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(2018) Ebook Minas Gerais Portal Brasil Contemporâneo

2018, Portal Brasil Contemporâneo

O Portal Brasil Contemporâneo é uma obra de referência virtual de acesso livre e aberto, reunindo verbetes assinados por reconhecidos estudiosos, especialistas e intelectuais sobre o Brasil contemporâneo e a identidade de suas regiões, criando assim um acervo bibliográfico e documental de temas centrais do nosso país. No ebook são abordadas as áreas de cinema, dança, literatura, música (erudita e instrumental) e teatro, dentre outras áreas, tais como artes visuais, arquitetura, educação, esportes, diversidade cultural, gastronomia, gênero, geografia, juventude, meios de comunicação, movimentos populares, política e relações internacionais de Minas Gerais. O portal pretende disseminar verbetes, ensaios temáticos e biografias sobre a diversidade brasileira contemporânea, seus territórios, personalidades, fenômenos e processos culturais, políticos, midiáticos e tecnológicos que conferem nossa identidade própria.

Organizadores Emir Sader Fernanda Gdynia Leonardo Magalhães Maria Villarreal O Porta l Bra sil Con tem p orâ n eo: Min a s Gera is PROJETO Portal Brasil Contemporâneo EXECUTOR Sader Assessoria e Participações ORGANIZADORES Emir Sader Fernanda Gdynia Leonardo Magalhães Maria Villarreal CAPA E DIAGRAMAÇÃO Renata Duarte Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional PATROCINADORES COPASA Governo do Estado de Minas Gerais CAPTAÇÃO DE RECURSOS Lei de Incentivo à Cultura minas.portalbrasilcontemporaneo.com.br P842 Portal Brasil Contemporâneo, 2018 O Portal Brasil Contemporâneo: Minas Gerais / organizadores Emir Sader, Fernanda Gdynia, Leonardo Magalhães, María Villarreal. – Rio de Janeiro: Périplos, 2018. 604 p. ; E-book ; 19618 KB ISBN 978-85-92920-03-6 Minas Gerais 2. Sociedade. 3. Política 4. Economia 5. Território I. Título. CDD 080 O Portal Brasil Contemporâneo: Minas Gerais Organização Emir Sader Fernanda Gdynia Leonardo Magalhães Maria Villarreal Autores Adinei Almeida Crisóstomo Ana Flávia Rocha de Araújo Andréa Maria Narciso Rocha de Paula Angelo Oswaldo de Araújo Santos Bruno Viveiros Martins Cezar Manoel de Medeiros Christian Guimarães Danilo Araujo Marques Gildette Soares Fonseca Gustavo Dias Ivanir Alves Corgosinho José Antônio de Souza Queiroz Juarez Guimarães Leonel de O. Pinheiro Lilian Maria Santos Luiz Dulci Marcela Telles Elian de Lima Maria Cecília Cordeiro Pires Maria Evaristo dos Santos Pedro Moreira Rosilene Rocha Victória Pinho e Godinho Virgílio Guimarães de Paula Virginia Siqueira Starling Vladimir de Paula Brito Périplos Rio de Janeiro 2018 APRESENTAÇÃO O Brasil vive um momento intenso de desafios políticos, sociais e econômicos no qual a cultura e o conhecimento afirmam-se como valiosos fatores de desenvolvimento. Nossa perspectiva é reunir, por meio da criação de um acervo bibliográfico e documental, rico conteúdo sobre o Brasil Contemporâneo, tornando-se obra de referência virtual nos mais variados temas como arquitetura, artes visuais, cinema, dança, educação, esportes, diversidade cultural, gastronomia, gênero, geografia, juventude, literatura, meios de comunicação, movimentos populares, música, política, relações internacionais, teatro e trabalho. Nesse contexto, as novas tecnologias assumem papel essencial. A internet revela-se o melhor espaço para acesso democrático a divulgação ampla e gratuita deste conteúdo. Também apresenta-se como sistema de armazenamento seguro, a atualização ágil e consulta integrada de um acervo crescente. O Portal Brasil Contemporâneo (http://portalbrasilcontemporaneo.com.br/) pretende ser uma obra de referência de conteúdo sobre nossa atualidade, no modelo elaborado para o premiado livro Latinoamericana – Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe, aliando-se ao desafio da inclusão digital no país. Divulgando conteúdo inédito em português, espanhol e inglês para a rede mundial web, disponibilizaremos espaço a novas reflexões, olhares e pensamentos sobre o Brasil. Em sua apresentação, conterá verbetes escrito pelos melhores especialistas de cada tema. Além de verbetes sobre os principais personagens da história brasileira recente, de nossa cultura, instituições, e de acontecimentos. Nossa missão é criar um portal para cada estado brasileiro, que reúnam conteúdo plural e de qualidade sobre nosso país, como pontos de partida para se pensar possibilidades e conjunturas de nossa atualidade. Como obras de referência proporcionaremos novas experiências ao público reunindo conteúdo geolocalizado e ricamente ilustrado de livre acesso sobre nossa cultura, sociedade e política. Emir Sader para Clique r navega Território Cultura Turismo Esportes Migrações mineiras Belo Horizonte Culinária Meios de comunicação Tem á tica s Minas Gerais Movimentos sociais Política contemporânea Situação e política agrária Meio ambiente Economia Transportes e energia Segurança pública Políticas sociais Tem á tica s Educação Sumário Verbete Minas Gerais A GEOGRAFIA DE MINAS .........................................................................................................18 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO ...................................................................................................20 AS REGIÕES ................................................................................................................................23 MINAS GERAIS E SUA DIVISÃO EM REGIÕES DE PLANEJAMENTO ........................................24 METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE .............................................................................26 CAMPO DAS VERTENTES .....................................................................................................26 SUL – SUDOESTE ...................................................................................................................27 CENTRO-OESTE ....................................................................................................................27 ZONA DA MATA..................................................................................................................28 VALE DO RIO DOCE............................................................................................................29 VALE DO MUCURI ...............................................................................................................29 JEQUITINHONHA ..................................................................................................................30 NORTE DE MINAS ................................................................................................................30 NOROESTE DE MINAS ..........................................................................................................31 TRIÂNGULO – ALTO PARANAIBA.........................................................................................31 POPULAÇÃO ............................................................................................................................32 Território COMPLEXO SANTUáRIO DO CARAÇA ..............................................................................39 INSTINTO INHOTIM ..............................................................................................................40 Arte Contemporânea ....................................................................................................41 JARDIM BOTÂNICO ............................................................................................................41 LAGO DE FURNAS ...............................................................................................................42 História .............................................................................................................................42 Atividades ........................................................................................................................43 MERCADO CENTRAL DE BELO HORIZONTE .......................................................................43 História ................................................................................................................................. 43 PARQUE DAS áGUAS DE SÃO LOURENÇO .......................................................................44 Centro hidroterápico – Balneário SPA .........................................................................45 Fontes................................................................................................................................45 Fonte Oriental ..................................................................................................................45 Fonte José Carlos de Andrade .....................................................................................45 Fonte Ferruginosa............................................................................................................46 Fonte Andrade Figuera...................................................................................................46 PARQUE ESTADUAL DO IBITIPOCA......................................................................................46 PARQUE MUNICIPAL DAS MANGABEIRAS .........................................................................48 VISTA DO MIRANTE DO PARQUE DAS MANGABEIRAS.......................................................48 SERRA DA CANASTRA..........................................................................................................49 PARQUE NACIONAL SERRA DO CIPÓ ...............................................................................50 SANTUáRIO BOM JESUS DE MATOZINHOS ........................................................................51 Igreja..................................................................................................................................52 Os doze Profetas..............................................................................................................52 SÃO THOMé DAS LETRAS.....................................................................................................53 História...............................................................................................................................53 Principais Pontos Turísticos .............................................................................................54 Gruta São Thomé ....................................................................................................54 Igreja Nossa Senhora do Rosário ...........................................................................54 Pedra da Bruxa ........................................................................................................54 Gruta do Carimbado ..............................................................................................54 Vale das Borboletas .................................................................................................54 Casa da Pirâmide ...................................................................................................54 Cachoeira Shangri-lá ..............................................................................................54 SERRO...................................................................................................................................55 belo Horizonte FUNDAMENTOS ....................................................................................................................57 NO DUPLO VINTE, UMA CIDADE DEBUTANTE ...................................................................58 Minas Gerais, a antecipação de Belo Horizonte........................................................60 Belo Horizonte, uma antecipação de Brasília ............................................................62 Belo Horizonte, Século II: “incipta vita nova” .............................................................68 Cultura MINAS GERAIS: A CULTURA CONTEMPORÂNEA ...............................................................73 BARROCO, MODERNISMO E GUIGNARD ..........................................................................75 TRANSFORMAÇÕES ACELERADAS APÓS A DéCADA DE 60 ............................................77 INHOTIM E EXPANSÃO DA ARTE CONTEMPORÂNEA ........................................................78 PROTAGONISMO EM NOVAS VERTENTES DA MúSICA .....................................................82 DANÇA PRESENTE NA CENA INTERNACIONAL .................................................................84 PRODUÇÃO PROFUSA NA PLURALIDADE DAS LETRAS ....................................................85 ARTES CêNICAS OCUPAM PALCO E RUA .........................................................................88 UMA GERAÇÃO DINÂMICA à FRENTE DO AUDIOVISUAL ................................................91 FEIJÃO, ANGU, COUVE E PÃO DE QUEIJO .......................................................................93 “SOU DO MUNDO, SOU DO OURO, SOU MINAS GERAIS” ...............................................94 PERSONALIDADES .............................................................................................................95 turisMo MINAS GERAIS à BEIRA DOS CAMINHOS .......................................................................106 Caminho Velho ............................................................................................................107 Caminho Novo .............................................................................................................112 Caminho dos Diamantes ............................................................................................114 Caminho de Sabarabuçu ...........................................................................................117 BELO HORIZONTE ..............................................................................................................119 Parque Municipal .........................................................................................................121 Pampulha ......................................................................................................................122 Circuito Cultural Praça da Liberdade........................................................................123 Os arredores de Belo Horizonte ................................................................................125 A TRADIÇÃO DO CARNAVAL EM MINAS GERAIS ..........................................................125 O CIRCUITO DAS áGUAS .................................................................................................126 O ECOTURISMO E O TURISMO DE AVENTURA .................................................................128 Ecoturismo .....................................................................................................................128 Turismo de Aventura ....................................................................................................131 VIAJANTES E TURISTAS: ALGUMAS REFLEXÕES A TíTULO DE CONCLUSÃO ....................131 Culinária O AMARELO DO OURO NO BRANCO DO QUEIJO: FOME E FARTURA NA CULINáRIA DAS MINAS.................................................................................................................................139 A CANASTRA, O SERRO E O PÃO DE QUEIJO: A FABRICAÇÃO DE LATICíNIOS EM MINAS GERAIS ...............................................................................................................................142 AS OUTRAS RIQUEZAS DA TERRA: GRÃOS, FRUTOS, PLANTAS E SEUS SABORES ......................145 OS FARTOS MARES DE MINAS ...........................................................................................151 A BRANQUINHA QUE PASSARINHO NÃO BEBE: A CACHAÇA E SEU LUGAR NA MESA MINEIRA ..............................................................................................................................152 MINEIRíSSIMA COZINHA....................................................................................................157 esportes O CICLISMO E O TURFE ....................................................................................................163 EDUCAÇÃO FíSICA ..........................................................................................................165 MINAS TêNIS CLUBE (1937) ...............................................................................................166 FUTEBOL .............................................................................................................................168 Clube Atlético Mineiro (1908)......................................................................................172 América Futebol Clube (1912)....................................................................................175 Cruzeiro Esporte Clube (1921)....................................................................................178 Estádio Independência (1950)....................................................................................182 Estádio Mineirão (1965)................................................................................................183 PERSPECTIVAS FUTURAS ...................................................................................................185 MiGrações Mineiras MIGRAÇÃO INTRAESTADUAL EM MINAS GERAIS ............................................................190 MIGRAÇÃO INTERESTADUAL DE MINAS GERAIS .............................................................197 MIGRAÇÃO INTERNACIONAL DE MINAS GERAIS ...........................................................202 Meios de CoMuniCação DIáRIO DE MINAS: O JORNAL (QUASE) OFICIAL QUE INCUBOU UMA REVOLUÇÃO CULTURAL ................................................................................................................................219 ESTADO DE MINAS: A LONGA VIDA DE UM JORNAL ENVOLVIDO COM A POLíTICA NACIONAL ..............................................................................................................................221 FOLHA DE MINAS: O DIáRIO QUE NASCEU ANTAGONISTA ...............................................223 BINôMIO: ENTRE O DEBOCHE E A DENúNCIA POLíTICA ....................................................225 DE FATO: O MINEIRO ALTERNATIVO .....................................................................................227 SUPLEMENTO LITERáRIO DO MINAS GERAIS: UM ESPAÇO DE EXPERIMENTAÇÃO CULTURAL REFUGIADO NA BARRIGA DA IMPRENSA OFICIAL ...........................................229 IMPRENSA REGIONAL: O INTERIOR TAMBéM IRRADIA INFORMAÇÃO COM CRIATIVIDADE .........................................................................................................................231 SUPER NOTíCIA: A NOVA CARA E LINGUAGEM DA IMPRENSA EM MINAS GERAIS..........233 RáDIO E TV .......................................................................................................................235 Rádio Mineira ................................................................................................................236 Rádio Guarani 96,5 FM ................................................................................................238 Rádio Inconfidência AM 880 e FM 100,9 ...................................................................239 Rádio Itatiaia AM 610 e FM 95,7 .................................................................................240 Rádio Autêntica 106,7 Favela FM...............................................................................242 TV Itacolomi, Canal 4 .................................................................................................243 TV Alterosa, Canal 5 ....................................................................................................244 TV Globo Minas, Canal 12 ..........................................................................................246 TV Bandeirantes, Canal 7............................................................................................247 eduCação O DESMONTE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA EDUCAÇÃO E A REGULAÇÃO AUTORITáRIA ....................................................................................................................253 OUVIR PARA GOVERNAR.................................................................................................255 INDICADORES EDUCACIONAIS EM 2015 ........................................................................256 ESCOLAS DEMOCRáTICAS ..............................................................................................257 EDUCAÇÃO 2015/2018 .....................................................................................................261 Dados gerais da Rede ................................................................................................261 Nomeações ..................................................................................................................261 Aposentadorias ............................................................................................................261 ACORDO HISTÓRICO E EVOLUÇÃO SALARIAL ..............................................................262 PROGRESSÕES E PROMOÇÕES .......................................................................................262 EDUCAÇÃO INTEGRAL E INTEGRADA – ENSINO MéDIO EM TEMPO INTEGRAL ............262 REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ............................................................263 ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO DIFERENCIADO (APD) .......................................263 AVALIAÇÃO NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO (ANA) .....................................................264 ENSINO MéDIO NOTURNO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...............................264 VIRADA EDUCAÇÃO (VEM) .............................................................................................265 INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS ...................................................................................265 PROGRAMA DE CONVIVêNCIA DEMOCRáTICA ...........................................................265 INICIAÇÃO CIENTíFICA .....................................................................................................266 CONFERêNCIA DE EDUCAÇÃO ......................................................................................266 OBMEP ..............................................................................................................................266 MoViMentos soCiais MOVIMENTOS SOCIAIS EM MINAS GERAIS NO SéCULO XXI ..........................................269 O AMBIENTE POLíTICO NO ESTADO DE MINAS GERAIS ENTRE OS ANOS 2000 E 2014 ......269 PERFIL DOS CONFLITOS SOCIAIS EM MINAS GERAIS ......................................................281 VERBETES COMPLEMENTARES ..........................................................................................293 polítiCa ConteMporânea O CLARO ENIGMA DOS MINEIROS E A REPúBLICA DEMOCRáTICA ..................317 REVOLUÇÃO PASSIVA OU REVOLUÇÃO DEMOCRáTICA? ....................................327 Situação e Política Agrária O campesinato e a política agrária em Minas Gerais ...................................331 A MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CAMPO A PARTIR DA DéCADA DE 1960 .............335 O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA PAUTA AGRáRIA........337 A RESPOSTA NEOLIBERAL E A QUESTÃO AGRáRIA CONTEMPORÂNEA EM MINAS......339 A QUESTÃO FUNDIáRIA EM MINAS..............................................................................343 A LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS.......................................................................347 Meio aMbiente QUEM TE VIU, QUEM TE Vê: AS PAISAGENS MINEIRAS E SEUS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO................................................................................................................365 O QUE VEM DE MINAS E O QUE DELA FIZEMOS: EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS E IMPACTOS NO MEIO AMBIENTE .....................................................................................372 UM FUTURO SUSTENTáVEL? – INICIATIVAS E PROJETOS DE CONSERVAÇÃO EM MINAS GERAIS ................................................................................................................................381 eConoMia CENáRIO E INDICADORES DE DESEMPENHO DE MINAS GERAIS EM 2014 – BASE PARA O PMDI – PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO -2015/2018 ............................389 O PMDI (PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO) 2015-2018 – PRINCIPAIS CARACTERíSTICAS.................................................................................................................393 Redução das desigualdades sociais e regionais – PDTIs.........................................395 Diversificação, modernização e atração de empresas de base tecnológica e de setores que MG reune vantagens comparativas.....................................................397 Infraestrutura – Estruturação de externalidades para atrair investimentos ..........398 transportes e enerGia AS ESTRADAS DE MINAS ................................................................................................413 Malha rodoviária ..........................................................................................................414 Navegação fluvial .......................................................................................................418 As ferrovias ....................................................................................................................422 ENERGIA, INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTISMO .....................................426 seGurança públiCa CONTEXTO ORIGINáRIO ..................................................................................................443 FORMAÇÕES ORIGINáRIAS DAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA...................................447 SEGURANÇA NAS MINAS NO DECORRER DO SéCULO XIX ...........................................452 SEGURANÇA PúBLICA NO ALVORECER DA REPúBLICA ................................................459 O INIMIGO INTERNO DO PERíODO MILITAR ....................................................................467 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: UM NOVO MARCO? ...............................................469 A SEGURANÇA PúBLICA NO ESTADO DE MINAS GERAIS ..............................................479 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................514 polítiCas soCiais LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................525 CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E ECONôMICA DO ESTADO..............................................528 O PLANEJAMENTO EM MINAS GERAIS: AS POLíTICAS SOCIAIS NOS PLANOS MINEIROS DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ..............................................................................540 Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2000 – 2003 ................................541 Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2003 – 2020 ................................541 Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2007 – 2023 ................................542 Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2011 – 2030 ................................542 Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2016 – 2027 ................................543 O PLANEJADO E O POSSíVEL – CRISE FINANCEIRA, LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E AS RESTRIÇÕES à AÇÃO DO ESTADO..............................................................................545 AS POLíTICAS SOCIAIS EM CURSO EM MG......................................................................547 Os Territórios de Desenvolvimento e os Fóruns Regionais .......................................554 A Assistência Social - O SUAS em Minas Gerais.........................................................556 Proteção Social Básica..........................................................................................557 Apoio Técnico e Educação Permanente ..........................................................559 Programa de Aprimoramento da Rede Socioassistencial do Sistema único de Assistência Social– Rede Cuidar ..........................................................................563 Proteção Social Especial .......................................................................................566 As ações voltadas para o mundo do trabalho e a empregabilidade .................567 Mercado de Trabalho e Mundo do Trabalho ....................................................568 Economia Popular Solidaria...................................................................................568 Resultados da prática da Economia Popular Solidária em Minas Gerais 568 Cenário da Economia Solidária em Minas Gerais .............................................570 O papel das mulheres na Economia Popular Solidária.....................................571 Sistema de Emprego: a busca ativa....................................................................572 Educação Profissional ...........................................................................................574 Juventudes – Cooperação para Promoção da Autonomia Jovem.....................575 Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo ...........581 Projeto Sementes Presentes..................................................................................586 ANEXOS.............................................................................................................................591 SISTEMA úNICO DE ASSISTêNCIA SOCIAL – SUAS.......................................................591 CREAS / CREAS REGIONAL..........................................................................................594 CENTRO DE REFERêNCIA DE ASSISTêNCIA SOCIAL (CRAS) ......................................595 FAMíLIA ACOLHEDORA ................................................................................................595 REGIONALIZAÇÃO........................................................................................................596 POBREZA MULTIDIMENSIONAL ......................................................................................597 O PROTAGONISMO JUVENIL NO CONTEXTO DO PROGRAMA JUVENTUDES........597 PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL ........................................................................598 INTERSETORIALIDADE......................................................................................................599 O Porta l Bra sil Verbete Mina s Gera is por Luiz Dulce O estado de Minas Gerais está situado no Sudeste do Brasil, sendo o mais extenso dessa parte do país, com 588.383 km2. é um estado mediterrâneo, sem acesso ao mar. Limita-se com a Bahia, o Espírito Santo, o Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás. Portanto, constitui um território de ligação entre distintas áreas do país, com suas respectivas realidades naturais e socioeconômicas. As várias regiões que compõem Minas Gerais correspondem a essa diferenciação de paisagens e culturas. 17 A GEOGRAFIA DE MINAS O território mineiro é composto em grande medida por terras altas. A leste e sudeste se encontram as serras da Mantiqueira e do Caparaó, bem como vasta área de planaltos. é a parte mais elevada. Ao centro, a serra do Espinhaço, que segue para o nordeste do estado. Do centro para o norte, localiza-se a depressão do rio São Francisco. E a oeste, os chapadões do Triângulo Mineiro e da área contígua a Goiás. O clima varia de acordo com essas características do relevo. São três tipos marcantes. No norte do estado, tem-se o clima tropical semiárido, quente e seco, com p¬ou¬ca chuva. Na maior parte de Minas, observa-se 18 o clima tropical semiúmido, que¬nte, com estações definidas: chuvas no verão e seca no inverno, quando a temperatura é mais fresca. Por fim, no centro e no Sul, predomina o clima tropical de altitude, que difere do semiúmido por ser mais frio, semelhante ao do Sul do país. É particularmente frio nas serras. As chuvas se distribuem de modo variado. Há áreas com baixa precipitação, como os extremos norte, nordeste e leste. Aumentam as chuvas no Oeste, no Sul e no centro. As serras (Mantiqueira, Canastra e Espinhaço) são os pontos onde mais chove, ao passo que os vales do São Francisco e do Jequitinhonha estão no caso oposto, com muita seca. O estado de Minas Gerais foi chamado de “caixa d’agua do Brasil”, pelo fato de abrigar as nascentes de diversos rios importantes do país. Juntamente com seus afluentes, eles formam bacias que chegam a ocupar extensões consideráveis. A maior bacia é a do rio São Francisco, que se estende por quase 40% do território mineiro. O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra, no centro-oeste do estado, e desce na direção norte, rumo ao estado da Bahia. De seu curso total de 2.830 km, percorre em Minas 1.206 km e nesse seu trecho inicial recebe grande número de afluentes, dos quais os principais são, pela margem direita, o rio das Velhas, o Verde Grande, o Paraopeba e o Pará, e pela margem esquerda o Paracatu e o Urucuia. A segunda maior bacia é a do rio Paraná, o qual é formado pelo encontro dos rios Grande e Paranaíba, no bico do Triângulo Mineiro. O rio Grande, com 1.432 km de curso, nasce na Serra da Mantiqueira, percorre o Sul de Minas e depois serve de divisa entre Minas e São Paulo. O rio Paranaíba, com 1.148 km, também assinala a fronteira natural com Goiás e Mato Grosso do Sul. Outras bacias demarcam áreas características do território mineiro e suas águas descem para o Oceano Atlântico através dos estados litorâneos vizinhos. O rio Doce atravessa o leste de Minas e segue para o mar no estado do Espírito Santo, ao longo de 853 km. Por sua vez, o rio Jequitinhonha cruza o nordeste do estado e chega à sua foz, no sul da Bahia, após 1.090 km de 19 percurso, dos quais 876 km em Minas. Curso semelhante, de Minas para o sul da Bahia, é o do rio Mucuri, com 446 km de extensão, e o do rio Pardo, com 565 km. Deve-se mencionar ainda o rio Paraíba do Sul, na fronteira com o Rio de Janeiro, com afluentes do lado mineiro: os rios Pomba, Paraibuna e Muriaé são os principais. A bacia abrange ao todo 56.500 km2, sendo 20.900 km2 em Minas. OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO Minas Gerais é um estado muito heterogêneo, cuja unidade é basicamente político-administrativa, sem grande integração econômica nem cultural entre suas partes. E essa característica se liga, em grande medida, ao processo de ocupação do território com seus desdobramentos ao longo do tempo. Até o século XVII era habitada por diversos grupos indígenas, como os Caiapó, os Bororo, os Puris e os chamados Botocudos. As incursões dos portugueses e dos colonos nativos, seus descendentes, eram raras. Em meados daquele século, os bandeirantes paulistas desbravaram a região em busca de riquezas, até que houve a descoberta do ouro em 1694. Houve grande afluxo de pessoas no decorrer do século XVIII, vindas primeiro de São Paulo, em seguida de outras áreas do Brasil e principalmente de Portugal. A aquisição de escravos negros foi intensa. A atividade aurífera fixou a população e gerou cidades na área central (depois chamada de Zona Metalúrgica), onde ficavam as principais minas de ouro. O centro político-administrativo ali se estabeleceu e permanece até hoje. A mineração do ouro decaiu na segunda metade do século XVIII, mas já então a população mineira detinha a primazia no Brasil, condição que manteve até o início do século 20 XX. No primeiro censo demográfico, realizado em 1872, os habitantes de Minas correspondiam a mais de 20% da população do país. E essa proporção se manteve até o censo de 1920. indígenas que até então circulavam, como povos nômades que eram, por todas essas áreas. Os índios foram combatidos como selvagens ou então cristianizados e assimilados à cultura luso-brasileira. Com a maior população, Minas possuía também uma parcela elevada de poder no cenário nacional, o que se evidenciou na época da Monarquia e continuou na Primeira República. Economicamente, a extração do ouro não foi substituída por outra atividade tão lucrativa. Daí a imagem de decadência da região que surgiu e perdurou, em contraste com a opulência anterior. Essa imagem exerceu forte efeito político, pois motivou esforços de sucessivas gerações da elite mineira para implantar estratégias de recuperação econômica. No entanto, era uma visão demasiado pessimista. Houve crescimento, talvez lento, mas não decadência. O fato de que a população permaneceu A maior parte dos habitantes, após o auge da mineração, se transferiu do meio urbano para o rural. Esse singular processo de ruralização significou a ocupação humana e produtiva das demais zonas do atual território mineiro no decorrer do século XIX. Tal deslocamento de pessoas resultou na destruição gradual das comunidades 21 dentro de Minas, inclusive o vasto contingente de escravos, indica que a economia se reciclou, em atividades de subsistência e de produção comercial. Expandiu-se um circuito entre as localidades, que dava para sustentar toda aquela sociedade. Esta foi a base do desenvolvimento da agricultura para o mercado interno (notadamente cereais) e do importante pecuária regional, de bovinos e suínos, com seus subprodutos, como o leite, os queijos e as carnes de porco, tão característicos da presença mineira no Brasil. A cultura do café se estabeleceu no meio do século XIX, na Zona da Mata, trazendo consigo as ferrovias e financiando indústrias. Porém só na Mata o nexo café-indústria funcionou. O segmento têxtil, que era o carrochefe da indústria, se fixou também 22 em outras partes, sobretudo na velha área central, por meio do capital de comerciantes e fazendeiros. Houve também algum investimento estrangeiro em setores específicos. A indústria mineira, que começou com a mineração, prosseguiu com tecidos e alimentos (laticínios, açúcar) e se estendeu para outros bens de consumo familiar. Esse modelo era interessante para incentivar empreendimentos nas diversas zonas do território mineiro. O governo favorecia a diversificação produtiva conforme as vocações locais, abrangendo não só a indústria como também a agricultura que se procurava modernizar. Era uma espécie de política de substituição de importações, mas que só funcionaria num cenário de relativo isolamento. Porém, tão logo o mercado brasileiro se nacionalizou, nos anos 1930, a situação de Minas se revelou difícil diante de seus vizinhos mais competitivos. Em meados do século XX, o foco se deslocou para a especialização produtiva, com base nos vastos recursos minerais da região. A siderurgia já estava em andamento desde antes e ganhou centralidade. Ao mesmo tempo, expandiu-se a mineração em escala moderna, principalmente do ferro, com a criação da Cia. Vale do Rio Doce. Esta opção nunca agradou inteiramente aos mineiros, mas foi trazendo resultados sob a forma de impostos, empregos e salários, junto com grandes passivos ambientais. O novo modelo de especialização parecia mais viável no cenário econômico do Brasil pautado pelo nacional-desenvolvimentismo. No entanto, supunha concentração de capitais e de renda nas regiões dinâmicas, como o Centro, a Zona Metalúrgica e o contíguo Vale do Aço, onde se localizam as principais usinas siderúrgicas. As desigualdades internas ao estado foram assim acentuadas. Não obstante, novas possibilidades de desenvolvimento econômico se abriram para outras zonas do estado. A cafeicultura voltou a ganhar proeminência no último quarto do século XX, quando Minas se tornou o principal estado produtor. Ocupa parte relevante da Zona Sul, mas não se limita a esta, pois emergiram outras áreas promissoras, como a do café do Cerrado. Outras culturas comerciais ganharam espaço, em particular a soja e a cana. No Triângulo Mineiro se implantaram muitas usinas de açúcar e álcool. Prossegue a produção de cereais para o mercado interno, atividade tradicional. O mesmo acontece com a pecuária. A indústria de laticínios é uma marca do estado. AS REGIÕES A diversidade entre as regiões mineiras tem sido destacada nos estudos sobre a sua economia e sua cultura. Uma ideia que ganhou popularidade é a de diferenciar entre as Minas e as Gerais, ou seja, entre a área que se originou da civilização do ouro e o resto do estado, fruto do processo de ruralização pós-colonial. As Gerais, nesse sentido, não são consideradas propriamente mineiras. São inclusive muito diferentes entre si. Como classificá-las? Para fins administrativos, o governo estadual elaborou um critério oficial de regionalização, que resultou no estabelecimento de doze mesorregiões ou regiões de planejamento, mostradas no mapa seguinte. 23 A população do estado, distribuída por essas regiões de planejamento, foi assim apurada pelo Censo Demográfico de 2010: POPULAÇÃO DE MINAS GERAIS POR REGIÕES (2010) Metropolitana de BH 6.236.118 Sul/Sudoeste de Minas 2.438.610 Zona da Mata 2.173.374 Triângulo/Alto Paranaíba 2.144.482 Vale do Rio Doce 1.620.993 Norte de Minas 1.610.413 Oeste de Minas 955.029 Jequitinhonha 699.414 Campo das Vertentes 554.354 Central Mineira 412.716 Vale do Mucur 385.413 Noroeste de Minas 366.418 Fonte: Censo Demográfico de 2010. A distribuição populacional por regiões pode ser complementada pela lista dos municípios mais populosos, os quais se distribuem pelas diversas áreas do estado: MINAS GERAIS E SUA DIVISÃO EM REGIÕES DE PLANEJAMENTO 24 MUNICIPIOS MAIS POPULOSOS DE MINAS GERAIS (2010) Município População Localização regional Belo Horizonte 2.375.151 Metropolitana Uberlândia 604.013 Triângulo Contagem 603.442 Metropolitana Juiz de Fora 516.247 Zona da Mata Betim 378.915 Metropolitana Montes Claro 361.915 Norte de Minas Ribeirão das Neves 296.317 Metropolitana Uberaba 295.988 Triângulo Governador Valadares 263.689 Vale do Rio Doce Ipatinga 239.468 Vale do Rio Doce Sete Lagoas 214.152 Metropolitana Divinópolis 213.016 Centro-Oeste Santa Luzia 202.942 Metropolitana Ibirité 158.954 Metropolitana Poços de Caldas 152.435 Sul de Minas Patos de Minas 138.710 Alto Paranaíba Teófilo Otoni 134.745 Vale do Mucuri Pouso Alegre 130.615 Sul de Minas Barbacena 126.284 Campo das Vertentes Sabará 126.269 Metropolitana Fonte: Censo Demográfico de 2010. Minas Gerais possui 853 municípios e estes são os vinte mais populosos. Nota-se o peso relativo da região metropolitana de Belo Horizonte, com oito municípios entre os vinte. O Sul de Minas e a Zona da Mata são as regiões seguintes em população, mas aparecem pouco na listagem. é que elas possuem um grande número de municípios (respectivamente 146 e 143), com população de média para pequena. E as áreas desses municípios também não são muito extensas, devido às periódicas subdivisões que os afetaram a partir do século XIX. Já na porção norte do estado o número de municípios é proporcionalmente menor, as respectivas áreas são bem mais extensas e a ruralidade é mais pronunciada. Aqui está uma breve descrição das diversas regiões do estado. 25 METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE É a região das Minas, formada na época colonial. Engloba 105 municípios, entre os quais núcleos urbanos de grande valor histórico e artístico: Ouro Preto, Mariana e Congonhas. Belo Horizonte é a capital desde 1897. Foi construída para substituir Ouro Preto, a antiga capital. Cidade planejada de acordo com os modelos urbanísticos da época, Belo Horizonte se destinava a ser o polo de modernização de Minas Gerais na nova era republicana que se iniciava no país. Devia servir também de centro de gravitação das diversas partes do estado. A capital cresceu aos poucos, ganhando maior porte na metade do século XX. Não chegou a polarizar as heterogêneas áreas de Minas, dada a concorrência de centros mais fortes como São Paulo e o Rio de Janeiro. Mas, junto com suas funções governamentais, tornou-se eixo de uma forte estrutura industrial, baseada nos setores de metalurgia e mineração do ferro, fabricação de cimento e produção de veículos (automóveis, caminhões e locomotivas). A rede de indústrias se localiza em diversos municípios da área metropolitana, com destaque para Contagem e Betim, interligados à capital. A aglomeração metropolitana envolve também outros municípios, alguns bastante populosos, como 26 Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Ibirité e Sabará. A certa distância da capital se encontram cidades economicamente importantes, em especial Sete Lagoas e Conselheiro Lafaiete. Belo Horizonte é um grande polo de comércio, assim como de serviços de saúde e educação superior. é sede da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que estão entre as maiores do país. A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) é outra instituição acadêmica tradicional da região, oriunda da Escola de Minas fundada em 1876 para formar engenheiros, a qual exerceu influência marcante na industrialização do Brasil. CAMPO DAS VERTENTES Composta por 36 municípios, a região do Campo das Vertentes tem esse nome por servir de divisor de águas de quatro bacias: a do São Francisco, a do Paraná, a do Paraíba do Sul e a do Doce. Nela fica a parte final da Serra da Mantiqueira, cujos desdobramentos, em montanhas e colinas, fazem a divisão dos rios que compõem as bacias mencionadas. Foi habitada desde a época da colônia, pois era área de passagem dos bandeirantes paulistas para a região das minas de ouro. Algumas de suas cidades são bastante antigas, como São João del Rei e Tiradentes, valorizadas por seu patrimônio histórico. Outras cidades importantes são Barbacena e Lavras. é uma região equilibrada, tanto em sua economia quanto nas condições sociais. A pecuária se destaca como atividade produtiva, assim como alguns ramos industriais (cimento, laticínios) e o turismo, atraído pelas cidades históricas e pelo artesanato das pequenas cidades. Possui duas universidades federais, a de São João del Rei (UFSJ) e a de Lavras (UFAL), e um campus da Universidade do Estado de Minas Gerais em Barbacena, além de instituições particulares. SUL – SUDOESTE Área formada por 146 municípios, foi percorrida inicialmente pelos desbravadores paulistas que procuravam as minas de metais preciosos. Pertenceu a São Paulo até 1764, quando passou à jurisdição mineira, mas até hoje é bastante ligada ao estado vizinho. Traços culturais do Sul de Minas são semelhantes aos do interior de São Paulo. E suas economias apresentam complementaridades. é região de economia sólida, tanto na agricultura quanto na indústria. Sua produção de café é a principal do país. Seu parque industrial é diversificado, abrangendo fábricas de queijos e outros derivados do leite, medicamentos, produtos químicos, eletrônica, telecomunicações, autopeças, metalurgia e helicópteros. Apresenta três grandes atrações turísticas: a Serra da Mantiqueira, o Lago de Furnas e o Circuito das águas, com as estâncias hidrominerais de Poços de Caldas, Caxambu, São Lourenço, Lambari e Cambuquira. A rede urbana do Sul de Minas é bem distribuída, com várias cidades de porte médio e bons índices de desenvolvimento socioeconômico. A maior é Poços de Caldas, seguindose Pouso Alegre, Varginha, Passos, Itajubá, Alfenas e Três Corações. A região é sede de duas universidades federais, em Itajubá (Unifei) e Alfenas (Unifal), bem como de muitas outras instituições universitárias particulares em suas principais cidades. Em Santa Rita do Sapucaí, o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) deu origem ao maior polo de tecnologia eletroeletrônica do país, apelidado de Vale da Eletrônica. CENTRO-OESTE Sob essa denominação podem ser agrupadas as mesorregiões Oeste e Central Mineira, que têm características comuns. Situam-se no Alto São Francisco, desde suas nascentes na Serra da Canastra até a Represa de Três Marias. 27 Ao todo são 74 municípios. A maior cidade é Divinópolis, centro comercial e de serviços, com uma extensa indústria de vestuário e confecções. Itaúna, que lhe é próxima, sedia a Universidade de Itaúna, particular, e unidades industriais nos ramos siderúrgico e têxtil. Nova Serrana é outro núcleo que se destaca na região como polo da fabricação de calçados. Essas três são as mais populosas, seguidas por Curvelo, Bom Despacho e Formiga. A Serra da Canastra, protegida como parque nacional, é local de grande beleza. Nessa área se elabora o queijo da Canastra, a variedade mais famosa dos típicos queijos de Minas. ZONA DA MATA Situada no sudeste de Minas, abrange 142 municípios. O nome surgiu do predomínio da Mata Atlântica sobre a região, a qual durante a era colonial permaneceu praticamente indevassada. Toda a parte leste do atual território mineiro era interditada pelos portugueses para evitar o contrabando do ouro. Com o declínio da mineração aurífera é que as terras da Mata começaram a ser ocupadas e cultivadas, ao longo do século XIX. Assim como o Sul de Minas se ligava a São Paulo, a Zona da Mata sempre foi ligada ao Rio de Janeiro, dada a 28 sua proximidade com a antiga capital do país. Daí veio o impulso maior para o seu desenvolvimento, com a transposição da cultura do café do Rio para Minas e a implantação das ferrovias na segunda metade do século XIX. Durante muito tempo, até meados do século XX, a Mata viveu um ciclo de desenvolvimento, com a riqueza proporcionada pelo café alimentando um processo de industrialização que a destacou como uma das áreas mais dinâmicas da economia brasileira. Juiz de Fora, o principal núcleo urbano da região, abrigava um grande número de fábricas de tecidos, de alimentos e de outros bens de consumo. Em menor escala, o mesmo ocorria em Santos Dumont, Cataguases, Leopoldina, Ubá, Muriaé e Ponte Nova. Esse ciclo se esgotou e a Zona da Mata buscou alternativas, que foram encontradas, por exemplo, na indústria de móveis de Ubá e na suinocultura da área de Ponte Nova. Juiz de Fora se converteu em centro de comércio e de serviços para toda a Mata, com a sua universidade federal (UFJF) e outras instituições de ensino superior, ao lado de vasta rede de atendimento médico e hospitalar. A Universidade Federal de Viçosa (UFV) é instituição de referência no campo das ciências agrárias, com quase cem anos de atuação. Há ainda um campus da Universidade do Estado (UEMG) em Carangola e diversas escolas técnicas federais. Em população, Ubá e Muriaé são os dois principais municípios depois de Juiz de Fora, vindo em seguida Manhuaçu, Viçosa, Cataguases e Ponte Nova. Não é uma região turística, mas em suas extremidades estão locais de grande atração: o parque estadual da Serra de Ibitipoca, que é um trecho da Mantiqueira, e o parque nacional do Caparaó, na fronteira com o Espírito Santo, ideal para montanhistas, pois ali se encontram alguns dos picos mais altos do Brasil. VALE DO RIO DOCE A exemplo da Zona da Mata, a área do Rio Doce permaneceu interditada durante o período colonial, e se manteve à margem da vida nacional até o século XX. Era trecho da Mata Atlântica em que viviam grupos indígenas e certo número de posseiros. Diversos projetos de desenvolvimento da economia mineira com base nos recursos minerais do estado provocaram a sua integração: o aproveitamento da madeira para carvão vegetal de uso industrial; a exportação de minério de ferro através do vale para o mar no Espírito Santo; a e implantação de usinas siderúrgicas, que originaram o apelido de “Vale do Aço”. A ferrovia Vitória a Minas e a rodovia Rio-Bahia contribuíram decisivamente para articular o Vale do Rio Doce aos mercados interno e internacional. Com 102 municípios, a região tem como polo a cidade de Governador Valadares, centro comercial e de serviços. É localidade famosa entre os adeptos do voo livre, por suas excepcionais condições para a prática desse esporte. Outro centro relevante é a cidade de Caratinga. A estrutura industrial se concentra nas cidades de Ipatinga, Coronel Fabriciano e Timóteo, que são interligadas e formam uma espécie de área metropolitana de médio porte. VALE DO MUCURI é uma região menor, com 23 municípios, localizados ao longo do Rio Mucuri e de seus afluentes. Adjacente ao extremo-sul da Bahia, o vale do Mucuri foi um dos pontos de entrada do território mineiro para os portugueses, mas permaneceu praticamente intocado como área da Mata Atlântica habitada por indígenas. Em meados do século XIX, Teófilo Otoni, político e empresário mineiro, lançou um projeto de aproveitamento econômico do Mucuri, com a construção de estradas e a atração de famílias de 29 imigrantes europeus. A cidade que hoje tem o seu nome era o núcleo do empreendimento e continua sendo o maior centro regional. Posteriormente, a implantação da ferrovia Bahia a Minas, ligando o vale do Mucuri ao mar, ajudou a movimentar as atividades agrícolas da região e a aproximar seus habitantes. Já no século XX, a rodovia Rio-Bahia completou a integração da área ao sistema nacional. Nessa época, a indústria madeireira era muito ativa, à custa da derrubada da Mata Atlântica, da qual pouco resta nos dias de hoje. Em seu lugar expandiu-se a criação de gado. Ao lado da agropecuária, um setor que se tornou conhecido é o da extração de pedras preciosas. A cidade de Teófilo Otoni possui grande número de casas de lapidação de gemas bem como de empresas de comercialização das pedras preciosas. JEQUITINHONHA O Vale do Jequitinhonha se situa no nordeste de Minas, vizinho ao estado da Bahia. Abrange 53 municípios. É uma região tipicamente sertaneja, relativamente pobre em termos econômicos e rica do ponto de vista cultural. A cerâmica artesanal da região é das mais destacadas no campo da arte popular brasileira. O 30 patrimônio histórico e artístico, legado da época colonial, é de grande valor e se encontra principalmente nas cidades de Diamantina, Serro e Minas Novas. O queijo do Serro é uma das principais variedades do queijo de Minas. Não possui nenhuma cidade de grande porte. As três principais são Diamantina, Araçuaí e Almenara. Elas referenciam as três subdivisões do Vale: alto, médio e baixo Jequitinhonha. Diamantina é centro educacional, sede da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e de outras instituições acadêmicas. NORTE DE MINAS é a região mais extensa de Minas Gerais, composta de 89 municípios. Eles se localizam em diferentes pontos da bacia do Rio São Francisco em seu trecho mineiro. Tradicionalmente rural e isolado, o Norte de Minas ingressou na era industrial quando foi incluído no Polígono das Secas e na área de jurisdição da Sudene, desde sua criação em 1959. A partir daí, por meio de incentivos fiscais, foram estabelecidas indústrias de diversos ramos: cimento, metalurgia, medicamentos, alimentos. Projetos agropecuários modernos também foram implantados, com vistas à produção de frutas. A cultura do algodão e a criação de gado são atividades tradicionais. A silvicultura, para produção de carvão vegetal que alimenta as siderúrgicas do centro do estado, se faz presente em muitos municípios. Montes Claros é o centro regional. é uma das maiores cidades do interior de Minas. Nela se localizam as principais indústrias e os serviços de saúde e educação que atendem aos pequenos municípios vizinhos. A Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) é uma das principais universidades de Minas e tem unidades em várias outras localidades da região. Seguem-se em população os municípios de Janaúba, Januária, São Francisco e Pirapora. NOROESTE DE MINAS Com 19 municípios, é a região menos populosa do estado. Possui duas cidades principais: Paracatu e Unaí. Embora Paracatu tenha surgido na época da mineração do ouro, o Noroeste permaneceu isolado e relativamente vazio até o século XX. Era o “grande sertão” retratado por Guimarães Rosa em suas obras Com a construção de Brasília, a nova capital federal, é que essa parte de Minas foi articulada ao resto do estado e do país. Unaí, município próximo ao Distrito Federal, ganhou relevo como área de agricultura comercial e o mesmo ocorreu com outros municípios da região. TRIÂNGULO – ALTO PARANAIBA é a segunda região do estado em extensão, e também a segunda em potência econômica, após a região metropolitana da capital. área desbravada pelos bandeirantes a caminho de Goiás, era conhecida como Sertão da Farinha Podre, ocupada pelos índios caiapós. Pertenceu a São Paulo até 1749, quando passou a Goiás. Em 1816 foi incorporada a Minas Gerais. Sua principal cidade, Uberlândia, é a maior do interior de Minas. Outros centros importantes são Uberaba, Patos de Minas, Araguari, Ituiutaba, Araxá e Patrocínio. Economicamente, destaca-se na agropecuária, na indústria e no setor terciário. Uberaba tem uma longa história de liderança na criação do gado zebu no país. Uberlândia é o maior centro atacadista do interior brasileiro, tirando partido de sua localização central para distribuir mercadorias pelas diversas regiões do país. Patos de Minas se destaca na cultura de cereais para o mercado interno (feijão, milho). Araxá é cidade turística e estância de águas 31 minerais. Indústrias de vários setores se localizam nas principais cidades da região, a exemplo de diversas usinas de açúcar e álcool. A região possui duas universidades federais: a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), com sede em Uberaba. Há outras instituições universitárias públicas, inclusive duas unidades da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), sendo uma em Ituiutaba e a outra em Frutal, além de diversas faculdades privadas e escolas técnicas. POPULAÇÃO Isso significa diminuição gradual do número de crianças no conjunto da população. Por outro lado, a taxa de mortalidade também recuou, resultando no aumento das faixas etárias mais velhas. Com esse dado, a participação mineira na população do país caiu para 10,27%. Há cem anos representava mais de 20%. Esta é uma situação que tem despertado o interesse dos especialistas nos estudos de população, pois caracteriza a chamada transição demográfica. A composição populacional de Minas, nesse sentido, está se aproximando daquela das sociedades mais desenvolvidas em termos socioeconômicos: menos crianças e mais idosos. Diminui a taxa de fecundidade e o mesmo ocorre com a taxa de mortalidade. A queda paulatina se explica por diversos fatores. Um deles é a mudança na ocupação humana do território brasileiro, pela interiorização da população em vastas áreas quase vazias, como os estados do Centro-Oeste e do Norte. Esse seria Não se trata somente de constatação de cunho acadêmico. Ao contrário, tem graves implicações para a agenda das políticas públicas. A transição demográfica impõe uma revisão de prioridades que contemple as novas situações. O Censo de 2010 registrou para o estado de Minas Gerais um total de 19.597.330 habitantes, sendo 9.641.877 homens e 9.955.453 mulheres. O resultado surpreendeu pelo baixo crescimento, um dos menores entre os estados brasileiros. 32 um fator de cunho mais geral. Mas houve também elementos internos a Minas. A intensa emigração, com saldo migratório negativo, marcou a fisionomia do estado ao longo do século XX. E, acima de tudo, deu-se a redução da taxa de fecundidade. Em 1970 era de 6,3 filhos por mulher em idade reprodutiva. Em 2000, caiu para 2,2 filhos. E em 2010 caiu ainda mais para 1,8, ou seja, abaixo do nível de reposição. Assim, há que se investir mais na saúde de adultos, no cuidado com idosos, na assistência a essa faixa etária. Com o tempo, menor volume de recursos será necessário para a saúde materno-infantil, sem prejuízo do bom atendimento às crianças e às suas mães. O mesmo vai ocorrer com a educação infantil, quando ela estiver universalizada. Havendo menos pressão pela quantidade de usuários, pode-se melhorar a qualidade dos serviços. Observando a atual pirâmide etária, constata-se que o grupo maior é o de jovens, correspondendo à faixa dos 15 aos 30 anos. Políticas públicas para a juventude estão emergindo no Brasil, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para contemplar de fato essa parcela da população. Seja em termos de educação, de profissionalização, de emprego, de cultura e de participação cidadã. É certo que a referida transição não acontece de modo homogêneo através do território. é mais rápida nas áreas de feição urbano-industrial e mais lenta nas áreas rurais. Portanto, as políticas públicas devem considerar a heterogeneidade da dinâmica populacional e calibrar suas ações de acordo com ela. Isso nos leva a apresentar uma dimensão relevante da trajetória mineira: o seu processo de urbanização. Este é uma expressão bastante visível das mudanças socioeconômicas que o estado viveu nas últimas décadas. No passado, a proporção da população urbana de Minas era sempre menor do que a do Brasil em seu conjunto. Mas no século XXI ela passou a ser maior. No Censo de 2010 a população urbana de Minas alcançou 85,3%, um pouco acima da brasileira, que chegou a 84,35%. Os Censos utilizam um critério administrativo para designar a população urbana: ela compreende os moradores de sedes de municípios e de distritos. Esse critério superdimensiona o urbano em relação ao rural, pois um grande número de cidades, para não falar de vilas que sediam distritos, são muito mais rurais que urbanas em termos econômicos, sociais e culturais. É o que tem ressaltado a discussão sobre as novas ruralidades no Brasil. Mesmo assim é inegável o ritmo da urbanização em Minas. O crescimento urbano se concentrou na área metropolitana de Belo Horizonte e em algumas dezenas de cidades maiores. Em contraste, alguns censos revelaram a perda de população, em números absolutos, de muitos municípios, não apenas de zonas muito pobres, como o Vale do Jequitinhonha, mas inclusive da Zona da Mata, limítrofe do Rio de Janeiro. Sendo Minas era um estado de emigrantes, conclui-se que a inchação das grandes cidades 33 deriva em boa parte do êxodo rural (ou semi-rural) a partir dos pequenos municípios agropecuários. Seria uma migração interna ao próprio estado, fruto das disparidades regionais, da estagnação econômica de certas zonas e da modernização tecnológica que atropela outras zonas, rompendo com o seu estilo de vida tradicional e desenraizando seus habitantes. Já foi mencionada a importância do fenômeno da emigração na trajetória do estado. Com efeito, houve um fluxo constante de emigrantes ao longo do século XX – em geral para estados vizinhos, como São Paulo e Rio de Janeiro, em meados do século para o Paraná e para Brasília, mais recentemente para a fronteira agrícola do Norte (Tocantins, Pará, Rondônia, etc.). A emigração para o exterior também ganhou destaque, sobretudo nas últimas décadas do século XX, com o declínio da economia e da oferta de empregos no Brasil. Há uma vasta colônia de mineiros nos Estados Unidos e algo semelhante se esboçou em Portugal. Houve uma reversão da tendência na década de 1990, despertando a expectativa positiva de que a perda constante de população estaria estancada. No entanto, entre 2005 e 2010 os números de Minas Gerais voltaram a registrar déficit migratório, ainda que em pequena escala: menos 14.105 habitantes. Pode ser 34 uma ligeira inflexão em torno de um ponto de equilíbrio, de modo que teríamos, a cada levantamento estatístico, pequenas oscilações para mais e para menos. é provável que não volte a sangria de habitantes em massa, uma vez que a melhoria relativa das condições internas reduz o ritmo do êxodo, ao passo que os fatores de atração para outras partes do país já não exercem o mesmo impacto do passado. E há, além disso, a redução do crescimento da população, que alivia a pressão interna. Quanto à emigração internacional, segundo estimativa do Censo de 2010 os mineiros formavam o contingente mais numeroso de brasileiros nos Estados Unidos (43,2%) e em Portugal (20,9%). Estes eram os dois principais países de destino de emigrantes brasileiros. Contudo, entre os estados, São Paulo tinha mais naturais fora do país (106.099) do que Minas (82.749), destacando-se o Japão como país de destino dos paulistas. Ao todo, foram estimados 491.645 brasileiros residentes no exterior naquele ano. No entanto, esse número é muito inferior ao que geralmente se estima por outras vias (principalmente pelo serviço diplomático brasileiro) e o próprio IBGE reconhece que o registro está subdimensionado, dada a dificuldade de identificar e pesquisar toda a população visada. A origem territorial dos emigrantes é concentrada. Eles provêm maciçamente de municípios do vale do Rio Doce, seja de Governador Valadares, que é o seu polo regional, seja de localidades menores, nas quais praticamente todas as famílias têm membros residindo nos Estados Unidos. E aqui entra outro aspecto relevante: o impacto econômicofinanceiro da emigração para essas famílias e para os próprios municípios. As remessas de dinheiro que os emigrantes economizam por lá e enviam para as famílias formam parte significativa da renda local, ajudando a movimentar o comércio e a indústria de construção civil. Na esteira da crise econômica que eclodiu em 2008, começou um movimento de regresso dos emigrantes para suas cidades em Minas. O fluxo de retornados, na medida em que tomou corpo, tem provocado a necessidade de facilitar sua reinserção no Brasil mediante o apoio do poder público e da sociedade civil. Por último, vejamos algumas projeções para o futuro. Tendo em vista o cenário demográfico descrito, a principal projeção para a população mineira é a de decréscimo nas próximas décadas. Estima-se que as taxas de crescimento serão cada vez menores. Entre 2040 e 2050 a população começará a diminuir e algumas regiões serão despovoadas. A população deverá envelhecer mais rapidamente, enquanto os nascimentos se reduzem. Preveem-se também diferenças entre as regiões do estado quanto ao crescimento populacional. Algumas delas continuarão a crescer um pouco, sobretudo as quatro regiões mais ao norte: o Norte de Minas, o Vale do Jequitinhonha, o Vale do Mucuri e o Noroeste. Em contrapartida, a Zona da Mata, o Triângulo/Alto Paranaíba, o Campo das Vertentes e o Oeste de Minas deverão perder população já na década de 2030. A área metropolitana de Belo Horizonte e o Sul de Minas vão começar a perder população na década seguinte. As regiões que continuarão a crescer, na porção norte do estado, terão, contudo, que enfrentar perdas de habitantes por emigração. Isso ampliará a proporção do envelhecimento em tais áreas, pois os emigrantes são jovens ou, de todo modo, estão em idade ativa. Além disso, é conhecido, ali, o fenômeno do deslocamento sazonal de trabalhadores para estados vizinhos, deixando suas mulheres e filhos por longo tempo. Há que considerar, ainda, a possível tendência ao envelhecimento da população rural. Na medida em que os jovens se deslocam para as cidades, em busca de melhores condições de vida, ocorre um esvaziamento no sistema de agricultura familiar. 35 A perspectiva de permanência dos jovens em suas comunidades rurais é importante para que eles sucedam aos pais e prossigam nas atividades desse setor tão importante para o país. 36 37 O Porta l Bra sil Território por Luiz Dulce Complexo Santuário do Caraça O complexo do Santuário do Caraça. é um centro de espiritualidade, cultura, educação, conservação ambiental, lazer e turismo, localizado nos municípios de Catas Altas e Santa Bárbara e Patrimônio Cultural do Brasil, com tombamentos em nível federal, estadual e municipal; Pertence a Província Brasileira da Congregação da Missão, com área total de 11.233 hectares, com múltiplas funções. É composto pelo Conjunto Arquitetônico do Santuário, onde estão igreja neogótica, o prédio do antigo colégio (hoje museu e biblioteca) e a pousada. Na área de manejo estão localizadas a Fazenda do Engenho, o Buraco da Boiada, a Fazenda do Capivari. Além da Reserva Particular do Patrimônio Natural, de 10.187 hectares. é um grande pólo turístico da região e uma das mais importantes e mais visitadas Unidades de Conservação do Estado de Minas Gerais, com média de 70 mil turistas por ano, além de ser uma das maiores: corresponde praticamente por 51% das Reservas Particulares do Estado. O Caraça oferece turismo alternativo, com trilhas, cachoeiras, tanques, piscinas naturais, antigas construções, grutas e picos que só podem ser visitados com guias, onde a formação de valores é realçada em todos os momentos. 39 Instinto Inhotim O Instituto Inhotim é considerado o maior museu de arte ao ar livre da América Latina, e um dos maiores acervos de arte contemporânea do Brasil, além de abrigar uma coleção botânica que reúne espécies raras de todos os continentes Fica localizado na cidade de Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte Começou a ser idealizado em meados dos anos 80 pelo Empresário Bernardo de Mello Paz Em 1984 recebeu a visita do paisagista Burle Marx apresentou sugestões e colaborações para os jardins do Instituto. 40 Com o passar do tempo a propriedade particular se transformou em um grande espaço cultural, com as primeiras construções destinadas a receber obras de arte contemporânea, e em 2005 ganhou um rico acervo botânico de diferentes partes do Brasil, ao todo são mais de 4.700 acessos, que representam 181 famílias botânicas, 953 gêneros e aproximadamente 4.300 espécies de plantas vasculares. Arte Contemporânea O Instituto Inhotim abriga uma série de pavilhões e galerias de arte e esculturas expostas ao ar livre. Desde o seu início tem a missão de criar um acervo e definir estratégias museológicas que possibilitem o acesso da comunidade a cultura, aproximando o público das obras de artistas de diversas partes do mundo, e trazendo a reflexão questões da contemporaneidade. Novos projetos são inaugurados periodicamente, incluindo obras criadas para o local. Jardim Botânico Além da contemplação, os jardins são campos de estudos florísticos, catalogação de novas espécies botânicas e ações de educação ambiental. Em 2010 o Instituto recebeu o titulo de Jardim Botânico atribuído pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos, e desde então integra a Rede Brasileira de Jardins Botânicos. 41 Lago de Furnas Com 1.406,26 km² e 3.500 km de perímetro é um dos maiores lagos artificiais do mundo e a maior extensão de água do estado. O lago de águas cristalinas banha 34 municípios, e compõe a paisagem com piscinas naturais, pequenos lagos, cachoeiras e formações rochosas com mais de 20 metros de altura. 42 História Em 1957, presidente Juscelino Kubitschek assinou o decreto federal n° 41.066, para a criação da Central Elétrica de Furnas, para resolver a crise elétrica que o país enfrentava na época. O Local escolhido para a instalação da hidrelétrica foi o curso médio do rio grande, no Sul de Minas Gerais, entre os municípios de São João Batista do Glória e São José da Barra. As águas do rio foram desviadas para a construção da usina, em 1963, e assim teve início a formação do Lago de Furnas. Neste processo o município de Guapé ficou praticamente submerso, e o distrito de São José da Barra desapareceu sob as águas do lago. Atividades Estão disponíveis muitos passeios e atividades nas cidades banhadas pelo lago; pesca esportiva, passeio de lanchas, chalana, rafting, voos de asa delta, mergulho, onde é possível ver as ruinas das cidades que ficaram submersas. Além de todas estas opções, um dos principais atrativos é o cânion, por onde os turistas podem navegar entre os paredões rochosos e conhecer as inúmeras cachoeiras. A entidade que cuida dos interesses da região é a Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), que tem como associados os seguintes municípios: Aguanil, Alfenas, Alpinópolis, Alterosa, Areado, Boa Esperança, Cabo Verde, Camacho, Campo Belo, Campo do Meio, Campos Gerais, Cana Verde, Candeias, Capitólio, Carmo do Rio Claro, Coqueiral, Cristais, Divisa Nova, Elói Mendes, Fama, Formiga, Guapé, Ilicínea, Itapecerica, Juruaia, Lavras, Machado, Monte Belo, Muzambinho, Nepomuceno, Paraguaçu, Perdões, Pimenta, Ribeirão Vermelho, São João Batista do Glória, Varginha, São José da Barra, Serrania e Três Pontas. Mercado Central de Belo Horizonte O Mercado Central de Belo Horizonte é um dos pontos comerciais mais procurados da cidade, e recebe visitantes de todas as partes do estado e do mundo. Pelos seus corredores temáticos é possível encontrar frutas, artigos religiosos, artesanato, e ervas, mas dentre os produtos mais procurados estão a cachaça, a goiabada e o famoso queijo minas. História Em 1929, o então prefeito Cristiano Machado resolveu reunir em um só lugar os produtos que abasteciam a cidade. Em um terreno de 14 mil metros quadrados, foram reunidos todos os feirantes, o que centralizou o abastecimento da população. O Mercado Municipal, como era chamado na época, funcionou até 1964, na gestão do prefeito Jorge Carone, que alegou impossibilidade de administrar a feira e colocou o terreno à venda. 43 Para evitar o fechamento do mercado, os comerciantes se organizaram em uma cooperativa e compraram o imóvel da Prefeitura, que deu uma prazo de cinco anos para que fosse construído um galpão coberto, caso contrário, teriam que devolver a área. A tarefa só pode ser cumprida com a ajuda dos irmãos Osvaldo, Vicente e Milton de Araújo, que acreditaram no empreendimento, e contrataram quatro construtoras, cada uma responsável por uma lateral, tudo isso faltando apenas duas semanas para o final do prazo estabelecido. Com a participação ativa dos comerciantes, o Mercado ampliou suas atividades ano após ano, e hoje, com mais de oito décadas de existência, possuiu mais de 400 lojas e oferece serviço de informação bilíngue, e é um dos locais mais queridos pelos mineiros. Parque das águas de São Lourenço Localizado no centro da cidade de São Lourenço, possui 430.000 m² de área e fontes de água mineral com propriedades terapêuticas e medicinais. As nascentes do São Lourenço foram descobertas em 1826, mas o local passou a ter maior atenção após a criação da Companhia de águas São Lourenço, em 1890. Porém, somente nas últimas décadas o turismo se desenvolveu na região. O Parque tem espaços para prática de várias atividades, como pista de cooper e bicicleta, quadras esportivas, lago com pedalinhos, minigolfe, além da gruta Nossa Senhora dos Remédios, jardim Japonês, a catedral de bambu, onde acontecem apresentações musicais, lojas e restaurantes Imagem de https://www.nestle.com.br/portalnestle/parquedasaguas/parque.html 44 Mas apesar de todas estas opções, a procura maior dos turistas é pelo Centro Hidroterápico (o Balneário) e as nove fontes de água, cada uma delas com composição, gosto e indicação terapêutica diferente Atualmente o parque é administrado pela empresa Nestlé, que além de manter a estrutura o parque, também engarrafa e distribui a as águas para o Brasil e para o exterior. Centro hidroterápico – Balneário SPA O prédio neoclássico foi construído em 1935, para que as pessoas pudessem se banhar nas águas medicinais. Foi reformado em 2008, e hoje funciona mais como um Spa, com banho turco, limpeza e hidratação de pele, duchas escocesas, sauna e massagens. Fontes O parque possui nove fontes de seis diferentes tipos: Gasosa Natural, Magnesiana, Sulfurosa, Alcalina, Carbogasosa e Ferruginosa. Fonte Oriental Foi a primeira fonte a ser construída, em 1892. Sua água é mineral gasosa natural e indicada para distúrbios renais e digestivos e alguns tipos de intoxicação. Fonte José Carlos de Andrade água Carbogasosa, e pode conter lítio na sua composição. Indicada para depressão e estresse, processos alérgicos e colites Imagem de https://www.nestle.com.br/portalnestle/parquedasaguas/parque.html 45 Fonte Ferruginosa água levemente gasosa e rica em ferro. Indicada para anorexia, anemia e astenia. Fonte Primavera A água desta fonte tem as mesmas propriedades e indicações da água da Fonte Ferruginosa, porem seu sabor é mais intenso Fonte Andrade Figuera água magnesiana, indicada para distúrbios hepáticos, vesícula e alterações do intestino grosso. Fonte Vichy Suas propriedades são indicadas para problemas gástricos e renais. Mas na França, o outro único lugar no mundo onde essa fonte é encontrada, ela foi desenvolvida para atuar em tratamentos estéticos. Fonte Alcalina Fonte de água alcalina, indicada para eliminação de ácido úrico e cálculos renais Fonte Jayme Sotto Maior A água sulforosa desta fonte é indicada para tratamento de diabetes e distúrbios intestinais e ajuda melhorar alergias de pele. Os gases liberados por esta água são usados no tratamento de sinusite e problemas respiratórios. Fonte Sulforosa Possui as mesmas caracterizas da Fonte Jayme Sotto Maior. 46 Parque Estadual do Ibitipoca Localizado na Zona da Mata, nos municípios de Lima Duarte e Santa Rita do Ibitipoca, o parque tem uma área de 1.488 hectares, e ocupa o Alto da Serra de Ibitipoca, uma extensão da Serra da Mantiqueira. Foi criado em 4 de julho de 1973, e é um dos parques mais visitados do estado. Seu nome significa “serra estourada” em tupi, devido à grande incidência de descargas elétricas que ocorriam na região O parque abriga grutas, mirantes, praias, cachoeiras, piscinas naturais formadas pelos rios do Salto e Vermelho, e o córrego do Monjolinho. O Ponto mais alto do parque se chama Pico da Lombada, que está a 1.800 metros do nível do mar. Dele é possível ter a visão para o horizonte de 360°, pois ao seu redor nenhuma montanha faz barreira a visão. Espécies ameaçadas de extinção fazem parte da fauna local, como a onça parda, o lobo guará, e o primata guigó. A infraestrutura de apoio aos visitantes e pesquisadores conta com portaria, estacionamento, área de camping, restaurante, centro de administração e de pesquisa, e alojamentos. 47 Vista do Mirante do Parque das Mangabeiras Parque Municipal Mangabeiras das O Parque Municipal das Mangabeiras é localizado ao pé da Serra do Curral, zona sul da cidade de Belo Horizonte, e é a maior área verde da capital. O projeto paisagístico foi assinado por Burle Marx, e está localizado em uma das regiões mais altas da cidade. Seus 2,3 milhões de metros quadrados de mata nativa, reúnem 59 nascentes do Córrego da Serra, que integra a Bacia do rio São Francisco. O Cerrado ocupa as áreas de maior altitude do parque, onde árvores como barbatimão, guabiroba, pau santo e candeia são comuns, devido a baixa disponibilidade de nutrientes no solo. 48 A mata atlântica é presente nas encostas, onde os solos são mais profundos e ricos. Nessas regiões se encontram jequitibás, jacarandás, copaíbas, que são típicas deste ambiente. A fauna é comporta por 160 espécies de aves registradas, e podem ser observadas com facilidade em todo o parque. Também foram registradas 30 espécies de mamíferos, embora sua visualização seja mais difícil, 20 espécies de répteis e 20 de anfíbios. São disponíveis três rotas de visitação: • Rota da Mata – onde é possível conhecer um pouco mais da vegetação, passando pelo centro de educação ambiental (CEAM), viveiro de mudas, mirante da mata e morro do picnic. • Rota do Sol – que é uma rota de recreação que conta com pista de skate, ciranda dos brinquedos e parque esportivo • Rota das Águas - integrado pelo Recanto da Cascatinha e Lago dos Sonhos, formados pelas águas do Córrego da Serra. Serra da Canastra Situado no Sudoeste do estado, a 400km de Belo Horizonte, tem uma área de mais de 200.000 hectares e abrange seis municípios: Roque de Minas, Vargem Bonita, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista do Glória e Capitólio. A principal atração é o Parque Nacional da Serra da Canastra, criado em 1972, com a finalidade de preservar as centenas nascentes, entre elas a nascente histórica do Rio São Francisco, que surgem em função da umidade que a rocha fria absorve do ar, principalmente à noite. Sua vegetação é de transição entre a Mata Atlântica e o início do cerrado, e abriga espécies de animais ameaçados de extinção, como o lobo guará, tatu-canastra, lobo guará, e o pato mergulhão. Os principais atrativos são o turismo de aventura; trilhas, canoagem, rapel, passeios de 4x4 e de moto, e principalmente a visita a nascente do Rio São Francisco e às dez cachoeiras do parque. A mais famosa delas é a Casca D’Anta, primeira grande queda do Rio São Francisco, de quase 200 metros de altura. O Turismo gastronômico também é uma atração, já que na Serra da Canastra se produz um dos queijos mais saborosos e premiados do país. Muito produtores abrem as portas de suas fazendas aos turistas que buscam essa iguaria. 49 Parque Nacional Serra do Cipó 50 Localizado no centro do estado, na parte sul da cordilheira do Espinhaço, o parque possui uma área de 33.800 hectares, o que corresponde a superfície total da cidade de Belo Horizonte. Para aumentar a proteção dos ecossistemas da região, em 1990 o governo federal criou a área de proteção ambiental (APA) Morro da Pedreira, que circunda todo o parque. Envolve os municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato dentro. A altitude do parque varia entre 900 e 1.600 metros. Este relevo dá origem a corredeiras e cachoeiras de grande beleza. O parque foi criado em 1978, com o objetivo de proteger a fauna e a flora, devido ao alto grau de endemismo de suas espécies. Para proteção também a nascente da bacia de captação do rio Cipó, importante por suas cachoeiras e águas cristalinas, e para preservação da beleza da paisagem da região, que é muito procurada por turistas, motivados pelos rios, cachoeiras, cânions, paredões para escalada, cavernas e trilhas de caminhada. O clima na Serra é tropical, e a temperatura média oscila entre 17 e 19 graus. A vegetação é composta por: matas de galeria (que ficam no fundo dos vales úmidos e ao longo dos rios, suas principais espécies são a copaíba, as quaresmeiras, crótons, samambaiaçus e pau-pombo), campos rupestres (campos limpos, de gramíneas diversas, bromélias, cactos, e inúmeras espécies de orquídeas. Se situam em altitudes superiores a 900 metros, onde não existe poeira, por isso as cores de suas pedras são alteradas somente pela presença de liquens. No inverno a temperatura pode ser menor que zero graus) e campos cerrados (com árvores baixas e tortuosas, e espécies típicas como o murici, ipês e pauterra). Santuário Bom Jesus de Matozinhos O conjunto arquitetônico consiste em uma igreja, um adro murado e uma escadaria externa decorada com estátuas dos 12 profetas, esculpidas em pedra sabão, e seis capelas que abrigam 66 estátuas de madeira policromada, em tamanho real, e reúne sete grupos de Passos da Paixão de Cristo, que ilustram a via crucis de Jesus Cristo. é um dos mais completos grupos de imagens sacras do mundo, e uma das obras-primas de Francisco Antônio Lisboa, o Aleijadinho. Situado no município de Congonhas, sua inspiração é relacionada a igrejas portuguesas, como a Igreja de Bom Jesus do Monte, em Braga. O santuário é centro de uma das mais populares devoções do país , e recebe milhares de peregrinos todos os anos. Tornou-se um ícone do Barroco Brasileiro e uma grande atração turística. Devido a sua importância histórica, social e artística, foi tombado como patrimônio histórico, em 1939, e declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO, em 1985. 51 Igreja A decoração do interior é de estilo Rococó. Os painéis narram a história da redenção do homem do pecado original até a glorificação de jesus. O destaque da nave são dois grandes dragões que sustentam o lampadário, e os púlpitos com animais fantásticos entalhados nas suas bases. No exterior o que chama a atenção é o adro com a escadaria em linhas curvas. Os doze Profetas 52 O Adro da igreja é ornamentado por esculturas feitas em Pedra Sabão, por Aleijadinho em 1805. dos Inconfidentes, identificando cada um deles como um personagem da conspiração mineira. Cada um dos profetas segura um pergaminho com uma mensagem que convida à reflexão e penitência. Essa interpretação gera polemica, pois não há registro de interesse do artista por política. Vários estudiosos acreditam que Aleijadinho os esculpiu como alegorias São consideradas as melhores produções de Aleijadinho. Capelas dos Passos da Paixão As capelas só foram construídas muito tempo depois da construção da Igreja. O artista Aleijadinho demorou três anos e cinco meses para concluir as 66 estátuas que retratam os passos da Paixão de Cristo. Cada uma das seis capelas representa um dos passos da Paixão de Cristo. Essas capelas se encontram em uma ladeira, e o caminho entre elas é feito em zigue zague. Foi planejada desta maneira para a realização de procissões de penitencia pelos peregrinos do final do século XVIII, para reproduzir a caminhada de Cristo até o Calvário, São Thomé Das Letras São Thomé das letras é um município situado ao sul do Estado de Minas Gerais, localizada na Serra da Mantiqueira, a 1.444 metros de altitude permite a observação de toda região ao redor. Cercada por um vale cheio de cachoeiras, trilhas e grutas, destacase pela beleza exótica de suas pedras, casarões antigos e mistérios. Algumas pessoas acreditam que seja um dos sete pontos de maior energia da Terra, por isso atrai comunidades alternativas, científicas. espiritualistas e História A lenda que conta o início da cidade se deu quando um escravo, cansado dos maus tratos, fugiu e se abrigou numa gruta no alto da Serra, onde passou a viver de pesca e raízes da região. Um dia apareceu um senhor de vestes brancas e lhe entregou um bilhete para que fosse entregue ao seu antigo dono, prometendo que esse o perdoaria depois que o lesse. O capitão, que era muito religioso, ordenou que fosse levado até a tal gruta. Quando chegaram lá havia uma imagem de São Thomé entalhada em madeira, e mandou erguer uma capela no local, a imagem sumiu e reapareceu na gruta diversas vezes. Em 1785 foi construída a Igreja Matriz, dando origem ao povoado. O nome da cidade teve origem devido a aparição, e também por inscrições rupestres encontradas na entrada da gruta, que não se sabe se foram escritas pelos antigos moradores da região, os índios Cataguases, ou se foram palavras deixadas pelo santo. Estas lendas e histórias criam o clima de esotérico da cidade, a tornam 53 conhecida como “cidade mística do Brasil”. Principais Pontos Turísticos Gruta São Thomé A gruta na qual São Thomé teria aparecido e que deu origem a história da cidade, fica situada ao lado da igreja Matriz. Igreja Nossa Senhora do Rosário Sua arquitetura de pedras sobrepostas uma a uma é típica da cidade. Foi iniciada por escravos no século XVIII, mas só foi entregue ao público em 1995. Foi tombada como Patrimônio Histórico Estadual. Pedra da Bruxa Faz parte do Parque Antônio Rosa. A rocha, quando vista de perfil, lembra a silhueta da face de uma bruxa. Fica situada em uma das regiões mais altas da cidade, e é o local ideal para se admirar o nascer e o pôr do sol. Gruta do Carimbado Muitos esotéricos acreditam que esta gruta é uma passagem secreta para Machu Picchu, no Peru. Além disso acreditam que ela tem propriedades curativas e que ela retém a energia de quem entra nela. 54 Esse mistério movimenta, até hoje, uma série de estudiosos, curiosos e turistas. Vale das Borboletas Localizada na serra de São Thomé, na estrada para Três Corações. É considerada uma das cachoeiras mais bonitas de São Thomé. Com seis metros de altura que forma uma piscina natural, de 10 metros de profundidade. O vale é cercado por flores e vegetação, onde é possível observar dezenas de espécies de borboletas. Casa da Pirâmide Localizada no Parque Municipal Antônio Rosa, a construção de forma piramidal com várias janelas que possibilita uma visão de 360 graus do vale. Cachoeira Shangri-lá O córrego de águas cristalinas desliza sobre pedras de quartzito rosa, formando pequenos poços ideias para banho. As margens são formadas por flores e vegetação de mata nativa. Ainda no local podem ser vistas pinturas rupestres, semelhantes às da Gruta São Thomé. Serro Localizada na região centro nordeste do estado, na Serra do Espinhaço, a 230km da capital O município atrai pesquisadores e amantes do turismo ecológico e histórico, pois é rodeado por cachoeiras, rios, morros, e faz parte do caminho dos diamantes, que atraiu, no passado, os bandeirantes vindos do nordeste e de São Paulo. No roteiro de Turismo Rural, os visitantes podem passear pelas antigas fazendas que produzem o famoso queijo do Serro e a cachaça mineira, típica da região. 55 O Porta l Bra sil Belo Horizonte por Virgílio Guimarães de Paula Fundamentos *Capital de Minas Gerais * Primeira capital planejada para no Brasil. *Inauguração: 12 de dezembro de 1897 *Fundadores: - Aarão Reis (Planejador e chefe da construção)Crispim Jacques Bias Fortes (Governador do Estado na construção e inauguração) - Afonso Pena (Governador do Estado que definiu Belo Horizonte como capital) - Augusto de Lima (Governador do Estado que assinou o decreto que estabeleceu que a Capital seria mudada) * População: 2,5mi (cidade), 5,9mi (região metropolitana) * Altitude: 852,19 m *Temperatura média anual: 20.5 °C *Renda per capita: R$ 1.497,29 *IDH: 0,882 *Gentílico: Belo-horizontino *Siglas, acrônimo e perífrases: BH, BHZ, BHTE, Beagá, Belô, Cidade Vergel, Santuário dos Botequeiros, Capital da Cerveja Artesanal, 57 Terra de Padre Eustáquio, Capital dos Queijos e do Pão de Queijo, Capital dos Raios *Apodos: Roça Grande, Belzónti, Cidade do Tédio (Drummond), Sepultura do Samba (atribuído a Vinicius: “São Paulo é o túmulo, aqui a sepultura”), Vila Amish *Anagrama: zoon botelheiro (de “o belo horizonte”) NO DUPLO VINTE, UMA CIDADE DEBUTANTE Doze de setembro de 1920, dia comum em Belo Horizonte. Poucos talvez se lembrassem de que, silente, transcorria o segundo centenário de Minas Gerais, apartada que fora no século XVIII a capitania da efêmera São Paulo e Minas de Ouro. O mesmo 12 de setembro, por outro lado, era 58 data ansiosamente aguardada pelo jovem Juscelino, diamantinense que necessitava completar os dezoito anos para assumir o emprego de telegrafista na nova capital, essencial para assegurar-lhe as condições para a mudança e para a sobrevivência enquanto cursasse medicina na faculdade há poucos anos criada. Exatamente, nessa mesma época, dois outros mineiros do interior, de Itabira e Cordisburgo, retomavam seus estudos em Belo Horizonte, visando alcançar também em cursos superiores na área da saúde na mesma “alma mater” do primeiro, naquela que viria a ser a Universidade Federal de Minas Gerais: como farmacêutico, Carlos Drumond de Andrade e como médico, João Guimarães Rosa. Mas, naquela altura, nada disso importava ou contava, nem que sobrassem informação e premonição: a cidade respirava ao ritmo da espera do casal real, Alberto e Elizabetta, da Bélgica, que chegaria do Rio de Janeiro no dia 2 de outubro em companhia do Presidente Epitácio Pessoa em vagão ferroviário especialmente construído para este fim. O jovem e curioso Drummond era um dos que, na multidão, assistiram ao desembarque, que descreveu em um de seus primeiros poemas. A cidade freneticamente se enfeitou, reformou o Palácio do Governo, todo seu mobiliário foi renovado e seus jardins se avultaram, transformando-se no que é hoje a Praça da Liberdade. Tudo isso “apenas” para hospedar os modernos, atléticos e simpaticíssimos soberanos belgas que retribuíram os mimos recebidos com o regalo de um casal de cisnes negros para adornar o lago palaciano e a doação de uma locomotiva do tipo mais moderno do mundo à época, para fazer a linha RioBH. No banquete palaciano oferecido à realeza, não se podendo alcançar o sucesso carioca, obtido com a surpreendente sobremesa gelada a base de frutas tropicais, concebida pela Confeitaria Colombo e “batizada” de “Rei Alberto”, a criatividade local se limitou à substituição da prosaica couve mineira por uma novidade: a “couve de Bruxelas”!!! Mas para os mineiros, nada disso importava, pois a verdadeira “pièce de resistence” era a sua imbatível especialidade, o jogo político. O presidente (governador) do Estado e futuro presidente da República Arthur Bernardes travava com o presidente Epitácio Pessoa uma surda luta estratégica sobre o aproveitamento das riquezas minerais da região: se seriam exportadas in natura ou transformadas em aço, como queria o governo local. O deslocamento do Rei para uma visita a Belo Horizonte liquidou a pendenga: o governo belga simplesmente a desempatou a favor da siderurgia, criando de imediato a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. Pode-se dizer que a primogênita capital republicana, o mais puro rebento do novo regime, teve, na “inauguração de sua reinauguração”, a marca paradoxal da nobreza. O “duplo vinte” (década de vinte do século vinte) foi a fase de “conclusão/ reconstrução/construção” da finalmente grande capital moderna e pujante de toda Minas Gerais. Foi sua década “debut”, sua maioridade política, econômica e cultural, concluída com a fundação da universidade e com os alicerces para a vitória da Revolução de 30. Quanto ao assunto universidade, vale lembrar que quando da visita de Alberto I ao Brasil, o país não possuía nenhuma universidade – as incipientes experiências por parte da Bahia, do Amazonas e do Paraná estavam encerradas. Só restava então ao governo federal, 59 como tentativa de dar certo brilho a formalidade de conceder ao rei um título de “doutor honoris causa” foi por uma mera academia de comércio, o jeitinho brasileiro “criar”, mesmo que apenas em papel, uma inexistente “Universidade do Brasil” e, junto, um reitor adrede fabricado para a solenidade, para proferir a saudação e receber do monarca uma comenda só cabível a reitor de Universidade. Essa “universidade” só deixa de ser cartorial, implantada e em funcionamento na década seguinte, bem depois da UFMG, já com sua plenitude universitária indiscutivelmente alcançada a partir de 1927 e tendo funcionamento ininterrupto até os dias de hoje, se constitui, neste exato sentido, a decana do Brasil. Por sinal, seu “incipta vita nova” – para orientar os destinos de Belo Horizonte. Minas Gerais, a antecipação de Belo Horizonte O aspecto vetusto e conservador ao olhar de alguns sobre a Minas Gerais de hoje reflete apenas a exuberância e o vanguardismo verificado na região num século XVIII em que o restante daquela colônia portuguesa grande, paupérrima e pasmacenta. Considerando as capitanias que lhes deram origem, Minas, ainda não tricentenária, tem pouco mais da metade da idade histórica do que Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro 60 e São Paulo, todos já adentrados em seus sextos séculos de existência. A corrida do ouro começa com a descoberta do metal na região feita pelos bandeirantes paulistas (vicentinos, à época) e visibilizada pelos emboabas (baianos e portugueses, estirpe basilar do povo mineiro) que chegados do Norte pelos rios levavam os víveres indispensáveis para que se minerasse. A disputa pelo “marco regulatório” da mineração foi imediata: os paulistas queriam que o ouro fosse de quem o descobriu (eles próprios); a coroa portuguesa queria que o ouro fosse da coroa portuguesa ou de quem ela permitisse (a troco de um percentual, claro, para ela mesma); enquanto emboabas queriam que as minas fossem gerais, ou seja, abertas a todos e o ouro seria de quem o lavrasse (evidentemente que eles próprios, que detinham os alimentos). A consequência não podia ser outra: uma guerra sem quartel entre paulistas e emboabas! Três anos de guerra de extermínio, com a vitória completa dos emboabas que expulsaram dali todos os paulistas que acabaram levados por seu chefe Borba Gato, indo procurar ouro no extremo oeste, expandindo ainda mais as fronteiras do Brasil. Além disso, os emboabas elegeram por votação direta (parece que a primeira eleição direta de um chefe de governo em todas as Américas) e totalmente à revelia de Portugal o seu líder máximo, Manoel Nunes Vianna, o Governador de Minas Gerais! Pouco depois, Portugal oferece acordo, mas tudo pagando para evitar qualquer governo próprio na região e até aquele “subversivo” nome, Minas Gerais. Assim foi criada a capitania que pouco durou, denominada São Paulo e Minas de Ouro. A coroa logo percebeu que podia ceder no secundário (nome e separação de São Paulo), desde que aceitasse o pagamento de “royality” sobre o ouro e não tivesse qualquer saída própria para o mar. A criação da capitania de Minas Gerais, e até a aceitação de sua denominação, foi uma concessão tácita ao sentimento nativista e rebelde já manifestado, uma prevenção às naturais e previsíveis revoltas que surgiriam em região rica e culturalmente em rápido processo de evolução. Duas, extremamente sangrentas, sobretudo na fase de repressão, ocorreram no primeiro semestre do mesmo 1720: a Revolta de Pitangui (ou Revolta da Cachaça, como ficou conhecida) e a Rebelião de Felipe dos Santos. Além dessa questão política, era também indispensável dotar-se de uma administração própria, mais diretamente sob as vistas da Coroa, uma capitania que já se revelava ser, de longe, a mais dinâmica e moderna do país, quem sabe do mundo, naquele período. O século XVIII foi para Minas Gerais um extraordinário espetáculo de florescimento em todos os sentidos: econômico, demográfico, arquitetônico, urbanístico, infraestrutural, educacional, artístico, cultural e político. Atraia aventureiros, investidores, profissionais e administradores, os melhores da metrópole e, junto de tudo isso, ideias inovadoras e libertárias. Rapidamente a nova capitania já seria a mais rica e mais populosa de toda a Colônia. Logo também se percebeu o quanto havia sido prudente não lhe conceder uma saída própria para o mar, quando se iniciou a série de diversas inconfidências que antecederam a mais importante de todas, a Inconfidência Mineira. Mesmo que apresentasse um caráter mais antipombalino que emancipacionista, sempre com forte presença do clero, já trazia o gene da insubordinação frente ao poder real metropolitano. A Primeira Inconfidência de Curvelo, em 1760, foi seguida pelas Inconfidências de Mariana e de Sabará, tendo este ciclo se encerrado com a Segunda Inconfidência de Curvelo já na segunda metade da década de 70, às portas da independência americana, da revolução francesa e da própria Inconfidência Mineira, referências que colocaram em outro patamar, mais completos e libertários, os ideais da época. Hoje, sob um olhar histórico comparativo, constata-se que a gênese de Minas antecipou a de sua futura capital: tanto de uma nova conjuntura e da imposição de seu 61 povo, até na denominação: formada pela justaposição de partes de um todo diante do qual pode ser tomada como um seu ponto de equilíbrio e de representação; causa e efeito de novo ciclo de desenvolvimento; em seus albores, intrépida e rebelde, em sua madurez, precavida e retraída. Belo Horizonte, uma antecipação de Brasília Mais rápido que o fulgurante crescimento da antiga capital mineira, Ouro Preto, só mesmo o seu declínio. E para bem-vindo e providencial declínio, única hipótese a legar ao futuro – inalterada, perfeita – o privilégio e o orgulho de receber a Ouro Preto preservada e, pois, a seu modo, mais fulgurante que nunca. Fundada em 1711, tinha em 1730 nada menos que 40.000 habitantes! Poucas décadas depois, foi a 80.000, a maior cidade de todas as Américas! A mais moderna, a mais bem-dotada de infraestrutura, de belíssimas igrejas, de teatro, de bibliotecas e magníficos prédios governamentais. Alguns garantem que passou de 100.000 habitantes. Porém, em seu sesquicentenário, eram evidentes seu envelhecimento, sua inadequação ao crescimento, sua impropriedade para sediar a capital de uma província do porte de Minas Gerais. Quatro tentativas foram feitas de transferência da capital, inclusive uma votada e 62 aprovada pela Assembleia Provincial para uma região mais plana e central da província em algum ponto entre Curvelo e Sete Lagoas, entre o Rio das Velhas e o Paraopeba. A população ouropretana em revolta obrigou a convocação de sessão extraordinária na mesma noite e a imediata revogação do ato pela mesma Assembleia. A partir daí, só a República poderia reavivar projeto semelhante. Mas, para isso, os republicanos teriam que mostrar que aprenderam a lição com os fracassos do Império, lição essa que legariam a um futuro Presidente da República mineiro, para também conseguir mudar uma capital, desta vez a do País. Proclamada a República, os líderes mineiros ligados ao novo regime decidiram que a mudança da capital deveria ser decidida de imediato, ainda sob o impacto das primeiras medidas, e sua implementação deveria ser rapidíssima para evitar possíveis recuos (poder-se-ia dizer “construção em ritmo de Brasília”?) e tudo feito com o máximo de costuras políticas para se evitar obstáculos procastinadores. Tudo combinado e perfeitamente executado. Augusto de Lima, governador (presidente do estado) provisório por pouquíssimos meses se encarregou de definir através de simples decreto que haveria transferência, sem determinar para onde. A disputa pela localização ficou por conta do governo de Afonso Pena, sendo fixada em posição não tão central geograficamente, porém mais bem equilibrada consideradas as regiões por seu peso político. Portanto, Belo Horizonte nasce com características de ser resumo de Minas do mesmo modo que esta surgiu como um resumo das regiões do Brasil. Definida a localização, o que concentrava as atenções e esforços políticos, ao mesmo tempo que, de certa forma, preservou alguma expectativa de permanência em Ouro Preto, veio, aí sim, grande desafio, o de construir e inaugurar a nova capital, em único governo de quatro anos apenas, sem margem para recuos. Vencer esse desafio coube ao governo Bias Fortes, que iniciou as obras e inaugurou a capital. JK dispunha de cinco anos e já tinha o local previamente escolhido, além de máquinas e equipamentos, mais modernos, mas todo o planejamento teria que ser seu, o que no caso mineiro pode ser desenvolvido pelo governo anterior, de Afonso Pena. Também a Juscelino assustava fantasmas mais reais: nada de suas intenções poderia vazar antes das eleições e o fracasso em não inaugurar a cidade fatalmente levaria a seu abandono por um sucessor que, se assim fosse, seria eleito com discurso focado na inutilidade da obra e desperdício de recursos. Quanto ao primeiro risco, ninguém pode garantir que a intenção de mudar a capital do País existia ou não durante a campanha, vencida com a defesa de trinta metas dentre as quais não se incluía tal medida. Mas que os recentíssimos e graves acontecimentos no Rio de Janeiro se ajustam a justificativas dadas posteriormente para uma capital mais distanciada dos clamorosos políticos, como Brasília, não há dúvida. E que um anúncio precipitado de que o Rio, essencial nos votos que deu ao futuro presidente em sua apertada vitória, levaria a sua derrota, há menos dúvidas ainda. Quanto ao “ritmo de Brasília” para garantir a inauguração no mesmo governo, isso toda a história registra e comprova. BH foi o espelho para Brasília em muitos outros momentos, talvez o principal deles na construção do Complexo Arquitetônico da Pampulha tal como os governadores mineiros montaram uma super equipe técnica para projetar e construir a capital moderna em tempo recorde, no caso, a equipe liderada pelo jovem, mas já experiente engenheiro e urbanista paraense Aarão Reis, o jovem prefeito de BH, Juscelino Kubitschek, montou a equipe liderada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo paisagista Burle Marx para a concepção da Pampulha, equipe depois reforçada pelo urbanista Lucio Costa para Brasília. Não por acaso, a Pampulha foi a “préestreia” de Brasília, seu ensaio geral com o reforço de outras obras pela cidade. Belo Horizonte foi marco do início e do fecho das grandes obras de Niemayer, enquanto Brasília foi seu 63 ápice; ambas as cidades parecem marchar em par, na prancheta daquele grande mestre. Os lagos da Pampulha e Paranoá, ambos projetados, parecem irmãos. Os palácios de moradia, Alvorada e Mangabeiras, os palácios de governo, Tiradentes e Despachos, o Teatro Nacional e o Palácio das Artes, a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Estadual, a igrejinha de São Francisco e a de D. Bosco, a catedral Rainha da Paz e a Catedral Cristo Rei, a UnB e o Colégio Estadual Central, a Esplanada dos Ministérios e o conjunto do Minas com o Gerais, a Estação Rodoferroviária e o Mercado das Flores (antiga Estação dos Bondes), o Iate Clube e a Concha Acústica, a Casa de Baile e o Clube do Choro, além de tantas outras similaridades não podem ser meras coincidências. Claro que Brasília ostenta diversas maravilhas, como memoriais e outros palácios, que vão muito além do acervo belorizontino, a quem só resta o “consolo” de possuir a obra prima dentre os prédios residenciais do Mestre, o edifício Niemeyer, na Praça da Liberdade. Mas, nesse ponto, vale ainda um registro. O maravilhoso conjunto que compõe o Congresso Nacional, com suas imponentes torres duplas (alguém pode garantir que as de Nova Iorque nunca nelas se inpiraram?) provavelmente teve seu “rascunho”, ainda que sem as cúpulas côncava e convexa, no edifício JK, com suas duas torres 64 “gêmeas”, a depender do ângulo de visão do observador. Mesmo tendo deixado tantas experiências políticas e urbanísticas claramente aproveitadas pelos idealizadores e construtores de Brasília, Belo Horizonte teve uma história subsequente à inauguração que também se repetiu na nova capital federal, talvez por faltar a seus novos gestores a visão histórica mineira de Juscelino. Minas, ao final do século XIX, dispunha de abundante mão de obra não qualificada, inclusive ex-escravos, tendo que buscar às pressas operários especializados europeus – portugueses, espanhóis e, sobretudo, italianos – que foram alojados “provisoriamente” em áreas dentro do setor urbano planejado. Tais operários trouxeram junto de si a consciência de classe, o sindicalismo, o anarquismo, o socialismo. Ou seja, em consequência, trouxeram a resistência, as lutas e as greves. Os campeonatos operários logo se transformaram em ocupações e resistência, alterando estruturalmente o planejamento esquematizado. Maior exemplo foi o bairro Barro Preto, contíguo à maior e mais bela praça da cidade, a Praça Central, cruzamento de quatro grandes avenidas, uma fazendo ligação direta com o Palácio de Governo, bairro símbolo da resistência operária italiana, o que “empurrou” o comércio e edificações mais “nobres” para longe e postergou em 40 anos a inauguração da Praça Raul Soares. O Barro Preto guarda mais de cem anos depois as marcas de sua história, com os pequenos comércios e manufaturas, serviços e oficinas especializadas com os indefectíveis sobrenomes italianos, além do casario revelador de seu passado de cortiços, das inúmeros “espagueterias” e do campo de futebol do antigo Palestra Itália. Belo Horizonte nunca teve, sobretudo em suas primeiras décadas, propriamente uma burguesia, sendo sua “elite” econômica constituída de altos funcionários públicos, advogados, médios comerciantes, porém que queriam guardar não a gratidão devida àqueles que construíram sua cidade, mas a distância prudente daqueles que temiam. Além da resistência física aos despejos, os operários europeus desenvolveram lutas reivindicatórias, chegando à Grande Greve Geral de 1912 e até a algumas escaramuças políticas em apoio à Revolução Bolchevique de 1917. Os operários formados dentre os moradores locais, sobretudo negros e colaterais, aprenderam e fizeram sua parte, com ocupação e resistência cultural e religiosa. Tanto é que hoje BH talvez seja a capital com maior número de áreas quilombolas, de candomblés e de grupos de capoeira que outros grandes centros do País. Até os times de futebol de BH traduzem em seus uniformes, marcas atualíssimas de resistência e inovação. O Cruzeiro, antigo Palestra Itália de camisa tricolor como a bandeira italiana, obrigado pelo Estado Novo a renegar sua origem devido à declaração de guerra àquele país, espertamente burlou a censura adotando a camisa azul das seleções italianas alegando ser a “squadra azzurra” Cruzeiro do Sul. Adotou o novo nome, driblou a ditadura. O América que já adotava o verde oficial dos médicos, futuro da maioria de seus atletas, obrigado a se transferir para uma das alamedas do parque municipal, reforçou sua vocação, sendo a primeira bandeira viva ligando a saúde e o meio ambiente. O Atlético Mineiro, com o alvinegro do galo carijó, de estatura pequena, mas que não se intimida diante de qualquer adversário, somou a este espírito de luta a igualdade racial (sempre irmanou negros e brancos) além de simbolizar o desenvolvimento social para os mais pobres. De igual modo, observamos as lendárias e folclóricas figuras de rua, Belo Horizonte “vis-a-vis” Ouro Preto. Nas vetustas ruelas e calçadas ouropretanas, pontificava gloriosa a inesquecível Dona Olímpia, com seu requintado ar de nobreza manifestado, evidentemente sem o saber, sob um visual inegável de precursora do futuro 65 tropicalismo. Sempre paparicada por ávidos fotógrafos, políticos, artistas e que tais, compondo o escracho bem comportado da época. Por sua vez, no centro de Belo Horizonte, reinava outra popular figura, a dona do pedaço, o escracho escrachado da população tida como “dos de baixo”, a inesquecível e imbatível Maria Lambreta, debochando da granfinagem na Avenida, empolgando as torcidas do Atlético Mineiro, das equipes da Escola de Engenharia e sempre disposta a enfrentar fisicamente a polícia, em passeatas dos protestos estudantis contra a Ditadura, mas sobretudo tomando as dores em solidariedade a mendigos, prostitutas, bêbados de ruas, dos maltrapilhos e humilhados: uma inconsciente porém autêntica expressão de uma luta de classes. Nas distintas simbologias de cada uma, o dolorido desenho do contraditório avanço social. O Brasil, na década de 50, já dispunha de engenheiros e empresas construtoras especializadas, aptos para fazer uma grande cidade. Porém, no Planalto Central, não havia a mão de obra braçal suficiente, a qual acabou sendo buscada, sobretudo, no nordeste do país. Os “candangos”, como foram conhecidos os futuros habitantes de Brasília, talvez movidos por sentimentos elitistas como houve em BH, recusaram este como seu gentílico, optando por “roubar” do Brasil o termo “brasiliense”), foram 66 instalados em vilas provisórias fora do Plano Piloto, quem sabe para não terem reações como as havidas na capital mineira e fossem, ao final, facilmente removidos. Leda, ledíssima previsão! Sair daí para onde? Sem previsão de assentamento, voltar para que casa? Melhor trazer a família, e muitas outras famílias para junto das (possíveis) oportunidades. Por caminhos opostos, o resultado foi o mesmo, os “esquecidos” operários construíram seu próprio planejamento fazendo tábula rasa das plantas e escrituras! Assim como hoje a parte planejada por Aarão Reis é apenas o hipercentro de BH. O Plano Piloto de Lucio Costa tende ao hipercentro burocrático (administrativo e habitacional) do Distrito federal. Belo Horizonte e Brasília foram pensadas para jamais sofrer problemas com o trânsito. Uma, com suas ruas perpendiculares formando perfeito tabuleiro cortado por grandes avenidas em diagonal, verdadeiras (à época) vias expressas. Outra, com suas superquadras auto-suficientes, tendo em perfeita vizinhança e proximidade, superiores e seus servidores, com deslocamentos apenas para órgãos não muito distantes através de grandes eixos de trânsito rápido. Também aí o planejamento resultou em seu contrário. As vias belorizontinas, entrecortadas e cheias de ângulos de 45 graus, fazem com que a engenharia do tráfego local seja das mais complexas e de difícil resolução, só menos que o caso de Brasília, com suas cidades satélites dormitórios, não integradas entre si e com fluxos de tráfego com picos e vales bruscos e extremos. Ao deslocar a capital de Minas, imaginava-se que haveria um saudável distanciamento político das pressões ouropretanas, próximas e atentas, muito no rumo do que se pensava seis décadas depois sobre as mudanças do cerco da politizada e atenta opinião pública do Rio de Janeiro para a distante Praça dos Três Poderes, inalcançável – pensavase – pelos movimentos políticos e sociais. Em ambos os casos, deuse o contrário. Belo Horizonte foi crescentemente palco de iniciativas e conflitos, comandando a parte mais crescente da revolução de 30, suportando o impacto mais duro da reação a ela em 32 e sendo o centro operativo da “institucionalização” do Estado novo, sendo pouco depois o arauto primeiro de sua superação com simples, porém demolidor, manifesto de seus políticos, marcando a sua queda. Mas, foi ali também, exatamente nos idos daquele fatídico agosto de 54 que o Presidente com segurança, sob o aplauso popular de um povo e o pálio de seu governador, formulou por inteiro sua estratégia de “sair da vida para entrar na história” com sua longa sobrevida política, a demostrada na vitória de 55. Foi dali também que partiram as forças militares para por fim ao regime constitucional de 46 e, junto a isso, tentar neutralizar as forças operárias e populares que vinham sustentando o regime, desde Vargas, JK e Jango, tudo sob o manto da autointitulada “Tradicional Família Mineira” e das marchas de um catolicismo obscurantista. Novamente, deu-se aí o caldo de cultura de seu oposto, os movimentos estudantis, ainda em 64 e 65, as greves operárias de 68 e seu auge em 79 (“BH, capital das greves”) e de uma igreja engajada, resistente, pensante, até em sua aliança com as mais eloquentes formas de luta. Mais uma vez, BH e seus opostos, Brasília o seu espelho. Idealizada e construída por governo democrático, por presidente que anistiou tentativas de golpe contra si próprio e terminou vitima de outro, Brasília foi definitivamente consolidada pelo regime militar, parecia transmitir em sua frieza e distância, a imagem do “lócus” ideal da ditadura. Engano. Sem indústrias e operários, a luta de classes se reconstroi nos serviços, nos bancos, nas estatais, nos serviços públicos. A universidade fervilha, o mundo cultural desabrocha e Brasília se abre com estuário dos movimentos sociais do Brasil inteiro, dando a ele uma dimensão nacional jamais vista, nas incontáveis marchas, acampamentos e jornadas de lutas, dando a cada um o sentido maior de unir o reivindicatório com o político. A esplanada se transmuda 67 no maior palco de lutas jamais visto, de vastidão impreenchível em engarrafamento cotidiano de incontáveis e superpostas passeatas, de aridez inalcançável em objeto de desejo de todas as categorias e corporações que em busca dela se organizam, mobilizam, nacionalizam. Belo Horizonte, em sua grandeza e contradições, redefiniu e uniu Minas; Brasília, na esplanada, se redefiniu, uniu seu ideal criador com as contradições e conflito, portanto, com a vida, de todo o País. São dois destinos univitelinos que se assemelham, explicam-se, completam-se e se projetam. Belo Horizonte, Século II: “incipta vita nova”. A escolha da localização da nova capital se revelou não só um completo êxito político como também um inesperado acerto vivencial. O “belo horizonte”, em realidade, são “belos horizontes”. Quem se aproxima da região pela “raia noroeste” dos chapadões das “gerais” em direção às montanhas das minas, de longe já vislumbra o horizonte belo azulado, tom-sobretom recortado, no suave ondulado típico das alterosas, formado pela Serra do Curral, moldura, inspiração e símbolo da cidade. Aqueles mais dispostos, que ousarem subir até o cimo daquele contraforte, postando68 se junto na linha antes avistada como o “belo horizonte”, ao lançarem seu olhar na direção de quem busca o oceano receberá de choque o impacto da vista de um “mar” encapelado de montanhas a seus pés, perfazendo ao longe um novo e espetacular “belo horizonte”. Ao sopé da Serra do Curral, estendese o que era conhecido como “viveiro das águas”, área com incríveis mais de mil nascentes o que, junto as suas fertilíssimas terras e às grandes extensões para isso reservadas, fez da Belo Horizonte adolescente a capital da exuberância verde, a “cidade vergel”. O clima ameno da montanha, suas brisas suaves, suas manhãs estivais, a onipresença de suas quaresmeiras completavam o cenário adequado ao torná-la paradoxo tratando-se de uma capital – em “lócus” ideal para pousadas de veraneio e incontáveis clínicas de repouso e tratamento, sobretudo para doenças pulmonares. Porém, como logo se verá, tal “solidez” também “se desmancha no ar”. A bela montanha em que Belo Horizonte já encarapitada trazia nas suas entranhas uma riqueza e um desígnio: uma hematita a 70% de ferro da melhor qualidade! O quadrilátero ferrífero no coração de Minas capitaneou um novo ciclo mineral, o ferro e o aço em seus volumes, superaram largamente o ouro e, mais uma vez, a nova se impôs velha capital! Mas algo de sombrio, um friozinho de sinistro havia, como se “um espectro rondasse BH”. A cidade parecia irremediavelmente triste, melancólica, enfadonha. Rômulo Paes, autor de músicas para a mais alegre de todas as festas, o carnaval, descreveu a cidade, em sua mais célebre composição como “a vida é esta, a vida é esta, subir Bahia e descer Floresta”, numa clara referência aos barnabés, em sua maioria moradores do bairro Floresta, em seu repetitivo vai-e-vem da casa para o trabalho, através de um côncavo trajeto pela rua da Bahia, rumo à Praça da Liberdade, sede das secretárias do Estado. Carlos Drummond de Andrade não deixou por menos e, após protestar contra a troca de nome da rua dos Emboabas, a demolição do cine Odeon e a ocupação argentária do pátio da igreja de São José, sugeriu que se trocasse logo de vez o nome da cidade para Triste Horizonte, onde ele jamais tornaria a tocar os pés. Noel Rosa, compositor inspirado e prolífero, com extensa obra em apenas 8 anos de vida artística, dos quais cerca de 20% desse tempo passados em Belo Horizonte para recuperação de saúde, deu, sem nada dizer, eloquente testemunho sobre a “aura” do lugar, pois enquanto aí permanecia, nada compunha, não dedicando a ela um único verso. Guimarães Rosa identifica Belo Horizonte com Lion, Liverpool e Magdeburgo como espaços “essencialmente, terrestremente, deprimentes, tristes, enfadonhos” acrescentando, quanto à capital mineira que “não obstante o clima ótimo, há de ser sempre propensa à melancolia e ao tédio”. Atribui ele tal caráter às “emanações telúricas”, “às invisíveis forças que saem do chão” responsáveis pelas sensações “ódicas, fisioelétricas e prânicas” que ajudam a compor esse “buquê difuso”, essa “aura” ou “atmosfera” que, no caso dessas cidades, seriam as “aspirationes terrarum” de origem mineral. A localização privilegiadíssima para o clima ameno e saudável numa encosta da serra foi se revelando, com a expansão urbana, um problema, sobretudo com a tomada da consciência de que uma grande cidade aí posta, hoje fatalmente seria considerada grave crime ambiental. Na prática, de consolidação difícil e cara: terrenos acidentados e frágeis, drenagem complexa e abundante, trânsito estrangulado com vários obstáculos à construção de novas artérias de desvios rodoviários. Também por esse ângulo a nova capital reprisa a antiga. O tardio e lento deslocamento para as novas ocupações dos vazios metropolitanos nos platôs situados ao longo do vetor norte urbano parece obedecer a uma fatalidade lógica voltada para a exata localização técnica da capital. 69 Desde os primeiros anos de seu segundo século de existência, Belo Horizonte parece em busca de um acerto de contas consigo mesma. De uma cidade que parecia impulsionada por uma espécie de “síndrome de crescimento”, de se orgulhar de cada degrau conquistado na escala das maiores capitais, chegando ao terceiro posto, hoje busca a qualidade de vida e o equilíbrio proporcionado pelo crescimento de baixa intensidade, o que se comprova em inúmeras premiações internacionais de qualidade de vida. “Incipta vita nova”, o velho lema universitário, para guiar o novo século da Capital, preservada a velha dualidade interativa de inovador com o conservador. Chama a atenção nesse ponto, a preocupação, quase uma fixação, com a preservação histórica de uma cidade tão nova, mas já dilacerada: Belo Horizonte tem um número de patrimônio tombado superior à soma dos tombamentos de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, quatro mais antigas capitais, cada uma com cerca de quatro vezes sua idade e, no conjunto, com 15 vezes sua população. A cidade parece sôfrega, na busca da alegria. Sob a consigna de “quem não tem mar, navega no bar”, tornouse capital inconteste dos botecos. De uma gastronomia própria. Parca e tosca (só se registram duas iguarias genuinamente belorizontinas: o 70 jiló, frito com fígado acebolado e o tradicionalíssimo Caol, para as inovações sofisticadas dos petiscos famosos e premiados. O Caol, vale lembrar, vem de cachaça, arroz, ovo e linguiça, acrônimo depois reforçado pela introdução da couve. A cidade já hoje indiscutivelmente erigida em “capital da cerveja artesanal” disputa o título de melhor cidade para se tomar vinhos. Cidade não litorânea, tem o maior carnaval espontâneo de rua e um dos bairros mais musicais do País – o tradicional Santa Teresa, o moderno Santé – centro da seresta e do chorinho, casa do Clube da Esquina, acolhida maior da música popular mineira e do Jequitinhonha, santuário do hiphop sob o vão de seu viaduto, berço das bandas de rock, como Skank e Sepultura. O espaço de convívio do Belo Horizonte, o Mercado Central – ou “Mercadão” – é outra expressão do impulso transformador e modernizador da cidade. De um passado vulgar, lamacento e sujo se apresenta hoje como um charmoso espaço gastronômico, sem perder seu caráter popular. Lá o queijo de minas impera soberano, os produtos do Serro, da canastra e do Salitre, artesanais e elaborado, com leite cru, sejam eles frescos ou curados, podem ser adquiridos obedecida a lei maior, a lei do sabor, da qualidade e da tradição. Em meio aos aromas dos temperos mais variados misturados com as emanações de frituras de jiló acebolado estão os botecos mais autênticos e as cachaças típicas de Minas. Eleitos recentemente, por consulta popular, como o espaço símbolo de Belo Horizonte, foi também apresentado por companhias aéreas internacionais como o terceiro melhor mercado do mundo abaixo apenas do Barouge Marketing de Londres e, evidentemente, do Mercat La Boqueria de Barcelona, o melhor de todos. Também ali, outra tradição da cidade se materializa: a fitoterapia natural onde todas as suas folhas e raízes podem ser “aviadas”. O maior de todos os fitoterapeutas de Belo Horizonte é hoje também o Seu Santo, devidamente beatificado pelo Vaticano. Padre Eustáquio van Lieshout (pronuncia-se “fan lesrraute”) taumaturgo renomado, curado por plantas fé e milagres. Trazia sempre de fitoterapia Os Domingos de Ramos, início da Semana Santa, eram em sua época, como ainda crescentemente voltaram a ser após a beatificação, verdadeiras odes ao poder curativo das plantas, grande reorganizador das festas religiosas, São Pedro Eustáquio, ou São Eustáquio van Lieshout, como vier a ser chamado, indica sua terra de adoção, Belo Horizonte, como centro sob sua proteção e prodígios para celebrações como Natal e Semana Santa. De origem holandesa, Van Lieshout (só no Brasil recebeu o nome de Eustáquio) foi estimulado para cá se dirigir ao receber das mãos do Rei Alberto da Bélgica, estivera em Belo Horizonte, a já mencionada Gran Cruz da Ordem de Rei Leopoldo aos refugiados belgas, dentre tantos de outras partes do mundo. Por essa razão é que hoje padre Eustáquio é invocado com frequência a proteção dos refugiados internacionais e a todas as violências correlatas. As festas juninas da cidade, quem sabe também inspiração do Santo, guardam um estilo próprio visual e dançante, um belo espetáculo de disputa artística, na direção do que ocorre com os grandes desfiles das escolas de samba no carnaval. A feira de artes, artesanato e variedades, com seus mais de dez mil expositores, é sem dúvida e de longe a maior e melhor de todo o País. Belo Horizonte, no vigésimo primeiro ano pós centenário atinge a plena maioridade. Remoçada, alegre, criativa e moderna, bem corporifica o INCIPTA, VITA NOVA. 71 O Porta l Bra sil Cultura por Ângelo Oswaldo de Araújo Santos Minas Gerais: contemporânea a cultura O Estado de Minas Gerais é sucedâneo da Capitania criada em 1720, desmembrada da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, de 1709, e, após a independência do Brasil, da Província constituída durante o período imperial (1822-1889). Suas dimensões territoriais correspondem às da França continental, sendo igualmente rica a diversidade cultural de ambos os territórios. Minas é muitas, reconheceu o escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), mineiro dos Gerais de Cordisburgo, orgulhoso de sua “patriazinha”. Em célebre discurso, Afonso Arinos de Melo Franco, nascido em Belo Horizonte (1905-1990), enfatizou a centralidade de Minas como uma síntese e um amálgama do Brasil, por suas conexões com o Nordeste e o Sul, o Sudeste e o CentroOeste, graças à projeção territorial alcançada a partir do núcleo inicial da mineração aurífera, entre Sabará, Mariana e Ouro Preto. Nestas localidades pioneiras, erigiram-se em 1711 as três primeiras das atuais 853 municipalidades do Estado, o maior contingente de municípios numa unidade da Federação. O ciclo do ouro, cujos primórdios remontam a 1674, ano da partida de São Paulo da grande bandeira de 73 Fernão Dias, ensejou o surgimento da primeira sociedade urbana do Brasil. A mineração acendeu uma imensa constelação de arraiais e de quatorze vilas, como então se denominavam as sedes municipais. A vida citadina estimulou o desenvolvimento cultural, e variadas manifestações artísticas floresceram intensamente. Deram origem ao grande patrimônio que se convencionou chamar de Barroco Mineiro, embora muita vez predomine o rococó, nas artes plásticas, ou o estilo pré-clássico nas composições musicais, sobretudo na segunda metade do século XVIII. O arquiteto, escultor e entalhador Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho (1738-1814), é considerado o primeiro artista genuinamente brasileiro, pela interpretação pessoal dos padrões europeus do barroco e do rococó. Os escultores e entalhadores Francisco Xavier de Brito (falecido em Ouro Preto em 1751), Francisco Vieira Servas (1720-1811) e o Mestre de Piranga, anônimo ou oficina que deixou obra de singular importância, os pintores Manuel da Costa Ataide (1762-1830), Francisco Carneiro, João Nepomuceno Correia e Castro, Manuel Victor de Jesus, Silvestre de Almeida Lopes, José Soares de Araújo e Caetano Luiz de Miranda evidenciam o opulento acervo de artes plásticas do período minerador. O compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, atuante em Diamantina e Ouro Preto, falecido no 74 Rio de Janeiro em 1805, é considerado o mais importante dentre numerosos músicos ativos na Capitania do ouro. Adotando o estilo pastoril da Arcádia romana, muitos autores foram pródigos na produção de uma das primeiras expressões da poesia brasileira: Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), Inácio José Alvarenga Peixoto (estes três inconfidentes envolvidos na Conjuração Mineira de 1789), Manuel da Silva Alvarenga (preso na Inconfidência Fluminense de 1794), Basílio da Gama, Frei José de Santa Rita Durão, Francisco de Melo Franco e José Eloy Ottoni. Minas Gerais foi a província mais populosa do Império, contando com a maior representação parlamentar, o que iria prevalecer até o final da primeira República, demarcado pela Revolução de 1930. A base cultural sedimentada no período da abundância do ouro e dos diamantes fez com que naturais de Minas se destacassem na política, na literatura e nas artes do Brasil, garantindo ao Estado uma proeminência que cedeu lugar aos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir da Segunda Guerra Mundial. As características de uma região montanhosa e distante do litoral, contribuindo para certo enclausuramento da vida mineira, implicaram traços de conservadorismo recorrentes no comportamento social e individual de seus habitantes. “O senso grave da ordem” pautou o comportamento de suas elites políticas, mas personalidades como o presidente Juscelino Kubitschek (19021976) e o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) contrariaram esse coro circunspecto em favor de mudanças de forte impacto na história do país. Tradição e ruptura traduzem, assim, o movimento pendular que alterna fenômenos transformadores e reações conservadoras no âmago do processo histórico mineiro. prefeito Juscelino Kubitschek concluía os quatro prédios principais do Conjunto da Pampulha, hoje patrimônio da humanidade (Unesco, 2016). A década de 1920 foi privilegiada por movimentos modernizantes. O grupo da Rua da Bahia, em Belo Horizonte, reuniu os jovens Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura, Abgar Renault, João Alphonsus, Gustavo Capanema e Milton Campos, tendo lançado “A Revista”, em 1925. Em Cataguases, em 1927, apareceu a Revista Verde, criada por Ascânio Lopes, Rosário Barroco, modernismo e Fusco, Guilhermino César, Enrique de Guignard Resende e Francisco Inácio Peixoto. Mas não correspondeu à Três fundamentos culturais notável renovação da sustentam os rumos da poesia e da literatura contemporaneidade qualquer movimento de Minas Gerais mais significativo no neste primeiro campo das artes quartel do século plásticas. Surgido XXI: a herança simultaneamente, barroca setecentista, o cinema de da qual procedem Humberto Mauro, em ricos veios da criação Cataguases, foi um artística; o legado do fenômeno autônomo. modernismo literário Especialmente a da década de 1920, obra poética de Carlos Alberto da Veiga Guignard emblematizado pelo Imagem reproduzida de Drummond de Andrade Grupo da Rua da Bahia, http://www.elfikurten.com.br marcou as gerações em Belo Horizonte, e pela literárias que se sucederam, no Revista Verde, de Cataguases; e a decorrer do século XX, como as lição do pintor Alberto da Veiga do romancista Cyro dos Anjos, da Guignard, criador da primeira escola poeta Henriqueta Lisboa e dos de arte moderna da Capital mineira, “vintanistas” da década de 40 (Otto em 1944, no instante em que o 75 Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos, ao lado de Murilo Rubião e Alphonsus de Guimaraens Filho), sempre articuladas em movimentos como os denominados Edifício, Complemento, Tendência, Ptyx, Estória e Suplemento Literário. A “excursão modernista” de abril de 1924 alavancou o movimento dos poetas mineiros, em contato direto com Mário de Andrade, Tarsila Amaral e Oswald de Andrade, que visitaram a capital e várias cidades históricas em companhia do poeta suíço-francês Blaise Cendrars. O governo estadual do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada deu início a programas de proteção do patrimônio histórico e valorização da “mineiridade”, tendo criado a Universidade do Estado, em 1927, e promovido notável reforma do ensino, em 1929, com a participação da educadora russa Helena Antipoff e da escultora belga Jeanne Louise Milde, que se fixaram em Belo Horizonte. As artes plásticas só adquiriram expressão relevante com a vinda de Alberto da Veiga Guignard (18961962) para Belo Horizonte. Os pintores Honório Esteves, Alberto Delpino, Aníbal Matos, Nazareno Altavilla, Renato de Lima e Genesco Murta compuseram obras de qualidade, dentro dos padrões da tradição. Apaixonado pela paisagem das 76 cidades históricas, sobretudo de Ouro Preto, onde foi sepultado, Guignard criou uma escola para ensinar Belo Horizonte a ver a arte moderna e perceber as obras erguidas na Pampulha (Cassino, Igreja de São Francisco de Assis, Casa do Baile e Iate Clube) pelo prefeito Kubitschek pelas mãos do arquiteto Oscar Niemeyer, do pintor Cândido Portinari, do escultor Alfredo Ceschiatti e do paisagista Roberto Burle Marx. No mesmo ano de 1944, uma exposição de arte moderna, na galeria do Edifício Mariana, no centro da cidade, teve uma tela de Portinari rasgada a canivete, em meio a uma polêmica a respeito da nova pintura. A Escola do Parque Municipal, como ficou conhecida, reuniu entre seus primeiros alunos os escultores Amílcar de Castro e Mary Vieira (que se transferiu para a Europa) e os pintores Maria Helena Andrés, Mário Silésio e Sara ávila. Farnese de Andrade cursou a escola de Guignard e foi para o Rio de Janeiro, onde criou um universo de objetos referindo uma herança cultural mineira. Nessa mesma época, a chegada dos maestros e compositores Sergio Magnani e Alfredo Bossmann inaugurou novo compasso para a música erudita. Duas artistas plásticas que cedo deixaram o Estado iriam alcançar projeção internacional: Lígia Clark, nascida em Belo Horizonte, e Maria Martins, em Campanha, Sul de Minas. Amílcar de Castro atuou em Nova York e no Rio, mantendo presença luminosa em Minas Gerais, como professor em Belo Horizonte e Ouro Preto. A partir da década de 1950, diversas iniciativas provaram que a linha evolutiva da produção cultural mineira não percorria apenas o trajeto da vanguarda literária, mas alcançava manifestações no teatro (Haydée Bittencourt, Jota Dângelo, Jonas Bloch, Carlos Kroeber), na dança (Klauss Viana, Angel Viana, Carlos Leite) e na arquitetura (projetos de Sylvio de Vasconcellos, Gilson de Paula, Hélio Ferreira Pinto, Shakespeare Gomes, Raphael Hardy Filho). Surgiram também núcleos de atividades cinematográficas, com destaque para o CEC, centro de estudos que formou gerações de críticos de cinema. Ao mesmo tempo, em muitas cidades do interior do Estado, artistas, escritores e intelectuais, individualmente ou em grupo, participaram de ações inovadoras, como a geração da Galeria Celina, em Juiz de Fora, entre outros polos como Cataguases, Pirapora, Oliveira, Ouro Preto e Barbacena. álvaro Apocalipse, Teresa Veloso e Madu Vivacqua Martins, artistas plásticos, criaram o grupo de teatro de bonecos Giramundo. Nello Nuno Rangel e Anna Amélia Lopes fundaram a Escola de Arte Rodrigo Melo Franco de Andrade, da Fundação de arte de Ouro Preto, FAOP. Permanecem atuantes o pintor, poeta e crítico de arte Márcio Sampaio, a gravadora Lothus Lobo, autora de um trabalho inovador a partir de marcas industriais, e o pintor Carlos Bracher (Ouro Preto). Transformações aceleradas após a década de 60 A década de 1960, marcada pela instauração do regime militar, em 1964, assistiu ao lançamento de uma série de movimentos de vanguarda, nos territórios da cultura, o que se intensificou até os anos 90. A criação do Suplemento Literário do “Minas Gerais”, diário oficial do Estado, em 1966, pelo escritor Murilo Rubião, a convite do governador Israel Pinheiro, resultou na aglutinação de uma efervescente geração de escritores, sobretudo contistas, poetas e artistas plásticos. Entre os autores, destacaram-se os ficcionistas Sérgio Sant’Anna e Luiz Vilela e o poeta Sebastião Nunes. Até hoje, o Suplemento Literário prossegue na missão de reunir e divulgar a literatura contemporânea. Naquele mesmo ano, o governo mineiro promoveu um festival de arte em Ouro Preto, já em 1967 transformado em Festival de Inverno da UFMG, com larga repercussão dentro e fora do Estado. Em 1971, Julian Beck, Judith Malina e o Living Theatre foram presos em Ouro 77 Preto, quando se preparavam para participar do evento, sendo em seguida expulsos do país por ordem do governo federal. Na atualidade, o Estado conta com um grande número de festivais literários, musicais e teatrais, em praticamente todas as regiões. O Festivale e o MucuriArte movimentam o Vale do Jequitinhonha e o Vale do Mucuri, nas regiões Norte e Nordeste. Do Festival de Inverno procederam outros congêneres e grupos importantes que chegam ao presente consagrados internacionalmente: o Grupo Galpão, de artes cênicas; o Grupo Corpo, companhia de dança contemporânea; o Giramundo, teatro de bonecos; o Ukati, hoje extinto, utilizando instrumentos inventados por seus integrantes. O Madrigal Renascentista e o Ars Nova, da UFMG, foram corais que contribuíram para o brilhantismo do ambiente cultural, adotando propostas inovadoras. A inauguração do Palácio das Artes, da Fundação Clóvis Salgado, pelo Governo mineiro, em 1971, ofereceu à capital um espaço que se tornara imprescindível ao seu desenvolvimento cultural. A presença do escultor Amílcar de Castro (19202002) em Belo Horizonte, a partir dos anos 80, exerceu forte influência nas gerações novas, com a lição de rigor e síntese proporcionada por sua obra internacionalmente reconhecida. 78 Inhotim e expansão da arte contemporânea Em 2005, a inauguração de Inhotim, centro de arte contemporânea situado no município de Brumadinho, a cerca de 30 quilômetros de Belo Horizonte, fixou, nesse espetacular conjunto de jardins (o primeiro deles assinado por Roberto Burle Marx), pavilhões especialmente projetados e obras de arte de autores notáveis da atualidade internacional, uma referência mundial. Se a cidade de Ouro Preto e o conjunto moderno da Pampulha, inscritos no patrimônio da humanidade pela Unesco, em 1980 e 2016, era os documentos de identidade de Minas Gerais no espaço global da cultura, Inhotim veio impor-se como terceira via para a “descoberta” pelos estrangeiros do território dominado pelo barroco setecentista. Fluxos de visitantes de variada procedência consagraram a atratividade e a importância desse “museu imaginário” criado pelo colecionador Bernardo Paz. Ao mesmo tempo, Inhotim deixou sob certa penumbra a produção contemporânea de Minas Gerais, ao adotar um restritivo critério internacionalista, que foi buscar em Nova York e no Rio de Janeiro as mineiras Valeska Soares e Yole de Freitas. Enquanto isso, a Bienal de Veneza de 2015 convidou dois artistas de Minas Gerais que se têm destacado pela singularidade de suas propostas: Paulo Nazaré, entre performances e instalações, e Sônia Gomes, que tece cria retalhos de tecido e fios inusitados objetos. Na Bienal de Veneza de 2017, foi premiada com menção especial a mineira Cinthia Marcelle. A par do fenômeno cultural e turístico que se caracterizou em Inhotim, evidentemente trazendo impactos positivos para o ambiente artístico da capital mineira, amplia-se o quadro de manifestações relevantes. No primeiro decênio do século, a Bolsa Pampulha, criada no Museu de Arte da Pampulha, MAP, pela diretora Priscila Freire e o curador Adriano Pedrosa, incentivou intensamente a emergência de novos valores Sensações de estranhamento e inquietação, perplexidade e incômodo, saturação e enfrentamento da banalidade, percorrem os trabalhos de Cristiano Rennó, Leonora Weissmann, Mabe Bethônico, Marco Paulo Rolla, Marilá Dardot, Nídia Negromonte, Pedro Motta, Rafael Zavagli, Rivane Neuschwander, Roberto Bethônico e Rosângela Rennó. De igual modo, os videomakers Cao Guimarães e Eder Santos cercam-se de largo reconhecimento. Os pintores Fernando Lucchesi, Fernando Velloso, Mário Zavagli e Ricardo Homem, os escultores Advânio Lessa, Jorge dos Anjos, Maurino de Araújo e Paulo Laender, Instituto inhotim Imagem reproduzda de http://www.inhotim.org.br/blog/ 79 os autores de objetos José Pedro e Marcos Benjamim, o gravador Paulo Roberto Lisboa, a desenhista Liliane Dardot e o aquarelista José Alberto Nemer demonstram a vitalidade de obras iniciadas no século anterior, seguindo caminhos próprios. Em outros pontos do Estado, aparecem os pintores Hélio Siqueira e Paulo Miranda (Uberaba) e o artista Jorge Luiz Fonseca (Ouro Preto). A cerâmica tem autores de reconhecida trajetória, como Erli Fantini. No setor de design, aparecem Ângela Dourado, Gustavo Greco e Júlia Bianchi. Há grande movimento no setor da fotografia, com encontros e festivais em Belo Horizonte, Tiradentes e Ouro Preto, entre outras cidades. Fotógrafos em intensa atividade: Eugênio Sávio, Eugênio Pacelli, Daniel Mansur, Dimas Guedes, Israel Abrantes, Miguel Aum, Rui César Santos. Um certeiro olhar retrospectivo recuperou a obra de Teresinha Soares (1927), que mereceu importante exposição em 2017, no MASP, em São Paulo, como também a sua inclusão em mostras internacionais de pop art, em Los Angeles e em Londres. Teresinha Soares criou uma expressão original da pop art e da nova objetividade, ao fazer pintura, gravura, objetos, instalações e performances, com temática erótica, instigante e provocadora, numa época de censura militar e preconceitos sociais acirrados. 80 Pedro Moraleida (1977-1999), precocemente falecido, deixou um acervo no qual se identificam signos e rumos da produção contemporânea. Nessa linha, o universo do grafite evoluiu no sentido de uma dimensão especial na arte de Belo Horizonte. O legado de Raymundo Colares (1944-1986), mineiro de Montes Claros atuante no Rio de Janeiro, onde atuou ao lado de Antônio Manuel e Hélio Oiticica, reveste-se de renovada admiração. Também a obra de Arlindo Daibert (1952-1993), desenhista e gravador de Juiz de Fora, mantém interesse e atenção. No campo da arte popular, que se distingue do artesanato pela não serialização das obras autorais, os escultores GTO (Geraldo Teles de Oliveira), de Divinópolis, e Artur Pereira (Cachoeira do Brumado, em Mariana), o pintor Amadeu Lorenzatto, que viveu em Belo Horizonte, e os ceramistas Ulisses e Isabel, do Vale do Jequitinhonha, são emblemas de um dos mais opulentos veios da manifestação artística de Minas Gerais, na qual é exemplo vivo a ceramista Noemisa, do município de Caraí. Arte popular e artesanato são território de uma riqueza incalculável, em todo o Estado. Essa tradição sustenta-se e se revigora na atualidade. Na capital, o pintor autodidata Célio de Faria cria paisagens com lirismo e vigor, e Antônio Eustáquio, nascido em Raul Soares, vivendo em Mariana, trabalha com o imaginário popular, em especial temas com representação religiosa. No campo da escultura, na Zona da Mata, em Cataguases, surge o artista e artesão Virgínio Rios, enquanto Ricardo Costa atua no Oeste, em Dores do Indaiá. Zezin é outro artista envolvido com a madeira. Além de entalhador de móveis, dedica-se à escultura. Willi de Carvalho vive e trabalha em Belo Horizonte. Através de materiais aparentemente descartáveis e inúteis, constrói representações de festejos populares e figuras lendárias. João Maciel e Warley Desali, ambos formados pela Escola Guignard, são reconhecidos pelas intervenções artísticas em grafite em espaços urbanos. Randolfo Lamonier atua numa linha experimental de mídias. Minas Gerais tem cerca de 400 museus cadastrados no Sistema Nacional, junto ao Instituto Brasileiro de museus, IBRAM. O Museu de Arte da Pampulha, MAP, voltado para a arte contemporânea, o Museu Mineiro (coleções históricas) e o Museu de Artes e Ofícios (história da mão trabalhadora e criativa) destacamse em Belo Horizonte. O Museu Murilo Mendes (coleção internacional do poeta Murilo Mendes (1901-1975)) e o Museu Mariano Procópio (coleções históricas, sobretudo do período imperial) em Juiz de Fora, o Museu da Inconfidência (período colonial), em Ouro Preto, o Museu de Sant’Ana, em Tiradentes, e o Museu de Congonhas (a obra máxima do Aleijadinho escultor) são exemplos de notável qualidade museológica. No campo das Ciências, destacamse o Museu de História Natural da PUC/Minas, em Belo Horizonte, o Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas/UFOP, em Ouro Preto, e o Parque Paleontológico de Peirópolis, em Uberaba. A arquitetura mineira moderna desenvolveu-se a partir da escola pioneira da UFMG e da lição da Pampulha. Destacou-se, na década de 1950, o professor e autor Sylvio de Vasconcellos, também estudioso da obra do Aleijadinho e dos partidos arquitetônicos do período colonial. Humberto Serpa, nos anos 70, marca a paisagem dom o edifício do BDMG. álvaro Hardy e Eolo Maia atuaram intensamente no final do século XX. Maia ligou-se às vertentes pósmodernas e projetou-se no exterior. Na atualidade, os arquitetos Gustavo Penna (Escola Guignard, Memorial da Imigração Japonesa, Edifício Cemig, Museu de Congonhas) e Jô Vasconcellos (Sala Minas Gerais) são referências marcantes. Um coletivo jovem (Arquitetos Associados) e Thomas Regatos são responsáveis por vários pavilhões de Inhotim. 81 Protagonismo em vertentes da música novas Na virada dos anos 60 para a década de 70, consolidou-se o grupo do chamado “Clube da Esquina”, que reuniu em Belo Horizonte compositores como Milton Nascimento, Fernando Brant, Toninho Horta, Márcio Borges, além de Lô Borges, Beto Guedes e Tavinho Moura. A capital mineira caracterizou-se como berço de uma nova vertente, no quadro da MPB. Mais tarde, com o surgimento de grupos como o Sepultura, o Jota Quest, o Pato Fu e o Skank, a cidade ganhou projeção e referência no mundo do metal e do pop rock. é inequívoco o protagonismo da música mineira em território nacional e internacional, sempre marcada pela complexidade harmônica e rítmica que encontra grandes representantes como Toninho Horta e Maurício Tizumba, mestre dos tambores. No século XXI, o sertanejo avança e triunfa na música mineira. A partir de 2010, grupos de hip-hop conquistaram hegemonia e se destacam no contexto nacional, também pela 82 presença feminina nas formações. Rappers como Flávio Renegado, Matéria Prima, Gustavo Djonga e o grupo Zimun são destaques do hiphop, bem como Tamara Franklin, Bárbara Sweet e Brisa Flow. A música negra tem grande destaque na p r o d u ç ã o m i n e i r a . Sérgio Pererê é multiartista e diretor de espetáculos que variam de peças de teatro até o mais recente show Bala da Palavra, composto por artistas negros do calibre de Débora Costa, Maýra Motta, Johny Herno, Daniel Guedes, Richard Neves, Douglas Din, Laís Lacôrte, dentre outros. Pererê, por sua vez, destaca-se pela singularidade da voz, numa sonoridade que evoca as raízes afrobrasileiras de parte significativa da produção atual. Há também que ressaltar a pluralidade da produção musical mineira, da tradição à contemporaneidade. O pop rock dançante de Wilson Sideral, as experimentações do trio Zevinipim, o rock de atitude da banda Tianastácia e o peso da cena dos metaleiros Sarcófago, Soul Fly, Overdose e Cavaleira Conspiracy. Alcançando grande proeminência em todo o país, o gênero sertanejo tem em Minas os seus maiores artistas: Cesar Menotti e Fabiano, Gustavo Lima, Paula Fernandes e vários outros sucessos nacionais. A MPB tem autores e intérpretes nas Gerais: 14 Bis, Affonsinho, Ana Carolina, Eduardo Filizzola e Emerson Nogueira são nomes consolidados; Kadu Vianna, Mariana Nunes e Pedro Morais formam, junto ao compositor Flávio Henrique, o Quarteto Cobra Coral. A obra de Vander Lee, que faleceu em 2016, girou todo o Brasil. O samba mineiro, herança do ubaense Ary Barroso, tem hoje grandes expoentes. Entre eles, os conjuntos Tradição, Zé da Guiomar, Copo Lagoinha, Samba na Batuta, Camarão de Rama, Samba de Fino Trato e Fidelidade Partidária. O projeto Samba da Criação só interpreta sambas autorais mineiros contemporâneos, exaltando as canções de Dé Lucas, Ederson Melão, Serginho Beagá, Toninho Geraes, Fernando Bento, Fabinho do Terreiro, Tino Fernandes, Lucas Fainblat e tantos outros compositores. As cantoras mineiras projetam-se: Aline Calixto, Cinara Ribeiro, Giselle Couto, Marina Gomes, Manu Dias e Silvia Gomes são apenas alguns entre tantos ótimos nomes. O gênero pagode, por sua vez, tem em Alexandre Pires um de seus maiores nomes de todos os tempos. A cena da música instrumental é, também, um verdadeiro banco de talentos: Thiago Delegado, Juarez Moreira, Marcos Frederico, Leonardo Brasilino, Sérgio Danilo, Deangelo Silva, Carlos Walter, Warley Henrique, Lucas Telles, Caxi Rajão, Luiza Mitre e Rafael Martini são somente alguns desses artistas que, além de exímios instrumentistas, são frequentemente compositores, arranjadores e, eventualmente, regentes. O curso de Música Popular da UFMG, aliado às tradicionais premiações oferecidas anualmente pelo BDMG contribuíram bastante para o avanço da música instrumental mineira. Além disso, as diversas rodas de choro semanais que acontecem na capital mineira atestam a capacidade de nossos músicos e o intenso trabalho do Clube do Choro, presidido por Acyr Antão. O gênero do jazz também encontra, em Minas, representantes como Frederico Heliodoro, Antônio Loureiro e Felipe Continentino. O cenário autoral de música contemporânea registra intensa atividade. A banda “Graveola e o Lixo Polifônico” se apresenta dentro e fora do país. Luiz Gabriel Lopes acaba de lançar novo disco. Pablo Castro faz direção musical para a circulação do clássico disco “Tênis”, de Lô Borges, e assina parcerias musicais com Makelly Ka. Vitor Santana e o músico português João Pires desenvolvem o projeto lusófono “Coladera”. Fomentando esse cenário autoral foi 83 criada a Mostra Cantautores de Belo Horizonte. Trata-se de um encontro intimista de criadores da canção contemporânea e tem por conceitobase a realização de apresentações solo, em que cantores-compositores tocam suas canções em formato bruto, acompanhados apenas por seu instrumento, revivendo, de certa maneira, os festivais universitários dos anos 70. Nos últimos anos, os blocos de carnaval de Belo Horizonte passaram a movimentar bastante a cena musical. Apresentam-se ao longo do ano, passados os quatro dias tradicionais da festa. Inúmeras agremiações como Chama o Síndico, Me Beija que sou Pagodeiro, Então Brilha e Bloco Magnólia têm intenso calendário de apresentações não só na capital como, também, no interior de nosso estado. Em Ouro Preto, o compositor e violonista Chiquinho de Assis Gonzaga invou com o grupo Candonguero, que apresenta o melhor da MPB em concertos durante o carnaval. No campo da música erudita, destacam-se: a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e o Coro Lírico do Palácio das Artes, ligados à Fundação Clóvis Salgado; a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais; a Fundação de Educação Artística, dirigida pela pianista Berenice Menegale; o Conservatório Lorenzo Fernandes, com quatro mil 84 alunos em Montes Claros; os demais 11 conservatórios estaduais; e os cursos superiores de música (UFMG, UFOP, UFSJ, UFJF, UEMG). Cerca de 670 bandas de música estão cadastradas na Secretaria de Estado de Cultura, além das 20 integrantes da Polícia Militar, única corporação policial-militar da América Latina a contar com uma Orquestra Sinfônica. A Orquestra do Sesiminas e a Orquestra Ouro Preto cumprem intensa programação. O Prêmio Jovem Instrumentista, do BDMG, prestigia novos talentos da música erudita. A Fundação Clóvis Salgado monta duas óperas por ano, graças a seus corpos estáveis, sobressaindo-se no cenário brasileiro atual por essa programação operística. Merece menção especial a existência de órgãos históricos em igrejas tombadas em Mariana (Arp Schnitger, fabricado Hamburgo, em 1701), Tiradentes (fabricado no Porto, em 1780), Diamantina, Formiga e Santuário do Caraça, proporcionando uma série de recitais. O trabalho da organista e tecladista Elisa Freixo tem reconhecimento internacional. Dança presente na cena internacional A dança em Minas Gerais projetouse a partir da dedicação do professor Carlos Leite e do profissionalismo de Klaus Vianna e sua mulher, Angel Abras Vianna. Do trabalho pioneiro que realizaram, veio inspiração para a formação de muitas companhias, como o Grupo Transforma, de Marilene Martins. Um dos três corpos estáveis da Fundação Clóvis Salgado é a Companhia de Dança Palácio das Artes, hoje dirigida por Cristiano Reis. Destaca-se pelos bailarinos criadores de dança contemporânea. O grupo Corpo, criado pelos irmãos Pederneiras em 1976, em Belo Horizonte, é um dos mais aplaudidos na cena internacional. Tendo estreado com “Maria Maria”, música de Milton Nascimento e coreografia do uruguaio Oscar Arrais, o Corpo tem como seu principal criador e diretor o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. O Primeiro Ato, dirigido por Suely Machado, coleciona prêmios pelos trabalhos na linha contemporânea. O grupo Aruanda particulariza-se pela pesquisa de temas do folclore regional e internacional. Em Montes Claros, nessa mesma linha, atua o Grupo Banzé. A contemporaneidade é a marca do trabalho apresentado por Dudude Hermann e Adriana Banana, com projetos fundados em pesquisa e criatividade. Adriana Banana teve a iniciativa de criação do Festival Internacional de Dança – FID, evento que se inscreveu no calendário nacional. Esforços individuais e coletivos resultam em ações positivas para a dança mineira, sendo referência os dançarinos Mário Nascimento e Rui Moreira (ao lado de Bete Arenque, Moreira criou a Cia Seraquê?), o coreógrafo Tuca Pinheiro, Quik Cia de Dança e Grupo Camaleão de Dança. No campo da formação, o Estado mantém, na Fundação Clóvis Salgado, as atividades do Centro de Formação Artística e Tecnológica (CEFART), sendo a dança uma das principais disciplinas ofertadas. No interior, a cidade de Viçosa, na Zona da Mata, abriga o Grupo êxtase de Dança. No Vale do Aço, a Híbridus Cia de Dança é um coletivo premiado. A cidade de Uberlândia criou um renomado festival nacional de dança, e conta hoje com um moderno palco para tanto, em teatro projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Produção profusa pluralidade das letras na A criação literária em Minas Gerais continua profícua após a Geração Suplemento, até os dias de hoje. Há, dos anos 80 até a atualidade, novas formas de aglutinar o fazer literário no território mineiro. Se já era um afluente dos grupos literários há décadas, o edifício Maletta, na capital, continua um local de atividades literárias que se desdobram desde sebos e editoras – como a Crisálida Editora, de Oséias Ferraz, responsável por primeiras edições de nomes 85 hoje já consagrados, como o de Andityas Soares de Moura, poeta de Barbacena – até performances artísticas em torno da literatura, como as de Ricardo Aleixo, Grace Passô, Marcelo Dolabela, Renato Negrão, entre outros. Este último é o organizador de saraus e slams poéticos, trazendo a literatura da periferia para os eixos centrais da cultura. Nos anos 90, há o surgimento de uma livraria de rua, a Scriptum, e um selo editorial de mesmo nome. Dali que almejava entrelaçar Nietzsche, Rimbaud e o grupo poprock Titãs. Nos anos 2000, aparece o Coletivo 21, no intuito de ser a concretização e o fortalecimento associativo de poetas e escritores de Minas Gerais como Dagmar Braga, André Rubião, Adriano Macedo, Branca Maria de Paula, Caio Junqueira Maciel, Cláudio Martins, Cristina Agostinho, Jaime Prado Gouvêa, Jeter Neves, Leo Cunha, Luís Giffoni, Luiz Ruffato, Neusa Sorrenti, Olavo Romano, Ronaldo Guimarães e Ronaldo Simões Coelho. Ao contrário das gerações precedentes, este e outros coletivos têm a característica de sua pluralidade de linguagem e gerações. nasce a Revista Orobó, em 1997, com o poeta, ensaísta e editor Anelito de Oliveira (posteriormente seria o editor do Suplemento Literário de Minas Gerais), cuja origem em Montes Claros transpõe novamente Há que se pontuar distâncias e a ocupação do enriquece ainda espaço urbano mais a literatura pela poesia e mineira. Naquela performances, r e v i s t a , h ou v e, unindo distâncias, mais uma vez, dessacralizando a marca da fazeres e saberes, vanguarda mineira, extinguindo a unindo escritores dicotomia entre Sarau ViraLata e fotógrafosperiférico Imagem reproduzida de https://jornalggn.com.br o escritores e artistas e pretensas visuais, como João centralidades. Este é o caso do Sarau Evangelista Rodrigues, entre tantos ViraLata, movimento itinerante que outros. Em seu primeiro número, atua nos espaços públicos para já constavam nomes como os da difundir a poesia. Produzido pelo poeta e acadêmica Maria Esther coletivo Sindicato dos Cachorros Maciel, unindo Mallarmé, Octavio de Rua, é composto por Mikaela Paz e Fernando Pessoa, ou de Janete Gabriele, Walkiria Gabriele e Zi Reis. Flor de Maio Fonseca e seu ensaio 86 Nasceu de uma ideia simples: ocupar os mais diferentes espaços da cidade com poesia, a cada 15 dias, reunindo as pessoas para compartilhar arte de forma livre e horizontal. Ainda nos anos 2000, ressaltam-se dois movimentos de peso: o Terças Poéticas, dirigido pelo poeta Wilmar Silva, notadamente nos jardins internos do Palácio das Artes, e o Ofício da Palavra, desenvolvido por José Eduardo Gonçalves, no Museu de Artes e Ofícios – antiga sede da estação de trem da capital mineira. Estes também foram espaços multidisciplinares com a centralidade da literatura, construindo pontes entre o fazer literário mineiro e o resto do Brasil. Na cidade de Conselheiro Lafaiete, o Grupo Lesma realiza anualmente o Abril Poético. Em Ouro Preto, Guilherme Mansur foi chamado de “tipoeta” por Haroldo de Campos, ao valer-se de uma antiga tipografia para criar e publicar poesia. Ainda em Ouro Preto, está a ficcionista Guiomar de Grammont, ganhadora do Prêmio Casa de las Américas, de Cuba. Na cidade de Mariana, o jornal “Aldrava” reúne os poetas J.S. Ferreira, Gabriel Bicalho, Luiz Tyller, Hebe Rôla, J.B. DonadonLeal e Lázaro F. Silva. Em Montes Claros, ocorre o Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, evento literário idealizado pelo poeta Aroldo Pereira. De um festival como outros tantos, criou-se uma identidade literária que agrega o Norte de Minas Gerais com todas as centralidades do país. Realizado desde o ano de 1986, o evento consiste em apresentação de poemas, edições, lançamento de livros e palestras sobre a produção literária no Brasil e tem a participação de escritores conhecidos de diversas escolas literárias, especialmente em verso. Na Zona da Mata Mineira, há uma concentração de escritores de excelência, tendo sido traduzidos para diversas línguas. Entre outros, destaca-se o poeta Edimilson de Almeida Pereira, pela articulação de sua linguagem junto à africanidade antropológica de ritmos e temáticas, bem como o poeta Iacyr Anderson Freitas. é importante lembrar que Carolina de Jesus passou a infância em Sacramento e Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte. Em Cataguases, terra do escritor Luís Ruffato e das poetas Lina Tâmega e Flausina Moreira da Silva, atuam os poetas Joaquim Branco e Ronaldo Werneck. No Sudoeste, em Arceburgo, Antônio Geraldo Figueiredo Ferreira constrói uma obra importante na literatura de ficção. Poeta e escritora, Adélia Prado vive e trabalha em Divinópolis. Há mais de 30 anos, o “Sempre Um Papo”, idealizado pelo escritor Afonso Borges, dissemina, em Minas Gerais e no Brasil, por meio de palestras e 87 lançamento de livros, a produção literária mineira e brasileira. Sobre os eventos literários em Minas Gerais, mais de trinta 30 festivais demonstram a força do setor. Entre eles, achamse a Bienal do livro de Belo Horizonte, o Salão do Livro Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, a Flipoços (Poços de Caldas), FliAraxá (Araxá), Fórum das Letras de Ouro Preto e FliMinas, Festa Literária de Rio Novo. A editora Mazza particularizouse pelo lançamento de autores afro-brasileiros, o que tem assegurado a projeção de poetas e escritores que não haviam conseguido acesso ao plano editorial. que consiste em 24 microantologias de poetas a cada ano. Os livros são distribuídos, gratuitamente, na capital mineira. A Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais coordena o Sistema Estadual de Bibliotecas Municipais, ao qual se vinculam cerca de 800 municípios, com suas respectivas unidades. Artes cênicas ocupam palco e rua As artes cênicas sempre foram atividade importante em Minas Gerais. O mais antigo teatro em funcionamento O escritor e poeta nas Américas é a Fabrício Marques Casa da Ópera de lançou a obra Vila Rica, inaugurada intitulada “Uma em Ouro Preto no dia Cidade Se Inventa 6 de junho de 1770. – Belo Horizonte na O Teatro de Sabará Visão de Seus Escritores”. também procede do ciclo Grupo GiraMundo Marcílio França Castro é do ouro, havendo referências considerado um dos mais nas salas que se abrem ainda relevantes contistas, ganhador de hoje em Diamantina (Teatro Santa prêmios nacionais. Ana Martins Isabel) e São João del Rei. Além destas Marques é poeta que traz a cidades, Cataguases, Divinópolis, singularidade da escrita-mulher, Guaranésia, Ibirité, Ipatinga, Itabirito, herança da poesia marginal e Itajubá, Juiz de Fora, Mariana, seus cotidianos. Ana Elisa Ribeiro, Muriaé, Nova Lima, Poços de Caldas, poeta contemporânea já traduzida, Pouso Alegre (inaugurado em 1875), desenvolve, com o poeta e editor Rio Novo, Santa Luzia, Uberaba, Bruno Brum, a Coleção Leve Um Livro Uberlândia, Varginha, Vespasiano 88 mantêm espaços teatrais em pleno funcionamento. Há anos as artes cênicas em Minas Gerais trilham um caminho de luta, ocupação de espaços e reconhecimento. Tem papel singular o chamado teatro de grupo, pois há uma trajetória fortemente marcada por esse tipo de fazer teatral. À frente, vem o Grupo Galpão, devido aos 35 anos de trajetória completados em 2017. Se montagens como “Romeu & Julieta” e “Rua da Amargura”, ambas com direção de Gabriel Vilela, marcaram época e ajudaram a formar um público teatral que mais tarde se acostumaria a conferir produções de quilate, gerações atuais continuam tendo no grupo de Inês Peixoto, Teuda Bara, Rodolfo Vaz, Beto Franco, Arildo de Barros e Chico Pelúcio e seus colegas, uma usina de excelência dramatúrgica sempre antenada na contemporaneidade, como na abordagem realizada em “Nós”, a mais recente produção do grupo. Esse caráter coletivo continua se expandindo e encontrando morada em outros conjuntos que apresentam trabalhos transformadores, como as performances dos grupos Luna Lunera, Espanca, Teatro Invertido, Grupo Trama de Teatro, Cia. Pierrot Lunar e Quatroloscinco. Ainda nesse campo, o Armatrux, com seus quase 25 anos de percurso, e o Grupo Oficcina Multimédia, de Ione de Medeiros, conseguem proeminência no trabalho de pesquisa e diálogo com outras manifestações artísticas. A exuberância teatral amplia-se pelas veredas do interior mineiro, em um cenário vivo composto por grupos que movimentam suas regiões, além de um farto calendário de festivais que ocupam todo o ano. Waldir de Luna Cordeiro é uma referência histórica, em Alfenas. Fica em Barbacena, no Campo das Vertentes, um dos coletivos que conseguem destaque com um trabalho inovador, coordenado por Regina Bertola. Trata-se do Ponto de Partida, fundado em 1980, com um expressivo viés de formação artística. Atrair novas gerações aos palcos também é objetivo visado por outras tantas iniciativas, como a Plataforma Rotunda, também em Barbacena, o Close Formação Artística, que Trajano Amaral coordena em Juiz de Fora, o InCena, de Teófilo Otoni, e Grupontapé de Teatro, de Uberlândia. O Grupo Teatro Kabana atua em várias comunidades do interior, como Buriti Grande, distrito de Martinho Campos, no qual surgiu a Trupe Teatro Buriti. O agitador cultural Geraldo Lafaiete é um importante incentivador e irradiador do teatro amador, o que torna a cidade de Conselheiro Lafaiete um ponto de convergência para o fazer teatral na juventude. São João del-Rei (Teatro da Pedra), Passos (Trupe Ventania), Ouro Branco (Insólita Trupe), Araçuaí (Luz da Lua) 89 e Ipatinga (Farroupilha e Perna de Palco) também merecem relevo no mapeamento das artes cênicas em Minas Gerais. Carluty Ferreira e Carloman Bonfim publicaram, em 2017, o livro “Memória do Teatro de Grupo – O teatro em Minas Gerais”, exaustivo levantamento dessa produção. Títeres, marionetes e ventríloquos são manuseados com habilidade em Minas Gerais. O artista plástico Álvaro Apocalipse foi o fundador do Giramundo, o maior grupo de teatro de bonecos do Brasil, com quase meio século de trabalho, a partir de sua sede e museu, em Belo Horizonte. Os seres inanimados rendem ainda montagens de excelência elaboradas pelo Teatro Navegante, de Mariana, além dos discípulos de álvaro Apocalipse que seguem trajetórias próprias nas companhias Catibrum Teatro de Bonecos, Pigmalião Escultura que Mexe, Aldeia Teatro de Bonecos, Grupo Girino e o já citado Armatrux, todos da capital mineira. O circo também dialoga com o teatro em trabalhos de companhias que mesclam técnicas dessas duas linguagens. Bons espetáculos têm sido apresentados pelos grupos Trampulim, Yepocá Cia. de Teatro, Maria Cutia e Cia Circunstância. Toda essa tradição teatral só pode ser alicerçada graças ao trabalho de nomes basilares da cena estadual, alguns ainda atuantes, como João 90 das Neves, Jota Dangelo, Eid Ribeiro, Pedro Paulo Cava, Paulo César Bicalho, Wilma Henriques, Matilde Biadi e Prsicila Freire, que criou o teatro Escola da Cruz Vermelha, TESC, nos anos de 1970. Deixaram marca especial nomes como João Etienne Filho, João Ceschiatti, Ronaldo Brandão, Elvécio Guimarães, Ronaldo Boschi e o cenógrafo Raul Belém Machado. Há cursos superiores de artes cênicas na UFMG, em Belo Horizonte, e na UFOP, em Ouro Preto. O circo mineiro vive uma fase de revitalização. O trabalho de levantamento, estudo e estímulo coordenado pela pesquisadora Sula Mavrudis Kyriacos acumula consequências afirmativas. O circo tem uma cadeira no Conselho Estadual de Política Cultural. Uma articulação com as Prefeituras estabeleceu a lista de municípios nos quais o poder público reserva espaço próprio para a montagem dos circos, uma das maiores dificuldades que as companhias enfrentam na atualidade. Várias Prefeituras continuam a aderir à proposta. Anualmente, realiza-se na cidade de Mariana um festival de palhaços. Em Belo Horizonte, é bienal o Festival Mundial do Circo. Uma geração dinâmica à frente do audiovisual O audiovisual tem se alimentado, com eficácia, dos cenários oferecidos por Minas Gerais. é neste contexto que os realizadores do cinema mineiro se inspiram e têm realizado uma produção que chama a atenção nacional e internacional. Humberto Mauro, considerado o pai do cinema brasileiro, é nome fundamental para qualquer estudioso ou produtor que queira se debruçar sobre a história do cinema nacional. A partir dessa origem inspiradora, os mineiros exibem um brio particular no audiovisual. Suas obras cinematográficas, com forte apelo autoral, integram a maioria dos principais festivais do Brasil e do exterior. Saiu de Minas Gerais o grande vencedor da Mostra de Tiradentes 2017. O filme “A Baronesa”, da cineasta mineira Juliana Antunes, foi o escolhido. Marília Rocha também subiu ao alto do pódio no 49ª Festival de Brasília, com o filme “A Cidade Onde Envelheço”. A crítica especializada rende elogios à Filmes de Plásticos, produtora formada por um grupo de jovens realizadores da cidade de Contagem. Temas sociais abordados em suas produções dão corpo a um trabalho situado entre os mais intrigantes do cenário nacional, como no filme “Ela Volta na Quinta”, de André Novais. Essa trupe de realizadores das gerações mais novas tem em Ricardo Alves Jr. outro representante de destaque. Logo em seu primeiro longametragem, ele conseguiu espaço em diversos festivais. O filme “Elon Não Acredita na Morte” faturou o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília e representou o Brasil na mais recente edição do Festival de Cinema de Roterdã. O elenco que inova e renova a produção audiovisual é complementado pelas obras de Clarissa Campolina, Leonardo Barcelos, Affonso Uchoa, João Dumans, Tiago Mata Machado, Gabriel Martins, Sávio Leite, Helder Quiroga, Cris Azzi e Sérgio Borges. A notoriedade envolve o Polo Audiovisual da Zona da Mata, ação coordenada a partir de Cataguases por Cesar Piva, Mônica Botelho, Marcos Pimentel e Gilca Napier. O movimento consegue articular ações que envolvem cultura, educação e inovação, culminando em produções audiovisuais, formação técnica, festivais, eventos e ações estratégicas para consolidação do setor audiovisual como vetor de desenvolvimento na região. Tem assim sequência um roteiro que já vinha sendo escrito, de forma bastante competente, por cineastas com mais do que uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Foi pelo trabalho deles que produções mineiras ganharam holofotes em tempos passados, abrindo as 91 telas Brasil afora para as gerações atuais. Nessa escrita coletiva, o cineasta Helvécio Ratton é dono de traços basilares. São de sua autoria alguns filmes inquestionáveis na cinematografia nacional, como “Menino Maluquinho” e “Batismo de Sangue”. De gerações próximas, Elza Cataldo (“Vinho de Rosas”) e Rafael Conde (“Fronteira” e “SambaCanção”) também conquistaram audiência qualificada e bons resultados na crítica especializada. No segmento da produção comercial, o Estado responde por momentos de evidência, como na recente produção do mineiro José Luiz Villamarim intitulada “Redemoinho”. Os filmes “O Segredo dos Diamantes” e “Menino no Espelho” são outros exemplos de filmes que alcançaram a atenção em espaços comerciais. Na década passada, a produtora Camisa Listrada também obteve êxito nacional quando da exibição de seu filme “Cinco Frações de Uma Quase História”. O viés experimental é latente no audiovisual mineiro. Seus maiores expoentes são Cao Guimarães e Eder Santos. A história da videoarte brasileira passa fatalmente pela produção de ambos realizadores, cada um com sua particularidade e potência visual. Para além de todo esse emaranhado de nomes, o calendário de eventos do audiovisual pousa em solo mineiro 92 cotidianamente. Os holofotes são ligados em janeiro, início da programação no Brasil, quando começa a Mostra de Cinema de Tiradentes, dedicada a obras que debatem sobre o cinema autoral e contemporâneo. A diversidade desses eventos no Estado enriquece toda a cadeia produtora e perpassa camadas diferentes do segmento. Preservação é o tema da Mostra de Cinema de Ouro Preto - CineOP, enquanto o cinema documentário é o foco do Fórum.doc. A Mostra de Cinema de Belo Horizonte, Cine BH, volta-se para o diálogo entre culturas, mercado e produção internacional. O Indie Festival é a principal vitrine de exibição do cinema independente, mas os curtasmetragens concentram- se no FestCurtas, que sempre acontece no Cine Humberto Mauro, do Palácio das Artes, um espaço privilegiado para o público cinéfilo em Minas Gerais. Produções de animação recheiam a programação do Múmia, e filmes de países que não pertencem a grandes eixos produtores têm espaço na grade sempre diversa montada por Adyr Assunção, do Imagem dos Povos. A universidade dialoga com esse vigor audiovisual, ofertando cursos em vários níveis que atraem estudantes que darão sequência na produção feita em Minas Gerais. Destacam-se iniciativas promovidas pelas universidades UFMG, Una e PUC/Minas. Os cineastas e demais profissionais do setor passaram a ter um ponto de encontro todo o ano, graças à realização da MAX, a Minas Gerais Audiovisual Expo, o maior evento regional de fomento ao audiovisual do país. Realizado pela Codemig, consolidou-se como referência para os profissionais de mídia e entretenimento do Brasil. Aberto aos mercados nacional e internacional, seu objetivo é fortalecer a cadeia produtiva e aumentar a competitividade da indústria criativa em Minas Gerais. Essa iniciativa do Governo de Minas Gerais é uma das ações do Programa de Desenvolvimento do Audiovisual Mineiro – PRODAM, realizado em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura. Feijão, angu, couve e pão de queijo A ênfase nos valores locais acelera a projeção de produtos da gastronomia mineira, radicalmente ligados à cultura regional. Livros de receitas tradicionais lançados nos anos de 1970 por Maria Estela Libânio Christo e Maria Lúcia Clementino de Moura Nunes (Dona Lucinha) estão na origem do novo sabor da comida mineira. O Mercado Central de Belo Horizonte passou a ser visto como um “centro cultural”. Na atualidade, contam-se inúmeros festivais gastronômicos e iniciativas ligadas ao setor, sempre sublinhando os aspectos de cultura alimentar contidos na comida mineira. Minas Gerais é o maior produtor brasileiro de café, que se bebe à mesa farta de sequilhos e quitutes, na qual pontifica o pão de queijo. Registradas como patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN e pelo IEPHA/ MG, quatro variedades do Queijo de Minas ganham o mundo, com premiações internacionais: Serra da Canastra, Serra do Salitre, Serro e Queijo Minas padrão. A produção de queijos artesanais na Serra da Mantiqueira, no Sul Minas, conquista resultados impressionantes. De igual modo, a de azeite e vinho de qualidade, fato inédito até recentemente, alcança comprovação singular, dentro e fora do país. Belo Horizonte passa a caracterizar-se como um polo nacional de cerveja artesanal. A cachaça, que tem uma feira nacional anualmente realizada em Belo Horizonte, conta com um museu na cidade de Salinas, Norte do Estado, e tem sua produção cada vez mais qualificada e sofisticada em todas as regiões. O Governo do Estado criou, em 2017, a Casa da Gastronomia Mineira, a “Mineiraria”, integrante do centro cultural em que se acham a Sala Minas Gerais (Filarmônica) e a 93 sede da Rádio inconfidência/Rede Minas. “Sou do mundo, sou do ouro, sou Minas Gerais” Estudos sobre a mineiridade e a cultura mineira contribuíram para enfatizar características da produção regional, de modo a valorizá-las em novas interpretações. Um famoso ensaio de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde), sob o título de “Voz de Minas”, seguiu-se de estudos de Eduardo Frieiro (“Feijão, Angu e Couve”), Aires da Mata Machado Filho, Sylvio de Vasconcellos, Francisco Iglésias, Washington Albino Peluso de Sousa, Affonso Ávila (“Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais – Triunfo Eucarístico e Áureo Trono Episcopal”), Fernando Correia Dias, João Antônio de Paula, Leda Martins e Sônia Queiroz. Autores estrangeiros como o francês Germain Bazin e o inglês John Bury, estudando o barroco e o rococó, o português Manuel Rodrigues Lapa (a poesia mineira do século XVIII) e o alemão-uruguaio Francisco Curt Lange (a música do período colonial) avivaram a atenção dos estudiosos locais. O poeta Affonso Ávila (19282012) criou a Revista Barroco, que reúne estudos sobre a cultura barroca em Minas Gerais, no país e no exterior. Memorialistas como Pedro Nava, Maria Helena Cardoso, 94 Raquel Jardim e o poeta Murilo Mendes igualmente contribuíram para o aumento do interesse sobre a temática da mineiridade. A Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais estabeleceu uma Seção Mineiriana, e a Fundação João Pinheiro instituiu a Coleção Mineiriana, que publica obras clássicas sobre a história e a cultura do Estado. O Instituto Amílcar Martins, ICAM, formou uma notável Coleção Mineiriana e edita obras ligadas à história mineira. A multiplicação de estudos históricos a respeito de Minas Gerais e a valorização da herança de arte barroca setecentista resultam em influências sensíveis nas artes plásticas, no audiovisual, na dança, no teatro, na música e na literatura. Numerosos autores e diretores foram às fontes da história da arte e do processo histórico de Minas Gerais em busca de matéria para suas criações. Cerca de 700 dos 853 municípios do Estado instalaram o seu Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, praticando o tombamento de bens materiais e o registro dos imateriais. O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, IEPHA/MG, acaba de efetuar o registro das Folias de Minas (Folias de Reis e congêneres) e prepara o das Violas de Minas, reconhecendo um instrumento tradicional que adquiriu notável projeção na atualidade. Personalidades Amílcar de Castro. Escultor, designer, desenhista, gravador e pintor. Nasceu em Paraisópolis, MG, em 1920, onde o pai, desembargador Amílcar de Castro, era então juiz de Direito. Estudou na Escola de Direito da UFMG, ao tempo em que seguia o curso do pintor e desenhista Alberto da Veiga Guignard, na escola livre do Parque Municipal de Belo Horizonte, na qual lecionava também o escultor Franz Weissmann. Na década de 1950, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde realizou a marcante reforma gráfica do “Jornal do Brasil” e assinou o manifesto do Neoconcretismo, em 1959. Participou da 2ª Bienal de São Paulo, em 1953. Em 1968, com bolsa da Fundação Guggenheim, morou nos Estados Unidos. Fixado em Belo Horizonte, atuou intensamente como artista plástico e professor. Morreu em 2002. Deixou obras nos principais museus brasileiros. Milton Nascimento. Compositor e cantor, Milton Nascimento nasceu no Rio de Janeiro, em 1942, e passou a infância em Três Pontas, MG. Em Belo Horizonte, começou a realizar apresentações musicais em clubes. à sua volta, articulou-se um grupo de jovens músicos e poetas, no final dos anos 60, que veio a se denominar “Clube da Esquina”. Dele faziam parte, ao lado de Milton, conhecido pelo apelido de “Bituca”, o poeta, letrista e jornalista Fernando Brant (1946-2015), o letrista Márcio Borges, o compositor e cantor Lô Borges e o compositor e cantor Beto Guedes. Milton Nascimento projetou-se com a música “Travessia”, parceria com Fernando Brant, em 1967, e tornouse um dos mais importantes músicos brasileiros, internacionalmente reconhecido. Teresinha Soares. Pintora, desenhista e gravadora, Teresinha Soares nasceu em Araxá, MG, em 1927. Foi vereadora na cidade natal. Radicada em Belo Horizonte, desenvolveu intenso trabalho no campo da arte, entre o meado da década de 1960 e o final dos anos 70. Instalações e performances assinalam-se na sua produção, que ilustra uma significativa vertente da pop art no Brasil. Uma exposição retrospectiva de Teresinha Soares foi apresentada pelo MASP, em 2017, logo após sua participação em mostras realizadas na Inglaterra e nos Estados Unidos sobre a pintura pop no mundo. Valeska Soares, sua filha, vive nos Estados Unidos e desenvolve importante trabalho no campo plástico-visual, tendo um pavilhão em Inhotim, MG. Ana Elisa Ribeiro. Poeta, nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1975. Sua obra está voltada ao poema curto, em que trata das questões relacionais e de gênero. É escritora, professora e doutora em linguística. Publicou mais de 20 livros entre poesia, conto, crônica, infantis e técnico95 científicos. É autora de Poesinha (BH, Pandora, 1997), Perversa (SP, Ciência do Acidente, 2002), Fresta por onde olhar (BH, InterDitado, 2008), Anzol de pescar infernos (2013, SP, Patuá, semifinalista do prêmio Portugal Telecom) e Xadrez (BH, Scriptum, 2015). Com o poeta Bruno Brum, publicou Marmelada, pela coleção Leve um Livro, que ela também edita, com o patrocínio da Prefeitura de Belo Horizonte. Tem poemas publicados em mais de uma dezena de antologias, revistas e jornais no Brasil, além de poemas publicados e traduzidos na Espanha, no México, na França e em Portugal. Participa de festivais literários em mesas-redondas, leituras e oficinas. Atualmente, em seu trabalho como professora e pesquisadora, tem investigado as questões editoriais de mulheres escritoras e editoras no Brasil. Ana Martins Marques. Poeta, nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1977. Busca na expressão da linguagem contemporânea a observação poética do cotidiano. É formada em Letras e doutora em literatura comparada pela UFMG. Publicou os livros “A vida submarina”, “Da arte das armadilhas” e “O livro das semelhanças”, estes dois pela Cia das Letras. Em 2007 e 2008, recebeu o Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Literatura. Com “Da arte das armadilhas” recebeu o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional, na 96 categoria poesia, e foi finalista do Prêmio Portugal Telecom. “O livro das semelhanças” recebeu o Prêmio APCA de Poesia e o terceiro lugar do Prêmio Oceanos. Recentemente, publicou dois livros em dupla: “Duas janelas”, com o poeta Marcos Siscar, e “Como se fosse a casa (uma correspondência)”, com o poeta Eduardo Jorge. Edimilson de Almeida Pereira. Poeta, nasceu em Juiz de Fora, MG, em 1963. Sua poética multicultural é ligada a pesquisas etnográficas, principalmente voltadas à poesia africana. É docente de Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Na área de antropologia social, publicou os livros “Mundo encaixado: significação da cultura popular” (1992), “Do presépio à balança: representações sociais da vida religiosa” (1995), “A saliva da fala: notas sobre a poética bantocatólica no Brasil” (2017) e “Entre Orfe(x) e Exunouveau: análise de uma epistemologia de base afrodiaspórica na Literatura Brasileira” (2017). Na área de literatura infantil e infanto-juvenil, editou “Os reizinhos de Congo” (2004), “O primeiro menino” (2013) e “Poemas para ler com palmas” (2017). Sua obra poética foi reunida nos volumes “Zeosório blues” (2002), “Lugares ares” (2003), “Casa da palavra” (2003) e “As coisas arcas” (2003). Seus livros de poesia mais recentes são “Relva” (2015), “Maginot, o” (2016), “Guelras” (2016), e (2017) e “Qvasi – segundo caderno” (2017, editora 34). Fabrício Marques. Poeta, nasceu em Manhuaçu, MG, em 1965. é poeta memorialista e trabalha a relação entre o homem e a máquina para dar corpo à sua poesia. Foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais em 2004. Publicou os seguintes livros de poesia: “Samplers” (Relume Dumará, 2000, Prêmios Culturais de Literatura do Estado da Bahia), “Meu pequeno fim” (Scriptum, 2002) e “A fera incompletude” (Dobra Editorial, 2011, finalista dos Prêmios Portugal Telecom e Jabuti). Também é autor de “Uma cidade se inventa” (Scriptum, 2015, finalista do Prêmio Jabuti), “Dez conversas” (entrevistas com poetas contemporâneos, edição bilíngue, Gutenberg, 2004, finalista do Prêmio Jabuti) e “Aço em flor: a poesia de Paulo Leminski” (ensaio, Autêntica, 2001). Organizou, para a Editora da UFMG, “Sebastião Nunes” (2008) e “Papel Passado” (seleção de poemas de Libério Neves, 2013). Juntamente com Tarso de Melo, organizou a antologia digital Inventar la felicidad. Muestra de poesía brasileña (Vallejo & Co., 2016). Participa de antologias e festivais de poesia no Brasil e no exterior. Lucas Guimaraens. Poeta, nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1979. De família de escritores, possui uma produção calcada na remissão literária e no coloquialismo da geração contemporânea, utilizando uma linguagem atrelada ao neo-surrelismo de Murilo Mendes e Jorge de Lima. Atualmente, é o Superintendente de Bibliotecas Públicas e Suplemento Literário de Minas Gerais, consultor da cátedra de filosofia da cultura e das instituições culturais da UNESCO e embaixador da UNESCO. é poeta, ensaísta e tradutor. Possui formação em Direito, no Brasil, e em filosofia, na França. Publicou poemas em diversas antologias, periódicos e revistas no Brasil e no exterior (dentre as quais, a Revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional, a Revista da Academia Mineira de Letras, a revista espanhola En Sentido Figurado, a turca Siiristanbul Poetistanbul 2014 e a francesa Caravelles), tendo recebido prêmios literários. Participa de festivais no Brasil e no mundo, sendo também curador literário. Lançou, em 2011, seu livro: “Onde (poeira pixel poesia)”, pela editora carioca 7Letras. Em setembro de 2014 lançou, em Paris, pela editora L’Harmattan, o livro de filosofia “Michel Foucault et la Dignité Humaine”. Em 2015, lançou, pela Azougue Editorial, novo livro de poemas, “33,333 – conexões bilaterais”, com o artista plástico Fernando Pacheco. Em 2017, lançou, em Paris, pela editora L’Harmattan, seu terceiro livro de poemas, “Exil – Le lac des incertitudes”, em edição bilíngue. Este último será lançado no Brasil em março de 2018. 97 Guilherme Mansur. Poeta, editor, tipógrafo e artista gráfico, Guilherme Mansur Barbosa nasceu em Ouro Preto, MG, em 1958. Criou a publicação “Poesia Livre”, em 1977, editando durante nove anos poemas em cartelas reunidas em saquinhos de papel utilizados em padarias. Criou também a “Chuva de Poesia”, com o lançamento de poemas em cartelas coloridas das torres sineiras das igrejas de Ouro Preto. Foi designer gráfico do Suplemento Literário de Minas Gerais. Lançou livros de poesia e cria instalações, álbuns e cartazes poéticos, tendo participado de mostras nacionais e estrangeiras. O poeta Haroldo de Campos chamou-o de “tipoeta”, por dedicar especial atenção à arte tipográfica. Ricardo Aleixo. Poeta, músico, artista plástico e editor, nasceu em Belo Horizonte, em 1960. Tem vários livros publicados e participação em antologias internacionais. Realiza performances poéticas, a partir do seu “poemanto”, conjugando a força da oralidade com a expressão corporal para enfatizar o corte dramático da poesia. Valoriza as raízes afro-brasileiras e aproxima-se da poesia concreta. Anelito de Oliveira. Poeta, ensaísta e editor, nasceu em Bocaiúva, MG, em 1970. Fez mestrado na UFMG, doutorado na USP e pósdoutorado na Unicamp, em literatura. Montes Claros, MG. É professor da 98 Universidade Estadual de Montes Claros, Unimontes. Foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais e da revista Orobó, voltada para temas da cultura afro-brasileira. Estudioso da obra de Machado de Assis e do poeta Affonso Ávila, tem vários livros publicados, de poesia e crítica, e atividades realizadas em universidades do exterior. Rodrigo Pederneiras. Coreógrafo, nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1955. Foi um dos criadores do grupo Corpo, no qual atuou primeiramente como bailarino, de 1976 a 1980. Tornou-se o coreógrafo residente da companhia, além coreografar, como convidado especial, espetáculos realizados em diversos países. Sua criação articula um vocabulário próprio, inovador e instigante. é autor de grandes sucessos do grupo Corpo, aplaudidos no Brasil e no exterior, como “Missa do Orfanato” (1989), “Nazareth” (1993), “Parabelo” (1997), “Lecuona” (2004), “Sem Mim” (2011), “Triz” (2013) e “Ginga” (2017). Cao Guimarães. Cineasta, fotógrafo e artista visual, nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1965. Estudou filosofia na UFMG e jornalismo na PUC-Minas, tendo realizado curso de fotografia na Universidade de Westminster, no Reino Unido. Obras de sua autora integram importantes coleções de arte contemporânea, como a Tate Modern, no Reino Unido, e o MoMa e o Museu Guggenheim, nos Estados Unidos. Recebeu destacados prêmios de fotografia e cinema. O diálogo entre o filme documentário e a arte contemporânea enriquece a poética do cineasta. Seus trabalhos são considerados uma contribuição impactante ao novo mundo das imagens da arte. Pedro Moraleida. Artista plástico, nasceu em Belo Horizonte, em 1977, e morreu aos 22 anos, em 1999. Cursou a Escola de Belas Artes da UFMG. Deixou um acervo significativo de obras que compreendem pintura, desenho, instalações, textos e sonoridades. Sua criação dimensiona-se no espaço mais radical da arte contemporânea. Aborda temas da sexualidade e da religião, em clima de enfrentamento e contestação das convenções sociais. Em 2002, foi realizada uma primeira grande exposição de seus trabalhos, em Belo Horizonte, com amplo reconhecimento. Em 2017, uma mostra a ele dedicada, na Grande Galeria do Palácio das Artes, sob o título de “Faça Você mesmo sua Capela Sistina”, provocou forte reação contrária, de igual modo contestada pelos meios artísticos e culturais, ensejando manifestações em favor da liberdade de expressão no país. Paulo Nazareth. Artista plástico, nasceu em Governador Valadares, MG, em 1977. Paulo Sérgio da Silva adotou o nome de Paulo Nazareth, em homenagem a sua avó, a índia Nazareth Cassiano de Jesus. Depois exercer as mais variadas profissões, ele recebeu em 2005 a Bolsa Pampulha, programa especial do Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, voltado para o desenvolvimento de projetos de arte contemporânea. Entre instalações e performances, Paulo Nazareth leva seu trabalho a diversos países e participa de importantes mostras, como a Bienal de Veneza. Essas viagens fazem parte de seu processo criativo, no qual se particulariza o interesse pelas questões dos povos indígenas e autóctones. Sônia Gomes. Artista plástica, nasceu em Caetanópolis, MG, em 1948. Representou o Brasil na Bienal de Veneza, em 2015. Sua obra cerca-se de ampliado interesse e reconhecimento internacional. Ela trabalha geralmente com pedaços de tecidos diversos, valendo-se de costura, torções e nós para criar objetos e instalações. A mão costureira da mulher transforma-se no surpreendente gesto criador da artista. As assemblages de panos transportam-se como mobiles para o campo escultórico, no qual uma linguagem singular se estabelece, sempre tocada pela inovação e pela surpresa. Regina Bertola. Atriz, é fundadora e diretora do Grupo Ponto de Partida e da Escola Bituca/Universidade Livre de Música, na cidade de Barbacena, 99 MG. Instaladas em edificações da antiga sericícola, fábrica de seda que funcionou na primeira metade do século XX, a companhia teatral e a escola de música desenvolvem intensa atividade, desde 1980. Peças de teatro e espetáculos musicais constam da programação do Ponto de Partida, que explora aspectos variados da cultura genuína de Minas Gerais. Em 2017, a companhia encenou uma criação especial, em homenagem ao grupo El Galpón, do Uruguai. 100 101 O Porta l Bra sil Turism o por Bruno Viveiros Martins e José Antônio de Souza Queiroz E m outros tempos, as viagens eram fundamentalmente os meios disponíveis de se conhecer e mapear o mundo, ampliar as fronteiras, descobrir melhores condições de sobrevivência. Viajar tinha uma conotação diferente da que tem hoje: elas nem sempre eram de ida e volta. Se tomarmos a Era Moderna como referência, podemos pensar nos navegadores que nos séculos XV e XVI saíram em busca do Novo Mundo e nem sempre faziam o caminho de volta, seja por opção ou pela impossibilidade de retorno. é o caso, também, de tantos naturalistas que no século XIX empreenderam expedições exploratórias pela América, África e Ásia. Viajar era uma tarefa de homens inquietos, curiosos ou insatisfeitos, que são atraídos pelas fronteiras e que a cada ponto divisam algo adiante: são experiências de estranhamento que ampliam o exercício do olhar. Ao longo do século XIX, principalmente, o viajante era compreendido – e, em muitos casos, compreendia a si mesmo – como realizador de uma missão civilizatória. Hoje, diferentemente daqueles tempos, as viagens constituem no substrato da vida contemporânea: em nossa sociedade, a viagem é a maneira comum com que seus membros ligam as suas vidas e consomem um mundo de significados e lugares. 103 Foi ao longo do século XIX que o termo turista começou a se popularizar. Embora em um primeiro momento tenha sido entendido como sinônimo de viajante, o termo vai, com o tempo, ganhando uma conotação diferenciada. Quando o Imperador Dom Pedro II e a Princesa Isabel visitaram as estâncias hidrominerais do sul de Minas na segunda na segunda parte do século XIX, não estavam realizando nenhuma missão científica, nem mesmo uma viagem sem retorno. Estavam visitando cidades cujas águas tinham fama de ser milagrosas – devido suas propriedades minerais. Depois disso, cidades como Caxambu, São Lourenço, Poços de Caldas, e outras, se notabilizaram por receber viajantes ilustres e grandes investimentos, tornando a região um dos principais atrativos do estado. Essa viagem marca o nascimento do turismo em Minas Gerais. Já no começo do século XX, outros viajantes bem conhecidos ajudaram a sedimentar o lugar de Minas Gerais como cenário turístico de importância nacional: trata-se da Caravana Modernista. Realizada em abril de 1924, o passeio histórico capitaneado por Mário de Andrade, levou para Minas personalidades como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Olívia Guedes Penteado e o poeta francosuíço Blaise Cendrars, ganhando o nome de “Viagem de Descoberta do Brasil”. O objetivo da Caravana 104 era mostrar o Brasil para o visitante estrangeiro – mas, na verdade, para eles mesmos. Motivados pelo desejo de apreender o que acreditavam o “ser brasileiro”, se depararam com o a riqueza do passado histórico das cidades do barroco. Depois de passar por Belo Horizonte, a Caravana visitou pelas cidades de Ouro Preto, Mariana, São João DelRey, Tiradentes e Congonhas. Na capital mineira, os modernistas foram recebidos pelos escritores Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Martins de Almeida e Emílio Moura, que os levaram para conhecer a cidade. As impressões de Mário de Andrade estão registradas no longo poema chamado Noturno de Belo Horizonte, no qual fala do ecletismo de uma capital “moderníssima” em contraste com as cidades históricas mais antigas. Por mais que tenham ficado impressionados com Belo Horizonte, os paulistas estavam empenhados em conhecer as cidades barrocas e o legado de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Em um artigo que leva o nome do escultor, Mário de Andrade defendeu que suas obras não representavam cópias artificiais do barroco europeu, mas criavam novas concepções, que deveriam ser valorizadas como o berço da cultura brasileira. Na visão do autor, o caráter singular e a força do barroco mineiro foram resultados tanto do ambiente urbano característico da sociedade mineradora quanto da criatividade de artistas que reinventaram o repertório europeu que lhes serviu de modelo. A partir da viagem dos modernistas, o interesse pelo tema do barroco mineiro aumentou entre pesquisadores de várias áreas. O turismo também se beneficiou dessa valorização, passando a ser mais vivenciado nas cidades históricas que desde o século XIX eram visitadas por viajantes estrangeiros. O turismo deve ser compreendido como um fenômeno social complexo, que está estritamente relacionado com a economia, a geografia, a cultura e a história do país. Enquanto setor específico, teve um desenvolvimento tardio e irregular, recebendo tratamento diferenciado apenas com a criação do Sistema Nacional de Turismo em 1966, composto pela Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) e pelo Conselho Nacional de Turismo (CNTur). Ambos os órgãos eram vinculados ao Ministério da Indústria e Comércio, sendo encarregados, principalmente, de atrair turistas estrangeiros para o Brasil. A tomada e foco das decisões passou da esfera federal para a estadual em 1994, quando foi lançado o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). A partir desse momento, o turismo passou a ser pensado no âmbito dos municípios: a primeira linha de ação do Programa foi a realização de oficinas para formação de agentes multiplicadores em todo o território nacional. Em busca de conscientização, capacitação e planejamento, as oficinas buscavam sensibilizar a comunidade sobre o turismo e orientar sobre a existência órgãos centrais do setor. A criação do Ministério do Turismo em 2003 foi resultado dessa nova perspectiva sobre o potencial econômico do turismo. Nesse sentido, o lançamento do Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil (PRT) visava estimular em todo o país a adição de um modelo de gestão descentralizada, coordenada e integrada. No cerne do programa está a noção de sustentabilidade ambiental, sociocultural e econômica e o foco da ação passou, definitivamente, a ser regional e localizado. A adoção do conceito de roteirização propõe pensar o turismo em uma cadeia produtiva, como forma de oferecer ao turista a possibilidade de se manter por mais tempo no território, na medida em a estruturação de roteiros temáticos amplia seu interesse pela região. Dentro de Minas Gerais, os impactos da regionalização do turismo foram marcantes. Em 1999 foi criada a Secretaria de Estado de Turismo (SETUR), que tem por finalidade planejar, coordenar e fomentar ações do turismo, objetivando sua expansão, a melhoria da qualidade 105 de vida das comunidades, a geração de emprego e renda e a divulgação do potencial turístico do estado. Uma das principais providências da SETUR foi a reorganização espacial do território mineiro, para fins de planejamento do turismo. é nesse momento que começa a ser implantada a política mineira de Circuitos Turísticos, para sanar dois problemas: a grande extensão territorial de Minas Gerais e a falta de uma política pública de turismo eficiente para o Estado. O principal objetivo dos Circuitos é abrigar um conjunto de cidades de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística de forma sustentável, consolidando uma identidade regional. Hoje, de acordo com a Resolução 045/2014, Minas Gerais conta com 45 Circuitos Turísticos certificados, envolvendo todas as regiões do estado e aproximadamente 450 municípios. 2. Minas Gerais à beira dos caminhos A partir do século XVII, uma teia de caminhos, atalhos, picadas e trilhas, mais ou menos concorridos, estabeleceram a ligação entre o território das Minas Gerais e o restante da América portuguesa. Hoje conhecemos esses caminhos pelo nome de Estrada Real, que até a primeira metade do século 106 XIX era estruturada em quatro grandes Caminhos. O mais antigo de todos era o Caminho Velho, também chamado de Caminho de São Paulo. Era a principal “boca de Minas”: uma picada que ligava São Paulo de Piratininga e São Sebastião do Rio de Janeiro ao ouro recém descoberto nos ribeirões de Ouro Preto e de Nossa Senhora do Carmo e nas margens do Rio das Mortes e do Rio das Velhas. Para quem quisesse vir para Minas dos portos do Recife ou de Salvador, tomava o Caminho Geral do Sertão, também conhecido como Picada da Bahia ou Caminho dos Currais do São Francisco. Era a via de percurso mais longo entre as “bocas de Minas”. Já o Caminho Novo era uma rota mais curta do que o Caminho Velho e tinha por objetivo de estabelecer uma rede de circulação de mercadorias capaz de conectar os distritos mineradores do ouro e do diamante a dois importantes centros de abastecimento da época – o porto do Rio de Janeiro e a vila de São Paulo. Por último, o Caminho do Mato Dentro ou Caminho do Serro Frio e do Tejuco, guiou-se pelo conjunto de serras que formam o maciço do Espinhaço para ligar Vila Rica à única região da área mineradora capaz de produzir diamantes – as famosas pedras brancas, a riqueza mais cobiçada pelo homem do século XVIII. Boa parte dessa teia de caminhos foi substituída pelo asfalto de novas e velhas rodovias, ou incorporada caminhos diferentes: o Caminho à periferia de cidades sempre em Velho, o Caminho Novo, o Caminho expansão, ou ainda transformoudos Diamantes e o Caminho de se em pastagens. Para preservar Sabarabuçu. essa história e explorar o potencial turístico das cidades e paisagens que 2. 1. Caminho Velho compõem esses Caminhos, foi criado em 1999 o Instituto Estrada Real, que O Caminho Velho foi criado atualmente oferece o mais oficialmente pela Coroa longo roteiro turístico Portuguesa no século do país: são mais de XVII, para ligar o 1630 quilômetros litoral fluminense à de extensão, por região produtora Minas Gerais, Rio de de ouro no interior Janeiro e São Paulo. de Minas Gerais. Na Ao longo do tempo, época, o percurso esses Caminhos levava 60 dias para r e c e b e r a m ser feito a cavalo. v a r i a d a s Atualmente, para nomenclaturas percorrer os 710 e configurações. quilômetros, o Mas uma coisa viajante gasta 15 não mudou: eles Ouro Preto dias de bicicleta, 48 dias sempre passaram por caminhando, 8 dias cidades históricas, de carro e 24 dias cachoeiras, trechos a cavalo, sendo de mata atlântica que o percurso é e cerrado, sítios mais de 80% em arqueológicos estrada de terra. e outras tantas paisagens que Ouro Preto, que impressionavam foi a capital de os primeiros Minas Gerais até viajantes e ainda 1897, não é apenas impressionam a principal cidade os turistas dos do Caminho tempos atuais. Velho, mas é Atualmente, o Instituto também a cidade que Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Mariana Estrada Real opera na liga todos os caminhos preservação de quatro da Estrada Real. Sua 107 história começa em 1698, quando o bandeirante paulista Antônio Dias fundou um arraial próximo ao pico do Itacolomi, onde encontrara ouro. Em pouco tempo, foram surgindo núcleos colonizadores e em 1711 os arraiais de Antonio Dias e de Ouro Preto se fundiram, recebendo o nome de Vila Rica – que logo se tornou um dos pólos econômicos do Império português. Em fins do século XVIII, os moradores de Vila Rica circulavam por uma paisagem urbana irregular, entre palácios de pedra argamassada, sobrados, edifícios baixos e de madeira, casas de adobe e de pau a pique, ruas planas, alguns largos onde davam os avisos públicos e se abrigava o pelourinho, becos tortos e vielas íngremes. Nessa época, Vila Rica já tinha levantado paredes e ornamentado igrejas como São Francisco de Assis, Nossa Senhora da Conceição e Antônio Dias e a Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a ser declarada, pela UNESCO, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, em 1980. Dentre os variados atrativos da cidade, um dos mais visitados é a Igreja de São Francisco de Assis. Considerada por especialistas como uma das obras-primas de Aleijadinho e Mestre Ataíde, a Igreja chama atenção pela pintura do teto da capela-mor, onde as cores vivas são associadas à exuberância dos trópicos e, se observadas de perto, as 108 madonas, santos e anjos têm traços mestiços. Ataíde realizou uma obraprima: pintada no forro da nave, numa perspectiva ilusória, em que as colunas parecem avançar e o teto se abre para o céu, sobe, carregada em nuvem, uma Nossa Senhora da Porciúncula soberba, roliça e mulata, acompanhada por uma revoada de anjos, igualmente mestiços. A Matriz Nossa Senhora do Pilar foi construída em 1731 e é considerada pelos historiadores um dos exemplos mais completos do barroco no estado, por conta da representação do recurso cênico e pela importância dada à riqueza enquanto prova de devoção – uma característica marcante da sociedade da época. O visitante terá um impacto logo que entrar nessa Igreja coberta por cerca de 400 quilos de ouro. Há opulência em cada detalhe: no arco central há mais de uma centena de flores brasileiras esculpidas e folheadas a outro. No subsolo da fica o Museu de Arte Sacra de Ouro Preto, com um grande acervo de peças produzidas entre os séculos XVI e XIX, tais como imagens, paramentos, tecidos bordados a ouro e prataria. Outro lugar muito visitado pelos turistas é o Museu da Inconfidência, com um acervo formado por mais de 4 mil objetos de praticamente todas as esferas da vida social mineira dos séculos XVIII e XIX. O prédio, antiga Casa da Câmara e Cadeia de Vila Rica, foi construído em 1784 e reformado em 1854. Um dos mais representativos e conservados exemplares da arquitetura mineira do século XVIII, nele estão os restos mortais dos conjurados. Ao passear pela cidade, o turista encontra ainda alguns dos chafarizes lavrados em pedra, que abasteceram Vila Rica nos tempos do ouro e são um dos símbolos da cidade, como o Chafariz dos Contos (1745) e o Chafariz de Marília (1758), construído por Aleijadinho. São inúmeras atrações, que não se esgotam na cidade: em seu entorno, possui um variado e rico ecossistema, com cachoeiras e trilhas dentro de uma enorme área de mata nativa. No ano de 2015, a cidade registrou 400 estabelecimentos ligados ao turismo, que empregam 2.299 trabalhadores. Ao lado de Ouro Preto, está localizada a cidade de Mariana. O trajeto pode ser feito por uma Maria Fumaça – locomotiva a vapor surgida no século XIX, movida pela queima de carvão – que liga as duas cidades. Erguida por entre altas montanhas, foi a primeira capital, cidade e vila do Estado, sendo também sede do bispado de Minas, em 1745. Com mais de 300 anos de existência, Mariana fica a 112 quilômetros de Belo Horizonte e guarda grande parte do patrimônio histórico cultural de Minas Gerais. A arquitetura colonial pode ser apreciada, por exemplo, na rua Direita, onde se enfileiram casas bem conservadas, muitas transformadas em museus ou centros culturais. Uma de suas principais atrações é a Igreja Nossa Senhora do Carmo, que teve sua construção iniciada em 1784 e finalizada apenas em 1835, quando foram instalados os relógios da torre. Foi erguida pelos irmãos da Ordem Terceira do Carmo e, em seu interior, os altares são em talha, no estilo rococó. Em 1999, um incêndio destruiu todos os elementos em madeira da nave principal. Várias imagens dos séculos XVII e XVIII e a pintura do teto foram também consumidas pelo fogo. A restauração foi concluída em 2006. A Catedral Basílica de Nossa Senhora da Assunção, cuja construção se estendeu de 1709 a 1750, é um exemplar da primeira fase do barroco mineiro. Quase toda de taipa de pilão, passou por várias reformas e sua fachada simples esconde um interior cheio de preciosidades, como a tela de Ataíde no batistério, além da pia batismal e do tapa-vento atribuídos a Aleijadinho. Mas seu maior tesouro é o órgão alemão Arp-Schnitger fabricado em 1701 e doado por D. João VI em 1753. é o único instrumento desse fabricante fora da Europa e um dos pouquíssimos, em todo mundo, a conservar a maior parte do mecanismo original. Inteiramente restaurado, ele pode ser ouvido todas as semanas em concertos na Catedral. A poucos quarteirões dali, está localizado um dos mais 109 completos museus de arte sacra do país, com um acervo de cerca de 2 mil peças, entre mobiliário, imagens, pinturas, paramentos, louças e cristais. O Museu de Arquidiocesano de Arte Sacra está instalado em um casarão de 1770, construído com alvenaria de pedra e detalhes de cantaria. Além de preservar um importante conjunto de casas civis do século XVIII, a cidade abriga a maior mina de ouro aberta à visitação do mundo: a Mina da Passagem, que chega a 315 metros de extensão e sua descida por estreitas galerias encravadas na terra chegam a 120 metros de profundidade, onde no fundo se avista um lago natural de águas límpidas. Dono de uma natureza rica e diversificada, o município apresenta nascentes, cachoeiras, grutas e minas, muito apreciadas pelos ecoturistas. Além desses atrativos, a cidade de Mariana é conhecida pelas celebrações religiosas e manifestações culturais típicas, como o Zé-Pereira, o Boi-deManta, o Congado, as Pastorinhas e a Folia de Reis. A pouco mais de 70 quilômetros de Mariana, a cidade de Congonhas está localizada na região do Alto Paraopeba. Vigiada do alto da colina pelos 12 profetas, as primeiras informações sobre a cidade datam 1734, quando alguns colonizadores portugueses se estabeleceram em busca de novas lavras auríferas. 110 Graças ao Santuário Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas é conhecida mundialmente: sua construção devese à promessa do português Feliciano Mendes ao Senhor Bom Jesus. Acometido por grave enfermidade, Feliciano prometeu entregar uma igreja ao Santo caso obtivesse a cura. E ela veio: logo depois, o português dedicou a vida na construção do Santuário – nos moldes daqueles que haviam em sua terra ao norte de Portugal. A obra só se completou com a participação do mestre Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. De agosto de 1796 a 1800, foram executadas as 64 figuras em cedrorosa que compõem as estações da via crucis. Os 12 profetas esculpidos em pedra-sabão foram concluídos em 1805 e encontram-se distribuídos simetricamente no adro da igreja. Em 1985, o Santuário Bom Jesus de Matosinhos recebeu da UNESCO o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. A história do Arraial de São José do Rio das Mortes (que mais tarde se torna a cidade de Tiradentes) começou em 1702, quando os bandeirantes paulistas encontraram ouro na superfície da Serra de São José. Ao longo de todo o século XVIII, a região foi um dos pólos de mineração da capitania de Minas Gerais. Graças à preservação de seu patrimônio histórico, a cidade é escolhida com freqüência para servir de set para gravações de filmes e minisséries de época. Um dos pontos turísticos da cidade é a Igreja Matriz de Santo Antônio, que começou a ser construída em 1710 e oferece uma visão privilegiada da Serra. Lá também o turista poderá contemplar o relógio de sol que compõe – com a fachada do templo projetada por o Aleijadinho –, um dos lugares mais visitados da cidade. A Igreja possui quase meia tonelada de ouro, sendo considerada uma das mais ricas do Brasil. Em seus adornos, existe um dos quinze órgãos mais importantes do mundo: ele data do século XVIII e possui oito fileiras de tubos com pinturas em estilo rococó. Outra atração da cidade é o Museu do Padre Toledo, um dos participantes da Conjuração Mineira, do qual vale destacar os forros pintados dos seus doze cômodos, alguns com motivos clássicos, como o da Sala dos Cinco Sentidos. Atualmente, o Museu é administrado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Outra atração da cidade é o Chafariz de São José, o famoso “chafariz azul”, construído em 1749 e considerado o mais importante do circuito do ouro. Cercado por uma mureta, os três rostos de pedra lavrada que o compõem jorram água potável, proveniente de um antigo aqueduto de pedra, cujo ponto de origem é o bosque da Mãe D’água, na base da Serra de São José. O calendário da cidade é repleto de eventos, como o tradicional carnaval de rua, a Semana Santa, o Festival de Cinema e o Festival Internacional de Cultura e Gastronomia – festas, tour gastronômico, cursos, palestras, degustações, shows, teatro e dança, fazem parte da programação, que recebe os principais chefs do Brasil. Perto de Tiradentes, está São João Del-Rey, que foi fundada por bandeirantes paulistas com o objetivo de ser uma conexão entre Paraty e as cidades da região central de Minas Gerais. é conhecida como “terra onde os sinos falam”: pela tradição, com o toque do sino sabese onde e por qual celebrante será realizada a solenidade, se haverá procissão e até se, no caso de morte, se a pessoa falecida é homem ou mulher. A cidade é uma das que mais zelosamente preservam o código dos sinos e a sutileza de suas linguagens – o que a diferencia das demais cidades mineiras. Em reconhecimento a essa tradição, a linguagem dos sinos foi considerada patrimônio nacional pelo IPHAN em 2009. Duas igrejas da cidade são especialmente visitadas pelos turistas. Uma delas é a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, que foi construída entre 1732 e 1785, na fase rococó. Tem em seu interior uma bela imagem esculpida em madeira, o famoso “cristo inacabado” de autoria desconhecida. O teto, os altares laterais e algumas imagens são de Joaquim Francisco de Assis Pereira. A 111 fins do século XVII em conseqüência do processo de ocupação iniciado com os primeiros bandeirantes. Ouro Branco foi uma das mais antigas vilas mineradoras da Capitania de Minas Gerais. O município conta com construções setecentistas como antigos casarões, fazendas e igrejas – como a Matriz de Santo Antonio, que foi construída na primeira metade do século XVIII e tem a pintura do teto atribuída a Ataíde. Vale destacar que o calendário da cidade está repleto de festividades religiosas que atraem turistas ao longo de todo ano, como as celebrações de Corpus Christi e da Semana Santa. outra é a Igreja de São Francisco de Assis, cuja construção projetada por Aleijadinho data de 1774. Mais tarde, foi modificada e hoje é propriedade da Irmandade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Além disso, o turista não pode deixar de percorrer os 12 quilômetros do percurso da Maria Fumaça que liga a cidade a Tiradentes, inaugurada em 1881 pelo Imperador Dom Pedro II. 2.2. Caminho Novo Foi aberto para ser uma alternativa mais rápida e fácil ao Caminho Velho. Atualmente, para percorrer os 515 quilômetros, o viajante gasta 11 dias de bicicleta, 35 dias caminhando, 6 dias de carro e 18 dias a cavalo, sendo que o percurso é de 63% em estrada de terra. Uma das pontas do Caminho Novo é Ouro Preto e a outra é o Porto Estrela, no Rio de Janeiro. Entre elas o turista passa pela cidade de Ouro Branco, que teve sua origem em 112 Diamantina Serro Um dos locais mais visitados pelos turistas é a Casa de Tiradentes, que inicialmente se chamava Fazenda das Carreiras, e guarda características típicas da arquitetura rural do século XVIII: paredes de pau a pique, telhado entrelaçado com cipó amarrando as estruturas de madeira, pisos de tábua corrida, trancas reforçadas, sala para guardar valores e uma grande varanda contornando os cômodos. Especula-se que a Casa teria sido um ponto de encontro para os participantes da Conjuração Mineira. Embora a estrutura seja um pouco precária, alguns esportes de aventura são praticados em Ouro Branco, como provas de MotoCross e Mountain Biking. Isso porque na cidade iniciase o complexo montanhoso da Serra do Espinhaço, que corta o Estado e entra pela Bahia. A Serra possui diversas cachoeiras, trilhas e outras atrações naturais para os praticantes de ecoturismo. O Caminho Novo começou a ser aberto pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes e para percorrê-lo era preciso atravessar a Serra da Mantiqueira e rasgar uma vasta extensão de florestas tropicais. Foi assim que começou a ocupação da Zona da Mata: muitos municípios da região têm construções de grande valor histórico, museus, centros de cultura e uma ampla gama de eventos ligados à música, literatura e cinema. Na Zona da Mata, por exemplo, está a cidade de Cataguases, onde nasceu Humberto Mauro (um dos pioneiros do cinema brasileiro). A cidade se notabiliza por seu conjunto arquitetônico modernista, como o Monumento a José Inácio Peixoto foi projetado em 1956 e é composto por duas obras: o painel em azulejo As fiandeiras, de Cândido Portinari, e a escultura em bronze A família, de Bruno Giorgi. Além desses artistas, arquitetos e paisagistas como Oscar Niemeyer, Francisco Bologna, Aldary Toledo, Edgar Guimarães do Valle e Burle Marx também deixaram seus traços em Cataguases. A maior cidade da Zona da Mata é Juiz de Fora, que projetou nomes da literatura como Pedro Nava, Murilo Mendes e abriga o Museu Mariano Procópio, um dos mais ricos acervos de Minas: são mais de 45 mil peças distribuídas por temas – artes, ciências naturais, indumentária e mobiliário colonial. A poucos quilômetros da cidade e dentro da Serra da Mantiqueira, o Parque Cabangu preserva o Museu Casa Natal de Santos Dumont, composto por uma edificação de meados do século XIX, onde o aviador nasceu. A pequena casa mantém sua distribuição original e guarda objetos pessoais do inventor e de sua família. Na região da Zona Mata o turista ainda pode visitar a cidade Barbacena, que é conhecida como “cidade das rosas” pela produção e vendas de flores e também pelo Museu da Loucura, instalado no prédio onde funcionou – de 1903 a fins dos anos 1970 – uma das mais famosas instituições psiquiátricas do Brasil, o Hospital Colônia de Barbacena. 113 As Fiandeiras, de Portinari 2.3. Caminho dos Diamantes Em 1729, os diamantes encontrados no Arraial do Tejuco (atualmente cidade de Diamantina) ganharam destaque na economia brasileira e no Império português. O Caminho se destaca por suas belezas naturais, além de possuir uma gastronomia bastante singular. Atualmente, para percorrer os 395 quilômetros, o viajante gasta 8 dias de bicicleta, 27 dias caminhando, 4 dias de carro e 14 dias a cavalo, sendo que o percurso é de 73,5% em estrada de terra. Uma das pontas do caminho que começa em Ouro Preto é a cidade de Diamantina, que ainda preserva sua arquitetura, cultura e natureza, tornando-se uma das cidades históricas mais conhecidas e visitadas 114 do Brasil. Possui casario colonial de inspiração barroca, construções históricas, igrejas seculares, paisagem cênica e uma forte tradição religiosa, folclórica e musical. As casas da rua da Quitanda, por exemplo, são palco das vesperatas, uma tradição que remonta o século XIX: das janelas e sacadas das casas, músicos e cantores desfiam um eclético repertório, conduzidos por um maestro que fica embaixo, no centro da praça. As apresentações ocorrem entre maio e outubro, dois sábados por mês. Diamantina preserva algumas particularidades, que fazem dela uma cidade muito diferente das outras, como Ouro Preto, Mariana e São João Del Rey. Por exemplo: as ruas de pedras capistranas, datadas do século XIX, com uma faixa mais estreita para facilitar o caminhar a pé, pedras que produzem um som cavo, durante a procissão do Calvário, na sexta-feira da Semana Santa, quando as lanças da guarda de Pôncio Pilatos vão batendo ritmadas no chão. Uma de suas principais atrações é a Casa de Chica da Silva, construída provavelmente na segunda metade do século XVIII para ser sua residência. A Casa tem um grande terreno nos fundos, como é típico do casario colonial, e uma fachada lateral de influência árabe. Foram executadas restaurações nas décadas de 1950 à década de 1980 e no seu primeiro andar estão em exibição painéis com informações sobre a vida de Chica da Silva. Além da Casa, o turista não pode deixar de visitar o Mercado Municipal, um dos principais cartões postais de Diamantina, construído por volta de 1835. Nele funcionou um rancho de tropeiros, mais conhecido como intendência, onde ocorria o descarregamento e a comercialização dos produtos que chegavam a Diamantina e teve tal função até ser desativado em 1884. Alguns pesquisadores afirmam que Oscar Niemeyer se inspirou nas arcadas da construção para desenhar o Palácio da Alvorada, em Brasília. Perto do Mercado funciona o Museu do Diamante, instalado na casa onde viveu o Padre Rolim, integrante da Conjuração Mineira de 1789. O Museu recompõe a história do ciclo do diamante na região por meio de objetos de uso corrente nos séculos XVIII e XIX. Constam em seu acervo utensílios domésticos, mobiliário, pinturas, imagens e armas, além de ferramentas e instrumentos usados na mineração de diamantes. A cidade tem inúmeras atrações e uma das mais interessantes é o Passadiço da Glória, construído em 1876 para interligar duas construções que abrigavam colégio de freiras. O objetivo do Passadiço era que as internas pudessem transitar de uma ala a outra sem serem vistas. Diamantina é uma cidade que soube manter-se tradicional e moderna, ao mesmo tempo. Um de seus cidadãos ilustres é Juscelino Kubitschek e o começo de sua história está preservado na Casa de Juscelino, construção de pau a pique do século XVIII que guarda um museu com fotos, informações e objetos pessoais do político mineiro. Todas essas características trouxeram para a cidade o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, entregue pela UNESCO em 1999. A cidade também é um centro de distribuição da cerâmica do vale do Jequitinhonha, que pode ser encontrada nas lojas que se espalham pelo seu centro histórico. O Vale situa-se ao norte de Minas e é banhado pelo rio Jequitinhonha e seus afluentes. É uma região de 115 contrastes: a pobreza gerada pela seca e pela falta de emprego convive com uma rica cultura, que se sustenta através do artesanato, agricultura de subsistência e turismo. Dentre os artesões mais conhecidos da região, podemos citar Ulisses Pereira Chaves, que em agosto de 2004 foi considerado pela UNESCO um dos dez melhores ceramistas da América Latina e Caribe; Isabel Mendes Cunha, famosa mestra das bonecas de cerâmica; Maria José Gomes da Silva, a “Mestra Zezinha” e os mestres São Sebastião Felix das Chagas, o “Sô Tão” e Zé do Ponto. Pouco abaixo de Diamantina e um dos pontos fortes de turismo na região está o pequeno distrito de Milho Verde, que ainda mantém um aspecto e um modo de vida tranquilo entre os seus habitantes. Situada nas vertentes da Serra do Espinhaço, o lugarejo é um dos cartões postais de Minas Gerais e fica a aproximadamente 312 quilômetros de Belo Horizonte. Os maiores destaques de Milho Verde ficam por conta das cachoeiras, como a do Piolho e a do Moinho, que são utilizadas pelos turistas tanto para a prática de rapel como para banho, em suas águas minerais. No centro do distrito, o turista pode visitar a Igreja Nossa Senhora do Rosário: edificada em madeira e barro, é representante típica do chamado “barroco estradeiro”, que é baseado na informação e difusão do estilo através do trânsito pelos vários 116 arraiais coloniais, que fazem uma apropriação dos modelos eruditos a partir dos recursos e elementos disponíveis. Vale destacar, também, a Igreja Matriz Nossa Senhora dos Prazeres, em que foi batizada Chica da Silva. A Igreja, construída de taipa, abriga uma imagem da santa e um sino do século XVIII. Por fim, cidade do Serro foi uma dos pólos econômicos de Minas Gerais ao longo dos séculos XVIII e XIX, quando ainda era chamada de Vila do Príncipe. Rodeada por montanhas (ideais para caminhadas e trilhas), a cidade produz o queijo que se tornou patrimônio imaterial de Minas Gerais. Em julho acontece um dos principais eventos da cidade: a Festa do Rosário, que é um exemplo das festividades religiosas que impulsionam o turismo no estado. Dentre os principais atrativos da cidade, temos a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, edificada em 1713. Feita em estilo barroco, a Matriz foi construída sob embasamento de cantaria e paredes de pau a pique em taipa de pilão, o que dá a ela uma peculiaridade que a torna uma das mais significativas edificações religiosas de Minas Gerais. No Serro também fica a Capela do Nosso Senhor do Bom Jesus de Matosinhos, cujas pinturas do forro e do teto datam de 1797 e são atribuídas a Silvestre Almeida Lopes, um artista negro nascido no Arraial do Tejuco. Emoldurado por conchas, flores e anjos, no melhor estilo rococó, o medalhão central retrata o episódio do recolhimento do Cristo crucificado na praia de Matosinhos, em Portugal. Mas o pintor, explicitamente misturou tudo: o homem que acolhe Cristo está trajado como um sans-culotte e usa um barrete frígio, e o prédio do fundo evoca a Bastilha – todos esses símbolos são alusões aos princípios da Revolução Francesa. 2.4. Caminho de Sabarabuçu A lenda em torno da Serra de Sabarabuçu foi espalhada pelos índios da região: a Serra só poderia ser vista de longe e era impossível chegar a ela, tamanho o seu resplendor – chamavam-na na língua tupi de “sol da terra”. Das encostas descia um rio do qual transbordavam pedras de prata, ouro e esmeraldas. Acreditando nisso, o bandeirante Fernão Dias Paes Leme empreendeu diversas tentativas de adentrar o território, o que resultou na fundação grande parte dos pequenos povoados localizados no vale do rio das Velhas. Atualmente, para percorrer os 160 quilômetros, o viajante gasta 4 dias de bicicleta, 11 dias caminhando, 2 dias de carro e 6 dias a cavalo, sendo que o percurso é de 77,5% em estrada de terra. O Caminho de Sabarabuçu é o mais curto de todos: começa em Cocais e termina na cidade de Glaura, cujo nome homenageia a obra do poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Uma de suas cidades principais é Caeté, cuja história de começa em 1662 e tem sua descoberta atribuída ao bandeirante paulista Lourenço Castanho Taques. Situada na região metropolitana de Belo Horizonte, a 60 quilômetros da capital mineira, aos pés da Serra da Piedade, Caeté proporciona a prática de atividades de ecoturismo e turismo de aventura, tendo grande tradição no arvorismo. O Santuário Nossa Senhora da Piedade – padroeira de Minas Gerais na tradição católica – está localizado no alto da Serra e é composto pela Igreja Abrigo, Cruzeiro, Casa dos Romeiros e pela Ermida de Nossa Senhora da Piedade. Originalmente construída de adobe, sua estrutura foi parcialmente mantida em função das várias reformas que sofreu ao longo dos anos. Já no interior da capela destaca-se o retábulo do altarmor em estilo rococó e a imagem de Nossa Senhora da Piedade recebendo nos braços o seu filho morto. A obra é atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Tanto a Serra quanto o Santuário são tombados pelo IPHAN. Atualmente, o Santuário recebe romeiros de várias partes de Minas Gerais e do Brasil. Em Caeté, o turista pode visitar, também, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso. É uma edificação bastante alta em relação a outras construções barrocas. Construída 117 entre 1752 e 1758 em alvenaria, no arco do cruzeiro é possível apreciar uma pintura com referências ao Parthenon. A 30 quilômetros de Caeté, a cidade de Sabará foi fundada na virada do século XVI para o XVII, quando o povoado foi elevado a município em 1711, com o nome de Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará. O nome da cidade é uma abreviação da palavra tupi tesáberabusu que significa “grandes olhos brilhantes”, se referindo às pepitas de ouro que foram encontradas na região. Anualmente, entre os meses de outubro e novembro, a cidade recebe o Festival de Jabuticaba, em que os moradores alugam as árvores de seus quintais ou chácaras para os turistas, que tem a oportunidade de experimentar geléias, tortas, licores, vinhos, sorvetes e bombons feitos com a fruta. Apesar de deteriorado, o centro histórico da cidade ainda preserva suas vielas estreitas de paralelepípedos, cercadas por construções remanescentes do século XVIII. Um dos principais cartões-postais da cidade é o Teatro Municipal, que foi inaugurado em 1819 e é uma das mais antigas Casas de Ópera em funcionamento no Brasil. Ali estiveram os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II. Em suas linhas arquitetônicas, a influência dos teatros ingleses da época de Elizabeth I, razão de 118 sua denominação popular: Teatro Elisabetano. Instalado em 1946, na antiga Casa de Intendência e Fundição, o Museu do Ouro abriga um acervo de mais de trezentas peças de instrumentos originais do processo de extração aurífera e da produção do metal, maquetes, algumas peças sacras de prataria e a Santa Maestra, escultura de Aleijadinho. Outro atrativo turístico que a Cidade oferece é a Igreja de Nossa Senhora do Ó: uma das mais singulares igrejas do barroco mineiro do século XVIII. A pequena construção tem fachada simples com torre central, seu interior apresenta uma decoração onde predominam o azul, vermelho e o dourado. Nos painéis octogonais no entorno do arco do cruzeiro, estão as chamadas “chinesices”, com figuras de pagodes e de pássaros pintadas a ouro sobre fundos de azul escuro, inspirados nos tecidos e nas porcelanas vindos de Macau. Nas Minas no final do século XVIII, o ouro e o barroco andaram juntos e misturados. Assim como misturados ficaram seus santos, mulatos de olhos orientais, como se o barroco distinguisse e unisse diferentes pontos desse Império português, que começava em Macau e terminava em Vila Rica – ou vice-versa. A poucos quilômetros a noroeste da cidade de Sabará, saindo do Caminho de Sabarabuçu, o turista tem a possibilidade de realizar o Circuito das Grutas. A região é rica em sítios arqueológicos, com destaque para as grutas do Maquiné em Cordisburgo, da Lapinha em Lagoa Santa e do Rei do Mato em Sete Lagoas. Foi nas proximidades da Gruta da Lapinha que o arqueólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (considerado o pai da paleontologia brasileira) encontrou, na primeira metade do século XIX, vestígios de fósseis humanos e animais préhistóricos, que viveram há 25 mil anos, juntamente com sítios, cavernas e pinturas rupestres. Mais de um século depois, no sítio arqueológico Lapa Vermelha em Pedro Leopoldo, foi encontrado o fóssil humano mais antigo da América, que recebeu o nome de Luzia. Dada a importância arqueológica e natural de toda essa região, foi criado o Parque Estadual do Sumidouro, que possui uma área total de 2.004 hectares e está situado entre os municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo – distando certa de 50 quilômetros da capital mineira. O Parque recebeu este nome devido a sua lagoa, uma abertura natural para uma rede de galerias, por meio da qual um curso d’água penetra no subsolo denominado “sumidouro” – que desemboca no Rio das Velhas. 3. Belo Horizonte Nas palavras do escritor João do Rio, Belo Horizonte foi a “única e talvez derradeira poesia da República”. Ao final do século XIX, Minas Gerais dispunha de uma condição singular dentro do país: um imaginário urbano e uma economia sustentada pela área rural. Com o esgotamento do ouro nas cidades mineiras e a consolidação da economia do café, Minas não foi capaz de competir com São Paulo e fazer do produto o passaporte para a indústria e modernização econômica. Belo Horizonte foi resultado de uma complexa e delicada costura política engendrada por três personagens fundamentais: Afonso Pena, Bias Fortes e João Pinheiro. Os republicanos mineiros construíram a nova capital de Minas Gerais na tentativa de 119 unificar política e culturalmente o estado de economia decadente e marcado pela divisão de poder entre as oligarquias regionais, que disputavam o controle político na antiga capital, Ouro Preto. O projeto de Belo Horizonte foi imposto de modo autoritário: exigiu a destruição total do povoado do Curral del Rey, a expulsão da população pobre para a zona suburbana e a distribuição ordenada por bairros. Fincada ao pé da Serra do Curral, a Comissão Construtora desenhou Belo Horizonte com largas avenidas que permitissem maior fluência de tráfego, muitas praças e uma noção rigorosa de hierarquia de área urbana: de um lado ficavam os serviços comuns, como a estação ferroviária, o hospital e o comércio; do outro, teatro e escolas. O centro político da capital, com todas as secretarias e o Palácio do Governo, ficava na parte mais alta da cidade, que ganhou o nome de Praça da Liberdade. Ao combinar ares de província e de metrópole, Belo Horizonte sintetiza a tradição e a modernidade. A cidade, inaugurada em dezembro de 1897, respira cultura, arte, boemia e gastronomia e já revelou muitos dos grupos de dança contemporânea, teatro e música, de repercussão internacional. é o caso do Grupo Corpo, do Grupo Galpão, o Grupo Giramundo, do Clube da Esquina, 120 do Skank e do Sepultura. é também a cidade da moda, reveladora de talentos como Ronaldo Fraga, Graça Ottoni e Renato Loureiro, que ajudaram a consolidar Belo Horizonte no cenário fashion nacional. A vida literária da cidade começou a se intensificar por volta dos anos 1920, quando circulavam por suas ruas escritores como Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Murilo Mendes Pedro Nava, Afonso Arinos e outros modernistas. Algumas décadas depois, Belo Horizonte foi o encontro marcado dos escritores Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, que ficaram conhecidos nacionalmente como os “quatro cavaleiros mineiros do apocalipse”. E a cidade segue revelando nomes para a literatura nacional, como é o caso de Ricardo Aleixo, que estreou na literatura em 1992 com o livro de poesia Festim. Outra característica marcante de Belo Horizonte é a intensa vida noturna: atualmente existem mais de 8 mil bares espalhados por todos os cantos da capital. E não para por aí. Pesquisas recentes apontam que a cidade vem ganhando uma nova vocação, para o turismo empresarial e de negócios. Uma pesquisa realizada em 2013 aponta que mais de 30% dos turistas que visitaram Belo Horizonte vieram com esse objetivo. Isso se dá, em grande medida, por sua localização geográfica estratégica, sendo eqüidistante de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e servida pelas principais rodovias do Brasil. 3.1. Parque Municipal naugurado dois meses antes da nova capital de Minas Gerais, o Parque Municipal Renê Giannetti está localizado em plena área central. O arquiteto e paisagista francês, Paul Villon, sonhava em plantar na cidade o maior parque urbano da América Latina. Em estilo romântico inglês, o parque previa um cassino, um restaurante e um observatório meteorológico. Suas ruas e alamedas, lagoas e riachos, foram traçados de forma livre pelo arquiteto. A arborização foi introduzida por meio de transplantação de árvores de grande porte, trazidas de diversos locais da cidade e do plantio de mudas introduzidas em dois viveiros criados por Paul Villon às margens do Córrego da Serra. O parque possuía, originalmente, uma área de 555 mil metros quadrados, tendo como limites as avenidas Afonso Pena, Mantiqueira, atual Alfredo Balena, Araguaia, atual Francisco Sales, e Tocantins, atual Assis Chateaubriand. Na década de 20, são instalados o gradil de ferro, o Coreto, a Estação dos Bondes (atual Mercado das Flores), a quadra de tênis e a pista de patinação. Com o correr dos anos, o parque foi constantemente reformado com o plantio de novas espécies arbóreas, implantação de sistema de irrigação, repavimentação das alamedas, instalação de novos portões de entrada e aparelhos de ginástica, além da construção de uma pista de caminhada com aproximadamente dois mil metros. Até por volta dos anos 1940, Belo 121 Horizonte era conhecida como “Cidade Jardim”, famosa em todo país pelo clima ameno e pela vegetação abundante. Com o passar dos anos os limites do Parque foram alterados. Dentro de seu espaço, foi criado o Palácio das Artes, que atualmente é o maior complexo cultural e artístico da cidade, com teatros, cinema, galerias de arte e biblioteca. Foi projetado por Oscar Niemeyer e oferece uma variada programação, como óperas, concertos, balés, exposições e apresentações de teatro. Além do Parque Municipal, vale a pena destacar o Parque das Mangabeiras, situado em local mais elevado em relação ao centro da cidade, com acesso pela Avenida Afonso Pena. O Parque proporciona a visão da serra do Curral e o contorno que a Serra faz na capital mineira pode ser contemplado a partir do mirante, posicionado um pouco acima da Praça do Papa – a vista é 122 impressionante, principalmente porque se cont rapõem duas paisagens: a preservada, das montanhas, e a devastada pela atividade mineradora. 3.2. Pampulha Idealizado por Juscelino Kubitschek, o conjunto arquitetônico da Pampulha está situado ao norte da capital mineira e foi construído para ser o cartão postal da cidade. Pampulha era um dos córregos que cortavam o Arraial de Santo Antônio, sendo desapropriado pela prefeitura para a construção de um grande reservatório de água. Ao assumir o governo municipal em 1940, Juscelino alterou o projeto da represa: a barragem se transformaria num grande lago artificial, em torno do qual se edificaria um complexo urbano, destinado a ser um polo de diversão e turismo. Formado por edifícios públicos e particulares, como o Cassino da Pampulha (atual Museu de Arte da Pampulha), a Igreja de São Francisco de Assis, o Iate Golfe Clube (atual Iate Tênis Clube), a Casa do Baile (atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design), a Fundação Zoobotânica e a residência de campo do prefeito (atual Casa Kubitscheck), a Pampulha seria um novo bairro, dotado de amplas residências, que ofereceriam alta qualidade de vida aos seus moradores. Com afilada percepção estética, o prefeito convidou o arquiteto Oscar Niemeyer e uma equipe de artistas, como o paisagista Burle Marx, os escultores Zamoyski e Alfredo Ceschiatti, e Cândido Portinari, que desenhou as histórias da Via Sacra e da vida de São Francisco na Igreja que leva o seu nome, na forma de quadros e painéis de azulejo. O Complexo da Pampulha, que nesse ano de 2017 recebeu o título de Patrimônio Mundial da Unesco, marca o início dos trabalhos de Oscar Niemeyer em Belo Horizonte, que se notabiliza por ser a cidade onde o arquiteto mais assinou projetos. 3.3. Circuito Cultural Praça da Liberdade A Praça da Liberdade foi originalmente projetada, em 1897, pelo arquiteto José de Magalhães para abrigar a nova sede do governo estadual de Minas Gerais e suas principais Secretarias. Situada no ponto mais elevado da cidade, a Praça foi desenhada pelo paisagista Paul Villon, respeitando o estilo neoclássico vigente da época. Em 1920, sofreu uma completa Praça da Liberdade 123 transformação: Belo Horizonte recebeu os reis Belgas Elizabeth e Alberto I e o presidente do Estado, Arthur Bernardes, como bom anfitrião, decidiu remodelar o jardim, substituindo suas formas arredondadas pelo formato geométrico e retilíneo, inspirado nos jardins de Versalhes. Quando Juscelino Kubitscheck ocupou a cadeira do Palácio da Liberdade, promoveu novas transformações. Sustentado pelo traço de seu arquiteto predileto, Oscar Niemeyer, construiu em um dos lados do Palácio, um edifício curvo em forma de um pergaminho desenrolado. Era a Biblioteca Pública Estadual, construída em 1954 sobre o serpentário do Instituto Ezequiel Dias. Do outro lado, o antigo Palacete Portela foi substituído por um grande prédio de 12 andares, o Edifício Niemeyer: um projeto arrojado, pois suas curvas não só resolviam os problemas técnicos que o terreno triangular e a topografia impunham, mas introduzira a Praça da Liberdade na era da arquitetura moderna. O Circuito turístico Praça da Liberdade nasceu em 2010, logo após a in a u gu r a çã o da Cidade Administrativa 124 Presidente Tancredo Neves – que resultou na desocupação do Palácio e das Secretarias. é composto por 15 instituições, dentre museus, centros de cultura e de formação, que mapeiam diferentes aspectos do universo cultural e artístico. Sob a gestão do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) desde abril de 2015, o projeto busca agora uma maior articulação com o espaço urbano e os diversos grupos artísticos e populares, consolidando-se como um braço forte da política pública de cultura do governo estadual. O Circuito passa por um processo de ampliação do seu perímetro, considerando os eixos da Avenida João Pinheiro e da Rua da Bahia, o que pode ser traduzido em seu novo nome: Circuito Liberdade. Dentro dessa perspectiva, o BDMG Cultural e a Academia Mineira de Letras passaram a integrar o complexo. Os principais atrativos do Circuito são: a Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, o Centro de Arte Popular da Cemig, o Centro Cultural do Banco do Brasil, o Espaço de Conhecimento da UFMG, o Memorial Minas Vale e o Museu de Minas e do Metal. Edifício Niemayer 3.4. Os arredores de Belo Horizonte Os arredores da capital mineira compreendem cidades, distritos, lugarejos que unem atrativos de valor arquitetônico, histórico, religioso, geográfico e natural. A 49 quilômetros de Belo Horizonte, a cidade de Brumadinho abriga o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, um enorme museu com 20,23 quilômetros quadrados. Instalado em uma área verde, além de mata nativa e lagos, o Museu foi criado pelo empresário e colecionador Bernardo Paz. São exibidas cerca de oitenta obras de seu acervo particular, a maioria de artistas contemporâneos, produzidas a partir da década de 1960: Tunga, Cildo Meireles, Miguel Rio Branco, Vik Muniz e José Damasceno, dentre outros. Também há peças de estrangeiros, como Olafur Eliasson, Dan Graham, Albert Oehlen e Zhang Huan. O museu é conhecido por proporcionar o encontro entre a arte e a natureza: pode ser percorrido por trilhas que conduzem a obras expostas em meio à vegetação, organizadas em galerias e pavilhões temáticos. 4. A tradição do carnaval em Minas Gerais O carnaval em Minas Gerais é marcado pela pluralidade. Dentro dos 45 Circuitos Turísticos disponíveis, o turista encontra no carnaval mineiro um estilo peculiar, que vai desde os blocos caricatos aos carnavais de rua, que mobilizam milhares de foliões, como é o caso de Diamantina, Ouro Preto (que tem um dos blocos mais antigos do Brasil, o Zé Pereira, com mais de 150 anos), Mariana e, de uns anos para cá, Belo Horizonte. Em Oliveira, por exemplo, o carnaval da cidade remonta a tradição das festividades religiosas ocorridas em Braga e Sevilha, que inspiraram o Dominó – personagem encapuzado lúdico, romântico e assustador que anuncia o carnaval da cidade. Já na cidade de Bonfim, localizada na região central do Estado, consolidou-se uma tradição de realizar cavalgadas pela cidade: cada cavalheiro é responsável por manter sua fantasia de veludo bordado com pedras e seu cavalo devidamente enfeitado. Conforme as informações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Minas Gerais também é um dos estados brasileiros que movimenta sua economia no carnaval. Nos últimos anos, o carnaval de Belo Horizonte vem ganhando força e já é considerado um dos melhores do país. Os números impressionam: a presença de turistas na cidade, no ano de 2017, aumentou em 240% em relação ao ano de 2015. Em média, as ruas da capital receberam 845.963 foliões por dia, sendo que quase 150.000 eram visitantes – principalmente vindos do interior 125 de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ao longo dos quatro dias de festa, cada folião gastou em média 90 reais por dia. No total, a receita gerada no feriado foi de 532 milhões de reais e a ocupação hoteleira foi de 53,3%. A festa foi feita pelos 368 blocos de rua cadastrados, pelos 5 palcos montados que receberam mais de 30 artistas, além dos 215 eventos privados que foram divulgados. O sucesso do carnaval belohorizontino despertou interesses políticos e econômicos, que observam com atenção um produto que tem alto potencial de lucro. Entretanto, a inserção na cena pública desses “novos sujeitos”, forças e interesses, fazem com que os blocos do carnaval de rua tecem uma rede de significados específicos do momento atual de Belo Horizonte. Na formatação dos blocos, está em discussão questões relacionadas a ocupação democrática de ruas, praças e demais espaços públicos. Além disso, mostra-se em consonância à cultura do país, compartilhando valores de nossa identidade através da inversão do carnaval, na influência da cultura afro-brasileira, através de ritmos musicais das marchinhas de carnaval, sambas, frevos e do axé, mas, também, através da homenagem dos blocos Então Brilha e do bloco Pena de Pavão de Krishina, a artistas de expressão nacional como os 126 cantores e compositores Caetano Veloso, Belchior, Jorge Ben e Gilberto Gil. Esses blocos de carnaval, tanto os grandes e mais cheios quanto os pequenos e mais familiares, estão distribuídos por todos os cantos da capital, possibilitando aos foliões um verdadeiro tour pela capital, que passa pelos Filhos de Tcha Tcha no bairro Concórdia, o Tico-Tico Serra Copo, que desfila principalmente na região nordeste de Belo Horizonte e o Bloco Praia da Estação, na região central. Atualmente, o bloco das Baianas Ozadas é o maior da cidade e, em 2017 prestou uma homenagem a Morais Moreira – o primeiro cantor de trio elétrico do Brasil –, levando mais de 500 mil pessoas para as ruas. 5. O Circuito das águas Minas Gerais compensa a falta de mar possuindo uma imensa quantidade de cachoeiras, riachos, represas, lagos, fontes e os rios, como o São Francisco, o rio Doce, o rio Jequitinhonha, que conectam o estado a outras regiões do país e são símbolos importantes da paisagem mineira. Não por acaso, foi pelas águas que o turismo em Minas Gerais começou, ainda no século XIX. Certificado em julho de 2005, o Circuito Turístico das águas engloba uma série de cidades do sul do estado, que atraem os turistas pela propriedade medicinal de suas águas, pelo clima, pelas muitas opções de passeios. Elas constituem destinos certos para os turistas em busca de alternativas para melhorar e manter a saúde e para aqueles que desejam livrar-se do estresse. As fontes de água provêm da Serra da Mantiqueira, que preserva boa parte da Mata Atlântica de Minas. O Circuito das Águas é formado pelas cidades de Baependi, Cambuquira, Campanha, Carmo de Minas, Caxambu, Conceição do Rio Verde, Lambari, São Lourenço, Poços de Caldas, Soledade de Minas e Três Corações. Hoje, a atividade turística permeia a região, que começou a ser visitada ainda no século XIX, quando a família real fez uma excursão por várias das cidades que compõem o Circuito. A principal cidade é Caxambu, que encanta o turista com suas belezas naturais, jardins e pelo Parque das águas. Outros passeios são: o city tour de charrete e o passeio de teleférico ao Morro de Caxambu. Fora da cidade, o visitante pode caminhar ao Horto Florestal, visitar os criatórios e exposições de cavalos mangalarga machador ou cavalgar pelas fazendas da região. O parque das águas é carro-chefe de Caxambu: com uma área total de 210.000 metros quadrados, possui 12 fontes de águas minerais de alto poder diurético e desintoxicante. é um completo balneário hidroterápico, que oferece banhos de imersão em água mineral, piscina de hidroterapia, saunas a vapor e secas, duchas e tratamentos estéticos. Além de festividades culturais e religiosas como Semana Santa, Corpus Christi, e Festa Junina, a cidade recebe os encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Poços de Caldas, também, sempre atraiu turistas por causa das propriedades medicinais de suas águas. Pelos salões do Palace Casssino e do Palace Hotel já passaram grandes nomes como Silvio Caldas, Carmem Miranda, Orlando Silva, Rui Barbosa, Santos Dumont, Olavo Bilac e Juscelino Kubitschek. Até hoje, uma das maiores atrações do hotel é sua piscina térmica, construída em um suntuoso salão sustentado por colunas de mármore carrara. A cidade ainda oferece muitos outros atrativos, como o turismo ecológico, cultural e de aventura. Uma de suas atrações naturais é a Serra de São Domingos, com 1.686 metros de altitude. Além do contato com a natureza, o local oferece passeio de teleférico e, para quem gosta de emoção, uma pista para salto de asa-delta. Já a cidade de São Lourenço é considerada a maior e mais jovem estância hidromineral do país. A maior atração é o Parque das águas com sua fonte de água mineral e de valor medicinal propiciado pelos banhos de relaxamento. Além disso, tem o 127 Trem das águas que é um passeio de Maria Fumaça que vai da estação 6. O ecoturismo e o turismo de de São Lourenço até a estação de aventura Soledade de Minas. São Lourenço possui um comércio variado, com 6.1. Ecoturismo centros de artesanato e galerias com Em 1994, a EMBRATUR bons lugares para fazer definiu o ecoturismo compras e degustar como sendo um queijos, doces, segmento da biscoitos, mel, balas, atividade turística cachaças e licores. que utiliza, de O Parque das águas forma sustentável, o da cidade conta patrimônio natural com nove fontes e cultural, incentiva de águas minerais e sua conservação e centro hidroterápico. busca a formação A 37 quilômetros de uma consciência da cidade, está ambientalista, localizado o promovendo o bem município de Lambari estar das populações – que inicialmente Parque da Caraça envolvidas. Esta era chamado de águas conceituação acompanha Formosas. Outra cidade, que a concepção que vem está fora do Circuito, predominando, mas também é em todo o mundo, conhecida pelas de considerar o propriedades ecoturismo como medicinais de uma prática que suas águas, é vise não somente Araxá, que abriga o proveito o Complexo do dos prazeres Barreiro: uma área oferecidos pela com 33 mil metros natureza, mas quadrados que também como inclui o Parque das uma atitude águas, as Termas proativa em de Araxá e o Ouro respeito ao meio Minas Grande ambiente e das Hotel. Caverna de Clarabóia, em Ibitipoca populações que 128 habitam as áreas visitadas. Com isto, nasceram e consolidaram-se novas práticas de turismo conhecidas como “Turismo Responsável” e o “Turismo Solidário”, dentre outras. Tal variedade paisagística faz de Minas Gerais um lugar privilegiado para as atividades ligadas ao ecoturismo e ao turismo de aventura. O estado abriga uma das maiores concentrações de relevos montanhosos do Brasil e, por conta disso, o ecoturismo é o que atrai mais de 30% de todos os turistas que visitam Minas Gerais por ano. Um desses pólos é a Cadeia do Espinhaço, considerada uma Reserva da Biosfera pela UNESCO, com suas serras, escarpas, picos (como o Pico do Abreu e o Pico do Itambé) e planaltos (como o de Diamantina), funcionando como reservatórios de águas subterrâneas que alimentam as cachoeiras durante a estação seca. Na Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro, está localizado o Parque Nacional do Itatiaia, que tem o Pico das Agulhas Negras (que está localizado entre o município mineiro de Bocaina de Minas e os municípios fluminenses de Itatiaia e Resende) de 2791 metros, o Maciço das Prateleiras, com 2254 e a Floresta Nacional de Passa Quatro, que conta 248 hectares de mata atlântica nativa. Foi o primeiro parque nacional criado no Brasil, em 1937, por Getúlio Vargas. Na região sul de Minas está localizado o Parque Estadual do Ibitipoca, que foi criado em 1973 e ocupa uma área de 1488 hectares, com relevo escarpado e altitudes entre 1100 e 1784 metros, onde predominam a vegetação de mata atlântica e dos campos rupestres. A fauna inclui mamíferos como a onça-parda e o lobo guará, além de duzentas espécies de aves. O parque tem a maior concentração de grutas de quartzito do Brasil: são mais de quarenta, embora apenas oito estejam abertas à visitação. O Parque tem ótima estrutura e o Serra do Cipó 129 número de visitantes é limitado à trezentas pessoas em dias úteis e oitocentas nos fins de semana. Na região central de Minas, perto de Belo Horizonte, o Parque Nacional Serra do Cipó ocupa uma área de 34.000 hectares e foi criado para preservar os ecossistemas da Serra do Cipó e o patrimônio arqueológico deixado por povos que habitaram a região. A Serra do Cipó divide as águas das bacias dos rios São Francisco e Doce e faz parte da cordilheira do Espinhaço, prolongamento da Serra Geral, que se estende em direção à Bahia até a divisa com o Piauí. Perto de Conceição do Mato Dentro, a Cachoeira do Tabuleiro com 273 metros é uma das mais altas do Brasil e termina com uma grande piscina natural. As formações rochosas ocorrem em toda a área, dividindo a paisagem com o cânion do rio Mascate. O Parque apresenta três diferentes conjuntos de vegetação: matas de galeria e capões de mata, presentes nos vales, regiões de baixa altitude e ao longo dos cursos dos rios; campos cerrados, onde crescem árvores de pequeno porte; e campos rupestres e de altitude, em terrenos acima de 900 m, em que se destacam as espécies com pequenas flores, como a sempre-viva. A fauna é integrada por espécies de mamíferos ameaçadas de extinção, como o lobo-guará e o tamanduábandeira. Em média, 25.000 pessoas por ano visitam o Parque. 130 Na região metropolitana de Belo Horizonte, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça é o terceiro maior parque em área urbana do país e abriga alguns dos mananciais que abastecem a capital. O nome do Parque foi contado e imortalizado pelo poema Noturno de Belo Horizonte, de Mário de Andrade, que relata a história de um casal que, logo após a cerimônia de casamento, cruzou a Serra para voltar para casa. No caminho, o cavalo da moça escorregou e, como diz o poema, “a Serra do Rola-Moça, Rola-Moça se chamou”. Os 3.941 hectares do Parque são habitat natural de espécies de fauna ameaçadas de extinção, como a onça parda, a jaguatirica, o lobo-guará, o gato-domato e o veado campeiro. O Parque está situado numa zona de transição de cerrado para mata atlântica. Por fim, dentre as atrações ecoturísticas mais visitadas está o Quadrilátero Ferrífero, uma região repleta de serras, entre as quais: a Serra do Caraça, território do Lobo Guará, e o Parque Estadual do Itacolomy, que protege o Pico do Itacolomy (1772 metros). O Parque Natural e Santuário do Caraça é uma reserva com 11.233 hectares de uma paisagem de transição entre mata atlântica e cerrado, emolduradas por uma cadeia de montanhas com picos superiores a 2 mil metros de altitude, que fazem parte do complexo do Espinhaço. A sede do Parque engloba o Santuário Nossa Senhora Mãe dos Homens, onde está e Igreja que leva o mesmo nome, construída entre 1876 e 1883. Primeira em estilo neogótico no Brasil, ela abriga a tela Santa Ceia feita por Ataíde, o corpo de são Pio Mártir e o vitral central francês doado por Dom Pedro II. 6.2. Turismo de Aventura O Ministério do Turismo considera que o turismo de aventura compreende os movimentos turísticos decorrentes da prática de atividades de aventura de caráter recreativo não competitivo. Deste modo, são consideradas atividades de aventura as experiências físicas e recreativas que envolvem desafios, riscos avaliados, controláveis e assumidos. Essas atividades de aventura, que identificam o segmento de Turismo de Aventura, podem ocorrer em quaisquer espaços: natural, construído, rural, urbano, estabelecido como área protegida ou não, desde que atendam a critérios de segurança e respeito ao meio ambiente. Caso contrário, elas podem tornar-se atividades antagônicas aos objetivos da sustentabilidade, ou seja, atividades nocivas ao desenvolvimento local. O segmento do Turismo de Aventura tem absorvido os aportes de novas tecnologias que vieram viabilizando a prática de novas modalidades no decorrer dos últimos anos. Algumas destas modalidades demonstraram claras incompatibilidades com os preceitos básicos da conservação ambiental, funcionando muito mais como atividades predadoras dos componentes ambientais do que como aliadas da sustentabilidade. Refere-se aqui, principalmente, às práticas de esportes motorizados realizadas “fora-de-estrada” (ou offroad), bem como as que envolvem o trail com motos e os percursos com veículos com 4 rodas “traçadas” (4x4). 7. Viajantes e turistas: algumas reflexões a título de conclusão Ao contrário dos viajantes antigos, que pareciam sempre conhecer primeiro para ver depois, o turista foi considerado por muitos anos um tipo de viajante diferente, que viaja sem conhecer aquilo que vê. Essa afirmação preconceituosa remete a um tempo em que o turista era visto como uma ameaça a um privilégio de poucos. Mas a questão não é apenas econômica: diz respeito, principalmente, a atitude do turista em relação aquilo que vê. Existe uma diferença substantiva entre ver e olhar. Ver conota certa passividade, discrição, reserva. Uma postura dócil, quase desatenta, que desliza os olhos sobre as coisas, as espelha e registra, reflete e grava. Já o olhar, é 131 outra coisa: remete a uma ação que perscruta e investiga, indaga a partir e para além do que é visto. Entre ver e olhar é a própria configuração do mundo que se transforma. Hoje é certo que a indústria do turismo avançou, sofisticou-se e banalizou a imagem do turista, tornando-o por vezes um estereótipo risível. Essa impressão de que o turista viaja sem conhecer o que vê, acusa certa displicência desses “novos viajantes” que visitam igrejas, catedrais, museus e locais sagrados por mera fruição, de forma displicente e descompromissada. é preciso escapar dessa armadilha para perceber que, assim como os novos caminhos construídos sobre velhas picadas, o turismo é uma construção cultural, que dá sentido e significado a coisas e costumes de tempos diversos e de pessoas diferentes do turista. Em condições ideais, o turismo gera uma série de impactos positivos na economia (aumento de renda, criação de empregos, distribuição de renda), no meio ambiente (estímulo às medidas de preservação) e na sociedade, de modo geral, como melhoria na qualidade de vida, incentivo a preservação do patrimônio e o intercâmbio cultural. Nenhum roteiro, mapa ou guia podem ter a pretensão de esgotar as informações e potencialidades que se abrem ao turista: a experiência turística, mesmo que permeada de informações prévias, é única e 132 é surpreendentemente construída na viagem. O turista não deve abrir mão dessa surpresa, embora o planejador do turismo deva projetar as potencialidades de determinado lugar. Referências ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo, Editora Perspectiva, 1994. BENI, Mário Carlos. Política e Planejamento de Turismo no Brasil. São Paulo: Aleph, 2006. CÂMARA, T. e MURTA, R. Quadrilátero Ferrífero: biodiversidade protegida. 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Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília. Brasília, 2009. Sites consultados Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado: www.iepha.mg.gov.br Instituto Estrada Real: www.institutoestradareal.com.br Ministério do www.turismo.gov.br Turismo: Observatório do Turismo em Minas Gerais: www.observatorioturismo. mg.gov.br Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais: www.turismo.mg.gov.br Portal Minas Gerais: www.minasgerais.com.br 134 135 O Porta l Bra sil Culiná ria por Bruno Viveiros Martins e Virginia Siqueira Starling cheiro de café fresco se mistura ao aroma fresco de pães de queijo, bolos e broas recém-saídas do forno. O crepitar do fogo no fogão a lenha se junta às vozes de quem aproveita o espaço para contar casos e cumprimentar a cozinheira. Mesa posta, pessoas reunidas em um ambiente acolhedor, onde tachos de cobre e panelas de pedra-sabão estão lado a lado com carnes defumadas, ervas usadas como temperos e também remédios caseiros, compotas e conservas das mais diversas cores. Ao fundo, os sons do gado no pasto, das galinhas soltas no terreiro ou presas no galinheiro próximo, e o burburinho de alguma bica, nascente ou roda-d’água. O E, como paisagem admirada das janelas, as montanhas de Minas que ondulam ao longe, até o horizonte. Essa é a imagem mais vívida no imaginário popular quando se pensa na fazenda mineira – e, mais ainda, na cozinha que, ao longo dos séculos, tornou-se o centro da vida social e produtiva da casa rural em Minas Gerais. é lá que se unem a família e as visitas, patrões e trabalhadores, em um espaço de sociabilidade e interação que evoca a fartura da culinária do estado, a receptividade e a hospitalidade do mineiro, e os costumes e atitudes que identificam o habitante das Minas em qualquer ponto do Brasil. A cozinha, 137 mas também o que nela se produz, são centrais à fazenda, à casa e aos apartamentos nas grandes cidades, e constroem seus legados históricos e culturais que perduram até o século XXI. O alimento conta suas próprias histórias, justamente porque não se mantém estático com o passar do tempo. Por serem preparados por pessoas cujas origens são tão variadas quanto os ingredientes empregados em sua composição, os pratos típicos e as receitas passadas de geração em geração sofrem modificações, são adaptados e reformulados, têm medidas recalculadas e passam a ser servidos em contextos nos quais nunca sequer se cogitaria mencionálos quando de seu surgimento: quem diria que o feijão tropeiro, comida dos integrantes de tropas de comércio e transporte de produtos que cruzaram 138 as Minas de cima a baixo, entraria no cardápio de festas e grandes almoços? Ou, ainda, que a cachaça, bebida usada como moeda de troca no comércio de escravos e consumida primordialmente pelas classes mais populares nos tempos de colônia, seria exportada mundo afora como bebida de alta qualidade? A culinária, não importa de onde for, atravessa gerações e séculos com suas histórias – e a mineira, especialmente, tem muitos casos para contar. Afinal, há de surgir tarefa mais árdua do que separar o povo das Minas Gerais de suas receitas: elas compõem, com os sabores pelos quais ficou conhecida, as cores que alegram a mesa e os ingredientes que tornam qualquer despensa mais farta, a ideia de uma identidade mineira construída através dos anos, por cada canto do estado, e pelas muitas gentes que cozinham, experimentam e registram a riqueza dessa culinária. 1. O amarelo do ouro no branco do queijo: fome e fartura na culinária das Minas Viajantes que cruzassem os Registros de Passagem da comarca de Serro do Frio, na década de 1770, teriam seus pertences revistados em busca de ouro e diamantes contrabandeados, mas a revista não pararia nos objetos pessoais: quem porventura carregasse consigo rodelas de queijo as teriam perfuradas. Se é conhecida a manobra dos contrabandistas de esconderem o ouro e as pedras desencaminhadas dentro de imagens de santos em madeira – os “santos do pau oco” –, talvez seja mais surpreendente a técnica de traficar as riquezas e burlar o fisco usando alimentos. Mas no Serro, cujas jazidas de ouro foram encontradas em 1702 e as de diamante em 1729, a prática foi tema de ordem do sexto Conde de Valadares, que exigia que os agentes da Coroa portuguesa furassem os queijos que passassem por esses postos de fiscalização, a fim de evitar a perda de ouro e diamantes para o contrabando. Nesses tempos, no entanto, usar o queijo como meio de transporte de pedras preciosas contrabandeadas não era sinal de fartura de alimento, mas de riquezas certamente não comestíveis. Aliás, as Minas só foram conhecer a fartura depois da época colonial, quando o período de auge da mineração aurífera deu lugar a uma economia cada vez mais diversificada e a tradições de cultivo que se enraizaram nos costumes mineiros, após passarem por graves crises de fome mesmo com tanto dinheiro nas mãos. O território de Minas Gerais foi ocupado durante um processo peculiar e diferente do que aconteceu em outras capitanias coloniais no Brasil. Devido à descoberta de ouro nos córregos e leitos de rios no interior do estado, cujos primeiros registros datam da década de 1690, gente de todo canto da colônia se dirigiu para a região entre os rios Doce e São Francisco, onde uma linha de jazidas ia da atual cidade de Ouro Preto a Diamantina. Rapidamente, a capitania começou a ser povoada em um misto de urbanização acelerada – três vilas foram fundadas só em 1711: Nossa Senhora do Carmo, Vila Rica e Nossa Senhora da Conceição do Sabará, hoje Mariana, Ouro Preto e Sabará, respectivamente – e ocupação de base rural, mas quase ninguém que se dirigia à região pensava em outra coisa que não o ouro. No período inicial da formação de Minas Gerais, juntava-se à falta de caminhos em direção a outras capitanias e regiões mais estabelecidas o fato de que poucos dos recém-chegados se 139 preocupavam em cultivar o que os alimentaria, o que levou a três ondas de fome generalizadas pelo território. Em 1698, entre 1700 e 1701 e, por último, em 1713, os mineiros não tinham mandioca, milho, feijão e carne suficientes para alimentar o contingente populacional que só crescia. Nesse meio tempo, aprenderam a comer o que estava à sua frente, de cães e gatos a raízes, insetos e lagartos, independente da origem. Com a abertura de novos caminhos vindos da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro, incrementou-se a alimentação da população, que passou a consumir mais carne bovina importada de outras capitanias e teve acesso a outros artigos indispensáveis à sua sobrevivência. A escassez, no entanto, não cessaria tão facilmente, e os preços de açúcar, carne de boi ou galinha e farinha, por exemplo, eram exorbitantes e consideravelmente mais altos do que os dos mesmos produtos em São Paulo. Como afirmou Francisco Tavares de Brito, em seu Itinerário geográfico, publicado em Sevilha em 1732, “He esta villa falta de tudo o que depende da Agricultura, assim que todo o mantimento lhe vem dos referidos campos por distância de três, quatro e cinco legoas”. O ouro parecia ser o único a brotar com opulência da terra mineira. 140 Foram os caminhos, contudo, como o Caminho Novo – que ligava o Rio de Janeiro a Vila Rica – e o Caminho Geral do Sertão, pelo qual passava o gado vindo da Bahia, que trouxeram não só os grãos e a carne de que tanto precisavam os mineiros, mas também introduziram novos costumes e receitas usadas até os dias de hoje. Com as tropas, que comercializavam alimentos e artigos de consumo pessoal e eram formadas por burros de carga e tropeiros determinados a enfrentar os perigos que marcavam os caminhos das Minas, vinham cachaças, rapadura, sal, sementes, toucinho, grãos, tecidos, louças, biscoitos.... Os tropeiros transportavam as mercadorias em embornais, balaios de taquara, barris e sacolas de couro, no lombo de mulas. Em seu trajeto, pernoitavam em ranchos armados por eles próprios, invariavelmente perto de cursos d’água, e se punham a preparar o cardápio que os sustentaria por mais um dia de dura viagem. Eles usavam brotos nativos que encontrassem ao redor para complementar os pratos de mandioca, arroz e feijão – que, passados séculos, transformou-se no conhecido feijão tropeiro, uma das receitas consideradas típicas de Minas Gerais, conhecida e apreciada em todo o estado, e feita com toucinho defumado, linguiça, ovos, cebola, alho, couve, farinha e, claro, feijão. Essa homenagem aos homens que desbravavam o sertão e as terras desconhecidas do território mineiro (e, nesse processo, inauguraram as raízes da culinária de Minas) não deixa de ser um reconhecimento ao grão que, desde o princípio, foi fundamental à dieta da população regional e mantém sua posição de destaque nas refeições diárias. Outro prato extremamente popular preparado com o feijão é o tutu, feito com feijão cozido e engrossado com farinha de mandioca ou de milho. Servido com torresmos, ovos cozidos ou linguiça, o tutu de feijão também está tradicionalmente presente na mesa mineira. Uma segunda herança culinária desses tempos é a vaca-atolada, um caldo quente de costelas de boi picadas, mandioca, cachaça, salsa, cebola, urucum, pimenta e cebolinha que apareceu pela primeira vez nos fogões rústicos dos garimpeiros de diamante nos ribeirões do Tejuco. A grave carência alimentar que marcou o século XVIII em Minas Gerais era igualmente provocada pela escassa oferta de carne, como mencionado anteriormente. Quando havia, era cara, e só podia ser paga por quem possuía lavras e minerava ouro em grandes quantidades. O alto valor da carne bovina advinha do fato de que esta era trazida de Curitiba, da Bahia, de São Paulo e de Pernambuco, e, para facilitar sua conservação, os moradores de Minas passaram a salgá-la e secá-la em mantas – origem da carne seca, também conhecida como carne de sol, jabá, charque e carne-devento. Historicamente consumida pelas parcelas mais desfavorecidas da população e só recentemente perdendo o estigma de ter baixa qualidade, a carne seca ganhou popularidade no norte do estado, servida com farinha e um molho feito com dendê e as pimentas malagueta e cumari. Por carne de sol, identificase um corte mais nobre do boi, menos seco e salgado, separado em fatias que secam ao sol por ao menos quatro horas. Tais tradições de produção e consumo são mantidas no município de Mirabela, no norte de Minas, nacionalmente reconhecida como a capital da carne de sol e endereço da Festa Nacional da Carne de Sol, realizada anualmente em agosto. A necessidade de abastecimento da população mineira, tanto nas cidades que despontavam no cenário montanhoso quanto nos rincões mais distantes do sertão, estimulava a vinda de tropas de outros estados, mas também fomentou o surgimento de grandes fazendas às margens do rio das Velhas e na fronteira entre a região das minas de ouro e o cerrado, bem como de arraiais cuja produção agrícola era destinada às aglomerações dos entornos. Nessas fazendas, iniciou-se a tradição do consumo do frango e da galinha caipira na 141 culinária mineira: as aves, criadas soltas e em grandes quantidades no terreiro da casa, costumavam ser abatidas apenas em ocasiões especiais, como em dias santos, festividades e aos domingos. Suas receitas incluem servi-lo ensopado ao seu próprio caldo, como o frango ao molho pardo (feito com o sangue recolhido no momento do abate), ou acompanhado de quiabo, couve e angu – prato apreciado em todo o estado e frequente na mesa mineira. Longe de se resumir à mineração, a economia mineira começou a se diversificar desde o início do processo de ocupação do território, o que incluía a produção agropecuária. Por outro lado, além de estimular o cultivo e a criação de animais em âmbito local para o consumo interno da região, o povoamento de Minas Gerais, por ter sido realizado por indivíduos de origens diversas, fez com que os costumes, a cultura e, claro, a culinária do estado recebessem influências variadas não só de outras partes do Brasil, como também de outros povos e países. Historicamente, a cozinha mineira possui raízes indígenas, portuguesas e africanas, desde o uso de determinados alimentos e utensílios no preparo dos pratos – sendo a mandioca, o milho e as batatas ingredientes básicos, e os balaios e panelas de barro como instrumentos primordiais das cozinhas 142 mais tradicionais – às influências relacionadas aos rituais de preparo e organização. Em Minas, a culinária é harmonizada sem temperos excessivamente fortes, embora conte com o emprego de ervas, frutas e brotos locais para garantir um sabor especial às receitas – sal com alho, ora-pró-nobis, urucum, limão; muitos caldos e carnes refogadas; geleias, broas e pães caseiros no começo do dia; doces, como goiabada, doce de leite, ou manga em calda, servidos com uma fatia de queijo para adoçar o paladar após as refeições; e tudo oriundo da própria região, ainda que receba pequenos ajustes e inspirações de outras cozinhas, vindas de longe. As receitas não se perdem, mas se refazem e mantêm sua relevância no cenário cultural mineiro, próprias das áreas nas quais foram concebidas, sendo reconhecidas nacionalmente e se tornando alvos de reinterpretações e atualizações. 2. A Canastra, o Serro e o pão de queijo: a fabricação de laticínios em Minas Gerais Minas é conhecida no Brasil como, dentre outros apelidos, a terra do pão de queijo. E tem mineiro que pode até dizer que não suporta mais a iguaria, mas, quando deixa sua terra, admite sentir falta do inigualável pão de queijo que só Minas Gerais sabe mesmo fazer. Porém, não é só nesse salgado, presença obrigatória em qualquer padaria, lanchonete e café da tarde caseiro, que o queijo deixa sua marca na culinária e no dia-a-dia mineiros. Se o queijo já era usado como “meio de transporte” de metais e pedras preciosos contrabandeados no século XVIII, seu consumo na região data, sem dúvida, da fundação do próprio território de Minas Gerais. O estado, de forte tradição pecuarista e que hoje abriga o segundo maior rebanho de gado do país, deu início à sua indústria de laticínios já no final daquele século, em fazendas que aproveitavam o leite das vacas para produzir um queijo branco, fresco e em formato de disco que ganhou o nome de queijo Minas. As bases do preparo do queijo artesanal brasileiro são oriundas das tradições portuguesas da Serra da Estrela, mas foram reformuladas e adaptadas à realidade geográfica e social do país. Na metade do século XIX, na região da Mantiqueira, deu-se início à produção em escala industrial, a qual deu origem ao queijo do Reino, fabricado segundo técnicas holandesas. Mais tarde, vieram os imigrantes europeus e seus queijos, com novas práticas e receitas incorporadas às cadeias de produção fabris e que, também na serra da Mantiqueira, suscitaram o nascimento de tradições de produção de queijos finos. Os municípios de Minduri, Cruzília, São Vicente de Minas e Andrelândia formam a primeira região produtora de queijos finos do Brasil, como o brie, camembert, gouda e gorgonzola, graças aos imigrantes dinamarqueses que aportaram nas montanhas do sul de Minas. Tais técnicas e receitas importadas, no entanto, não roubam o brilho dos tradicionais queijos mineiros, reconhecidos como patrimônios culturais imateriais do estado e fabricados artesanalmente. Dois deles possuem, inclusive, um selo concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) 143 que reconhece sua procedência geográfica: o queijo do Serro e o da Serra da Canastra. Cada microrregião produtora de laticínios apresenta especificidades de clima, relevo e solo que interferem no tipo de bactérias lácticas produtoras do soro e responsáveis por conferirem sabores distintos a cada queijo. Porém, as práticas de fabrico são similares e fazem parte das comunidades rurais como mais do que uma fonte de renda: o próprio fazer do queijo movimenta culturalmente municípios e confere uma marca a cada território. A produção de queijo ganha destaque em diversas áreas de Minas. Na Serra do Salitre, no Triângulo Mineiro, no Campo das Vertentes e em Araxá, o produto diversifica a economia e contribui para a sustentação de famílias proprietárias de pequenos terrenos rurais. Na microrregião do Serro, por sua vez, localizada na vertente oriental da Serra do Espinhaço, o queijo é um dos pilares econômicos e culturais, fabricado em propriedades menores, de mão de obra familiar e em criações de rebanhos mistos. Essas características são semelhantes às existentes na Serra da Canastra, cuja cultura historicamente agrária se dinamizou devido à demanda crescente pelo produto em todo o Brasil. O clima tropical de altitude, o relevo acidentado e a abundância de recursos hídricos favorecem a 144 indústria de laticínios e tornam o sabor desses queijos algo singular no mercado alimentício. Em junho de 2008, a fabricação artesanal dos queijos da Serra do Salitre, do Serro e da Serra da Canastra foi registrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como conhecimento tradicional e bem imaterial da cultura brasileira, uma vez que cada microrregião possui modos de fazer e técnicas específicas que vão da manipulação do leite cru ao tempo de cura, além do uso de fermentos lácticos naturais (chamados de pingo) condicionados a elementos geomorfológicos característicos. Na cozinha mineira, o queijo é protagonista não apenas para ser consumido puro ou como acompanhamento de doces típicos. A sofisticação de receitas básicas e o crescimento da produção de queijos no estado levaram à evolução do modo de preparo de diversos pratos e quitutes, como um reflexo das condições alimentares próprias de cada época. O queijo passou a ser incorporado em broas, biscoitos e, dessas receitas, originou-se o pão de queijo, um parente distante do biscoito de goma e queijo, enrolado em pequenas bolas e cuja massa é feita a partir de polvilho, um dos subprodutos da mandioca. 3. As outras riquezas da terra: grãos, frutos, plantas e seus sabores A natureza c o s t u m a r e se r v a r belas descobertas a quem busca conhecê-la, e em Minas Gerais não falta o que se descobrir. O estado, cujos biomas abrigam ricas formações vegetais e são c a ra c te riza dos por ampla biodiversidade de espécies, oferece aos seus habitantes um extenso catálogo de plantas, ervas e frutos que podem ser aproveitados na culinária e ganham o país em receitas criativas e pratos saborosos, além de serem homenageados em festivais regionais. Ora-pro-nóbis, goiaba, pequi e jabuticaba são alguns dos nomes que correm o território e as mesas de Minas. A essas plantas e frutas consumidas pelas populações indígenas nativas e incorporadas pelos colonos à sua dieta, combinamse cereais e tubérculos, como o milho e a mandioca, no papel de a l i m e n t o s igualmente e s s e n c i a i s ao cardápio brasileiro e que ocupam posições centrais no panteão culinário de Minas Gerais, ao lado do feijão, do queijo e da carne bovina e suína, por exemplo. Cultivados ou não, esses ingredientes entram nas cozinhas de Minas como atores principais para iniciar uma refeição, incrementar pratos principais ou finalizar com um toque açucarado. 145 A “tradicional mesa mineira”, conhecida de norte a sul do estado e elemento-chave da construção da imagem nacional do mineiro, é formada basicamente por feijão, arroz e angu, sem faltar a farofa de farinha de milho ou de mandioca. Por garantir saciedade e sustância, esses alimentos compõem em grande parte a dieta de trabalhadores rurais e urbanos até os dias de hoje, mas também formam a base de diversas receitas popularizadas nas várias regiões de Minas. A generalização do uso do milho e da mandioca, principalmente, pode ser rastreada de volta aos primeiros movimentos de ocupação do território mineiro, quando as bandeiras de exploração e apresamento de indígenas capitaneadas pelos paulistas plantavam pequenas roças a fim de assegurarem a sua sobrevivência em seu trajeto de volta dos difíceis e desconhecidos sertões. O abastecimento com os alimentos cultivados nessas plantações fez com que os bandeirantes fizessem o reconhecimento do território e estabelecessem núcleos de ocupação, como aconteceu durante a expedição chefiada por Fernão Dias Pais Leme entre 1675 e 1781 – a estratégia de plantio dessas roças foi bem-sucedida e possibilitou a colonização da região. Mas tanto o milho quanto a mandioca são frutos da influência indígena, e não só no Brasil. Populações da América pré-colombiana já usavam 146 extensamente ambos os alimentos em sua dieta e, assim como o cacau, a batata, a pimenta e o tomate, foram levados para a Europa pelos colonizadores como uma das muitas práticas dos nativos americanos a serem adotadas, apropriadas e disseminadas. Mandioca e milho são alimentos versáteis, passíveis de serem aproveitados em diversas formas e meios, e se consolidaram como a base do sustento alimentar de Minas Gerais. Em primeiro lugar, o angu: preparado a partir do fubá (o grão de milho moído e transformado em uma farinha fina) misturado a água. O angu mineiro é normalmente feito sem sal, o que o diferencia de sua versão paulista, devido a graves condições de escassez de sal durante o século XVIII, e mantém-se como alimento básico e parte indispensável do prato de cada dia. Não eram, contudo, só os roceiros que consumiam o angu com feijão para se sustentarem na lida. Os escravos também baseavam sua dieta na combinação de angu e feijão, ainda que malcozidos, e por vezes acompanhados por toucinho, ervas e frutas, como a laranja. Por outro lado, a histórica escassez de alimentos em Minas estimulou as gentes a aproveitarem o máximo que pudessem dos ingredientes que tinham em mãos. Da necessidade surgiram receitas que refletem a importância da utilização de todas as partes e restos, sobretudo no caso do milho e da mandioca. Daí, talvez, venha a explicação para sua inevitável e inescapável presença. Além do angu, o milho ainda entra, como fubá ou como grão, na composição do mingau; de cuscuz, curau, pipocas e pamonhas; de cerveja de milho verde e aguardente; de bolos, broas e pães; da canjiquinha, uma sopa feita do grão cozido e refogado; e de rações usadas para alimentar gado, porcos e galinhas. Aliás, o emprego do milho na criação de animais movimenta a indústria agropecuária mineira enquanto cereal de elevado valor nutritivo e que, além disso, pode ser usado industrialmente na produção de álcool e gorduras. Como evidência do papel crucial desempenhado pelo milho na economia e na cultura mineiras, a cidade de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, organiza anualmente desde 1959 a Fenamilho, a maior festa agropecuária do estado. O evento movimenta a cidade e sua região, incitando os moradores a prepararem novas receitas tendo o milho como ingrediente principal e atraindo pessoas de todo o país com suas atrações musicais e, claro, culinárias. Já a mandioca, raiz cuja farinha é tão popularmente usada quanto a de milho, deve a maioria de suas receitas às tradições indígenas, transmitidas ao longo dos séculos graças à importância de sua participação na formação do povo brasileiro. O “pão da terra”, conhecido como um símbolo da cultura nacional, possui significativo valor nutricional e apresenta uma miríade de usos e formas de preparo. Assada, cozida ou frita, a mandioca pode ser transformada em farinha – largamente empregada na cozinha mineira – e em goma doce ou azeda, da qual são feitos polvilho, bolos e biscoitos. Esses biscoitos tiveram suas receitas modificadas e enriquecidas com a diversificação dos recursos alimentares do estado, através do crescimento da criação de suínos, aves e bovinos. Tendo a goma como ingrediente de base, os biscoitos passaram a ser feitos com ovos, gordura de porco, queijo, leite, nata e manteiga, conferindo novos sabores, consistências e formatos a um quitute comum nas primeiras horas do dia e como acompanhamento para o café. Se antes eles eram consumidos pelos tropeiros como maneira de enganar a fome – os grossos biscoitos bagageiros, feitos só com goma –, biscoitos em forma de meia-lua, de argolas trançadas, de palito ou de bolachas passaram a encher a mesa e agradar o paladar de visitas, familiares e amigos. Uma frutinha pequena e preta, própria de árvores de tamanho mediano espalhadas pelas matas de Minas. Um fruto de casca 147 esverdeada e polpa amarelada, típico do cerrado e cujos usos vão da produção de licores a óleos nas indústrias farmacêutica e de cosméticos. Uma planta de nome em latim, mas já enraizada nas terras e na mesa mineiras. E, por fim, uma fruta de casca verde e interior de um vermelho intenso, ingrediente de doces em calda e barra famosos em todo o país: a culinária de Minas Gerais também é feita com frutos e plantas ecléticos, os quais há muito se consolidaram nas tradições gastronômicas e culturais do estado. Bastante comum nas regiões central e sul do estado, a jabuticaba é uma fruta endêmica da Mata Atlântica. Seu sabor adocicado é apreciado tanto em seu estado natural, como fruto colhido do pé, quanto em licores, geleias, compotas e molhos, e se tornou atrativo em diversas cidades mineiras. Em Sabará, por exemplo, uma das cidades históricas da Estrada Real e parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a arquitetura colonial se transformou em cenário para o Festival da Jabuticaba, o maior evento gastronômico do município, realizado desde 1987 e registrado como Patrimônio Cultural. Elemento da culinária regional já no auge da mineração aurífera, a jabuticaba passou de complemento da dieta das populações locais a fonte de tradições no preparo de doces, caldas e compotas. Chega o mês de agosto e a safra das frutas 148 tem início – até setembro e, em algumas ocasiões, estendendo-se até novembro, as jabuticabeiras se enchem dos pequenos frutos negros. De novembro a fevereiro, é a vez dos pequizeiros darem suas frutas no sertão do cerrado mineiro. Quando a casca de cor verdeamarelada amolece, o pequi, cujo nome significa “casca espinhosa” em tupi, está maduro e pronto para o consumo, especialmente como condimento para pratos salgados. Cozinhado com arroz, peixes, carnes, frango e até macarrão, a fruta lhes confere a mesma coloração amarela de sua polpa e garante o consumo de altos índices de proteínas e de vitaminas A e C. Há uma técnica para aqueles que se aventuram a experimentar a fruta: sua polpa, rodeada por espinhos, nunca deve ser mordida, mas roída para evitar que estes furem as gengivas. Como ocorre com tantos outros alimentos, porém, não é apenas a polpa do pequi que entra na culinária mineira, principalmente da região norte do estado: a castanha é comestível e especialmente saborosa quando torrada, além de ser usada na indústria de cosméticos; o óleo da fruta é tonificante e bastante empregado no combate a doenças respiratórias, como bronquite e resfriados; e das folhas do pequizeiro pode ser feito um chá eficaz no controle dos rins, do ciclo menstrual e da bexiga. Não é à toa que essa é uma árvore protegida por lei. Fundamental para as comunidades do cerrado mineiro, o pequizeiro atua não só como sustento alimentar, mas também como fonte de renda devido às possibilidades econômicas proporcionadas por seus frutos e folhas, uma vez que o corte e comercialização de sua madeira são proibidos. Outra planta que proporciona diversas utilizações e tem uma história rica é a ora-pro-nóbis, hortaliça capaz de brotar em qualquer tipo de solo e própria dos climas tropical e subtropical, dominantes no Brasil. Em Minas Gerais, a ora-pro-nóbis – nome latino que, em português, pode ser traduzido para “rogai por nós” e está intimamente ligado ao seu uso como cerca-viva nos quintais de igrejas, prontamente colhidas pelos habitantes das cidades enquanto os padres finalizavam as missas matinais – é presença indiscutível nas cozinhas de Sabará, Tiradentes, Diamantina, Ouro Preto e São João del-Rei, todas cidades setecentistas marcadas por fortes tradições culinárias e religiosas. Na primeira metade do ano, brotam as flores brancas de miolo laranja, que contrastam com as folhas e os espinhos pontiagudos nos ramos. Alguns meses depois, entre junho e julho, vêm os frutos, pequenas bagas redondas e amareladas. No entanto, as cores que nascem na ora-pro-nóbis são apenas ornamentação, pois seu uso culinário está nas próprias folhas, de alto teor proteico, incluída como condimentos em receitas típicas do estado. Em sopas, refogados e tortas, a hortaliça entra com as folhas secas e moídas; e estas vão cruas em saladas que acompanham outros pratos ou para enriquecer farinhas, pães e massas. No angu, com carne de porco e, principalmente, com galinha caipira, a ora-pro-nóbis caiu nas graças da população mineira e continua a rogar por aqueles que, a princípio, precisavam inventar novas maneiras de incrementar sua alimentação. Para tanto, escolheram a folhinha verde que nascia na parte externa das igrejas, elemento inextricável do cenário e da história mineiras. Muitos municípios mineiros carregam orgulhosamente as tradições culinárias históricas que os definem. Se Sabará é conhecida como a terra da jabuticaba e Patos de Minas, a cidade do milho – para citar apenas algumas –, São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, é o berço da goiaba e dos doces artesanais feitos com mil e uma frutas. Arraial datado do início do século XVIII e de importância estratégica para o abastecimento da região mineradora, localizado à beira do rio das Velhas, São Bartolomeu continua pequeno em tamanho, mas é grandioso na produção dos doces consagrados como Patrimônio Imaterial do distrito. Historicamente, essas receitas surgiram como uma maneira de driblar a perda de estoques de frutas: 149 ao transformá-las em doces, usava-se o açúcar disponível – uma influência inteiramente portuguesa, pois os indígenas adoçavam seus alimentos com mel e beterraba – e garantia-se a conservação de alimentos que, de outra forma, seriam desperdiçados. Desde os Oitocentos, portanto, São Bartolomeu movimenta sua economia com a comercialização de doces artesanais, sejam de goiaba – a goiabada cascão, por exemplo, feita com a fruta inteira, inclusive a casca, é invenção de doceiros do distrito –, figo, marmelo, pêssego, leite, cidra ou mamão, e não importa o formato – em calda, cristalizado, em barra, pastoso ou em pedaços. Os cristalizados exigem cuidados especiais para que o açúcar da cobertura fique no ponto e seu preparo leva de três a quatro dias. Cada receita tem suas técnicas, cada fruta demanda cuidados especiais, e os doceiros de São Bartolomeu têm plena consciência da importância de manter as tradições na fabricação de doces cuja fama atravessou, e há muito, fronteiras regionais. Já em 1845, por exemplo, a Câmara Municipal de Ouro Preto confirmava seu interesse na venda dos doces para o Rio de Janeiro; em um Dossiê de Registro de 1902, marmeleiros e goiabeiras são reconhecidos como plantas essenciais à cultura local e ao cotidiano dos moradores. São Bartolomeu, ao lado de Ponte Nova e Barão de Cocais, 150 respectivamente localizados na Zona da Mata mineira e na região Central do estado, realizam anualmente suas festas dedicadas à goiaba e aos doces que com ela produzem. A fruta de formato arredondado, com polpa vermelha ou branca, é o ingrediente principal não só de compotas e doces, mas também de geleias, sucos e sorvetes. Seu consumo é amplamente recomendado graças à composição rica em vitaminas C, A e do complexo B, e por possuir baixa acidez e pouca gordura. Contudo, frutas não são o único ponto de partida para a produção de doces, embora as barras e caldas sejam extremamente populares na mesa mineira. A doçaria tradicional de Minas Gerais, além dos biscoitos e broas, é feita de iguarias cujos ingredientes variam de leite e ovos a amendoim e coco. Quindim, doce de leite, papo-de-anjo, baba-demoça, mãe-benta, pé-de-moleque, canudos recheados e brevidade misturam influências portuguesas a adaptações tipicamente mineiras, próprias dos recursos alimentares disponíveis e das técnicas aprendidas e modificadas com o passar do tempo. Doces como esses não faltam em festas, almoços de família e ocasiões especiais, nem mesmo em velórios: ambrosia preta, feita com ovos, canela e leite; cueca virada, um biscoito de farinha de trigo polvilhado com açúcar; e amor em pedaços, um docinho feito com abacaxi, são alguns dos quitutes tradicionais dos cardápios de quem tem visitas para velar entes queridos. Todas essas receitas trazem consigo tradições seculares da arte de transformar ingredientes básicos, encontrados no pomar e no terreiro da casa, em sabores açucarados, texturas delicadas e memórias valiosas. 4. Os fartos mares de Minas Minas Gerais é o estado das montanhas, não do mar – mas isso dificilmente impede que sua culinária seja composta também pela carne de peixes vindos dos muitos rios, ribeirões e cursos d’água que cortam o território. Apesar dos índices mais elevados do consumo de carnes de origem bovina, suína e de aves, a alimentação baseada em peixes e outras espécies de água doce é ainda mais significativa nas cidades e comunidades ribeirinhas, onde os rios se estabelecem como as principais fontes de alimento e estimulam a formação de tradições culturais locais. Ao longo do rio São Francisco, do rio das Velhas e do Paranaíba, o peixe compõe a dieta regional tanto quanto o feijão, a mandioca e o arroz, em pratos que espelham a imensidão de possibilidades culinárias a partir de diferentes espécimes e modos de preparo. Seja assado, frito ou em bolinhos servidos como aperitivos, os pescados completam a mesa mineira, possuem vários acompanhamentos e são aproveitados quase integralmente, da cabeça às entranhas. O rio São Francisco, carinhosamente apelidado de Velho Chico, oferece todo um cardápio de pratos e receitas aos habitantes da região de sua bacia. Embora a biodiversidade seja rica, algumas espécies são especialmente apreciadas devido ao sabor de sua carne, ou por apresentar uma menor quantidade de espinhas, como o surubim, o dourado e o mandi. Outros peixes de água doce, como o pacu, o bagre, a traíra e a piranha, são abundantes nas águas do São Francisco e, consequentemente, nas mesas dos ribeirinhos e moradores locais. O Rio das Velhas, o principal afluente do Velho Chico, percorre mais de 700 quilômetros na porção central do estado, banha aproximadamente cinquenta municípios e assegura, nesse longo trajeto, grande variedade para pesca. Lambaris, dourados, mandis, pacus, piaus e tucunarés são espécies conhecidas e fundamentais para a subsistência de comunidades ribeirinhas e para o comércio estadual. Já no Paranaíba, que banha a região do Triângulo Mineiro, no oeste de Minas, o consumo de peixes é notável, sobretudo de pacus e dourados, mas também de piracanjubas, pirapitingas e jaús. 151 Com arroz, pirão e farinha de mandioca, os pescados ganham destaque em um estado que pode até não margear o oceano, mas conta com uma ampla oferta de rios para garantir-lhe alimentos. Pescados até hoje com métodos rudimentares, como um anzol preso a uma vara comprida, ou então com redes e instrumentos mais avançados, os peixes aparecem nas receitas mais comuns fritos ou assados ao forno, cobertos por algum molho e com condimentos, enquanto outros modos de preparo populares incluem a moqueca, que geralmente leva leite de coco e azeite de dendê e é clara influência da culinária nordestina; a paçoca de peixe, feita com peixe frito, salgado e socado no pilão com farinha de mandioca ou de milho, e que pode ser comida com as mãos, em pequenas porções – o que, em Minas Gerais, se conhece como “comer de arremesso”; os bolinhos de peixe frito, enrolados em uma massa batida com ovos e maisena levada à gordura quente; e o bolo de piaba, no qual a piaba é frita e colocada em uma massa de fubá bastante temperada com alho, sal e pimenta. Infelizmente, a abundância de peixes e receitas feitas com essas espécies é ameaçada pela degradação dos rios e a consequente queda de biodiversidade nesses cursos d’água. A poluição da rede fluvial, através da contaminação com rejeitos tóxicos 152 da atividade industrial e minerária e dejetos urbanos se combina à redução do nível de lençóis freáticos – os reservatórios de água subterrânea, fontes de abastecimento fundamentais ao equilíbrio dos ecossistemas –, à intensificação do processo de assoreamento dos rios, isto é, o transporte de sedimentos que se acumulam, e ao desaparecimento de nascentes, provocado pela redução da cobertura vegetal nativa protetora. Os impactos ambientais são tão graves quanto os sociais, uma vez que os ecossistemas aquáticos de Minas envolvem a manutenção econômica e cultural de diversas comunidades e o resguardo de inúmeras tradições. Os mares de Minas são fartos e enriquecem a culinária de todo o estado, mas há o risco de que não permaneçam assim. 5. A branquinha que passarinho não bebe: a cachaça e seu lugar na mesa mineira Incolor, forte em aroma e sabor, famosa nos quatro cantos do mundo e o começo de muitos casos a serem contados. A cachaça é a bebida alcoólica mais conhecida a ser produzida em Minas Gerais, embora não seja originária nem exclusiva do estado; ela pode ser consumida pura; em ponches, normalmente com açúcar e laranja azeda; como quentão, bebida quente tradicionalmente servida em festas juninas; ou caipirinha, uma batida de cachaça e limão. é a água que passarinho não bebe, pinga, caninha e branquinha, além de uma infinidade de nomes, e sempre há um motivo para se justificar um trago – principalmente quando o cachaceiro diz que é preciso “alegrar o coração”. Na culinária mineira, a cachaça ocupa, sem dúvidas, posição de destaque, e o faz há séculos: mal chegaram os primeiros ocupantes do território, e engenhos foram erguidos para moer cana, fazer rapadura e, claro, destilar aguardente. Esse subproduto da cana-de-açúcar se consolidou como elemento fundamental da economia colonial, era largamente usada no comércio de escravos e seu consumo se popularizara entre as camadas populares. De elevado nível calórico (e também de teor alcóolico, que varia entre 38% e 48%), a cachaça era tomada como um complemento à alimentação, vendiase a preços baixíssimos e a facilidade com que era encontrada e adquirida só favoreceu sua disseminação. Apesar de tentativas de proibição pela Coroa, engenhos de açúcar pipocaram nas Minas e passaram a produzir aguardente, garantindo que, ainda que a procura aumentasse, sua oferta permaneceria alta. O preparo da cachaça depende de técnicas, aparelhos e processos bastante específicos, sendo que diversos fatores interferem na qualidade do produto final. A espécie da canade-açúcar moída, o solo no qual a planta foi cultivada, a época da colheita, o tempo de fermentação e destilação, o período de envelhecimento e os tonéis em que a bebida é conservada e envelhecida são os principais elementos capazes de influenciar diretamente em seu sabor, e os únicos aditivos passíveis de serem acrescentados à garapa da cana são grãos de fubá ou de milho, os quais ativam a fermentação. O período entre os meses de julho e outubro é o mais propício para a colheita da cana, que deve ser realizada sem fogo para evitar a danificação do solo e o ressecamento da planta. Depois de cortadas e limpas, a cana é 153 levada para o engenho, aonde é moída, e o caldo derivado desse processo é coado, passa por uma peneira e cai em um cocho, no qual a garapa fermentará pelo tempo que for necessário. É só após o final da fermentação que a cachaça propriamente dita será produzida: transferido para o alambique, o “vinho” – como é conhecido o caldo fermentado – é destilado e produz líquidos de diferentes teores alcóolicos e qualidades de sabor. O primeiro a sair, a “cabeceira” ou “cabeça”, é extremamente forte; o intermediário, a “cachaça boa”, possui aproximadamente 18º de teor alcoólico e é adequada para ser conservada e envelhecida em tonéis, preferencialmente de madeira; por fim, a “água fraca” ou “cauda”, com apenas 12º de teor alcóolico, é guardada no cocho para ser reaproveitada na próxima destilação. Em Minas, a produção artesanal da cachaça é a maior do país. A enorme popularidade da bebida – o terceiro destilado mais consumido no mundo – é ainda mais significativa em alguns municípios, como na cidade de Salinas, no norte do estado, reconhecida como a capital mundial da cachaça. Além de abrigar um museu dedicado inteiramente à aguardente, de sua história às formas de produção artesanal, Salinas realiza um festival anual desde 2002, o Festival Mundial da Cachaça, no qual produtores dos mais de 60 rótulos disponíveis se reúnem para exibir suas bebidas e ter acesso a novas máquinas e equipamentos de destilação. Ademais, a cachaça de alambique mineira é Patrimônio Histórico e Cultural nacional, o que contribui para a sua valorização enquanto bebida típica e elemento indissociável da culinária mineira, em suas diversas formas e combinações. Cidade de Tiradentes 154 6. De Tiradentes para o mundo: a importância do Festival para a gastronomia mineira Após rodar o Brasil inteiro e alguns outros cantos do mundo, a equipe do Projeto Fartura – Comidas do Brasil descobriu o que muito mineiro já sabia: a gastronomia de Minas Gerais é uma das mais ricas e fartas do país. A diversidade de ingredientes, a criatividade dos pratos e a pluralidade de sabores se combinam à famosa receptividade do povo mineiro e à relevância desse setor para a economia, a história e a cultura do estado. E, a fim de celebrar a culinária mineira em suas muitas dimensões, o Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes – o maior evento gastronômico do Brasil –, para festejar seus 20 anos de existência em 2017, escolheu justamente Minas como tema principal. Pioneiro em festas desse tipo, o Festival de Tiradentes reúne chefs, produtores, representantes da indústria e o público interessado em culinária para promover o contato com receitas e cozinhas de diferentes regiões do país, além de divulgar oportunidades de redescobrir a diversidade gastronômica brasileira. Idealizado pelo Projeto Fartura, no qual uma equipe viaja por todo o Brasil para identificar novas facetas da cultura gastronômica nacional e organiza eventos nos estados de Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o Festival ocorre anualmente desde 1997, e transforma a cidade histórica de Tiradentes em um caldeirão de sabores, cheiros e histórias. A rotina já é conhecida em Tiradentes. No mês de agosto, a praça da Rodoviária recebe shows, estandes dos mais conhecidos restaurantes de Minas Gerais e chefs cozinhando ao vivo; o Largo das Forras, no centro do município, passa a ser chamada de Praça do Conhecimento e vira o endereço de aulas teóricas e interativas com grandes nomes da cozinha brasileira; restaurantes locais oferecem pratos e cardápios especiais, e atividades culturais pipocam em diferentes partes da cidade; e, a partir de 2017, um novo centro de atrações culinárias e musicais foi estabelecido: a Praça das Vertentes, assim denominada para ressaltar seu objetivo de valorizar a gastronomia e a cultura da mesorregião do Campo das Vertentes, na qual Tiradentes está localizada e que contém, ainda, parte da Serra da Mantiqueira e outros 35 municípios mineiros. Ao longo de suas décadas de existência, o Festival se baseia na combinação certeira entre cultura e gastronomia. Números divulgados pela plataforma do projeto Fartura indicam que mais de meio milhão de pessoas já participaram do evento, enquanto três mil profissionais estiveram por trás da programação de quase duas mil 155 atrações gastronômicas e outras novecentas artísticas. Selecionar a culinária mineira, em suas muitas variedades, para ser o núcleo temático do marco de vinte anos de duração do Festival vai além de um retorno às origens do evento. As expedições do Fartura – Comidas do Brasil evidenciaram como a cozinha das Minas é um aspecto fundamental da cultura do estado e também um importante motor econômico. O valor afetivo e cultural de cada ingrediente, como o queijo, a cachaça, o feijão e tantos outros, é potencializado quando estes são expostos em uma vitrine de visibilidade internacional, mas outro fator é destacado no âmbito do evento: o setor culinário e alimentício é uma fatia expressiva da economia mineira. Responsável por metade do café exportado pelo país em 2016 – logo, a maior região exportadora do grão no mundo, uma vez que o Brasil é a nação que mais o produz e vende –, Minas também estrutura roteiros turísticos em torno de atrações gastronômicas; confere certificados de origem e procedência a diversos produtos, sendo o segundo estado a mais fazê-lo no país; oferece cerca de 16 cursos na área em nível tecnológico; e já cadastrou aproximadamente 400 mil agricultores familiares em todo o seu território, cuja produção agropecuária entra de forma definitiva nas cozinhas espalhadas 156 pela região. A indústria agropecuária é forte no estado, que possui o segundo maior rebanho bovino do Brasil e é dos maiores produtores de milho, feijão, soja, cana-de-açúcar, arroz e, claro, café. Essa junção entre tradições artesanais e familiares e o crescimento da fronteira agrícola diversificam ainda mais as práticas culinárias e os recursos disponíveis para tanto. E, em uma região conhecida pela hospitalidade de seus moradores, a gastronomia fica mesmo na linha de frente de quem quer conhecer ou redescobrir Minas Gerais. O Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes é a culminação de séculos de criatividade e trabalho nas cozinhas mineiras. Ao ressaltar a importância do que já se tornou patrimônio histórico e cultural, o evento garante que as riquezas que saem dessas cozinhas não parem nas montanhas que cercam o estado. Receitas, técnicas, ingredientes, histórias, costumes e nomes atravessam as fronteiras geográficas para se fincarem em outras partes do país e, por que não, do mundo. A integração entre tantas experiências gastronômicas se mostra crucial para a manutenção de tradições, mas também para a criação de novos fazeres culinários – e, assim, Minas vai se reinventando, refazendo e trilhando novos caminhos, lado a lado dos já conhecidos. 7. Mineiríssima cozinha A primeira impressão do visitante que se aventura a explorar o Mercado Central de Belo Horizonte é a de aromas, cores e vozes de todos os matizes, preenchendo corredores de lojas, bancas e estandes que serpenteiam em um enorme espaço coberto. Os mais de quatrocentos estabelecimentos que fazem parte dessa instituição comercial, cultural e histórica da capital mineira atraem turistas, vindos do Brasil e de outras partes do mundo, e residentes da cidade, que veem o Mercado como um ponto de encontro. Entre os corredores dedicados ao comércio de ervas e especiarias, bebidas, queijos, frutas e doces, e as praças para as quais escoam vários desses caminhos, como a do abacaxi e a da feijoada, circulam pessoas que procuram produtos específicos para suas próximas receitas, querem encontrar amigos, ou desejam apenas conhecer a variedade de sabores que caracterizam as cozinhas de Minas Gerais. Afinal, o Mercado Central é um dos maiores símbolos da pluralidade e inventividade da culinária mineira, fruto das tantas influências responsáveis pela formação de uma cultura gastronômica singular. naugurado no dia 7 de setembro de 1929, o Mercado foi a solução encontrada pelo então prefeito Cristiano Machado para centralizar os núcleos de comércio e de abastecimento do município em um só ponto, bem no centro de Belo Horizonte, ao lado da praça Raul Soares. Em um terreno de aproximadamente 14 mil m 2 , o correspondente a 22 lotes, os feirantes se reuniram para fazer funcionar um mercado a céu aberto, onde o movimento constante e intenso seria também o endereço para encontros entre a população ainda pequena de 47 mil habitantes. E assim ele o foi por mais de trinta anos: barracas de madeira e carroças de transporte de alimentos dividiam o espaço com os muitos clientes, e, enquanto a cidade crescia, as atividades do mercado se dinamizavam. Porém, em 1964, a prefeitura, afirmando que a administração das feiras no mercado se tornara impossível, colocou o terreno à venda. Seria o fim do mercado, não fosse pela mobilização rápida dos comerciantes em uma cooperativa que adquiriu o imóvel e aceitou a condição imposta pelo prefeito de cobrir toda a área dos lotes em um único galpão. Foi então que o Mercado Central assumiu o rosto que hoje mostra ao mundo. Um imponente galpão coberto, e o endereço atual de tantos pontos de venda de produtos alimentícios, religiosos e de artesanato que oferecem um vislumbre da enormidade das Minas Gerais. As lojas em que se vendem queijos, doces e cachaças artesanais, ingredientes 157 para feijoadas e churrascos, e as espaçosas bancadas de hortifrutigranjeiros são, certamente, as atrações principais. Mercadorias facilmente reconhecíveis como tipicamente mineiras – goiabada, queijo minas, roscas e biscoitos – convivem facilmente com alimentos de outras origens, como os expostos em estandes dedicados às culinárias baiana e sírio-libanesa. Esse espírito de fácil convivência é, na verdade, uma das maiores marcas do Mercado Central: comerciantes de crenças e trajetórias completamente diferentes compartilham o mesmo espaço, com a intenção de oferecerem a um amplo público o acesso a tradições, costumes, saberes e histórias através da culinária, do artesanato, da religião e da interação cotidiana. Se perder pelos corredores não precisa de um motivo específico. Seja em busca de linguiças e farinhas para um feijão tropeiro, de generosas rodelas de queijo do Serro, ou para encontrar novas formas de apreciar a mineiríssima cozinha das Gerais, uma visita ao Mercado Central de Belo Horizonte pode se transformar em um ponto de partida (ou de chegada) para redescobrir o importante papel da culinária na construção da identidade cultural de um povo. A gastronomia mineira não pode ser definida apenas por um ou dois pratos ditos típicos, e tampouco vista como a síntese de tradições culinárias de uma única região. Variedade é uma das palavras-chave para 158 compreender as dimensões das influências e especialidades dessa cozinha. Identificar e delinear a cozinha típica mineira requer a percepção de que seus pratos, ingredientes e preferências gastronômicas não são únicos ou exclusivos. Antes, é preciso compreender que sua formação vem de um processo histórico reforçado por matizes culturais, econômicas e sociais das quais as influências das culinárias de outros povos, a abundância ou carência de recursos alimentares, a dificuldade de acesso a determinados produtos e a própria produção regional estão entre os elementos mais relevantes. As tais receitas típicas de Minas são aquelas que, a partir de ingredientes em sua maioria comuns no restante do país e técnicas por vezes assimiladas de outras cozinhas, esboçam um retrato saboroso de um estado e seus habitantes e, principalmente, refletem as circunstâncias e condições que estimularam a construção de um rico saber culinário. A gastronomia mineira, marcadamente plural e construída no limiar entre a tradição e a renovação, não é feita de feijão tropeiro, frango com quiabo, tutu à mineira, goiabada, doce de leite, cachaça artesanal e pão de queijo. Além desses sabores característicos, reconhecidos mundo afora como sendo invenção de uma gente que se fez entre montanhas de ouro, rios que mais parecem mares e estradas por onde passavam de contrabandistas a reis, as cozinhas de Minas Gerais trazem em si – nos seus utensílios, nos ingredientes, nas práticas e receitas – a história do estado, em um movimento de constante e quase contraditório de preservação, perpetuação e transformação. A história de Minas não terminou de ser escrita, assim como a sua culinária – ou melhor, as suas culinárias – não permanecerá a mesma. Com a chegada de imigrantes de tantas partes do mundo a partir do século XX e a busca dos mineiros por inovações culinárias em viagens por vários países, entraram nas cozinhas pratos sírios, como o quibe; italianos, nas macarronadas, lasanhas e pizzas; as sofisticadas receitas francesas, as importações norte-americanas e as distintas culinárias orientais. Sem mencionar o que atravessa as fronteiras regionais e vem do próprio Brasil, embora de partes significativamente diferentes, como o vatapá nordestino e as carnes sulinas. Mas, ao mesmo tempo em que o estado recebe novas influências e adiciona hábitos diferentes ao seu repertório de costumes, Minas exporta o seu modo de fazer, como propõe o Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes. As serras e montanhas deixaram de ser, afinal, barreiras intransponíveis. Hoje, a gastronomia mineira repercute cultural e economicamente no Brasil. Amplamente apreciada e facilmente reconhecível pelos ingredientes que utiliza e os sabores que cria, ela mantém aspectos constantes enquanto tece novas interpretações para a identidade de Minas Gerais. Sua essência está aí, no feijão com angu, no queijo e no frango ao molho pardo. Mais do que isso, porém, ela reside no saber que engloba todas essas receitas, registrado, guardado e repassado pelas competentes e criativas mãos de tantos mineiros e mineiras, as quais transformaram a falta em fartura e o trivial em símbolos de seu estado. Referências BARCALA, Paulo; LUVI, Katia. Doces memórias de São Bartolomeu. Ouro Preto: ADAF, 2014. Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes. Fartura. Disponível em: <http://farturabrasil.folha.uol.com. br/blog-festivais/fartura-tiradentes/>. Acesso em 06/09/2017. FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1966. História. Mercado Central. Disponível em: <http://mercadocentral.com.br/ sobre/>. Acesso em 06/09/2017. 159 IPHAN. Queijo artesanal de Minas – Patrimônio Cultural do Brasil. Dossiê interpretativo. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ ckfinder/arquivos/Dossie_modo_ fazer_queijo_minas.pdf>. Acesso em 06/09/2017. NUNES, Maria Lúcia Clementino; NUNES, Márcia Clementino. História da arte da cozinha mineira por Dona Lucinha. Belo Horizonte: ed. da autora, 2001. Press Release. Fartura. Disponível em: <https://drive.google.com/ drive/u/0/folders/0B4qL7eGIJf0UjQ5dWhtX01MdnM>. Acesso em 06/09/2017. ROCHA, Déa Rodrigues da Cunha. Os comes e bebes nos velórios das Gerais e outras histórias. São Paulo: Auana Editora, 2008. Sobre o Fartura – Comidas do Brasil. Fartura. Disponível em: <http:// farturabrasil.folha.uol.com.br/ sobre/>. Acesso em 06/09/2017. 160 161 O Porta l Bra sil Esp ortes por Bruno Viveiros Martins história da difusão do esporte em Minas Gerais está ligada diretamente à construção de Belo Horizonte, em 1897. A cidade, no contexto da modernização política e econômica promovida pelo regime republicano em fins do século XIX, seria o polo irradiador de uma nova identidade cultural. As várias práticas esportivas – principalmente, o futebol – colaboraram com esse propósito tornando-se, ao longo de todo o século XX, um dos fatores de coesão social na medida em que a própria capital mineira consolidou-se no cenário nacional como um dos principais centros urbanos do país. A 1. O Ciclismo e o Turfe O primeiro espaço destinado ao esporte em Belo Horizonte foi o Parque Municipal. Localizado na Avenida Afonso Pena, no centro da cidade, em sua planta original, constava a construção de um velódromo para o ciclismo. Essa modalidade esportiva mobilizou a pequena população da nova capital de Minas Gerais em seus primeiros anos. As corridas de bicicleta eram a principal atração nos finais de semana e feriados. As elegantes famílias reuniam-se para admirar o movimento rápido dos ciclistas pelas alamedas do parque. 163 O alvoroço era grande quando um deles perdia o equilíbrio indo ao chão em meio às gargalhadas, gritos de surpresa e frases de apoio. Seu grande incentivador foi o engenheiro Fernando Esquerdo, o primeiro a possuir uma bicicleta em Belo Horizonte. Por volta de 1896, o modelo Cleveland, no qual Esquerdo era visto pedalando pelas ruas de terra era uma das coisas mais “chics” entre a mocidade aristocrática da capital. Com o tempo, essas “máquinas” passaram a ser um investimento de toda a família. Segundo cronistas da época, era comum ver “moços, velhos, senhoras e senhoritas da melhor sociedade” se exercitando com a maior elegância em cima de duas rodas pela cidade à fora. Fernando Esquerdo foi também um dos fundadores do Velo Club, entidade criada com o objetivo de desenvolver o gosto pelo esporte e garantir a diversão e distração dos belorizontinos em um momento em que a cidade ainda não oferecia grandes afazeres para seus habitantes nas horas vagas do trabalho ou dos estudos. Vinte e seis entusiastas do chamado sport-byciclettico compareceram à reunião de fundação no dia 24 de junho de 1898. A notícia ganhou as páginas dos jornais. A partir daí seriam organizadas corridas periódicas na pista construída no Parque Municipal. 164 A corrida inaugural ocorreu poucos dias depois em 25 de julho, às 16 horas, com presença da banda militar e grande número de espectadores que lotaram as arquibancadas. Foram disputados três páreos, vencidos respectivamente pelos ciclistas Lucifer, Hefeslo e Nelumbro, transformados instantaneamente nos primeiros ídolos do esporte da cidade. O turfe foi a outra modalidade esportiva a causar sensação nos primórdios da de Belo Horizonte. A primeira referência publicada nos jornais sobre o encontro motivado pelo esporte noticia, em 1895, a fundação do Club Sportivo 17 de Dezembro. A nota dava conta de que a associação criada, em sua maioria, pelos membros da Comissão Construtora nomeada para coordenar as obras da nova capital de Minas Gerais iria dedicarse ao turfe. Infelizmente, são poucas as informações sobre esse clube. Sabe-se que teve uma duração efêmera, realizando corridas de cavalos em uma pista improvisada nas imediações das ruas Guarani, Tamoios e Avenida São Francisco, atual Olegário Maciel. Contudo, segundo a planta original da cidade, estava prevista a construção de um hipódromo na IV Secção suburbana da cidade, em uma esplanada entre o bairro do Barro Preto e o subúrbio do Calafete. Sua construção teve inicio, em 1906, com o capital privado da Sociedade Anônima Prado Mineiro, fundada em outubro de 1904, entidade que deixava clara a intenção de construir um grande empreendimento voltado para a prática esportiva, além é claro, do interesse nos negócios que poderiam ser promovidos em torno das corridas de cavalo. Uma comissão de acionistas foi logo eleita para tratar com a Prefeitura as condições para a construção do hipódromo que passou a ser conhecido como Prado Mineiro, na rua Platina, onde hoje está localizado um batalhão da Polícia Militar. Contudo, foi a própria entidade que construiu as instalações e passou a gerir o espaço em questão. Foram promovidas várias estratégias para divulgação e popularização dos eventos ligados ao turfe na cidade. Passada a euforia inicial, a população belo-horizontina não se sentiu muito motivada pelo esporte apesar dos esforços da diretoria da Sociedade Prado Mineiro. Com o tempo, as arquibancadas da rua Platina passaram a receber outro público ávido por acompanhar outro tipo de espetáculo esportivo. A partir desses mesmos anos, o futebol se tornaria o esporte mais popular da cidade. 2. Educação Física Em Minas Gerais, a cultura esportiva ganhou maior a atenção do Estado apenas na década de 1930. Somente a partir do governo de Getúlio Vargas temos uma aproximação mais intensa entre as políticas públicas e o esporte. As primeiras intervenções no debate em torno dos exercícios físicos e práticas esportivas tiveram início, porém, em 1927, com a criação da Inspetoria de Educação Física. A entidade visava o aprimoramento de programas de “cultura física” não resumindo esse conceito ao sentido de cultivar a anatomia ou o culto à boa forma física. Era preciso, portanto, alargar seu escopo para abarcar o lazer e a recreação como atividades ligadas a uma educação do corpo, principalmente em se tratando de crianças e jovens. A aplicação desses novos ideais ganhou força a partir de uma série de medidas apresentadas pela Reforma de Ensino Francisco Campos, de 1931. A ideia era promover nos estabelecimentos de ensino uma maior aproximação dos alunos aos jogos e experiências coletivas em oposição aos tradicionais métodos ginásticos difundidos até então. Essa orientação já vinha sendo implementada gradativamente, por exemplo, com a substituição da denominação da disciplina “Gymnastica” por “Educação Physica” nas escolas normais. 165 O método da Ginástica compreendia os exercícios físicos individuais praticados segundo a orientação sueca, país que disseminou sua importância nas escolas. Essa redefinição da política educacional pela priorização dos jogos coletivos atendia a preocupação de disseminar, durante o processo de ensino de crianças em idade escolar, uma primeira inserção dos futuros cidadãos em experiências sociais como cooperação, solidariedade, ajuda mutua. Esse aprendizado não se restringia ao âmbito do esporte. Seus resultados deveriam ser sentidos na vida social de um modo geral. A proposta apostava na capacidade da escola enquanto instituição promotora da organização e da disciplina também em relação ao mundo do trabalho em termos de eficiência, eficácia, resistência e produção, resultados aprendidos durante a vivência coletiva proporcionada pela Educação Física. O objetivo da Inspetoria de Educação Física era organizar e regular não apenas as atividades, exercícios, jogos nas escolas de acordo com o desenvolvimento físico e cultural de crianças e jovens, como também instruir e orientar os professores através de cursos de formação e aperfeiçoamento profissional. Segundo o projeto inicial, para promover a Educação Física no Estado era necessário ainda investir em infraestrutura 166 como praças de esporte em lugares convenientes para atender todos os alunos do ensino público na capital e nas cidades do interior. Esses locais seriam equipados com a aquisição de aparelhos e materiais e contariam com o acompanhamento de uma Inspetoria Médica e corpo de instrutores de escotismo. Cada um desses espaços seria administrado por um auxiliar designado pela própria Inspetoria de Educação Física. A primeira praça de esporte a sair do papel foi o Parque Olegário Maciel inaugurado apenas em 1933 para atender aos grupos escolares Caetano Azeredo e Francisco Sales localizadas na rua Guajajaras no bairro do Barro Preto. No ano seguinte, o projeto Inspetoria de Educação Física já apresenta sinais de desamparo governamental com um pesado corte de verbas em sua receita até a sua extinção formal em 1937. Não sem antes render importantes frutos para a prática esportiva de Minas Gerais. A extinção do órgão aconteceu um mês após a inauguração de uma organização que se tornou, ainda hoje, modelo da prática esportiva no Estado: O Minas Tênis Clube. 3. Minas Tênis Clube (1937) O Minas Tênis Clube (MTC) fundado em 15 de novembro 1935. Sua praça de esportes inaugurada em 27 de novembro foi de foi de 1937 pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em um terreno destinado originalmente ao Jardim Zoológico na rua da Bahia, zona sul da capital mineira. O clube foi arrendado a um grupo da elite econômica e política com fortes relações com o poder governamental que se comprometeu a assumir a defesa dos valores agregados pelo Estado ao esporte considerados fundamentais como: o progresso, o bem-estar e o a p e rf eiçoa mento social. Segundo as palavras do próprio presidente Getúlio Vargas, em discurso proferido durante a solenidade de abertura das atividades do clube: “O Tênis Clube é uma instituição b e n e m é r i t a , colaborando com o governo de Minas Gerais, de um modo eficiente e patriota, na educação da juventude”. O Minas Tênis Clube representou uma nova experiência não apenas esportiva, mas também social. Sua inserção na história de Belo Horizonte configura um novo estilo vida comprometido com a modernidade tão caro ao projeto de construção da capital projetada como centro organizador e difusor de uma identidade cultural ligada ao dinamismo, desenvolvimento e modernização de Minas Gerais. O Minas Tênis nasceu com a proposta de formar os futuros professores e monitores aptos para a promoção da Educação Física, realizando cursos de treinamento desses profissionais que iriam atuar nas praças de esportes e colégios da cidade em uma época em que ainda não havia faculdade de Educação Física no Estado. Entre suas atribuições, o MTC se responsabilizava por expandir a cultura física com base nos valores morais como a ordem, disciplina, obediência e civismo, bem ao estilo do projeto político do governo varguista que identificou no setor esportivo um espaço de intervenção do Estado na educação dos cidadãos. Foi definido por estatuto que o Minas Tênis Clube possui autonomia total em sua gestão. Ainda assim, o presidente do clube seria indicado por livre escolha do governador de Minas Gerais. A ressalva em sua legislação assegurava a permanência dos interesses estatais na instituição, visando sua colaboração com a Secretaria de Educação e Saúde Pública como a criação, por exemplo, de cursos populares de esportes específicos para crianças 167 não sócias. Os exercícios físicos seriam, portanto, grandes aliados do Estado no sentido de fomentar a construção de uma nova ordem política e social com base no papel do poder público de construir um país formado por cidadão saudáveis, aptos a enfrentar o cotidiano da vida moderna e, principalmente, dispostos a colaborar com os interesses cívicos apresentados pelo Governo Vargas ao Brasil. Nesse sentido, o corpo de cada cidadão deveria ser a própria imagem da nação. Em seus mais de oitenta anos de existência, o Minas Tênis Clube tornouse uma das instituições esportivas mais respeitadas do Brasil. Ele é uma referência nacional na criação de talentos em diversas modalidades como vôlei, natação, judô, basquete, futsal, ginástica artística, ginástica de trampolim. Nesse período, seus atletas acumularam várias participações em jogos olímpicos, além de vitórias nos diversos campeonatos em disputa. Um bom exemplo foi a campanha dos minastenistas na temporada 2001/2002 da Liga Nacional de Vôlei. Ele foi o único clube na história do país a vencer o torneio nas modalidades feminina e masculina em uma mesma edição. Em 2007, ano que seu time de basquete venceu o Campeonato Sul-americano, o clube saía vitorioso também nas quadras de futsal ao conquistar a Taça Brasil, uma das competições de grande importância do esporte especializado. Já nas 168 quadras de tênis, o Minas Tênis Clube revelou esportistas de renome internacional como André Sá, Bruno Soares e Marcelo Melo. Na natação, um dos destaques é Cesar Cielo, campeão olímpico, em Pequim, em 2008. A estrutura do clube conta, atualmente, com a Unidade Minas Tênis Clube I, Minas Tênis Clube II, Minas Tênis Country Clube e o Minas Tênis Náutico Clube, além da Arena Minas Tênis Clube, um ginásio com quadra poliesportiva, arquibancadas fixas e retráteis com capacidade para, aproximadamente, quatro mil pessoas construída em uma área de sete mil metros quadrados. 4. Futebol Segundo registros oficiais, a primeira partida de futebol disputada em Belo Horizonte de que se tem notícia foi realizada no dia três de outubro de 1904 por um grupo de garotos em um campo na rua Sapucaí no bairro Floresta. Quatro meses antes, no dia dez de junho, eles haviam fundado o Sport Club Foot-ball por iniciativa de Victor Serpa, jovem recém-chegado à cidade, no ano anterior, para ingressar na Faculdade de Direito. Nascido no Rio de janeiro, o estudante aprendeu a jogar futebol durante uma viagem a Suíça. Naquela tarde, os garotos do mesmo time se dividiram em dois quadros – Colombo e Vespúcio –, pois o clube ainda não tinha rival que pudesse enfrenta-lo no campo de jogo. O resultado final foi 2X1 para o quadro liderado por Victor Serpa contra o de Oscar Americano, um cirurgião-dentista. Os dois times eram formados, em sua maioria, por acadêmicos, professores, grandes comerciantes e filhos de altos funcionários do Estado. A partir daí, foram fundados outros clubes sempre por jovens pertencentes à elite belo-horizontina interessados na prática do esporte. Os primeiros times da cidade como Juvenil, Plínio, Atlético Mineiro (que não tem relação com o atual), Brasil, Yale, Esperança, Jose de Alencar e Estrada (esse último trocou seu nome para Viserpa em homenagem ao principal incentivador do esporte na cidade após seu falecimento) tiveram uma existência efêmera. Seus integrantes eram, em grande parte, estudantes oriundos de diversos lugares do Estado, assim como a própria população da nova capital de Minas Gerais em seus primeiros anos de existência. Por essa razão, os laços sociais eram ainda muito tênues e o universo social bastante limitado. Nesse contexto, os jogos eram geralmente disputados no período escolar. Já durante as férias ou mesmo nas longas temporadas de chuvas que tornava os campos impraticáveis, o esporte era deixado de lado e os clubes ficavam inativos. Victor Serpa voltou para o Rio de Janeiro. Ele, contudo, deixou plantado no coração dos mineiros o entusiasmo pela prática do chamado “esporte bretão”. Criado na Inglaterra, o futebol se adequava ao gosto das elites por oferecer feições cosmopolitas à nova capital, cuja juventude ansiava por práticas que possibilitassem uma integração social entre seus próprios membros, desde que estivessem em diálogo direto com a cultura europeia. Dessa forma, para fazer parte de uma agremiação esportiva, era necessário ser aprovado por seu estatuto que, invariavelmente, reproduzia os padrões hierárquicos da ordem vigente. A partir da década 1910, após idas e vindas entre períodos de grande interesse e perda de visibilidade nos jornais, da criação e dissolução de diversas agremiações e da tentativa de fundar uma liga capaz de organizar campeonatos regulares; o futebol conseguia movimentar um contingente considerável de interessados em uma época em que ele praticado apenas por setores privilegiados economicamente. Até então, apenas as famílias abastadas da sociedade frequentavam os espaços de lazer como o Parque Municipal e os campos de futebol. Já no início da década, a imprensa passava a publicar com mais frequência, notícias e crônicas 169 sobre a difusão do esporte em Belo Horizonte, Ouro Preto, Nova Lima, Juiz de Fora, Sete Lagoas, Barbacena entre outras cidades. Inclusive com a realização de partidas contra clubes de outros Estados. Em 1914, foi realizada a Taça Bueno Brandão, considerada a primeira competição de futebol da cidade. Seu nome homenageia o então governador Júlio Bueno Brandão. Ela foi disputada pelos três clubes mais estruturados da capital: Yale, América e Atlético, sendo este último o vencedor. O evento foi muito comemorado, pois a primeira tentativa de organização de uma competição oficial datava de 1904. Contudo, não havia ainda naquele momento inicial um sentido organizativo e tampouco um espírito competitivo que animasse a rivalidade entre os primeiros clubes da cidade. Dessa forma, as notícias publicadas nos jornais da época são insuficientes para saber quem foi o campeão ou mesmo se o campeonato de 1904 foi disputado até o final. Foram necessários, portanto, dez anos até que fosse criada a Liga Mineira de Esportes Atléticos, rebatizada posteriormente Liga Mineira de Desportos Terrestres, entidade responsável por oferecer maior legitimidade para a prática do esporte. Em 1915, a LMEA reuniu as agremiações associadas e organizou 170 o primeiro campeonato oficial da cidade disputado por América, Yale, Higiênicos, Cristóvão Colombo e Atlético, que novamente sagrou-se campeão. A partir daí a Liga ganharia novos sócios e o campeonato seria disputado ano a ano por clubes de todo o Estado como o Villa Nova de Nova Lima (1908), Tupi de Juiz de Fora (1912), Atlético de Três Corações (1913), Democrata de Sete Lagoas (1914), Uberaba (1917) entre vários outros. Segundo os pesquisadores, calculasse que entre as décadas de 1910 e 1920, quase uma centena de clubes de futebol tenha surgido e desaparecido precocemente apenas em Belo Horizonte. Esse dado demonstra o grande interesse adquirido pelo futebol, que se tornou desde então o esporte mais popular do Brasil, como é conhecimento de todos. Por outro lado, informa também o grau de dificuldade encontrado por seus adeptos em torno da organização e da manutenção da maioria dos times fundados, principalmente, nas áreas suburbanas devido aos critérios seletivos adotados pela Liga de Desportos Terrestres que inviabilizou o fortalecimento de um maior número de agremiações dispostas a participar do campeonato. Isso não impediu que o futebol, ganhasse nos anos seguintes contornos cada vez mais democráticos e participativos, extrapolando as dimensões do campo esportivo ao envolver aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos à trajetória das associações. A partir da década de 1930, Belo Horizonte passa por um maior crescimento demográfico. A capital planejada para ser o centro político e administrativo de Minas Gerais aos poucos modifica sua face ganhando mais diversidade. A sociedade adquire complexidade com a chegada de novos atores sociais. A cultura torna-se mais presente na vida da cidade com a entrada em cena de literatos, jornalistas, artistas. Em 1933, após uma fase de transições, polêmicas e discussões, os clubes mineiros – com a exceção do América – aderem definitivamente ao profissionalismo, seguindo a corrente dominante em todo o país decorrente da popularização do futebol entre os diferentes grupos sociais. Os defensores do amadorismo justificavam seu posicionamento com base no argumento de preservar uma suposta “essência romântica” do esporte. Essa visão segregacionista refirmava o futebol como prática exercida por uns poucos privilegiados em contraposição à sua disseminação em toda a sociedade. No entanto, o futebol começa a ser jogado por um conjunto muito mais amplo de pessoas que passaram a ser remuneradas e poderiam ascender socialmente através de sua habilidade com a bola nos pés. O resultado mais imediato das transformações sofridas pelo futebol em Minas Gerais, após a mudança definitiva para o profissionalismo, foram os quatro títulos conquistados entre 1932 e 1935 pelo Villa Nova Atlético Clube, fundado em 1908, por operários e mineradores da Saint John Del Rey Mining Company Limited, na cidade de Nova Lima. Durante muito tempo, o time alvirrubro foi praticamente imbatível no estádio Municipal Castor Cinfuentes, que ficou famoso como o “Alçapão do Bonfim”, em referência ao bairro da cidade metropolitana onde ele está localizado. O Villa Nova foi o clube que se adaptou mais rapidamente ao profissionalismo. O exemplo foi seguido pelo Esporte Clube Siderúrgica, campeão mineiro de 1937, também fundado por operários, na cidade de Sabará, que trabalhavam na Usina Siderúrgica Belgo-Mineira. A empresa patrocinava o “esquadrão de ferro”, como o time passou a ser conhecido na época em que rivalizava com os grandes da capital. Na verdade, times como o Villa Nova já vinham se fortalecendo mesmo antes do profissionalismo, pois contavam com os “operáriosjogadores”, ou seja, empregados da indústria que recebiam regalias em relação aos demais trabalhadores para dedicar-se, inclusive, de forma exclusiva aos treinos e jogos de seus times de futebol. 171 Um fator determinante para a popularização do futebol e seu enraizamento no imaginário popular nas décadas de 1930 e 1940 foi a imprensa que, nesse período, passava por uma fase de modernização em termos de linguagem, projetos gráficos, direção empresarial, qualidade técnica. A imprensa esportiva, por sua vez, passa a apostar em um noticiário mais vibrante com manchetes provocativas, texto mais accessível com ênfase na atuação dos times, na carreira pessoal dos principais craques e na emoção vivida pelos torcedores a cada grande jogo. Nesse contexto, o rádio passa a ser fundamental para o futebol, com a criação das rádios Inconfidência e Guarani em 1937. Nessa última, despontou álvaro Celso Trindade, conhecido como Badaró, o primeiro grande narrador de futebol da cidade no programa Esportes pela Antena, pioneiro do jornalismo esportivo. Foi, contudo, a partir de 1945 que Fernando Pieruccett, um dos introdutores das tendências modernistas nas artes plásticas em Minas Gerais e vencedor da primeira exposição de arte moderna realizada em Belo Horizonte (o Salão Bar Brasil de 1936) começa a mudar a história da imprensa esportiva. Ilustrador e caricaturista, Pieruccett marcou época ao inventar, nas charges do jornal Folha de Minas, os mascotes de todos os times do Estado. Utilizando 172 o codinome “Mangabeira”, ele criou aproximadamente noventa personagens que ainda hoje simbolizam os clubes mineiros. Seus desenhos antropomórficos chamaram a atenção dos leitores pelo traço moderno com que misturava, conforme as circunstancias, a fauna brasileira com a linguagem das revistas em quadrinhos; as fábulas de Esopo e La Fontaine com os acontecimentos esportivos do momento; a modernização urbana promovida durante a gestão do então prefeito Juscelino Kubitschek (19401945) com os saberes e tradições do interior mineiro. O olhar perspicaz e a linguagem original do artista sintetizaram com extrema eficácia as marcas características, as simbologias e, principalmente, a identidade construída entre os clubes e suas torcidas. Com o tempo, galo, coelho, raposa, leão, tartaruga, jacaré, zebu entre tantos outros passaram a ser sinônimos dos times mineiros. 4.1. Clube Atlético Mineiro (1908) O Atlético foi fundado no dia 25 de março de 1908 por vinte e dois estudantes, com média de 18 anos de idade, em uma reunião no coreto do Parque Municipal. Belo Horizonte, fundada em 1897, tinha apenas onze anos de existência. A prática esportiva foi a experiência responsável por criar laços de sociabilidade entre jovens nascidos em diferentes lugares, mas também um vínculo de identidade e pertencimento à nova capital do Estado. Seu primeiro jogo foi disputado, em 1909, contra o pioneiro Sport Club, criado por Victor Serpa, e vencido pelo placar de 3X0, sendo de Anibal Machado, futuro escritor e integrante do movimento modernista mineiro, o primeiro gol marcado pelo clube em sua história. O Atlético é o time de futebol há mais tempo em atividade em Minas Gerais. Seus fundadores eram todos filhos de famílias ricas e influentes que frequentavam as “peladas” nas imediações da avenida Afonso Pena. O primeiro campo, de tamanho irregular, foi um terreno na rua Guajajaras, entre São Paulo e Curitiba doado pela Prefeitura, fato que revela as boas relações dos rapazes com os círculos do poder. Em 1912, esse espaço seria trocado pelo quarteirão na Avenida Paraopeba (atual Augusto Lima) entre as ruas Curitiba e Santa Catarina onde se localiza o prédio do Minascentro. Os títulos da Taça Bueno Brandão de 1914 e do Campeonato da Cidade, em 1915, fizeram com que o clube ganhasse confiança, respeito perante os adversários e prestígio entre os torcedores. Contudo, seriam necessários mais dez anos para que o Atlético levantasse outro troféu. Nesse período, todos eles foram conquistados pelo América, seu maior rival até a década de 1950, quando o embate entre os dois clubes era denominado pela imprensa esportiva de “clássico das multidões”. Entre os anos 1920 e 1930, a economia do Estado, até então de base agrícola, passa a se diversificar. A capital assume de vez a condição de importante polo econômico da região Sudeste com a instalação de bancos, pequenas indústrias nas imediações da Praça da Estação, primeiras fundições e siderúrgicas nos municípios vizinhos, além da expansão da rede viária e ferroviária. O adensamento da população faz a cidade crescer para todos os lados, transbordando a Avenida do Contorno, limite entre a área central e a periferia. Belo Horizonte sofre um crescimento habitacional acelerado e desordenado de 55 mil habitantes em 1920 para 140 mil nos anos 1930. Em 1929, o clube trocaria de endereço novamente ao inaugurar 173 o Estádio Presidente Antônio Carlos na Avenida Olegário Maciel. Ele também era conhecido como “Estádio de Lourdes”, nome do bairro onde foi construído. No local, hoje, funciona um shopping center. Nesse campo, o Atlético venceu, em 1936, o “Torneio dos campeões”, primeira competição nacional de clubes profissionais do país. Organizado pela Federação Brasileira de Futebol (FBF), o torneio foi disputado pelos campeões dos Estados de São Paulo (Portuguesa), Rio de Janeiro (Fluminense), Espirito Santo (Rio Branco) e Minas Gerais (Atlético). O título fez crescer a popularidade do clube, tido por seus torcedores como “orgulho do esporte nacional”. Segundo registros da época, o time levava cada vez mais público ao seu estádio com médias superiores a dez mil pessoas. Além disso, solidificou a fama de se impor perante os times do eixo Rio-São Paulo, principais praças esportivas que centralizavam diversos outros aspectos da cultura no país. No início da década de 1930, período de transição do amadorismo ao profissionalismo, o Atlético abre seus quadros para a entrada de atletas de diferentes camadas sociais sem restrições de origem, cor ou condição econômica. A estratégia fez com o time ganhasse mais competitividade no campo de jogo, além de ser decisiva para conquistar novos torcedores em amplos setores, consolidando assim sua imagem de 174 clube eminentemente popular, dono de grande torcida. Em 1950, o Brasil perdeu a Copa do Mundo na final disputada contra o Uruguai em pleno estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. A Seleção Brasileira, considerada favorita ao título, precisava apenas do empate, mas foi vencida por 2x1 de virada. Segundo Nelson Rodrigues, com a perda da Copa, no dia 16 de julho, o fantasma do maracanazo passou a assombrar os brasileiros que, desde então, sofriam também a “síndrome de vira-latas”. Nesse mesmo ano, o Atlético foi o primeiro clube de Minas Gerais a realizar uma excursão pela Europa, ainda em reconstrução desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Segundo os críticos, essa era uma ousadia imperdoável que poderia desmoralizar ainda mais o esporte brasileiro. Para os atleticanos, era uma chance de vingar a fama do nosso futebol. Na oportunidade, o time alvinegro estreou nos gramados do velho continente, jogando na Alemanha, áustria, Luxemburgo, Bélgica e França. Nesse último país, a delegação atleticana foi recebida no consulado brasileiro, em Paris, pelo então diplomata João Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo que lançaria, em 1958, o romance “Grande Sertão: veredas”. O retrospecto positivo nos dez jogos disputados (seis vitórias, dois empates e duas derrotas) fez com que seus jogadores fossem recebidos na Praça da Estação, em Belo Horizonte, por milhares de pessoas e saudações aos “Campeões do gelo”. Alusão às baixas temperaturas enfrentas durante os meses de novembro e dezembro no continente europeu. Para os torcedores que assistiram, poucos meses antes, uma das derrotas mais dramáticas da seleção de seu país, o título simbólico conquistado no exterior era um motivo de orgulho que merecia entrar para o hino do clube. Pouco antes, em 1945, o Atlético passou a ser conhecido como o “galo”, devido ao sucesso do mascote criado por Fernando Pieruccetti. O artista escolheu esse animal devido à coloração da raça carijó, semelhante às cores preta e branca dispostas em listras verticais da camisa que, segundo o escritor Roberto Drummond, quando pendurada no varal em dias de tempestade, faz o atleticano torcer “contra o vento”. Naquela época, as rinhas de galo eram muito populares em todos os cantos da cidade. A ave é um conhecido emblema da vigilância diante dos perigos. Seu canto anuncia o nascer do dia, dissipando os pavores noturnos. A crista alta é um signo de altivez, enquanto as esporas simbolizam coragem e persistência frente às adversidades. Ele é tido como teimoso e bom de briga, sendo por natureza, o dono do terreiro. Ou seja, possuía todos os atributos necessários para conquistar o público. Depois que o mascote passou a frequentar as charges de Mangabeira, nenhum atleticano jamais deixou de gritar “galo!” em comemoração a um gol do seu time de coração. 4.2. América Futebol Clube (1912) O América foi criado por garotos com média de treze anos de idade que praticavam o futebol nos arredores na Rua da Bahia. A ideia de criar um clube começou a ganhar força a partir de uma primeira reunião realizada, no dia 30 de abril de 1911, embaixo de uma árvore na esquina da rua dos Timbiras, principal ponto de encontros do grupo. Outras reuniões se sucederam no Parque Municipal, em suas próprias residências e, até mesmo, no Palácio da Liberdade, já que dois de seus fundadores eram filhos de Júlio Bueno Brandão, governador entre 1910 e 1914. 175 A fundação oficial ocorre, no entanto, exatamente um ano mais tarde em uma reunião na casa de José Gonçalves, secretário de Agricultura do Estado e pai de outro de seus fundadores. A maioria dos meninos era estudante do conceituado Colégio AngloMineiro, instituição responsável pela difusão da cultura estadunidense em Belo Horizonte. Suas aulas eram ministradas em inglês por professores norte-americanos. O primeiro uniforme foi uma adaptação da camisa de malha e calções brancos de ginástica utilizados nos exercícios físicos da escola com uma faixa verde costurada sem padrão de largura ou comprimento. A segunda camisa, confeccionada, posteriormente seria listrada em verde e branco. As cores foram registradas em seu estatuto, assim com a proibição da entrada de maiores de quatorze anos no clube. Não existem registros oficiais das primeiras partidas realizadas pelo time devido à desorganização inicial resultante, inclusive, da baixa faixa etária de seus componentes. Sabe-se que os três primeiros anos foram de insucessos ainda que seus adversários em muitas oportunidades fossem ainda meninos como eles próprios. O clube, aliás, não possuía um campo próprio para treinamentos e disputa das partidas. Passada essa primeira fase, o América consegue se estruturar, elevando-se à condição de maior clube de Minas Gerais, nas 176 duas primeiras décadas do século XX. Seu domínio nos gramados do Estado foi incontestável entre 1916 e 1925 quando se sagrou deca campeão mineiro, a maior série consecutiva alcançada por um time de futebol no Brasil ainda hoje. Essa reviravolta tem início em 1913. Por iniciativa de Olinto Meireles, então prefeito de Belo Horizonte (o mesmo que doou um terreno ao Atlético) e presidente de honra do Minas Gerais, clube em vias de extinção devido às dificuldades financeiras. Em troca do pagamento de suas dívidas, o América seria reforçado por seus atletas além de ocupar um campo, cedido pela prefeitura, em boas condições na avenida Paraopeba, atual Augusto de Lima, no quarteirão onde está localizado hoje o Mercado Central. Nesse mesmo ano, vários integrantes do Atlético passariam a defender as cores americanas após uma dissidência em seu clube. No dia sete de setembro, o América inaugura seu primeiro campo exatamente em frente ao do seu maior rival e sobre o qual estabeleceria a primazia no futebol mineiro nos anos seguintes. Marcando essas transformações decisivas em sua história, o clube altera seu estatuto adotando também a cor preta em seu uniforme, disposta principalmente, em seu calção de jogo, além de liberar o acesso de integrantes maiores de idade. Após esse novo período de adaptações o América inicia sua trajetória de importantes conquistas. Em 1922, o campo da Avenida Paraopeba é transformado em uma praça de esportes, ganhando arquibancadas de madeiras com e sem cobertura com capacidade para cinco mil pessoas, além de quadras de tênis, vôlei e basquete. A hegemonia do clube alviverde em Minas Gerais, que não se resumia apenas aos troféus, mas também em termos de estrutura e organização, chegaria ao fim somente na década de 1930. Pouco antes, em 1926, tem início uma fase do futebol mineiro conhecida como “amadorismo marrom”. Ou seja, os clubes passavam a reforçar seus elencos “contratando” jogadores sem declarar o pagamento de salários, mas fazendo ofertas atrativas como o custeio dos estudos, cargos públicos, empregos em casas comerciais, moradia, alimentação e mesmo dinheiro. O único a recusar esse subterfúgio foi o América que pagou um alto preço por isso. Enquanto adversários como Atlético, Palestra Itália e Villa Nova renovavam seus quadros com os melhores atletas em atividade no momento, o time sofria uma defasagem técnica que mergulhou o clube em um jejum de vinte e três anos sem títulos que durou até 1948. Além disso, a própria imagem do América sofria o estigma do clube pertencente a uma pequena “elite”, presa ao passado, com dificuldades de acompanhar a modernização e, principalmente, a popularização do futebol. O deca campeonato havia lhe alçado a uma condição invejável, não apenas em termos de respeitabilidade no meio esportivo como também pela constituição de um grande número de torcedores sempre orgulhos de suas conquistas. Talvez, essa mesma condição tenha feito com que seus dirigentes fechassem seus olhos para os novos rumos que o futebol e a própria dinâmica social adquiriam com o tempo. Ainda assim, em 1928, o América inaugura seu segundo estádio na avenida Araguaia, atual Francisco Sales, onde hoje funciona um hipermercado. A troca de endereço ocorre em permuta com a Prefeitura que desmembrou parte do Parque Municipal para a construção da área hospitalar, região da cidade que também abrigou o Estádio álvaro Celso da Trindade, mais conhecido como o “Campo da Alameda”, no bairro de Santa Efigênia. Em 1933, o América recusou-se a aderir ao profissionalismo. Como protesto, ele altera suas cores novamente, passando a jogar de camisas vermelhas e calções brancos até 1942, ano em que a agremiação passa a contar, enfim, com jogadores profissionais em seu elenco. Seis anos mais tarde, os americanos conquistam seu primeiro título no regime do profissionalismo. O estádio 177 havia passado por uma grande reforma (denominando-se a seguir Otacílio Negrão de Lima), fato que parece ter trazido nova motivação ao time que venceu no jogo decisivo, justamente, o Atlético, seu velho rival dos tempos da Avenida Paraopeba. Essa foi a primeira vez que o “coelho” enfrentaria o “galo” em uma final de campeonato. Contudo, o primeiro mascote desenhado por Fernando Pieruccetti para o América foi o Pato Donald. A escolha inicial pelo personagem mais encrenqueiro e turrão de Walt Disney se deve aos enfrentamentos entre o América e a Federação Mineira que se arrastavam desde os tempos do “amadorismo marrom”. A opção não agradou os torcedores que escreveram várias cartas para a redação do jornal Folha de Minas, tecendo severas críticas às charges de Mangabeira. Segundo consta, nem mesmo o artista ficou satisfeito. Ele logo tratou de criar outro personagem mais condizente com as tradições americanas e também mais próximo de seu estilo original. A alternativa encontrada foi a melhor possível. O coelho simboliza 178 a riqueza, a prosperidade e a agilidade. Nas fábulas, ele utiliza da inteligência contra a força física de seus oponentes. O coelho sempre se sai melhor quando o rival pensa já ter dominado a situação. Ele tira proveito de sua suposta condição de fragilidade para reverter uma situação adversa, sem nunca perder a classe. Sua imagem é associada ao refinamento e à civilidade. A empatia dos americanos pelo novo mascote foi imediata. Inclusive, pelo fato de ter lhe trazido sorte na primeira final em que entrou em campo, como todo bom pé de coelho. 4.3. Cruzeiro Esporte Clube (1921) O Cruzeiro foi fundado por imigrantes, em 02 de janeiro de 1921, com o objetivo de agregar os integrantes da colônia italiana de Belo Horizonte em torno de um clube que realmente fosse capaz de representala no esporte mais popular do estado à época e também na vida social da cidade. A partir de 1892, o governo do Estado, preocupado com o projeto de construção da nova capital, adota medidas para incentivar a chegada de imigrantes estrangeiros que se comprometessem a residir em Belo Horizonte como, por exemplo, a concessão de passagens, a criação de núcleos coloniais e a oferta de títulos de propriedade para quem estivesse disposto a se fixar definitivamente e colaborar com conhecimento e mão de obra. A consequência dessas ações foi a chegada de diversas famílias, principalmente, de italianos, portugueses, espanhóis, sírios, libaneses e judeus. Na região rural, eles dedicaram-se às atividades agrícolas, cooperativas e ao abastecimento. Na área urbana, fixaram-se trabalhadores da construção civil, engenheiros, arquitetos, comerciantes de ramos variados, grandes empreendedores e industriais, além de prestadores de serviços fundamentais para a constituição da sociedade belohorizontina. Como não poderia deixar de ser, também se dedicaram à criação de agremiações esportivas como o Syrio Horizontino, o Luzitano, além dos ingleses que fundaram o Morro Velho na vizinha cidade de Nova Lima. Os clubes de futebol fundados por imigrantes em Belo Horizonte tiveram vida curta. Contudo, suas camisas representavam identidades bem demarcadas e suas atividades, apesar da pouca duração, criaram espaços de confraternização e solidariedade. A exceção foram os italianos que, apesar dos insucessos iniciais, nunca desistiram de possuir um grande time na cidade que defendesse as cores de sua terra natal. Até a década de 1920, eles jogavam de forma dispersa nos vários times da capital como o Yale, Cristovam Colombo, Sete de Setembro e o Atlético. Esporadicamente, reunia-se em uma espécie de selecionado chamado Scrath Italiano para disputar partidas contra clubes e combinados locais em datas festivas. Mas isso ainda não era suficiente. A ideia era fundar uma equipe que participasse regularmente dos campeonatos oficias da Liga Mineira. A partir de 1914, notícias vindas de São Paulo reforçam ainda mais os ânimos em relação a esse propósito. Nesse ano, foi criada a Sociedade Esportiva Palestra Itália, (a atual Sociedade Esportiva Palmeiras) cujo time de futebol era composto exclusivamente por italianos e seus descendentes e que logo se transformou em uma das principais entidades esportivas de seu Estado. Esse deveria ser o modelo a ser seguido pela colônia de Belo Horizonte que não perdeu tempo em solicitar uma cópia do estatuto da agremiação paulista. O documento caiu como uma verdadeira luva. Faltava o apoio financeiro. Grande parte dos italianos que migraram para Belo Horizonte, no final do século XIX, pertencia às camadas populares como pedreiros, carpinteiros, sapateiros, padeiros que 179 moravam nos bairros do Barro Preto, Carlos Prates e Calafate, na periferia da cidade. O que não quer dizer que faltassem membros na colônia com capital suficiente, sensibilidade o bastante e simpatia de sobra pelo futebol para investir o recurso econômico necessário para criar um clube esportivo que competisse logo de imediato e de igual para igual com os grandes times da capital. As famílias Savassi, Ranieiri, Mancini, Lod, Noce, Falci, Gagliard, entre outras, seriam os seus “mecenas”. A r e u n iã o de fu n daçã o da Sociedade Esportiva Palestra Itália – exatamente o mesmo nome do co-irmão paulista – foi realizada na fábrica de calçados e artigos esportivos Augustinho Ranieiri na rua Caetés, primeiro centro comercial da cidade. Outras reuniões ocorreram na Sociedade Italiana de Beneficência e Mutuo Socorro, na rua Tamoios entre São Paulo e Rio de Janeiro. As cores escolhidas para o uniforme foram o verde, branco e vermelho que integram a bandeira da nação materna. Foi estabelecido por estatuto que o clube era restrito aos italianos natos e seus descendentes diretos. Decisão que perdurou até 1925. Ainda em 1921, seu primeiro ano de existência, o Palestra Itália tem acesso à elite do futebol no Estado ao disputar a primeira divisão do campeonato organizado pela Liga 180 Mineira de Desportos Terrestres. Apenas dois anos depois de sua fundação, a sociedade esportiva organizada em torno das famílias exponenciais da colônia adquiri um quarteirão na Avenida Paraopeba (atual Augusto de Lima), entre as ruas Ouro Preto e Araguari no bairro do Barro Preto. No local, foi inaugurado no dia 23 de setembro de 1923 um estádio com capacidade para cerca de cinco mil pessoas. Somando o valor pago à Prefeitura pela compra do terreno, indenização aos seus ocupantes e construção das arquibancadas, foram gastos 90 mil reis. A quantia não era nada pequena para a época. Nesse mesmo momento, o Estado passava para as mãos da iniciativa privada, boa parte das obras de construção da cidade, que se arrastavam devido à crise financeira gerada pela diminuição da agro exportação para a Europa, desde os anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). De 1922 a 1925, o Palestra Itália alcançou melhor colocação que a de times veteranos como o Atlético, ficando atrás apenas do campeão América. Entre 1928 e 1930, a equipe confirma sua rápida ascensão ao conquistar o tricampeonato da cidade, sendo que os dois últimos foram vencidos de forma invicta. Para muitos, o futebol dos palestrinos era uma verdadeira arte. Por essa razão receberam o apelido de “timepoesia”. Os dois maiores destaques eram os primos Otávio e João Fantoni, conhecidos como Nininho e Ninão, que em abril de 1931, deixaram o pequeno campo do Barro Preto para disputar o campeonato italiano pelo time da Lazio de Roma, além de serem convocados para seleção italiana. Eles foram os primeiros brasileiros a se transferirem para a Itália. Anos depois, Orlando, Fernando e Benito, todos da família Fantoni, também foram contratados pelo clube romano. Contudo, a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) muda os rumos do Palestra Itália. Um decretolei determina a nacionalização dos nomes de todas as entidades que fizessem referências às potências do Eixo. Em Belo Horizonte casas comerciais de imigrantes italianos são atacadas. O estádio do Palestra Itália sofre ameaças de incêndio. Após os incidentes, o clube passa a se chamar Palestra Mineiro. Em 29 de setembro de 1942, o Brasil declara guerra à Itália, Alemanha e Japão. Temendo novos conflitos, seus dirigentes adotam um nome ainda mais nacional: Ypiranga. Uma derrota por 2x1 para o Atlético, em 02 de outubro, no Barro Preto, condenou o nome. Cinco dias após esse jogo, o conselho deliberativo se reuniu para votar outra denominação para a equipe. Foi decidido em assembleia que o clube passaria a se chamar Cruzeiro Esporte Clube em homenagem à constelação símbolo dos céus do Brasil mencionada, inclusive, nos versos “A imagem do cruzeiro resplandece” do hino nacional. Todas as taças e troféus do antigo Palestra Itália foram doadas à campanha patriótica realizada pela Defesa Nacional para produção de armamentos. No ano seguinte, o Cruzeiro apresenta para a torcida seu novo uniforme: a camisa azul com as cinco estrelas no peito dentro de um círculo branco, cor também utilizada nos calções. As mesmas tonalidades defendidas pela Squadra Azurra, cor oficial da realeza italiana utilizada pela seleção de futebol do país. Coincidência ou não, o fato é que após todas essas mudanças o clube conquista o segundo tricampeonato de sua história entre 1943 e 1945. Ou seja, o Cruzeiro renasceu campeão. Coube a Mangabeira criar o mascote do novo time nas páginas da Folha de Minas. O animal deveria ser astuto como os dirigentes do clube, grandes empresários e empreendedores acostumados às rodas de negociação. Ao mesmo tempo, ser tão elegante quanto o futebol desenvolvido pelo seu time em campo. Esperto, inventivo, sedutor e matreiro o mascote só poderia ser: a raposa. 181 4.4. Estádio Independência (1950) Em fins da década de 1940, o Brasil preparava-se para sediar a quarta edição da Copa do Mundo de futebol, organizada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), em 1950. Os belohorizontinos não queriam ficar de fora do maior evento futebolístico da história do país até então. Contudo, os pequenos estádios da capital mineira não possuíam estrutura adequada para abrigar jogos com tão grande envergadura. Por exigências da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), era necessário construir uma nova praça de esportes para que Minas Gerais pudesse sediar uma das chaves do torneio. O desafio foi aceito pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima. As obras começaram em 1948 e às vésperas da Copa do Mundo foi inaugurado o Estádio Raimundo Sampaio, mais conhecido como Estádio Independência. Como Atlético, América e Cruzeiro já possuíam seus estádios, o Independência ficou sob administração do Sete de setembro Futebol Clube. Fundado em 1913, era um dos times mais tradicionais da 182 cidade, mas que, porém, não tinha campo próprio para a disputa de suas partidas. O novo palco do futebol mineiro, construído no bairro do Horto, com capacidade para trinta mil pessoas, foi entregue à população de Belo Horizonte para a disputa do campeonato mundial de seleções. No local foram disputadas três partidas. A primeira delas marcou a inauguração do estádio no dia 25 de junho de 1950: Iugoslávia 3x0 Suíça. No dia 29 de junho acontece uma das maiores zebras da história das Copas do Mundo. Essa foi a primeira participação dos ingleses, que formavam uma das seleções mais poderosas da época, além de serem reconhecidos como os “inventores” do futebol. Contudo, a Inglaterra perde por 1x0 para os Estados Unidos, país sem nenhuma tradição nesse esporte, que enviou uma equipe amadora para a disputa do torneio. O terceiro jogo, realizado no dia 02 de julho, termina com uma goleada de 8x0 do Uruguai contra a Bolívia. Nessa partida, os mineiros tiveram a oportunidade de assistir a chamada “Celeste Olímpica”, como a seleção uruguaia que se tornou campeã mundial para infelicidade dos brasileiros, ainda hoje é conhecida. Apesar de toda a festa, o Independência recebeu três partidas da Copa do Mundo ainda inacabado. O projeto original concebido para o estádio previa a construção de um anel fechado de arquibancadas. Com o esgotamento do prazo para a entrega, ele foi alterado para o formato de “ferradura”. Durante a disputa, também não havia cabines de imprensa para emissoras de rádio e televisão. Os locutores esportivos transmitiam os jogos sentados em banquinhos acomodados na pista de atletismo. Ao fim da competição, o prefeito Otacílio Negrão de Lima comunicou aos dirigentes do Sete de Setembro que não havia verbas para a conclusão da obra. Dessa forma, o formato “ferradura” entrou para a história. Durante quinze anos o Independência foi o maior estádio do futebol mineiro. Em seu gramado foram jogados os principais clássicos entre os times da capital e todos os campeonatos disputados até 1964. Melhor para o Atlético que conquistou nove títulos contra quatro do Cruzeiro e um de Villa Nova (1951), América (1957), e Siderúrgica (1964). Com a inauguração do Mineirão, no ano seguinte, o Independência perdeu seu posto. Entre 1984 e 1986, o governo do Estado realizou a primeira grande reforma. Com o fim das atividades do Sete de Setembro, o estádio foi repassado em regime de comodato ao América que o utiliza em todos os jogos em que possui o mando de campo. Em 2012, durante os preparativos para a segunda Copa do Mundo realizada no Brasil, o Independência ganhou uma segunda reforma que modernizou totalmente sua estrutura. Atualmente, ele possui capacidade para vinte e duas mil pessoas com assento coberto em arquibancadas superiores, inferiores e camarotes, além de estacionamento, posto médico e trinta e dois bares. Com essa segunda reforma, não apenas, o América, mas também o Atlético voltou a jogar em um dos gramados mais tradicionais de Minas Gerais. 4.5. Estádio Mineirão (1965) O Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como Mineirão, foi inaugurado no dia 05 de setembro de 1965 com a partida amistosa entre o River Plate da Argentina e a Seleção Mineira que terminou com o placar de 1x 0 para os mineiros. O primeiro gol no novo estádio foi marcado por Bougleux. Conhecido como o “Gigante da Pampulha”, devido à capacidade máxima original para cento e trinta mil pessoas, o estádio representou a modernização do esporte em Minas Gerais, além de uma grande ascensão dos clubes 183 mineiros no cenário nacional. A rivalidade existente entre Atlético e Cruzeiro, consolidada ao longo das décadas de 1940 e 1950, após a perda gradativa de espaço do América (campeão mineiro em 1971, 1993, 2001 e 2016) ganha ares de supremacia. Esse passa a ser o grande “clássico” de Minas Gerais O Cruzeiro liderado por Tostão, Piazza, Dirceu Lopes e Natal domina amplamente o futebol mineiro nos primeiros anos do Mineirão. A habilidade de tantos craques reunidos em uma única equipe encanta o país. Nos anos 1960, o Cruzeiro deixa der definitivamente o clube da colônia italiana, ou o “time do Barro Preto”, como era desdenhado pelos rivais, para tornar-se uma verdadeira escola de futebol baseada na técnica e no toque de bola refinado de seus jogadores. Entre as grandes façanhas do time da camisa azul estrelada figura a conquista da Taça Brasil de 1966. O título foi ganho sobre o até então pentacampeão do torneio: o Santos de Pelé com duas vitórias: 6x2 em Belo Horizonte e 3X2 em São Paulo. Dez anos depois, uma nova geração de craques como Palhinha, 184 Jairzinho, Joaozinho e Nelinho entre outros vence o River Plate na final da primeira Copa Libertadores da América conquistada pelo clube. Em referência ao seu crescimento vertiginoso, a torcida cruzeirense passa a ser conhecida como a “China Azul”. A partir dos anos 1990, o Cruzeiro reuniu uma verdadeira coleção de títulos como as quatro Copas do Brasil (1993, 1996, 2000, 2003), o tricampeonato brasileiro em 2003, 2014 e 2015, além de outra Taça Libertadores da América, em 1997, contra o Sporting Cristal do Peru. Já o Atlético passou por altos e baixos em sua trajetória no Mineirão. Ainda assim, sua torcida continuou fiel, principalmente durante os anos em que o Cruzeiro ampliou seu domínio em Minas Gerais. Em 1971, um time aguerrido comandado pelo técnico Telê Santana no banco e Dario “Peito de aço” em campo surpreende os favoritos e conquista o título do primeiro Campeonato Brasileiro. Essa equipe sem grandes craques superou adversários como o Santos de Pelé, o Botafogo de Jairzinho, o São Paulo de Gerson, o Corinthians de Rivelino, e o próprio Cruzeiro de Tostão. Ou seja, as estrelas que conquistaram definitivamente a Taça Jules Rimet para a Seleção Brasileira na Copa do Mundo disputada no México um ano antes. Em 1977, os atleticanos viram uma de suas melhores gerações formada por Reinaldo, Cerezo, Marcelo, Paulo Isidoro e outros perderem o título do Campeonato Brasileiro de forma invicta na decisão por pênaltis para o São Paulo em pleno Mineirão. Ao longo da década de 1980, o clube retoma a supremacia no futebol mineiro impondo grande sequência de vitórias sobre seus rivais, porém, sem a conquista de um título de repercussão nacional. A pior derrota seria o rebaixamento para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 2005. A longa espera dos atleticanos por uma grande conquista chegaria ao fim apenas em 2013, ao ser campeão da Taça Libertadores da América, no Mineirão, contra o Olympia do Paraguay. No ano seguinte, os dois jogos decisivos da Copa do Brasil colocariam frente a frente Atlético e Cruzeiro na disputa mais importante de toda a história do “clássico” mineiro. Nunca os dois rivais haviam chegado juntos à final de um torneio nacional. O tirateima foi vencido pelo Atlético que saiu campeão com as duas vitórias: 2x0 no Independência e 1x0 no Mineirão. Nesse mesmo ano, o estádio da Pampulha seria palco da segunda maior decepção da torcida brasileira em relação à seleção de futebol do país. A derrota por goleada de 7x1 para a Seleção Alemã durante a disputa da segunda Copa do Mundo realizada em território nacional. 5. Perspectivas futuras Atualmente, o campeonato mineiro de futebol profissional é disputado por doze clubes nos módulos um e dois, além de nove clubes em sua segunda divisão. A Federação Mineira de Futebol, entidade máxima do futebol no Estado e filiada da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), promove ainda o campeonato mineiro feminino, além das categorias Sub20, Sub-17 e Sub-15. A competição é uma das mais tradicionais do país. Ainda assim, tem sido cada vez mais desvalorizada desde os anos 1990, como todos os outros campeonatos estaduais do país nos quais apenas duas grandes forças – Atlético e Cruzeiro – disputam majoritariamente seu título. Os dois clubes, por sua vez, alegam que o baixo retorno financeiro obtido com a renda dos jogos prejudica as disputas. Muitas agremiações do interior, ao contrário, consideram o campeonato, apesar de suas deficiências, como única forma de viabilizar recursos para pagamento de seus atletas e, consequentemente, garantir sua 185 própria existência. Essa é, contudo, uma realidade que perpassa todo o futebol brasileiro. No outro lado dessa moeda, Atlético e Cruzeiro (e o América em diferentes proporções) consolidaram-se no cenário nacional entre os grandes times de futebol da atualidade. Os clubes da capital dispõem de centros de treinamento entre os mais modernos e bem equipados do país. Eles contam com orçamentos vultuosos gerados a partir de patrocínios, cotas de transmissão de seus jogos em canais fechados de televisão, comercialização de suas marcas em produtos variados, negociações envolvendo atletas, principalmente, para o mercado europeu e a criação de um sistema para atrair ainda mais público consumidor conhecido como “sócio torcedor”. Essa nova logística faz com que os clubes passem a contar com uma receita mensal garantida por meio da venda de pacote de ingressos além de outros serviços destinados a aproximar os torcedores dos clubes em diversos planos e categorias. Em um contexto de grande mercantilização que envolve todos os setores do futebol – desde a formação dos atletas nas categorias de base até a realização dos grandes espetáculos esportivos com transmissão simultânea para vários países do mundo – os três 186 maiores clubes de Minas Gerais estão entre aqueles que possuem as melhores condições em termos de patrimônio, estrutura, qualidade técnica, excelência esportiva e principalmente, grande número de torcedores, capazes de garantir longa trajetória no cenário esportivo brasileiro. Referências ASSUMPÇÃO, Luís Otávio Teles. O Tempo(l)o das geares. A nova ordem do futebol brasileiro. Montes Claros: Editora Unimontes, 2005. BARRETO, Plínio; BARRETO, Luiz Otávio Trópia. 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Belo Horizonte: Editora do Autor, 1997. 187 O Porta l Bra sil Mig ra ções m ineira s por Gustavo Dias Gildette Soares Fonseca Andréa Maria Narciso Rocha de Paula Lilian Maria Santos Adinei Almeida Crisóstomo Ana Flávia Rocha de Araújo Victória Pinho e Godinho Maria Cecília Cordeiro Pires D esde a segunda metade do século XX, estudos dedicados ao deslocamento migratório brasileiro têm revelado a importância do estado de Minas Gerais nos fluxos migratórios nacionais e internacionais. Na escala nacional, a migração mineira revela ser um fenômeno social com diferentes facetas e dimensões distintas. Pesquisas apontam para uma mobilidade desde regional caracterizada por deslocamentos entre as diferentes mesorregiões do estado, até fluxos para outros estados e capitais como, Distrito Federal, Goiás e São Paulo. Semelhante importância pode ser vislumbrada nos fluxos migratórios internacionais. A literatura cada vez mais demonstra – através de dados empíricos – como países situados na Europa e, sobretudo, na América do Norte tornaram-se destinos para mineiros nas últimas três décadas (MARGOLIS, 1994; TOGNI, 2012; DIAS, 2015). Entretanto, Minas Gerais confirma que o seu papel dentro dos fluxos migratórios brasileiros não pode ser reduzido apenas ao da contabilidade de entrada e saída de sua própria população. Outro ponto bastante destacado é o papel desempenhado por esse estado nas inúmeras redes migratórias desveladas em estudos empíricos. Distintas, porém, conectadas indústrias migratórias 189 regionais, desenvolvidas ao longo de décadas, são responsáveis pelo ir e vir de pessoas, dinheiro, bens materiais e informações. Desde agências de viagens, advogados especializados em cidadania, casas de câmbio, escolas de idiomas até o mercado informal focado no contato com atravessadores e na produção de documentos falsos, colocaram algumas das cidades mineiras numa posição central perante rotas migratórias nacionais e internacionais. Importantes centros regionais, como Governador Valadares, Montes Claros, Uberlândia, bem como, pequenas cidades a exemplo de Mantena, Tiros, Mirabela, Carmo do Paranaíba, tornaram-se conhecidas em outros Estados brasileiros pela capacidade em estabelecer conexões eficazes com diferentes localidades nacionais e internacionais. Imprescindível ressaltar que a população rural das regiões Norte e Nordeste de Minas Gerais e o Vale do Jequitinhonha perpassam também essas rotas migratórias na busca por trabalho sazonal preferencialmente agrícola. Ser e estar nesse mundo em constante movimento produz transformações consideráveis na geografia social e no modo de vida da população. Não obstante, Minas Gerais revela como a migração tece profundas conexões entre lugares 190 aparentemente distantes através de pessoas, bens e saberes. Nesse verbete, pretendemos abordar a migração em Minas Gerais através de três perspectivas: migrações intraestaduais, migrações interestaduais e migrações internacionais. Através de corpo literário especializado em cada um desses recortes em conjunto com os dados censitários produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2010), revelaremos a importância e a complexidade do fenômeno migratório nesse estado brasileiro. Migração Intraestadual em Minas Gerais Com população de 19.597.330 habitantes no ano de 2010 (IBGE, 2010) e estimativa em 2017 de 21.119.536, Minas Gerais é o Estado com a segunda maior população do Brasil (apenas o Estado de São Paulo abriga mais habitantes) e o quarto maior estado brasileiro por extensão territorial, com uma área de 586.520.732 km². São 853 municípios organizados em 12 mesorregiões e 66 microrregiões (Figura 1) que apresentam características físicas e socioeconômicas distintas, aspectos que favorecem a mobilidade da população. Figura 1 - Mesorregiões geográficas de Minas Gerais - IBGE 1990 Cada mesorregião compreende uma quantidade de microrregiões distintas, assim como municípios, porém, respeitam os limites geográficos de cada um. Existe dinâmica populacional que carrega a multiplicidade de seus lugares, mesos, micros e municípios, o que favorece a mobilidade da população intrarregional. Podemos entender o fenômeno da mobilidade migratória enquanto um processo social que abarca inúmeras complexidades. é caracteristicamente fluído e mutável. Fator que é revelado pela dificuldade em que os estudos têm para mensurar em dados quantitativos as inúmeras diversidades de situações, razões, motivos ou sonhos pelos quais perpassam a mobilidade. No Brasil, uma das formas de realizar um levantamento quantitativo da migração é através dos censos do IBGE, mais especificamente através de duas variáveis: a última etapa e a data fixa. A variável data fixa aponta o município cinco anos antes do Censo e a variável última etapa o município de residência anterior dez anos antes (FONSECA, 2015). No panorama da mobilidade espacial da população brasileira, nos últimos tempos, destaca-se certa complexidade e diversificação nos deslocamentos advindos como consequência de um intenso processo de urbanização no país, que modificou os trajetos como também os motivos pelos quais o processo é realizado. Como resultado, há 191 maior intensificação das migrações do tipo urbano-urbano e novas configurações que envolvem tanto os espaços, como os períodos, as dinâmicas e os modos de vida dos sujeitos envolvidos. O que não significa dizer que as migrações entre regiões rurais ou de regiões rurais para urbanas deixaram de existir. Num contexto geral, os movimentos m ig r a t ó r ios in ter n os n o B rasi l estiveram fortemente relacionados “[...] aos processos de urbanização e de redistribuição espacial da população, marcados pela intensa mobilidade populacional, e inseridos nas distintas etapas econômicas, sociais e políticas”. (BAENINGER, 2012, p.3). Ao longo dos últimos anos, as migrações internas têm reorganizado grande parte da população no território nacional, e, principalmente, nos estados de origem como é o caso de Minas Gerais, onde as vertentes da industrialização e das fronteiras agrícolas originaram um processo de refluxo1 (retorno). De fato, com o passar dos anos e consequentemente com as modificações e transformações nos espaços, ocorreram significativas mudanças econômicas, sociais e políticas que tiveram reflexos nos movimentos migratórios. Para 1 Ver MARTINE, George. “A redistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80”, IDEM. “Migração e metropolização”. 192 Baeninger (2012), ao lado do processo de esgotamento das fronteiras agrícolas, houve também um forte processo de desconcentração relativa da indústria, que resultou na alteração da distribuição das atividades econômicas, e propiciou fluxos migratórios (retorno) para essas direções. Entre os anos de 1981 – 1991, o movimento de retorno aos Estados de nascimento contribuiu para a elevação no número de Estados receptores. “Nos anos 70, o movimento de retorno aos Estados de nascimento representava apenas 11,0% do total da migração nacional, proporção que chegou a dobrar no período 1981 – 1991, alcançando 24,5% do total” (BAENINGER, 2012, p.6). A migração de retorno tem representado ação importante no cenário das migrações no Brasil, e, consequentemente no cenário das migrações em Minas Gerais. Para Garcia (2014), no período de 1980 a 2000, ocorreu um aumento na proporção de naturais mineiros (aqueles nascidos em Minas Gerais) residentes em Minas Gerais, por outro, também foi identificado redução da proporção de naturais mineiros residentes em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás. “Ao mesmo tempo, observou-se um aumento proporcional, dentre os residentes em Minas Gerais, de naturais de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás” (GARCIA, 2014, p.2). Fenômenos que estão relacionados e no contexto dos deslocamentos representam, em certa medida, os efeitos diretos e indiretos da migração de retorno dos naturais mineiros ao local de nascimento. Na Tabela 1, podemos visualizar um panorama que demonstra o saldo migratório das cidades médias de Minas Gerais, caracterizando as migrações internas dentro do próprio Estado. Tabela 1 - Saldo Migratório e taxa de migração líquida Cidades Médias de Minas Gerais – 1986 – 2010 Saldo Migratório _____________________________ Cidades 1986-1991 1995-2000 Taxa de Migração Líquida (%) ___________________________ 2005-2010 1986-1991 1995-2000 2005-2010 Divinópolis 5.405 4.710 2.397 3,57 2,56 Governador Valadares -2.828 -7.776 -7.663 -1,23 -3,15 1,13 Juiz de Fora 9.296 14.434 5.362 2,41 3,16 1,04 Montes Claros 7.633 5.223 1.607 3,05 1,70 0,44 Pouso Alegre 7.342 5.548 6.184 8,97 5,20 4,73 Teófilo Otoni -8.418 -10.372 -3.721 -6,47 -7,44 -2,56 Uberaba 5.224 7.410 9.684 2,50 2,88 3,18 Uberlândia 28.734 31.507 20.573 7,83 6,29 3,41 Varginha 3.244 2.823 745 3,69 2,59 0,61 ACP Ipatinga -779 3.606 -3.245 -0,24 0,95 -0,76 Cidades Médias 54.853 57.113 31.923 2,47 2,12 1,03 -2,91 Fonte: Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. Elaborado por: CARVALHO, R. C.; RIGOTTI, J. I. R. 2015, adaptado por ARAúJO, Ana Flávia Rocha de. Os dados apontam que embora o conjunto das cidades médias apresente saldos migratórios positivos, a população seria menor 2,47% em 1991, 2,12% em 2000 e 1,03% em 2010, se não tivessem ocorrido fluxos migratórios nesses períodos. Tendo os resultados do Censo Demográfico de 2010 como denominador da atual situação do Estado de Minas Gerais, compreende-se que apesar dos valores positivos, houve uma queda significativa no saldo migratório dos últimos anos (CARVALHO, RIGOTTI, 2015). No contexto que abrange os deslocamentos sociais de determinada população, dois fatores seguem interligados. São eles: os fatores exógenos e endógenos. O primeiro é característico da própria dinâmica do mercado de trabalho que interferem na estrutura do processo, sendo alteradas por condições climáticas, mudanças demográficas, econômicas, políticas e até mesmo culturais. Em contrapartida, os fatores endógenos seguem associados 193 entre o lugar de origem e destino social. Nesta dinâmica encontra-se maior complexidade na análise em virtude da diversidade de contextos que os processos migratórios desencadeiam. O foco, no entanto, está em analisar a desigualdade de oportunidades de mobilidade segundo a origem social, e assim, ter a possibilidade de caracterizar estruturas importantes no processo que possam determinar o destino social. Observamos que há grande heterogeneidade no que se refere ao crescimento populacional e às migrações, muito em função das dinâmicas e das estruturas de cada cidade média, que em determinados contextos atuam como pólos de atração e repulsão. Na Tabela 2 podemos observar a dimensão populacional de Minas Gerais por mesorregião. Tabela 2 - População por mesorregiões de Minas Gerais, 2010 Mesorregião População Urbana População Rural População Total Metropolitana de Belo Horizonte 5.944. 870 291. 247 6 .236. 117 Sul/Sudoeste de Minas 1. 980. 222 458. 389 2 .438. 611 Zona da Mata 1. 756. 051 417. 323 2 .173. 374 Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba 1. 960. 028 184. 454 2 .144. 482 Vale do Rio Doce 1. 301. 332 319. 661 1 .620. 993 Norte de Minas 1. 118. 294 492. 119 1 .610. 413 Oeste de Minas 842. 622 112. 408 955. 030 Jequitinhonha 435. 162 264. 251 699 413 Campo das Vertentes 468. 746 85. 608 554. 354 Central Mineira 360. 347 52. 365 412. 712 Vale do Mucuri 260. 924 124. 489 385. 413 Noroeste de Minas 286. 618 79. 800 366. 418 16 .715. 216 2. 882 .114 19. 597.330 Total Fonte: IBGE, Censo 2010. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017 Em 2010, no estado de Minas Gerais foram recenseadas quase 20 milhões de habitantes, com predomínio de população urbana. No entanto a distribuição por mesorregião é bastante desigual, sendo o maior volume na Metropolitana de Belo Horizonte e o menor no Noroeste de Minas. Neste contexto, buscamos sinalizar alguns dados sobre migração, com base no Censo de 2010, partindo da variável data fixa (Tabela 3) e da última etapa (Tabela 4). 194 Tabela 3 – Pessoas de 5 anos ou mais de idade que não residiam no município em 31/07/2005, por sexo, situação do domicílio e grupos de idade, 2010 Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte Sul/Sudoeste de Minas Zona da Mata Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba Vale do Rio Doce Norte de Minas Oeste de Minas Jequitinhonha Campo das Vertentes Central Mineira Vale do Mucuri Noroeste de Minas Total Domicílio Urbano 464.020 139.545 111.692 176.185 106.739 69.228 60.331 26.647 28.215 23.703 18.093 19.162 1 .243.560 Domicílio Rural 25.162 35.113 24.208 22.724 20.103 16.476 8.481 8.684 4.078 4.354 4.931 7.305 181. 619 Total 489.182 174.658 135.901 198.908 126.841 85.704 68.812 35.330 32.293 28.057 23.024 26.467 1. 425.179 Fonte: IBGE, Censo 2010 amostra. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017 Percebemos nos dados2 a presença das mobilidades no estado e que as posições em relação ao número de emigrantes, na maior parte, se equivalem à posição ocupada no ranking do número total de habitantes, variando entre 5% a 9,3% de migrantes. Tabela 4 - Pessoas que residiam há menos de 10 anos ininterruptos na Unidade da Federação, por lugar de residência anterior, 2010 Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte Sul/Sudoeste de Minas Zona da Mata Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba Vale do Rio Doce Norte de Minas Oeste de Minas Jequitinhonha Campo das Vertentes Central Mineira Vale do Mucuri Noroeste de Minas Total Lugar de residência anterior Total Minas Gerais 209. 847 54. 267 170. 110 21. 465 104. 135 15. 639 194. 609 21. 177 78. 635 15. 712 60. 434 11. 832 37. 798 10. 522 26. 378 4. 980 19. 751 3. 985 11. 805 3.452 20. 547 3.170 24. 134 3.293 958. 184 169.494 Fonte: IBGE, Censo 2010 amostra. Org.: PIRES, Maria Cecília Cordeiro., 2017 2 Na variável data fixa o sujeito é perguntado sobre o município de residência 5 anos antes do censo, tendo como referência a data 31 de julho de 2005. 195 Com os dados da última etapa conseguimos obter as variações de lugares de residência no espaço de 10 anos. Destacamos as migrações regionais, ou seja, os deslocamentos dentro do próprio estado. Podemos perceber em comparação com outros estados brasileiros que o lugar de residência anterior que mais aparece é o próprio estado de Minas Gerais3, revelando processo de incremento da migração intraestadual nos últimos 10 anos. A migração no estado é apontada por diversos estudos e pesquisas, apesar do IBGE não mensurar migração temporária, também é comum em todas as mesorregiões. “[...] migrante temporário é aquele que vai e volta e o processo social que ele vive é o de sair e retornar” (MARTINS, 1988, p.45). Devido ao constante ir e vir, esse tipo de migração integra pesquisas qualitativas, dentre elas detectamos para essa forma de deslocamento como forma de resistir no território, “[...] para aqueles, cujo poder de aporte de investimentos na maioria das vezes significa apenas a venda da força de trabalho, a migração é uma estratégia, uma resistência, uma eterna possibilidade ou impossibilidade de ficar ou sair” (PAULA, 2003, p.123). A imagem abaixo revela a migração que ocorre através do Rio São Francisco. Em seu estudo sobre os processos migratórios de pescadores artesanais no “Sertão Molhado de Minas Gerais” (2016), Araújo revela uma mobilidade “forçada” ocasionada por diversos fatores Fonte: ARAúJO, Ana Flávia Rocha de. ( 2016) Município de São Francisco/MG – Migração pelo rio que acontece todos os dias para o trabalho do outro lado da margem do rio São Francisco. 196 3 Dados do Censo do IBGE 2010 (Tabela 3190), disponível em: <https://sidra.ibge. gov.br/tabela/3190>>. degradação do rio, dificuldade no exercício da pesca, “cercamento” de terras e águas, aumento da pesca amadora, dentre outros. Segundo a autora, esses fatores desarticulam não só o ambiente natural, mas, também as dinâmicas estabelecidas do/no lugar. Neste contexto, caracterizamos que as migrações internas no estado de Minas Gerais se configuram enquanto fenômeno desencadeado por várias vertentes, apresentando áreas de atração, retração e de rotatividade. Migração interestadual de Minas Gerais Administrativamente o Brasil compreende 27 Unidades da Federação, sendo 26 estados e um Distrito Federal, distribuídos em cinco regiões: Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Norte, Nordeste e Distrito Federal. (Figura 2). Figura 2 - Grandes Regiões do Brasil -IBGE Para compreender a migração interestadual de pessoas que nasceram em Minas Gerais, utilizamos os dados do censo de 2010 de emigrantes de Minas Gerais em outras Unidades da Federação por sexo (Tabela 5). A priori buscamos identificar as Unidades de Federação onde o maior número de mineiros reside, com intuito de analisar os principais destinos, assim como, analisamos os dados por sexo, apresentando as diferenças existentes entre as migrações masculinas e femininas. 197 Tabela 5 - Emigrantes de Minas Gerais em outras Unidades da Federação por sexo 2010 Região Norte Nordeste Sul Centro-Oeste Sudeste Total Unidade da Federação Masculino Feminino Total Amapá 952 594 1.545 Roraima 1.305 1.175 2.481 Acre 2.291 1.728 4.019 Amazonas 4.307 2.593 6.901 Tocantins 14.381 11.494 25.875 Pará 28.795 22.434 51.229 Rondônia 48.641 44.861 93.501 Piauí 1.382 1.068 2.450 Alagoas 1.267 1.336 2.603 Sergipe 1.752 1.529 3.281 Paraíba 1.828 2.083 3.911 Rio Grande do Norte 2.382 2.459 4.841 Ceará 3.119 3.250 6.369 Pernambuco 4.287 3.800 8.087 Maranhão 6.219 4.539 10.758 Bahia 52.471 56.927 109.399 Rio Grande do Sul 4.848 5.164 10.013 Santa Catarina 10.259 9.860 20.118 Paraná 93.210 99.647 192.857 Mato Grosso do Sul 20.926 18.265 39.191 Mato Grosso 50.309 46.512 96.821 Distrito Federal 90.338 109.179 199.517 Goiás 148.800 154.014 302.813 Espírito Santo 135.750 151.138 286.888 Rio de Janeiro 204.383 275.843 480.226 São Paulo 748.584 868.301 1.616.885 1.682.786 1.899.793 3.582.579 Fonte: IBGE, Censo Amostra, 2010. Org: FONSECA, Gildette, 2017 Conforme o IBGE (2010), foi identificado pessoas naturais de Minas Gerais em todas as Regiões do Brasil, sendo maior na Região Sudeste e menor na Região Norte. Ao analisar por Unidades da Federação, identificamos maior volume em São Paulo, seguido do Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo e Distrito Federal. O menor número de mineiros foi identificado no Amapá. 198 Os dados apontam a realidade histórica envolvendo o trabalho como fator relevante para a motivação da migração (MATOS, 2012). O movimento dos mineiros para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, é justificado uma vez que a partir da década de 1930 representam o núcleo industrial brasileiro, apesar de apresentar retrações devido às oscilações políticas e econômicas (VALE; et al. 2004; MATOS, 2012). A partir do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a construção de Brasília, esta também passa a ser palco de migrações no Brasil devido à oferta de trabalho, às dificuldades do meio rural, bem como, ao êxodo rural (MATOS, 2012). De acordo com Carvalho (2008), Brasília refletia o sonho de trabalho e prosperidade, atraindo muitos migrantes à época de sua construção, sendo a maioria de origem mineira, goiana e nordestina. Podemos considerar que os motivos que compreendem os fluxos migratórios de Minas para o Espírito Santo centram na condição fronteiriça e na questão econômica, pois Minas Gerais estabeleceu forte vínculo com o Estado por conta do escoamento de minério via mar. Esta relação culminou em investimentos em transporte ferroviário, polos industriais e siderúrgicos, o que favorece migrações interestaduais (DOTA, 2016). Casari; Ribeiro; Damasceno (2014) ressaltam que a migração de mineiros para Goiás é muito expressiva desde 1940, onde 44,77% dos migrantes que residiam em Goiás eram provenientes de Minas Gerais e em 1950 este número já alcançava 53,32%. De acordo com estes autores os marcos passíveis de justificar estes números foram a “Marcha para o Oeste” no Governo de Getúlio Vargas (1934-1945, 1951-1954) e o “Plano de Metas”, no governo de Juscelino Kubitscheck. O fato de Goiás fazer parte das fronteiras agrícolas em expansão foi um atrativo para aqueles que buscavam novas oportunidades de trabalho. Embora estes números tenham retraído nas décadas de 1980 e 1990, Goiás sempre ocupou lugar de destaque nos censos que tratam das migrações de Minas Gerais. O Estado do Amapá está acerca de 6.565 km de distância de Minas Gerais, tomando como referência as capitais dos estados – Macapá a Belo Horizonte. Esta extensão, envolvendo a distância entre os estados, demonstra uma das razões para o menor fluxo de migração. Outra justificativa assenta-se no fato do Estado do Amapá está localizado na Região Norte do país, que apresenta menos incentivos, fomentos e investimentos na modernização e industrialização, tornando-o pouco atrativo para aqueles que buscam emprego e/ou novas oportunidades (VALE; et al, 2004). 199 De acordo com o IBGE (2010), o Amapá apresentava em 2010, população de 8.069, sendo que a estimativa para 2017 é de apenas 8.757 habitantes. Desta forma podemos considerar que, embora a migração seja menor que em outras Unidades de Federação, a quantidade de 1.545 pessoas que se declaram nascidas em Minas Gerais e residentes no Amapá se torna expressiva, considerando a população total do Estado. Ao analisar os dados por sexo, identificamos maior número de emigrantes do sexo feminino, sendo 1.899.793 e 1.682.786 do sexo masculino. Assim, a quantidade de mulheres naturais de Minas que vivem em outros estados é superior à quantidade de homens na mesma condição. O número de mulheres naturais de Minas Gerais em relação ao número de homens, que migram e que residem em outros estados é maior em 12 Unidades de Federação, tendo maior destaque: Paraíba, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e Distrito Federal. Embora a migração feminina tenha sido negligenciada estatisticamente por um longo tempo, por diversas razões, nos censos mais recentes estes números retratam o significativo movimento migratório de mulheres como exposto na tabela acima. Os estudos apontam para uma migração feminina, que pode ser motivada por questões envolvidas em redes migratórias, organizações familiares e comunitárias, questões étnicas e culturais; bem como, motivações relacionadas à desigualdade, vulnerabilidade e trabalho. Faz-se necessário ressaltar que a modernização e industrialização também favoreceram a migração feminina que, geralmente, concentra suas atividades em trabalhos domésticos, cuidados, comércio e a informalidade (FARIA, 2014). Os dados indicam também 14 Unidades de Federação, onde a quantidade de homens nascidos em Minas e que vivem em outros estados é superior ao número de mulheres migrantes. Neste contexto destacam-se os seguintes estados onde esta relação possui maior expressão: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia e Pará. O Mato Grosso recebeu migrantes de vários locais do Brasil nas diferentes fases da sua ocupação e, em ambas as fases, o processo de atração migratório esteve pautado na exploração de recursos naturais e nas políticas governamentais de programas de ocupação e desenvolvimento regional, com maior expressividade tem-se a relação da exploração da pecuária extensiva, e em menor escala o comércio local. Os principais motivos de atração dos migrantes são o acesso a terra, melhoria nas condições de vida e possibilidades de emprego (GOMES, 2000). Aqui cabe salientar a forte presença de migrantes oriundos de Minas 200 Gerais, mais especificamente da cidade de Porteirinha. O estudo de Pires (2016) evidencia como a produção do algodão no cerrado mato-grossense propiciou a formação de fortes redes migratórias nessa pequena cidade localizada na mesorregião do Norte de Minas. Em geral, essas redes são compostas por migrantes temporários que acompanham o ciclo da produção algodoeira. Fonte: Arquivo pessoal de Gilberto Pires Silveira, cedido no trabalho de campo para PIRES, Maria Cecilia. (2016) O Tocantins configura-se como uma área de média absorção migratória, onde grande parte do crescimento populacional nesse estado apoia-se no agronegócio. No Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, o aumento populacional está relacionado à expansão das fronteiras agrícolas com a presença do cultivo em larga escala de produtos como milho, soja e algodão (IBGE, 2011). Dentre os principais fatores que levaram os migrantes à Rondônia, está a possibilidade de adquirirem terras férteis. A população do estado é uma das mais diversificadas do Brasil, composta de migrantes de todas as regiões do país. Sua ocupação foi marcada pela extração de recursos naturais, dentre eles o látex, no primeiro e segundo ciclo da borracha, posteriormente as pedras preciosas e madeiras. Foi uma ocupação marcada pelo processo desigual de distribuição de terras e expropriação de terras indígenas. (SANTOS, 2014) Em relação ao Pará, o governo fomentou facilidades para o acesso a terras e empregos na região do Amazonas, exaltando projetos agropecuários. Deste modo os migrantes que já se mobilizavam para o Estado desde a década de 1950, em busca de terras férteis, se intensificaram com os investimentos governamentais (PEREIRA, 2013). 201 Nesse sentido, mesmo que não seja possível apontar os motivos pelos quais os homens migram mais intensamente que as mulheres para estas regiões; conseguimos demonstrar que a migração para os estados acima apontados está diretamente ligada às explorações dos recursos naturais e agronegócios. Assim, é possível justificar a maior presença dos homens em relação às mulheres, embora, como Faria (2014) sinaliza, a divisão sexual do trabalho é variada no tempo e espaço, assim como também é variada a rigidez da separação entre as tarefas ditas próprias de homens e próprias às mulheres. Nas últimas três décadas, a migração internacional surgiu como um fator relevante no Brasil. Diante desse fenômeno, que contribui para a transformação da sociedade brasileira, na seção seguinte, dedicaremos atenção à presença de Minas Gerais no fluxo internacional de brasileiros. Migração internacional de Minas Gerais De acordo com dados do Ministério Brasileiro de Relações Exteriores (2012), um número considerável de brasileiros reside no exterior, configurando aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Os principais destinos são: Estados Unidos (1.280.000); Paraguai (500.000); Japão (280.000) e países europeus, como por exemplo, Reino Unido (180.000); Portugal (137.000); Espanha (125.000); Alemanha (89.200); Itália (70.000); França (60.000); Suíça (57.500) e a Bélgica (42.000). Tal mobilidade migratória seria produzida pelo o que os estudos migratórios denominam como a primeira onda migratória de brasileiros para o exterior (MARGOLIS, 1994; TORRESAN, 1994), iniciada nos anos 1980, e concluída nos anos 1990; e a segunda onda migratória, iniciada em meados dos anos 2000 e ainda em curso (DIAS, 2016; SCHROOTEN, SALAZAR. DIAS, 2015). 202 Figura 3- Emigrantes internacionais por município Fonte: IBGE- Censo Demográfico 2010 A partir do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 a migração internacional tornou-se claramente um fenômeno importante na sociedade brasileira. As mudanças econômicas e sociais produzidas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002, 2002-2006), Luis Inácio Lula da Silva (2003– 2006, 2007–2010) e Dilma Rousseff (2011–2014, 2015-2016) contribuíram para a constituição e o aumento das redes sociais entre migrantes brasileiros no exterior, bem como, impactaram na mudança do perfil de brasileiros no exterior (MARTINS JR, 2014; PADILLA, 2006). A abertura econômica produzida pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 1990, mesmo que contraditória, possibilitou ao Brasil experimentar mudanças que restauraram conexões com o mercado global, além de produzir melhorias nas infraestruturas de telecomunicações, sistemas de informação e transporte. Tais transformações foram seguidas por amplas políticas socioeconômicas no início da década seguinte. Acesso ao crédito, 203 criação de empregos formais, investimento em programas sociais e o aumento constante no salário mínimo possibilitaram inserir de maneira inédita uma grande parcela da população brasileira no mercado consumidor interno (ANDERSON, 2011). A emergência de uma classe ávida pelo consumo foi vislumbrada pelo governo brasileiro como um promissor mercado de consumo, capaz de manter a produção interna de bens e serviços constantemente ativa (YACCOUB, 2011; BORGES, 2013). Esta parcela populacional não só começou a consumir com entusiasmo produtos como eletrodomésticos, móveis, eletrônicos e automóveis, mas também serviços. O turismo, em particular, passou a ser acessado por esse crescente público. As facilidades de crédito para viagens e parcelamento de pacotes aéreos fizeram parte da estratégia do governo para incentivar o consumo deste tipo de serviço e, assim, manter o crescimento da economia doméstica. Para o Ministério do Turismo, O aumento da renda média e do consumo das famílias e a emergência de uma nova classe média no Brasil constituem uma oportunidade ímpar de fortalecimento deste mercado e de reconhecimento do Turismo como importante fator de desenvolvimento econômico e social. No momento em que novos produtos entram, a cada dia, na pauta de consumo dos brasileiros, as viagens podem e devem ser incluídas neste rol, potencializando o consumo doméstico e aquecendo a economia (BRASIL, 2011, p.34). Viagens internacionais, neste contexto, tornaram-se muito apreciadas por essa população emergente, já que as tarifas aéreas se tornaram mais baratas e a presença de companhias aéreas internacionais cresceu no Brasil nos anos 2000 (FRANCO, 2012; BORGES, 2013). Sair do Brasil tornou-se uma prática cada vez mais possível. Estudos empíricos conduzidos recentemente em Londres e Bruxelas revelam que tal popularização foi essencial para estimular a migração de brasileiros para a Europa ocidental (MARTINS JR, 2017; DIAS, 2015, 2016; SCHROOTEN, SALAZAR, DIAS, 2015). A oportunidade de migrar para cidades dos EUA ou da Europa, onde bens materiais - vestuários e bens eletrônicos – podem ser acessados com relativa facilidade, quando se compara com o Brasil, e a possibilidade de acumular capital em moedas estrangeiras, valorizadas em relação à moeda nacional, também se tornou um forte desejo entre brasileiros originários de Minas Gerais (TOGNI, 2012; SIQUEIRA, 2009; ALBUQUERQUE, 2012; MARTINS JR e DIAS, 2013). Existem destinos internacionais com os quais Minas Gerais, ao longo de décadas 204 de intensa migração populacional, acabou estabelecendo fortes conexões transnacionais. De acordo com o IBGE (2010), a América do Norte e a Europa Ocidental são os principais continentes onde a migração mineira ocorre. O Gráfico 1 mostra quais são os principais países procurados pelas redes migratórias mineiras. De antemão, podemos dizer que os Estados Unidos é o principal destino. Entre os 75.578 entrevistados pelo IBGE (2010), foram identificados 35.763 que emigraram para os Estados Unidos. O que corresponde a mais de 47% do público entrevistado. Já Portugal, mesmo que com diferença grande em relação aos Estados Unidos, apresenta-se como o segundo destino mais procurado entre mineiros, com cerca de 17.326 pessoas; na sequência foram identificados com volume significativo Itália (4.599); Espanha (4.584) e o Reino Unido (4582). Gráfico 1- Países de destino dos emigrantes de Minas Gerais Fonte: IBGE, Censo 2010. Org.: DIAS, Gustavo.; 2017 A literatura especializada em migração internacional demonstra que diferentes mesorregiões mineiras desenvolveram, ao longo de décadas, fortes redes migratórias com esses países (MARGOLIS, 1994; SIQUEIRA 2009; PEREIRA, 2012; DIAS, 2015, 2016; TOGNI, 2012; FUSCO, 2005; SOARES, 2002; FAZITO, RIOS-NETO, 2008). Redes migratórias desenvolvidas em cidades como, por exemplo, Carmo do Paranaíba (29.752 habitantes), Tiros (7.416 habitantes) e Rio Paranaíba (10.809 habitantes), localizadas na Microrregião de Patos de Minas e Mesorregião do 205 Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba - asseguram uma intensa circulação de pessoas, bens e informações com o Nordeste dos Estados Unidos, Reino Unido e Espanha (DIAS, 2016). Tais redes foram estabelecidas no começo dos anos 1990 e desde então revelam o desenvolvimento de uma indústria migratória especializada em táticas de mobilidade migratória capazes de superar o sistema de vigilância fronteiriça nesses países. Estudos conduzidos por Pereira, (2012), por exemplo, evidenciam que redes migratórias possibilitam a mobilidade da mesorregião do Jequitinhonha para os monocultivos de café e cana na região Sudeste do Brasil e, em seguida, para o exterior. Pereira, (2012) destaca os Estados Unidos, Espanha e Portugal como principais destinos, porém, pontua que outras regiões menos usuais também se tornaram atrativas para essa população jequitinhonhense. Dos três municípios que selecionei para analisar, Araçuaí, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso, os jovens migram para Portugal e Espanha. Contudo, vale observar que a crise econômica mundial com acento grave em 2005 na Europa também contribuiu para que alguns imigrantes jequitinhonhenses diversificassem suas rotas migratórias operando, em certos casos, a migração de retorno ao Brasil, e, em outros, avançando sua fronteira migratória indo para a África do Sul, Guiana Francesa e China (PEREIRA, 2012, p.36). Não obstante, o Censo demonstra que a intensidade migratória é bastante dispare entre essas mesorregiões, quando comparadas. O mapa abaixo, por exemplo, demonstra a forte predominância da mesorregião do Vale do Rio Doce sobre as demais (Figura 4). Figura 4 - Origem dos emigrantes internacionais por Mesorregião de MG 206 No que diz respeito à Mesorregião do Vale do Rio Doce, a Microrregião de Governador Valadares é a grande responsável por acentuar tal disparidade em relação às demais mesorregiões mineiras. De acordo com Siqueira (2004), a migração internacional do município de Governador Valadares é um fenômeno que remonta a década de 1940. Durante a Segunda Guerra Mundial, a extração da substância mineral mica de Governador Valadares e sua exportação para os Estados Unidos permite o primeiro contato de valadarenses com o “sonho americano”. O contato com o dólar recebido como pagamento ou gorjeta aos favores ou trabalhos prestados, cujo valor era muito acima da moeda brasileira, passava a idéia de opulência e fartura do local de onde vinham os americanos. Findo o ciclo econômico da mica, fica no imaginário popular a visão dos EUA como o Eldorado [...]. Essa visão de que a migração internacional era um projeto possível e relativamente fácil de SE concretizar, permite compreender a saída dos primeiros valadarenses para os EUA, na década de 60. Eram jovens, aventureiros, de famílias de classe média que, hoje, no relato de suas experiências, demonstram como a cultura da emigração impregnou toda uma geração. ” (SIQUEIRA, 2004, p.04) Na década de 60, os primeiros Valadarenses começam a migrar para os Estados Unidos. O “sonho de fazer a América” motiva jovens em busca de empregos pagos em dólar, bem como, a possibilidade de acessar um modelo de vida tão fortemente promovido no Brasil. Porém, somente no final da década de 1980, a cidade de Governador Valadares emergiu como uma espécie de plataforma migratória, não apenas para sua microrregião, mas, até para o restante do país. O movimento já não é mais caracterizado por aventura, mas são migrantes resultantes da crise econômica vivenciada pelo Brasil durante o período conhecido como a Década Perdida4. Esses compreendem a primeira onda migratória de brasileiros para o exterior. Soares (1995, p.15), pontua que o “[...] número de emigrantes valadarenses que se encaminham para outros países [...] é da ordem de 33,468 pessoas; o que representa, tendo como base o Censo de 1991, 15,9% da população encontrada na sede do munícipio e 14,5% da população do município”. Os Estados Unidos seguido do Canadá e, mais recentemente, Portugal são os principais destinos. 4 Os primeiros estudos consideram a «Década Perdida», durante os anos de 1980 (um período caracterizado pela turbulência econômica causada por duas sucessivas crises do petróleo - 1973 e 1979 - e a crise financeira mexicana em 1982, que se espalhou rapidamente em toda a América Latina) como o principal motivo econômico e social para explicar a saída de brasileiros (KAWAMURA, 1994; SALES, 1995; ver também SASAKI, 1995). De acordo com Sales (1995) e Margolis (1994), durante a década de 1980, a migração tornou-se uma solução temporária para uma classe média que estava lutando para manter seu estilo de vida. 207 Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos já na primeira metade de 1990 revelam a importância da indústria migratória presente em Governador Valadares (MARGOLIS, 1994; SALES, 1995). Entre as escolas de inglês, escritórios de advogados especializados em vistos, empresas de transferência e remoção de dinheiro, o que parece ser mais relevante é o fato de que as agências de viagens assumiram um papel fundamental na circularidade internacional (MARGOLIS, 1994; FUSCO, 2005; FAZITO e RIOS-NETO, 2008; TOGNI 2012). Como consequência, Margolis (1994) afirma que esta cidade criou uma espécie de “cultura de migração”, onde seus habitantes consideram que a migração traz benefícios para suas vidas e ampliam seus horizontes e muitas crianças crescem esperando migrar como parte de sua experiência de vida. O sucesso dos migrantes anteriores é espalhado por jornais e conversas. A presença de uma cultura generalizada de migração em uma determinada cidade ou região faz com que os emigrantes tenham diversas origens econômicas e educacionais. Não só as grandes áreas de cidadãos estão expostas à informação sobre a emigração, mas as remessas enviadas de parentes que já fizeram o movimento para o exterior permitem que outros sigam o mesmo. Em outras palavras, uma cultura de migração fornece tanto a ideologia como a base material - sob a forma de remessas de parentes no exterior - que aumentam a possibilidade de emigração para pessoas de ampla gama de origens (MARGOLIS 1994, p. 96, tradução nossa). Como resultado, entre as cidades de Minas Gerais com indústrias de migração bem estabelecidas, Governador Valadares tornou-se um lugar bem conhecido que proporciona mobilidade não apenas para sua própria população, mas também para pessoas de outros estados brasileiros. Alguns deles localizados a centenas de quilômetros de distância (MARGOLIS, 1994; FUSCO, 2005; SIQUEIRA, 2009). De acordo com Fazito e Rios-Neto (2008), os contatos com pessoas especializadas em mobilidade ainda são feitos com outras redes migratórias brasileiras que operam em estados como Rio de Janeiro, Goiás e São Paulo. Nas palavras Fazito e Rios-Neto, Em março de 2003, uma pesquisa na base de dados oficial de Governadores Valadares revelou aproximadamente 70 agências de viagens em operação5. Portanto, deve-se considerar a adequação das ações do turismo das agências (e seus esquemas reticulares) para entender a estrutura do sistema de imigração brasileiro contemporâneo - porque, como foi relatado na imprensa brasileira nos últimos dois anos, de acordo com a investigação da polícia federal, a evidência sugere que a rede ilegal de agências de Valadares se estende a outras cidades brasileiras como Victoria, Rio de Janeiro e Poços de Caldas (2008, p. 314). 5 Segundo o IBGE (2015), Governador Valadares tinha uma população de cerca de 240 mil habitantes em 2003. 208 De fato, Governador Valadares, designada por Machado (2009, p.171) como a “capital nacional da migração”, tem sido o foco das atenções de inúmeras pesquisas. Exemplo disto é a extensa bibliografia apresentada nesse verbete, que tem a cidade como objeto principal de análise ou ainda pesquisas que fazem referência a Governador Valadares para tornar inteligíveis conceitos como “cultura migratória” ou “redes migratórias”. Fusco (2005) mostra que a população de Governador Valadares compõe o grande número de brasileiros em quatro Estados diferentes dos Estados Unidos, com mais de 51% de sua população concentrada em Massachusetts. Uma afirmação semelhante pode ser encontrada em estudos desenvolvidos por Sales (2005), que pesquisou a origem dos brasileiros nos Estados Unidos e também encontraram a cidade de Governador Valadares como o principal envio. Através do exemplo apresentado acima, onde revela a circularidade transnacional de Governador Valadares para os Estados Unidos, podemos compreender a forte presença de redes migratórias internacionais no estado de Minas Gerais. Uma forte indústria migratória que pode ser desdobrada em agências de viagens, casas de câmbio, escolas de idiomas ou escritórios de advocacia especializados em vistos. Essa indústria é responsável por superar o forte sistema de vigilância fronteiriça que tem se multiplicado no mundo contemporâneo. Mais do que possibilitar o trânsito transnacional de pessoas, bens e informações, essas redes migratórias têm, também, a capacidade de buscar destinos migratórios que sejam menos vigiados por sistemas de fronteiras ou produzir caminhos alternativos. Referências ALBUQUERQUE, Sueli. Empreendedorismo no Retorno: estudo de caso das imigrantes brasileiras em Portugal. Apresentação no 2º Seminário sobre imigração brasileira na Europa, ISCTE-IUL. Portugal: Universidade de Lisboa. 2012. ANDERSON, Perry. Lula’s Brazil. London Review of Books. 30, n.10, p. 3-12. 2011. ARAúJO, Ana Flávia Rocha de. Por caminhos de águas e terras: o processo migratório de pescadores artesanais. 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Estigmatizada pela vida breve de seus veículos de informação, houve um tempo em que a imprensa mineira foi reduzida à má fama da imprensa belorizontina, qualificada, em 1926, pela pena pouco transigente do cronista Moacyr Andrade no diário carioca A Manhã, como “A cidade que Gutenberg esqueceu”. Acontece que algumas experiências realizadas ainda no século XIX, como o Compilador Mineiro – o primeiro jornal do estado, criado em 1823 na antiga capital Vila Rica – e o Sentinela do Serro – que iniciou suas atividades 217 em 1830 e foi editado durante três anos pelo republicano Teófilo Otoni, em Vila do Príncipe, atual Serro –, mostram que, se havia alguma razão na vacilante reputação da imprensa mineira, não era por falta de iniciativa daqueles que a faziam. Somente nos primeiros vinte e cinco anos da nova capital, fundada em 1897, brotaram nada menos que 160 publicações – isso sem contar aquelas que surgiram e desapareceram sem deixar rastros nos arquivos. Em 1930, passava de 200 o número de jornais criados desde a inauguração de Belo Horizonte. “Alguns eram brilhantes”, admite Moacyr Andrade um pouco mais complacente, “mas todos pirilampejavam e morriam”. Característica que se intensificou na virada dos anos 1920 para os anos 1930 – talvez o momento mais rico da imprensa mineira –, quando uma verdadeira compulsão jornalística tomou conta da capital e se propagou para outras cidades. De um lado, o Estado de Minas, criado em 1928, se firmava como “o grande jornal dos mineiros”, enquanto puxava o Diário da Tarde, de 1931, e era acompanhado pela Folha de Minas de Afonso Arinos de Melo Franco. De outro, conta o historiador Abílio Barreto, “a fundação de jornais na capital [tornou-se] iniciativa de porta de café”. Em meio ao frenesi de publicações, de fato chegou a existir um periódico com este perfil, o Diarinho-Reclame, que se 218 apresentava como diário, mas só circulava quando seu editor – que também era redator e tipógrafo – conseguia anúncios. Nesses casos, o homem saía de café em café à procura de algum escritor disposto a receber quatro mil réis para redigir todo o jornal. E muitos textos eram produzidos no local de encontro mesmo, “para atender à solicitação, imediatamente”, lembra Moacyr Andrade, que escreveu muita coisa em mesas de café. Tamanha era febre jornalística em Belo Horizonte nos anos 1930, que uma certa Adelina Corroti, diz Abílio Barreto, “não dispondo de recursos para a pagar a impressão, manuscrevia o seu quinzenário O poste em uma folha de papel almaço e o afixava em dois pontos mais movimentados da cidade”. é provável que venha destes tempos a imagem gasta de uma imprensa provinciana, que sempre esteve às voltas com publicações de vida breve e pouco alcance nacional. Clichês a parte, a história da imprensa em Minas Gerais mostra um panorama bem diferente. Se é verdade que muitos jornais nasceram e morreram no meio desse percurso, há que se ter em vista outras tantas experiências que, valendo-se de artifícios engenhosos e originais, conseguiram se reinventar e se estabelecer sob a sombra daquela que sempre foi uma das maiores características da imprensa mineira: o domínio da política. O certo mesmo é que muita coisa mudou desde o início do século passado. Longe daquela realidade de cem anos atrás – quando, por falta de público, o leitor que se interessava por uma publicação mineira era logo advertido de que poderia se tornar um assinante compulsório –, hoje em dia o jornal impresso mais lido no país é o diário belorizontino Super Notícia – que entre 2014 e 2015 alcançou um média de circulação de 249.297 exemplares, de acordo com o último ranking da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Uma reviravolta que com certeza não teria acontecido sem a inventividade de publicações que, em alguns casos, podem até não ter durado muito tempo, mas não deixaram de impactar a forma de se fazer jornalismo no Brasil. 1. Diário de Minas: o jornal (quase) oficial que incubou uma revolução cultural Com o primeiro número publicado no dia 1 de janeiro de 1899, o Diário de Minas chegou às bancas mostrando logo a que vinha: voltar toda a sua artilharia política contra o então presidente do estado Francisco Silviano de Almeida Brandão. Não poderia ser diferente, seu fundador e diretor era ninguém menos Francisco Mendes Pimentel, o principal nome de oposição a Silviano Brandão na bancada mineira do Congresso. Mas essa fase de independência antagonista não durou muito tempo: em novembro do mesmo ano, o jornal foi vendido para o todo-poderoso Partido Republicano Mineiro (PRM) e tornou-se seu órgão oficial. Como a rotatividade no poder ainda era apenas de nomes e não de partidos, não demorou muito para que o Diário de Minas também se tornasse uma espécie de porta-voz do Palácio da Liberdade – de onde assomavam discretas contribuições. Nada muito vultoso, percebia-se logo pelo volume minguado de 4 páginas e por sua dependência do serviço telegráfico do Minas Gerais – publicação oficial do estado – quando a pauta eram notícias vindas do Rio de Janeiro. Logo nos primeiros anos, o Diário de Minas quase não tinha leitores que não fossem políticos do PRM. A praxe da assinatura era forçosa, uma vez que, com frequência, o jornal era o único meio de se ter notícia sobre quem ia bem ou mal na avaliação da Comissão Executiva do partido. Como sentenciava um antigo bordão da organização “Fora do PRM não há salvação”. Por isso mesmo o Diário de Minas não era um jornal para se ler como os outros. Muitos iam direto para seção que informava sobre o embarque e o desembarque de políticos na estação ferroviária de Belo Horizonte. Na verdade, para o PRM o jornal não tinha outra função a não ser esta. Talvez seja por essa espécie de negligência com relação aos outros espaços do jornal é que 219 tenha sido possível surgir – a partir da chegada de Carlos Drummond de Andrade na redação, ainda nos anos 1920 – uma revolucionária página de literatura, capaz de tornar o tradicionalista Diário de Minas um arauto do movimento modernista em Minas Gerais. O jornal do PRM sempre havia contado com a presença de escritores. Durante os primeiros anos do século XX, sua redação na rua da Bahia chegou a reunir adeptos do parnasianismo, que, à sombra do poeta Mendes de Oliveira, publicavam uma seção de trocadilhos e quadrinhas humorísticas. Mas foi a partir de 1921, com a publicação dos primeiros textos do poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade, que o panorama começou a mudar. Mesmo que, no ano seguinte, a tradicional publicação do PRM não tenha dedicado sequer uma linha à Semana de Arte Moderna – realizada entre 8 e 11 fevereiro de 1922 na cidade de São Paulo –, nada conseguiu evitar que dali em diante suas páginas reverberassem o abalo da revolução cultural que estava em curso no país. Em setembro daquele ano, Drummond comentou o romance Os condenados, de Oswald de Andrade, e fez referência ao Pauliceia desvairada de Mário de Andrade; tudo em um mesmo artigo. Dali dois anos, em 1924, já não era mais possível que o jornal se mantivesse alheio à visita dos dois 220 Andrades: “Minas histórica através da visão de um esteta moderno”, anotou um redator anônimo, que apresentou uma entrevista com Oswald de Andrade sob o título “Embaixada artística”. Estava dada a largada para a progressiva ocupação da página de literatura do Diário de Minas pelos modernistas, consumada de uma vez por todas em 1926, quando Carlos Drummond de Andrade foi convidado para se tornar redator e logo se viu responsável pelo cargo de editor-chefe. Logo que se entrava era aquele barulho de impressão, o cheiro de tinta, misturado ao do tabaco, a luz crua descendo de lâmpadas nuas. Funcionários e visitas iam se abancando, os primeiros acostumados a escrever artigos, corrigi-los, rever provas conversando e sem se perturbarem com as interrupções nem com a barulhada de locomotiva que subia das tipográficas. E começava a prosa até quando saíam para os ventos da noite fria deixando o jornal pronto para o dia seguinte. As palavras são de Pedro Nava, um dos “rapazes do Diário”, que, sob o olhar atento do chefe “futurista”, dividia as tarefas do cotidiano de redação com os colegas Afonso Arinos, Emílio Moura, Cyro dos Anjos, João Alphonsus, Abílio Barreto e Martins de Almeida. Todos animados e muito bem representados pela “perfeita ironia” de que tratam os versos de Drummond: “a mão tece ditirambos / ao partido terrível. E ele me sustenta”. Importante espaço para a formação da nova geração de escritores mineiros na virada dos anos 1920 para os anos 1930, com o espaço de apenas uma página, o Diário de Minas inovou na forma de se fazer jornalismo em Minas Gerais. Circulou em todo o estado até 1931, quando, um ano após a deposição de Washington Luís da presidência da República pela Aliança Liberal, O PRM se dividiu entre os que apoiavam e se opunham à solução revolucionária. Ressurgiu 18 anos depois, em 14 de julho de 1949, comprado pelo então prefeito de Belo Horizonte Otacílio Negrão de Lima – que, a essa época, tinha intenções de usá-lo para conquistar o Palácio da Liberdade. Em sua nova fase, o Diário de Minas atravessou um período sob a sombra do Jornal do Brasil, que o arrendou por algum tempo nos anos 1960. Protagonizou um capítulo de brilho, quando, na década de 1970, tornou-se um verdadeiro ninho de jovens talentos. Fechou as portas da redação em 1994, por decreto do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), depois veicular uma denúncia de desvio do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) contra o então senador Eduardo Azeredo. Um fim não muito digno de um jornal que um dia abriu as portas de Minas para o restante do país. 2. Estado de Minas: a longa vida de um jornal envolvido com a política nacional “Primeiro esforço válido e frutificante para dotar Belo Horizonte de um jornal jornalístico, em linha de independência e compostura”, segundo palavras de Carlos Drummond de Andrade, o jornal Estado de Minas foi fundado em 7 de março de 1928 por Juscelino Barbosa, álvaro Mendes Pimentel e Pedro Aleixo, a partir da experiência frustrada do Diário da Manhã, criado um ano antes, em 1927. Com 12 páginas, formato tabloide e tiragem inicial de 5 mil exemplares, o diário chegava às bancas ainda pela manhã após o trabalho de uma equipe de jovens redatores, composta por nomes como José Maria Alkmin, Milton Campos, Tancredo Neves e Francisco Negrão de Lima. Conhecido pelo envolvimento nos assuntos da política, o Estado de Minas inaugurou a prática ainda no primeiro semestre de 1929, quando repercutiu a campanha em favor do voto secreto, lançada pelo então presidente do estado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – que, por estes tempos, se dizia empenhado em fazer “serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela violência”. Transformado numa Sociedade Anônima em junho de 1929, o Estado de Minas passou a ser controlado pelo sócio majoritário Francisco de Assis 221 Chateaubriand de Melo – empresário paraibano que a esta altura já dava os primeiros passos na formação dos Diários Associados –, enquanto Pedro Aleixo tornou-se presidente e José Maria Alkmin, gerente. A partir de então, o jornal engajou-se na campanha da Aliança Liberal para a presidência da República, tendo Milton Campos como redator-chefe e Tancredo Neves no cargo de secretário de redação. Com a derrota da Aliança Liberal nas eleições de 1930, o Estado de Minas abraçou a causa do movimento armado revolucionário e, no ano seguinte, passou a contar com a força de outro jornal criado por Assis Chateaubriand na capital mineira, o Diário da Tarde. Contudo, à medida que o tempo passava e o Governo Provisório se mantinha no poder, o jornal começou uma campanha de oposição a Getúlio Vargas e transferiu seu apoio político àqueles setores do PRM ligados a Artur Bernardes e simpáticos à Revolução Constitucionalista de 1932. Dali a 3 anos, em 1935, o jornal voltava atrás para dar apoio a Vargas no combate à organização de forças políticas de esquerda em torno da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Foi nessa mesma época que a redação recebeu um jovem cronista de 19 anos, descrito pelo então diretor Afonso Arinos como “magro 222 (...), silencioso, caçoísta e meio casmurro”, chamado Rubem Braga. A posição favorável do Estado de Minas ao governo de Getúlio Vargas continuou durante sua fase constitucional, atravessou o golpe que instaurou o Estado Novo em 1937 e só foi sofrer um revés em outubro de 1943, quando o jornal deu ampla cobertura ao “Manifesto dos Mineiros”: primeira manifestação pública contra a ditadura do Estado Novo, assinada por muitos funcionários e colaboradores do diário, como Pedro Aleixo, Milton Campos, Artur Bernardes, Afonso Arinos e Pedro Nava. Desde então, um antigetulismo passou a dar o tom dos editoriais no Estado de Minas. Postura que se manteve durante as eleições presidenciais de 1945 e 1950, passou pela crítica à campanha popularizada com o lema “O petróleo é nosso” e se acentuou em 1954, quando o diário mineiro reproduziu as pressões para a deposição de Vargas que vinham da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. Neste mesmo período, enquanto o país acompanhava perplexo a notícia do suicídio de Getúlio Vargas, o jornal passou por uma reforma gráfica e adotou o formato standard. Foi este o momento que marcou a inusitada decisão do diário mineiro de manter uma postura mais neutra e afastada dos conflitos políticos. Não durou muito. Em 1962, quando João Goulart já havia assumido a presidência da República e o compromisso com as reformas de base, os editoriais do Estado de Minas alertavam seus leitores para uma ameaça que parecia rondar o país: o fantasma do comunismo. Foi assim que o jornal mineiro passou a funcionar como um dos órgãos articuladores do golpe militar, que em 31 de março de 1964, depôs o presidente João Goulart. Enquanto isso, o diário passava por mais inovações técnicas: em abril de 1963 inaugurou o serviço de radiofoto e, no ano seguinte, passou por mais uma reforma gráfica, dessa vez elaborada pelo artista plástico Amílcar de Castro. Já na década de 1980, o jornal cresceu em captação de publicidade, vendas avulsas e número de assinantes. E em 20 de março de 1988, teve sua primeira foto colorida impressa na capa, registro do treino da seleção brasileira de vôlei. Por esses tempos, o Estado de Minas se destacava como o maior e mais ruidoso órgão de oposição ao então governador de Minas Gerais, Newton Cardoso, tratado em suas páginas como “o eventual ocupante do Palácio da Liberdade”. Tamanho era o desgaste político causado pelo jornal dos Diários Associados que, ainda em 1988, o governador do estado decidiu fundar um jornal próprio, o Hoje em Dia – diário que circula até hoje em Belo Horizonte e região metropolitana. Mas dali a 3 anos, em março de 1991, aconteceu o que parecia ser uma reviravolta inesperada. O governador Newton Cardoso comprou parte das ações do Estado de Minas das mãos do filho de Assis Chateaubriand, Gilberto Chateaubriand, que, à época, se encontrava em litígio com os outros herdeiros dos Diários e Emissoras Associados. Apesar da surpresa, o ato não trouxe maiores consequências para o diário mineiro. Em janeiro de 1996, o jornal se modernizou e passou a integrar o Portal Uai, do grupo Diários Associados, abrindo as portas de sua redação para o formato digital. Hoje, perto de completar 90 anos de existência, o Estado de Minas não mais concentra o monopólio das comunicações em Minas Gerais. Não obstante, continua atuando como um dos principais e mais importantes veículos da imprensa mineira, com uma média de circulação de 48.695, segundo dados de pesquisa realizada em 2015 pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). 3. Folha de Minas: o diário que nasceu antagonista Em 1933, Afonso Arinos de Melo Franco se desentendeu com Assis Chateaubriand e deixou a direção do Estado de Minas. O motivo era 223 a escolha que o presidente Getúlio Vargas havia feito para o posto de interventor federal no estado: enquanto muitos juravam que o escolhido seria Gustavo Capanema – interventor interino desde a morte de Olegário Maciel –, a surpresa chegou a galope com a nomeação do deputado Benedito Valladares. Desde então, Afonso Arinos empenhou-se na construção da imagem de opositor dos governos estadual e federal. Tanto fez que acabou atingindo o ex-presidente Antônio Carlos, num artigo que, por determinação de Assis Chateaubriand, foi prontamente censurado. No dia seguinte, 14 de junho de 1934, Arinos demitiu-se dos Diários Associados para dar os primeiros passos na criação do jornal Folha de Minas, ao lado do irmão Virgílio de Melo Franco. Conseguiu arrastar muita gente da equipe de reportagem do Estado de Minas, além de atrair grandes nomes do Rio de Janeiro e São Paulo, como Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda. O primeiro número chegou às bancas no dia 14 de outubro de 1934 e vendeu 11 mil exemplares. Uma estreia considerável para a época. Mas a experiência não foi muito longe. Às voltas com problemas financeiros, não demorou muito para a folha ir a pique. E o tiro de misericórdia veio 224 com a censura imposta à imprensa pelo Levante Comunista de 1935. No final daquele mesmo ano, o jornal que havia surgido para importunar a vida daqueles que ocupavam o Catete e o Palácio da Liberdade, passou para as mãos dos bancos oficiais mineiros. O que em outras palavras significa que foi parar nas mãos de ninguém menos que Benedito Valladares. Desgostoso, Afonso Arinos tomou o trem para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou para sua terra natal. Apesar do temerário passo do diário depois da saída de Afonso Arinos, a redação da Folha de Minas – na rua Rio de Janeiro, esquina com Tamoios – até chegou a se tornar um ponto importante no mapa cultural de Belo Horizonte. Certa vez, foi prontamente convertida numa galeria de arte para receber uma exposição do pintor Genesco Murta. E, nos anos 1940, era visitada todo fim de tarde por colaboradores da estirpe de Cyro dos Anjos, Emílio Moura, Eduardo Frieiro e João Alphonsus. Não foi por falta de bons jornalistas e pautas que a Folha de Minas jamais decolou. Muito pelo contrário: além de contar com alguns dos melhores nomes da imprensa mineira, desde os tempos de Afonso Arinos sempre publicou literatura de primeira ordem em suas páginas. E com uma liberdade bem maior que nos outros jornais, pois, assim como no Diário de Minas, para o dono da Folha – o governo estadual – a única coisa que importava era o noticiário político. Por isso mesmo, o melhor da Folha de Minas foi o seu suplemento literário, comandado, primeiro, por Otto Lara Resende, depois por Paulo Mendes Campos, Jaques do Prado Brandão e Edmur Fonseca. Foram muitos os escritores que fizeram sua estreia ali. Por exemplo, Roberto Drummond, que publicou o conto “O medo” por volta de 1960 nas páginas da Folha e, durante duas décadas, o contabilizou como solitário exemplar de sua produção literária. Entre pontos altos e baixos, a Folha de Minas seguiu uma trajetória rica em termos de cultura, mas vacilante quando o assunto era política. Isso até acabar de vez em 1964, por determinação do então governador José de Magalhães Pinto. 4. Binômio: entre o deboche e a denúncia política Os primeiros anos da década de 1950 marcaram o surgimento de uma das experiências mais originais da imprensa brasileira: o semanário Binômio. Tudo começou como uma brincadeira de dois estudantes de Direito, José Maria Rabelo e Euro Arantes. Enfastiados com o apoio quase unânime que a imprensa mineira dava ao então governador Juscelino Kubitschek, os dois jovens trataram de concentrar esforços na criação de uma folha com traço meio burlesco, que desempenhasse o papel de voz dissonante naquele mar de consenso. O título tinha como inspiração o slogan da campanha responsável por conduzir Juscelino Kubitschek ao Palácio da Liberdade em 1950. Mas, no entendimento de seus criadores, o lema “Binômio: energia e transporte” deveria passar por uma pequena modificação a fim de ser mais condizente com o comportamento do novo governador. E foi assim que surgiu a ideia do título “Binômio: sombra e água fresca”, sempre acompanhado de um subtítulo atrevido: “Órgão quase independente”. Com quatro páginas e composição manual, o primeiro número da publicação de José Maria Rabelo e Euro Arantes saiu às ruas no dia 22 de fevereiro de 1952. Ainda não era um semanário. Durante 2 anos, o jornal chegava às bancas de 3 em 3 semanas. Quando a brincadeira se tornou mais séria, a redação foi transferida da república de estudantes para o Edifício Capixaba, na rua Rio de Janeiro, no centro de Belo Horizonte, para depois instalar-se em definitivo na rua Curitiba, esquina com Carijós. Animado por uma verve debochada, não demorou muito para que o jornal tivesse seus exemplares confiscados. Tudo por conta de uma simples viagem realizada pelo governador 225 Juscelino Kubitschek à cidade mineira de Araxá, em companhia do empresário Joaquim Rolla, que não passou incólume à tinta ácida do Binômio. Em pleno domingo, 27 de julho de 1952, a primeira página do número 9 trazia em caixa alta a manchete “Juscelino foi a Araxá e levou Rolla”. E emendava com algumas supostas palavras do empresário, segundo o qual “muitos entenderam que a manchete punha em dúvida a masculinidade do governador”. O escarcéu foi tamanho que o então secretário de Segurança Pública de Belo Horizonte, Geraldo Vidigal, mandou recolher todos os exemplares da edição, alegando ofensa à moral e bons costumes do tradicional povo mineiro. Não seria a última vez. Quando o Binômio convergiu toda a sua artilharia contra o governo de José Francisco Bias Fortes, as pressões do velho político de Barbacena sobre a redação e gráfica foram tão pronunciadas que a direção do jornal não teve outra alternativa a não ser transferir a impressão para o Rio de Janeiro. “Foi o segundo caso de exílio tipográfico na história da imprensa brasileira”, dizia José Maria Rabelo – o primeiro havia sido o Correio Braziliense de Hipólito José da Costa, transferido para Londres por pressões políticas da Corte portuguesa no início do século XIX. 226 O Binômio começou a enfrentar problemas ainda mais graves quando tornou pública e manifesta sua inclinação à esquerda. Foi o caso, por exemplo, de quando José Maria Rabelo e Euro Arantes caçaram confusão com os integralistas. Durante a campanha presidencial de 1955, o jornal publicou uma montagem fotográfica em que Plínio Salgado, o candidato dos integralistas, aparecia lendo tanto a Vida de Jesus, quanto um livro da atriz nudista Luz del Fuego – o mesmo para o qual havia escrito um prefácio. Não demorou muito para que os integralistas descessem em peso para a redação do jornal. Vendo o bando chegar e cercar o edifício Capixaba, José Maria Rabêlo e Euro Arantes pensaram rápido e tiveram uma ideia: instalaram alguns alto-falantes, de propriedade do Partido Socialista, nas janelas e começaram a gritar insultos, correndo de um para o outro e mudando as vozes. O objetivo era dar a ideia de que havia muita gente na redação disposta a resistir. Não se sabe se os integralistas ficaram intimidados. Fato é que se dispersaram em questão de minutos. A história não acabou tão bem para o semanário no final de 1961. Na onda do radicalismo político que sucedeu a renúncia do presidente Jânio Quadros e embalou a luta pela posse do vice-presidente João Goulart, o comandante das forças federais em Belo Horizonte, general João Punaro Bley, deu uma palestra na Associação Comercial em que denunciava o avanço comunista e insistia na necessidade de se “defender a democracia”. Poucos dias depois, em um editorial do Binômio, José Maria Rabelo admitia a necessidade de se defender a democracia, mas colocava em cheque a índole do general para tanto. “Afinal, quem é esse general, Punaro Bley?”. A resposta vinha com o material trazido por José Nilo Tavares – repórter do Binômio enviado ao estado em que Punaro Bley havia sido interventor, o Espírito Santo – repleto de relatos de violência cometida contra militantes de esquerda: “Democrata hoje, fascista ontem”. Foi a conta certa do militar se dirigir à redação do Binômio para tirar satisfação. Falou alto com os redatores, trocou alguns murros com Rabelo e saiu com o rosto sangrando. Duas horas depois o prédio foi cercado, invadido pelo exército e toda a redação foi destruída. Mesmo assim, o Binômio circulou na semana seguinte – e publicou de novo a reportagem sobre Punaro Bley. às vésperas do Golpe de 1964, enquanto chegava às bancas a edição de número 508 – a última do Binômio –, os militares já haviam colocado em execução a “Operação Gaiola”. Foi por pouco que José Maria Rabelo escapou dessa: no exato instante em que descia por um elevador, subiam, por outro, os homens encarregados de engaiolá-lo. Precursor d’O Pasquim, que só surgiria em 1969, o Binômio – responsável por revelar nomes como Wander Piroli, Fernando Gabeira e Ziraldo – terminou por ali mesmo. José Maria Rabelo exilou-se na Bolívia, Chile, França e só retornou ao Brasil em 1979, após a Lei de Anistia. Nunca mais retomou a impressão do semanário que havia ajudado a criar no início dos anos 1950. Os tempos eram outros, e afinal como disse Euro Arantes, tudo não passou de “uma brincadeira de estudantes que a polícia resolveu levar a sério”. 5. De Fato: o mineiro alternativo Não foi só o Binômio que combinou denúncia política e jornalismo em Minas Gerais. Ainda em 1943 – em plena ditadura do Estado Novo –, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resente, Francisco Iglésias e Darcy Ribeiro se juntavam em uma casa atrás da Praça da Liberdade, a poucos metros da antiga “Chefatura de Polícia”, para editar o clandestino Liberdade. Já 33 anos depois, em 1976 – quando dessa vez a ditadura era militar –, a chamada “imprensa alternativa” viu nascer outro de seus principais exemplares mineiros, o jornal De Fato. De acordo com Aloisio Morais, um de seus fundadores, o assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do Codi paulista em 1975 serviu como o grande pretexto 227 para se criar a publicação. O De Fato surgia como resposta aos níveis alarmantes atingidos pela falta de liberdade de imprensa no Brasil. “Quanto ao preço, cinco cruzeiros (...) lembramos que é mais barato que um maço de cigarros Hollywood”. Assim terminava o editorial do primeiro número do jornal De Fato, publicado em janeiro de 1976. As reuniões de pauta aconteciam na casa de Aloisio Morais e as tiragens eram custeadas pelos próprios colaboradores. “A gente se sentava numa mesa na casa do Aloisio e cada um fazia o que podia para ajudar”, relata a diagramadora Dione Dutra, “às vezes varamos a madrugada”. Vendido em bares, portas de teatro e na Feira Hippie, a regularidade das publicações do De Fato era prejudicada pela constante apreensão de exemplares – o que só mantinha o prejuízo de quem colaborava e aumentava o problema da falta de recursos para as edições seguintes. Os assuntos abordados no jornal eram muito diferentes do que se via nas páginas da grande imprensa. Variavam entre política e cultura, economia e educação, religião e sexualidade; e não foram poucas as vezes em que os próprios leitores pautaram as matérias. Foi uma das primeiras publicações mineiras a repercutir a voz do movimento feminista e escancarar denúncias 228 de graves violações de direitos humanos cometidas por policiais e militares em Minas Gerais. Daí mesmo apareceu uma de suas matérias mais polêmicas, que tornavam públicas as ações violentas da Polícia Metropolitana (Metropol), chamada de “Metropau” logo na primeira página. O jornal De Fato funcionou até 2 de setembro de 1978, dia em que sua redação – a casa de Aloisio Morais e Fernando Assunção –, que ficava no número 2.399 da Avenida do Contorno, no bairro Floresta, sofreu um atentado. De manhã, estava tudo aberto e revirado, a caderneta de endereços tinha sido levada, fio do telefone arrancado. Uma garrafa com um líquido estranho sobre a mesa dava para perceber que era uma bomba caseira. A gente recebia cada vez mais ameaças por telefone, de madrugada, principalmente. Em uma nota assinada pela equipe, o último número do De Fato relatava o atentado e completava: “Em que pese a série de dificuldades que temos enfrentado, intimidações como estas não nos afastarão da verdade dos fatos e continuaremos firmes no propósito de permanecermos na luta ao lado da oprimida maioria do povo brasileiro.” Dali em diante o jornal parou de circular e o atentado nunca foi esclarecido. 6. Suplemento Literário do Minas Gerais: um espaço de experimentação cultural refugiado na barriga da Imprensa Oficial Assim que assumiu a cadeira do Palácio da Liberdade, em 1966, o governador Israel Pinheiro decidiu renovar as monótonas páginas do antigo jornal oficial do estado, o Minas Gerais, com a ideia de incorporar algo que fosse capaz de suavizar a aspereza do texto burocrático. Afinal, ele argumentava, o Minas Gerais era o único jornal que circulava em 200 municípios do norte do estado. A reforma ficou por conta do então secretário de governo e diretor da Imprensa Oficial, Raul Bernardo Nelson de Senna, que imaginou uma página semana de literatura e tratou de levar a ideia para a avaliação de três redatores do jornal: Murilo Rubião, Ayres da Mata Machado Filho e Bueno de Rivera. “Por que não um suplemento literário, em vez de uma simples página?” Raul Bernardo gostou da ideia de Murilo Rubião e o projeto começou a andar. Misturando autores consagrados e principiantes, o Suplemento Literário do Minas Gerais foi lançado em 3 de setembro de 1966, como encarte das edições de sábado do Diário Oficial. Trazia na capa um poema de Bueno Rivera, “O país dos laticínios”, um desenho de álvaro Apocalypse e não se restringia à ficção, à poesia e ao ensaio sobre literatura. Tratava, também, de teatro, cinema e artes plásticas. A pequena equipe contratada por Murilo Rubião era composta pelos redatores Márcio Sampaio e José Márcio Penido e pelo diagramador Lucas Raposo. O sucesso foi instantâneo. De outros pontos do Brasil e do exterior começaram a chegar tanto congratulações como colaborações. Do Rio de Janeiro, escreveram João Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. De Roma, o poeta Murilo Mendes. Todas essas ilustres participações contribuíram para tornar comum a prática da publicação de especiais – quando, além dos 27 mil exemplares em papel jornal do Minas Gerais, circulavam cópias mais caprichadas, em papel de qualidade e em cores, que se desdobravam em 2 ou 3 semanas. Foi em um desses especiais que, no início de 1968, o suplemento dedicou espaço aos jovens escritores e artistas plásticos mineiros, gesto fundamental na composição da nova cena cultural do estado. Desde que decidira acolher a produção de jovens autores, o Suplemento Literário do Minas Gerais já vinha desempenhando essa tarefa. Só que com o especial de 1968, o jornal não formou apenas um grupo literário, mas uma verdadeira federação de grupos envolvidos na produção cultural, conhecida como “geração Suplemento”, que escolheu como 229 ponto de encontro a própria redação do semanário. Dela faziam parte nomes como Luiz Vilela, Humberto Werneck, Jaime Prado Gouvêa, Sérgio Sant’Anna, Duílio Gomes, Márcio Sampaio, Adão Ventura. Celebrado muito mais fora do que dentro do próprio estado que dava nome ao jornal, não demorou muito para que o Suplemento Literário esbarrasse em dificuldades decorrentes do provincianismo e conservadorismo político de autoridades do interior de Minas Gerais. Isso porque como o jornal era recebido compulsoriamente em repartições públicas de todo o estado, volta e meia brotava uma montanha de reclamações sobre a conduta da publicação na mesa do diretor da Imprensa Oficial – ou mesmo no gabinete do governador Israel Pinheiro. Foi o que aconteceu em setembro de 1967, quando um poema de Affonso Romano de Sant’Anna na primeira página, intitulado “O poeta mede a altura do edifício”, chamou o Empire State Building, de Nova Iorque, de “pênis maior do mundo”. Padres, prefeitos, vereadores e juízes de todo canto de Minas Gerais indignaram-se com tamanho despudor. Israel Pinheiro mesmo não dava muita importância a esses episódios. Na verdade, até se divertia. Certa vez, chegou para Murilo Rubião no Palácio da Liberdade e perguntou: “Como é, tem saído muito palavrão no nosso 230 suplemento?”, e emendou com uma sonora gargalhada. Mas não seria assim para sempre. No início dos anos 1970, o novo governador de Minas Gerais, Rondon Pacheco, foi alertado para o teor “avançado” das publicações no Suplemento Literário. A partir de então o semanário começou a sofrer sérios cortes da censura, foi acusado de ser um “antro de comunistas e homossexuais” e começou a perder sua importância. O suplemento seguiu aos trancos e barrancos até maio de 1975, quando, por ordem do diretor Hélio Caetano, as máquinas pararam de imprimir um número que já estava prestes a sair, enquanto um editorial do Minas Gerais anunciava que a publicação seria reformulada com vistas a “uma maior integração de outras fontes de cultura, de maior densidade e abrangência”. “O episódio, que teve repercussão nacional”, diz Humberto Werneck, um de seus redatores, “significava uma vitória das velhas forças da subliteratura estadual, concentradas na Academia Mineira de Letras. Ao cabo de quase nove anos de batalha, essa gente havia conseguido, finalmente, pôr as mãos no Suplemento Literário do Minas Gerais”. A eleição de Tancredo Neves para o governo do estado, em 1982, parecia trazer consigo ventos melhores. Como Israel Pinheiro havia feito em 1966, o novo governador estava empenhado em restaurar a importância que o suplemento tivera em outros tempos, quando chegou a ser reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes veículos de informação cultural da língua portuguesa. Mas, apesar do esforço em compor uma nova equipe e preparar novas edições especiais, ninguém discordava de que os tempos definitivamente eram outros. Para o poeta Affonso Ávila, a história do Suplemento Literário do Minas Gerais acaba em 17 de maio de 1975, dia que saiu às ruas a edição de número 454, última sob o comando de Wander Piroli. “Foi nesse momento preciso que (...) o jornal criado por Murilo Rubião deixou de ser relevante” 7. Imprensa Regional: o interior também irradia informação com criatividade Quando o assunto é imprensa mineira, é muito comum que as experiências relatadas se limitem à capital, Belo Horizonte. Mas Minas Gerais é grande demais para caber em 330 km². E com a criação de veículos de notícia é claro que não poderia ser diferente. A começar pela própria região metropolitana de Belo Horizonte, que atualmente conta uma lista robusta de canais de comunicação independentes. Para indicar apenas alguns: Folha de Betim e Tribuna de Betim; Diário de Contagem e Folha de Contagem; em Santa Luzia, Virou Notícia, Muro de Pedra e O Grito – publicação que esteve no centro das acusações que recentemente levaram à exoneração e prisão da prefeita do município, Roseli Pimentel. Ampliando ainda mais o raio de alcance, temos o diário Correio do Sul, em Varginha; o Correio de Uberlândia; o Diário do Aço, em Ipatinga; e a Tribuna de Minas, na cidade de Juiz de Fora. Jornais com histórias próprias e acentuada atuação local. Alguns de longevidade invejável para muitas publicações da capital – como o jornal Lavoura & Comércio, que, fundado em Uberaba no dia 6 de julho de 1899, circulou até 27 de outubro de 2003. E outros que, embora mais recentes, não deixaram de agitar a cena cultural de algumas das mais pacatas cidades do interior mineiro. Foi este o caso do jornal O Cometa Itabirano, criado na cidade de Itabira em novembro de 1979 por Lúcio Sampaio, Altamir Barros, Robinson Damasceno, Carlos Cruz, Agostinho Souza (o Tiusguinha), Lelinho Assuero, Genin Quintão e Humberto Sampaio (o Touro). Fundado como alternativa à imprensa itabirana do período – que, em muitos casos, não ousava se contrapor à influência econômica da poderosa Companhia Vale do Rio do Doce na região –, O Cometa, conta 231 Robinson Damasceno, “era feito em longas e caóticas reuniões etílicas na casa do Lúcio e de lá saíamos com nossas pautas, imediatamente revogadas assim que surgiam assuntos mais importantes. Tudo com muita música, longas conversas sobre cinema, teatro e literatura”. Do Rio de Janeiro, o poeta Carlos Drummond de Andrade acompanhava com interesse a irreverente inciativa dos jornalistas itabiranos da nova geração. “Gosto dos garotos do Cometa Itabirano” expressou, certa vez, em carta endereçada ao conterrâneo Arp Procópio, acho que eles, fazendo força e se disciplinando o mínimo que é necessário para fazer pontualmente um jornal, poderão prestar grande serviço à nossa Itabira, Como você sabe, o que existe por lá são folhas mal escritas e todas dependentes do controle econômico da Vale, a que não escapam as próprias autoridades municipais, mesmo as mais bemintencionadas. Além de colaborar com poemas e crônicas para a publicação, Drummond servia como uma espécie de conselheiro e guru dos jovens jornalistas. Era indispensável a experiência de quem saiu de Itabira, fez carreira jornalística em Belo Horizonte e foi parar em um dos principais veículos de comunicação do país, no Rio de Janeiro. Por isso mesmo, a troca de cartas era intensa. Em uma delas, datada de 25 de maio 232 de 1980 – quando o jornal ainda não havia passado do quinto número –, o poeta indicou os pontos positivos da lépida folha itabirana, mas chamou a atenção: Acho (...) que o Cometa deve abandonar o vício de imitar o Pasquim, que é fenômeno carioca nunca adaptável a uma formação social ainda muito sentimentada como a da velha Itabira; e escrever para a nova formação, adventícia e incaracterística, no estilo que ela usa (...). O Cometa pode e deve dizer verdades que os outros jornalecos não estão em condições de dizer, mas pode fazê-lo em melhor linguagem e mais apurada, com uma seriedade mesclada de bom humor. Puxou a orelha para concluir com um diplomático – e retórico – “Está de acordo?”. “O jornal era e foi uma tremenda experiência coletiva. Debatia-se tudo e mais um pouco, sem medo de rusgas. Poderíamos ter feito um partido político decente, mas aí o jornal não duraria o tempo que durou”. As palavras são de Robinson Damasceno, um dos fundadores d’O Cometa. Sua fala está conjugada no passado, mas a publicação ainda hoje circula por Itabira – mesmo que com uma periodicidade nada periódica. Publica divertidos cartuns e charges, e textos interessantes sobre cultura. Mas há quem diga que não se trata daquele mesmo jornal com que um dia Drummond se correspondeu. A distância parece ter diminuído com o passar dos anos e, atualmente, o periódico é editado em Belo Horizonte. Talvez seja por essa suposta perda da identidade local que Damasceno justifique seu testemunho um tanto nostálgico sobre o cotidiano d’O Cometa Itabirano: “falo aqui de um jornal que já não há. Aquele Cometa durou exatos dez anos e acabou. Sua morte ainda não foi anunciada por razões que não me cabe discutir aqui. Mas olhem: foram dez anos de um ganho emocional fabuloso para todos os que participaram daquela aventura maravilhosa que foi O Cometa”. 8. Super Notícia: a nova cara e linguagem da imprensa em Minas Gerais Certa vez, o veterano jornalista Moacyr Andrade contou como era o cotidiano na redação do jornal mineiro Correio da Manhã – fundado em 1927 por Victor Silveira e extinto três anos depois, em 1930: “Nossos repórteres pelejavam para arranjar sensacionalismo noticiando crimes, mas voltavam suados à redação, com atentados insignificantes ao Código, que mal mereciam uma coluna”. E, no limite do desespero pela notícia, não foram poucas as vezes em que os redatores lançaram mão de recursos escusos para encher a bola da folha: “Inventamos pitonisas, assombrações e até um faquir indiano, que dissemos estar aqui incógnito, vindo de um mosteiro do Himalaia”, confessou. A falta de material para um “furo jornalístico” – como se diz hoje – era tanta que, quando finalmente um certo sargento Anhambira matou um tenente Humberto no quartel do 1º Batalhão de Polícia de Minas Gerais, o Correio Mineiro explorou a história o máximo que pôde, e o esticou ao longo de três meses “para que o povo não perdesse o seu sabor, assim como se conserva carne no congelador...”. Não havia um só dia em que o editor sergipano Alberto Deodato, já sem muitas esperanças, não se queixava da monotonia da capital mineira: “Que cidade horrorosa, que não dá crimes!”, saía gritando por entre as mesas da redação. “Não dá nada de sensacional, e temos de encher um jornal!”. De lá para cá, muita coisa mudou. A cidade cresceu para além de seu contorno original, o número de habitantes – tanto na capital, como nos demais municípios do estado – explodiu. E é claro que com a quantidade de crimes não haveria de ser diferente. O certo é que aquela busca por “arranjar sensacionalismo”, que tirava o sono dos repórteres na redação do Correio da Manhã no final dos anos 1920, deixou de ser tão frustrante e tomou enormes proporções nos dias de hoje. E foi sob a sombra desse fenômeno social que há poucos anos surgiu em 233 Minas Gerais uma das experiências mais bem-sucedidas em termos de alcance público hoje no Brasil. Com formato tabloide e linguagem direta, o Super Notícia saiu pela primeira vez às ruas no dia 1º de maio de 2002. Publicado pela Sempre Editora – criada em 1996 pelo empresário e político Vittorio Medioli para rodar o diário O Tempo –, o jornal Super se destaca das outras publicações por seguir uma linha editorial que privilegia manchetes sensacionalistas, textos reduzidos e prestação de serviços públicos. Isso sem falar no baixo custo e acesso fácil. Se em seus primeiros anos o tabloide podia ser adquirido por 25 centavos até mesmo em pontos de ônibus e semáforos, hoje, em qualquer padaria, supermercado ou farmácia, o diário é vendido a 50 centavos. “Desbravamos assim o mundo da leitura ‘popular’ menosprezada, marginalizada, esquecida. Cutucamos a ‘base da pirâmide’”, diz Medioli. “Um Super debaixo do braço ou entre mãos calejadas passou a preencher o panorama de Belo Horizonte, das cidades mais próximas e de outras que, embora distantes da capital, reclamavam sua dose de notícias. Hoje, são 400 municípios alcançados”. Preocupado muito menos com a dimensão informativa da notícia do que com seu aspecto de entretenimento, o formato padrão 234 da primeira página do diário é a sua principal marca: a manchete em caixa alta de algum crime do tipo “MORTO POR UM COPO DE CERVEJA”, seguido da foto de uma mulher seminua e o título do noticiário esportivo. Portanto, se é verdade que hoje o Super Notícia é o jornal impresso que mais circula no país – de acordo com o último levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) – e tem papel importante na democratização da leitura e informação, há que se observar a diferença que o próprio tabloide mineiro procura assumir em relação a outros grandes veículos da imprensa nacional, como O Globo e Folha de São Paulo – para falar só no segundo e terceiro lugares do ranking da ANJ. Primeiro por conta de uma postura que muitas vezes desagua no mero sensacionalismo e negligencia questões políticas relevantes – como é o caso da utilização da imagem feminina como puro marketing. Segundo porque, apesar de possuir uma equipe própria de jovens redatores, fotógrafos e diagramadores, não é incomum encontrar matérias que não passam de reformulações estilísticas de textos publicados no jornal O Tempo – o que, aliás, acontece com outro tabloide mineiro da mesma natureza, o Aqui, com relação ao diário Estado de Minas. Com 15 anos de existência, o Super Notícia ao menos segue contrariando a estatística daquela mortalidade jornalística precoce tão característica à história imprensa mineira. Atualmente, chega a cerca de 200 cidades também pelas ondas do rádio, através do “Super Notícia FM”, e possui uma seção própria no portal virtual de notícias O Tempo. Mas, apesar de todas essas frentes, seu grande cavalo de batalha continua sendo a versão impressa. Com uma linguagem direta e acessível, o “Super” – como é popularmente conhecido – leva informação e entretenimento a uma parcela da população que até então não tinha acesso a qualquer veículo de imprensa, e acaba contribuindo para a popularização da prática de leitura. Isso tudo, a julgar pela imagem que tem se tornado tão comum nos últimos anos: pessoas que chegam nas padarias e farmácias pela manhã, para sair também com um exemplar do Super Notícia nas mãos. Contudo, o tabloide está longe de fechar com chave de ouro este percurso da imprensa mineira. Após atravessar todos estes anos e diferentes experiências, fica a sensação de que a história do jornalismo impresso em Minas Gerais revela um grande paradoxo. Se antes o número de leitores era reduzido, é inegável que hoje uma quantidade muito maior de pessoas tem acesso à produção jornalística. Mas se houve um dia em que parecia haver certo esforço – criativo até – para produzir informação de qualidade, atualmente a distinção no trato do conteúdo deixa muito a desejar. Enquanto jornais como Diário de Minas, Binômio e Suplemento Literário foram importantes vetores da cena cultural mineira, a publicação que mais circula no Brasil hoje preza antes por um entretenimento rasteiro. Se alguns dos mais influentes nomes da literatura brasileira foram formados em redações de antigos jornais mineiros, não é incomum se deparar com textos de qualidade duvidosa nas poucas linhas que ainda restam nas páginas da atual imprensa de Minas – sem falar no recorrente corporativismo político e baixo alcance nacional de suas publicações. De fato, a história nunca tem um destino certo e nem é simples conta de somar. Ganha-se muita coisa, é verdade, mas muito também se perde. E com a imprensa mineira não haveria de ser diferente. Rádio e TV “Quem não comunica, se trumbica!” É verdade que o velho jargão de José Abelardo Barbosa, o Chacrinha, já foi repetido à exaustão e usado nas mais diferentes ocasiões. Mas nem por isso deixou de ter lá sua parcela de verdade. Fazer a história do “se” é sempre complicado – e muitas vezes até controverso –, mas é bem provável que o estado Minas Gerais 235 não teria a mesma posição no cenário nacional sem o desenvolvimento de seus próprios meios de comunicação. E desde as primeiras atividades, o rádio e a televisão têm se mantido entre os grandes carros-chefes da comunicação social em terras mineiras. é verdade que este caminho não está sendo percorrido sem entraves, obstáculos e recuos. Mas, de olho naquela lição de Chacrinha, se até hoje os mineiros teimam em manter o desenvolvimento e atualização de seus meios de comunicação é para não se dar mal e continuarem sendo ouvidos no restante do país. Uma turra que pode ser muito bem resumida nas palavras de Guimarães Rosa, afinal “sapo não pula por boniteza, mas por precisão”. 1. Rádio Mineira Em uma sala alugada na movimentada avenida Bias Fortes, no centro de Belo Horizonte, o radialista Gil Costa ensaiava o retorno da rádio que ganhara seu coração. Conhecido pela capital como um homem de gênio fortíssimo, incapaz de se manter neutro em qualquer questão que fosse, Costa entrara na equipe da Rádio Mineira no início dos anos 1990, quando a emissora já passara pelas mãos de diversos empreendedores do rádio em Minas Gerais, e não queria largar seu posto. Em suas tentativas de retomar as transmissões da emissora, com um 236 quê experimental e certamente improvisado, o radialista atropelava ordens judiciais e desconsiderava a aura decadente de uma rádio antiga, já datada e perdida na cacofonia de programas, locutores, músicas e emissões que preenchiam as ondas sonoras a percorrer Minas. Mas a determinação de Costa em devolver a Mineira ao seu lugar de origem – no dial sempre ao alcance de uma mão – refletia as primeiras transmissões da rádio, sete décadas antes, em 1929, quando um grupo de entusiastas queria experimentar essa nova forma de se comunicar e tratou de botar no ar uma emissora que transmitiu meio clandestinamente por dois anos, até ser devida e oficialmente inaugurada em 6 de fevereiro de 1931. A Rádio Mineira, então, nasceu antes mesmo de ser oficialmente declarada a primeira emissora radiofônica de Belo Horizonte, usando equipamentos desativados e vendidos pela Rádio Nacional carioca. A partir do início da década de 1930, a Mineira passou a contar com a colaboração musical e financeira de seus fiéis ouvintes, que emprestavam discos de música clássica e enviavam cinco contos de réis mensais à emissora, até que esta atraiu anunciantes suficientes para chamar a atenção dos Diários e Emissoras Associados, o grupo de comunicação de Assis Chateaubriand, ao qual foi incorporada no começo da década seguinte. Com uma programação eclética, que a princípio combinava informativos e música erudita para, mais tarde, dar início a coberturas jornalísticas de cunho político e cultural entremeadas com uma seleção musical apurada, a Rádio Mineira cresceu, obtendo um faturamento significativo, até meados dos anos 1960: reflexo de uma grande audiência, representada até pelos motoristas da capital. Segundo pesquisas do período, 85% dos belohorizontinos sintonizavam na Mineira enquanto conduziam seus veículos pelas avenidas largas e arborizadas da capital. Tal preferência pode ser contabilizada sob a criação de dois programas de caráter único no cenário radiofônico mineiro – o “Plenimúsica”, no qual produções recém-saídas das gravadoras e algumas que nem haviam sido lançadas eram apresentadas ao público; e “Factorama”, emissão jornalística de cinco minutos de duração que ia na contramão dos programas de notícia típicos da época. Ao invés de anunciar os acontecimentos com a voz pomposa, como era o costume de programas no estilo do “Repórter Esso”, noticiário da Rádio Nacional que se dizia a “testemunha ocular da História”, os repórteres do “Factorama” procuravam estabelecer um diálogo com seus ouvintes em um tom mais descontraído. Os primeiros grandes obstáculos no turbulento percurso da Rádio Mineira vieram em 1969, ano em que os Diários Associados decidiram implementar modificações drásticas na popular programação da emissora. Ao cortar os sucessos musicais e trocar as emissões jornalísticas por versões empobrecidas, os dirigentes do grupo tentavam reduzir a significativa audiência da rádio, que já ultrapassara o público da Rádio Guarani, também dos Diários Associados. O auto boicote funcionou, mas não sem atrair a indignação dos ouvintes, que telefonaram um sem-fim de vezes para os escritórios da companhia para protestar contra a decisão. Na década de 1980, quando a Mineira há muito perdera seu destaque entre as emissoras de rádio do estado, teve início a sucessão de vendas e reformulações da programação que culminaram, em 2004, com seu desligamento final. De 1983 a 2002, entre processos judiciais e disputas pela administração, a rádio passou pela direção do médico psiquiatra Wellington Armanelli, que a administrou por dez anos; de Salvador Masci, ex-presidente do clube de futebol Cruzeiro, período em que o radialista Gil Costa foi convidado para chefiar a equipe; e do exdeputado Sérgio Naya, até 2002, ano em que uma ordem judicial retirou a emissora do ar. Quando Costa tentou reviver a Mineira, quase não havia mais fôlego. Meses depois, a Rádio 237 Mineira passou das ondas de rádio para as páginas da história. 2. Rádio Guarani 96,5 FM A poucos segundos da meianoite de 30 de abril de 2015, uma quinta-feira, algumas palavras de despedida ressoaram pelos rádios de Belo Horizonte. Hoje, o anúncio concluía, a Guarani FM se despede da frequência 96,5, mas nossa música, assim como nosso bom gosto, vai continuar para sempre. Fica aqui nosso até logo. Não foram poucos os ouvintes que se entristeceram: afinal, a Rádio Guarani trazia melodias do pop, da MPB, do jazz e da bossa nova, além das sinfonias clássicas, ao cotidiano da capital mineira há mais de setenta anos. Sua programação musical eclética e refinada era, sem dúvidas, o forte da emissora, e blocos de programas informativos, com claro enfoque cultural, intercalavam a extensa seleção musical. A Guarani foi ao ar pela primeira vez em 10 de agosto de 1936, em frequência AM. Fundada por Lauro Souza Barros, a emissora se estabeleceu como estação de serviços e se dizia “A voz do povo”. Seis anos depois de sua fundação, já reconhecida como uma rádio que revelava estrelas musicais, grupos teatrais e orquestras em sua programação musical e de entretenimento, a Guarani foi 238 comprada pelo grupo de mídia de Assis Chateaubriand, os Diários Associados, e passou a integrar um catálogo de jornais impressos, canais de televisão e emissoras radiofônicas provenientes de vários estados do Brasil. O formato AM se manteve até 1980, quando problemas técnicos de transmissão na região da Lagoa da Pampulha, na capital mineira, e a crescente disseminação das rádios de frequência modulada (FM) fizeram com que a frequência 1190 AM passasse a retransmitir o conteúdo da 96,5 FM – e a Guarani assumiu o rosto que perdurou até 2015. No dial FM, a Guarani cunhou novo slogan, “Música para o seu bom gosto”, e se consagrou definitivamente como uma das emissoras de melhor programação musical de Belo Horizonte. A fama de seus programas e músicas fez com que muitos produtores de eventos se voltassem para a rádio como parceira cultural na organização de espetáculos, festivais, concertos e shows, da música pop às apresentações da orquestra sinfônica. “Nota Jazz”, “ U m t o q u e de clássico” e “Kacophonia” eram as emissões de maior sucesso da emissora. Entretanto, a fama e o bom gosto musical não impediram que a frequência 96,5 fosse arrendada pelos Diários Associados para a rádio evangélica Feliz FM, de São Paulo. Os fãs – Órfãos da Guarani FM – protestaram e lamentaram, mas o dia finalmente chegou. Em 30 de abril de 2015, a Guarani fez suas últimas transmissões em frequência FM e deixou vários ouvintes saudosos espalhados por Belo Horizonte. Uma surpresa, no entanto, estava reservada: em junho do mesmo ano, antigos funcionários, produtores e jornalistas da rádio inauguraram a Guarani Web, “a rádio que você já conhece, em outro endereço”, como afirma seu slogan. Emissões consagradas no formato original se juntam a novas atrações em uma programação contínua e diária, que mantém diversos elementos do projeto artístico inicial da emissora em um novo espaço, e pode ser acompanhada no site guaraniweb. com.br. 3. Rádio Inconfidência AM 880 e FM 100,9 Tradição e a vocação de transmitir para todo o estado e, por que não, todo o país também: esses são os primeiros aspectos que vêm à mente quando se considera a história da Rádio Inconfidência, uma das emissoras mais antigas de Minas Gerais e que, até hoje, possui uma programação cultural, musical e de serviços completa, ancorada na promoção e valorização das produções mineira e nacional. A Inconfidência nasceu em 3 de setembro de 1936 como uma rádio pública, vinculada ao governo estadual, cujos esforços se voltariam para a integração do território mineiro através das ondas sonoras – o que fica claro no primeiro slogan adotado pela emissora, “A voz de Minas para toda a América”. Apenas cinco dias depois de suas primeiras transmissões, a Inconfidência lançou o que atualmente é considerado o mais antigo programa radiofônico brasileiro ainda veiculado ao vivo, “A Hora do Fazendeiro”. Criada pelo engenheiro agrônomo João Anatólio Lima como um canal de comunicação entre os moradores das cidades e os produtores rurais, a emissão permanece na grade diária de programação da rádio. Na década de 1940, a Rádio Inconfidência inaugurou seus dois canais em ondas curtas, que retransmitiam as emissões do canal AM, e deu início a emissões que fariam enorme sucesso de público durante a próxima década, considerada a era de ouro do rádio brasileiro: com as radionovelas e, mais tarde, os programas de auditório ao vivo, a emissora reuniu maestros consagrados e importantes nomes da música brasileira, como Carmem Miranda, Orlando Silva, Clara Nunes e Nelson Gonçalves. No entanto, a partir dos anos sessenta e devido à crescente concorrência da televisão, a Inconfidência trouxe mudanças à sua programação. Em fevereiro de 1979, criou o canal 239 Inconfidência FM 100,9, apelidado de Brasileiríssima pelo seu compromisso com a música popular brasileira. Com grade musical ocupada em sua totalidade por músicas e artistas mineiros e brasileiros, a Brasileiríssima se consolidou no cenário cultural nacional e se tornou apoiadora e patrocinadora de diversos eventos e projetos artísticos em Belo Horizonte. Em 2004, quase sete décadas após sua fundação, a Rádio Inconfidência passou por um processo de revitalização em que seu acervo foi digitalizado, os equipamentos, modernizados, e as torres de transmissão, reformadas. Os investimentos do governo estadual, ao qual a emissora permanece vinculada, permitiram o relançamento da estação AM, chamado de O Gigante do Ar, com toda a sua capacidade de transmissão. A programação do dial AM 880 é diferente da Brasileiríssima, focando em jornalismo esportivo, emissões culturais e prestação de serviços que chegam a todos os municípios mineiros. Já o aniversário de 80 anos da Inconfidência, em 2016, foi comemorado com o lançamento de 15 programas no canal FM e da Inconfidência Web TV, na qual os ouvintes podem usar as plataformas digitais para assistir a vídeos gravados nos bastidores da rádio e a entrevistas com produtores dos programas. 4. Rádio Itatiaia AM 610 e FM 95,7 240 Para a Itatiaia, não havia regra que a impedisse de concluir as suas coberturas jornalísticas e esportivas. Foi o que aconteceu em 1954, meros dois anos depois de ter obtido permissão para operar em Belo Horizonte, quando a equipe de jornalismo da rádio fincou pés e equipamentos transmissores em pleno Fórum Lafayette, na capital mineira, para dar as últimas notícias do julgamento que deixara a cidade suspensa de curiosidade. O “Crime do Parque Municipal”, como ficou popularmente conhecido o assassinato do engenheiro Luiz Delgado no principal parque de Belo Horizonte pelo poeta Décio Escobar, mexeu com o interesse da população e o julgamento do acusado, realizado no Fórum, parecera ao diretor e fundador da Itatiaia, Januário Laurindo Carneiro, um prato cheio para conquistar de vez a audiência da capital e se estabelecer de vez como uma das maiores emissoras de rádio do estado. A equipe não fora autorizada a fazer suas transmissões ao vivo, mas para tudo havia uma solução: Januário Carneiro escalou locutores para se posicionarem ao fundo da sala do auditório, ouvirem todas as discussões durante a sessões do júri e dublarem os debates e depoimentos. Por 42 horas, a Itatiaia fez a cobertura de um tema de altíssimo interesse popular, e as outras rádios de Belo Horizonte só foram perceber o erro tarde demais. Quando deram por si, precisavam recolher as informações de uma rival que despontava, a velocidade impressionante, no cenário cada vez mais diversificado da rádio mineira. O episódio do julgamento do “Crime do Parque Municipal” é só um na coletânea de casos que fizeram a história da Rádio Itatiaia, embora mostre como a emissora encontrou novas formas de fazer rádio. Desde seu nascimento, a Itatiaia focou sua programação em dois pilares principais, esporte e jornalismo – ainda que, ao longo das décadas, suas emissões tenham adquirido outros contornos, como de prestação de serviços e até quadros musicais e humorísticos. Seu sucesso de público, refletido nos altos índices de faturamento, deve-se à combinação de assuntos que interessam a mineiros de todas as idades e classes socioeconômicas, e que incluem desde as transmissões e comentários de jogos de futebol a coberturas internacionais, iniciadas nos anos 1960 e aprimoradas com a instalação do primeiro canal de satélite de Minas Gerais. As transmissões em satélite, na verdade, levaram à criação da Rede Itasat, uma rede composta por seis emissoras próprias e 51 estações afiliadas em todo o estado, capazes de transmitir para aproximadamente 90% do território e que levam para a audiência os programas esportivos e jornalísticos de maior destaque da Itatiaia. A “rádio de Minas”, como ficou conhecida, não detém o primeiro lugar de audiência no estado, apesar de ser reconhecida como uma das cinco maiores emissoras do Brasil. Mas seu slogan vem da relação com Minas Gerais e as formas como a rádio não só estabelece linguagens mais próximas para se comunicar com seus ouvintes, mas também se ancora na valorização do estado ao priorizar temas de cunho regional e produzir quase a totalidade do conteúdo que veicula, ao contrário de emissoras de rádio e televisão cujas sedes em São Paulo ou no Rio de Janeiro fazem com que a maioria dos programas não seja produzido localmente. Pioneira ao transmitir uma programação 24 horas no ar, em 1958; a cobrir a estreia da seleção brasileira de futebol no Campeonato Sul-Americano, direto de Buenos Aires, um ano mais tarde; e de enviar uma equipe própria para a Inglaterra, para transmitir os jogos do Brasil na Copa do Mundo de Futebol em 1966, a Rádio Itatiaia procura envolver sua audiência com programas que vão do jornalismo policial e investigativo, o “Itatiaia Patrulha”, a bate-papos nas noites de domingo sobre as últimas notícias esportivas, a “Grande Resenha Esportiva”. A presença da rádio permanece marcante nos maiores acontecimentos do estado, para realizar as coberturas que levam milhares de mineiros aos seus aparelhos de rádio, telefones e computadores. 241 5. Rádio Autêntica 106,7 Favela FM Baterias automotivas, tocadiscos a pilha e equipamentos improvisados, espalhados em um barraco que ocupava um dos morros do Aglomerado da Serra, um conjunto de favelas na zona sul de Belo Horizonte. Aliás, não era só um barraco: tudo precisava ser transportado com rapidez de um canto da favela para outro, para fugir da repressão policial que volta e meia subia o morro para lacrar os transmissores e calar o que já ficara conhecido na Favela do Cafezal – a Rádio Favela. Foram desses barracos, que fizeram com que mais e mais membros da favela se envolvessem com o projeto ao emprestarem suas casas para a realização das emissões, e da necessidade de improvisação, combinada ao desejo de falar de dentro das favelas e para essas comunidades, que saiu a Rádio Favela, uma emissora clandestina que, desde o final dos anos 1970, persistiu e resistiu durante a repressão da ditadura militar brasileira, o preconceito contra uma produção vinda das comunidades marginalizadas belo-horizontinas e a perseguição policial. Na Favela do Cafezal, uma das comunidades que formam o Aglomerado da Serra, não havia energia elétrica quando a Rádio começou, pelas mãos de Misael Avelino dos Santos e Nerimar Wanderley Teixeira. E os dois 242 tinham objetivos muito claros, bemdefinidos o bastante para garantirem que mantivessem seus esforços para driblar todas as dificuldades impostas à transmissão de sua rádio: além de divulgarem a música e a cultura negras, a dupla queria denunciar a discriminação contra moradores das favelas, combater a violência e promover a educação da comunidade sobre os problemas provenientes do tráfico de drogas. A Rádio Favela não só sobreviveu às investidas policiais, aos transmissores lacrados e a uma inundação em 1995, mas ganhou o apoio das comunidades às quais queria falar e a simpatia de outras parcelas da população de Belo Horizonte. O reconhecimento internacional veio em 1998, com o convite para a participação no 7º Congresso Mundial de Rádios Comunitárias, em Milão, aonde foi premiada como o melhor programa de rádio alternativo; um ano depois, quando o jornal norte-americano The Wall Street Journal dedicou uma matéria ao trabalho educativo empreendido por Avelino dos Santos e Teixeira; e a Organização das Nações Unidas já concedeu, por duas vezes, o prêmio Dia Mundial Sem Drogas à rádio. Apesar dos impressionantes esforços educativos e culturais da emissora, a Rádio Favela se manteve na ilegalidade até 2002, quando o reconhecimento do governo brasileiro finalmente veio. Nesse ano, a rádio recebeu a frequência 106,7 FM pelo então ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, e mudou seu nome para Rádio Educativa Favela. Cinco anos depois, a outorga definitiva da rádio foi entregue por Hélio Costa, também Ministro das Comunicações, e a Rádio Favela pôde operar livremente. Os projetos educacionais e o combate ao tráfico, ao preconceito e à violência continuam, em uma emissora que, a partir de 2011, acrescentou uma de suas características mais definidoras ao seu nome: a Rádio Autêntica Favela. 6. TV Itacolomi, Canal 4 Imagine a seguinte cena de desenho animado: um indiozinho sobe uma escada com uma lata de tinta e um pincel nas mãos, pinta o mapa do Brasil e destaca com uma flor a localização de Belo Horizonte no mapa de Minas Gerais. Tudo isso embalado por um coro que ao fundo canta: “TV Itacolomi, sempre na liderança. Canal 4, Belo Horizonte, Minas Gerais”. Esta foi apenas mais uma das várias vinhetas que marcaram a programação da TV Itacolomi ao longo de quase vinte e cinco anos de existência. Fundada em 1955, na capital mineira, pelo empresário paraibano Francisco de Assis Chateaubriand, a TV Itacolomi fazia parte da realização de uma ideia ousada: levar informação e entretenimento ao público mineiro através de imagem e som conjugados. Desde 1950, com a fundação da TV Tupi em São Paulo – e, poucos meses depois, da TV Tupi Rio –, a inovação animada pelos Diários Associados vinha dando mostras de que tinha tudo para dar certo. Afinal, a repercussão parecia promissora: em apenas quatro anos, de 1950 a 1954, o número de aparelhos televisores em uso no país já havia saltado de 200 para 34.000 unidades. “Não existe hoje, fora a bomba atômica, reação maior na sensibilidade de um meio coletivo do que a televisão”, dizia Assis Chateaubriand. A primeira transmissão da TV Itacolomi, no canal 4, foi realizada no dia 8 de novembro de 1955. Após o locutor Bernardo Grimberg romper um círculo de papel com o logotipo da RCA (Radio Corporation of America), a palavra ficou a cargo de Juscelino Kubitschek, eleito presidente da República há pouco mais de um mês. A programação, que começava às 19h com algum desenho animado, tinha hora certa para terminar. às 22h, o telejornal Repórter Real – patrocinado pela Real Aerovias do Brasil – encerrava a curta grade de programas, com o material ilustrativo e informativo da redação do jornal Estado de Minas. Com o decorrer dos anos, esse limite de tempo foi se alargando, tanto para a frente 243 quanto para trás, e a população de Belo Horizonte começou a criar o hábito de ir dormir mais tarde. Com sede no vigésimo terceiro andar do edifício Acaiaca, no centro de Belo Horizonte, a TV Itacolomi contava com um estúdio de 8 por 14 metros dividido em três espaços, com uma câmera para cada, onde se fazia de tudo – ao vivo e ao mesmo tempo: teleteatro, programa de noticiário, comerciais com garotaspropaganda vindas da TV Tupi de São Paulo. Além das três câmeras para o estúdio, haviam outras três para tomadas externas. Foram estas as responsáveis pela primeira transmissão ao vivo de um jogo de futebol em Minas Gerais, no dia 15 de janeiro de 1956, entre os times Villa Nova e Siderúrgica no estádio Independência, que fica na região leste da capital mineira. Já na década de 1970, a TV Itacolomi mudou-se para o Palácio da Rádio, na avenida Assis Chateaubriand, bairro Floresta – onde hoje se encontra a sede da TV Alterosa. Foi de lá que, em 4 de fevereiro de 1971, após um pico de luz em boa parte da cidade, a equipe de jornalismo saiu às pressas para cobrir o maior acidente da construção civil brasileira: o desabamento do pavilhão no Parque da Gameleira, que deixou 65 operários mortos e 50 feridos. 244 A TV Itacolomi manteve sua programação no canal 4 até o dia 18 de julho de 1980, quando agentes do Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL) lacraram sua antena transmissora na Serra do Curral, por determinação de um decreto assinado pelo então presidente da República João Batista Figueiredo, que cassava a concessão dos canais pertencentes à Rede Tupi de Televisão em todo o país. O motivo não era nada claro. No dia seguinte, em matéria especial, o Jornal do Brasil resumiu assim a situação: A direção dos Diários e Emissoras Associados em Minas ainda não decidiu o que fará com os 300 empregados da TV Itacolomi, que ontem não chegou a entrar no ar. (...) às 10h27m, quando representantes do Dentel desligaram os dois cristais dos transmissores da Itacolomi, na Serra do Curral, o clima entre os funcionários, que já era de completa tristeza, chegou à desolação. (...). Durante todo o dia, uma guarnição da radiopatrulha permaneceu em frente ao local. 7. TV Alterosa, Canal 5 Mas, apesar do grande sucesso, a TV Itacolomi não foi a única iniciativa de Assis Chateaubriand na “terra dos montanheses”, como gostava de dizer. Em 13 de março de 1962, “Chatô” ajudou a fundar a TV Alterosa, emissora que dois anos mais tarde passou a integrar o grupo dos Diários e Emissoras Associados. Além de retransmitir a programação da Rede Tupi de Televisão e se valer do alcance da TV Itacolomi em Minas Gerais, não foram poucas as vezes em que a TV Alterosa também transmitiu alguns programas da Rede Unidas de Rádio e Televisão, do empresário paulista Paulo Machado de Carvalho – que mais tarde mudou o nome do grupo para Rede de Emissoras Independentes. Funcionou no canal 2 até 1977, ano em que o governo federal decretou a transferência de todas as emissoras públicas do país para este canal. A TV Alterosa foi logo transferida para o canal 5, mas a ideia não pegou em Minas Gerais: em 1984, a emissora pública Rede Minas foi estabelecida no canal 9. Enquanto isso, o canal 2 – que já estava vago desde 1977 – ficou sem transmitir nada durante catorze anos. Até que, em 1991, foi apropriado pela TV Sociedade, fundada pelo então governador do estado de Minas Gerais Newton Cardoso e incorporada dois anos mais tarde pelo Grupo Record. Com o súbito fechamento da TV Itacolomi em 1980, a TV Alterosa passou a receber maiores investimentos do Sistema Estaminas de Comunicação – braço dos Diários e Emissoras Associados em Minas Gerais – e assumiu, como sede própria, tanto o antigo prédio da TV Itacolomi, no bairro Floresta, como sua antena de transmissão, na Serra do Curral. Dali a pouco mais de um ano, a TV Alterosa filiou-se ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) logo após a sua fundação, realizada pelo empresário Silvio Santos em 19 de agosto de 1981 – condição que mantém até hoje. Foi neste período que programas como “Clubinho da Tia Dulce” – pioneiro no formato de programas de auditório infantis no Brasil – e “O povo na TV”, apresentado por Dirceu Pereira, tornaram-se grandes sucessos de audiência entre o público mineiro. Em 1996, a TV Alterosa instalou um sistema digital de transmissão e passou a difundir seu sinal para um número maior de cidades mineiras através do satélite Brasilsat B1, incentivando a divulgação de programações locais. Sob o slogan “A TV que o mineiro vê”, as transmissões regionais da Rede Alterosa chegam hoje a 834 dos 853 municípios mineiros, a partir de cinco emissoras próprias: além da pioneira TV Alterosa Belo Horizonte, a TV Alterosa Divinópolis; Juiz de Fora; Varginha e TV Alterosa Leste, com sede em Manhuaçu. 8. TV Globo Minas, Canal 12 Um ano após a fundação da TV Alterosa, em 1963, as Emissoras Unidas deram um passo além das fronteiras do eixo Rio-São Paulo. Só que dessa 245 vez, quem tomou a frente foi João Batista “Pipa” do Amaral, cunhado do empresário Paulo Machado de Carvalho e fundador da TV Rio em 1955. Para conquistar a atenção do telespectador mineiro, as Emissoras Unidas estabeleceram, no canal 12, a afiliada TV Belo Horizonte. durante dez anos, até a inauguração do Jornal das Sete, em 02 de abril de 1979. Com 15 minutos de duração, o telejornal era voltado para o noticiário local e editado por equipes formadas em cada estado. Como não podia deixar de ser, Minas Gerais também teve o seu Jornal das Sete. Mas a iniciativa não durou mais que cinco anos. Em 5 de fevereiro de 1968, apenas três anos desde a sua primeira transmissão no Rio de Janeiro, a TV Globo Ltda., de Roberto Marinho, adquiriu a concessão da TV Belo Horizonte e inaugurou a TV Globo Minas, sediada na rua Rio de Janeiro, centro de Belo Horizonte. Com uma antena de transmissão na Serra do Curral e retransmissores na cidade de Juiz de Fora e em Conselheiro Lafaiete, a TV Globo Minas dava uma nova cara à empresa de Marinho: de TV Globo Ltda., começava a se estabelecer como rede de emissoras – com sedes no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais –, capaz de disputar parte da audiência já estabelecida pela Rede Tupi de Televisão. Mas este formato de noticiário local acabou substituído em toda a Rede Globo pela Praça TV, em janeiro de 1983. A partir de então, cada emissora ou afiliada ficava responsável pela edição geral das notícias de seu estado. Veiculadas em telejornais que mudavam de nome de acordo com a sigla de cada estado, a Praça TV conferiu maior identidade ao jornalismo regional. Em Minas Gerais, o MGTV estreou no dia 3 de janeiro de 1983, às 19h45, apresentado pelo jornalista Neimar Fernandes. Exibido antes do Jornal Nacional, durava dez minutos e era dividido em três blocos. Seis meses depois, o telejornal ganhou uma edição às 12h40. A 1ª e 2ª edições do MGTV são exibidas até hoje, e se tornou dos programas com maior audiência na grade da TV Globo Minas. Em sua bancada, foram formados jornalistas e editores como Guilherme Menezes, Artur Almeida, Vivian Santos e Lair Rennó. Tanto o noticiário geral, quanto local ficavam por conta do Jornal Nacional, transmitido pela primeira vez em setembro de 1969. De repente, no meio do telejornal, desfazia-se a rede e cada estado entrava com sua sequência de notícias. O tempo era curtíssimo. às vezes as matérias não passavam de 30 segundos. Foi assim 246 Desde 25 de abril de 2008, a TV Globo Minas passou a transmitir sinal digital pelo canal 33 UHF e quatro anos depois, em julho de 2012, passou a exibir toda a programação em alta definição. Por determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o antigo sinal analógico da Globo Minas, no canal 12, foi desligado no dia 8 de novembro de 2017, passando a valer apenas a transmissão do sinal digital. 9. TV Bandeirantes, Canal 7 Ligada à Rede Excelsior, do empresário e sócio da Panair do Brasil Mário Wallace Simonsen, a TV Vila Rica foi fundada em Belo Horizonte no ano de 1967, a partir de uma concessão para o Banco Real, e passou a funcionar no canal 7. Sem muita expressão diante da disputa entre TV Itacolomi, TV Alterosa e Globo Minas pela audiência dos mineiros, a TV Vila Rica foi vendida para a Rede Bandeirantes em 1976, nove anos depois de ser inaugurada. O canal 7 em Minas Gerais passava a se chamar TV Bandeirantes – ou simplesmente Band Minas. transmitidas por semana na TV Band Minas. Grande parte desse déficit acaba sendo suprido pela estação mineira da rádio Band News FM. Além da Band Minas, sediada na Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, o Grupo Bandeirantes de Comunicação conta ainda com outra emissora em Minas Gerais. é a TV Bandeirantes Triângulo, sediada na cidade de Uberaba e responsável pela cobertura das regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Noroeste, Sul e Sudoeste de Minas Gerais. Funcionando também no canal 7, a TV Band Triângulo passou a receber este nome depois que a antiga TV Regional – que nas décadas de 1970 e 1980 foi afiliada à Rede Tupi e tinha como nome TV Uberaba – passou para as mãos do Grupo Bandeirantes. Atualmente, essa emissora possui uma grade de programação mais identificada com a produção local, com programas como “Minas Acontece”, “Minas Urgente” e “Paracatu Rural”. Com uma grade de programação pautada pela retransmissão da TV Bandeirantes paulista, a Band Minas reserva espaço para a iniciativa local apenas nos telejornais. Este é o caso do Jornal Band Minas, que atualmente é exibido durante 30 minutos antes do noticiário nacional apresentado pelo Jornal da Band. Com essa dinâmica, apenas 16 horas de programação local são 247 Referências CASTRO, José de Souza. “Super Notícia, fenômeno de circulação”. Observatório da Imprensa, nº454, 09/10/2007. CHAGAS, Carmo. Política: arte de Minas. São Paulo: Carthago Forte, 1994. DAMASCENO, Robinson. “Um jornal que já não há”. O TREM Itabirano nº 97, setembro de 2013 DIAS, Marco Antonio Rodrigues. O fato e a versão do fato. Belo Horizonte: PUC-Minas, 1993. FRADE, Fabiano Silveira. A atração dos jornais sensacionalistas: uma análise dos elementos utilizados pelos jornais Super Notícia e Aqui na elaboração de suas capas. 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O Acordo de Resultados da área educacional concentrou sobre as escolas e os professores a responsabilidade pelo fracasso ou sucesso dos estudantes, definindo de forma unilateral, isto é, sem a participação das escolas, os percentuais de estudantes que deveriam ser promovidos e os índices de proficiência acadêmica a serem obtidos por escola e etapa da Educação Básica. 253 Também fez parte do programa a alteração das relações de trabalho dos professores das escolas estaduais: aqueles profissionais que ingressaram no serviço público do Estado a partir de 2003 tiveram suas carreiras regidas, exclusivamente, pelo desempenho, e perderam qualquer tipo de benefício individual decorrente do tempo de trabalho. No aspecto salarial, vigorou o pagamento por subsídios básicos, instituído de forma autoritária, retirando o direito a adicionais ou gratificações que, anteriormente, serviram para aumentar um pouco a remuneração, sem gerar incorporação aos vencimentos. Esses subsídios representavam muito menos que o Piso Nacional do Magistério. ordem constitucional, a investidura em cargo ou emprego público depende da prévia aprovação em concurso e que as exceções a essa regra estão taxativamente previstas na Constituição, como ocorre nas nomeações para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração ou no recrutamento de servidores temporários. Em razão disso, segundo seu voto, aqueles dispositivos da legislação mineira permitiram a permanência de pessoas nos quadros da administração pública em desacordo com as exigências constitucionais. Não podemos chancelar tamanha invigilância com a Constituição de 1988”. A avaliação de desempenho individual dos professores foi condicionada à melhoria dos resultados do desempenho dos estudantes, criandose um bônus, denominado “Prêmio de Produtividade”, por meio da Lei do Assim, coube ao novo governo 2015/2018 tomar as medidas cabíveis para não só o cumprimento de uma determinação judicial, mas também o tratamento respeitoso e transparente das questões referentes aos servidores públicos da educação, que foram os mais prejudicados pela Lei Complementar 100/2007. Fato é que, em 2015, para atender os 2 milhões de estudantes da Rede estadual nos 853 municípios mineiros, apenas 27% desses profissionais eram concursados e com vínculos efetivos em suas áreas de atuação. Acordo de Resultados. Outra medida que submeteu os profissionais da educação à situação deextrema precarizaçãoe fragilidade institucional foi a Lei Complementar 100, de 2007, que efetivou servidores públicos no Estado de Minas Gerais sem aprovação prévia em concurso público. A LC 100 foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2014, que julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4876. O relator, Ministro Dias Toffoli, destacou à época que, “na atual 254 A atitude que marcou o governo anterior em termos de política de pessoal na área de educação foi vender ilusão para cerca de 90 mil trabalhadores contratados sem concurso e ‘efetivados’, em 2007, por lei originária de projeto do governador à época. A inconstitucionalidade da chamada Lei 100 era clara e motivou imediata ação judicial do Ministério Público. aprovados em concursos e que aguardavam nomeação. Em menos de três anos de governo, 50 mil foram nomeados. Destes, 96% atuam diretamente na escola e 82% são professores. Em vez de admitir a irresponsabilidade e buscar soluções legais para o problema, as administrações insistiram em persuadir os efetivados de que a Justiça manteria os efeitos da Lei 100. Chegaram ao cúmulo de, em algumas ocasiões, desestimular esses trabalhadores a buscar o ingresso na carreira por meio de concurso público. Graças a esse esforço de nomeação, os servidores efetivos passaram a representar 43% do Quadro, devendo chegar a 50% no fim de 2018, melhorando sensivelmente a situação encontrada no início de 2015, quando apenas 27% dos servidores da educação eram concursados. Quando, em março de 2014, a Lei 100 foi julgada inconstitucional pelo STF, sem possibilidade de recurso, os administradores, já em flagrante campanha eleitoral, tentaram enganar, mais uma vez, os efetivados, com um novo projeto de lei estadual que não tinha chance alguma de prosperar. O STF deu prazo até abril de 2015 para que os efetivados que não cumpriam os requisitos para a aposentadoria fossem desligados, o que atingiu cerca de 60 mil trabalhadores, mas por esforço da nova gestão estadual esse prazo foi dilatado para dezembro de 2015. OUVIR PARA GOVERNAR A linha adotada pelo atual governo desde o início da gestão é a de valorizar o profissional da educação. A começar pelos milhares de trabalhadores Seguindo a vertente da valorização, ampliou-se o número de profissionais com habilitação adequada. A atual gestão reduziu a menos da metade o índice de professores não habilitados para o conteúdo que lecionam. Eles eram 17,09% do total no começo de 2015 e, hoje, são apenas 7,35%, como resultado das nomeações e do aprimoramento do processo para a contratação temporária (designação), que agora tem formatação online. Malgrado a delicada e difícil situação financeira herdada da administração anterior, o salário de ingresso do professor é hoje R$ 2.135,64, ante os R$ 1.455,30 vigentes em janeiro de 2015. Coube ao Governo Fernando Pimentel cumprir a dolorosa decisão do STF sobre os efetivados da Lei 100. E cumpriu de forma transparente e negociada amplamente com as entidades representativas dos 255 trabalhadores e a Assembleia Legislativa, adotando medidas de redução de danos, em especial para os servidores que estavam em licença médica, e buscou-se dar celeridade às aposentadorias das pessoas que reuniam as condições para obter o benefício. INDICADORES EDUCACIONAIS EM 2015 40% da população do Estado em idade escolar: Minas tem uma população de 20,6 milhões de pessoas, dentre as quais 7,7 milhões com idades entre 0 e 24 anos, ou seja, quase 40% da população em idade escolar. 1,2 milhão de pessoas com 15 anos ou mais de idade são analfabetas: Minas tem hoje 7,6% da população com 15 anos ou mais de idade analfabeta, o que representa cerca de 1,2 milhões de pessoas. População adulta, cuja escolaridade média não apresenta nem ao menos o Ensino Fundamental completo: 256 ranking dos estados brasileiros, neste quesito. 15% da população de 15 a 17 anos estão fora da escola: No que se refere ao atendimento escolar, ainda há muito o que ser feito para levar as crianças e jovens mineiros às escolas, principalmente quando considerados os jovens acima de 15 anos. Destes, 15% estavam fora do sistema, ao passo que, na faixa etária anterior, de 6 a 14 anos, observase um atendimento praticamente universalizado. Dos 85,7% da população de 15 a 17 anos que frequentam a escola (idade recomendada para se cursar o Ensino Médio), cerca de 40% ainda se encontra no Ensino Fundamental: Outra preocupação importante, afora o atendimento escolar, referese à relação entre idade e nível de ensino cursado. Essa distorção é reflexo dos altos índices de retenção e de abandono escolar. 25,5% dos alunos dos anos finais e 30,3% dos estudantes do Ensino Médio estadual apresentam idade acima da adequada para a série que frequenta: Escolaridade medida da população adulta (25 anos de idade ou mais), calculada em 7,35 anos. Minas possui uma população adulta, cuja escolaridade média não alcança o Ensino Fundamental completo, Na Rede estadual, segundo dados do Censo Escolar de 2013, 5,2% dos alunos dos Anos Iniciais, 25,5% dos alunos dos Anos Finais e 30,3% do alunado do Ensino Médio estadual apresentam- deixando o estado na 14ª posição no se distorcidos em relação à idade- série, ou seja, apresentam idade superior (em pelo menos dois anos) à idade recomendada à série que frequentam. 19,6% dos alunos da rede estadual são reprovados ou abandonam o Ensino Médio (cerca de 135 mil jovens): Considerando-se agora os indicadores educacionais mineiros, no que tange às taxas de rendimento dos alunos (aprovação, reprovação e abandono), observa-se que cerca de 10% dos alunos é reprovada ou abandona alguma série dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Essa taxa é praticamente dobrada, quando se trata do Ensino Médio – 19,6%. Em outras palavras, aproximadamente 135 mil jovens são reprovados ou abandonam o último nível de ensino da Educação Básica, revelando um cenário alarmante. 96% dos alunos não sabem o recomendado em Matemática e 64% não sabem o recomendado em matemática e 64%, não sabem o recomendado em Língua Portuguesa: Quanto ao desempenho escolar dos estudantes, Minas Gerais tem liderado o ranking dos estados brasileiros no índice de Desenvolvimento de Educação Básica – IDEB no Ensino Fundamental (tanto nos Anos Iniciais quanto nos Anos Finais). No entanto, apesar de ainda ser destaque – ficando em 3º lugar no ranking dos estados – o Ensino Médio precisa de urgentes intervenções, pois a última avaliação censitária de desempenho dos alunos da Rede estadual mineira (PROEB) aponta que 96% dos alunos não sabem o recomendado em Matemática e 64% não sabem o recomendado em Língua Portuguesa, terminando a Educação Básica com gravíssimas lacunas de conhecimento. Gargalos de reprovação e abandono no 6ºano do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio: ESCOLAS DEMOCRáTICAS Em termos mais detalhados, é possível identificar que os maiores gargalos ocorrem no 6º ano do Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio – por apresentarem as maiores taxas de abandono e reprovação – que afunilam ou mesmo retardam o acesso dos alunos às demais etapas de ensino da Educação Básica. Em 2015, a herança recebida do governo anterior não era nada encorajadora: dos salários baixos para os trabalhadores à falta de diálogo com a categoria; das escolas com infraestrutura precária, com apenas 26% delas em condições adequadas de funcionamento a uma visão dos processos de aprendizagem, sem falar nas altas taxas de evasão e abandono escolar, especialmente no 257 Ensino Médio; e, claro, um quadro de pessoal prestes a se dissolver depois que a Lei 100 foi considerada inconstitucional, “retirando”, com isso, do quadro de funcionários, mais de 65 mil trabalhadores da Educação. Um cenário desafiador, para dizer o mínimo. Quando o assunto era aprendizagem dos estudantes, os governos anteriores tinham um viés meritocrático, com vistas apenas nos resultados, traduzido na prática por uma educação boa para os supostamente bons - num cenário de evasão, abandono e dificuldades de aprendizagem, claro está que esta prática só aprofundava as desigualdades educacionais. O estimulo para as unidades educacionais era o bônus salarial pago aos trabalhadores das escolas que alcançassem bons resultados nas avaliações externas e tivessem o seu índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB) em crescimento. Uma política que, além de excludente, gerava competitividade ilegítima entre as escolas que tinham diferenças gritantes e necessidades diversas. Essa estratégia dava margem para que as escolas só aplicassem as avaliações aos estudantes qualificados e que tinham bom desempenho. Especialmente em relação ao Ensino Médio, a principal proposta apresentada foi denominada de “Reinventando o Ensino Médio”, que consistia na extensão obrigatória de 258 um horário (50 minutos) na jornada diária dos estudantes, ocupado com pinceladas sobre o mercado de trabalho, dentro de um leque de seis áreas, entre elas turismo, gestão de negócios, empreendedorismo e informática. O viés da abordagem era a empregabilidade, ou seja, informar o jovem e desenvolver habilidades exigidas pelo mercado. Na Educação Profissional, os governos anteriores optaram pela terceirização, por meio do Programa de Educação Profissional (PEP), com repasses a instituições formadoras privadas que ofertavam cursos técnicos profissionalizantes aos jovens das escolas públicas. Em mais ou menos 8 anos, foram gastos aproximadamente R$ 70 milhões para formar apenas 36 mil estudantes. Uma nova gestão com foco na participação democrática, no trabalho coletivo, na aprendizagem significativa implica um conjunto de mudanças no fazer pedagógico, especialmente em relação ao jovem. A opção foi ouvir a juventude, ciente de que uma mudança no Ensino Médio jamais daria certo sem que os principais interessados se tornassem protagonistas de suas trajetórias. Em 2015, realizamos Rodas de Conversa nos 17 Territórios de Desenvolvimento do Estado, reunindo estudantes e profissionais para debater como as escolas poderiam se aproximar da realidade da juventude. A política para o Ensino Médio implantada a partir desse diagnóstico participativo tem em sua essência o reconhecimento dos jovens e de suas necessidades e busca uma educação para a equidade. Uma proposta que leva em conta a necessidade de cada um: do estudante que está com uma trajetória regular na escola àquele que apresenta distorção idade/série. E também a realidade daquele que apenas estuda, ou que estuda e trabalha, que mora no campo ou na zona urbana, os estudantes indígenas, quilombolas, com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação. Ou seja, atuar no aprofundamento da equidade, olhando para os diferentes e para a diversidade de suas vidas. Na prática, esta política inclusiva, que considera os sujeitos, seus saberes e necessidades se concretizou em ações distintas, tais como o Ensino Médio Noturno e o Integral e Integrado. O primeiro atende o estudante trabalhador, oferece um horário compativel com essa condição, de 19h às 22h15, com um dos quatro horários reservado para uma disciplina Diversidade, Inclusão e Mundo do Trabalho (DIM) que, por meio da pedagogia de projetos e da interdisciplinaridade, faz o diálogo entre o conhecimento escolar e o mundo do trabalho. Para o Ensino Médio, apostamos no protagonismo juvenil e na formação de coletivos juvenis. Além disso, criamos o Programa de Iniciação Cientifica articulado com a universidade e cujo objetivo é fazer pesquisa aplicada com estudantes para que busquem soluções para os problemas de seu território. O Ensino Médio Integral e Integrado foi implantado em 44 escolas em 2017 e chegará a 80 escolas em 2018. O projeto baseia-se na gestão democrática, assegurada pela participação dos estudantes na organização da escola e do currículo; o direito à aprendizagem, proporcionado pela extensão da carga horária; e na apropriação da cidade pelos estudantes, resultante da combinação das disciplinas “Pesquisa e Intervenção” e “Diálogos Abertos com a Cidade”. O estudante é quem opta pela Educação Integral e Integrada e também é ele quem escolhe os temas de estudo na ampliação da jornada. Essa escolha se dá em três grandes campos de integração curricular: “Cultura, Artes e Cidadania”, “Pesquisa e Inovação Tecnológica” e “Comunicação, Linguagens e Mídias”, além de um Curso Técnico Profissionalizante integrado. Iniciado em agosto, o projeto atendeu aproximadamente 5 mil estudantes e a expectativa é ampliar para mais de 19 mil em 2018. A Secretaria de Estado de Educação também instituiu, em 2015, uma nova concepção de avaliação dos estudantes e das escolas, p a u t a d a no compromisso com a promoção da equidade e com a redução 259 das desigualdades educacionais. A proposta implementada visa promover uma mudança de cultura na avaliação, que leve as comunidades escolares a discutirem suas próprias potencialidades, sem provocar disputas competitivas e posição em ranking. E, ainda, implantar um novo paradigma que estimule a cultura da participação, da contribuição dos resultados para que cada escola compreenda sua realidade, entenda como está inserida em seu contexto social e que, a partir da sua realidade, busque alternativas de melhoria da aprendizagem. Assim, o Sistema Mineiro de Avaliação (Simave) trouxe algumas novidades que reforçam a mudança da centralidade da avaliação para uma ótica de promoção da equidade. O Sistema Mineiro de Avaliação (Simave) foi criado com vistas ao levantamento de informações acerca do desempenho dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio do sistemapúblico de educação do Estado em avaliações externas: o Proalfa e o Proeb. As avaliações são desenvolvidas por meio de parceria entre a Secretaria de Estado de Educação e o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O Proalfa é uma avaliação anual e censitária para os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental para verificar o desempenho dos estudantes em procedimentos de leitura e escrita. 260 Já o Proeb avalia competências expressas pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio em Língua Portuguesa e Matemática. Até 2014, o Proeb era aplicado apenas no 9º ano do Ensino Fundamental e no 3º ano do Ensino Médio, isto é, apenas no final de cada etapa de ensino. A novidade implantada em 2015 foi a ampliação da avaliação de estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental e do 1º ano do Ensino Médio. Ao introduzir este formato, a Secretaria de Estado visualiza a realidade do aluno que está na escola e atua nas dificuldades que surgem no processo de aprendizagem. O dado da avaliação nos anos intermediários permite visualizar os desafios que estão em curso. Com isso, a ação da escola fica mais qualificada e compromissada com a redução das desigualdades educacionais. Esta concepção de avaliação pode fortalecer o compromisso dos educadores com a melhoria da qualidade da educação, por meio da socialização e da apropriação de seus resultados. Outra novidade foi a inclusão de mais um padrão de desempenho na escala de proficiência, que passou a ter quatro níveis: baixo, intermediário, recomendável e avançado, permitindo uma análise mais aprofundada dos resultados e melhor distribuição dos alunos por grupos. As comunidades escolares de Minas Gerais participam de forma efetiva nesses processos de avaliação que variam entre 80 e 90% dos alunos da Rede pública. O teste não é obrigatório, mas há intensa mobilização e participação efetiva das 47 Superintendências Regionais de Ensino (SREs), diretores, gestores, pais e alunos e prefeituras dos 853 municípios de Minas. Em 2015, foram mais de um milhão de alunos de todas as Redes públicas (Estado e Municípios). O trabalho, em parceria com as Superintendências, inclui a capacitação de pessoal que garanta que os testes sejam sigilosos e que cheguem a cada um dos estudantes. Associada à avaliação da proficiência foi desenvolvida uma plataforma de monitoramento da aprendizagem, em que cada uma das escolas desenvolve, de forma participativa, um diagnóstico que articula indicadores de contexto e desempenho, cujo objetivo é a construção coletiva de ações pedagógicas para a melhoria da aprendizagem, da oferta educativa e da convivência democrática. Por fim, a Educação Técnica Profissional se tornou realidade no sistema estadual de ensino. Em 2016, foram criados 34 cursos, distribuídos em 282 escolas da Rede, que tiveram em dois anos 44 mil estudantes matriculados. Esse número é superior a todos os formados pelo antigo PEP em oito anos. E com uma grande diferença: são cursos incorporados ao plano de atendimento das escolas, o que garante a sua continuidade, pois não dependem de convênios e repasses a instituições formadoras privadas. A tudo isso, soma-se a política de valorização dos trabalhadores da Educação, com várias medidas que impactaram a vida do trabalhador e a qualidade do ensino ofertado. EDUCAÇÃO 2015/2018 DADOS GERAIS DA REDE A Rede Estadual de Ensino tem 2.137.891 alunos matriculados, em 3.643 escolas. Ensino Fundamental: 1.148.060 matrículas Professores ativos no Estado: 162.509, sendo 62.246 efetivos e 100.263 designados. Total de trabalhadores: 230 mil, entre efetivos e designados Fonte: Censo Escolar 2016 NOMEAçõES O Governo de Minas Gerais já nomeou 50.457 novos servidores desde 2015. Somente em 2017 , foram 13.255 servidores nomeados. Do total de nomeados, 41.353 (82%) são professores. APOSENTADORIAS Desde 2015, o Governo de Minas já aposentou 40.498 servidores da educação. Foram 13.555 servidores 261 em 2015; 15.237 em 2016 e, em 2017 já foram publicados 11.706 atos de aposentadoria. Já o salário médio dos servidores teve um aumento de mais de 54%, passando de R$ 2.127,47 para R$ 3.277,74 (os dados são de julho de 2017); sem contar o pagamento do Adveb. ACORDO HISTÓRICO E EVOLUçÃO SALARIAL Em cumprimento ao acordo histórico que foi transformado na Lei nº 21.710/2015, os reajustes salariais concedidos aos servidores por esta gestão do Governo de Minas Gerais representam um aumento de 46,75% na remuneração dos professores da Rede estadual. Em janeiro de 2015, quando o governador Fernando Pimentel assumiu, os professores de Educação Básica da Rede estadual de ensino mineira recebiam um salário inicial de R$ 1.455,33. Hoje, a remuneração inicial do professor é de R$ 2.135,64, contando o vencimento básico, que é de R$1.982,54, mais um abono de R$ 153,10, que será incorporado à tabela de vencimento em julho de 2018, para uma carga horária de 24 horas semanais. Vale destacar que a mesma proporção dos reajustes salariais e o benefício do Adicional de Valorização da Educação Básica (Adveb) também são estendidos às demais carreiras da Educação e aos servidores aposentados. Este adicional é pago mensalmente e corresponde a 5% do vencimento básico do servidor, a cada cinco anos de efetivo exercício, contados a partir de 1º de janeiro de 2012, o que já beneficia mais de 40 mil servidores. 262 PROGRESSõES E PROMOçõES Desde o início da gestão, já foram realizadas 54.771 progressões de grau e 34.491 promoções de nível em todo o Estado. Valedestacarqueaspromoções na carreira estavam congeladas desde 2011. EDUCAçÃO INTEGRAL E INTEGRADA – ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL Desde 2015, o número de estudantes atendidos nessa iniciativa cresceu 50% e a proposta é ampliar ainda mais a ação. No final de 2014, eram 102 mil e em 2018 esse número já chega a 150 mil alunos, em cerca de 2 mil escolas. A Secretaria de Estado de Educação implantou 14 polos de Educação Integral para o Ensino Fundamental, a fim de ampliar e diversificar as atividades da Educação Integral e Integrada em Minas Gerais, e outros seis estão sendo implementados. Em 2017 a Educação Integral foi implementada em 44 escolas de Ensino Médio de Minas Gerais, atendendo aproximadamente 9 mil alunos. Para 2018, teremos mais 36 escolas participando da iniciativa, totalizando 80 escolas estaduais oferecendo a Educação Integral para o Ensino Médio e a expectativa é que sejam beneficiados cerca de 19.600 estudantes. o avanço da aprendizagem dos estudantes de 4º ao 9º ano do Ensino Fundamental, que não estejam alfabetizados e com defasagem em leitura, escrita e cálculos matemáticos, o APD foi lançado em 2016, contemplando, inicialmente, 423 escolas. REDE ESTADUAL DE EDUCAçÃO PROFISSIONAL As unidades escolhidas para esse atendimento foram aquelas que apresentaram maior deficiência nessas áreas de conhecimento. Nestas escolas, as crianças são atendidas em grupos, fora da turma as quais estão inseridas. O professor alfabetizador contratado conta com o acompanhamento das equipes de currículo e analistas das SREs. De 2016 para 2017, o número de vagas para nos cursos técnicos ofertados pelas escolas estaduais do Estado cresceu cerca de 150%. Em 2016 foram 16 mil estudantes atendidos. No segundo semestre de 2017 já haviam 44.300 mat rículas nos cursos técnicos oferecidos dentro das escolas estaduais, um número recorde no Estado. São 249 escolas estaduais com oferta de educação profissional, em 189 municípios do Estado. O volume de investimentos também cresceu de forma significativa: de R$ 4,5 milhões em 2016 para R$ 26 milhões em 2017, um acréscimo de 480%. ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO DIFERENCIADO (APD) A Secretaria de Estado de Educação (SEE) ampliou para 510 o número de escolas atendidas pelo projeto de Acompanhamento Pedagógico Diferenciado (APD). Com o propósito de promover ações que possibilitem EDUCAÇÃO ESPECIAL A SEE trabalha em toda a sua Rede para que a oferta do ensino seja universal e de maneira inclusiva, também para os alunos com deficiência. A inclusão na escola, previstanalegislação, partedo princípio de que todos têm direito de acesso ao conhecimento sem nenhuma forma de discriminação, ou seja, nenhuma criança pode ter a sua matrícula negada em razão de sua deficiência ou qualquer outro motivo. Para isso, a escola tem de ser preparada, tanto no aspecto da infraestrutura, quanto no seu projeto pedagógico. 263 Para garantir suporte ao estudante com deficiência, as escolas oferecem o AtendimentoEducacional Especializado (AEE), que tem por objetivo levar aos alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/altas habilidades o atendimento especializado que lhes possibilite a participação plena na escola. Esse atendimento, em caráter complementar e de apoio, permite ao estudante um melhor aproveitamento de suas potencialidades, melhorando seu processo de aprendizagem e facilitando a sua inclusão nas classes comuns. Atualmente, a Rede estadual de ensino mineira possui 39.917 alunos matriculados na Educação Especial, sendo 36.808 na educação inclusiva, em escolas comuns, e 3.109 em educação exclusiva, que são as escolas especiais. A Rede estadual conta com 1.765 escolas com oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) em salas de recursos, nas diversas localidadesdoEstado. Esse atendimento é ofertado no turno inverso ao de escolarização do aluno (contraturno). Além disso, as escolas contam com recursos materiais e profissionais especializados para oferecerem as condições de acessibilidade aos estudantes, conforme suas necessidades. Atualmente, a Rede conta com de 7.186 professores de Apoio à Comunicação, Linguagem e Tecnologias Assistivas, que dão suporte 264 ao aluno para a sua participação nas atividades escolares; 1.004 intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras), para os alunos surdos; e 6 guiasintérpretes, para os alunos surdocegos. AVALIAçÃO NACIONAL ALFABETIZAçÃO (ANA) DE Minas Gerais é o Estado brasileiro que obteve o melhor índice em Leitura na Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA). O Estado aparece com 62,35% dos estudantes acima dos 8 anos, faixa etária de 90% dos avaliados, nos níveis 3 e 4, referentes à escala adequada e desejável, sendo o Estado com maior percentual de estudantes no nível desejável (23,29%). Em Matemática, os estudantes mineiros também são destaque: 62,17% aparecem no nível suficiente (somatório dos níveis 3 e 4), pouco abaixo dos estudantes de Santa Catarina, que aparecem com 62,18%. Já em Escrita, o Estado está em 1º lugar no nível 5 (adequado), com 16,1%; e está em 4º lugar no nível suficiente, com 79,25% dos estudantes, perto de São Paulo (82,9%), Santa Catarina (84,84%) e Paraná (85,63%). ENSINO MÉDIO NOTURNO E EDUCAçÃO DE JOVENS E ADULTOS Com uma política educacional voltada para o atendimento do jovem, a Secretaria de Estado de Educação ampliou as turmas de Ensino Médio no turno noturno e de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além disso, alterou o conteúdo curricular para melhor se adaptar à realidade de quem estuda à noite. Tanto na EJA quanto no Ensino Médio Noturno foi introduzida uma nova disciplina “Diversidade, Inclusão e Mundo do Trabalho (DIM)” Em todo o Estado, 1.789 escolas estaduais oferecem a modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Em Belo Horizonte, são 172 unidades escolares. VIRADA EDUCAçÃO (VEM) A Secretaria de Educação realiza, desde 2015, a Virada Educação Minas Gerais, um chamado ao jovem que deixou de estudar para retornar aos estudos. A Campanha VEM faz parte de um esforço da SEE em escutar os jovens e discutir com toda a comunidade escolar estratégias para criar uma escola mais acolhedora para os jovens. INVESTIMENTOS TECNOLÓGICOS Tambéma partir de 2015, investimentos sistemáticos na infraestrutura tecnológica das escolas foram realizados. Atualmente, são 2 mil salas de professores com conectividade e 40 mil novos computadores adquiridos. O governo de Minas Gerais investiu mais de R$ 145 milhões nessas ações, além de R$ 25 milhões em infraestrutura de rede lógica e elétrica, necessária para funcionamento desses laboratórios de informática. Em funcionamento na Rede estadual desde março de 2017, o Diário Escolar Digital (DED) é mais um passo que a Educação em Minas Gerais dá no sentido de modernizar as escolas e disponibilizar tecnologias que facilitem o dia a dia do professor, ao mesmo tempo em que permite uma gestão mais qualificada das informações dos estudantes, escolas, professores, entre outras. Uma ferramenta criada para melhorar os processos educacionais, otimizar o trabalho dos profissionais que atuam nas escolas estaduais, monitorar a frequência dos estudantes e garantir maior segurança e veracidade dos dados escolares, dentre outros pontos. PROGRAMA DE CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA Este programa tem como propósito compreender e enfrentar as violências, reconhecer e valorizar as diferenças e as diversidades no ambiente escolar, além de incentivar a participação política da comunidade onde as escolas estão inseridas, por meio de projetos e estratégias educativas. Também já está em funcionamento um sistema on-line de registro de situações de violência dentro das escolas, um mecanismo 265 criado para acompanhamento dos casos que envolvem todos os tipos de violência existentes no ambiente escolar. Para 2018, a meta é ofertar aos educadores uma formação em Convivência Escolar e Prevenção à Violência nas Escolas. O Curso será organizado em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO e contemplará mil profissionais da Educação, em mais ou menos 500 escolas estaduais, que serão definidas pela Secretaria. INICIAçÃO CIENTÍFICA A Secretaria de Estado de Educação (SEE) selecionou projetos de iniciação cientifica que farão parte dos eixos “Núcleo de Pesquisa e Estudos Africanos, Afro-brasileiros e da Diáspora – Ubuntu/Nupeeas” e “Territórios de Iniciação Cientifica (TICs)” no Ensino Médio da Rede Estadual de ensino. Ao todo, foram selecionados 127 projetos de autoria de estudantes e professores - 94 que fazem do eixo de pesquisa Ubuntu/Nupeaas e 33 que integram os TICs, que formarão coletivos de pesquisa em escolas estaduais. CONFERÊNCIA DE EDUCAçÃO O Fórum Estadual Permanente de Educação do Estado de Minas Gerais 266 lançou no dia 15 de setembro de 2017, em Belo Horizonte, a Conferência de Educação de Minas Gerais, que terá como tema “A Construção do Sistema Integrado de Educação Pública de Minas Gerais (SIEP/MG) e a implementação dos Planos de Educação”. Etapa preparatória da Conferência Nacional de Educação (CONAE 2018) e da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), a Conferência de Educação de Minas Gerais vai acontecer entre os dias 22 e 25 de março de 2018. A Conferência foi precedida de etapas municipais e territoriais que aconteceram em 2017. As etapas municipais foram realizadas entre os dias 15 de setembro e 17 de novembro, e as territoriais em 12 municípios, no dia 25 de novembro, e mais de 4 mil pessoas participaram da etapa territorial. OBMEP Minas Gerais é o Estado com o maior número de medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) de 2017. Esta é a 11ª vez consecutiva que Minas Gerais fica em 1º lugar em número de alunos medalhistas. Ao todo, foram 1.448 medalhas, sendo 119 de ouro, 381 de prata e 948 de bronze. O segundo Estado com mais premiações é São Paulo, com 94 de ouro, 274 de prata, 914 de bronze, 1.282 no total. 267 O Porta l Bra sil Movim entos socia is por Ivanir Alves Corgosinho MOVIMENTOS SOCIAIS EM MINAS GERAIS NO SéCULO XXI O ambiente político no Estado de Minas Gerais entre os anos 2000 e 2014 Histórica e estruturalmente vinculadas ao capital exportador de produtos primários, as elites econômicas de Minas gerais têm se alimentado, basicamente, de uma cadeia produtiva estruturada em torno da exploração dos recursos da terra e da crescente mercantilização dos territórios. Minas Gerais é o mais importante estado minerador do país e ocupa a 5ª colocação no ranking dos principais estados exportadores do agronegócio. A sustentação da indústria do minério e do agronegócio está escorada em uma rede de fornecedores em logística de transporte, energia, água, químicos e outros insumos, de tal modo a vida da maioria dos mineiros e mineiras gravita em torno e depende dessa cadeia produtiva. Circunstância que não deixa o povo mais confiante no futuro. A política econômica adotada no Estado tende a ser altamente geradora de conflitos sociais. Não raro, os empreendimentos impactam negativamente os direitos, sonhos e esperanças das pessoas comuns, com resultados que podem 269 chegar à dimensão do trágico. O desastre ocorrido em Mariana, em 05 novembro de 2015, com o rompimento da barragem Fundão da mineradora Samarco, devastou o distrito de Bento Rodrigues, deixou 19 mortos (entre moradores e funcionários da empresa), destruiu centenas de imóveis, deixou milhares de pessoas desabrigadas, provocou a poluição do Rio Doce e causou danos ambientais que se estenderam aos estados do Espírito Santo e da Bahia. Este vazamento, considerado o maior de todos os tempos em volume de material despejado por barragens de rejeitos de mineração, está longe de ser um caso único e irrepetível. Foi um retrato, em escala monumental, dos dramas que afligem cotidianamente as comunidades ribeirinhas, pescadores e agricultores no Estado. O Mapa dos Conflitos Ambientais no estado de Minas Gerais, identificou cerca de 1.023 situações possíveis de conflito no período compreendido entre os anos 2000 e 2010, nas 12 mesorregiões do estado. A questão da terra e os problemas ambientais têm, por consequência, um lugar de forte destaque na configuração dos movimentos sociais que articulam a resistência ao padrão de acumulação capitalista dominante em Minas Gerais. A estes, soma-se a miríade de outros 270 transtornos vividos pela população, derivados das escolhas feitas por seus sucessivos governantes. Minas Gerais é a terceira economia do país, mas seu PIB per capita é o menor entre os estados do Sudeste e o nono do Brasil. O estado ocupa a nona posição no índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e, neste mesmo ranqueamento, está em último lugar entre os estados das regiões Sul e Sudeste. As desigualdades regionais são tão acentuadas quanto as que prevalecem no país. Cerca de 46% dos municípios mineiros são considerados carentes, de acordo com o IDHM, enquanto a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) responde, sozinha, por 44% do PIB estadual. Entre a capital mineira e os municípios do interior, há um desnível colossal em termos de acesso a recursos econômicos, à cobertura social, empregos e investimentos na infraestrutura necessária ao aumento de suas fontes de receita. As diferenças no desenvolvimento das macrorregiões Norte, Caparaó, Alto Jequitinhonha, Mucuri e Médio e Baixo Jequitinhonha são nítidas e seculares. Nessas áreas, são registrados os maiores índices de mortalidade infantil, pobreza, analfabetismo e vulnerabilidade social, dentre outros indicadores socioeconômicos. As disparidades também ocorrem nos recortes por gênero e cor da pele. O IDHM da população branca no Estado, em 2010, era de 0,775 (alto), enquanto o da população negra era de 0,693 (médio). A renda per capita média da população negra mineira, ainda em 2010, era de R$ 535,12. Já a renda per capita dos brancos chegava a R$ 1.006,29. No caso da esperança de vida ao nascer, em 2010, era de 74,9 anos para os negros e de 76,2 anos para os brancos. No caso das mulheres, as com menor nível de instrução recebem, em média, 33% menos que os homens com o mesmo nível de instrução. Já as mulheres com nível superior completo ganham aproximadamente 43% menos que os homens desse mesmo estrato populacional. Minas Gerais é um dos estados brasileiros menos violento contra as mulheres e ocupa, no ranking nacional, a 22ª posição. Ainda assim, é um altamente violento e, se fosse um país, seria o sétimo do mundo em violência contra as mulheres. Nestas duas primeiras décadas do século XXI, os esforços populares para pautar e dar tratamento a essas carências e disparidades, esbarrou, na maior parte do tempo, no condomínio público-privado articulado pelas elites econômicas e sua representação nas esferas política e jurídica. Como fartamente denunciado ao longo das décadas por lideranças, sindicatos e outras organizações da sociedade civil, a postura típica dos governos tucanos em Minas Gerais foi a de intolerância aos movimentos sociais e de implementação acelerada de seu projeto neoliberal, visto como uma fórmula a ser adotada no restante do País. Este projeto, de fato, teve início com o governo Eduardo Azeredo (1995 a 1999) e com Fernando Henrique Cardoso na presidência da República, de 1995 a 2003. Sofreu uma breve interrupção durante o governo de Itamar Franco, mas foi retomado – com maior ímpeto e escala – nas administrações de Aécio Neves, iniciadas em 1º de janeiro de 2003, continuado por Antonio Anastasia a partir de 2010 (devido à renúncia de Aécio Neves para concorrer à eleição para o Senado) e só interrompido em 1º de janeiro de 2015, com a posse do petista Fernando Pimentel. No curso dessas gestões, o Estado mineiro foi sucateado. Quase todo o setor financeiro estatal, a partir do qual se poderia induzir um processo mais igualitarista de desenvolvimento, foi privatizado. Venderam o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), o Banco de Credito Real de Minas Gerais (Credireal) e a Minas Caixa. A chamada Lei Kandir (Lei complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996), do ex-presidente Fernando Henrique, favoreceu as mineradoras às custas 271 da arrecadação estadual e dos cofres municipais. O chamado “choque de gestão”, implementado por Anastasia, correspondeu a uma severa contenção dos gastos públicos que afetou drasticamente as áreas de saúde, educação e segurança pública. Unificando as elites estaduais em torno da disputa com os tucanos paulistas, tendo em vista a presidência da República, o “aecismo” forjou uma poderosa blindagem institucional, de alcance nacional. Essa rede de proteção envolveu uma base de sustentação majoritária na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça, as forças policiais e, destacadamente, os veículos de comunicação. Sob o comando de Andrea Neves, irmã de Aécio Neves, o Núcleo Gestor de Comunicação Social do Governo impôs a um absoluto controle sobre a mídia mineira, impedindo a circulação de notícias negativas, por menores que fossem, às custas de ameaças e gastos generosos com publicidade. Durante o tempo em que foi comandado pelos tucanos, o Estado gastou mais de R$ 547 milhões com publicidade, em valores corrigidos pela inflação (veja quadro abaixo), num crescimento estimado em 900%, já descontada a inflação do período. Vitorioso, foi este projeto que disputou a eleição presidencial 272 de 2014, contra a petista Dilma Rousseff. Quanto aos movimentos, prevaleceu a “linha dura”, num roteiro que incluiu desde a leniência e morosidade na resolução de conflitos sociais e de crimes contra direitos humanos, esvaziamento e aparelhamento dos conselhos estaduais de politicas públicas, repressão ostensiva às manifestações reivindicativas, perseguição a lideranças populares e sindicalistas, demissão e até a prisão de jornalistas, como no caso de Marco Aurélio Carone, criador e editor do Novo Jornal. A força do “aecismo”, por óbvio, não impediu que lutas ocorressem, como ocorreram, num fértil laboratório para a experimentação das mais variadas formas de ação, de organização e de pautas de reivindicações que abarcaram desde a inclusão social, no sentido mais básico do combate à pobreza, à preservação ambiental e do patrimônio, passando pela defesa dos direitos dos negros, das mulheres e da população LGBTIQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e pessoas Intersex), além de abordar temáticas urbanas de forte valor simbólico, como a ocupação popular das praças com eventos culturais. Entretanto, apenas ao final da primeira década, notadamente a partir de 2010, surgiu em Minas Gerais a possibilidade de uma proposta aglutinadora capaz de promover a unificação das demandas populares no escopo de um projeto político auto-orientado e alternativo ao projeto neoliberal dominante. Isso aconteceu devido às disputas partidárias e ideológicas que marcaram a convivência entre as diversas correntes de opinião presentes nos movimentos sociais mineiros na década anterior. Grosso modo, essa disputa opôs o projeto petista de chegada ao poder governamental nacional, e as demais abordagens sobre as questões da reforma social e da revolução do Estado brasileiro. Maior partido de base popular no Brasil, e umbilicalmente ligado aos movimentos sociais, o Partido dos Trabalhadores (PT) apenas apresentou um projeto e uma candidatura competitiva no Estado na eleição de 2014, vencida pelo petista Fernando Pimentel. “Em pelo menos sete eleições que disputamos para o governo de Minas – 1982, 1986, 1990, 1994, 1998, 2002, 2006 – faltou ‘apetite político’ no Partido: as eleições para governadores não foram priorizadas; nosso acúmulo político programático era sofrível e os candidatos escolhidos eram quadros partidários que ‘iam para o sacrifício’. Perdemos uma oportunidade valiosa para chegar ao governo de Minas em 2002, quando se abriu um claro espaço para uma terceira via, dado o fracasso dos governos de Eduardo Azeredo (PSDB) e de Itamar Franco (PMDB)”, afirma o economista José Prata de Araújo, autor do livro “Por que Dilma e Fernando Pimentel venceram as eleições em Minas?”. A timidez do PT no debate político estadual está relacionada ao esforço para levar Lula à presidência tanto na eleição de 2002 quanto na de 2006. Nos estados, Lula manteve-se distantes das disputas aos governos e buscou reunir uma ampla gama de aliados que, em alguns casos, incluiu até mesmo setores aos quais o PT se opunha no plano nacional. é o caso de Minas onde, em 2002, o então governador Itamar Franco apoiou Lula para a presidência e Aécio Neves para o governo local, engendrando o famoso “Lulécio”, com a anuência de ambos os candidatos dado o comum interesse em neutralizar o PSDB paulista. Essa estratégia foi repetida em 2006. Artifício semelhante foi tentado na eleição para a prefeitura de Belo Horizonte em 2008, quando o exprefeito Marcio Lacerda (PSB) foi eleito com os apoios de Aécio Neves (PSDB) e de Fernando Pimentel (PT). Essa iniciativa dividiu o PT mineiro, que viveu um danoso confronto público entre o ex-ministro Patrus Ananias e Pimentel. Esse conflito foi parcialmente resolvido com intervenção do Diretório Nacional do partido, que não aprovou a aliança formal entre petistas e tucanos, mas 273 cedeu quanto ao apoio informal à candidatura de Marcio Lacerda. Finalmente, houve nova tentativa de emplacar a chamada “política de convergência” entre PT e PSDB na eleição de 2010. Naquela ocasião, o prefeito Marcio Lacerda assumiu a coordenação de um movimento municipalista suprapartidário que se tornou expressão do apoio à candidatura de Dilma Roussef (PT) à presidência da República, de Antonio Anastasia (PSDB) ao governo estadual (arranjo que se tornou conhecido como “Dilmasia”) e das candidaturas de Fernando Pimentel e Aécio Neves ao Senado, dobradinha apelidada de “Pimentécio”. Essa tentativa, entretanto, ocorreu já num quadro de acirramento da competição eleitoral entre o PT e o PSDB em nível nacional. No confronto que decidiria a sucessão de Lula, o PT mudou a postura, nacionalizou fortemente a disputa no confronto com os tucanos e, com isso, inviabilizou a chapa “Dilmasia”. O “Pimentécio” contou com baixa adesão entre os petistas, restrita aos inconformados com a escolha do ex-ministro Hélio Costa (PMDB) como candidato ao governo de Minas pela base aliada do governo federal. Essas estratégias inibiram a disputa de projetos globais no estado, confundiram a população e deixaram os movimentos sociais sem o respaldo institucional que necessitavam para a 274 maior efetividade de suas lutas. Por isso mesmo, a tática eleitoral do PT foi mal recebida por boa parte das correntes de esquerda presentes no cotidiano dos movimentos sociais. Ademais, as gestões de Lula e de Dilma também foram motivos de controvérsia entre essas organizações. A vitória de Lula na eleição presidencial de 2002 despertou expectativas e esperanças extremadas que acabaram frustrando-se frente as escolhas feitas pelo governo federal. É, entre outros, o caso da reforma agrária. “O que houve na verdade foi um aumento no número de famílias assentadas sendo que no ano de 2003 foram assentadas 36 mil famílias, mas nada comparado as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA que era assentar 413 mil famílias em dois anos, meta que não foi atingida assim como não houve avanços da reforma agrária”, anota Natália Lorena Campos, uma estudiosa dos movimento sociais rurais em Minas Gerais. As tentativas de unificação dos movimentos sociais e de articulação de suas forças com o propósito de dar enfrentamento comum ao projeto em execução desde o governo estadual foram dificultadas, portanto, por dissenções que dividiram os movimentos sociais mineiros em três grandes campos de opinião relativas à questão nacional. De um lado, haviam as forças alinhadas ao governo federal, tais como a Central única dos Trabalhadores (CUT) e o PT. Por outro, aqueles que tendiam a uma oposição frontal cuja intenção era fazer com que Lula, e depois Dilma, aprofundassem as reformas e atacassem mais abertamente o establishment econômico. Entre esses, estavam o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e as correntes que vieram a formar o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2005. Finalmente, pelo centro, haviam aqueles que tentavam conciliar as duas partes, ainda que manifestassem, frequentemente, um viés mais crítico às gestões petistas. Entre eles, os movimentos e grupos articulados na Via Campesina. Assim, do início deste século até, praticamente, o final de sua primeira década, o que se viu em Minas Gerais foi um franco processo de isolamento dos movimentos sociais, com sua consequente desarticulação e baixa unidade. Isso ocorreu devido à força do projeto “aecista”, à repressão e perseguição aos militantes e ativistas, ao esvaziamento da dimensão participativa da gestão pública e à ausência de uma interlocução eficaz com os partidos que, no Estado, se situavam no campo da oposição aos governos tucanos. Em âmbito nacional, desde 2003, a construção da unidade de ação entre as correntes de pensamento e movimentos sociais passava pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), criada em 26 de junho daquele ano, e composta pela CUT, pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), pela Federação Nacional dos Advogados (FNA), pela Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de entidades estudantis e outras organizações. Essa articulação, entretanto, jamais se efetivou em Minas Gerais, informa Frederico Santana Rick, dirigente da Consulta Popular. Em parte, isso se deveu às divergências sobre a questão nacional que, como vimos, indispunham as organizações mesmo quando a pauta se restringia aos assuntos locais e à oposição ao governo neoliberal de Aécio Neves. Em Minas, as tentativas de congregação dos movimentos ocorriam, principalmente, por dentro do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial que se constituía num espaço genérico para o encontro de forças políticas com perfil democrático e de esquerda. Nesse espaço, essas forças tanto podiam construir agendas em torno da tematização mais característica do Fórum Social Mundial, fortemente voltada para assuntos globais, quanto sobre temas mais propriamente locais e relativos à politica estadual. Assim, por exemplo, já em 2001, foi realizado em Belo Horizonte o Fórum “Minas por um outro mundo – Produção da Riqueza e Reprodução Social”. A “Carta de Belo Horizonte”, aprovada pelos 275 participantes desse encontro, trata de uma variada gama de questões que iam da entrada do Brasil na área de Livre Comércio das Américas (Alca), exigindo a realização de um plebiscito para que o povo definisse a posição brasileira, até o problema das privatizações das empresas nacionais, em curso acelerado nas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial cumpriu esse papel até meados da década de 2000. Em 2005, durante o Fórum Social Mineiro daquele ano, participantes de algumas organizações decidiram pela criação do assim chamado “Fórum das Articulações”. A Via Campesina foi a principal impulsionadora dessa articulação e de sua primeira reunião que contou com a participação, entre outros, do Fórum Mineiro da Economia Popular Solidária, da Articulação Mineira de Agroecologia, da Articulação do Semiárido (ASA), do Fórum das Pastorais Sociais, do Fórum Mineiros de Segurança Alimentar, além de militantes cristãos ligados à Cáritas. Foi baixa a adesão dos sindicatos. Entretanto, dessa experiência nasceram os Encontros dos Movimentos Sociais de Minas Gerais, atualmente o mais importante momento de confluência do ativismo social no Estado. O 1º Encontro dos Movimentos Sociais de Minas aconteceu entre os 276 dias 29 de março a 4 de abril de 2006, reunindo mais de 2.000 participantes. Na época, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, auspiciou a realização da 47ª Assembleia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), vinculado ao Banco Mundial e ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O Encontro dos Movimentos Sociais ocorreu em paralelo a este evento, organizado pelo Fórum das Articulações, com uma pauta focada na luta contra as altas tarifas da energia elétrica no Estado e a entrega, pelo governador, de terras devolutas a empresas privadas que as utilizavam para a ampliação das áreas de monocultura. O segundo Encontro ocorreu no ano seguinte, 2007, com pauta semelhante, mas que incluía a luta contra a transposição do Rio São Francisco, projeto que era uma espécie de menina dos olhos de Lula. Devido a esse viés demarcatório com o governo federal, esse encontro polarizou as relações entre os movimentos. Por um lado, afastou os grupos próximos ao projeto federal que chegaram a frertar com o espaço oferecido pelos encontros. Por outro, atraiu forças políticas em disputa com o petismo, como o Partido Comunista Revolucionário (PCR), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o PSOL e a central sindical Conlutas, e outras organizações menores. O Fórum das Articulações não resistiu à tensão e esvaziou-se no curso das tratativas para a eleição de 2008, em Belo Horizonte. Com seu enfraquecimento, as organizações ligadas à Via Campesina se afastaram das tentativas de unificação da esquerda e dos movimentos sociais no estado, dedicando-se à construção das chamadas Assembleias Populares (AP), na época incentivadas pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A esta altura, as relações entre os movimentos sindicais representativos dos servidores públicos e o governo Aécio haviam enverado para uma situação de confronto aberto em consequência do desmonte das empresas públicas; do processo acelerado de terceirização de serviços; dos ataques sistemáticos aos dirigentes sindicais, especialmente no caso dos professores; à indisposição para as negociações e ao abuso da violência ostensiva contra as manifestações promovidas pelos movimentos. Em 2008, no curso da campanha salarial dos eletricitários do Estado, as práticas antissindicais do governo estadual, com o apoio da Justiça mineira, chegaram a um ponto crítico. A Companhia Energética de Minas Gerais S.A (CEMIG) utilizou seu enorme poder de comunicação para jogar os trabalhadores contra seus sindicatos representantes, enviando e-mails e mensagens por celular aos trabalhadores e acionando as gerências das unidades para que fizessem o jogo de intimidação. A empresa chegou a organizar um abaixo-assinado pelo qual os eletricitários solicitavam a retirada de sua entidade da campanha salarial unificada, promovida pelo Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro) e pelo Sindicato de Eletricitários do Sul de Minas (Sindsul). Ao mesmo tempo, como relata Fernando Neiva, diretor do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região, desde 2007 o governador tucano maquinava um plano para tomar a direção de importantes sindicatos de trabalhadores, como os da Copasa, Cemig e da educação da rede estadual. Os instrumentos para a realização desse projeto eram a Força Sindical, o Centro de Solidariedade e Apoio ao Trabalhador (CSAT), “uma espécie de ‘clone’ estadual do Sistema Nacional de Emprego(Sine)”, segundo Neiva, e o Secretariado Estadual de Relações Trabalhistas e Sindical do partido, denominado PSDB Sindical, que veio a ser criado em 2011. Além de disputar algumas eleições sindicais (amargando derrotas em todas), o PSDB sindical patrocinou tentativas de rachar a base dos sindicatos, como aconteceu em 2012, com o próprio Sindicato dos Bancários. Com o apoio da Nova Central Sindical (NCST), os tucanos 277 chamaram uma assembleia de trabalhadores para criar o Sindicato de Empregados em Empresas de Crédito de Betim (SINTEC Betim). Dirigentes e apoiadores do Sindicato dos Bancários responderam ao golpe comparecendo ao local da assembleia e enfrentando o aparato repressivo montado para afastá-los. A rua Santos Dumont, onde foi realizada a assembleia, estava bloqueada por viaturas e policiais fortemente armados. Os quarteirões próximos também estavam fechados por viaturas, motos e cavalos. A tentativa foi frustrada por decisão do juiz do Trabalho de Betim, Mauro césar Silva, que declarou a assembleia inválida e ilegal a criação do novo sindicato. Numa indicação evidente de que as possibilidades de sustentação da “política de convergência” entre PT e PSDB no Estado esgotavam-se rapidamente, o movimento sindical mais identificado com as forças de esquerda decidiu dar uma resposta unificada à ofensiva antissindical dos tucanos. Em 2008, foi criado o Fórum Sindical e Social de Minas Gerais (FSS), com o apoio da Central única dos Trabalhadores, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), federações sindicais e sindicatos de tradição combativa no Estado, como o Sindicado dos Jornalistas, o Sindieletro, o SindSaúde/MG, o Sindicato único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE), o Sindicato dos 278 Trabalhadores em Telecomunicações de Minas Gerais (Sinttel), bancários e petroleiros, além de movimentos estudantis e sociais. Esta iniciativa também foi apoiada por grupos identificados com a Via Campesina, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST). é deste Fórum a autoria de uma carta aberta à população mineira com o título “Minas, teu outro nome já foi liberdade!”, numa alusão à frase de Tancredo Neves que se encontra gravada no busto do ex-presidente, instalado no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A FSS reuniu cerca de 28 entidades sindicais urbanas e movimentos populares, estabelecendo como diretriz “atuar de forma unitária em todas as situações em que os direitos de trabalhadores estejam sendo desrespeitados, seja pelo setor público (em quaisquer níveis), seja pelo privado”. Numa tentativa de resposta ao bloqueio dos meios de comunicação no Estado, a FSS criou o Portal Minas Livre, que continua ativo. Em 2009, em contraposição à Medalha da Inconfidência que seria entregue por Aécio naquele ano, o FSS instituiu a Medalha da Conjuração, com a qual homenageou lideranças que se destacaram na luta por melhorias sociais no Estado. De qualquer forma, apenas no início da década de 2010 os esforços de unidade voltaram a convergir decididamente, frente a ameaça de retorno dos setores mais alinhados com o neoliberalismo ao governo federal. Lula deixava a presidência da República e havia escolhido Dilma Rousseff como sua sucessora. Dilma venceu a eleição presidencial daquele ano e, em âmbito institucional, o “Lulécio” estava acabado. Em 2011, foi criado, na Assembleia Legislativa, o bloco Minas Sem Censura reunindo o PT, o PMDB, o PCdoB e o PRB, com os objetivos de oferecer sustentação ao Governo Dilma no Estado, trazer programas e benefícios federais para Minas e fazer a oposição ao Governo Anastasia. Neste ambiente, entre os dias 30 de Abril a 2 de Maio de 2011, ocorreu o 3º Encontro dos Movimentos Populares de Minas Gerais. Com a participação de mais de duas mil pessoas, de 100 organizações sindicais, estudantis e populares, esta reunião organizouse sob o tema “Minas não quer CHOQUE, quer TERRA, TRABALHO e EDUCAÇÃO!”, focando seus debates na questão estadual e adotando uma agenda ampla, que contemplava desde demandas dos servidores públicos, notadamente a educação, até a questão da reforma agrária e do combate às empresas de mineração. Essa reunião de campos de opinião e tendências ideológicas e partidárias foi reforçada pela greve realizada pelos trabalhadores da educação naquele ano, considerada a mais longa da história de Minas. A paralisação eclodiu em 08 de junho sob a direção do SindUTE, o maior sindicato dos servidores públicos do Estado e, mais uma vez, reivindicava o pagamento imediato do Piso Nacional da Educação (à época, R$ 1.597 para o nível médio por jornada semanal de 24 horas), conforme determina a Lei Federal 11.738, criada em 2008. O piso em Minas era de R$ 369, o mais baixo do país, e o governo oferecia R$ 712 na forma de gratificações (e não de piso), nos termos do PL 2355/2011, de autoria do governador. E se recusava a negociar. Sobre esta greve escreveram o cientista político mineiro Juarez Guimarães, e o diretor de Comunicação da CUT-MG, Neemias de Souza Rodrigues: “Mas a maior repressão que mobilizou todo o aparato do governo de Minas – da Polícia Militar à Polícia Civil, de promotores ao TRE, da propaganda oficial à censura imposta na mídia mineira – se desencadeou nestes anos sobre as lideranças dos professores da rede pública do estado”. A greve teve duração de 112 dias e quase levou à destruição do sindicato devido ao tratamento perverso dispensado pelo governo aos grevistas e aos dirigentes sindicais. A opressão aos grevistas foi tão intensa que, entre os dirigentes de outras 279 organizações, prevaleceu a sensação de que todos os movimentos seriam quebrados junto com o SindUTE, caso os professores não recebessem forte amparo e solidariedade. A partir dessa conclusão, deu-se início um amplo movimento de apoio político à greve, articulado pelo grupo “Quem Luta Educa” e que envolveu outros sindicatos, movimentos sociais e estudantis, segmentos religiosos, a OAB, o MAB, o MST e deputados do Movimento Minas Sem Censura. Na sequência, no dia 24 de agosto de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o pagamento do Piso Nacional aos professores, decisão que alterou os rumos do movimento. No mesmo dia, uma manifestação com 15 mil pessoas marcou a entrada simbólica dos movimentos sociais na greve dos professores mineiros. De acordo com o depoimento de Frederico Santana Rick foi a maior manifestação de rua já vista e organizada por aquela geração de ativistas sociais. Sobre a articulação dos movimentos sociais em apoio à greve, a presidente do SindUTE, Beatriz Cerqueira, anotou em seu blog no dia 27 de agosto: “Foi o isolamento dos movimentos que possibilitou a ascensão de um projeto de estado que não está a serviço dos interesses da população. Por isso esta ‘rede’ que se construiu a partir da nossa greve é tão importante. O dia 24 de agosto foi, por tudo isso, um Marco em nossa história recente”. 280 A greve ainda durou até o dia 27 de setembro quando, enfim, aos grevistas, pareceu que haviam quebrado a intransigência do governo mineiro. Para isso, não faltaram lances extremados como a heroica greve de fome iniciada em 19 de setembro pelos professores Abdon Geraldo e Marilda Araújo, que só terminou com o encerramento da greve. Ou, em 26 de setembro, a ocupação do Plenário da Assembleia Legislativa (espaço de uso exclusivo dos deputados) por cerca de 40 professores. No dia 27, após negociações tensas entre sindicato, deputados e membros do Governo do Estado, chegou-se a um acordo que, todavia, jamais foi cumprido pelo governo tucano. Os professores seguiram com suas batalhas, como tinha que ser. Apesar da frustração, o saldo político e organizativo deixado pela greve mudou a realidade dos movimentos sociais no Estado. Desde então, esses movimentos têm marchado relativamente juntos e protagonizado lutas gerais de grande importância para a vida da população mineira. Em 2012 foi realizado o 4º Encontro dos Movimentos Sociais, novamente centrado na questão da energia. No ano seguinte, 2013, foi realizado o primeiro plebiscito de caráter estadual pela redução das tarifas, reunindo cerca de 600 mil assinaturas. Em junho de 2013, o Estado foi abalado pelas grandes manifestações de junho que, ao contrário do que se viu em outros estados, permitiram a participação dos partidos e organizações tradicionais. Em maio de 2014, o 5º Encontro foi preparatório para a Plebiscito Popular pela Constituinte, ocorrido em setembro, e para as eleições de outubro. Minas Gerais foi o segundo estado em número de votantes no plebiscito, com arrecadação de 1.300.000 votos, e o petista Fernando Pimental venceu a disputa eleitoral. O sexto encontro aconteceu em maio de 2015, já no quadro da forte investida do campo neoliberal sobre o governo Dilma, que culminou com sua deposição. Na luta contra o golpe, o Estado foi escolhido para sediar a Conferência Nacional Popular que, em 5 de setembro de 2015, criou a Frente Brasil Popular (FBP). Essa frente se define como um espaço de articulação “ampla, unitária e consensual artistas, intelectuais, religiosos, parlamentares e governantes, integrantes e representantes de movimentos populares, sindicais, partidos políticos e pastorais, indígenas e quilombolas, LGBT, negros e negras, mulheres e juventude, cidadãs e cidadãos de todas as regiões do País”, como consta do documento “Compromissos da Militância”, aprovado neste encontro. Minas Gerais também foi o estado escolhido para a realização do “Encontro Brasileiro dos Movimentos Populares em diálogo com o Papa”, que aconteceu entre os dias 2 e 5 de junho de 2016, no Centro de Convenções da Prefeitura de Mariana (MG). Perfil dos conflitos sociais em Minas Gerais A questão da terra – Como mencionado, o problema da terra é o que mais chama atenção e mobiliza os atores sociais em Minas Gerais, com repercussões sobre diferentes áreas do viver humano, tais como a moradia e a preservação ambiental. De acordo com dados do DATALUTA, cerca de 51% das manifestações populares ocorridas no Estado, entre 1990 e 2014, foram diretamente relacionadas à questão agraria e ao acesso à terra, e envolveram demandas como a suspensão de expropriações, fim da grilagem, desapropriação de terrenos ou definição de limites de propriedade, reassentamentos, reforma agrária, regularização fundiária, entre vários outros motes. De acordo com este banco de dados, no período citado, foram realizadas mais de 710 ocupações de terras em Minas Gerais, envolvendo cerca de 70 mil famílias. Dentre essas ocupações, mais da metade aconteceram nas mesorregiões do Triangulo Mineiro/ alto Paranaíba, Norte de Minas e Noroeste de Minas, devido às características do desenvolvimento 281 econômico estadual que concentrou nessas regiões as grandes áreas de monocultura. Se é mais intensa meio rural, a questão da terra também está presente nas áreas urbanas, especialmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), sob a forma de movimentos de luta por moradia. Bastante ativos nos anos 1990, esses movimentos perderam o ímpeto no começo do século em função dos modelos participativos de gestão adotados na capital mineira com a administração do petista de Patrus Ananias. Já a partir de 2008, com a mudança de orientação na gestão da prefeitura municipal, eles voltaram a ganhar destaque e, atualmente, existem pelo menos 34 ocupações urbanas, na RMBH. Por sua vez, o Sistema de Gestão de Ocupações (SGO), uma plataforma online desenvolvida pela equipe da Secretaria Executiva da Mesa de Diálogo, mecanismo de mediação de conflitos criado pelo atual governo mineiro, registrava, em agosto deste ano, 147 conflitos rurais, 102 conflitos urbanos e seis conflitos socioambientais em Minas Gerais. Essas lutas envolvem uma grande variedade de organizações, algumas de alcance nacional, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e outras com atuação mais local ou regional, 282 como o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), forte no Triangulo Mineiro/Alto Paranaíba, especialmente nos maiores centros, como Uberaba e Uberlândia. Além destes, é necessário nomear a Via Campesina, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), as Brigadas Populares, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto(MTST), a União Estadual por Moradia Popular (UEMP), vinculados ao Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), entre vários outros. Povos indígenas e comunidades quilombolas – No capítulo da questão fundiária no estado de Minas Gerais, merece destaque a situação dos índios e das comunidades quilombolas. Basicamente, a maior demanda destes dois grupos é o acesso à terra via a demarcação de seus territórios, no caso dos indígenas, ou da titularidade das glebas em que estão localizadas, no caso das Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ’s). De acordo com a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), no estado de Minas Gerais há atualmente doze etnias indígenas espalhadas em dezessete territórios diferentes. As etnias são: Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, CatuAwá-Arachás, Caxixó, Puris, XukuruKariri e Pankararu, todas pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê e com, aproximadamente, onze mil indivíduos. As principais demandas desses povos são relacionadas ao território e a manifestações de violência contra suas lideranças. A população indígena deseja a retirada dos nãoíndios de suas terras, tema que é de competência do Ministério da Justiça e da Fundação Nacional do índio. Outro assunto relevante para essas comunidades é a saúde, que precisa ser assegura por meio de políticas públicas. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ligado à Igreja Católica, é o principal braço de apoio à luta dessas comunidades. Quanto aos quilombolas, o Governo Estadual informa que existem em Minas Gerais, 800 Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ’s), sendo 300 delas certificadas. A certificação é a primeira etapa para a obtenção da Titulação de Território Quilombola e este processo é de responsabilidade da Fundação Cultural Palmares (FCP). As comunidades, entretanto, denunciam a dificuldade para o reconhecimento dos territórios, pois o processo é lento e, muitas vezes, esbarra em casos de preconceito e de agência política (ou tráfico de influência). Sem a titulação, estão sujeitos a riscos que envolvem suas condições básicas de vida como moradia, saúde e trabalho. No Estado, essa população é representada, principalmente, pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N’GOLO. Conflitos ambientais e a questão da água – De acordo com os dados do DATALUTA, os conflitos socioespaciais que envolvem a questão da água têm adquirido relevância em Minas Gerais e responderam por 22% do total de manifestações ocorridas no estado entre 1990 e 2014 (segunda colocação no ranqueamento). A maioria desses conflitos é motivada pela construção de barragens e de equipamentos para a produção de energia. Já o Mapa dos Conflitos Ambientais no Estado de Minas Gerais (que trata este assunto de modo mais abrangente), identificou 120 casos com indicativos prévios de situações de conflito e outras 1.023 situações possíveis de conflito, entre os anos de 2000 a 2010 nas doze mesorregiões do Estado. As três mesorregiões com maiores indicativos de conflitos correspondem à Metropolitana de Belo Horizonte, ao Sul/Sudoeste de Minas e à Zona da Mata, a maioria deles decorrente das atividades ligadas à mineração, ao saneamento e às atividades alimentícias. é importante salientar, entretanto, que parte significativa dos conflitos ambientais mapeados envolvem, ainda que de modo lateral, a questão 283 da terra. Os “reflorestamentos”, por exemplo, baseados na monocultura do eucalipto destinado às indústrias de celulose e de carvão, trazem impactos ambientais negativos, mas também alijam pequenos agricultores de suas glebas de terra. Dessa forma, a gradativa substituição do bioma Cerrado vem acarretando múltiplos problemas tanto para o ecossistema como para as comunidades acuadas pela monocultura. N o n ív el das macr op olíti cas estaduais, este assunto diz respeito ao Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), subordinado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Entre as atribuições do Sisema está o licenciamento ambiental no Estado e, por consequência, mobiliza as atenções de uma grande quantidade de associações civis, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Associação Sindical dos Servidores do Estado do Meio Ambiente, além de ONGs e órgãos mistos, como os Comitês de Bacias hidrográficas que, em Minas Gerais, somam 35. No meio urbano, a característica mais acentuada dos movimentos relacionados ao meio ambiente 284 é defesa da preservação de áreas verdes remanescentes e da arborização. Enfrentam, portanto, a cidade-empresa que privatiza continuamente os espaços públicos e produz enclaves de classe, como os condomínios fechados das elites econômicas, ignorando os impactos ambientais provocados pelo desmatamento, a poluição e contaminação do solo por lixões e pelo esgoto a seu aberto, os altos índices de violência, o tráfico de drogas e o comprometimento da qualidade dos serviços básicos. No plano cotidiano, esses combates têm sido, cada vez, travados por grupos locais de moradores, a exemplo do Salve a Mata do Planalto, criado em 2009, e que se dedica à luta contra a especulação imobiliária e pela preservação do remanescente de Mata Atlântica conhecido como Mata do Planalto, localizado no bairro Planalto em Belo Horizonte. A questão da mobilidade urbana – A questão da mobilidade envolve diretamente o direito de acesso à cidade, o que significa acesso ao trabalho, aos equipamentos de saúde e de educação e, também, à cultura e ao lazer. Por isso mesmo, está diretamente relacionada às políticas públicas, num ambiente de crise nas arrecadações governamentais. Apenas 2% dos municípios mineiros possuem um plano de mobilidade urbana, apesar de a Lei Federal 12.857, de 2012, haver determinado que todos os municípios do País com mais de 20 mil habitantes deveriam elaborar seus planos de mobilidade até 2015. Encontram-se, portanto, em permanente debate uma ampla gama de temas derivados da questão, com destaque para os serviços de transporte público coletivo; a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; o transporte de carga; o problema dos estacionamentos; a circulação viária e, naturalmente, as tarifas e o financiamento do serviço. O assunto envolve ainda, e com forte destaque, as práticas predadoras das empresas do setor. Em 2015, o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Minas Gerais instaurou nada menos que 134 inquéritos e ajuizou 29 ações públicas contra mais de 60 empresas de transporte coletivo da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre os motivos, estão a exploração da jornada profissional, fraude no sistema de registro de ponto de cobradores e motoristas, más condições de infraestrutura e desrespeito a folgas e intervalos para refeição. Mais recentemente, a tentativa de articulação de um movimento capaz de abordar a questão da mobilidade de modo eficiente, e com a amplitude necessária, ganhou corpo no curso das mobilizações de junho de 2013 e via a organização do Movimento Tarifa Zero BH, que conta com a participação de vários outros movimentos sociais e organizações civis, além de instituições culturais, centros acadêmicos e, até mesmo, pequenos estabelecimentos comerciais. Entre os ativistas sociais mais diretamente envolvidos com este tema prevalece a sensação de que o assunto vem sendo, deliberadamente, abandonado. Entre as organizações mais ativas nesse campo, estão a Associação de Usuários de Transporte Coletivo de BH e Região Metropolitana (AUTC), a BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte; a Federação das Associações Comunitárias do Estado de Minas Gerais (FAMENG); a Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (AMES BH), além de ONGs como a “Vou de Trem”, várias associações de bairros, comissões locais de transportes, e sindicatos, como o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Belo Horizonte e Região (STTR) e o Sindicato dos Trabalhadores do Metrô de Belo Horizonte (Sindimetro). Movimentos de juventude e estudantil – Os assuntos pertinentes à questão da juventude são transversais e existem jovens atuantes em praticamente todos os movimentos sociais. Em Minas, até junho de 285 2013, os movimentos e organizações tipicamente juvenis estavam restritos ao universo do movimento estudantil, aos movimentos culturais (grafite, o break, o rap, o funk e outras formas de expressão), além dos braços dos partidos e sindicatos voltados para este público. Certamente, o marco da emergência dos movimentos de jovens e estudantes no Estado, neste começo de século, está nas mobilizações de junho de 2013. No Estado, as maiores manifestações aconteceram em BH, com ponto nevrálgico na Praça Sete, no Centro, de onde a multidão saia em passeata em direção ao Mineirão, na Pampulha, local de realização dos jogos da Copa das Confederações. A repressão aos manifestantes foi ostensiva, com bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, tiros de balas de borracha, presos e feridos. Apesar disso, os protestos concluíram com o recuo do prefeito Marcio Lacerda (PSB) que decidiu pela redução no preço da passagem, mais isenção do ISSQN. Esses movimentos deixaram, como saldo organizativo, o movimento Assembleia Popular Horizontal (APH), que continua existindo. Os movimentos de juventude e estudantis ressurgiram em nova onda de mobilizações em 2016, no curso das discussões sobre a reforma do ensino médio (Medida Provisória 746) e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelecia um teto ao 286 crescimento dos gastos públicos. Mais de 100 escolas secundaristas foram ocupadas por estudantes, de acordo com informações prestadas pela Secretaria de Estado de Educação (SEE) aos veículos de imprensa. As ocupações também aconteceram em institutos federais e em, pelo menos, sete universidades federais na capital, em Montes Claros, Ouro Preto, Viçosa, Diamantina, Janaúba, Mariana e Unai, com notada participação do Levante Popular da Juventude. Direitos humanos – Seguidas violações aos direitos de ativistas e lideranças populares deram à dimensão dos direitos humanos um lugar de destaque no cenário mineiro das duas últimas décadas. Ressaltese, nesse sentido, a repressão sobre jornalistas mineiros mais aguerridos, vários dos quais foram demitidos de seus empregos. O vídeodocumentário “Liberdade, essa palavra”, produzido pelo jornalista Marcelo Baêta, aborda a relação de Aécio Neves com a imprensa no seu primeiro mandato como governador de Minas e denuncia a chamada “operação mordaça” que resultou na demissão de Marco Nascimento, ex-diretor de jornalismo da Globo Minas; Paulo Sérgio, ex-apresentador do Itatiaia Patrulha; Ulisses Magnus, ex-editor de esporte da Rede Minas, Kajuru, ex-repórter do Esporte Total (Band), Ugo Braga, ex-editor do Estado de Minas, além da prisão do já mencionado Marco Aurélio Carone, criador e editor do Novo Jornal. No meio rural, o tema direitos humanos aparece diretamente associado à demanda por punição aos crimes cometidos contra famílias acampadas, como no caso do Massacre de Felisburgo, ou de atentados contra servidores públicos que trabalham com fiscalização, como no caso da Chacina de Unai. Nos maiores centros urbanos, abrangem a violência contra mulheres, homossexuais, presidiários, crimes religiosos, intolerância racial e ataques policiais aos direitos das famílias em ocupações urbanas. Entre as organizações mais destacadas nesta pauta, no campo ou na cidade, estão a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Regional de Psicologia (CRP) e a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais, além de sindicatos e ONGs defensoras dos direitos civis. Igualdade de direitos – Embora se articulem em espaços distintos e possuam demandas específicas, os movimentos pela igualdade de direitos envolvem, principalmente, organizações de mulheres, organizações de combate ao racismo e coletivos vinculados à comunidade atualmente autodenominada LGBTIQ. Tais organizações e grupos apresentam forte proximidade em suas reivindicações, dentre elas o combate ao preconceito e à discriminação, o combate à violência sexual, a capacitação das polícias Civil e Militar, exigência de públicas de saúde especializadas, de delegacias especializadas, maior participação em instâncias decisórias e o estabelecimento de sistemas de coleta de dados e processamento de informações que possibilitem o registro eficiente seja da dimensão dessas populações, seja das agressões que sofrem ou demandas que apresentam. Trata-se, enfim, ou da criação ou da melhoria tanto das legislações pertinentes quanto dos canais institucionais de representação de interesses coletivos. Por outro lado, em Minas Gerais, o envolvimento e a participação dos movimentos de mulheres e de negros ocorrem, principalmente, nas instâncias de controle social e nos movimentos sindicais e partidários. No caso dos movimentos LGBTIQ nem isso, dada a forte estigmatização existente. Em Minas, ainda hoje, inexiste um conselho de políticas públicas a favor da diversidade. Persistem, portanto, dificuldades para a articulação de ações e lutas conjuntas, que tendem a ocorrer apenas em datas oficiais, como o 8 de março, o 28 de junho (Dia do 287 Orgulho LGBTI) e o 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. A Questão trabalhista – Existem em Minas Gerais cerca de 1.185 sindicatos profissionais que representam cerca de 390 mil trabalhadores e trabalhadoras, rurais e urbanos, segundo dados do Ministério do Trabalho. Também atuam no Estado as seguintes centrais sindicais: CUT (Central Unica dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), UGT (União Geral dos Trabalhadores), Força Sindical, CSP-Conlutas, CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil) e a Intersindical. Assim como aconteceu ao sindicalismo brasileiro de modo geral, o sindicalismo mineiro se ressentiu, no final do século XX, dos efeitos da política de estabilização econômica adota nas gestões Fernando Henrique Cardoso. A gestão tucana no plano federal deixou uma das mais altas de desemprego que o Brasil já conheceu. Também pesaram, como fatores influentes sobre a ação sindical, a política de abertura comercial, a privatização de empresas estatais e os processos de reestruturação produtiva das empresas, acelerados pela assim chamada globalização econômica. 288 Dessa forma, ainda que fortemente acuados pela ofensiva neoliberal nos anos 1990, os trabalhadores resistiram e marcaram aquela década com muitas manifestações e greves. O nível de mobilização, porém, mudou na década seguinte, com a chegada de Luis Inácio Lula da Silva à presidência da República. A retomada do crescimento econômico a partir de 2004 (resultado da expansão da economia internacional, da estabilidade da inflação, do aumento do crédito popular e da valorização do salário mínimo, entre outras medidas para a dinamização do mercado interno adotadas pelo petista), levou a um cenário novo no mercado de trabalho, após décadas de continuada estagnação, retração do emprego e precarização das relações de trabalho. Essas políticas tiveram continuidade no primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, embora com dificuldades para serem sustentadas a partir do início da década atual. Como resultado, houve um sensível arrefecimento da atividade sindical reivindicativa, tanto no Brasil quanto em Minas Gerais, na década de 2010. Isso aconteceu tanto entre os trabalhadores das redes públicas quanto entre os trabalhadores empregados pela iniciativa privada. Números apurados pelo DIEESE mostram que foram realizadas 7.753 greves no Brasil, entre os anos 1991 e 2000, somados os trabalhadores públicos e privados. Na década seguinte, entre 2001 e 2010 esse número caiu para 3.665 greves. Um indicativo dos efeitos benéficos das políticas macroeconômicas de Lula e Dilma sobre a situação dos trabalhadores é a variação do número de greves apenas entre os trabalhadores privados, nestes mesmos períodos. Foram cerca de 5.000 paralisações entre os anos 1991 e 2000 contra apenas 1.758 na década seguinte. Na década em curso, parece haver uma retomada do ativismo sindical, certamente em virtude das repercussões da crise econômicofinanceira que persiste em escala global; das medidas de ajuste adotadas pelas empresas e dos ajustes fiscais com vistas à contenção do gasto público, especialmente nos estados e municípios. Apenas nos três primeiros anos desta década foram realizadas 3.486 greves no país, número equiparável ao total de paralisações em toda a década passada. No caso dos tralhadores do setor privado, o total de paralisações entre 2011 e 2013 (1.802) já ultrapassou o total de greves realizadas entre 2001 e 2010 (1.758). Na área pública, o número também é expressivo, com 1.668 greves. O comportamento dos sindicatos em Minas Gerais vem acompanhando esta tendência. Foram realizadas 350 greves no Estado, entre os anos 1991 e 2000, somados os trabalhadores públicos e privados. Na década seguinte, entre 2001 e 2010, esse número caiu para 156. Entre os trabalhadores privados, a quantidade de paralisações decaiu de 141 para 71 no mesmo período. Nesta década, o número de greves voltou a crescer e, entre 2011 e 2013, foram deflagadas 158 paralisações – duas a mais que na década passada, sendo o setor público o mais mobilizado1. Questões difusas e outras questões – Na última década, a questão da cidade tem aparecido como uma pauta forte e diversificada, ensejando o surgimento de uma pluralidade de formas de ação coletiva. Em Minas Gerais, especialmente na capital, além das manifestações que abordam questões tradicionais, como a economia, ampliaram-se os movimentos que questionam as gestões municipais e sua postura pró mercantilização do espaço urbano, na defesa de uma apropriação mais inclusiva e democrática de espaços como parques e praças. Associadas a questões como a reforma urbana, o acesso à moradia, a mobilidade, o saneamento, a proteção ambiental, o direito à diversidade, entre outros motes, 1 As informações relativas aos anos 2014 a 2016 ainda não foram disponibilizadas pelo DIEESE. 289 esses movimentos se expressam sob a forma de atividades lúdicas, como eventos culturais, feiras, exposições, caminhadas e rodas de conversas. Trata-se de uma experimentação promissora que, no Estado, resultou em saldos organizativos como o movimento “Praia da Estação”, criado em 2010 e que se tornou-se uma referência de movimento difuso e abrangente, e a “Muitas – Cidade que Queremos”, uma articulação multissetorial organizada com o deliberado objetivo de influenciar as eleições municipais de 2016. 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Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Franca, 2014. Juarez Guimarães e Neemias de Souza Rodrigues. Violência e barbárie no governo de Aécio em Minas. Carta Capital, 17/10/2014. Disponível em http://www.cartamaior.com. br/?/Editoria/Politica/Violencia-ebarbarie-no-governo-de-Aecio-emMinas/4/32024 Miguel Fernandes Felippe, Alfredo Costa, Roberto Franco, Ralfo Matos. A tragédia do Rio Doce, a lama, o povo e a água. Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG/ Universidade Federak de Juiz de Fora – UFJF. Belo Horizonte - MG / Juiz de Fora - MG, Janeiro/2016. Disponível em http://www.ufjf.br/ noticias/files/2016/02/ufmg_ufjf_ relatorioexpedicaoriodoce_v2.pdf Um balanço da semana. Blog Beatriz Cerqueira, 27 de agosto de 2011. 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Disponível em http://bancariosbh. org.br/decisao-da-justica-suspendeefeitos-de-assembleia-de-falsossindicalistas Deputados querem retomar o Bloco Minas sem Censura – PT, 23/04/2013. Disponível em http://www.ptmg. org.br/deputados-querem-retomaro-bloco-minas-sem-censura/#. WX3s44jyvI Força dos bancários impede golpe contra a democracia em Betim. Sindicato dos Bancarios de Belo Horizonte e Região, 24/04/2012. Disponível em http://bancariosbh. org.br/forca-dos-bancarios-impedegolpe-contra-a-democracia-embetim 291 Grande BH pode ter quase 25 mil famílias vivendo em ocupações urbanas. Portal Minas Livre, 04/08/2016. Disponível em http:// minaslivre.com.br/plus/modulos/ noticias/ler.php?cdnoticia=4556#. WXzt5YjyvIW Marcio Lacerda declara apoio ao Pimentécio. Jornal Estado de Minas, 29/09/2010. Disponível em http://www.em.com.br/app/ noticia/politica/2010/09/29/interna_ politica,182548/marcio-lacerdadeclara-apoio-ao-pimentecio.shtml Marcio Lacerda entra na campanha ao lado do governador e do prefeito - Jornal O Tempo, 10/07/08. Disponível em http://www.otempo.com.br/ capa/pol%C3%ADtica/marciolacerda-entra-na-campanhaao-lado-do-governador-e-doprefeito-1.261310 Minas divulga na internet gastos com publicidade oficial - UOL, 24/12/2014. Disponível em http://www1.folha. uol.com.br/poder/2014/12/1566733minas-divulga-na-internet-gastoscom-publicidade-oficial.shtml Ministério Público abrirá inquérito para apurar irregularidades em 65 empresas de ônibus da Grande BH. Jornal Estado de Minas, 29/10/2015. Disponível em http://www.em.com. br/app/noticia/gerais/2015/10/29/ interna_gerais,702722/ministeriopublico-abrira-inquerito-para-apurarirregularidades.shtml 292 Verbetes complementares Assembleia Popular Horizontal (APH)1 – Fórum de debates criado em Belo Horizonte no curso das jornadas de junho de 2013. A primeira sessão da Assembleia aconteceu no dia 18, sob o Viaduto Santa Tereza, e aprovou a seguinte pauta de reivindicações: revogação do último aumento das passagens de ônibus; passe livre para desempregados e estudantes; apresentação pública da composição das tarifas de transporte coletivo; desoneração da folha de pagamento e também dos tributos federais relativos ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). As manifestações convocadas pela APH – que incluíram a ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte durante nove dias – tiveram ampla repercussão junto aos organismos políticos institucionais e, de modo geral, foram tratadas com extrema violência da polícia militar. Em 5 de julho de 2013, a prefeitura de Belo Horizonte cedeu à pressão de manifestantes e anunciou redução de 15 centavos do preço das passagens dos ônibus da capital. Com o abrandamento das jornadas de junho, o movimento decaiu em expressão política e esvaziou-se. A experiência permanece, entretanto, como uma das mais inovadoras formas de intervenção política no cotidiano da cidade. A Assembleia não se defina como um movimento nem como uma manifestação popular stricto sênsu. Era um espaço para o levantamento de questões e reivindicações. Como tal, buscava inovar no seu modo de funcionamento, apresentandose como um fórum de diálogo horizontal, autônomo, espontâneo, suprapartidário e aberto à pluralidade de vozes, individuais ou coletivas, que dela queiram participar. Nesse sentido, a Assembleia era receptiva à proposição de qualquer temática e pautava, de maneira geral, desde questões relativas às políticas públicas e até questões comportamentais. Seu propósito genérico foi a busca de uma sociedade fundamentada em princípios como vida digna, respeito e valorização da diversidade, fim de preconceitos de qualquer espécie, empoderamento pessoal e esforço coletivo nas questões da cidade. Para sistematizar o debate e a formulação de ações, foram criados Grupos Temáticos (Gts), como o GT de Arte e Cultura, o de Democratização da Mídia, o de Mobilidade Urbana, entre outros. 1 Assembleia Popular Horizontal (APH) - http://aph-bh.wikidot.com 293 Brigadas Populares (BPs)2 – Movimento político organizado em Belo Horizonte por alunos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de um grupo de estudos sobre marxismo. As Brigadas se identificam como uma organização política desde 2009, propondo-se a discutir e construir um projeto político alternativo de país, a partir de um ideário socialista. Em âmbito nacional, surgiu em 18 de setembro de 2011, com a fusão das Brigadas Populares com o Coletivo Autocrítica, Coletivo 21 de Junho (C21J) e Movimento Revolucionário Nacionalista – círculos bolivarianos (MORENA – cb) em uma única organização. Conforme seu manifesto, a fusão teve por objetivo “contribuir com a edificação de uma pátria soberana e socialista. Em seu sentido amplo significa recolher de forma critica e inovadora as tradições de luta e experiências históricas de larga duração dos setores nacionalistas revolucionários, comunistas e socialistas da esquerda brasileira.” Em 2006, ocorreu a primeira ocupação urbana organizada pelas Brigadas, conhecida como “Ocupação Caracol” e articulada com famílias do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. O nome “Caracol” é uma referência à forma de organização dos Zapatistas, 2 Brigadas Populares brigadaspopulares.org.br 294 - https:// movimento revolucionário do México. Desde então, as Brigadas têm se destacado como um importante ator nas lutas pela reforma urbana e nas ocupações em Belo Horizonte e em sua Região Metropolitana. A agenda política do grupo, entretanto, não se restringe à reforma urbana. As Brigadas Populares estão presentes em várias outras áreas temáticas, como o feminismo, as questões raciais, a luta antiprisional, a juventude e a mídia popular, com atuação no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Pará, São Paulo e no Distrito Federal. Atualmente integram a Frente Povo Sem Medo e desde 2016, conforme decisão da IV Assembleia Nacional das Brigadas Populares, fazem parte da Intersindical - Central da Classe Trabalhadora, criada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB)3 – Antiga Central Sindical de Profissionais (CSP), fundada em 8 de fevereiro de 2008 por um grupo de sindicatos “nacionalistas e por profissionais, em sua grande maioria, liberais”. Seu primeiro presidente foi Luiz Sérgio da Rosa Lopes, presidente da Federação dos Contabilistas dos Estados do RJ, ES e BA. Em 7 de fevereiro de 2012, depois de um período de arrefecimento no trabalho de organização da central, 3 Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) - http://csb.org.br/conheca-a-csb resultante de uma malograda tentativa de fusão, a CSP realizou um Congresso Extraordinário que retomou a construção da entidade e elegeu o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo, Antonio Fernandes dos Santos Neto, como novo dirigente da central. O novo nome, Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), foi adotado em 27 de setembro do mesmo ano, por decisão de Assembleia Geral Extraordinária da entidade, realizada na cidade de São Paulo4. A CSB é conhecida no movimento sindical como “a central do PMDB”. Antonio Neto, na ocasião em que foi eleito presidente, também presidia o Núcleo Sindical do PMDB, declarava-se próximo ao então vice-presidente da República, Michel Temer, e integrava o diretório nacional do partido. Em 03 de julho de 2017, Antonio Neto comunicou oficialmente sua desfiliação do PMDB, alegando a impossibilidade de permanecer em um partido que “sob o comando de uma pequena cúpula, que afronta o programa partidário; ignora os anseios e a vontade do povo; promove a destruição da Constituição de 1988; enxovalha a democracia duramente conquistada; desrespeita e desmoraliza os Poderes 4 CSP passa a se chamar Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB). CSB, 28 de setembro de 2012, disponível em http:// csb.org.br/blog/2012/09/28/csp-passaa-se-chamar-central-dos-sindicatosbrasileiros-csb da República; rasga os direitos trabalhistas e sociais; avilta os direitos previdenciários e enterra os sonhos da construção de uma Nação mais justa e igualitária”5. Em Minas Gerais, a comissão provisória da CSB foi criada 10 de maio de 2012, com a incumbência de realizar uma campanha de filiação e definir a data e o local de realização do congresso estadual da central. Este congresso está previsto para os dias 12 a 15 de setembro próximo, em Belo Horizonte, quando deverá ser eleita a direção estadual6. Atualmente, no estado, existem 89 sindicatos de trabalhadores filiados à CSB, conforme informações do Portal de Informações sobre Relações do Trabalho, do ministro do Trabalho e Emprego (MTE). Em número de sindicatos filiados, é a sexta maior central sindical ativa no Estado. 5 Presidente da central CSB anuncia desfiliação do PMDB: ‘Vergonha e indignação. Rede Brasil Atual, 04/07/2017, disponível em http://www.redebrasilatual.com.br/ politica/2017/07/presidente-da-centralsindical-csb-anuncia-desfiliacao-dopmdb-vergonha-e-indignacao 6 Filiados criam comissão da CSP em Minas Gerais. CSB, 11 de maio de 2012, disponível em http://csb.org. br/blog/2012/05/11/filiados-criamcomissao-da-csp-em-minas-gerais/ 295 Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB) 7 – Central sindical fundada em congresso realizado em Belo Horizonte entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2007. A organização dessa nova central foi estimulada pela “reforma sindical” que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou em seu primeiro mandato (2003-2007). Entre as iniciativas propostas por Lula, estava o reconhecimento das centrais sindicais, que passaram a ter poderes negociais e acesso a recursos oriundos de parcelas do imposto sindical, anteriormente vetados (Lei 11.648, de 31 março de 2008). A nova situação permitiu que tensões históricas entre as diferentes facções cutistas se expressassem sob a forma da organização de outras centrais sindicais. Assim, alguns setores identificados com a Corrente Sindical Classista, ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e ao Sindicalismo Socialista Brasileiro (SSB), ligado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), associaram-se para a fundação da CTB. Segundo dados da própria CTB, estiveram presentes a seu congresso de fundação 1.300 delegados, representantes de 556 entidades sindicais urbanas e rurais de 25 estados. Entre essas entidades, figuravam federações estaduais de trabalhadores na agricultura, federações e sindicatos do setor marítimo, portuário, da indústria e 7 296 portalctb.org.br outros. Em Minas Gerais, a CTB foi fundada no dia 26 de abril de 2008 em congresso no sítio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), em Belo Horizonte. Gilson Reis, presidente do Sinpro Minas, foi eleito seu o primeiro presidente8. Atualmente, a CTB Minas Gerais é presidida por uma mulher, a professora Valéria Morato, que também é presidenta do Sinpro Minas. Morato foi eleita durante a quarta edição do Encontro Estadual realizado nos dias 14 e 15 de julho no Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte, e deve conduzir a entidade até 20209. Em Minas Gerais existem 108 sindicatos de trabalhadores filiados à CTB, conforme informações do Portal de Informações sobre Relações do Trabalho, do ministro do Trabalho e Emprego (MTE). Em número de sindicatos filiados, é a quinta maior central sindical ativa no Estado. Central Única dos Trabalhadores (CUT) 10 – Central sindical fundada em 28 de agosto de 1983, na cidade de São Bernardo do Campo, em 8 Encontro em Belo Horizonte funda a CTB Minas. Portal Vermelho, 28 de abril de 2008, disponível http://www. vermelho.org.br/noticia/34585-8 9 Congresso da CTB Minas elege Valéria Morato como presidenta. Sinpro Minas, 17/07/2017, disponível em http:// sinprominas.org.br/noticias/congressoda-ctb-minas-elege-valeria-moratocomo-presidenta 10 CUT-MG http://www.cutmg.org.br São Paulo, durante o 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT). A CUT-MG nasceu no ano seguinte. No final de 1983, representantes do assim chamado “novo sindicalismo” em Minas assumiram a tarefa de organizar o 1º Congresso da CUT Minas Gerais (Cecut-MG) que aconteceu em 1984 e criou a CUT-MG e as CUTs regionais no Estado. De acordo com o registro da própria Central, sua fundação em Minas Gerais “contou com a participação fundamental dos metalúrgicos, dos trabalhadores em educação, então coordenados pela UTE (que deu origem ao SindUTE-MG), dos marceneiros e dos trabalhadores rurais”. O primeiro presidente da Central no Estado foi o metalúrgico João Paulo Pires de Vasconcellos, do Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade e Região. Ainda de acordo com os registros, a principal conquista da CUT/MG no ano de sua fundação foi a conquista da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região que, durante anos, foi controlado por um grupo conservador. Desde então, o Sindicato dos Metalúrgicos está no campo cutista. Atualmente, 154 sindicatos de trabalhadores são filiados à CUT, conforme informações do Portal de Informações sobre Relações do Trabalho, do ministro do Trabalho e Emprego (MTE). Em número de sindicatos filiados, a central é a terceira maior no Estado. Em 3 de junho de 2012, durante o 11º Congresso da CUT Minas Gerais (Cecut-MG), pela primeira vez, uma mulher chegou à presidência da entidade. A Coordenadora-Geral do Sind-UTE, Beatriz Cerqueira, foi eleita pela chapa de consenso “Avançar na Luta” e assumiu o cargo para a gestão 2012/2015. A presidenta eleita prometeu uma Central combativa e fortalecida no enfrentamento ao governo neoliberal então vigente no Estado. “A nossa expectativa é de, nos próximos três anos, ampliar a atuação da CUT no Estado, fortalecer e organizar a classe trabalhadora, ser aglutinadora das lutas e fazer o enfrentamento com esse projeto que está no governo e que não interessa aos trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou em seu discurso de posse11. O 12º Cecut, ocorrido em 2015, reconduziu Beatriz Cerqueira ao cargo para gestão 2015/2019. Beatriz da Silva Cerqueira, ou Bia Cerqueira como é conhecida, nasceu em 3 de março de 1978, em Belo Horizonte. é graduada em Direito e formou-se como professora no Instituto de Educação de Minas Gerais. Começou sua militância política em grupos de jovens ligados 11 Beatriz Cerqueira é eleita para a presidência da CUT-MG. CUT, 04/06/2012, disponível em https://cut.org.br/noticias/ beatriz-cerqueira-e-eleita-para-apresidencia-da-cut-mg-9b54 297 à Pastoral da Juventude, militou no movimento estudantil e, em Betim, ingressou no movimento sindical. Ela permanece na Coordenação-geral do Sind-UTE/MG. Chacina de Unaí – Massacre ocorrido na cidade de Unaí (município do noroeste de Minas Gerais, a 166 km de Brasília), em 28 de janeiro de 2004. Durante uma fiscalização em fazendas suspeitas de contratação irregular de trabalhadores (trabalho escravo), quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego sofreram uma emboscada e foram assassinados a tiros. As vítimas foram os auditores do trabalho Nelson José da Silva, João Batista Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira. A investigação do Ministério Público Federal (MPF), concluiu que os assassinos foram os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos (que confessou o crime e denunciou os outros dois), Rogério Alan Rocha Rios e Silva e William Gomes de Miranda, encarregado de providenciar o carro para fuga dos três. Em 31 de agosto de 2013, depois de mais de nove anos de batalhas jurídicas em diversas instâncias e quatro dias de julgamento, Rogério, Erinaldo e William foram condenados por júri popular em Belo Horizonte. Rogério Alan foi sentenciado a 94 anos de prisão. Erinaldo recebeu o 298 benefício da delação premiada e pena de 74 anos. A sentença mais leve foi para William, condenado a 54 anos. Em outubro de 2015, o Tribunal Regional Federal de Minas Gerais condenou os fazendeiros e irmãos Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí entre 2005 e 2012, e Norberto Mânica, um dos maiores produtores de feijão do País, como mandantes do crime. Ambos foram condenados a 100 anos de prisão e tiveram o direito de recorrer em liberdade por serem réus primários. No mesmo ano, foram julgados os empresários cerealistas José Alberto de Castro e Hugo Alves Pimenta. O primeiro recebeu pena de 96 anos de reclusão por ter intermediado a contratação dos pistoleiros. Também apontado como intermediário, Hugo havia feito acordo de delação premiada, assumido participação no crime, e entregado Norberto Mânica como mandante da contratação. Sua pena inicial de 96 anos foi reduzida para 47 anos, três meses e 27 dias de prisão. Além dos quatro condenados em 2015, estavam envolvidos Francisco élder Pinheiro e Humberto Pereira da Silva. O primeiro, que as investigações concluíram ter sido o contratante dos executores, morreu em 2013. Quanto a Humberto, seu crime prescreveu em 2010. Ele foi apontado como encarregado de apagar a folha do livro de registros do Hotel Athos, em Unaí, onde Erinaldo, Rogério Alan e William ficaram hospedados. O Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, comemorado todo 28 de janeiro, foi estabelecido em homenagem às quatro vítimas. Consulta Popular 12 – Movimento social criado em dezembro de 1997, em Conferência Nacional realizada na cidade de Itaici, SP. Esta conferência foi convocada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST) com o objetivo de analisar a conjuntura política que, à época, ingressava numa nova fase, desfavorável ao campo popular. Entre alguns setores de esquerda, havia a opinião de que a última curva ascendente dos movimentos sociais estava esgotada e que se avizinhava um período de descenso das lutas de massas. Daí a necessidade de um esforço de refundação e de resgate de um “Projeto Popular para o Brasil”. A construção desse projeto, a ser feita via consultas aos movimentos e ativistas sociais, convergiu para a formação de uma organização permanente, a Consulta Popular. Esse processo foi fortalecido com a Marcha Popular pelo Brasil que, entre julho e outubro de 1999, levou cerca de 1.100 militantes do Rio de Janeiro a Brasília, debatendo o projeto 12 Consulta Popular - http://www. consultapopular.org.br com a população de centenas de cidades. A assembleia final aprovou o texto “Opção Brasileira” (ou “Projeto Popular para o Brasil”), que se constitui no documento-base da Consulta Popular13. Em sua III Assembleia Nacional, realizada em Belo Horizonte, em 2007, a Consulta Popular assumiu o caráter de uma organização política e aprovou iniciativas para aprofundar o caráter partidário do movimento. Atualmente, a Consulta Popular reúne uma rede de militantes e organizações como a Central de Movimentos Populares (CMP), pastorais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Articulação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e sindicalistas filiados a diversos sindicatos. Um desdobramento do grupo é o “Levante Popular da Juventude”, organização que se define como a “juventude do projeto popular”14. A Consulta é responsável pela publicação do Brasil de Fato, cujo lançamento remonta ao Fórum Social Mundial de 2003, em Porto 13 Movimento Consulta Popular: das origens à formação de uma organização política. Entrevista especial com Ricardo Gebrim. Revista Fórum, 17 de fevereiro de 2014, disponível em http://www.revistaforum.com.br/ mariafro/2014/02/17/42598/ 14 Levante Popular da Juventude http://levante.org.br/ 299 Alegre. Em 2013, logo após São Paulo, foi publicada a versão mineira deste informativo. No Estado, o jornal tem periodicidade semanal, distribuição gratuita e é financeiramente sustentado pela CUT e 12 sindicatos. CSP Conlutas 15 – Central sindical fundada no Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT) ocorrido na cidade de Santos, São Paulo, nos dias 5 e 6 de junho de 2010. A organização dessa nova central foi estimulada pela “reforma sindical” que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou em seu primeiro mandato (2003-2007). Entre as iniciativas propostas por Lula, estava o reconhecimento das centrais sindicais que passaram a ter poderes negociais e acesso a recursos oriundos de parcelas do imposto sindical, anteriormente vetados (Lei 11.648, de 31 março de 2008). A nova situação permitiu que tensões históricas entre as diferentes facções cutistas se expressassem sob a forma da organização de outras centrais sindicais. Assim, setores sindicais ligados à Intersindical do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) organizados na Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), existente desde 2004 15 CSP Conlutas - http://cspconlutas. org.br 300 e também de base sindical 16 , o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento Urbano dos Sem Teto (MUST) e outras organizações do movimento popular urbano, como o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), se uniram para fundar a CSP Conlutas. A central apresentou-se, nesse sentido, como uma “experiência inovadora na organização de nossa classe no Brasil. Unir, numa mesma entidade nacional, os movimentos sindicais, populares, da juventude e de luta contra a opressão das mulheres, negros, homossexuais e outros segmentos”. à época de sua formação, também apontava a necessidade de lutar “contra as reformas neoliberais aplicadas pelo governo Lula”17. No congresso de fundação, a nova central viveu seu primeiro racha. Se retiraram do congresso as correntes Intersindical/Psol, Unidos para Lutar (CST-PSOL) e o MAS (Movimento Avançando Sindical (corrente prestista com presença em Santa Catarina). O motivo da divisão, até hoje pouco compreendido, foi o nome da central. A Intersindical 16 CSP-Conlutas já é parte da tradição do movimento sindical e popular do país. PSTU, 12/04/2012, disponível em http://www.pstu.org.br/ csp-conlutas-ja-e-parte-da-tradicao-domovimento-sindical-e-popular-do-pais 17 CSP Conlutas História - http:// cspconlutas.org.br/quem-somos/historia era contrária a que se constasse a expressão Conlutas na sigla, e propôs, como alternativa, o nome Ceclat (Central Classista dos Trabalhadores). Derrotados em votação, optaram pelo racha18. de Informações sobre Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), não registra informações sobre a CSP Conlutas. 19 Carta de saída da CSP Conlutas. CMI Brasil, 14/07/2012, disponível em https://midiaindependente.org/pt/ green/2012/07/509732.shtml Fórum Sindical e Social de Minas Gerais (FSS) 21 – Articulação permanente, suprapartidária e suprassindical mineira criada em 19 novembro de 2008. Na época, a conjuntura política em Minas Gerais estava marcada por um forte isolamento dos movimentos sociais e pela ofensiva do projeto “aecista”. Em decorrência, estava em curso um acelerado processo de sucateamento de empresas, órgãos públicos e serviços no Estado, com redução de investimentos públicos e compressão dos salários profissionais, sob o nome de “Choque de Gestão”. Acrescente-se a posição quase unânime da mídia mineira em torno do projeto político do Governo Estadual, deixando os sindicatos e os movimentos sociais cada vez mais sem voz. No dia 19, cerca de 27 entidades sindicais e movimentos sociais realizaram um ato de protesto na Casa dos Jornalistas para denunciar a Cemig, que pretendia suprimir várias conquistas sindicais da categoria eletricitária, que estava em greve. Neste evento foi decidida a criação de um fórum de articulação 20 Sindicatos voltam a debater organização da Conlutas. SINJUS MG, 14/02/06, disponível em http://sinjus. org.br/sindicatos-voltam-a-debaterorganizacao-da-conlutas 21 Fórum Sindical e Social de Minas Gerais - http://minaslivre.com.br/plus/ modulos/conteudo/?tac=fss Em Julho de 2012, durante reunião da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) anunciou sua saída da entidade, devido a divergências com o PSTU, partido que ainda exerce forte influência sobre a central19. Em Minas Gerais, a organização da CSP Conlutas data de 2006 quando, em 19 de janeiro, foi eleita a diretoria do Conlutas Estadual. Foi eleito como presidente Boaventura Mendes, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de BH e Região (Sindeess), e como vicepresidente Gilberto Gomes (Giba), da Federação Sindical e Democrática dos Metalúrgicos de Minas20. O Portal 18 Nova central é fundada, mas setor minoritário rompe com o Congresso. PSTU, 09/06/2010, disponível em http:// www.pstu.org.br/nova-central-efundada-mas-setor-minoritario-rompecom-o-congresso 301 intersindical e divulgada uma carta aberta à população mineira sob título “MINAS, teu outro nome já foi liberdade!”. No dia, 25 em nova reunião, as entidades definiram o nome Fórum Sindical e Social de Minas Gerais (FSS) e seus objetivos. Em 21 de abril de 2009, o FSS criou a “Medalha da Conjuração” com a qual homenageou as lideranças do movimento Popular e Sindical em contraponto à a Medalha da Inconfidência, comenda oficial do governo. Foram homenageados Frei Gilvander, ênio Bonemberg, Gilse Cosenza, Helena Greco, João Batista Rebouças, Euler Ribeiro, Célio de Castro, Lúcio Célio Guterres, Clodesmidt Riani, Dazinho, Eliana Silva de Jesus, Eloi Ferreira, o motorista e os auditores do trabalho assassinados na Chacina de Unaí (Ailton Pereira de Oliveira, Nelson José da Silva, João Batista Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves), João Calazans, Ondina Pedrosa Nahas e Edgar da Matta Machado22. Em alternativa ao bloqueio exercido pelos meios de comunicação, o FSS criou o Portal Minas Livre 23, com o propósito de reunir informações das categorias e difundi-las interna e externamente. O 302 portal está no ar desde o dia 24 de setembro de 2010. Intersindical - Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora 24 – Central Sindical formada em junho de 2006 por facções sindicais em dissenso com a Central única dos Trabalhadores (CUT). A organização dessa nova central foi estimulada pela “reforma sindical” que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou em seu primeiro mandato (2003-2007). Entre as iniciativas propostas por Lula, estava o reconhecimento das centrais sindicais que passaram a ter poderes negociais e acesso a recursos oriundos de parcelas do imposto sindical, anteriormente vetados (Lei 11.648, de 31 março de 2008). A nova situação permitiu que tensões históricas entre as diferentes facções cutistas se expressassem sob a forma da organização de outras centrais sindicais. Assim, a corrente sindical petista Alternativa Sindical Socialista (ASS), a Unidade Classista, corrente ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB); o PSOL e vários coletivos independentes, como a Resistência Popular 25 e a Consulta Popular, se uniram para fundar a Intersindical. 22 No dia da liberdade em Ouro Preto, Aécio faz lembrar os tempos da ditadura. Blog Minas Livre, 22 de abril de 2009, disponível em http://sindicalsocial. blogspot.com.br/2009/04/no-dia-daliberdade-em-ouro-preto-aecio.html 24 Intersindical - Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora https://www.intersindical.org.br 23 Portal Minas Livre http://minaslivre. com.br 25 Resistência Popular - http:// resistenciapopular.blogspot.com.br No 2º Encontro Nacional da Intersindical, em abril de 2008, o PSOL rompeu com esta central e optou pela construção de outra, de mesmo nome (Intersindical – Central da Classe Trabalhadora). “Os setores do PSOL que se retiraram do Congresso chamado para fundação de uma central sindical popular se utilizaram do nome da Intersindical, para tentar causar confusão no interior do movimento sindical. Na troca de e-mail’s e nas notas divulgadas por ambos os lados da disputa, com acusações recíprocas, não se esclareceu que a Intersindical verdadeira, formada pela Alternativa Sindical Socialista, Unidade Classista, Resistência Popular, Consulta Popular e vários Sindicatos e Coletivos Independentes não participou do Congresso chamado para a fundação de mais uma central”, esclareceu a Intersindical em nota publica26. A Intersindical declara como princípios fundamentais a independência em relação ao Capital e ao Estado, autonomia em relação aos partidos políticos e a organização pela base com um instrumento fundamental para a 26 A verdadeira Intersindica segue viva e atuante nas lutas da classe trabalhadora. Intersindical, sem data, disponível em http://www. intersindical.org.br/2010/julho/item/101a-verdadeira-intersindical-segueviva-e-atuante-nas-lutas-da-classetrabalhadora luta de classes. Também propugna a solidariedade ativa e internacional da classe trabalhadora e a não submissão ao reconhecimento do Estado. Nesse sentido, rejeita o enquadramento sindical e a atual estrutura sindical, “herança do governo Getúlio Vargas que atrelou a estrutura sindical ao Estado para conter a luta de classes”. Em Minas Gerais, a formação da Intersindical teve início em novembro de 2009, com a formação de sua comissão organizativa e lançamento do “Manifesto da Intersindical à Classe Trabalhadora de Minas Gerais”27. A II Plenária Estadual da Intersindical, realizada em 17 de julho de 2010, aprovou sua estrutura organizativa. O Portal de Informações sobre Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), não registra informações sobre esta central. Marcha Mundial das Mulheres (MMM) 28 – Movimento feminista internacional iniciado no ano 2000 com a finalidade de realizar uma campanha mundial contra a pobreza e a violência contra as mulheres. A inspiração para a criação da Marcha 27 Manifesto da Intersindical à classe trabalhadora de MG. PCB, 25/11/2009, disponível em https://pcb.org.br/ portal2/16 Marcha Mundial 28 das Mulhereshttp://www. marchamundialdasmulheres.org.br 303 Mundial das Mulheres partiu de uma manifestação realizada em 1995, em Quebec, no Canadá, quando 850 mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. As ações começaram no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e terminaram em 17 de outubro, sob o tema “2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”. A ação mobilizou cerca de seis mil grupos de mulheres em 159 países e territórios e culminou com a entrega à ONU, em Nova Iorque, de um documento assinado por mais de 5 milhões de pessoas, com 17 reivindicações. A partir de então, a MMM se constituiu como movimento e como uma rede internacional de organizações feministas com ações locais (municípios ou regiões), nacionais e internacionais. Em sua segunda ação internacional, realizada em 2005, a MMM lançou a Carta Das Mulheres para a Humanidade, documento que expressa a visão do movimento quanto às alternativas econômicas, sociais e culturais para a construção de um mundo fundado nos princípios da igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade entre os povos e seres humanos em geral, respeitando o meio ambiente e a biodiversidade. A preparação das ações internacionais, a cada cinco anos, marca processos de sínteses políticas da plataforma da MMM. 304 Grupos de mulheres brasileiras participam da Marcha desde o primeiro ano. Entre os dias 8 de março e 17 de outubro de 2000, foram realizadas atividades em todos os estados da federação, e o grande momento de unidade a nacional foi a Marcha das Margaridas, proposta pelas mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). O nome é uma referência a Margarida Alves, sindicalista brasileira, defensora dos direitos humanos, considerada a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba durante a ditadura militar. Margarida Alves foi assassinada por um matador de aluguel em 12 de agosto de 1983. Em 1988, ela recebeu o Prêmio Pax Christi Internacional. Até 2005, o Fórum Social Mundial foi o espaço de encontro e articulação das organizações brasileiras integrantes da MMM e desta com outras organizações e movimentos sociais. Entre estes, a Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE), a Via Campesina e Amigos da Terra Internacional. Entre os dias 25 e 28 de agosto de 2006, foi realizado, em Belo Horizonte, o Iº Encontro Nacional da MMM, reunindo cerca de 500 mulheres. Neste encontro, Miriam Nobre, engenheira agrônoma pulista, foi eleita para a coordenação da Secretaria Internacional da MMM. A transferência do Secretariado Internacional do Quebec para o Brasil havia sido definida um mês antes, no 6º Encontro Internacional da MMM. Durante sua gestão foi realizada, no Brasil, a Terceira Ação Internacional da MMM. Em 2010, três mil mulheres marcharam entre as cidades de Campinas e São Paulo enquanto mais de 100 mil mulheres de 75 países participaram em atividades correlatas nacionais, regionais e internacionais. Miriam Nobre ocupou o cargo até 2013, ano de realização do 9º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em São Paulo. Atualmente, a MMM está organizada em 20 estados do Brasil, a partir de núcleos e comitês, nas cidades e estados, e há duas maneiras para participar. Os grupos de mulheres que tenham identidade política com a MMM, podem aderir coletivamente. As mulheres que não participam de algum grupo podem participar diretamente, bastando participar das reuniões dos núcleos ou das atividades organizadas pela Marcha. Em âmbito nacional uma coordenação executiva é responsável pelo seguimento das tarefas e processos. Em Minas Gerais, uma miríade de organizações participam, em algum nível, da rede MMM. Massacre de Felisburgo – Crime ocorrido em 20 de novembro de 2004 em Felisburgo, região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Em maio de 2002, integrantes do MST haviam montado o acampamento Terra Prometida, na fazenda Nova Alegria, parcialmente localizada em terras públicas. Cerca de 567 hectares da propriedade estavam classificados como terra devoluta pelo Instituto de Terra de Minas Gerais (ITER). A intenção do MST, com a ocupação, foi a de pressionar o governo sobre a decisão do ITER, além de questionar a utilização do restante da fazenda, suspeita de não cumprir sua função social de produzir respeitando as legislações trabalhistas e ambientais. O dono da fazenda, Adriano Chafick, não conseguiu a reintegração de posse. Inconformado, ordenou um ataque ao acampamento, do qual participou pessoalmente. Armados com pistolas, escopetas e rifles, 17 homens liderados por Chafik puseram fogo nos barracos e em uma escola, mataram cinco integrantes do MST e deixaram 20 pessoas feridas, entre elas uma criança de 12 anos. Foram assassinados Iraquia Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos; Francisco Ferreira Nascimento, 72 anos; e Joaquim José dos Santos, 48 anos, todos trabalhadores do campo29. 29 Massacre de Felisburgo. MST, sem data, disponível em http://www.mst.org. br/nossa-historia/00-04 305 Os pistoleiros e Adriano Chafik foram presos logo após o ocorrido, quando o latifundiário confessou em depoimento ter participado do massacre. Mas, poucos dias depois, foram todos postos em liberdade, o que permitiu a fuga de vários assassinos. Em 2013, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou Adriano Chafik a 115 anos de prisão pelos crimes de homicídio qualificado, lesão corporal, incêndio e formação de quadrilha. No mesmo julgamento, o gerente da fazenda Washington da Silva foi condenado a 97 anos de prisão. Ele e Adriano Chafick saíram do Tribunal do Júri em liberdade pois tinham um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2014, outros dois réus acusados de participar do crime, Francisco de Assis Rodrigues de Oliveira e de Milton Francisco de Souza foram condenados a 102 anos e seis meses de reclusão, cada um, por tentativa de homicídio, homicídio qualificado e por terem colocado fogo no acampamento. Em 2015, o governador Fernando Pimentel assinou decreto de desapropriação da Fazenda, que foi entregue aos assentados. Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)30 – De acordo com alguns levantamentos históricos, como o realizado por Cleiton Ferreira da Silva 31, o MLB foi fundado em Minas Gerais no ano de 1999, a partir de divergências de sentido ideológico entre integrantes da ocupação da Vila Corumbiara, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Já Wellington Bernardo, um dos coordenadores do MLB em Natal, Rio Grande do Norte, localiza a origem do grupo em Recife (PE), também em 199932. De acordo com Bernardo, essa origem se deve à influência do Partido Comunista Revolucionário (PCR) para a constituição do MLB. O PCR tem sua principal base de atuação naquele estado. Por outro lado, este dirigente afirma que a ocupação da Vila Corumbiara teria sido a primeira realizada pelo grupo. Cleiton Ferreira da Silva afirma que a primeira ocupação organizada e direcionada pelo MLB foi em Mércia de Albuquerque, no município de Jaboatão dos Guararapes, Região 30 Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) - https://www. mlbbrasil.org 31 SILVA, Cleiton Ferreira. A construção de territórios de resistência a partir das ações e práticas do MLB na cidade. Revista Geografia em Questão, V.06, N. 02, 2013 pág. 94-107. 32 Natal só construiu casa popular na época de Aluízio Alves. Jornal Tribuna do Norte, 19/09/2010. Disponível em http://www.tribunadonorte.com.br/ noticia/natal-so-construiu-casa-popularna-epoca-de-aluizio-alves/159488 306 Metropolitana do Recife, em meados de 2002. Atualmente, o MLB é um movimento social nacional que luta pela reforma urbana, pelo direito à moradia e pelo socialismo, buscando agregar famílias sem-teto na luta contra a especulação fundiária e imobiliária. É filiado à Central de Movimentos Populares (CMP) e participa fóruns e conselhos que congregam outros movimentos, como o Conselho Nacional das Cidades, conselhos municipais e estaduais das Cidades e o Fórum Nacional pela Reforma Urbana (FNRU). Já o Partido Comunista Revolucionário é uma organização política de inspiração marxista-leninista, não legalizada e fundada em 1966. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) 33 – As origens do MAB estão relacionadas à intensificação da construção de grandes barragens para a geração de eletricidade no Brasil na década de 1970, no contexto da crise mundial do petróleo e do assim chamado “milagre econômico”, durante a ditadura militar. Estas obras repercutiam muito negativamente sobre a vida das populações ribeirinhas, que se recusavam a sair de forma compulsória das áreas 33 Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) - http://www. mabnacional.org.br onde se encontravam e buscavam, por consequência, se organizar e impor alguma resistência à destruição de seu modo de vida. São particularmente relevantes para a história do MAB, os movimentos de resistência organizados em torno da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Sobradinho, no final dos anos 70, nos municípios de Sobradinho e Casa Nova, estado da Bahia, que desalojou cerca de 70 mil pessoas; da UHE de Itaipu, na bacia do Rio Paraná, a partir de 1978 (cerca de 42.444 moradores desalojados) e, no mesmo período, da UHE Tucuruí (PA) que resultou no remanejamento de mais de 40 mil pessoas. Estimulados pela Comissão Pastoral da Terra e inicialmente regionalizados, esses movimentos buscaram formas de ampliar sua articulação e alcançar um caráter nacional, uma vez que os conflitos gerados pela construção das barragens vinham se repetindo em todo o território nacional. Assim, nos anos 1980, ao menos no sul do país, a luta contra as desapropriações já se autodenominava “Movimento dos Atingidos por Barragens” e, em 1986 ocorreu a primeira assembleia das comissões regionais de atingidos por barragens. Em abril de 1989, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, com a participação de representantes de várias regiões e que decidiu pela constituição de uma organização nacional. A fundação 307 do MAB aconteceu em março de 1991, durante o Iº Congresso Nacional dos Atingidos por Barragens. Este congresso também decidiu que o MAB deveria ser um movimento nacional, popular e autônomo, organizado a partir de comissões de base. Em março de 1997, na cidade de Curitiba, foi realizado o 1º Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens. Representantes dos 20 países instituíram o dia 14 de março como Dia Nacional de Luta Contra as Barragens. A organização do MAB em Minas Gerais data de meados da década de 1990, quando estavam em andamento alguns projetos de construção de usinas hidrelétricas na região da Zona da Mata, no Vale do Rio Doce, entre elas a UHE de Pilar e a UHE Jurumirim. Em 1999, com o apoio de setores progressistas da Arquidiocese de Mariana, da Universidade Federal de Viçosa e da ONG Associação de Pescadores e Amigos do Rio Piranga (Asparpi), foi criado o Conselho Regional dos Atingidos por Barragens34. O Conselho recorreu à assessoria do MAB visando promover cursos de formação para 34 OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; ROTHMAN, Franklin Daniel. Arquidiocese de Mariana, Teologia da Libertação e Emergência do Movimento dos Atingidos por Barragens do Alto Rio Doce (MG). Política e Sociedade, Nº 12 – abril de 2008. 308 as lideranças e fortalecer o poder de barganha dos atingidos, para obter indenizações mais justas ou reassentamentos viáveis na região. Naquele mesmo ano, em novembro, o MAB realizou em Minas Gerais o seu IV Congresso Nacional e, em 2001, estava constituído o MAB Alto Rio Doce (MAB-ARD). Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)35 – Movimento social rural cuja origem remonta à década de 1980, na luta de oposição ao modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar brasileiro. Em 1984, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), representantes de movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações reuniram-se em Cascavel, Paraná, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e fundaram o MST. Em Minas Gerais, a organização do MST teve início em 1985, logo após o I Congresso Nacional do movimento, que aconteceu em janeiro daquele ano. As primeiras reuniões foram organizadas pela CPT e contaram com a participação de “camponeses proprietários, meeiros, posseiros, parceiros, rendeiros, agregados e assalariados”, de acordo com o registro de Bernardo Mançano 35 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - http://www.mst. org.br Fernandes36. Em 02 de fevereiro de 1988, o MST promoveu sua primeira ocupação no Estado: a fazenda Aruega, no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, com a participação de 400 famílias originárias de vários municípios da região do Jequitinhonha e Mucuri. Atualmente, o MST em Minas Gerais está organizado em sete regiões: Mucuri, Jequitinhonha, Vale do Rio Doce, Sul de Minas, Triângulo, Norte, Grande Belo Horizonte e Zona da Mata. Nos registros do DATALUTA, é a organização mais atuante no estado, responsável pela promoção de 37% das manifestações realizadas em Minas Gerais entre 2000 e 2014. Em 1993, o MST filiou-se à Via Campesina, movimento internacional criado naquele ano e que aglutina diversas organizações camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres camponesas e comunidades indígenas dos cinco continentes. Entre outras bandeiras, a Via Campesina defende a soberania alimentar, o desenvolvimento local, a diversidade da produção agrícola e agroecológica, a água e as sementes como bens universais. De acordo com o DATALUTA, é a organização responsável pelo maior número de manifestações rurais realizadas na capital mineira entre 2000 e 2014. 36 FERNANDES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) 37 – Movimento popular surgido em 1997 por iniciativa de militantes ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O levantamento da história do MTST é atravessado por incertezas dada a ausência de fontes oficiais disponíveis de informação. O movimento faz referência à sua origem em apenas um documento, a Cartilha do Militante, datada de 2005, e que não cita datas ou atos de fundação. Sabe-se que desde o início dos anos 1990, o MST vinha se propondo o desafio de pensar sua atuação nos centros urbanos, especialmente em função das famílias que participavam de ocupações de terra, mas não desejavam sair de suas cidades. Essa necessidade teria aparecido, com maior ênfase, durante uma ocupação no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, foi pautada no III Encontro Nacional do MST, cujas resoluções tratam explicitamente da ampliação da luta pela reforma agrária, que deveria ser levada para dentro das cidades. Esse desafio, diz o texto, “mas faz parte de um novo modelo de desenvolvimento nacional e está relacionado com a maioria dos problemas que acontecem nas cidades. A reforma agrária é uma solução não apenas para os problemas do meio rural, mas também 37 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) - http://www.mtst.org 309 de toda a sociedade brasileira, e também do meio urbano”38. A partir de então, o MST adotou a prática de liberar militantes para que se envolvessem em determinados movimentos urbanos, notadamente os movimentos de sem teto já existentes nas cidades. Em 1997 39, a Marcha Popular Nacional, ao passar por diversas cidades, ampliou a reflexão e as experiências que o MST vinha fazendo, permitindo um contato mais próximo dos militantes com os problemas sociais vividos pelos trabalhadores urbanos nos bairros periféricos. Nessa Marcha teria sido assentada a ideia de criar um braço do movimento com atuação na cidade e capaz de unificar as 38 MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST. Proposta de Reforma Agrária do MST - 1995. In: STéDILE, J.P. (Org.) A questão agrária no Brasil: programas de reforma agrária 1946-2003. São Paulo: Expressão Popular, 2005, p. 187-210. 39 A Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça ocorreu em 1997 para denunciar a impunidade dos policiais que empregaram a violência, no fato que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996. Nessa ação para desobstrução da rodovia, foram assassinados 19 trabalhadores rurais. Outro objetivo da Marcha era dar visibilidade à oposição do movimento ao governo federal de Fernando Henrique Cardoso. A Marcha saiu de três localidades: São Paulo (SP), com agricultores vindos do sul e sudeste; Rondonópolis (MT) e Governador Valadares (MG), rumo à Brasília (DF), e durou 60 dias, com a participação de cerca de 1300 pessoas. 310 diversas experiências locais de luta por moradia 40. é particularmente relevante nesta história, o movimento de ocupação ocorrido a partir de oito de fevereiro de 1997, num terreno em Campinas que se tornou conhecido como Parque Oziel 41. O MST teria liberado militantes para participarem da ocupação, inicialmente liderada por Gentil Ribeiro, conhecido como Paraíba, e pelo padre Nelson Ferreira de Campos. Mais tarde, essa ocupação seria vista como a primeira experiência de organização e luta em ocupação urbana do MST. Entretanto, naquele mesmo ano, o MTST figurou como uma das organizações promotoras do ato do Dia do Trabalho, realizado em 02 de maio, junto com 19 sindicatos da região de Campinas, e do qual participaram 4.000 sem teto. Supõese, portanto, que o movimento estava criado. A partir do ano 2000, o movimento já possuía uma organização autônoma, desvinculada do MST, princípios e programa próprios a partir da reivindicação por moradia e reforma urbana. A estrutura do MTST está baseada nos “Coletivos 40 GOULART, Débora Cristina. O Anticapitalismo do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências 2011. Orientador: Marcos Tadeu Del Roio. Marília, 2011. 41 História. Parque Oziel, sem data, disponível em https://parqueoziel. wordpress.com/historia Políticos” (Coordenações Estaduais e Coordenação Nacional), nos “Coletivos Organizativos” (cuja função é cuidar das diversas tarefas necessárias à construção do movimento) e nos “Coletivos Territoriais” (Coordenações de Acampamento, de Núcleos e Coordenações Regionais), que cuidam do trabalho territorial e da relação com a base em seu espaço de atuação. Em seu Encontro Estadual de 2007, o MTST decidiu ampliar a atuação do movimento, inicialmente consolidando um “cinturão” de lutas no estado de São Paulo42. Esse movimento, que foi chamado de “estadualização”, foi marcado pela realização de ocupações em cidades do interior de São Paulo situadas fora na região metropolitana, e pela adoção dos “trancaços” (bloqueio de estradas, interrompendo o transporte de mercadorias nas principais rodovias do estado). Um ano depois, o movimento se propôs o objetivo da nacionalização, formando grupos de atuação em vários estados. Em Minas Gerais, a primeira ocupação com a bandeira do MTST aconteceu 42 Goulart, Débora Cristina. Do barracão à nacionalização: o Movimento dos Trabalhadores SemTeto – MTST como proposta de poder popular e resistência ao neoliberalismo. I Simpósio Trabalhadores e a Produção Social, Centro de Memória Operária e Popular (CEMOP). Disponível em http:// www.simposioproducaosocial.org.br/ Trabalhos/401.pdf em 26 de novembro de 2016 no bairro Custódio Pereira, às margens da rodovia BR-050, em Uberlândia43. Foi chamada de “Ocupação Fidel Castro”, em homenagem ao líder cubano morto no dia anterior. Movimento Ter r a Tr ab alho e Liberdade (MTL) 44 – Organização fundada em 18 de agosto de 2002 durante encontro nacional realizado em Goiânia (GO). Na ocasião, representantes do Movimento de Luta Socialista (MLS), do Movimento de Libertação dos Sem Terra de Luta (MLSTL) e do Movimento dos Trabalhadores (MT) unificaram suas organizações dando origem ao MTL45. Até então, o MLS concentrava suas ações nas áreas urbanas. Essa organização foi formada no ano 2000 por um grupo de militantes do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) que, então, dirigia o Sindicato dos Previdenciários do Rio de Janeiro e o Sindicato dos Gráficos de Belo Horizonte. O MT, 43 Área no Custódio Pereira já é ocupada por mais de 2,1 mil famílias Correio de Uberlândia, 30 de novembro de 2016. Disponível em http://www. correiodeuberlandia.com.br/cidade-eregiao/area-no-custodio-pereira-ja-eocupada-por-mais-de-21-mil-familias 44 Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MTL) - http://www.geocities. ws/design_pe/mtl_oque.html 45 Manifesto do Movimento Terra Trabalho e Liberdade. MTL, sem data, disponível em http://www.geocities.ws/ mtl_recife/manifesto.html 311 fundado em 1995 em Pernambuco, dedicava-se à luta pela posse de terras em vários estados do Nordeste (Pernambuco, Alagoas, Ceará e Paraíba). Finalmente, o Movimento de Libertação dos Sem-Terra de Luta (MLSTL) era uma dissidência do Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem-Terra, constituído também no ano 2000 por lideranças rurais, agentes pastorais e assessores da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em seu manifesto de fundação, o MTL afirma o socialismo como estratégia e defende “a construção de uma alternativa revolucionária de massas no Brasil e no mundo”. O manifesto demarca com outras organizações politicas afirmando que “Tais preocupações são levantadas hoje por organizações, por movimentos sociais e por indivíduos militantes que compreendem e ressaltam a necessidade de um polo político socialista revolucionário na sociedade brasileira, espaço do qual o PT abdicou, que o PCdoB vem demonstrando inaptidão e incapacidade histórica para ocupar e que o PSTU também acabou não conseguindo”. Em Minas Gerais, o MTL atua de modo mais destacado na região do triângulo mineiro. Muitas/Cidade que Queremos 46 – A Muitas surgiu em Belo Horizonte, a partir de março de 2015, com o objetivo determinado de pautar e participar das eleições municipais de 2016. Sua origem está na união de diversos grupos, como o Tarifa Zero BH, voltado para a melhoria do transporte público; o Resiste Izidora, focado no direito à moradia; a Praia da Estação, envolvido com o direito à ocupação dos espaços públicos, além de outras associações atuantes no cotidiano da cidade. A identidade coletiva do grupo é estruturada por três eixos principais de agenda política: o direito à cidade, a radicalização da democracia e a representatividade de minorias políticas (eixo que engloba as questões indígena, das mulheres, das pessoas negras, das pessoas trans, dos homossexuais, das juventudes e também dos animais). Na campanha eleitoral, o grupo divulgou suas propostas, elaboradas a partir de amplo processo de consultas populares que receberam o nome de “Explosões Programáticas”47. Foram abordados temas como a liberação da 46 Muitas/Cidade que Queremos http://www.somosmuitas.com.br 47 BRASIL, Flávia de Paula Duque; CARNEIRO, Ricardo; SILVA, Thaysa Sonale Almeida; BECHTLUFFT, Rodolfo Pinhón. Movimentos Sociais e Cidade: Uma análise das formas de ação coletiva recente em Belo Horizonte. III Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas; 30/05 a 02/06/2017, UFES, Vitória (ES). 312 maconha, a liberdade sexual, direitos dos animais, direitos da comunidade LGBTIQ e luta antiprisional, entre outros. Na campanha, a Muitas apresentou 12 candidaturas pela coligação PSOL–PCB, entre as quais oito mulheres, incluindo uma mulher trans e uma mulher indígena. A campanha foi coletiva sob o slogan “Votou em uma, votou em todas”. A coligação recebeu 43.683 mil votos. Desse total, mais de 35 mil votos foram destinados às candidaturas da Muitas, resultado suficiente para eleger duas candidatas – uma delas a vereadora mais votada do município. A organização desse movimento é nitidamente inspirada em plataformas municipalistas como o “Ahora Madrid” e o “Barcelona en Comú”, que conseguiram reunir diferentes movimentos sociais, ativistas e partidos na Espanha, elegendo candidatas e candidatos às prefeituras em várias importantes cidades daquele país em 2015. Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) 48 – Central sindical fundada em Brasília, em 29 de junho de 2005. Surgiu da articulação e associação entre algumas das confederações já existentes na estrutura sindical oficial. De acordo com seu manifesto de lançamento, 48 Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) - http://www.ncst. org.br/ foi formada por 5 confederações, 82 federações, 1078 sindicatos e representaria cerca de 10 milhões de trabalhadores em todo país. A organização dessa nova central sindical foi estimulada pela “reforma sindical” que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou em seu primeiro mandato (2003-2007). Entre as iniciativas propostas por Lula estava o reconhecimento das centrais sindicais, que passaram a ter poderes negociais e acesso a recursos oriundos de parcelas do imposto sindical, anteriormente vetados (Lei 11.648, de 31 março de 2008). Em Minas Gerais, a NCST foi fundada em 2 de setembro de 2005, em congresso realizado na cidade de São José da Lapa. No campo da política estadual, a central manteve uma postura ambígua durante as gestões tucanas. Inicialmente, participou da criação do Fórum Social e Sindical (FSS) e assinou o manifesto “Minas, teu outro nome já foi liberdade”, divulgado por esse fórum em 2008. Posteriormente, aderiu ao PSDB Sindical. Finalmente, na eleição presidencial de 2014, apoiou a candidatura a presidente Dilma Rousseff (PT). Atualmente, no estado, existem 187 sindicatos de trabalhadores filiados à NCST, conforme informações do Portal de Informações sobre Relações do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em número de sindicatos filiados, é a maior central sindical ativa no Estado. 313 Praia da Estação 49 – Movimento que se originou como uma reação decreto nº 13.863/2010, assinado pelo prefeito Márcio Lacerda, que limitava, a partir de 1º de janeiro de 2010, a realização de eventos na Praça da Estação, em Belo Horizonte. Na época, a prefeitura de Belo Horizonte alegou dificuldades para assegurar a segurança púbica em atividades com público ilimitado e a necessidade de evitar a depredação do patrimônio público, que vinha sendo verificada em eventos recentes realizados no local. A primeira reunião do movimento aconteceu na Praça da Estação, em 26 de janeiro de 2010, e por decisão dos participantes ficou decidido que o único objetivo era a derrubada do decreto. “Acreditamos que o cerceamento da utilização desse espaço causa prejuízo a todo(a)s população belo-horizontino(a)s, que se veem tolhido(a)s em seu direito de usufruir e de ocupar a cidade e que a atitude do prefeito Márcio Lacerda torna-se abusiva, a partir do momento em que impede que a população se aproprie da Praça da Estação em sua totalidade”, diz o documento aprovado. Sem periodicidade definida, o movimento reúne pessoas que desejam protestar ou somente se divertir nas fontes da praça. Não tem liderança ou portavoz. 49 Praia da Estação pracalivrebh.wordpress.com 314 https:// PSDB Sindical – Braço sindical do PSDB criado com o objetivo de aproximar a legenda dos movimentos sociais historicamente ligados à CUT e ao PT. À época, a iniciativa foi vista como uma grande estratégia dos tucanos tendo em vista a eleição presidencial de 2014. Foi, também, surpreendente pois ia contra a opinião defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique em seu artigo “O papel da oposição”, publicado em abril de 201150. Neste artigo, FHC argumentou que os sindicatos pertencem de forma sólida à base do PT e que o PSDB deveria se concentrar em conquistar a nova classe média, que saiu da pobreza nos anos do governo Lula. “Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais ou o povão, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos”, redigiu Fernando Henrique. “Isso porque o governo aparelhou, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas”, completou. O PSDB Sindical foi lançado em Minas Gerais no dia 20 de agosto de 50 Cardoso, Fernando Henrique. O Papel da Oposição. Blog do Noblat, 12/04/2011, disponível em http://noblat.oglobo.globo.com/ artigos/noticia/2011/04/o-papel-daoposicao-374379.html 2011, em evento que contou com a presença de 400 pessoas e obteve a assinatura de 93 sindicalistas em seu manifesto inaugural. Os sindicalistas que aderiram à iniciativa eram ligados à Força Sindical, a Nova Central Sindical e à União Geral dos Trabalhadores (UGT). A tentativa, entretanto, malogrou. Um ano depois de criado, o PSDB Sindical em Minas não havia conquistado nenhuma entidade representativa. A Força Sindical perdeu, depois de 20 anos, a hegemonia no Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa), um dos maiores do país. Além disso, o PSDB sindical não conseguiu completar chapas para disputar outros três grandes sindicatos de Minas: o Sindicato único dos Trabalhadores da Educação (SindUTE), o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas (SindEletro) e o dos Trabalhadores em Saneamento de Minas (Sindágua). 315 O Porta l Bra sil Política contem p orâ nea por Juarez Guimarães O claro enigma dos mineiros e a república democrática Na fortíssima construção da identidade pública dos mineiros, a política está no centro. Para esta afirmação tão simples e categórica, convergem, ao mesmo tempo, tantas razões e não menos paixões, tanta história e quanto mito, que é até mesmo difícil falar sobre o assunto. Mas é preciso falar mesmo sem a certeza das verdades positivas e incontestáveis. Pois, “a verdade não deve ser dita sempre em curva?”, como afirma a sabedoria ancestral destilada na cultura dos mineiros. E a política não é mesmo o lugar da indeterminação, de um obscuro passado, presente e futuro que resiste ao fechamento do significado e sentido? Quem fala sobre isso, deve desertar das certezas. E, mais difícil, tirar proveito disso. Há, em primeiro lugar, a afirmação do sentido de uma vocação: fechado o breve intenso, rico e dramático ciclo do ouro, como nos ensinou Celso Furtado em “A formação econômica do Brasil”, que futuro guardava Minas no princípio do século XIX? Se o ouro não existia mais, em abundância e fausto, como lidar com as ruínas do tempo e com o tempo das ruínas? O que restava senão repor, com as artes humanistas da política e da criação, uma contra-história da decadência? 317 Em sua apresentação amorosa de Ouro Preto, Manuel Bandeira faz a inteligente observação que a decadência salvou o barroco mineiro da voraz e utilitária predação pelas formas modernas1. A arte de Aleijadinho e Athaide, as igrejas e o casario, a arte feita na pedra para durar havia se cristalizado no tempo das decadências. A memória, já se disse bem, convida à vidência: os mineiros para sempre foram chamados a ser poetas mas, sobretudo, inconfidentes. E até hoje continuam poetas e inconfidentes, como canta na noite o “Clube da Esquina”, no Curral del Rei, a moderna cidade da conspiração contra as novas tiranias. A crônica história da formação da nacionalidade fixou, não por acaso e nem por certo por arbítrio, a Inconfidência Mineira como símbolo da república ainda a ser construída pelos brasileiros: “Liberdade ainda que tardia”. O período de estabilização do Segundo Reinado contou já com intensa e central participação dos políticos de Minas e dos experimentos de conciliação entre o Partido Liberal e o Partido Conservador. E , quando a república liberal oligárquica se instalou – contra o povo, contra as mulheres, contra os negros – a aliança política entre os donos do café e o Partido Republicano Mineiro organizou a estabilidade do regime até a sua crise. Quando a oligarquia paulista se 318 fechou na auto-reprodução de seu poder, o deslocamento de Minas para a aliança com os insurretos gaúchos, liderados por Getúlio Vargas, criou a dinâmica da revolução de 30, renovada nas políticas de afirmação do Estado nacional. O “Manifesto dos mineiros”, de 1943, foi um grave indicador de um princípio de cisão na coalizão de sustentação do Estado Novo. E quando Vargas criou, na redemocratização, os seus partidos de articulação das elites e o seu partido trabalhista, foi em Minas que mais se enraizou a tradição do PSD, da qual sairiam as lideranças históricas nacionais de Juscelino Kubitscheck e Tancredo Neves. Minas, como se sabe, foi parte menor do poder e da modernização conservadora aberta pela ditadura militar de 1964, mas foi a partir daí, do governo de Minas, que se abriu o ato final da desestabilização da frágil e incompleta república formada em 1946. Foi também da tradição do PSD de Minas que veio a principal liderança da transição conservadora à república democrática pactuada em 1988 e de Aécio Neves partiria, candidato a presidente derrotado em seu próprio estado mas reposto como figura polarizadora de um movimento político centrado em São Paulo, com suas conexões financeiras internacionais, o golpe parlamentar de 2016. é como se na cena da política nacional, em seus momentos de estabilidade e de ruptura, a política de Minas jogasse, alternadamente, para o centro e para os extremos, somando de modo decisivo para decidir ou desempatando a solução do conflito. Ainda não é o caso de falar aqui necessariamente de um mito, sobrecarregar nas tintas de uma explicação que se evade da política para se afirmar exclusivamente na cultura. Longas trajetórias institucionais cristalizam tradições políticas, legados formam efeitos de retro-alimentação, a política em Minas parece girar em torno da possibilidade de uma república, democrática ou não, ou de sua impossibilidade, dos caminhos e descaminhos de sua construção. Será a república democrática, na linha de Drummond, o claro enigma dos mineiros? Mas, como um terceiro momento de aproximação desta relação identitária entre os mineiros e a política está incontornavelmente a questão do mito. Identificando já no século XIX a formação de uma subcultura, aproximando as figuras do mito e da identidade, Maria Arminda do Nascimento Arruda em “A mitologia da mineiridade” ( São Paulo: Editora Brasiliense,1990) distingue o “mineirismo” ( a cultura de reprodução da identidade dos mineiros) da “mineirice” ( o modo de ser atribuído aos mineiros) e a “mineiridade“ ( fixação da singularidade dos mineiros na cultura brasileira). Se o “mineirismo” faz do lugar social das montanhas, ao mesmo tempo isolado mas visionário, capaz de ver longe, se a “mineirice” consagra o ser introspectivo, reflexivo, irônico, sabido e equilibrado, a “mineiridade” exaltaria o papel especial de Minas na construção da unidade nacional. A política e a cultura seriam, por excelência, estas vias pelas quais os mineiros se fazem nacionais. Maria Arminda centra a sua explicação na tradição memorialística dos mineiros, afeitos ao exílio “do país das geraes”, mas evocadores através do “fluxo abissal da sinceridade, das vagas de solidão depurada”, da vida que ficou para trás mas não está perdida, dos caminhos de Minas, as “vias gloriosas dos mineiros, as vias dolorosas dos mineiros – como as estações de sua paixão”, como nos propõe o maior de todos, Pedro Nava. Se a arte do barroco mineiro foi ao centro da cultura dos brasileiros, se os poetas da Inconfidência foram lá fixados, de modo definitivo, por Antonio Candido em “A formação da literatura brasileira”, as obras literárias de Drummond, Murilo Mendes, Pedro Nava e Guimarães Rosa e, no período recente, a poesia de Adélia Prado, atualizaram a centralidade desta sensibilidade e desta imaginação, impregnada de Minas, na cultura brasileira. 319 Qual sensibilidade e qual imaginação fazem a fortuna destas obras perenes na cultura brasileira? Certamente a poesia de Drummond, pela sua longevidade, atravessando todo o século XX, e com o seu poder de irradiação, pondo-se desde o início no centro da cultura do Modernismo e de seu processo de classicização, nas décadas seguintes, é formadora do sentimento de cidadania dos brasileiros2. Poesia mineral como o solo dos mineiros, feita de penhas e despenhamentos, verdadeira aventura do verso livre, inscrita na universalidade do humanismo, quase sempre a ponto de perder o fôlego existencial mas de larga respiração social, esta poesia trouxe o sentimento do mundo para dentro de si apenas para soprá-lo com os versos inesquecíveis da fraternidade. Se Euclides da Cunha já havia posto os sertões como abismo social e testemunho de uma catástrofe genética – uma auto-proclamada República que atira contra o seu próprio povo - , Guimarães Rosa nos oferece, em seu nunca ultrapassado romance de formação, o espírito da passagem do mundo da violência e dos crespos e dos avessos do humano para um outra possibilidade na qual o mal nunca deixará de ser mas a paz, a compreensão sapiencial de Riobaldo que toda a história alcança e de tudo faz sentido, a vida em comum prevalece. Para 320 ir aos infernos e fazer o pacto e de lá retornar, Guimarães Rosa teve que recriar a língua neste romance polifônico, urdido de tantas culturas, clássicas e contemporâneas, feito de “metafísica e capim”, como ele uma vez nos disse. Murilo Mendes, que junto com Alphonsus de Guimarães e Jorge de Lima, fazem a tríade dos três grandes poetas católicos e cristãos brasileiros, autor de “Poesia liberdade”, que escreveu em plena experiência da segunda guerra mundial, “é necessário conhecer seu próprio abismo/ E polir sempre o candelabro que o esclarece”, logo depois anota: “ A terra terá que ser retalhada entre todos/ E restituída em tempo à sua antiga harmonia./ Tudo marcha para a arquitetura perfeita:/ A aurora é coletiva”. O poeta nascido na época do cometa Halley, crescido “cercado de pianos por todos os lados”, Modernista cultor de todas as artes, cristão muito antigo e surrealista, este mineiro de visada para o mar está ainda a enviar murilogramas para a cultura brasileira, esteja onde estiver. A inscrição da obra de Pedro Nava - autor do monumento em prosa mais importante nas décadas finais do século XX - na cultura brasileira ainda está muito longe de esgotar a sua ventura. Esta memória, de um narrador em busca de seu tempo perdido, é o tempo reconquistado da vida fraturada dos brasileiros. Se “Sobrados e Mocambos”, de Gilberto Freyre, já identifica os sinais de cisão da cultura que a Modernidade, o mundo utilitário mercantil e urbano, traz para a sociedade dos brasileiros, “Chão de ferro” inicia já na aventura da vida social urbana cindida, entre o mundo dos que têm nome e propriedade e o mundo popular. A perda de lastro familiar com a morte prematura do pai, o mundo social comunicante dos desejos, da boemia e da medicina, a literatura e o nacional-popular, vão estabelecendo, então, um lugar que é, como em Proust mas com mais cor e sabor popular, uma remissão de todos os Eros. Nava e as “Memórias videntes do Brasil”, como tão belamente escreveu o escritor José Maria Cançado em livro3. “Sem a corpo/ a alma não goza”, escreveu em poema erótico cristão Adélia Prado. Mas a sua poesia escreve também o contrário. Sem a alma, o corpo não goza: “O corpo não tem desvãos/ só inocência e mistério”. Foi preciso milênios para que uma mulher do interior de Minas, do fogão e da Teologia da Libertação, ousasse dizer não fora da capela, mas na língua que se fala dentro dela, o que a tradição de Agostinho havia proscrito. A partir da poesia de Adélia Prado, drummondiana mas em dobras pela condição de mulher e, portanto, menos esquinada, mais afeita a súbitos deslumbramentos a partir de um quase nada, já não há mais a “cidade dos homens” e a “cidade de Deus”, o corpo e a alma, pois um Deus erótico tudo vinca. Esta poesia da transgressão no interior de uma tradição, não fora dela, é bem mineira na sua fatura. Se é possível e necessário identificar as grandes linhas deste humanismo, tendencialmente de esquerda e aberto às sensibilidades do popular, que a inscrição destas grandes obras literárias, sopradas pelo “espírito de Minas”, como se expressou em versos o agnóstico Drummond, trouxe para a cultura nacional, é também possível e necessário fazer o caminho inverso. Identificar o que pode haver de tradicionalista conservador e até reacionário na invocação da “mineiridade”. Este trabalho de identificação destas matrizes conservadoras é muito bem realizada por Walderez Simões Costa Ramalho em “Crítica ao essencialismo identitário: a historiografia da mineiridade na primeira metade do século XX” ( História da historiografia. Ouro Preto,n.18, agosto de 2015, p. 248265). A reivindicação da mineiridade faria parte de uma operação política que incluía a fundação do Arquivo Público Mineiro (1895) e do Instituto Historiográfico e Geográfico de Minas Gerais ( 1907) voltada, em um primeiro momento, para afirmar a unidade política do estado diante de veleidade separatistas e forças centrífugas. E, em um segundo 321 momento, na redemocratização após o Estado Novo, para afirmar um caminho político de centro conservador para o Brasil. Diogo de Vasconcelos, historiador marianense, Nelson Coelho de Sena, Oliveira Viana ( “Minas do lume e pão”, 1920), João Camilo de Oliveira Torres ( “ O homem e a montanha”, 1944), Alceu Amoroso Lima (“ Voz de Minas”, 1945) e Gilberto Freyre ( “Ordem, liberdade e mineiridade”, palestra proferida em 1948) seriam os autores fundamentais deste empreendimento intelectual. Ligando Minas à continuidade, à permanência, à família, às soluções do centro, aproximando liberdade e ordem, estes autores formariam um visão essencialista e conservadora da identidade dos mineiros. Mas se a identificação do mitológico na política, destas imaginações compartilhadas, é um empreendimento necessário do ponto de vista da razão, até para restabelecer o que há de conflito e cisão na ordem do discurso, seria preciso não dar a esta consciência crítica uma dinâmica de positivação. Isto é, a pretensão de pensar a política sem estas dimensões discursivas que organizam os valores e atualizam o seu sentido, tornando-a mera fenomenologia de interesses e razões estratégicas. Toda política que se faz sem a impregnação da cultura, dos valores maiores que incluem o outro e desestabilizam a identidade até do próprio adversário, acaba por 322 revelar e padecer do estilhaçamento do interesse que a particulariza. A política sem a cultura não unifica mas divide. Pode até formar poder mas não hegemonia, como nos ensina Gramsci. Mesmo em seus momentos de cisão, a política que se faz em Minas se apresenta como um esforço ou um projeto de unidade do país, mesmo que se apresente de modo mais ou menos farsesco. Para além do mito ou, melhor ainda, tendo consciência dele, é verossímil a hipótese que a política em Minas tem um papel extraordinário na formação e na reprodução da unidade nacional? é possível responder afirmativamente a esta questão a partir da consideração histórica de que o Estado nacional se construiu no Império e na Primeira República a partir da força do centro-sul, contra as tradições políticas nordestinas e sulistas revoltosas, e que houve desde sempre uma tensão política sempre renovada entre os poderes políticos e econômicos que se organizavam em São Paulo e no Rio de Janeiro, inclusive na formação de suas tradições intelectuais. A posição política do poder que se organizava em Minas, assim, inscreveu-se desde sempre no centro do processo de formação do poder nacional e, nos momentos de crise, na arbitragem decisiva das disputas de poder. A esta historicização do lugar extraordinário de Minas na formação do Estado nacional e na reprodução de seu poder, em diferentes períodos, se somaria a importância populacional do Estado na representação e a síntese que o estado processa entre as regiões mais tipicamente mineiras ( as “minas” e os “ campos geraes”), a Mata ( mais afim às tradições do Rio de Janeiro), o Sul ( mais afim às tradições paulistanas), o Triângulo ( mais afim ao centro-oeste) e o Vale do Jequitinhonha e o Norte (mais afim às nordestinidades). Isto é, a força do mito depende de sua qualidade de imanência. Quanto mais porções de realidade e le o r gan iz a , ma is for ça de convencimento ele disporá. E, assim, parece haver alguma imanência no mito. Se há imanência no mito e o mito, em seu trabalho na história, se faz também imanência, no sentido de uma tradição cultural, ele pode imaginar à direita, ao centro e à esquerda. E, se é verdade que o equilíbrio é qualidade do montanhês, que se movimenta entre escarpas e vales, entre abismos e quedas, ele não significa necessariamente moderação, como nos ensina Maquiavel. às vezes, é mais prudencial ousar. E, por isso, se há uma história cultural conservadora do mito da mineiridade, se há uma reiterada captação do mito para uma idéia de centro, ele pode ser também formulado em uma imaginação de esquerda. A história social, cultural e política da esquerda em Minas, assim como a brasileira, não está escrita ou, ao menos , classicizada, construída como um paradigma. O que é, por si só, expressão ou sintoma de seu inacabado processo histórico de formação. A história dos revoltosos coloniais e dos muitos quilombolas, das lutas agrárias, dos primeiros movimentos operários e associações mutualistas, do PCB e do PTB em Minas, da esquerda católica e seus comunitarismos, em suas várias configurações, da Teologia da Libertação e do PT, dos movimentos feministas e dos movimentos negros, dos circuitos culturais libertários que por Minas vicejaram, da emergência de uma cultura ecológica: seria possível elaborar uma narrativa unitária a partir da idéia de que a esquerda em Minas imagina o país, desde dentro da tradição, a partir de um humanismo, democrático e popular, tendencialmente socialista? Pode a mineiridade derivar à esquerda? Da transição à democracia: dilemas da centro-direita A relação das tradições políticas dos mineiros com a experiência da democracia após a ditadura militar pode ser lida a partir das noções de gênese, singularidade e impasse. 323 Os motivos da gênese devem ser historicamente avaliados na participação decisiva de Tancredo Neves, formado na tradição getulista mas em sua expressão não trabalhista e de centro liberal, na negociação da transição da ditadura militar para a democracia. Se a Carta Testamento de Vargas tornou-se um símbolo e um programa para a tradição trabalhista de Jango Goulart e Brizola, para a tradição identificada com Tancredo Neves, do PSD mineiro, ela foi sempre um sinal de trauma, depois renovado em 1964 quando a política se desfez sob os antagonismos radicalizados e sob a conspiração aberta que levou ao fim da experiência republicana, de democracia restringida, inaugurada pela Constituição de 1946. Quando a figura de Tancredo Neves emergiu como um caminho para a transição possível, após a derrota da Emenda das diretas já, ele evocou para si, para sua condição e para sua missão, toda a tradição política de Minas e seus mitos de mineiridade. As linguagens da ruptura democrática, com seus fundamentos de princípio e de um recomeçar da experiência republicana democrática, deixaram o centro do cenário político, ao grito das ruas se impôs o silêncio em nome dos arranjos para se formar uma maioria no Colégio Eleitoral. Esta era, por excelência, a linguagem de Tancredo Neves, um radical da conciliação, um personagem vindo do fundo da ordem mas com as mãos 324 não manchadas pelos crimes da ditadura militar e disposto a estendêlas para os recém convertidos à democracia. Um homem certo, na hora certa, no lugar certo, com a palavra certa: todos os acasos pareciam fazer sentido nesta figura providencial. E que arrastou para si praticamente toda a cultura mineira, exceto as figuras intransigentes e denunciadoras da esquerda: o próprio Clube da Esquina emprestaria a sua música, a sua voz, compondo o hino da travessia para a democracia. Uma ciência política da transitologia, formada em círculos liberais conservadores internacionais mas já recepcionada pela jovem ciência política brasileira, comporia na alta cultura brasileira a narrativa, conceitualizada e estruturada, desta transição. O caminho da Modernidade se comporia, exorcizando demônios à direita certamente mas também à esquerda. O imperativo maior da estabilidade na mudança, a concentração na dinâmica institucional, uma certa utopia do possível, a fragilidade da memória democrática, uma certa avaliação do autoritarismo “moderado” da experiência do regime militar brasileiro, em comparação com os exemplos argentino e chileno, comporiam esta grande narrativa liberal conservadora da gênese da democracia no Brasil. A linguagem democrática e popular, das reivindicações sociais acumuladas, dos novos sujeitos dos movimentos sociais, dos crimes contra os direitos humanos que não deveriam ser anistiados, da abertura da experiência democrática para o indeterminado e a novidade, ficaria à margem, entendida como impróprias para a festa da conciliação. A via gloriosa e a via dolorosa dos mineiros: a morte de Tancredo trouxe o assombro para a gênese da democracia brasileira. Mas a deriva à direita, já estava formulada: foi sob o signo da continuidade, com o expresidente da Arena, que o primeiro governo civil se estabeleceu. A tradição política dos mineiros havia perdido, com a morte de Tancredo, seu personagem de maior lastro histórico. Com uma nova esquerda ainda em formação, com a direita fisiológica à ditadura militar (os destroços da UDN) deslegitimada, com o centro sem cabeça, qual seria, então, a presença dos mineiros na cena política nacional? A política de Minas - seus partidos, suas figuras de maior expressão nacional- perdeu capacidade de liderar. E, se com a figura de Itamar Franco, por ordem do acaso, exerceu com personalidade mas interinamente a presidência, após o impeachment de Collor de Mello, este era por demais idissioncrático e errático para expressar e, muito menos, formar uma tradição. Mas na experiência democrática brasileira a política de Minas não deixou de pesar, às vezes decisivamente, marcando com a sua singularidade as dinâmicas políticas nacionais. O ensaio “Dinâmica nacional e processos estaduais : uma análise dos partidos e do sistema partidário em Minas Gerais”, de Carlos Ranulfo Melo,em “Política e desenvolvimento institucional de Minas Gerais (Belo Horizonte: Editora PUCMinas, 2016, pp. 79-104), sintetiza esta dinâmica. Desde 1994, mantida uma certa importância do PMDB, a política em Minas vem sendo polarizada, como na dinâmica nacional, por disputas entre coligações lideradas pelo PSDB e coligações lideradas pelo PT. Nas duas vezes em que o candidato da coligação liderada pelo PSDB foi majoritário nacionalmente, foi majoritária também em Minas no que diz respeito às eleições presidenciais; nas quatro vezes em que coligações lideradas pelo PT foi majoritária nacionalmente, foi também majoritária em Minas. O PSDB governou Minas por quatro mandatos consecutivos; o PT governa pela primeira vez. Acompanhando também características nacionais da representação parlamentar, a representação parlamentar na Assembléia Legislativa dos mineiros foi marcada por uma crescente fragmentação partidária. A singularidade é que esta dinâmica de forte polarização nacional, 325 lideradas por partidos que têm o seu centro em São Paulo, foi vivida com mediação em Minas. O voto dos mineiros nas quatro eleições nacionais nas quais coligações lideradas pelo PT foram majoritárias nacionalmente dividiu-se, do ponto de vista estadual, em composições PT/PSDB, isto é, com o voto majoritário em Lula não sendo acompanhado por votações majoritárias a candidatos aos governos pelo PT mas do PSDB. Chamaram-se “Lulécios” e “Dilmasias” estes fenômenos eleitorais de composição, isto é, eleitores que votavam em Lula para presidente mas em Aécio Neves para governador ou em Dilma para presidenta mas em Anastasia para governador. Este fenômeno poderia ser interpretado apenas a partir de estratégias eleitorais que se compõem, em busca de formar maiorias. Mas o fato é que, em um vetor em tudo diferente e contrário ao da polarização vivida entre PT e PSDB em São Paulo, o então governador Aécio do PSDB e o prefeito Fernando Pimentel do PT formaram juntos uma chapa única para prefeito de Belo Horizonte nas eleições de 2008, apoiando e elegendo um candidato do PSB. Seria, então, a vitória da tradição centrista de Minas, puxando direita e a esquerda para um centro comum, a partir do qual se poderia pensar estrategicamente uma conciliação ou uma convergência? 326 Houve, decerto, quem apontasse este caminho para a resolução negociada dos impasses da democracia brasileira. Mas não foi decididamente o que ocorreu. Assim como havia participado decisivamente na gênese da democracia brasileira através de Tancredo Neves, a candidatura de Aécio Neves à presidência em 2014 cumpriu um papel decisivo no chamado golpe parlamentar que impediu a democracia brasileira, na precisa expressão de Wanderley Guilherme dos Santos. Se Tancredo Neves havia sido, em circunstâncias dramáticas, o “cavaleiro da negociação”, o seu neto foi, trinta anos depois, o “cavaleiro do apocalipse”: ao contestar e não reconhecer o resultado das eleições presidenciais, daria início ao processo de desestabilização da democracia brasileira. Seria, no entanto, um erro crasso identificar a tradição de Aécio Neves à tradição do PSD mineiro, encarnada por seu avô materno Tancredo Neves. Entre um e outro, há um pai que foi presidente da Arena e uma figura sem escrúpulos na vida pública. E, sobretudo, há uma dinâmica nacional nos acontecimentos mais recentes, com uma inteligência e centro em São Paulo. Ironia: na palestra de abertura de sua campanha às eleições presidenciais de 2014, que levou o nome “Minas pensa o Brasil”, o orador de honra era... Fernando Henrique Cardoso. Em que medida este desgarramento da tradição de centro rumo a um conservadorismo neoliberal extremado levou Aécio Neves, enfim, um candidato mineiro à presidência perder as eleições em seu próprio estado? Revolução passiva ou revolução democrática? Otto Maria Carpeaux, em um célebre ensaio sobre Antonio Gramsci, havia já feito a pertinente observação que, para o caso brasileiro, a chamada “questão meridional” italiana se faria setentrional, isto é, a questão nordestina. Seria o caso, na mesma direção de identificar tradições a regiões, chamar Minas de o “Piemonte” brasileiro, isto é, o lugar de equilíbrio e centro, o lugar por excelência da revolução passiva, da mudança com continuidade, das transformações moleculares e sem rupturas? Por esta identificação ao centro, verdadeiro ponto de absorção e neutralização das tendências extremas, a política de Minas no século XXI continuaria a cumprir uma função nem à direita nem à esquerda na política nacional. Se não se quer aderir simplesmente ao mito, mesmo considerando a sua força, seria o caso de abrir o futuro e também a releitura do passado político de Minas a outras possibilidades. Isto se faz pensando a política de Minas radicalmente como o lugar da reprodução de um conflito central, ao modo maquiaveliano, entre os que dominam e os que não querem ser dominados, entre a luta em diferentes épocas históricas entre os que se apossam do poder para reproduzir riquezas e privilégios e aqueles que lutam por liberdade e por igualdade. Ou seja, seria preciso afrontar diretamente a linguagem da conciliação como uma linguagem possível de domínio, que busca incluir pela subordinação, na forma de consenso ou coerção. Entendida assim como um lugar de conflito, como reprodução de estratégias de dominação e não de conciliação, a tradição política de Minas pode ser lida na história como uma permanente luta pela liberdade e pela igualdade, em geral abortadas ou reprimidas, no plano da cultura da dominação ou simplesmente pelo recurso á violência. Das resistências de escravizados à multiplicação dos quilombos, das revoltas coloniais à Inconfidência Mineira, das lutas anarco-sindicalistas dos inícios do século à greve dos metalúrgicos de Contagem em 1968 (a primeira greve sob a ditadura militar), do cristianismo de base que fez surgir a Ação Popular no pré-64 às novas lideranças dos Sem-Terra, de Clodismith Riani, expresidente nacional do CGT no pré-64 à magnífica inteligência trabalhista e popular de Darcy Ribeiro, do PCB 327 às novas lideranças marxistas do socialismo democrático, a história política de Minas definitivamente não cabe em uma narrativa cujas bordas terminam ao centro. é a partir da escavação deste conflito que se poderia pensar o futuro da política em Minas no século XXI. Este pensamento sobre o futuro, sempre alicerçado em condicionalidades e incorporando fortemente um grau importante de indeterminação, deveria entender o regime das classes sociais em Minas e as tradições políticas em sua projeção regional e nacional. O processo de modernização capitalista ocorrido durante o regime militar teve o importante efeito de retirar a centralidade de Minas na conformação do capital bancário e financeiro nacional, com o novo protagonismo concentrado em São Paulo, alentou um circuito industrial metal-mecânico centrado no Vale do Aço e em Contagem-Betim, com a atração da Fiat, modernizou o regime agrário na região do sul de Minas e no Triângulo mineiro que se abre para o centro-oeste. O período neoliberal dos governos Fernando Henrique Cardoso e a gestão seqüenciada de quatro governos do PSDB em Minas iniciou um processo de desindustrialização, que não foi interrompido pelo ciclo de governos nacionais do PT. Durante os governos 328 Lula e Dilma, foram muito importantes os impactos sociais de políticas voltadas para os mais pobres, de retomada do assalariamento formal, de incentivos à agricultura familiar e às comunidades tradicionais, de ampliação dos campi universitários em cidades pólo, mas não se reorganizaram as tendências econômicas estruturais. O novo governo de Minas, de coalizão liderada pelo PT, coincidiu com um novo ciclo fortemente recessivo da economia nacional. Este quadro econômico, assim panoramicamente descrito, diminui o peso da economia mineira na economia nacional e aparta os destinos das suas várias regiões, submetidas aos azares predatórios do extrativismo mineral e da produção de bens primários para exportação. O protagonismo político de Minas na cena nacional deve ser pensado, de forma imanente a este quadro econômico e social, podendo se desenvolver em várias direções. Não parece provável que Minas venha a ser o celeiro de um conservadorismo nacional, de expressão religiosa ou nacionalista de tipo fascistizante, embora estas tradições possam renovar certamente sua entrada na política de Minas, na dependência maior de trajetórias nacionais. O grau de secularização e de pluralismo religioso, de cosmopolitanismo e acesso ao mundo das mídias, corroeu bastante o tradicionalismo mineiro. E ele não tem hoje uma expressão política polarizadora ou central. A mudança mais significativa, do ponto de vista da cultura política, foi a segunda imersão recente do liberalismo mineiro nos caminhos de um anti-republicanismo democrático. O que havia de comum entre figuras tão diversas como Milton Campos, Gustavo Capanema, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves era uma adesão de raiz a um certo liberalismo progressivista e, em tinturas variadas, de sensibilidade social. A formação do liberalismo em Minas é menos economicista do que a sua gênese e desenvolvimento em São Paulo, dialogou sempre mais com certas sensibilidades cristãs de justiça social. Este liberalismo perdeu o seu chão histórico de desenvolvimento com a ditadura militar de 1964, ao apoiar o golpe, e agora dissolveuse no liberalismo extremadamente mercantil, que tem sede em São Paulo. Esta dissolução da identidade do liberalismo mineiro, em relação às suas fontes históricas, tende a neutralizar ou tornar subalterna a projeção política dos políticos mineiros de centro ou de centrodireita no cenário nacional. uma esquerda mineira. Com qual linguagem política este caminho pode ser percorrido? Esta linguagem política pública só pode se desenvolver a partir de um diálogo entre as novas correntes do socialismo democrático com as correntes republicanas históricas de Minas, capazes de pensar a partir de valores humanistas, a relação entre liberdade política e justiça social. Para além do mito da mineiridade, a escavação mineral do futuro, este encontro entre socialismo e republicanismo talvez seja o claro enigma da política dos mineiros no século XXI. Notas Bandeira, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. Guimarães, Juarez. “Drummond e a formação do cidadão brasileiro” em “Dimensões políticas da Justiça” ( Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2013). Cançado, José Maria. Memórias videntes do Brasil; a obra de pedro Nava. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. O caminho para o nacional, então, está decididamente no espaço que vai de uma centro-esquerda e a 329 O Porta l Bra sil Situa çã o e Política Ag rá ria por Pedro Moreira e Leonel de O. Pinheiro O CAMPESINATO E A POLíTICA AGRáRIA EM MINAS GERAIS. As políticas agrárias em Minas Gerais refletem o modelo de desenvolvimento que hegemoniza o país e, também, a resposta aos movimentos que se organizam para reivindicar o direito à terra. No Brasil, a partir dos anos 1930, os Governos Vargas, e principalmente a partir do plano de metas no governo de Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos anos 50, a economia brasileira foi dominada pelo conceito de industrialização. Com a emergência das indústrias agroalimentares, o setor agrícola foi incorporado na dinâmica dos sistemas econômicos. Antes vista como atrasada em relação aos setores industriais, a agricultura de pequena escala é inserida nas políticas de crescimento econômico, tendo possibilitado seu acesso aos avanços tecnológicos, principalmente por meio de políticas de crédito e assistência técnica, influenciadas, naquele momento, pelo ideário da Revolução Verde. Mesmo sem conseguir influenciar no padrão de concentração de terras, a partir da década de 1940, a regularização fundiária começa a aparecer como uma alternativa para 331 fixar o homem no campo. O texto da Constituição de 1946 diz que a lei “facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados”. Em 1949, o Estado de Minas Gerais publicou a sua primeira legislação que dispunha sobre a concessão de terras devolutas.. A Lei Estadual nº 550, de 22 de dezembro de 1949, definia quais eram e como poderiam ser vendidas e distribuídas as terras devolutas. O texto da normativa diz, sobre a concessão gratuitas de terras aos camponeses, que “aos cidadãos brasileiros ou estrangeiros, chefes de família, que provarem ser homens de trabalho, poderá ser concedido, gratuitamente, um lote de 25 (vinte e cinco) hectares de terras de cultura ou 100 (cem) hectares de terras de criação”. Com base nesta legislação diversos contratos de arrendamento foram celebrados nas décadas posteriores, p o r é m os con tr a tos focaram principalmente em incentivar as atividades de reflorestamento para a produção de carvão vegetal visando o abastecimento das indústrias. A concessão de terras com fins de reforma agrária quase não ocorreu no período, apesar de haver previsão legal. 332 O padrão de industrialização implementado nos anos 50 no Brasil teve algumas características bem marcantes. Indubitavelmente a de maior importância foi a presença decisiva do Estado para sua implementação, e o caráter conservador do processo, no sentido de que não representou qualquer rompimento com as elites agrárias. No início da década de 1960 o modelo de industrialização dependente e excludente entrou em crise. Os mecanismos tradicionais de financiamento e suas frentes de expansão foram abalados devido à perda de capacidade do Estado de manter o pacto de poder político que o sustentava, conhecido como crise do “populismo”, inaugurado nos governos Vargas. No governo de João Goulart foram dados os primeiros passos no âmbito do Estado brasileiro, no sentido de construção de políticas públicas de planejamento estatal, com a criação do Ministério do Planejamento em 1962, então presidido pelo renomado economista Celso Furtado. O debate conduzido por Furtado sobre a questão do desenvolvimento econômico girava em torno da “necessidade de reorganização do espaço econômico regional e da integração nacional de modo mais equilibrado”. O processo de integração teria de orientar-se no sentido do aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto da economia nacional. incorporação do “trabalho” rural à sociedade nacional. Nessa conjuntura, o debate nacional centralizou-se rapidamente não em se, mas em como o Estado Brasileiro deveria intervir na zona rural. Bem como estabeleceu as bases legais para o novo papel do Estado, com um forte controle dos Sindicatos, que se tornaram agências pseudo estatais devido a dependência em relação ao Estado, à inabilidade de mobilizar membros e ao fornecimento de serviços estatais. Apenas sete meses após o Golpe Civil Militar, em 30 de novembro de 1964, foi promulgada a primeira lei brasileira de reforma agrária, conhecida como o Estatuto da Terra. O Estatuto da Terra foi resultado de um longo processo de pressão dos camponeses e de cidadãos comprometidos com a Reforma Agrária. Apesar da legislação progressista, os Governos Militares defendiam uma mudança fundiária conservadora. A partir de 1968, com a promulgação do Ato Institucional nº5, o Estatuto da Terra e o seu intuito de realizar a reforma agrária (seja para desenvolvimento do capitalismo ou para minimizar a pobreza e as desigualdades regionais) é relegado ao esquecimento. Com o governo adotando a proposta de que, em vez de reformar o latifúndio, era necessário implementar uma política de modernização da agricultura brasileira com o objetivo de transformá-lo numa grande empresa capitalista, cujo os pilares do projeto agrário se sustentavam no crescimento acelerado na produção agrícola (Revolução Verde); a integração nacional; e a A resposta Mineira para o projeto agrário dos governos militares foi a criação da Fundação Rural Mineira - Colonização e Desenvolvimento Agrário (RURALMINAS). A Lei 4.278, de 21 de novembro de 1966, autoriza o poder executivo a instituir a RURAL MINAS, que o fez em 30 de novembro do mesmo ano (Decreto 10.160), com a finalidade de: (i) planejar, executar e controlar programas de colonização em terras públicas de acordo com o Estatuto da Terra; (ii) incentivar programas particulares de colonização; (iii) promover a discriminação de terras públicas e regularização de títulos de posse de terras devolutas do Estado; (iv) Promover programas de desenvolvimento agrário nas regiões do Estado, em especial do Noroeste; e, (v) promover e incentivar o reflorestamento. Para sustentáculo ao projeto modernizante replicado em Minas pelo projeto agrário conservador, foi criado um conjunto de instituições 333 estatais de pesquisa agropecuária e de extensão rural (EPAMIG, 1974 e EMATER, 1975), e Universidades Públicas, que tiveram um papel importante na difusão dos pacotes tecnológicos da revolução verde no Estado. A estratégia de ocupação do espaço agrário estava vinculada ao incentivo de projetos de colonização estimulado pelo governo Federal. Minas Gerais optou pela capitalização do campo por meio de projetos de colonização. Este processo provoca a intensificação da concentração fundiária em Minas Gerais (Gráfico 01). No período de 1970 e 1980, se destacam a criação dos Distritos Florestais, regiões prioritárias para implantação de monocultura florestal, com destaque para o Triângulo Mineiro, o Centro Oeste, e os vales do Rio Doce, São Francisco e Jequitinhonha. Outro exemplo é a implantação do projeto de irrigação do Jaíba que teve suas primeiras ações em 1949, mas se consolidou com o surgimento do Distrito de Otinolândia em 1976. Nesse período, para os atores governamentais e empresariais, “rural” era sinônimo de “agrícola” e “desenvolvimento rural” era igual a “desenvolvimento agrícola” que, por sua vez, era identificado com modernização da agricultura, financiada por crédito subsidiado (Sistema de Crédito Rural) (1965). Tal 334 política fundamentava-se em quatro elementos principais: (i) a noção de crescimento econômico, que tenta romper com o “atraso” da agricultura tradicional, introduzindo os valores econômicos modernos; (ii) a noção de abertura técnica, econômica e cultural, com a prevalência da heteronomia sobre a autonomia dos agricultores em relação aos agentes econômicos, com os quais passam a se relacionar; (iii) a noção de especialização da produção agrícola, simplificando os sistemas de produção e, ao mesmo tempo, adequando-os às modernas técnicas de produção; (iv) a valorização de um novo tipo de agricultor “moderno”, empresarial, individualista e voltado à competição por mercados consumidores. Esse era o mais importante instrumento da política do Estado para induzir as transformações das grandes propriedades rurais latifundiárias em modernas empresas rurais; nascia aqui o “Agronegócio”. Essa concepção de desenvolvimento rural colocou-a em um patamar em que a indústria passou a ter papel central nas relações de produção e na determinação dos tipos de interação com mercados. Esse modelo influenciou o surgimento de complexos agroindustriais, em detrimentos dos sistemas produtivos tradicionais camponeses. Algumas características da modernização conservadora da agricultura brasileira são igualmente consensuais no Brasil e não obstante em Minas Gerais: promoveu um violento processo de expulsão de mão de obra do campo, no sentido norte x sul, agravado pelos conflitos agrários, as grandes distâncias, falta de infraestrutura e ausência do Estado, especialmente nas regiões dos Vales dos Rio Doce, Mucuri, Jequitinhonha e Norte de Minas (às Gerais), que foram nas décadas de 60, 70 e 80, territórios exportadores de abundante mão obra para as capitais e regiões metropolitanas do sudeste e sul do Brasil. As populações excluídas do processo de modernização eram consideradas pelo governo militar e por organismos internacionais como populações de “baixa renda”, para as quais eram destinados, especialmente no Nordeste, os chamados “projetos de desenvolvimento rural integrado”, difundidos pelo Banco Mundial por toda a América Latina. Neste sentido a organização do meio rural foi em grande parte desestruturada devido à adoção desse modelo de desenvolvimento, o que levou ao aumento considerável do número de conflitos do campo. Ressurge deste processo os movimentos de luta pela terra, com maior força a partir da segunda metade da década de 1970. A Mobilização Social no Campo a partir da década de 1960. A primeira metade da década de 60 foi marcada por intensa mobilização de trabalhadores rurais assalariados, posseiros e pequenos produtores que colocaram na agenda do Estado a questão agrária e a conquista dos direitos sociais, materializado no “Estatuto do Trabalhador Rural” de 1963. A primeira resposta do Estado para o campo, a partir das mobilizações pelas “Reformas de Base”, foi a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural – ETR, que estendeu o regime trabalhista e previdenciário corporativista, que regulava o trabalho urbano, para a zona rural. Além de reunir a legislação trabalhista rural existente em único corpo de lei. Os movimentos sociais do campo foram protagonistas nesta construção, nomeadamente as Ligas Camponesas, o Partido Comunista do Brasil – PCB; segmentos progressistas da Igreja Católica, como a Juventude Estudantil Católica – JEC; Juventude Agrária Católica, Movimento de Educação de Base – MEB, apoiadores do nascente movimento sindical dos trabalhadores rurais - MSTR[1]. Um marco importante para os movimentos do campo em Minas Gerais neste período foi o I Congresso Nacional do Lavradores e Trabalhadores Rurais, que ocorreu em Belo Horizonte no ano de 1961, com o apoio 335 de setores progressistas da igreja católica. A partir daí foram criados, em 1962, os primeiros Sindicatos dos Trabalhadores Rurais – STRs do Estado, sendo o STR Poté fundado em 08/07/1962, reconhecido pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social em 31/01/1964, seguido pela criação dos Sindicatos (STRs) de Esmeraldas, Araçuaí, Centralina, Santana do Deserto, ambos criados no ano de 1963. Todos contribuíram com a criação para fundação de três Federações criadas por convocação de um congresso estadual realizado em Belo Horizonte entre os dias 12 e 18 de dezembro de 1963, onde foram criadas, depois, intensos debates de três federações sendo: 1) Federação dos Trabalhadores na Extrativa Rural de Minas Gerais; 2) Federação dos Trabalhadores Autônomos da Agricultura; 3) Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais, que aliados com organizações de outros Estados fundaram a Confederação do Trabalhares na Agricultura – CONTAG, em 22 de dezembro de 1963 e reconhecida em 21/01/1964. No início do ano 1964 existiam quarenta e sete STRs em Minas Gerais. Após o Golpe, como resultado da violenta perseguição da ditadura, esse número foi reduzido para três sindicatos, sendo eles os STRs dos municípios de Poté, Esmeralda e Araçuaí. Em 1968 as bases legais para o novo papel do Estado como regulador dos 336 sindicatos e das relações trabalhistas rurais foram estabelecidas. Desta forma, o tema da reforma agrária passou a ser tratada como questão de “segurança nacional” pelos governos militares. Com isto, avança para a zona rural o projeto de modernização conservadora e a repressão. Mesmo com a repressão exaustiva, após o golpe de 64 que eliminou a esquerda das áreas rurais do país, o Estado passa a ser mediador das relações rurais. Em Minas, após o golpe, restaram apenas cinco STRs (Poté, Araçuaí, Esmeraldas, Brumadinhos e Três Pontas) reconhecidos pelo Estado, os quais não foram recolhidas a Carta Sindical pela repressão. Estes, a partir da articulação do CONTAG, fundaram a Federação do Trabalhadores Rurais na Agricultura – FETAEMG, em 27 de abril de 1968. Em Minas Gerais[3] ocorreu uma brutal repressão aos movimentos sociais camponeses, com prisão e morte das principais lideranças mediadoras dos movimentos sociais nas regiões de fronteira agrícola do Estado, nomeadamente o Vale do Rio Doce, Vale do Mucuri e Jequitinhonha, Noroeste e Norte de Minas. Nesse período, nos territórios de fronteira agrícola[4], ocorreram intensos conflitos agrários entre trabalhadores rurais, posseiros, agregados e pequenos sitiantes frente às oligarquias regionais latifundiárias, motivados pelo que ficou conhecido como “Grilagem de Terra”, sendo esses territórios completamente dominados pelas oligarquias regionais. Nesse cenário de intensos conflitos sociais, nascem as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, movimento da igreja católica progressista, que cumpria a tarefa de formação política e educacional das principais lideranças dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária e de enfrentamento do regime militar na década 1970. As CEBs – em conjunto com o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais, articulados pela FETAEMG e CONTAG, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, criada em 1975, e as Pastorais Sociais – animaram os movimentos sociais na luta pela terra nos anos 1970, produziram uma apropriação particular do Estatuto da Terra pelo movimento sindical progressista, que se centrou na reivindicação da desapropriação das áreas de conflito geradas pelo projeto de modernização dominante. Como exemplo podemos citar a Diocese de Teófilo Otoni, que nos idos de 1972, sintonizada com a ala progressista da Igreja Católica, encabeçada pelo movimento Latino Americano da Teologia da Libertação, criou uma das primeiras células das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. O processo de democratização e consolidação da pauta agrária A década de 1980 foi “marcada pelo início das mudanças no ambiente político brasileiro que vieram definir o novo quadro de atuação do Estado e das liberdades civis. Tais mudanças derivam, sobretudo, do ressurgimento do ativismo civil na busca por autonomia frente ao Estado autoritário constituído em 1964” . No contexto da luta pela democratização do país, a questão agrária ganhou nova relevância na discussão pública sobre os custos e benefícios das transformações recentes ocorridas no meio rural, de modo que a reforma agrária passou a assumir uma importância política central, como a reivindicação representativa e unificadora de diferentes demandas oriundas da diversidade de grupos, de atores sociais e de lutas existentes no meio rural. O caráter excludente da modernização conservadora da agricultura, aumentou a demanda por terra por parte do movimento sindical remanescente – apoiada por setores da Igreja Católica, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que foi abafada e reprimida pela repressão política dominante, mas que se manteve espalhada por todo o país e enraizada nas experiências cotidianas dos trabalhadores. 337 Com o processo de democratização da sociedade brasileira na década de 1980, revitalizou-se o movimento sindical, surgiram novos movimentos sociais no campo, complexificaramse os personagens e as demandas do mundo do trabalho rural e começou a ser elaborada uma crítica contundente ao modelo de modernização agrícola adotado, conhecido internacionalmente como Revolução Verde, desvinculando progressivamente o conceito de “rural” do “agrícola” e o de desenvolvimento rural como sinônimo de modernização agrícola. Em Minas Gerais esse processo alterou a paisagem do rural. As “chapadas” do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, antes ocupados em grande parte por vazanteiros, geraizeiros, extrativistas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais, dá lugar a commodities de monoculturas, a partir da cessão das terras devolutas do Estado para grandes empresas do setor agrossilvicultura, transformando o cerrado em pastagens e grandes plantações de eucalipto. No Sul de Minas e Zona da Mata, os pequenos agricultores foram expulsos de suas terras em função da “modernização”, que por meio da difusão de pacotes tecnológicos dependentes de insumos, inviabilizou a atividades dos camponeses. O mesmo processo de ampliação dos camponeses sem terra ocorre devido ao impacto da 338 pecuária extensiva nas áreas de fronteira agrícolas, seja na região do Norte, noroeste ou dos Vales (Jequitinhonha, Mucuri e Doce). Além do projeto de desenvolvimento agrícola, contribui decisivamente para a desterritorialização de milhares de famílias camponesas, os grandes projetos de mineração nas regiões Central e no Vale do Aço, e os projetos de barragens hidrelétricas espalha por todo estado. Neste período, ganham visibilidade na cena política de Minas Gerais novos movimentos sociais rurais, como o Movimento dos Sem Terra - MST, cujo marco a ocupação da Fazenda Aruega em 1989, no município de Novo Cruzeiro, Vale do Jequitinhonha; O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; O Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais; Além das antigas e novas representações do movimento sindical, ligados a Contag e a CUT/Rural. Ainda no final da década de 80, tiveram papel importante na organização da luta dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais, as organizações não-governamentais originárias do “movimento de agricultura alternativa”, hoje denominado “Movimento Agroecológico”, nascido nas Universidades, e responsáveis pela contundente crítica ao pacote tecnológico da revolução verde. O movimento agroecológico incorpora aos movimentos sociais do campo, o saber acadêmico por meio da pesquisa e extensão universitária, desenvolvidas a partir de interações entre instituições acadêmico/ científicas e grupos e organizações de agricultores, executados por meio de metodologias participativas, agregando novos saberes, novos fazeres, formando novos quadros de ativistas nas lutas dos movimentos sociais. As organizações que protagonizaram este diálogo em Minas Gerais, foram o Centro de Tecnologias Alternativas – CTA, na Zona da Mata Mineira; o Centro Agroecológico Vicente Nica – CAVI, no Vale do Jequitinhonha; o Centro de Agricultura Alternativa – CAA, no Norte de Minas; o Centro Agroecológico Tamanduá - CAT, no Vale do Rio do Doce, a Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas – REDE na Região Metropolitana e Região Leste de Minas. A consequente e gradual afirmação social e política desses novos sujeitos e reivindicações, fez com que a questão agrária passasse progressivamente a ganhar uma visibilidade política sem precedentes na história do país, tornando-se tematicamente mais complexa e diversificada, e abrindo caminho para a futura implosão da identidade entre rural e agrícola e entre desenvolvimento e modernização, que ganharia mais vigor e substância, conceitual e política, a partir da década de 1990. A resposta neoliberal e a questão agrária contemporânea em Minas Na década de 90 ocorre a disputa de dois projetos políticos: o projeto neoliberal e o que Delgado (2010) chamou de “projeto democratizante”, que, por razões diversas, passam a conviver na sociedade brasileira de forma não estanque, pois são excludentes em várias de suas formas de manifestação. A disputa destes dois projetos definiu como a questão agrária deve ser tratada pelo Estado e qual o papel da agricultura na economia. O projeto neoliberal para o mundo rural, representado pelo “agronegócio”, herdeiro do projeto agrário militar, em função do processo de modernização agrícola, promoveu no meio rural brasileiro transformações e um deslocamento do foco das ações, relações e interações dos indivíduos, empresas e instituições que atuam no rural para a esfera da cadeia de produção agropecuária. A primeira resposta a este avanço do agronegócio foi a ampliação das ocupações de terra a partir de meados da década de 1990. Em Minas Gerais esse período foi de grande mobilização dos trabalhadores rurais, posseiros, pequenos agricultores e 339 sem terras, que fizeram ocupações em todo o Estado, com destaque para as regiões do Triângulo Mineiro, Norte e Noroeste (Mapa 02). Os movimentos sociais e sindicais usaram as ocupações de terras devolutas do estado e dos latifúndios como instrumento de luta pela reforma agrária. Porém, a ampliação da hegemonia do projeto neoliberal e do agronegócio no Brasil obrigou que estes movimentos, a partir do final da década de 1990 e início dos anos 2000, revissem a sua estratégia; os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais – STR ampliaram suas bandeiras de lutas para além do acesso aos direitos sociais (trabalhistas e previdenciários), os movimentos sociais de luta por reforma agrária, inclusive o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, incorporaram às suas reivindicações outras agendas, como acesso a crédito, assistência técnica e extensão rural, segurança alimentar, dentre outras. A seção mineira da Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA e Articulação Mineira de Agroecologia – AMA trouxeram para a agenda a agroecologia e os povos e comunidades tradicionais. Estas redes foram fundamentais, por exemplo, nas lutas pela retomada da terra dos povos indígenas de Minas Gerais, como os Maxacali - Vale do Mucuri, que tiveram suas terras retomadas e 340 reconhecidas pela Governo Federal em 1999, os Krenak no Vale do Rio Doce, os Xacriabá no Norte de Minas. Contraditoriamente a escolha do modelo de desenvolvimento pautado no latifúndio, o processo de estabilização da economia favoreceu a emergência de propostas inovadoras de mudança social, entre elas as relacionadas ao desenvolvimento dos espaços rurais. Como consequência desse movimento, o projeto democratizante desconstruiu intelectual e politicamente a concepção de rural como agrícola e de desenvolvimento como modernização, e continua buscando reconstruir, intelectual e politicamente, conteúdos mais adequados para as noções de rural e de desenvolvimento rural. Porém os avanços oriundos desta nova perspectiva, não deram conta de influenciar a diminuição da desigualdade e da concentração de terras em Minas Gerais. A expectativa criada com a Constituição Estadual de 1989, que limitou em 250 hectares a área de regularização fundiária, buscando impedir os arrendamentos de grandes áreas e a concessão de vários títulos a um mesmo beneficiário, surtiu pouco efeito. Além disto, a escolha feita pelos governos foi de priorizar a titulação individual. Em 06 de dezembro de 2001 foi criado, no âmbito do Governo de Estado, o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais – ITER, uma autarquia que tinha como competências a regularização fundiária de terras devolutas e a descriminalização, arrecadação e gestão das terras devolutas e dos arrendamentos. Esta escolha não afeta a estrutura fundiária, pois não retira terras das grandes propriedades para fins de reforma agrária, apenas reconhece aqueles agricultores que já ocupam uma terra e ainda não possuem documentação. Apesar de não ter tido força para alterar a estrutura fundiária e o modelo de produção agrícola, as políticas de desenvolvimento agrário contribuíram para a diminuição da pobreza rural e para a superação da concepção que trata a agricultura familiar e o rural como atraso. A primeira ação que aponta na perspectiva do desenvolvimento agrário é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), instituído pelo governo federal por meio do Decreto nº 1.946, de 28 de junho de 1996, após a mobilização de diferentes organizações coletivas de agricultores(as) que pleiteavam a inserção desta pauta na agenda governamental. O Pronaf estabeleceu as bases para o apoio governamental às atividades produtivas da agricultura familiar e contribuiu para a emergência da agricultura familiar como categoria social e política. Em janeiro de 2000 foi criado o Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA, órgão que tinha como competências a reforma agrária e a promoção sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares. Tanto na reforma agrária como no desenvolvimento da agricultura familiar, foi feita a opção pela escolha da lógica de mercado através da previsão de crédito para aquisição de terras e para a produção. Assim, a partir de 2002 com a eleição do Governo Lula, foi retomada com certa ênfase o debate do planejamento estatal, bem como o processo de descentralização das estruturas de poder do Estado no Brasil. Esse novo contexto sociopolítico foi de suma importância para reabrir, no âmbito do governo federal, o debate sobre a definição de diferentes escalas para o planejamento das suas intervenções, de modo a lhe permitir maior flexibilidade para a territorialização de sua incidência, tendo como principal objetivo apresentar um enfoque multissetorial e integrado para a dinamização de espaços rurais com base em projetos territoriais inovadores. Esta abordagem considera o território, definido com base em múltiplas dimensões, como o espaço de mediação social e de incidência 341 de políticas públicas, portanto, lócus privilegiado para o planejamento estatal. alternativa de desenvolvimento que inclui os camponeses ou a agricultura familiar. Sob o escopo do Programa Fome Zero, foram adotadas novas estratégia de intervenção territorial por meio de políticas públicas captaneadas do Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA e Minisntério do Desenvolvimento Social – MDS, que passam a pensar o desenvolvimento rural não somente a partir da produção agropecuária, mas também considerando a articulação da demanda/oferta de outros serviços públicos tidos como necessários” Em Minas Gerais a agricultura familiar entra na agenda do Governo em 1996, com a criação, através do decreto nº 38.589/1996, do Conselho Estadual do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que tem como atribuição fomentar o programa em Minas. Assim, ampliou as políticas de desenvolvimento rural sustentável. Foram criadas as políticas públicas de mercado institucional (PNAE e PAA), ampliação da Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER, construída uma política de desenvolvimento territorial, dentre outras. Entretanto, o MDA não deu conta de apresentar uma alternativa de desenvolvimento da agricultura familiar que superasse o agronegócio – o crédito para o agronegócio girou em torno de 8 a 10 vezes ao dedicado à agricultura familiar. Além disto, as políticas com maior investimento para agricultura familiar eram de segurança alimentar e nutricional vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Social, o que é fundamental na superação da pobreza, mas não apresenta uma 342 Outro fato importante foi a criação, em 1999, do Conselho de Segurança Alimentar de Minas Gerais – CONSEAMG, que teve papel fundamental na criação do ITER e do Programa de Segurança Alimentar e Nutricional para os Assentamentos de Reforma Agrária (PSA). Em 2001, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável – CDRS, que em 2012 passa a ser chamado de CEDRAF. Paralelo a estes avanços, com a mobilização dos diversos movimentos sociais e sindicais da agricultura familiar a pauta do desenvolvimento agrário começou a entrar na agenda dos Governos do Estado como resultado dos processos de participação popular na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, por meio da Comissão de participação Popular – CPP. Consequência destes processos foi a inserção da agricultura familiar na estrutura orgânica do Estado, em 2006, como Superintendência de Agricultura Familiar vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA. Em 2007, a Superintendência ampliou suas competências absorvendo a agenda da Segurança Alimentar e Nutricional. A partir de 2011 a agenda da agricultura familiar ganha força e se torna Subsecretaria dentro da SEAPA, assumindo as competências do ITER, devido sua extinção. Esse período foi marcado por um avanço dos marcos legais que regulamentam a agricultura familiar em Minas Gerais. Em 2015, com a eleição de Fernando Pimentel, foi criada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário - SEDA. Na política de acesso à terra e regularização fundiária foi retomado o processo de titulação, parado desde 2011, atingindo 1500 títulos até meados de 2017. Nas ações de agricultura familiar, a SEDA tem tentado diminuir os impactos da redução dos recursos para agricultura familiar, consequência da extinção do MDA e desconstrução das políticas da agricultura familiar no âmbito federal. Assim como no âmbito federal, as políticas de desenvolvimento agrário têm contribuído mais para a superação da concepção que trata a agricultura familiar e o rural como atraso, do que para influenciar uma mudança na estrutura fundiária e produtiva na zona rural de Minas Gerais. A Questão Fundiária em Minas O Censo Agropecuário de 2006, apesar de estar defasado, continua sendo a maior e mais recente pesquisa estatística no país com o objetivo de disponibilizar informações globais sobre as atividades agropecuárias. Estes dados, disponibilizados pelo IBGE em 2009, evidenciam a alta desigualdade na distribuição da posse de terra no Brasil. Os estabelecimentos agrícolas com área maior ou igual a 100 hectares representam apenas 9,6% do total de estabelecimentos, e 78,6% do total da área agrícola ocupada. Enquanto aqueles estabelecimentos com área inferior a 10 hectares constituem mais de 50% dos estabelecimentos e ocupam apenas 2,4% da área total. Para entender a situação fundiária é preciso tratar duas perspectivas; a desigualdade e a concentração. A desigualdade fundiária se caracteriza como elevada pelo fato de haver uma grande participação do total da área ocupada por uma pequena parcela dos estabelecimentos, o que fica evidente ao se constatar que no Brasil, 5% dos maiores estabelecimentos atingem 69,3% da área total ocupada. 343 Gráfico 01 Proporção da área total ocupada pelos 50% menores e 5% maiores estabelecimentos na condição de proprietários. Brasil e Minas 1975 a 2006. Fonte: Produção própria. Dados do Censo Agropecuário, IBGE. A disparidade na distribuição da terra é alta no Brasil e em todas as unidades da federação. Além disto, conforme pode se observar no gráfico, a má distribuição da terra apresenta forte estabilidade, mantendo os maiores estabelecimentos (5% >) com aproximadamente 70% e a metade inferior dos estabelecimentos (50% <) com menos de 2,5% desde a década de 1970. A desigualdade fundiária é tão alta que a relação entre a área total ocupada pelo estrato superior varia de 27,5 vezes a 30 vezes durante o período apresentado. A realidade da desigualdade na distribuição das propriedades se aplica a Minas Gerais, porém com uma intensidade menor que 344 a nacional. Na década de 1970 a área ocupada pelos maiores estabelecimentos (5% >) eram de 40,5% da área total e os menores (50% <) de 11,8% da área total. Ou seja, a área que os estabelecimentos menores ocupavam em Minas eram cinco vezes maiores que a nacional. Porém, diferente da estabilidade apresentada no País, Minas teve um processo de avanço da desigualdade que pode ser percebida tanto pela relação entre a área ocupada pelos 5% dos maiores estabelecimentos e os 50% menores estabelecimentos (Gráfico 01), como pela medição do índice de Gini Agropecuário (Tabela 01). Tabela 1: índice de Gini da distribuição da posse da terra. Brasil e Minas Gerais, 1975 a 2006. índice de Gini 1975 1980 1985 1995/1996 2006 Proprietário (Brasil) 0,830 0,835 0,834 0,836 0,849 Total (Brasil) 0,855 0,857 0,858 0,857 0,856 Proprietários (Minas Gerais) 0,751 0,761 0,763 0,763 0,790 Total (Minas Gerais) 0,756 0,768 0,772 0,773 0,795 Fonte: Produção própria. Dados Censo Agropecuário, IBGE. A evolução do índice de Gini no Brasil comprova mais uma vez a forte inércia da desigualdade fundiária a variações decrescentes. No caso de Minas Gerais, o índice indica um significativo avanço desta desigualdade, saindo de 0,756 na década de 70 e atingindo 0,795 nos anos 2000, aproximando o Estado da realidade de má distribuição nacional. Importante levar em conta a diferença entre os indicadores dos proprietários e do total de estabelecimentos. O total inclui, além dos proprietários, os arrendatários, parceiros e ocupantes. Em Minas o crescimento da desigualdade foi similar em ambos os casos. No Brasil a desigualdade ampliou entre os proprietários, mas se manteve quase inerte no total dos estabelecimentos. Porém, quando olhamos outros indicadores como área média e mediana, é possível perceber que mesmo com a diminuição do número da área total e ampliação das áreas ocupadas por latifúndios, eles apontam para uma evolução decrescente. “O crescimento da desigualdade fundiária não deve ser erroneamente interpretado como aumento da ‘concentração’ da posse da terra pelos latifúndios. Se tivesse acontecido apenas o crescimento dos latifúndios, a área média das propriedades deveria aumentar” (Hoffmann e Ney. 2010). A Tabela 2 demonstra que ocorre um processo de diminuição da área média concomitante ao aumento da desigualdade. 345 Tabela 2 : Caracterização dos Estabelecimentos Agropecuários. Minas Gerais, 1975 a 2006. Caracterização Fundiária de Minas 1975 1980 1985 1995/1996 2006 44.623.332 46.362.287 45.836.651 40.811.660 32.647.547 463.515 480.631 551.488 496.677 551.617 área Média (ha) 96,4 96,8 83,4 82,2 60,8 área Mediana (ha) 25,5 24,2 20,0 19,8 12,9 índice de Gini 0,756 0,768 0,772 0,773 0,795 área Total (ha) Estabelecimentos (nº) Fonte: Produção própria. Dados Censo Agropecuário, IBGE. Mesmo com o aumento da desigualdade, a área média das propriedades sofre pressão decrescente pela inserção de camponeses que não possuíam terra. O aumento do número de estabelecimentos tem como prováveis causas as pressões dos movimentos sociais para a realização da reforma agrária e, também, o processo de regularização fundiária que passa a reconhecer Povos e Comunidades Tradicionais e outros camponeses como os proprietários daquelas terras que eles já ocupavam há muito tempo. Os dados mais recentes que podem ajudar a compreender a estrutura fundiária em Minas, mesmo sem ser um cadastro focado na regularização fundiária, é o Cadastro Ambiental Rural - CAR1. Em números gerais foram 1 O Cadastro Ambiental Rural – CAR é um registro eletrônico, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar 346 cadastrados (até meados de 2017) 635.757 estabelecimentos rurais e uma área total de 36.854.640 hectares. Estes números do CAR apontam para a continuação da diminuição da área média, atingindo um valor de aproximadamente 57,8 hectares, porém, com o mesmo padrão de desigualdade e concentração. Ao se analisar a relação entre número de propriedades e área ocupada, as médias e grandes propriedades (com mais de 4 módulos fiscais) atingem uma área média de 466,5 hectares. Enquanto aquelas propriedades abaixo de 4 módulos fiscais, que representam quase 90% dos estabelecimentos rurais e menos as informações ambientais referentes à situação das áreas de Preservação Permanente – APP e das áreas de Reserva Legal e demais áreas de proteção ambiental das propriedades rurais do país. A Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, e o Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, regulamentam o CAR. de 40% da área, possuem em média 26 hectares. A Luta pela Terra em Minas Gerais A estrutura fundiária apresenta um retrato da situação agrária, porém só é possível entender a questão agrária em Minas Gerais a partir do estudo do grau de conflitividade. A questão agrária se manifesta, principalmente, por meio das lutas, das ocupações e dos acampamentos. O conflito no campo se dá pelas grandes desigualdades sociais e econômicas que resiste nos territórios rurais do Estado. Essa desigualdade se inicia na estrutura fundiária e na falta de acesso à terra dos camponeses, sejam eles pequenos agricultores ou povos e comunidades tradicionais, e continua nas demais dimensões do território. O território é o espaço social em que o campesinato reproduz a vida em suas diversas dimensões, sejam elas culturais, econômicas, políticas ou ambientais. Em Minas Gerais a diversidade de biomas – mata atlântica, cerrado, caatinga e as diversas áreas de transição - e as várias formas de ocupação do território, que se deu inicialmente pelo Ciclo do Ouro na região central e avançou com a pecuária oriunda do Nordeste pelo vale do São Francisco, e a ocupação da Zona da Mata e dos Vales pela agropecuária, delimitou realidades territoriais distintas com processos de lutas pela terra variados. Decorre destas situações os diferentes processos de luta pelo acesso à terra. A luta pela terra ocorre a partir da mobilização dos camponeses sem terra, que se organizam através dos diversos movimentos socioterritoriais atuantes em Minas. Se destacam, pelo protagonismo nas manifestações e pelo número de ocupações, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, que de 2000 a 2015 ocupou mais de 230 fazendas mobilizando mais de 25.897 famílias de camponeses. No movimento sindical se destaca a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG que no mesmo período dirigiu 83 ocupações e 5432 famílias de acampados. Com uma atuação mais localizada no Triângulo Mineiro - a mesorregião com a maior conflitividade do estado, seja pelo número de ocupações ou pelo número de famílias acampadas - o Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST é o movimento que tem o segundo maior número de acampados, 6669 famílias. Apesar da importância dessas organizações, a luta pela terra em Minas Gerais é muito maior e mais diversa que estes Movimentos mais conhecidos. Mais de quarenta movimentos participam da construção da reforma agrária no estado. Estes movimentos possuem 347 representantes ligados à igreja católica como a Comissão Pastoral da Terra e Animação Pastoral Rural, os movimentos ligados aos Povos e Comunidades Tradicionais, onde se destacam os indígenas e quilombolas, além das variadas organizações e federações do movimento sindical, que tem na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais - FETAEMG e na Federação da Agricultura Familiar – FETRAF, seus maiores expoentes regionais. Apresentados os sujeitos das lutas, é importante perceber a intensidades e a territorialização das manifestações e das ocupações pela reforma agrária. Segundo o Estado, mais de 430.000 pessoas se organizaram para participar da luta pela terra. Mapa 01 - Manifestações por município de Minas Gerais, 2000-2015. Além da mesorregião2 Metropolitana de Belo Horizonte, que por ser capital administrativa e política, concentra quase 40% das manifestações, se destacam pela frequência das manifestações as mesorregiões do Norte de Minas (144 manifestações), Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba (93 manifestações) e Vale do Rio Doce (61 manifestações). O Vale do Mucuri e do Jequitinhonha também se destacam pelo número de pessoas mobilizadas 26.370 e 37.370, respectivamente. Desde os anos 2000 houve manifestações todos os anos, com um aumento do número de manifestações a partir do ano de 2010. Em 2011 foram mobilizadas mais de 45.000 pessoas, e em 2012 ocorreram mais de 100 manifestações Relatório DATALUTA - Minas Gerais (2015), houve 752 manifestações distribuídas pelas diversas regiões do 348 2 O DATALUTA - MG adota como referência para a divisão territorial da pesquisa as mesorregiões Geográficas elaboradas pelo IBGE (1990). distribuídas por todo território Mineiro. Este período coincide com a diminuição das ações e orçamento para obtenção de terra no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e, também das ações de desenvolvimento agrário do Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA. Gráfico 02 Manifestações em Minas Gerais por ano, 2000 – 2015. Neste mesmo período ocorre, em Minas Gerais, uma paralisação das ações de regularização fundiária que era realizada pelo Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais - ITER/ MG. Após escândalo envolvendo a direção do Órgão, as regularizações que havia atingido seu auge em 2010, com quase 10.000 titulações foram suspensas, o que levou a extinção do órgão em 2013. As manifestações se materializam em marchas, fechamentos de rodovias, ocupações de instituições públicas e privadas, dentre outras formas de luta. Os locais são estrategicamente escolhidos, algumas vezes para dar respostas a pautas específicas dos movimentos, como a liberação de crédito ou da regularização de algum assentamento, outras vezes com o objetivo de dar visibilidade e buscar apoio para suas reivindicações e para a causa da reforma agrária. Desta forma, as manifestações são um instrumento de luta que conjugam a pauta da terra com outras bandeiras pela transformação social e luta pela igualdade. Já a ocupação de terra é a forma em que os movimentos sociais ampliam o enfrentamento com a propriedade privada e materializam a reforma agrária. Através dos acampamentos, os movimentos de luta pela terra ocupam as terras devolutas e improdutivas de particulares e da União. Em Minas Gerais a mesorregião com maior número de ocupações é o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, 349 com 252 ocupações e quase 25.000 famílias acampadas no período de 1990 até 2015. No território se encontra Uberlândia, o município que individualmente tem o maior número de ocupações (58) e famílias o c u p a d a s (8.709). Os municípios de Prata, Santa Vitória e Ituiutaba, que também fazem parte da mesorregião, se destacam pela quantidade de ocupações de terra neste período, todas com mais de 15 ocupações e no mínimo 1.200 famílias acampadas no período. A segunda mesorregião com maior número de ocupações (210) é o Norte de Minas. Apesar de São João da Ponte, Montes Claros, Pirapora e Manga se destacarem por ter mais de 1000 famílias acampadas, no período (1990 a 2015), as ocupações são muito dispersas por toda a região. No Noroeste de Minas, terceira região com maior número de ocupação (114) e famílias acampadas (10.778), três municípios - Unaí, Buritis e Paracatu - representam quase 70% de todas as ocupações. 350 Mapa 02 Ocupações por município de Minas Gerais, 1990 -2015. Alguns municípios de outras mesorregiões se destacam pelo número de famílias que estiveram ou estão acampadas. No Vale do Rio Doce se destacam Frei Inocêncio (2.607), Tumiritinga (1.480) e Periquito (1.120). Na região Sul se destaca Campo do Meio com 11 ocupações e 1.336 famílias acampadas. A distribuição por ano das ocupações em Minas, demonstram que o período de maior mobilização das manifestações não coincide com os mesmos anos em que houve um grande número de ocupações. Enquanto as manifestações começaram a aumentar, principalmente no final da primeira década do século XXI, as ocupações em Minas tiveram maior intensidade a partir de 1998, cedendo após 2007. Gráfico 03 Ocupações (número e famílias) em Minas Gerais por ano, 1990 – 2015. O resultado desta luta é a criação dos assentamentos rurais. Existem várias modalidades como forma de obtenção de assentamentos rurais - como arrecadação, cessão, compra, confisco, desapropriação, discriminação, doação, incorporação, reconhecimento, regularização, transferência e reversão de domínio. Em Minas Gerais, a desapropriação e a regularização fundiária são as principais formas de obtenção de terras para a criação de assentamentos rurais. Os assentamentos rurais representam a criação de territórios - oriundos da organização e luta camponesa e, também, da intervenção do estado onde se viabiliza a recriação do campesinato brasileiro. Campesinato este que é formado, além dos assentados, por povos e comunidades tradicionais e os camponeses que foram definidos em lei como agricultores familiares. Em Minas Gerais, no p e r í o d o de 1986 a 2015, foram criados 414 assentamentos rurais de r e f o r m a a g r á r i a , chegando a capacidade de mais de 25.000 famílias assentadas e 1.054.763 hectares desapropriados. Este número, que parece significativo, passa a ser quantitativamente pouco expressivo quando comparado com o tamanho da agricultura familiar no Estado. No estado existem mais de 430.000 agricultores familiares e quase 33.000.000 hectares, segundo o Censo Agropecuário de 2006. Ou seja, a reforma agrária mineira atingiu apenas 6% dos agricultores e 3% da área. Como foi demonstrado na evolução da estrutura fundiária em Minas, as ações de reforma agrária não deram conta nem de manter a desigualdade nos patamares da década de 1970, pressionada pela ampliação dos latifúndios. 351 Ao observar a localização dos assentamentos obtidos através da desapropriação, é possível perceber que as ocupações e os assentamentos se encontram concentrados nas mesmas mesorregiões. As mesorregiões do Noroeste de Minas, Norte de Minas e Triângulo Mineiro representam 76% dos Projetos de Assentamentos (PA’s) e mais de 85% dos 1.054.763 hectares e a mesma porcentagem da capacidade de famílias assentadas. do estado. é, também, a região com a capacidade de assentar maior número de famílias (próximo de 10.000). Em relação à concentração de projetos de assentamentos por município, se destaca apenas Jaíba, com 13 PA’s. Isto demonstra, mais uma vez, que a luta pela terra tem uma grande abrangência em toda a região geográfica. Mapa 03 Assentamentos por município de Minas Gerais, 1990 -2015. O Noroestes de Minas possui o maior número de PA’s, 118, atingindo um total de 311.654,46 hectares e a capacidade de assentar 6.960 famílias. Se destacam c o m o municípios da região que possuem um grande número de assentamentos: Unaí (26 PA’s), Buritis (24 PA’s), Arinos (17 PA’s), Paracatu (12 PA’s), João Pinheiro (10 PA’s) e Lagoa Grande (7 PA’s). O Norte de Minas é a mesorregião com a maior área desapropriada, com 472.231 hectares, o que representa 45% do total de todos assentamentos 352 O Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, apesar de abrigar a maior parte dos conflitos e ocupações, é a terceira região em termos de números de PA’s (87), área total dos projetos (124.366,56 ha) e capacidade de famílias assentadas (4.636). Se destacam na região os municípios de Uberlândia (14 PA’s), Campina Verde (12 PA’s) e Ituiutaba (6 PA’s). As regiões do Vale do Rio Doce (32 PA’s) e do Jequitinhonha (35 PA’s) representam juntas aproximadamente 10% da área dos assentamentos e 9% das famílias. Ficando as demais regiões do estado com uma pequena parte dos assentamentos rurais, cerca de 5%. Apesar de não ser considerada por parte dos movimentos sociais como reforma agrária, por não contribuir com a transformação do padrão da estrutura fundiária, a regularização fundiária contribui para o reconhecimento dos agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais, em especial os grupos remanescentes de quilombos, que já ocupam um território a décadas (às vezes séculos). Segundo dados da Fundação Palmares, existem 292 comunidades certificadas em Minas, a maioria delas localizadas na região Norte e nos Vales do Jequitinhonha. Este número pode ser muito maior; de acordo com os dados do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES, existem mais de 800 comunidades distribuídas por todo território estadual. pró-indiviso à comunidade. Porém, apenas 13 (aproximadamente 6%) dos pedidos estão com o processo em andamento, atendendo um total de 2.228 famílias e uma área total de 97.132,35 hectares. Destes, 10 estão na primeira etapa que é a realização do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID que visa o levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas, etnográficas e antropológicas obtidas em campo junto às comunidades. Uma comunidade, de Mangueiras em Belo Horizontes, está na segunda etapa que encerra a identificação com a publicação de uma portaria do INCRA reconhecendo os limites do território quilombola. A comunidade de Brejo dos Crioulos, no Norte de Minas, e Marques, no Vale do Mucuri, são as que estão com o processo mais avançado para titulação, já tendo o decreto que desapropria as terras por interesse social publicadas pela presidência da república. A titulação coletiva das comunidades quilombolas é realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA. Em Minas Gerais existem 196 processos abertos para a titulação de territórios quilombolas. Neste caso, o título é coletivo, imprescritível e 353 Tabela 3 : Quadro Geral do Andamento dos Processos de Titulação Coletiva de Territórios Quilombolas em Minas Gerais. Comunidade Município Área Total Brejo dos Crioulos São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia 17.302,61 Machadinho Paracatu 2.217,52 Marques Carlos Chagas e Teófilo Otoni Mangueiras Família Área Média Etapa 387 44,71 Decreto 318 6,97 RTID 250,76 6 41,79 Decreto Belo Horizonte 19,54 35 0,56 Portaria São Domingos Paracatu 665,81 49 13,59 RTID Amaros Paracatu 960,59 171 5,62 RTID Mumbuca Jequitinhonha 8.248,74 88 93,74 RTID Luizes Belo Horizonte 2,2928 30 0,08 RTID Maroba dos Teixeira Almenara 3.075,11 79 38,93 RTID Gurutuba Pai Pedro, Jaiba, Gameleiras e Porteirinha 45.589,21 891 51,17 RTID Lagoa Grande Jenipapo de Minas, Novo Cruzeiro e Araçuaí 4.737,38 29 163,36 RTID Lapinha Matias Cardoso 7.566,16 126 60,05 RTID Sete Ladeiras e Terra Dura São João da Ponte 6.498,92 79 82,26 RTID Fonte: Produção própria. Dados Site do INCRA. Apesar da grande demanda, a tramitação da titulação coletiva tem sido muito morosa, tornando a titulação individual uma alternativa mais ágil para a regularização fundiária - esta alternativa recebe críticas tantos dos movimentos que lutam pela reforma agrária como daqueles que defendem os territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais como um bem coletivo. O Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais – ITER, a partir de 2001, ficou responsável pela regularização 354 fundiária de terras devolutas e, também, com as atribuições relativas à ação discriminatória, arrecadação e gestão das terras devolutas e dos arrendamentos. O ITER foi responsável pela titulação de 31.993 famílias de agricultores no período de 2003 a 2011, atingindo uma média de mais de 3.500 títulos por ano. Estes números foram alcançados devido aos altos índices de titulação alcançados (26.729 em quatro anos) a partir da parceria com Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA em 2008. Gráfico 03 Número de títulos emitidos pelo ITER no período de 2003 a 2011. Fonte: Produção própria. Dados SEDA. Em setembro de 2011 as titulações foram suspensas devido a uma operação da Polícia Federal que apontou irregularidades nos procedimentos de regularização fundiária. A chamada “Operação Grilo”, ocorrida no governo de Antônio Anastasia (PSDB), suspendeu todos os procedimentos que buscam legitimar e regularizar as terras públicas localizadas em São João do Paraíso, Ninheiras, Rio Pardo de Minas, Vargem Grande do Rio Pardo, Indaiabira e Santo Antônio do Retiro, todas no Norte de Minas. A falta de segurança jurídica e administrativa nos procedimentos de regularização realizado pelo ITER culminou na sua extinção em 2013. As titulações foram retomadas com a criação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário - SEDA em 2015, até agosto de 2017 foram emitidos 1500 novos títulos. A l é m d a desapropriação e regularização fundiária, a denominada Reforma Agrária de Mercado - RAM tem um peso importante no território Mineiro. De 1985 a 2015 foram feitos 328 assentamentos de RAM. Este modelo tem uma perspectiva diferente da desapropriação, ela é feita através da compra da terra a partir do crédito subsidiado pelo Banco Mundial. Algumas linhas de crédito foram criadas neste sentido: o Programa Cédula da Terra - PCT, o Banco da Terra - BT, o Crédito Fundiário - CF, que substituiu o banco da terra, e o crédito que financiava o Combate à Pobreza Rural - CPR. Ao acompanhar a distribuição dos assentamentos por período de governo (Gráfico xx), se percebe como a partir do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso a RAM passou a ser uma estratégia importante para a política de reforma agrária, se tornando hegemônica no período. Vale destacar que este foi o período com maior número de assentamentos criados em Minas Gerais, 266 no total. 355 Gráfico 04 Número de assentamentos rurais de reforma agrária e reforma agrária de mercado por período de governo em Minas Gerais, 1985 a 2011. Apesar das expectativas criadas com a vitória de um governo democrático popular em 2002, em nenhum dos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) houve uma política de reforma agrária (seja por desapropriação ou de mercado) que efetivasse e ampliasse essa reforma estrutural. O que houve na verdade foi o retrocesso do número de assentamentos criados. A Reforma Agrária de Mercado, apesar de diminuir o tempo em que as famílias acessam a terra, não é consenso entre os movimentos sociais. Segundo os setores críticos, a RAM reforça a pobreza e a desigualdade no campo. O crédito, mesmo que subsidiado, gera uma dívida para o camponês e vincula sua produção 356 a esta dívida o que inviabiliza a sua autonomia e emancipação. Outro questionamento é que a RAM desarticula os movimentos de luta pela terra. Na metodologia para criação dos assentamentos RAM não ocorre a participação ativa dos agricultores familiares no processo de negociação e implementação dos assentamentos. Desta forma, o protagonismo deixa de ser dos camponeses e passa a ser de uma agente externo, inclusive na criação das associações. Em Minas Gerais, apesar deste modelo aparecer nas regiões onde se destacam os assentamentos feitos a partir da desapropriação: Norte de Minas, Noroeste de Minas e Triângulo Mineiro/Alto Parnaíba e, também, na região do Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri. A RAM tem uma maior presença na Zona da Mata e Sul de Minas (Mapa 04). Ambos os territórios têm uma estrutura fundiária com menor concentração da terra. A organização do espaço rural nestas mesorregiões é essencialmente constituída por propriedades abaixo de quatro módulos fiscais e com menor escassez hídrica, aumentando a possibilidade de produção de alimentos e reprodução da vida pelos agricultores familiares, possibilitando uma resposta ao crédito acessado. Mapa 03 Assentamentos RAM por município de Minas Gerais, 1998 -2009. Em contrapartida, como podemos notar em todas as outras variáveis (manifestações, ocupações e assentamentos) são regiões com menor grau de conflitividade. Como consequência, com menor atuação dos movimentos sociais de luta pela terra. 357 Referências: ANSANI, C. V.; CORREA Luís Ricardo S.; FERNANDES, Sandra O.; GUTIERREZ, Deliene F.; PINHEIRO, Leonel O.; FÁVERO, C. O programa de desenvolvimento territorial no Vale do Mucuri – MG. In: 5 ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS, 2012, Belém. Anais Belém, 2012 v. GT9. p. 1-15. AS-PTA . Revista Agriculturas: experiências em agroecologia. 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Desde que chamou a atenção da Coroa portuguesa, no final do século XVII, quando minas de ouro foram encontradas pela primeira vez no que viria a ser Minas Gerais, o estado se tornou uma fonte de recursos naturais não só para o Brasil, mas para o mundo: o Quadrilátero Ferrífero, área na região central, é uma das maiores jazidas de minério de ferro do planeta, e coloca o estado na lista dos mais importantes exportadores do mineral; os rios que o cruzam fornecem água e, através de usinas hidrelétricas como a de Furnas, energia para os núcleos urbanos que pontilham, em números cada vez maiores, o território. As Minas, com todas as suas cores, sempre se despontaram pelas suas possibilidades e riquezas. Se uma linha reta fosse traçada no mapa de Minas Gerais, de Montalvânia, no norte, a Cambuí, no extremo sul do estado, ela passaria pelas três diferentes configurações vegetais, climáticas e morfológicas que compõem, de forma geral, 363 a paisagem mineira. Mas mapas representam parte de um todo muito maior, e essa linha cruzaria regiões, cidades, matas, rios, parques, fazendas, serras e campos que constroem, juntos, os muitos caminhos que percorrem as Minas. Dos morros ainda cobertos pelos remanescentes da Mata Atlântica, outrora uma das coberturas vegetais mais ricas e extensas do país, às veredas da bacia do São Francisco; dos campos de altitude que encobrem a Serra do Espinhaço às nascentes que brotam na serra do Gandarela: Minas Gerais é diversa em sua fauna, flora, geologia e hidrografia, mas não se pode esquecer dos outros elementos, estes antrópicos, ou seja, originados pela ação humana, que participam da formação das paisagens e da história do estado. Não há cenário intocado pelo homem, não há um canto inalterado mesmo com as práticas extrativistas, as cidades erguidas e expandidas, as rodovias, pontes e ferrovias construídas. O meio ambiente mineiro tem sua história, e as marcas e consequências dos séculos de interação com a atividade humana ajudam a retraçar os caminhos percorridos. Rios, como o São Francisco, o rio Doce, o Jequitinhonha e o rio Grande, e serras como a do Espinhaço, da Canastra e da Mantiqueira, para citar apenas alguns nomes, são carregados de importância simbólica para o povo mineiro. Longe de ser apenas um, e 364 tão diverso em suas manifestações culturais e personalidades quanto a terra em que vive, o mineiro tem sua história inegavelmente ligada aos contornos e meandros da paisagem que o cerca, mas na qual ele também exerce sua influência. Os rios e os picos de Minas exerceram papel fundamental na ocupação do território, a partir das bandeiras vindas de São Paulo em busca de ouro e para aprisionar indígenas, ao se tornarem referências de localização e demarcação de fronteiras para os exploradores paulistas, além de servirem como porta de entrada no estado. E, desde então, participaram dos muitos ciclos econômicos e de desenvolvimento, seja como fornecedores de recursos, seja como caminhos para se chegar em algum outro lugar. Ainda que alterados, as serras e os cursos d’água mantêm sua posição de destaque nas referências simbólicas da cultura e da história mineiras. A relação entre o mineiro e Minas Gerais – o homem e o meio em que vive, no qual ele se constrói ao mesmo tempo em que modifica e forma paisagens –, que se atualiza e refaz constantemente, passa por um contexto contemporâneo conflituoso, mas certamente decisivo para o futuro do estado. Negociam-se os projetos de desenvolvimento econômico em meio às preocupações com a preservação do meio ambiente, às políticas ambientais estaduais e aos esforços de contenção dos riscos à sobrevivência de espécies vegetais e animais ameaçadas pela ação humana, assim como à busca por alternativas para os recursos finitos disponíveis e explorados atualmente. Afinal, as ameaças ao meio ambiente refletem, indiscutivelmente, na qualidade de vida humana e em sua própria sobrevivência, de forma que o aumento dos riscos ambientais cria ainda mais desafios à formulação de soluções para os diversos problemas provenientes da ocupação antrópica. Os impactos são socioambientais pois neles convergem as consequências do crescimento das sociedades em um ambiente que, para possibilitar essa expansão, teve de ser profundamente remodelado – e continua a ser constantemente explorado. Em Minas, a questão ambiental perpassa não só as muitas especificidades do espaço físico e geográfico, como também as características e dinâmicas da interação entre homem e meio ambiente. Mais do que definir focos de atividades econômicas, o território mineiro traz consigo elementos fundamentais para a permanência da sociedade que nele se estabeleceu, cresceu e prosperou; embora seja igualmente fonte e fruto de conflitos ambientais, de cunho social e político. O conceito de natureza e do valor dos recursos naturais disponíveis em Minas Gerais se transformou desde a chegada dos primeiros bandeirantes, enquanto o Brasil ainda era uma colônia subordinada aos mandos e desmandos de Portugal. E, juntamente com a evolução da ideia, mudaram-se as paisagens e o cenário, ainda que sejam mantidas algumas características essenciais da composição ambiental do estado. Pinta-se o complexo quadro das paisagens mineiras com muitas camadas, interpostas e dinâmicas, e cores mil. 1. Quem te viu, quem te vê: as paisagens mineiras e seus processos de transformação O poeta Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira, já dizia que “Ninguém sabe Minas”, exceto os próprios mineiros. E, se o objetivo for conhecer mais sobre as paisagens enraizadas na imaginação de um país, antes começar pelas suas manifestações mais físicas e as primeiras a tomarem forma ao se observar as Minas profundas que, segundo Drummond, o mineiro não revela nem a si mesmo. Em seus mais de 580 mil quilômetros quadrados de extensão territorial, relevos montanhosos encobertos por matas cercam rios e afluentes – mas também cidades e vilas. Estradas cortam o estado em todas as direções, conectando centros urbanos e localidades rurais, abrindo 365 o caminho para o restante do país e transportando, seja nas rodovias, seja pelas ferrovias, o que é produzido nessa terra. Dos três principais biomas de Minas Gerais, isto é, as categorias de unidades biológicas agrupadas de acordo com características e formações vegetais, climáticas, topográficas e de solo comuns, dois são considerados hotspots mundiais: regiões com incomparável biodiversidade, mas amplamente ameaçadas e sob riscos tão grandes quanto a riqueza de espécies de fauna e flora. Ademais, Minas concentra bacias hidrográficas com ampla participação no abastecimento nacional ao exercerem relevante papel socioeconômico e ecológico. O quarto maior estado do Brasil não tem mar e está a meio continente de distância da Floresta Amazônica – mas isso não significa que sua biodiversidade seja menor ou menos importante em um contexto internacional do que a de outras unidades da federação. Localizada na região Sudeste do Brasil, Minas Gerais faz fronteira com outros seis estados: a leste, do outro lado da Serra da Mantiqueira, estão Espírito Santo e Rio de Janeiro; Bahia ao norte, depois do vale do rio Jequitinhonha e do médio São Francisco; São Paulo ao sudoeste, atravessando o rio Grande; e a oeste, por fim, Goiás e Mato Grosso do Sul. Com seu território recoberto, ao menos originalmente, pela Mata Atlântica, pelo Cerrado e 366 pela Caatinga, Minas Gerais possui um imponente leque de espécies endêmicas, tanto em sua fauna quanto na flora, que estimulam a criação de áreas de preservação e proteção reguladas por instâncias administrativas em níveis municipal, estadual e federal. Contudo, as pressões realizadas pelo desejo de expansão de determinadas atividades econômicas, sejam extrativas ou de cultivo, limitam as estratégias para assegurar a manutenção a longo prazo dos recursos naturais. Formando um arco que cobre o leste e o sudeste do estado com suas matas densas, compostas por árvores de folhas largas e perenes, a Mata Atlântica já ocupou quase metade do território mineiro. Sua vegetação heterogênea abriga uma diversidade biológica de enorme valor: 27% do total de espécies de plantas do planeta podem ser encontradas nesse bioma, sendo 8 mil endêmicas, isto é, só existem na região. E, dos mamíferos registrados no estado, um terço é exclusivo da Mata Atlântica – como o muriquido-norte, o maior primata das Américas e integrante da lista de mais ameaçados mundialmente. A Mata Atlântica pertence ao Domínio dos Mares de Morros, domínio morfoclimático que abrange, em Minas Gerais, as serras da Mantiqueira, Canastra, Espinhaço e do Caparaó. Esse relevo acidentado ganhou tal nome devido aos seus morros arredondados, os quais parecem desenhar ondas no horizonte e que também recebem a alcunha de “meias-laranjas”. Abastecida por algumas das maiores redes fluviais do estado, como as encabeçadas pelos rios Doce, Mucuri e Grande, a Mata Atlântica deve sua exuberância, em parte, ao regime estável e bem distribuído de chuvas. A abundância hídrica, além de atrair a presença humana, contribui para a impressionante biodiversidade do bioma. A região é também uma das mais devastadas desde o período colonial, devido aos processos de conversão das matas em áreas produtivas, e atualmente apresenta altos níveis de degradação, sobretudo no solo, já muito erodido e exposto. Isso se deve, em parte, à intensa urbanização da área inicialmente ocupada por essa formação vegetal, já que aproximadamente 15 milhões de mineiros habitam a região de ocorrência da Mata Atlântica, distribuídos em mais de 600 municípios que utilizam os recursos hídricos e geológicos ao seu redor. Afinal, um dos fatores que mais contribuíram para o desmatamento e a degradação do bioma é a área de ocorrência deste, em uma região que é polo industrial e do agronegócio. Em Minas Gerais, remanescentes da Mata Atlântica variam entre 10 a 26,9% da cobertura original, sendo que menos de 2% estão em áreas de proteção integral, regulamentadas pelo governo. A fragmentação e o isolamento dos hábitats, nessas circunstâncias, aceleram a redução da biodiversidade do bioma e aumentam a necessidade de urgência para a criação de políticas de preservação. O estado conta com a presença de espécies como o tatu peludo, a jaguatirica, a capivara e o gavião de penacho – dos mamíferos, entre as 270 espécies do bioma no território nacional, 70% estão em Minas Gerais; e das aves, 785 espécies dentre as 1023 registradas no Brasil podem ser encontradas no estado, sendo 54 endêmicas. No extenso catálogo de espécies vegetais, muitas produzem frutos típicos da região que fazem parte do cardápio local, como a jabuticabeira, a goiabeira e a pitangueira. Bromélias, samambaias e orquídeas dividem o espaço com árvores de maior porte, como uvaia, ipê, jatobá, araçá, jacarandá e pau-brasil – que, graças ao seu altíssimo valor comercial para a construção de móveis finos e a extração de uma resina usada como corante de tecidos, foi o primeiro alvo dos colonizadores ao aportarem nas terras brasileiras e iniciarem o desmate da Mata Atlântica. No alto das serras que cercam a Mata Atlântica, principalmente as do Espinhaço e da Mantiqueira – na porção a nordeste e ao sul de 367 Minas Gerais, respectivamente – um bioma menor, caracterizado por uma formação especializada e que, muitas vezes, é considerado um ecossistema do cerrado: os campos rupestres ou de altitude, cuja diferença é baseada em condições topográficas e na distância relativa ao oceano. Constituídos por uma vegetação de menor porte, os campos são predominantemente herbáceos, compostos por plantas rasteiras, ervas e capins e com poucas árvores e arbustos, mas que possuem alto grau de endemismo, ou seja, espécies nativas e específicas de determinada região. Frágil, o ecossistema ocorre em altitudes geralmente superiores a 900 metros e em solos ácidos, finos e pobres em nutrientes. Como em tantos outros ecossistemas e biomas, as maiores ameaças aos campos rupestres estão na mineração, na pecuária e no extrativismo vegetal não controlado, além das consequências decorrentes da contaminação dos lençóis freáticos, das alterações na qualidade do ar e da aceleração da erosão. Atravessando a Serra do Espinhaço, que corta o estado da divisa com a Bahia até a região central, onde se localiza a capital, Belo Horizonte, a Mata Atlântica se transforma, aos poucos, no segundo maior bioma da América do Sul e o mais extenso de Minas Gerais. O cerrado, internacionalmente conhecido como 368 a mais rica savana do mundo, está especialmente presente ao redor das bacias dos rios São Francisco e Jequitinhonha e, juntamente com a Mata Atlântica, é um dos hotspots que requerem atenção. Suas cifras de biodiversidade, extensão e endemismo são tão impressionantes quanto os dados referentes à devastação da vegetação nativa. Se cerca de 57% de Minas Gerais era ocupada pelo cerrado, atualmente restam menos de 40% da cobertura original, devido aos efeitos da expansão, em grande escala, da agropecuária. O segundo maior rebanho do Brasil, afinal, precisava de espaço para crescer, e a solução encontrada, sobretudo no Triângulo Mineiro, foi a implantação de pastagens com gramíneas exóticas, isto é, espécies introduzidas em um ecossistema do qual ela originalmente não fazia parte, instaurando um processo de invasão biológica que ameaça diretamente a biodiversidade de um ecossistema. A imagem é de campos pouco acidentados cobertos por gramíneas, arbustos e árvores baixas, mas de raízes profundas, e de tronco retorcido, bastante espaçadas entre si, sobre um solo de cor avermelhada. E é o solo, ao lado do bem definido regime de chuvas, com uma estação seca seguida de uma chuvosa, quem contribui para essa formação vegetal bastante específica. A acidez dos solos, devido à alta concentração de alumínio em sua composição, além de elevados níveis de ferro e manganês, os torna tóxicos para diversas espécies vegetais, sobretudo as utilizadas na agricultura. Entretanto, tecnologias de correção, como a aplicação de calcário para neutralizar a acidez e a adubação, permitiram que o solo impróprio para plantio se convertesse em uma das regiões mais produtivas no âmbito agropecuário, tanto na cultura de grão e árvores frutíferas quanto para a criação de rebanhos. Diversas formações vegetais tecem, juntas, as paisagens do cerrado em sua forma nativa. Campos limpos, cerrados e sujos se alternam, com diferenças na predominância de gramíneas e na presença de árvores, e, em áreas específicas, dão lugar a fisionomias características, como é o caso das veredas, das matas de galeria e do cerradão. Este último é uma formação marcada pela existência dos três estratos vegetais – vegetação rasteira, arbustos e árvores menores, e árvores que podem atingir 12 metros de altura –, enquanto as veredas ocorrem em locais onde o lençol freático aflora à superfície, possibilitando o crescimento de espécies próprias. No cerrado, as veredas são especialmente valorizadas graças à presença dos buritis, palmeira aproveitada quase que integralmente pelas populações rurais no artesanato, na culinária e para a obtenção de madeira. Já as matas de galeria, comumente encontradas em vales ou nas cabeceiras de rios, acompanham os cursos d’água, sobretudo os de pequeno porte, nos planaltos do Brasil central. Essas faixas se diferenciam de seus arredores por serem formadas por árvores de maior porte, enquanto a vegetação circundante é de campos ou savanas de gramíneas e arbustos. O cerrado traz numerosos exemplos de como a população se constrói juntamente com o meio ambiente. Além do buriti e seu valor para as comunidades próximas de veredas, outras árvores exercem papel fundamental na economia regional enquanto fontes de renda para moradores, como o pequi, cujos frutos integram a dieta dos habitantes do norte de Minas; a copaíba, cujo óleo possui diversas aplicações; a candeia, de onde se retira madeira para a fabricação de cercas, telhados e coberturas, e folhas com usos medicinais; e a fava d’anta, da qual se extrai a rutina, substância largamente empregada na área farmacêutica. As próprias veredas são elementos indissociáveis do imaginário cultural mineiro, tendo figurado como parte da paisagem do sertão em uma das obras primordiais da literatura brasileira – Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa. 369 Se o cerrado é composto por diferentes formações vegetais, ele é habitado por espécies animais adaptadas às especificidades de cada uma. Da copa das árvores mais altas, onde predominam primatas como o macaco-prego e o bugio, aos campos mais abertos, que favorecem herbívoros como o veadocampeiro, carnívoros como o loboguará e aves de maior porte, como a ema e a seriema, o bioma é povoado em todos os seus estratos, cantos e pedaços por exemplares únicos de uma fauna e flora excepcionalmente ricos. A expansão da fronteira agrícola, que coloca em risco a diversidade de espécies vegetais, tão importantes para a organização socioeconômica e cultural das comunidades sertanejas de Minas, é também uma ameaça para a fauna do bioma. É o desmatamento da cobertura nativa o principal responsável pela perda de hábitats a redução das populações silvestres, sob variados pretextos e com inúmeras consequências. A demanda por carvão vegetal para o abastecimento da indústria siderúrgica e a utilização do solo por suas características propícias à agricultura monocultora e à pecuária extensiva se combinam à intensificação das queimadas, já recorrentes no ecossistema, realizadas deliberadamente para a retirada da cobertura vegetal nativa antes do plantio e da formação de 370 pastagens; à poluição e redução de aquíferos, as formações geológicas subterrâneas que armazenam água, cruciais para a sobrevivência das espécies vegetais e animais; e ao assoreamento das áreas de vereda para acentuar a degradação do cerrado. Em contraste às muitas paisagens florestais presentes em todo o Brasil, o cerrado é erroneamente considerado um sertão pobre, quase desértico – e que, em Minas Gerais, se estende ao domínio da caatinga, no extremo norte do estado, entre os vales dos rios Jequitinhonha e São Francisco. A imagem do sertão mineiro data das primeiras entradas de bandeirantes, quando o interior era visto como o lugar bravio, bárbaro e desconhecido a ser civilizado. Com o passar dos séculos, o sertão se tornou o oposto da modernidade e do progresso, atraindo o interesse de políticas desenvolvimentistas que costumam negligenciar a identidade cultural, histórica e ambiental da região que se formou como fronteira que recua e se desloca com os esforços de urbanização. E o sertanejo, que se organiza principalmente em comunidades rurais, se constrói de forma independente dos núcleos urbanos do leste e do centro, após ter atravessado os ciclos econômicos e de desenvolvimento com pouco contato em relação ao restante do estado. O cerrado ocupa a parte mais expressiva do que se conhece como sertão mineiro, mas a pequena porção de caatinga, cuja área não chega a 2% do território do estado, possui brilho próprio. Os espinhos e os galhos secos da caatinga são marcas de uma região onde os recursos hídricos são escassos, o que influencia a ocorrência de uma vegetação predominantemente arbustiva, com raras manifestações arbóreas. Por estar localizada no Polígono das Secas, região de elevado índice de deficiência hídrica, a caatinga permanece associada a um cenário de extrema desigualdade social, que reforça a carga negativa vinculada ao sertão – inóspito, isolado, esquecido. Entre os três grandes biomas presentes em Minas Gerais, a caatinga é a que possui a maior área protegida em unidades de preservação integral. Ironicamente, é o ecossistema que possui o menor repertório de conhecimento técnico e de registros acerca de suas formações vegetais e espécies animais. Sua biodiversidade não foi estudada e analisada a fundo, o conhecimento científico construído é incompleto, mas sua cobertura nativa continua a ser devastada para a transformação em pastagens, queimada como preparação do solo para usos agrícolas, e desmatada para satisfazer as demandas de carvão vegetal. Embarés, mandacaru, pau-ferro e angicos são espécies arbóreas comuns; preá, cutia e a ave asa-branca estão entre os animais que ocupam esse lado do sertão. Na transição entre os três principais biomas, estendida sobre o maciço central do estado, está a Serra do Espinhaço: a espinha dorsal das Minas, que em seus mais de mil quilômetros de extensão guarda exemplos da pluralidade das paisagens mineiras. Denominada de “cordilheira brasileira” e formada por dobramentos geológicos acontecidos há mais de 2,5 bilhões de anos, o Espinhaço reúne serras, cachoeiras, rios, lagos, chapadas e cânions que abrigam alta biodiversidade e elevado endemismo. Dessa paisagem montanhosa, referência histórica, cultural e ecológica para mineiros e forasteiros, começou a ocupação mais definitiva do território, principalmente depois da descoberta do ouro. Hoje, a serra atrai pela bela cenografia, que chama a atenção de turistas ao prometer experiências de convívio próximo com a flora, a fauna e os personagens da região. O estado montanhês, a “Suíça brasileira”, como chamou Guimarães Rosa, tem mais do que montanhas, morros e serras. Embora essas formações geológicas sejam os elementos mais imediatamente reconhecíveis das paisagens mineiras, Minas vai além delas. Os rios, ribeirões e nascentes que conectam o estado 371 a outras partes do país demarcam fronteiras e são ecossistemas ricos em biodiversidade. Mas rio, serra e mata não estão separados entre si e tampouco existem isoladamente: constroem ecossistemas únicos, povoados por espécies variadas (em alguns casos, exclusivas de suas regiões), e caracterizados por uma relação dinâmica de recursos e caminhos. Pode ser que ninguém saiba Minas. Mas é certo que ela está aí para ser (re)descoberta. 2. O que vem de Minas e o que dela fizemos: exploração dos recursos naturais e impactos no meio ambiente As Minas são Gerais porque, depois de um surto de exploração mineradora que fez história, um território que, até o final do século XVII, não passava da promessa de riquezas para a Coroa portuguesa, se transformou em uma capitania que brilhava dourado. E, com a bonança da corrida do ouro, iniciou-se um longo processo de ocupação, exploração e aproveitamento do território mineiro, que apresentava novas possibilidades de enriquecimento e desenvolvimento a cada nova região “descoberta”. Mais do que encontrar e garimpar as jazidas do metal precioso ao longo da cadeia do Espinhaço, entre as bacias do rio 372 Doce, a leste, e do São Francisco, a oeste, os que chegavam às Minas se estabeleceram também em atividades econômicas secundárias, como a agropecuária, o comércio e a prestação de serviços nas vilas e arraias que surgiam. No entanto, a mineração se consagrou como o empreendimento de destaque da história mineira, um dos maiores responsáveis pela fixação de uma população significativa no estado e referência cultural. O garimpo do ouro durante o século XVIII, porém, deixou marcas profundas não só na paisagem cultural, mas provocou impactos inegáveis na conformação atual da superfície e da geografia mineiras. Se quem viajava pela Minas setecentista se surpreendia com a terra esburacada, os morros destruídos e a água suja dos ribeirões, estudos comprovam que a mineração acelerou processos naturais de modificação da paisagem, na qual o extrativismo mineral reduziu o nível de lençóis freáticos, contaminou cursos d’água e removeu grandes quantidades de solo das serras – o que se deve às técnicas utilizadas tanto pelos garimpeiros independentes em suas empreitadas quanto na mineração de profundidade, realizada por escravos. Da bateia que separava o ouro de aluvião da areia do leito dos rios aos canais cavados para decantar o cascalho aurífero, além dos túneis perfurados na rocha que provocavam desabamentos frequentes, os mineradores desenvolviam práticas que os permitiam explorar, da forma mais eficiente possível, as jazidas de ouro que garantiriam seu enriquecimento. Consolidada a ocupação de Minas Gerais, vieram outras atividades econômicas e a expansão urbana, as quais modificaram a paisagem, também de maneira intensa. Nas regiões de cerrado, por exemplo, a pecuária se estabeleceu como prática eficaz para assegurar a fixação de populações e comunidades, sobretudo ao longo de grandes rios e seus afluentes, como o São Francisco. Já no século XXI, Minas possui o segundo maior rebanho bovino do Brasil – 22,2 milhões de cabeças de gado, segundo o censo agropecuário de 2006 – e pastagens que são uma das principais causadoras da perda de hábitats no estado. O uso de queimadas é uma estratégia comum para preparar o terreno para a plantação de espécies de capins que, não raro, são exóticas aos ecossistemas mineiros devasta a cobertura vegetal e prejudica a qualidade do solo. Assim como a pecuária, o agronegócio possui participação expressiva no cenário econômico e produtivo mineiro, mas convive com lavouras familiares voltadas para a subsistência. Logo, técnicas de manejo e plantio variam entre as áreas de cultivo, influenciadas pelas características climáticas e dos terrenos, enquanto a própria produção se diversifica em diferentes regiões do estado: monoculturas de soja e milho concentradas principalmente no Triângulo e no Alto Paranaíba contrastam com agricultura familiar e de subsistência em pequenas propriedades, que dão preferência ao plantio de grãos como arroz, feijão e trigo. Contudo, propriedades de menor porte nem sempre se limitam a produções restritas ao consumo próprio, como ocorre no centro-oeste, sul e noroeste. O regime de chuvas, as condições do relevo e o perfil dos solos ditam o tipo de lavoura a ser praticada e os investimentos a serem realizados para viabilizar a agricultura. Os solos menos nutritivos da região central, associados ao relevo acidentado, restringem a produção agrícola para lavouras de subsistência no que é o maior mercado consumidor de produtos agropecuários. Já no Triângulo, tecnologias de correção de solo e o emprego de maquinário pesado tornam o cerrado uma das principais áreas de extensas monoculturas direcionadas para a exportação – soja, milho, laranja e cana-de-açúcar são os produtos de maior destaque dentre as propriedades da região. No centro-oeste, o tino comercial é forte nas lavouras de pequeno e médio porte, cujas produções de milho 373 e cana-de-açúcar são a terceira e a segunda maiores do estado, respectivamente. E, em oposição até mesmo aos menores cultivos familiares, o Jequitinhonha entra na lista como a região agropecuária menos desenvolvida de Minas, marcado pelo solo empobrecido, pela ameaça de desertificação acelerada por práticas rudimentares e pelos elevados índices de miséria e analfabetismo. A maioria dessas práticas agrícolas, entretanto, se reúnem sob um mesmo aspecto. Todas causam extensivos impactos nos ecossistemas em que são realizadas, devido a técnicas e práticas de preparação para o cultivo e nas lavouras. Além da questão do desmatamento, em que grandes áreas de cobertura vegetal são retiradas para a implantação de lavouras e pastagens, o uso de produtos agroquímicos que contaminam solo, aquíferos e rios ao serem removidos pelas chuvas, e plantios realizados em áreas que desconsideram as limitações e especificidades das formações geológicas locais desencadeiam processos de assoreamento de cursos d’água, através do transporte de sedimentos para rios, como os das bacias do São Francisco, Doce e Grande, e de erosão dos solos. Pastos degradados, solos revirados e expostos e rios turvos são cenários comuns em todo o território mineiro. 374 Mas a produção agropecuária não pode parar, às custas de prejudicar a exportação de insumos agrícolas e o abastecimento de mercados consumidores urbanos em Minas Gerais e em outras regiões do Brasil. E as cidades não só absorvem recursos naturais e produtos provenientes das atividades agropecuária e extrativista. Verdadeiros metabolismos, tudo o que entra também sai – na forma de resíduos, efluentes domésticos, industriais e comerciais, e dejetos. Quem reside em núcleos urbanos convive com espécimes de fauna e flora típicos de cidades, precisa lidar com o lixo que produz, pode estar rodeado por áreas ditas verdes ou com maior concentração de árvores e vida animal, ou, ainda, próximo a rios e cursos d’água. A cidade é uma paisagem em si, embora faça igualmente parte de uma composição mais ampla, e se insere no ambiente como serras ou matas – certamente, não da mesma forma, mas capaz de exercer influência até mais impactante nas dinâmicas ecológicas. O intenso e desordenado processo de urbanização em Minas Gerais, assim como em diversas outras regiões do país, é refletido nas consequências ambientais que comprometem a qualidade de vida dos habitantes e fortalecem os riscos aos ecossistemas próximos. Falar dos impactos urbanos à sociedade e ao meio ambiente e à crise ambiental experienciada pelas metrópoles brasileiras requer menção ao contexto de degradação impulsionado pelo desenvolvimento urbano. Desde a implantação da cidade aos momentos de crescimento e exp a nsão, do transporte urbano à indústria pesada, causas e consequências tornam o desafio de estabelecer práticas ecologicamente corretas e de menor impacto ainda maior. O desmatamento e a destruição da cobertura vegetal nativa e o uso da rede hídrica acarretam a redução de áreas verdes, o aumento da ocorrência de enchentes e do risco de desabamentos, graças ao exagero da capacidade de impermeabilização do solo; o desaparecimento de recursos hídricos, como nascentes, veredas e lagoas, bem como a redução de lençóis freáticos; a poluição e a contaminação dos mananciais de água e rios dentro e fora das cidades; a contaminação do ar, por meio da emissão de gases como o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos e partículas sólidos em suspensão, podendo alterar condições de saúde crônica e aumentar a incidência de doenças respiratórias como bronquite, rinite, pneumonia, asma, DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) e câncer de pulmão, além de provocar irritações nos olhos, garganta e nariz; e a poluição do solo, através de dejetos tóxicos, resíduos sólidos e lixo não tratado despejados em locais inadequados são algumas das situações complexas existentes nos núcleos urbanos contemporâneos. Cidades alteram condições e sistemas topográficos, hidrográficos, atmosféricos e biológicos, e os efeitos danosos ao meio ambiente físico, como a perda de hábitats e a degradação de ecossistemas, reduzem populações silvestres, mas também humanas. A queda na qualidade de vida em cidades com altos índices de poluição, seja da água, do solo ou do ar, interfere na saúde de seus habitantes, provocando doenças respiratórias, aumento de mortalidade e, em locais onde a rede de esgoto e de tratamento de água não funciona adequadamente, doenças infecciosas. Nas paisagens urbanas, estão incluídos os parques industriais, que contribuem para a exaustão dos recursos vegetais, hídricos e minerais através de sua elevada demanda. A atividade industrial preenche uma fatia significativa do PIB de Minas Gerais, o terceiro em valor do país, e respondeu por 43%, ou US$ 9,5 milhões, das exportações do estado no ano de 2016 – cujo setor mais importante, nesse quesito, é o de extração de minerais metálicos. Diversa, a composição industrial mineira, de extração e transformação, engloba, em primeiro lugar, a construção, seguida de mineração, 375 metalurgia e alimentos, mas que conta também com automação, químicos, maquinário, vestuário e, dentre outros, celulose e papel. Todos esses setores, contribuintes fundamentais para o crescimento econômico do estado, estabelecem uma relação prejudicial com o meio ambiente. Poucas são as práticas e normas de regulação que neutralizam os impactos derivados da captação de recursos e da poluição e contaminação dos ecossistemas. Os rios são vistos como canais de transporte e descarte de esgotos e dejetos; as reservas minerais, metálicos ou não, estimulam a exploração em grande escala; e áreas de cobertura vegetal nativa são reflorestadas com espécies exóticas, como o eucalipto e o pinus, usadas na produção de lenha, celulose e de carvão vegetal para abastecer o parque siderúrgico. A questão do eucalipto e do pinus é especialmente delicada: a monocultura em larga escala dessas espécies avança sobre áreas originalmente ocupadas por biomas nativos, reduz a biodiversidade local, interfere negativamente no nível dos lençóis freáticos e desgasta o solo. O eucalipto, originário da Austrália, é amplamente utilizado em estratégias de reflorestamento, e Minas Gerais é o estado com as maiores florestas desse tipo – aproximadamente um milhão de hectares. 376 O principal argumento dos defensores do uso do eucalipto para o reflorestamento está no fato de que uma floresta composta por essa espécie tem a capacidade para absorver e fixar cerca de oito toneladas de carbono por hectare ao ano. Ademais, o setor florestal contribui para a geração de empregos e rende uma parcela considerável do PIB estadual. Contudo, a monocultura de eucalipto é preocupante devido às características da árvore e sua presença em um hábitat tão distinto do original. O eucalipto cresce rapidamente, um benefício para cultivadores, mas consome mais água do que espécies endêmicas e locais, aspecto esse que conduz à degradação de fontes hídricas graças à diminuição do fluxo de água. Uma única espécie em extensas florestas significa uma menor diversidade de fauna e flora, e mais: o solo fica mais propenso à erosão em consequência do maior escoamento de água, que não é devidamente absorvida pelas árvores. Em seu estágio final, esse processo acarreta a desertificação de áreas do cerrado e da caatinga, principalmente. Além dos problemas ambientais, áreas de reflorestamento com eucalipto invadem territórios inicialmente ocupados por comunidades locais, ocasionando impactos de ordem social, como ocorre em Canabrava, no noroeste mineiro. Conflitos entre moradores da região e a empresa V&M, que atua no local, suscitados pelo desmatamento do cerrado nativo e a redução do acesso dos habitantes aos recursos naturais, culminou na morte de um lavrador por seguranças terceirizados em 2007. A monocultura elimina a biodiversidade que fazia parte do cotidiano e da obtenção de renda de populações interioranas, dependentes de espécimes do cerrado para o aproveitamento da lenha e a coleta de frutos. Simultaneamente, o desgaste dos recursos hídricos interfere nas dinâmicas de produção agrícola e criação de animais nas pequenas propriedades. No Vale do Jequitinhonha, políticas governamentais de incentivo à cultura de eucalipto até meados da década de 1990 depredaram a vegetação nativa, aceleraram a desertificação, empobreceram o solo e reduziram as áreas agricultáveis. Justamente na região mineira que mais sofre com altos índices de desigualdade social e de renda, e onde os níveis de analfabetismo, mortalidade e desnutrição estão entre os maiores do estado, o cultivo de eucalipto em larga escala origina questões socioeconômicas vinculadas à oferta limitada de emprego, à carência de investimentos na área e à redução da oferta de recursos naturais para uso das populações locais. Banhada por importantes bacias hidrográficas, Minas possui represas e barragens de grande porte, além de viabilizar a instalação de usinas hidrelétricas em alguns dos principais rios. Embora a construção de usinas dessa natureza seja uma forte responsável pela perda de hábitats e áreas naturais, por meio da inundação de terras produtivas e da cobertura vegetal, o potencial elétrico produzido no estado e transmitido para várias regiões brasileiras se mantém como obstáculo à transição para fontes energéticas renováveis e menos prejudiciais ao ambiente. A Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig), importante concessionária de energia e que responde pela maior parte do abastecimento do estado, opera, no total, 110 usinas, sendo 84 hidrelétricas. Suas três maiores hidrelétricas são as de São Simão e Emborcação, no Parnaíba; Nova Ponte, no rio Araguari; e Jaguara, no rio Grande – perfazendo um potencial energético total de 3.826.000 megawatts. Já a usina de Furnas é famosa não só pelo elevado potencial energético de 1.216 megawatts, distribuído em oito usinas, mas também pelo extenso reservatório, que banha 34 municípios. Localizada no trecho do rio Grande denominado “Corredeiras das Furnas”, a usina foi instalada no início dos anos 1960 para prevenir o colapso do sistema elétrico nacional e é operada pela empresa de mesmo nome, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, subsidiária da Eletrobrás e de economia mista. 377 Das primeiras descobertas de metais preciosos às reservas de minério de ferro que levaram o Brasil ao posto de maior exportador do mineral no mundo, Minas Gerais se mantém conhecido como o estado das jazidas e minas. Mas as riquezas com as quais se sonhava no século XVIII mudaram de cor. Minas é o principal produtor brasileiro de ferro e responde por metade da produção nacional – só no Quadrilátero Ferrífero, região na porção central do estado, entre as serras do Caraça, de Ouro Branco, do Curral e o pico de Itabirito, estão localizadas jazidas responsáveis por quase 50% da produção mineral brasileira –, reforçando a ideia de que, no estado, a mineração exerce papel fundamental na ocupação do território, no estabelecimento de núcleos urbanos e no desenvolvimento econômico. E não é só o ferro que faz o mundo direcionar o olhar para as serras mineiras. Nióbio (que tem em Araxá, no Triângulo Mineiro, a maior reserva do mundo), manganês, bauxita, níquel, tantalita, ouro, fosfato, zinco, calcário e enxofre estão entre os bens que impulsionam a indústria minerária em Minas Gerais e, em cada uma das minas e reservas, provocam impacto próprios dessa atividade aos ecossistemas. A “Minas Gerais do ferro”, influenciada por políticas nacionalistas de desenvolvimento industrial mas de portas abertas para empresas estrangeiras, começou a se 378 transformar definitivamente a partir da década de 1950, com a instituição de planos de especialização na produção do estado. A base industrial seria encabeçada pela siderurgia, e a dinamização e modernização da região central tomou novos rumos com a fundação de um parque industrial em Betim, em 1938. Uma década depois, foi a vez de Contagem e Ibirité, municípios industriais cuja construção acelerou o ritmo de desmatamento na região metropolitana de Belo Horizonte e aumentou as pressões sobre as bacias dos entornos, sobretudo do Rio das Velhas, o maior afluente do São Francisco, e do Paraopeba. O crescimento econômico não deve, mas frequentemente é visto como algo oposto à preservação do meio ambiente. Em áreas de intensa atividade mineradora, discute-se essa questão com ainda mais atenção, por efeito das ameaças aos sistemas hidrográficos, à topografia, às populações silvestres e às coberturas vegetais nativas. Como em tantas outras práticas produtivas, precisase remover a vegetação; rebaixase o nível dos lençóis freáticos com o uso dos recursos hídricos, e rios são contaminados com elementos tóxicos empregados na mineração; nascentes desaparecem, o ar é poluído pela suspensão de partículas sólidas; rios sofrem com o assoreamento, alterações de pH, redução do oxigênio na água e têm seus leitos revolvidos; a utilização de explosivos e a construção de túneis, canais e dutos modifica e danifica a estrutura dos solos, além de destruir e isolar hábitats de espécies animais. Se feita de acordo com todas as normas e regulamentações definidas por órgãos governamentais, a mineração já é predatória o suficiente para se estabelecer como um dos principais causadores de crises ambientais. Quando acidentes ocorrem, as consequências podem chegar ao nível de catástrofe. É o que aconteceu em novembro de 2015, na região de Mariana, no Quadrilátero Ferrífero. Empresas produtoras de bens minerais são tão abundantes em Minas Gerais quanto as reservas desses recursos, e movimentam recursos financeiros, pessoais e administrativos de grande porte. Vale, AngloGold Ashanti, Samarco, Arcelor Mittal, Vallourec & Mannesmann Mineração, Usiminas e Votorantim são apenas alguns dos nomes mais conhecidos pelos mineiros, não só por serem empregados dessas indústrias, mas porque parte da economia mineira transita em torno delas. Atividades mineradoras tendem a formar economias de aglomeração ao seu redor, que se organizam de acordo com as dinâmicas demográficas e comerciais da região. Mas foi o nome que se destaca entre todos, após penúltimo mês de 2015, é o da Samarco, controlada pela mineradora brasileira Vale e pela australiana BHP Billiton, e que foi o ponto de partida do que se tornou o maior desastre ambiental da história do país. O rompimento de barragens contendo rejeitos industriais e minerários não é incomum. O primeiro acidente registrado data de 1986, na Mina de Fernandinho, em Itabirito, e deixou sete mortos. Em 2001, uma barragem rompeu em São Sebastião das águas Claras, na mineradora Rio Verde, carregou rejeitos por seis quilômetros, deixou cinco mortos, soterrou um córrego e destruiu uma adutora da Copasa; uma barragem contendo rejeitos da produção de celulose da Indústria Cataguases de Papel contaminou o córrego do Cágado e o rio Pomba com 1,4 bilhões de litros de lixívia negra, um composto químico resultante do cozimento de madeira para produção de celulose, e 600 mil pessoas ficaram sem água; quatro anos depois, em Miraí, a barragem da mineradora de bauxita Rio Pomba/ Cataguases liberou 2 milhões de m3 do mineral na cidade e em outros quatro municípios; e, em 2014, três mortes foram causadas pelo rompimento de uma barragem na mina Retirado do Sapecado, em Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte. Extremamente prejudiciais ao meio ambiente e à sociedade mineira, todos foram. Porém, o desastre da Samarco os ultrapassa devido ao colossal volume dos danos causados: 379 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram liberados da barragem do Fundão, dos quais 34 milhões chegaram à bacia do rio Doce e percorreram mais de 660 quilômetros de cursos d’água em direção ao oceano Atlântico. Dezenove pessoas morreram e quatro mil foram diretamente atingidas. Quando a lama formada por resíduos provenientes da lavagem do minério de ferro arrebentou a estrutura da barragem do Fundão, os milhões de metros cúbicos desceram na direção do rio do Carmo, que deságua no rio Doce, e dos municípios de Mariana, cujos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram completamente destruídos, Barra Longa e Rio Doce. Ao longo do caminho, a lama atingiu a usina hidrelétrica de Candonga, já no rio Doce, aonde foi parcialmente retida até seguir seu curso de encontro à foz no Atlântico, à beira do município capixaba de Regência, depois de ter passado por cidades como Governador Valadares, Resplendor e Colatina. Reivindicações e manifestações contra a impunidade das empresas envolvidas eclodiram pelo país. Investigações do IBAMA, da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais revelaram várias falhas na estrutura da barragem, que apresentara problemas de drenagem, rachaduras e tivera a 380 sua capacidade de armazenamento aumentada para além dos limites recomendados em 2015. Tampouco havia um plano de contenção a ser posto em operação no momento da crise, cujas dimensões aterrorizaram o país. Finalmente, as três mineradoras – Samarco, Vale e Billiton – foram intimadas a pagar o valor de vinte bilhões de reais, ao longo de vinte anos, para indenizar indivíduos, empresas, municípios e negócios danificados pelo rompimento da barragem e para reparar e compensar os impactos e prejuízos. Calcula-se que os prejuízos econômicos tenham chegado à escala de R$140 milhões na esfera pública e R$340 milhões para as iniciativas privadas associadas à Samarco e à economia da região. Os danos ambientais, por sua vez, não são facilmente mensurados, e tampouco é possível conferir um valor ao que os habitantes das comunidades locais perderam – vidas, casas, bens materiais que carregavam, cada um, suas histórias. Rios contaminados por metais tóxicos à vida e aos ecossistemas aquáticos, erosão e compactação dos solos, fragmentação de hábitats, redução drástica na biodiversidade e nas populações de animais, tanto peixes, anfíbios e répteis quanto mamíferos e aves, formam uma lista sintética dos impactos provocados pelo desastre, o qual atingiu áreas de preservação permanente, o Parque Estadual do Rio Doce e o Parque Nacional Sete Salões. A lama levou tudo consigo, e não deixou nada além de destroços em seu rastro. 3. Um futuro sustentável? – Iniciativas e projetos de conservação em Minas Gerais Com tantas ameaças e riscos, e biomas cada vez mais fragmentados, espalhados em reservas pequenas para sustentar a biodiversidade que deveriam apresentar em sua extensão territorial, as previsões para o futuro socioambiental de Minas Gerais parecem pessimistas. Mas ações empreendidas por órgãos governamentais e associações da sociedade civil se esforçam para estabelecer políticas de preservação, áreas de proteção e projetos de restauração ecológica, em uma tentativa de reverter essas previsões tecidas pelos índices de poluição, degradação e desmatamento, e para provar que meio ambiente e crescimento econômico não são inimigos – mas podem se desenvolver juntos. Criado em 1962, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) se responsabiliza pela elaboração e execução de políticas ambientais ligadas à biodiversidade, às florestas e aos recursos naturais renováveis no estado de Minas Gerais. Desde 1995, o instituto está vinculado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), para a qual realiza atividades associadas à conservação florestal, à gestão das unidades de conservação e áreas protegidas, e ao incentivo à pesquisa científica. À SEMAD, cabem ações de controle e fiscalização, assim como a regulamentação ambiental. Dentre as políticas elaboradas e praticadas pelos dois órgãos, destaca-se a criação e gestão das unidades de conservação, elementos cruciais das estratégias de preservação do ambiente e da biodiversidade. As unidades de conservação (UCs) são refúgios para espécies vegetais e animais dedicados a manter processos ecológicos essenciais, preservar a diversidade genética, oferecer oportunidades de pesquisa científica, capacitação, educação e lazer, e conservar aspectos físicos do ambiente de alto valor cultural e simbólico para as populações. No Brasil, a Constituição de 1934 e o primeiro código florestal, promulgado no mesmo ano, forneceram uma base legal para o estabelecimento de uma legislação mais específica que visasse à criação das unidades de conservação, o que aconteceria em junho de 1937, com a inauguração do Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro. Já o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), instituído após a promulgação da lei 9.985 em 2000, 381 foi responsável pela consolidação de critérios e dispositivos de organização, criação, implantação e administração das UCs. Até então, as unidades eram planejadas e concebidas de acordo com normas primordialmente estéticas, seguindo contextos políticos e econômicos mais favoráveis e sem considerar a preservação da biodiversidade como objetivo fundamental. Essa lei define as UCs como “o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”, e as divide em duas categorias distintas: as unidades de proteção integral, que, voltadas para a preservação da natureza, só permitem o uso indireto dos recursos naturais ali presentes; e as unidades de uso sustentável, menos restritas, que unem a conservação do ambiente ao uso sustentável de parte dos recursos disponíveis. Ambos os grupos se subdividem em categorias de manejo específicas, que variam segundo o tipo de organização e os objetivos que pretendem alcançar: há estações ecológicas, reservas biológicas, parques estaduais, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre, de proteção integral da biodiversidade que abrigam, e as áreas de proteção ambiental, 382 florestas estaduais, reservas de desenvolvimento sustentável e reservas particulares do patrimônio natural como unidades que permitem maior presença e influência antrópica. Em Minas Gerais, a maior parte das UCs está sob a jurisdição do estado – quase metade de todas as áreas (49%). Unidades municipais (30%), em sua maioria parques naturais municipais e áreas de proteção ambiental municipal, dividem a porção remanescente com estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, áreas de proteção ambiental e florestas nacionais gerenciadas pela federação (21%). Unidades de conservação se definem, portanto, por serem áreas protegidas que servem à conservação de remanescentes da vegetação e de outros elementos naturais com expressiva relevância socioambiental. As experiências de criação e gestão dessas áreas envolvem a participação da sociedade civil, que por vezes se mobilizam para demandar a implantação de uma UC. Foi o que aconteceu no norte de Minas Gerais, quando foi criada, em 2014, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras. Cerca de 500 famílias de geraizeiros, isto é, comunidades tradicionais que vivem nas chapadas e veredas do cerrado e cuja renda básica provém de atividades extrativistas sustentáveis, são beneficiadas pela reserva, localizada nos municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo. A demanda nasceu da necessidade de uma reserva que pudesse conservar as nascentes de córregos da região e, ao mesmo tempo, garantisse que a cobertura florestal do cerrado permanecesse preservada o bastante para que pudessem sobreviver de seus recursos. Parques, tanto estaduais quanto nacionais, preservam serras, matas, nascentes de rios e espécimes animais, mas seu escopo de proteção se estende também para a dimensão cultural dos elementos que abrangem. O Parque Estadual do Itacolomi, por exemplo, protege uma das referências geográficas e paisagísticas que compõem a história do estado: o Pico do Itacolomi, de 1.722 metros de altitude, localizado na porção sul da Serra do Espinhaço, próximo a Ouro Preto. Seu nome tupi significa “pedra menina” ou “menino de pedra”, mas ficou conhecido como o “farol dos bandeirantes” e se consagrou como ponto de referência para os viajantes que passavam pela Estrada Real. Já o Parque Estadual do Rio Doce, a primeira UC criada no estado, em 1944, protege a maior extensão contínua da Mata Atlântica; e o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, o terceiro maior parque em zona urbana do Brasil, abriga espécies da zona de transição entre cerrado e Mata Atlântica e protege animais em risco de extinção, como o lobo-guará, a onça parda e o veado campeiro. Devido aos seus atrativos naturais e a projetos do IEF, os parques se transformam em pontos de parada do ecoturismo e, em 11 dos 38 parques estaduais, possuem infraestrutura para receber visitantes. Além das reservas, das áreas de proteção e dos parques, assentados ao longo dos três principais biomas com ocorrência em Minas Gerais, mas principalmente na Mata Atlântica – cerca de três milhões de hectares, entre UCs de proteção integral e de uso sustentável, comparado aos quase dois milhões de hectares de cerrado protegidos e aos 90.000 hectares da caatinga em UCs –, outras iniciativas são elaboradas em prol da conservação ambiental. O envolvimento civil nessas questões é mobilizado e incentivado por organizações não-governamentais (ONGs) e associações, por vezes em parceria com instituições governamentais, que desenvolvem projetos com teor sustentável e socialmente inclusivos, como o Projeto Manuelzão e a ASMARE. Cientes da importância de preservar o meio ambiente a fim de melhorar índices de qualidade de vida, os fundadores do Projeto Manuelzão escolheram a bacia do Rio das Velhas para atuarem de maneira integrada e em parceria com os municípios da região. Seus objetivos 383 incluem a conscientização da população, a revitalização da bacia, o desenvolvimento de pesquisas e projetos educacionais, e o combate às causas das doenças que afetavam comunidades rurais no estado e vinham, em grande parte, dos problemas ambientais identificados pelos médicos, pesquisadores e voluntários que se juntaram ao grupo. Criado em 1997 por professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, o Manuelzão organiza expedições pela bacia, como a de 2003, Manuelzão desce o rio das Velhas, em que foram percorridos os 804 km do rio em 29 dias, e organiza núcleos como ferramentas de mobilização e participação social nos territórios de cada microbacia, compostos por membros da sociedade civil e por representantes do poder público. E, se o resgate de ecossistemas é crucial, a revitalização das áreas urbanas ocupa uma posição igualmente importante nos esforços de conservação e preservação. A Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável (ASMARE), de Belo Horizonte, processa uma média de 3,4 mil toneladas de material reciclado anualmente. Os catadores associados à ASMARE fazem do lixo produzido em enormes quantidades na capital uma forma de lutar contra condições precárias de vida, e realizam um importante trabalho de cunho social e ambiental 384 que procura conscientizar a população belo-horizontina acerca da necessidade de garantir um destino adequado para os resíduos produzidos no centro urbano, bem como de reduzir a vulnerabilidade econômica e social dos catadores. Ao lado da Prefeitura de Belo Horizonte, de centrais e órgãos municipais e empresas, a associação presta serviços de reciclagem, coleta seletiva e palestras educativas através de parcerias capazes de viabilizar a continuidade do trabalho da ASMARE e ampliar seu escopo de atuação. Projetos de reciclagem, como o da ASMARE, geram benefícios para o ambiente urbano e contribuem para elevar a qualidade de vida nas cidades. Segundo dados divulgados pela associação, a quantidade de material reciclado que coletam por ano evita o corte de árvores equivalentes a 115 campos de futebol, o gasto de um volume de água correspondente ao consumo diário de 112.600 pessoas, a extração de 9.500 barris de petróleo e o gasto de energia equivalente ao consumo de 10% das indústrias da Região Metropolitana de Belo Horizonte. às vezes, números dizem o suficiente, principalmente em contextos nos quais outros dados indicam circunstâncias preocupantes de grave degradação ambiental. As paisagens de Minas e o seu meio ambiente contam uma longa história, que está longe de terminar. Preservar os ecossistemas, repensar as práticas e formas de organização dos núcleos urbanos e incentivar uma regulamentação mais eficaz das atividades econômicas que prejudicam e degradam o ambiente são maneiras de conservar os caminhos já percorridos, entre serras, rios e cidades, e garantir que outros poderão ser trilhados. O breve panorama apresentado do meio ambiente mineiro é como uma janela aberta para um território extenso e diverso, mas permanece incapaz de tudo revelar. Outras perspectivas são construídas a cada dia, e se juntam ao mosaico de vozes, músicas, sabores e cores que, com os tantos ecossistemas mineiros, compõe Minas Gerais. Referências ARAUJO, Marcos Antonio Reis. Unidades de conservação no Brasil: da república à gestão de classe mundial. Belo Horizonte: SEGRAC, 2007. ARBEX, Marcos Abdo; SANTOS, Ubiratan de Paula et.al. A poluição do ar e o sistema respiratório. Jornal Brasileiro de Pneumologia, vol. 38, n. 5, set./out. 2012. 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Como resultados Minas Gerais não obteve avanços econômicos e sociais em relação ao restante do país para o mesmo período, perdeu atratividade e manteve elevados níveis de desigualdade sociais e regionais. Ao final de 2015 o estado registrou 9 trimestres consecutivos de taxas negativas de crescimento como consequência de políticas públicas fragmentadas de alcances restritos 389 Em síntese, o modelo gerêncialista de Minas Gerais resultou na ausência de mecanismos de apoio e estímulos ao crescimento, à modernização e à diversificação da estrutura produtiva. Pelo contrário, a economia mineira experimentou apenas uma pequena elevação das participações das atividades mínero-metarlúrgicas no valor da transformação industrial do Estado, passando de 41,1% para 45,4 entre 2002 e 2013, forte crescimento da dívida pública estadual devido a orçamentos irrealistas em relação ao crescente déficit financeiro face ao crescimento dos custos devido a inadequada gestão da folha de salários, tanto dos funcionários da ativa quanto da péssima estrutura previdenciária. Apesar das enormes potencialidades de Minas Gerais, a economia mineira se encontrava, em 2014, e plena retração; em um processo de decadência econômica, com perdas de produção e redução das atividades da maioria dos ramos de indústria de transformação. Ou seja: a política econômica adotada entre 2003 e 2014 não foi eficaz para a modernizar e diversificar a estrutura produtiva do estado, Ao cenário sintetizado cabe acrescentar indicadores recentes sobre o desempenho econômico e social de Minas Gerais, que mostram que o aparato institucional e os instrumentos disponíveis para atrair investimentos adotados nos últimos 15 a 20 anos, não tem sido suficientes para reduzir desigualdades regionais e sociais; para elevar o poder aquisitivo e o tamanho do mercado do estado como um todo; nem para obter mudanças significativas na estrutura produtiva ainda bastante dependente do comportamento sazonal de comodities minerais e agropecuários. (ver quadro) No caso da infraestrutura, Minas Gerais apresenta uma matriz energética cuja produção é inferior ao consumo devido a dependência de combustíveis; um sistema de telecomunicações e de redes de abastecimento de água, e principalmente, de esgoto com baixos níveis de interiorização. O caso da logística merece destaque especial por se tratar de um dos principais entraves para atrair investimentos, apesar da privilegiada posição geográfica de Minas em relação aos principais mercados (SP, RJ, DF) e portos (SP, RJ, ES). Em relação ao principais indicadores cabe enfatizar: o PIB de Minas está em 3º lugar no Brasil (IBGE 2013); o PIB per capta em 10 º lugar no Brasil (IBGE 2013); Renda Média domiciliar per capta em 11º lugar no Brasil (IBGE 2012); IDH em 10º lugar no Brasil – 0,800 (2013 – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD). Minas Gerais é o segundo estado com a maior população do país com 20.869.000 de habitantes atrás apenas de São Paulo, porém o estado ainda 390 está abaixo da média nacional do PIB per capta de todos os outros estados da região Sudeste. (Ver quadros 1 e 2) No que tange as finanças públicas, Minas também vem experimentando intenso retrocesso. Desde 2014 o Estado vem figurando na segunda colocação entre os estados mais endividados da federação, o que compromete a capacidade de investimentos do governo do Estado. O elevado nível de endividamento público e de encargos financeiros da dívida minimizam a capacidade de investir do governo e comprometem a capacidade do governo arcar com seus compromissos correntes, o que vem provocando atrasos junto a fornecedores e parcelamentos dos salários dos funcionários públicos ativos e inativos. Em poucas palavras: os indicadores aqui salientados orientaram o novo governo de Minas Gerais a estabelecer prioridades contempladas no PMDI – Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado - para o período de 2015/2018, já em pleno andamento. Por último, deve ser ressaltado que as relações entre o governo de Minas Gerais com grandes empresas privadas que atuam no Estado, mas cujos processos de tomada de decisões de investir estão fora de Minas, seja devido ao processo de privatização acompanhado da multinacionalização das empresas de exploração mineral e de siderúrgicas mineiras (Vale do Rio Doce, USIMINAS, Belgo, CBMM e etc...) e de fertilizantes ( Petrofértil, Valefértil, etc...) devido a transferência para fora de Minas de grandes empresas anteriormente com sede em Minas Gerais como são os casos das grandes construtoras. 391 \ QUADRO 1: CLASSIFICAÇÃO POR CATEGORIA/PONTUAÇÃO Sustentabilidade Social 1° Santa Catarina ... 100,0 5° Minas Gerais .... 82,0 Segurança Pública 1° Paraná .............. 100,0 10° Minas Gerais ... 75,0 Infraestrutura 1° São Paulo ......... 100,0 12° Minas Gerais ... 53,7 Educação 1° São Paulo ......... 100,0 2° Minas Gerais ..... 86,8 Sustentabilidade Fiscal 1° Espirito Santo .. 100,0 19° Minas Gerais .... 70,4 Eficiência da Máquina Pública 1° Espirito Santo ... 100,0 6° Minas Gerais .... 95,0 Capital Humano 1° Rio de Janeiro ... 100,0 8° Minas Gerais .... 43,2 Sustentabilidade Ambiental 1° Distrito Federal ..100,0 9° Minas Gerais .... 55,5 Potencial de Mercado 1° São Paulo ......... 100,0 14° Minas Gerais ... 57,8 Inovação 1° São Paulo ......... 100,0 7° Minas Gerais .... 42,6 Fonte: Mercado Comum (06/2016) com Dados extraídos do MDIC e Revista Exame Massa salarial da indústria extrativa de MG cresceu á taxa de 10 p.p. maior que a estadual entre 2010/13 392 2 - O PMDI (Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado) 20152018 – Principais Características O governo de Minas Gerais vem baseando o equilíbrio das finanças públicas e a recuperação da capacidade de investir do estado, o que envolve significativa redução e mudança do perfil do elevadíssimo nível de endividamento herdado do governo anterior; e ao mesmo tempo, a montagem de engenharias financeiras que proporcionando, a redução de despesas e elevação de receitas, diminuição de sonegações fiscais, recuperação de créditos e negociações da dívida do estado junto ao governo federal mediante critérios e parâmetros que diferem completamente das condições exigidas pelo ministério da Fazenda. 393 Em outras palavras, o governo de MG não pretende efetuar privatizações, elevar ônus para aposentados, diminuir ou prejudicar serviços públicos de saúde, de educação, de segurança e de proteção social, como pretende o governo federal. O encontro de contas entre os governos federal e do estado deverá beneficiar MG, porque envolve o ressarcimento de mais de R$ 130 bilhões de crédito que MG acumula junto ao governo federal devido á LEI KANDIR, ao passo que contabiliza dívida, já decrescente nos últimos anos, de cerca de R$ 80 bilhões, junto ao Governo Federal. No que diz a respeito ao aumento da capacidade de investir, cabe destacar a importância da aprovação dos seis novos fundos de investimentos (ver anexo), recém criado pelo governo de Minas cuja implementação possibilitará a realização de ousado e amplo plano de investimentos em Minas Gerais no curto, no médio e no longo prazo, extrapolando, inclusive, o atual e os próximos mandatos de governo do estado. A modernização e diversificação da estrutura empresarial via o reaparelhamento tecnológico, (Catching up) e ao mesmo tempo atrair empresas de base tecnológica capazes de alocar mão de obra qualificada que vem saindo de MG por falta de oportunidades devido a estrutura produtiva de baixa produtividade. Além disso o PMDI visa aproveitar vantagens competitivas do estado, tais como: localização geográfica privilegiada como centro de gravidade dos principais mercados (SP,RJ, Centro-Oeste).O que requer expandir e modernizar a logística de transportes e diversificar a matriz energética com ênfase na energia solar, na busca de maior eficiência energética e da interiorização do atendimento urbano e rural (Luz para Todos), a interiorização da banda larga e de fibra ótica, de abastecimento de água e de esgoto, assim como da utilização de recursos hídricos em todo estado de MG. No que diz respeito aos dois eixos; desenvolvimento produtivo, científico e tecnológico, infraestrutura e logística, quatro grandes grupos de prioridades devem ser enfatizados: Em poucas palavras: o novo modelo de desenvolvimento em curso em Minas Gerais está baseado na redução de desigualdades sociais e regionais; na inclusão social e na participação dos próprios beneficiários. 394 A – Redução das desigualdades sociais e regionais – PDTIs O estado de Minas Gerais foi dividido em 17 e respectivos Fóruns Territoriais que visam elevar e selecionar ações prioritárias em PDTS – Plano de Desenvolvimento Territoriais Integrados – tais como a redução de desigualdades sociais e regionais capazes de elevar o tamanho do mercado, que é variável fundamental para atrair investimentos, diversificação e modernizar a estrutura produtiva, diminuir a dependência de comodities minerais e agrícolas, muito vulneráveis ao comportamento da conjuntura racional, e ás oscilações de preços internacionais. – criação e implementação de PDTI’s – Plano de Desenvolvimento Territoriais Integrados para cada um de 17 territórios através de 5 grupos de prioridades. O novo Governo de Minas Gerais está implementando os 17 PDTIs – Programas de Desenvolvimento Territorial Integrados que visam, em conjunto com as próprias comunidades beneficiadas, através de fóruns compostos pelo governo e representantes da sociedade atender às principais necessidades da população em cada território. O levantamento de demandas que os participantes dos Fóruns consideram mais prioritárias para a ação do Governo de Minas Gerais em cada território. 395 O quadro a seguir (investimentos por território) mostra a importância dos PDTIs, da interiorização dos programas estruturantes da SEDESE, da SEDA, da SECIR, da SEC. da Educação, Saúde, Turismo, da Cultura, de Esportes, das Estatais: CEMIG, GASMIG, COPASA, CEMIGTELECOM, da CODEMIG, bem como do BDMG, do IMA, para em conjunto empreendedores de todos os portes, desde MEIs até multinacionais, para reduzir desigualdades sociais e regionais, elevar o poder aquisitivo da população de cada território e expandir o tamanho do mercado regional, variável considerada da maior importância para a tomada de decisões de investimentos empresariais. Quadro 3: Distribuição espacial dos investimentos planejados por Território de Desenvolvimento – 2004 a 2014 Neste sentido, algumas iniciativas governamentais recentes visando reduzir desigualdades e elevar o tamanho de mercado mineiro devem ser destacadas: • a implementação mais de 800 ações já em curso em obediência às demandas principais identificadas nos formatos realizados até o momento (ver do CIDADÃO) 396 • a SEDA está consolidando um programa de garantia de renda mínima para pequenos agricultores de baixa renda, fortalecendo o PRONAF – Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar, legitimando propriedades de pequenos produtores, etc. • a Cemig vem desenvolvendo várias novas ações sociais tais como: aquecimento solar para beneficiários da minha casa minha vida, enquanto a CEMIG EFFICCIêNTIA, além de promover a substituição de eletrodomésticos e chuveiros visando reduzir o consumo de energia e de gastos familiares, vem organizando torneios de futebol via programa Campos de Luz para iluminação de campos de futebol amador em comunidades carentes, doação de equipamentos para hospitais etc; extensão de redes elétricas em parcerias com municípios, programa para estimular a pesca em comunidades do entorno de usinas, e programa “100% presente” para eletrificação rural, em 774 municípios, energização de 1.500 poços artesianos que também pretende canalizar ligações de energia elétrica para 50 mil pequenas propriedades rurais. Os resultados obtidos pelas implementações dos PDTIs são bastante animadores em relação aos objetivos de cinco eixos conforme mostraram os últimos relatórios de desempenho para cada PDTI. (Ver “Fóruns regionais: “entregas realizadas, ações em curso e ações previstas”) B - DIVERSIFICAçÃO, MODERNIZAçÃO E ATRAçÃO DE EMPRESAS DE BASE TECNOLÓGICAS E DE SETORES QUE MG REUNE VANTAGENS COMPARATIVAS Minas Gerais tem sido mais produtiva do que a média nacional em apenas 7 dos 22 setores da indústria de transformação, estes são: Transporte (exceto auto), Produtos de Madeira, Metalurgia, Extração de Mineração metálica, Produtos de minerais não-metálicos, Materiais elétricos, Alimentícios, Produtos de metal, Papel e celulose, Coque e derivados de petróleo, Automotores, Máquinas, Móveis, Plástico, Couros e calçados, Têxteis, Mineração não-metálica, Farmacêuticos, Químicos, Eletrônicos e TI, Confecção e Apoio à extração de mineral, Minas é mais produtiva em: Transporte (exceto auto), Produtos de Madeira, Metalurgia, Extração de Mineração metálica, Produtos de minerais não-metálicos, Materiais elétricos e Alimentícios, o que mostra a urgente necessidade de promover a diversificação e modernização da estrutura produtiva. Neste Contexto, o PMDI -2015/18 contempla entre as principais prioridades: 397 - reestruturação de setores estratégicos de MG, tais como os casos da siderurgia, de fertilizantes e de ramos do setor químico, cujas privatizações não foram acompanhadas de planos de investimentos em expansão e em modernização para aproveitar de oportunidades disponíveis na década de 1990 para se tornarem grandes players mundiais; - adensamento, enobrecimento e agregação de valor de cadeias intersetoriais que MG reúne, ou pode reunir, vantagens comparativas e competitivas, tais como, por exemplos: mineração – carvão vegetal; produtos siderúrgicos – metalurgia; agronegócios envolvidos em café e soja entre outros; estruturação de cadeias de fornecedores e clientes envolvidos na exploração de cada fonte energética; entre outras cadeias intersetoriais importantes que compõem a estrutura produtiva do estado; - apoiar as empresas de setores de base tecnológica que necessitam de mão de obra qualificada disponível em MG: aero-espacial, ciências da vida, biotecnologia, novos materiais, cerâmica avançada, nanotecnologia, TI e C (Tecnologia da informação e comunicação), minérios e ligas nobres, aproveitamento de terras raras, entre outros; - apoio a indústria 4.0 e ao reaparelhamento (catching - up) tecnológico via transformação digital, maior densidade entre serviços de design, de 3D, no processamento de indústrias de transformação e destas com serviços de marketing, de logística de distribuição e comercialização indispensável para viabilizar “Just – in Time” empresariais seja no recebimento de insumos, seja no escoamento de produção; - aproveitamento integral da silvicultura como insumo para a siderurgia, fábricas de celulose, indústrias moveleiras, etc... Fontes de Recursos: (Ver cap. IV) C - INFRAESTRUTURA – ESTRUTURAÇÃO DE EXTERNALIDADES PARA ATRAIR INVESTIMENTOS C.1 – Matriz Energética – expansão do programa “Luz para todos” (Rural e urbana) e de iluminação pública municipal. Fontes de Recursos: (Ver cap. IV) 2.2 – Telecomunicações – interiorização da rede telefônica, da banda larga e de Fibra Ótica – Via criação de Fundo de equalização junto 398 á Cemig – Telecom. Fontes de Recursos: (Ver cap. IV) C.3 – Saneamento Básico - Aumentar significativamente a cobertura de abastecimento de água e da rede de esgoto via concessões e/ou prestação de serviços pela COPASA através da criação de um fundo de equalização. Fonte de Recursos: (Ver cap. IV) C.4 – Logística de distribuição e comercialização bem como da mobilidade urbana e interurbana através de conexões entre cidades mais importantes de cada território e entre cidades polo de territórios contíguos. Fontes de Recursos: (Ver cap. IV) 1. Energia - diversificar a matriz energética no aproveitamento das potencialidades de energia fotovoltaica e de bioenergia, do aumento da eficiência na geração, na transmissão, e na distribuição de energia para compensar a perda da posse das usinas: (Miranda, Jaguara, São Simão). Para tanto será necessário aumentar o capital social da CEMIG de modo a fortalecer sua capacidade de tomar recursos nos mercados de crédito e de capitais, dinamizar a CEMIGPAR para viabilizar parcerias da CEMIG em investimentos de fornecedores e de clientes em MG. Fontes de Recursos: (Ver cap. IV) 2. Telecomunicações Viabilizar a plena interiorização de banda larga, e de fibra ótica e de telefonia, de todos os municípios de MG, importantes “Utilities” para atrair investimentos no estado, para a CEMIG/TELECOM 399 Fontes de Recursos: • Via captação de recursos nos mercados de capitais e de créditos em condições adequadas, quanto á prazo e encargos financeiros • FECIDAT - Fundo especial de créditos inadimplidos • FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG • Através da criação de um fundo de equalização, em parcerias (PPP’s – Parcerias Públicos Privadas e SPE’s Sociedade para propósito específico, com investidores institucionais e/ou empresas. 3. Saneamento Básico Expandir significativamente as redes de abastecimento de água e, principalmente, de esgoto. Tendo em conta as precariedades dos serviços prestados, tanto de abastecimento de água (cerca de 200 municípios) quanto de esgoto (500 municípios), onde a COPASA não é concessionária Ademais tendo em conta que a COPASA ainda não conseguiu otimizar a oferta, particularmente da rede de esgoto de suas próprias concessões, em municípios, inclusive BH, onde são observadas carências a céu aberto, caberá a empresa expandir prestações serviços de saneamento básico (água e esgoto) aos demais municípios de MG. Fontes de Recursos: (ver cap. IV) 4. Logística de distribuição e comercialização A otimização do aproveitamento de localização geográfica privilegiada do estado como centro de gravidade dos principais mercados do Brasil (SP, RJ, Região Centro-Oeste) e principais portos (SP, RJ, ES), por ser alcançada através de estruturação do sistema de logística do estado (rodovias, ferrovias, aeroportos, hidrovias, e de intermodais estrategicamente localizadas no estado) através dos seguintes eixos: 400 - entre principais cidades principais de cada um dos 17 territórios – objetos de PPP’s (Parcerias Público Privadas) e/ou SPE’s (Sociedades para propósitos espevificos). - entre cidades polos de territórios contíguos que também podem ser objetos de PPP’s (Parcerias Público Privadas e/ou SPE’s (Sociedades para propósitos espevificos). - estruturações de CLIAS – Centros Logísticos Integrados Aduaneiros e PLIS – Plataformas Logísticas Integradas localizados em intermodais altamente atrativos para investidores institucionais e geram impactos altamente positivos para esta modal. - projetos estruturantes de rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias I. O PMDI – PLANO MINEIRO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO E A CRIAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS 1 – PDTI’S – Planos de Desenvolvimentos Territoriais Integrados 1.1 - Modernização e diversificação da estrutura produtiva e tecnológica conforme as vantagens comparativas existentes em cada território. 1.2 - Fortalecimento de APL’s – Arranjos Produtivos Locais e de micro e pequenas empresas (FOPEMIMPE), da agricultura familiar (PRONAF) e de economia solidária (ECOSOL) 1.3 - Infraestrutura – ampla Interiorização de saneamento básico, de telecomunicações e da matriz energética 1.4 - logística de distribuição de transportes: conexões entre as principais cidades de cada território e entre cidades polos de territórios contíguos 2 – ESTRUTURA PRODUTIVA – DIVERSIFICAÇÃO E MODERNIZAÇÃO 2.1 – Indentificação de fronteiras tecnológicas em função de mão – de – obra qualificada por região. - Biotecnologia - Ciências da Vida 401 - Cerâmica Avançada - Indústria 4.0 (adensamento entre manufaturas e serviços avançados) - Nanotecnologia - Aeroespacial - T, I e C (Start UP’s) - Internet das Coisas (IOT) - Inteligência Artificial 2.2 - Adensamento, enobrecimento e agregação de valor de cadeias intersetoriais que MG reúne ou pode reunir vantagens competitivas - Minério, carvão Vegetal, produtos siderúrgicos, metalurgia - Complexo Automobilístico - Agronegócios ( Café, cana-de-açucar, etc ...) - Integração produtiva entre fornecedores e geradores de energia envolvidos na exploração de cada fonte energética(hidroelétrica, solar, gás, biomassa, floresta, etc...) 2.3 – Fortalecimento e Modernização de setores estratégicos para o estado - Siderurgia - Metalurgia - Silvicultura - Química - Moveleira - Materiais de construção - Resíduos sólidos eletroeletrônicos de alto valor do poder decisório, devido á composição de minérios nobres 2.4 – Apoio a manutenção do poder decisório de empresas estratégicas para o desenvolvimento do estado de MG e que podem ser grandes players nacionais ou internacionais, como por exemplo: USIMINAS, ARCELOR, APERAM, DELP, AG – Andrade Gutierrez, MJ-Mendes Júnior, ALGAR, FOSFéRTIL, CBMM, MINASPLAC, NANSEM, HELIBRáS, MANGEL’S, VALOUREC - SUMITOMO, TORA 402 LOGíSTICA, GE-General Eletric, SADA, LOCALIZA,CENIBRA, AGRONEGÓCIOS E ESTATAIS(GRUPO CEMIG, COPASA, CODEMIG, BDMG, MGI) 3– INFRAESTRUTURA - MATRIZ ENERGÉTICA – Interiorização, expansão, diversificação e política industrial(CEMIG como motor) - Universalização das redes de água, esgoto, comunicações, ou seja de utilities. - Logística de distribuição e comercialização – 4 eixos prioritários: * entre municípios mais importantes de cada território * entre municípios polos de territórios contíguos * estruturação de CLIAS – Centros logísticos Integrados Aduaneiros e PLI’s – Plataformas logísticas Integradas em intermodais atrativos para investidores institucionais, (BI’s Bancos de Investimentos, fundos de previdência complementar, etc...) * projetos estruturantes de rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias via SPE’s – Sociedades para Projetos Específicos em parcerias com o Governo Federal (EPL, VALEC, GElVOT, etc...) e investidores institucionais nacionais e internacionais. 4 – CAPTAÇÃO DE RECURSOS (Ver anexo I) - FII’s – Fundos de Investimentos Imobiliários - FIP’s – Fundos de Investimentos em Participações - PE’s – Privates Equities - Fundos para Equalização - Os seis fundos de investimentos recém-criados pelo governo de MG - Lançamento de Debêntures Incentivadas para infraestrutura - Estruturação de um fundo de investimentos baseado em ativos ( Ações de empresas do GRUPO CEMIG, da COPASA, da CODEMIG, etc...), 5 - Criação de uma empresa de logística (MGLOGÍSTICA)ou fortalecimento 403 da MGI – EMIP via aumento de capital social e reestruturação organizacional, para implementar projetos de infraestrutura logística. A MGI ou MG Logística, sob orientação da SETOP e dos comitês de desenvolvimento e de infraestrutura, poderá exercer atuação semelhante a da CEMIG no caso da matriz energética, da COPASA em Saneamento Básico e da CEMIG/TELECOM em telecomunicações, para desenvolver intermodais e modais de transportes, de modo a aproveitar a posição geográfica privilegiada de MG como centro de gravidade dos principais mercados (SP, RJ, CO) e de portos do país (SP, RJ, ES). ANEXO I FUNDOS DE INVESTIMENTOS-MG CRONOGRAMA PARA OPERACIONALIZAÇÃO – SUGESTÕES PRELIMINARES 1 – Encaminhamento da proposta á ALMG em 04/04/17 pelo governo de MG. 2 – Aprovados pela ALMG (Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais) em 21/07/17 3 – Regulamentação pelo BDMG (em processo) 4 – Encaminhamento à CVM dos seguintes fundos de investimentos : FECIDAT - Fundo especial de créditos inadimplidos e dívida ativa FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG MG INVESTE 5 – Prospecções de mercado já contando com o envolvimento de possíveis advisers (BI’s, administradoras de recursos como por exemplos; FIRCAPITAL, CONFRAPAR, etc...) 6 – Licitações para contratar instituições financeiras com significativa rede de distribuição para administrar cada fundo de investimento de acordo com suas especificidades. 7- Sob presidência da fazenda, o conselho gestor em parceria com os administradores de cada fundo de investimento, desenvolverá estratégias para 404 lançamento de cada fundo de investimento junto a investidores ( BI’s, Fundos de Previdência Complementar, Seguradoras, FIP’s, PE’s, etc...), nacionais e internacionais. II. – ESTRUTURAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS DERIVADOS DOS SEIS FUNDOS RECEM CRIADOS – PROPOSIÇÕES PARA DISCUSSÃO A captação de recursos junto a investidores institucionais para estruturar os recentes fundos de investimentos, criados pelo governo de MG, abrem oportunidades para estruturações de findos de investimentos estratégicos para viabilizar a operacionalização dos objetivos e programas propostos em II e III. Efeitos multiplicadores dos 6 fundos recém-criados proporcionam concretas possibilidades para criar, gradativamente, novos fundos de investimentos derivados como estratégia diferenciada para promoção de desenvolvimento de MG. As proposições a seguir visam subsidiar o estabelecimento de diretrizes para orientar a atuação dos conselhos gestores e das instituições financeiras que poderão ser administradoras de cada fundo. A. FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES A.1-FIP – Fundos de investimentos em participações – Fronteiras tecnológicas: - viabilizar investimentos empresariais em ciências da vida, biotecnologia, nanotecnologia, aeroespacial, T, I e C e etc, com recursos do FECIDAT - Fundo especial de créditos inadimplidos e dívida ativa, FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG, MG INVESTE, e captações junto ao BNDES, BB, CEF, FINEP, BIRD, BID, CAF, FIEMG, 405 • Investidores institucionais, como os Fundos de previdência complementar, BI’s, etc... A.2 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Inteligência - desenvolver setores de inteligência artificial, (IOT - Internet das Coisas, indústrias 4.0 de qualquer porte) e integração entre fábricas e de serviços ( design, 3D, logística, etc.): • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG INVESTE, • FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG • CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais, com captações junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID • FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, • Investidores institucionais, bancos de Investimentos, seguradoras, etc... A.3 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Modernização empresarial – (CATCHING-UP): - promover a modernização empresarial de setores que lideram a estrutura produtiva de MG, com apoio: • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG INVESTE, FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG • CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, e captações de recursos junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID, 406 • FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais • Investidores institucionais, Bancos de Investimentos, Seguradoras, etc... A.4 - FIP – Fundos de investimentos em participações –Cadeias intersetoriais: - apoiar o adensamento, enobrecimento e agregação de valor de cadeias intersetoriais estratégicas para o desenvolvimento de MG, tais como minero-metalúrgica, agronegócios, entre outras, com o apoio: • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG INVESTE, FIIMG - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, • e captação de recursos junto ao BNDES, BB, CEF, BIRD, BID • FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, FAEMG – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais • Investidores institucionais e administradoras de recursos (EX: CONFRAPAR, FIRCAPITAL, ETC.. de MG) A.5 - FIP – Fundos de investimentos em participações – Ecologia: - promover o desenvolvimento integrado de recursos naturais, o meioambiente e do ecossistema via: • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa, do MG INVEST, • FIIMG - • CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Fundo de Investimentos Imobiliários de MG, e captação junto ao BNDES • FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, investidores institucionais, fundos internacionais e empresas potencialmente geradoras de enclaves regionais, como mineração por exemplo. A.6 - FIP – Fundos de investimentos em participações – ou lançamento de debêntures incentivadas para infraestrutura: - diversificar, modernizar e elevar a eficiência da matriz energética; 407 universalizar a rede de telefonia, de banda larga, de fibra ótica; estruturar amplo sistema de logística de distribuição para otimizar o aproveitamento da situação geográfica privilegiada de MG, como centro de gravidade dos principais mercados (SP,RJ e CO) e portos do Brasil, com o apoio do • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa , do MG INVEST, • FIIMG • FPP – Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, • CODEMIG - Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais • FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais • Investidores institucionais, bancos de fomento e etc. B. - Fundo de Investimentos Imobiliários de MG, FUNDOS DE EQUALIZAÇÃO Tendo em conta necessidades de reduzir custos para atividades e/ou projetos que atendem populações de baixo poder aquisitivo e, por conseguinte, não geram rentabilidade atrativa para investidores, mas que são da maior importância para o desenvolvimento social e redução de desigualdades regionais de Minas Gerais, é cabe propor o uso de parcelas de recursos dos fundos FECIDAT, FIING e FPP para estruturar de fundos de equalização como propostas a seguir: 1 – Fundo de equalização para saneamento básico visando interiorização de redes de abastecimento de água e, principalmente, redes de esgoto, devem ser objetos de prioridades máximas do governo do estado. Para, tanto a rede de abastecimento de água em cerca de 600 municípios e de esgoto em 300, inclusive na RMBH, onde são observadas carências a céu aberto que estão sob concessões da COPASA e tendo em conta, as necessidades de prestações de serviços, também pela COPASA, para os municípios que não estão sob concessão da empresa, cabe sugerir a criação de um fundo de equalização para subsidiar a atuação da empresa em termos empresariais aos demais municípios de MG. 408 2 - Fundo de equalização territorial para acelerar o atendimento de demandas estratégicas dos eixos: desenvolvimento produtivo e tecnológico e de infraestrutura de cada território, através do uso de parcelas de recursos capitados pelo • FECIDAT - Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa. 3 – Fundo de equalização para apoio complementar de projetos de economia Solidária, cooperativismo e associativismo de um modo geral, para agricultura de baixa renda, a micro-empreendedores individuais e as micro e pequenas empresas. 4 – Fundo de equalização para apoio complementar aos programas: luz para todos, a telefonia rural e urbana em comunidades de menor poder aquisitivo e também para construção de eixos de transportes visando conexões entre cidades mais importantes de cada território e entre polos de territórios contíguos. 5 – Fundo de equalização p/ o desenvolvimento de esportes, de lazer e de entretenimento altamente intensivos em mão-de-obra, expansão tanta na Região metropolitana de Belo Horizonte quanto no interior do estado que a exemplo de campos de luz ou “ Corujões” da CEMIG, com o apoio da Rede Globo, que vem contribuindo até mesmo para segurança pública. III – CONCLUSÕES Em síntese: o novo modelo de desenvolvimento em curso em Minas Gerais desde o início de 2015, está baseado em três pilares: - promoção de um novo ciclo de crescimento através do PMDI – Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado para 2015-2018- baseado na inclusão social e na redução das desigualdades sociais regionais que, mostra que o governo de Minas Gerais, ao contrário do governo federal vem exercendo papel de coordenador do processo de retomada do desenvolvimento através de ativas políticas públicas de estímulos a demanda (escopo Keynesiano); 409 - metodologia de planejamento que conta com ampla participação dos segmentos beneficiários da sociedade através de constituição de fóruns para cada um dos 17 territórios; com a interiorização de atividades de cada órgão da administração direta, de autarquias, de fundações e de empresas estatais do estado; - diversificação e modernização da estrutura produtiva; ativa atuação governamental visando a redução da dependência de comodities agrícolas e minerais (potenciais geradores de enclaves regionais), melhor aproveitamento de mão de obra qualificada e de algumas cidades dotadas de equipamentos capazes de oferecer qualidade de bem-estar social. Neste contexto Minas Gerais está incorporando princípios Schupterianos via seleção de prioridades setoriais (fronteiras tecnológicas, biotecnologia, nanotecnologia, indústrias aeroespaciais, ciências da vida, industrias 4.0, etc.); - no que diz respeito a avanços do aparato institucional, o governo de Minas Gerais, além da estruturação de fóruns e da interiorização de processos de gestão do estado, criou comitês com poder decisório para definir prioridades visando modernizar e diversificar a estrutura produtiva, selecionar projetos estruturantes em energia, de saneamento básico, de telecomunicações e de logística de transportes, para a saúde, para educação e para proteção social. - cabe destacar também, que o governo de Minas Gerais está desenvolvendo novo padrão de financiamento de investimentos através da implementação de novos fundos de investimentos baseados em ativos e recebíveis controlados pelo próprio estado 410 411 O Porta l Bra sil Tra nsp ortes e energ ia por Bruno Viveiros Martins e Marcela Telles Elian de Lima 1. As estradas de Minas “Minas Gerais é muitas. São pelo menos, várias Minas”, afirmava o escritor Guimarães Rosa, em 1957. Já sobre os Gerais, definiu em seu romance Grande Sertão: Veredas, “os Gerais correm por fora”. As muitas Minas e os Gerais de que fala Rosa foram distribuídas ao longo do território por fios bem finos, traçados por indígenas, bandeirantes, aventureiros, exploradores, conquistadores e comerciantes. Esses fios ligaram grupos humanos, formaram cidades e forjaram, ao longo de seus traçados, um legado único de pensamentos, práticas de trabalho e comportamentos. Os homens se dispersaram pelo território e os fios eram muito finos para mantê-los conectados frente ao desafio colocado pelos preconceitos culturais, pela vigilância sobre os caminhos, pelas barreiras naturais. Os núcleos urbanos primeiro se espalharam, depois se separaram em grupos distintos, mas por fim, com o passar dos anos, o livre mercado, o desenvolvimento de uma comunidade cientifica e a disseminação da democracia ajudaram a suspender as barreiras. Era necessário fundir-se novamente. Estreitar as conexões políticas e comerciais, fortalecer essas finas linhas de comunicação, dar-lhes 413 densidade para conferir fluidez ao trânsito entre as muitas Minas, entre as Minas e os Gerais, entre Minas Gerais e as demais regiões do país, até a globalização do presente. Engenheiros, empresários, políticos, sonharam em forjar uma rede única que abrangesse as diferentes partes da província/estado, às demais do Brasil e, ainda mais importante, ao Atlântico, porta para o mundo, de modo que a teia de aranha tecida por indígenas e bandeirantes, se tornasse a rede de asfalto, trilhos, e rotas aéreas dos dias atuais. Minas Gerais se conectou ao atual mundo globalizado e cada uma de suas “muitas Minas” preencheu esse mundo com suas próprias relíquias, seus sotaques, suas crenças, hábitos alimentares, músicas e práticas políticas singulares. 1.1. Malha rodoviária As primeiras linhas traçadas pelos portugueses sobre o território que viria a ser Minas Gerais, eram tributárias das antigas picadas abertas pelos indígenas, antes mesmo da chegada dos colonizadores. A descoberta do ouro na região das Minas, repisou esses caminhos e abriu outros tantos. O afluxo de pessoas se deu a partir da conexão de diferentes trajetos que conformaram o que hoje é conhecido como Estrada Real. Por sua vez, a estrutura dessa estrada serviu de guia para instalação das modernas 414 rodovias que hoje atravessam todo o estado. A Estrada Real foi formada pela conjunção de três caminhos que seguiam do litoral em direção ao interior a partir de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Desses pontos partiam o Caminho de São Paulo para Minas, o Caminho da Bahia, ou dos Currais do Sertão e os Caminhos Velho e Novo, que ligavam o Rio de Janeiro às Minas. A partir dessas estradas principais se ramificavam uma série de trilhas que interligavam as demais regiões ocupadas. Os paulistas seguiram rumo as minas abrindo picadas desde a Vila de São Paulo em direção ao planalto interior. Pela Bahia, a estrada margeava o rio São Francisco. Mas, os caminhos percorridos pelo maior número de pessoas eram aqueles que ligavam a região central das minas ao Rio de Janeiro. Primeiro, passando por Paraty e vilas da capitania de São Paulo – o Caminho Velho – e, a partir de 1698, para diminuir distâncias e reduzir a influência paulista sobre a região, através do Caminho Novo. Esse novo percurso reduziu o tempo de viagem entre as Minas e o porto do Rio de Janeiro pela metade, mas ainda assim era um trajeto perigoso, pois ao invés de acompanhar o vale dos rios, seguia quase sempre pelo alto das serras. Não era uma viagem fácil. Animais selvagens, doenças, mosquitos, a fome e a possibilidade de ataque por parte de bandos de negros fugidos e salteadores deixavam em sobressalto os comerciantes e viajantes que se arriscavam a enfrentar a estrada. Ainda assim, muitos atreveram-se ainda mais, para fugir ao controle exercido pela Coroa portuguesa sobre o trânsito de ouro e diamantes pela capitania. Abriram itinerários clandestinos por onde estabeleceram inúmeros descaminhos para o ouro. Em 1720, em Ato Régio, foi proibido a abertura de outras estradas e aqueles que ainda assim se arriscassem seriam acusados de crime de lesamajestade e severamente punidos. Mas, a nova conjuntura aberta após 1808, como a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, tornou obsoleta essa proibição. As constantes crises de abastecimento que inquietavam seus moradores levaram o príncipe regente d. João VI, a tomar uma série de medidas com o objetivo de articular a capital às regiões abastecedoras do interior do pais, entre elas Minas Gerais. Com a crise da produção aurífera, a capitania das Minas, não poderia mais se valer do ouro para impulsionar seu desenvolvimento econômico e o comércio com a capital do Império abriu-se como uma nova oportunidade para os proprietários ligados a produção destinada ao comércio interno. Em 1809, uma estrada de 121 léguas entre Goiás e o Norte foi aberta. Em seguida, Minas voltou a se ligar à Bahia com regularidade, acompanhando o curso do Rio Doce. Abriu-se também uma estrada entre Minas e o Espirito Santo e entre Minas e Campos de Goitacazes, no Rio de Janeiro. Os caminhos por onde se dava o comércio para abastecimento da Corte, no início do século XIX eram os mesmos que serviram as Minas do século XVIII. Mas, a direção do fluxo inverteu-se e o trânsito de mercadorias, passou a se orientar do interior para o litoral. Medidas foram tomadas no sentido de abrir e preservar novas vias de comunicação, a fim de regularizar o fluxo dos negociantes de tropas soltas ou carregadas de toucinho, queijos, tecido de algodão, galinhas, e barras de ouro para vender. Além das porcadas, carneiradas e boiadas conduzidas por camaradas, escravizados e trabalhadores pobres livres que seguiam para o litoral em direção à praia dos Mineiros, onde as quitandas eram comercializadas em barracas montadas em praça pública, ao longo da baía de Guanabara. A margem das estradas desenvolviase um tipo especial de negócios, organizado para dar apoio aos comerciantes, suas mulas e animais. Eram vendas, ranchos e pastagens que buscavam suprir as necessidades dos viajantes e oferecer um intervalo para o descanso entre a travessia por um atoleiro ou outro, sobre 415 um rio fora do leito e duas ou três pontes quebradas. Em 1812, teve início a construção das estradas do Comércio e da Polícia os projetos mais ambiciosos desse período que tinham por objetivo tornar mais fluida as ligações entre a capital e a comarca mineira do Rio das Mortes. A abertura das novas vias foi acompanhada pelo incentivo ao povoamento e colonização, de suas margens, garantidos pela distribuição de sesmarias em áreas desocupadas. São João del Rei, sede da comarca do Rio das Mortes, tornou-se o centro das exportações mineiras e, junto com Barbacena, firmou-se como entreposto comercial. Situados na entrada dos Gerais, centralizavam o fluxo das mercadorias de diferentes regiões da província e até mesmo de províncias vizinhas como Goiás e Mato Grosso. São João del Rei era servida por diferentes canais de escoamento: estrada do Comércio, estrada da Policia, Caminho Novo. A partir de 1830, o café assumiu posição cada vez mais relevante na economia mineira e a Zona da Mata se converteu em importante área exportadora de Minas, tendo Juiz de Fora como principal polo. Para garantir o constante aumento da produção, era preciso sempre agregar novas áreas ao cultivo do café e, para tanto, o Estado manteve um contínuo investimento em transportes. Em 1861, com a presença do Imperador Pedro II foi inaugurada 416 a rodovia União e Indústria, que ligava Juiz de Fora à Petrópolis. A rodovia facilitou o escoamento da produção e diminuiu os custos com transporte. A estrada construída por Mariano Procópio Ferreira Lage foi recebida como o primeiro sistema moderno de ligação viária entre a sede litorânea da Corte e o interior do Brasil. Por sua vez, o governo provincial, fez da estrada do Paraibuna seu principal empreendimento viário. A estrada começava na ponte do rio Paraibuna, divisa com a província do Rio de Janeiro, e seguia em direção ao norte para a cidade de Barbacena por 151,8 km, passando por Matias Barbosa, Simão Pereira, Juiz de Fora. A passagem para a República, e a inauguração, em 1897, de uma nova capital na região central do Estado, conferiram novo rearranjo a disposição da malha rodoviária. A articulação entre as diferentes regiões passaram a se orientar a partir de Belo Horizonte e a Inspetoria das Estradas de Rodagem, organizada em 1923, tinha entre seus objetivos sistematizar esse novo modelo de integração via estradas. O projeto elaborado pela Inspetoria previa a construção de linhas tronco capazes de conectar os principais centros regionais do estado à Belo Horizonte e de uma estrada de rodagem que ligasse a nova capital diretamente ao Rio de Janeiro. O presidente do estado, Olegário Maciel propôs, em 1924, um Plano Rodoviário que contemplava um sistema de rodovias radiais, com um total de 15.000 km de extensão, que permitissem a articulação da nova capital com as várias regiões do estado. Porém, pouco foi implementado. A região do Triângulo Mineiro, Sul de Minas e Zona da Mata, conectavam-se muito mais com outros estados do que com o próprio centro geográfico e econômico do estado. O norte do estado, por sua vez permanecia praticamente isolado das demais regiões. Entre 1937 e 1944, ainda que não tenha havido aumento no número de estradas, houve uma melhora na conservação dos caminhos e, ao final desse período, 8% da malha rodoviária era formada por estradas com cascalho. Ainda assim, era muito pouco para sustentar o trânsito por automóveis e os veículos a tração animal continuavam a ser os mais utilizados, em Minas Gerais. Em 1946, após a promulgação da lei Joppert que conferia autonomia técnica e financeira ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e estabelecia a criação do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), foi estruturado o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG). Ao assumir o governo do Estado, em 1951, Juscelino Kubistchek se valeu do DER-MG como um dos pilares na execução do Plano Binômio Transporte e Energia. O principal objetivo do Plano, com relação as estradas, era incrementar o sistema rodoviário, deixando a cargo da União as ferrovias. Seu propósito era interligar as diversas regiões do estado por meio de três estradas tronco: Centro-Sudoeste (entre as cidades de Passos e Formiga); Belo Horizonte-Norte (ligando a capital ao município de Salto da Divisa); e, Belo Horizonte-Zona da Mata. Os recursos repassados ao estado pelo FRN iniciaram uma nova fase da era rodoviária em Minas e entre 1946 e 1955 foram abertos 4.339,7 km de estradas e pavimentados 137 km. O tráfego pelas rodovias do estado cresceu consideravelmente nesse período. Se, em 1946 havia 72 linhas de passageiros legalizadas junto ao DER, em 1955 esse número havia subido para 872 e 1084 veículos em circulação. Com a passagem de Juscelino Kubitschek do governo do Estado à presidência da República, e imediata execução de seu Plano de Metas, o território mineiro firmou-se como importante centro articulador da malha federal, atravessado por suas principais rodovias. Principalmente, devido a construção de Brasília, uma nova capital erguida bem no centro do país. Ao final de 1963, Minas Gerais passa a ser o estado com a maior extensão de vias federais. Com o golpe militar, os Departamentos de Estradas e Rodagem perdem autonomia e o planejamento rodoviário para a ser elaborado pelo próprio Governo Federal. Grande 417 parte dos investimentos da União foram empregados para interligar o estado mineiro através de uma lógica radial, em que Belo Horizonte ocupava o centro irradiador de rodovias. Atualmente, Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do Brasil. São 269.546 km de rodovias. Deste total, 7.689 km são de rodovias federais, 23.663 km de rodovias estaduais, e 238.191 km, de rodovias municipais. A Rodovia Fernão Dias (BR 381) que liga as regiões metropolitanas de Belo Horizonte e São Paulo é um dos mais importantes eixos de transporte de carga e de passageiros de todo o Brasil. A BR 040, numa ponta, liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e na outra, atravessa o Noroeste de Minas conectando o estado à Brasília. A Rio-Bahia (BR 116), que corta o leste e o noroeste de Minas Gerais funciona como elo entre as regiões Sul e Sudeste do Brasil com o Nordeste. A BR 262, por sua vez liga Vitória, importante porto de exportação, ao Triângulo Mineiro. 1.2. Navegação fluvial Até o século XIX, o acesso ao mar era vedado aos mineiros, pela Coroa Portuguesa, a fim de evitar possíveis descaminhos para o ouro. Com o declínio das jazidas, a possibilidade de acesso ao Atlântico, e com ele ao mundo, abria-se aos olhos dos habitantes da província. Ouro e 418 diamantes não mais garantiam o desenvolvimento econômico das Minas Gerais. Era necessário sair à procura de novas perspectivas. A partir de então, a chave virou e todos os esforços foram empreendidos para conceder a Minas Gerais acesso rápido para o mar. Sua produção deveria ser escoada para os principais portos: Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Que saída mais fácil havia, senão acompanhar o caminho naturalmente estabelecido pelas principais redes hidrográficas da província: a bacia do São Francisco e o sistema hidrográfico formados pelos rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha. Resolvia-se dois problemas de uma só vez: incorporava-se as terras incultas ou pouco exploradas localizadas às margens desses rios e promoviase o desenvolvimento do comércio interno e de exportação. Os primeiros esforços oficiais para a viabilização de uma navegação fluvial em Minas, foram direcionadas para o Rio Doce. Sua rede hidrográfica localizava-se nos chamados sertões intermédios - terras e rios localizados entre as regiões auríferas e o mar. Nessa extensa zona de floresta era proibido aos colonos durante o século XVIII estabelecerem-se e aquele que se arriscasse estava sujeito a ser severamente punido. Somente em 1800, quando são demarcados os limites entre as Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo que a navegação pelos rios Doce e Caeté é aberta aos mineiros. O rio passa a ser considerado o caminho para se retornar ao período de prosperidade, perdida com a crise da produção aurífera. Em 1801, o governador da capitania do Espirito Santo, Antônio da Silva Pontes, alardeava a novidade: estava aberta a navegação pelo rio Doce. Esperava pela chegada de fazendeiros e comerciantes; afinal o comércio pelo rio Doce e o cultivo das áreas em torno de suas margens ofereciam vantagens econômicas evidentes como a redução do preço dos fretes e do tempo de viagem até o porto de mar. A cidade de Vitória se afirmaria como uma importante praça comercial e Minas Gerais teria acesso direto ao mercado mundial. Para a colonização do sertão e a transformação do rio Doce só faltava começar. Mas ninguém começou e Silva Pontes estava certo do motivo por trás desse desinteresse: as matas infestadas pelo “gentio inimigo”. Era necessário primeiro povoar a região. Organizar uma rede de suporte ao comércio ao longo do rio. Mas, como povoar terras já povoadas? Remover o obstáculo representado pelas populações indígenas, deveria ser prioridade. Em 13 de maio de 1808, o príncipe regente, d. João, declarou guerra aos botocudos com o objetivo de conquistar o território e estabelecer a navegação, pelo rio Doce. Dois anos depois, d. João encarregou os governadores de Minas e Espirito Santo de implementarem a navegação por esse rio. Em 1818, a Junta Militar de Conquista, Civilização do índios, Colonização e Navegação do rio Doce, construiu quarteis ao longo de suas margens e afluentes principais. D. João VI era claro: com a navegação pretendia promover a comunicação com as comarcas de Vila Rica, Sabará e Serro Frio, cuja estagnação atribuía a falta de acesso aos portos de mar. A tarefa foi abraçada por um punhado de empresários brasileiros reunidos na Sociedade de Agricultura, Comércio e Navegação do Rio Doce. A sociedade prometia ligar Vila Rica e Mariana, diretamente com o mar. As chances do empreendimento se tornar rentável eram muito baixas e, em 1824, esses brasileiros se associaram ao capital inglês na criação da Companhia Brasileira do Rio Doce. A parceria foi recebida com desconfiança pelo poder público e o Conselho Provincial conseguiu que o imperador, Pedro I, revogasse o estatuto da empresa e, em seguida, procurou garantir o controle sobre o Sertão do Rio Doce. O imperador autorizou o investimento de recursos públicos na navegação que até então continuava sendo praticada praticamente por canoas militares e outras poucas de comércio ocupadas apenas em buscar sal em Linhares, no Espírito Santo. Cinco anos depois, o governo de Minas Gerais, entregou os pontos. A 419 execução do projeto só seria possível caso houvesse interesse por parte da iniciativa privada, com a participação até mesmo de capital estrangeiro. Em 1833, foi formada em Londres, a Companhia do Rio Doce com objetivo de estabelecer a navegação regular entre o Rio de Janeiro e a foz do rio Doce e navegação fluvial por meio de barcaças ou embarcações maiores. A companhia anglo-brasileira foi recebida com entusiasmo. Havia chegado a hora de tornar a navegação a vapor uma realidade no rio Doce. O entusiasmo não durou muito3 e, em 1939, as expectativas em torno do empreendimento eram poucas. Os resultados práticos conquistados pela companhia eram insignificantes. Em 1843, durante fala dirigida à Assembleia Provincial o presidente da província denunciou o desinteresse da empresa em estabelecer uma navegação regular pelo rio. Para ele, “a companhia se importará mais com as ricas madeiras, que irá tirando das matas em proveito próprio, do que com interesses vitais do país”. A possibilidade de navegação pelo rio Doce deixa a pauta da Assembleia Provincial. A atenção volta-se para outros rios da província: os rios Mucuri, Jequitinhonha, rio das Velhas e São Francisco. O fracasso da Companhia do rio Doce levou o deputado pela província mineira Teófilo Ottoni a pensar novas saídas para as comarcas do Serro e 420 Minas Novas. Não era possível que a cidade do Serro continuasse a importar “sobre as costas de bestas do Rio de Janeiro, o sal, fazendas e louças, que podiam ir com uma viagem de 50 léguas, quando, hoje, é de mais de 100, (...) Do Serro ao litoral distam, talvez, pouco mais de dois graus...”, afirmava em discurso na Câmara dos Deputados. Em 1847, Teófilo e seu irmão Honório constituíram a Companhia do Mucuri. Uma companhia de pretensões ambiciosas. Tinha por objetivo implementar a navegação pelos rios Mucuri, Doce e Jequitinhonha, até chegar ao Atlântico, nas terras baianas das comarcas de Porto Seguro e Caravelas. Em torno desse sistema hidrográfico, se daria a ocupação de terras férteis “tão produtivas como este rico torrão das vizinhanças do Rio de Janeiro”, comparava Ottoni. A integração desse território poderia levar a criação de uma nova província: “Província de Porto Seguro, ou Santa Cruz, ou de Mucuri, ou Jequitinhonha, ou de Minas Novas”, especulava. E para a nova província uma nova cidade: Filadélfia, fundada em 1853, no vale do Mucuri. No mesmo ano em que a Nova Filadélfia é inaugurada, o vapor Santa Clara corta pela primeira vez as aguas do rio Mucuri. Quatro anos depois, os vapores da Companhia transitavam carregados de mercadoria entre Santa Clara, São José do Porto Alegre, e Caravelas. Mas, as dificuldades em colonizar a região e a campanha movida por inimigos políticos de Teófilo Ottoni na Corte, dificultaram suas chances de conseguir empréstimos para contornar as dificuldades financeiras da empresa. Sem recursos, Ottoni retorna ao Rio de Janeiro, a bordo do vapor Mucuri. Na viagem, ao longo do litoral do Espirito Santo, o barco naufraga e é destruído ao ser jogado contra as pedras. Não houve vítimas, mas o episódio pode ser considerado como um melancólico epílogo para as atividades de navegação da Companhia do Mucuri. Restava ainda a bacia do rio das Velhas e São Francisco. Desde 1833, o governo imperial tentava sem sucesso estabelecer viagens comerciais regulares ao longo de seus trechos navegáveis. Pouco antes da proclamação da República, em junho de 1889, foi fundada no Rio de Janeiro, a Companhia Viação Central do Brasil. Tinha por objetivo, estabelecer um sistema integrado de transporte que articularia a navegação fluvial, pelos rios da Velha e São Francisco a um sistema ferroviário e terrestre de escoamento da produção e comércio. A ferrovia Central do Brasil ligaria o Rio de Janeiro às margens do rio das Velhas. Pelo rio das Velhas e São Francisco o transporte ficaria a cargo da navegação à vapor até Juazeiro, na Bahia de onde partiria uma nova estrada de ferro em direção à Salvador. Estabeleciase assim, um intricado sistema de comunicação e transporte ligando o norte ao sul, através do centro do pais. Em 1894, já estava estabelecido o transporte regular de cargas e passageiros pelo rio São Francisco. Dois anos depois, foi aberto o trafego de vapores a partir da estação de Juazeiro e a ferrovia ligando esta cidade a Salvador foi inaugurada. O oceano Atlântico abria-se para o comércio da produção do médio São Francisco. Em maio de 1901, a empresa possuía onze vapores, além das barcaças que estabeleciam o comércio interno e contava com dois estaleiros, um em Juazeiro e outro em Sabará. Os vapores, ou gaiolas, como ficaram conhecidos pela população ribeirinha percorreram por muitas décadas, século XX adentro, o trecho de maior trânsito do percurso, entre Pirapora, em Minas Gerais e Juazeiro, na Bahia. Hoje, numa ponta, em Juazeiro, um dos primeiros vapores a percorrer o rio, o Saldanha Marinho, permanece atracado ao porto como ponto turístico da cidade. Na outra, em Pirapora, o Benjamin Guimarães, insiste ainda em romper o rio São Francisco, em meio as suas margens assoreadas e permanece como única embarcação a vapor em atividade no mundo. 421 1.3. As ferrovias Em 1854, foi inaugurada a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis. Era a primeira via férrea do país e contava com cerca de 16 km de extensão. No ano anterior, em 1853, a Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais, inseriu na pauta para debate o papel a ser desempenhado por esse novo meio de transporte no desenvolvimento da província. O então presidente Luiz Barbosa, comunicava entusiasmado à Assembleia os planos para construção de duas estradas de ferro entre Minas e o Rio de Janeiro. A novidade iria promover uma integração e desenvolvimento nacional conjugada aos interesses próprios da província e de sua elite. “Todos os interesses a reclamam, e a época o permite”, afirmou. As estradas não saíram do discurso, e por dezesseis anos a Assembleia Provincial não voltou a tocar no assunto. O engenheiro Christiano Ottoni, por sua vez, cujos irmãos Honório e Teófilo Ottoni, empenhavam-se em cortar a região do Mucuri com estradas e vapores, seguia, ao longo da década de 1950, apostando nos benefícios que as ferrovias trariam para o desenvolvimento e integração das diferentes partes da província. O trem de ferro, afirmava, acertaria o passo de Minas Gerais ao das províncias litorâneas, ao prover uma ligação direta com o mundo através do rápido 422 acesso ao mar. Quatro anos após a inauguração da primeira linha férrea, Minas Gerais não possuía nem uma légua de trilhos, e logo Minas, que ocupava a “sexta parte do Império em população e representação”, constatava Christiano Ottoni. Em 1869, os primeiros passos foram dados na integração da província à ainda incipiente malha ferroviária em construção pelo país. Não foi sem entusiasmo que o então Presidente da Província, José Maria de Sá e Benavides anunciou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais a chegada da ferrovia em território mineiro com a inauguração das estações de Santa Fé e Chiador, na Estrada de Ferro de Dom Pedro II (EFPII). A província sairia de seu atraso, era a notícia que corria de boca em boca. Seus sertões, áreas incivilizadas por onde pululavam o bravio gentio, seriam cortadas pela máquina do progresso e se abririam à uma colonização preocupada em desenvolver a agricultura e a pecuária, para o comércio interno e externo. Além disso, com a ligação entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro, a família Ottoni acrescentou mais uma façanha em seu currículo, a transposição da Serra do Mar, entre 1863 e 1864. Cristiano Benedito Ottoni havia sido indicado pelo Imperador D. Pedro II para assumir a direção da EFPII. Era a oportunidade para colocar em prática um projeto de integração nacional costurada pelos trilhos de ferro. Essa costura seria firme o necessário para manter os “laços de uma união, que não pesa nem oprime” e maleável o suficiente para garantir a autonomia de suas diferentes províncias. O plano era ambicioso. Partindo da Corte, as ferrovias se ramificariam por Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Mato Grosso “para que o princípio civilizado circule sem interrupção por todo o corpo político”, formando uma rede de comunicação à vapor que conjugaria navegação fluvial e ferroviária, às rodovias por onde percorriam as tropas e carros de bois. Mas o trânsito de mulas, boiadas, porcadas e carneiradas pelas estradas também estariam com os dias contados. Com o objetivo de assumir o abastecimento de carnes para o Rio de Janeiro, foram aprovados os estatutos da primeira companhia ferroviária com sede em Minas Gerais, a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). A região oeste continha o maior rebanho bovino da província e o transporte do gado por trem de ferro reduziria o tempo e os prejuízos causados pelas longas jornadas por estradas em péssimas condições. Em janeiro de 1881, os trilhos da EFOM, partindo da Estação do Sítio, no atual município de Antônio Carlos (MG), da conjunção com a EFPII, chegaram à São João del Rei. Desde então, a ferrovia nunca parou de funcionar. Atualmente, os 12 km que ligam São João Del Rei a Tiradentes são percorridos por turistas interessados em vivenciar o que seria a experiência por excelência da industrialização e progresso, durante o século XIX. Após a instalação da EFOM, chegaram em Minas os trilhos da Estrada de Ferro Bahia-Minas, em 1882, da E. F. Minas e Rio, em 1884, da paulista E. F. Mogiana, em 1886; da Viação Férrea Sapucaí, em 1891; da E. F.Muzambinho, em 1892; da E. F. Três-Pontana, em 1895. Em 1907, foi a vez da E. F. Goiás, derivada de um projeto ambicioso formulado ainda em 1857, cujo objetivo era ligar Goiás ao litoral. O projeto só foi sair do papel, com a República, quando em 1892 formou-se a Estrada de Ferro Alto Tocantins (EFAT) posteriormente denominada Companhia de Estrada de Ferro Goiás (EFG). Seu traçado veio dar em Minas, mais precisamente na cidade de Formiga, de onde seguiria passando por Uberaba e Goiás, até Cuiabá. Em 1919, a aposta do presidente de Minas, Arthur Bernardes era que a estrada iria dar conta de um problema que começava a preocupar: o triangulo mineiro. Essa região foi transferida de Goiás para Minas, por d. João VI, em 1816, mas no início do século XX, permanecida isolada das demais regiões do estado. Em 1906, já havia sido fundado o Partido Separatista do Triângulo. Se não havia caminho para as Minas, por sua vez, havia para São Paulo. Os trilhos da Companhia 423 Mogiana de Estradas de Ferro, a muito haviam alcançado Uberaba a partir desse estado, e o mineiro da região central que se aventurasse a chegar no Triângulo, de trem, teria inevitavelmente que passar por ... São Paulo. Artur Bernardes via na “ligação direta do opulento Triangulo Mineiro com o centro de Minas e com esta Capital, de que se acha atualmente afastado por quatro dias de longa e penosa viagem” a linha que manteria a região atada ao Estado. Não só Bernardes, mas outros presidentes do Estado, como Raul Soares, consideravam o investimento em ferrovias uma prioridade para se manter a unidade territorial. Em 1921, Bernardes anunciou a compra da EFG pelo Estado de Minas, articulou sua venda para a EFOM, que a essa altura estava nas mãos do governo federal. Como em 1906, Afonso Penna, então Presidente da República, já havia aprovado a organização da Rede de Viação Férrea Sul-Oeste de Minas, através da fusão entre a EFOM, a E. F. Sapucaí e a E.F. Muzambinho, em 1922, a EFOM se firmou como a terceira maior companhia ferroviária do país. Podia contar com 1982 km de trilhos espalhados pelos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais e só perdia em extensão para a Estrada de Ferro Central do Brasil, antiga Pedro II, e para a Estrada de Ferro Leopoldina. Em 1931, a Rede de Viação Férrea Sul-Oeste de Minas e junto com a Rede Sul Mineira (RSM) formaram a Rede Mineira de Viação 424 (RMV). Mas, os tempos eram outros e entre as décadas de 1930 e 1940, em Minas Gerais, assim como em todo o país, cada vez menos, novos trechos eram inaugurados. Nos anos de 1950, com Juscelino Kubitschek no governo do estado, e depois na Presidência da República, a opção da União foi antes pelo desenvolvimento das rodovias. Em 1955, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE – atual BNDES), por meio do Grupo Especial Ferroviário, foi encarregado de redesenhar o setor Ferroviário. A saída seria investir nas estradas de ferro da União, reaparelhar somente as vias férreas cujo trânsito justificasse o investimento e desativar as linhas cuja renda não cobria os custos. Em março de 1957, um ano após assumir a Presidência da República, Juscelino Kubistchek criou a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). Das vias férreas que passavam por Minas, foram encampadas a Rede Mineira de Viação (RMV), a E. F. Central do Brasil, a E. F. Leopoldina e a E. F. Bahia-Minas. Na década de 1970, a RFFSA passou a priorizar o transporte de cargas, principalmente o minério de ferro. Com a crise do petróleo durante a década de 1970, o governo militar elaborou o Plano de Desenvolvimento Ferroviário e entre as linhas projetadas, estava a Ferrovia do Aço. Seria uma ferrovia moderna, com cerca de 834 km de vias duplas, eletrificadas e avançados sistemas de comunicação e controle de tráfego, no interior do triângulo formado por três importantes centros econômicos: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A ferrovia escoaria o minério de ferro para as usinas de Volta Redonda e ligaria a regiões metropolitanas de Belo Horizonte e São Paulo. E tudo isso deveria ser executado em 1.000 dias! Mas, três anos após o começo das obras, o Governo Federal suspendeu a execução da linhatronco entre Itutinga e São Paulo. O trabalho foi paralisado por falta de verba e somente, em 30 de maio de 1989, inaugurou-se o trecho entre o município de Jeceaba (MG) e Saudade (RJ). Muitas das estruturas erguidas para execução do projeto da Ferrovia do Aço, apodrecem ao relento. Tuneis que ligam nada a lugar nenhum, trilhos abandonados sem terem levado sequer um vagão. No caminho para Sabará, oito pilares que nunca suportaram trilhos se erguem sobre a rodovia MG-05 e o Rio das Velhas. Entre esses pilares passam os trilhos da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). A EFVM é gerida por uma das três concessionarias que atualmente operam em Minas Gerais: VALE (Estrada de Ferro Vitória a Minas), VLI (Ferrovia Centro-Atlântica S.A; Ferrovia Norte Sul S.A,) e MRS Logística S.A, após a RFFSA ter sido incorporada ao Programa Nacional de Desestatização (PND) e extinta em 2007. A Vitória-Minas, ainda hoje, à revelia do tempo, das rodovias e vias aéreas permanece ligando Minas ao litoral. É a única linha férrea diária interestadual do Brasil, porque a seguir o conselho de Guimarães Rosa, “melhor, para a ideia se bem abrir, é viajando em trem-de-ferro”. Hoje, o litoral é logo ali. A partir da inauguração, em 1984, do Aeroporto Internacional Tancredo Neves – o terceiro maior aeroporto do Brasil e com a maior pista de pouso – alcançar o Atlântico não seria mais uma meta e sim ultrapassálo. O aeroporto Tancredo Neves, localizado nos municípios de Lagoa Santa e Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi construído durante a ditadura militar não apenas para desafogar o tráfego aéreo centralizado no Aeroporto de Belo Horizonte/Pampulha – Carlos Drummond de Andrade que, em 1980, operava além de sua capacidade máxima. Seu principal objetivo era fornecer as condições para conectar a capital mineira diretamente ao resto do mundo – sem escalas. Ainda assim, os saguões do aeroporto de Confins, como ficou conhecido, permaneceram vazios até 2005, quando uma lei que limitava em 70, o número de passageiros por avião autorizados a utilizar as pistas aéreas da Pampulha, redirecionou o tráfego aéreo para Confins. Seis anos depois, em 2011, o aeroporto havia alcançado sua capacidade máxima 425 e o Governo Federal acabou por leiloa-lo para o consórcio AeroBrasil. Em 2016, um novo terminal foi inaugurado. A área do aeroporto foi ampliada em mais de 60% e sua capacidade expandida para 22 milhões de passageiros por ano. Em 2015, 11 milhões de passageiros passaram por Confins. O objetivo é fazer desse aeroporto internacional, um dos principais pontos de conexão do país. Por sua vez, o Aeroporto de Belo Horizonte/Pampulha, que havia sido inaugurado, em 1930, para atender os voos do Correio Aéreo Militar, é direcionado para o atendimento das principais cidades de Minas Gerais, firmando-se entre um dos mais importantes aeroportos regionais do Brasil. Em 2013, entre os principais aeroportos da região Central do Estado, além de Confins e Pampulha, estão o Aeroporto de Belo Horizonte - Carlos Prates, e os aeroportos de Diamantina, Barbacena e São João del Rei. O Alto Paranaíba, conta com aeroportos em Patrocínio, Araxá e Patos de Minas, o Triângulo Mineiro em Ituiutaba, Uberaba e Uberlândia, o Sul de Minas em Alfenas, Varginha, Poços de Caldas e Pouso Alegre; o Norte de Minas possui aeroportos em Montes Claros; Pirapora e Jaíba, o Noroeste de Minas, em Unaí, a Zona da Mata em Ubá e Juiz de Fora, o Centro-Oeste em Divinópolis, a região do Jequitinhonha/Mucuri, tem 426 seu principal aeroporto localizado em Araçuaí e, o Rio Doce, em Ipatinga e Governador Valadares. Segundo dados da Infraero, em 2013, 12.939 passageiros embarcaram/ desembarcaram em Minas Gerais, e 18.574 toneladas foram carregadas/ descarregadas, nesse período. Hoje, de Belo Horizonte, partem voos diretos para Lisboa, em Portugal, Orlando, nos EUA, Buenos Aires, na Argentina e cidade do Panamá. 2. Energia, industrialização e desenvolvimentismo Em 1883, um ano depois da inauguração da primeira hidrelétrica do mundo, nos Estados Unidos, começou a funcionar outra usina do mesmo tipo em Diamantina, Minas Gerais. A primeira usina hidrelétrica do Brasil foi construída no Ribeirão do Inferno, e era responsável pela maior linha de transmissão até então em atividade, com 2 km de extensão. Isso tudo para movimentar duas bombas d´água utilizadas no desmonte de terrenos diamantíferos. A medida em que, pelo mundo, iam sendo inventadas novas máquinas e motores capazes de converter um tipo de energia em outro, em Minas Gerais, elas eram adaptadas às necessidades específicas de sua economia. Se na Grã-Bretanha, a descoberta do motor a vapor para uso nas minas de carvão transformou a Inglaterra na oficina do mundo, no final do século XIX, Minas Gerais, mesmo sem reservas carboníferas de boa qualidade, tinha no município de Juiz de Fora, sua “Manchester Mineira”. Sem o carvão, a geração hidrelétrica se firmou como a principal opção para a produção de energia e, em 1889, entrou em operação em Juiz de Fora a usina de Marmelos Zero, primeira hidrelétrica da América Latina. do Complexo Solar Pirapora, abrigará um dos maiores projetos de energia solar da América Latina. No caminho, matas e cerrados foram derrubados, rios represados e as paisagens de Minas Gerais a cada dia tornam-se mais cinzentas. Mas degradação ecológica não é o mesmo que escassez de recursos. Os recursos disponíveis estão crescendo constantemente e é bem provável que continuem a crescer. Foi identificado quantidade imensa de energia nos átomos? Em 1953, Ainda que a produção de energia elétrica tenha sido pioneira em Minas o engenheiro Francisco Magalhães Gomes funda, em Belo Horizonte, o Instituto de Pesquisas Radioativas, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais, onde se formou, em 1965, o Grupo do Tório, e dão início ao desenvolvimento de um reator nuclear, o Triga. A descoberta do motor de combustão interna revolucionou o transporte humano e fez do petróleo poder politico liquido? A Escola de Minas de Ouro Preto, a partir de sua fundação em 1876, formou uma mão-de-obra especializada, com conhecimento científico suficiente para sair pelo país a procura do ouro negro. A cada dia novas fontes de energia são identificadas. O petróleo não é uma fonte renovável de energia? A energia fornecida pelo sol, por sua vez, é infinitamente superior à quantidade de energia armazenada em todo combustível fóssil da Terra e Minas Gerais, com a implantação Gerais, a instalação da usina do Ribeirão do Inferno, em Diamantina, foi uma iniciativa independente e isolada seguida por outras de formato similar ainda que com maior capacidade de produção. Como por exemplo, a usina instalada no rio Turvo Sujo, pela Cia Fiação e Tecidos São Silvestre, em 1885, cujo objetivo era fornecer energia às instalações de sua fábrica, em Viçosa. A exceção dessas iniciativas individuais, a maior parte do estado permanecia no escuro. Quando não, os próprios moradores da moderna, nova e planejada capital do Estado, regularmente saíam as portas de suas casas anunciando para os desavisados: A luz foi embora! Para sua iluminação, a Nova Capital valiase da energia produzida pela usina de Freitas, construída em uma queda d’agua no ribeirão Arrudas. A usina foi erguida em terreno adquirido pelo Estado e integrou o conjunto 427 de obras públicas que compunham a Nova Capital, inauguradas em 1897. O fornecimento de energia à Belo Horizonte seria reforçado dez anos depois, pela hidrelétrica de Rio de Pedras, construída no Rio das Velhas, em Itabirito. Mesmo assim, as interrupções no fornecimento eram frequentes. Na tentativa de solucionar o problema, a prefeitura instalou no centro da cidade da Usina de Gás Pobre. As usinas espalharam-se não só em Belo Horizonte, mas por todo o estado. Em 1920, Minas Gerais chegou a ocupar o primeiro lugar em número de usinas e empresas de eletricidade, do país, ainda que, com relação à potência instalada, sua posição caísse para o terceiro lugar, sendo precedida por São Paulo e Rio de Janeiro, onde o grupo canadense Brazilian Traction, Light and Power, concentrava a maior parcela de serviços elétricos. Em Minas Gerais, ao contrário, grande parte das usinas pertencia a pequenas concessionárias privadas ou aos munícipios. Os centros de produção de energia espalhavam-se pelo território sem um planejamento capaz de articulá-los. Ao final da década de 1920, o grupo norteamericano American and Foreign Power Company (Amforp) obteve a concessão dos serviços de eletricidade de Belo Horizonte e Santa Bárbara, por intermédio da Companhia Força e Luz de Minas 428 Gerais (CFLMG) e assumiu todos os bens e instalações do Departamento de Eletricidade, do governo do Estado. Em 1934, o Código de águas, decretado por Getúlio Vargas, então chefe do Governo Provisório, produziu uma forte inflexão na indústria de eletricidade ao assegurar à União o monopólio do poder de concessão dos aproveitamentos hidrelétricos. O governo determinou ainda a fiscalização técnica, contábil e financeira das empresas do setor e, em 1939, com a criação de um órgão regulador – Conselho Nacional de águas e Energia Elétrica – o Estado tomou para si a responsabilidade de orientar a exploração desses recursos. Quando o Código das Aguas foi promulgado, o interventor Benedito Valadares no comando do governo de Minas Gerais, iniciou uma política de intervenção estatal na produção de energia elétrica, em sintonia com o governo varguista. Durante a década de 1930, após a inauguração da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, em 1921, a siderurgia passou a ser considerada como a saída para a recuperação da economia do estado. A Belgo não só incorporou várias pequenas usinas como se dispôs a construir a usina de Monlevade. Entre 1925 e 1940, a produção de ferro-gusa passou de 31.000 toneladas/ano para 159.000 toneladas/ano. Para aumentar ainda as expectativas em torno da siderurgia, cogitava-se a hipótese de que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) fosse instalada em Minas o que acabou não ocorrendo, e a CSN acabou indo parar em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Benedito Valadares continuou a apostar na industrialização como saída para o desenvolvimento do estado. O problema era: sem energia, como movimentar as máquinas? Para resolver a questão deu início a construção de uma série de hidrelétricas: Pai Joaquim, no Triângulo Mineiro, Santa Marta, no norte de Minas Gerais, a usina de Gafanhoto, cujo objetivo era fornecer energia para a Cidade Industrial de Contagem. A ideia de construir uma Cidade Industrial nas proximidades de Belo Horizonte, foi do secretário de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho, Israel Pinheiro – o futuro presidente da NOVACAP, responsável pela construção de Brasília. Em 1941, quando a construção da Cidade Industrial foi decretada, as obras para a usina de Gafanhoto, já estavam em andamento. O governo havia se comprometido a fornecer energia elétrica para as indústrias, só não contava que o navio vindo dos EUA, carregado com os geradores, seria afundado nos conflitos da Segunda Guerra, sem chegar ao seu destino. A usina só foi concluída em 1946, com algumas fábricas já instaladas na Cidade Industrial, como por exemplo, a Cimento Itaú, que pronta para dar início à produção, precisou esperar alguns meses até a chegada da energia, para colocar suas máquinas em funcionamento. Em 1947, Milton Soares Campos tomou posse no governo de Minas e lançou o Plano de Recuperação Econômica e Fomento a Produção, em que a incipiente rede de transporte e produção de energia aparecem como os principais entraves à industrialização do estado. Milton Campos toma uma iniciativa e contrata a Companhia Brasileira de Engenharia (CBE) sob coordenação do engenheiro Lucas Lopes, para elaborar o Plano de Eletrificação de Minas Gerais. Ao longo dos cinco volumes que compõem o plano, Lucas Lopes defendia a interligação do sistema energético, a instalação de grandes unidades geradoras, ao invés das insuficientes pequenas unidades espalhadas pelo território, propõe a construção de sete subsistemas regionais e a combinação entre usinas e redes privadas e pública. Mais importante: o plano propõe a criação de empresas públicas regionais conectadas e controladas por uma empresa, uma holding. Tal projeto está na origem das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. (CEMIG). A proposta de Lucas Lopes estava em sintonia com os debates em torno do papel a ser ocupado pelo Estado 429 no processo de desenvolvimento econômico do país, que marcaria à década de 1950. Nesse período, na Europa, EUA e América Latina, teóricos do desenvolvimento defendiam a intervenção do setor público como meio para acelerar o crescimento econômico. No Brasil, esse debate foi especialmente agudo no segundo governo Vargas e culminou com a criação da Petrobrás e da Eletrobrás. Quando Vargas retomou ao poder, em 1951, as previsões davam como certa – e próxima – uma grave crise de abastecimento de energia elétrica de consequências imprevisíveis. Resolver o problema tornou-se prioridade para seu governo. Por sua vez, também Juscelino Kubitschek ao assumir o cargo de governador de Minas, em janeiro de 1951, chegou com uma ideia fixa: industrializar o estado. Mas, os problemas da energia e do transporte, identificados nas gestões anteriores permaneciam. O novo governador concentrou todos os esforços no desenvolvimento desses dois setores, sintetizados no Plano Binômio Energia e Transporte. Lucas Lopes foi indicado para execução do programa de energia do novo governo e uma de suas primeiras ações foi colocar em prática a construção da holding como previsto em seu Plano de Eletrificação. Em 22 de maio de 1952, foi fundada a Centrais Elétricas de Minas Gerais e Lucas Lopes assumiu sua presidência. 430 A Cemig priorizou a construção das hidrelétricas de Salto Grande, Itutinga, Tronqueiras e Piau, da barragem de Cajuru, complementar à usina de Gafanhoto, da usina térmica de reserva na Cidade Industrial, além da implantação de uma rede de transmissão com cerca de 800 km de extensão O programa pretendia adicionar 100 mil kW ao parque gerador de Minas Gerais até 1956 e o cronograma era apertado. Logo que assumiu o governo do Estado, JK foi indicado pelo presidente Getúlio Vargas para entrar em entendimento com um grupo de alemães interessados em instalar uma indústria siderúrgica no país. Para decidirem-se por Minas Gerais, no entanto, o estado deveria garantir um suprimento de energia elétrica da ordem de 50 mil kw em três anos. Era praticamente à metade de todo o consumo do Estado. Lucas Lopes, presidente da Cemig, achou que era inviável o cumprimento desse item do acordo, mas Juscelino firmou o pé e, em maio de 1952, a pedra fundamental da Mannesman foi inaugurada. “Lutamos contra o relógio”, recorda o engenheiro John Cotrim, “e tivemos sucesso: a usina de Salto Grande entrou em funcionamento a tempo de suprir a Mannesmann, e Itutinga foi inaugurada no início de fevereiro de 1955”. Nos anos 1950, entre os maiores consumidores de energia elétrica da Cemig, estavam a Mannesman e a Belgo-Mineira. Enquanto as usinas eram construídas para atender a demanda das indústrias a serem instaladas em Minas Gerais, a Cemig, deu início a uma série de estudos para determinar o potencial hidrelétrico ainda a ser desenvolvido no estado. Em particular, o potencial energético do rio Grande. Em 1955, ao fim do levantamento realizado, uma das principais descobertas foi o local conhecido como corredeiras de Furnas, próximo ao município de Passos. Com a posse de Juscelino Kubitschek na presidência da República, em 1956, não apenas o projeto de Furnas, mas também Três Marias, no rio São Francisco, passaram à ordem do dia. A Usina de Três Marias detinha um papel estratégico em relação à construção de Brasília: estava a meio caminho de distância entre o Rio de Janeiro e a nova capital federal. Numa época em que não existiam linhas de transmissão a grandes distâncias, possuir uma usina, com grande potencial, no centro do território de Minas Gerais, seria fundamental para interligar, energeticamente, o planalto central à região Sudeste. A barragem de Três Marias, denominada Bernardo Mascarenhas, era parte integrante do plano de desenvolvimento econômico para a região rio São Francisco, elaborado pela Companhia Vale do São Francisco, da qual o engenheiro Lucas Lopes havia sido diretor de Planos e Obras. A usina aproveitaria o potencial hidráulico da bacia e, além disso, contribuiria para o controle das enchentes responsáveis pelas inundações anuais da região. A construção da barragem principal foi iniciada em 1957 com término previsto para 1960, com a instalação imediata das turbinas e o início da produção energética. A Usina de Três Marias foi projetada para aproveitar um potencial energético equivalente a 500.000 Kw. O tempo para execução do projeto, no entanto, foi superior ao estimado. A barragem foi inaugurada em 1961 e a usina começou a funcionar em julho de 1962. A barragem de Três Marias possui 2,7 Km de extensão e 75 m de altura com capacidade para 21bilhões de metros cúbicos de água. Seu lago artificial possui uma superfície de 1.050 quilômetros quadrados, três vezes maior que a Baía de Guanabara. A construção da hidrelétrica de Furnas por sua vez, era fundamental para o cumprimento da meta de energia elétrica, do plano de governo de JK. Tratava-se de um empreendimento gigantesco para os padrões da época e, segundo Lucas Lopes, “veio exatamente na hora em que o Brasil precisou de um milhão de quilowatts, para dar um salto enorme na sua expansão”. A execução da obra ficou a cargo da Central Elétrica de Furnas, fundada em fevereiro de 1957 sob a presidência do engenheiro John Cotrim. Essa 431 nova empresa federal de economia mista assumiu, no lugar da Cemig, a responsabilidade de conduzir as operações pois, uma usina com a proporção de Furnas, dizia respeito a vários estados da região Centro-Sul e não apenas a Minas Gerais. Esse interesse compartilhado, foi recebido com desconfiança por muitos mineiros, entre eles o governador José Francisco Bias Fortes. Tratavase realmente de uma grande usina, cuja barragem ocuparia uma ampla extensão do território, mas sua produção estava direcionada para o mercado paulista. A construção da usina de Furnas inundou 8% da área total do Estado e atingiu 32 de seus municípios. Cerca de 35.000 pessoas – moradores da região inundada – foram afetadas diretamente e 9.000 obrigadas a deixar suas propriedades. Ora, corria à boca pequena: “Minas não pode ser a caixa-d’água do Brasil”. Os projetos hidrelétricos dessa fase pioneira da Cemig, ao pensarem para além das fronteiras de Minas, deram origem a sistemas integrados de produção e distribuição de energia elétrica como Furnas, que fizeram daquele núcleo central de Minas, a base para o sistema interligado brasileiro de energia elétrica. Atualmente, a Cemig atende cerca de 30 milhões de pessoas em 805 municípios em Minas Gerais e Rio de Janeiro e é responsável pela gestão da maior rede de distribuição de 432 energia elétrica da América do Sul, com mais de 525.224 mil quilômetros de extensão. Novas usinas foram implantadas por todo interior do estado. As hidrelétricas são mais recorrentes no Triângulo Mineiro, devido ao maior potencial hidráulico dessa região. Mas mesmo regiões com poucos recursos hídricos como o Vale do Jequitinhonha, conta hoje com a instalação da usina hidrelétrica de Irapé – Usina Presidente Juscelino Kubitschek –, nos municípios de Berilo e Grão-Mogol No entanto, a diversidade de ecossistemas em seu território, permite ao estado mineiro, um quadro rico em alternativas para produção de energia elétrica. Em Pirapora, no norte do estado, em 2016, foi iniciada as obras para implantação do Complexo Solar Pirapora. A maior usina de geração de energia fotovoltaica da América Latina será instalada pela espanhola Solatio Energia em parceria com a Canadian Solar, que fornecerá os painéis solares. O complexo será composto por cinco usinas fotovoltaicas, com potência instalada total de 150 megawatts (MW) e capacidade para atender a demanda de 189.842 residências. Além da incidência do sol, a região foi escolhida para instalação do projeto por contar com uma subestação de energia que permitirá a conexão da nova unidade geradora com o sistema nacional. O potencial eólico do estado, por sua vez, vem sendo mapeado desde 1981 quando a Cemig iniciou a execução do projeto Estudos sobre Aproveitamento de Energias Solar e Eólica em Minas Gerais. Em 1992, iniciou-se o projeto de construção da Usina Eolioelétrica Experimental (UEEE) do Morro do Camelinho, em Gouveia. Localizada na Serra do Espinhaço, a 1350 m de altitude, a região foi considerada, nesse período, o local com características mais adequadas para a implementação do parque eólico: melhor regime de ventos, presença de uma rede de transmissão e de uma infraestrutura desenvolvida. A Usina foi inaugurada em 1994, tornando a Cemig a primeira concessionária no Brasil a implantar uma usina eolioelétrica interligada ao sistema elétrico nacional. Mas, o alto custo com a manutenção dos equipamentos levou a desativação da usina. Minas Gerais conta ainda com usinas termelétricas, como a de Ipatinga, Formoso, Barreiro e Igarapé. A usina termelétrica de Ipatinga foi construída pelas Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas) e foi inaugurada, em 1986. A energia produzida a partir do aproveitamento dos combustíveis gasosos produzidos pela própria Usiminas. Tratava-se de um dos maiores investimentos de co-geração de energia até então desenvolvidos no país. Em 2000, a empresa foi adquirida pela Cemig. A usina termelétrica do Barreiro, localizada no bairro do Barreiro, em Belo Horizonte, por sua vez, foi construída pela Cemig em parceira com a siderúrgica franco-alemã Vallourec & Mannesmann Tubes do Brasil (VMB). é uma unidade de cogeração que aproveita combustíveis residuais dos processos de produção da siderúrgica. A usina termelétrica de Formoso, localizada na região noroeste de Minas Gerais, inaugurada em 1992, foi a primeira usina da Cemig a se valer da gaseificação de carvão vegetal para gerar eletricidade e a usina termelétrica de Igarapé, no município de Juatuba, é a única usina à base de óleo combustível da Cemig. Atualmente, o Brasil é referência internacional na área energética, na produção de petróleo em águas profundas, na produção de etanol, no seu parque de geração hidrelétrico, no aproveitamento da energia eólica, no seu extenso e integrado sistema de transmissão de energia elétrica e, especialmente, na capacidade de renovar, não apenas sua matriz energética, como os meios de produzir energia elétrica. Em 2010, 81% do total produzido de energia elétrica, no país, foi por meio das hidrelétricas. Em Minas Gerais, como em todo país, a hidroeletricidade se mantém como principal meio para gerar energia elétrica. 433 Mas, a descoberta de novas fontes de energia, novos tipos de matérias-primas, melhor maquinaria e métodos de produção inovadores, tendem a reverter esse quadro. Quando olhamos para o futuro daqui a vinte anos, esperamos produzir e consumir muito mais do que hoje. As chances para superar qualquer problema de escassez de recursos são boas: energia eólica, fotovoltaica, biodiesel, biomassa, gás natural, geotérmica e Minas Gerais tem potencial para a produção de muitas delas. Porém, crescimento econômico e desenvolvimento cientifico se passam numa mesma frágil biosfera e cada avanço produz forte impacto ecológico. A maior parte do território mineiro enfrenta problemas relacionados ao meio ambiente. Em mais de 40% dos municípios de Minas Gerais, o índice de degradação ambiental chega a 100%. Referências ARAúJO, Valdei Lopes de (Org). 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Sob esses variados olhares segurança pode ser um estado da mente, uma sensação ou percepção de se estar seguro. Também pode ser compreendida como a defesa do Estado e do império da lei ante eventuais transgressores. Igualmente é compreendida para muitos como a defesa dos direitos dos cidadãos, sendo a garantidora dos direitos constitucionais de cada indivíduo. Outro viés envolve ainda a ideia de instituições, como as polícias ou o sistema judiciário, voltadas para a aplicação da lei ou para a garantia da ordem pública. Nesse conjunto de diferentes interpretações um elemento a ser considerado nas reflexões relacionadas à segurança pública é justamente a dualidade entre suas dimensões objetiva e subjetiva. Objetivamente, a segurança pública é observada nos números das ocorrências criminais, nos acontecimentos diários em que muitas vezes variadas formas de violência estão presentes. Por outro lado, subjetivamente, expressa a 439 percepção dos indivíduos em relação à segurança, seus sentimentos sobre o que seja estar seguro. Aqui cabe notar que tais perspectivas não necessariamente convergem para uma única tradução da realidade. De todo modo, como aponta Soares (2017) Isso mostra que, ainda que analiticamente seja necessário fazê-lo, no fluxo da vida real, a sensação, fruto da percepção, e os eventos criminais – ou assim interpretados– são duas faces da mesma moeda, são dimensões inseparáveis, e ambas as faces têm de ser levadas em conta tanto na conceitualização da segurança quanto na elaboração de diagnósticos e de planos de ação institucionais e governamentais. Considerando essas facetas Soares (2017) define que a segurança pública é “a generalização da confiança na ordem pública, a qual corresponde à profecia que se autocumpre e à capacidade do poder público de prevenir intervenções que obstruam este processo de conversão das expectativas positivas em confirmações reiteradas”. Nessa acepção quanto maior a confiança dos indivíduos em relação a segurança e bem-estar comuns ou no tocante a punição dos eventuais transgressores, maior a probabilidade de que essas mesmas pessoas contribuam mesmo que involuntariamente para a manutenção dessa referida ordem pública. 440 Delimitando um pouco mais o tema do presente texto, sob o viés governamental a segurança é reconhecida como um direito fundamental do homem, e definese como uma das finalidades primordiais do Estado moderno. Em relação à segurança pública, o Estado brasileiro a reconhece como dever do Estado e direito e responsabilidade de todos. Essa pode ser entendida como um serviço público, baseado na prevenção e na repressão qualificada à violência e à criminalidade, “com respeito à equidade, à dignidade humana e guiado pelo respeito aos Direitos Humanos e ao Estado democrático de Direito” (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PúBLICA, 2017). Assim, tomando segurança pública como um “dever do Estado”, que é concretizado em um “serviço público”, um primeiro desafio envolve a compreensão de como o aparato estatal se desenvolveu para lidar com esse fenômeno. Um grande desafio para as organizações do Estado no desenvolvimento dessa função reside no fato de que o fenômeno criminal se apresenta de múltiplas formas, com naturezas inteiramente distintas entre si. A mesma estrutura que deve lidar com crimes de pedofilia, estupro e violência de gênero também enfrentará o desvio de verbas públicas. Enfrenta-se do furto, tráfico de drogas e homicídio à sonegação fiscal e crimes ambientais. Para, além disso, existe ainda o elemento temporal a ser considerado. As prioridades das instituições do Estado e da sociedade do que sejam ameaças à segurança pública tendem a sofrer enormes variações de acordo com o passar das décadas e séculos. Com naturezas tão diferentes é possível então concluir que os elementos causais para a ocorrências de crimes possam variar enormemente. No plano individual, podemos encontrar fatores psíquicos, associações e relações pessoais, a exposição a fatores criminógenos como armas e drogas psicotrópicas. Também há os elementos estruturais de ordem social, econômica e demográfica, como renda, desigualdade socioeconômica, adensamento populacional e estrutura etária. Ainda podem ser apontados fatores estruturais relacionados à própria capacidade da ação coercitiva do Estado para prevenir e reprimir o crime, por meio do sistema de justiça criminal (CERQUEIRA, 2014). No Brasil, a estrutura disponível que leva aos indivíduos o pretenso direito a segurança, permitindo o pleno exercício da sua cidadania, está predominantemente sob a responsabilidade executiva dos Estados. Todavia, desde meados do século XX a arquitetura institucional de segurança nesses mesmos Estados é determinada quase inteiramente por um arcabouço jurídico federalizado. Assim, enquanto os desafios nessa temática obedecem a peculiaridades locais, a estrutura das organizações é acentuadamente similar. Mudanças profundas nas polícias, por exemplo, exigiriam alterações na legislação federal e na própria Constituição da República. Por conseguinte, essa padronização em como o Estado se apresenta pode infundir a falsa compreensão de que Segurança Pública se constitui como um único fenômeno de norte a sul do país. Igualmente é repassada aos governos estaduais uma responsabilização junto à população sobre as falhas do sistema, sendo que as margens de manobra de governadores e secretários de segurança são limitadas por essa estrutura jurídica. O Sistema de Segurança Pública, que se compõe das organizações com atribuições para a prevenção e controle da violência e criminalidade é o principal foco de análise do presente trabalho. Porém, com a delimitação geográfica da análise localizada no Estado de Minas Gerais. Apesar de que diferentes dimensões da Segurança Pública poderiam vir a ser objeto de estudo, tal escolha se explica em muito pela pouca evolução desse sistema que mantém sua arquitetura e lógica presas as matrizes fundacionais que remontam a aproximadamente dois 441 séculos. Tal fato em muito contribui para o fracasso no cumprimento de sua missão institucional e, diante de quadro tão desafiador, representa significativo avanço adequar toda essa estrutura ao século XXI. Nesse sentido, compreender as instituições e seus processos é um instrumento basilar para que se pensem as mudanças necessárias nesse serviço do Estado. Paralelamente, o recorte territorial focado em Minas Gerais da presente pesquisa se justifica pela complexidade das próprias instituições, processos e políticas que compõem o tema. Conforme observado, apesar da aparente uniformidade interestadual Minas Gerais apresentou uma ampla gama de peculiaridades em relação ao processo formador do seu sistema de segurança pública. Em que pese o hermetismo da estrutural legal vigente, o processo formador do que seja segurança pública nas Minas Gerais foi bastante peculiar em relação ao restante do país. Tão importante quanto à delimitação geográfica dessa temática, situando-a no contexto mineiro, é a análise do processo de evolução histórica das organizações voltadas para a segurança. As raízes de instituições como a Polícia Militar de Minas Gerais ou o judiciário, por exemplo, remontam ao final do século XVII e início do Século XVIII, trazendo características desse tempo que ainda estão profundamente 442 enraizadas até os dias de hoje. O mesmo se dá com a Polícia Civil cujas origens se mesclam com o nascimento dos tribunais no país, em que a sobreposição de funções e ausência de fronteiras funcionais perdurou por séculos. Às vezes o que para muitos pode ser considerado um comportamento errático das instituições de segurança defendendo prerrogativas e papeis na contramão de suas atuais finalidades, para os que carregam o peso de uma tradição histórica secular é tão somente a manutenção de um legado a ser preservado. Dessa maneira, o texto busca em um primeiro momento identificar as origens das instituições de segurança no Estado de Minas, sua evolução, bem como a evolução do próprio conceito de segurança pública no Estado. De posse desse alicerce se tem um segundo momento em que são discutidos os desafios atuais sob a égide desse horizonte histórico e geográfico. Se mudanças são necessárias nessa temática, o primeiro passo é a justa compreensão de suas raízes e dos desafios presentes. 2 - Contexto originário A questão da segurança pública é um dos aspectos marcantes da conformação do Estado de Minas Gerais desde suas mais remotas origens. Como todas as regiões do mundo “desabitadas” em que surgia a promessa de riqueza rápida, o povoamento da região de Vila Rica (atual Ouro Preto) ocorreu de maneira quase incontrolável depois que a notícia da descoberta do ouro se espalhou pelas Américas e Europa. Em um primeiro momento milhares de aventureiros dos mais distantes rincões do Brasil e Portugal se deslocaram para a região em busca de fortuna, sendo secundados por europeus de todos os matizes. Vila Rica, nas primeiras décadas do século XVIII, chegou a se constituir como a cidade mais populosa das Américas, com mais habitantes que Nova York. No entanto, esse crescimento desordenado se provou insustentável em termos logísticos, gerando como consequência quase imediata a carência generalizada de produtos alimentícios. Em um episódio que ficou conhecido como “a grande fome” muitas pessoas morreram e milhares fugiram para os bosques em busca de sustento. Os “paulistas”, como aventureiros acostumados às entradas e bandeiras cuja sobrevivência em meio a natureza era quase um hábito, conseguiram estratégias mais eficientes para lidarem com a falta de alimentos, os demais brasileiros e portugueses não. Conforme descrição feita no período: Sendo a terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na mão e uma pepita de ouro noutra, sem terem outro sustento (ANTONIL, 1711). Em meio a esse cenário de miséria e fome generalizada comida valia mais do que ouro, pois era a garantia de sobrevivência imediata. Na busca por alimento até mesmo as ricas lavras de minério ficaram desertas, se tornando alvo de saqueadores, ladrões e invasores. Com picos em 1699 e 1701, a situação somente começou a se normalizar a partir de 1706 (ROMEIRO, 2008). Para além do ouro, alimentos eram fonte de cobiça e, portanto, alvo de ações violentas, com assassinatos e saques. Por outro lado, a fome também trouxe oportunidades para diversos setores sociais no Brasil e no exterior. Ante tamanha escassez de gêneros alimentícios fazendeiros, comerciantes e prestadores de serviços diversos logo começaram a se assentar em cidades próximas da região das minas com o intuito de atender a forte demanda gerada 443 444 pelo povoamento exponencial. Cidades foram erigidas de simples vilarejos, aglutinando milhares de novos moradores. Para além dos locais de extração do ouro “caminhos” foram traçados em direção ao Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, gerando novos vilarejos e cidades relativamente distantes das minas, mas com importante papel de fornecedoras de alimentos e insumos. O fluxo de novos mineradores, tropas de bois, produtos agrícolas, bens e mercadorias se tornou grande e quase ininterrupto. Todavia, mais do que os complexos problemas de abastecimento, todo esse crescimento gerou um grande paradoxo ao Estado português, pondo em xeque seu modelo de colonização de até então. Uma vez que o reino precisava de meios logísticos para assegurar a exploração do ouro, igualmente pretendia controlar o acesso local evitando o contrabando do metal precioso bem como o próprio fornecimento de carne clandestino. Se eram fundadas vilas e cidades estas deviam ser policiadas, se estradas surgiam seu fluxo devia ser fiscalizado, pois o ouro somente era legalizado quando fundido e cunhado. em que o interior do país fora deixado anteriormente como responsabilidade apenas das elites locais, leia-se os proprietários de terras. Até então a colonização portuguesa nos séculos XVI e XVII fora desenvolvida centralmente a partir do litoral. Focada inicialmente na exploração da madeira e posteriormente nas grandes empresas de produção de açúcar para exportação, o controle colonial do território era um encargo da iniciativa privada, mediante as grandes capitanias hereditárias. Por conseguinte, o cerne do esquema Assim, concomitantemente a esse amontoado incontrolável de novos indivíduos, caminhos e cidades onde antes nada havia, tinha-se um Estado português extremamente frágil, em um modelo de colonização Nesse sentido, ao lidar originariamente com esse inusitado crescimento populacional nas Minas, no interior profundo do Império Colonial Português inexistia um aparato que permitisse ao Rei de segurança e defesa lusitano envolvia uma marinha poderosa que protegesse o litoral do ataque de piratas e das potências concorrentes, enquanto o interior do continente era deixado por conta dos proprietários de terras e suas milícias privadas. Com a descoberta do ouro e a interiorização do desenvolvimento econômico, profundas mudanças tiveram que ser realizadas nesse modelo de colonização e mais precisamente na estrutura de segurança e defesa do Estado. Mudanças essas que alteraram profundamente a lógica de segurança pública das Minas Gerais impactando, todavia, todo o país. assegurar os objetivos do Estado de controle sobre o ouro e muito menos garantir a lei e a ordem para a crescente população local. Embora a extração de riquezas exigisse um constante fluxo de pessoas e bens, ao mesmo tempo fragilizava o controle português sobre o ouro e sua tributação mediante a coleta da quinta parte desse ao tesouro do Rei. C o m o con sequ ên cia a e ssa lógica de controle o Estado elegeu o enfrentamento dos setores que atuavam para minar a sua soberania sonegando impostos, contrabandeando produtos e arquitetando revoltas e insurgências. Controlar estradas, limitar o fluxo de pessoas, obrigar a cunhagem de moedas e combater movimentos armados era a prioridade das forças de segurança portuguesas. Como observado, vindo de um modelo colonial em que a “lei” era imposta pelas elites locais, o Império Português passou a competir com os seus outrora colaboradores na tentativa de fortalecer o poder central. Se antes os adversários eram as potências concorrentes como França ou Holanda, que objetivavam saquear ou tomar parte do litoral brasileiro, agora era no interior dos domínios que a disputa por riquezas estava dada. Era política do Império Português tomar sua justa parte de ouro mediante pesada tributação bem como o controle das riquezas (SODRé, 2010, p. 19-80). Inevitavelmente essa pesada tributação foi o principal fato gerador de revoltas dos “poderosos” locais em que o equilíbrio político-econômico vigente fora rompido pela Coroa. As Minas Gerais, praticamente inexistentes no mapa colonial do Séc. XVI, se tornariam um dos principais focos de conspirações e conflitos brasileiros no final do Séc. XVII. Um panorama desse cenário é dado pelo relato do Conde de Assumar1 (1720) sobre as insurgentes terras das Minas Gerais e os conflitos com sua elite: ...os motins são naturais das Minas, e que é propriedade e virtude do ouro tornar inquietos e buliçosos os ânimos dos que habitam as terras onde ele se cria. Pelo menos, eu acho que, depois que se principiou a tirar ouro, se viram as primeiras dúvidas e contendas no mundo: retirou-se a justiça para o céu, e produziu a terra gigantes e poderosos, que, atrevidos, rebeldes e insolentes, intentaram levantar-se contra o seu soberano. E bem que nesta forma tenha a maior parte dos mineiros alguma desculpa em frequentar os motins, a que interiormente os inclina a força e arrasta a natureza, que podendo os não castiga, nenhuma desculpa têm (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1994). 1 Foi o terceiro Governador e Capitão-mor da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro em Mariana Minas Gerais. 1717 a 1721. 445 Sob esse prisma a Guerra dos Emboabas (1707 a 1709), a Revolta de Felipe dos Santos (1720), a Inconfidência Mineira (1789), foram grandes irrupções em um amplo contexto de conflagração permanente. Menos conhecidas, mais conflagrações violentas aconteceram ainda em Minas Gerais nesse mesmo período histórico, tais como os levantamentos de Vila do Carmo (1713), Sabará, Vila Nova da Rainha, Vila Rica e Vila do Carmo (1715), a revolta negra em Vila Rica (1719), a revolta escrava em Catas Altas (1735), “a sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736, e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação – cobrança dos quintos reais (impostos) feita com base no número de escravos”. Motins ocorreram também em Campanha do Rio Verde, entre 1743 e 1746. Além disso desabrocharam inconfidências em lugares isolados de Minas – Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e novamente Curvelo (1776) – continuamente em razão de fricções com autoridades e seus acompadrados (ANATASIA, 1994; VILLALTA, 2013). Em que pese sua relativa frequência, essas conflagrações se constituíram tão somente como pontos de tensão em uma imensa trama de sedições mescladas por pequenas revoltas, reuniões clandestinas, contrabando de ouro, sonegação fiscal em grande escala e até mesmo pelo contrabando de gado e alimentos 446 em que a soberania e controle do Rei estavam constantemente em cheque. Assim, as elites outrora aliadas do Estado colonial e proprietárias de capitanias se tornaram seu principal antagonista. Além dessas ações capitaneadas pelos potentados locais descontentes, também se envolviam nesse clima de violência e conspiração reinantes os setores sociais menos favorecidos. Fugas de escravos eram articuladas em quilombos, rebeliões negras eram planejadas, escravos foragidos mesclados a população miserável se articulavam em bandos para roubar estradas e vilarejos, aventureiros matavam e morriam para conseguir glebas de exploração de ouro ou até mesmo vizinhos levavam suas disputas às últimas consequências sabedores de que inexistia um aparato do Estado para fazer cumprir a lei, ao menos sob o prisma da segurança dos súditos. Conforme descreve o registro de época do aventureiro Antonil (1711): “não há ministros nem justiças que tratem ou possam tratar do castigo dos crimes, que não são poucos, principalmente dos homicídios e furtos”. Em outra passagem acrescenta ainda: Os vadios que vão às minas para tirar ouro não dos ribeiros, mas dos canudos em que o ajuntam e guardam os que trabalham nas catas, usaram de traições lamentáveis e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo, porque nas minas a justiça humana não teve ainda tribunal e o respeito de que em outras partes goza, aonde há ministros de suposição, assistidos de numeroso e seguro presídio, e só agora poderá esperar-se algum remédio, indo lá governador e ministros. Como se pode facilmente inferir os súditos mais humildes de sua majestade se viam constantemente presos em um conflito de grandes proporções entre os detentores do poder político e econômico local e o poder imperial português. Para além disso, essa mesma população era concomitantemente vítima e algoz de indizíveis violências. Como as milícias locais serviam aos seus próprios senhores constituindo-se como um instrumento privado ao mesmo tempo em que a coroa portuguesa tinha como centro de suas preocupações o controle do território e o ouro, a estrutura de segurança pública praticamente inexistia. 3 - Formações originárias das instituições de segurança A lógica formadora do aparato de segurança pública mineiro bem como de suas políticas foi balizada por uma relação pendular entre diversas forças antagônicas que também marcaram a evolução do Estado de Minas, em particular, e mesmo do país de maneira mais ampla. Organizações públicas versus organizações privadas, busca por centralização por parte do Estado e por descentralização pelas oligarquias locais, tensão entre civis e militares, doutrina de segurança nacional e direitos humanos dentre outros aspectos. Mais do que caminhos lineares, têmse um mosaico de descontinuidades e rupturas, em que o atual panorama foi sendo bricolado por um aparentemente anárquico conjunto de ações. Contudo, marcadamente, como já antes destacado, o modelo de segurança pública mineiro foi demarcado pela dicotomia entre a busca pela “ordem pública” como política principal em detrimento de outro aspecto igualmente relevante às instituições de segurança que seria a “defesa dos direitos dos cidadãos”. Ao contrário da metrópole Lisboa, ou mesmo da capital Rio de Janeiro, as Minas foram ocupadas tendo como peculiaridade o enfrentamento da Coroa ao “inimigo interno” pela disputa do controle das riquezas minerais ao mesmo tempo em que, no contexto da escravidão, os negros deveriam ser controlados e enfrentados (COTTA, 2012, p. 43-106). Dessa maneira, conforme observado em um primeiro momento no processo de ocupação das regiões auríferas, inexistia qualquer fenômeno que pudesse ser caracterizado como algo relativamente próximo ao moderno conceito de segurança pública. Mediante as capitanias hereditárias como alavancadoras 447 de recursos humanos e financeiros para a colonização, o processo de ocupação do Brasil, e das Minas Gerais mais especificamente, foi antes de tudo um acontecimento de cunho marcadamente privado em suas origens. As chamadas bandeiras, um empreendimento de aventureiros e grandes proprietários que saiam riçando as serras e sertões a procura de mais riquezas territoriais e minerais bem como de índios para serem escravizados, foram as responsáveis pela ocupação e colonização inicial do interior brasileiro. Assim, quando da descoberta do ouro na região da futura Vila Rica em 1693 e nos primeiros anos de sua exploração o poder e a segurança locais eram dos potentados da região e de seus “Corpos de Ordenança”, que eram constituídos, armados e chefiados diretamente pelos grandes proprietários de terras e das glebas de mineração. Dada a fragilidade da Coroa dentro do próprio território, a expulsão dos paulistas da região dando o controle direto da exploração aos súditos mais próximos de Sua Majestade, entre 1707 e 1709 na Guerra dos Emboabas, foi levada a cabo pelos mesmos, sem participação direta do Estado colonial dada sua quase inexistência. Aproximadamente uma década depois, já como decorrência do processo exploratório português, quando do contexto da Revolta de Vila Rica (Felipe dos Santos) o então 448 governador Conde de Assumar solicitou o envio de tropas de primeira linha portuguesas, o qual foi atendido. Em 1719 chegaram os Dragões Del Rey com o papel inicial restrito “à guarda dos governadores, ao comboio da Fazenda de sua Majestade e ao socorro contra os poderosos, que se faziam fortes com seus escravos” (COTTA, 2014, p. 69). Percebe-se, portanto, que a função das primeiras tropas pertencentes diretamente ao Estado com o papel de segurança interna seria principalmente o de assegurar o recebimento do quinto do ouro extraído e a subjugação dos “poderosos” locais, que de aliados se transformaram em rivais do rei. Compostos por portugueses, os Dragões projetavam o poder real sobre os grupos privados de até então. Compete observar que nesse contexto inicial é facilmente perceptível que a segurança da população inexistia como um ativo a ser alcançado ou sequer buscado. Desde que a violência e o crime privados não afetassem a ordem pública necessária aos negócios do reino, ou seja, a extração de ouro, pouco importava o destino individual dos cidadãos. Segurança “pública” seria, portanto, as medidas para que o Estado não fosse furtado nem tivesse seu controle do território posto em questão seja por potentados, bandoleiros, quilombolas ou índios. Uma vez que as elites foram relativamente subjugadas, com o avançar do século XVIII o Império Português foi obrigado a se apoiar novamente nessas mesmas elites, conformando Corpos Auxiliares e Ordenanças como meios acessórios ao relativamente reduzido efetivo dos Dragões. Em 1775 foi criado o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, considerado como a unidade fundacional da Polícia Militar de Minas Gerais. O estabelecimento do regimento foi uma clara anuência do governo quanto a inevitabilidade de contar com recursos humanos locais para compor o quadro permanente do aparato de segurança estatal. Por instáveis que fossem as relações com os poderosos locais, os caminhos do ouro eram muitos e a capacidade portuguesa de fornecer recursos militares limitada, tendo em vista os constantes conflitos pela hegemonia cisplatina no sul do país. De tal modo que, mesmo herdando o remanescente dos Dragões Del Rey, o Regimento de Cavalaria se assentava majoritariamente sobre a população mineira. Nesse ponto da evolução histórica compete notar que a Inconfidência Mineira de 1789 contou com representantes desse grupamento de cavalaria dentre outros setores militares participantes, sendo a mais conhecida a do Alferes Joaquim José da Silva Xavier. Todavia, os potentados regionais não representavam mais uma ameaça militar de grande magnitude. No cenário de atuação do Regimento de Cavalaria e grupos auxiliares “intensificaram as ações de tentativa de controle social e a repressão aos extravios, contrabandos e quilombos” (COTTA, 2014, p. 103). Se não existiam mais propriedades que se constituíam como verdadeiros Estados autônomos dentro do Império Português, o conflito de cunho social para subjugar quilombolas e demais parias se mantinha constante. Conforme será observado adiante, sob o prisma da imposição ostensiva da lei desde os primórdios toda a estrutura do Estado nas Minas dependia (e ainda depende) de suas organizações militares. O que a evolução histórica alterou foi a amplitude da atuação, que, todavia, sempre se manterá marcada pela centralidade da busca constante pela “ordem pública”. Por outro lado, sob o viés da promoção da justiça e da investigação judiciária dos atos criminais mudanças mais significativas foram sofridas pelas instituições estatais. Quando do início da presença de fato do governo português nas Minas as principais instâncias judiciais estabelecidas foram as Câmaras, a Junta de Justiça e a figura do Ouvidor. Estabelecida em 1731 a Junta de Justiça era baseada em Vila Rica e atuava julgando crimes como desobediência militar, sedições, rebeliões e homicídios, tendo até mesmo o poder de condenar à pena 449 capital a população não branca. Era presidida pelo próprio governador da capitania e composta pelos quatro ouvidores das comarcas de Minas dentre outros personagens de relativa importância. Por sua vez o Ouvidor respondia pela segunda instância em sua comarca, tanto conferindo os processos julgados quanto analisando recursos e agravos às decisões dos juízes de primeira instância. Também podia atuar diretamente em primeira instância avocando para si devassas, em caso de morte, e também decretando correições nas Câmaras da comarca. Tal qual o Ouvidor, os Juízes de Fora eram letrados compostos por indicações do rei, ao contrário dos Juízes Ordinários os quais não tinham necessariamente elevada escolaridade ou mesmo razoável aprofundamento nos conhecimentos legais. Por fim, tinham-se as Câmaras compostas por “homens bons” em que eram mescladas funções dos três poderes onde se resolviam questões cotidianas dos centros urbanos (ANTUNES, 2007, p. 172). Observa-se ainda nesse arcabouço institucional a ausência de uma estrutura especializada na investigação de denúncias e crimes, próxima ao que seria uma polícia judiciária. Como inexistia separação entre poderes todo levantamento de informações era levado a cabo pelos próprios juízes e o seu entorno ou pelos advogados das partes, tudo de maneira relativamente improvisada. Sob o viés do uso da força decisões 450 tomadas por instâncias como a Junta de Justiça ou as Câmaras contavam com o apoio militar, que lhes era outorgado pela simples presença em sua composição de detentores formais do que veio a ser conhecido como poder executivo. Essa arquitetura legal como não poderia deixar de ser era constantemente perpassada pelas disputas de poder entre os diversos grupos locais bem como pelas relações dicotômicas entre os interesses dos poderosos locais em confronto com as pretensões da Coroa portuguesa. Tráfico de influência e relações de mutua promoção de interesses eram corriqueiros bem como suspeitas de corrupção. A insatisfação com o próprio caráter do Judiciário também estava igualmente presente, com acusações de parcialidade nos julgamentos bem como do estabelecimento de privilégios financeiros em detrimento dos demais compromissos do Estado. Exemplo desse desagrado com o sistema judiciário em formação, tanto por parte da população quanto do próprio governo, foi a publicação do alvará de 15 de outubro de 1754 por D. José I, Rei de Portugal. Nele se legislava sobre os “salários e assinaturas” dos oficiais da Justiça em Minas Gerais, uma vez que esses estabeleceram para si mesmos remunerações extremamente elevadas. Mais do que um problema estritamente governamental os custos do que seria os primórdios do poder judiciário recaiam sobre a população mais pobre, vez que o mesmo erário atendia da construção de pontes e acessos até aos salários. Para além de mera questão pontual, o tema das despesas e das características da Justiça permearam a capitania das Minas desde os seus primórdios. Uma ocorrência que ilustra adequadamente o caráter originário dessas insatisfações foi a Sedição de Vila Rica em 1720. Essa rebelião teve justamente como uma de suas bandeiras a reivindicação da diminuição dos rendimentos dos oficiais (de justiça) e a redução dos custos judiciais. Em que pese a repressão sobre os sediciosos, em 1721 foi publicada uma primeira normatização sobre salários e emolumentos da Justiça de Minas Gerais (ANTUNES, 2007) que seria complementada, como observado, pela de 1754. Mais de três décadas entre as duas normas é um indício da ininterrupção do problema. Como descrito, originariamente primeira e segunda instância funcionavam em Vila Rica permitindo maior articulação entre as múltiplas esferas de poder, o que se traduzia também em acordos não muito éticos sobre salários ou decisões de processos. Contraditoriamente, essa primazia das instâncias locais no processo decisório dos litígios entre os colonos ou desses para com a Coroa tinha também um papel positivo nas difíceis relações com o Rei. Embora existisse um já vasto arcabouço legal promovido pelo Império Português, primava uma espécie de direito consuetudinário colonial, em que normas e leis eram reinterpretadas pela Justiça na colônia a partir dos costumes e convenções locais servindo na prática como mediadoras de conflitos com os colonos. Desta forma, os elevados salários, as revisões de valores de impostos ou mesmo perdões de insurgências e revoltas serviam como um processo de reacomodamento entre interesses locais e as pretensões da metrópole. O próprio aparato instituído na colônia identificava e mediava os eventuais exageros de um Estado português situado a milhares de quilômetros na condução de uma população propensa a revolta, vivendo em meio a uma realidade violenta e premida por uma elite local cobiçosa. As distantes leis portuguesas eram interpretadas e redecodificadas de acordo com a conjuntura e suas necessidades de governabilidade. Sob o prisma do Rei salários extremamente elevados eram praticados como forma de cooptação e mesmo uma pequena dose de corrupção latente seria melhor do que conflitos de cunho ruptural. Com a “a lei da Boa Razão” de 1769 oriunda do despotismo esclarecido do 451 Marquês de Pombal2, que atuou como ministro do Rei procurando fortalecer e centralizar o poder do Estado lusitano, teve-se a transferência das cortes de segunda instância para a capital da colônia. De tal modo que Pombal “erigia o Tribunal da Relação como a 2ª instância de julgamento, tirando de todos os responsáveis pela justiça local, entenda-se os oficiais da Câmara e os ouvidores de comarca, essa prerrogativa, o que dificultava o gerenciamento dos interesses locais” (ANASTASIA, 2002, p. 38). Existindo somente o Tribunal da Relação de Salvador e o do Rio de Janeiro esse último foi encarregado dos processos de toda região Sul-Sudeste do Brasil. Conforme supõe Anastasia (2002), provavelmente essa ausência de uma camada de amortecimento entre o Poder real e as elites locais tenha influenciado o caráter das conspirações mineiras que mudariam o tom da exigência de reformas para a ruptura completa como exemplificou a Inconfidência Mineira. Isso tudo em um contexto prévio conflitivo associado a uma maior exigência fiscal com a instituição da derrama em 1765 pelo mesmo Marques de Pombal. 2 Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e Conde de Oeiras (Lisboa, 13 de maio de 1699 – Pombal, 8 de maio de 1782) foi um nobre, diplomata e estadista português. Foi secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I (1750-1777). 452 A partir de 1808, coma vinda da família real para o Brasil o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro se tornou a Casa da Suplicação do Brasil assumindo a justiça de última instância em todo o território brasileiro. Como é analisado adiante o Tribunal de Relação será instituído em Minas somente em 1873, permanecendo, portanto, mais de cem anos sem justiça de segunda instância. 4 - Segurança nas Minas no decorrer do Século XIX Na transição para a independência nacional e o surgimento do Império do Brasil, como será observado a seguir, inúmeras instituições relativas à segurança pública foram erigidas, modificadas, encerradas e mais uma vez refundadas, em um processo de experimentação permanente. Com o encerramento do vínculo com o reino português o Estado brasileiro teve que rever o arcabouço normativo herdado, ajustando-o a sua nova e relativamente instável realidade. Um dos aspectos considerados foi o da nova correlação de forças compondo as novas relações de poder. Ante o vácuo deixado pela ruptura com o aparato do Estado lusitano a monarquia brasileira se viu na contingência de descentralizar paulatinamente o domínio estatal, ainda pouco confiável, apoiando-se nas elites regionais, principalmente nos proprietários de terras, que dependiam diretamente do trabalho escravo. Isso significou, em um primeiro momento, a vitória dos interesses locais ante a centralidade que o Estado português manteve originariamente na Capitania das Minas. O Império brasileiro, no entanto, manteve a principal característica da estrutura policial de outrora, qual seja, a política da “ordem pública” em detrimento de qualquer política de promoção dos “direitos individuais” do cidadão (COTTA, 2012). Na lógica desse novo contexto histórico, as instituições que formatariam com o passar do tempo a arquitetura do sistema de segurança pública mineiro se subordinaram novamente às classes dirigentes da região. Contudo, ainda se mantiveram incólumes as influências do iluminismo ou da revolução francesa, dada a questão representada pela escravatura que não fora findada. Por mais que a vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808 tenha representado a possibilidade da introdução de uma lógica mais cidadã no trato com os súditos urbanos na cidade do Rio de Janeiro, tais políticas não se mostraram perenes. De fato, o governo português inicialmente replicou sua estrutura institucional de segurança na nova capital do Reino, com o estabelecimento do Intendente Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil (1808), tal qual existia em Lisboa desde 1760. Nessa interpretação originária do conceito de Polícia, sua missão seria centralmente de cunho civilizatório. Sob esse viés coube ao intendente a fiscalização da adequada segurança contra incêndios, o funcionamento das cadeias, a segurança das ruas, mas também o aterramento de pântanos, calçamento de ruas, construção de pontes, dentre outros processos de gestão. Tendo atividades de caráter eminentemente administrativas, o braço operacional da Intendência foi a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, que posteriormente deu origem a Polícia Militar do Rio de Janeiro (1809) e à Secretaria de Polícia (1808), berço da Polícia Civil do Estado. De tal modo que Nos primeiros anos da polícia no Rio de Janeiro, tentou-se conciliar os ideais da polícia enquanto civilização com as ideais de Ordem. Tal conciliação mostrarase bem sucedida em Portugal, onde fora proibida a escravatura, como forma de alinhamento aos paradigmas da nobreza europeia dos finais do século XVIII. A fórmula torna-se desarranjada quando se acrescenta a ela a dinâmica escravista da sociedade lusobrasileira do século XIX, em que os direitos do homem não são para todos, mas sim para uma minoria (COTTA, 2014, p. 43). Conforme antes reiterado, as Minas viviam um outro contexto colonizatório, em que a obtenção das riquezas primava sobre qualquer 453 outro tipo de relação econômica ou política. Se com o fim do ciclo do ouro e a “conquista” da independência foi eliminada a necessidade de subjugar os setores sociais dissidentes da população branca proprietária, o imperativo de dominar a população negra não somente se manteve bem como recrudesceu, já que a economia agrícola dependia quase inteiramente dessa mão de obra. Herdando uma lógica de funcionamento originada de um governo que operava tal qual uma força de ocupação sobre o território debelando os setores sociais descontentes, parte dos atores tidos como ameaça à ordem pública se manteve incólume na visão ordenatória do Estado. Como a mineração era baseada quase inteiramente no trabalho escravo, engendrou-se uma enorme população de origem africana. Dessa maneira, passado o temor das rebeliões fomentadas por potentados, o terror de uma revolta quilombola em grande escala permaneceu como uma constante. Tal temor não era sem fundamento, diga-se de passagem. Diversas revoltas escravas foram debeladas no decorrer do século XVII, pairando sobre os brancos a ameaça do “Rei negro”. A capitania de Minas aglutinou uma “população escrava sem precedentes na América portuguesa”. Enquanto em 17161717 possuía em seu território 27.909 454 indivíduos escravizados, chegou a 174.135 em 1789. Isso ante uma população branca de 70.769 (REIS, 2007, p. 477). Parte dessa população negra vivia em quilombos, se mancomunava com bandoleiros e atacava estradas e fazendas bem como roubava pertences nas vilas de maneira a conseguir dinheiro para comprar sua própria liberdade (REIS, 2007). Se tais ações poderiam ser vistas como a resistência de um povo a ignominia da escravidão, inegavelmente tinham o efeito prático de provocar a reação governamental no reforço das políticas de “ordem pública”, em que a questão racial permanecia de maneira subjacente. Como decorrência dessa lógica ordenadora balizada pela política de repressão e controle social, as forças de atuação ostensiva e caráter militar continuaram como o principal instrumento de segurança na capitania. A grande mudança ocasionada pela independência, como antes mencionado, foi a descentralização das relações de poder com o fortalecimento das elites regionais. Expressão disso foi a criação da Guarda Nacional em agosto de 18313 cuja subordinação Lei de 18 de Agosto de 1831. Crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos de milicias, guardas municipaes e ordenanças. Disponível em: <http://www2.camara.leg. br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18agosto-1831-564307-publicacaooriginal88297-pl.html>. 3 era para com os juízes de paz, juízes criminais, presidentes das províncias e Ministro da Justiça, com o evidente enfoque nos poderes locais em detrimento do movimento de centralização anterior. Como mencionado, dada a fragilidade inicial da monarquia brasileira, o Exército e demais estruturas herdadas do poder português não eram confiáveis, apresentando diversas ameaças ao novo governo. Assim sendo, nesses turbulentos anos após a proclamação da independência o Regimento de Cavalaria de Minas foi remodelado vez que era herança do período colonial. Parte do seu efetivo foi incorporado ao Exército ao mesmo tempo em que foi criado o Corpo de Guardas Municipais Permanentes em 12 de dezembro de 1831, que também aproveitou parte das companhias remanescentes do Regimento. Paradigmaticamente, o primeiro grande desafio dos Guardas como nova força de segurança nas minas foi enfrentar uma sublevação militar em Ouro Preto em 1833 derivada justamente de um dos diversos polos de restauração oriundos da corte (COTTA, 2014, p. 116). Quatro anos depois os Guardas foram transformados no Corpo Policial de Minas, em 15 de dezembro de 1835, cujo papel era manter a segurança e ordem pública também fazendo as vezes de auxiliar da justiça quando necessário. Em que pese a recém adquirida denominação de “polícia”, o caráter de grupamento militar se manteve evidente. O Corpo policial enviou contingentes para lutar nas guerras do Sul do Brasil em 1841 e também na guerra do Paraguai em 1865. Nesse ínterim entre 1840 e 1875 também operaram paralelamente Guardas Municipais como forças auxiliares do Corpo Policial. Todavia, na medida em que este aumentou sua penetração na província a estrutura municipal foi descontinuada. Ainda nesse contexto do apogeu do período imperial, em setembro de 1850, por meio da Lei nº 602 4, a Guarda Nacional foi reorganizada e manteve suas competências subordinadas ao Ministro da Justiça e aos presidentes de província, provavelmente no que constituiria um movimento de redução paulatina ao grande empoderamento dado às elites locais. Nesse mesmo contexto histórico, ao contrário da estrutura miliar ostensiva, a polícia de cunho investigatório, civil, teve em seu processo de evolução um caráter moroso, marcado por idiossincrasias e contradições ainda maiores. Enquanto a atividade policial de cunho ostensivo nasceu nas Minas desde o início de sua colonização como uma necessidade 4 Lei Nº 602 - de 19 de setembro de 1850. Dá nova organização a Guarda Nacional do Império. Disponível em: <http://legis. senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral. action?id=64284&norma=80189>. 455 basilar da coroa para impor seu modelo exploratório, a polícia de cunho judiciário foi um componente de criação tardia, sendo erigida de fato no decorrer do período imperial. As polícias originárias eram corpos militares empregados como forças de ocupação cuja prioridade absoluta consistia em manter a ordem social em níveis adequados a exploração econômica. Por outro lado, com grande pragmatismo, uma vez atingida a cota anual de Sua Majestade, com derrama ou sem derrama, os desvios ocorridos eram tratados como perdas aceitáveis. Logo, as investigações sobre questões que pusessem em cheque os interesses econômicos portugueses seriam levadas a cabo por juízes e ouvidores com o uso do aparato militar como braço armado. Crimes sucedidos a partir do Estado como roubos ao erário, desvios de verbas, superfaturamentos, pagamentos de propinas, salários elevados, dentre outros, seriam investigados na medida do possível. Isso, claro, desde que os governantes e funcionários envolvidos tivessem a sabedoria de atingir ou aproximar a arrecadação da cota de cem arrobas (aproximadamente mil e quinhentos quilos) de ouro exigidas pela coroa. Dessa maneira, no período colonial as devassas e arrolamentos eram originadas principalmente nas ouvidorias, vez que as exigências investigatórias não eram a prioridade 456 do império lusitano em sua região aurífera. Porém, com o fim do ciclo do ouro e o crescimento de vários polos urbanos no país a realidade se modificou no período pósindependência. Dessa maneira, no decorrer do século XIX forçosamente foram sendo testados diferentes aparelhos institucionais como balizadores dessas atividades de investigação criminal. Diferentemente do modelo ostensivo de policiamento em que houve um desenvolvimento paralelo de instituições na Capitania de Minas em relação a Lisboa ou o Rio de Janeiro, o mesmo fenômeno não ocorreu sob o prisma da atividade de polícia judiciária uma vez que essa, na prática, quase não existia. Sob esse prisma, será necessária uma análise sobre a evolução geral dessa estrutura no país, tendo em vista que sua normatização será um processo de cunho nacional que influirá decisivamente no modelo adotado nas Minas Gerais. Adentrando nessa análise, com algum grau de especialização, como previamente ponderado, tãosomente após a chegada da Corte portuguesa no Brasil em 1808 foi estabelecida a Intendência Geral de Polícia cujo comando era exercido por um desembargador designado Intendente Geral de Polícia. Tal funcionário tinha status de ministro de Estado vez que as atribuições desse conceito originário de polícia eram amplas e variadas. Considerando- se o tamanho do país o intendente delegava poder a representantes nas longínquas províncias, donde surge o conceito de delegado e delegacias. Nesse nascedouro, o delegado cuidava de uma ampla gama de funções, sendo mais um representante direto do poder do Rei e posteriormente do Imperador do que propriamente uma autoridade policial. Em um país continental existia uma enorme dificuldade por parte do Estado de se fazer representar, sendo a autoridade estatal muitas vezes posse de indivíduos mais do que de instituições. Com a independência e a conformação do Estado brasileiro, ante o cada vez mais frágil governo de D. Pedro I, já em 15 de outubro de 1827 5 foi implementada outra mudança na arquitetura da atividade policial investigativa resgatando a figura dos juízes como controladores diretos dessa atividade. Nesse novo arcabouço foi introduzida a figura do juiz de paz que fora previsto na Constituição de 1824, com competências tanto policiais quanto judiciárias, abolindo a figura do delegado de polícia. Ao contrário dos delegados do imperador cujo poder era oriundo do monarca, o juiz de paz era um legítimo representante do poder local sendo eleito na própria região em que atuaria. Ainda recente a independência, o estabelecimento dessa instância judicial/policial representava mais um instrumento de empoderamento das elites regionais em detrimento do poder central do Estado. Vale ressaltar que tanto as funções policiais quanto judiciárias se imiscuem em um mesmo personagem que investiga, denuncia e julga fazendo as vezes de policial, promotor e juiz. Esse processo de descentralização estatal dos aparatos de segurança, dada sua fragilidade originária após a ruptura com a monarquia lusitana, tem um momento de inflexão com a reforma processual de 1841. Nela, a Lei 261, de 03 de dezembro 6 , estabeleceu que os chefes de polícia seriam selecionados entre os juízes de direito e desembargadores e que os delegados e os subdelegados podiam ser designados dentre juízes e também dentre os cidadãos tendo autoridade tanto para julgar quanto para punir. Nessa abordagem o chefe de polícia delegaria poder à representantes em distritos e vilas sendo tais representantes delegados do seu poder. Por fim, surgiria a figura do promotor igualmente dependente do chefe de polícia. Essa mesma legislação também separou as funções de polícia administrativa e 5 Lei de 15 de outubro de 1827. Institui o Juiz de Paz. Disponível em: <http:// www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/18241899/lei-38396-15-outubro-1827-566688publicacaooriginal-90219-pl.html>. 6 Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841. Reformando o Código do Processo Criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/lim/LIM261.htm>. 457 de polícia judiciária. Na atividade administrativa os chefes de polícia e seus representantes passaram a assumir tarefas da Câmara Municipal tais como as de limpeza urbana, fiscalização de teatros e vias públicas. Ao mesmo tempo conservaram o papel de prevenir a ocorrência de crimes bem como a manutenção da ordem. Por sua vez, na atividade judiciária, os chefes e seus representantes podiam conceder mandados de busca e apreensão, efetuar o corpo de delito, julgar crimes com penas até seis meses e multa até cem mil-réis e ainda estabelecer fianças. Caminhando para o final do período imperial, em 1871 78 se tem um novo arcabouço legal instituído que faz avançar a separação entre os poderes e melhor identifica o que seriam atividades judiciais e policiais. Em que pese os chefes de polícia continuarem a ser recrutados prioritariamente entre os magistrados, vedou-se a estes e seus delegados e subdelegados o julgamento de quaisquer ilicitudes sendo esse repassado quase integralmente ao 7 Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera diferentes disposições da Legislação Judiciaria. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/ LIM2033.htm>. 8 Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033 de 24 de Setembro do corrente anno, que alterou differentes disposições da Legislação Judiciaria. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/ dim/dim4824.htm>. 458 sistema judiciário. Do mesmo modo foi instituído o inquérito policial como formato legal para a investigação criminal estabelecendo um conjunto de procedimentos, instrumentos e prazos. O mesmo arcabouço legal tornou obrigatória a figura do promotor público sendo este de carreira ou recrutado localmente. Sob o prisma das instituições de segurança pré-existentes seria facilmente presumível que entrechoques se tornariam inevitáveis entre os modelos embrionários de polícia judiciária e o já quase secular Corpo Policial de Minas – e de fato ocorreram. Como cabia formalmente ao chefe de polícia e seus delegados o comando de toda a segurança pública em suas áreas de atuação, ao mesmo tempo em que o Corpo policial de Minas mantinha tarefas de promoção da ordem pública coordenadas por sua oficialidade, conflitos entre as múltiplas instâncias foram permanentes chegando inevitavelmente a um ponto de ebulição. Em 1880 o acirramento das disputas entre delegados e capitães sobre a “precedência no uso da tropa e resolução de problemas policiais” provocaram sérias consequências na estabilidade do Corpo Policial culminando na reforma do coronel9 que o chefiava. Como possível Coronel Zeferino Antônio Ferreira. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=LEI&num=2737&ano=1880>. 9 consequência dessa disputa, em 1884 as circunscrições foram eliminadas e as companhias militares retornaram a Ouro Preto, contudo a totalidade da tropa “continuou subordinada diretamente ao chefe de polícia por intermédio dos delegados” (COTTA, 2012, p. 118-119). Paralelamente o Judiciário no Estado caminhava para recompor sua segunda instância deliberatória que, como já visto, havia sido transferida para o Rio de Janeiro a mais de cem anos. Dessa forma, em meados de 1873 10 foi publicado o Decreto Imperial que criou a Relação de Minas, com sede em Ouro Preto. Criado em conjunto com sete Estados indicou uma dinâmica de maior capilaridade do poder judiciário bem como uma opção por descentralizar as instâncias desse poder. 5 - Segurança pública no alvorecer da República Com a proclamação da República, em 1889, novo processo de instabilidade atinge a lógica ordenatória das políticas e instituições de segurança pública. Em um primeiro momento o objetivo do novo poder seria o de “purificar” as instituições que se originaram na monarquia, no qual a polícia ostensiva, militar, originada nos Dragões do Rey seria o caso emblemático. Nessa lógica, em 12 de abril de 1890, quase como um processo de autoafirmação institucional o Corpo Policial de Minas tem seu nome modificado para Guarda Republicana. Ainda de forma errática, menos de um mês depois, em 06 de maio de 1890, altera-se novamente sua denominação, sendo rebatizada como Corpos Militares de Polícia de Minas. Com a promulgação da nova Constituição Federalista de 189111, a fundação e manutenção das forças policiais dentre outras instituições, tornou-se um encargo das antigas províncias que doravante receberam a denominação de Estados. Como decorrência da autonomia recém adquirida bem como da recémpublicada Constituição Mineira de 189112, em 24 de outubro de 1891 os Corpos Militares de Polícia de Minas são transformados na Força Pública de Minas. Como peculiaridade a Força Pública passa a ampliar sua presença no Estado com Corpos em Uberaba, Juiz de Fora, Ouro Preto e Diamantina. Em 22 de julho de 1893 11 10 Decreto Imperial nº 2.342 de 6 de agosto de 1873. Crêa mais sete Relações no Imperio e dá outras providencias. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/ decret/1824-1899/decreto-2342-6-agosto1873-550798-publicacaooriginal-66847-pl. html>. Constituição da república dos estados unidos do brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. 12 Constituição política do Estado de Minas Gerais. Promulgada em 15 de junho de 1891. Disponível em: <https://dspace. almg.gov.br/handle/11037/400>. 459 ocorre nova alteração de nome, passando a ser chamada de Brigada Policial de Minas Gerais. Em 10 de junho de 1912 nova alteração de denominação acontece, tornandose a Força Pública do Estado de Minas Gerais. Mais do que simples nomenclatura a denominação Força Pública em detrimento do termo “Polícia” e xp r e sso u u ma car a cter íst i ca originária da República brasileira, que foi a grande autonomia administrativa oferecida aos Estados. Como se pode inferir a partir da análise do processo histórico, tem-se o padrão de fortalecimento das elites locais sempre em um primeiro momento de consolidação de uma nova etapa político-econômica no país para em seguida, a partir de quando o novo modelo se consolida, começar o processo de centralização de poder. Nessa lógica como visto, quando da ocupação do Brasil houve o incentivo da Coroa portuguesa aos particulares estabelecendo para isso as Capitanias Hereditárias. Com o avançar da colonização e a descoberta do ouro em Minas instituise a presença dos Dragões Del Rey como aparato de força em detrimento dos bandeirantes e das capitanias hereditárias. Posteriormente, com a Independência se tem o empoderamento do Corpo Policial através da subordinação direta aos governadores e seus lugar-tenentes. Concomitantemente se tem a 460 criação da Guarda Nacional, com sua oficialidade sendo nomeada entre os potentados locais, como polo de poder contraposto ao Exército ainda com forte presença lusitana. Com os anos finais da monarquia e o decorrente fortalecimento do Exército após a Guerra do Paraguai a correlação de forças aponta novamente para a centralização do poder militar por parte do governo federal. Com o início da república, como se infere, o pêndulo se movimenta novamente para o outro lado devolvendo parcela do poder dos “coronéis” locais como forma de esvaziar o aparelho de Estado central ainda com fortes resquícios culturais do período imperial. Assim sendo, sopesando-se a herança histórica mineira dos Dragões do Século XVII enquanto uma unidade militar de ocupação e controle, mais do que uma organização policial propriamente dita, rapidamente a Força Pública reforça sua vocação de “exército do governador” mantendo uma lógica de preparação muito mais próxima das organizações militares de defesa nacional do que de uma instituição voltada para a segurança pública. Tendo passado, no decorrer da década de vinte e trinta, por um processo de treinamento e revitalização de matriz prussiana, a Força Pública participou ativamente de diversos conflitos de cunho nacional nesse período. Em 1924 ajudou o governo de São Paulo a combater a revolta tenentista deflagrada na capital, na sequência foi enviada para Goiás para combater os tenentes já sob o comando de Luiz Carlos Prestes. Em 1925, sob comando de Rondon, foi utilizada no Mato Grosso com a mesma finalidade também sendo enviada a Bahia em 1926 para o conflito com a “Coluna Prestes”. A partir de 3 de outubro de 1930 a Força Pública de Minas Gerais participa ativamente do arco de alianças que alça Getúlio Vargas para a conquista militar do poder encerrando o período denominado República velha ou primeira República. Dois anos depois, entre julho e outubro de 1932, essa mesma Força Pública cumpre um papel primordial na contenção e derrota da Revolução Constitucionalista de São Paulo confrontando os paulistas no alto da serra da Mantiqueira e disputando o controle da Garganta do Embaú bem como do Túnel da Mantiqueira que compunha a malha da estrada férrea da então Rede Mineira de Viação (NETO, 2012). Essa disposição institucional do poder militar estadual e da Força Mineira como um “exército do governador” sofreu novas mudanças com o Estado Novo de Vargas em 1937 e sua constituição de cunho fascista. Nela Vargas faz o pêndulo das relações de poder se mover em direção ao centro novamente centralizando as forças estaduais sob a égide do Exército bem como procurando esvaziar o poder bélico detido pelos Estados. é sob esse paradigma que a Força Pública é rebatizada como Força Policial de Minas Gerais em 10 de dezembro de 1940. Por fim, após a redemocratização do país e a Constituição de 1946, em 18 de setembro de 1946, tem-se a denominação que vigora ainda hoje de Policia Militar de Minas Gerais (COTTA, 2014, p. 129-145). Simultaneamente se tem a evolução da estrutura de Polícia Judiciária do Estado de Minas pautada por mudanças ainda maiores do as sofridas pelas organizações militares. Com o avançar do período republicano, a autonomia dos governos estaduais e o crescimento urbano foi possível um melhor delineamento do que viria a ser a Polícia civil. Foi criado um braço de policiamento ostensivo com a estruturação em 1909 da Guarda Civil13 na capital do Estado subordinada ao secretário do interior e em completa disponibilidade para o chefe de polícia. A Guarda era dirigida por um Inspetor que recebeu posteriormente a denominação de Fiscal Geral contando com fiscais auxiliares e guardas. Começou o processo de expansão de delegacias bem como a criação de delegacias especializadas com a estruturação 13 Decreto 2654, de 13/10/1909. Cria a guarda civil para a capital do estado. Disponível em: <http://www. lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas. gerais:estadual:decreto:1909-10-13;2654>. 461 do Gabinete de Identificação e Estatística Criminal 14, da Inspetoria de Veículos, do Gabinete MédicoLegal e do Gabinete de Investigação e Capturas. Nesse momento tem-se também a separação da atividade de policiamento na capital. Na zona urbana seria de responsabilidade da Guarda Civil e em zona suburbana efetuado pela Força Pública. Dada a fragilidade dos limites de ambas as instituições era inevitável que, mais uma vez, as contradições no tocante às atribuições continuassem. De tal modo que, “o pessoal da Guarda Civil e as praças da Força Pública que efetuavam o policiamento na cidade entraram em constante conflito no exercício de suas atividades, característica que avança até, no mínimo, o início da década de 1930” (PEREIRA, 2013, p. 49). Em relação a disposição da nascente Polícia civil tinha-se o seguinte cenário: A atividade de policiamento no conjunto do Estado era responsabilidade da Secretaria da Polícia de Minas Gerais que por sua vez compunha a Secretaria do Interior. A chefia da Secretaria e gestão policial era encargo do Chefe de Polícia15; as cidades e os distritos, por sua vez, seriam atribuições dos delegados, 14 15 Decreto nº 2.437 de 1909. Decreto nº 613, de 9 de março de 1893. <http://www. lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas. gerais:estadual:decreto:1893-03-09;613>. 462 subdelegados e inspetores, em ordem descendente de acordo com a disponibilidade. Nesse contexto de início século para o exercício da função de Chefe de Polícia se tinha como critério o bacharelado em direito exigindo-se também experiência na área. Por sua vez, a ocupação do cargo de delegado e subdelegado não previa qualquer tipo de formação acadêmica completa. Para assumir tal ocupação necessitariam ser cidadãos brasileiros com um mínimo 21 anos de idade residindo nas cidades de atuação. Exigia-se igualmente a competência em ler e escrever. Por fim, o critério relativamente subjetivo da probidade e inteligência reconhecidas. Ante o aumento populacional das principais cidades mineiras, sobretudo na capital, posteriormente foram criados os cargos de delegado auxiliar e delegado auxiliar da Capital. Uma mudança aparentemente inócua foi realizada a partir de 1911 com lei n° 55216 que passou a exigir que os delegados também tivessem formação em direito. A mesma lei compôs o início de carreiras administrativas formais dentro da segurança pública mineira com o estabelecimento de concursos para a contratação de recursos humanos para as funções de 16 Lei 552, de 18/08/1911. Cria os lugares de delegados de polícia exercidos por bacharéis em direito e da outras providências.<https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. secretário, primeiro e segundo oficial, amanuense, porteiro, contínuo e servente (COSTA e SILVA, 2009, p. 3337). Faz-se necessário aqui chamar a atenção para essa aparentemente pequena modificação, mas que terá profundas consequências no modelo de polícia judiciária do Estado sendo melhor discorrida em capítulo à frente. A exigência do saber jurídico formal para a função de delegado foi uma escolha pautada pela lógica no contexto de Minas Gerais no início do século XX. Nessa realidade de então praticamente inexistia população com ensino superior e a relação dos cursos ofertados era limitada. Para além disso a capacidade do Estado se fazer representar adequadamente era débil. Como decorrência, a formação em direito cumpria um duplo papel positivo: ao mesmo tempo em que era um dos cursos com maior oferta e tradição auferindo legitimidade aos seus bacharéis, o conhecimento jurídico asseguraria o pretenso cumprimento da legalidade, para além das investigações policiais, em relação a miríade de procedimentos administrativos cuja responsabilidade era da polícia judiciária. Vale lembrar que como herança do período colonial a “polícia” respondia formalmente por diversas áreas como fiscalização de teatros, cinemas e contra incêndios ou o controle de estrangeiros. Sob o prisma da condução dos “inquéritos”, em tempos de um ainda restrito contingente populacional, o Delegado conseguiria participar diretamente das poucas investigações ocorridas nesse período. Embora os procedimentos mantidos no inquérito policial emulassem funções do poder judiciário reproduzindo processos na esfera da polícia que seriam repetidos na justiça, isso era compensado com a disponibilidade de investigar pessoalmente os episódios criminais. Dessa maneira: Por ser a capital do Estado, Belo Horizonte era a sede não só da Secretaria da Polícia, como das Delegacias Auxiliares, das Secções, ou seja, a cidade foi alvo de uma grande vigilância, pois todos os chefes e diretores residiam aqui e não precisavam deslocar-se em diligências como faziam para outros municípios e comarcas. De certa forma, esse aspecto garantiu a Belo Horizonte uma polícia mais presente e efetiva, ―o olhar está alerta em toda parte. Essa característica ainda possibilitou a inserção do Chefe de Polícia no serviço cotidiano de policiamento da cidade, condição que viria a alterar-se com o passar do tempo, com a transformação do cargo de Chefe numa função mais política e administrativa. Essa mudança tornou-se possível à medida em que a polícia forjou novas subdivisões em sua hierarquia, justificadas pelo suposto aumento da complexidade no serviço de policiamento devido às novas demandas da cidade em desenvolvimento (COSTA e SILVA, 2009, p. 58). 463 Essas camadas hierárquicas entre o agente da investigação e o objeto de seu trabalho, qual seja, a ocorrência criminal, trarão uma ampla gama de contradições à produtividade dessa empreitada bem como quanto à capacidade de descobrir autoria e materialidade das ocorrências averiguadas. Nesse sentido, conforme já mencionado, ainda será observado nesse trabalho que essa mudança pontual provocará um grande impacto no curso do processo evolutivo da Polícia Judiciária em Minas Gerais. A conjunção do monopólio de um saber especifico, com a herança cultural do judiciário reproduzida por sucessivos juízes recrutados para essa atividade em suas origens, bem como o crescimento exponencial das investigações distanciando o responsável dessa da cena do crime, resultarão em características bastante peculiares para a polícia investigativa no Estado e no país. Retomando o fluxo da narrativa, têmse outro marco evolutivo do período em 192617, quando foi particionada a então Secretaria do Interior, dando origem também a Secretaria de Estado da Segurança e Assistência Públicas. Concomitantemente foi html?tipo=LEI&num=552&comp=&ano=1911>. 17 Lei nº 919, de 4 de setembro de 1926. Revigora o art. 1.º da lei n.º 643 de 1.º de outubro de 1914, desdobrando em duas a secretaria do interior e contém outras disposições. <http:// www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;minas. gerais:estadual:lei:1926-09-04;919>. 464 extinto o cargo de chefe de Polícia, com o estabelecimento da função de Secretário da segurança. Mais do que uma alteração de cunho cosmético, também trouxe consequências significativas. Até então o chefe de polícia era recrutado prioritariamente no judiciário, ou no meio policial, tendo a análise de sua trajetória na área como critério de contratação. Essa função chefiava muitas vezes diretamente a Força Pública e a Polícia Civil. Com sua extinção, ambas as corporações passaram a serem dirigidas por membros egressos de suas próprias fileiras, e por outro lado, a Secretaria da Segurança por um político sem qualquer experiência na atividade. Por fim, ao analisar o processo de evolução institucional da Polícia Civil no início do século XX, é também possível presumir que o componente da busca “ordem pública” igualmente primava sobre a defesa dos direitos individuais, tal qual a lógica ordenadora da Força Pública no Estado. Conforme observação de pesquisas sobre a polícia civil, nas primeiras décadas do século XX percebe-se que o tom de sua ação teria primado pelo controle social. A minha hipótese é de que a polícia era um aparelho de disciplina do Estado e atuava sobre os corpos na medida em que estava muito menos comprometida com a questão da criminalidade e muito mais envolvida com a questão da manutenção da ordem e controle social através do controle dos corpos. Ela agia para garantir a tranquilidade e a ordem pública, ou seja, prezava por um determinado modelo de se comportar na cidade, legitimava algumas práticas, no limite, legitimava modos de ver, ouvir, comer, sentir, se divertir (COSTA e SILVA, 2009, p. 79). A polícia “seria lembrada muito mais em matéria de aconchego e tranquilidade, do que como mantenedora da segurança no sentido estreito do termo, isto é, o combate ao crime. Os policiais, bem como os guardas e vigias municipais – responsáveis pelos costumes e pelo ordenamento urbano -, figuraram muito mais como depositários da ordem e do bom comportamento dos indivíduos em público do que como combatentes de delitos. (SIMÃO, 2008, p. 83). Esse primar da “ordem pública” para além da cultura herdada da lógica de ocupação da antiga capitania das Minas estabelecida pelo modelo colonial português, também teria como explicação o forte influxo da gestão de atividades de cunho fiscalizatório que não compunham estritamente o que seria uma polícia judiciária, refletindo antes disso uma concepção positivista de mundo. A ordenação da polícia civil em 1947 18 é emblemática quanto a essa diversidade dos temas geridos e seu caráter mais 18 Decreto-lei 2147, de 11/07/1947. Consolida disposições sobre a organização da chefia de polícia e dá outras providências.<https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=DEL&num=2147&ano=194>. fiscalizatório do que propriamente judiciário. Em um total de nove delegacias especializadas nesse período, quatro eram encarregadas de temas clássicos das policiais judiciárias: Delegacia de Segurança Pessoal; Delegacia de Furtos; Delegacia de Roubos e Falsificações; Delegacia Especializada de Ordem Econômica. Todavia, tinha-se cinco especializações cujas atividades estariam parcialmente ou totalmente fora do conceito de polícia judiciária, sendo essas: a Delegacia de Ordem Pública; Delegacia Especializada de Assistência Social; Delegacia Especializada de Fiscalização de Costumes e Jogos; Delegacia Especializada Transito e Acidentes; Delegacia de Vigilância e Repressão à Vadiagem. Temas como “ordem pública”, “costumes” ou “vadiagem” já trazem embutidos em seu significado uma interpretação da realidade que posiciona completamente a Polícia Judiciária dentro do espectro político, perdendo qualquer caráter de uma tentativa de isenção dentro das complexas interações sociais que caracterizam as sociedades modernas. Ademais, a promoção dos “bons costumes”, são antes um objetivo moral do que um contexto criminal que exija investigação. Logo, pode-se crer que uma população que se vê constantemente tolhida em seus valores pela polícia, tenha dificuldade em estabelecer um 465 vínculo de confiança que auxilie na efetividade das investigações a cargo dessa mesma instituição. Nessa acepção, quando a ação policial judiciária é pautada na construção de um padrão comportamental, em detrimento da busca pela qualidade investigativa, ferramentas como o inquérito policial podem tender para certa seletividade em sua eficácia. Nessa lógica a simples ameaça investigatória atenderia em certa medida a política de “ordem pública”, sendo sua efetividade objetivada quando os resultados corroborem com essa política. Outro aspecto a ser considerado é o enfoque “administrativo”, em que temas como “assistência social, “fiscalização de jogos” ou de “transito e acidentes” potencializariam um viés de controle de bens direitos e atividades, fortalecendo o conceito de polícia administrativa, em detrimento da atividade investigativa. Como ponto culminante desse enfoque na “ordem pública”, deu-se a partir dos anos trinta, a estruturação da Delegacia de Segurança Pessoal e Ordem Política e Social na polícia da capital, dando posterior origem ao Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais – DOPS/MG. Balizada pelo contexto posterior da Guerra Fria, essa estrutura evoluiria até se tornar o principal foco de atuação da polícia judiciária nos anos da ditadura militar (ASSUNÇÃO, 2006, p. 18-60). Assumindo uma 466 posição política de confronto com os inimigos do regime ditatorial, a atividade de polícia judiciária ficou maculada como parte de uma mecânica política cujo objetivo se resume ao controle social. Concomitantemente ao processo de evolução das policias, no decorrer de meados do século XX o judiciário mineiro sofreu relativamente um menor número de mudanças, vez que sua atividade fim, a promoção da justiça, pouco foi modificada. Pode-se caracterizar que viveu centralmente um aumento de autonomia, se caracterizando como um poder do Estado autônomo com o passar dos anos. Com a constituição estadual de 15 de junho de 189119 a carreira judiciária ganhou mais autonomia, bem como capilaridade no interior do Estado. Em 5 de agosto de 1897, antes mesmo da inauguração da nova capital, o Tribunal da Relação, ocupando o local onde hoje funciona o Instituto de Educação, reunia-se pela primeira vez em Belo Horizonte, deslocando-se a segunda instância de Ouro Preto para a nova capital. Com a Constituição de 30 de julho de 1935 se prevê pela primeira vez no Estado o funcionamento do Ministério público composto por procuradores e subprocuradores. Também estabelece o funcionamento de 19 Constituições do Estado de Minas Gerais (de 1891, 1935, 1945, 1947 e 1967 e suas alterações). <https://dspace.almg.gov. br/handle/11037/400>. um Tribunal de Justiça na esfera do Estado, prevendo uma série de garantias aos seus membros, bem como uma maior capilaridade. O poder judiciário no Estado passa a ser definido com a seguinte arquitetura: I - Tribunal de Justiça; II - Juízes de Direito; III - Juízes Municipais; IV Juízes de Paz; V - Tribunal e Conselhos Militares. Promulgada em 14 de julho de 1947 a nova constituição do Estado após o período da ditadura Vargas novamente apresenta um tópico sobre o Ministério público, em que seu chefe, o Procurador Geral seria de livre nomeação, e demissão, por parte do governador. Além disso sua organização fica a cargo de uma lei complementar, demonstrando a relativa fragilidade desse instrumento de defesa na lógica ordenadora do Estado. Por sua vez o judiciário passa a ser estruturado da seguinte forma: “Art. 57 - O Poder Judiciário será exercido: a) pelo Tribunal de Apelação, com sede na Capital e jurisdição em todo o Estado b) por juízes de direito, municipais e de paz, nas comarcas, termos e distritos; c) pelo tribunal do júri20”. No decorrer do regime militar que seria iniciado em 1964 esse processo evolutivo seria refreado, principalmente em relação ao papel do Ministério Público. 6 - O inimigo interno do período militar Sob o prisma das políticas de segurança pública no Estado de Minas Gerais os anos de ditadura consolidaram diversas medidas que encapsulariam as instituições no modelo herdado, eliminando qualquer possibilidade de mudança. No tocante a Polícia Militar sua autonomia e papel de “exército do governador” foi eliminado com o seu estabelecimento como força auxiliar do Exército brasileiro, sob o comando de um general. Depois de mais de trezentos anos de uma disputa entre os atores regionais e o poder central, esse se sagrou vitorioso com a subordinação das policias militares. Por outro lado, no decorrer desse regime de exceção as policias militares também são fortalecidas em relação as policias civis, adquirindo as primeiras o monopólio do policiamento ostensivo. Em 1969 o governo do General Castelo Branco publicou legislação centralizando as características do funcionamento ostensivo de tais polícias, bem como seu caráter de força de reserva a disposição do Exército brasileiro. Como consequência direta, em 1970 a Guarda Civil mais de sessenta anos após a sua fundação é extinta, e seu pessoal adaptado para a função de investigadores dentro das delegacias 21. Se existia 20 Constituições do Estado de Minas Gerais, p. 121. 21 Decreto-Lei Federal n. 1.072, de 30 de 467 a disputa entre instituições em relação a sobreposição de funções de policiamento, por outro lado a Guarda Civil permitia a Polícia Civil ter uma estrutura próxima do que seria uma polícia de ciclo completo, em que todas as etapas da atividade policial estariam dentro de uma mesma instituição, dialogando entre si. Se esse processo de maturação evolutiva sofria limitações nos sucessivos regimes ditatoriais brasileiros, com a redemocratização poderia ter fornecido o esteio de um novo modelo de polícia a ser testado, mas essa variante histórica foi eliminada. Em ambas as instituições o viés da do controle social foi acentuadamente ressaltado. Desta feita, na Constituição do Estado de Minas Gerais Promulgada em 13 de maio de 1967. Tem-se reforçado no Parágrafo único do artigo 107 que “Compete à Polícia Militar preservar e manter, na forma da lei, a ordem pública e a segurança interna, sendo considerada força auxiliar, reserva do Exército”. Por sua vez, no artigo 110 explicita-se que “cabe à Polícia Civil, organizada de acordo com os princípios de hierarquia, disciplina e subordinação à autoridade do Governador do Estado, entre outras dezembro de 1969. < http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1072. htm>. Artigo 8º da Lei orgânica da Polícia Civil mineira. <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?num=5406&ano=1969&tipo=LEI>. 468 atribuições fixadas em lei, preservar a ordem pública e apurar as infrações penais ocorridas no território do Estado, respeitada a competência da União”. Sob o viés do judiciário nesse período foi estruturado nos níveis de: I Tribunal de Justiça; II - Tribunal de Alçada; III Juízes de Direito; IV - Juízes de Paz; V Conselho Superior da Magistratura; VI - Corregedoria de Justiça; VII - Tribunal do Júri; VIII - Tribunal de Justiça Militar; IX - Conselhos Militares. Na passagem abaixo um trecho de emenda constitucional do Estado que sintetiza de maneira cabal a arquitetura de parcela do sistema de segurança de Minas Gerais no período militar: Seção Da Segurança Pública Art. 82 - A Secretaria da Segurança Pública é responsável pela preservação e manutenção, em todo o Estado, da ordem pública e segurança interna, por meio da Polícia Civil e Polícia Militar. Art. 83 - Para o cumprimento de suas finalidades, integram a Secretaria da Segurança Pública, subordinadas ao respectivo Secretário: - a Polícia Civil, que lhe é subordinada administrativa e funcionalmente; II - a Polícia Militar, com subordinação operacional. Art. 84 - Compete à Polícia Civil, organizada de acordo com os princípios de hierarquia e disciplina, entre outras atribuições, fixadas em lei, preservar a ordem pública e apurar as infrações penais ocorridas no território do Estado, respeitada a competência da União. 321 Art. 85 - A Polícia Civil será estruturada em carreira, observando-se o acesso por merecimento e antiguidade, na forma da lei. § 1 - Os cargos de carreira de Delegados de Polícia, serão providos por bacharel em Direito, processando-se o ingresso na classe inicial, conforme se dispuser na legislação específica. § 22 - Poderão ser designados delegados especiais, os delegados de carreira aposentados e os oficiais da Polícia Militar da ativa, da reserva ou reformados, na forma da lei. Art. 86 - A Polícia Militar, instituída para manutenção da ordem pública no Estado, e o seu Corpo de Bombeiros são considerados forças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduação correspondentes no Exército, exceção feita para cabos e soldados22. Moldada assim por mais de duas décadas de ausências de debates políticos, em um processo de adaptação e mudanças pautado por disputas corporativas e entre cargos e esferas de poder, particularmente na relação entre delegados e oficiais militares. Paralelamente, interesses políticos balizados pela guerra fria e por uma concepção positivista de ordem pública não permitiram grandes experimentos nas atividades de policiamento preventivo ou investigativo como se deu em diversos países democráticos. Em assim sendo, o sistema de segurança pública mineiro chega ao processo de redemocratização e com a constituição de 1988 sem qualquer tipo de maturação da sociedade sobre qual modelo de segurança pública almejaria. Longe disso, as concessões feitas aos polos de poder legitimados pelas instituições policiais encaradas como barganhas para garantia do conjunto do processo democrático e não como um repensar das práticas dessas organizações. Como será objeto de análise a seguir, não existiu folego por parte da sociedade e seus legisladores para modificar impulsos cujas origens como já visto são seculares nas Minas Gerais, potencializados por mais de vinte anos sem qualquer espaço democrático de debate. 7 - Constituição Federal de 1988: um novo marco? Após a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, a transição democrática ocorrida no final da década de 1970 até os anos de 1980 teve como importante marco a Constituição Federal de 1988. A “Constituição Cidadã” trouxe diversos avanços em relação aos direitos e garantias fundamentais, juntamente com os direitos civis e políticos, por outro lado, no que se refere especificamente à estrutura do sistema de segurança pública não houve avanços a serem considerados. 22 Constituições do Estado de Minas Gerais, 1988, p. 321. 469 De um lado a inserção de um capítulo sobre a segurança pública no texto constitucional denota a relevância dada ao tema para o Estado e o seu reconhecimento como um direito inalienável de todos os cidadãos, sobretudo em um contexto de redemocratização. Por outro lado, a configuração instituída focada no papel das polícias, a imprecisão de expressões como “ordem pública” e a reprodução de características de modelos anteriores demonstram que sua construção se deu num processo de conciliação de interesses outros que não os anseios democráticos e de mudança da sociedade. Essa replicação da arquitetura precedente pode ser melhor compreendida a partir da constatação do desenvolvimento da temática ao longo das Constituições brasileiras, de como a questão foi trazida para a Constituição de 1988, e as forças e interesses que atuaram fazendo com que o texto fosse mais marcado pelas continuidades que pelos avanços. Neste tópico será feito, portanto, também um pequeno resgate histórico, de maneira a que sejam adequadamente identificados os processos que balizaram a atual Constituição, tendo em vista que seu arcabouço é determinante para o entendimento dos desafios postos a segurança pública em Minas Gerais e no país. 470 ● Antecedentes Constitucionais A segurança já era objeto de algum tratamento constitucional desde a primeira constituição republicana do Brasil em 1891. O arranjo institucional herdado pela Assembleia Nacional Constituinte em 1987 foi de reconhecimento da segurança como direito individual, a definição constitucional das atribuições da Polícia Federal (PF), um modelo dualizado de polícias e a militarização desta atividade (FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES, 2009). Conforme apresentado anteriormente, a organização dualizada das polícias brasileiras vem desde o século XIX. As forças policiais militarizadas, encarregadas de manter a ordem pública, foram criadas ainda durante o período colonial, passando pelo Império e, após a promulgação da República, foram denominadas forças públicas em diversos estados. A essas, como ocorrido em Belo Horizonte, Minas Gerais, sucedeu-se a criação de guardas civis que passaram a responder pelo policiamento ostensivo com objetivo de prevenir a criminalidade. Nas Constituições de 1934 à 1967 é ilustrativo observar que as Polícias Militares aparecem inseridas em seu texto. Três aspectos podem ser destacados em relação às referências a essas forças nessas redações constitucionais: (1) a competência privativa da União para legislar sobre sua organização, efetivos, instrução, justiça e garantias; (2) o seu papel como reserva e/ou forças auxiliares do Exército; (3) sua função em relação à segurança interna. A citada competência privativa da União para legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares está presente nas Constituições de 1934 e 1937. Todavia, nas Constituições de 1967 e 1969 foi acrescido a esses tópicos a previsão relacionada aos efetivos dessas forças policiais. Já o papel das Polícias Militares como reserva e/ou forças auxiliares do Exército está presente em todas as constituições do período militar. A função dessas forças em relação à segurança interna inscrita no texto constitucional aparece em 1946 e se mantém em 1967. De fato, em 1946, sua função aparecia como “segurança interna e manutenção da ordem”; em 1967, esta ordem é invertida “manutenção da ordem e segurança interna” e, em 1969, a função das PMs passa a ser a manutenção da ordem pública”. Destaca-se que, apesar de não estar presente no texto constitucional de 1969, o Decreto-Lei n° 667/1969, que manteve sua validade, salientava em texto legal a função das PMs na segurança interna. Dois fatores políticos extensamente observados parecem ser determinantes para a inserção das Polícias Militares nessas constituições brasileiras: sua função clássica em relação à segurança interna, leia-se ordem pública, e a necessidade de centralização militar pelo Governo Federal, em detrimento das elites locais. Ambos os fatores perpassam toda evolução histórica da segurança pública em Minas Gerais desde o final do século XVII. Importante notar que a ideia de segurança interna pode carregar diferentes significados. O termo pode referir-se, como historicamente em Portugal, a atividade estatal desenvolvida com o objetivo de garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática 23 . Por outro lado, a expressão pode se conceituada conforme os DecretosLei nº 314, de 13 de março de 1967 e nº 898, de 29 de setembro de 1969, e Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978, Leis de Segurança Nacional que trataram dos crimes contra a segurança nacional, a ordem 23 PORTUGAL. Lei n.º 53, de 29 de agosto de 2008. Aprova a Lei de Segurança Interna. Lisboa, 2017. Disponível em: <http://www. pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado. php?nid=1012&tabela=leis>. 471 política e social. De acordo com essa abordagem a “segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país24”. Com a edição da Lei de Segurança Nacional atualmente em vigor25, em 1983, deixam de constar a referência e a conceituação da segurança interna em seu texto. Já o aspecto relacionado à centralização do poder iniciado por Getúlio Vargas anteriormente tratado passou pelo desmantelamento da capacidade militar dos estados. As lições de 1932, quando a Força Pública de São Paulo enfrentou o Exército, foram rapidamente assimiladas. A Constituição Federal de 1934 declarou que polícias militares eram forças de reserva do Exército e assegurou a competência privativa da União para legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos estados. (COSTA, 2004, p. 96). 24 BRASIL. Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social e dá outras providências. Brasília, 1969. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/ Del0314impressao.htm>. 25 BRASIL. Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências. Brasília, 1983. Disponível em: < http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/LEIS/L7170.htm#art35>. 472 Esse processo de monopólio do poder militar por parte do governo federal iniciado no período Vargas foi complementado no pós 1964 com o enquadramento das policias militares dentro da estrutura do Exército. Assim, ao mesmo tempo em à Polícia Militar de Minas Gerais conquistou o completo controle das atividades de polícia ostensiva, em detrimento da Polícia Civil, acabou de perder o resquício de autonomia que ainda possuía. Sob esse viés, percebe-se, portanto, que a preocupação com o controle das Polícias Militares e sua utilização na segurança interna em nada se relaciona interesses ligados à segurança pública e garantia de direitos dos cidadãos, mas sim com a proteção do Estado e do poder central instituído em contraponto as oligarquias regionais. ● O Processo Constituinte O processo de elaboração da Constituição foi organizado em comissões e subcomissões temáticas. O tema segurança pública ficou a cargo da Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, ligada à Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições. A matéria deveria ficar a cabo da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo, entretanto, devido ao perfil dos relatores dessas comissões e suas respectivas subcomissões e ao papel-chave desses nos trabalhos da Constituinte, tal mudança ocorreu de forma a entregar a questão militar a parlamentares mais conservadores (MIGUEL, 1999, p. 3 apud FONTOURA; RIVERO; RODRIGUES, 2009). Essas mudanças permitiram que se concentrassem na mesma subcomissão os principais tópicos de interesse das Forças Armadas. Além de garantir sua missão constitucional, interessava-lhes nas circunstâncias de então a manutenção do serviço militar obrigatório, a preservação da jurisdição especial para crimes de natureza militar, o veto às propostas de criação de um Ministério da Defesa (MD), e a manutenção das Polícias Militares e sua subordinação ao Exército. No decorrer de seu funcionamento a subcomissão realizou oito audiências públicas nas quais foram ouvidos 23 convidados: 4 oficiais de Policiais Militares; 4 professores da Escola Superior de Guerra (ESG); 6 oficiais das Forças Armadas; 1 oficial do Corpo de Bombeiros; 2 integrantes do Conselho de Segurança Nacional (CSN); 3 delegados da Polícia Federal; 1 delegado de polícia civil; 1 professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) 26. Dessa “agenda 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Anteprojeto do Relator da Subcomissão. Disponível em: <http://www.camara. desequilibrada de convidados”, apenas os 3 últimos propuseram mudanças na relação entre policiais civis e militares (ZAVERUCHA, 2005, p.61). A relação de debatedores indica que era previsível um resultado que mantivesse no texto constitucional os interesses dos militares. Também é possível perceber que a Comissão estava mais aberta para ouvir as corporações, aumentando a possibilidade de influências comprometidas com o atendimento de demandas corporativistas que um redesenho institucional com base nas necessidades da nova realidade democrática e do aperfeiçoamento das políticas públicas. Cabe destacar que a proposta da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso Arinos, previa que as Polícias Civis dos estados teriam função de proceder às investigações criminais e realizar a vigilância ostensiva e preventiva podendo manter quadros de agentes uniformizados. Segundo o texto, os estados poderiam criar sua própria Polícia Militar “para garantia da tranquilidade pública, por meio de policiamento ostensivo, quando insuficientes os agentes uniformizados da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros27”. Segundo levantamento gov.br/internet/constituicao20anos/ DocumentosAvulsos/vol-132.pdf>. 27 BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Anteprojeto da Comissão de Estudos 473 do relator da Subcomissão, também foram apresentadas sete sugestões com proposta de fusão entre PC e PM em uma única estrutura de caráter civil, além do projeto de Constituição apresentado pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual se propunha a extinção das Polícias Militares estaduais e a criação de forças policiais de natureza civil. Em contraposição, teriam sido apresentadas 29 sugestões pela manutenção das PMs no policiamento ostensivo. O modelo dualizado de polícias no âmbito estadual resultou de forte atuação dos grupos de interesse durante os trabalhos da Constituinte. Delegados e oficiais das polícias militares e das Forças Armadas atuaram intensamente, todavia defendendo posições divergentes. Os delegados propunham ou a unificação das polícias ou a restrição da atuação da Polícia Militar à atividade de choque, tornando o policiamento ostensivo a um segmento fardado da Polícia Civil. Os oficiais da Polícia Militar e das Forças Armadas defendiam a manutenção de duas polícias, com funções, organização e métodos distintos. Diferentemente das Forças Armadas 28 e das corporações Constitucionais. 1986. Disponível em: <ttp:// www.senado.gov.br/publicacoes/anais/ constituinte/AfonsoArinos.pdf>. 28 Zaverucha (2005) aponta que, cientes da importância das disposições 474 policiais, os grupos mais progressistas e ligados à esquerda não tinham proposta homogênea para as forças policiais e a área de segurança pública. Alguns profissionais da área, defensores dos direitos humanos e juristas da área criminal defendiam a desmilitarização da polícia, mas esta não era proposta conciliadora e não foi objeto de grandes investimentos por parte das esquerdas. Não ocorreu uma necessária participação do campo democrático popular para evitar a continuidade desse modelo originário da sucessão de governos autoritários que pautaram os séculos anteriores, e que deveria ser remodelado para se adequar a um Estado democrático. Soares (2006, p. 111) aponta que, após uma longa submissão à repressão policial durante o regime militar, os progressistas não tiveram disposição ou capacidade para formular propostas alternativas. “Eram bons na denúncia e na crítica, mas fracos na proposição construtiva”. Contribuiu para isso uma equivocada visão dos setores populares em que a relação com a polícia seria a de que esta não teria papel num contexto de igualdade social, que apenas atuaria para perseguir oprimidos numa sociedade de classe29 e que o crime legais da nova constituição, as Forças Armadas nomearam 13 oficiais superiores para realizarem lobby pelos interesses militares junto aos constituintes. 29 Soares (2006) aponta que essa suposição, “ainda que equivocada quando generalizada, coincidia com a experiência seria um mero sintoma, podendo ser relegado a um segundo plano em detrimento do tratamento de suas causas: a economia, o emprego, a educação e a desigualdade social. Todo esse conjunto de fatores contribuiu para que na Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança as proposições em relação ao sistema de segurança pública fossem dominadas pelos atores que defendiam basicamente a manutenção do arranjo institucional modelado no período ditatorial. Tal domínio foi materializado na conformação do texto constitucional que passou a vigorar em 1988. Como será observado, ao contrário de rediscutir a segurança pública e suas instituições e processos sob o marco de uma nova etapa democrática, simplesmente foram acentuadas as mesmas políticas que vinham sendo delineadas no decorrer do século. ● A segurança pública Constituição Federal de 1988 na A Constituição Federal de 1988 trouxe para seu texto, em capítulo próprio, o tema da segurança pública que na história constitucional brasileira apenas aparecia em referências difusas. A compreensão do modelo de segurança pública e problemas histórica brasileira, na medida em eu nosso sistema de justiça criminal, em seu conjunto, e as polícias, em particular, tradicionalmente, vêm violando os princípios de equidade e aplicando as leis com filtro social e racista.” associados atualmente no Estado de Minas Gerais, ou em âmbito nacional, passa para compreensão desse que é seu principal marco normativo e organizativo, vez que o governo federal historicamente assumiu o controle da definição dessas políticas. Nesse sentido, conforme aponta Souza Neto (2007): A constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança. As leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a Constituição. No capítulo DA SEGURANÇA PúBLICA, o texto constitucional dispõe em seu artigo 144 que, A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; 475 V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988). A Polícia Federal (PF) exerce, em nível federal, as atividades de polícia de investigação de crimes específicos, de polícia judiciária da União e de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras. A PF destina-se a “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei”; “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”; “exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras”; “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. A Polícia Rodoviária Federal (PRF), outro órgão policial subordinado ao Governo Federal, destina-se ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Assim, a PRF tem como missão institucional ostentar a presença policial nas estradas federais e reprimir, de modo imediato, os delitos que ali sejam cometidos. 476 Prevê que a Polícia Ferroviária Federal (PFF) é órgão permanente e mantido pela União destinado ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Apesar da previsão constitucional, o órgão nunca foi objeto de criação efetiva 30, muito em razão da significativa limitação do sistema ferroviário nacional. Uma característica comum em relação aos órgãos policiais federais e que os distingue dos demais previstos no artigo 144 é previsão de que estes são órgãos permanentes, organizados e mantidos pela União e estruturados em carreira. A Constituição Federal prevê que as Polícias Civis são responsáveis pelas funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, ressalvando-se a competência da União31 e a investigação de crimes 30 A Lei nº 8.490/92 autorizou o Poder Executivo a criar, no âmbito do Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia Ferroviária Federal. A PFF passou a constar em sua estrutura do Ministério com a edição do Decreto nº 2.802/98, com a competência de propor a política de segurança ferroviária e supervisionar o policiamento e a fiscalização das ferrovias federais, de acordo com a legislação específica. Já no próximo decreto sobre a estrutura regimental do Ministério da Justiça posteriormente editado, a PFF deixou de estar prevista, não sendo novamente recriada. 31 A apuração de crimes de competência da União está a cargo da Polícia Federal que tem elencados no texto constitucional os crimes sob sua responsabilidade e exerce, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. militares 32 . Ou seja, assume com exclusividade a elucidação de crimes que exijam investigação. Um outro aspecto distintivo em relação às polícias civis é a menção que essas são dirigidas por delegados de polícia de carreira. Às Polícias Militares cabe a função de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Sob esse prisma elas mantém o controle histórico, que na Polícia Militar de Minas se origina nos Dragões del Rey em 1719, do controle das desordens sociais que afetem o Estado. Ao mesmo tempo, conforme antes observado, assumem pela primeira vez o controle exclusivo sobre o policiamento preventivo, executado de maneira ostensiva. Essas também são definidas, juntamente com os corpos de bombeiros militares, como forças auxiliares e reserva do Exército. Assim como as Polícias Civis, as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares subordinam-se aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal. Todavia, como força de reserva as polícias militares devem também subordinação ao Comando do Exército. No § 8º do artigo 144, a Constituição traz a previsão de que os municípios podem constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus 32 A apuração de crimes militares é de responsabilidade das Forças Armadas ou das instituições militares estaduais, Polícias ou Bombeiros Militares. bens, serviços e instalações. Conforme previsto no texto, as guardas municipais tem a função de guarda patrimonial e não se tratam de órgão policial. Assim, não é atribuição dessas guardas a realização de investigações criminais ou do policiamento ostensivo. Cabe observar que a participação dos municípios no aparato de segurança pública por meio de guardas municipais foi objeto de disputas na Assembleia Nacional Constituinte 33 e mantém-se atual. Argumenta-se que as guardas também deveriam atuar na proteção do cidadão e houve grande debate quanto à possibilidade de guardas civis municipais terem ou não porte de arma. Atualmente, o Estatuto do Estatuto do Desarmamento, Lei n°10.826/2003, com nova redação dada no ano de 2004, prevê que municípios com população superior à 33 Destaca-se que a proposta da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso Arinos, propunha que “os Municípios com mais de duzentos mil habitantes poderão criar e manter guarda municipal como auxiliar da polícia civil.” Destacase aqui que as polícias civis descritas nesse projeto teriam função de proceder às investigações criminais e realizar a vigilância ostensiva e preventiva, mantendo quadro de agentes uniformizados. BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Anteprojeto da Comissão de Estudos Constitucionais. 1986. Disponível em: <ttp://www.senado. gov.br/publicacoes/anais/constituinte/ AfonsoArinos.pdf>. 477 50 mil habitantes podem ter guardas civis armadas34. Um exemplo do peso da herança histórica sobre essas instituições policiais são as atividades de cunho não essencialmente policial. A especificação de atribuições para cada uma das agências de segurança estatal pela Constituição Federal não impediu, ou busca impedir, que essas desenvolvam outras funções, sendo muito comum o desempenho de atividades de polícia administrativa. No caso específico das polícias do Estado de Minas Gerais e da Guarda Municipal de Belo Horizonte observamos que essas instituições desenvolvem atividades nas quais exercem, por exemplo, o poder de polícia de trânsito35 . A 34 Já os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 habitantes o porte não está restrito à situação de serviço. BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2003/L10.826.htm>. 35 De acordo com o artigo 78 do Código Tributário Nacional “considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” (BRASIL. Lei nº 5172, de 25 de dezembro de 1966. Dispõe sobre o Sistema 478 Polícia Civil de Minas Gerais, por meio do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (DETRAN/MG), exerce a função de órgão executivo de trânsito do Estado prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB)36. Em relação às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, aqui incluída a de Minas Gerais, o CTB estabelece como sua competência “executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários”. Também define o policiamento ostensivo de trânsito como a “função exercida Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/ L5172.htm>.) Conforme apresentado por Di Pietro (2014, p. 124), pelo conceito moderno, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. O poder de polícia de trânsito refere-se à que atividade que disciplina, controla e fiscaliza o trânsito de veículos em geral, coibindo a ocorrência de infrações de trânsito. De acordo com o CTB fazem parte do Sistema Nacional de Trânsito os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios organizar seus respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários. (BRASIL. Lei nº 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, 2016. Disponível em: < http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>). A associação dos órgãos de trânsito com Polícias Civis não é uma regra. Em diversas unidades da Federação, como Brasília, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro entidades apartadas de suas polícias estaduais. 36 pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes”. Pelo disposto no CTB, o DETRAN/MG e a Polícia Militar de Minas Gerais compõem o Sistema Nacional de Trânsito. Criada em 2003 por meio da Lei Municipal 8.486, a Guarda Municipal de Belo Horizonte (GMBH) tem entre suas competências legais “atuar na fiscalização, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego”37. No exercício de suas as atividades a GMBH trabalha em conjunto com a BHTrans38 e o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar em ações voltadas para a coordenação e fiscalização da circulação de veículos e pedestres. 37 BELO HORIZONTE. Lei nº 9319, de 19 de janeiro de 2007. Institui o Estatuto da Guarda Municipal de Belo Horizonte e dá outras providências. Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <https://intranetgmbh.pbh. gov.br/guarda-municipal-de-belo-horizonte1?q=node/74> 38 A BHTRANS é uma sociedade de economia mista municipal, dependente e de capital fechado que tem como principal acionista a Prefeitura de Belo Horizonte que detém 98% de seu capital social. Criada em 1991 pela Lei Municipal nº 5.953, tem por finalidade planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, delegar e controlar a prestação de serviços públicos relativos a transporte coletivo e individual de passageiros, tráfego, trânsito e sistema viário, observado o planejamento urbano municipal. Na realidade a própria Lei nº 13.022, de 08 de agosto de 201439, que trata do Estatuto Geral das Guardas Municipais prevê entre as atribuições das Guardas “exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais”, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal. Apresentado esse cenário estabelecido pela última Constituição que pautou a arquitetura do sistema de segurança pública brasileiro, pode-se adentrar as particularidades de Minas Gerais. 8 - A Segurança Pública no Estado de Minas Gerais Para subsidiar a análise do presente quadro de segurança pública em Minas Gerais será necessária uma pequena síntese da estrutura legal determinada pela Constituição Federal de 1988, bem como da Constituição de Minas Gerais que foi balizada por esta. Vale lembrar que a autonomia dada aos Estados no tocante a Segurança Pública é mínima, vez que o movimento de centralização política iniciado por BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm> 39 479 Getúlio e continuado pelos militares desde 1964 não sofreu qualquer contraponto com o processo de redemocratização. Por conseguinte, a Constituição Federal de 1988 acabou por moldar o sistema de segurança pública ao dar forma única e específica ao sistema policial brasileiro. Promulgada em 21 de setembro 1989, aproximadamente um ano após a Constituição Federal, a Constituição do Estado de Minas de Gerais basicamente reproduz na esfera estadual a previsões do artigo 144 sobre a segurança pública. O texto original da Constituição mineira dispunha que A segurança pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – Polícia Civil; II – Polícia Militar. (Minas Gerais, 1989) A Emenda à Constituição nº 39, de 2 de junho de 1999 40 , desmembrou o Corpo de Bombeiros Militar da Polícia Militar da Polícia Militar que o continha e desenvolvia 40 MINAS GERAIS. Constituição (1989). Emenda à Constituição nº 39, de 2 de junho de 1999. Altera a redação dos arts. 39, 61, 66, 90, 106, 110, 111, 136, 137, 142 e 143 da Constituição do Estado, acrescenta dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?ano=1999&num=39&tipo=EM>. 480 atividades de prevenção e combate a incêndio, busca e salvamento. Com a alteração passaram a constar como órgãos responsáveis pela segurança pública: a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar. Tais órgãos são autônomos e subordinados diretamente ao Governador do Estado, compondo conjuntamente com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) e a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), o sistema de segurança pública de Minas Gerais. Seus dirigentes compõem a Câmara de Coordenação das Políticas de Segurança Pública (CCPSP). Mesmo após 1988, o sistema de segurança pública de Minas Gerais apresentou ao longo do tempo diferentes estruturações junto ao organograma do Estado. Isso decorre do fato de que é competência do Governo e da Assembleia Legislativa do Estado a definição da organização dos elementos que estruturam a execução da política criminal estadual, respeitadas as limitações constitucionais e a competência da União e do Congresso Nacional. A atual estrutura foi dada pela Lei Estadual nº 22.257, de julho de 2016 41, que promoveu reforma 41 MINAS GERAIS. Lei nº 22257, de 27 de julho de 2016. Estabelece a estrutura orgânica da administração pública do Poder Executivo do Estado e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível administrativa no âmbito do Estado. Em relação à segurança pública, uma de suas principais mudanças foi o desmembramento da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) nas Secretarias de Estado de Segurança Pública (Sesp) e de Administração Prisional (Seap). Essa reorganização pôs fim a mais de uma década de políticas no Estado que objetivavam unificar o aparato das secretarias sob um mesmo comando, ao mesmo tempo em que pouco avançou na reestruturação das próprias policias, ministério público ou sistema judiciário. De forma a reorganizar a estrutura, a criação da extinta Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) ocorreu em 200342 e foi o elemento central na implementação de uma nova política estadual de segurança pública e do projeto de integração das organizações policiais. A SEDS resultou da fusão da Secretaria em: <https://www.almg.gov.br/consulte/ legislacao/completa/completa-nova-min. html?tipo=LEI&num=22257&ano=2016>. 42 MINAS GERAIS. Lei Delegada nº 49, de 02 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a estrutura orgânica da Administração Pública do Poder Executivo Do Estado e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2007. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=LDL&num=49&comp=&ano=2003>. MINAS GERAIS. Lei Delegada nº 56, de 29 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a Secretaria de Estado de Defesa Social e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2007. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=LDL&num=56&ano=2003>. de Estado de Segurança Pública (que incorporava a Polícia Civil) e Secretaria de Estado de Justiça e de Direitos Humanos (responsável pelo Sistema Prisional, Sistema Socioeducativo e pela Defensoria Pública). Assim permitiu-se que fossem reunidos e vinculados à mesma estrutura as ações relacionadas à prevenção à criminalidade; integração operacional dos órgãos de Defesa Social; custódia, educação e reinserção social dos indivíduos privados de liberdade; a defensoria pública e o enfrentamento de calamidades. Sob sua responsabilidade foi colocada a coordenação operacional das atividades das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, da Defensoria Pública e da então criada Subsecretaria de Administração Penitenciária (Suape). Em 2011 a SEDS também absorveu a execução da política estadual antidrogas, por meio da Subsecretaria de Políticas sobre Drogas (Supod)43. A implantação da nova política e do processo de integração das organizações do sistema de segurança pública foi fortemente impulsionada por uma profunda crise na área de segurança e por um contexto político 43 MINAS GERAIS. Lei Delegada nº 179, de 01 de janeiro de 2011. Dispõe sobre a organização básica e a estrutura da Administração Pública do Poder Executivo do Estado. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=LDL&num=179&ano=2011>. 481 regional e nacional favoráveis. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (2010, p. 4), de 1995 a 2003, num período de apenas 8 anos, as taxas de “crimes violentos”44 por 100 estadual, para a eficácia das ações de segurança45. Um dos maiores problemas estruturais das polícias estaduais é a dificuldade de trabalharem integradamente. A dualidade histórica do setor de segurança pública criou um distanciamento entre a Polícia Militar e a Polícia Civil. Conflitos de competência e duplicidade de gerenciamento, de equipamentos e de ações de policiamento fazem parte do cotidiano das polícias nos estados. Mesmo com as limitações decorrentes da estrutura constitucional, é viável adotar diversas iniciativas que possibilitem às polícias atuarem de forma integrada, compartilhando determinadas rotinas, procedimentos e estruturas, racionalizando a administração dos recursos humanos e materiais, e otimizando a eficácia do aparato policial. Para tanto, a subordinação de ambas as polícias ao comando do(a) Secretário(a) de Segurança é fundamental. (BRASIL, 2003). mil habitantes aumentaram mas 408% no Estado, saltando de 132,86 para 541,55. Para os “crimes violentos contra o patrimônio” (roubos somados a roubos a mão armada), o aumento no mesmo período foi de 581%, enquanto que, de 1997 a 2003, o crime de homicídio apresentou um aumento de 96% (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2005, p. 14). Paralelamente ao significativo crescimento da criminalidade no Estado é certo consenso entre especialistas sobre a incapacidade de sua contenção pela estrutura policial dicotômica vigente. Também existe a percepção comum de que às diretrizes preconizadas pelo Governo Federal foram decisivas para o desenvolvimento da nova política de segurança pública em Minas Gerais (SAPORI, LUíS FLáVIO; ANDRADE, 2008). Denominado “Segurança Pública para o Brasil”, o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) adotado pelo Governo Lula em 2003 definiu entre suas prioridades a integração das organizações policiais, principalmente no nível Ocorrências classificadas como Homicídio, Homicídio Tentado, Estupro, Roubo e Roubo a Mão Armada, segundo a caracterização determinada pelo Código Penal Brasileiro. 44 482 Como mecanismo de fomento às diretrizes de integração que compunham o PNSP, houve a vinculação do repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP)46 à implantação dessas 45 Essas se relacionavam a uma série de ações previstas para o Sistema único de Segurança Pública (SUSP). Além da promoção da integração das polícias estaduais, O SUSP previa a articulação de diversas ações em segurança pública a serem desenvolvidas nos níveis federal, estadual e municipal, incluindo as polícias da União, secretarias de segurança nos três níveis de governo, órgãos do sistema de justiça criminal e a sociedade civil. 46 O Fundo Nacional de Segurança estratégias por parte dos Estados. A liberação dos recursos dependia da apresentação de Plano Estadual de Segurança Pública em conformidade com o Plano Nacional. Em 2003, o Governo de Minas Gerais submeteu seu plano à Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) 47, possibilitando os recursos financeiros necessários para a implementação de sua nova política de segurança (ANDRADE, 2006). A política de integração das organizações policiais em Minas Gerais teve como principais estratégias a integração das informações, das áreas geográficas de atuação e do planejamento operacional. Isso decorreu do fato de que foram apontados como os principais focos de disjunção do trabalho policial o não compartilhamento de informações entre as organizações policiais, em especial de seus sistemas informatizados, a incompatibilidade de áreas territoriais de atuação e a inexistência de planejamento conjunto de ações. Pública (FNSP), instituído no âmbito do Ministério da Justiça, tem o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal. Foram propostos três projetos para lidar com esses problemas. Na área informacional o projeto denominado Sistema Integrado de Defesa Social (Sids), priorizou o compartilhamento de informações e a padronização dos registros de ocorrências. Em relação à integração geográfica, a implantação das áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp) deu início à compatibilização de áreas de atuação, de forma que houvesse correspondência entre unidades de Polícia Civil e de Polícia Militar. Numa segunda fase, para o planejamento operacional foi implantada uma metodologia de gerenciamento do trabalho policial denominada Integração da Gestão em Segurança Pública (Igesp), inspirada nas experiências de sucesso de Nova Iorque nos Estados Unidos, com o COMPSTAT48 na década de 1990, e na política de Segurança Cidadã de Bogotá na Colômbia. Como estratégias complementares foram eleitas à integração do trabalho correcional, bem como dos processos de formação e treinamento das polícias estaduais. (SAPORI; ANDRADE, 2013; SAPORI, ANDRADE, 2008). 47 A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) é um órgão do Governo Federal subordinado ao Ministério da Justiça que tem por finalidade assessorar o Ministro de Estado na definição e implementação da política nacional de segurança pública e, em todo o território nacional, acompanhar as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública. 48 COMPSTAT (Computerized Statistics - estatísticas comparadas por computador) é uma ferramenta administrativoorganizacional e de planejamento das atividades e resultados das organizações policiais, implementada em Nova York, no início de 1990. 483 A avaliação dos resultados de uma política de segurança pública a partir de taxas de criminalidade certamente apresenta limitações visto que a dinâmica dos crimes está associada a múltiplas variáveis, como questões socioeconômicas e outras tantas. Devido a isso se torna tarefa extremamente complexa o isolamento dos impactos de diferentes políticas e outras alterações na realidade social de forma que os números analisados possam expressar uma relação de causalidade. Assim, antes de qualquer inferência relacionada a evolução dos números sobre criminalidade em Minas Gerais, merece destacar que, durante um período que coincide com a implementação e consolidação do projeto em questão e de todo um conjunto de ações que objetivavam a redução do número de crimes no Estado, o Brasil vivenciou “uma espécie de ciclo virtuoso” que fez com que a taxa de homicídios diminuísse em 11 estados (CERQUEIRA, 2014)49. De fato, os governos federal e municipais começaram a atuar mais decisivamente nas questões de segurança pública. Houve uma consistentemente diminuição da desigualdade social, com o aumento da renda e do emprego. Ao mesmo tempo, vários estados assistiram a uma diminuição relativa da parcela de jovens na população. Ocorreu uma elevação das taxas de encarceramento e de condenações a penas alternativas. Aliado a isso, o Estatuto do Desarmamento, lei 10.826, de 22 de dezembro de 200350, promoveu o controle e restrição ao acesso e uso de armas de fogo, o que de alguma forma ajudou a conter o crescimento por sua demanda. A despeito das limitações para o estabelecimento de uma relação de causa e efeito, é possível observar que entre 2004, ano em que começou a ser implantado o modelo de segurança pública de Minas Gerais voltado para a integração das ações das polícias e de prevenção da criminalidade, e 2011, a taxa de crimes violentos no Estado caiu 48,80% (SECRETARIA DE DEFESA SOCIAL, 2012). Pelos dados, é possível inferir que parte do resultado na redução de crimes violentos observada tenha decorrido das políticas de segurança iniciadas. 49 Cerqueira (2014), em seu trabalho “Causas e consequências do crime no Brasil”, apresenta a provável associação entre taxas de crimes e fatores como a renda e a desigualdade de renda; à estrutura demográfica e de gênero da população, mais especificamente, a proporção de homens jovens na população; a efetividade do sistema de justiça criminal e elementos criminógenos, que favorecem ao crime, entre os quais, a demanda por armas de fogo. 484 BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2003/L10.826.htm> 50 Entretanto, a partir de 2011 percebe-se uma inversão dessa tendência de queda da criminalidade no Estado. Conforme pode ser observada na tabela abaixo, a taxa por grupo de 100 mil habitantes, que leva em conta o crescimento populacional, tem um crescimento de 276% de 2010 a 2016. TABELA 1 TAXA ANUAL DE CRIME VIOLENTO REGISTRADO EM MINAS GERAIS 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 541,55 539,15 520,95 467,43 430,81 349,96 294,99 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 250,52 277,78 376,76 446,81 522,39 614,96 691,44 1 Fonte: Elaborado pelos autores. Dados de 2003 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010); 2 Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012); 3 Dados de 2012 a 2016 disponíveis em Minas Gerais (2017). O gráfico abaixo apresenta de forma clara que, após um declínio da taxa de crime violento a partir de 2004, essas passam a apresentar uma elevação após 2010, atualmente superando de forma significativa os índices anteriores. Fonte: Elaborado pelos autores. 1 Dados de 2003 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010); 2 Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012); 3 Dados de 2012 a 2016 disponíveis em Minas Gerais (2017). 485 No gráfico 2 pode-se acompanhar a evolução da taxa de crime violento por grupo de 100 mil habitantes de 1986 a 2016. Conforme apontado anteriormente os números iniciam uma trajetória de elevação de 1995 a 2003. Após quedas a partir de 2004, inicia-se um forte alta nas taxas a partir de 2011. Fonte: Elaborado pelos autores. 1 Dados de 1986 a 2010 disponíveis em Fundação João Pinheiro (2010); 2 Dados de 2011 disponíveis em Secretaria de Defesa Social (2012); 3 Dados de 2012 a 2017 disponíveis em Minas Gerais (2017). A reforma administrativa no âmbito do Estado de Minas Gerais ocorrida julho de 2016, desmembrou a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) nas Secretarias de Estado de Segurança Pública (Sesp) e de Administração Prisional (Seap)51. A Sesp tem como finalidade planejar, deliberar, organizar, coordenar e gerir as políticas estaduais de segurança pública, as atividades de inteligência de segurança pública, as ações de prevenção à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes no Estado e a política de atendimento às medidas socioeducativas de semiliberdade e internação. Já a Seap tem como competência planejar, organizar, coordenar e gerir a política prisional, 51 MINAS GERAIS. Lei nº 22257, de 27 de julho de 2016. Estabelece a estrutura orgânica da administração pública do Poder Executivo do Estado e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov. br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.html?tipo=LEI&num=22257&ano=2016>. 486 assegurando efetiva execução das decisões judiciais e privilegiando a humanização do atendimento e a inclusão social dos indivíduos em cumprimento de penas. Criada no âmbito da reforma e integrando a área de competência da Sesp, a Câmara de Coordenação das Políticas de Segurança Pública (CCPSP) é a estrutura responsável pela integração dos órgãos da área de segurança pública. A CCPSP é um órgão colegiado de caráter consultivo, propositivo e deliberativo que tem como competência acompanhar a elaboração e a implementação da política de segurança pública do Estado, em articulação com o Conselho de Defesa Social. Compoem a CCPSP o Secretário de Estado de Segurança Pública, o Secretário de Estado de Administração Prisional, o Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, o Chefe da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais e o Comandante do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Mesmo com as mudanças promovidas na estrutura de segurança, os focos da política de segurança pública no Estado permanecem voltados para a integração entre os órgãos de segurança pública e entre estes e outras organizações e a prevenção a criminalidade. Dando continuidade a estratégia de integração geográfica, em fevereiro de 2017 foi implantada a 19ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp) em Sete Lagoas. Atualmente o Estado de Minas Gerais está dividido em 19 Risps52, que são repartidas em áreas de Coordenação Integrada de Segurança Pública (Acisps). Essas, por sua vez, são compostas por áreas Integradas de Segurança Pública (Aisps). Diversas ações que compõem o programa “Mais Segurança” do Governo de Minas Gerais, como aumento do efetivo de policiais civis e militares e renovação de frota de veículos dessas forças, vem sendo implementadas. Outras, como o projeto Segurança Comunitária, envolvendo a divisão da capital mineira em 86 territórios, nos quais serão instaladas bases comunitárias, e prevê uma maior aproximação do trabalho da PM junto ao cidadão e a comunidade, estão sendo desenvolvidas. Os dados totalizados ao final da primeira metade do ano de 2017 relativos às taxas de crimes violentos por grupo de 100 mil habitantes apontaram uma redução de 8,83% no Estado na comparação entre os primeiros semestres de 2017 e 2016. Enquanto o acumulado de janeiro a 52 As 19 Risps estão instaladas em Barbacena, Belo Horizonte, Contagem, Curvelo, Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Lavras, Montes Claros, Patos de Minas, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Uberaba, Uberlândia, Unaí e Vespasiano. 487 julho de 2016 apresentou uma taxa de 403,55, em 2017 a taxa foi de 367, 94 para o mesmo período (MINAS GERAIS, 2017). Foi observada redução em 10 das 12 estatísticas de criminalidade monitoradas pelo Governo do Estado. O comportamento do número de roubos foi destacado pelo Governo visto que, após subirem seguidamente por seis anos, apresentaram redução pelo terceiro mês em 2017, alcançando uma variação percentual de 8%. Tal índice representa a maior diminuição percentual dos últimos seis anos em Minas Gerais53. Conforme antes extensamente observado, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), órgãos policiais que compõem seu sistema de segurança pública do Estado, estão previstos na Constituição estadual de forma adequada ao que prevê a Constituição Federal. Aqui cabe destacar novamente que a Constituição Federal é taxativa quanto ao rol de órgãos policiais e apenas os órgãos assim nela definidos podem ser instituídos como corporações policiais. Dessa forma não haveria outra possibilidade que não criar, no âmbito do estado, duas 53 AGêNCIA MINAS GERAIS. Minas Gerais fecha semestre com queda de 8% nos roubos e 4% nos homicídios. Disponível em: <http://www.agenciaminas.mg.gov.br/ noticia/minas-gerais-fecha-semestre-comqueda-de-8-nos-roubos-e-4-nos-homicidios>. Acesso em: 22 ago. 2017. 488 forças policiais que executam de forma separada funções específicas da atividade de polícia. Se por um lado a definição da estrutura policial em Minas Gerais foi determinada pelo modelo consolidado pela Constituição de 1988 que simplesmente reproduziu modelo dualizado de polícias existente no Brasil há mais de século, por outro, conforme discutido anteriormente, as organizações policiais do estado traziam sua história, já sendo naquele momento instituições estabelecidas, com uma extensa jornada atrás de si. Polícia Militar A Constituição Estadual de 1989 estabelece que a Polícia Militar é uma força pública estadual organizada com base na hierarquia e disciplina militares, competindo-lhe a função “de polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais, bem como as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública”. Nos mesmos termos da Constituição Federal, também dispõe que a Polícia Militar é força auxiliar e reserva do Exército. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em sua edição de 2016 apresentam que a PMMG contava com um efetivo de 42.115 servidores em 201454. A Lei Estadual n° 22.41555, de 16 de dezembro de 2016, definiu o seu efetivo para o período de 2017 a 2019 como sendo 51.669 políciais. Tabela 02 Total do efetivo previsto da PMMG por quadro Quadro 2017 - 2018 - 2019 Quadro de Oficiais – QO-PM 2.350 Quadro de Oficiais Complementares – QOC-PM 1.100 Quadro de Oficiais de Saúde – QOS-PM 750 Quadro de Oficiais Especialistas – QOE-PM 70 Quadro de Oficiais Capelães – QOCPL 9 Quadro de Praças – QP-PM 45.190 Quadro de Praças Especialistas – QPE-PM 2.200 Total 51.669 Fonte: Lei Estadual nº 22415, de 16 de dezembro de 2016. A estrutura hierárquica da PMMG reproduz a do Exército, com os seguintes postos e graduações56: I – Oficiais de Polícia a) Superiores: Coronel, Tenente-Coronel e Major b) Intermediários: Capitão c) Subalternos: 1º Tenente, 2º Tenente II – Praças Especiais de Polícia a) Aspirante a Oficial 54 Essa mais recente publicação do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública conta apenas com dados referentes à 2014 devido à indisponibilidade de dados atualizados. LIMA, Renato Sérgio De et al. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/ storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf>. MINAS GERAIS. Lei nº 22415, de 16 de dezembro de 2016. Fixa os efetivos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais – PMMG – e do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais – CBMMG – para o período de 2017 a 2019 e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/ completa/completa.html?tipo=LEI&num=21976&ano=2016>. 55 56 MINAS GERAIS. Lei nº 5301, de 16 de outubro de 1969. Contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2017. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min. html?tipo=LEI&num=5301&comp=&ano=1969&texto=consolidado>. 489 b) Cadetes do último ano do Curso de Formação de Oficiais e Alunos do Curso de Habilitação de Oficiais; c) Cadetes do Curso de Formação de Oficiais dos demais anos; III – Praças de Polícia: a) Subtenentes e Sargentos; Subtenente; 1º Sargento; 2º Sargento e 3º Sargento; b) Cabos e Soldados: Cabo; Soldado de 1ª Classe e Soldado de 2ª Classe (Recruta). Como se observa são muitos os níveis hierárquicos, totalizando 17 postos e graduações57. Em relação a hierarquização excessiva da estrutura das polícias militares, o Plano Nacional de Segurança Pública de 2003 apontava que essa arquitetura institucional dificulta a relação interna e prejudica a qualidade do serviço prestado por essas organizações. Como decorrência o referido plano igualmente recomendava a redução dos graus hierárquicos a partir de estudos que indicassem qual a melhor forma de organização hierárquica interna (BRASIL, 2003). Nesse modelo vigente os cabos e soldados são encarregados da execução do policiamento ostensivo. Subtenentes e sargentos também o executam e ainda comandam Posto é o grau hierárquico dos oficiais, conferido por ato do Chefe do Governo do Estado. Graduação é o grau hierárquico dos praças, conferido pelo Comandante Geral da Polícia Militar. 57 490 guarnições de radiopatrulha e grupos de cabos e soldados no policiamento a pé e em operações que empreguem no máximo 10 policiais militares. Além de cumprir as mesmas atribuições dos praças, os oficiais são responsáveis pelo planejamento, apuração de desvios, coordenação e controle do policiamento ostensivo e comando de grandes frações, como pelotões, companhias, batalhões e comandos regionais. Conforme pode ser constatado na tabela 02, os oficiais representam 8,28% do efetivo ali definido. Apesar desse baixo percentual, o investimento em sua formação é bastante significativo quando comparados aos praças, que recebem menor atenção na sua formação mesmo tendo maior contato com o atendimento de ocorrências. “Isso ocorre não somente porque o número de oficiais é menor, mas também reproduz uma dicotomia entre oficiais e praças, em que os primeiros formulam as estratégias para que os outros executem” (ANDRADE, 2006, p. 59). Apesar da carreira policial militar representar uma unidade, o que pode ser percebido na linearidade das graduações e postos, o acesso a ela é dado por duas portas de entrada: os ingressos no quadro de praças e no quadro de oficiais. O ingresso nos quadros da PMMG se dá mediante concurso público que tem como requisito de escolaridade o nível superior, sendo que para o de oficiais é exigido o título de bacharel em Direito. A exigência do nível superior para praças e do bacharelado em Direito foi implantada em 2010 por meio de alterações no Estatuto do Militares do estado58 e na Constituição do Estado59. Muniz (2001, p. 186) Aponta que, num esforço de tentar superar limitações do “militarismo” à polícia, as Polícias Militares brasileiras se conduziram a uma outra armadilha doutrinária, o “bacharelismo”, um o apego acrítico à perspectiva criminal do direito. Mas a proximidade e mesmo a instrumentalidade do direito penal para certas questões de polícia não devem ser confundidas com o amplo espectro da atuação policial, em particular o das polícias militares ou polícias do provimento da ordem pública. é óbvio que a legislação criminal constitui um importante instrumento para polícia ostensiva. Mas é apenas um instrumento tão necessário quanto tantos outros no dia-a-dia de um PM. O movimento de tornar o bacharelado em Direito uma exigência para o ingresso no quadro de oficiais não é uma exclusividade de Minas Gerais. Em contatos com oficiais superiores do Estado e outras unidades, esses relataram que tais iniciativas tinham como objetivo a valorização, inclusive financeira, desses profissionais, já que consideravam que as carreiras jurídicas estariam num patamar remuneratório superior no serviço público no País. Nesse sentido é interessante ressaltar que a alteração na Constituição estadual promovida pela Emenda nº 83 não só incluiu o requisito do título de bacharel em Direito como também definiu que o “cargo de Oficial do Quadro de Oficiais da Polícia Militar – QO-PM –, com competência para o exercício da função de Juiz Militar e das atividades de polícia judiciária militar, integra, para todos os fins, a carreira jurídica militar do Estado”. Ocorrida em janeiro de 2007, uma significativa alteração no Estatuto dos Militares de Minas Gerais instituiu os Quadros de Oficiais Complementares da Polícia Militar (QOC-PM) e de Oficiais Especialistas da Polícia Militar (QOE-PM)60. 58 MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 115, de 05 de agosto de 2010. Altera a Lei nº 5301, de 16 de outubro de 1969, que Contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2010. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min. html?tipo=LEI&num=5301&comp=&ano=1969&texto=consolidado>. 59 MINAS GERAIS. Constituição (1989). Emenda à Constituição nº 83, de 03 de agosto de 2010. Acrescenta os §§ 3º E 4º ao art. 142 da Constituição do Estado. Disponível em: < https://www.almg. gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=EMC&num=83&comp=&ano=2010>. 60 MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 95, de 17 de janeiro de 2007. Altera a Lei nº 5301, de 16 de outubro de 1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais, e dá outras providências. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2009. 491 O ingresso nesses quadros se dá mediante aprovação no Curso de Habilitação de Oficiais da Polícia Militar (CHO-PM) destinado aos Subtenentes, aos 1º e 2º Sargentos com no mínimo 15 anos de efetivo serviço na PMMG. A admissão no CHO-PM ocorre por meio de processo seletivo interno. Os militares aprovados no curso ingressam no posto de 2º Tenente e podem ser promovidos, na ativa, até o posto de Capitão. Como pode ser observado na Tabela 02, o número desses oficiais provenientes dos praças representa uma proporção de praticamente 50% em relação ao número de oficiais do QO-PM, estes formados no Curso de Formação de Oficiais (CFO-PM) e que ingressam nos quadros da PMMG já como oficiais. Tal medida representa uma importante política de pessoal já que representa uma forma de valorização do quadro dos praças e se aproxima do modelo de carreira única defendido por vários especialistas e muito facilmente aplicável às polícias militares tendo em vista que já compõe uma carreira. O modelo de carreira única, melhor denominado como “entrada única”, é apontado em um conjunto de propostas concretas para a segurança pública no Brasil no documento “Agenda Prioritária de Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?tipo=LCP&num=95&ano=2007>. 492 Segurança Pública” (Instituto Sou da Paz, 2014) elaborado por um grupo de organizações civis e especialistas. Em relação à reforma do modelo policial brasileiro, propõe “reformar as carreiras das diferentes polícias garantindo a entrada única e a possibilidade de progressão até o nível mais alto da hierarquia”. Apesar de não ser incomum a criação de quadros de oficias como o QOC-PM ou a adoção da exigência do bacharelado em Direito para o ingresso como oficial das polícias militares brasileiras, é praticamente inexistente uma iniciativa de Governos ou das próprias corporações no sentido da adoção do modelo de entrada única proposto por especialistas. Em fevereiro de 2015 o jornal O DIA do Rio de Janeiro noticiava: “Polícia Militar muda acesso e, agora, soldado pode chegar a oficial - Ideia do comando segue modelo americano, em que se chega ao topo da carreira vindo de baixo”61. De acordo com a matéria a medida estaria em fase final de elaboração pelo Estado-Maior da corporação. à época o Coronel Robson Rodrigues, chefe do EstadoMaior afirmou que “a carreira fica mais atrativa e a polícia aproveitará 61 BALOCCO, ANDRé. Polícia Militar muda acesso e, agora, soldado pode chegar a oficial. O Dia, Rio de Janeiro, 12 fev. 2015. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/ noticia/rio-de-janeiro/2015-02-12/policiamilitar-muda-acesso-e-agora-soldadopode-chegar-a-oficial.html>. Acesso em: 14 ago. 2017. seus melhores quadros”. “Teremos apenas um concurso, uma única entrada, ao contrário de hoje, em que existem dois separando praças e oficiais.” Sobre a iniciativa, a doutora em Ciência Social Sílvia Ramos, Diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes, afirmou ser “revolucionária” e que, a reformulação na estrutura da Polícia Militar do Rio mudaria os parâmetros de segurança pública do país, e tenderia a se espalhar por todos os estados. “É uma reivindicação antiga. Hoje, temos duas polícias dentro da PM: a dos oficiais e a dos praças”, [...] “Nos EUA, o chefe de polícia, um dia, dirigiu o carro como praça. Isso é fundamental para tornar a carreira atrativa e evitar esta separação atual, em que um jovem aspirante a tenente nunca dialogou com o soldado em sua formação. Este é um modelo que só existe no Brasil”. Após menos de um mês a primeira notícia, outra divulgação no jornal EXTRA62 informava que Polícia Militar do Rio de Janeiro passaria a exigir nível superior para candidatos a oficial. O de ingresso único na PMRJ tinha sido descartado e as mudanças OLIVEIRA, Djalma. Polícia Militar passará a exigir nível superior para candidatos a oficial. Extra, Rio de Janeiro, 9 mar. 2015. Disponível em: <https://extra. globo.com/emprego/servidor-publico/ policia-militar-passara-exigir-nivel-superiorpara-candidatos-oficial-15531108.html>. Acesso em: 14 ago. 2017. 62 ainda estariam sendo “estudadas e planejadas”. Como pode se observar, alterações na estrutura das polícias militares não é tarefa fácil. Além de altamente estratificadas e marcadas pela excessiva hierarquização, a diferenciação dos grupos de praças e oficiais é muito marcada e secularmente enraizada. Curioso que tal característica pode ser observada mesmo em alguns elementos de uma política que promove uma polícia mais igualitária para seus quadros como a criação do Quadro de Oficiais Complementar na PMMG. Um ponto é que os oficiais desses quadros somente podem ser promovidos até o posto de Capitão, um oficial intermediário. Outro aspecto é que, apesar de estarem num mesmo nível na hierarquia da PMMG, os Cadetes do último ano do Curso de Formação de Oficiais têm precedência funcional em relação aos Alunos do Curso de Habilitação de Oficiais. Na realidade, a própria criação de um quadro de oficiais específico para esse grupo proveniente dos praças é uma diferenciação explícita de tratamento dispensado a estes. Um traumático evento que marca essa tensão entre praças e oficiais é a greve dos policiais militares mineiros em 1997. Esse movimento reivindicatório se constituiu em um conjunto de protestos promovidos por praças da PMMG transcorridos no 493 período de 12 a 26 de junho de 1997, dos quais os principais foram duas grandes passeatas nos dias 13 e 24 de junho. Importante destacar que, devido sua caracterização como militares, a Constituição Federal veda a esses policiais o direito à greve e à sindicalização. A greve desses é considerada inconstitucional e crime militar pelo Código Penal Militar. à época havia um contexto de insatisfações internas relacionadas ao baixo salário, péssimas condições de trabalho, grande número de suicídios entre os policiais, abusos e privilégios dos oficiais e o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM), copiado das Forças Armadas, considerado pelos praças como arbitrário, rígido e ultrapassado. Apesar disso, o estopim dos protestos foi um aumento de 11% concedido em 06 de junho exclusivamente aos oficiais, pelo então governador do Estado Eduardo Azeredo em um acordo com o Comandante Geral da PMMG. Este teria garantido ao governo que não representaria um problema o aumento direcionado somente aos oficiais, pois teria controle sobre a tropa (ALVES, 2013). O ápice da tensão do movimento ocorreu durante a tentativa de invasão ao Alto Comando no dia 24 de junho, situação na qual o cabo Valério dos Santos de Oliveira foi atingido por um tiro na cabeça, vindo a falecer em 28 do mesmo mês. Os eventos 494 levaram o governador Eduardo Azeredo a solicitar à Presidência da República o auxílio do Exército que se concentrou nas imediações para garantir a segurança da capital e das instâncias governamentais. O movimento se encerou no dia 26 de junho com a finalização da negociação resultando em um significativo aumento salarial para os policiais militares 63. Retomando o controle pelo comando, as apurações das condutas levaram à punição de vários participantes, sendo 186 expulsos da PMMG. Posteriormente os praças expulsos foram anistiados no governo de Itamar Franco (1998-2002), com a Emenda à Constituição do Estado nº 3964. Tal emenda que desvinculou o Corpo de Bombeiros Militar da estrutura da PMMG subordinando-o ao governador, em seu artigo 12 dispôs sobre a inclusão nos seus quadros dos praças da Polícia Militar excluídos da corporação em 63 Tida como a primeira greve de policiais militares do Brasil, o movimento acabou por influenciar o início de movimentos em outros estados onde policiais se mobilizaram motivados pela repercussão do movimento mineiro. 64 MINAS GERAIS. Constituição (1989). Emenda à Constituição nº 39, de 02 de junho de 1999. Altera a redação dos arts. 39, 61, 66, 90, 106, 110, 111, 136, 137, 142 e 143 da Constituição do Estado, acrescenta dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências. Disponível em: < http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/ legiscont/Constitui%C3%A7%C3%A3o%20 Estadual.pdf>. virtude do movimento reivindicatório ocorrido em 1997. Tal solução foi dada, já que o retorno desses policiais aos quadros da PMMG não seria aceito por seus oficiais que consideraram a greve como “motim”, um ato de “insubordinação” da tropa em relação às determinações dos comandos. Esse evento é considerado um marco para a organização, já que subverteu a lógica militar da cadeia de comando na qual a PMMG foi erguida. O movimento trouxe para a Polícia Militar mineira significativas mudanças nas regras que a configuram, principalmente com a substituição do RDPM pelo Código de ética tornando possível um melhor diálogo entre praças e oficiais (ALVES, 2013, p. 138). Entre suas consequências se deu também o estabelecimento de mecanismos de participação dos praças nas questões institucionais e de um novo modelo de relacionamento entre seus grupos (ANDRADE, 2006). Aqui cabe observar que alguns temas são recorrentes nas discussões relacionadas às polícias militares brasileiras, o que por sua vez tem efeito direto sobre a Polícia Militar de Minas Gerais. Um desses temas decorre do fato de termos no Brasil duas polícias de ciclo incompleto. A expressão “ciclo completo de polícia” deve ser compreendida como a atribuição das atividades de patrulhamento ostensivo e de investigação criminal a uma mesma organização policial. Estão integrados numa mesma corporação, um segmento fardado que realiza o patrulhamento ostensivo nas ruas e outro segmento incumbidos de coletar evidências de materialidade e autoria dos crimes eventualmente registrados. Cada um possui suas respectivas chefias, porém ambos subordinados hierarquicamente à mesma autoridade (SAPORI, 2016). Diferentemente da maioria dos países, onde prevalece o modelo de ciclo completo, no Brasil temos duas “meias” polícias, o que acarreta “conflitos de competência, distanciamento das direções das instituições policiais, duplicidade de equipamentos e de gerenciamento das operações, que, somados, constituem uma das principais causas estruturais da ineficiência do setor” (MARIANO, 2004, p. 21). Apesar de ainda não ser consensual, poucos ignoram o fato de que essa “dualidade polícia ostensiva/polícia investigativa tornou-se foco crônico de ineficiência na atuação do Estado na provisão da segurança pública” (SAPORI, 2016, p, 51). Justamente para lidar com essa questão o PNSP de 2003 propunha a implantação do ciclo completo de polícia, inclusive idealizando o Sistema único de Segurança Pública (SUSP) nos Estados como uma estratégia para uma integração progressiva até a 495 criação uma ou mais instituições de ciclo completo (BRASIL, 2003). Também nesse sentido as políticas de segurança pública implementadas em Minas Gerais a partir de 2003 com foco na integração da PMMG e da Polícia Civil de Minas Gerais representaram um esforço no enfrentamento dos problemas decorrentes dessa desarticulação e na busca por efetividade na redução da crescente criminalidade. Apesar de serem louváveis os planos locais de integração das polícias e haja necessidade de sua continuidade, esses encontram limitações no enfrentamento de uma questão de ordem estrutural. Como apresentado anteriormente, a atual origem e determinação dessa dualidade organizacional do nosso sistema policial, é a previsão na Constituição de 1988 das polícias militares e polícias civis cada um com atribuição específicas e complementares no ciclo completo de polícia. Como também observado tais diferenças advém de modelos cujas origens são díspares, e no caso da Polícia Militar de Minas Gerais tem suas origens remontando quase três séculos, o que se traduz por uma herança cultural nada desprezível. Sob a responsabilidade das polícias militares está a polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, enquanto as funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais estão a cargo das polícias 496 civis. Assim, cada uma das nossas “meias polícias” cumpre parte das funções previstas para o ciclo completo de atividades policiais. Essa previsão constitucional faz com que a implantação do ciclo completo de polícia no Brasil passe necessariamente por uma alteração do texto constitucional. Diversas propostas de alteração à Constituição tratam do tema podendo ser destacadas as Propostas de Emenda Constitucional (PEC) 431/201465, de autoria do Deputado Federal por Minas Gerais, Subtenente Gonzaga, e 51/201366 apresentada pelo Senador pelo Rio de Janeiro, Lindbergh Farias. 65 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição 431/2014. Acrescenta ao art. 144 da Constituição Federal parágrafo para ampliar a competência dos órgãos de segurança pública que especifica, e dá outras providências. Brasília. Câmara dos Deputados, 2017. Disponível em: <http:// www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao?idProposicao=643936>. 66 BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição n° 51, de 2013. Altera os arts. 21, 24 e 144 da Constituição; acrescenta os arts. 143-A, 144-A e 144-B, reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial. Brasília. Senado Federal, 2017. Disponível em: <https://www25. senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ materia/114516>. No texto “PEC-51: revolução na arquitetura institucional da segurança pública”, Luiz Eduardo Soares trata da proposta que se propõe a “transformar a arquitetura institucional da segurança pública, um legado da ditadura que permaneceu intocado nos 25 anos de vigência da Constituição cidadã, impedindo a democratização da área e sua modernização.” Disponível em: <http://www. luizeduardosoares.com/pec-51-revolucaona-arquitetura-institucional-da-seguranca- Vale destacar que não há um modelo ideal de polícia de ciclo completo e existem diferentes arranjos institucionais do sistema policial possíveis. Sapori (2016) identifica três opções de implantação do ciclo completo, considerando a manutenção do modelo de polícias estadualizadas: Polícias estaduais unificadas. Envolveria a unificação das polícias civil e militar criando-se uma única polícia estadual. Essa nova polícia estadual estaria incumbida das funções de policiamento ostensivo, preservação da ordem pública e de polícia judiciária nos limites territoriais do respectivo estado. Polícias militares e civis de ciclo completo. Nessa outra opção de implantação do ciclo completo, a Constituição Federal simplesmente estabeleceria que as polícias civis e as polícias militares teriam, ambas, as funções de polícia ostensiva e judiciária. Essas passariam a ter um segmento fardado, responsável pelo patrulhamento cotidiano e um segmento investigativo, responsável pela condução das investigações criminais. “Na prática essa proposta significa implantar um setor investigativo na Polícia Militar, e um setor de patrulhamento na Polícia Civil” . Nesse modelo se propõe a existência de uma distribuição geográfica dessas duas polícias de forma a evitar conflitos entre as duas corporações, como hoje já acontece. Como já observado, a Polícia Civil de Minas Gerais por várias décadas possuiu uma organização próxima dessa arquitetura funcionando em Belo publica/>. Horizonte com a Guarda Civil, em que existia uma delimitação geográfica para com a Polícia Militar. Ciclo completo por tipo de crime. Nessa terceira acepção de ciclo completo de polícia seriam atribuídas as funções ostensiva e investigativa às polícias militares, mantando-se a função atual das polícias civis. A função investigativa seria dividida por competência penal. Cada polícia ficaria responsável por parte dos crimes e contravenções estabelecidas pelo Código Penal. “Alguns estudiosos defendem, por exemplo, que a polícia militar se incumba dos crimes de menor potencial ofensivo, delegando para a polícia civil os crimes mais violentos, tais como homicídios e latrocínios”. Nesse modelo as duas polícias poderiam ter responsabilidade sobre a mesma região geográfica. Cada uma das opções identificadas tem suas potencialidades e seus riscos. Em diferentes países se encontra modelos que neles se enquadram. O que parece mais relevante na adoção do ciclo completo de polícia como uma evolução para o sistema de segurança pública é a possibilidade de uma abordagem sistêmica da atividade policial. Como esse trabalho identificou, historicamente existe uma desconexão entre a Polícia Militar mineira, originária da necessidade de controle do território e suas riquezas, para com os chefes de polícia, delegados e subdelegados que tem sua origem como um ramo do embrionário sistema judiciário brasileiro. As duas estruturas 497 desde então mais se justapuseram do que se concatenaram, não originando, portanto, uma mesma lógica ordenadora do que seja segurança pública, bem como dos seus respectivos papeis. Com a adoção desse modelo integral no que seria possível para uma organização a plena utilização de dados e informações, elaboração de diagnósticos e planejamento integrado nos níveis estratégicos, tático e operacional para o enfrentamento dos problemas de criminalidade e segurança. Atualmente o maior desafio no processo de implantação de algum modelo de ciclo completo de polícia encontra-se no enfrentamento de interesses corporativistas de grupos e instituições que buscam manter o monopólio da investigação criminal e o modelo no existente no Brasil. Outro ponto objeto de intensos debates e críticas é o fato das polícias militares se caracterizarem como órgãos militares vinculadas ao Exército como forças auxiliares. Como visto anteriormente, a previsão da existência de polícias militares com função de policiamento ostensivo e sua vinculação às Forças Armadas está definida na Constituição Federal de 1988. Apesar desta ter sido fruto de um processo de elaboração democrático, resultando avanços relacionados aos direitos e garantias fundamentais, no que se refere às 498 Forças Armadas, às polícias militares estaduais, ao sistema judiciário militar e ao de segurança pública em geral, a “Constituição permaneceu praticamente idêntica à Constituição de 1967 e à sua emenda de 1969” (ZAVERUCHA, 2010, p. 45). O conceito de que a atividade policial, em uma sociedade democrática, deveria ter caráter civil é preconizado por um grande número de especialistas. A lógica militar, de guerra e de combate ao inimigo, certamente se diferencia daquela relacionada à prevenção da violência e da criminalidade. Soares (2014) aponta que o melhor formato organizacional é aquele que melhor serve às finalidades da instituição. Organizações com f i nal i dades di sti nt as exi gi ri am estruturas organizacionais diferentes. Dessa forma “só seria racional reproduzir na polícia o formato do exército se as finalidades de ambas as instituições fossem as mesmas”. Nesse sentido, O exército destina-se a defender o território e a soberania nacional. Para cumprir essa função, precisa organizar-se para executar o “pronto emprego”, isto é, mobilizar grandes contingentes humanos e equipamentos com máxima presteza e estrita observância das ordens emanadas do comando. Necessita manter-se alerta para ações de defesa e, no limite, fazer a guerra. O “pronto emprego” requer centralização decisória, hierarquia rígida e estrutura fortemente verticalizada. [...] Nada disso se verifica na polícia militar. Sua função é garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações, recorrendo ao uso comedido e proporcional da força. Segurança é um bem público que deve ser oferecido universalmente e com equidade pelos profissionais encarregados de prestar esse serviço à cidadania. Os confrontos de tipo quase-bélico correspondem às únicas situações em que alguma semelhança poderia ser identificada com o exército, ainda que mesmo aí haja diferenças significativas. De todo modo, os confrontos equivalem a menos de 1% das atividades que envolvem as PMs. Não faria sentido impor a toda a instituição um modelo organizacional adequado a atender 1% de suas atribuições. (SOARES, (2014). Conforme aponta Soares (2014), a maioria dos desafios enfrentados pela polícia ostensiva é melhor resolvida por meio de estratégias praticamente inviáveis na estrutura militar. Num modelo moderno de policiamento, o policial na rua não se restringe a cumprir ordens, executando o determinado pelo Estado-maior da corporação, em busca de prisões em flagrante. Esse é um profissional responsável por agir como o gestor local da segurança pública o que envolve: (1) diagnosticar os problemas e identificar as prioridades em diálogo com a comunidade; (2) planejar ações preventivas, mobilizando iniciativas multissetoriais do poder público e contando com o auxílio da comunidade. “Há sempre supervisão e interconexão, mas, sobretudo autonomia para atuação criativa e adaptação plástica a circunstâncias que tendem a ser específicas aos locais e aos momentos”. A definição das polícias militares como forças auxiliares do Exército, além de obrigá-las a espelhar a estrutura deste, acaba por gerar uma dupla subordinação. As Polícias Militares respondem ao Estado Maior do Exército, mas também, aos governadores estaduais. Cabe ao Exército promover inspeções nas polícias militares; controlar a organização, a instrução dos efetivos, o armamento e o material bélico utilizados; apreciar os quadros de mobilização de cada unidade da Federação, com vistas ao emprego em missões específicas e na defesa territorial. Essa configuração situação diferencia o Brasil de outros países democráticos que possuem polícias com estética militar. “Neles, tais polícias são controladas pelo Ministério do Interior, da Justiça ou da Defesa. Contudo, não são forças auxiliares do Exército, mas de reserva” (ZAVERUCHA, 2010, p. 46). Como anteriormente observado, esse modelo de controle central foi imposto originalmente no período Vargas muito mais como um mecanismo de controle da Federação sobre os “exércitos dos governadores” do que como um meio privilegiado para a segurança pública ou mesmo para a defesa nacional. Embora possa 499 se argumentar que tal estrutura dilui a possibilidade de insurreições estaduais como as que deram origem a revolução de 1930 que alçou Getúlio ao poder, ou a revolução constitucionalista de 1932, esse contexto histórico foi desconstruído há décadas, não existindo nenhum elemento que aponte para o risco de uma corrida militar entre oligarquias estaduais. Outro ponto merecedor de atenção em relação às polícias militares é a prerrogativa por parte de seus policiais de serem julgados pelas justiças militares estaduais em caso de crimes militares. Em 1977, durante o Regime Castrense, foi incluída na Constituição a possibilidade de criação de justiça militar estadual. A Constituição de 1988 acabou por mantê-la, autorizando a criação dessa justiça na esfera estadual e prevendo tribunais de justiça militar nos estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes (Art. 125, § 3º). Também o próprio texto constitucional que trata das policiais civis (§ 4º do Art. 144), ao definir que lhes compete às funções de “polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, acaba por definir esse foro privilegiado para policiais militares. Zaverucha (2010) aponta que a possibilidade de um militar ser julgado por tribunal comum é praticamente nula tendo em vista que a definição 500 de crime militar é tão ampla que faz com que vários ilícitos cometidos por militares possam ser enquadrados em algum artigo do Código Penal Militar. Apenas em 1996, com o advento da Lei nº 9.299, a competência para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis foi transferida para a Justiça comum, permanecendo de fora de sua alçada os crimes mais corriqueiramente praticados pelos membros da corporação, a exemplo dos crimes contra o patrimônio, abuso de autoridade, espancamento, prisão ilegal, extorsão, sequestro e prevaricação. A existência de polícias militares não é uma exclusividade do Brasil. Em países como França, Itália, Portugal e Chile existem polícias militares. Entretanto o arranjo institucional encontrado no Brasil possui características que o distanciam de referências de nações democráticas. Além um grande apoio de especialistas à desmilitarização das polícias, como expresso na já citada “Agenda Prioritária de Segurança Pública” (Instituto Sou da Paz, 2014), em levantamento junto aos próprios profissionais de segurança pública realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 201467 76,1% dos policiais 67 LIMA, Renato Sérgio De; BUENO, Samira; SANTOS, Thandara. Opinião dos policiais brasileiros sobre reformas e modernização da segurança pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2014. Disponível em: <http://www. militares brasileiros indicaram ser favoráveis ao fim do vínculo com o Exército. Considerando apenas a amostra referente à Minas Gerais esse percentual cai para 51,60%. Nessa amostra também se mostraram favoráveis à modernização dos regimentos e códigos disciplinares (89,60%) e a regulamentação do direito à sindicalização e de greve desses policiais (76,10%). Já em relação ao fim da justiça militar para as polícias militares, 58,10% se mostraram contrários. Apesar muitas polícias militares terem se aberto a reformas tendentes à adequação ao estado de direito, como é o caso da PMMG, e ainda existir apoio à manutenção dessas polícias como instituições militares, não parece haver motivos significativamente válidos que contraindicassem a sua desmilitarização. Mais uma vez, além de questões ligadas à tradição e cultura, interesses corporativos acabam por exercer forte pressão para a manutenção do modelo vigente. Civil, atualmente, como o órgão responsável pela investigação e instrução processual dos crimes praticados no território estadual, ressalvados aqueles de competência da União e os crimes militares. A Constituição estadual define ainda que são atividades privativas da PCMG: a polícia técnico-científica, o processamento e arquivo de identificação civil e criminal, bem como o registro e licenciamento de veículo automotor e a habilitação de condutor. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, a PCMG conta com um efetivo de 9.744 servidores68. Interessante notar como também no atual contexto da Polícia Civil, cuja origem histórica é bem mais recente que a PMMG contexto, ainda se percebe a herança de uma Minas colonial, em que a polícia se imiscui em diferentes dimensões da vida dos cidadãos com o intuito de impor primordialmente algum nível de controle comportamental. Um exemplo desse fenômeno é a gestão do trânsito no Estado, em que a atividade relacionada ao registro e licenciamento de veículo automotor Polícia Civil Paralelamente a esse processo de evolução da Polícia Militar enquanto força ostensiva, tem-se a Polícia forumseguranca.org.br/publicacoes/ opiniao-dos-policiais-brasileiros-sobrereformas-e-modernizacao-da-segurancapublica/>. 68 Essa mais recente publicação do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública conta apenas com dados referentes à 2014 devido à indisponibilidade de dados atualizados. LIMA, Renato Sérgio De et al. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016. Disponível em: <http://www. forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_ site_18-11-2016-retificado.pdf>. 501 e a habilitação de condutor estão a cargo do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG), órgão executivo de trânsito do Estado, cuja estrutura compõe a PCMG. Nesse caso se apresenta mais uma dimensão da herança cultural da conformação das instituições de segurança pública nas Minas do que uma imposição legal. Essa associação dos órgãos de trânsito com Polícias Civis, apesar de comum, não é uma regra no Brasil. Em diversas unidades da Federação, como Brasília, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, entidades desvinculadas de suas polícias estaduais exercem a função de órgão executivo de trânsito. Na realidade o Plano Nacional de Segurança Pública de 2003 apontava entre os pontos a serem objeto de reformas para o aperfeiçoamento das polícias na esfera estadual a desvinculação entre os Departamentos de Trânsito e as polícias civis. No Estado de São Paulo, 90% do efetivo do Detran são integrados por servidores vinculados à Polícia Civil e sua direção é composta por delegados de polícia. Vincular esse órgão às Secretarias Estaduais de Transporte e não às Secretarias de Segurança Pública, aumentará o efetivo para a atividade-fim da Polícia Civil: a investigação. (BRASIL, 2003). Como se pode inferir, sob a perspectiva das políticas federais 502 a partir de 2003 seria necessário retirar as polícias de parte de seu viés administrativo, focando-as em atividades voltadas diretamente para a segurança pública. No tocante as Polícias Civis seriam as atividades de polícia judiciária e de polícia investigativa. Todavia, foi justamente nas mudanças de cunho estrutural, que afetariam profundamente a estrutura corporativa das instituições de segurança pública, onde o Plano Nacional encontrou sólidos limites. Em que pese ter localizado aspectos centrais a serem modificados: no controle de atividades não policiais; na fragmentação da atuação das polícias; e na ênfase no controle social e na ineficácia do processo investigativo, as ações de mudanças esbarraram nas limitações de ordem constitucional, e nos interesses corporativos. Para além da quase impossibilidade de retirar atividades de cunho administrativo da responsabilidade das polícias, como a gestão do trânsito, tão pouco grandes progressos ocorreram no aumento da eficiência dos processos vinculados a sua atividade fim, o que no caso das policiais civis seria a atividade investigativa materializada no inquérito policial. Nesse sentido, apesar da PCMG ser responsável historicamente por outras atividades, o que caracteriza as Polícias Civis brasileiras é sua função de polícia judiciária e de apuração de infrações penais. Classicamente a atividade de polícia judiciária tem sido tratada como sinônimo de investigação criminal. Apesar da definição das funções constitucionais das polícias civis distinguir o que seja polícia judiciária da investigação, por vezes essa diferenciação não é percebida, inclusive para profissionais de polícia. De acordo com o disposto na Lei Estadual nº 129, de 08 de novembro 201369, que contém a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais a investigação criminal teria como objetivo “à apuração de infrações penais e de atos infracionais, para subsidiar a realização da função jurisdicional do Estado, e à adoção de políticas públicas para a proteção de pessoas e bens para a boa qualidade de vida social”. Já a função de polícia judiciária consistiria “no auxílio ao sistema de justiça criminal para a aplicação da lei penal e processual, bem como nos registros e fiscalização de natureza regulamentar”. O instrumento disponível à PCMG para o desenvolvimento dessas atividades é justamente o referido 69 MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 129, de 08 de novembro de 2013. Contém a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais - PCMG -, o regime jurídico dos integrantes das carreiras policiais civis e aumenta o quantitativo de cargos nas carreiras da PCMG. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/ legislacao/completa/completa-nova-min. html?tipo=LCP&num=129&ano=2013>. inquérito policial, que pretensamente seria a pedra angular da atuação das policiais judiciárias brasileiras. Sob esse prisma nesse tópico da análise contexto atual da segurança pública em Minas gerais será feita uma breve digressão sobre este, objetivando auferir indícios de sua real efetividade. Como já visto anteriormente a política dos Estados é fortemente pautada pelo governo federal, sendo este, por sua vez, limitado pela legislação constitucional. Também foi observado que pouco foi alterado na arquitetura dos sistemas de segurança pública que emergiram do período dos governos militares. Por conseguinte, foi igualmente constatado que as políticas do Plano Nacional de Segurança de 2003 diagnosticaram uma série de elementos estruturais que impossibilitam a adaptação das instituições da área de segurança pública aos desafios presentes, todavia sofreu uma série de limitações legais herdadas da Constituição de 1988 nas políticas a serem executadas. Ao analisarmos brevemente o que seja o atual inquérito policial são observados indícios da existência, ou não, de meios para a modernização dos aparatos de segurança pública sem profundas mudanças de cunho legal, a exemplo da manutenção do próprio inquérito. Uma vez que a evolução histórica secular da Segurança Pública no Estado de Minas esteja na presente conjuntura sob a égide da centralização por parte do governo federal, o avanço 503 da compreensão sobre o tema exige um olhar mais acurado sob os elementos que subsidiam o processo de investigação no arcabouço jurídico. Posto o pressuposto acima, embora o inquérito policial possa ter sido objeto de diferentes leituras no decorrer de sua longa história, no atual contexto pode ser definido como “um procedimento investigatório prévio, constituído por uma série de diligências, cuja finalidade é a obtenção de provas (justa causa) para que o titular da ação penal possa propô-la contra o autor de uma infração penal” (HANSEN; CORRÊA; LOPES FILHO, 2012). O inquérito policial reúne os resultados da investigação transpostos para a lógica e linguagem jurídicas, consistindo em um documento escrito e obrigatório previsto pelo Código de Processo Penal brasileiro. Nele, encontram-se agrupados, dentre outros: o registro de ocorrência realizado por policiais militares; laudos e exames confeccionados por peritos; ordens de serviços cumpridas por investigadores; depoimentos transcritos por escrivães; portarias e relatórios de delegados; manifestações de promotores, solicitando novas investigações ou autorizando a dilatação dos prazos; despachos de juízes sobre prisão; escuta telefônica e mandados de busca e apreensão; e, até mesmo, petições de defensores. Isso tudo com o aval dos carimbos e assinaturas que visam tornar esses registros, documentos de fé pública, isto é, 504 com veracidade atestada pelo Estado. (VARGAS; RODRIGUES, 2011). Aqui cabe uma pequena análise objetivando dar suporte a avaliação da polícia judiciária em Minas Gerais. De fato, o inquérito policial ao ser criado no período imperial tinha uma forte razão para centralizar esse amplo conjunto tipológico de documentos, que vão da atividade fim, como relatórios de investigação, até variados tipos de registros processuais. No contexto histórico de sua origem praticamente inexistia divisão de poderes, e, predominantemente, o chefe de polícia havia trabalhado como juiz, tendo predisposição natural para aglutinar tudo que pudesse ser útil ao processo, mesmo que fossem peças de cunho administrativo, inúteis sob o viés estritamente processual. Para, além disso, como já observado, em suas origens as funções policiais exerciam atividades hoje pertencentes ao judiciário. Vale lembrar que se vive em um país continental, em que o Estado era extremamente tênue em muitos lugares. Logo, se um dossiê contivesse grande redundância de dados, ou mesmo realizasse procedimentos de outras instituições, nessa realidade de ausência institucional seria um facilitador para a ação desse Estado integrado, composto quase como um único poder, embora com fachadas distintas. Por outro lado, nesse mesmo período imperial se tinha uma conjuntura bem mais restrita de investigações criminais executadas pelo Estado. Indubitavelmente existiam muitos crimes, como visto no processo colonizatório das Minas Gerais, a questão é que o Estado se incomodava com aqueles que afetavam sua visão de ordem pública, ou seja, poderiam ameaçar o bom andamento do funcionamento do próprio Estado. Então, provavelmente, o volume de investigações desenvolvidas de fato era bastante reduzido. Como consequência, ao mesmo tempo em que o chefe de polícia designava delegados e subdelegados para atuarem como sua longa manus, esses tinham autonomia decisória para efetuar investigações diretamente. Ou seja, no tocante aos atos investigatórios realizavam as próprias diligencias, com a presença direta em locais de crimes, realização de vigilâncias, dentre outras medidas, o que daria acentuada celeridade ao processo. Nesse sentido da efetividade da investigação também cabe considerar a existência do controle do ciclo investigatório. De maneira geral, nas origens da polícia judiciária nas Minas o sujeito responsável pela investigação tinha o controle de seu início, meio e fim, o que lhe permitia empregar amplamente sua experiência e conhecimentos no processo investigatório. De tal modo que os delegados e subdelegados não tinham suas atividades investigatórias fragmentadas, o que certamente seria feito caso cumprissem expedientes de centenas de investigações sem poder arbitrar seu conjunto. Como antes visto tinham também o controle da Força Pública, mas sua utilização tendia ao suporte da investigação, como a convocação de testemunhas ou o apoio em prisões. Por fim, cabe observar que a existência de um movimento objetivando tornar privativo dos bacharéis os cargos da área de segurança pública não era, ainda, um óbice a sua eficácia. Praticamente inexistiam cursos superiores no país, e os primeiros a serem instituídos foram justamente nessa área. O recrutamento de advogados para comporem diferentes instâncias da administração pública era, portanto, quase que a única fonte originária de indivíduos com formação superior. No tocante a polícia é licito supor que esse acúmulo de policiais oriundos de uma mesma área do conhecimento, o direito, era a melhor alternativa existente se comparada com a miríade de pessoas com pouquíssima escolaridade que compunham os quadros policiais nos rincões das gerais. Então, ao analisar-se a seguir a atuação investigatória da Polícia Civil de Minas gerais é necessário o resgate dessas premissas conceituais 505 históricas, de maneira que a análise da efetividade atual da investigação policial e suas deficiências não sejam consideradas somente pelo viés simplista da produtividade e desempenho de funcionários públicos, desconsiderando a pesada herança histórica nessas instituições. Com esse efeito, nesse ponto também se faz necessária uma recontextualização dos aspectos citados acima que permitiam que as polícias tivessem um desempenho satisfatório para o Estado naquele momento, mas que ao contrário, com o passar do tempo se tornaram possíveis óbices ao seu desempenho. Listam-se os seguintes aspectos: a) o Estado brasileiro se sofisticou. Como decorrência o judiciário e executivo se tornaram de fato poderes distintos, o Ministério Público ganhou autonomia real. Atividades desempenhadas pela polícia como expedição de mandados, deliberações de prisões, julgamentos, são agora privativos do Poder Judiciário. Logo, o conjunto de informações de cunho administrativo contidas no inquérito policial foi perdendo paulatinamente sua utilidade. Dados como ofícios com pedidos a outros órgãos, despachos ou comunicação de substituição de funcionários, que não dizem respeito diretamente à investigação e somente agregam conhecimentos 506 que as próprias instituições envolvidas possuem, tumultuam os inquéritos, dificultando que cumpram seu papel informativo. Procedimentos como a inquisição de testemunhas nas delegacias com os ritos do judiciário se tornaram elementos redundantes, vez que serão ouvidos também em juízo. O delegado não é mais um tipo de juiz; b) Investigadores distantes da investigação. Quando da existência da figura do chefe de polícia os delegados e subdelegados atuavam como representantes de seu poder, atuando diretamente sobre os eventos investigados. Com sua eliminação e o fortalecimento da figura do delegado, esse se distanciou do ambiente onde são investigados os fatos, não permitindo a mesma autonomia formal aos policiais que passaram a atuar sobre a investigação, no caso os agentes, investigadores ou inspetores; c) O número de casos se avolumou. Com a evolução da sociedade brasileira diversas situações criminais passaram a não ser mais ignoradas pelo sistema criminal, ao menos em sua dimensão formal. Em que pese à constância do Estado no enfoque do controle comportamental, o arcabouço legal incorporou elementos do iluminismo, revolução francesa, e direito inglês que estabeleceram a inclusão dos demais cidadãos. Mesmo que somente um formalismo, parte dos índices não computados passaram a existir formalmente. Paralelamente, a partir da década de oitenta do século XX se tem uma explosão de violência no país oriunda de aspectos como desigualdade social, crescimento populacional de número de jovens, tráfico de drogas e proliferação de armas de fogo. Já no início do presente século começam a aparecer cada vez mais crimes de cunho patrimonialista, relacionados à elite brasileira, que outrora não eram sequer formalizados, quanto mais apurados; d) A investigação foi fragmentada. Enquanto delegados acumulam centenas de inquéritos policiais, aqueles que agora investigam diretamente cumprem diligências dessas centenas de casos, não tendo autonomia (formal) para pensar e produzir conhecimento sobre o conjunto do panorama investigado. Por decorrência enquanto um delegado mal tem tempo para efetuar qualquer despacho possível em seus inquéritos, vez que esses têm prazo legal para essas medidas, dezenas de outros policiais não podem intervir sobre esse evidente gargalo; e) Hegemonia bacharelesca. da cultura Com a sofisticação das investigações no mundo todo, a atividade policial é considerada multidisciplinar por natureza. O componente jurídico se casa com conhecimentos em contabilidade, informática, gestão da informação, psicologia ou administração. Todavia, nas polícias judiciárias e recentemente na Polícia Militar do estado, quase todas as chefias são ocupadas por bacharéis em direito. Com um único enfoque epistemológico em uma atividade multidisciplinar por natureza, diversos processos não são percebidos pelos gestores, o quando o são tem origem nos demais atores, que, todavia, não receberão qualquer reconhecimento pelo feito. Uma vez feitas esse conjunto de inferências a presente análise seguirá analisando o presente contexto da polícia judiciária mineira. Uma das formas de avaliação da atividade de investigação criminal e, portanto, da própria organização por ela responsável, é através da taxa de esclarecimento de crimes. A taxa de esclarecimento referese à proporção entre os crimes denunciados pelo Ministério Público e o total de crimes informados à polícia 507 num determinado período. Por sua relevância e outras a característica que propiciam a sua elucidação, o acompanhamento dessas taxas relacionadas ao crime de homicídio são uma boa referência para avaliação e comparação de desempenhos. Informações sobre os inquéritos policiais da PCMG não estão disponíveis nos canais nos quais são disponibilizadas estatísticas criminais pelo Governo do Estado. A indisponibilidade desses dados faz com que os números de inquéritos de homicídio instaurados e relatados com autoria e relatados sem autoria em Minas Gerais não estejam presentes nas edições do Anuário Brasileiro de Segurança Pública70. Dados relacionados a taxas de esclarecimento no município de Belo Horizonte para o período de 2000 a 2006 são encontrados em Sapori (2007). Tabela 3 Taxa de esclarecimento do crime de homicídio consumado - Belo Horizonte, 2000-06 Ano Ocorrências Inquéritos remetidos à Justiça Taxa de esclarecimento 2000 669 59 8,82 2001 676 81 11,98 2002 856 281 32,83 2003 1.175 150 12,77 2004 1.227 91 7,42 2005 1.027 163 15,87 1 2006 759 330 43,48 Fonte: Sapori (2007) A indisponibilidade de dados mais recentes não permite uma avaliação da evolução das taxas de esclarecimento de homicídios pela PCMG na capital mineira. No período de 2000 a 2005 há uma grande variação da taxa, atingindo 14,95 como taxa média. A elevação ocorrida em 2006 são associadas por Sapori a uma série de ações mais amplas ligadas ao programa de segurança pública iniciado em 2003, dando destaque ao programa de prevenção social da criminalidade ao Projeto “Fica vivo!”, voltado para jovens de 15 a 24 anos residentes em favelas com altos indicadores de homicídios. 70 Anuários Brasileiros de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Disponível em: < http://www.forumseguranca.org.br/publica/>. 508 De uma forma geral o índice de elucidação dos crimes de homicídio no Brasil é muito baixo. Tendo em vista que não existe um sistema de indicadores que permita mensurar o desempenho da investigação criminal com segurança, ainda não é possível determinar quantos homicídios foram esclarecidos. Algumas pesquisas têm apontado um fraco desempenho das polícias brasileiras no esclarecimento dos crimes de homicídios de maneira geral. Embora utilizem metodologia e critérios distintos, estudos sugerem que o desempenho das investigações criminais varia bastante. Em alguns estados o número de casos denunciados pelo Ministério Público é inferior a 15% (RJ, MG e PE) enquanto em outros a taxa de esclarecimento supera 50% dos casos (SP e DF). Como referência de comparação temos, em 2002, taxas bem mais expressivas de esclarecimento de homicídios em países como Alemanha (96%), Japão (95%), Inglaterra (81%), Canadá (80%) e EUA (64%) (COSTA, 2012, p. 4). Obviamente os fatores que concorrem para a baixa efetividade das investigações criminais no estado e no Brasil de uma forma geral são muitos. O Relatório Nacional da Execução da Meta 2 do Grupo de Persecução Penal da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP) 71 enumera diversos desses elementos que comprometem o resultado desse trabalhado, passando por falta de pessoal e equipamentos e falhas na capacitação de profissionais envolvidos. De forma mais relevante também são apontadas falhas no próprio processo de apuração dos homicídios. Entre as principais dificuldades da investigação estão a inadequada preservação do local do crime, a demora ou a não realização de perícias e um distanciamento entre as atividades da polícia e do Ministério Público (ENASP, 2012). Destacando-se dos diversos fatores que colaboram para os baixos índices elucidação de crimes tem-se o próprio modelo de investigação criminal por meio do inquérito policial. Esse instrumento é alvo de contundentes críticas por parte daqueles que o consideram um procedimento que vai de encontro ao restante do nosso 71 Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP) foi uma iniciativa promovida pelo Ministério da Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tem como objetivo planejar e implementar a coordenação de ações e metas que contribuam para tornar efetivas as políticas públicas de prevenção e combate à violência no País, nas quais para sua execução haja necessidade de conjugação articulada de esforços dos órgãos de justiça e de segurança pública, do Poder Judiciário e do Ministério Público. A Meta 2 consistia em concluir todos os inquéritos e procedimentos pendentes de finalização o que investigassem homicídios dolosos, tentados ou consumados, instaurados até 31 de dezembro de 2007, desdobra-se nos seguintes componentes. 509 sistema constitucional e de suas garantias relativas à persecução penal. Como se viu anteriormente, o inquérito policial ingressou no ordenamento jurídico brasileiro no final do período imperial por meio Lei 2.03372, de 20 de setembro de 1871, sendo regulamentado através do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro e 187173. nova comissão e elaborado novo projeto. Na exposição de motivos do projeto do Código de Processo Penal de 1941, elaborada pelo então Ministro da Justiça e Negócios Interiores do governo Vargas, Francisco Campos, este declara acerca da conservação do inquérito policial: Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. As críticas ao modelo e diversas propostas para sua substituição tem se acumulado ao longo do tempo. Já em 1936, o projeto de Código de Processo Penal elaborado por comissão constituída pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal Antônio Bento de Faria e Plínio de Castro Casado, pelo Professor da Faculdade de Direito de São Paulo, Luiz Barbosa da Gama Cerqueira e presidida pelo Ministro da Justiça, Vicente Ráo, propunha a adoção do juizado de instrução, o que suprimiria a instrução criminal por meio do inquérito policial. O projeto elaborado pela comissão não prosperou, sendo constituída O ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente. O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis74. Tendo entrado em vigor no dia 1º de janeiro de 1942, o Código de Processo Penal (CPP) 75 brasileiro vigente foi elaborado durante regime de Getúlio 72 Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera diferentes disposições da Legislação Judiciaria. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/ LIM2033.htm>. 73 Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033 de 24 de Setembro do corrente anno, que alterou differentes disposições da Legislação Judiciaria. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/ dim/dim4824.htm>. 510 74 Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, de 8 de setembro de 1941. Disponível em: <http://honoriscausa. weebly.com/uploads/1/7/4/2/17427811/ exmcpp_processo_penal.pdf>. BRASIL. Decreto-Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, 1941. Disponível em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del3689Compilado.htm> 75 Vargas com forte inspiração no Código de Processo Penal Italiano de 1930, concebido durante o auge da ditadura fascista de Benito Mussolini. é nessa legislação que está previsto o inquérito policial como a formalidade destinada à apuração de crimes adotada ainda hoje. Nas palavras de Lopes Filho (2011, p. 22) A partir da elaboração e decretação do atual Código de Processo Penal Brasileiro (DecretoLei nº 3.689/41), o inquérito configurado no período medieval chega ao Brasil do século XX. Após sobreviver até o final da década de 30, com os mesmos traços de sua origem, é positivado em sua última versão sem essenciais alterações. O debate em torno de modelo de instrução criminal a ser adotado também se fez presente durante as discussões da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). O modelo do juizado de instrução constou em diversas fases do Projeto Constituição. Em artigo contemporâneo à ANC no qual defende a adoção do juizado de instrução, Lazzarini (1989, p. 199) apresenta crítica ao modelo de polícia burocratizada [...] nada, absolutamente nada, justifica que o policial, seja civil ou seja militar, tenha truncada a sua atividade administrativa de polícia, com a obrigatoriedade de levar a ocorrência que atendeu ao órgão policial intermediário, de nítido e desnecessário caráter cartorário burocrático, para a elaboração do reconhecidamente anacrônico inquérito policial. O inquérito policial, sabido é por quem milita na Justiça Criminal, é uma mera peça informativa, de duvidoso valor jurídico, em que pese a respeitáveis opiniões em contrário de ilustres processualistas e demais interessados em manter esse retrógrado meio de levar à Justiça Criminal, muito tempo depois, quando tudo está diluído pelo tempo ou pelas pressões, a notícia da prática delitiva. Em audiências Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, o seu relator, o constituinte Ricardo Fiúza, um dos líderes do grupo conservador na ANC, manifestou que opinião no sentido de que o juizado de instrução seria um aprimoramento fundamental, mas que caberia discutir quanto à capacidade de implantá-lo em um país continental como Brasil. Em audiências públicas dessa mesma Subcomissão, o Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Cyro Vidal, apresentou defesa do inquérito inquisitorial, enquanto o Diretor-Geral da Polícia Federal, Delegado de Polícia Romeu Tuma, afirmou acreditar que, com as distâncias entre municípios e capitais, não se deveria adotar o juizado de instrução, “sendo a preservação da presidência do inquérito policial para o delegado de polícia condição que se impunha para a aplicação da Justiça” (BACKES; AZEVEDO; ARAúJO, 2009, p. 271 e p. 280). Vale aqui ressaltar que o argumento das dimensões do país vem justificando o 511 modelo de investigação e instrução criminal atualmente adotado no Brasil ao longo de sua história. A despeito das articulações para a adoção do juizado de instrução e a superação do modelo baseado no inquérito policial, este foi mantido na estrutura adotada pela Constituição Federal de 1988. Tal fato decorreu do papel desempenhado pelas mesmas forças conservadoras que garantiram, durante o processo constituinte, a manutenção do arranjo institucional do sistema de segurança pública modelado no período ditatorial. Em relação ao inquérito policial, o Plano Nacional de Segurança Pública de 2003 o apontava “como instrumento arcaico e superado para a investigação criminal, um procedimento burocratizado, que não garante eficácia na descoberta dos crimes e dos elementos para o desencadeamento da ação penal”. Propunha também sua substituição por um outro modelo simplificado, desburocratizado e ágil, capaz de recolher, com celeridade e eficácia, os elementos necessários para a instauração do processo criminal. (BRASIL, 2003). Como previamente observado, certamente alterações dessa natureza num instituto com profundas raízes históricas e culturais e fortemente entranhado na burocracia estatal são um grande desafio. Junta-se a isso um conjunto de interesses 512 corporativos na manutenção do status quo. De acordo com Mingardi (2000), dois grupos defenderiam a manutenção do inquérito policial no formato atual: os delegados de polícia e alguns advogados criminalistas. Os primeiros tem fortes motivos corporativos visto que é uma questão de manutenção do espaço, havendo mesmo o medo de que qualquer alteração no inquérito abra caminho para extinção do cargo. O segundo grupo, apesar das nobres justificativas para a defesa do procedimento, na prática tem como principal motivo a sua má qualidade, o que facilitaria a defesa dos réus. A condução do inquérito policial está cargo do delegado de polícia, definido como autoridade policial. A Lei nº 12.830, de 20 de junho de 201376, estabelece que cabe ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei. Também prescreve que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica” e que a este deve ser dispensado “o mesmo tratamento protocolar que recebem BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/ l12830.htm> 76 os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”. Da mesma forma define a Lei Estadual Complementar nº 129, de 08 de novembro de 2013 77, que contém a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais e o regime jurídico dos integrantes das carreiras policiais. Nesse mesmo sentido a Constituição do Estado de Minas Gerais já previa que para o ingresso na carreira de Delegado de Polícia, é exigido o título de Bacharel em Direito e concurso público. Ainda, por meio de emenda à Constituição estadual em 2010 78, foi acrescentado texto que prevê que o cargo de Delegado de Polícia integra, para todos os fins, as carreiras jurídicas do Estado. Conforme abordado no resgate histórico relativo à segurança pública no Estado e no país, inicialmente a atividade de apuração de crimes 77 MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 129, de 08 de novembro de 2013. Contém a Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais - PCMG -, o regime jurídico dos integrantes das carreiras policiais civis e aumenta o quantitativo de cargos nas carreiras da PCMG. Belo Horizonte. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/consulte/ legislacao/completa/completa-nova-min. html?tipo=LCP&num=129&ano=2013>. 78 MINAS GERAIS. Constituição (1989). Emenda à Constituição nº 82, de 14 de abril de2010. A Acrescenta parágrafo ao art. 140 da Constituição do Estado. Disponível em: <https://www.almg.gov.br/ consulte/legislacao/completa/completa. html?ano=2010&num=82&tipo=EMC>. e mesmo a organização por ela responsável estava subordinada ao Judiciário, sendo os chefes de polícia selecionados entre os juízes de direito e desembargadores, podendo seus delegados e subdelegados ser designados dentre juízes e também dentre os cidadãos. Mesmo com posterior desvinculação das atividades judiciais e policiais, não houve alteração da prática de que os chefes de polícia continuassem a ser recrutados, prioritariamente, entre magistrados. Em meados do início século, para a função de Chefe de Polícia do Estado de Minas Gerais tinha-se como exigência o bacharelado em direito, enquanto para a ocupação do cargo de delegado e subdelegado não havia previsão de formação acadêmica completa. A partir de 1911 passou a se exigir que os delegados também tivessem formação em direito. O que se observa é que a apuração de infrações e a instrução criminal preliminar historicamente esteve muito próxima ou se confundiu com as funções do judiciário. Essa aproximação se apresenta até mesmo no nome polícia judiciária. Certamente a formação jurídica dos responsáveis pela chefia da polícia ou pela condução das apurações criminais cumpriu ao longo do tempo importante papel, visto que possibilitaria balizar a sua ação estatal pela legalidade. Entretanto, a identidade desses profissionais com 513 o mundo jurídico, a cartorialização da investigação criminal, o progressivo distanciamento da autoridade policial do ambiente de investigação, acabou por promover um modelo no qual se privilegia a atividade burocrática em detrimento da atividade investigativa. Tal deficiência apenas se agrava com as demandas decorrentes do exacerbado incremento no número de ocorrências. Apesar da necessidade de adequações, diversos fatores concorrem para a manutenção do inquérito policial, conforme aponta Vargas e Rodrigues (2011, p. 93). Em primeiro lugar, o aferramento do delegado a esse instrumento que justifica a existência da função que lhe confere poder. A obstinação dessa categoria funcional por esse modelo de investigação faz-se particularmente visível no lobby que exerce no Congresso Nacional para garantir a sua permanência com o menor número de modificações possíveis. Não é a toa que, há mais de dez anos, ali tramitam propostas de simplificação da investigação criminal e outros tópicos a ela concernentes sem nenhum resultado. Outro aspecto relacionado à evolução do modelo de investigação a ser considerado é a própria necessidade da formação jurídica do delegado de polícia ou qualquer cargo responsável pela condução da investigação criminal, já que a atual estrutura do sistema de 514 Justiça Criminal envolve também o Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário que desenvolvem importante papel no controle e garantia da legalidade. Soma-se a isso o fato de que atualmente o conhecimento jurídico não é monopolizado pelos bacharéis em Direito. Na realidade todo agente público das mais diferentes áreas manejam o Direito no exercício de suas funções, visto que a administração pública é regida pelo princípio da legalidade. Numa perspectiva moderna de investigação criminal como uma atividade interdisciplinar que lida com delitos de diferentes naturezas o conhecimento jurídico vem a ter um caráter instrumental, como em outras tantas atividades estatais. 9- Considerações finais Atualmente, questões relacionadas à violência e criminalidade tem se destacado como uma das principais preocupações dos cidadãos em todo país. A resposta a esse desafio cabe ao Estado, que para o exercício desse seu dever estruturou ao longo da história organismos e arcabouços legais capazes de desenvolverem tal fim. Como apresentado no decorrer do presente trabalho, a função estatal de provimento de segurança evoluiu lentamente, ao menos em termos teóricos, do foco na defesa nos interesses do Estado e seus monarcas, em detrimento de seus súditos, para a sua garantia como um direito fundamental. Tal fato pôde ser observado na evolução de sistema de segurança em Minas Gerais, conforme aqui apresentado. Sob o viés analisado, partiu-se nos primórdios da colonização portuguesa da “capitania das Minas”, da ausência de qualquer fenômeno que pudesse ser caracterizado como algo próximo ao moderno conceito de um serviço de segurança pública. Todavia, no decorrer do processo de ocupação das regiões auríferas, teve início a conformação de organismos responsáveis pela manutenção da ordem, numa progressiva diferenciação das atividades de polícias das atividades de militares e bélicas. Passou-se pela influência de modelos da então metrópole Portugal, modelos esses que sofreram inflexões locais devido a política de controle da exploração do ouro, cujo caráter envolvia o domínio do território e a estabilização da “ordem pública”, muito mais do que a segurança dos indivíduos. Com a entrada em cena do Império Brasileiro e posteriormente da República Velha, instituições com caráter de polícia, bem como um sistema judiciário foram se estabilizando no âmbito das Minas Gerais. Nesse longo devir, as polícias principalmente foram experimentando um constante movimento pendular de centralização e descentralização de poder entre o Estado e oligarquias locais, de acordo com a correlação de forças vigente. Sob este viés pendular, as capitanias hereditárias descentralizaram para adentrar o território e ocupar; o Estado colonial português centralizou o poder militar na capitania das Minas para controlar a exploração do ouro; a independência nacional descentralizou para fragilizar as forças federais ainda com forte influência portuguesa; posteriormente a Guerra do Paraguai fortaleceu o Exército em detrimento dos poderes locais; a proclamação da república se apoiou nas oligarquias locais descentralizando novamente o poder de polícia para desmantelar parte da máquina do Império; por sua vez o Estado novo getulista teve como política diminuir o poder militar dos Estados, na tentativa de evitar novas ameaças militares, centralizando na federação o poder militar. Essa agenda de centralização foi fortalecida pelo regime militar de 1964, que interferiu de forma decisiva nesse sistema provocando uma ruptura quase definitiva de sua evolução institucional. Aqui o conceito de segurança pública foi alinhado com o de segurança nacional e a ordem interna tornase novamente o principal foco da atividade. Concomitantemente o arcabouço jurídico do sistema 515 foi doravante engessado, com a determinação da existência de dois tipos de polícia em todos os Estados: civil e militar, como focos diversos de atuação. Onde existiam experiências de polícias de ciclo completo, como a Guarda Civil em Belo Horizonte, tais acúmulos foram encerrados. reconhece a natureza multicausal da violência e a heterogeneidade de suas manifestações, direcionou a atuação do sistema de segurança estadual tanto para o controle como para a prevenção, envolvendo políticas públicas integradas no âmbito local. Com a redemocratização, encontrou-se alguns avanços no reconhecimento da segurança como um direito do cidadão e na possibilidade da organização de um sistema de segurança e órgãos voltados para esse fim. Contudo, os interesses de grupos conservadores e das próprias corporações estatais acabaram por limitar tais avanços. Foi mantida a essência do modelo previamente estabelecido no regime militar, sendo cristalizado na constituição de 1988. Por conseguinte, este ainda é o modelo hoje vigente. Essas mudanças organizacionais de cunho gerencial realizadas visando aumentar a sua eficiência e a articulação entre os componentes do sistema, assim como políticas baseadas apenas em aportes de recursos financeiros acabaram por se mostrar insuficientes para lidarem com o complexo problema relacionado ao controle da violência e da criminalidade. Os desafios postos para o sistema de segurança e órgão policiais são de natureza estrutural. Quando no muito são encontradas práticas modernas em meio a estruturas arcaicas e anacrônicas. Fortemente arraigadas, essas questões estruturais estão entranhadas na cultura secular dessas organizações, nos seus métodos e lógica. Não obstante, em que pese essa arquitetura institucional implicar em restrições as possibilidades do Estado de Minas Gerais nas suas políticas públicas para a área, ações buscando aperfeiçoar o sistema e suas organizações e dar efetividade no provimento da segurança podem ser observadas a partir do início do século atual. Diversos projetos e ações promoveram a incorporação de modernas tecnologias e conhecimentos científicos. A adoção de uma perspectiva mais atual de segurança cidadã, na qual se 516 A grande maioria das propostas estruturais para o aperfeiçoamento do sistema de segurança pública não são novas e normalmente giram em torno das mesmas questões. Dentre elas estão: implantação de ciclo completo de polícia; a modernização do modelo de investigação criminal; desenvolvimento de modelos de policiamento que envolvam a comunidade e orientados para a resolução de problemas; mudanças organizacionais nas policias como aquelas envolvendo carreiras e cargos, desvinculação de atividades administrativas e mesmo a desmilitarização. Além do acumulo de reflexões e proposições relacionadas a essas e outras propostas ao longo do tempo, também a farta experiência internacional sobre segurança e polícias certamente tem muito a contribuir e apontar caminhos que possam inspirar a modelagem de soluções adequadas à nossa realidade. Como extensamente observado a trajetória das questões de Segurança Pública em Minas Gerais se mesclam as suas origens. Em ciclos históricos que se repetem viciosamente, não se rompe com uma lógica ordenadora que permita a reinvenção dessas instituições. Se quando do início do ciclo do ouro as Minas eram uma terra sem lei, com o Estado protegendo seu poder e riqueza e não sua população, a demanda atual por segurança também é real e urgente, parecendo por vez similar. Em que pesem os esforços dos governos em investir continuamente nessa área, projetando a continuidade das condições atuais os cenários são pouco auspiciosos. Conforme demonstrado no presente estudo, a arquitetura do sistema de segurança mineiro tem centenas de anos de existência e traz em seu bojo profundas contradições de cunho estrutural, que ao não serem modificadas tornam os investimentos em pequenas reformas relativamente inócuos. Apesar de serem muitos os desafios na construção de um aparato de segurança que seja eficiente e comprometido com os princípios de cidadania, há um longo caminho a ser percorrido, repleto de condicionantes e variáveis. Compreendendo a complexidade envolvida não somente na mudança da estrutura de Segurança Pública, mas principalmente na alteração de uma profunda herança cultural, uma alternativa seria a tentativa de flexibilizar a legislação federal sobre o tema, descentralizando sua regulação, e permitindo aos Estados maior maleabilidade na gestão de seus respectivos sistemas. Dessa maneira poderiam ser tentadas pequenas experiências, tentativas e aproximações, somente alterando o conjunto do sistema quando de seu sucesso comprovado pela prática. Mesmo que em um lento caminhar, se paulatinamente forem aplicadas mudanças nessas instituições de Estado em direção aos legítimos interesses da sociedade, mesmo que vagarosamente, a arquitetura de segurança pública começara a ser de fato transformada. Por lentas que sejam tais mutações, vez que sejam precedidas por extenso planejamento 517 e atenção aos detalhes, certamente trarão mais resultados do que grandes aportes financeiros em um modelo de antemão falido, centrado em uma ficta Minas Gerais que não existe mais. Referências ALVES, Juliana do Carmo Cardoso. Memória Dividida: narrativas acerca do movimento reivindicatório dos praças da Polícia Militar de Minas Gerais no ano de 1997. 2013. 143 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, Niterói, 2013. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/ stricto/td/1729.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2017. ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos rebeldes: motins em Minas Gerais no século XVIII. Varia História, Belo Horizonte, v. 10, n.10, 1994. Disponível em: < http:// www.variahistoria.org/edies/ k9ofw2ll7kfg402qa8ipcx2thbqvxx>. ANASTASIA, Carla Maria Junho. 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CETER – Conselho Estadual de Trabalho, Emprego e Renda CF-88 – Constituição Federal de 1988 CIB - Comissão Intergestora Bipartite 525 CIB – Comissão Intergestora Bipartite CIMOS – Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CNEAS – Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social CODEMIG – Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais COHAB MINAS – Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais COPASA - Companhia de Saneamento de Minas Gerais CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS Regionais – Centro de Referência Especializado da Assistência Social EMATER-MG - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais FAPEMIG – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais FJP – Fundação João Pinheiro FPM – Fundo de Participação dos Municípios GESTRADO - Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. ID Acolhimento – Indicador de Desenvolvimento das Unidades de Acolhimento IDF – índice de Desenvolvimento da Família IDH – índice de Desenvolvimento Humano IDHM – índice de Desenvolvimento Humano Municipal IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social MG – Minas Gerais NEEP-SUAS/MG – Núcleo Estadual de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social de Minas Gerais 526 OIT – Organização Internacional do Trabalho ONGs – Organizações não Governamentais PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e/ ou Individuo PCTs – Povos e Comunidades Tradicionais PIA – Plano Individual de Atendimento PIB – Produto Interno BrutoPMDI - Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNEP – Política Nacional de Educação Permanente PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Tecnológico PSB – Proteção Social Básica REDS – Registro de Eventos de Defesa Social RENEP/SUAS – Rede Nacional de Educação Permanente do Sistema único de Assistência Social SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SEAPA – Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento SEC – Secretaria de Estado de Cultura SECIR – Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional SEDA – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário SEDECTES – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior SEDESE – Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social SEDIF - Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais SEDINOR – Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais SEDPAC – Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania 527 SEE – Secretaria de Estado de Educação SEPLAG – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão SERVAS – Serviço Voluntário de Assistência Social SINE – Sistema Nacional de Emprego SUAS – Sistema Único de Assistência Social UAI – Unidade de Atendimento Integrado UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros URCMAS – União Regional dos Conselhos Municipais de Assistência Social 1 - CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E ECONôMICA DO ESTADO O atual governo do Estado de Minas Gerais (2015/2018) adotou como estratégia gerencial a divisão do estado em 17 territórios de maneira a comportar uma análise de suas distinções sociais, econômicas, culturais e populacionais. O diagnóstico territorial oferece uma leitura mais próxima da realidade intra e inter-regional, possibilitando a formulação e a entrega de serviços públicos que considerem tais distinções. Para muitos estudiosos, Minas Gerais é a síntese do Brasil. O estado possui características regionais tão distintas quanto às do país. Há territórios cujos indicadores se aproximam dos piores indicadores do país e outros com características de regiões mais desenvolvidas e produtivas. A ausência de uma estratégia voltada ao enfrentamento das desigualdades regionais no estado, de uma proposta de desenvolvimento regional nos últimos anos induziu à proposta de diagnóstico regional, intervenção baseada nessas distintas realidades e decisões tomadas com o conjunto dos atores de cada região. Nessa nova perspectiva o conceito de região se modifica da ideia de homogeneidade do aspecto físico, econômico, cultural e de ocupação pela ideia de território entendido como um espaço que é social e historicamente construído por meio da cultura, das instituições micro e meso-regionais e da política. O Estado passa a ter um papel baseado nos resultados determinados pelos comportamentos dos atores, agentes e instituições locais. Isso traz como 528 desafio ações das instituições públicas mais descentralizadas e que consideram os movimentos de “baixo para cima”.1 Minas Gerais é o segundo Estado mais populoso do Brasil com estimativa em 2016 de 20.997.560 habitantes. O Censo Demográfico de 2010 informou que a população mineira somava 19.597.330 (dezenove milhões, quinhentos e noventa e sete mil, trezentos e trinta) habitantes residindo em 6.027.492 (seis milhões, vinte e sete mil, quatrocentos e noventa e dois) domicílios, com uma média de 3,25 habitantes por domicílio. A distribuição da população por grupo de idade, em comparação com o ano de 2000, apresentou envelhecimento. A população com idade superior a 60 anos cresceu 42,2%, a população adulta (entre 30 e 59 anos) cresceu 24,5%, a população jovem e adolescente (14 aos 29 anos) cresceu apenas 1,26% e a população infantil decresceu em 17,8%. A população infantil (abaixo de 14 anos) representou 22,4% do total dos residentes e os maiores de 65 anos representaram 8,3%. Figura 1 – Distribuição da população por sexo, segundo grupo de idade, Minas Gerais Censo – 2010. Fonte: IBGE. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index. php?dados=26&uf=31> Acesso em: 22/08/2017. 1 SOUSA, Carla Cristina Aguilar de; VIANA, Raquel de Mattos; LEAL FILHO, Raimundo de Sousa. Desigualdade nos Territorios de Desenvolvimento de Minas Gerais: período 2000 a 2013. Informação dos autores: artigo foi escrito com a colaboração da pesquisadora Maria Aparecida Sales Santos. Disponível em: <http://diamantina.cedeplar.ufmg.br/2016/anais/ economia/147-235-1-RV_2016_10_09_00_33_14_423>. Acesso em: 29/08/2017. Pag.4.pdf 529 Os domicílios urbanos abrigavam 86% da população, porém 1,8% residiam em áreas de difícil acesso, como municípios distantes das capitais e cidades polos, ou vilas urbanas de difícil circulação interna ou sem endereços para identificação. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apontou em 2014 que a taxa de analfabetismo no Brasil em pessoas com 15 anos ou mais era de 8,3%, enquanto em Minas Gerais estimava-se 7,1% de analfabetos; na faixa etária de 10 a 14 anos esse “quantum” era de 1,1%, em Minas Gerais, em relação ao índice de 1,8% no Brasil. O Governo de Minas Gerais tem implantado programas pedagógicos específicos que tem reduzido o número de analfabetos no Estado2 . Em municípios com população inferior a 20.000 habitantes (78,1% dos municípios de Minas Gerais, segundo a estimativa populacional 2016 do IBGE) as taxas de analfabetismo permaneçam mais elevadas que a média estadual. Todavia, houve queda do analfabetismo de maneira geral, pois em 2010, o Brasil apresentava taxas de 12,4% (para faixa etária de 15 anos ou mais) e 3,9% (entre 10 e 14 anos). Em Minas Gerais, os índices eram respectivamente de 11,7% (15 anos ou mais) e 1,7% (faixa etária entre 10 e 14 anos). As mulheres foram as principais responsáveis por 37% dos domicílios3, sendo que em cidades com população superior a 500.000 mil habitantes a percentagem subiu para 42,0%. Quanto aos fatores econômicos, em específico a renda média per capita, os mineiros ocupam a 8ª (oitava) posição no ranking nacional, considerando o rendimento nominal mensal domiciliar per capita em 2016. A renda per capita foi calculada em R$ 1.168 (Um mil, cento e sessenta e oito reais)4, 4,73% abaixo da média nacional e inferior a renda per capita da população residente em estados cujo Produto Interno Bruto são menores que o mineiro, como por exemplo, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina5. 2 Disponível em: <http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/programaspedagogicos-contribuem-para-queda-do-analfabetismo-em-minas-gerais. Acesso em 12 de ago.de 2017. 3 Fonte: IBGE/ PNAD 2015 - População e Domicílios - Síntese de Indicadores. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=mg&tema=pnad_2015> Acesso em 16/08/2017. 4 Fonte: IBGE: PNAD Contínua. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ mercado/2017/02/1861675-20-estados-tiveram-renda-per-capita-abaixo-da-mediaem-2016-diz-ibge.shtml> Acesso em: 16/Ago./2017 5 530 Fonte: IBGE, Contas Regionais do Brasil, 2005-2009- Tabela 8 – Produto Interno O caderno “Situação social nos estados, Minas Gerais/ Ipea, publicado em 2012, informou que a renda domiciliar per capita do Brasil cresceu 23,5% entre os anos de 2001 e 2009 e que no mesmo período a taxa de crescimento da renda domiciliar per capita dos mineiros foi de 39,4%, (superior à taxa nacional e também superior a taxa da região Sudeste que foi de 17,3%). Cálculos elaborados pela Fundação João Pinheiro-FJP, com base em dados do IBGE, apontam uma taxa média anual de crescimento da renda per capita de 3,66%, traduzindo a evolução desse indicador na década. O Caderno do Ipea/2012, chamou a atenção para a questão da desigualdade de renda em Minas, que diminuiu um pouco, já que a renda domiciliar per capita na zona rural teve crescimento de 49%, superior a observada na zona urbana (36,7%). Mas, ainda assim, diz o documento: “a discrepância entre as magnitudes desses indicadores rurais e urbanos chama a atenção” (IPEA, 2012, p. 15)6. A diferença entre regiões é bastante significativa: a região Central e Triângulo registram renda per capita cerca de 20% superior à média estadual, enquanto as regiões dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Norte registram renda per capita 42% inferior à média. Quando comparamos as regiões rurais mais pobres com as regiões urbanas mais ricas, a renda per capita das mais pobres é cerca de 30% da renda das mais ricas. A renda per capita média nas regiões rurais mais pobres de Minas Gerais, como por exemplo, o Norte é equivalente a R$ 295,36, ou seja, 27% menor que a renda per capita do Maranhão, o estado com menor rendimento per capita do país. O gráfico a seguir representará a renda domiciliar per capita média, analisada no país e no Estado de Minas Gerais no interstício entre 2014 e 2016. De acordo com o IBGE, os rendimentos domiciliares são obtidos pela soma dos rendimentos do trabalho e de outras fontes recebidas por cada morador no mês de referência da pesquisa. Logo, trata-se o rendimento domiciliar per capita e da divisão dos rendimentos domiciliares pelo total dos moradores. Bruto, população residente e PIB per capita segundo grandes regiões e as Unidades da Federação – 2009. Faz-se mister pontuar que, avaliada pelo PIB em valores correntes, a economia de Minas Gerais ocupa o 3º lugar no ranking nacional, com um valor de 386 bilhões de reais, antecedido por São Paulo (com um PIB de 1.349 trilhões) e Rio de Janeiro (com um PIB de 462 bilhões de reais). 6 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Situação Social nos Estados: Minas Gerais. Brasília: DF, 2012. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ PDFs/120210_relatorio_situacaosocial_mg.pdf> Acesso em: 05/09/2017. 531 Figura 2. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE) O indicador “rendimento médio do trabalho”7, representado na figura a seguir, permite apreender que a média do trabalho rural é inferior à média da região Sudeste8 e também inferior à média nacional. A diferença existente entre a remuneração rural e a urbana é expressiva. (A remuneração rural é em torno de 46% menor que a urbana). 7 Trata-se do rendimento médio só dos que tiveram renda proveniente do trabalho. Os ocupados com renda zero foram excluídos do cálculo. 8 Segundo o Ipea, em 2009 o rendimento médio do trabalho em Minas Gerais foi de R$ 1.022,60, na região Sudeste R$ 1.264,00 e no Brasil R$ 1.116,39). 532 Figura 3. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE) O rendimento médio real corresponde àquele rendimento que é habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas com 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência em que ocorreu a pesquisa. Em relação ao Cadúnico do Governo Federal, se registrou em 2012, em nível nacional, 21.046.932 famílias pobres ou extremamente pobres, com renda per capita inferior a R$ 140,00, das quais 2.169.402 famílias (10,3% do total cadastrado) eram domiciliadas em Minas Gerais. Dentre as famílias pobres, 237.803 eram consideradas extremamente pobres, ou seja, com renda per capita inferior a R$ 70,00. Dados do Ipea (2012) / IBGE (2010) estimaram que a população extremamente pobre em Minas Gerais era de cerca de 3% da população total (cerca de 587.900 pessoas). Constatou-se, também, que desde o ano de 2001 se observava uma tendência de queda (em 2001, 9% da população vivia em situação de extrema pobreza). No contexto rural, os indicadores de pobreza extrema acompanharam a tendência de queda com maior intensidade.9 Ainda assim o combate à pobreza no campo persiste como um dos maiores desafios às políticas sociais do Estado, uma vez que os resultados alcançados são inferiores aos das áreas urbanas. Após uma década de redução da parcela de nacionais abaixo da linha da pobreza, registrou-se em 2016 o segundo ano consecutivo de aumento desse número, quão efeito perverso do desemprego e da inflação na renda do trabalho, conforme representação a seguir. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Situação Social dos Estados, Minas Gerais – Brasília, DF – 2012. 9 533 Figura 4. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua/IBGE A crise política se irradiou para o mercado e consequentemente o desemprego disparou. Medida pelo IBGE, a desocupação de trabalhadores no Brasil galopou de 7,9% no primeiro trimestre de 2015 para 13,7% no 1º trimestre de 2017, caindo para 13% no 2º trimestre do ano de referência (queda de 0,7 pontos percentuais). Em Minas Gerais a taxa de desemprego evoluiu de 8,2% no primeiro trimestre de 2015 para 13,7% no 1º trimestre de 2017, caindo para 12,2% no 2º trimestre do ano de referência (queda de 1,5 pontos percentuais). A dinâmica do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro também exige atenção, como mostram os dados representados a seguir. Figura 5. Observatório do Trabalho da SEDESE – julho/2017. Fonte: Boletim de Conjuntura PIB Trimestral de Minas Gerais/FJP 534 Todavia, o resultado do PIB brasileiro, que apresentou crescimento de 1,0%, e do PIB de Minas Gerais, com 0,0%de movimento no primeiro trimestre de 2017 (performance superior aos -0,7% do trimestre anterior e -0,3% do 1º trimestre de 2016), indica que a atividade econômica se estabilizou nos dois anos (com performance nacional ligeiramente melhor à estadual) em relação ao desempenho registrado no trimestre anterior e no mesmo período do ano anterior. Em toda a história de Minas Gerais o reflexo da movimentação do PIB brasileiro refletiu em sua performance, ou seja: toda vez que cresce o PIB no Brasil o de Minas Gerais cresce mais. No entanto, quando o PIB brasileiro decresce, o de Minas Gerais decresce em maior proporção. Nesse momento de crise os reflexos são ainda mais graves para o Estado, com reverberações tanto no PIB (a partir de 2014) quanto em relação ao expressivo aumento do número de pobres no Brasil (a partir de 2015). Figura 6: obtida através da apresentação intitulada: “Ajuste fiscal: escolhas orçamentárias?”, proferida pelo Presidente do BDMG, Dr. Marco Aurélio Crocco Afonso, em 28/08/2017. 535 Figura 7: obtida através da apresentação intitulada: “Ajuste fiscal: escolhas orçamentárias?”, proferida pelo Presidente do BDMG, Dr. Marco Aurélio Crocco Afonso, em 28/08/2017. Para vislumbrar as condições de vida das famílias mineiras, revelando a sua dependência de políticas públicas e identificar os municípios mais empobrecidos, bem como suas diferenças, pode-se utilizar, dentre outros, o índice de Desenvolvimento da Família (IDF), elaborado pelo Governo Federal (Barros et.al., 2003)10. O referido indicador é composto por seis dimensões, quais sejam: a) ausência de vulnerabilidade; b) acesso ao conhecimento; c) acesso ao trabalho; d) disponibilidade de recurso; e) desenvolvimento infantil e f) condições habitacionais, e “Cada uma dessas dimensões representa, em parte, o acesso aos meios necessários para as famílias satisfazerem suas necessidades e, em outra parte, a consecução de fins, ou seja, a satisfação efetiva de tais necessidades”. No limite, pode-se dizer que O IDF mede (dando uma nota que vai de 0 a 1) o acesso de uma família a direitos fundamentais. Uma família aufere nota 1 quando tem acesso a todos os direitos fundamentais e nota 0 quando não aufere nenhum desses direitos e garantias. O IDF é calculado pelo CadÚnico, base federal com dados de dezenas de milhões de famílias pobres. Em regra, os governos usam a renda para aferir a pobreza (por exemplo, famílias que auferem até R$ 140 mensais per capita) ou a miséria (famílias que auferem 10 BARROS, P. A.; CARVALHO, M., FRANCO, S. Índice de desenvolvimento da família (IDF). IPEA: Rio de Janeiro, 2003. (Texto para discussão N0 986). 536 até R$ 70 mensais per capita). O IDF possibilita uma análise mais pormenorizada e multimensional, dividindo a situação da família em seis dimensões. Ao se medir, por exemplo, o desenvolvimento infantil (uma dessas seis dimensões), busca-se conhecer o grau educacional de crianças e adolescentes. Logo, aumenta-se a nota quando as crianças e adolescentes estão fora do trabalho infantil, na escola e alfabetizadas, e se reduz as notas quando estes sujeitos se encontram em condições de exploração de trabalho, fora da escola e se enquadram no “status” de analfabetas. A vulnerabilidade das famílias é medida pelo acesso às possibilidades de seu desenvolvimento. Logo, a nota é aumentada quando a família possui um número maior de pessoas a comporem a população economicamente ativa, e é diminuída se a família é constituída por idosos, crianças, pessoas com deficiência etc..11 As dimensões da pobreza intituladas como “vulnerabilidade da família”, “acesso ao trabalho” e “acesso ao conhecimento” apontam os meios necessários ao desenvolvimento; “disponibilidade de recurso”, “condições habitacionais” e “desenvolvimento infantil” indicam a consecução dos fins. Pesquisadores financiados pela FAPEMIG (Rocha et.al.,200612), elaboraram um trabalho de estimativa do IDF para os anos de 1991 e 2000 para cidades e grupos demográficos mineiros, utilizaram na análise uma hierarquização semelhante ao do IDH. O IDF médio para os anos de 1991 e 2000 foram 0,57 e 0,64 respectivamente. Observaram uma nítida melhora no nível de desenvolvimento das famílias na década analisada, porém as microrregiões localizadas no norte do estado apresentaram desenvolvimento inferior à média. Quanto às demais regiões, na medida em que se desloca para o sul e sudeste, aumenta o nível de desenvolvimento familiar. Outra constatação relevante foi que a melhora de nível se deu nas dimensões caracterizadas como “fins” (disponibilidade de recursos, condições habitacionais e desenvolvimento infantil), enquanto as dimensões que representam os “meios” (vulnerabilidade da família, acesso ao trabalho e acesso ao conhecimento) apresentaram modesta elevação. O estudo sinaliza que a desigualdade entre as regiões do estado possui relação inarredável com nível de desenvolvimento da família: as regiões com maior desigualdade social no Estado são as que possuem menor IDF. 11 Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/poder/2013/05/23/idf/>. Acesso em: 17/Ago./2017 12 índice de Desenvolvimento da Família (IDF): uma análise para as microrregiões e grupos demográficos do estado de minas gerais. Trabalho que apresenta os resultados finais do Projeto de Pesquisa coordenado pelo primeiro autor e financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, Edital Universal 2006. 537 A seguir, as tabelas 1 e 2 explicitarão a situação geral das famílias pobres mineiras. Buscou-se comparar, em amostras, o IDF agregado por cidades. O primeiro grupo é formado por cidades selecionadas, aleatoriamente, dentre as de menor desenvolvimento econômico nas regiões Norte, Jequitinhonha, Mucuri, Triângulo, Noroeste e Rio Doce – Tabela 1. O segundo grupo foi formado pelos quatro municípios de maior desenvolvimento econômico, quais sejam: Belo Horizonte, Betim, Uberlândia e Juiz de Fora – Tabela 2. Observando as tabelas, apreende-se que a situação descrita na década anterior (1990/2000) em muito pouco se diferenciava da situação percebida para o ano de 2012. Tabela 1 – IDF, cidades de menor desenvolvimento econômico, MG – 2012. Almenara Janu‫ב‬ria (Jequitinh (Norte) onha) ŽŽŽŽŽŽŽ Acesso ao conhecimento Acesso ao trabalho Disponibilidade de recursos Desenvolvimento infantil Condi‫ץח‬es habitacionais IDF 0,68 0,38 0,11 0,43 0,95 0,67 0,54 0,72 0,29 0,17 0,33 0,95 0,78 0,54 Pav‫ד‬o (Mucuri) 0,72 0,30 0,12 0,41 0,95 0,75 0,54 Iturama Brasil‫ג‬ndia (Tri‫ג‬ngulo) (Noroeste) 0,66 0,42 0,20 0,44 0,96 0,88 0,59 0,68 0,41 0,17 0,47 0,94 0,82 0,58 Pocrane (Rio Doce) 0,74 0,35 0,10 0,53 0,96 0,73 0,57 Tabela 2 – IDF, cidades de maior desenvolvimento econômico, MG – 2012 Belo Betim Uberlandia Juiz Fora MG Horizonte ŽŽŽŽŽŽŽ 0,67 0,70 0,67 0,66 0,70 Acesso ao conhecimento 0,48 0,45 0,47 0,47 0,40 Acesso ao trabalho 0,34 0,25 0,33 0,33 0,22 Disponibilidade de recursos 0,57 0,46 0,57 0,55 0,50 Desenvolvimento infantil 0,95 0,91 0,94 0,94 0,94 Condi‫ץח‬es habitacionais 0,88 0,88 0,87 0,87 0,81 IDF 0,65 0,61 0,64 0,64 0,60 Conforme foi demonstrado por Amaral (2006), Resende (2006), Ipea (2012), Rocha et.al. (2006) sobre o Estado de Minas Gerais, os esforços de desenvolvimento socioeconômico e a atuação de políticas sociais (proteção e promoção) esbarram em uma sólida e resistente má distribuição da renda e dos “meios”, o que inviabiliza o desenvolvimento humano e social de forma equânime e justa. 538 O Estado possui diferenças regionais que representam características dos piores e melhores indicadores sociais do Brasil. A literatura produzida em Minas Gerais tem discutido as razões e o perfil desta disparidade para o desenvolvimento das regiões e suas implicações para as famílias e para o Estado. Tais desigualdades decorrem, além de características históricas, de opções que mesmo em períodos de mudanças da base produtiva, mantiveram a extrema distinção entre as regiões. Contrabalançar os investimentos e opções para enfrentar as grandes desigualdades regionais é o desafio para qualquer política pública no território mineiro e desafio para o atual governo. Outra importante distinção do Estado de Minas Gerais é o número e o tamanho dos seus municípios. Minas Gerais possuiu 853 municípios, sendo que 675 deles (79,13%) possuem uma população abaixo de 20 mil habitantes e 240 municípios (28,13%) têm uma população abaixo de 5 mil habitantes13. Essa realidade faz com que boa parte desses entes vivam apenas de FPM – Fundo de Participação dos Municípios, pequena economia local e circulação de recursos advindos de benefícios sociais. UF Até 2.000 hab. 2.001 até 5.000 5.001 até 10.000 hab. hab. 10.001 até 15.000 hab. 15.001 até 20.000 hab. Total até 20.000 hab. MG 19 2,81 221 32,74 251 37,19 123 18,22 61 9,04 675 SP 20 4,99 137 34,16 122 30,42 71 17,71 51 12,72 401 ES 0 0,00 1 2,38 11 26,19 23 54,76 7 16,67 42 RJ 0 0,00 0 0,00 7 25,93 12 44,44 8 29,63 27 ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Total Brasil 118 3,01 1183 30,22 1212 30,97 884 22,59 517 13,21 3914 17,25 10,25 1,07 0,69 100 Tabela 3: adaptada da apresentação intitulada: “O PLANO DECENAL: DIAGNÓSTICO, PERSPECTIVAS E AS DIVERSIDADES ESTADUAIS E REGIONAL”, proferida no ENCONTRO REGIONAL CONGEMAS/ COGEMASES/ REGIÃO SUDESTE por Dirce Koga, em 17/03/2016. Além da dependência econômica os municípios mineiros têm baixa capacidade institucional, exigindo do estado um acompanhamento técnico que vai desde o desenho e assessoria para elaboração de projetos até o processo de capacitação em gastos públicos. Em 2015, por exemplo, havia 1,5 bilhões de reais nas contas dos Fundos Municipais de Assistência Social em todo o país, indicador das dificuldades de aplicação, e deste total, 200 milhões 13 Apresentação intitulada: “O PLANO DECENAL: DIAGNÓSTICO, PERSPECTIVAS E AS DIVERSIDADES ESTADUAIS E REGIONAL”, proferida no ENCONTRO REGIONAL CONGEMAS/ COGEMASES/ REGIÃO SUDESTE por Dirce Koga, em 17/03/2016. 539 (13,3%) em municípios do Estado de Minas Gerais. Os recursos, necessários e disponíveis, não chegavam à população por dificuldades operacionais em sua aplicação por parte dos municípios.14 O tamanho e a divisão do estado espelham ainda o necessário esforço em torno do pacto federativo. O desafio na construção de metas comuns num universo tão diversificado e com tantos municípios tem sido foco permanente de construção de estratégias de acordos indispensáveis na gestão pública e que se traduzam na efetiva entrega de serviços públicos à população. A síntese dos indicadores do estado e suas distinções regionais mostram a demanda da atenção por parte do estado, a necessidade de construção de acordos entre governos estadual e municipais, a decisiva e diferente presença do estado em cada uma das regiões, a necessidade de inclusão produtiva e de indução ao desenvolvimento social e econômico. 2. O PLANEJAMENTO EM MINAS GERAIS: AS POLíTICAS SOCIAIS NOS PLANOS MINEIROS DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO Na primeira década do século XXI, os mineiros vivenciaram dois modelos de desenvolvimento distintos e antagônicos quanto ao papel e alcance das políticas sociais. No âmbito estadual, repetindo o modelo praticado pelo Governo FHC na segunda metade da década de 1990 e início dos anos 2000, a política social foi subordinada ao imperativo do equilíbrio fiscal, da redução da estrutura do Estado (Choque de Gestão), e da entrega das questões do desenvolvimento social ao mercado. Frente à opção do endividamento do Estado por meio de captação de poupança externa, exigia-se cada vez mais “superávit primário”, com consequente redução de investimentos em políticas sociais. No âmbito Federal, ao contrário, era implementada uma estratégia de desenvolvimento que priorizava a inclusão e promoção social e a igualdade de oportunidades. Para isso, foi adotada uma política de amplos e crescentes investimentos em políticas sociais de educação, saúde, assistência social – incluindo amplos programas de renda como o Bolsa Família e a ampliação do 14 Fonte: Relatório financeiro de saldo detalhado por conta/Fundo Nacional de Assistência Social/MDS. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/suaswebcons/ restrito/execute.jsf?b=*tbmepQbsdfmbtQbhbtNC&event=*fyjcjs 540 BPC – Benefício de Prestação Continuada –, saneamento, habitação, segurança alimentar, desenvolvimento rural, dentre outras. A chegada de um governo de matriz popular e democrático ao Executivo estadual em 2015 carregava a esperança de, pela primeira vez em mais de uma década, haver alinhamento das políticas sociais, nos dois casos orientadas pelo compromisso com a redução das desigualdades e a garantia de direitos. A interrupção do mandato da Presidenta Dilma e a crise fiscal sem precedentes vivenciada em Minas Gerais alteraram radicalmente o cenário para implementação das políticas sociais, ainda que o compromisso com seu fortalecimento venha sendo preservado pelo governo estadual. O papel das políticas sociais nas diferentes estratégias adotadas pelos governos mineiros pode ser acompanhado por meio dos Planos Mineiros de Desenvolvimento Integrado – PMDI, documento cuja elaboração está prevista na Constituição Mineira, conforme estabelecido em seu capítulo II (Da Ordem Econômica). Desde o ano 2000, foram elaborados cinco Planos, cada um deles refletindo as distintas propostas de desenvolvimento dos governos, que espelham a visão de Estado e de política social que se pretende implementar em cada gestão do governo de Minas Gerais. a) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2000 – 2003 Enfrentando uma conjuntura de dificuldades impostas aos governos estaduais e buscando responder aos anseios de melhoria social e democratização da sociedade brasileira, o PMDI 2000 – 2003, elaborado na gestão do governador Itamar Franco, buscava retomar o papel de Minas Gerais na Federação: “(...) ao recusar a subordinação estrita aos interesses econômicos e financeiros que dominam o país, ao propor a reconstrução das instancias estadual e municipal de planejamento do desenvolvimento, fragilizadas ao longo de vários governos e decisivas para a construção de um perfil econômico e social mais adequado às potencialidades regionais, e ao sublinhar nosso papel histórico na vida política nacional”. (MINAS GERAIS, 2000) Para tanto, a principal diretriz desse Plano foi a retomada do papel do Estado como ente fundamental no desenvolvimento e alocação de recursos, de forma a orientar o processo econômico e social, seja por meio das empresas e agências estatais, pela reestruturação da máquina pública de planejamento e gestão, e pela recuperação dos serviços públicos. De acordo com o documento, “as políticas sociais devem ser garantidas, em contexto de interesses conflitantes, pela própria expansão social da democracia e pelo potencial de 541 protagonismo social que as classes, grupos e instituições da sociedade civil possam desempenhar no Estado”. b) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2003 – 2020 O PMDI 2003 – 2020, apresentado na primeira gestão do governador Aécio Neves, estabeleceu como visão de futuro “Tornar Minas Gerais o melhor Estado para se viver”, por meio de três eixos estratégicos:  Promover o desenvolvimento econômico e social em bases sustentáveis;  Reorganizar e modernizar a administração pública estadual, colocando em prática o “Choque de Gestão”;  Recuperar o vigor político de Minas Gerais. Um dos diferenciais trazidos pelo PMDI 2003 – 2020, além da proposta de estabelecer um planejamento de longo prazo, foi a seleção de uma carteira de 30 programas prioritários para o governo, também chamados de projetos estruturadores, que teriam acompanhamento intensivo e priorização orçamentária. c) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2007 – 2023 O PMDI 2007 – 2023, apresentado no segundo governo de Aécio Neves, propôs trabalhar com o conceito de “áreas de Resultados”, análogo ao conceito de dimensões definido no PMDI 2000 – 2003. Dessa forma, o documento buscou reorganizar os grandes desafios a serem superados nos diversos campos de atuação do governo, resultando na definição de 11 áreas15: A principal característica desse Plano foi a continuidade da priorização do chamado “Choque de Gestão” e da estratégia de controle fiscal. Segundo o documento: “Do ponto de vista fiscal, a atual taxa de crescimento das despesas públicas, com impactos na carga tributária ou no endividamento, é insustentável a médio prazo. Por outro lado, apesar do forte crescimento das despesas, percebe-se que não há correspondente melhoria, perceptível pela sociedade, nos serviços públicos. Diante desse dilema, uma nova Agenda para o setor público brasileiro deve considerar, 15 Educação de Qualidade, Protagonismo Juvenil, Vida Saudável, Investimento e Valor Agregado da Produção, Inovação, Tecnologia e Qualidade, Logística de Integração e Desenvolvimento, Desenvolvimento do Norte de Minas, Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce, Redução da Pobreza e Inclusão Produtiva, Qualidade Ambiental, Defesa Social, Rede de Cidades e Serviços 542 inexoravelmente, o aumento na produtividade do gasto público. Apesar de não ser uma panacéia, ganhos de produtividade melhoram a qualidade dos serviços e possibilitam redução nas despesas correntes.” (MINAS GERAIS, 2007) Embora promova avanços na definição das estratégias adotadas, esse PMDI demonstra o caráter de continuidade e manutenção das diretrizes do Plano que o antecede. Ainda que o enfrentamento à pobreza apareça explicitamente como “área de resultado”, a subordinação de todos os investimentos, inclusive os sociais, ao imperativo do “Choque de Gestão” impôs limites estreitos à ação pública nesta área. d) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2011 – 2030 O PMDI 2011 – 2030, apresentado na gestão do governador Antônio Anastasia, é caracterizado pela continuidade em relação às orientações e diretrizes até então adotadas, enfatizando o chamado “binômio” do ajuste fiscal com melhorias inovadoras na gestão pública. Como novidade, propõe o que chamou de “Gestão para a Cidadania”, definindo como “principal desafio para o Governo de Minas Gerais a participação da sociedade civil organizada na priorização e acompanhamento da implementação da estratégia governamental”. Pretendia, ao adotar este novo conceito, promover um alinhamento, ainda que teórico, ao modelo de desenvolvimento adotado no âmbito federal no período. Em evolução às “dimensões” apresentadas em 2003 e às “áreas de resultado” apresentadas em 2007, o PMDI 2011 – 2030 estruturou a estratégia de atuação do governo na forma de “redes de desenvolvimento integrado”, uma tentativa de colocar em prática a intersetorialidade das políticas públicas. Entretanto, essas proposições não se consubstanciaram na evolução da estrutura de gestão do governo ou na distribuição e alocação dos recursos fiscais, de forma a adotar políticas públicas diferenciadas que visassem à melhoria das condições de vida das famílias e o decréscimo das disparidades regionais. Observa-se, nesse sentido, que nos primeiros 14 anos do século XXI as políticas sociais foram secundarizadas pelo Governo Estadual, em favor de um modelo de “Estado gerente”, que enfocou o planejamento em áreas de gestão e preteriu o desenvolvimento social, ignorando que este é parte do desenvolvimento de um Estado. Esse mesmo modelo foi rejeitado pela sociedade brasileira, quando da tentativa de sua implantação em âmbito nacional, impondo uma ultrapassada visão da dicotomia entre Estado mínimo e Estado do bem-estar. 543 e) Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 2016 – 2027 Em 2015, a gestão do governador Fernando Pimentel iniciou a construção do PMDI 2016 – 2027. A opção pelo horizonte de planejamento de 12 anos deveu-se ao fato de a instabilidade e a crise econômica instaladas no país impossibilitarem um planejamento de prazo tão longo quanto 20 anos. O novo PMDI adotou o lema a “Redução das desigualdades sociais e regionais” e fez a escolha política de ancorar o projeto para o Estado em objetivos similares aos em curso no governo federal. Além disso, o PMDI 2016 – 2027 foi amplamente discutido com a população, adotando uma metodologia mais democrática, marcada pela valorização das atividades de planejamento participativo, rompendo com o caráter endógeno que o caracterizara até então. Tal ação tem como referência outras experiências de sucesso, como a do Orçamento Participativo implantado em diversos municípios, inclusive em Belo Horizonte, em 1993. Essa mudança começou pela incorporação dos subsídios produzidos em dezessete Fóruns Regionais, realizados em todos os Territórios de Desenvolvimento de Minas Gerais, envolvendo cerca de 25.000 pessoas, durante 2015. Tais Fóruns são a tradução prática dos conceitos de territorialidade, intersetorialidade e participação social como centro da gestão em Minas Gerais e se tornariam, nos anos seguintes, instrumentos decisivos para uma gestão que atende as demandas prioritárias da população, mesmo em tempos de crise fiscal. O novo PMDI também está estruturado em eixos, que aglutinam e orientam as estratégias, programas e ações, tendo optado pela adoção dos seguintes: 1. Desenvolvimento Produtivo, Científico e Tecnológico 2. Infraestrutura e Logística 3. Saúde e Proteção social 4. Segurança Pública 5. Educação e Cultura Aos eixos, em suas linhas estratégicas se incorporam outras cinco dimensões fundamentais que devem ser observadas na formulação das políticas públicas: a. Participação b. Desenvolvimento de Pessoas c. Sustentabilidade Fiscal d. Modelo de Gestão e. Sustentabilidade Territorial. 544 Figura 8 - Matriz básica do PMDI 2016 - 2027 - Objetivo Geral, Eixos e Dimensões Fonte: MINAS GERAIS (2016) Como se observa, as políticas sociais estão concentradas especialmente em dois eixos: “Saúde e Proteção Social”, que envolvem políticas de Saúde, Desenvolvimento Integrado do Norte e Nordeste, Assistência Social e Trabalho, Direitos Humanos e Cidadania; e “Educação e Cultura”. Cada uma das políticas setoriais que integram os eixos, além dos diagnósticos conjunturais, apresentou seus objetivos estratégicos. 2.1 – O planejado e o possível – crise financeira, Lei de Responsabilidade Fiscal e as restrições à ação do Estado. Logo no início da gestão Pimentel no Governo de Minas Gerais, o conhecimento do real cenário econômico do Estado e das informações internas do Governo impuseram condicionantes à ação pública. O déficit anunciado de R$ 6 bilhões correspondia, em realidade, a R$ 9 bilhões, o que exigiu a retirada do orçamento proposto para 2015 da Assembleia de Minas Gerais, para sua revisão, para adoção de uma arrecadação mais realista e do valor real do déficit. A elaboração do PMDI 2016 – 2027 já considerou essa nova realidade financeira, mas não podia prever o agravamento subsequente, que levou o gasto com 545 pessoal a superar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e ao posterior decreto de estado de calamidade financeira das contas estaduais. Outro fato que impactou negativamente as contas do Estado e o seu planejamento de investimento em políticas sociais foi a crise política, que levou à interrupção do mandato da Presidenta Dilma Rousseff em 2016. O aprofundamento da crise econômica e a adoção, pelo governo que assumiu pós impeachment da Presidenta Dilma, de uma política social restritiva, com redução drástica de investimentos em políticas públicas em geral e a adoção de propostas de reformas no campo trabalhista, previdenciário e assistencial – como a do BPC e do Bolsa Família, comprometeram sobremaneira os ganhos sociais ocorridos nos últimos anos e impedem a ampliação da oferta por parte de estados e municípios. O decréscimo substancial de repasses federais impediu a expansão prevista e exigiu o enfrentamento dos impactos do desmonte de inúmeros programas, serviços e benefícios da rede de proteção social brasileira. Nesse sentido, a expansão das ofertas em políticas sociais em Minas Gerais depende de uma recuperação das combalidas contas públicas federais e estaduais. No âmbito do Estado, este desafio tem sido enfrentado por meio de inúmeras iniciativas, como o projeto que cria fundos imobiliários a partir dos imóveis de propriedade do Estado e programa Novo Regularize, que visa o pagamento de débitos tributários em condições especiais. No entanto, a estratégia que poderá alterar substancialmente a realidade das contas públicas mineira é o “encontro de contas” proposto pelo Governo de Minas ao Governo Federal a partir das perdas da chamada “Lei Kandir”. Isso porque, desde 1996, quando foi sancionada a Lei Kandir, Minas Gerais e outros Estados foram impactados pela desoneração de ICMS sobre suas exportações. O objetivo era garantir mais competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo, mas o ressarcimento aos estados afetados nunca ocorreu nos termos e volumes de recursos previstos. Visando corrigir essa falha, Minas Gerais ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal juntamente com outros estados exportadores, como o Pará. Ambos os estados são grandes exportadores e perderam muitos recursos durante esse período. Em ação já julgada no Supremo Tribunal Federal, o Governo Federal deve, até dezembro de 2017, propor legislação para regularizar a compensação pelas perdas financeiras. Caso a união não publique essa maneira de repor as perdas estaduais, a sentença do STF já prevê que a Câmara dos Deputados o faça. 546 Ao propor o encontro de contas, Minas Gerais espera passar de devedora a credora, cessando imediatamente o pagamento dos cerca de R$ 300 milhões/ mês de sua dívida de R$ 87,2 bilhões com a União. Além disso, considerando o crédito do Estado com a União, que estima-se ser da ordem de R$ 135,6 bilhões, Minas Gerais e seus municípios16 passariam a dispor de um volume expressivo de recursos para investir em políticas sociais e infraestrutura. Ainda que com dificuldades financeiras, o Estado de Minas Gerais tem mantido as políticas sociais em curso e realizado obras prioritárias, sendo por meio do diálogo com a população, o que tem colaborado para o melhor e justo emprego dos parcos recursos públicos disponíveis. Ainda que o hiato entre o planejado e o possível – a partir da real situação financeira do Estado – tenha exigido a adequação orçamentária e financeira, bem como a revisão de metas e de entregas para a população, foi preservada a diretriz de manter o Estado funcionando e prestando os serviços e realizando os investimentos, inclusive em políticas sociais, fundamentais para a população. Na crise, as escolhas de Minas Gerais têm sido de manter direitos e enfrentar, mesmo que em ritmo inferior ao esperado, os obstáculos à redução da desigualdade no Estado. Na próxima sessão, detalhamos as principais políticas sociais no campo da proteção e promoção social em curso, além das prioridades da gestão e seus arranjos territoriais. Todas elas sendo implementadas com diálogo e muito trabalho, para evitar a paralisia do Estado e garantir a atenção necessária aos direitos das mineiras e dos mineiros. 3. AS POLíTICAS SOCIAIS EM CURSO EM MG Uma definição conceitual de políticas sociais encontra-se no Dicionário – Verbete do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO), que as concebe como um rol de intervenções políticas de caráter distributivo, voltadas para assegurar o exercício dos direitos sociais da cidadania e impulsionar a segurança e coesão da sociedade por meio do acesso e utilização de benefícios e serviços sociais considerados como necessários para promover a justiça social e o bem-estar dos membros da comunidade. (Fleury, Sônia. Políticas Sociais. Disponível em: <http://www.gestrado.net.br/?pg=dicionarioverbetes&id=327>. Acesso em: 07 ago. 2017.) 16 A compensação financeira beneficia também os municípios, uma vez que 25% dos recursos desonerados são devidos às Prefeituras. Dessa forma, os municípios poderiam receber, no montante global, cerca de R$ 33 bilhões. 547 Nesse afinamento, as políticas sociais são institucionalizadas pelo seu condão de cumprir duas funções, quais sejam: 1) engendrar garantia estatal da igualdade de condições de acesso aos cidadãos (seus beneficiários) e 2) permitir uma melhor distribuição das riquezas, elevando o padrão de vida das sociedades (inclusive quando mantidas as condições estruturais de pobreza e desigualdade social). Em 2010, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) buscou organizar os conceitos que nortearam os chamados Eixos Estratégicos do Desenvolvimento, por meio de um estudo denominado Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro. Foram publicados dez livros em quinze volumes e no volume n°. 10, ao analisar a institucionalidade da Política Social, se constatou que naquele período (2010) buscava-se os seguintes objetivos para a política social: a) A Proteção Social, que almejaria a solidariedade e o seguro social a indivíduos e grupos em situações de risco social (seguridade social), e; b) Promoção Social que teria como meta a geração, utilização e fruição das capacidades de indivíduos e grupos sociais (oportunidades e resultados). Sintetizou-se a atuação do Governo na política social em torno das seguintes políticas setoriais: Previdência Social, Saúde, Assistência Social formaram o campo de ação da Proteção Social; Trabalho e Renda, Educação, Desenvolvimento Agrário e Cultura compunham a Promoção Social. Habitação e Urbanismo juntamente com Saneamento Básico integraram as políticas sociais com efeito sobre a Promoção e a Proteção Social. As políticas de “defesa de direitos” (Igualdade de Gênero, Igualdade Racial, Criança e Adolescentes, Juventude e Idosos) foram promovidas, preferencialmente, pela atuação transversal das políticas setoriais enumeradas. O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (2016/2027) projeta para as políticas sociais, especialmente para as ações de proteção e promoção, um papel de relevância ampliada com abordagem integral e de articulação das diferentes políticas setoriais. Diz o documento: - “A integralidade da atenção requer adotar uma perspectiva de proteção que inclua e articule quatro conjuntos de políticas ligadas ao âmbito da promoção social: a) garantir assistência social, articulando benefícios/transferências e serviços no campo da proteção não contributiva, incluindo sistemas de cuidado para públicos especialmente vulneráveis, como mulheres, pobres, chefes de família, idosos, crianças e deficientes; 548 b) viabilizar o acesso a serviços públicos de base universal como saúde e educação, articulado a garantias de atendimento das necessidades dos segmentos vulneráveis; c) prover seguridade no âmbito da proteção contributiva; d) promover uma estrutura de oportunidades robusta, no campo da regulação dos mercados de trabalho, das políticas de emprego, de renda, de acesso a crédito e de qualificação profissional.” A seguir apresentaremos uma síntese dos papeis de alguns órgãos de Estado e de que forma as ações desses podem estar relacionadas (explícita ou tacitamente) às políticas sociais do Governo. O Estado de Minas Gerais possui diversas secretarias e um expressivo rol de órgãos constitutivos da administração direta e indireta, que desenvolvem políticas sociais ou criam as condições necessárias para que elas sejam implantadas. Para fins didáticos e puramente exemplificativos (sem qualquer pretensão exauriente, mas puramente demonstrativa), alguns desses órgãos serão descritos e interpretados a seguir como um todo integrado e estruturado organicamente, que convergem positivamente na direção da realização das políticas sociais. A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), por exemplo, enquanto responsável pela promoção do desenvolvimento sustentável da atividade agropecuária de Minas Gerais, tem propiciado avanços no agronegócio e, concomitantemente, condições de segurança alimentar e nutricional à sociedade, melhoria da qualidade de vida da população do campo e redução das desigualdades regionais. Nesse diapasão, a referida Secretaria desenvolve políticas públicas que transversalmente se interconectam com as políticas sociais afetas ao mister estatal de fomentar o desenvolvimento econômico com bases sustentáveis; fomento ao agronegócio e garantia que esse ramo da economia cumpra o preceito constitucional de atenção à função social da propriedade; ações que ensejem segurança alimentar e nutricional aos cidadãos, com aumento da qualidade de vida e, simultaneamente, redução das desigualdades regionais . A Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (Secir) promove a política urbana e o desenvolvimento regional, visando à qualidade de vida e a sustentabilidade das cidades mineiras. Desenvolve políticas sociais afetas ao mister estatal de garantir o direito social à moradia, ao cumprimento a função social da propriedade e o direito a cidade, com vistas ao aumento da 549 qualidade de vida, sustentabilidade ambiental e, simultaneamente, redução das desigualdades regionais. Merece destaque o papel da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (COHAB MINAS), que para viabilizar a produção de unidades habitacionais, tem atuado junto à Caixa Econômica Federal na obtenção de recursos do FGTS, como agente promotor, se instrumentalizando dos investimentos do Fundo Estadual de Habitação (FEH) no Programa intitulado: “Nossa Cidade Melhor”, tanto por intermédio de ações gerais, como a construção de habitação de interesse social, com o objetivo de viabilizar o acesso à habitação para a população de baixa renda, melhorando os níveis de pobreza e a condição de vida desse estrato da população; quanto por meio de ações mais específicas, como o provimento de habitação para servidores da segurança pública, com o objetivo de viabilizar o financiamento de unidades habitacionais destinadas às famílias de policiais civis e agentes penitenciários e socioeducativos, em condições flexíveis e compatíveis com a realidade e necessidade dos servidores e a concessão de subsídio temporário para auxílio habitacional, com o objetivo de conceder, em caráter emergencial e temporário, auxílio habitacional eventual, por meio de provisão suplementar e provisória às famílias que se encontram em situação habitacional de emergência e de vulnerabilidade temporária. A Secretaria de Estado de Cultura (SEC) tem por finalidade planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, controlar e avaliar as ações setoriais, relativas ao incentivo, à produção, à valorização e à difusão das manifestações culturais da sociedade mineira. Trata-se das políticas culturais, que se interconectam transversalmente com as políticas sociais quando reverberam, por exemplo, na ampliação do acesso ao conhecimento, ao trabalho e ao desenvolvimento infantil para os cidadãos de Minas Gerais. Já a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Sedinor) promove e coordena programas e projetos concatenados à políticas sociais com o condão de desenvolver sustentavelmente e de reduzir as desigualdades entre as regiões dos vales do Jequitinhonha e Mucuri e do Norte de Minas em relação ao restante do Estado. A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (Seda) promove o desenvolvimento rural sustentável de Minas Gerais, por meio da democratização do acesso a terra, da inclusão e dinamização produtiva da agricultura familiar e da promoção à segurança alimentar e nutricional. Desenvolve intersetorialmente políticas sociais de expressiva relevância, por ensejar aos seus beneficiários (de forma explícita ou tácita) acesso a recursos (leia-se: aumento da renda das famílias no campo), ao trabalho, ao conhecimento, 550 melhoria nas condições habitacionais e desenvolvimento infantil. Pode-se citar, o programa de regularização de terras devolutas rurais do Governo de Minas Gerais, conduzido pela Seda, em que se prevê ações como o Projeto intitulado “10envolver”, erigido por intermédio da parceria entre a referida Secretaria e a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (idealizador do projeto), e tem por objetivo fomentar a melhoria da qualidade de vida nos municípios do Estado com o menor índice de Desenvolvimento Humano (IDHM), por intermédio da política de reordenamento agrário (leia-se: regularização de terras devolutas). O Governador de Minas Gerais, em Mensagem enviada à Assembleia Legislativa do Estado 17, apresentou os resultados relativos a agricultura, pecuária, abastecimento e desenvolvimento agrário, e destacou a relevância do trabalho dos técnicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda –, em parceria com a Emater-MG e com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que atenderam posseiros de Curvelo, Felixlândia e Inimutaba, interessados em participar do programa estadual de regularização fundiária rural, que estava paralisado desde 2011. Com os trabalhos nos municípios da região central, Minas Gerais recadastrou 7 mil famílias e finalizou mais de 8 mil processos, o que representa, segundo dados da Governadoria, mais de 25% da demanda reprimida. Registrou no referido documento que o Governo atual trabalha diuturnamente para resolver o passivo herdado dos governos anteriores e assim garantir o direito do acesso a terra às milhares de famílias no campo. Nesse diapasão, pela primeira vez, o Governo de Minas Gerais está realizando o processo de arrecadação de terras devolutas (sem registro) para a regularização de territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais – PCTs. Em Minas Novas, no Alto Jequitinhonha, a Seda já identificou 1.300 hectares de terras devolutas na comunidade rural de Córrego Quilombo. Após a análise jurídica, o próximo passo será o processo de destinação da área aos remanescentes de quilombo. O Governo de Minas Gerais tem compromisso com o desenvolvimento dos PCTs. Em parceria, estão sendo conquistados direitos e a cidadania no campo. Outra intervenção relevante pontuada foi o Portal da Agricultura Familiar, cujo objetivo é divulgar as ofertas da produção da agricultura familiar e as demandas das escolas e instituições públicas estaduais. A referida plataforma digital foi lançada em dezembro de 2016, e tem o intuito de promover cada vez 17 Mensagem nº 151, de 31 de janeiro de 2017. Disponível em <http://planejamento. mg.gov.br/images/documentos/mensagem_do_governador/Mensagem_do_ Governador_2017.pdf>. Acesso em: 25/08/2017. 551 mais o acesso do segmento aos mercados institucionais. Já estão cadastrados cerca de 3 mil agricultores familiares e escolas estaduais de todos os 17 Territórios de Desenvolvimento do Estado. Cumpre registrar que o projeto é decorrente da parceria da SEE e Seda com a Emater-MG. Não menos relevante é o fato de já terem sido certificadas, até outubro de 2016, 1.076 propriedades no programa Certifica Minas Café, e outras 1.150 propriedades já estão aptas para receber a referida certificação, com vistas à inserção dos produtores de café nos mercados nacionais e internacionais, com produtos certificados e rastreados. Foram entregues até 2016, em mais de 50 municípios mineiros, 150 kits feiralivre. Cada kit é composto por 10 barracas, 20 jalecos, 60 caixas plásticas e 2 balanças digitais, e fazem parte do Projeto de Apoio às Feiras Livres da Agricultura Familiar – Aqui tem Feira! O programa tem como objetivo oferecer ao agricultor familiar mais infraestrutura para expor e vender suas mercadorias. Desde a publicação do Decreto nº 46.974, no dia 21 de março de 2016, que instituiu oficialmente o projeto Plantando o Futuro, conseguiu-se viabilizar, por meio de convênios e licitações, a produção e o plantio de 6,13 milhões de mudas de árvores. O montante representa a recuperação de, aproximadamente, quatro mil hectares, equivalente a 20% da meta estipulada no projeto. O projeto visa o plantio de 30 milhões de árvores, o que compreende a recuperação de 40 mil nascentes, 6.000 hectares da mata ciliar e 2.000 hectares de áreas degradadas, em todos os 17 Territórios de Desenvolvimento de Minas Gerais, até dezembro de 2018. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac) elabora e divulga as diretrizes estaduais de atendimento, promoção e defesa relativamente às seguintes políticas: participação social; direitos humanos; juventude; políticas para as mulheres; igualdade racial, que elevam o Estado de Minas Gerais ao “status” de vanguarda na proteção da cidadania, da participação social e da dignidade da pessoa humana. A Sedpac tem o condão de conduzir a sociedade mineira a um elevado patamar de respeito à dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, parametrizar as ações do Governo de Minas Gerais de tal forma que a relação jurídica de assimetria entre o Estado e os indivíduos não engendre violações estatais aos direitos e garantias individuais e coletivos. Conforme a Mensagem do Governador N.° 151/2017, citada anteriormente, em 2016 a Sedpac (na área de proteção social) coordenou o 1º Seminário do Fórum Interconselhos (que é um espaço que visa o compartilhamento de 552 experiências, vivências e estratégias relativas ao controle social das políticas pública), com o objetivo de fortalecer a organização do fórum, elencar os principais desafios à atuação dos colegiados de participação social e construir estratégias para uma atuação conjunta. Faz-se mister assinalar que desde sua instalação, um grupo de trabalho atua no mapeamento dos conselhos ativos e inativos, na identificação das principais características dos colegiados e na construção de um canal de comunicação para a participação popular. No mesmo afinamento, criou-se o Conselho Estadual da Juventude – Cejuve –, por meio da Lei nº 22.414, de 16 de dezembro de 2016, órgão colegiado de caráter deliberativo, consultivo e propositivo, subordinado à Sedpac, por meio da Subsecretaria de Juventude. O Cejuve tem por finalidade formular diretrizes de ações governamentais voltadas para jovens de 15 a 29 anos e foi estabelecido em substituição ao antigo Conselho Estadual da Juventude. O referido conselho será composto por 36 conselheiros, sendo 12 representantes governamentais e seus respectivos suplentes e 24 membros e seus suplentes representantes de entidades da sociedade civil em atividade há, pelo menos, um ano no Estado, com atuação na promoção, atendimento, defesa, garantia, estudos ou pesquisas dos direitos das juventudes. Os mandatos terão duração de dois anos, sendo possível uma recondução. Por meio do conselho pretendese criar um espaço que vai representar de fato as juventudes, levando em conta a pluralidade e as características regionais, ampliando a representação do conselho para além da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Outra ação relevante foi o Prêmio Mineiro de Direitos Humanos – Edição 2016. A honraria, entregue pelo Governo de Minas Gerais, por meio da Sedpac, selecionou as ações, projetos e programas executados por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de âmbito Estadual que se destacaram pela “Mediação de Conflitos Coletivos e Outras Formas de Prevenção e Solução Pacífica de Conflitos Coletivos”, tema da premiação. Nos anos de 2015 a 2017, a efetividade dos princípios e conceitos declarados pelo PMDI (2016/2027) no âmbito das políticas sociais pode ser explicada a partir de dois exemplos: a) no plano político, a decisão estratégica de não alinhamento do Governo Estadual ao programa de recuperação fiscal proposto pelo Governo federal. Minas se negou a assinar o acordo com a União para renegociação da dívida em que as exigências poderiam levar ao colapso das políticas sociais e do funcionalismo público. A união, entre outros, exigia a privatização de 553 empresas públicas como a empresa mineira de energia elétrica, CEMIG e a de água, COPASA, além do congelamento do salário dos servidores públicos. Na ocasião declarou o Governador: “Não vamos fazer ajustes que custe o colapso dos serviços públicos” e “É como se estivesse faltando comida na sua casa e você vendesse o fogão”; b) no plano da governança e gestão pública, toma-se como exemplo o programa denominado “Estratégia de enfrentamento da pobreza no campo”, que será detalhada em seção específica e refere-se a um conjunto de ações coordenadas pela Sedese – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – e a cargo de diversos órgãos, empresas e agências de fomento do Estado, destinadas à população do campo em situação de pobreza e vulnerabilidade social.18 Esses dois exemplos e um conjunto de outras ações condutoras da atuação no âmbito da política social – como as realizadas pela SEDA e Sedpac, apresentadas nesta seção – mostram a orientação para a estruturação da gestão pautada pela participação popular, democratização do processo de planejamento e intensificação no fortalecimento das capacidades e recursos locais. Uma das principais inovações na “arquitetura” de entregas de políticas sociais em Minas – além do território e a intersetorialidade – é a implantação dos 17 territórios de desenvolvimento e os Fóruns Regionais. 3.1 - Os Territórios de Desenvolvimento e os Fóruns Regionais O estado de Minas Gerais congrega diferentes realidades e desafios. Foi a partir dessa observação, que o Governo de Minas criou por meio Decreto nº 46.774, de 9 de junho de 2015, o conceito de Territórios de Desenvolvimento, a partir do qual dividiu o Estado em 17 regiões, levando em conta os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e geográficos de cada região. Essa nova classificação tem possibilitado um maior conhecimento da realidade, bem como interação e colaboração entre os setores de políticas públicas do Estado. 18 http://social.mg.gov.br/images/stories/banners/estrategia_enfrentamento_ campo.pdf 554 Figura 9 - Territórios de Desenvolvimento de Minas Gerais e os Fóruns Regionais As características e condições objetivas dos territórios em que as pessoas vivem são dados importantes para identificar o acesso aos direitos sociais e às políticas públicas e isso também define a vulnerabilidade das famílias e comunidades. De acordo com KOGA (2013): “As estratégias de acessibilidade nem sempre são passíveis de serem capturadas pelas estatísticas oficiais, calcadas em características de pessoas e famílias, de forma desconectada das características e dinâmicas dos lugares onde vivem” (KOGA, 2013). A autora cita que, ao considerar apenas renda, o resultado de estudos sobre vulnerabilidade no Brasil foi menor em todas as regiões, utilizando-se dados do censo 2010. “A proporcionalidade dos considerados vulneráveis, com base, somente, no quesito renda, foi sempre menor, em todas as regiões do país (média de 7,4%), em relação aos considerados vulneráveis com base no quesito carência social, que atingiu uma média de 36% da população; os considerados vulneráveis pela combinação entre os quesitos renda e carência social chegaram a uma média de 22,4%. Foram considerados não vulneráveis, nesse estudo, apenas 34,2% da população brasileira” (KOGA, 2013). Visando fortalecer cada um dos territórios e garantir a presença da população no planejamento das políticas públicas do estado, o Governo instituiu os Fóruns Regionais, espaços que reúnem a sociedade civil, representantes dos governos 555 estadual e municipal para debaterem as ações prioritárias para cada Território de Desenvolvimento. Dada a prioridade dessa política, foi criada a Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais – SEEDIF, que coordena e participa in loco de todas as ações, que têm acompanhamento direto do próprio governador do estado e seus secretários, presidentes de empresas e agências e banco de fomento. Para fomentar a comunicação direta com cada um dos Territórios de Desenvolvimento, o Governo de Minas criou 17 Colegiados Executivos19, cujos membros foram eleitos nos Fóruns Regionais. Apostar na força das políticas sociais e na democracia participativa como instrumento da promoção do desenvolvimento deixou de ser uma teoria e tem se constituído em um modelo prático no Governo de Minas Gerais, enfrentando a dicotomia em que desenvolvimento social e desenvolvimento econômico se opõem. Se configuram, na verdade, como uma integração importante e fundamental para o desenvolvimento. Para o período de 2015/2018 a gestão do Estado está organizada para a criação de oportunidades que promovam as bases para um desenvolvimento econômico, social e sustentável. 3.2 – A Assistência Social - O SUAS em Minas Gerais Conforme apresentado anteriormente, ao longo dos últimos dois anos, o novo modelo de gestão implementado pelo Governo do Estado vem colocando em prática a decisão de ouvir os cidadãos, de apoiar os municípios e de discutir, juntamente com a rede de proteção social, as melhores estratégias para a proteção socioassistencial daqueles que mais precisam. A Assistência Social passa a desempenhar um papel central que combina a execução de suas próprias intervenções, a coordenação, apoio técnico e financeiro e qualificação das ações dos municípios e de entidades de atendimento da sociedade civil. Mais do que isto, porém, exige da política mais ampla de proteção social uma articulação intersetorial, tornando consistentes 19 O Colegiado Executivo eleito em cada um dos 17 territórios é composto por membros escolhidos entre os pares, representando cada uma das micro-regiões que os compõem. São eleitos representantes da sociedade civil, de vereadores e prefeitos. 556 e convergentes, em torno de uma concepção e de objetivos e prioridades comuns, a atuação do Estado em vários âmbitos, setores e órgãos” (pag. 28). A organização da política de assistência social tem por base a descentralização política-administrativa, a participação da população e a primazia da responsabilidade do Estado em sua condução, dada cada esfera de governo (Art. 5º - Lei 8.742/93 – Loas). Dessa forma, o enfrentamento dos desafios apresentados pelas situações de vulnerabilidade e risco social só é possível a partir do esforço conjunto de diversos atores envolvidos, dos técnicos que atuam no dia a dia dos serviços, programas e projeto, dos gestores municipais, do sistema de justiça, dos demais órgãos de proteção, defesa e promoção de direitos, das instâncias de participação, interlocução e controle social do SUAS, dos usuários dos serviços e de todos os parceiros que historicamente lutam pela redução das desigualdades, pela melhoria das condições de vida das populações mais vulneráveis, pela defesa do SUAS e pelos direitos afiançados pela Constituição Brasileira de 1988. A Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE), que tem como missão contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais no Estado, vem atuando, por meio da gestão descentralizada de suas ações para construir em Minas Gerais um Sistema Único de Assistência Social cada vez mais democrático e participativo. 3.2.1 – Proteção Social Básica A Proteção Social Básica (PSB) integra o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e é definida, de acordo com a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS/1993), como um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Nesse sentido, a PSB deve identificar e agir antecipadamente para que as situações de vulnerabilidade e/ou desproteção social não acarretem violações de direitos. Os serviços da PSB, entendidos como ações continuadas para melhoria da qualidade de vida da população, são:  Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF): consiste no trabalho social com famílias, prevenindo riscos e vulnerabilidades sociais e fortalecendo o papel protetivo das famílias; 557  Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV): Realizado em grupos, visa complementar o PAIF, bem como ampliar trocas culturais e vivenciais, desenvolver sentimento de pertença e de identidade e incentivar a socialização;  Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas: o objetivo é prevenir situações que possam ocasionar rompimento de vínculos familiares e sociais dos usuários, por meio de uma atenção especial no próprio ambiente de convivência, o domicílio. Os programas são definidos como ações que possuem objetivos, tempo e área de abrangência delimitados e visam qualificar, melhorar e incentivar a oferta de serviços e benefícios. São exemplos de programas dentro da Proteção Social Básica:  Programa BPC na Escola: programa de caráter intersetorial que visa identificar as barreiras que impedem ou dificultam o acesso e a permanência na escola de crianças e adolescentes (0 a 18 anos), que recebem o Benefício de Prestação Continuada;  Programa Acessuas Trabalho: tem como finalidade promover o acesso de usuários da Assistência Social ao mundo do trabalho. Os benefícios socioassistenciais são provisões destinadas a indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade, tais como:  Benefício de Prestação Continuada (BPC): garantia de um salário mínimo ao idoso acima de 65 anos ou à pessoa com deficiência que não possua condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, cuja renda per capita mensal seja inferior a ¼ do salário mínimo;  Benefícios Eventuais: provisões suplementares e provisórias prestadas aos cidadãos em função de nascimento, morte, vulnerabilidade temporária ou calamidade pública;  Benefícios de Transferência de Renda – Bolsa Família: transferência mensal de renda a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. A organização e a oferta dos serviços da proteção social básica nos territórios são realizadas pelos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). 558 A PSB destina-se, portanto, à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente de pobreza, fragilização de vínculos (afetivos e de pertencimento social) e privação de renda, de acesso a serviços públicos, dentre outros. A função do Estado dentro da Proteção Social Básica é o apoio técnico aos municípios. Ele se dá por meio de ações que são caracterizadas por um conjunto de atividades proativas e reativas, planejadas e realizadas sistematicamente pela Sedese, englobando a análise de dados do SUAS, análise de indicadores, definição de ações de apoio, orientações presencias e à distância, telepresencial, visitas técnicas, reuniões de trabalho, oficinas, capacitações, dentre outras. Nesse sentido, a Sedese produziu o Caderno de Orientações: A Prevenção e o Trabalho Social com Famílias na Proteção Social Básica e tem realizado oficinas regionalizadas de capacitação para os profissionais de nível superior dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS. Além disso, a Diretoria de Benefícios e Transferência de renda, tem prestado apoio técnico, coordenado e acompanhado, em âmbito estadual os municípios na gestão do CadÚnico, benefícios eventuais, benefício de prestação continuada e Programa Bolsa Família, por intermédio de videoconferências, atendimento interno, visita técnica, atendimento via e-mail e pelo telefone. Tem promovido, subsidiado e participado de atividades de capacitação, dentre as quais podemos citar a Capacitação de Gestão do Cadastro único e Programa Bolsa Família e Capacitação de Formulários. As atividades vão desde a organização das turmas, mobilização, alocação do local para realização das capacitações, ministração das aulas, organização de material didático à certificação. Em parceria com a Caixa Econômica Federal, a diretoria executa as Capacitações dos Sistemas: Versão 7 do Cadastro Único e Sistema de Benefício ao Cidadão-SIBEC, fazendo mobilização e a organização das turmas. 3.2.1.1 - Apoio Técnico e Educação Permanente O Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Sedese, em parceria com a Associação Mineira de Municípios – AMM – e Fundação João Pinheiro, lançou no ano de 2015 o Programa Qualifica SUAS, com o objetivo de instituir, de maneira sistemática e coordenada, ações continuadas de apoio técnico e capacitação, realizadas para gestores, trabalhadores e conselheiros municipais da política de assistência 559 social. O Programa Qualifica SUAS consolida uma das responsabilidades fundamentais do ente estadual no Sistema Único de Assistência Social, de prestar assessoramento e apoio técnico para o fortalecimento da gestão municipal. O Programa é organizado em quatro eixos: o apoio técnico para aprimoramento do SUAS; a oferta da capacitação continuada; a estruturação Núcleo de Educação Permanente e; a estruturação e oferta da Supervisão Técnica, entediada como uma estratégia da educação permanente. No eixo apoio técnico, a SEDESE vem desenvolvendo ações para aprimoramento da gestão orçamentária e financeira do SUAS nos municípios; a melhoraria da infraestrutura das unidades de oferta de serviços; o fortalecimento do acompanhamento familiar realizado pelo PAIF; o fortalecimento da oferta dos serviços de proteção social especial (PAEFI e serviço de acolhimento institucional) e, o aprimoramento da gestão do Programa Bolsa Família. Até junho de 2017, 10.479 trabalhadores e conselheiros do Suas, de 829 municípios de Minas Gerais, participaram de ações de apoio técnico promovidas pela Sedese. Em 2016, a Sedese apoio tecnicamente 10.168 pessoas, de 771 municípios. Esses valores são muito superiores ao total de trabalhadores e conselheiros apoiados antes da criação do Programa Qualifica SUAS. Em 2015, 1.098 indivíduos dos municípios mineiros participaram de ações de apoio técnico promovidas pela Sedese. Figura 10 – N.º de trabalhadores e conselheiros do Suas que participaram de ações de apoio técnico promovidas pela Sedese até junho de 2017. 560 Na perspectiva da Política Nacional de Educação Permanente (PNEP) do SUAS, o Programa Qualifica SUAS, organiza a oferta da capacitação continuada em duas modalidades: o Programa Capacita SUAS e a Supervisão Técnica, bem como institui o Núcleo Estadual de Educação Permanente do SUAS O Programa Nacional de Capacitação do SUAS – Capacita SUAS – foi instituído em 2013, e visa garantir a oferta de formação permanente para qualificar profissionais do SUAS no provimento dos serviços e benefícios socioassistenciais. Para tal, ele compreende a definição de diretrizes e matrizes de cursos a nível nacional e a operacionalização dos cursos pelos governos estaduais em parceria com Instituições de Ensino Superior, credenciadas na Rede Nacional de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social – RENEP/SUAS. Em Minas Gerais a oferta dos cursos se dá de forma descentralizada e regionalizada buscando a aproximação com os municípios e adesão dos trabalhadores do SUAS, com previsão de capacitar até 2018, 9.405 trabalhadores, em cinco cursos ofertados para todos os municípios mineiros: 1) Gestão Orçamentária e Financeira do SUAS; 2) Atualização sobre Especificidade e Interfaces da Proteção Social Básica do SUAS; 3) Curso de Atualização em Vigilância Socioassistencial do SUAS; 4) Introdução ao Exercício do Controle Social do SUAS e 5) Atualização sobre Reordenamento dos Serviços de Proteção Social Especial. Os cursos são executados em 21 (vinte um) polos de capacitação, de acordo com a distribuição geográfica das Diretorias Regionais da SEDESE. Com a execução dos três primeiros cursos, foram certificados 4.028 profissionais do SUAS em Minas Gerais, até julho de 2017. Outra inovação importante foi a decisão de incluir nos cursos do Programa Capacita SUAS, conteúdos específicos de Minas Gerais, buscando adequar este conteúdos as especificidades do Estado, bem como às prioridades da Política Estadual de Assistência Social. O Programa Qualifica SUAS ainda prevê a implantação do Núcleo Estadual de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social de Minas Gerais – NEEP-SUAS/MG que é instância colegiada responsável pelo planejamento das ações capacitação e educação permanente no âmbito estadual e tem como objetivos qualificar o planejamento das ações de capacitação, de forma a garantir seu caráter continuado e permanente e seu alinhamento com as reais necessidades dos trabalhadores e prioridades pactuadas para o Estado; propor meios, instrumentos e procedimentos de operacionalização das diretrizes da Política de Educação Permanente em Minas Gerais e de produção, sistematização e disseminação de conhecimentos; promover a interlocução 561 e troca constante de conhecimentos com instituições de pesquisa, ensino e extensão, com foco no aperfeiçoamento das ações de capacitação, apoio técnico e supervisão técnica; promover a interlocução, diálogo e cooperação entre os diferentes sujeitos envolvidos na implementação da Política Estadual de Educação Permanente. Já a Supervisão Técnica SUAS, conforme estabelece a Resolução CNAS nº 6, de 13 de abril de 2016, deve ser entendida como um tempo na organização do trabalho que deve mobilizar gestores e trabalhadores para reflexão e estudo coletivo acerca de questões relacionadas aos seus processos cotidianos de trabalho, às suas práticas profissionais, às articulações com o território, na perspectiva institucional e intersetorial. É uma estratégia de formação coletiva, que pode ser desenvolvida com base em diferentes abordagens e técnicas, devendo ser orientada pelas necessidades da(s) equipe(s) participante(s) e propiciada ampla participação. Tem como objetivo fornecer subsídios teóricos, metodológicos, técnicos, operativos e éticos para a construção crítica e criativa de novas alternativas de intervenção aos trabalhadores do SUAS e elevar a qualidade do provimento dos serviços, programas, projetos, benefícios socioassistenciais e transferência de renda e da gestão do Sistema, contribuindo para a ressignificação das ofertas da Assistência Social e potencializando o pleno cumprimento de suas funções e seguranças afiançadas, na perspectiva da garantia de direitos. Em Minas Gerais, faz-se uma “aposta metodológica na construção coletiva do conhecimento com os pés no chão enquanto eixo estruturante do desenho da proposta de supervisão técnica. Nesse contexto, todos os atores envolvidos no processo de supervisão são igualmente considerados protagonistas dos saberes a serem partilhados, sejam supervisores, gestores, trabalhadores do SUAS nas suas diversas atribuições. Entende-se que a supervisão técnica articula-se com a gestão do SUAS não somente sob a égide da sua operacionalização, na forma da prestação de serviços por parte dos seus trabalhadores. Mas, e fundamentalmente, na totalidade que envolve os processos de gestão, em que os trabalhadores do SUAS (e não somente os gestores) são considerados igualmente sujeitos a serem implicados cotidianamente.”20 Os princípios norteadores da supervisão técnica do SUAS em Minas Gerais se delineiam na busca por uma construção coletiva do conhecimento voltada 20 Dirce Koga – Referencial Teórico e Metodológico para Supervisão Técnica em Minas Gerais 562 para o reino da liberdade. Para tanto foram destacados cinco princípios: a) o reconhecimento do território e suas multiescalas em Minas Gerais; b) o respeito a diversidade sociocultural; c) a centralidade no usuário do SUAS como sujeito de direito; d) o sentido publico do trabalho da supervisão técnica no SUAS; e) o dialogo como base da supervisão técnica democrática. 3.2.1.2 - Programa de Aprimoramento da Rede Socioassistencial do Sistema Único de Assistência Social– Rede Cuidar No ano de 2015, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE), no âmbito da Subsecretaria de Assistência Social, iniciou a elaboração de um diagnóstico acerca da rede socioassistencial em Minas Gerais, a fim de mapear e identificar as principais ofertas dos serviços de assistência social no estado. O diagnóstico teve foco nas entidades de assistência social, previstas no Art. 3º da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) - Lei nº 8.742/1993, pelo fato de que as ofertas realizadas pela rede não governamental são muito representativas no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Minas Gerais. As entidades socioassistenciais têm um papel importante na execução da Política de Assistência Social no Brasil e na construção do SUAS. Elas se configuram, historicamente, como grandes parceiras na oferta dos serviços socioassistenciais aos cidadãos. O Estado de Minas Gerais possui a segunda maior rede de ofertas de serviços de assistência social do Brasil, entre unidades de natureza governamental e não governamental. Informações coletadas por meio do Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (CNEAS) indicam a existência de aproximadamente 5.478 entidades socioassistenciais no Estado, entre unidades de atendimento, assessoramento e defesa e garantia de direitos. Outra importante base de dados sobre as ofertas da rede pública e privada de atendimento na Assistência Social é o Censo SUAS. De acordo com o Censo SUAS de 2015, foram registradas 2.118 unidades que ofertam serviços continuados, entre Unidades de Acolhimento (que ofertam o Serviço de Acolhimento), Centros de Convivência (que ofertam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos) e Centro DIA e similares (que ofertam o Serviço de Proteção Social Especial para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias). Aproximadamente 77% dessas unidades da rede socioassistencial é composta por organizações não governamentais (total de 1.631 entidades), como demonstra a tabela a seguir: 563 Tabela 4 - unidades da rede socioassistencial que ofertam serviços, por tipo e por natureza da unidade Unidades de atendimento Unidades de Acolhimento Centros de Convivência Centro Dia e Similares Total Total Natureza da unidade Não governamentais Governamentais 924 704 (76%) 220 (24%) 907 644 (71%) 263 (29%) 287 2.118 283 (98,6%) 1.631 (77%) 4 (1,4%) 487 (23%) Fonte: Censo SUAS 2015 – Minas Gerais Esse diagnóstico apontou muitas fragilidades, principalmente, nas ofertas realizadas pelas unidades de acolhimento institucional. A rede de acolhimento é composta, majoritariamente, por unidades de natureza não governamental. Os dados do Censo SUAS de 2015 demonstram que 76% da oferta do Serviço de Acolhimento é feita por unidades da rede privada e que 18% delas não possuem aporte de recursos financeiros do poder público para a manutenção desse serviço. Dada a importância do papel desempenhado pelas entidades socioassistenciais e as fragilidades e desafios enfrentados por elas, torna-se primordial o apoio do Estado para a estruturação e o aprimoramento da gestão dessas unidades, a fim de qualificar os serviços ofertados às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. Nesse sentido foi criado em 2016 o Programa Rede Cuidar, com o objetivo de apoiar técnica e financeiramente as unidades da rede socioassistencial (unidades públicas e as entidades de assistência social) que apresentem maior situação de fragilidade, visando ao aprimoramento de suas ofertas e com isto incentivar o reordenamento dos serviços prestados, de acordo com as normativas e consolidar o vínculo SUAS das entidades socioassistencais . O programa foi concebido por três eixos de atuação: Eixo I – Diagnóstico e Monitoramento: identificação das principais fragilidades das unidades que compõem a Rede SUAS e acompanhamento dos resultados de aprimoramento, promovidos pelas ações do Programa. Eixo II – Apoio técnico, formação e supervisão: realização de cursos e atividades de formação, com foco na qualificação dos serviços e na gestão das entidades. 564 Eixo III – Incentivo financeiro ou material: repasse de recursos para realizar reformas, promover atividades de convivência, bem como aquisição de equipamentos, mobiliários e/ou bens. Para que o programa possa se caracterizar como política pública, ter permanência e, pelo fato de prever repasse de recursos financeiros para as entidades e organizações da sociedade civil, com mais fragilidades, ele foi instituído pela Lei Estadual n.º 22.597, de 19 de julho de 2017. Para o ano de 2017 foi definido, por meio de pactuação na Comissão Intergestora Bipartite - CIB e deliberação do Conselho Estadual de Assistência Social - CEAS , que serão elegíveis, na primeira fase do Programa, as unidades de acolhimento institucional para os públicos crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência, que atendem um total de 21.237 pessoas no estado. A priorização das Unidades de Acolhimento levou em consideração, além do caráter integral do serviço ofertado e das fragilidades apontadas no Diagnóstico, o fato de que reordenar os serviços de acolhimento segundo as normativas do SUAS é um dos principais desafios colocados para os estados, pela PNAS de 2004, pela NOB SUAS de 2012, pelo Pacto de Aprimoramento da Gestão e pelo Plano Estadual de Regionalização de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Nesse sentido, no ano de 2016, foi criado pela SEDESE o Indicador de Desenvolvimento das Unidades de Acolhimento - ID Acolhimento, no intuito de ser uma referência para aferir a qualidade das ofertas das unidades de acolhimento como um parâmetro para o Programa de Rede Cuidar, visando o reordenamento do serviço de acolhimento institucional em Minas Gerais. O ID Acolhimento é um indicador sintético dividido em três dimensões: Estrutura Física, Gestão e Atividades e Recursos Humanos, com diversas variáveis em cada uma. Como exemplos, em “Estrutura Física” o indicador avalia se a unidade possui condições de acessibilidade, se têm armários individualizados para os acolhidos, se o número máximo de pessoas dormindo no mesmo dormitório respeita as normativas do SUAS, etc. Em “Gestão e atividades”, é verificado se a unidade faz Plano Individual de Atendimento (PIA) de seus acolhidos, se possui inscrição no Conselho, se permite visitas de familiares, entre outros. Na dimensão “Recursos Humanos”, é observado se a unidade possui o número de cuidadores adequado ao número de acolhidos, se possui coordenador, assistente social, etc. 565 3.2.2 – Proteção Social Especial Em 2015, paralelo ao fortalecimento da proteção básica, garantia legal de cofinanciamento regular e automático para os municípios, de forma republicana para todos os 853. Iniciou-se um desenho de regionalização dos serviços de proteção especial no Estado, com definição de competências e um modelo de gestão compartilhada, que resultou na aprovação pelo Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) do Plano Estadual de regionalização. Desde então, inúmeros debates foram realizados nas instâncias de pactuação e controle social do SUAS, nos colegiados de gestores municipais de assistência social, nas conferências municipais, regionais e estaduais de assistência social e nos Fóruns de Governo. Em todos esses encontros, as discussões serviram para moldar o desenho da regionalização a partir das demandas dos municípios, considerando o atendimento prioritário às regiões mais vulneráveis do Estado. Na perspectiva da gestão compartilhada e contando com a participação dos diversos segmentos sociais e instituições como o Ministério Público, o que vemos hoje materializado nesta unidade pública estatal é resultado da decisão tomada pelo Governo do Estado de assumir a organização, a implantação e a execução direta dos serviços regionalizados de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, conforme previsto na Política Nacional de Assistência Social – PNAS. A instituição dos CREAS Regionais – Centro de Referência Especializado da Assistência Social -, que além dos atendimentos prestados à população vítima de violação de direitos dos municípios diretamente abrangidos pelo PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Família e/ ou Individuo - corresponde à comarca do judiciário em que o equipamento está sediado. Também assumiram um papel de articulação na região, servindo de lócus da proteção social especial no Território de abrangência. Pode-se definir um território a partir de um conjunto de características que constrói identidade entre frações de espaço. Essas características não se limitam aos aspectos naturais, mas, acima de tudo, consideram suas dimensões culturais, econômicas e políticas. Os territórios se diferem de acordo com suas trajetórias históricas e com as dinâmicas que neles ocorrem e por eles são determinadas. Nessa concepção, o território ultrapassa a questão puramente geográfica e há, em cada um deles, a necessidade de identificação das áreas e famílias mais vulneráveis, com baixa oferta de serviços e alta incidência de vulnerabilidades. Nesse sentido, ganha cada vez mais importância a discussão sobre a delimitação 566 dessas áreas para além dos limites geográficos e que sejam foco de políticas públicas direcionadas à superação de situações de risco social. A expressão “Territórios de Proteção Social” informa a noção de território compreendido como esse “conjunto de relações, condições e acessos” associado à proteção social. A ampliação da oferta dos serviços da PSE deverá estar articulada à “delimitação de regiões de alta vulnerabilidade social e à implementação dos Territórios Regionais de Proteção Social”. Portanto, nessa proposta o conceito de vulnerabilidade corresponde, por um lado, à exposição ao risco (condições adversas de sobrevivência) e, por outro lado, à capacidade de enfrentamento ao risco, o que inclui o acesso às políticas públicas (BRONZO, 2009; MINAS GERAIS, 2015). Além disso, a organização das ofertas de proteção social especial, seja a partir das delimitações já existentes, como é o caso dos Territórios de Desenvolvimento, ou da identificação de Territórios de Proteção Social, devem considerar a necessidade de estreita relação com o Sistema de Justiça e, consequentemente, com as circunscrições judiciárias organizadas por meio das comarcas. Portanto, nos territórios, a cooperação federativa, a gestão compartilhada e a articulação têm papel fundamental, principalmente quando tratamos da oferta de serviços especializados do SUAS. Com relação ao atendimento aos jovens em conflito com a lei, os desafios que se apresentam ultrapassam limites municipais, exigindo, assim, um esforço conjunto de gestores municipais, do órgão gestor estadual, dos técnicos de referência dos serviços municipais e regionais, dos atores da rede de proteção regional, de representantes de outras políticas setoriais e do sistema de garantia de direitos, dentre outros. 3.3 - As ações voltadas para o mundo do trabalho e a empregabilidade A palavra TRABALHO deriva do latim “tripaliare”, que significa torturar. Inicialmente vinculado à ideia de sofrer ou esforçar deu lugar a compreensão de trabalhar e agir. O trabalho no sentido econômico é entendido como toda atividade desenvolvida pelo homem sobre uma matéria prima com a finalidade de produzir bens e serviços. Assim, o trabalho tem centralidade na vida das pessoas e de uma sociedade, pois representa um valor importante nas sociedades ocidentais contemporâneas. O trabalho faz parte da historia do homem, pois por meio dele as sociedades se organizam, desenvolvem, relacionam e criam as condições de sobrevivência e vivencia social. As relações de trabalho e as formas de organização dos trabalhadores estão ligadas com as transformações da produção e do mercado. 567 3.3.1 – Mercado de Trabalho e Mundo do Trabalho O conceito de mercado de trabalho de acordo com a enciclopédia livre “associa aqueles que oferecem força de trabalho àqueles que a procuram, em um sistema típico de mercado onde se negocia a fim de determinar os preços e as quantidades a transacionar”. A expressão Mundo do trabalho passou a ser utilizada mais recentemente para caracterizar, de forma mais genérica, qualquer ocupação remunerada do indivíduo, que envolva realização de atividades materiais, produtivas e os processos sociais inerentes à realização de um trabalho. Portanto, a inclusão no mundo do trabalho diz respeito a uma compreensão que o trabalho é estruturador de identidades, promotor de sociabilidade e do pertencimento social, constituindo o sujeito em sua totalidade. 3.3.2 – Economia Popular Solidaria Conjunturas de altas taxas de desemprego exigem dos governos uma atuação que considere todas as possibilidades de geração de renda, para além do mercado de trabalho. A Economia Solidária, a partir dos anos 80, ganha expressão e visibilidade no Brasil expressando o agir coletivo e solidário, a organização e conscientização sobre o consumo responsável, fortalecendo relações entre campo/cidade e produtores/ consumidores. Portanto, garante trabalho digno e renda às famílias envolvidas, dinamizando economias locais, além de promover a preservação ambiental, iniciativas de projetos produtivos coletivos, cooperativas populares de serviços, de agricultura familiar e agroecologia, de coleta e reciclagem de materiais recicláveis, redes de produção, comercialização e consumo, instituições financeiras voltadas para empreendimentos populares solidários e autogestionários. 3.3.2.1 - Resultados da prática da Economia Popular Solidária em Minas Gerais O atual governo de Minas Gerais com a Política Estadual de Fomento à Economia Popular Solidária, instituída pela Lei Estadual nº 15.028/2004 e regulamentada pelo Decreto nº 44.898/2008, busca valorizar socialmente o trabalho humano, promovendo assim a proteção social para reduzir desigualdades e a inclusão socioprodutiva das pessoas por meio da ação integrada das políticas de Trabalho e Assistência Social. 568 Na Política Pública do Trabalho e Emprego a opção da Sedese foi estruturar duas unidades distintas: uma responsável pelo fortalecimento do atendimento ao trabalhador (gerenciamento das unidades do Sistema Nacional de EmpregoSINE, desenvolvimento de metodologias para identificar oportunidades de empregos no Estado, produção de dados do mercado de trabalho...) e outra que busca fortalecer o empreendedorismo e economia popular solidária incentivando, acompanhando, assessorando e financiando novos tipos de arranjos produtivos auto gestionários e solidários, a saber: agricultura familiar, cooperativas e pequenos produtores individuais, destacando ações para populações específicas: comunidades tradicionais e povos indígenas, ribeirinhos, catadores de materiais recicláveis, famílias em acampamentos e pré-assentamentos de reforma agrária dentre outros. Diante disso, é possível afirmar que a consolidação da Política de Economia Popular Solidária traz em seu escopo as seguintes ações:  Estruturação e Financiamento Solidário de Unidades Produtivas.  Assessoramento para autogestão e formação continuada para os empreendimentos e empreendedores;  Estruturação e Manutenção de Espaços para Comercialização dos Produtos.  Inclusão Socioprodutiva dos Públicos vulneráveis e em situação de pobreza rural;  Fortalecimento dos Conselhos de Trabalho e Economia Solidária. Essas ações tem um alcance social muito importante, na medida em que já alcançaram diretamente: 4.000 mil famílias nos acampamentos e préassentamentos da reforma agrária no Estado, 51 empreendimentos econômicos solidários de comunidades tradicionais com assessoria de gestão para negócios, formação continuada para comercialização e qualificação da produção. Investimentos em incubação de 12 empreendimentos quilombolas, apoio técnico e de equipamentos para os munícipios organizarem cooperativas dos catadores e catadoras de material reciclável, com implantação de coleta seletiva e organização de cooperativas solidárias por meio da criação dos fóruns municipais intitulados Lixo e Cidadania. Além de apoiar as finanças solidárias, com destinação financeira para a ação de estruturação de unidades produtivas que tem como meta para 2017 o apoio a 100 Empreendimentos de Economia Solidária, com a criação de 569 Fundos Rotativos Solidários, contribuindo para o crescimento da organização e a elevação da produção dos empreendimentos. Constituem-se, também, como importantes resultados das iniciativas estaduais da economia popular solidária a implementação e estruturação de espaços de comercialização, a exemplo de realização de feiras regionais e estadual e pontos fixos de comercialização (lojas e/ou feiras itinerantes). As Feiras de Economia Popular Solidária realizadas em 2016, com participação de 849 empreendimentos, de 126 municípios diferentes, atraíram um público em torno de 42 mil pessoas em visitação as Feiras Regionais realizadas pela SEDESE no interior mineiro. Por ocasião das feiras, a SEDESE entregou (11) onze kits, com 30 barracas cada um, possibilitando para a criação/manutenção de pontos fixos nos diferentes municípios do Estado, contribuindo para dar visibilidade à economia popular solidaria, bem como contribuir com o escoamento dos produtos locais. 3.3.2.2 - Cenário da Economia Solidária em Minas Gerais Segundo dados de Minas Gerais relativos ao ano 2016 no Cadastro Nacional da Economia Solidária – CADSOL –, há no Estado 1588 empreendimentos econômicos solidários e 13 Fóruns Regionais compostos por representação da sociedade civil. Atualmente em Minas Gerais existem 348 cooperativas, 7.940 empreendedores individuais e 414 produtores na agricultura familiar, todos trabalhando na lógica da Economia Popular Solidária. Figura 11 – Distribuição empreendimentos da economia popular solidária por área de atuação 570 Tabela 5 - distribuição empreendimentos da economia popular solidária por área de atuação Rede Total de Empreendimentos de Economia Solidária Agricultura Familiar 459 Alimentação 206 Artesanato 623 Catadores de Materiais Recicláveis 51 Confecção 63 Cosméticos 4 Bancos Solidários 1 Cultura 14 Serviços 79 Trocas 1 A construção e implementação de uma política pública que organize bases para uma economia solidária forte, exige ação integrada e diálogo permanente. O atual Governo estadual implementa os princípios da gestão descentralizada e participativa, realizando de forma continuada oficinas temáticas nos municípios para apoiar a criação e o pleno funcionamento dos Conselhos de Trabalho Emprego e Renda e de Economia Popular Solidaria. Em 2015, em articulação com o Fórum de economia solidária, foi elaborado pelos empreendedores solidários, gestores públicos e entidades de apoio e fomento, o Plano Estadual de Desenvolvimento da Economia Popular Solidária, que prevê ações nos seguintes eixos: 1 - conhecimento, educação, formação e assessoramento; 2 - Produção, comercialização e consumo sustentáveis; 3 - Financiamento, crédito e finanças solidárias; 4 - Ambiente institucional, legislação e integração de políticas públicas. 3.3.2.3 - O papel das mulheres na Economia Popular Solidária Um processo de organização coletiva como este, pode transformar o papel das mulheres na sociedade, contribuindo para a superação das diferenças de gênero, especialmente porque preconiza a democracia, a solidariedade, a cooperação e a igualdade de direitos entre seus membros no processo decisório. Propicia também às mulheres espaços para discussões e reinvindicações pela 571 criação de políticas públicas de gênero, contribuindo para mudanças sociais que lhes sejam favoráveis, incluindo acesso ao crédito e a outras políticas de emancipação financeira. Em Minas gerais, 57% dos empreendimentos de economia popular solidária são conduzidos por mulheres, o que as torna geradoras de renda e proprietárias de meios de produção, sendo também forma de enfrentamento e contraponto à exploração do capital. 3.3.3 – Sistema de Emprego: a busca ativa Atualmente o contexto do mercado de trabalho no nível nacional e estadual caracteriza-se por desaceleração, provocada pela redução do crescimento do Produto Interno Bruto – PIB – e recessão econômica, consequência de um processo global de redução da atividade econômica iniciado com a crise internacional de 2008. O alto índice de instabilidade política no âmbito nacional, agravado pelo cenário pós-impeachment de grande especulação em torno da aprovação das reformas trabalhista, previdenciária e tributária, é outro fator que incide fortemente nos índices de emprego e desemprego, estando diretamente associada ao grau de confiabilidade dos investidores e empresários em investir no crescimento do mercado econômico e consequentemente no mercado de trabalho. Mesmo nessa conjuntura, existem áreas específicas com potencial de geração de emprego de acordo com o contexto econômico e social local. Pensando nisso, foi criado o Projeto Busca Ativa, desenvolvido pelo Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria e Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) e da Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que visa ampliar a oferta de vagas de emprego nas unidades do Sistema Nacional de Emprego (SINE)/ Unidade de Atendimento Integrado (UAI). O objetivo do projeto é identificar as empresas com maior potencial de contratação e articular a disponibilidade dessas vagas na rede estadual do SINE. Essa busca é feita por meio do cruzamento de informações de diferentes bancos de dados, como o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e dados cadastrais das pessoas jurídicas contribuintes do ICMS em Minas Gerais. A análise dessas informações é fundamental para identificação dos nichos de emprego (setores econômicos em que mais se contrata). O projeto é apoiado pela Secretaria de Estado da Fazenda, responsável por repassar os dados cadastrais das pessoas jurídicas contribuintes do ICMS. A identificação dos nichos de emprego é facilitada por meio do processamento dos dados e formulação de boletins mensais, com relação de empresas, que são 572 repassados às regionais da Sedese e às 133 unidades do SINE’s/UAI’s distribuídas em 100 municípios do Estado de Minas Gerias. Tabela 5 - quantidade de municípios que possuem agência do SINE e do UAI no estado de Minas Gerais, por território de desenvolvimento. TERRITÓRIO SINE UAI Total Alto Jequitinhonha 3 0 3 Caparaó 1 1 2 Central 2 1 3 Mata 4 2 6 Médio e Baixo Jequitinhonha 2 1 3 Metropolitana 24 3 27 Mucuri 1 1 2 Noroeste 3 2 5 Norte 15 1 16 Oeste 15 1 16 Sudoeste 3 1 4 Sul 9 4 13 Triângulo Norte 6 1 7 Triângulo Sul 5 1 6 Vale do Aço 2 2 4 Vale do Rio Doce 1 1 2 Vertentes 4 2 6 100 25 125 MINAS GERAIS Esse boletim mensal repassado às unidades apresenta um breve panorama do mercado de trabalho, referente aos últimos três meses disponíveis. A partir do referido boletim, a Sedese aponta as oportunidades de trabalho existentes. Com o boletim em mãos, a unidade é encarregada de promover visitas aos empregadores do município e da região, a fim de potencializar a captação de vagas na unidade. Os empresários enxergam nessa ação uma oportunidade de fazer economia no processo de seleção de seus empregados, recebendo candidatos selecionados no cadastro com perfis pré-estabelecidos na ordem de três a cinco candidatos por vaga disponível. Utilizando o Busca Ativa, as unidades do SINE ou da UAI aumentam a proximidade com os empregadores e o banco de vagas de emprego. O SINE assume o importante papel de intermediador de mão de obra. Com isso, aumentam-se as oportunidades e as chances de obtenção de vagas para os trabalhadores. 573 É mais uma estratégia intersetorial – Desenvolvimento Social, Planejamento e Fazenda – que possibilita melhor entrega de serviço público à população. O busca ativa ganhou em dezembro de 2016 o Prêmio Inova do Governo do Estado de Minas Gerais, na categoria “Ideias Inovadoras Implementáveis”, sendo considerados o seu caráter inovador, intersetorial e os resultados apresentados. 3.3.4 – Educação Profissional Considerando o já aludido contexto de crises econômica e política instaladas no País, que ocasionaram redução expressiva de postos de trabalho em todo território nacional, e a suspensão do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Tecnológico (Pronatec) no ano de 2016, a Educação Profissional em Minas Gerais tem experimentado diversos desafios. O Pronatec foi responsável pelo maior volume de recursos no Estado de Minas Gerais para qualificação social e profissional, no período de 2012 – 2015 (Governo Dilma Roussef, na esfera Federal). A proteção social, conforme estabelecido no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI 2016-2027), torna-se uma estratégia prioritária para o atual Governo ao estabelecer diretrizes de integração entre as ações de assistência social e do trabalho em relação a públicos prioritários, como jovens de 15 a 29 anos em situação de vulnerabilidade nos centros urbanos; população trans; população rural em extrema pobreza; entre outros. Dessa forma, mesmo em um contexto desfavorável, vários esforços para ampliar as oportunidades de empregabilidade e geração de renda estão sendo realizados, como o uso de recursos próprios estaduais para a Qualificação Social e Profissional. Em consonância com as discussões no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Qualificação Social Profissional é definida como uma construção social que “permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas (PNQ, p.24, 2003)”. De acordo com Alaniz (2007), uma sociedade que se formasse por um tipo de sociabilidade mais democrática e igualitária, as relações de produção e o uso de tecnologia também seriam desenvolvidas de forma mais comunitária. Assim, o termo “qualificação social” não se refere apenas a cidadania por meio da inclusão produtiva, mas também a promoção de uma visão coletiva e de solidariedade no mundo de trabalho. Integrantes da Qualificação Social e Profissional, os cursos da modalidade de Formação Inicial Continuada (FIC), que possuem carga horária aproximada de 160 a 400 horas, sendo esta qualificação mais apropriada aos públicos 574 com menor elevação de escolaridade e em situação de vulnerabilidade, considerando serem adaptáveis a públicos específicos, como por exemplo, comunidade quilombola e indígenas. No ano de 2017 estão sendo executadas pela Sedese duas turmas do curso pioneiro de Organizador de Eventos, com total de 40 vagas exclusivas para a população transexual, conforme demanda realizada nas audiências dos Fóruns Regionais de Governo em 2015. Outras 1.620 vagas estão sendo ofertadas em mais de 26 municípios. Devido à crise fiscal, a Sedese tem adotado também iniciativas de baixo custo, realizadas por meio de parcerias institucionais e com agentes civis e públicos para capacitações estratégicas e metodológicas de funcionários dos Sine’s (Sistema Nacional de Emprego) e de Prefeituras, como o curso de Competências Profissionais e Sociais, que tem o objetivo de promover e fomentar qualificações, palestras e oficinas para o público prioritariamente jovem, em diversas regiões do Estado. Até o momento foram inscritos mais de 330 cidadãos e há meta estabelecida de qualificar mais de 1.000 pessoas em 2017. Dessa forma, o Estado por meio de articulação e ações inovadoras busca alternativas para a qualificação e capacitação dos cidadãos trabalhadores. Atualmente, Minas Gerais – por meio de um grupo intersetorial – objetiva desenvolver uma política estadual de educação profissional em rede. Inicialmente provocada pela Sedese, o grupo se fortaleceu com a participação da Secretaria de Ciências, Tecnologia e Ensino Superior e a Secretaria de Educação. No 1º Seminário de Educação Profissional e Tecnológica, realizado em 26 e 27 de outubro de 2016, voltado para gestores públicos, que reuniu mais de 12 secretarias estaduais e órgãos demandantes e ofertantes de qualificação profissional, tomou-se a decisão de criar uma rede estadual de educação profissional. Em 22 de junho de 2017, foi publicada a Resolução SEE N.° 3.435/17 que instituiu a Rede Estadual de Educação Profissional – REDE, coordenada pela Secretaria de Educação, configurando-se como marco legal e histórico para o desenvolvimento e fortalecimento de uma nova política estadual. 3.4 – Juventudes – Cooperação para Promoção da Autonomia Jovem Um dos maiores desafios para as políticas sociais no Brasil, hoje, são as voltadas para a juventude. Os aspectos peculiares dessa faixa etária exigem criatividade, escuta qualificada e partilha de decisões ainda maiores para responder às necessidade e anseios desse público. 575 A estratégia de governo proposta no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) para o período 2016-2028 estabelece como objetivo reduzir as desigualdades regionais, visando o desenvolvimento econômico e social sustentável. Nesta perspectiva, em consonância com as diretrizes do governo, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (SEDESE) definiu em seu planejamento estratégico 2015-2019, dentre outras, a seguinte prioridade: promover a inclusão social de jovens em situação de vulnerabilidade social em centros urbanos e reduzir sua vitimização. Conforme dados apurados no Censo 2010 do IBGE, a população jovem com idade de 15 a 29 anos constitui 27% da população total no Brasil. Esta porcentagem representa mais de 51 milhões de cidadãos. Em Minas Gerais, ainda segundo os dados do Censo 2010,os jovens de 15 a 29 anos representam 26,3% da população total do Estado, mais de 5 milhões em números absolutos. A taxa de homicídios para a faixa etária de 15 a 29 anos registrada em 12,49 em 1996, passou para 46,80 em 2015, conforme dados do Atlas da Violência. Nesse cenário, tornou-se necessária a elaboração de uma intervenção que considerasse a juventude como público prioritário, dado que: O drama da juventude perdida possui duas faces. De um lado a perda de vidas humanas e do outro lado a falta de oportunidades educacionais e laborais que condenam os jovens a uma vida de restrição material e de anomia social, que terminam por impulsionar a criminalidade violenta. (ATLAS DA VIOLêNCIA, p.28) Como resposta, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social de Minas Gerais propôs o Programa Juventudes em 2016, que visa contribuir para a emancipação, a autonomia e a inclusão social e produtiva de jovens em situação de vulnerabilidade e risco social residentes em municípios do Estado de Minas Gerais. Este programa tem como objetivos específicos: a) fomentar a cooperação intergovernamental e intersetorial visando favorecer a promoção dos direitos das/os jovens; b) aprimorar e ampliar a oferta de ações e serviços de promoção e proteção voltados para jovens; c) incentivar a participação social, política e cultural de jovens. Para a seleção dos territórios de atuação prioritária do Programa, a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social contou com a parceria da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SESP e, utilizando-se de um método de análise multivariada, foram identificados e delimitados os territórios vulneráveis onde ele atuaria em 2017. As variáveis que compuseram a análise foram selecionadas após extensas discussões entre a equipe da Sedese, SESP e Fundação João Pinheiro e os dados utilizados foram retirados do Censo 2010 576 do IBGE e do Armazém de Informações do Registro de Eventos de Defesa Social – REDS. Após a definição dos 9 primeiros territórios prioritários de intervenção, a metodologia de seleção das áreas foi absorvida pela equipe da Sedese e a Diretoria de Monitoramento e Avaliação de Programas Especiais passou a ser a unidade responsável pela realização do processo. Após a definição dos territórios prioritários, foi realizado um diagnóstico das regiões com foco na população jovem, de 15 a 29 anos, em situação de vulnerabilidade social. Neste diagnóstico, utilizando-se de dados secundários, a Fundação João Pinheiro compila os seguintes dados sobre os territórios de atuação do Juventudes: perfil sociodemográfico; perfil demográfico dos jovens cadastrados no Cadúnico; habitação e condições de moradia; educação; trabalho em renda; ocupação e vulnerabilidade; renda domiciliar per capita; saúde; mortalidade; morbidade; AIDS; gravidez na adolescência; deficiência; acesso e utilização dos serviços de saúde; comportamentos preventivos e de risco; exposição à violência; dinâmicas locais de violência e criminalidade; homicídios; violência contra a pessoa; violência sexual; proteção social; redes de serviços e equipamentos de utilidade pública. Para validação dos dados, a equipe da Diretoria de Programas para População de Vilas e Favelas, responsável pela execução do Programa Juventudes na Sedese juntamente com a equipe de pesquisadores da Fundação João Pinheiro envolvida na elaboração do diagnóstico convidou os representantes de serviços locais, lideranças locais, movimentos e coletivos jovens para comparecer a uma reunião onde os resultados de cada território foram apresentados e discutidos. Os elementos colhidos nestas reuniões foram somados à versão final dos diagnósticos para auxiliar no aperfeiçoamento do desenho do programa. Cabe destacar que a oitiva dos anseios e necessidades dos jovens constitui um dos princípios sob o qual o Programa Juventudes se desenvolve. Por meio da articulação da equipe da Sedese com as chamadas “redes locais”, compostas pelos representantes dos serviços locais, das lideranças locais, dos coletivos e lideranças jovens, o projeto foi apresentado para discussão ampla nos próprios territórios de atuação. Esse processo culminou em um amadurecimento do desenho da qualificação profissional e uma ação de entrevista aos empreendimentos locais para apreensão da vocação do território para alinhamento das ofertas de cursos de qualificação às necessidades percebidas no mercado. Ouvir os jovens e a população local para planejar, executar, monitorar e aperfeiçoar a política é o principal diferencial do Programa Juventudes, movimento que não só possibilita maior transparência, mas também enriquece sobremaneira, visto que a realidade e necessidade 577 locais não podem ser apreendidas apenas pela coleta de dados e indicadores, mas pela interação com os jovens, o próprio ambiente e o conhecimento das relações que ali se desenvolvem. Em função do grave cenário de crise financeira do Estado de Minas Gerais, a escala necessária à magnitude da intervenção restou comprometida. No entanto, a elaboração cuidadosa e a preocupação com a coleta de dados durante a elaboração e implementação do Programa buscam permitir a possibilidade de replicação e aperfeiçoamento do modelo não só em Minas Gerais como em outros locais. O Programa Juventudes está focalizado em jovens de 15 a 29 anos em situação de vulnerabilidade residentes em territórios intraurbanos. Esses territórios constituem vilas e favelas contíguas com taxas elevadas de homicídios, jovens que não estudam e não trabalham e exposição à pobreza. Na atuação nesses territórios, o Programa tem como diretriz o diálogo com as instituições ali existentes: CRAS, CREAS, Escolas, programas de prevenção, ONGs e lideranças locais, além dos órgãos municipais, secretarias municipais de assistência social e de trabalho e emprego, dentre outras. Como descrito anteriormente, o envolvimento dos jovens em todas as etapas do processo também é de fundamental importância, constituindo um dos princípios e diferencial do Programa. Na composição das redes, os jovens são representados por lideranças de movimentos e coletivos jovens, enquanto na realização dos cursos de qualificação profissional, são envolvidos os próprios jovens que participam dos cursos. Em 2017, o programa Juventudes atua em 10 territórios intraurbanos, distribuídos nos seguintes municípios: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves e Passos. Os territórios intraurbanos foram selecionados com base em dados de homicídios consumados para a faixa etária foco do programa, retirados do Armazém de Informações do Registro de Eventos de Defesa Social – REDS. Além disso, utilizando dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE, foram considerados o número de jovens expostos à violência, locais onde foram encontradas as maiores taxas de jovens em domicílios pobres e de jovens analfabetos. Para 2018, pretende-se expandir o Programa, atuando em 12 territórios de desenvolvimento em 15 municípios e 20 regiões intraurbanas. O Programa Juventudes é desenvolvido pela Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social em parceria principalmente com a Secretaria de Estado de Educação, contando também com a articulação com as prefeituras dos municípios atendidos e os diversos atores localizados nos territórios alvo da intervenção. A parceria com a SEE visa retorno dos jovens à escola e a oferta de uma retaguarda aos diretores, professores e comunidade escolar. 578 Atualmente, o Programa conta com dois projetos em execução: Projeto Trampos e Projeto Mosaicos. O Projeto Trampos - Promoção Inclusiva de Jovens tem como objetivo garantir o direito dos jovens à profissionalização, ao trabalho e à renda, a ser exercido em condições de liberdade e segurança. Os cursos de qualificação profissional ofertados pelo projeto priorizam a inscrição de jovens que não trabalham e não estudam, que estejam em cumprimento de medida socioeducativa, em situação de violação de direitos e dificuldade de adaptação na escola. O grande potencial deste projeto de qualificação profissional de jovens, reside na metodologia utilizada para a sua realização. Primeiro, para identificação dos jovens a serem qualificados, conta-se com os encaminhamentos das instituições existentes no local, as quais compõem uma rede em constante diálogo com a equipe responsável pela execução do projeto. As vagas restantes são disponibilizadas para livre inscrição, condicionadas apenas ao requisito de idade e residência no território. Essa estratégia visa atrair jovens que não estudam nem trabalham para a construção de possibilidades de retorno à escola e construção de projetos de vida. Em segundo lugar, buscase criar e ofertar aos jovens moradores das regiões priorizadas possibilidades de profissionalização e empreendedorismo em articulação com dimensões territoriais e sua condição juvenil, algo que se concretiza por meio de mapeamentos e diagnósticos efetuados por mobilizadores, selecionados por sua experiência de atuação nos territórios do Juventudes, em projetos sociais ou políticas públicas que tenham como público adolescentes e jovens, assim como oficinas de orientação profissional. As oficinas têm como objetivo guiar o processo de escolha dos jovens para o curso mais adaptado aos seus anseios e necessidades, respeitando um dos princípios do programa que consiste no estímulo ao protagonismo juvenil (ver Anexo I.12 - Verbete Protagonismo Juvenil no contexto do Programa Juventudes). Por fim, a definição de oferta de cursos se dá com base na escuta dos jovens, empreendedores e estabelecimentos locais, buscando captar possíveis vocações territoriais. Em 2017, 1220 jovens foram atendidos pelo Projeto Trampos, participando de oficinas de orientação profissional e empreendedorismo, assim como cursos de Confeitaria, Organização de Eventos, Assistente de Produção Cultural, Analista de Redes Sociais e Mídias Digitais, Desenvolvedor de Aplicativos para Dispositivos Móveis, Editor de Projeto Visual Gráfico, e Mecânico de Motocicleta, todos escolhidos para os jovens. Esse aspecto impactou em uma baixa evasão dos cursos de qualificação uma vez que os cursos atendem às expectativas dos jovens residentes nos territórios da região metropolitana de 579 Belo Horizonte, além da influência exercida pela qualidade do curso ofertado, traduzida no cuidado da equipe com a seleção do professor, a determinação do conteúdo como integração entre prática e teoria, elaboração de matérias e seleção de locais adequados, assim como escolha de uma metodologia de ensino que busca dar voz ao jovem, promovendo um espaço de troca de conhecimentos e exercício da criatividade dentro das temáticas ministradas. Os cursos de curta duração buscam atender à necessidade de qualificação célere para geração de renda aos jovens, havendo um momento prévio de capacitação dos professores e instituições de ensino envolvidos no projeto para promoção de um ambiente e metodologia de ensino compatíveis com os objetivos do programa e necessidades do público jovem e vulnerável que ele pretende alcançar. Em 2018, o projeto pretende continuar atendendo aos jovens residentes nos territórios intraurbanos selecionados nos municípios de Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves e Passos, mas também expandir para mais 10 regiões em 10 municípios, alcançando a meta de atendimento a mais de 7000 jovens. Cabe destacar que durante a realização dos cursos foram mapeados os jovens com intenção de empreender e os que desejavam colocação no mercado de trabalho. Isso foi feito com o propósito de permitir, em momento posterior, a promoção de estratégias de inclusão produtiva que respeitem a trajetória individual dos jovens. O Projeto Mosaicos – Promoção para Interlocução entre Estado e Juventudes, cuja etapa de planejamento realizou-se em 2017, pretende tornar os serviços sócio assistenciais mais acessíveis ao público jovem utilizando-se de uma modalidade de formação denominada “supervisão técnica” dos trabalhadores do SUAS inseridos nos territórios de vulnerabilidade selecionados pelo Programa Juventudes. Esse projeto busca aproximar o público jovem dos serviços sócio assistenciais, dada a percepção errônea – mas difundida – de que esses seriam exclusivamente dedicados ao atendimento de crianças e idosos, fato que constitui barreira ao acesso dos serviços citados por parte dessa parcela da população. Por meio da supervisão técnica serão desenvolvidos métodos e orientações replicáveis, para aprimorar a oferta desses serviços aos jovens nos territórios. Este processo de supervisão técnica focalizado em juventudes é uma experiência ainda inédita no contexto brasileiro e assim, em 2018, o Projeto Mosaicos inicia sua execução pretendendo alcançar os trabalhadores do SUAS inseridos em 13 regiões intraurbanas de 8 municípios do Programa Juventudes. As ações de formação e capacitação dos profissionais do SUAS serão realizadas utilizando-se de uma metodologia de alternância entre encontros de supervisão e oficinas temáticas, consistindo em 48 horas para cada região de atuação 580 do Projeto Mosaicos. Os encontros de supervisão têm o objetivo de estimular nos trabalhadores do SUAS reflexões acerca de seus processos cotidianos de trabalho, suas práticas e articulações com o território, dentre outras. Já as oficinas temáticas contarão com a supervisão de facilitadores residentes do território, assim como jovens da região, promovendo o contato dos trabalhadores e a participação ativa dos jovens em seu processo de formação. Além disso, estão previstos uma jornada específica para o tema Medidas Socioeducativas de Meio Aberto e um seminário, onde serão amplamente discutidos e compartilhados os resultados e conhecimentos produzidos ao longo de todo o processo. A duração prevista é de 6 meses, focada prioritariamente nos profissionais do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) que atendam ao público jovem vulnerável das regiões de abrangência do Programa Juventudes. 3.5 – Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo O Programa Novos Encontros – Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo, lançado no dia 29 de junho de 2016, é uma das prioridades do Governo de Minas, representado no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) do período de 2016-2027, por meio do objetivo estratégico de “Reduzir a pobreza rural”. Pretende-se alcançar esse objetivo ampliando e qualificando o acesso a serviços públicos, benefícios e transferência de renda; promovendo e fortalecendo a segurança alimentar e nutricional; fomentando oportunidades de geração de renda e de trabalho no meio rural; e melhorando a infraestrutura rural com foco na elevação das condições de vida e de produção. Utilizando-se do conceito de pobreza multidimensional (Ver Anexo I.11 – Verbete Pobreza Multidimensional), entende-se que esse fenômeno é caracterizado não só pela variável renda, mas por uma série de privações sociais e estruturais que afetam as condições de vida da população e está relacionada a diversos setores de políticas públicas, tais como a assistência social, a educação, a saúde, a infraestrutura, o trabalho e renda, o desenvolvimento agrário, entre outros. Dessa forma, entende-se que a atuação isolada dos órgãos limitados em suas respectivas atribuições não seria suficiente para a superação da pobreza, contribuindo para o quadro geral de persistência ao longo do tempo. 581 Sendo assim, a Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo busca promover o encontro (decorrendo disso o nome do Programa “Novos Encontros”) entre os órgãos e entidades governamentais que possuem ações voltadas para a população do campo para que essas venham a ser concertadas de forma a maximizar sua eficiência e focalização e oportunizando ganhos nas potenciais integrações. Este trabalho intersetorial materializa-se na composição de um Grupo Coordenador da Estratégia, cujos membros são representantes de 11 órgãos e 8 empresas e instituições de ensino e pesquisa do Estado de Minas Gerais. A instituição desse Grupo foi realizada por meio do Decreto de Numeração Especial Nº 339, de 29 de junho de 2016, e seu funcionamento é regulado por meio da Resolução Sedese Nº 30, de 18 de agosto de 2016. A coordenação da Estratégia é realizada pela Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – Sedese e, atualmente os seguintes órgãos e entidades a compõem, somando esforços, ações e projetos para atendimento às populações rurais dos territórios priorizados: Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA; Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional – SECIR; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – SEDA; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – SEDECTES; Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste – SEDINOR; Secretaria de Estado de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais – SEEDIF; Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania – SEDPAC; Secretaria de Estado de Educação – SEE; Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – SEPLAG; Secretaria de Estado de Saúde – SES; Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE; Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG; Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA; Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – EMATER; Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG; Fundação João Pinheiro – FJP; Serviço Voluntário de Assistência Social – SERVAS; Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG; Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Estratégias intersetoriais são fundamentais no enfrentamento de problemas crônicos e a resposta multifacetada, do conjunto das políticas públicas em um mesmo território, visa impactar no curto, médio e longo prazos a vida no campo. Constitui o público-alvo desta estratégia a população do campo em situação de pobreza e vulnerabilidade social no Estado de Minas Gerais, prioritariamente as comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, assentados e pré-assentados, dentre outras. 582 Figura 12 – Distribuição de comunidades tradicionais no território do Estado de Minas Gerais. Fonte: KOGA, 2016 Quanto à abrangência territorial, tendo em vista as profundas desigualdades regionais que caracterizam o Estado de Minas Gerais, os territórios de desenvolvimento Alto Jequitinhonha, Médio e Baixo Jequitinhonha, Mucuri, Norte e Vale do Rio Doce são as regiões prioritárias de atuação, uma vez que, em conjunto, apresentam percentual de população rural acima de 30%, o que corresponde aproximadamente ao dobro da média estadual – 14,7% – e da média nacional – 15,6% (Censo IBGE 2010), e concentram a maioria dos municípios do Estado com alta e muito alta vulnerabilidade social (acima de 0,400), de acordo com o índice de Vulnerabilidade Social (IVS) apurado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2015. Além disso, enquanto Minas Gerais concentra os 30 municípios do Sudeste onde a vulnerabilidade social é muito alta, 27 desses pertencem aos territórios selecionados pela Estratégia, os quais concentram 40,6% das famílias extremamente pobres inscritas no Cadúnico em Minas Gerais. Apesar de abrigar cerca de 17% da população total do Estado, esses territórios representam apenas 8% do PIB mineiro. 583 Figura 13 – Municípios de Minas Gerais distribuídos pela população estimada, por área territorial, por densidade demográfica. Fonte: KOGA, 2016 Para orientação das ações e melhor compreensão do contexto de atuação da Estratégia, foi contratada a realização de um Diagnóstico Multimendimensional da Pobreza no Campo, realizado pela Fundação João Pinheiro. O diagnóstico é composto de três produtos: um levantamento e análise das informações secundárias relativas à caracterização da população residente nos territórios priorizados pela Estratégia de Enfretamento da Pobreza no Campo, assim como um mapeamento das ações existentes de combate à pobreza; um levantamento das pesquisas qualitativas existentes sobre as temáticas “pobreza rural” e ações de enfrentamento da pobreza no campo e; finalmente, um relatório sobre as eventuais sobreposições existentes entre as políticas atuais de enfrentamento à pobreza no campo e as recomendações identificadas pelas pesquisas qualitativas contidas na literatura sobre o tema. O primeiro produto deste Diagnóstico mostrou-se de fundamental importância para guiar as discussões de objetivos para elaboração do Plano de Enfrentamento da Pobreza no Campo, mas acredita-se que a principal potencialidade está contida no terceiro produto, que contém indícios que orientarão o planejamento de ações de médio e longo prazo da Estratégia. 584 Além da implementação e coordenação das ações no território, o grupo coordenador teve a missão de elaborar o Plano de Enfrentamento da Pobreza no Campo, concluído no primeiro semestre de 2017, redigido por meio de um termo de parceria da SEDESE com a UEMG, envolvendo em seu processo de elaboração a participação ativa dos representantes dos 19 órgãos e entidades membros do Grupo Coordenador. Este documento foi submetido ao processo de consulta pública e, no segundo semestre de 2017, será enviado um projeto de lei à Assembleia de Minas Gerais, pretendendo transforma-lo em lei. O Projeto de Lei em questão visa assegurar a sustentabilidade da integração existente entre as secretarias e órgãos envolvidos na Estratégia, assim como a intersetorialidade das suas ações e projetos nos territórios prioritários para uma maior efetividade no alcance de resultados na temática de enfrentamento da pobreza no campo, constituindo verdadeira política de Estado. Como problema crônico e histórico, o fenômeno precisa de respostas também de médio e longo prazos, de alterações estruturais e de planejamento e orçamento perenes. Orientada por pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro e pela experiência acumulada até 2015, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com o Plano Brasil sem Miséria e os principais desafios postos ao enfrentamento da pobreza no campo, a Estratégia prioriza e organiza as diversas ações dos órgãos e entidades que a compõem, em 4 eixos: Acesso a Serviços, Benefícios e Transferência de Renda; Inclusão Produtiva; Infraestrutura e; Acesso à Terra. Os eixos mencionados têm por objetivo permitir uma atuação organizada da estratégia agindo de forma orientada sobre as diversas dimensões que condicionam a pobreza e sua persistência ao longo do tempo nos territórios priorizados. O eixo “Acesso a Serviços Públicos, Benefícios e Transferência de Renda” é composto dos seguintes sub-eixos: Assistência Social, Educação e Saúde. O eixo “Inclusão produtiva” tem como sub-eixos: Assistência Técnica e Extensão Rural, Segurança Alimentar e Nutricional, e Trabalho e Renda. Já o eixo “Infraestrutura” é composto pelos sub-eixos: Energia, Saneamento Básico e Transporte. Finalmente, o eixo “Acesso a terra” se compõe dos sub-eixos: Regularização Fundiária e Reconhecimento dos Direitos à Terra dos Povos e Comunidades Tradicionais. Além do esforço em desenvolver uma forma de trabalho intersetorial, a execução das ações do Programa de Enfrentamento da Pobreza no Campo tem como um de seus princípios orientadores a utilização do CadÚnico como base de dados prioritária para a definição das comunidades e/ ou indivíduos a serem atendidos. Por meio deste princípio busca-se reconhecer a importância do papel desempenhado pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como meio de reconhecer a população em situação de vulnerabilidade. Assim, busca-se priorizar aqueles indivíduos e comunidades mais necessitados da 585 intervenção das políticas públicas, utilizando uma base de dados reconhecida, que confere transparência aos critérios de escolha e focalização das ações, assim como reforça de forma agregada a política de assistência social e a melhoria da qualidade dos dados constantes do Cadúnico. Cabe destacar que se pretende a utilização deste mesmo cadastro para o monitoramento dos indicadores e avaliação dos resultados. Um dos aspectos mais ágeis da estratégia é a eletrificação rural conduzida pela Cemig. Ação contínua da empresa que, no âmbito da estratégia, prioriza os territórios apontados no diagnóstico como resposta integrada de governo21. Por fim, importante ressaltar a congruência da estratégia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas (ONU, 2017), permeados pelo tripé da sustentabilidade: o social, econômico e ambiental. Não há como pensar no desenvolvimento de uma sociedade ou de uma parcela dela, sem associar estes aspectos, num círculo virtuoso. E neste sentido, a estratégia foi elaborada em eixos que se inter-relacionam, alinhado com o conceito de sustentabilidade. 3.5.1 - Projeto Sementes Presentes No eixo de Inclusão Produtiva, nos “Novos Encontros”, destaca-se o Projeto Sementes Presentes, concebido no interior da Estratégia de Enfrentamento da Pobreza no Campo, alinhado à concepção de trabalho intersetorial entre órgãos e entidades. O projeto apresenta como premissa a inclusão da população em situação de vulnerabilidade social no processo produtivo, principalmente por meio de ações voltadas à segurança alimentar e ao fortalecimento da Agricultura Familiar, oportunizando a geração de renda. O público prioritário do projeto é selecionado por meio da base de dados do CadÚnico, dentre os cadastrados que auferem renda per capita mensal de até meio salário mínimo. Esse projeto visa permitir ao agricultor familiar aperfeiçoar as áreas de produção, por meio de assistência técnica e de recebimento de insumos (sementes e sistemas simplificados de água), melhorando as condições de vida da população do campo, marcadas pela insegurança alimentar e precarização do mundo do trabalho. Para garantir a assistência técnica e recebimento de insumos aos agricultores familiares, prioritariamente os que se encontrem em situação de insegurança alimentar, cooperam a Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, a Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária, a 21 PROGRAMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL – CAMPANHA CEMIG, disponível em: <http://www.cemig.com.br/eletrificacaorural/Paginas/default.aspx> 586 Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – Emater-MG e o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais - IDENE. Além de fortalecer a agricultura familiar, o Sementes Presentes irá permitir ao produtor rural acessar de forma efetiva o mercado institucional. Essa ação é articulada com as compras da alimentação escolar do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, organizadas por meio da atuação em conjunto com a Secretaria de Estado de Educação, Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão e parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. Esta parceria objetiva viabilizar a prestação de serviços de consultoria às escolas públicas para o planejamento e gestão das compras institucionais, como forma de possibilitar o acesso do pequeno agricultor ao mercado institucional. Por outro lado visa assessorar o produtor rural para produzir respondendo à demanda das escolas, responsáveis pela aquisição para a merenda escolar. Por fim, o fortalecimento à comercialização dos produtos da agricultura familiar também constitui outra frente de atuação, por meio do fomento às cooperativas agrícolas, realizado com o apoio da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais - Codemig.) responsável pela elaboração do plano de negócios em um dos territórios de desenvolvimento priorizados pela Estratégia. Assim o Sementes Presentes se estrutura em 3 Macro Ações: (i) Planejamento das compras institucionais; (ii) Organização das áreas de produção; e (iii) Fortalecimento e fomento às cooperativas agrícolas. O quadro abaixo contém a abrangência do Sementes Presentes quanto ao número de municípios e público prioritário, assim como o montante de recursos movimentados pelo mercado institucional na compra da alimentação escolar. Por meio do Projeto Sementes Presentes, busca-se garantir o desenvolvimento local permitindo que os recursos descritos abaixo sejam reinvestidos nos locais de origem, visto que ao comprar do agricultor familiar da região, esse tem possibilidade de consumir produtos e serviços em sua localidade, gerando o recolhimento de impostos, que retornam ao mesmo local, melhorando as estruturas e situação geral da população, em um círculo virtuoso promovido pelas compras institucionais. 587 Tabela 6 - Mercado Institucional e Superintendências Regionais de Ensino. Superintendências Regionais de Ensino Nº municípios Nº escolas estaduais Estimativa para pré seleção das famílias (41% sobre o nº absoluto - inscritos no Cadúnico ) Almenara 21 69 4943 1,7 milhões estaduais 2,7 milhões municipais Diamantina 22 121 7283 3 milhões estaduais 2,6 milhões municipais Governador Valadares 37 132 4965 3,9 milhões estaduais 6,3 milhões municipais Januária 18 134 12261 3,4 milhões estaduais 3,4 milhões municipais Montes Claros 30 168 13860 5,6 milhões estaduais 7,5 milhões municipais Teófilo Otoni 31 155 13227 4,8 milhões estaduais 4,5 milhões municipais Total 159 779 56539 50 milhões Mercado institucional (R$) Fonte: Elaboração SEDESE O público prioritário do Projeto Sementes Presentes é composto por: Gestores de ensino de escolas da rede estadual; Agricultores e produtores familiares inscritos no Cadúnico, com renda per capita até ½ salário mínimo, priorizando os assentados e comunidades tradicionais; e, Associações e cooperativas de agricultores familiares. Nos cinco territórios de desenvolvimento priorizados pelo Programa Novos Encontros, 159 municípios são atendidos em 2017 e as ações buscam, desde o planejamento até a sua execução e monitoramento, conforme o caráter próprio de intersetorialidade do projeto, o envolvimento direto dos seguintes órgãos e entidades:  Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão –SEPLAG;  Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE  Diretorias Regionais da SEDESE: Almenara, Diamantina, Governador Valadares, Januária, Montes Claros, Teófilo Otoni, Araçuaí, Salinas;  Fundação Caio Martins – FUCAM; 588  Secretaria de Estado de Saúde – SES  Gerências Regionais de Saúde: Diamantina, Governador Valadares, Januária, Montes Claros, Teófilo Otoni, Pedra Azul, Unaí;  Secretaria de Estado de Educação – SEE  Superintendências Regionais de Ensino: Almenara, Diamantina, Governador Valadares, Januária, Montes Claros e Teófilo Otoni;  Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário –SEDA;  Secretaria de Estado do Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais – SEEDIF  Colegiados Executivos dos Fóruns Regionais;  Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA;  Empresa Mineira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER  Unidades Regionais: Almenara, Diamantina, Governador Valadares, Januária,  Montes Claros e Teófilo Otoni, Capelinha, Guanhães, Janaúba, Salinas, São Francisco;  Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA;  Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais– EPAMIG;  Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – Codemig;  Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais – SEDINOR;  Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais – IDENE.  Além disso, o Projeto conta com a parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae-MG e a integração, nos municípios priorizados, com os seguintes órgãos:  Secretarias municipais de Educação;  Secretarias municipais de Assistência Social; e  Secretarias municipais de Agricultura. Na Macro ação 1, de Organização do Mercado Institucional, o projeto abrange o planejamento das compras do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) em 750 escolas da rede estadual, em 159 municípios aglutinados em 06 Superintendências Regionais de Ensino (Almenara, Diamantina, Januária, Montes Claros, Governador Valadares e Teófilo Otoni), por meio de consultoria 589 realizada pelo Sebrae, durante 12 meses, com duração de 188 horas. Também é prevista a adequação do cardápio da alimentação escolar considerando a produção local e sazonalidade, realização de editais unificados e cronogramas de entregas, facilitando o atendimento e planejamento de acesso ao mercado pelos agricultores familiares. Além disso, será implantado o Projeto Quintais Produtivos, destinado a 100 escolas do campo, visando à promoção da educação alimentar. Na Macro ação 2, de Organização das áreas de Produção - Organização da Oferta -, pretende-se mobilizar e inserir cerca de 43.500 agricultores inscritos no Cadúnico, possuindo renda per capita de até meio salário mínimo, priorizando assentados e comunidades tradicionais, com recebimento de sementes. Serão implantados 454 kits de irrigação de água para pequenas plantações, sendo em torno de 300 na abrangência da Superintendência Regional de Ensino de Governador Valadares – território Vale do Rio Doce e 800 ligações em domicílios atendidos por sistema simplificado de água para consumo humano, priorizando as comunidades tradicionais e assentados, na abrangência das demais SRE. Será proporcionada assistência técnica aos agricultores selecionados além de capacitação para adequação da produção às normas da vigilância sanitária. Ademais, foram realizados 6 Circuitos Alimentação, eventos que promoveram o diálogo entre agricultores e gestores de ensino. Nessa Macro ação, também está prevista a implantação de unidades de produção de sementes crioulas. As unidades de produção de sementes crioulas têm por objetivo promover o resgate, preservação, multiplicação, estoque e distribuição de sementes crioulas e varietais, por meio da estruturação de bancos comunitários de sementes e da mobilização e capacitação de agricultores familiares. Por fim, na Macro ação 3, de Fomento e fortalecimento das cooperativas da agricultura familiar busca-se a realização de um projeto piloto de fomento à cadeia produtiva do PNAE. O diálogo com os movimentos sociais tem sido uma tônica no processo de formulação do Plano. A interlocução com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em especial para discussão do Projeto Sementes Presentes - do Eixo Inclusão Produtiva da Estratégia -, oportuniza aos gestores conhecer melhor a realidade, as demandas e necessidades desses grupos populacionais, e adequar o Plano para que tenha aderência aos diferentes contextos regionais. Foi também estabelecido diálogo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG) e vários Conselhos, instâncias de controle social das políticas setoriais e do campo. 590 Sendo assim, o Projeto Sementes Presentes é articulador do trabalho intersetorial necessário para garantir a efetividade das ações do Estado no enfrentamento da pobreza no campo, no eixo de inclusão produtiva. A partir dele, busca-se o aperfeiçoamento do modelo, tornando possíveis mais ações e projetos que carreguem em sua concepção os princípios norteadores da Estratégia Novos Encontros. ANEXOS VERBETE - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é o modelo de gestão utilizado no Brasil para operacionalizar as ações de assistência social. A assistência social é parte do Sistema de Seguridade Social, estabelecido pela Constituição Federal de 1988. O SUAS está previsto e regulamentado na lei federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), alterada pela Lei 12.435, em 6 de julho de 2011. Tem como eixos estruturantes a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social; a descentralização político-administrativa e comando único das ações em cada esfera de governo; o financiamento partilhado entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a matricialidade sociofamiliar; a territorialização; o fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil e; o controle social e a participação popular. O SUAS deve garantir ao cidadão a Segurança de Acolhida, provida por meio da oferta pública de espaços e serviços de permanência de indivíduos e famílias sob curta, média e longa permanência. Segurança de renda, operada por meio da concessão de auxílios financeiros e da concessão de benefícios continuados, nos termos da lei, para cidadãos não incluídos no sistema contributivo de proteção social, que apresentem vulnerabilidades decorrentes do ciclo de vida e ou incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Segurança de Convívio ou Vivência Familiar, comunitária e social, que exige a oferta pública de rede continuada de serviços que garantam oportunidades e ação profissional para a construção, restauração e o fortalecimento de laços de pertencimento, de natureza geracional, intergeracional, familiar, de vizinhança e interesses comuns e societários; o exercício capacitador e qualificador de vínculos sociais e de projetos pessoais e sociais de vida em sociedade. O Desenvolvimento de Autonomia, que exige ações profissionais e sociais para o desenvolvimento de capacidades e habilidades para o exercício do protagonismo, da cidadania; a conquista de melhores graus de liberdade, respeito à dignidade humana, 591 protagonismo e certeza de proteção social para o cidadão e a cidadã, a família e a sociedade; conquista de maior grau de independência pessoal e qualidade, nos laços sociais, para os cidadãos e as cidadãs sob contingências e vicissitudes. O Apoio e Auxílio quando sob riscos circunstanciais, exige a oferta de auxílios em bens materiais e em pecúnia, em caráter transitório, denominados de benefícios eventuais para as famílias, seus membros e indivíduos. O SUAS organiza suas ofertas em dois níveis de proteção, divididos em proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. A proteção social básica tem por objetivo prevenir a violação dos direitos e sua porta de entrada são Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Localizando-se nas áreas de maior vulnerabilidade previamente identificadas por estudos específicos como de maior risco social, os CRAS constituem-se como uma unidade estatal permanente de prestação de serviços definidos para a população residente na sua área de abrangência. São ainda serviços da Proteção Social Básica, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, destinado a crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, e, o Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoa com deficiência e idosos. A Proteção Especial atua quando os direitos já foram violados, tem como unidades assistenciais de referência os Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), na média complexidade, que configura-se como uma unidade pública e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, etc.) e, na alta complexidade, as unidades de acolhimento: abrigo institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem, Residência inclusiva, República e, Família Acolhedora. São ainda serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade os Serviços de Abordagem Social, Serviços de Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e, os serviços de Proteção Social especial para Pessoas com Deficiência, Idosos e suas Famílias. Referências Bibliográficas: BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõem sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Congresso Nacional, 1993 e alterações. BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009. 592 VERBETE - TERRITORIALIDADE Compreende-se o território não só a partir de características naturais, mas, acima de tudo, levando-se em conta suas dimensões culturais, econômicas e políticas. É ocupado por diferentes atores que fazem dele os usos mais variados, estabelecendo relações as mais diversas. (CONTEL, 2015; RIBEIRO, 2015). Os territórios se diferem, então, em razão das suas trajetórias históricas e das dinâmicas que neles ocorrem e por eles são determinadas. A territorialidade é a dimensão relacional que o território implica, a partir de seu uso, como nos ensina o geógrafo Milton Santos. O território pode assumir as mais variadas dimensões, fazendo com que a territorialidade passe a ser abordada como um processo que segue a lógica do reconhecimento do espaço para a intervenção (DUARTE et al, 2005). Sob essa perspectiva, a região é compreendida como um território que pode fazer referência a diferentes extensões e escalas e que é tanto um “todo” como uma “parte” (GUIMARÃES, 2005). Uma região é identificada pelas suas dimensões naturais, culturais, históricas, econômicas e políticas, por aspectos materiais e imateriais que dão coesão e sistematicidade a ela e que geram relações de poder e práticas sociais próprias, que as caracterizam. Numa região, diversas conexões são estabelecidas entre atores e instituições que interagem e que se identificam numa dinâmica regional, mas que também estabelecem relações com atores e instituições que compõem outros espaços (CONTEL, 2015). Referências Bibliográficas: GUIMARÃES, Raul Borges. Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.21, n.4, p. 1017-1025, 2005. CONTEL, Fábio Bertioli. Os conceitos de região de regionalização: aspectos de sua evolução e possíveis usos para a regionalização da saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.447-460, 2015. Disponível em: https://www. revistas.usp.br/sausoc/article/viewFile/104819/103602 RIBEIRO, Patrícia T. Perspectiva territorial, regionalização e redes: uma abordagem à política de saúde da República Federativa do Brasil. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.403-412, 2015. 593 VERBETE - CREAS / CREAS REGIONAL Com definição pela Lei Orgânica de Assistência Social (Lei 8.742/1993) e regulamentação de serviços pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução CNAS nº 109/2009), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS é a unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial, por exemplo: Famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos por ocorrência de violência física, psicológica e negligência; violência sexual: abuso e/ou exploração sexual; afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou medida de proteção; tráfico de pessoas; situação de rua e mendicância; abandono; vivência de trabalho infantil; discriminação em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia; outras formas de violação de direitos decorrentes de discriminações/submissões a situações que provocam danos e agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem estar; descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em decorrência de violação de direitos; e adolescentes de 12 a 18 anos incompletos, ou jovens de 18 a 21 anos, em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade, aplicada pela Justiça da Infância e da Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente e suas famílias. Na configuração regional, além da oferta de serviços, o equipamento funciona como lócus de referência de proteção social especial em todo o território que estiver implantado. Essa estratégia é especialmente importante para os municípios de até 20 mil habitantes (Pequeno Porte I), que não possuem unidades de CREAS e que os custos e a demanda local não justifiquem a implantação de equipamentos/serviços municipais. Referências Bibliográficas: BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009. 594 VERBETE - CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS) Trata-se de unidade pública estatal descentralizada da Política de Assistência Social, responsável pela organização e oferta dos serviços da proteção social básica do SUAS nas áreas de vulnerabilidade e risco social dos municípios e DF. Dada sua capilaridade nos territórios, se caracteriza como a principal porta de entrada do SUAS, ou seja, é uma unidade que possibilita o acesso de um grande número de famílias à rede de proteção social de assistência social (BRASíLIA, 2009). Além da oferta dos serviços, o CRAS é responsável pela gestão da PSB nos territórios, por meio do adequado conhecimento de sua área de abrangência e da articulação com unidades da rede socioassistencial. Referências Bibliográficas: BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009. VERBETE - FAMÍLIA ACOLHEDORA O serviço de acolhimento em família acolhedora organiza o acolhimento, em residências de famílias previamente cadastradas, de crianças e adolescentes afastados do convívio de suas famílias por meio de medida protetiva, em decorrência de abandono ou cujas famílias encontrem-se temporariamente impossibilitadas de cumprir sua função de cuidado e proteção. É uma modalidade de acolhimento que integra os serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade (Brasil, 2009) e visa à reconstrução e ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários de crianças e adolescentes que, devido à vivência de situações de violação de direitos, tiveram seus laços familiares enfraquecidos ou até mesmo rompidos. A execução do serviço pode ocorrer no âmbito municipal ou por meio da gestão estadual. Em Minas Gerais, o Serviço Estadual de Acolhimento em Família Acolhedora se dará de forma regionalizada, ou seja, em um conjunto de municípios que compõem uma determinada área de abrangência. Seu aspecto regionalizado será constituído pelo papel da equipe de profissionais que deverá circular por cada município abrangido. O acolhimento propriamente dito, realizado pela família acolhedora, será realizado no próprio município de origem da criança ou adolescente, garantindo assim o direito à convivência familiar e comunitária. Essa estratégia 595 é especialmente importante para os municípios de Pequeno Porte I e Pequeno Porte II, que não possuem serviços de acolhimento para crianças e adolescentes e os custos e a baixa demanda local não justifiquem a implantação de serviço municipal. Referências Bibliográficas: BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009. VERBETE - REGIONALIZAçÃO A regionalização é uma estratégia prevista no SUAS para atendimento a um conjunto de municípios de pequeno porte (população inferior a 50 mil habitantes), previamente identificados, que não possuem oferta municipal de serviços de proteção social especial e que os custos e a demanda local não justifiquem a implantação de serviços locais, embora os territórios contemplem situações de vulnerabilidade e risco social. Nesse caso, a responsabilidade pela oferta é do ente estadual, que pode executar os serviços de forma direta, indireta (aqueles que a legislação permitir parcerizar) ou em regime de cooperação com os municípios. Em todas essas situações, cabe ao Estado a organização dos serviços, contando sempre com o apoio dos municípios e dos demais parceiros do Sistema de Garantia de Direitos. Os critérios de identificação dos municípios devem ser previamente pactuados e deliberados nas instâncias do SUAS. Referências Bibliográficas: CONTEL, Fábio Bertioli. Os conceitos de região de regionalização: aspectos de sua evolução e possíveis usos para a regionalização da saúde. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.447-460, 2015. Disponível em: https://www. revistas.usp.br/sausoc/article/viewFile/104819/103602 MINAS GERAIS, Plano Estadual de Regionalização dos Serviços de Proteção Social Especial de Media e Alta Complexidade, Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDESE, Belo Horizonte, 2015. RIBEIRO, Patrícia T. Perspectiva territorial, regionalização e redes: uma abordagem à política de saúde da República Federativa do Brasil. Saúde e Sociedade. São Paulo, v.24, n.2, p.403-412, 2015. 596 VERBETE - POBREZA MULTIDIMENSIONAL O Plano de Enfrentamento da Pobreza no Campo (2017, p.21) aborda a pobreza como construção social histórica e como um fenômeno multidimensional para o qual concorrem diferentes aspectos conjunturais e, por isso mesmo, oferece dificuldades para a definição de indicadores que contemplem, sem perdas, sua complexidade. Tal fenômeno revela-se principalmente por meio da situação de vulnerabilidade enfrentada pelas pessoas e grupos sociais. Neste caso, vulnerabilidade é compreendida como a dimensão que incorpora aspectos materiais e não materiais; objetivos e subjetivos dos quais cumpre destacar: o atendimento aos direitos de proteção social, a renda, a oferta de condições para que as pessoas possam exercitar sua cidadania e serem incluídas socialmente e as condições ambientais que a cercam. Sendo assim, a pobreza no campo é um desafio também multidimensional relacionado a diversos setores de políticas públicas, tais como assistência social, educação, saúde, infraestrutura, trabalho e renda, desenvolvimento agrário, entre outros; e produz efeitos sobre várias dimensões relacionadas às condições de vida das famílias afetadas por este problema. Referências Bibliográficas: MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social. Diretoria de Programas para Populações de Vilas e Favelas. Folder Juventudes. Belo Horizonte: SEDESE, 2017. Disponível em: <http://social.mg.gov.br/sobre/ subsecretarias/projetos-especiais>. Acesso em: 17 ago. 2017. MINAS GERAIS. Plano de Enfretamento da Pobreza no Campo. Belo Horizonte: SEDESE, 2017. VERBETE - O PROTAGONISMO JUVENIL NO CONTEXTO DO PROGRAMA JUVENTUDES Assumindo as/os jovens como sujeitos de direitos, que devem ser respeitados torna-se responsabilidade do Estado garantir a vigência desses direitos. Não obstante, o protagonismo juvenil está baseado no reconhecimento das/dos próprios jovens como cidadãos que devem ser respeitados e também na atuação estratégica no que diz respeito ao desenvolvimento. 597 Considerando a rede de instituições parceiras na formação da juventude – escolas, associações, igrejas e demais grupos comunitários –, o protagonismo juvenil envolve, não somente questões da comunidade, como também das diversas esferas da sociedade como um todo, buscando ações resolutivas que contribuam para a eficácia das ações tanto na própria vida da/do jovem, quanto no que diz respeito aos assuntos que extrapolam os interesses individuais. VERBETE – PARTICIPAçÃO E CONTROLE SOCIAL Uma das dimensões que se incorporam aos eixos de desenvolvimento do Estado estabelecidos no PMDI 2016-2027 é a participação. É foco importante do Governo a implementação de estratégias que fortaleçam e criem espaços de participação popular, como os Fóruns Regionais. Os conselhos estaduais, como o de Assistência Social (CEAS), o de Trabalho, Emprego e Renda (CETER) e o de Economia Popular Solidária (CEEPS) são também importantes instâncias de participação e de controle social. Como forma de promover a participação e controle social, a Sedese e o CEAS estão realizando, a partir do início de agosto de 2017, vinte e uma Conferências Regionais de Assistência Social. O principal objetivo é deliberar sobre a instituição e viabilização das Uniões Regionais dos Conselhos Municipais de Assistência Social – URCMAS e das instâncias participativas regionais dos trabalhadores e dos usuários. Em cada conferência regional ocorre também a abertura do Curso do Programa Capacita Suas “Introdução ao Exercício do Controle Social do Suas”, curso que aborda as possibilidades e o fortalecimento do controle social nas instâncias participativas no contexto sociopolítico e territorial do Estado de Minas Gerais. 598 VERBETE - INTERSETORIALIDADE Historicamente, um desafio para todas as áreas e níveis de gestão, o trabalho intersetorial tem se mostrado cada vez mais importante para o resultado final das entregas das políticas públicas. Ao adotar o critério de território para a abordagem uma integração maior é possível uma vez que a unidade definida de trabalho para todas as políticas sociais é a mesma. Ao entregar, num mesmo território, os serviços específicos de cada setor – universais ou não – o impacto já é maior. Além desse aspecto esforços de trabalho intersetorial a partir de territórios para o enfrentamento de um tema comum, avaliado a partir de suas especificidades colabora na qualidade da entrega. O território de desenvolvimento é exemplo do primeiro. O novos encontros, exemplo do segundo. 599 REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS: AMARAL, P.; LEMOS, M.; CHEIN, F. Desenvolvimento Desigual Em Minas Gerais. Anais do XII Seminário sobre a Economia Mineira. Diamantina: UFMG, 2006. RESENDE, G. M. BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõem sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Congresso Nacional, 1993 e alterações. BRASIL. Resolução Conselho Nacional de Assistência Social nº 109 de 11 nov. 2009. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais Diário Oficial da União. Brasília, 2009. BRONZO, Carla L. C. Programas de proteção social e superação da pobreza: concepções e estratégias de intervenção. 2005. 334 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Sociologia e Política) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005. BRONZO, Carla L. C. Vulnerabilidade, empoderamento e metodologias centradas na família: conexões e uma experiência para reflexão. Disponível em: http://www.gestaodeconcursos.com.br/site/cache/056ef1ec-cbe3-45c7952f-a6352747775c/metodologia_familia_Carla_Bronzo_25_08_09.pdf . Acesso em: 01/11/2013. FJP – Fundação João Pinheiro/ IBGE – Tabela, Renda Per Capita Mensal, Municípios de Minas Gerais de 2000 a 2010 - Belo Horizonte, MG – 2011. BARROS, CARVALHO e FRANCO, IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto para discussão no. 986 – Brasília, DF – 2003. ROCHA, L.E.V. et.al. – índice de Desenvolvimento da Família (IDF): Uma análise paras as microrregiões e grupos demográficos do Estado de Minas Gerais – CEDEPLA/UFMG, Belo Horizonte, MG – 2006. IBGE. Censo Demográfico 2010. 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