Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.679.465 - SP (2016/0204216-5)
RELATORA
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE
: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADOS
: EDUARDO MENDONÇA E OUTRO(S) - RJ130532
MARIANA CUNHA E MELO E OUTRO(S) - RJ179876
RECORRIDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por GOOGLE BRASIL
INTERNET LTDA., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional contra acórdão do TJ/SP.
Ação: de obrigação de fazer, com pedido liminar, ajuizada pelo
MP/SP, em defesa de adolescente, cujo cartão de memória do telefone celular foi
furtado por colega de escola, o que ocasionou a divulgação de conteúdo íntimo de
caráter sexual, um vídeo caseiro feito pela jovem que estava armazenado em seu
telefone.
Mencionado
conteúdo
foi
divulgado
na
internet
(URL
http://motherless.com/AAC3FDE) e podia ser localizado por meio da aplicação de
buscas da recorrente. Na inicial, requereu a concessão de tutela antecipada para
obrigar o site Motherless Inc. e a recorrente a cessar imediatamente a exibição do
vídeo, a qual foi concedida pelo Juízo de 1º grau de jurisdição, sob pena de multa
diária de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Decisão: o MP/SP alegou que o GOOGLE estaria descumprindo
ordem judicial, afirmando que o conteúdo infringente ainda estaria acessível por
meio de seu sistema de buscas. À fl. 350 (e-STJ), o Juízo de 1º grau deferiu nova
ordem para que a recorrente “no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária no
importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e também sob pena de responder pelo
crime de desobediência, retire de seu sistema de buscas, ou impeça, qualquer
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resultado que divulgue o vídeo constante nesta demanda”.
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto
pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO DE FAZER - Ação proposta
pelo Ministério Público para cessar a exibição de vídeo com conteúdo
pornográfico que tem por protagonista uma adolescente que teve o cartão de
memória do celular, local do armazenamento, furtado. Pedido formulado contra o
site hospedeiro e o provedor de pesquisa Google, que se insurge contra decisão
que reiterou determinação contida na liminar concedida em razão da alegação de
descumprimento, majorando as astreintes e fazendo ressalva quanto ao incurso no
crime de desobediência. Reforma. Descabimento. Resistência que não se
justifica. Decisão que visa preservar direito fundamental. Havendo notícia ou
denúncia de conteúdo ilícito, ofensivo, enfim, causador ou que possa causar dano
a alguém, acompanhado de pedido de retirada do conteúdo ou cessação da
disseminação por meio de provedores de busca, verdadeiros meios de
propagação, não há de se medir esforços para o alcance deste objetivo. Suposta
impossibilidade técnica que demanda análise aprofundada igualmente técnica,
tendo-se, porém, notícia da existência de recursos para tanto, não se podendo
esbarrar apenas na questão do custo. De se ponderar os direitos e os danos
envolvidos. Multa que poderá ser revista e afastada, assim como eventual incurso
em crime de desobediência. - AGRAVO DESPROVIDO (e-STJ fl. 397).
Embargos de Declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados
(e-STJ fl. 419-422).
Recurso especial: alega violação do art. 19, §1º, da Lei 12.965/2014
(Marco Civil da Internet), alegando que a ordem judicial de remoção do vídeo
não traz em seu bojo a identificação clara e específica do conteúdo apontado
como infringente ou tampouco permite a localização inequívoca do material.
Sustenta, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial, afirmando que o
entendimento do TJ/SP não está de acordo com os julgados deste Superior
Tribunal de Justiça.
Relatados os autos, decide-se.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.679.465 - SP (2016/0204216-5)
RELATORA
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE
: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADOS
: EDUARDO MENDONÇA E OUTRO(S) - RJ130532
MARIANA CUNHA E MELO E OUTRO(S) - RJ179876
RECORRIDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O propósito recursal é determinar se houve: (i) violação ao art. 19 do
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014); e (ii) dissídio jurisprudencial com o
entendimento deste Superior Tribunal de Justiça com relação à responsabilidade
de provedores de aplicação de busca na Internet.
I - Da hipótese em julgamento
Neste momento, faz-se necessário rememorar alguns aspectos
importantes do que constam nos autos para o correto deslinde do julgamento.
Como relatado anteriormente, o MP/SP ajuizou ação de obrigação de fazer, em
defesa de adolescente, cujo cartão de memória do telefone celular foi furtado por
colega de escola, o que ocasionou a divulgação de conteúdo íntimo de caráter
sexual, um vídeo feito pela jovem que estava armazenado em seu telefone.
Na inicial e na decisão que antecipou os efeitos da tutela, consta que
o mencionado conteúdo foi divulgado na internet com um primeiro localizador
URL. Contudo, conforme fls. 318-322 (e-STJ), o parquet paulista solicita a
majoração da multa diária, pois o conteúdo ilegal ainda estaria disponível na
internet, mas agora sob outro localizador URL.
Apesar do cumprimento da antecipação da tutela por parte da
recorrente, que retirou dos resultados de busca o primeiro localizador URL
mencionado acima, percebe-se que o mesmo conteúdo foi republicado na internet
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sob um localizador URL diferente, o que foi entendido como não cumprimento
da ordem judicial pelo parquet paulista. Dessa maneira, o Juízo de 1º grau
determinou que a recorrente excluísse o conteúdo dos resultados de busca, sem
qualquer menção ao localizador do vídeo.
Ressalte-se, ainda, que o site onde o conteúdo está armazenado é
mantido por empresa (Motherless, Inc.), cuja sede está na cidade de Deerfield
Beach, Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América, sendo que houve
expedição de carta rogatória (e-STJ fl. 51). Portanto, presume-se a longa demora
no recebimento da ordem judicial e em seu cumprimento.
II – Da admissibilidade do recurso especial
Antes de abordar o propósito recursal, ressalte-se que o recurso em
julgamento abrange apenas a tutela de urgência concedida em 1º grau de
jurisdição, e não o mérito da ação ajuizada pelo MP/SP.
Não se desconhece a posição das Terceira e Quarta Turmas do STJ
quanto à restrição de admissibilidade de recursos especiais interpostos contra
decisões que antecipam tutela, como os julgamentos abaixo o AgInt no REsp
1179223/RJ (Quarta Turma, j. 09/03/2017, DJe 15/03/2017) e AgRg no AREsp
796.016/MG (Terceira Turma, j. 04/02/2016, DJe 15/02/2016).
No entanto, os precedentes desta Corte Superior têm afirmado a
viabilidade de recurso especial contra decisões não definitivas, desde que não se
trate de reexame do seu contexto fático, mas da interpretação da abrangência de
certa norma legal, a viabilizar a aplicação do instituto da tutela antecipada (AgReg
no RESP 1.052.435-RS, DJe 05.11.08), bem por isso, não refoge por completo à
cognição desse recurso o controle da legitimidade das decisões que deferem ou
indeferem medidas liminares (REsp. 696.858-CE, DJ 01.08.06). Ainda nesse
sentido, mencione-se o julgamento do REsp 1125661/DF (Primeira Turma,
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julgado em 27/03/2012, DJe 16/04/2012).
III – Da alegada violação ao art. 19 da Lei 12.965/2014
As discussões acerca da responsabilidade civil dos provedores de
aplicações apresentam uma complexidade elevada, pois em regra não se está a
discutir uma ofensa diretamente causada pelo provedor, mas sim por terceiros
usuários das funcionalidades por ele fornecidas. A dificuldade é ainda mais
elevada quando os provedores não exercem nenhum controle prévio sobre aquilo
que fica disponível on-line, o que afasta a responsabilidade editorial sobre as
informações. Nesse sentido, veja-se o julgamento do REsp 1.403.749/GO
(Terceira Turma, julgado em 22/10/2013, DJe 25/03/2014). Outra dificuldade
adicional é o fato de não haver legislação específica sobre o assunto na data da
ocorrência dos fatos, pois o Marco Civil da Internet foi publicado apenas em
23/04/2014, tornando-se vigente apenas sessenta dias depois, por força de seu
art. 32.
Na hipótese dos autos, assim, como o Marco Civil da Internet não se
encontrava em vigor, não há que se falar em violação a seus dispositivos, tão
pouco em prequestionamento da prescrição legal pelo Tribunal de origem.
Sobre esse tópico, cumpre mencionar trecho do acórdão recorrido
relevante para o desfecho desta questão:
Na hipótese, a Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet, sequer havia sido
sancionada à época da interposição do recurso e, por conseguinte, não foi
ventilada na petição de interposição do recurso ou em quaisquer das
manifestações posteriores.
Não se verifica, pois, o alegado vício no acórdão, o qual se postula porquanto à
época do pronunciamento da Turma Julgadora a novel legislação já estava em
vigor. (e-STJ fl. 421)
Aplica-se, assim, o disposto na Súmula 211/STJ, em razão de o
mencionado dispositivo legal não ter sido apreciado pelo TJ/SP.
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IV – Dos provedores de busca na jurisprudência do STJ
Neste ponto, é necessário fazer uma rápida menção ao tratamento
conferido pelos provedores de busca na internet na jurisprudência do STJ, com
especial ênfase no REsp 1.316.921/RJ (Terceira Turma, julgado em 26/06/2012,
DJe 29/06/2012) e na legislação em vigor.
Os provedores de busca na Internet disponibilizam ferramentas que,
por meio de algoritmos e de indexação, auxiliam o usuário a encontrar websites
ou outros recursos, de acordo com os argumentos de pesquisa inseridos no
serviço de busca. Novamente, como julgou esta Corte:
Essa provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de
conteúdo, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra
forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se
limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de
busca fornecidos pelo próprio usuário. (REsp 1.316.921/RJ, Terceira Turma, julgado
em 26/06/2012, DJe 29/06/2012)
Ademais, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido que a
filtragem de conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não é uma atividade
intrínseca ao serviço prestado, afastando-se a aplicação do art. 14 do CDC.
Além disso, os resultados apresentados pelos buscadores nada mais
são que outros sites ou recursos da Internet, que ali se encontram de forma
pública, isto é, independentemente do provedor de busca. Esses sites ou recursos
sofrem atualizações de forma constante e ininterrupta. Como afirmado em outros
julgados deste STJ, o papel dos provedores de pesquisa, assim, restringe-se à
identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que
ilícito, estão sendo livremente veiculados.
Em razão das características dos provedores de aplicações de busca
na Internet, acima resumidas, o STJ entendeu que os provedores de pesquisa: (i)
não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus
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usuários; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo
dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem ser obrigados
a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo
ou expressão (REsp 1.316.921/RJ, Terceira Turma, julgado em 26/06/2012, DJe
29/06/2012).
V – Da não-divulgação de URLs em resultados de busca
Mesmo reafirmando a jurisprudência, no sentido de afastar
obrigações de filtragem por parte dos provedores de busca, esta Corte nunca
afirmou que o papel dos provedores de busca na internet seja meramente neutro,
sem nenhum possível impacto sobre a vida, intimidade e privacidade dos
usuários. Afinal, a possibilidade de ordenar a realidade, especialmente em
ambiente digital, implica o poder de constituí-la.
Os resultados de busca na internet, mesmo com a utilização de
expressões idênticas, são customizados para cada usuário, por meio dos
complexos algoritmos que se valem das mais variadas fontes de informação,
incluindo o histórico de pesquisa dos usuários e até sua localização. Assim, duas
pessoas distintas podem fazer uma busca utilizando, por exemplo, a expressão
“Brasília”. Uma delas pode receber apenas resultados que indiquem os
infelizmente frequentes casos de corrupção nas mais diversas esferas de governo.
Enquanto a outra pode receber resultados com informações acerca da história e
arquitetura da cidade, incluindo dicas de turismo na capital do país. Essas
diferenças são graves e podem encerrar as pessoas em “bolhas de informação” ou
“bolhas de filtro”, como a expressão cunhada pelo ativista ELI PARISER (The
Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You. New York: Penguin
Press, 2011).
Dessa forma, não há como afirmar que as atividades da recorrente
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são neutras, sem quaisquer impactos sobre a sociedade, pois sempre pode haver
situações muitos específicas, em que a atividade desenvolvida pelos buscadores,
por si própria, acarreta danos aos direitos e interesses das pessoas. E, nessas
hipóteses, o Direito deve ser chamado a socorrer aquele que sofre o dano.
É importante ressaltar muito expressamente que a hipótese dos autos
não envolve o mencionado “direito ao esquecimento”, mas uma categoria jurídica
há muito consolidada jurisprudencialmente e reconhecida pelo Marco Civil da
Internet, que é a remoção de conteúdo infringente.
Não se trata, assim, de um informação disponível on-line cuja
lembrança possa causar graves embaraços, mas de conteúdo que, a partir do
momento seguinte a sua disponibilização na rede do conteúdo íntimo, passou a
causar sérios prejuízos à recorrida.
Dessa forma, como medida de urgência, é possível se determinar que
os provedores de busca retirem determinados conteúdos – expressamente
indicados pelos localizadores únicos (URLs) – dos resultados das buscas
efetuadas pelos usuários, especialmente em situações que: (i) a rápida
disseminação da informação possa agravar os prejuízos à pessoa; e (ii) a remoção
do conteúdo na origem possa precisar de mais tempo que o necessário para se
estabelecer a devida proteção da personalidade.
VI – Da exposição pornográfica não consentida
Reitera-se que os provedores de busca não devem fazer censura
prévia do conteúdo dos links apresentadas nos resultados da pesquisa. Na
hipótese dos autos, contudo, faz-se necessário abordar uma relevante questão,
mesmo que não esteja diretamente relacionada à solução do recurso em
julgamento.
A peculiaridade que deve ser ressaltada relaciona-se com a natureza
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do conteúdo divulgado na internet: cuida-se de vídeo que contém cenas de nudez
e de conotação sexual de caráter totalmente privado da recorrida, cuja divulgação
ocorreu sem nenhuma autorização por parte dela.
A divulgação não autorizada desse tipo de material íntimo ou sexual
recebeu a alcunha de “exposição pornográfica não consentida” ou “pornografia de
vingança”, em razão de ser particularmente comum nas situações de fins de
relacionamento, quando uma das partes divulga o material produzido durante a
relação como forma de punição à outra pelo encerramento do laço afetivo.
Nas situações de ocorrência dessa exposição, os casais filmam e
fotografam momentos de intimidade sexual, mas quando há desentendimentos ou
fins de relacionamento uma das partes usa esse conteúdo para perpetrar uma
vingança, que é feita normalmente compartilhando o material na internet. Ao ser
disponibilizado on-line, milhares de pessoas têm acesso ao conteúdo. Aliás, uma
pesquisa aponta que grande parte dos acontecimentos que envolvem a
pornografia de vingança tem como vítimas adolescentes entre doze a dezesseis
anos (MOTA, Bruna G.N. Pornografia de vingança em redes sociais. Dissertação
de mestrado. Universidade Federal do Ceará, 2015, p. 31).
Vitória BUZZI (Pornografia de Vingança. Florianópolis: Empório do
Direito, 2015) assim define a expressão em comento:
O “termo pornografia de vingança”, tradução da expressão em inglês “revenge
porn”, nomeia o ato de disseminar, sobre tudo na internet, fotos e\ou vídeos privados
de uma pessoa, sem a sua autorização, contendo cenas de nudez ou sexo com
objetivo de expô-la através da rápida viralização do conteúdo, e assim causar
estragos sociais e emocionais na vida da vítima.
Após traçar o contexto histórico e social da pornografia de vingança
no Brasil, essa mesma autora afirma que se trata de uma forma de violência de
gênero. Não são raras as ocorrências de suicídio ou de depressão severa em
mulheres jovens e adultas, no Brasil e no mundo, após serem vítimas dessa
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prática violenta: a divulgação não autorizada de material íntimo.
Essa nova modalidade de violência não é suportada exclusivamente
pelas mulheres, mas especialmente praticada contra elas, refletindo uma questão
de gênero, culturalmente construída na sociedade (CAVALCANTE, Vivianne A.
P.; LELIS, Acácia G.S. Violência de gênero contemporâneo: uma nova
modalidade através da pornografia de vingança. In: Interfaces Científicas,
Aracaju, v. 4, n. 3, junho de 2016).
Como afirmam as pesquisadoras CALVANTE e LELIS (2016, p.
61), nas décadas passadas, o “macho” quando desafiado, rejeitado ou
inconformado fazia uso da violência física para se autoafirmar, hoje, reage com a
violência simbólica ao expor cenas da mulher em público.
Sobre a cultura da violência contra a mulher e a construção simbólica
da superioridade masculina, Simone de Beauvoir (O segundo sexo. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1970) acrescenta: “(...) a história mostrou-nos que
os homens sempre detiveram todos os poderes concretos, desde os primórdios
tempos do patriarcado, julgaram útil manter a mulher em estado de
dependência, seus códigos estabeleceram-se contra elas” (Op. cit., p. 179) (...)
“A mulher é mais fraca do que o homem; ela possui menos força muscular,
menos glóbulos vermelhos, menor capacidade respiratória; corre menos
depressa, ergue pesos menos pesados, não há quase nenhum esporte em que
possa competir com ele; não pode enfrentar o macho na luta”. (Op.cit., p. 174).
CAVALCANTE e LELIS (2016, p. 63-64) narram o primeiro caso
de “Pornografia de Vingança” que repercutiu na mídia mundial, no ano de 1980:
Aconteceu durante um acampamento, quando o casal americano LaJuan e Billy
Wood fotografaram-se nus. Ao voltarem para casa, trataram de revelar o material e
guardá-lo em seu quarto, num local que julgavam seguro. Algum tempo depois, um
vizinho e amigo do casal, Steve Simpson, invadiu seu apartamento e encontrou as
imagens de LaJuan nua, e resolveu enviá-las para uma revista especializada em
publicação pornográfica para homens, a qual era composta por imagens de modelos
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não profissionais fornecidas pelos próprios leitores.
Para que as imagens fossem publicadas era necessário o preenchimento de um
formulário, Simpson o fez com dados falsos, inclusive no que dizia respeito à
sexualidade de LaJuan. Contudo, ao informar o número de telefone da vítima,
divulgou seu contato verdadeiro, fato este que lhe gerou grande exposição após a
publicação da revista, pois por diversas vezes recebeu ligações sendo assediada.
Assim, o Revenge Porn é anterior à popularização da Internet,
embora tenha sido assustadoramente difundido por ela. A publicação desse tipo
de material na internet reveste-se de contornos ainda mais dramáticos, em função
tanto da velocidade de disseminação da informação quanto da dificuldade de se
excluir totalmente um determinado conteúdo das aplicações e sites da internet.
Danielle CITRON e Mary Anne FRANKS (Criminalizing revenge
porn. 49 Wake Forest L. Review, 345, 2014) conceituam a exposição
pornográfica não consentida como a distribuição de imagens ou sons sexuais de
indivíduos sem seu respectivo consentimento, englobando as capturadas
amplamente sem consentimento (por exemplo, por meio de câmeras escondidas
ou de gravação de violência sexual), bem como as obtidas no contexto privado ou
confidencial de um relacionamento com consentimento (por exemplo, as
capturadas pela própria vítima e, consensualmente, compartilhada com o
parceiro), mas divulgadas sem autorização.
A partir desse conceito, Spencer SYDOW e Ana Laura CASTRO
(Exposição pornográfica não consentida na internet. Belo Horizonte,
D'Placido, 2017) entendem necessário fazer um aprimoramento na definição,
para tornar mais claras possíveis situações em julgamento.
Assim, na exposição pornográfica não autorizada, a ausência de
consentimento possui duas subdivisões: (a) a ausência de consentimento na
captação ou (b) a ausência de consentimento na divulgação. É possível, assim,
que a captura de imagens ou sons tenha ocorrido com o consentimento da outra
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parte, mas sua divulgação ocorra a sua revelia.
CITRON e FRANKS (2014) explicam que é muito comum o uso
intercambiável dos termos “exposição pornográfica não consentida” e
“vingança pornográfica”, sendo que também se aplicam popularmente no
mesmo
sentido
das
expressões
“estupro
cibernético”
e
“pornografia
involuntária”. No entanto, SYDOW e CASTRO (2017) fazem uma
diferenciação maior no conceito de “exposição pornográfica não consentida”,
pois não seriam intercambiáveis.
Antes da conceituação propriamente dita, contudo, esses autores
definem outros conceitos próximos. O primeiro deles é (i) o Cyberbullying, uma
forma de amedrontamento via comportamento, repetida ou com potencial de
repetição, indesejado e agressivo, por meio eletrônico, havida entre crianças e
adolescentes, geralmente envolvendo uma diferença real ou percebida de poder.
Ainda, podem ser mencionados (ii) o Cyberstalking ou cyberharassment
(ciberassédio), os quais representam um padrão repetido de perseguição, atenção
indesejada, assédio, contato ou qualquer outro curso de conduta dirigido a uma
vítima específica e com potencial de acarretar medo e constrangimento. Nesse
ambiente, pode ocorrer ainda (iii) a Sextortion (sextorsão), uma modalidade
especial de extorsão cibernética, que não envolve valores patrimoniais. Ocorre
quando o perpetrador exige que a vítima envie imagens ou preste favores sexuais,
sob a ameaça de distribuir informações pessoais e/ou imagens pornográficas ou
sexualmente explícitas.
Para SYDOW e CASTRO (2017), a exposição pornográfica não
consentida é uma espécie do gênero pornografia. Apesar da dificuldade de sua
definição, Michael REA (What is pornography? NÔUS, 35(1), 2001) afirma que
o conceito de pornografia está sempre relacionado a uma das seguintes categorias:
(i) venda de sexo para lucro; (ii) arte ruim; (iii) representação de homens e
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mulheres como objetos sexuais; (iv) obscenidade; (v) forma de contribuição para
opressão, em especial das mulheres; e (vi) material produzido com a intenção de
provocar excitação ou que resulte nesse efeito.
Pelo exposto acima, pode definir a exposição pornográfica não
consentida como a “disseminação não autorizada de imagem em nudez total,
parcial ou mídias que retratam ato sexual” (SYDOW e CASTRO, 2017, 38).
Para melhor compreensão do fenômeno, os pesquisadores propõem que esse tipo
de exposição poderia ser submetido a uma classificação detalhada, da seguinte
forma:
1. Conforme a fonte: (a) oriunda da própria vítima, (b) oriunda do parceiro ou da
parceira sexual, (c) oriunda de terceira pessoa não participante do ato ou (d) de
captação pública ou (e) de origem ignorada.
2. Conforme a obtenção do material: (a) consentida ou (b) não-consentida.
3. Conforme a permissão para divulgação do material: (a) de divulgação consentida;
(b) de divulgação parcialmente consentida ou (c) de divulgação não-consentida/de
divulgação proibida.
4. Conforme a motivação da publicação: (a) por vingança, (b) para humilhação da
vítima, (c) por vaidade ou fama do divulgador, (d) com objetivo de chantagem ou
para a obtenção de vantagem ou (e) com o objetivo de lucro. (SYDOW e CASTRO,
2017, p. 39)
Esse tipo de exposição representa uma grave violação aos direitos de
personalidade. Atenta ao perigo desse ato insidioso, a legislação brasileira tomou
medidas para a responsabilização penal e civil.
Nesse sentido, veja-se a Lei 12.737/2012, também conhecida como
Lei Carolina Dieckmann, por meio da qual se criminalizou a “invasão de
dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores,
mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter,
adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita
do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem
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ilícita”, com pena de detenção, de três meses a um ano.
Em tramitação no Senado Federal, também há o Projeto de Lei da
Câmara n° 18, de 2017 - Projeto de Lei Rose Leonel, aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça - CCJ e pronto para deliberação no plenário dessa casa
legislativa.
Tal projeto de lei inclui a comunicação no rol de direitos assegurados
à mulher pela Lei Maria da Penha, bem como reconhece que a violação da sua
intimidade consiste em uma das formas de violência doméstica e familiar, e
tipifica a exposição pública da intimidade sexual. A proposta tem o seguinte teor:
Art. 2º O art. 3º da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo
dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, à comunicação, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária.”(NR)
Art. 3° O art. 7° da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),
passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VI:
“Art. 7° .............................................................................................
VI - a violação da intimidade da mulher, entendida como a divulgação, por
meio da internet ou outro meio de propagação de informações, de dados
pessoais, vídeos, áudios, montagens e fotocomposições da mulher, obtidos no
âmbito das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, sem seu
expresso consentimento.” (NR)
Art. 4º O Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a
vigorar acrescido do seguinte art. 140–A:
“Exposição pública da intimidade sexual
'Art. 140-A. Ofender a dignidade ou o decoro de outrem, divulgando, por
meio de imagem, vídeo ou qualquer outro meio, material que contenha cena
de nudez ou de ato sexual de caráter privado.
Pena: reclusão, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço a metade se o crime é
cometido:
I - por motivo torpe;
II - contra pessoa com deficiência.'”
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Na esfera civil, especificamente no Marco Civil da Internet, a única
exceção à reserva de jurisdição para a retirada de conteúdo infringente da internet
está relacionada a “vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de
atos sexuais de caráter privado”. Nessas circunstâncias, o provedor passa a ser
subsidiariamente responsável a partir da notificação extrajudicial formulada pelo
particular interessado na remoção desse conteúdo, e não a partir da ordem judicial
com esse comando. Veja-se o conteúdo o art. 21 do Marco Civil:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade
decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de
vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter
privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu
representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites
técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de
nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado
como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para
apresentação do pedido.
A partir do exposto acima, portanto, conclui-se que a recorrente não
pode ser obrigada a monitorar previamente o resultado das pesquisas, de forma a
bloquear de modo prévio os links que conduzam ao conteúdo infringente. No
entanto, deve excluir dos resultados de pesquisa os links que indiquem o conteúdo
íntimo, após ser notificada pela recorrida, com a indicação precisa do localizador
único (URL).
VII – Da conclusão
Em síntese, conclui-se que:
(a) a atividade dos provedores de busca, por si própria, pode causar
prejuízos a direitos de personalidade, em razão da capacidade de limitar ou
induzir o acesso a determinados conteúdos;
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(b) como medida de urgência, é possível se determinar que os
provedores de busca retirem determinados conteúdos expressamente indicados
pelos localizadores únicos (URLs) dos resultados das buscas efetuadas pelos
usuários, especialmente em situações que: (i) a rápida disseminação da
informação possa agravar prejuízos à pessoa; e (ii) a remoção do conteúdo na
origem possa necessitar de mais tempo que o necessário para se estabelecer a
devida proteção à personalidade da pessoa exposta;
(c) mesmo em tutela de urgência, os provedores de busca não podem
ser obrigados a executar monitoramento prévio das informações que constam nos
resultados das pesquisas;
(d) a “exposição pornográfica não consentida”, da qual a
“pornografia de vingança” é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos
de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave
forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos
meios jurídicos disponíveis;
(e) a única exceção à reserva de jurisdição para a retirada de
conteúdo infringente da internet, prevista na Lei 12.965/2014, está relacionada a
“vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de
caráter privado”, conforme disposto em seu art. 21 (“O provedor de aplicações
de
internet
que
disponibilize
conteúdo
gerado
por
terceiros
será
responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da
divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de
outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado
quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu
representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos
limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo”). Nessas
circunstâncias, o provedor passa a ser subsidiariamente responsável a partir da
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notificação extrajudicial formulada pelo particular interessado na remoção desse
conteúdo, e não a partir da ordem judicial com esse comando; e
(f) na hipótese em julgamento, a adolescente foi vítima de “exposição
pornográfica não consentida” e, assim, é cabível para sua proteção a ordem de
exclusão de conteúdos (indicados por URL) dos resultados de pesquisas feitas
pelos provedores de busca, por meio de antecipação de tutela.
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso
especial e, nesta parte, DOU-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art.
255, § 4º, III, do RISTJ, para reformar a decisão recorrida e afastar, mesmo em
antecipação dos efeitos da tutela, a obrigação de prévio monitoramento e retirada
do conteúdo ilegal independentemente de indicação do localizador URL.
Mantém-se, assim, a obrigação de não-divulgação nos resultados de busca da
recorrente dos conteúdos cujos localizadores únicos (URLs) foram informados
pelo parquet paulista.
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