qualidade de vida da população do
campo e redução das desigualdades regionais. Nesse diapasão, a referida
Secretaria desenvolve políticas públicas que transversalmente se interconectam
com as políticas sociais afetas ao mister estatal de fomentar o desenvolvimento
econômico com bases sustentáveis; fomento ao agronegócio e garantia que
esse ramo da economia cumpra o preceito constitucional de atenção à função
social da propriedade; ações que ensejem segurança alimentar e nutricional aos
cidadãos, com aumento da qualidade de vida e, simultaneamente, redução
das desigualdades regionais .
A Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir) promove
a política urbana e o desenvolvimento regional, visando à qualidade de vida
e a sustentabilidade das cidades mineiras. Desenvolve políticas sociais afetas
ao mister estatal de garantir o direito social à moradia, ao cumprimento a
função social da propriedade e o direito a cidade, com vistas ao aumento da
549
qualidade de vida, sustentabilidade ambiental e, simultaneamente, redução
das desigualdades regionais. Merece destaque o papel da Companhia de
Habitação do Estado de Minas Gerais (COHAB MINAS), que para viabilizar a
produção de unidades habitacionais, tem atuado junto à Caixa Econômica
Federal na obtenção de recursos do FGTS, como agente promotor, se
instrumentalizando dos investimentos do Fundo Estadual de Habitação (FEH)
no Programa intitulado: “Nossa Cidade Melhor”, tanto por intermédio de ações
gerais, como a construção de habitação de interesse social, com o objetivo de
viabilizar o acesso à habitação para a população de baixa renda, melhorando
os níveis de pobreza e a condição de vida desse estrato da população; quanto
por meio de ações mais específicas, como o provimento de habitação para
servidores da segurança pública, com o objetivo de viabilizar o financiamento
de unidades habitacionais destinadas às famílias de policiais civis e agentes
penitenciários e socioeducativos, em condições flexíveis e compatíveis com a
realidade e necessidade dos servidores e a concessão de subsídio temporário
para auxílio habitacional, com o objetivo de conceder, em caráter emergencial
e temporário, auxílio habitacional eventual, por meio de provisão suplementar e
provisória às famílias que se encontram em situação habitacional de emergência
e de vulnerabilidade temporária.
A Secretaria de Estado de Cultura (SEC) tem por finalidade planejar, organizar,
dirigir, coordenar, executar, controlar e avaliar as ações setoriais, relativas ao
incentivo, à produção, à valorização e à difusão das manifestações culturais
da sociedade mineira. Trata-se das políticas culturais, que se interconectam
transversalmente com as políticas sociais quando reverberam, por exemplo, na
ampliação do acesso ao conhecimento, ao trabalho e ao desenvolvimento
infantil para os cidadãos de Minas Gerais.
Já a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e
Nordeste de Minas Gerais (Sedinor) promove e coordena programas e projetos
concatenados à políticas sociais com o condão de desenvolver sustentavelmente
e de reduzir as desigualdades entre as regiões dos vales do Jequitinhonha e
Mucuri e do Norte de Minas em relação ao restante do Estado.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (Seda) promove o
desenvolvimento rural sustentável de Minas Gerais, por meio da democratização
do acesso a terra, da inclusão e dinamização produtiva da agricultura
familiar e da promoção à segurança alimentar e nutricional. Desenvolve
intersetorialmente políticas sociais de expressiva relevância, por ensejar aos
seus beneficiários (de forma explícita ou tácita) acesso a recursos (leia-se:
aumento da renda das famílias no campo), ao trabalho, ao conhecimento,
550
melhoria nas condições habitacionais e desenvolvimento infantil. Pode-se
citar, o programa de regularização de terras devolutas rurais do Governo de
Minas Gerais, conduzido pela Seda, em que se prevê ações como o Projeto
intitulado “10envolver”, erigido por intermédio da parceria entre a referida
Secretaria e a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), do
Ministério Público do Estado de Minas Gerais (idealizador do projeto), e tem por
objetivo fomentar a melhoria da qualidade de vida nos municípios do Estado
com o menor índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), por intermédio da
política de reordenamento agrário (leia-se: regularização de terras devolutas).
O Governador de Minas Gerais, em Mensagem enviada à Assembleia Legislativa
do Estado 17, apresentou os resultados relativos a agricultura, pecuária,
abastecimento e desenvolvimento agrário, e destacou a relevância do trabalho
dos técnicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda –,
em parceria com a Emater-MG e com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais,
que atenderam posseiros de Curvelo, Felixlândia e Inimutaba, interessados em
participar do programa estadual de regularização fundiária rural, que estava
paralisado desde 2011. Com os trabalhos nos municípios da região central,
Minas Gerais recadastrou 7 mil famílias e finalizou mais de 8 mil processos, o
que representa, segundo dados da Governadoria, mais de 25% da demanda
reprimida.
Registrou no referido documento que o Governo atual trabalha diuturnamente
para resolver o passivo herdado dos governos anteriores e assim garantir o
direito do acesso a terra às milhares de famílias no campo. Nesse diapasão,
pela primeira vez, o Governo de Minas Gerais está realizando o processo
de arrecadação de terras devolutas (sem registro) para a regularização de
territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais – PCTs. Em Minas Novas, no
Alto Jequitinhonha, a Seda já identificou 1.300 hectares de terras devolutas na
comunidade rural de Córrego Quilombo. Após a análise jurídica, o próximo
passo será o processo de destinação da área aos remanescentes de quilombo.
O Governo de Minas Gerais tem compromisso com o desenvolvimento dos
PCTs. Em parceria, estão sendo conquistados direitos e a cidadania no campo.
Outra intervenção relevante pontuada foi o Portal da Agricultura Familiar,
cujo objetivo é divulgar as ofertas da produção da agricultura familiar e as
demandas das escolas e instituições públicas estaduais. A referida plataforma
digital foi lançada em dezembro de 2016, e tem o intuito de promover cada vez
17
Mensagem nº 151, de 31 de janeiro de 2017. Disponível em <http://planejamento.
mg.gov.br/images/documentos/mensagem_do_governador/Mensagem_do_
Governador_2017.pdf>. Acesso em: 25/08/2017.
551
mais o acesso do segmento aos mercados institucionais. Já estão cadastrados
cerca de 3 mil agricultores familiares e escolas estaduais de todos os 17 Territórios
de Desenvolvimento do Estado. Cumpre registrar que o projeto é decorrente
da parceria da SEE e Seda com a Emater-MG.
Não menos relevante é o fato de já terem sido certificadas, até outubro de
2016, 1.076 propriedades no programa Certifica Minas Café, e outras 1.150
propriedades já estão aptas para receber a referida certificação, com vistas
à inserção dos produtores de café nos mercados nacionais e internacionais,
com produtos certificados e rastreados.
Foram entregues até 2016, em mais de 50 municípios mineiros, 150 kits feiralivre. Cada kit é composto por 10 barracas, 20 jalecos, 60 caixas plásticas
e 2 balanças digitais, e fazem parte do Projeto de Apoio às Feiras Livres da
Agricultura Familiar – Aqui tem Feira! O programa tem como objetivo oferecer
ao agricultor familiar mais infraestrutura para expor e vender suas mercadorias.
Desde a publicação do Decreto nº 46.974, no dia 21 de março de 2016, que
instituiu oficialmente o projeto Plantando o Futuro, conseguiu-se viabilizar, por
meio de convênios e licitações, a produção e o plantio de 6,13 milhões de mudas
de árvores. O montante representa a recuperação de, aproximadamente,
quatro mil hectares, equivalente a 20% da meta estipulada no projeto. O projeto
visa o plantio de 30 milhões de árvores, o que compreende a recuperação
de 40 mil nascentes, 6.000 hectares da mata ciliar e 2.000 hectares de áreas
degradadas, em todos os 17 Territórios de Desenvolvimento de Minas Gerais,
até dezembro de 2018.
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania
(Sedpac) elabora e divulga as diretrizes estaduais de atendimento, promoção
e defesa relativamente às seguintes políticas: participação social; direitos
humanos; juventude; políticas para as mulheres; igualdade racial, que elevam
o Estado de Minas Gerais ao “status” de vanguarda na proteção da cidadania,
da participação social e da dignidade da pessoa humana. A Sedpac tem o
condão de conduzir a sociedade mineira a um elevado patamar de respeito
à dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, parametrizar as ações
do Governo de Minas Gerais de tal forma que a relação jurídica de assimetria
entre o Estado e os indivíduos não engendre violações estatais aos direitos e
garantias individuais e coletivos.
Conforme a Mensagem do Governador N.° 151/2017, citada anteriormente,
em 2016 a Sedpac (na área de proteção social) coordenou o 1º Seminário
do Fórum Interconselhos (que é um espaço que visa o compartilhamento de
552
experiências, vivências e estratégias relativas ao controle social das políticas
pública), com o objetivo de fortalecer a organização do fórum, elencar os
principais desafios à atuação dos colegiados de participação social e construir
estratégias para uma atuação conjunta. Faz-se mister assinalar que desde sua
instalação, um grupo de trabalho atua no mapeamento dos conselhos ativos
e inativos, na identificação das principais características dos colegiados e
na construção de um canal de comunicação para a participação popular.
No mesmo afinamento, criou-se o Conselho Estadual da Juventude – Cejuve
–, por meio da Lei nº 22.414, de 16 de dezembro de 2016, órgão colegiado
de caráter deliberativo, consultivo e propositivo, subordinado à Sedpac, por
meio da Subsecretaria de Juventude. O Cejuve tem por finalidade formular
diretrizes de ações governamentais voltadas para jovens de 15 a 29 anos e foi
estabelecido em substituição ao antigo Conselho Estadual da Juventude. O
referido conselho será composto por 36 conselheiros, sendo 12 representantes
governamentais e seus respectivos suplentes e 24 membros e seus suplentes
representantes de entidades da sociedade civil em atividade há, pelo menos,
um ano no Estado, com atuação na promoção, atendimento, defesa, garantia,
estudos ou pesquisas dos direitos das juventudes. Os mandatos terão duração
de dois anos, sendo possível uma recondução. Por meio do conselho pretendese criar um espaço que vai representar de fato as juventudes, levando em
conta a pluralidade e as características regionais, ampliando a representação
do conselho para além da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Outra ação relevante foi o Prêmio Mineiro de Direitos Humanos – Edição 2016.
A honraria, entregue pelo Governo de Minas Gerais, por meio da Sedpac,
selecionou as ações, projetos e programas executados por órgãos e entidades
da administração pública direta e indireta dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário de âmbito Estadual que se destacaram pela “Mediação de Conflitos
Coletivos e Outras Formas de Prevenção e Solução Pacífica de Conflitos
Coletivos”, tema da premiação.
Nos anos de 2015 a 2017, a efetividade dos princípios e conceitos declarados
pelo PMDI (2016/2027) no âmbito das políticas sociais pode ser explicada a
partir de dois exemplos:
a) no plano político, a decisão estratégica de não alinhamento do Governo
Estadual ao programa de recuperação fiscal proposto pelo Governo federal.
Minas se negou a assinar o acordo com a União para renegociação da
dívida em que as exigências poderiam levar ao colapso das políticas sociais
e do funcionalismo público. A união, entre outros, exigia a privatização de
553
empresas públicas como a empresa mineira de energia elétrica, CEMIG e a
de água, COPASA, além do congelamento do salário dos servidores públicos.
Na ocasião declarou o Governador: “Não vamos fazer ajustes que custe o
colapso dos serviços públicos” e “É como se estivesse faltando comida na sua
casa e você vendesse o fogão”;
b) no plano da governança e gestão pública, toma-se como exemplo o
programa denominado “Estratégia de enfrentamento da pobreza no campo”,
que será detalhada em seção específica e refere-se a um conjunto de
ações coordenadas pela Sedese – Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Social – e a cargo de diversos órgãos, empresas e agências de fomento
do Estado, destinadas à população do campo em situação de pobreza e
vulnerabilidade social.18
Esses dois exemplos e um conjunto de outras ações condutoras da atuação no
âmbito da política social – como as realizadas pela SEDA e Sedpac, apresentadas
nesta seção – mostram a orientação para a estruturação da gestão pautada
pela participação popular, democratização do processo de planejamento e
intensificação no fortalecimento das capacidades e recursos locais.
Uma das principais inovações na “arquitetura” de entregas de políticas sociais
em Minas – além do território e a intersetorialidade – é a implantação dos 17
territórios de desenvolvimento e os Fóruns Regionais.
3.1 - Os Territórios de Desenvolvimento e os Fóruns Regionais
O estado de Minas Gerais congrega diferentes realidades e desafios. Foi a
partir dessa observação, que o Governo de Minas criou por meio Decreto nº
46.774, de 9 de junho de 2015, o conceito de Territórios de Desenvolvimento, a
partir do qual dividiu o Estado em 17 regiões, levando em conta os aspectos
sociais, econômicos, políticos, culturais e geográficos de cada região. Essa
nova classificação tem possibilitado um maior conhecimento da realidade,
bem como interação e colaboração entre os setores de políticas públicas do
Estado.
18
http://social.mg.gov.br/images/stories/banners/estrategia_enfrentamento_
campo.pdf
554
Figura 9 - Territórios de Desenvolvimento de Minas Gerais e os Fóruns Regionais
As características e condições objetivas dos territórios em que as pessoas vivem
são dados importantes para identificar o acesso aos direitos sociais e às políticas
públicas e isso também define a vulnerabilidade das famílias e comunidades.
De acordo com KOGA (2013):
“As estratégias de acessibilidade nem sempre são passíveis de serem
capturadas pelas estatísticas oficiais, calcadas em características
de pessoas e famílias, de forma desconectada das características e
dinâmicas dos lugares onde vivem” (KOGA, 2013).
A autora cita que, ao considerar apenas renda, o resultado de estudos sobre
vulnerabilidade no Brasil foi menor em todas as regiões, utilizando-se dados do
censo 2010.
“A proporcionalidade dos considerados vulneráveis, com base, somente,
no quesito renda, foi sempre menor, em todas as regiões do país (média
de 7,4%), em relação aos considerados vulneráveis com base no quesito
carência social, que atingiu uma média de 36% da população; os
considerados vulneráveis pela combinação entre os quesitos renda e
carência social chegaram a uma média de 22,4%. Foram considerados
não vulneráveis, nesse estudo, apenas 34,2% da população brasileira”
(KOGA, 2013).
Visando fortalecer cada um dos territórios e garantir a presença da população
no planejamento das políticas públicas do estado, o Governo instituiu os Fóruns
Regionais, espaços que reúnem a sociedade civil, representantes dos governos
555
estadual e municipal para debaterem as ações prioritárias para cada Território
de Desenvolvimento.
Dada a prioridade dessa política, foi criada a Secretaria Extraordinária de
Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais – SEEDIF, que coordena e
participa in loco de todas as ações, que têm acompanhamento direto do
próprio governador do estado e seus secretários, presidentes de empresas e
agências e banco de fomento.
Para fomentar a comunicação direta com cada um dos Territórios de
Desenvolvimento, o Governo de Minas criou 17 Colegiados Executivos19, cujos
membros foram eleitos nos Fóruns Regionais.
Apostar na força das políticas sociais e na democracia participativa como
instrumento da promoção do desenvolvimento deixou de ser uma teoria e tem
se constituído em um modelo prático no Governo de Minas Gerais, enfrentando
a dicotomia em que desenvolvimento social e desenvolvimento econômico
se opõem. Se configuram, na verdade, como uma integração importante e
fundamental para o desenvolvimento.
Para o período de 2015/2018 a gestão do Estado está organizada para a
criação de oportunidades que promovam as bases para um desenvolvimento
econômico, social e sustentável.
3.2 – A Assistência Social - O SUAS em Minas Gerais
Conforme apresentado anteriormente, ao longo dos últimos dois anos, o novo
modelo de gestão implementado pelo Governo do Estado vem colocando em
prática a decisão de ouvir os cidadãos, de apoiar os municípios e de discutir,
juntamente com a rede de proteção social, as melhores estratégias para a
proteção socioassistencial daqueles que mais precisam.
A Assistência Social passa a desempenhar um papel central que combina
a execução de suas próprias intervenções, a coordenação, apoio técnico
e financeiro e qualificação das ações dos municípios e de entidades de
atendimento da sociedade civil. Mais do que isto, porém, exige da política mais
ampla de proteção social uma articulação intersetorial, tornando consistentes
19
O Colegiado Executivo eleito em cada um dos 17 territórios é composto por
membros escolhidos entre os pares, representando cada uma das micro-regiões que os
compõem. São eleitos representantes da sociedade civil, de vereadores e prefeitos.
556
e convergentes, em torno de uma concepção e de objetivos e prioridades
comuns, a atuação do Estado em vários âmbitos, setores e órgãos” (pag. 28).
A organização da política de assistência social tem por base a descentralização
política-administrativa, a participação da população e a primazia da
responsabilidade do Estado em sua condução, dada cada esfera de governo
(Art. 5º - Lei 8.742/93 – Loas).
Dessa forma, o enfrentamento dos desafios apresentados pelas situações de
vulnerabilidade e risco social só é possível a partir do esforço conjunto de diversos
atores envolvidos, dos técnicos que atuam no dia a dia dos serviços, programas
e projeto, dos gestores municipais, do sistema de justiça, dos demais órgãos
de proteção, defesa e promoção de direitos, das instâncias de participação,
interlocução e controle social do SUAS, dos usuários dos serviços e de todos
os parceiros que historicamente lutam pela redução das desigualdades, pela
melhoria das condições de vida das populações mais vulneráveis, pela defesa
do SUAS e pelos direitos afiançados pela Constituição Brasileira de 1988.
A Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE), que tem
como missão contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais
no Estado, vem atuando, por meio da gestão descentralizada de suas ações
para construir em Minas Gerais um Sistema Único de Assistência Social cada
vez mais democrático e participativo.
3.2.1 – Proteção Social Básica
A Proteção Social Básica (PSB) integra o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) e é definida, de acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS/1993), como um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios
da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco
social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Nesse sentido, a PSB deve
identificar e agir antecipadamente para que as situações de vulnerabilidade
e/ou desproteção social não acarretem violações de direitos.
Os serviços da PSB, entendidos como ações continuadas para melhoria da
qualidade de vida da população, são:
Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF): consiste no
trabalho social com famílias, prevenindo riscos e vulnerabilidades sociais
e fortalecendo o papel protetivo das famílias;
557
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV): Realizado
em grupos, visa complementar o PAIF, bem como ampliar trocas culturais
e vivenciais, desenvolver sentimento de pertença e de identidade e
incentivar a socialização;
Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com
Deficiência e Idosas: o objetivo é prevenir situações que possam ocasionar
rompimento de vínculos familiares e sociais dos usuários, por meio de uma
atenção especial no próprio ambiente de convivência, o domicílio.
Os programas são definidos como ações que possuem objetivos, tempo e
área de abrangência delimitados e visam qualificar, melhorar e incentivar a
oferta de serviços e benefícios. São exemplos de programas dentro da Proteção
Social Básica:
Programa BPC na Escola: programa de caráter intersetorial que
visa identificar as barreiras que impedem ou dificultam o acesso e a
permanência na escola de crianças e adolescentes (0 a 18 anos), que
recebem o Benefício de Prestação Continuada;
Programa Acessuas Trabalho: tem como finalidade promover o acesso
de usuários da Assistência Social ao mundo do trabalho.
Os benefícios socioassistenciais são provisões destinadas a indivíduos e famílias
em situação de vulnerabilidade, tais como:
Benefício de Prestação Continuada (BPC): garantia de um salário mínimo
ao idoso acima de 65 anos ou à pessoa com deficiência que não possua
condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua
família, cuja renda per capita mensal seja inferior a ¼ do salário mínimo;
Benefícios Eventuais: provisões suplementares e provisórias prestadas aos
cidadãos em função de nascimento, morte, vulnerabilidade temporária
ou calamidade pública;
Benefícios de Transferência de Renda – Bolsa Família: transferência mensal
de renda a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.
A organização e a oferta dos serviços da proteção social básica nos territórios
são realizadas pelos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).
558
A PSB destina-se, portanto, à população que vive em situação de
vulnerabilidade social decorrente de pobreza, fragilização de vínculos (afetivos
e de pertencimento social) e privação de renda, de acesso a serviços públicos,
dentre outros.
A função do Estado dentro da Proteção Social Básica é o apoio técnico
aos municípios. Ele se dá por meio de ações que são caracterizadas por
um conjunto de atividades proativas e reativas, planejadas e realizadas
sistematicamente pela Sedese, englobando a análise de dados do SUAS,
análise de indicadores, definição de ações de apoio, orientações presencias
e à distância, telepresencial, visitas técnicas, reuniões de trabalho, oficinas,
capacitações, dentre outras. Nesse sentido, a Sedese produziu o Caderno
de Orientações: A Prevenção e o Trabalho Social com Famílias na Proteção
Social Básica e tem realizado oficinas regionalizadas de capacitação para os
profissionais de nível superior dos Centros de Referência de Assistência Social
– CRAS.
Além disso, a Diretoria de Benefícios e Transferência de renda, tem prestado
apoio técnico, coordenado e acompanhado, em âmbito estadual os municípios
na gestão do CadÚnico, benefícios eventuais, benefício de prestação
continuada e Programa Bolsa Família, por intermédio de videoconferências,
atendimento interno, visita técnica, atendimento via e-mail e pelo telefone.
Tem promovido, subsidiado e participado de atividades de capacitação,
dentre as quais podemos citar a Capacitação de Gestão do Cadastro único e
Programa Bolsa Família e Capacitação de Formulários. As atividades vão desde
a organização das turmas, mobilização, alocação do local para realização
das capacitações, ministração das aulas, organização de material didático à
certificação.
Em parceria com a Caixa Econômica Federal, a diretoria executa as
Capacitações dos Sistemas: Versão 7 do Cadastro Único e Sistema de Benefício
ao Cidadão-SIBEC, fazendo mobilização e a organização das turmas.
3.2.1.1 - Apoio Técnico e Educação Permanente
O Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social – Sedese, em parceria com a Associação Mineira
de Municípios – AMM – e Fundação João Pinheiro, lançou no ano de 2015 o
Programa Qualifica SUAS, com o objetivo de instituir, de maneira sistemática e
coordenada, ações continuadas de apoio técnico e capacitação, realizadas
para gestores, trabalhadores e conselheiros municipais da política de assistência
559
social. O Programa Qualifica SUAS consolida uma das responsabilidades
fundamentais do ente estadual no Sistema Único de Assistência Social, de prestar
assessoramento e apoio técnico para o fortalecimento da gestão municipal.
O Programa é organizado em quatro eixos: o apoio técnico para aprimoramento
do SUAS; a oferta da capacitação continuada; a estruturação Núcleo de
Educação Permanente e; a estruturação e oferta da Supervisão Técnica,
entediada como uma estratégia da educação permanente.
No eixo apoio técnico, a SEDESE vem desenvolvendo ações para aprimoramento
da gestão orçamentária e financeira do SUAS nos municípios; a melhoraria
da infraestrutura das unidades de oferta de serviços; o fortalecimento do
acompanhamento familiar realizado pelo PAIF; o fortalecimento da oferta
dos serviços de proteção social especial (PAEFI e serviço de acolhimento
institucional) e, o aprimoramento da gestão do Programa Bolsa Família.
Até junho de 2017, 10.479 trabalhadores e conselheiros do Suas, de 829
municípios de Minas Gerais, participaram de ações de apoio técnico promovidas
pela Sedese. Em 2016, a Sedese apoio tecnicamente 10.168 pessoas, de 771
municípios. Esses valores são muito superiores ao total de trabalhadores e
conselheiros apoiados antes da criação do Programa Qualifica SUAS. Em
2015, 1.098 indivíduos dos municípios mineiros participaram de ações de apoio
técnico promovidas pela Sedese.
Figura 10 – N.º de trabalhadores e conselheiros do Suas que participaram de ações de apoio
técnico promovidas pela Sedese até junho de 2017.
560
Na perspectiva da Política Nacional de Educação Permanente (PNEP) do SUAS,
o Programa Qualifica SUAS, organiza a oferta da capacitação continuada em
duas modalidades: o Programa Capacita SUAS e a Supervisão Técnica, bem
como institui o Núcleo Estadual de Educação Permanente do SUAS
O Programa Nacional de Capacitação do SUAS – Capacita SUAS – foi instituído
em 2013, e visa garantir a oferta de formação permanente para qualificar
profissionais do SUAS no provimento dos serviços e benefícios socioassistenciais.
Para tal, ele compreende a definição de diretrizes e matrizes de cursos a nível
nacional e a operacionalização dos cursos pelos governos estaduais em
parceria com Instituições de Ensino Superior, credenciadas na Rede Nacional
de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social – RENEP/SUAS.
Em Minas Gerais a oferta dos cursos se dá de forma descentralizada e
regionalizada buscando a aproximação com os municípios e adesão dos
trabalhadores do SUAS, com previsão de capacitar até 2018, 9.405 trabalhadores,
em cinco cursos ofertados para todos os municípios mineiros: 1) Gestão
Orçamentária e Financeira do SUAS; 2) Atualização sobre Especificidade e
Interfaces da Proteção Social Básica do SUAS; 3) Curso de Atualização em
Vigilância Socioassistencial do SUAS; 4) Introdução ao Exercício do Controle
Social do SUAS e 5) Atualização sobre Reordenamento dos Serviços de
Proteção Social Especial. Os cursos são executados em 21 (vinte um) polos de
capacitação, de acordo com a distribuição geográfica das Diretorias Regionais
da SEDESE. Com a execução dos três primeiros cursos, foram certificados 4.028
profissionais do SUAS em Minas Gerais, até julho de 2017.
Outra inovação importante foi a decisão de incluir nos cursos do Programa
Capacita SUAS, conteúdos específicos de Minas Gerais, buscando adequar
este conteúdos as especificidades do Estado, bem como às prioridades da
Política Estadual de Assistência Social.
O Programa Qualifica SUAS ainda prevê a implantação do Núcleo Estadual de
Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social de Minas Gerais
– NEEP-SUAS/MG que é instância colegiada responsável pelo planejamento
das ações capacitação e educação permanente no âmbito estadual e tem
como objetivos qualificar o planejamento das ações de capacitação, de
forma a garantir seu caráter continuado e permanente e seu alinhamento
com as reais necessidades dos trabalhadores e prioridades pactuadas para o
Estado; propor meios, instrumentos e procedimentos de operacionalização das
diretrizes da Política de Educação Permanente em Minas Gerais e de produção,
sistematização e disseminação de conhecimentos; promover a interlocução
561
e troca constante de conhecimentos com instituições de pesquisa, ensino e
extensão, com foco no aperfeiçoamento das ações de capacitação, apoio
técnico e supervisão técnica; promover a interlocução, diálogo e cooperação
entre os diferentes sujeitos envolvidos na implementação da Política Estadual
de Educação Permanente.
Já a Supervisão Técnica SUAS, conforme estabelece a Resolução CNAS nº 6,
de 13 de abril de 2016, deve ser entendida como um tempo na organização
do trabalho que deve mobilizar gestores e trabalhadores para reflexão e estudo
coletivo acerca de questões relacionadas aos seus processos cotidianos de
trabalho, às suas práticas profissionais, às articulações com o território, na
perspectiva institucional e intersetorial.
É uma estratégia de formação coletiva, que pode ser desenvolvida com
base em diferentes abordagens e técnicas, devendo ser orientada pelas
necessidades da(s) equipe(s) participante(s) e propiciada ampla participação.
Tem como objetivo fornecer subsídios teóricos, metodológicos, técnicos,
operativos e éticos para a construção crítica e criativa de novas alternativas
de intervenção aos trabalhadores do SUAS e elevar a qualidade do provimento
dos serviços, programas, projetos, benefícios socioassistenciais e transferência
de renda e da gestão do Sistema, contribuindo para a ressignificação das
ofertas da Assistência Social e potencializando o pleno cumprimento de suas
funções e seguranças afiançadas, na perspectiva da garantia de direitos.
Em Minas Gerais, faz-se uma
“aposta metodológica na construção coletiva do conhecimento com
os pés no chão enquanto eixo estruturante do desenho da proposta
de supervisão técnica. Nesse contexto, todos os atores envolvidos no
processo de supervisão são igualmente considerados protagonistas dos
saberes a serem partilhados, sejam supervisores, gestores, trabalhadores
do SUAS nas suas diversas atribuições. Entende-se que a supervisão
técnica articula-se com a gestão do SUAS não somente sob a égide da
sua operacionalização, na forma da prestação de serviços por parte
dos seus trabalhadores. Mas, e fundamentalmente, na totalidade que
envolve os processos de gestão, em que os trabalhadores do SUAS (e
não somente os gestores) são considerados igualmente sujeitos a serem
implicados cotidianamente.”20
Os princípios norteadores da supervisão técnica do SUAS em Minas Gerais se
delineiam na busca por uma construção coletiva do conhecimento voltada
20
Dirce Koga – Referencial Teórico e Metodológico para Supervisão Técnica em
Minas Gerais
562
para o reino da liberdade. Para tanto foram destacados cinco princípios: a) o
reconhecimento do território e suas multiescalas em Minas Gerais; b) o respeito
a diversidade sociocultural; c) a centralidade no usuário do SUAS como sujeito
de direito; d) o sentido publico do trabalho da supervisão técnica no SUAS; e)
o dialogo como base da supervisão técnica democrática.
3.2.1.2 - Programa de Aprimoramento da Rede Socioassistencial do Sistema
Único de Assistência Social– Rede Cuidar
No ano de 2015, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social
(SEDESE), no âmbito da Subsecretaria de Assistência Social, iniciou a elaboração
de um diagnóstico acerca da rede socioassistencial em Minas Gerais, a fim de
mapear e identificar as principais ofertas dos serviços de assistência social no
estado. O diagnóstico teve foco nas entidades de assistência social, previstas
no Art. 3º da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) - Lei nº 8.742/1993, pelo
fato de que as ofertas realizadas pela rede não governamental são muito
representativas no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Minas Gerais.
As entidades socioassistenciais têm um papel importante na execução
da Política de Assistência Social no Brasil e na construção do SUAS. Elas se
configuram, historicamente, como grandes parceiras na oferta dos serviços
socioassistenciais aos cidadãos. O Estado de Minas Gerais possui a segunda
maior rede de ofertas de serviços de assistência social do Brasil, entre unidades
de natureza governamental e não governamental. Informações coletadas por
meio do Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (CNEAS) indicam
a existência de aproximadamente 5.478 entidades socioassistenciais no Estado,
entre unidades de atendimento, assessoramento e defesa e garantia de direitos.
Outra importante base de dados sobre as ofertas da rede pública e privada
de atendimento na Assistência Social é o Censo SUAS. De acordo com o
Censo SUAS de 2015, foram registradas 2.118 unidades que ofertam serviços
continuados, entre Unidades de Acolhimento (que ofertam o Serviço de
Acolhimento), Centros de Convivência (que ofertam o Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos) e Centro DIA e similares (que ofertam o Serviço
de Proteção Social Especial para pessoas com deficiência, idosas e suas
famílias). Aproximadamente 77% dessas unidades da rede socioassistencial é
composta por organizações não governamentais (total de 1.631 entidades),
como demonstra a tabela a seguir:
563
Tabela 4 - unidades da rede socioassistencial que ofertam serviços, por tipo e
por natureza da unidade
Unidades de
atendimento
Unidades de
Acolhimento
Centros de
Convivência
Centro Dia e Similares
Total
Total
Natureza da unidade
Não governamentais
Governamentais
924
704 (76%)
220 (24%)
907
644 (71%)
263 (29%)
287
2.118
283 (98,6%)
1.631 (77%)
4 (1,4%)
487 (23%)
Fonte: Censo SUAS 2015 – Minas Gerais
Esse diagnóstico apontou muitas fragilidades, principalmente, nas ofertas
realizadas pelas unidades de acolhimento institucional. A rede de acolhimento
é composta, majoritariamente, por unidades de natureza não governamental.
Os dados do Censo SUAS de 2015 demonstram que 76% da oferta do Serviço
de Acolhimento é feita por unidades da rede privada e que 18% delas não
possuem aporte de recursos financeiros do poder público para a manutenção
desse serviço.
Dada a importância do papel desempenhado pelas entidades socioassistenciais
e as fragilidades e desafios enfrentados por elas, torna-se primordial o apoio do
Estado para a estruturação e o aprimoramento da gestão dessas unidades, a
fim de qualificar os serviços ofertados às pessoas em situação de vulnerabilidade
e risco social.
Nesse sentido foi criado em 2016 o Programa Rede Cuidar, com o objetivo
de apoiar técnica e financeiramente as unidades da rede socioassistencial
(unidades públicas e as entidades de assistência social) que apresentem maior
situação de fragilidade, visando ao aprimoramento de suas ofertas e com
isto incentivar o reordenamento dos serviços prestados, de acordo com as
normativas e consolidar o vínculo SUAS das entidades socioassistencais .
O programa foi concebido por três eixos de atuação:
Eixo I – Diagnóstico e Monitoramento: identificação das principais fragilidades
das unidades que compõem a Rede SUAS e acompanhamento dos resultados
de aprimoramento, promovidos pelas ações do Programa.
Eixo II – Apoio técnico, formação e supervisão: realização de cursos e atividades
de formação, com foco na qualificação dos serviços e na gestão das entidades.
564
Eixo III – Incentivo financeiro ou material: repasse de recursos para realizar
reformas, promover atividades de convivência, bem como aquisição de
equipamentos, mobiliários e/ou bens.
Para que o programa possa se caracterizar como política pública, ter
permanência e, pelo fato de prever repasse de recursos financeiros para as
entidades e organizações da sociedade civil, com mais fragilidades, ele foi
instituído pela Lei Estadual n.º 22.597, de 19 de julho de 2017.
Para o ano de 2017 foi definido, por meio de pactuação na Comissão
Intergestora Bipartite - CIB e deliberação do Conselho Estadual de Assistência
Social - CEAS , que serão elegíveis, na primeira fase do Programa, as unidades
de acolhimento institucional para os públicos crianças e adolescentes, pessoas
idosas e pessoas com deficiência, que atendem um total de 21.237 pessoas no
estado. A priorização das Unidades de Acolhimento levou em consideração,
além do caráter integral do serviço ofertado e das fragilidades apontadas no
Diagnóstico, o fato de que reordenar os serviços de acolhimento segundo as
normativas do SUAS é um dos principais desafios colocados para os estados,
pela PNAS de 2004, pela NOB SUAS de 2012, pelo Pacto de Aprimoramento da
Gestão e pelo Plano Estadual de Regionalização de Proteção Social Especial
de Média e Alta Complexidade.
Nesse sentido, no ano de 2016, foi criado pela SEDESE o Indicador de
Desenvolvimento das Unidades de Acolhimento - ID Acolhimento, no intuito
de ser uma referência para aferir a qualidade das ofertas das unidades de
acolhimento como um parâmetro para o Programa de Rede Cuidar, visando
o reordenamento do serviço de acolhimento institucional em Minas Gerais.
O ID Acolhimento é um indicador sintético dividido em três dimensões: Estrutura
Física, Gestão e Atividades e Recursos Humanos, com diversas variáveis em cada
uma. Como exemplos, em “Estrutura Física” o indicador avalia se a unidade
possui condições de acessibilidade, se têm armários individualizados para os
acolhidos, se o número máximo de pessoas dormindo no mesmo dormitório
respeita as normativas do SUAS, etc. Em “Gestão e atividades”, é verificado
se a unidade faz Plano Individual de Atendimento (PIA) de seus acolhidos, se
possui inscrição no Conselho, se permite visitas de familiares, entre outros. Na
dimensão “Recursos Humanos”, é observado se a unidade possui o número
de cuidadores adequado ao número de acolhidos, se possui coordenador,
assistente social, etc.
565
3.2.2 – Proteção Social Especial
Em 2015, paralelo ao fortalecimento da proteção básica, garantia legal de
cofinanciamento regular e automático para os municípios, de forma republicana
para todos os 853. Iniciou-se um desenho de regionalização dos serviços de
proteção especial no Estado, com definição de competências e um modelo
de gestão compartilhada, que resultou na aprovação pelo Conselho Estadual
de Assistência Social (CEAS) do Plano Estadual de regionalização.
Desde então, inúmeros debates foram realizados nas instâncias de pactuação
e controle social do SUAS, nos colegiados de gestores municipais de assistência
social, nas conferências municipais, regionais e estaduais de assistência social
e nos Fóruns de Governo. Em todos esses encontros, as discussões serviram para
moldar o desenho da regionalização a partir das demandas dos municípios,
considerando o atendimento prioritário às regiões mais vulneráveis do Estado.
Na perspectiva da gestão compartilhada e contando com a participação
dos diversos segmentos sociais e instituições como o Ministério Público, o que
vemos hoje materializado nesta unidade pública estatal é resultado da decisão
tomada pelo Governo do Estado de assumir a organização, a implantação
e a execução direta dos serviços regionalizados de Proteção Social Especial
de Média e Alta Complexidade, conforme previsto na Política Nacional de
Assistência Social – PNAS.
A instituição dos CREAS Regionais – Centro de Referência Especializado da
Assistência Social -, que além dos atendimentos prestados à população vítima
de violação de direitos dos municípios diretamente abrangidos pelo PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e/ ou Individuo
- corresponde à comarca do judiciário em que o equipamento está sediado.
Também assumiram um papel de articulação na região, servindo de lócus da
proteção social especial no Território de abrangência.
Pode-se definir um território a partir de um conjunto de características que
constrói identidade entre frações de espaço. Essas características não se limitam
aos aspectos naturais, mas, acima de tudo, consideram suas dimensões culturais,
econômicas e políticas. Os territórios se diferem de acordo com suas trajetórias
históricas e com as dinâmicas que neles ocorrem e por eles são determinadas.
Nessa concepção, o território ultrapassa a questão puramente geográfica e
há, em cada um deles, a necessidade de identificação das áreas e famílias mais
vulneráveis, com baixa oferta de serviços e alta incidência de vulnerabilidades.
Nesse sentido, ganha cada vez mais importância a discussão sobre a delimitação
566
dessas áreas para além dos limites geográficos e que sejam foco de políticas
públicas direcionadas à superação de situações de risco social.
A expressão “Territórios de Proteção Social” informa a noção de território
compreendido como esse “conjunto de relações, condições e acessos”
associado à proteção social. A ampliação da oferta dos serviços da PSE deverá
estar articulada à “delimitação de regiões de alta vulnerabilidade social e à
implementação dos Territórios Regionais de Proteção Social”. Portanto, nessa
proposta o conceito de vulnerabilidade corresponde, por um lado, à exposição
ao risco (condições adversas de sobrevivência) e, por outro lado, à capacidade
de enfrentamento ao risco, o que inclui o acesso às políticas públicas (BRONZO,
2009; MINAS GERAIS, 2015).
Além disso, a organização das ofertas de proteção social especial, seja a partir
das delimitações já existentes, como é o caso dos Territórios de Desenvolvimento,
ou da identificação de Territórios de Proteção Social, devem considerar a
necessidade de estreita relação com o Sistema de Justiça e, consequentemente,
com as circunscrições judiciárias organizadas por meio das comarcas.
Portanto, nos territórios, a cooperação federativa, a gestão compartilhada
e a articulação têm papel fundamental, principalmente quando tratamos da
oferta de serviços especializados do SUAS. Com relação ao atendimento aos
jovens em conflito com a lei, os desafios que se apresentam ultrapassam limites
municipais, exigindo, assim, um esforço conjunto de gestores municipais, do
órgão gestor estadual, dos técnicos de referência dos serviços municipais e
regionais, dos atores da rede de proteção regional, de representantes de outras
políticas setoriais e do sistema de garantia de direitos, dentre outros.
3.3 - As ações voltadas para o mundo do trabalho e a empregabilidade
A palavra TRABALHO deriva do latim “tripaliare”, que significa torturar.
Inicialmente vinculado à ideia de sofrer ou esforçar deu lugar a compreensão
de trabalhar e agir. O trabalho no sentido econômico é entendido como
toda atividade desenvolvida pelo homem sobre uma matéria prima com a
finalidade de produzir bens e serviços. Assim, o trabalho tem centralidade na
vida das pessoas e de uma sociedade, pois representa um valor importante
nas sociedades ocidentais contemporâneas. O trabalho faz parte da historia
do homem, pois por meio dele as sociedades se organizam, desenvolvem,
relacionam e criam as condições de sobrevivência e vivencia social. As relações
de trabalho e as formas de organização dos trabalhadores estão ligadas com
as transformações da produção e do mercado.
567
3.3.1 – Mercado de Trabalho e Mundo do Trabalho
O conceito de mercado de trabalho de acordo com a enciclopédia livre
“associa aqueles que oferecem força de trabalho àqueles que a procuram,
em um sistema típico de mercado onde se negocia a fim de determinar os
preços e as quantidades a transacionar”.
A expressão Mundo do trabalho passou a ser utilizada mais recentemente
para caracterizar, de forma mais genérica, qualquer ocupação remunerada
do indivíduo, que envolva realização de atividades materiais, produtivas e os
processos sociais inerentes à realização de um trabalho. Portanto, a inclusão
no mundo do trabalho diz respeito a uma compreensão que o trabalho é
estruturador de identidades, promotor de sociabilidade e do pertencimento
social, constituindo o sujeito em sua totalidade.
3.3.2 – Economia Popular Solidaria
Conjunturas de altas taxas de desemprego exigem dos governos uma atuação
que considere todas as possibilidades de geração de renda, para além do
mercado de trabalho.
A Economia Solidária, a partir dos anos 80, ganha expressão e visibilidade no
Brasil expressando o agir coletivo e solidário, a organização e conscientização
sobre o consumo responsável, fortalecendo relações entre campo/cidade e
produtores/ consumidores. Portanto, garante trabalho digno e renda às famílias
envolvidas, dinamizando economias locais, além de promover a preservação
ambiental, iniciativas de projetos produtivos coletivos, cooperativas populares
de serviços, de agricultura familiar e agroecologia, de coleta e reciclagem
de materiais recicláveis, redes de produção, comercialização e consumo,
instituições financeiras voltadas para empreendimentos populares solidários e
autogestionários.
3.3.2.1 - Resultados da prática da Economia Popular Solidária em Minas Gerais
O atual governo de Minas Gerais com a Política Estadual de Fomento à Economia
Popular Solidária, instituída pela Lei Estadual nº 15.028/2004 e regulamentada
pelo Decreto nº 44.898/2008, busca valorizar socialmente o trabalho humano,
promovendo assim a proteção social para reduzir desigualdades e a inclusão
socioprodutiva das pessoas por meio da ação integrada das políticas de
Trabalho e Assistência Social.
568
Na Política Pública do Trabalho e Emprego a opção da Sedese foi estruturar
duas unidades distintas: uma responsável pelo fortalecimento do atendimento
ao trabalhador (gerenciamento das unidades do Sistema Nacional de EmpregoSINE, desenvolvimento de metodologias para identificar oportunidades de
empregos no Estado, produção de dados do mercado de trabalho...) e
outra que busca fortalecer o empreendedorismo e economia popular
solidária incentivando, acompanhando, assessorando e financiando novos
tipos de arranjos produtivos auto gestionários e solidários, a saber: agricultura
familiar, cooperativas e pequenos produtores individuais, destacando ações
para populações específicas: comunidades tradicionais e povos indígenas,
ribeirinhos, catadores de materiais recicláveis, famílias em acampamentos e
pré-assentamentos de reforma agrária dentre outros.
Diante disso, é possível afirmar que a consolidação da Política de Economia
Popular Solidária traz em seu escopo as seguintes ações:
Estruturação e Financiamento Solidário de Unidades Produtivas.
Assessoramento para autogestão e formação continuada para os
empreendimentos e empreendedores;
Estruturação e Manutenção de Espaços para Comercialização dos
Produtos.
Inclusão Socioprodutiva dos Públicos vulneráveis e em situação de
pobreza rural;
Fortalecimento dos Conselhos de Trabalho e Economia Solidária.
Essas ações tem um alcance social muito importante, na medida em que
já alcançaram diretamente: 4.000 mil famílias nos acampamentos e préassentamentos da reforma agrária no Estado, 51 empreendimentos econômicos
solidários de comunidades tradicionais com assessoria de gestão para negócios,
formação continuada para comercialização e qualificação da produção.
Investimentos em incubação de 12 empreendimentos quilombolas, apoio
técnico e de equipamentos para os munícipios organizarem cooperativas dos
catadores e catadoras de material reciclável, com implantação de coleta
seletiva e organização de cooperativas solidárias por meio da criação dos
fóruns municipais intitulados Lixo e Cidadania.
Além de apoiar as finanças solidárias, com destinação financeira para a
ação de estruturação de unidades produtivas que tem como meta para 2017
o apoio a 100 Empreendimentos de Economia Solidária, com a criação de
569
Fundos Rotativos Solidários, contribuindo para o crescimento da organização
e a elevação da produção dos empreendimentos.
Constituem-se, também, como importantes resultados das iniciativas estaduais
da economia popular solidária a implementação e estruturação de espaços
de comercialização, a exemplo de realização de feiras regionais e estadual e
pontos fixos de comercialização (lojas e/ou feiras itinerantes).
As Feiras de Economia Popular Solidária realizadas em 2016, com participação
de 849 empreendimentos, de 126 municípios diferentes, atraíram um público em
torno de 42 mil pessoas em visitação as Feiras Regionais realizadas pela SEDESE
no interior mineiro. Por ocasião das feiras, a SEDESE entregou (11) onze kits, com
30 barracas cada um, possibilitando para a criação/manutenção de pontos
fixos nos diferentes municípios do Estado, contribuindo para dar visibilidade
à economia popular solidaria, bem como contribuir com o escoamento dos
produtos locais.
3.3.2.2 - Cenário da Economia Solidária em Minas Gerais
Segundo dados de Minas Gerais relativos ao ano 2016 no Cadastro Nacional
da Economia Solidária – CADSOL –, há no Estado 1588 empreendimentos
econômicos solidários e 13 Fóruns Regionais compostos por representação da
sociedade civil.
Atualmente em Minas Gerais existem 348 cooperativas, 7.940 empreendedores
individuais e 414 produtores na agricultura familiar, todos trabalhando na lógica
da Economia Popular Solidária.
Figura 11 – Distribuição empreendimentos da economia popular solidária por
área de atuação
570
Tabela 5 - distribuição empreendimentos da economia popular solidária
por área de atuação
Rede
Total de Empreendimentos de
Economia Solidária
Agricultura Familiar
459
Alimentação
206
Artesanato
623
Catadores de Materiais Recicláveis
51
Confecção
63
Cosméticos
4
Bancos Solidários
1
Cultura
14
Serviços
79
Trocas
1
A construção e implementação de uma política pública que organize bases
para uma economia solidária forte, exige ação integrada e diálogo permanente.
O atual Governo estadual implementa os princípios da gestão descentralizada e
participativa, realizando de forma continuada oficinas temáticas nos municípios
para apoiar a criação e o pleno funcionamento dos Conselhos de Trabalho
Emprego e Renda e de Economia Popular Solidaria.
Em 2015, em articulação com o Fórum de economia solidária, foi elaborado
pelos empreendedores solidários, gestores públicos e entidades de apoio e
fomento, o Plano Estadual de Desenvolvimento da Economia Popular Solidária,
que prevê ações nos seguintes eixos: 1 - conhecimento, educação, formação
e assessoramento; 2 - Produção, comercialização e consumo sustentáveis;
3 - Financiamento, crédito e finanças solidárias; 4 - Ambiente institucional,
legislação e integração de políticas públicas.
3.3.2.3 - O papel das mulheres na Economia Popular Solidária
Um processo de organização coletiva como este, pode transformar o papel
das mulheres na sociedade, contribuindo para a superação das diferenças de
gênero, especialmente porque preconiza a democracia, a solidariedade, a
cooperação e a igualdade de direitos entre seus membros no processo decisório.
Propicia também às mulheres espaços para discussões e reinvindicações pela
571
criação de políticas públicas de gênero, contribuindo para mudanças sociais
que lhes sejam favoráveis, incluindo acesso ao crédito e a outras políticas
de emancipação financeira. Em Minas gerais, 57% dos empreendimentos
de economia popular solidária são conduzidos por mulheres, o que as torna
geradoras de renda e proprietárias de meios de produção, sendo também
forma de enfrentamento e contraponto à exploração do capital.
3.3.3 – Sistema de Emprego: a busca ativa
Atualmente o contexto do mercado de trabalho no nível nacional e estadual
caracteriza-se por desaceleração, provocada pela redução do crescimento
do Produto Interno Bruto – PIB – e recessão econômica, consequência de um
processo global de redução da atividade econômica iniciado com a crise
internacional de 2008. O alto índice de instabilidade política no âmbito nacional,
agravado pelo cenário pós-impeachment de grande especulação em torno
da aprovação das reformas trabalhista, previdenciária e tributária, é outro
fator que incide fortemente nos índices de emprego e desemprego, estando
diretamente associada ao grau de confiabilidade dos investidores e empresários
em investir no crescimento do mercado econômico e consequentemente no
mercado de trabalho.
Mesmo nessa conjuntura, existem áreas específicas com potencial de geração
de emprego de acordo com o contexto econômico e social local. Pensando
nisso, foi criado o Projeto Busca Ativa, desenvolvido pelo Governo de Minas
Gerais, por meio da Secretaria e Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) e
da Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que visa ampliar a oferta
de vagas de emprego nas unidades do Sistema Nacional de Emprego (SINE)/
Unidade de Atendimento Integrado (UAI).
O objetivo do projeto é identificar as empresas com maior potencial de
contratação e articular a disponibilidade dessas vagas na rede estadual do SINE.
Essa busca é feita por meio do cruzamento de informações de diferentes bancos
de dados, como o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)
e dados cadastrais das pessoas jurídicas contribuintes do ICMS em Minas Gerais.
A análise dessas informações é fundamental para identificação dos nichos de
emprego (setores econômicos em que mais se contrata). O projeto é apoiado
pela Secretaria de Estado da Fazenda, responsável por repassar os dados
cadastrais das pessoas jurídicas contribuintes do ICMS.
A identificação dos nichos de emprego é facilitada por meio do processamento
dos dados e formulação de boletins mensais, com relação de empresas, que são
572
repassados às regionais da Sedese e às 133 unidades do SINE’s/UAI’s distribuídas
em 100 municípios do Estado de Minas Gerias.
Tabela 5 - quantidade de municípios que possuem agência do SINE e do UAI no
estado de Minas Gerais, por território de desenvolvimento.
TERRITÓRIO
SINE
UAI
Total
Alto Jequitinhonha
3
0
3
Caparaó
1
1
2
Central
2
1
3
Mata
4
2
6
Médio e Baixo Jequitinhonha
2
1
3
Metropolitana
24
3
27
Mucuri
1
1
2
Noroeste
3
2
5
Norte
15
1
16
Oeste
15
1
16
Sudoeste
3
1
4
Sul
9
4
13
Triângulo Norte
6
1
7
Triângulo Sul
5
1
6
Vale do Aço
2
2
4
Vale do Rio Doce
1
1
2
Vertentes
4
2
6
100
25
125
MINAS GERAIS
Esse boletim mensal repassado às unidades apresenta um breve panorama
do mercado de trabalho, referente aos últimos três meses disponíveis. A partir
do referido boletim, a Sedese aponta as oportunidades de trabalho existentes.
Com o boletim em mãos, a unidade é encarregada de promover visitas aos
empregadores do município e da região, a fim de potencializar a captação
de vagas na unidade.
Os empresários enxergam nessa ação uma oportunidade de fazer economia no
processo de seleção de seus empregados, recebendo candidatos selecionados
no cadastro com perfis pré-estabelecidos na ordem de três a cinco candidatos
por vaga disponível.
Utilizando o Busca Ativa, as unidades do SINE ou da UAI aumentam a proximidade
com os empregadores e o banco de vagas de emprego. O SINE assume o
importante papel de intermediador de mão de obra. Com isso, aumentam-se
as oportunidades e as chances de obtenção de vagas para os trabalhadores.
573
É mais uma estratégia intersetorial – Desenvolvimento Social, Planejamento e
Fazenda – que possibilita melhor entrega de serviço público à população.
O busca ativa ganhou em dezembro de 2016 o Prêmio Inova do Governo do
Estado de Minas Gerais, na categoria “Ideias Inovadoras Implementáveis”, sendo
considerados o seu caráter inovador, intersetorial e os resultados apresentados.
3.3.4 – Educação Profissional
Considerando o já aludido contexto de crises econômica e política instaladas
no País, que ocasionaram redução expressiva de postos de trabalho em todo
território nacional, e a suspensão do Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Tecnológico (Pronatec) no ano de 2016, a Educação Profissional em
Minas Gerais tem experimentado diversos desafios. O Pronatec foi responsável
pelo maior volume de recursos no Estado de Minas Gerais para qualificação
social e profissional, no período de 2012 – 2015 (Governo Dilma Roussef, na
esfera Federal).
A proteção social, conforme estabelecido no Plano Mineiro de Desenvolvimento
Integrado (PMDI 2016-2027), torna-se uma estratégia prioritária para o atual
Governo ao estabelecer diretrizes de integração entre as ações de assistência
social e do trabalho em relação a públicos prioritários, como jovens de 15 a 29
anos em situação de vulnerabilidade nos centros urbanos; população trans;
população rural em extrema pobreza; entre outros. Dessa forma, mesmo em
um contexto desfavorável, vários esforços para ampliar as oportunidades de
empregabilidade e geração de renda estão sendo realizados, como o uso de
recursos próprios estaduais para a Qualificação Social e Profissional.
Em consonância com as discussões no âmbito da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), a Qualificação Social Profissional é definida como uma
construção social que “permite a inserção e atuação cidadã no mundo do
trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas (PNQ, p.24,
2003)”. De acordo com Alaniz (2007), uma sociedade que se formasse por um
tipo de sociabilidade mais democrática e igualitária, as relações de produção e
o uso de tecnologia também seriam desenvolvidas de forma mais comunitária.
Assim, o termo “qualificação social” não se refere apenas a cidadania por meio
da inclusão produtiva, mas também a promoção de uma visão coletiva e de
solidariedade no mundo de trabalho.
Integrantes da Qualificação Social e Profissional, os cursos da modalidade de
Formação Inicial Continuada (FIC), que possuem carga horária aproximada
de 160 a 400 horas, sendo esta qualificação mais apropriada aos públicos
574
com menor elevação de escolaridade e em situação de vulnerabilidade,
considerando serem adaptáveis a públicos específicos, como por exemplo,
comunidade quilombola e indígenas. No ano de 2017 estão sendo executadas
pela Sedese duas turmas do curso pioneiro de Organizador de Eventos, com
total de 40 vagas exclusivas para a população transexual, conforme demanda
realizada nas audiências dos Fóruns Regionais de Governo em 2015. Outras
1.620 vagas estão sendo ofertadas em mais de 26 municípios.
Devido à crise fiscal, a Sedese tem adotado também iniciativas de baixo custo,
realizadas por meio de parcerias institucionais e com agentes civis e públicos
para capacitações estratégicas e metodológicas de funcionários dos Sine’s
(Sistema Nacional de Emprego) e de Prefeituras, como o curso de Competências
Profissionais e Sociais, que tem o objetivo de promover e fomentar qualificações,
palestras e oficinas para o público prioritariamente jovem, em diversas regiões
do Estado. Até o momento foram inscritos mais de 330 cidadãos e há meta
estabelecida de qualificar mais de 1.000 pessoas em 2017.
Dessa forma, o Estado por meio de articulação e ações inovadoras busca
alternativas para a qualificação e capacitação dos cidadãos trabalhadores.
Atualmente, Minas Gerais – por meio de um grupo intersetorial – objetiva
desenvolver uma política estadual de educação profissional em rede.
Inicialmente provocada pela Sedese, o grupo se fortaleceu com a participação
da Secretaria de Ciências, Tecnologia e Ensino Superior e a Secretaria de
Educação. No 1º Seminário de Educação Profissional e Tecnológica, realizado
em 26 e 27 de outubro de 2016, voltado para gestores públicos, que reuniu mais
de 12 secretarias estaduais e órgãos demandantes e ofertantes de qualificação
profissional, tomou-se a decisão de criar uma rede estadual de educação
profissional. Em 22 de junho de 2017, foi publicada a Resolução SEE N.° 3.435/17
que instituiu a Rede Estadual de Educação Profissional – REDE, coordenada pela
Secretaria de Educação, configurando-se como marco legal e histórico para
o desenvolvimento e fortalecimento de uma nova política estadual.
3.4 – Juventudes – Cooperação para Promoção da Autonomia Jovem
Um dos maiores desafios para as políticas sociais no Brasil, hoje, são as voltadas
para a juventude. Os aspectos peculiares dessa faixa etária exigem criatividade,
escuta qualificada e partilha de decisões ainda maiores para responder às
necessidade e anseios desse público.
575
A estratégia de governo proposta no Plano Mineiro de Desenvolvimento
Integrado (PMDI) para o período 2016-2028 estabelece como objetivo reduzir
as desigualdades regionais, visando o desenvolvimento econômico e social
sustentável. Nesta perspectiva, em consonância com as diretrizes do governo, a
Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) definiu em
seu planejamento estratégico 2015-2019, dentre outras, a seguinte prioridade:
promover a inclusão social de jovens em situação de vulnerabilidade social
em centros urbanos e reduzir sua vitimização.
Conforme dados apurados no Censo 2010 do IBGE, a população jovem
com idade de 15 a 29 anos constitui 27% da população total no Brasil. Esta
porcentagem representa mais de 51 milhões de cidadãos. Em Minas Gerais,
ainda segundo os dados do Censo 2010,os jovens de 15 a 29 anos representam
26,3% da população total do Estado, mais de 5 milhões em números absolutos.
A taxa de homicídios para a faixa etária de 15 a 29 anos registrada em 12,49
em 1996, passou para 46,80 em 2015, conforme dados do Atlas da Violência.
Nesse cenário, tornou-se necessária a elaboração de uma intervenção que
considerasse a juventude como público prioritário, dado que:
O drama da juventude perdida possui duas faces. De um lado a perda de vidas
humanas e do outro lado a falta de oportunidades educacionais e laborais que
condenam os jovens a uma vida de restrição material e de anomia social, que
terminam por impulsionar a criminalidade violenta. (ATLAS DA VIOLêNCIA, p.28)
Como resposta, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social
de Minas Gerais propôs o Programa Juventudes em 2016, que visa contribuir
para a emancipação, a autonomia e a inclusão social e produtiva de jovens em
situação de vulnerabilidade e risco social residentes em municípios do Estado
de Minas Gerais. Este programa tem como objetivos específicos: a) fomentar a
cooperação intergovernamental e intersetorial visando favorecer a promoção
dos direitos das/os jovens; b) aprimorar e ampliar a oferta de ações e serviços
de promoção e proteção voltados para jovens; c) incentivar a participação
social, política e cultural de jovens.
Para a seleção dos territórios de atuação prioritária do Programa, a Secretaria
de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social contou com a parceria
da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SESP e, utilizando-se de um
método de análise multivariada, foram identificados e delimitados os territórios
vulneráveis onde ele atuaria em 2017. As variáveis que compuseram a análise
foram selecionadas após extensas discussões entre a equipe da Sedese, SESP
e Fundação João Pinheiro e os dados utilizados foram retirados do Censo 2010
576
do IBGE e do Armazém de Informações do Registro de Eventos de Defesa Social
– REDS. Após a definição dos 9 primeiros territórios prioritários de intervenção,
a metodologia de seleção das áreas foi absorvida pela equipe da Sedese e a
Diretoria de Monitoramento e Avaliação de Programas Especiais passou a ser
a unidade responsável pela realização do processo.
Após a definição dos territórios prioritários, foi realizado um diagnóstico das
regiões com foco na população jovem, de 15 a 29 anos, em situação de
vulnerabilidade social. Neste diagnóstico, utilizando-se de dados secundários,
a Fundação João Pinheiro compila os seguintes dados sobre os territórios de
atuação do Juventudes: perfil sociodemográfico; perfil demográfico dos jovens
cadastrados no Cadúnico; habitação e condições de moradia; educação;
trabalho em renda; ocupação e vulnerabilidade; renda domiciliar per capita;
saúde; mortalidade; morbidade; AIDS; gravidez na adolescência; deficiência;
acesso e utilização dos serviços de saúde; comportamentos preventivos e de
risco; exposição à violência; dinâmicas locais de violência e criminalidade;
homicídios; violência contra a pessoa; violência sexual; proteção social; redes
de serviços e equipamentos de utilidade pública. Para validação dos dados, a
equipe da Diretoria de Programas para População de Vilas e Favelas, responsável
pela execução do Programa Juventudes na Sedese juntamente com a equipe
de pesquisadores da Fundação João Pinheiro envolvida na elaboração do
diagnóstico convidou os representantes de serviços locais, lideranças locais,
movimentos e coletivos jovens para comparecer a uma reunião onde os
resultados de cada território foram apresentados e discutidos. Os elementos
colhidos nestas reuniões foram somados à versão final dos diagnósticos para
auxiliar no aperfeiçoamento do desenho do programa.
Cabe destacar que a oitiva dos anseios e necessidades dos jovens constitui
um dos princípios sob o qual o Programa Juventudes se desenvolve. Por
meio da articulação da equipe da Sedese com as chamadas “redes locais”,
compostas pelos representantes dos serviços locais, das lideranças locais,
dos coletivos e lideranças jovens, o projeto foi apresentado para discussão
ampla nos próprios territórios de atuação. Esse processo culminou em um
amadurecimento do desenho da qualificação profissional e uma ação de
entrevista aos empreendimentos locais para apreensão da vocação do território
para alinhamento das ofertas de cursos de qualificação às necessidades
percebidas no mercado. Ouvir os jovens e a população local para planejar,
executar, monitorar e aperfeiçoar a política é o principal diferencial do
Programa Juventudes, movimento que não só possibilita maior transparência,
mas também enriquece sobremaneira, visto que a realidade e necessidade
577
locais não podem ser apreendidas apenas pela coleta de dados e indicadores,
mas pela interação com os jovens, o próprio ambiente e o conhecimento das
relações que ali se desenvolvem.
Em função do grave cenário de crise financeira do Estado de Minas Gerais,
a escala necessária à magnitude da intervenção restou comprometida. No
entanto, a elaboração cuidadosa e a preocupação com a coleta de dados
durante a elaboração e implementação do Programa buscam permitir a
possibilidade de replicação e aperfeiçoamento do modelo não só em Minas
Gerais como em outros locais.
O Programa Juventudes está focalizado em jovens de 15 a 29 anos em situação de
vulnerabilidade residentes em territórios intraurbanos. Esses territórios constituem
vilas e favelas contíguas com taxas elevadas de homicídios, jovens que não
estudam e não trabalham e exposição à pobreza. Na atuação nesses territórios,
o Programa tem como diretriz o diálogo com as instituições ali existentes: CRAS,
CREAS, Escolas, programas de prevenção, ONGs e lideranças locais, além dos
órgãos municipais, secretarias municipais de assistência social e de trabalho
e emprego, dentre outras. Como descrito anteriormente, o envolvimento dos
jovens em todas as etapas do processo também é de fundamental importância,
constituindo um dos princípios e diferencial do Programa. Na composição das
redes, os jovens são representados por lideranças de movimentos e coletivos
jovens, enquanto na realização dos cursos de qualificação profissional, são
envolvidos os próprios jovens que participam dos cursos.
Em 2017, o programa Juventudes atua em 10 territórios intraurbanos, distribuídos
nos seguintes municípios: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves
e Passos. Os territórios intraurbanos foram selecionados com base em dados
de homicídios consumados para a faixa etária foco do programa, retirados
do Armazém de Informações do Registro de Eventos de Defesa Social – REDS.
Além disso, utilizando dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE, foram
considerados o número de jovens expostos à violência, locais onde foram
encontradas as maiores taxas de jovens em domicílios pobres e de jovens
analfabetos. Para 2018, pretende-se expandir o Programa, atuando em 12
territórios de desenvolvimento em 15 municípios e 20 regiões intraurbanas. O
Programa Juventudes é desenvolvido pela Secretaria de Estado de Trabalho
e Desenvolvimento Social em parceria principalmente com a Secretaria de
Estado de Educação, contando também com a articulação com as prefeituras
dos municípios atendidos e os diversos atores localizados nos territórios alvo da
intervenção. A parceria com a SEE visa retorno dos jovens à escola e a oferta
de uma retaguarda aos diretores, professores e comunidade escolar.
578
Atualmente, o Programa conta com dois projetos em execução: Projeto
Trampos e Projeto Mosaicos.
O Projeto Trampos - Promoção Inclusiva de Jovens tem como objetivo garantir
o direito dos jovens à profissionalização, ao trabalho e à renda, a ser exercido
em condições de liberdade e segurança. Os cursos de qualificação profissional
ofertados pelo projeto priorizam a inscrição de jovens que não trabalham e
não estudam, que estejam em cumprimento de medida socioeducativa, em
situação de violação de direitos e dificuldade de adaptação na escola.
O grande potencial deste projeto de qualificação profissional de jovens, reside
na metodologia utilizada para a sua realização. Primeiro, para identificação
dos jovens a serem qualificados, conta-se com os encaminhamentos das
instituições existentes no local, as quais compõem uma rede em constante
diálogo com a equipe responsável pela execução do projeto. As vagas
restantes são disponibilizadas para livre inscrição, condicionadas apenas ao
requisito de idade e residência no território. Essa estratégia visa atrair jovens
que não estudam nem trabalham para a construção de possibilidades de
retorno à escola e construção de projetos de vida. Em segundo lugar, buscase criar e ofertar aos jovens moradores das regiões priorizadas possibilidades
de profissionalização e empreendedorismo em articulação com dimensões
territoriais e sua condição juvenil, algo que se concretiza por meio de
mapeamentos e diagnósticos efetuados por mobilizadores, selecionados por
sua experiência de atuação nos territórios do Juventudes, em projetos sociais
ou políticas públicas que tenham como público adolescentes e jovens, assim
como oficinas de orientação profissional. As oficinas têm como objetivo guiar o
processo de escolha dos jovens para o curso mais adaptado aos seus anseios
e necessidades, respeitando um dos princípios do programa que consiste no
estímulo ao protagonismo juvenil (ver Anexo I.12 - Verbete Protagonismo Juvenil
no contexto do Programa Juventudes).
Por fim, a definição de oferta de cursos se dá com base na escuta dos jovens,
empreendedores e estabelecimentos locais, buscando captar possíveis
vocações territoriais. Em 2017, 1220 jovens foram atendidos pelo Projeto Trampos,
participando de oficinas de orientação profissional e empreendedorismo,
assim como cursos de Confeitaria, Organização de Eventos, Assistente de
Produção Cultural, Analista de Redes Sociais e Mídias Digitais, Desenvolvedor de
Aplicativos para Dispositivos Móveis, Editor de Projeto Visual Gráfico, e Mecânico
de Motocicleta, todos escolhidos para os jovens. Esse aspecto impactou em
uma baixa evasão dos cursos de qualificação uma vez que os cursos atendem
às expectativas dos jovens residentes nos territórios da região metropolitana de
579
Belo Horizonte, além da influência exercida pela qualidade do curso ofertado,
traduzida no cuidado da equipe com a seleção do professor, a determinação
do conteúdo como integração entre prática e teoria, elaboração de matérias
e seleção de locais adequados, assim como escolha de uma metodologia
de ensino que busca dar voz ao jovem, promovendo um espaço de troca de
conhecimentos e exercício da criatividade dentro das temáticas ministradas.
Os cursos de curta duração buscam atender à necessidade de qualificação
célere para geração de renda aos jovens, havendo um momento prévio de
capacitação dos professores e instituições de ensino envolvidos no projeto
para promoção de um ambiente e metodologia de ensino compatíveis com
os objetivos do programa e necessidades do público jovem e vulnerável que
ele pretende alcançar. Em 2018, o projeto pretende continuar atendendo aos
jovens residentes nos territórios intraurbanos selecionados nos municípios de Belo
Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves e Passos, mas também expandir
para mais 10 regiões em 10 municípios, alcançando a meta de atendimento
a mais de 7000 jovens. Cabe destacar que durante a realização dos cursos
foram mapeados os jovens com intenção de empreender e os que desejavam
colocação no mercado de trabalho. Isso foi feito com o propósito de permitir,
em momento posterior, a promoção de estratégias de inclusão produtiva que
respeitem a trajetória individual dos jovens.
O Projeto Mosaicos – Promoção para Interlocução entre Estado e Juventudes,
cuja etapa de planejamento realizou-se em 2017, pretende tornar os serviços
sócio assistenciais mais acessíveis ao público jovem utilizando-se de uma
modalidade de formação denominada “supervisão técnica” dos trabalhadores
do SUAS inseridos nos territórios de vulnerabilidade selecionados pelo Programa
Juventudes. Esse projeto busca aproximar o público jovem dos serviços sócio
assistenciais, dada a percepção errônea – mas difundida – de que esses
seriam exclusivamente dedicados ao atendimento de crianças e idosos, fato
que constitui barreira ao acesso dos serviços citados por parte dessa parcela
da população. Por meio da supervisão técnica serão desenvolvidos métodos
e orientações replicáveis, para aprimorar a oferta desses serviços aos jovens
nos territórios. Este processo de supervisão técnica focalizado em juventudes é
uma experiência ainda inédita no contexto brasileiro e assim, em 2018, o Projeto
Mosaicos inicia sua execução pretendendo alcançar os trabalhadores do SUAS
inseridos em 13 regiões intraurbanas de 8 municípios do Programa Juventudes.
As ações de formação e capacitação dos profissionais do SUAS serão realizadas
utilizando-se de uma metodologia de alternância entre encontros de supervisão
e oficinas temáticas, consistindo em 48 horas para cada região de atuação
580
do Projeto Mosaicos. Os encontros de supervisão têm o objetivo de estimular
nos trabalhadores do SUAS reflexões acerca de seus processos cotidianos de
trabalho, suas práticas e articulações com o território, dentre outras. Já as oficinas
temáticas contarão com a supervisão de facilitadores residentes do território,
assim como jovens da região, promovendo o contato dos trabalhadores e a
participação ativa dos jovens em seu processo de formação. Além disso, estão
previstos uma jornada específica para o tema Medidas Socioeducativas de Meio
Aberto e um seminário, onde serão amplamente discutidos e compartilhados os
resultados e conhecimentos produzidos ao longo de todo o processo. A duração
prevista é de 6 meses, focada prioritariamente nos profissionais do Serviço de
Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e Serviço de Proteção Social a
Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade
Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) que atendam ao
público jovem vulnerável das regiões de abrangência do Programa Juventudes.
3.5 – Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo
O Programa Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no
Campo, lançado no dia 29 de junho de 2016, é uma das prioridades do Governo
de Minas, representado no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI)
do período de 2016-2027, por meio do objetivo estratégico de “Reduzir a
pobreza rural”.
Pretende-se alcançar esse objetivo ampliando e qualificando o acesso a serviços
públicos, benefícios e transferência de renda; promovendo e fortalecendo a
segurança alimentar e nutricional; fomentando oportunidades de geração
de renda e de trabalho no meio rural; e melhorando a infraestrutura rural com
foco na elevação das condições de vida e de produção.
Utilizando-se do conceito de pobreza multidimensional (Ver Anexo I.11 – Verbete
Pobreza Multidimensional), entende-se que esse fenômeno é caracterizado não
só pela variável renda, mas por uma série de privações sociais e estruturais que
afetam as condições de vida da população e está relacionada a diversos
setores de políticas públicas, tais como a assistência social, a educação, a
saúde, a infraestrutura, o trabalho e renda, o desenvolvimento agrário, entre
outros. Dessa forma, entende-se que a atuação isolada dos órgãos limitados em
suas respectivas atribuições não seria suficiente para a superação da pobreza,
contribuindo para o quadro geral de persistência ao longo do tempo.
581
Sendo assim, a Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo busca
promover o encontro (decorrendo disso o nome do Programa “Novos
Encontros”) entre os órgãos e entidades governamentais que possuem
ações voltadas para a população do campo para que essas venham a ser
concertadas de forma a maximizar sua eficiência e focalização e oportunizando
ganhos nas potenciais integrações. Este trabalho intersetorial materializa-se
na composição de um Grupo Coordenador da Estratégia, cujos membros são
representantes de 11 órgãos e 8 empresas e instituições de ensino e pesquisa
do Estado de Minas Gerais. A instituição desse Grupo foi realizada por meio
do Decreto de Numeração Especial Nº 339, de 29 de junho de 2016, e seu
funcionamento é regulado por meio da Resolução Sedese Nº 30, de 18 de
agosto de 2016. A coordenação da Estratégia é realizada pela Secretaria
de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – Sedese e, atualmente os
seguintes órgãos e entidades a compõem, somando esforços, ações e projetos
para atendimento às populações rurais dos territórios priorizados: Secretaria
de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA; Secretaria de
Estado de Cidades e de Integração Regional – SECIR; Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Agrário – SEDA; Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – SEDECTES; Secretaria de
Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste – SEDINOR;
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais – SEEDIF;
Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania
– SEDPAC; Secretaria de Estado de Educação – SEE; Secretaria de Estado
de Planejamento e Gestão – SEPLAG; Secretaria de Estado de Saúde – SES;
Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE; Companhia
Energética de Minas Gerais – CEMIG; Companhia de Saneamento de Minas
Gerais – COPASA; Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado
de Minas Gerais – EMATER; Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais –
EPAMIG; Fundação João Pinheiro – FJP; Serviço Voluntário de Assistência Social –
SERVAS; Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG; Universidade Estadual
de Montes Claros – UNIMONTES. Estratégias intersetoriais são fundamentais no
enfrentamento de problemas crônicos e a resposta multifacetada, do conjunto
das políticas públicas em um mesmo território, visa impactar no curto, médio e
longo prazos a vida no campo.
Constitui o público-alvo desta estratégia a população do campo em situação
de pobreza e vulnerabilidade social no Estado de Minas Gerais, prioritariamente
as comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, assentados e
pré-assentados, dentre outras.
582
Figura 12 – Distribuição de comunidades tradicionais no território do Estado de
Minas Gerais.
Fonte: KOGA, 2016
Quanto à abrangência territorial, tendo em vista as profundas desigualdades
regionais que caracterizam o Estado de Minas Gerais, os territórios de
desenvolvimento Alto Jequitinhonha, Médio e Baixo Jequitinhonha, Mucuri,
Norte e Vale do Rio Doce são as regiões prioritárias de atuação, uma vez que,
em conjunto, apresentam percentual de população rural acima de 30%, o
que corresponde aproximadamente ao dobro da média estadual – 14,7% – e
da média nacional – 15,6% (Censo IBGE 2010), e concentram a maioria dos
municípios do Estado com alta e muito alta vulnerabilidade social (acima de
0,400), de acordo com o índice de Vulnerabilidade Social (IVS) apurado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2015.
Além disso, enquanto Minas Gerais concentra os 30 municípios do Sudeste
onde a vulnerabilidade social é muito alta, 27 desses pertencem aos territórios
selecionados pela Estratégia, os quais concentram 40,6% das famílias
extremamente pobres inscritas no Cadúnico em Minas Gerais. Apesar de abrigar
cerca de 17% da população total do Estado, esses territórios representam
apenas 8% do PIB mineiro.
583
Figura 13 – Municípios de Minas Gerais distribuídos pela população estimada,
por área territorial, por densidade demográfica.
Fonte: KOGA, 2016
Para orientação das ações e melhor compreensão do contexto de atuação da
Estratégia, foi contratada a realização de um Diagnóstico Multimendimensional
da Pobreza no Campo, realizado pela Fundação João Pinheiro. O diagnóstico
é composto de três produtos: um levantamento e análise das informações
secundárias relativas à caracterização da população residente nos territórios
priorizados pela Estratégia de Enfretamento da Pobreza no Campo, assim
como um mapeamento das ações existentes de combate à pobreza; um
levantamento das pesquisas qualitativas existentes sobre as temáticas “pobreza
rural” e ações de enfrentamento da pobreza no campo e; finalmente, um
relatório sobre as eventuais sobreposições existentes entre as políticas atuais
de enfrentamento à pobreza no campo e as recomendações identificadas
pelas pesquisas qualitativas contidas na literatura sobre o tema. O primeiro
produto deste Diagnóstico mostrou-se de fundamental importância para guiar
as discussões de objetivos para elaboração do Plano de Enfrentamento da
Pobreza no Campo, mas acredita-se que a principal potencialidade está contida
no terceiro produto, que contém indícios que orientarão o planejamento de
ações de médio e longo prazo da Estratégia.
584
Além da implementação e coordenação das ações no território, o grupo
coordenador teve a missão de elaborar o Plano de Enfrentamento da Pobreza
no Campo, concluído no primeiro semestre de 2017, redigido por meio de um
termo de parceria da SEDESE com a UEMG, envolvendo em seu processo de
elaboração a participação ativa dos representantes dos 19 órgãos e entidades
membros do Grupo Coordenador. Este documento foi submetido ao processo
de consulta pública e, no segundo semestre de 2017, será enviado um projeto
de lei à Assembleia de Minas Gerais, pretendendo transforma-lo em lei. O
Projeto de Lei em questão visa assegurar a sustentabilidade da integração
existente entre as secretarias e órgãos envolvidos na Estratégia, assim como a
intersetorialidade das suas ações e projetos nos territórios prioritários para uma
maior efetividade no alcance de resultados na temática de enfrentamento da
pobreza no campo, constituindo verdadeira política de Estado. Como problema
crônico e histórico, o fenômeno precisa de respostas também de médio e longo
prazos, de alterações estruturais e de planejamento e orçamento perenes.
Orientada por pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro e pela
experiência acumulada até 2015, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, com o Plano Brasil sem Miséria e os principais desafios postos
ao enfrentamento da pobreza no campo, a Estratégia prioriza e organiza as
diversas ações dos órgãos e entidades que a compõem, em 4 eixos: Acesso a
Serviços, Benefícios e Transferência de Renda; Inclusão Produtiva; Infraestrutura
e; Acesso à Terra. Os eixos mencionados têm por objetivo permitir uma atuação
organizada da estratégia agindo de forma orientada sobre as diversas dimensões
que condicionam a pobreza e sua persistência ao longo do tempo nos territórios
priorizados. O eixo “Acesso a Serviços Públicos, Benefícios e Transferência de
Renda” é composto dos seguintes sub-eixos: Assistência Social, Educação e
Saúde. O eixo “Inclusão produtiva” tem como sub-eixos: Assistência Técnica e
Extensão Rural, Segurança Alimentar e Nutricional, e Trabalho e Renda. Já o
eixo “Infraestrutura” é composto pelos sub-eixos: Energia, Saneamento Básico
e Transporte. Finalmente, o eixo “Acesso a terra” se compõe dos sub-eixos:
Regularização Fundiária e Reconhecimento dos Direitos à Terra dos Povos e
Comunidades Tradicionais. Além do esforço em desenvolver uma forma de
trabalho intersetorial, a execução das ações do Programa de Enfrentamento da
Pobreza no Campo tem como um de seus princípios orientadores a utilização do
CadÚnico como base de dados prioritária para a definição das comunidades e/
ou indivíduos a serem atendidos. Por meio deste princípio busca-se reconhecer a
importância do papel desempenhado pelo Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) como meio de reconhecer a população em situação de vulnerabilidade.
Assim, busca-se priorizar aqueles indivíduos e comunidades mais necessitados da
585
intervenção das políticas públicas, utilizando uma base de dados reconhecida,
que confere transparência aos critérios de escolha e focalização das ações,
assim como reforça de forma agregada a política de assistência social e a
melhoria da qualidade dos dados constantes do Cadúnico. Cabe destacar
que se pretende a utilização deste mesmo cadastro para o monitoramento
dos indicadores e avaliação dos resultados.
Um dos aspectos mais ágeis da estratégia é a eletrificação rural conduzida
pela Cemig. Ação contínua da empresa que, no âmbito da estratégia, prioriza
os territórios apontados no diagnóstico como resposta integrada de governo21.
Por fim, importante ressaltar a congruência da estratégia com os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas
(ONU, 2017), permeados pelo tripé da sustentabilidade: o social, econômico
e ambiental. Não há como pensar no desenvolvimento de uma sociedade ou
de uma parcela dela, sem associar estes aspectos, num círculo virtuoso. E neste
sentido, a estratégia foi elaborada em eixos que se inter-relacionam, alinhado
com o conceito de sustentabilidade.
3.5.1 - Projeto Sementes Presentes
No eixo de Inclusão Produtiva, nos “Novos Encontros”, destaca-se o Projeto
Sementes Presentes, concebido no interior da Estratégia de Enfrentamento da
Pobreza no Campo, alinhado à concepção de trabalho intersetorial entre órgãos
e entidades. O projeto apresenta como premissa a inclusão da população
em situação de vulnerabilidade social no processo produtivo, principalmente
por meio de ações voltadas à segurança alimentar e ao fortalecimento da
Agricultura Familiar, oportunizando a geração de renda. O público prioritário
do projeto é selecionado por meio da base de dados do CadÚnico, dentre os
cadastrados que auferem renda per capita mensal de até meio salário mínimo.
Esse projeto visa permitir ao agricultor familiar aperfeiçoar as áreas de produção,
por meio de assistência técnica e de recebimento de insumos (sementes e
sistemas simplificados de água), melhorando as condições de vida da população
do campo, marcadas pela insegurança alimentar e precarização do mundo
do trabalho. Para garantir a assistência técnica e recebimento de insumos
aos agricultores familiares, prioritariamente os que se encontrem em situação
de insegurança alimentar, cooperam a Secretaria de Estado de Trabalho e
Desenvolvimento Social, a Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária, a
21
PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL – CAMPANHA CEMIG, disponível em:
<http://www.cemig.com.br/eletrificacaorural/Paginas/default.aspx>
586
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais
– Emater-MG e o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas
Gerais - IDENE.
Além de fortalecer a agricultura familiar, o Sementes Presentes irá permitir
ao produtor rural acessar de forma efetiva o mercado institucional. Essa
ação é articulada com as compras da alimentação escolar do Programa
Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, organizadas por meio da atuação em
conjunto com a Secretaria de Estado de Educação, Secretaria de Estado de
Planejamento e Gestão e parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas – Sebrae. Esta parceria objetiva viabilizar a prestação
de serviços de consultoria às escolas públicas para o planejamento e gestão
das compras institucionais, como forma de possibilitar o acesso do pequeno
agricultor ao mercado institucional. Por outro lado visa assessorar o produtor
rural para produzir respondendo à demanda das escolas, responsáveis pela
aquisição para a merenda escolar.
Por fim, o fortalecimento à comercialização dos produtos da agricultura familiar
também constitui outra frente de atuação, por meio do fomento às cooperativas
agrícolas, realizado com o apoio da Companhia de Desenvolvimento Econômico
de Minas Gerais - Codemig.) responsável pela elaboração do plano de negócios
em um dos territórios de desenvolvimento priorizados pela Estratégia. Assim o
Sementes Presentes se estrutura em 3 Macro Ações: (i) Planejamento das compras
institucionais; (ii) Organização das áreas de produção; e (iii) Fortalecimento e
fomento às cooperativas agrícolas.
O quadro abaixo contém a abrangência do Sementes Presentes quanto ao
número de municípios e público prioritário, assim como o montante de recursos
movimentados pelo mercado institucional na compra da alimentação escolar.
Por meio do Projeto Sementes Presentes, busca-se garantir o desenvolvimento
local permitindo que os recursos descritos abaixo sejam reinvestidos nos locais
de origem, visto que ao comprar do agricultor familiar da região, esse tem
possibilidade de consumir produtos e serviços em sua localidade, gerando
o recolhimento de impostos, que retornam ao mesmo local, melhorando as
estruturas e situação geral da população, em um círculo virtuoso promovido
pelas compras institucionais.
587
Tabela 6 - Mercado Institucional e Superintendências Regionais de Ensino.
Superintendências
Regionais de Ensino
Nº
municípios
Nº
escolas estaduais
Estimativa
para pré seleção
das famílias
(41% sobre o nº
absoluto - inscritos
no Cadúnico )
Almenara
21
69
4943
1,7 milhões estaduais
2,7 milhões municipais
Diamantina
22
121
7283
3 milhões estaduais
2,6 milhões municipais
Governador
Valadares
37
132
4965
3,9 milhões estaduais
6,3 milhões municipais
Januária
18
134
12261
3,4 milhões estaduais
3,4 milhões municipais
Montes Claros
30
168
13860
5,6 milhões estaduais
7,5 milhões municipais
Teófilo Otoni
31
155
13227
4,8 milhões estaduais
4,5 milhões municipais
Total
159
779
56539
50 milhões
Mercado institucional
(R$)
Fonte: Elaboração SEDESE
O público prioritário do Projeto Sementes Presentes é composto por:
Gestores de ensino de escolas da rede estadual;
Agricultores e produtores familiares inscritos no Cadúnico, com renda per capita
até ½ salário mínimo, priorizando os assentados e comunidades tradicionais; e,
Associações e cooperativas de agricultores familiares.
Nos cinco territórios de desenvolvimento priorizados pelo Programa Novos
Encontros, 159 municípios são atendidos em 2017 e as ações buscam, desde
o planejamento até a sua execução e monitoramento, conforme o caráter
próprio de intersetorialidade do projeto, o envolvimento direto dos seguintes
órgãos e entidades:
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão –SEPLAG;
Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE
Diretorias Regionais da SEDESE: Almenara, Diamantina, Governador
Valadares, Januária, Montes Claros, Teófilo Otoni, Araçuaí, Salinas;
Fundação Caio Martins – FUCAM;
588
Secretaria de Estado de Saúde – SES
Gerências Regionais de Saúde: Diamantina, Governador Valadares,
Januária, Montes Claros, Teófilo Otoni, Pedra Azul, Unaí;
Secretaria de Estado de Educação – SEE
Superintendências Regionais de Ensino: Almenara, Diamantina,
Governador Valadares, Januária, Montes Claros e Teófilo Otoni;
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário –SEDA;
Secretaria de Estado do Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais –
SEEDIF
Colegiados Executivos dos Fóruns Regionais;
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA;
Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER
Unidades Regionais: Almenara, Diamantina, Governador Valadares,
Januária,
Montes Claros e Teófilo Otoni, Capelinha, Guanhães, Janaúba, Salinas,
São Francisco;
Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA;
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais– EPAMIG;
Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – Codemig;
Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e
Nordeste de Minas Gerais – SEDINOR;
Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais – IDENE.
Além disso, o Projeto conta com a parceria com o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae-MG e a integração, nos
municípios priorizados, com os seguintes órgãos:
Secretarias municipais de Educação;
Secretarias municipais de Assistência Social; e
Secretarias municipais de Agricultura.
Na Macro ação 1, de Organização do Mercado Institucional, o projeto abrange
o planejamento das compras do PNAE (Programa Nacional de Alimentação
Escolar) em 750 escolas da rede estadual, em 159 municípios aglutinados em
06 Superintendências Regionais de Ensino (Almenara, Diamantina, Januária,
Montes Claros, Governador Valadares e Teófilo Otoni), por meio de consultoria
589
realizada pelo Sebrae, durante 12 meses, com duração de 188 horas. Também
é prevista a adequação do cardápio da alimentação escolar considerando a
produção local e sazonalidade, realização de editais unificados e cronogramas
de entregas, facilitando o atendimento e planejamento de acesso ao mercado
pelos agricultores familiares. Além disso, será implantado o Projeto Quintais
Produtivos, destinado a 100 escolas do campo, visando à promoção da
educação alimentar.
Na Macro ação 2, de Organização das áreas de Produção - Organização da
Oferta -, pretende-se mobilizar e inserir cerca de 43.500 agricultores inscritos no
Cadúnico, possuindo renda per capita de até meio salário mínimo, priorizando
assentados e comunidades tradicionais, com recebimento de sementes. Serão
implantados 454 kits de irrigação de água para pequenas plantações, sendo
em torno de 300 na abrangência da Superintendência Regional de Ensino de
Governador Valadares – território Vale do Rio Doce e 800 ligações em domicílios
atendidos por sistema simplificado de água para consumo humano, priorizando
as comunidades tradicionais e assentados, na abrangência das demais SRE.
Será proporcionada assistência técnica aos agricultores selecionados além de
capacitação para adequação da produção às normas da vigilância sanitária.
Ademais, foram realizados 6 Circuitos Alimentação, eventos que promoveram
o diálogo entre agricultores e gestores de ensino. Nessa Macro ação, também
está prevista a implantação de unidades de produção de sementes crioulas.
As unidades de produção de sementes crioulas têm por objetivo promover o
resgate, preservação, multiplicação, estoque e distribuição de sementes crioulas
e varietais, por meio da estruturação de bancos comunitários de sementes e
da mobilização e capacitação de agricultores familiares.
Por fim, na Macro ação 3, de Fomento e fortalecimento das cooperativas da
agricultura familiar busca-se a realização de um projeto piloto de fomento à
cadeia produtiva do PNAE.
O diálogo com os movimentos sociais tem sido uma tônica no processo de
formulação do Plano. A interlocução com o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em especial
para discussão do Projeto Sementes Presentes - do Eixo Inclusão Produtiva da
Estratégia -, oportuniza aos gestores conhecer melhor a realidade, as demandas
e necessidades desses grupos populacionais, e adequar o Plano para que
tenha aderência aos diferentes contextos regionais. Foi também estabelecido
diálogo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas
Gerais (FETAEMG) e vários Conselhos, instâncias de controle social das políticas
setoriais e do campo.
590
Sendo assim, o Projeto Sementes Presentes é articulador do trabalho intersetorial
necessário para garantir a efetividade das ações do Estado no enfrentamento
da pobreza no campo, no eixo de inclusão produtiva. A partir dele, busca-se
o aperfeiçoamento do modelo, tornando possíveis mais ações e projetos que
carreguem em sua concepção os princípios norteadores da Estratégia Novos
Encontros.
ANEXOS
VERBETE - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é o modelo de gestão utilizado no
Brasil para operacionalizar as ações de assistência social. A assistência social é
parte do Sistema de Seguridade Social, estabelecido pela Constituição Federal
de 1988. O SUAS está previsto e regulamentado na lei federal nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), alterada pela
Lei 12.435, em 6 de julho de 2011. Tem como eixos estruturantes a primazia da
responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social; a
descentralização político-administrativa e comando único das ações em cada
esfera de governo; o financiamento partilhado entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios; a matricialidade sociofamiliar; a territorialização;
o fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil e; o
controle social e a participação popular. O SUAS deve garantir ao cidadão
a Segurança de Acolhida, provida por meio da oferta pública de espaços e
serviços de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e longa
permanência. Segurança de renda, operada por meio da concessão de
auxílios financeiros e da concessão de benefícios continuados, nos termos da
lei, para cidadãos não incluídos no sistema contributivo de proteção social, que
apresentem vulnerabilidades decorrentes do ciclo de vida e ou incapacidade
para a vida independente e para o trabalho. Segurança de Convívio ou
Vivência Familiar, comunitária e social, que exige a oferta pública de rede
continuada de serviços que garantam oportunidades e ação profissional para
a construção, restauração e o fortalecimento de laços de pertencimento,
de natureza geracional, intergeracional, familiar, de vizinhança e interesses
comuns e societários; o exercício capacitador e qualificador de vínculos sociais
e de projetos pessoais e sociais de vida em sociedade. O Desenvolvimento de
Autonomia, que exige ações profissionais e sociais para o desenvolvimento de
capacidades e habilidades para o exercício do protagonismo, da cidadania;
a conquista de melhores graus de liberdade, respeito à dignidade humana,
591
protagonismo e certeza de proteção social para o cidadão e a cidadã, a família
e a sociedade; conquista de maior grau de independência pessoal e qualidade,
nos laços sociais, para os cidadãos e as cidadãs sob contingências e vicissitudes.
O Apoio e Auxílio quando sob riscos circunstanciais, exige a oferta de auxílios em
bens materiais e em pecúnia, em caráter transitório, denominados de benefícios
eventuais para as famílias, seus membros e indivíduos. O SUAS organiza suas
ofertas em dois níveis de proteção, divididos em proteção social básica e
proteção social especial de média e alta complexidade. A proteção social
básica tem por objetivo prevenir a violação dos direitos e sua porta de entrada
são Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Localizando-se nas áreas
de maior vulnerabilidade previamente identificadas por estudos específicos
como de maior risco social, os CRAS constituem-se como uma unidade estatal
permanente de prestação de serviços definidos para a população residente
na sua área de abrangência. São ainda serviços da Proteção Social Básica, o
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, destinado a crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos, e, o Serviço de Proteção Social Básica
no domicílio para pessoa com deficiência e idosos. A Proteção Especial atua
quando os direitos já foram violados, tem como unidades assistenciais de
referência os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS),
na média complexidade, que configura-se como uma unidade pública e
estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos
em situação de ameaça ou violação de direitos (violência física, psicológica,
sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas em meio
aberto, etc.) e, na alta complexidade, as unidades de acolhimento: abrigo
institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem, Residência inclusiva, República e,
Família Acolhedora. São ainda serviços de Proteção Social Especial de Média
Complexidade os Serviços de Abordagem Social, Serviços de Proteção Social
a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de Liberdade
Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e, os serviços de
Proteção Social especial para Pessoas com Deficiência, Idosos e suas Famílias.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõem sobre a organização
da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília:
Congresso Nacional, 1993 e alterações.
BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov.
2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da
União. Brasília, 2009.
592
VERBETE - TERRITORIALIDADE
Compreende-se o território não só a partir de características naturais, mas,
acima de tudo, levando-se em conta suas dimensões culturais, econômicas e
políticas. É ocupado por diferentes atores que fazem dele os usos mais variados,
estabelecendo relações as mais diversas. (CONTEL, 2015; RIBEIRO, 2015). Os
territórios se diferem, então, em razão das suas trajetórias históricas e das
dinâmicas que neles ocorrem e por eles são determinadas. A territorialidade é a
dimensão relacional que o território implica, a partir de seu uso, como nos ensina
o geógrafo Milton Santos. O território pode assumir as mais variadas dimensões,
fazendo com que a territorialidade passe a ser abordada como um processo
que segue a lógica do reconhecimento do espaço para a intervenção (DUARTE
et al, 2005). Sob essa perspectiva, a região é compreendida como um território
que pode fazer referência a diferentes extensões e escalas e que é tanto
um “todo” como uma “parte” (GUIMARÃES, 2005). Uma região é identificada
pelas suas dimensões naturais, culturais, históricas, econômicas e políticas, por
aspectos materiais e imateriais que dão coesão e sistematicidade a ela e que
geram relações de poder e práticas sociais próprias, que as caracterizam.
Numa região, diversas conexões são estabelecidas entre atores e instituições
que interagem e que se identificam numa dinâmica regional, mas que também
estabelecem relações com atores e instituições que compõem outros espaços
(CONTEL, 2015).
Referências Bibliográficas:
GUIMARÃES, Raul Borges. Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.21, n.4,
p. 1017-1025, 2005.
CONTEL, Fábio Bertioli. Os conceitos de região de regionalização: aspectos
de sua evolução e possíveis usos para a regionalização da saúde. Saúde e
Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.447-460, 2015. Disponível em: https://www.
revistas.usp.br/sausoc/article/viewFile/104819/103602
RIBEIRO, Patrícia T. Perspectiva territorial, regionalização e redes: uma
abordagem à política de saúde da República Federativa do Brasil. Saúde e
Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.403-412, 2015.
593
VERBETE - CREAS / CREAS REGIONAL
Com definição pela Lei Orgânica de Assistência Social (Lei 8.742/1993)
e regulamentação de serviços pela Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (Resolução CNAS nº 109/2009), o Centro de Referência
Especializado de Assistência Social – CREAS é a unidade pública de abrangência
e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços
a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou
social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções
especializadas da proteção social especial, por exemplo: Famílias e indivíduos
que vivenciam violações de direitos por ocorrência de violência física, psicológica
e negligência; violência sexual: abuso e/ou exploração sexual; afastamento do
convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou medida
de proteção; tráfico de pessoas; situação de rua e mendicância; abandono;
vivência de trabalho infantil; discriminação em decorrência da orientação
sexual e/ou raça/etnia; outras formas de violação de direitos decorrentes
de discriminações/submissões a situações que provocam danos e agravos
a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem estar;
descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família e do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em decorrência de violação
de direitos; e adolescentes de 12 a 18 anos incompletos, ou jovens de 18 a 21
anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e
de Prestação de Serviços à Comunidade, aplicada pela Justiça da Infância
e da Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente e suas
famílias. Na configuração regional, além da oferta de serviços, o equipamento
funciona como lócus de referência de proteção social especial em todo o
território que estiver implantado. Essa estratégia é especialmente importante
para os municípios de até 20 mil habitantes (Pequeno Porte I), que não possuem
unidades de CREAS e que os custos e a demanda local não justifiquem a
implantação de equipamentos/serviços municipais.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009.
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília,
2009.
594
VERBETE - CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)
Trata-se de unidade pública estatal descentralizada da Política de Assistência
Social, responsável pela organização e oferta dos serviços da proteção social
básica do SUAS nas áreas de vulnerabilidade e risco social dos municípios e DF.
Dada sua capilaridade nos territórios, se caracteriza como a principal porta
de entrada do SUAS, ou seja, é uma unidade que possibilita o acesso de um
grande número de famílias à rede de proteção social de assistência social
(BRASíLIA, 2009).
Além da oferta dos serviços, o CRAS é responsável pela gestão da PSB nos
territórios, por meio do adequado conhecimento de sua área de abrangência
e da articulação com unidades da rede socioassistencial.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009.
VERBETE - FAMÍLIA ACOLHEDORA
O serviço de acolhimento em família acolhedora organiza o acolhimento, em
residências de famílias previamente cadastradas, de crianças e adolescentes
afastados do convívio de suas famílias por meio de medida protetiva, em
decorrência de abandono ou cujas famílias encontrem-se temporariamente
impossibilitadas de cumprir sua função de cuidado e proteção. É uma
modalidade de acolhimento que integra os serviços de Proteção Social Especial
de Alta Complexidade (Brasil, 2009) e visa à reconstrução e ao fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários de crianças e adolescentes que, devido
à vivência de situações de violação de direitos, tiveram seus laços familiares
enfraquecidos ou até mesmo rompidos. A execução do serviço pode ocorrer
no âmbito municipal ou por meio da gestão estadual. Em Minas Gerais, o
Serviço Estadual de Acolhimento em Família Acolhedora se dará de forma
regionalizada, ou seja, em um conjunto de municípios que compõem uma
determinada área de abrangência. Seu aspecto regionalizado será constituído
pelo papel da equipe de profissionais que deverá circular por cada município
abrangido. O acolhimento propriamente dito, realizado pela família acolhedora,
será realizado no próprio município de origem da criança ou adolescente,
garantindo assim o direito à convivência familiar e comunitária. Essa estratégia
595
é especialmente importante para os municípios de Pequeno Porte I e Pequeno
Porte II, que não possuem serviços de acolhimento para crianças e adolescentes
e os custos e a baixa demanda local não justifiquem a implantação de serviço
municipal.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov.
2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da
União. Brasília, 2009.
VERBETE - REGIONALIZAçÃO
A regionalização é uma estratégia prevista no SUAS para atendimento a
um conjunto de municípios de pequeno porte (população inferior a 50 mil
habitantes), previamente identificados, que não possuem oferta municipal de
serviços de proteção social especial e que os custos e a demanda local não
justifiquem a implantação de serviços locais, embora os territórios contemplem
situações de vulnerabilidade e risco social. Nesse caso, a responsabilidade
pela oferta é do ente estadual, que pode executar os serviços de forma
direta, indireta (aqueles que a legislação permitir parcerizar) ou em regime
de cooperação com os municípios. Em todas essas situações, cabe ao Estado
a organização dos serviços, contando sempre com o apoio dos municípios
e dos demais parceiros do Sistema de Garantia de Direitos. Os critérios de
identificação dos municípios devem ser previamente pactuados e deliberados
nas instâncias do SUAS.
Referências Bibliográficas:
CONTEL, Fábio Bertioli. Os conceitos de região de regionalização: aspectos
de sua evolução e possíveis usos para a regionalização da saúde. Saúde e
Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.447-460, 2015. Disponível em: https://www.
revistas.usp.br/sausoc/article/viewFile/104819/103602
MINAS GERAIS, Plano Estadual de Regionalização dos Serviços de Proteção
Social Especial de Media e Alta Complexidade, Secretaria de Estado de
Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE, Belo Horizonte, 2015.
RIBEIRO, Patrícia T. Perspectiva territorial, regionalização e redes: uma
abordagem à política de saúde da República Federativa do Brasil. Saúde e
Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.403-412, 2015.
596
VERBETE - POBREZA MULTIDIMENSIONAL
O Plano de Enfrentamento da Pobreza no Campo (2017, p.21)
aborda a pobreza como construção social histórica e como um
fenômeno multidimensional para o qual concorrem diferentes aspectos
conjunturais e, por isso mesmo, oferece dificuldades para a definição
de indicadores que contemplem, sem perdas, sua complexidade.
Tal fenômeno revela-se principalmente por meio da situação de
vulnerabilidade enfrentada pelas pessoas e grupos sociais. Neste caso,
vulnerabilidade é compreendida como a dimensão que incorpora
aspectos materiais e não materiais; objetivos e subjetivos dos quais
cumpre destacar: o atendimento aos direitos de proteção social, a
renda, a oferta de condições para que as pessoas possam exercitar sua
cidadania e serem incluídas socialmente e as condições ambientais que
a cercam.
Sendo assim, a pobreza no campo é um desafio também multidimensional
relacionado a diversos setores de políticas públicas, tais como assistência social,
educação, saúde, infraestrutura, trabalho e renda, desenvolvimento agrário,
entre outros; e produz efeitos sobre várias dimensões relacionadas às condições
de vida das famílias afetadas por este problema.
Referências Bibliográficas:
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social.
Diretoria de Programas para Populações de Vilas e Favelas. Folder Juventudes.
Belo Horizonte: SEDESE, 2017. Disponível em: <http://social.mg.gov.br/sobre/
subsecretarias/projetos-especiais>. Acesso em: 17 ago. 2017.
MINAS GERAIS. Plano de Enfretamento da Pobreza no Campo. Belo Horizonte:
SEDESE, 2017.
VERBETE - O PROTAGONISMO JUVENIL NO CONTEXTO DO PROGRAMA
JUVENTUDES
Assumindo as/os jovens como sujeitos de direitos, que devem ser respeitados
torna-se responsabilidade do Estado garantir a vigência desses direitos. Não
obstante, o protagonismo juvenil está baseado no reconhecimento das/dos
próprios jovens como cidadãos que devem ser respeitados e também na
atuação estratégica no que diz respeito ao desenvolvimento.
597
Considerando a rede de instituições parceiras na formação da juventude –
escolas, associações, igrejas e demais grupos comunitários –, o protagonismo
juvenil envolve, não somente questões da comunidade, como também das
diversas esferas da sociedade como um todo, buscando ações resolutivas que
contribuam para a eficácia das ações tanto na própria vida da/do jovem,
quanto no que diz respeito aos assuntos que extrapolam os interesses individuais.
VERBETE – PARTICIPAçÃO E CONTROLE SOCIAL
Uma das dimensões que se incorporam aos eixos de desenvolvimento do
Estado estabelecidos no PMDI 2016-2027 é a participação. É foco importante
do Governo a implementação de estratégias que fortaleçam e criem espaços
de participação popular, como os Fóruns Regionais. Os conselhos estaduais,
como o de Assistência Social (CEAS), o de Trabalho, Emprego e Renda (CETER)
e o de Economia Popular Solidária (CEEPS) são também importantes instâncias
de participação e de controle social.
Como forma de promover a participação e controle social, a Sedese e o CEAS
estão realizando, a partir do início de agosto de 2017, vinte e uma Conferências
Regionais de Assistência Social. O principal objetivo é deliberar sobre a instituição
e viabilização das Uniões Regionais dos Conselhos Municipais de Assistência
Social – URCMAS e das instâncias participativas regionais dos trabalhadores
e dos usuários. Em cada conferência regional ocorre também a abertura do
Curso do Programa Capacita Suas “Introdução ao Exercício do Controle Social
do Suas”, curso que aborda as possibilidades e o fortalecimento do controle
social nas instâncias participativas no contexto sociopolítico e territorial do
Estado de Minas Gerais.
598
VERBETE - INTERSETORIALIDADE
Historicamente, um desafio para todas as áreas e níveis de gestão, o trabalho
intersetorial tem se mostrado cada vez mais importante para o resultado final
das entregas das políticas públicas. Ao adotar o critério de território para a
abordagem uma integração maior é possível uma vez que a unidade definida
de trabalho para todas as políticas sociais é a mesma. Ao entregar, num mesmo
território, os serviços específicos de cada setor – universais ou não – o impacto
já é maior.
Além desse aspecto esforços de trabalho intersetorial a partir de territórios para
o enfrentamento de um tema comum, avaliado a partir de suas especificidades
colabora na qualidade da entrega. O território de desenvolvimento é exemplo
do primeiro. O novos encontros, exemplo do segundo.
599
REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS:
AMARAL, P.; LEMOS, M.; CHEIN, F. Desenvolvimento Desigual Em Minas Gerais.
Anais do XII Seminário sobre a Economia Mineira. Diamantina: UFMG, 2006.
RESENDE, G. M.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõem sobre a organização
da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília:
Congresso Nacional, 1993 e alterações.
BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov.
2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da
União. Brasília, 2009.
BRONZO, Carla L. C. Programas de proteção social e superação da pobreza:
concepções e estratégias de intervenção. 2005. 334 f. Tese (Doutorado em
Ciências Humanas: Sociologia e Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
BRONZO, Carla L. C. Vulnerabilidade, empoderamento e metodologias
centradas na família: conexões e uma experiência para reflexão. Disponível
em: http://www.gestaodeconcursos.com.br/site/cache/056ef1ec-cbe3-45c7952f-a6352747775c/metodologia_familia_Carla_Bronzo_25_08_09.pdf . Acesso
em: 01/11/2013.
FJP – Fundação João Pinheiro/ IBGE – Tabela, Renda Per Capita Mensal,
Municípios de Minas Gerais de 2000 a 2010 - Belo Horizonte, MG – 2011. BARROS,
CARVALHO e FRANCO, IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto
para discussão no. 986 – Brasília, DF – 2003. ROCHA, L.E.V. et.al. – índice de
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demográficos do Estado de Minas Gerais – CEDEPLA/UFMG, Belo Horizonte,
MG – 2006.
IBGE. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios.
Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 24 ago. 2017.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009/2012. Disponível
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