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DELITO DE ESTUPRO: Uma (re) leitura tipológica
ͳ
ʹ
Dedico este manuscrito a todos que anseiam por justiça, como virtude
primeira das instituições sociais numa democracia
͵
“Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar”
Abraham Lincoln
Ͷ
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................... 7
ABREVIATURAS.............................................................................................9
INTRODUÇÃO...............................................................................................10
CAPÍTULO I
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DO DELITO DE ESTUPRO.......................11
1. BEM JURÍDICO-PENAL TUTELADO........................................................14
1.1. Da liberdade sexual.......................................................................17
1.2. Da Dignidade sexual......................................................................24
CAPÍTULO II
PRESUNÇÃO:
VULNERABILIDADE
X
VIOLÊNCIA
E/OU
GRAVE
AMEAÇA.......................................................................................................31
2. SÚMULA Nº 593 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.....................36
2.1. Elementar do tipo e a súmula..................................................................42
CAPÍTULO III
TIPOS PENAIS..............................................................................................49
3. CLASSIFICAÇÃO.......................................................................................52
ͷ
3.1. Quanto à estrutura.........................................................................52
3.2. Quanto ao bem jurídico tutelado....................................................53
3.3.
Quanto
à
unidade
ou
pluralidade
de
bens
jurídicos
tutelados.........................................................................................................54
3.4. Quanto ao seu conteúdo................................................................54
3.5. Quanto à ação................................................................................54
3.5.1. Tipos simples ou unitários..................................................55
3.5.2. Tipos mistos, compostos ou de conteúdo variável............55
3.5.3. Tipos penais mistos sui generis.........................................57
CAPÍTULO IV
TIPO LEGAL DO ESTUPRO DO NÃO-VULNERÁVEL NA LEI Nº
12.015/2009...................................................................................................61
4. O TIPO PENAL NA DOUTRINA.................................................................61
5. O TIPO PENAL NA JURISPRUDÊNCIA....................................................65
6. REFLEXOS: APLICAÇÃO DA PENA E DIREITOS FUNDAMENTAIS......68
7. UMA (RE) LEITURA DO TIPO PENAL......................................................71
7.1. Do estupro de não-vulnerável........................................................71
7.2. Do estupro de vulnerável...............................................................74
REFERÊNCIAS..............................................................................................77
APRESENTAÇÃO
Atuamos na Magistratura há mais de dezessete anos, desses, onze
anos em Vara Criminal onde ao longo do tempo muitos casos de estupros de
não-vulnerável e vulneráveis já nos deparamos, contudo um caso concreto
ocorrido há uns quatro ou cinco anos atrás deu ensejo a uma pesquisa
aprofundada sobre o tipo penal do art. 213 do Código Penal e sua natureza
tipológica após a Lei n. 12.015/2009, uma vez que o Ministério Público fazia
uma sustentação que ia de encontro ao nosso posicionamento inicial.
Com a pesquisa nos deparamos com uma carência na doutrina penal
pátria de abordagens mais aprofundadas sobre a classificação dos tipos
penais quanto à ação do agente, notadamente, sobre os tipos penais
compostos ou de conteúdo variável. Fez-se então, necessário, no caso
concreto, se fazer distinção entre os tipos compostos existentes para um
correto e justo deslinde do caso concreto.
Dessa pesquisa, quando ainda cursava o programa de Mestrado em
Direito, saiu um artigo cientifico intitulado DELITO DE ESTUPRO: UMA (RE)
LEITURA TIPOLÓGICA que foi publicado na importante Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, à época de
Qualis B1 e nos dias atuais Qualis A1, dando ensejo posterior a
apresentação do tema em congresso e palestras em universidades, tendo,
por último, sido convidado pela editora a transformar o citado ensaio em livro.
De início, ficamos meio receosos em face da aparente limitação do
tema, contudo com a recente Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça e
um caso concreto decidido contrariamente ao enunciado que envolvia o
estupro de vulnerável do art. 217-A do Código Penal, entendemos ter
elementos que pudessem enriquecer a pesquisa de forma a dar-lhe
consistência digna de publicação e leitura dos interessados no tema.
Abordamos então os aspectos históricos e evolutivos do crime de
estupro, o bem jurídico-penal tutelado nos não-vulneráveis, vulneráveis e
posições da doutrina, sendo que mudamos o nosso posicionamento sobre
àqueles referentes aos vulneráveis em face das novas pesquisas
desenvolvidas. Tratamos da violência e/ou grave ameaça e sua presunção
antes e pós a Lei n. 12.015/2009, até porque há doutrina que sustenta que
houve mudança de foco para a vulnerabilidade da vítima nos casos do art.
217-A do Código Penal. Necessariamente, com a ampliação da pesquisa,
tratamos dos tipos penais de forma ampla, fazendo uma reflexão, ao final,
sobre os que denominamos de tipos mistos sui generis, sem deixar de
enfrentar necessariamente aqueles inerentes a ambos os delitos de estupro
em questão, seus reflexos na aplicação da pena e na dignidade humana
para finalizar sobre a necessidade da (re) leitura tipológica desse delito.
Longe de querer esgotar o tema, temos apenas a pretensão de levar o
leitor a uma reflexão mais aprofundada sobre os fundamentos desenvolvidos
acerca de pontos polêmicos que procuramos abordar sob um senso jurídico
crítico por meio de uma epistemologia jurídica, na esperança que possamos
estar contribuindo para o estudo desse crime e o aprimoramento democrático
das instituições sociais, fortalecendo a justiça como sua virtude primeira.
20 de dezembro de 2017
ͺ
ABREVIATURAS
CP
Código Penal
CPB
Código Penal Brasileiro
d.C.
Depois de Cristo
LGBTT
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros
ONU
Organização das Nações Unidas
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
TJMG
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TJSP
Tribunal de Justiça de São Paulo
ͻ
INTRODUÇÃO
Os delitos de atentado violento ao pudor (CP; art. 214) e estupro (CP;
art. 213), com a alteração promovida no Código Penal pela Lei n.
12.015/2009, foram unificados no artigo 213 (“Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso”), o que tem gerado grande
controvérsia judicial, pouco recomendável, sobre a viabilidade ou não do
concurso de crimes na eventual prática cumulativa num mesmo contexto
fático de conjunção carnal e outros atos libidinosos, bem como posições
doutrinárias sobre essa classificação do tipo penal que aglutinou num único
dispositivo as duas figuras que outrora eram separadas (atentado violento ao
pudor e estupro).
É certo que atos libidinosos são o gênero e, no caso, conjunção carnal
é a espécie, assim como que é viável que aqueles antecedam ou não este
num mesmo contexto fático, daí a importância de se enfrentar essa questão
com a unificação ao delito de estupro do antigo atentado violento ao pudor,
viabilizando uma exegese mais adequada.
Dentro desse contexto, faz-se necessário enfrentar a problemática da
classificação do tipo com relação à conduta que necessita ser aclarada de
forma a evitar decisões judiciais que venham a macular a dignidade da
pessoa humana, princípios penais constitucionais, direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituição Federal.
ͳͲ
CAPÍTULO I
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DO DELITO DE ESTUPRO
De origem latina a palavra stuprum, em sentido próprio é desonra,
vergonha, daí atentado ao pudor; estupro, desonra resultante do estupro,
relações ilícitas, adultério1, consignando HELENO CLÁUDIO FRAGOSO2
que essa palavra “no antigo direito romano, significava qualquer impudicícia
praticada com homem ou mulher, casado ou não”, que gerava a pena de
morte.
Em 18 d.C., após a Lex Julia de adulteris, do direito romano, tentou-se
distinguir o adultério do estupro, referindo-se o primeiro à relação sexual com
mulher casada, e o segundo a união ilícita com viúva.3
Na idade média, se seguiu penalizando o estupro violento com a pena
de morte, assim como nossas Ordenações Filipinas que se aplicava a todo
homem que forçosamente dormisse com qualquer mulher4, sendo que só a
partir do Código Criminal de 1830 passou-se a aplicar a pena de prisão.
1
Dicionário Escolar Latino-Português. PONTES VIEIRA, Maria Amélia et al. FARIA, Ernesto
(Org.). Ministério da Educação e Cultura. Departamento Nacional de Cultura. Campanha Nacional
de
Material
de
Ensino.
3.
ed.,
1962,
p.
949.
Disponível
em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001612.pdf>. Acesso em 27 nov. 2017.
2
Lições de Direito Penal: Parte Especial. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 3, v. II.
3
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 4: dos crimes contra a
dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 46.
4
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal: Parte Especial. 4. ed., Forense: Rio de Janeiro,
1984, p. 3.
ͳͳ
SEBASTIAN SOLER, ao tratar do Direito Penal Argentino, doutrina que
o estupro é o “acceso carnal por explotación de la inexperiencia sexual”5,
enfatizando:
Al referirse la ley a “acceso carnal” clara y castizamente descarta que se
puedan considerar como violación los actos de molície, los torpes
desahogos, mientras no importen unión sexual, conjunción, penetración
normal o abnorme. Este es el sentido tracional de la expresión em la
doctrina. No se requiere un acceso carnal completo o perfecto, bastando
que haya penetración; pero ésta es necesaria, pues la ley vigente ha
sustituido los términos vagos “aproximación carnal”, del P. Tejedor o
“aproximación sexual” del P. Villegas-Ugarriza-García, por la frase que
ahora emplea. No es necesaria la desfloración; pero no es bastante el
coitus inter femora.6
No Direito Penal Brasileiro igualmente até 2009 só a conjunção carnal
sem consentimento, ainda que incompleta, configurava o delito de estupro,
contudo, a clássica divisão que ocorria entre atos libidinosos no direito penal
brasileiro, se fez superada pela Lei n. 12.015/2009.
Se antes, quando ainda em vigor a redação de 1940 do Código Penal
Brasileiro, conjunção carnal que é espécie de atos libidinosos, poderia
configurar apenas o delito de estupro, na redação atual dos arts. 213 de 217,
com a revogação do art. 214, todos do Código Penal, este que tratava
especificamente dos atos libidinosos diversos da conjunção carnal, o
legislador entendeu por bem aglutinar num só tipo penal todas essas ações
sob a única denominação de estupro, o que gerou, em especial, na
jurisprudência julgados com entendimentos diversos sobre a natureza do tipo
penal com a reforma.
Com isso, se antes, o estupro era um crime próprio em que só a mulher
poderia ser vítima, na atualidade o referido delito se tornou comum, podendo
5
6
Derecho Penal Argentino. Buenos Aires: Editora Argentina, 1970, p. 281, vol. III.
SOLER, 1970, p. 282, vol. III.
ͳʹ
ser praticado contra qualquer pessoa, indiferente se há ou não opção sexual
própria, uma vez que qualquer tipo de ato libidinoso praticado contra a
vontade da vítima configura o delito de estupro.
Para uma melhor compreensão da evolução da sociedade e do direito
que a deve acompanhar, constata-se que na exposição de motivos da Parte
Especial do Código Penal Brasileiro de 1940, ainda em vigor, o Ministro
Francisco Campos ao tratar do Capítulo Dos Crimes Contra os Costumes,
salientou:
Sob esta epígrafe, cuida o projeto dos crimes que, de modo geral, podem
ser também denominados sexuais. São os mesmos crimes que a lei
vigente conhece sob a extensa rubrica "Dos crimes contra a segurança da
honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor". Figuramnos com cinco subclasses, assim intitulados: "Dos crimes contra a
liberdade sexual", "Da sedução e da corrupção de menores", "Do rapto",
"Do lenocínio e do tráfico de mulheres" e "Do ultraje público ao pudor".7
Portanto, à época os crimes contra a liberdade sexual eram tidos como
uma subclasse, contudo, com o tempo houve a perda dos alicerces dos
delitos contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje
público ao pudor, de tal forma que com a Lei n. 12.015/2009, se tendo a
dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito após a Constituição Federal de 1988, o legislador
infraconstitucional entendeu por bem renomear o referido capítulo para,
mantendo os crimes contra a liberdade sexual como capítulo do Título Dos
Crimes Contra a Dignidade Sexual, refutar a clássica e ultrapassada divisão
de classes constante da exposição de motivos do Código Penal de 1940.
De qualquer forma, o que caracteriza a prática do delito de estupro de
vulnerável ou não-vulnerável é a necessária presença implícita da elementar
7
Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848 de
07/12/1940. Disponível em: <https://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-9615-1940-12-07-2848-CP>. Acesso em 30 nov 2017.
ͳ͵
típica do dissenso da vítima na relação sexual que, constrangida, mediante
violência ou grave ameaça real ou ficta, cede à vontade do autor, sendo, por
óbvio, que se há consenso para a prática sexual, não há crime, sendo atípica
a conduta do agente.
1. BEM JURÍDICO-PENAL TUTELADO
O bem jurídico tutelado tradicionalmente tem sido a liberdade sexual,
ou seja, “a livre disponibilidade do próprio corpo em matéria sexual”8, sendo
que com o advento da Lei n. 12.015/2009 essa tutela jurídico-penal passou a
ser tanto do homem como da mulher9, no que aqui podemos incluir o
transexual e o travesti, estes que atualmente integram a denominação
LGBTT, mas que apresentam diferenças próprias10. A todos, essa liberdade
faculta escolher “livremente seus parceiros sexuais, podendo inclusive o
próprio cônjuge, se assim o desejarem”.11
Essa liberdade sexual, para CEZAR BITENCOURT, referindo-se a
mulher, significa:
O reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades
sexuais ou voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano
sexual, segundo suas aspirações carnais, sexuais ou eróticas, governada
somente por sua vontade consciente, tanto sobre a relação em si como
em relação a escolha de parceiros.
Contudo, como salientado acima e não mais se restringindo à
conjunção carnal, essa liberdade há de se estender a todos, incluindo os
transgêneros (LGBTT), por isso pode se afirmar que a lei reconhece o
exercício do direito a todos de
8
FRAGOSO, 1984, p. 3.
BITENCOURT, 2014, p. 47.
10
Disponível em: < https://acidblacknerd.wordpress.com/2013/09/08/qual-a-diferenca-entretransexual-e-travesti-o-que-e-transgenero-qual-a-diferenca-entre-um-transformista-e-uma-draggueen/>. Acesso em 28 nov. 2017.
11
BITENCOURT, 2014, p. 48.
ͳͶ
9
negarem-se a se submeter à prática de atos lascivos ou voluptuosos,
sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, pondo-se a qualquer
possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o
próprio cônjuge, namorado (a) ou companheiro (a) (união estável); no
exercício dessa liberdade podem, inclusive, escolher o momento, a
parceria, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interessa
compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protegese, acima de tudo, a dignidade sexual individual.12
Sobre o aspecto da dignidade sexual, saindo do estupro de nãovulnerável (art. 213 do CP) para ingressarmos no de vulnerável (art. 217-A
do CP), defende CEZAR BITENCOURT que essa é a tutela penal imediata,
não se podendo falar nesse campo em liberdade sexual como bem jurídico
protegido, na ausência de disponibilidade do exercício dessa liberdade pelo
vulnerável13.
Para outros autores, a tutela penal nos vulneráveis recai tanto sobre “a
liberdade sexual quanto a dignidade sexual”, mas inclui também o
“desenvolvimento sexual bem juridicamente tutelado pelo tipo penal em
estudo”14, ou mesmo está dentro do contexto de resguardo da dignidade
sexual, voltando-se a proteção penal à liberdade sexual e ao pleno e livre
desenvolvimento das vítimas vulneráveis15.
PAULO BUSATO, sobre esse aspecto é enfático:
O bem jurídico, aqui, de modo algum pode ser considerado a liberdade
sexual.
Fosse assim, haveria uma grave contradição, já que existe presunção
absoluta de que o vulnerável não pode proteger-se sozinho do ataque
contra ele projetado, o que significa que não possui tal liberdade.
12
BITENCOURT, 2014, p. 48.
Id., ibid., p. 98.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 11. ed., rev., ampl. e atual., Niterói,
RJ: Impetus, 2014, p. 546, v. III.
15
ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial (arts. 184 a 285). São Paulo: Saraiva, 2011, p.
170, vol.3.
ͳͷ
13
14
É necessário reconhecer aqui, como bem jurídico, o direito ao
desenvolvimento sexual normal, dados os efeitos certamente deletérios
com relação ao caráter e ao equilíbrio psicológico relacionados à
atividade sexual, que resultam da prática desse crime sobre as vítimas
especiais que possuem a característica da vulnerabilidade.16 (grifo
nosso)
Entendemos que o problema do vulnerável resida na sua capacidade
ou não de oferecer resistência à ação nociva do autor, não propriamente que
lhe falte absoluta liberdade para consentir, mas sim possível eventual
consciência da sua existência.
Reconhecemos que há, na prática, possibilidades de se graduar a
liberdade com autonomia da vítima para consentir com o ato quanto mais ou
menos vulnerável ela for, principalmente com o desenvolvimento da
sociedade em que há de se ter bom senso diante do caso concreto numa
visão pós-positivista, em que a liberdade sexual ou não da vítima há de
depender de sua maturidade que a liberdade com autonomia lhe
proporcionará, coisa que o positivismo cego do art. 217-A do Código Penal
não proporciona ao utilizar o critério biológico como censor e divisor da
liberdade sexual com dignidade.
A dignidade sexual, que não deixa de abarcar o direito ao
desenvolvimento sexual normal17, está umbilicalmente ligada à liberdade
sexual que é espécie da liberdade com autonomia, aspectos inatos à pessoa
humana que dizem respeito à personalidade de cada um. Portanto não há
como mensurar o que é dignidade sexual para uns e para outros com o
Direito, até porque esse direito subjetivo, como tal, é próprio, salvo se
quisermos moralmente disciplinar o que é certo para uns e não para outros
16
17
BUSATO, Paulo César. Direito Penal: Parte Especial 1. São Paulo: Atlas, 2014, p. 834.
Id., ibid., loc. cit.
ͳ
em sociedade, o que nos desenha uma pretensão por demais tirana numa
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
1.1. Da liberdade sexual
A liberdade sexual é uma das espécies da liberdade convencionada no
pacto social, liberdade com autonomia, sendo esta direito fundamental de
primeira dimensão ou geração, como alguns constitucionalistas preferem,
que impõe ao Estado o dever de se abster de o violar numa relação vertical,
assim como os nossos semelhantes na esfera horizontal nas relações
interpessoais que dela decorrem em sociedade, salvo se violado o contrato
social por parte de um ou alguns dos governados, no caso, no âmbito penal,
autorizando então, o Estado a intervir para restringi-la em prol do bem
comum que, no caso, repousa na tutela dos bens jurídicos-penais essenciais.
De qualquer modo, podemos reconhecer que
um dos pilares do Estado constitucional e democrático de direito consiste
em reconhecer a cada indivíduo um âmbito de liberdade que lhe é
inerente por pertencer ao gênero humano, por ser digno, e que está
protegido contra as intervenções provenientes do Estado e das demais
pessoas. É nesse sentido que a Constituição Política destaca em seu
preâmbulo a liberdade como um fim para cuja garantia se estabelece o
Estado.18
Assim, falar de liberdade na esfera constitucional é admitir que se trata
de um direito humano fundamental complexo que inclui a autonomia da
vontade e igualdade, direitos estes que dão sustentação ao exercício da
liberdade, visto que são os medidores da liberdade do indivíduo em uma
democracia, afinal a “liberdade é o conceito-chave para explicar o princípio
18
PULIDO, Carlos Bernal, O direito dos direitos: escritos sobre a aplicação dos direitos
fundamentais. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa (Trad.). São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 232.
ͳ
de autonomia. A liberdade da vontade é autonomia ou, em outras palavras,
uma vontade livre é equivalente a uma vontade autônoma”.19
Sob esse aspecto e o direito, consigna Vicente de Paulo Barreto:
O direito pretende, assim, limitar a liberdade pessoal irrestrita de cada
indivíduo, própria da natureza humana no estado de natureza. Nesse
contexto é que Kant desenvolve a teoria da liberdade, ideia angular em
todo o sistema do pensamento ético-filosófico e político kantiano. Para
Kant, o conceito de liberdade explica-se através de dois elementos, que
se articulam e complementam um ao outro: a) Liberdade como
coexistência, que consiste na limitação recíproca da vontade de cada e
tem como limite a esfera individual do outro; esse aspecto da liberdade
torna-se possível na medida em que a liberdade é considerada também
como obediência; b) Liberdade como autonomia, que é a propriedade da
vontade graças à qual está é para si mesma a sua lei, somente sendo
livre aquele que se torna, através da vontade própria, fonte das suas
próprias leis, ou seja, autônomo.
Kant reconsidera então o conflito entre a possível contradição entre a
liberdade como autonomia e a liberdade como coexistência. De forma
imediata, o direito restringe a autonomia, obrigando o indivíduo a curvarse diante de uma vontade que não lhe é própria. Esse possível conflito
será solucionado por Kant com o uso da ideia do contrato social. Através
do contrato social as autonomias individuais irão refletir-se na vontade
geral, que assegura a manifestação da autonomia e da coexistência de
forma complementar. Dessa vontade geral, todos participam na sua
elaboração e na submissão aos seus ditames.20
Em sendo assim, têm-se que em se tratando de vítimas vulneráveis21,
há de se reconhecer que o Direito Penal limita a liberdade com autonomia
em graus diversos, tutelando-as. O Estado utiliza, na essência, um critério
biológico e não psicológico. Aquele permite objetivar na prática a fronteira da
vulnerabilidade na idade, mas que certamente não é o mais justo em virtude
da irracionalidade do próprio critério encerra quando sob um aspecto susta a
19
WEBER, Thadeu, Ética e Filosofia do Direito: Autonomia e dignidade da pessoa humana.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 35.
20
BARRETO, Vicente de Paula. O Fetiche dos Direitos Humanos e outros Temas. 2. ed. rev. e
ampl., Porto Alegre: Livraria Do Advogado, 2013, p. 60.
21
Menor de quatorze anos, ou com alguém que, por enfermidade ou deficiente mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode
oferecer resistência .
ͳͺ
vulnerabilidade, do dia para noite com o advento dos catorze anos
completos, desprezando por completo a situação fática e a eventual
maturidade da vítima para consentir com consciência para o ato sexual.
Sob outro aspecto não, notadamente da vítima que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato
sexual, ou seja, para a idade se adota um critério rígido e para estes casos
um critério flexível, contudo ambos contêm sérios reflexos criminais. Se só o
exame pericial poderá dizer se ao tempo dos fatos a vítima com enfermidade
ou doença mental tinha ou não capacidade de discernir sobre a prática do
ato, então, por que não, de lege ferenda, se estender o exame do expert
àquela com quatorze anos incompletos?
CEZAR BITENCOURT é contrário a se falar em liberdade sexual para
menores de 14 (catorze) anos incompletos, acentua, lastreado na doutrina de
Muñoz Conde e Luciane Potter:
Na realidade, na hipótese de crime sexual contra vulnerável não se pode
falar em liberdade sexual como bem jurídico protegido, pois se reconhece
que não há a plena disponibilidade do exercício dessa liberdade, que é
exatamente o que caracteriza a vulnerabilidade. Na verdade, mais que
protege a liberdade sexual do menor de quatorze anos ou incapaz (que,
sabidamente, não existe nessa hipótese), a criminalização da conduta
descrita no art. 217-A procura assegurar a evolução e o desenvolvimento
normal de sua personalidade, para que, na fase adulta, possa decidir
livremente, e sem traumas psicológicos, seu comportamento sexual; para
que tenha, em outros termos, serenidade e base psicossocial não
desvirtuada por eventual trauma sofrido na adolescência, podendo
deliberar livremente sobre sua sexualidade futura, inclusive quanto à sua
opção sexual.
A evolução da nossa sociedade, com a tecnologia crescente dos meios
de comunicação reclama uma nova postura dos atores legislativos e jurídicos
ainda tão apegados ao positivismo que o próprio sistema ainda nos impõe,
não podendo a moral social se sobrepor e se servir do direito penal como
meio de intervir em sociedade para atendê-la seletivamente.
ͳͻ
O modo como se relacionam o Direito e a Moral se tornou uma questão
de difícil definição, mas “tão difícil que Rudolf Von Ihering a chamou de ‘Cabo
Horn’22 da Filosofia Jurídica.
VICENTE BARRETO e FERNANDA BRAGATO, ao tratarem da questão
apontam:
Não obstante o termo “Direito” possa assumir significados diversos de
acordo com o contexto em que é aplicado, ele apresenta, nas suas
diversas acepções, elementos comuns e interdependentes. Logo, o objeto
definível e estudado pela filosofia jurídica, em sua dimensão ontológica, é
o direito em suas três acepções concomitantemente. Pressupor, que o
“Direito em sentido próprio e primário” (HERVADA, 2008, p. 136) – e,
portanto, o objeto a ser definido pela filosofia – seja aquele, revelado em
apenas uma de suas acepções é incorrer em reducionismo. O estudo da
etimologia da palavra corrobora a ideia de que, enquanto objeto de estudo
da filosofia, o direito não é nem somente o ordenamento normativo (lei),
nem somente a pretensão acionável (o direito subjetivo), muito menos
somente o justo (ou o devido), mas um fenômeno constituído pela
interdependência e interconexão destas três dimensões.23
Num pós-positivismo não podemos deixar de olhar o direito como “um
fenômeno constituído pela interdependência e interconexão destas três
dimensões”24. Nessa linha, não podemos afirmar que não existe liberdade
sexual ao adolescente menor de catorze anos de idade, mas sim, que ela
existe, ainda que de forma mitigada e monitorada pela acepção normativa do
Direito, ou até mesmo que desconhecida da vítima em face da sua
perceptível vulnerabilidade em decorrência, por exemplo, de sua tenra idade.
Entretanto, há de se perguntar que trauma na sua dignidade sexual
pode
ter
uma
adolescente
com
catorze
anos
incompletos
que
22
BARRETO, Vicente de Paulo; BRAGATO, Fernanda Frizzo. Leituras de Filosofia do Direito.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 136. “Cabo Horn foi a metáfora utilizada para comparar a relação entre
moral e Direito àquela região em torno da Ilha de Hornos, situada no ponto mais ao sul da
América do Sul. Nesse local as embarcações que iam do Atlântico para o Pacífico enfrentavam
tormentas e mares difíceis de serem navegados”.
23
BARRETO; BRAGATO, 2013, p. 136.
24
Id., Ibid., loc. cit.
ʹͲ
conscientemente, por vontade própria, se relaciona sexualmente com
outrem? Se há dissenso, sim, trauma poderá haver e crime de estupro
ocorrerá, ainda que a violência ou grave ameaça seja ficta, mas daí a tornar
absoluta a presunção do constrangimento que comprovadamente possa ter
inexistido, é tirania, é obstar o exercício do direito fundamental a ter direitos,
no caso, de se relacionar sexualmente, ainda que adolescente com catorze
anos incompletos.
Melhor seria, de lege ferenda, a unificação da adoção do critério de
distinção entre criança e adolescente adotado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente25, inserindo-o no art. 217-A, do CP. Assim, se poderia aventar
da defendida ocorrência da presunção iuris et de iure se quando a prática
sexual fosse contra menor com 12 (doze) anos incompletos (criança), mas
não permanecer essa presunção para com adolescentes que ainda não
tenham 14 (catorze) anos completos, uma vez que em sua maioria, nos dias
atuais, já sabem o que querem ou não com relação às práticas sexuais,
portanto, com capacidade consciente de consentir para o ato, como a prática
forense do dia-a-dia nos tem apresentado rotineiramente.
Negar a uma adolescente que demonstra maturidade e capacidade
plena de consentir com consciência o direito de se relacionar sexualmente,
comprovadas por meio de laudo psicossocial e declarações em juízo, é
querer normatizar crenças religiosas, negar a sua liberdade com autonomia
frente à com coexistência, enfim, é negar democraticamente que possa fazer
suas próprias escolhas de condução de sua dignidade sexual que está
umbilicalmente conectada à liberdade sexual, uma vez que não há dignidade
sem liberdade.
25
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
ʹͳ
Portanto, condenar alguém que alcança a maioridade penal com pena
de reclusão mínima de 8 (oito) anos por ter se relacionado sexualmente com
uma adolescente de 14 (catorze) anos incompletos, que possa ter
comprovadamente consentido de livre e espontânea vontade para o ato, por
amor ou não, é fechar os olhos para a realidade e agir como um autômato
positivista. É agir com tirania ao negar o direito a ter direitos que é inerente à
cidadania, princípio fundamental do nosso Estado Democrático de Direito.
O direito a ter direitos, expressão de cidadania para Hanna Arendt, não
se resume à prerrogativa de exercer os direitos vigentes, mas de lutar por
direitos que ainda não existem, não se limitando essa concepção “a
conquistas legais ou ao acesso a direitos previamente definidos, ou à
implementação efetiva de direitos abstratos e formais, e inclui fortemente a
invenção/criação de novos direitos, que emergem de lutas específicas e da
sua prática concreta”.26
A ideia de cidadania, que não se pode abordar por um viés reducionista
para se tratar como um “conjunto de direitos e obrigações sob o ângulo
exclusivamente
jurídico”27,
está
interligada
aos
direitos
humanos
fundamentais, por essa razão MARCELO NEVES aclara que:
A noção de direitos do homem ou direitos humanos, quando surgiu no
âmbito das revoluções liberais, distinguiu-se do conceito de cidadania.
Enquanto a primeira referia-se a direitos de toda e qualquer pessoa
humana, o segundo dizia respeito aos direitos dos membros de uma
determinada coletividade política e, mais precisamente, de um Estado.
Porém a ideia de direitos humanos importava também o direito de toda e
qualquer pessoa de ter cidadania (“um direito a ter direitos”). Essa
situação passou a ter uma certa relevância na semântica mais recente
dos direitos humanos, conforme a qual esses direitos implicam direitos
26
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania.
In: DAGNINO, Evelina (Org.). Anos 90. Política e Sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1994, p. 108.
27
BARRETO, 2013, p. 179.
ʹʹ
civis (“liberdades negativas”), políticos (“liberdades positivas”), sociais
(“direitos a prestação em sentido estrito” ou “droits-créances”).28
Dessa
forma,
numa
democracia
fundada
nesses
princípios
fundamentais não há espaço para uma cidadania liberal, mas sim para uma
cidadania moderna ou plena em que se concretizem, por meio de
instrumentos ou mecanismos próprios, os direitos civis do século XVIII, os
políticos do século XIX e os sociais do século XX29, sob pena de não passar
da denominada cidadania institucionalizada que não deixa de ser um viés
acentuado da cidadania tutelada que inibe o controle social do poder
político.30
Sobre esse aspecto, CALMON DE PASSOS, ao tratar da cidadania
plena, consigna:
Em nosso século, algo foi acrescido a esse binômio – direitos civis,
direitos políticos: os denominados direitos sociais. Se antes os direitos
políticos de participação objetivavam a compartilhada definição dos
interesses tutelados e a institucionalização do direito de resistir às
ingerências do poder na esfera da autonomia privada – dever de
abstenção – a dimensão nova dos direitos sociais amplia o âmbito do
poder político, que se mantendo como direito à participação, abrange,
agora, também, o direito de exigir do Estado prestações asseguradoras
de condições sociais que propiciem a igualdade substancial entre os
cidadãos, somada àquela igualdade formal antes já proclamada e
assegurada.31
A abstenção estatal perante os direitos fundamentais de primeira
dimensão tem o condão de fazer com que os mesmos não sejam violados,
no que para isso, precisam ser tutelados por quem tem o objetivo
fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como
promover o bem de todos sem preconceitos (CF; art. 3º), sob pena do manto
28
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 249-250.
MARSHALL, T. H. Cidadania e classe social. In: ______. Cidadania, classe social e status.
CADELHA, Meton Porto (Trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. Cap. 3, p. 66.
30
PASSOS, J. J. Calmon de. Cidadania Tutelada. In: FERREIRA, Luis Alexandre (Org.).
Hermenêutica, Cidadania e Direito. Campinas: Millennium, 2005, p. 40-41.
31
PASSOS, 2005, p. 13.
ʹ͵
29
do totalitarismo fazer sombra à democracia de forma a negar o direito à
liberdade com autonomia e o exercício pleno da cidadania que se expressa
no direito a ter direitos, primeiro direito humano.32
No que tange ao respeito à igualdade que só se conquista com
liberdade, registra CELSO LAFER:
Na esfera do público, que diz respeito ao mundo que compartilhamos com
os outros e que, portanto, não é propriedade privada de indivíduos e/ou
do poder estatal, deve prevalecer, para se alcançar a democracia, o
princípio da igualdade. Este não é dado pois as pessoas não nascem
iguais e não são iguais nas suas vidas. A igualdade resulta da
organização humana. Ela é um meio de se igualizar as diferenças através
das instituições. É o caso da polis, que torna os homens iguais por meio
da lei – nomos. Por isso, perder o acesso à esfera do público significa
perder o acesso à igualdade. Aquele que se vê destituído da cidadania,
ao ver-se limitado à esfera do privado fica privado de direitos, pois estes
só existem em função da pluralidade dos homens, ou seja, da garantia
tácita de que os membros de uma comunidade dão-se uns aos outros.33
Concretizar a cidadania plena é permitir a igualdade substancial num
exercício pleno de liberdade nas dimensões política (participação), civil
(autodeterminação) e social (prestações públicas positivas), sob pena de não
se passar de uma cidadania tutelada que se expressa por aquela concedida
formalmente, mas sem os mecanismos ou instrumentos que permitam a sua
materialização, por isso esse aspecto há de se enfrentado sob o viés da
interdisciplinaridade.
1.2. Da Dignidade sexual
A dignidade da pessoa humana que tem como subespécie a dignidade
sexual, é direito inato ao ser humano e “valor unificador de todos os direitos
32
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de
Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 154.
33
LAFER, Celso, 1988, p. 152.
ʹͶ
fundamentais”34, não se podendo negar que todo aquele que tem negado o
direito de autodeterminar a sua própria vida e como deseja conscientemente
viver, tem negado o seu sagrado direito à liberdade com autonomia em
detrimento da com coexistência, bem como ao livre desenvolvimento de sua
personalidade, portanto o direito a ter uma existência digna, o que não se
coaduna
com
qualquer
democracia
a
negação
ao
direito
de
autodeterminação dos cidadãos.
A dignidade sexual, bem jurídico-penal tutelado das vítimas vulneráveis,
conforme parte da doutrina penal defende, reclama o seu enfrentamento
para se tentar aquilatar até que ponto é legítima a intervenção estatal em
certos casos de aparente violação à dignidade sexual, na medida em que
essa questão interage com a liberdade negativa ou com autonomia e o
exercício da cidadania, outro princípio fundamental35 à nossa cara
democracia.
Sobre a dignidade da pessoa humana, assinala LUIS ROBERTO
BARROSO:
A dignidade da pessoa humana tornou-se, nas últimas décadas, um dos
grandes consensos éticos do mundo ocidental. Ela é mencionada em
incontáveis documentos internacionais, em Constituições, leis e decisões
judiciais. No plano abstrato, poucas ideias se equiparam a ela na
capacidade de seduzir o espírito e ganhar adesão unânime. Tal fato,
todavia, não minimiza – antes agrava – as dificuldades na sua utilização
como um instrumento relevante na interpretação jurídica. Com freqüência,
ela funciona como um mero espelho, no qual cada um projeta sua própria
imagem de dignidade. Não por acaso, pelo mundo afora, ela tem sido
invocada pelos dois lados em disputa, em temas como interrupção da
gestação, eutanásia, suicídio assistido, uniões homoafetivas, hate
speech, negação do Holocausto, clonagem, engenharia genética,
inseminação artificial post mortem, cirurgias de mudança de sexo,
34
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Humanos Fundamentais: uma teoria geral
dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11. ed. rev., atual. e ampl., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p. 95.
35
Art. 1º, II, da Constituição Federal de 1988.
ʹͷ
prostituição, descriminalização de drogas, abate de aviões sequestrados,
proteção contra a autoincriminação, pena de morte, prisão perpétua, uso
de detector de mentiras, greve de fome, exigibilidade de direitos sociais. A
lista é longa.36
A dignidade da pessoa humana, inerente ao homem, precede à
previsão constitucional como um dos princípios fundamentais do nosso
Estado Democrático e Social de Direito, demonstrando esta que o Estado
existe em função da pessoa humana, pela pessoa humana e para a pessoa
humana, indiferente de sua nacionalidade, idade ou origem, ou seja, o
legislador constituinte “reconheceu expressamente que é o Estado que existe
em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a
finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”37; vale dizer, o governo,
conglomerado de representantes eleitos direta ou indiretamente pelo povo,
tem na servidão aos governados a sua razão de existir, devendo atuar
sempre na busca atender a vontade geral que repousa no bem comum, com
respeito aos direitos humanos e sociais previstos na Constituição.
Falar de dignidade da pessoa humana é necessariamente reconhecer
estarem presentes a liberdade, igualdade e autonomia da vontade, uma vez
que não há o direito à liberdade sem os demais direitos assegurados que
expressam a noção de dignidade, o que o art. 1º da Declaração Universal
dos Direitos Humanos da ONU em 1948, já prevê como marco da
reconstrução dos direitos humanos no pós-guerra de 1945.
Nesse ponto consigna INGO WOLGANG SARLET que
36
BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional
Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão
provisória para debate público. Mimeografado, dez. de 2010, p. 3. Disponível em:
<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/a_dignidade_da_pessoa_humana_no_direito_constitucional.pdf>. Acesso
em: 24 dez. 2014.
37
SARLET, 2012, p. 98.
ʹ
o Tribunal Constitucional da Espanha, inspirado igualmente na
Declaração Universal, manifestou-se – em decisão proferida em 1985 –
no sentido de que “a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente
e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito
por parte dos demais”.38
Sem embargo, podemos afirmar que a dignidade da pessoa humana
engloba os direitos à personalidade que diz respeito, dentre outros, à vida,
liberdade e igualdade; vale dizer, “é princípio que unifica e centraliza todo o
sistema normativo, assumindo especial prioridade. A dignidade humana
simboliza, desse modo, verdadeiro super-princípio constitucional, a norma
maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo”39, para nós, na esteira
dos ensinamentos de Humberto Ávila, um verdadeiro postulado.
A personalidade é atributo inerente ao ser humano, sendo adquirida ao
nascimento com vida e deve ser tutelada nas esferas pública e privada, por
isso mesmo os direitos da personalidade estão ligados de forma perpétua e
permanente à pessoa humana, “não se podendo mesmo conceder um
indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao
seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”40,
até porque “a personalidade não se identifica com os direitos e com as
obrigações jurídicas, constitui a precondição deles, ou seja, o seu
fundamento e pressuposto”.41
O Código Civil de 2002 quando trata dos direitos da personalidade no
seu art.11 e ss., se harmoniza com a Constituição de 1988 que nos trouxe
um Estado Democrático e Social de Direito, dando um status constitucional
38
SARLET, 2012, p. 101.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11. ed., rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.
40
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. 25. ed., atual., São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1.
41
CUPIS, Adriano de. Tradução de Afonso Celso Furtado Rezende. Os direitos da
personalidade. São Paulo: Quorum, 2008, p. 21.
ʹ
39
aos direitos da personalidade que estão disciplinados no catálogo dos
direitos e garantias fundamentais, que, para PABLO STOZE GAGLIANO e
RODOLFO PAMPLONA FILHO, são “aqueles que têm por objeto os atributos
físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.”42
O reconhecimento desses direitos no campo do direito público conduz à
necessidade de seu reconhecimento no campo do direito privado; neste
caso, encaram-se as relações entre particulares e o jurista se propõe a
propiciar meios para defender esses direitos não patrimoniais não mais
contra a ação do poder público, mas contra as ameaças e agressões
advindas de outros homens.43
Os direitos da personalidade com foco no direito público integram os
“direitos humanos fundamentais, portanto, colocam-se como uma das
previsões absolutamente necessárias a toda as Constituições, no sentido de
consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e
visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana”44.
A dignidade da pessoa humana, e como não poderia deixar de ser a
sua espécie dignidade sexual, se apresenta, portanto, como elemento
axiológico exponencial do direito, em torno do qual gravitam os demais
valores e direitos humanos fundamentais.
A dignidade como autonomia envolve, em primeiro lugar, a capacidade de
autodeterminação, o direito de decidir os rumos da própria vida e de
desenvolver livremente a própria personalidade. Significa o poder de
realizar as escolhas morais relevantes, assumindo a responsabilidade
pelas decisões tomadas.[...]. O segundo aspecto destacado diz respeito
às condições para o exercício da autodeterminação. Não basta garantir a
possibilidade de escolhas livres, mas é indispensável prover meios
adequados para que a liberdade seja real, e não apenas retórica. Para
tanto, integra a ideia de dignidade o denominado mínimo existencial, a
42
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte
Geral (contém análise comparativa dos códigos de 1916 e 2002). 7. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 152.
43
RODRIGUES, Silvio, 1995, p. 82.
44
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts.
1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed., São
Paulo: Atlas, 2001, p. 2.
ʹͺ
dimensão material da dignidade, instrumental ao desempenho da
autonomia. Para que um ser humano possa traçar e concretizar seus
planos de vida, por eles assumindo responsabilidades, é necessário que
estejam asseguradas mínimas condições econômicas, educacionais e
psicofísicas. O terceiro e quarto aspectos da dignidade como autonomia –
universalidade e inerência – costumam andar lado a lado. O cunho
ontológico da dignidade, isto é, seu caráter inerente e intrínseco a todo
ser humano, impõe que ela seja respeitada e promovida de modo
universal.45
Lado outro, a dignidade humana como heteronomia ou coexistência se
“traduz uma visão da dignidade ligada a valores compartilhados pela
comunidade, antes que a escolhas individuais. Nela se abrigam conceitos
jurídicos indeterminados como bem comum, interesse público, moralidade,
ou a busca do bem do próprio indivíduo”46, ou seja, nela há interferência do
meio em que o ser humano vive, o que interage com a liberdade sob o
aspecto da coexistência e limita a sua liberdade como autonomia.
A concepção da dignidade como autonomia valoriza o indivíduo, sua
liberdade e seus direitos fundamentais. A dignidade como heteronomia,
por sua vez, funciona como uma limitação à liberdade individual, pela
imposição de valores sociais e pelo cerceamento de condutas próprias
que possam comprometer a dignidade do indivíduo.47
Em sendo assim, na vítima vulnerável de estupro que seja adolescente
com até catorze anos incompletos, na acepção normativa do Direito, se
sobrepõe a liberdade sexual como heteronomia à como autonomia, embora,
como regra geral, esta deva sempre prevalecer.48
Entretanto, embora se trate a dignidade sexual - algo inato a todos - de
bem jurídico-penal essencial, tutelado pelo legislador por meio do art. 217-A
do Código Penal, há de se enfrentar a tormentosa questão da presunção
absoluta que grande parte da doutrina penal vem agasalhando como a
45
BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho. In: GOZZO, Débora e LIGIERA,
Wilson Ricardo (Orgs). Bioética e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 39-40.
46
BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 38-39.
47
Id., ibid., p. 59.
48
BARROSO, Luis Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 50-51.
ʹͻ
adotada pelo legislador com a revogação do art. 224, “a”, do Código Penal
pela Lei n. 12.015/2009, ou seja, se assim sendo, afinal, essa presunção
reside na vulnerabilidade e/ou na violência ou grave ameaça? A melhor
exegese deve tê-la como absoluta?
͵Ͳ
CAPÍTULO II
PRESUNÇÃO: VULNERABILIDADE X VIOLÊNCIA E/OU GRAVE
AMEAÇA
O art. 217-A do Código Penal tem como afeto à vulnerabilidade da
vítima o fato de ela ter catorze anos incompletos, ou que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do
ato, ou por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência, ou seja,
para delimitar a vulnerabilidade, o legislador se utilizou para um caso o
critério objetivo e biológico (catorze anos incompletos, ser enfermo), para
outro o critério subjetivo e psicológico (falta de capacidade de discernir para
a prática do ato sexual, ou por qualquer outra causa não possa oferecer
resistência). Para o primeiro, apenas a certidão de nascimento comprova a
condição da vítima, para as demais hipóteses se faz necessária a perícia
técnica.
No art. 218-B do CP49, o legislador insere no conceito de
vulnerabilidade a vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos, ou seja,
como bem salienta CEZAR BITENCOURT, nos apresenta uma ampliação
desse conceito, se tendo como absoluta para as vítimas adolescentes de
catorze anos incompletos e, relativa, para as adolescentes maiores de
catorze e menores que dezoito anos, ou seja, podemos afirmar que, partindo
49
Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou
adolescente ou de vulnerável.
͵ͳ
da premissa que adolescente para a Lei n. 8.069/199050 é quem está na
faixa dos 12 (doze) anos completos aos 18 (dezoito) incompletos, o
legislador penal fez distinção aleatória e sem lógica entre adolescentes em
se tratando do crime de estupro, diferentemente se a distinção fosse entre
criança e adolescente como define o Estatuto da Criança e do Adolescente,
ou seja, legislou ao arrepio do princípio da igualdade com base numa política
criminal que não se mostra dentro do programa do Estado de combater a
criminalidade, uma vez que com esse atuar demonstra que não seguiu todas
as fases de implementação com o ciclo de políticas públicas.
Isso demonstra que o legislador, nesses casos, não trabalhou com
qualquer argumento sólido que possa dar sustentação a uma persuasão
racional que justifique a diferença de tratamento dado a iguais, no caso,
adolescentes, o que reclama uma interpretação doutrinaria e judicial que não
siga nesse rumo sem lógica, principalmente em se tratando de crime de
estupro contra adolescente com 14 anos incompletos.
Sobre a vulnerabilidade do art. 217-A do Código Penal, em questão,
como bem leciona CEZAR BITENCOURT, “em outros termos, o legislador
consagra uma vulnerabilidade real e outra equiparada”51, finalizando que, em
resumo, “pode-se afirmar, há três modalidades de vulnerabilidade: a) real (do
menor de 14 anos); b) equiparada (do enfermo ou deficiente mental); c) por
interpretação analógica (quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência)”.52
As denominadas, equiparada e por interpretação analógica, não
reclamam maiores delongas e atenção de nossa parte em face da proposta
50
51
52
Estatuto da Criança e do Adolescente.
BITENCOURT, 2014, p. 101.
Id., ibid., loc. cit.
͵ʹ
do nosso trabalho e do fato de que em ambas se faz necessária perícia
técnica para se determinar se a vítima tinha ou não o necessário
discernimento para a prática do ato, ou por qualquer outra causa, não podia
oferecer resistência quando dos fatos, como no caso do exemplo clássico de
que a vítima é dopada em sua bebida com a droga “boa noite cinderela” para
o fim de ser abusada sexualmente.
A incidência predominante na prática é daquela tida como real (do
adolescente de 14 anos incompletos), questão que tem suscitado intensos
debates na jurisprudência com posições diversas e, em consequência,
efeitos mais ou menos nocivos aos autores.
Na Argentina, até a Lei 25.087/1999, o artigo 119 do seu Código Penal
Argentino preceituava que praticava o delito de estupro quem mantinha
conjunção carnal com menor entre 12 (doze) anos e 15 (quinze) anos de
idade53, mas com a reforma penal esse patamar passou a ser de 13 (treze)
anos a 16 (dezesseis) anos de idade54, noticiando-se que, agora, se deve
provar a imaturidade sexual da vítima para a condenação do autor55, o que
tem gerado intensos debates entre psicólogos, sexólogos e juristas.
O parâmetro biológico, sem o psicológico e social do amadurecimento
sexual56 da vítima, por si só, despreza, empiricamente, se houve ou não o
53
Desapareció la figura penal del estupro. Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/572372desaparecio-la-figura-penal-del-estupro>. Acesso em 30 nov. 2017.
54
Codigo Penal de La Nacion Argentina. Ley 11.179 (T.O. 1984 atualizado). Disponível em:
<http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm#17>. Acesso
em 30 nov. 2017.
55
Desapareció la figura penal del estupro. Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/572372desaparecio-la-figura-penal-del-estupro>. Acesso em 30 nov. 2017.
56
O desenvolvimento sexual feminino precoce e a Puberdade Feminina Precoce são duas
situações diferentes do desenvolvimento. A Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de
S. Paulo define puberdade precoce (no sexo feminino) como o desenvolvimento de um ou mais
dos caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos de idade ou o aparecimento da
menstruação antes dos 9 anos. Entretanto, do ponto de vista psiquiátrico interessa considerar
também o amadurecimento sexual em torno dos 10 anos, que não caracteriza a Puberdade
͵͵
seu dissenso para o ato, elementar implícita do tipo penal do estupro de
vulnerável. Essa é a intepretação que judicialmente muito se tem dado em
face da nova redação do art. 217-A do Código Penal Brasileiro, se
presumindo iuris et de iure a sua ocorrência apenas com o ato sexual com
adolescente com idade inferior à 14 (catorze) anos completos, não se dando
voz à vítima que possa conscientemente ter consentido para o ato.
Passa a suposta ofendida a ter que viver o constrangimento do
fenômeno, no caso negativo, da revitimização, já que não se sente, na
verdade, vítima de qualquer crime contra a sua liberdade sexual que julga já
desfrutar por se sentir com maturidade suficiente para decidir, dentro da
liberdade com autonomia que democraticamente lhe é assegurada, a vida
sexual que deseja levar, salvo alguns elogiosos julgados mais atentos à
evolução da sociedade.
Na impossibilidade de análise, ainda que conjunta de algum desses
parâmetros complementares – psicológico e social -, de lege ferenda, seria
providencial que o legislador brasileiro vinculasse então à vulnerabilidade
nos crimes de estupro a idade de 12 anos incompletos, marco definitório de
criança utilizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente57, estendendo,
como deveria de ser, a sua doutrina da proteção integral à vertente penal,
justificando, de certa forma, ainda que possa ser discutível, a mudança do
anunciado parâmetro de presunção relativa para absoluta quando praticado
o delito contra criança.
Feminina Precoce, mas tem sido cada vez mais freqüente. Disponível em:
<http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=315>. Acesso em: 30 dez 2017.
57
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
͵Ͷ
De qualquer forma, após a Lei n. 12.015/2009, a vulnerabilidade da
vítima de estupro não é e nem pode ser estanque, até mesmo em respeito
ao princípio da igualdade. Em se tratando da aplicação da pena, também a
desproporcionalidade pode se fazer presente ao se utilizar apenas de um
critério para análise da culpabilidade, ou seja, a vulnerabilidade como
inerente ao tipo, indiferente da idade da vítima.
Essa avaliação não deve ser cega em respeito ao princípio penal
constitucional da individualização da pena. Deve ser feita com prudência e
bom senso pelo julgador quando da análise da primeira circunstância judicial
(culpabilidade) do art. 59 do Código Penal Brasileiro para a aplicação da
pena-base, afinal é nessa circunstância que se gradua uma maior ou menor
reprovabilidade da conduta do agente na prática do estupro, levando-se em
consideração os atos praticados e, no caso, qual a real idade da vítima e sua
capacidade de dissentir e/ou resistir, ainda que estes aspectos circulem no
campo da discricionariedade que se mais se limita e objetiva com a oitiva da
vítima em juízo e laudo psicossocial.
Se há ou deve haver correspondência direta entre a vulnerabilidade da
vítima – em regra diz respeito à sua idade quando do fato - e a
reprovabilidade da conduta do agente – atos praticados - para se aferir com
discricionariedade judicial prudente a sua culpabilidade quando do início da
aplicação da pena, se deve também aferir antes, quando de sua oitiva no
curso do devido processo legal, o aspecto correspondente à sua maturidade
sexual para consentimento ou não do ato por parte da vítima. Este aspecto
avaliativo se obtém também, como já dito, por meio de laudo psicossocial
que normalmente já é feito para os vulneráveis.
Como esses delitos são normalmente cometidos à clandestinidade, a
palavra da vítima é considerada pelo Poder Judiciário de suma importância
͵ͷ
de forma a ganhar relevância, mas não deve o sê-lo apenas para se
averiguar se houve ou não o ato sexual que a lei veda que se pratique, mas
também para se aquilatar a sua consciência ou não sobre possível
consentimento voluntário que tenha dado para a realização do ato, o que
viabilizará uma análise mais segura de sua maturidade para usufruir da
liberdade que a lei pensa não ter, dado esse que aliado ao laudo psicossocial
pode ou não, no campo probatório, justificar uma absolvição.
Até que ponto se pode ter vulnerabilidade digna de tutela penal de uma
vítima adolescente, virgem ou não, que declara espontaneamente em juízo
que se relacionou sexualmente com o autor de livre e espontânea vontade,
que inclusive se harmoniza com o laudo psicossocial? A dignidade sexual de
uma vítima adolescente vulnerável que se relaciona sexualmente por
vontade própria, restaria maculada? Qual parâmetro a ser utilizado para essa
medição, moral? Quem teria real capacidade e autoridade para aquilatar
quem tem ou não dignidade sexual para com liberdade praticar
voluntariamente sexo com outrem?
2. SÚMULA Nº 593 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recentemente, em 25/10/2017, face as divergências judiciais sobre a
presunção absoluta ou relativa nos estupros de vulneráveis com a nova
redação dada ao art. 217-A do Código Penal Brasileiro pela Lei n.
12.015/2009, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça publicou no DJe de
06/11/2017, o enunciado da Súmula 59358 que consagra uma posição
jurisprudencial mais ortodoxa dessa instância superior do Poder Judiciário
Nacional.
58
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato
libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a
prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o
agente.
͵
Como se pode, com base apenas num parâmetro biológico
(adolescente com idade de 14 anos incompletos), em pleno século XXI, se
ter como irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato,
sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso
com o agente, ou seja, se ter como absoluta a presunção de violência ou
grave ameaça, o que já no século passado era relativa.
Afinal, a alegada presunção da vítima reside na falta de consciência
para ter capacidade de consentir com o ato sexual (vulnerabilidade), ou na
violência ou grave ameaça que possa sofrer para ceder à prática do ato? Se
o parâmetro é apenas biológico, e a jurisprudência entende que se trata da
vulnerabilidade da vítima, como se pode presumir de forma absoluta que a
vítima, em todos os casos, não tem capacidade de discernir e consentir a
prática do ato? Houve mudança de parâmetro da presunção pelo legislador,
ou essa mudança decorre de uma interpretação não muito recomendada da
norma?
Embora revogado pela Lei n. 12.015/2009, o art. 224, “a”, do Código
Penal Brasileiro assim preceituava:
Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima:
a) não é maior de 14 (catorze) anos;
b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;
c) não pode, por qualquer outra causa oferecer resistência. (grifo nosso)
Dessa forma, para o legislador, na essência, nada mudou, a não ser
que agora não consta mais expressamente que essa presunção é de
violência com a redação do art. 217-A do Código Penal Brasileiro, mas isso
não a transfere para a vulnerabilidade que sempre esteve presente, só que
antes era implícita e agora é explícita, como antes era a violência.
͵
Assim, fica claro para nós que a presunção de outrora ou atual está
vinculada à violência ou grave ameaça e não à vulnerabilidade ou à
capacidade de consentir por parte de um adolescente com 14 (catorze) anos
incompletos, o que é compreensível, uma vez que o novo art. 217-A do
Código Penal Brasileiro59 nada trata explicitamente dessa questão, ao
contrário da redação atual do art. 213 do Código Penal Brasileiro60 dada pela
Lei n. 12.015/2009.
O legislador, com essa reforma pontual, não nos trouxe nenhum
elemento que permita uma interpretação que faça reconhecer que houve
mudança de foco da presunção, ou seja, da violência ou grave ameaça para
a vulnerabilidade, uma vez que a idade (14 anos incompletos) que
demonstra a sua condição se manteve íntegra na nova redação.
Sobre o revogado art. 224, “a”, do Código Penal Brasileiro, registra
historicamente ROGÉRIO GRECO, com propriedade:
A partir da década de 1980, nossos Tribunais, principalmente os
Superiores, começaram a questionar a presunção de violência constante
do revogado art. 224, a, do Código Penal, passando a entendê-la, em
muitos casos, como relativa, ao argumento de que a sociedade do final do
século XX e início do século XXI havia modificado significativamente, e
que os menores de 14 anos não exigiam a mesma proteção que aqueles
que viveram quando da edição do Código Penal, em 1940.61
O que pode ter mudado desde então que justifique um verdadeiro
retrocesso com o endurecimento da norma penal, em especial, agora, em
pleno século XXI, com o enunciado 593 do Superior Tribunal de Justiça que
firma a posição de uma presunção absoluta para os estupros de vulneráveis?
59
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar
ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
61
Código Penal Comentado. 10 ed., rev., ampl. e atual. Niterói/RJ: Impetus, 2016, p. 777.
͵ͺ
60
JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI62 enunciava, já à época, ao tratar do
revogado art. 224 do CP:
Nélson Hungria, com a sua autoridade de membro da Comissão Revisora, além
de uma cultura penalística invejável, desde logo assinalou ter o Código se
inclinado pela tese da presunção relativa ao abolir, do projeto original (Projeto
Alcântara Machado), a expressão “não se admitindo prova em contrário” (art.
293). [...]. Resumindo os argumentos em favor da tese da presunção relativa,
expostos principalmente por Magalhães Noronha e Nélson Hungria, Mirabete,
que também segue essa orientação, assim escreve: “A maioria dos
doutrinadores, porém, inclina-se pela existência de presunção relativa (juris
tantum). A favor da primeira opinião há os argumentos de que o consentimento
da menor é sempre inválido, embora possa ter desenvolvimento físico e psíquico
superior a sua idade, e de que a idade da vítima (menor de catorze anos) faz
parte do tipo. Além disso, a lei indica que as outras duas situações mencionadas
no dispositivo configuram casos de presunção relativa, o que não ocorre na letra
a. Alinham-se a favor da tese de que a presunção é relativa os seguintes
fundamentos: as duas outras alíneas b e c tratam de presunções relativas, e não
seria de se excluir a alínea a; a prevalecer a opinião oposta, a menor seria mais
protegida até que o insano mental, que não tem nenhuma possibilidade de
consciência; não há menção expressa sobra a natureza da presunção”.
Efetivamente, a grande maioria da doutrina opta pela solução da presunção
relativa, com o que se põe a salvo do Código Penal da adoção da concepção da
responsabilidade penal objetiva, que o Direito Penal procura de todas as
maneiras impedir, e de regras – para muitos princípios – da verdade real e do
livre convencimento do juiz, em oposição ao sistema de prova legal e da teoria
da carga probatória, defendida com maestria por Carnelutti e Chiovenda, e de
grande valia para o processo civil, mas que não pode ter aplicação no processo
penal, como já tivemos oportunidade de escrever. (grifo nosso)
Acreditamos, juntamente com a doutrina processual penal mais
contemporânea, que não há que se falar em verdade real, mas tão-somente
em verdade processual porque são nos autos do processo que ela se
apresenta e revela a forma como se encontra, assim como, registramos que
vemos com reservas o princípio da livre convencimento do juiz, salvo quando
devidamente fundamentado com base nas provas constantes dos autos.
Nessa linha, em face das considerações doutrinárias acima trazidas
por JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, há de se concluir “que as presunções
62
Escritos Jurídicos-Penais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
p. 168-169.
͵ͻ
legais ou jurídicas absolutas devem ser abolidas ou pelo menos limitadas, no
Direito Processual de todo Estado de Direito”63, uma vez que essas
presunções são tidas como aquelas que “não admitem prova em contrário”64,
no que melhor “será, sempre, a adoção da presunção legal relativa, com o
que se evita terríveis injustiças”.65
Lado outro, é sabido, desde o Contrato Social de Jean Jacques
Rousseau, que a lei decorre da vontade geral do povo, que se associa para
que as leis civis possam permitir desfrutar de uma liberdade convencionada
em sociedade, sendo que esta se desenvolve por meio de uma construção
evolutiva da moral social, mas como se fala, “o direito penal não é e nem
pode ser guardião da moral perdida”.66
RAÚL CERVINI67 ao tratar da descriminalização de fatos que se situam
exclusivamente na ordem moral, aponta:
O criminólogo americano Gibbens (In: Associación Internacional de Derecho
Penal, 1975) mostra que existe uma série de condutas qualificadas como
delituosas, em relação às quais ocorre uma progressiva descriminalização de
fato ou de jure em diferentes sociedades. Pode-se observar essa situação
mediante uma mudança na reação social frente a alguns delitos contra a
honestidade (costumes) e a moralidade sexual.
A tendência, assinala o mesmo autor, é de descriminalizar aqueles
comportamentos que somente aparecem como imorais, como por exemplo o
adultério, a bigamia, a homossexualidade consentida entre adultos, a
prostituição, a sodomia ou comercialização da pornografia, algumas formas de
obscenidade e a idade de consentimento juridicamente relevante para as
relações heterossexuais.
De acordo com esta concepção moderna, reiteramos que os fatos situados
exclusivamente na ordem moral devem ficar fora do sistema penal, posto que a
63
PIERANGELI, 1999, p. 166.
Id., ibid., p. 163.
65
Id., ibid., p. 166.
66
OLIVEIRA, Leandro Correa de; SILVA FILHO, Edson Vieira. Revista Consultor Jurídico.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-jan-07/direito-penal-nao-nem-guardiao-moralperdida>. Acesso em 01 nov 2017.
67
Os Processos de Descriminalização. 2. ed. rev. GOMES, Luiz Flávio (Trad.). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 198-199.
ͶͲ
64
intervenção punitiva somente se legitima na medida em que assegura uma
ordem externa. A preservação da norma moral, como tal, não é missão do
Direito Penal e o Direito Penal sexual, especificamente, deve limitar-se à
proteção da juventude, a evitar coações ou que alguém se veja prejudicado ou
importunado em sua intimidade. (grifo nosso)
Em sendo assim, não é crível que estejamos, em pleno século XXI,
diante de um retrocesso jurídico-penal que autorize se reconhecer estarmos
num processo de involução social e moral em face da redação da parte final
da Súmula 593 do STJ que preconiza implicitamente a adoção da presunção
absoluta nos estupros de vulneráveis, já que tem como irrelevante eventual
consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual
anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente, ou seja,
cegamente e objetivamente condena aquele que pratica qualquer ato
libidinoso com vítima adolescente de 14 anos incompletos, por meio de um
positivismo reacionário.
Embora a vulnerabilidade da vítima possa, em tese, ser graduada
subjetivamente conforme a idade, laudo psicossocial e como se declara em
juízo de forma a se permitir uma correlação com a sua maior, menor ou
mesmo ausência da maturidade para consentir com a prática do ato sexual,
não se pode ter uma presunção absoluta de que esta capacidade está
ausente para todas as vítimas adolescentes com 14 anos incompletos, ou
mesmo que é absoluta de forma ficta a presunção de violência ou grave
ameaça.
O bom senso e a boa dogmática penal, em qualquer hipótese, deve
refutar que uma presunção absoluta, seja qual for, autorize qualquer decreto
judicial condenatório, ainda mais quando se é sabido que no Direito sequer
existem verdades absolutas.
Ͷͳ
2.1. Elementar do tipo e a súmula
O tipo penal do estupro tem como elementar implícita do tipo o
dissenso da vítima, seja não-vulnerável (art. 213 do CP) ou vulnerável (art.
217-A do CP), sendo razoável que, em se tratando de vítima adolescente
com idade inferior à 14 anos, se presuma de forma relativa a violência ou
grave ameaça do agente para neutralizar o dissenso da vítima, mas não de
forma absoluta, uma vez que o critério biológico adotado pelo código penal,
ao não tratar os iguais na medida de suas desigualdades, não satisfaz, na
essência, a necessidade de se concretizar a justiça como virtude primeira do
Poder Judiciário em uma democracia.
Nessa linha, o que autoriza o reconhecimento da prática dos delitos de
estupro de vulnerável e não-vulnerável é a prática do ato com violência ou
grave ameaça (meio utilizado) fictícia ou real, respectivamente, para
constranger (elementar explícita do tipo do art. 213 e implícita do art. 217-A)
a vítima há ceder à lascívia do agente, devendo ser, assim, real o meio
utilizado em se tratando de não-vulnerável e fictício ou presumido
relativamente no caso dos vulneráveis, afinal só o dissenso da vítima
decorrente do constrangimento autoriza o reconhecimento de que os atos
sexuais configuram crime, uma vez que fazer sexo ou praticar atos
libidinosos diversos da conjunção carnal, de livre e espontânea vontade, não
é crime quando se tem maturidade suficiente para a correta compreensão do
ato.
Dessa forma, não há equidade a imposição de uma condenação a um
agente com, por exemplo, à época dos fatos 18 (dezoito) anos de idade uma pena de reclusão de no mínimo 08 (oito) anos de reclusão -, por ter se
relacionado sexualmente com vítima adolescente de 13 (treze) anos de idade
e aparência de mais idade, que consentiu livremente com o ato e que era ou
Ͷʹ
não mais virgem. Que se relacionou sexualmente com o autor de livre e
espontânea vontade, seja por amor ou não, ou que convive em união estável
ou não, mas que deseja continuar a conviver amorosamente com o mesmo,
consciente dos atos praticados.
Negar essa real possiblidade, é negar o exercício da liberdade com
autonomia da vítima adolescente, é querer moldar a dignidade sexual da
vítima que é lhe é inata e integra o seu direito de personalidade, é negar à
adolescente madura e consciente de seus atos o direito a ter direitos como
expressão da cidadania, princípio fundamental do nosso Estado Democrático
de Direito.
Para os adolescentes entre 14 (catorze) anos completos e 18 (dezoito)
anos incompletos há presunção relativa68, mas nada justifica juridicamente o
porquê para o adolescente de até 14 (catorze) anos incompletos essa
presunção deva ser absoluta, o que não seria a mesma coisa se a vítima
fosse uma criança com 12 (doze) anos incompletos, isso levando em
consideração as definições contidas no Estatuto da Criança e do
Adolescente, que se levado em consideração, de lege ferenda, unificaria
importante definição para a solidificação da doutrina da proteção integral da
criança e do adolescente.
68
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair á prostituição ou outra forma de exploração sexual
alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
...
§2º Incorre nas mesmas penas:
I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e
maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo.
Ͷ͵
Sobre essa distinção que os arts. 217-A e 218-B, do Código Penal
Brasileiro fazem com relação à vulnerabilidade, CEZAR BITENCOURT69
registra:
À evidência, como destacamos ao examinarmos o estupro de vulnerável,
nessas hipóteses, é presumida, implicitamente, a violência. No entanto,
agora, já no art. 218-B deparamo-nos, novamente, com a adjetivação de
vulnerável para outra faixa etária, qual seja, menor de dezoito anos,
aparentemente, sem qualquer justificativa razoável. Essa opção políticocriminal do legislador gera, no mínimo, alguma perplexidade, afora a
dificuldade de se encontrar, com segurança, a sua interpretação
mais adequada, sem afrontar o princípio da reserva legal.
Devemos partir, necessariamente, do entendimento segundo o qual, na
ótica do legislador, devem existir duas espécies ou modalidades de
vulnerabilidade, ou seja, uma vulnerabilidade absoluta e outra relativa;
aquela refere-se ao menor de quatorze anos, configuradora da hipóteses
de estupro de vulnerável (art. 217-A); esta, refere-se ao menor de dezoito
anos [...].
Inegavelmente, o legislador ampliou o conceito de vulnerabilidade – que
define satisfatoriamente a condição do menor de quatorze anos – para
alcançar, incompreensivelmente, o menor de dezoito anos (art. 218-B). Os
aplausos quanto ao acerto legislativo em relação à primeira hipótese, não
se repetem relativamente à segunda, especialmente considerando-se a
evolução da moral sexual na sociedade contemporânea, a maioridade
civil aos dezoito anos, a juventude se casando a partir dos dezesseis
anos, vivendo juntos, votando aos dezesseis anos, além da
independência e da maturidade que adquiriu neste início de milênio. Com
efeito, esses atributos todos demonstram a absoluta desnecessidade de
presunções e ficções jurídicas para criminalizar comportamentos morais
com pesadas sanções penais privativas de liberdade. (grifo nosso)
Uma política criminal legislativa que gere perplexidade não pode ter
esse efeito naquele a quem cabe interpretar e aplicar a lei, cabendo ao
julgador atuar com razoabilidade e proporcionalidade quando da análise do
caso concreto, atento aos princípios penais que deontologicamente, na
esteira dos ensinamentos de Ronald Dworkin, Jünger Habermas e Klaus
Günther, fazem com que, como normas, sigam o binômio validade x
invalidade.
69
BITENCOURT, 2014, p. 136-7.
ͶͶ
Não é coerente que se tenha, sem qualquer fundamento ou
justificativa, uma presunção relativa para um adolescente de certa faixa de
idade e para outra ela seja absoluta, fere o princípio da razoabilidade e
igualdade e, em consequência, da liberdade com autonomia.
A norma mais favorável, no caso que gera a presunção relativa da
violência ou grave ameaça, deve valer para todos os adolescentes, estes
compreendidos entre os 12 (doze) anos completos e 18 (dezoito) anos
incompletos, conforme marco legal regulatório dos direitos humanos das
crianças e adolescentes, adotado pela Lei n. 8.069/1990 em respeito a
normativas internacionais70, sendo essa a melhor interpretação que se deve
fazer dessa dicotomia de vulnerabilidades que o legislador nos apresenta.
Atos sexuais ocorridos entre autor maior de idade e vítima adolescente
com catorze anos incompletos, que se deram de forma voluntária por meio
de um consciente consentimento mútuo em virtude, por exemplo, de
relacionamento amoroso, não pode dar azo a uma condenação criminal por
se presumir de forma absoluta que houve por parte do autor violência ou
grave ameaça que automaticamente reconhece um inexistente dissenso da
vítima por constrangimento, quando entre adolescentes menores de 18
(dezoito) anos e maiores de 14 (catorze) anos de idade essa presunção é
relativa.71
70
Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 1959. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comitebrasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/DeclDirCrian.html>. Acesso em 25 dez 2017.
Regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e Juventude
(Regras de Beijing) – Resolução 40/33 da Assembléia Geral da ONU, em 29 de novembro de
1985. Disponível em: <http://acnudh.org/wp-content/uploads/2012/08/Regras-M%C3%ADnimasdas-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas-para-a-Administra%C3%A7%C3%A3o-daJusti%C3%A7a-daInf%C3%A2ncia-e-da-Juventude-Regra-de-Beijing.pdf>. Acesso em 25 dez 2017.
71
Art. 218-B, caput, c/c §2º, I, do Código Penal.
Ͷͷ
Assim, em casos excepcionais pode ser relativizada a presunção para
se reconhecer, na prática, que a vítima tem a capacidade de discernir e
consentir com o ato sexual praticado, em não havendo nenhum elemento
probatório no curso do devido processo penal que autorize a presunção real
ou ficta da prática de violência, coação ou grave ameaça e, em
consequência, que a vítima tenha sido constrangida a praticar os atos
sexuais com o agente, condição sine qua non para a configuração do delito
do art. 217-A do CPB, no que, na falta de provas concretas do dissenso da
vítima, há de se considerar como atípica a conduta do agente.
Neste sentido, autorizados e recentes julgados de tribunais de justiça
brasileiros:
TJSP: Apelação. Estupro de vulnerável. Absolvição. Necessidade. Vítima
que conta com 12 anos completos. Vulnerabilidade relativa. Necessidade
de homogeneizar o sistema penal, utilizando o critério etário adotado pelo
ECA. Inexistência de violência presumida. Ausência de qualquer coação
física ou moral. Acusado e vítima que iniciaram breve relacionamento.
Inexistência de ofensa ao bem jurídico liberdade sexual. (…). A alteração
introduzida pela lei 12.015/2009 não eliminou a controvérsia doutrinária e
jurisprudencial quanto a ser relativa ou absoluta a presunção de violência
prescrita no antigo art. 224 do Código Penal. O debate, agora, cinge-se à
relativização, ou não, da vulnerabilidade da vítima. Conforme tenho
defendido, não caminhou bem o legislador ao deixar de homogeneizar a
definição de criança e adolescente, ora protegendo o menor de 12 anos
(Estatuto da Criança e do Adolescente), ora resguardando o menor de 14
anos (Código Penal). Entendo, portanto, ser absoluta a presunção de
vulnerabilidade tão somente em relação às crianças, ou seja, aos
menores de 12 anos. Sendo, ao contrário, possível discutir-se a
relativização da vulnerabilidade em se tratando de adolescentes (maiores
de 12 anos). No caso em tela a ofendida contava mais de 12 anos
completos e, embora não possuísse experiências sexuais anteriores, é
certo não ter havido qualquer forma de coação física ou moral por parte
do réu. Não se verifica, portanto, hipótese de abuso da situação de
vulnerabilidade da menor, inexistindo ofensa ao bem jurídico liberdade
sexual. Desta feita, a absolvição é a melhor medida. (...)." Apelo provido.
(TJSP - APL: 00028786520138260575 SP 0002878-65.2013.8.26.0575.
Rel. Des. Guilherme de Souza Nucci, j. 28.07.2015, 16ª Câmara de
Direito Criminal, pub. 06.08.2015).
Ͷ
TJMG: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
ABSOLVIÇÃO. ERRO DE TIPO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU QUE TINHA
CIÊNCIA DA IDADE DA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO EX OFFICIO. AUSÊNCIA
DE VIOLÊNCIA OU COAÇÃO. CONJUNÇÃO CARNAL CONSENTIDA.
RELAÇÃO AMOROSA ENTRE VÍTIMA E RÉU DEMONSTRADA NOS
AUTOS. RECURSO PROVIDO. - A vulnerabilidade é relativa, podendo
ser afastada caso se demonstre que a vítima era uma adolescente
precoce, com comportamento não condizente com sua idade, e que a
conjunção carnal foi praticada com seu expresso consentimento,
mormente se se encontravam em relação amorosa. - Recurso provido.
(ACrim nº 1.0313.12.002420-0/001. Rel. Des. Doorgal Andrada, j.
26.07.2017, pub. 02.08.2017).
TJMG: APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO MINISTERIAL - ESTUPRO
DE VULNERÁVEL - CONSENTIMENTO AO ATO SEXUAL PRESUNÇÃO RELATIVA - CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO NÃO PROVIDO. - Com base na relativização da presunção de
violência prevista no art. 217-A do CP, o consentimento expresso da
vítima, que mantinha um relacionamento amoroso com o acusado, tem o
condão de descaracterizar o delito de estupro no caso concreto, a ensejar
a manutenção da absolvição do apelado. (ACrim nº 1.0521.14.0071130/001. Rel. Des. Furtado de Mendonça, j. 27.09.2016, pub. 07.10.2017).
TJMG: APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - MENOR
DE 14 ANOS - CONSENTIMENTO DA VÍTIMA - VIOLÊNCIA PRESUNÇÃO RELATIVA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - TRÁFICO DE
DROGAS E AMEAÇA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS
- CONDENAÇÕES MANTIDAS - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
ANALISADAS COM EXCESSIVO RIGOR - PENAS - DIMINUIÇÃO APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENAS REINCIDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS
CUSTAS PROCESSUAIS - PREJUDICIALIDADE. Havendo comprovação
de que a vítima, embora menor de quatorze anos, consentiu nas relações
sexuais mantidas com o acusado, sem que tenha havido qualquer
ameaça ou violência, não resta configurado o crime de estupro de
vulnerável, haja vista tratar-se de vítima com vida sexual ativa, o que
afasta a sua vulnerabilidade. (…). (ACrim nº 1.0521.14.001439-5/001. Rel.
Des. Antônio Carlos Cruvinel, j. 27.01.2015, pub. 06.02.2015).
Em sendo assim, entendemos mais racional e equânime se manter
relativizada implicitamente a presunção de violência ou grave ameaça do art.
217-A do CPB (Lei n. 12.015/2009), esta que já foi explícita quando em vigor
ainda o art. 224, “a”, do Código Penal Brasileiro de 1940, sob pena de se
fomentar um retrocesso jurídico-penal que não se condiz com a evolução da
sociedade
no
século
XXI,
promovendo
Ͷ
uma
desigualdade
penal
antidemocrática ao não tratar os iguais na medida de suas desigualdades em
face de uma moral social seletiva com a qual o âmbito criminal não deve
cuidar.
Ͷͺ
CAPÍTULO III
TIPOS PENAIS
As normas penais criam os tipos incriminadores que descrevem ações
que quando realizadas se tornam ilícitas e culpáveis, mas podem também
criar normas permissivas ou não incriminadoras. Todo delito decorre de uma
norma incriminadora abstrata que necessariamente para se concretizar, em
regra, depende de uma ação ilícita e culpável.
LUIZ LUISI72 leciona ao trazer o pensamento de Graf zu Dohna que:
Subsumindo o tipo penal obrigatoriamente uma ação, e sendo esta uma
concreção da vontade, ele, pode apresentar um aspecto objetivo e outro
subjetivo. Ao tipo objetivo “pertencem todas aquelas características do
delito que se realizam no mundo exterior”. Ao tipo subjetivo concernem
“todos aqueles elementos que estão no interior do agente”.
O tipo concreto, isto é, a ação adequada ao tipo, é, por sua vez, objeto do
juízo de antijuridicidade e culpabilidade.
A palavra tipo penal não era usada pela lei penal brasileira até a
Reforma da Parte-Geral de 1984 do Código Penal, como bem assinala JOSÉ
CIRILO DE VARGAS, sendo que “constitui tradução livre do vocábulo
‘Tatbestand’, empregado no texto do art. 59 do Código Penal alemão de
1871, e provindo da expressão latina corpus delicti”.73
72
O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Fabris, 1987, p. 2930.
Do Tipo Penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 22.
Ͷͻ
73
Contudo, como bem assinala o saudoso mestre da Vestuta Casa de
Afonso Pena74, “Tatbestand” não tem uma tradução pacífica na doutrina75,
sendo que foi em 1906 com Ernst Beling que houve uma revisão profunda do
conceito dessa palavra que “deixa de ser o delito para ser, apenas, um dos
aspectos do mesmo. Uma parte em relação ao todo”.76
CEZAR BITENCOURT77 ao abordar o tema leciona:
Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal. O
tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas
humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da
imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que
considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um
comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos
próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais,
no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma
conduta que não lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha
uma função particular, e a falta de correspondência entre uma conduta e
um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva.
Os tipos penais são compostos por elementos estruturais que
fundamentam o injusto, na descrição típica está implícito um juízo de
valor. Assim, o tipo penal, contrariamente ao que imaginou Beling em sua
concepção inicial, não se compõe somente de elementos puramente
objetivos, mas é integrado, por vezes, também de elementos normativos e
subjetivos.78
Assim, os tipos penais podem possuir os seguintes elementos
estruturais: 1) elemento objetivo ou descritivo, como o próprio nome
indica, é aquele em que descreve objetivamente a conduta na norma. 2)
elemento subjetivo geral é o dolo que se faz presente quando se apresenta
a conjugação do aspectos intelectivos e volitivos do agente na sua conduta,
ou seja, quando há uma atuação consciente e com vontade própria do autor.
74
Nome dado carinhosamente à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
por ter sido Afonso Pena o seu fundador e primeiro diretor.
75
CIRILO DE VARGAS. 2014, p. 22.
76
LUIZ LUISI, 1987, p. 14-15.
77
BITENCOURT, 2013, p. 344.
78
Id., ibid., p. 349.
ͷͲ
3) elemento subjetivo especial, também conhecido como elemento
subjetivo do tipo ou especial do injusto se apresenta quando a norma
reclama a presença de um fim específico na atuação do agente. Pode
expressamente ou não assim dispor a norma penal, entretanto, este especial
fim de agir não integra o dolo (elemento subjetivo geral) que se perfaz com a
consciência e vontade de praticar a conduta nuclear do tipo. 4) elemento
normativo é todo aquele que reclama um juízo valorativo da sua presença
ou não na norma que utiliza expressões que reclamam esse procedimento,
como, exemplo, mulher honesta, coisa alheia móvel etc.
Como exemplo, apontamos o delito de Furto79 (Subtrair coisa alheia
móvel, para si ou para outrem). Neste tipo penal constatamos a presença de
todos os elementos que compõem a estrutura do tipo. O dolo (elemento
subjetivo geral) reside na consciência e vontade de subtrair algo que não lhe
pertence, que é a conduta nuclear do tipo representada pelo verbo (elemento
objetivo). O elemento normativo está no juízo de valoração do que venha a
ser coisa alheia móvel, e o elemento subjetivo do tipo no para si ou para
outrem, ou seja, no fim específico que motiva o agente a praticar a conduta
delituosa de subtrair coisa alheia móvel.
Há de se ressaltar que todo tipo penal apresenta um elemento objetivo
ou descritivo, mas não necessariamente os demais elementos. Se o delito for
culposo, não há dolo, portanto se afasta a presença do elemento subjetivo
geral. Se a ação do agente não tem nenhuma finalidade específica, não há
que se falar na presença do elemento subjetivo do tipo, assim como não há
elemento normativo se a norma penal não apresenta expressão que reclama
um juízo de valoração. Exemplo: O homicídio80 (Matar alguém). É um tipo
79
80
Art. 155 do Código Penal Brasileiro.
Art. 121 do Código Penal Brasileiro.
ͷͳ
penal que apresenta um elemento objetivo ou descritivo de uma conduta e a
presença do elemento subjetivo geral (dolo), não havendo que se fazer
qualquer juízo de valoração sobre qualquer expressão utilizada (elemento
normativo) e o agente não atua com um fim específico (elemento subjetivo
especial), se o faz, a norma não exige para a configuração do homicídio
simples.
Lado outro, finalizando, assim como há o injusto doloso, há o injusto
culposo, sendo o conteúdo estrutural daquele diferente deste. Enquanto
naquele “é punida a conduta dirigida a um fim ilícito”81, neste – injusto
culposo – “pune-se a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim
penalmente irrelevante, quase sempre lícito”.82
3. CLASSIFICAÇÃO
3.1. Quanto à estrutura
Os tipos penais se classificam quanto à sua estrutura em básicos ou
fundamentais e derivados.
O tipo básico é aquele que descreve a ação incriminadora no caput da
norma penal, essencial à configuração do delito. O tipo derivado, como o
próprio nome indica, são aqueles que derivam do básico ou fundamental, são
os denominados crimes qualificados que podem dar-se pela conduta ou pelo
resultado mais gravoso.
Não se pode confundir majorante ou causa de aumento com o tipo
derivado, porque este constitui um plus incriminador, um desdobramento
autônomo da conduta ou do seu resultado decorrente do tipo básico,
81
82
BITENCOURT, 2013, p. 371.
Id., ibid., loc. cit.
ͷʹ
enquanto a majorante são apenas causas circunstanciais que se vinculam ao
tipo básico agravando a conduta do agente descrita no caput da norma
penal.
Todo tipo derivado tem pena autônoma mínima e máxima autônoma e
mais gravosa que o tipo básico ou fundamental, enquanto as causas de
aumento agravam em percentuais as penas previstas no tipo básico. Ex.: No
roubo83, se a ação básica ou fundamental é praticada mediante o emprego
de arma ou concurso de duas ou mais pessoas84, há incidência dessas
causas de aumento que agravam a conduta do agente descrita no tipo
básico, passando a pena nele prevista a ter um agravamento percentual a
ser considerado pelo julgador na terceira fase da aplicação da pena, mas se
dessa ação violenta descrita no caput do artigo 157 do Código Penal há
lesão corporal de natureza grave ou morte85, estamos diante de um crime
qualificado pelo resultado ou tipo penal derivado que apresenta preceito
secundário autônomo e mais grave que o básico ou fundamental, com uma
nova pena mínima e máxima privativa de liberdade.
3.2. Quanto ao bem jurídico tutelado
A doutrina penal dominante sustenta que o Direito Penal se destina a
tutelar bem jurídicos essenciais e não à assegurar a vigência da norma,
83
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência.
84
Art. 157 - ...
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
...
§2º - A pena aumenta-se de um terço até a metade:
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma.
II – se há concurso de duas ou mais pessoas.
85
Art. 157 - ...
...
§3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos,
além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
ͷ͵
como defende Günther Jakobs e seus seguidores, razão pela qual o
legislador não cria tipos penais sem uma finalidade específica de tutelar o
dano ou perigo, sendo que JOSÉ CIRILO VARGAS leciona que para “se
distinguir se um tipo é de dano ou de perigo, deve-se considerar o instante
em que, segundo a descrição típica, a conduta se torna perfeita”.86
3.3. Quanto à unidade ou pluralidade de bens jurídicos tutelados.
Os tipos penais podem se restringir a tutelar um único bem jurídico,
como a vida no homicídio, ou uma pluralidade de bens jurídicos, como no
roubo em que se tutela o patrimônio, a integridade física da vítima e a
liberdade, estes tidos como tipos complexos.
3.4. Quanto ao seu conteúdo
Os tipos penais podem ser formais que também são chamados de
mera conduta, em que há consumação antecipada do delito que não
depende do resultado naturalístico que os tipos materiais reclamam para a
sua existência. Podemos dizer que mesmo nos tipos formais há
consumação, só que não naturalística, mas sim normativa.
3.5. Quanto à ação
Neste nosso limitado espaço pretendemos apenas abordar o aspecto
classificatório dos tipos penais quanto à ação, local em que reside a
problemática a ser enfrentada perante o delito de estupro, considerando
posição de parte da doutrinária e jurisprudência que vem sendo adotada no
enfrentamento desse tipo penal e seus graves reflexos que podem ocorrer
em face de uma exegese menos acurada que o senso comum jurídico
fomenta diante de um regime capitalista de produção e de uma opinião
86
Op. cit., p. 150.
ͷͶ
pública que se lastreia numa mídia sensacionalista movida pelo sentimento
punitivista, sem deixar de lado a pouca atenção que a doutrina penalista tem
dado ao longo do tempo a essa classificação e diferenciação que tem
reclamado, diante desse quadro atual, uma atenção especial.
Assim, os tipos penais, quanto a sua ação, podem ser simples ou
mistos.
3.5.1. Tipos simples ou unitários
São aqueles que têm apenas um núcleo do tipo que se expressa por
meio de um único verbo que informa a conduta reitora ou nuclear da ação
que viola o bem jurídico tutelado pela norma penal.
Expressam uma única ação desenvolvida por meio de apenas um
verbo e, em consequência, o fato-crime em espécie. Ex.: No homicídio
simples (matar alguém), o único verbo existente e, no caso, reitor da conduta
incriminada, é matar.
3.5.2. Tipos mistos, compostos ou de conteúdo variável.
Os tipos penais mistos - compostos para JOSÉ CIRILO VARGAS87 -,
se dividem em alternativos e por acumulação. Parte da doutrina penal tem
dado pouco ou nenhum enfoque a essa distinção, ou quando o faz, em regra,
não se utiliza da profundidade necessária88, contudo consignamos que
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO89 com propriedade e profundidade abordou o
tema à época.
87
Op. cit., p. 146.
André Estefan, Cleber Masson, Cezar Roberto Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, Damásio
E. Jesus, Jorge Figueiredo Dias, Francisco Muñoz Conde, Santiago Mir Puig e João Mestieri.
89
FRAGOSO, 1985, p. 161-162.
ͷͷ
88
Para este penalista, os tipos penais mistos alternativos são aqueles em
que o núcleo do tipo se apresenta em mais de um verbo, sendo indiferente
se a conduta do agente se realiza mediante uma ação que se amolde
apenas um deles ou não, já que há fungibilidade e a unidade delituosa não
se altera, violando-se sempre um mesmo bem ou interesse tutelado.
Já os tipos penais mistos por acumulação, não cumulativos como
consigna por ser algo diverso90, igualmente são aqueles em que há no
núcleo do tipo mais de um verbo a identificar a conduta do agente, contudo
diversamente dos alternativos, elas são infungíveis entre si, havendo a
possibilidade real e concreta da ocorrência de concurso de crimes quando
praticadas as condutas dentro do mesmo contexto fático.
Na mesma trilha se encontra CLEBER MASSON91 para quem no tipo
misto alternativo há descrição de mais de uma conduta como hipóteses de
realização do mesmo delito, não alterando a unidade a prática de mais um
núcleo do tipo, enquanto no misto, que chama de cumulativo, há realização
de uma conduta leva ao concurso material, como se dá no abandono
material do art. 244 do CP.
De forma bem didática, temos a conceituação que LUIZ RÉGIS
PRADO92 apresenta ao tratar dessa classificação, sendo que no tipo misto
alternativo “há uma fungibilidade (conteúdo variável) entre as condutas,
sendo indiferente que se realizem uma ou mais, pois a unidade delitiva
90
FRAGOSO, 1985, p. 162: “Isto não ocorre com os chamados tipos cumulativos. Esta
designação é evidentemente imprópria: não há tipos cumulativos. Há disposições legais que
contêm, independentemente, mais de uma figura típica de delito, ou seja, nas quais há tipos
acumulados. Nestes casos, haverá sempre concurso, em caso de realização de mais de um tipo.
São exemplos de leis mistas cumulativas os arts. 135, 180, 208, 242, 244, 248, 326 etc.”
91
Direito Penal Esquematizado – Parte Geral (arts. 1º ao 120). 6. ed. rev., atual. e ampl., Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012a, p. 162, vol.1.
92
Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral – Arts. 1.º a 120. 10. ed. rev., atual. e ampl.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 330-331, vol. 1.
ͷ
permanece inalterada”, enquanto no tipo misto por acumulação, que
igualmente a Masson denomina de cumulativo, “não há fungibilidade entre as
condutas, o que implica, em caso de se realizar mais de uma, a aplicação da
regra cumulativa – concurso material”.
Comumente acontece na prática, para finalizarmos e demonstrarmos a
importância desse estudo, um entendimento equivocado sobre a tipificação a
ser feita quando da prática do delito do art. 1ª da Lei n. 8.137/1990, que diz
respeito aos crimes contra a ordem tributária.
Esse tipo penal, no caput, apresenta como condutas reitoras ou
nucleares os verbos suprimir ou reduzir tributo (tipo misto alternativo), ou
contribuição social e qualquer acessório, sendo que os seus cinco incisos da
norma apenas descrevem o meio pelo qual essas ações reitoras podem se
dar, enumerando as condutas-meio possíveis de serem realizadas, sendo
eventualmente confundidas, na prática de mais de uma delas, como crimes
autônomos contra ordem tributária para se pleitear, equivocadamente, o
concurso de crimes, o que, em se aceitando, acarreta tamanha injustiça ao
ferir o princípio ne bis in idem.
3.5.3. Tipos penais mistos sui generis
Fora os tipos penais mistos alternativos e por acumulação, entendemos
que existem tipos penais mistos que embora por acumulação, são também
alternativos, residindo estes numa parte da própria norma penal que quando
conjugada com a outra parte passam a ser mistos por acumulação, ou seja,
tipos compostos que às vezes podem se apresentar só alternativos.
A ação do agente pode se concretizar por uma ou mais condutas
alternativas presentes em parte da norma de forma a aperfeiçoar o delito
imputado, sem que necessariamente tenha que realizar conduta prevista em
ͷ
outra parte do mesmo dispositivo que, se dada de forma acumulada, num
mesmo contexto fático, pode configurar o denominado tipo misto por
acumulação, por alterar a unidade do delito com condutas infungíveis entre
si, permitindo a incidência do concurso de crimes.
O delito de receptação é um exemplo, descrevendo em seu preceito
primário:
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito
próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que
terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. (grifo nosso)
Esse delito tem como condutas nucleares na sua primeira parte, os
verbos adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, enquanto a sua
segunda parte apresenta apenas o verbo influir como conduta nuclear,
sendo os demais verbos (adquira, receba ou oculte) apenas indicativos do
resultado da conduta antecedente de influenciar realizada pelo agente.
Assim, constatamos que a norma penal acima é dividida em duas
partes. A primeira reside na ação do agente que adquiri, recebe, transporta,
conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto
de crime. A segunda parte que tem como marco divisório, no caso, a
conjunção alternativa ou, ocorre quando o autor influir para que terceiro, de
boa-fé, a adquira, receba ou oculte.
O agente pode realizar num mesmo contexto fático uma ou mais
condutas da primeira parte que o tipo penal de receptação se aperfeiçoará
com a unidade do delito não se alterando, uma vez que as condutas
nucleares previstas nesta parte são fungíveis entre si, caracterizando o
denominado tipo misto alternativo. Assim, nessa hipótese, mesmo que
pratique mais de uma conduta nuclear no mesmo contexto fático, responderá
apenas por um delito de receptação.
ͷͺ
Entretanto, se realizar na mesma situação fática qualquer uma das
condutas previstas na primeira parte e concomitante a descrita na segunda
parte (influir terceiro de boa fé para adquirir, receber ou ocultar) do mesmo
dispositivo penal, há de se reconhecer que se passa a estar diante de um
tipo misto por acumulação por serem infungíveis entre si as condutas
nucleares praticadas em ambas as partes.
Nesse caso, a unidade do delito se altera e a incidência do concurso de
crimes se faz presente, nada obstando, noutro giro, que o agente possa
isoladamente apenas praticar a conduta descrita nesta citada segunda parte
que responderá por um delito de receptação, sendo esta última parte do
delito um tipo simples ou unitário que, como se sabe, possui um único verbo
(influir).
Para HELENO CLÁUDIO FRAGOSO93, assim como outros que aponta,
o delito de receptação é um tipo penal misto por acumulação, o que está
correto, contudo não se pode ignorar que só será assim caracterizado se
realizada, como dito acima, uma das condutas – adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar - da primeira parte do tipo penal
concomitantemente com aquela prevista na segunda parte – influir - numa
mesma situação fática. Do contrário, se praticada apenas alguma daquelas
da primeira parte, se estará diante de um tipo misto alternativo, e se
realizada apenas a conduta descrita na segunda parte da norma penal em
questão, estaremos diante de um tipo simples ou unitário e da prática
igualmente de um só crime de receptação, mas não de um tipo misto por
acumulação.
93
FRAGOSO, 1985, p. 162.
ͷͻ
A percepção dessa distinção é de suma importância diante do caso
concreto, sob pena de se cometer injustiças fazendo incidir o concurso de
crimes quando não se devia, ou mesmo não o considerando como presente
quando se deveria no caso concreto, ou seja, pode ter sérias consequências
na aplicação da pena e no que se possa entender por justiça.
Assim, resumindo, podemos afirmar que nada obsta que num mesmo
contexto fático um agente adquira e influencie terceiro de boa-fé para que
oculte o bem até momento posterior. Ex.: “A” vai de carona com “B” adquirir
um veículo que sabe ser produto de crime. Tão logo fecha o negócio com
“C”, pede a “B” que nada sabia da ilicitude da conduta de “A”, que guarde na
garagem de sua casa o citado veículo por sete dias até conseguir vaga para
guarda-lo, ou seja, “B”, terceiro de boa-fé, influenciado por “A”, oculta o bem
ilícito sem que saiba dessa ocorrência ilegal.
Diante dessa hipótese, estaria configurado o tipo misto por acumulação
que faz incidir concurso de crimes, uma vez que a unidade do delito se
alterou, praticando o agente duas condutas distintas do mesmo crime, dentro
do mesmo contexto fático, ou seja, dois crimes de receptação.
Então, assim, estaríamos diante de um tipo penal de misto sui generis
por conter num mesmo tipo ações que podem ou não ser fungíveis entre si,
sem que num caso ou noutro haja a descaracterização do delito imputado,
por isso mesmo entendemos que deva ser objeto de atenta observação por
todos os atores jurídicos que atuam nos processos criminais.
Ͳ
CAPÍTULO IV
TIPO LEGAL DO ESTUPRO DO NÃO-VULNERÁVEL NA LEI Nº
12.015/2009
Dispõe, ipsis litteris, a atual redação do art. 213 do Código Penal
Brasileiro:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso.
Destarte, para enfrentarmos a problemática a que nos dispomos, restanos fazer uma (re) leitura do dispositivo que nos permita apurar se estamos
diante de que tipo penal, simples ou composto, se este, alternativo ou por
acumulação ?
4. O TIPO PENAL NA DOUTRINA
O delito de estupro (CPB; art. 213), com a nova redação dada pela Lei
n. 12.015/2009 passou a aglutinar no seu elemento descritivo o revogado
crime de atentado violento ao pudor (CPB; art. 214), o que causou muitas
interpretações judiciais equivocadas.
A conjunção carnal sempre foi espécie do gênero atos libidinosos,
como continua a ser, embora integrando na atualidade ambas as
denominações no mesmo tipo legal (estupro), não sendo, portanto, de
espécies diferentes antes ou depois da Lei n. 12.015/2009, o que sempre
demonstrou a duvidosa admissibilidade de reconhecimento de crime
ͳ
continuado, concurso material ou formal de crimes quando praticado numa
mesma situação fática, objeto de inúmeras controvérsias judiciais, inclusive
no STJ e STF.
Nessa linha, com a nova redação do art. 213 do CP (“Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”), constata-se
que por uma questão de política criminal, o legislador infraconstitucional
entendeu por bem fundir em um único tipo legal a conjunção carnal e outro
ato libidinoso, não fazendo diferença se o agente no mesmo contexto fático
realizou ou não ambas, uma vez que estaremos diante de uma única ação
que caracteriza o delito de estupro e, em consequência - para os que assim
sustentam a sua possível ocorrência - a unidade do delito de estupro não se
irá alterar por serem fungíveis entre si essas ‘condutas’.
Sobre esse aspecto, leciona CEZAR BITENCOURT94:
O constrangimento ilegal objetiva a prática de atos de libidinagem
(qualquer das duas modalidades, ou ambas, isoladas, conjuntas ou
simultaneamente). A violência aliada ao dissenso da vítima – duas
elementares típicas, uma expressa (violência), e outra implícita (dissenso)
– devem ser longamente demonstradas, nas duas figuras típicas. Por
outro lado, tratando-se de crime de ação múltipla (ou de conteúdo
variado) não há que se falar em concurso de crimes, material ou formal,
quando praticados no mesmo contexto. Supera-se, assim, aquela enorme
dificuldade da jurisprudência majoritária que insistia interpretar, no mesmo
contexto, a configuração de concurso material de crimes, ainda que se
tratasse de meros atos preliminares ou até vestibulares.
No entanto, quando tais fatos – conjunção carnal e atos libidinosos
diversos – forem praticados em contextos distintos, não há como não
admitir o concurso de crimes, a nosso juízo, em continuidade delitiva ou
em concurso material, dependendo das circunstâncias, seja pela extrema
gravidade, seja por desígnios autônomos ou simplesmente por política
criminal para desencorajar a prática de atos tão repugnantes. (grifo do
autor)
94
BITENCOURT, 2014, p. 53.
ʹ
GULHERME NUCCI95 é enfático ao assinalar, numa visão garantista,
sobre a alteração produzida no dispositivo em comento pela Lei nº
12.015/2009 que:
Hoje, tem-se o estupro, congregando todos os atos libidinosos (dos quais
a conjunção carnal é apenas uma espécie) no tipo penal do art. 213. Esse
modelo foi construído de forma alternativa, o que também não deve
causar nenhum choque, pois o que havia antes, provocando o concurso
material, fazia parte de um excesso punitivo não encontrado em outros
cenários de tutela penal a bens jurídicos igualmente relevantes. A
dignidade da pessoa humana está acima da dignidade sexual, pois esta é
apenas uma espécie da primeira, que constitui o bem maior (art. 1º, III,
CF). Logo, pretender alavancar a dignidade sexual acima de todo e
qualquer outro bem jurídico significa desprestigiar o valor autêntico da
pessoa humana, que ficaria circunscrita à sua existência sexual, portanto,
deve ter todos os direitos respeitados, tal como o autor de qualquer outro
delito grave. Particularmente, não se podem olvidar os princípios-garantia,
constitucionalmente previstos, em nome de um subjetivismo individualista
e, por vezes, conservador, para a interpretação do novo art. 213.
Visualizar dois ou mais crimes, em concurso material, extraídos das
condutas alternativas do crime de estupro, cometido contra a mesma
vítima, na mesma hora, em idêntico cenário, significa afrontar o princípio
da legalidade (a lei define o crime) e o princípio da proporcionalidade, vez
que se permite dobrar, triplicar, quadruplicar etc., tantas vezes quantos
atos libidinosos forem detectados na execução de um único estupro.
[...]
Essa é a visão do art. 213, que não deve comportar tergiversação.
[...]
A nova redação do art. 213 adotou a conhecida fórmula do tipo misto
alternativo, que, em nome da legalidade e em respeito à
proporcionalidade, garantias constitucionais fundamentais, deve ser
respeitado. A submissão à lei é justamente o escudo protetor do
indivíduo, caracterizando o Estado Democrático de Direito, cuja principal
missão é tutelar a dignidade da pessoa humana. (grifo do autor)
PAULO BUSATO ao tratar do tema, ressalta num momento inicial que
“o tipo penal possui como núcleo a expressão constranger”96, acrescentando
que “se explica o modus operandi do constrangimento, abrindo a
95
Código Penal Comentado. 11. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012,
p. 940-941.
Direito Penal: Parte Especial 1. São Paulo: Atlas, 2014, p. 795.
͵
96
possibilidade de que ele se realize mediante violência ou grave ameaça”97,
ou seja, reconhece corretamente que há apenas uma conduta nuclear, o que
constrói implicitamente se tratar de um tipo simples ou unitário, entretanto
logo à frente assinala
que existe importante discussão sobre se o tipo penal é misto alternativo
ou misto cumulativo.
Pois bem: embora a orientação dos Tribunais Superiores tenha sido no
sentido da adoção do modelo de um tipo misto cumulativo, a circunstância
analisada demonstra justamente o contrário.98
Refuta acertadamente, adiante, que se trate de um tipo penal misto por
acumulação, e nada trata expressamente se então estamos diante de um
tipo misto alternativo ou simples, mas é enfático em afirmar corretamente
que “caso exista a prática de atos libidinosos diversos e também da
conjunção carnal, o crime será único, sempre e quando o contexto de
constrangimento seja também um só. Conquanto haja opiniões diversas,
especialmente na jurisprudência, essa parece a solução mais lógica para o
caso”.99
Diante desse contexto, podemos afirmar que no tipo penal misto
alternativo a ação é única que se pode dar por mais de uma conduta nuclear,
por isso há fungibilidade entre elas e a unidade do delito não se altera com a
prática ocasional de mais de uma delas. Já no tipo misto por acumulação há
viabilidade da prática, no mesmo contexto ou não, de mais de uma ação
dentro do mesmo tipo legal, ainda que mediante mais de uma conduta,
violando sempre, em ambos os tipos penais, o mesmo bem jurídico, contudo
neste100 as ações são infungíveis entre si que, em regra, estão separadas
97
BUSATO, 2014, p. 795.
Id., ibid., p. 799.
99
Id., ibid., p. 800.
100
Tipo misto por acumulação.
98
Ͷ
gramaticalmente por ponto e vírgula, podendo ser também pela conjunção
alternativa ou, levando em consideração que toda ação humana dolosa, que
não seja instintiva, decorre da necessária presença subjetiva dos elementos
volitivos e intelectivos, sem que necessariamente se faça presente o
elemento subjetivo especial ou do tipo.
Temos como exemplo de tipo misto alternativo, de ação múltipla ou
conteúdo variável, dentre outros, o “Tráfico de Drogas” (art. 33 da Lei n.
11.343/2006), bem como do tipo misto por acumulação o delito de “Parto
Suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de
recém-nascido” (CPB; art. 242).
Dessa forma, entendem parte desses doutrinadores que se trata o
atual artigo 213 do CP de um tipo misto alternativo em que as condutas
referentes à ação delituosa101 estão separadas pela conjunção alternativa ou,
mas não um tipo misto por acumulação, uma vez que não há fatos ou ações
distintas que integram o mesmo tipo legal, mas apenas a possibilidade de
haver uma pluralidade de atos por parte do agente em uma única ação
(estupro)
que
se
desenvolva
dentro
do
mesmo
contexto
102
Contrariamente a este posicionamento, CLEBER MASSON
fático.
crítica por
entender se tratar o delito de estupro de um tipo penal simples, o que vai ao
encontro da posição implícita de PAULO BUSATO acima citada quando
reconhece existir apenas uma conduta nuclear incriminada.
5. O TIPO PENAL NA JURISPRUDÊNCIA
Na atualidade, após as modificações introduzidas pela Lei n.
12.015/2009, para configurar o tipo penal do estupro de não-vulnerável
101
Estupro.
Direito Penal Esquematizado – Parte Especial (arts. 213 a 359-H). 2. ed., rev., atual. e
ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012b, p. 17-18.
ͷ
102
(CPB; art. 213) ou de vulnerável (CPB; art. 217-A), tanto faz se há conjunção
carnal ou ato libidinoso diverso, requisito necessário que o Superior Tribunal
de Justiça, mutatis mutandis, já pacificou com relação ao estupro de
vulnerável diante da clareza descritiva do tipo legal:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. PRÁTICA DE CONJUNÇÃO CARNAL OU DE ATO
LIBIDINOSO DIVERSO CONTRA MENOR. PRESUNÇÃO DE
VIOLÊNCIA. NATUREZA ABSOLUTA. ART. 217-A DO CP. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Para a consumação do crime de estupro de vulnerável, não é
necessária a conjunção carnal propriamente dita, mas qualquer prática de
ato libidinoso contra menor. Jurisprudência do STJ.
2. Agravo regimental improvido.103
Entretanto, no que diz respeito à natureza do tipo penal do crime de
estupro, o Superior Tribunal de Justiça se encontra dividido, notadamente
quando há a prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos, ou viceversa, no mesmo contexto fático.
À unanimidade, a 6ª Turma do STJ entende que a nova redação do art.
213 do CP, dada pela Lei n. 12.015/2009, fundiu em um único tipo legal o
atentado violento ao pudor e o estupro104, o que o caracteriza como tipo
misto alternativo, enquanto a sua 5ª Turma, igualmente à unanimidade,
entende que as referidas condutas foram reunidas num único tipo legal (CP;
art. 213), viabilizando, neste caso, o concurso de crimes quando praticados
103
BRASIL. STJ. AgRg no REsp 1244672/MG. 5ª Turma. Rel. Min. CAMPOS MARQUES
(Desembargador Convocado do TJ/PR). j. 21/05/2013. DJe 27/05/2013. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=estupro+e+tipo+penal&&b=ACOR&p=tru
e&t=&l=10&i=16>. Acesso em: 08 jun. 2013.
104
BRASIL. STJ. HC 156323/SP. 6ª Turma. Rel. Min. Og Fernandes. j. 27/11/2012. DJe
18/12/2012.
Disponível
em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=estupro+e+tipo+penal&&b=ACOR&p=tru
e&t=&l=10&i=16>. Acesso em: 8 jun 2013.
num mesmo contexto fático105, entendendo, portanto, se tratar de um tipo
misto por acumulação. Igualmente, neste último sentido, encontramos
precedentes do Supremo Tribunal Federal por meio dos Informativos nº 577,
578 e 595.106
Por sua vez, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também se
encontra dividido sobre o tema, aliando-se uma parte ao entendimento do
STF e da 5ª Turma do STJ107, enquanto outra, não menos qualificada,
comunga do posicionamento da 6ª Turma do STJ e de grande parte da
doutrina108, como recentemente se posicionou a sua 3ª Câmara Criminal do
TJMG ao negar provimento à apelação do Ministério Público que pretendia
ver reformada sentença singular para ser reconhecido o concurso de crimes
dentro do mesmo contexto fático de um delito de estupro (CPB; art. 213),
com base na tese de que se tratava de um tipo misto por acumulação.109
Contudo, recentemente a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que
congrega a 5ª e 6ª Turma, pacificou o entendimento que se trata de crime
único por ser um tipo misto alternativo, se praticadas as condutas descritas
105
BRASIL. STJ. HC 105533/PR. 5ª Turma. Rel.(a) Min.(a) Laurita Vaz. j. 16/12/2010. DJe
07/02/2011.
Disponível
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<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=estupro+e+tipo+e+alternativo&&b=ACOR
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106
BRASIL.
STF.
Disponível
em:
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107
BRASIL. TJMG. AgExec. 1.043.08.262252-6/001. Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, j.
13/11/2012,
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108
BRASIL. TJMG. AgExec. 1.0079.04.142772-9/001. Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, j.
30/10/2012,
pub.
08/11/2012.
Disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/portal/informativo/pesquisarInformativo.asp>. Acesso em: 8 jun. 2013.
109
BRASIL. TJMG. ACrim 0702.11.040014-1. 3ª CCriminal. Rel. Des. Paulo Cezar Dias. j.
02/04/2013.
pub.
07/05/2013.
Disponível
em:
<
http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_complemento2.jsp?listaProcessos=10702110400141001>.
Acesso em: 8 jun 2013.
no delito num mesmo contexto110, o que em nada afeta a aplicação da pena
se o entendimento fosse de que se tratava, como entendemos, de um tipo
penal simples ou unitário o delito de estupro (CPB; art. 213) com a nova
redação da Lei n. 12.015/2009.
6. REFLEXOS: APLICAÇÃO DA PENA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Na aplicação da pena, a incidência de concurso de crimes no mesmo
contexto fático, com base no entendimento de que o atual delito de estupro é
um tipo misto por acumulação, nos levará à absurda e desproporcional
possibilidade de se apenar com maior gravidade o estupro de não-vulnerável
(CPB; art. 213) que o de vulnerável (CPB; art. 217-A), uma vez que este é
flagrantemente um tipo penal misto alternativo111, o que reclama uma
interpretação mais racional, equânime e sistemática do disposto no atual
artigo 213 do Código Penal Brasileiro.
Nessa linha, considerar o delito de estupro do art. 213 do CP um tipo
misto por acumulação quando da aplicação da pena, viola o princípio
constitucional da individualização da pena, da humanidade das penas e
também o princípio do ne bis in idem, já que o agente estará sendo apenado
de forma cruel duas ou mais vezes pelo mesmo fato, ou até mesmo de forma
mais ousada, é afirmar que se está adotando, pura e simplesmente, a teoria
das essências de Platão112 sob o fundamento simplório de que a nova
redação do delito de estupro contém também a figura do revogado crime de
110
BRASIL.STJ.HC 24367/SP, 6ª Turma. Rel. (a) Assusete Magalhães. J. 12/11/2013, DJe
13/11/2013.
Disponível
em:
<htpp://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudência/toc.jsp?tipo_visualizacao=estupro+e+tipo+misto&b=A
COR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em 01 out 2014.
111
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos.
112
OMMATI, José Emílio Medauar. Heidegger, Gadamer e Dworkin: a teoria do direito como
integridade e sua aproximação com o giro hermenêutico na filosofia. In: Filosofia do Direito
Novos Rumos. PEDRA, Adriano Sant’Ana. Et al. KROLING, Aloísio, FERREIRA, Dirce Nazaré de
Andrade (coord.). Curitiba: Juruá, 2012, p. 69-70.
ͺ
atentado violento ao pudor, por isso se trata de um tipo misto por
acumulação, quando se essa fosse a mens legis, bastaria permanecer vivo o
revogado art. 214 do CP com a edição da Lei n. 12.015/2009.
Assim, para nós, a decisão judicial que reconhece se tratar de tipo
misto por acumulação para considerar eventual ocorrência de concurso de
crimes, viabiliza uma intervenção estatal além da necessária, extrapolando
os limites do ius puniendi ao permitir um agravamento desproporcional e
abusivo da pena quando da sua fixação, o que vai de encontro ao moderno
direito penal garantista e, a nosso sentir, macula o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana (vetor dos demais direitos fundamentais) que
lastreia um Estado Democrático e Social de Direito, sendo a melhor solução
aquela “de tomar a norma penal como instrumento de delimitação entre o
poder de intervenção do Estado e a liberdade individual”.113
Como sabido, e acima já citado, a dignidade da pessoa humana é
princípio fundamental do nosso Estado Democrático de Direito (CF; art. 1º,
III) e é direito individual fundamental, por isso falar da dignidade da pessoa
humana é falar de direitos humanos e não de coisas ou objetos, razão pela
qual todo e qualquer autor do fato em um processo criminal, por pior que
tenha sido o crime praticado, há de ter assegurado os seus direitos como
todo e qualquer ser humano, notadamente, no caso, de ser tratado com
dignidade de forma a não ter maculada a sua liberdade de forma
desarrazoada e a sua integridade física e moral de maneira desproporcional
já que por seus atos se encontra sendo julgado com possibilidades de sofrer
as sanções legais pertinentes à sua liberdade.
113
Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 158.
ͻ
Nesse viés, é razoável que sofra, no caso de condenação pela prática
do referido delito de estupro, uma pena proporcional à sua culpabilidade,
dentro dos limites legais, mas não que venha a sofrer qualquer sanção
desmedida com base numa exegese decorrente de um movimento punitivista
que enfatiza o efeito simbólico do Direito Penal para gerar a falsa sensação
de segurança à sociedade.
O direito é uma ciência da regulação que nos conduz com facilidade ao
senso comum jurídico, perigoso terreno movediço por onde tramitam os
profissionais do direito por poder nos levar a cometer injustiças na falta de
exercício de um senso jurídico crítico que leve o nosso conhecimento a estar
em crise, viabilizando, assim, dar a cada um, o que é seu por direito de forma
mais equânime e racional que afaste as injustiças.
FÁBIO KONDER COMPARATO114 se posiciona com acerto quando
afirma que
a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus
direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor
física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens
recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente
diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas mutilações
aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de
novas regras de uma vida mais digna para todos.
O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso
Estado Democrático e Social de Direito (CF; art. 1º, III), “constitui o valor
unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são uma
concretização daquele princípio”, não se podendo negar que todo aquele que
sofre qualquer restrição de sua liberdade de forma desmedida ou ilegal, tem
maculada a sua dignidade humana que tem nesse direito fundamental de
114
A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 8. ed., São Paulo Saraiva, 2013, p. 50.
Ͳ
primeira
dimensão
(liberdade)
a
sua
direta
correspondência
mais
115
elementar.
7. UMA (RE) LEITURA DO TIPO PENAL
7.1. Do estupro de não-vulnerável
O que dá origem a um fato-crime é a pratica de uma ação típica, ilícita
e culpável, sendo que ela pode se desenvolver por uma ou mais condutas
que possam estar descritas no tipo penal.
Nessa esteira, se sabe que são os verbos que constituem os núcleos
dos tipos e informam as condutas nucleares ou reitoras, mas há tipos penais
que possuem vários verbos, embora apenas alguns possam ser tidos como
núcleos do tipo, fazendo-se necessária uma leitura acurada com base na
classificação dos tipos penais quanto às ações para uma correta e racional
identificação das condutas reitoras que são tidas pela norma penal como
incriminadoras.
No caso, o delito do estupro de não-vulnerável do art. 213 do CP, na
sua redação atual, como já anunciado, assim preceitua em seu tipo
fundamental:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso. (grifo nosso)
Nessa toada, podemos afirmar sem medo de errar que temos descrito
no referido tipo penal os verbos constranger, praticar e permitir, o que tem
levado, com o devido respeito, a interpretações equivocadas sobre a
115
A Eficácia dos Direitos Humanos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. 11. ed., rev. e atual., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.
95.
ͳ
classificação do delito de estupro quanto à ação, afinal só um deles se
apresenta como conduta verbal reitora.
Com efeito, a conduta nuclear desse delito se expressa no verbo
constranger, sendo que este se dá por meio de violência ou grave ameaça,
para que alguém tenha com o (a) autor (a) conjunção carnal, ou que seja,
assinalo, constrangido da mesma forma a praticar ou permitir com ele se
pratique outro ato libidinoso, como bem pontuam CLEBER MASSON116 e
PAULO BUSATO117, pois afinal, com consentimento não há constrangimento,
este que ocorre com o dissenso da vítima.
Ora, em sendo assim, inegavelmente, repita-se, a conduta reitora ou
nuclear se expressa por meio do verbo constranger que é o núcleo do tipo,
sendo os verbos praticar e permitir apenas informadores das formas
possíveis de se dar a violência sexual, porque tanto para a conjunção carnal
como para os outros atos libidinosos, há de estar presente o dissenso da
vítima que ocorre por meio da conduta de constranger, no caso, mediante
violência ou grave ameaça, pois praticar conjunção carnal ou permitir que se
pratique consigo atos libidinosos diversos, por si só, sem o dissenso de uma
das partes, ou seja, com o consenso, não é proibido.
Dessa forma, reiteramos nosso entendimento de que o delito de
estupro de não-vulnerável na atualidade, numa releitura do dispositivo, se
trata de um tipo penal simples ou unitário, o que inviabiliza - assim como
para parte da doutrina e jurisprudência que entende se tratar de um tipo
misto alternativo - que se dê a ocorrência de concurso de crimes quando
num mesmo contexto fático forem praticadas a conjunção carnal e outro (s)
ato (s) libidinoso (s) diverso.
116
117
MASSON, 2012b, p. 18.
Direito Penal: Parte Especial 1. São Paulo: Atlas, 2014, p. 795.
ʹ
Portanto, se sustentando se tratar o estupro de não-vulnerável de um
tipo penal misto alternativo ou um tipo penal simples ou unitário, na essência,
não acarretará qualquer alteração quando da aplicação da pena, residindo a
questão no melhor apuramento técnico jurídico-penal.
Entendimento em contrário afirma equivocadamente que o delito de
estupro do não-vulnerável após a Lei n. 12.015/2009 se trata de um tipo
misto por acumulação.
É certo que nada obsta, muito pelo contrário, antes recomenda, que na
hipótese da prática concomitante e/ou simultânea desses atos libidinosos
acima citados, sejam considerados quando da análise da primeira
circunstância judicial da culpabilidade prevista no art. 59 do CP para a
fixação da pena-base na sentença.
Neste momento em que se inicia a individualização da pena na esfera
judicial é que se leva em consideração esse fato para formular um juízo de
censurabilidade ou reprovabilidade da conduta do agente na prática do
referido delito, afinal a gravidade de sua ação é maior se além da conjunção
carnal houve coito anal, vestibular e/ou sexo oral etc., bem como se a
violência real extrapolar àquela que pode ser tida como inerente ao tipo para
constranger.
Portanto, considerando-se que a conjunção carnal é espécie do gênero
atos libidinosos, e que o dispositivo acima visa tutelar o bem imediato
(liberdade sexual) e mediato (dignidade sexual), é razoável, justo e equânime
desenvolver uma exegese que dê racionalidade à referida norma penal de
forma que consideremos como uma única ação de estupro, todo agente que
constrange a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a praticar
conjunção carnal ou permitir que com ela se pratique atos libidinosos
͵
diversos, ainda que num mesmo contexto fático haja uma pluralidade de atos
sexuais.
Como crime único, que sustentamos, tecnicamente se reconheça se
tratar de um tipo simples ou unitário, alternativamente, para os que
sustentam a sua existência, que seja misto alternativo, mas não misto por
acumulação.
7.2. Do estupro de vulnerável
No que tange ao delito de estupro de vulnerável do art. 217-A do CP118,
com o aprofundamento da pesquisa alteramos primeiramente nosso
posicionamento sobre o ponto em que deve recair a presunção, e num
segundo momento firmamos aquele que esta presunção deve ser relativa e
não absoluta, como sustentado ao longo deste escrito.
O fato dessa presunção expressamente ser prevista no revogado art.
224, “a”, do Código Penal pela Lei n. 12.01/2009, referindo-se a violência ou
grave ameaça que for empregada sobre a vítima vulnerável, adolescente de
até 14 (catorze) anos incompletos e outros vulneráveis que aponta, não
transfere essa presunção para a condição de vulnerável com a nova redação
do art. 217-A do CP, apesar deste silenciar sobre a violência ou grave
ameaça, até porque a vulnerabilidade das vítimas sempre esteve presente
nesse crime, desde o nascedouro do Código Penal em 1940.
Nessa linha, se a presunção que persiste é da violência ou da grave
ameaça exercida sobre a vítima vulnerável, ainda que ficta, necessariamente
persiste a necessidade de ser constrangida implicitamente, no caso, a ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com o autor, não se
118
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.
Ͷ
podendo para o disposto no art. 217-A, assim como para o art. 213, ambos
do CPB, desconsiderar que nesses delitos se encontra presente a elementar
implícita do dissenso da vítima, embora em graduações e talvez formas
diversas conforme a vulnerabilidade ou não do (a) ofendido (a).
O fato do bem jurídico-penal tutelado repousar primeiramente na
dignidade sexual da vítima, não tira desta a necessidade da norma penal
também tutelar, ainda que, no caso, secundariamente, a sua liberdade
sexual, uma vez que não existe aquela sem esta, ainda que se encontre em
potência em face da tenra idade da vítima.
Assim, com razoabilidade e proporcionalidade se devem analisar os
casos concretos que nem sempre serão iguais, até porque o princípio da
igualdade reclama tratar os iguais na medida de suas desigualdades.
Nesse sentido, não se pode, no caso concreto, se desprezar a livre
vontade consciente da vítima adolescente de 14 (catorze) anos incompletos,
de consentir com a prática do ato sexual para se ter como sempre praticado
o delito de estupro pelo agente, se assim o legislador não procedeu para as
vítimas também adolescentes com 14 (catorze) anos completos e 18
(dezoito) anos incompletos que, segundo o marco etário divisório do Estatuto
da Criança e do Adolescente, adolescente está na faixa dos 12 (doze) anos
completos e 18 (dezoito) anos incompletos, dentro da doutrina da proteção
integral.
A vítima adolescente que apresente em juízo maturidade para
consentir, que demonstre ter consciência de sua capacidade de anuir para o
ato sexual, seja por amor ou prazer, isto apurado, como já dito, após sua
oitiva judicial e laudo psicossocial, não pode ser ignorada, sob pena de se
estar desconsiderando que já possui discernimento para querer ter direito a
ͷ
conquistar novos direitos, expressão máxima de cidadania que, sem
liberdade, macula, por consequência, a dignidade da pessoa humana, no
caso, na vertente da dignidade sexual e os princípios fundamentais do nosso
Estado Democrático de Direito que se destina a assegurar o exercício dos
direitos individuais e da liberdade, dentre outros, mas também a igualdade e
a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social.119
Como já fundamentado em capítulo próprio, entendemos ser
recomendável que, de lege ferenda, que haja uma unificação legal da
definição de criança e adolescente, trazendo para o Direito Penal esse marco
divisório que a Lei nº 8.069/90120 nos apresenta para solidificar a doutrina da
proteção integral adotada em face de normatização internacional, evitandose assim essa antinomia de tratamento que o Código Penal Brasileiro nos
apresenta quando dos estupros que envolvem adolescentes.
119
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25 dez 2017.
120
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