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Fernanda De Negri

Fernanda De Negri [1] Brazil Institute EQUIPE EXECUTIVA Paulo Sotero Antônio Britto Director Presidente-executivo Anna (Anya) Prusa Tatiane Schoield Gestora do Programa Diretora jurídica ORGANIZADORES Carlyn Rodgers Octávio Nunes Wilson Center | Brazil Institute e INTERFARMA Estagiária Diretor de comunicação institucional Andrew Allen EXPEDIENTE Novos caminhos para a inovação no Brasil Estagiário CONCEITO DA CAPA Global Fellows EQUIPE DE COMUNICAÇÃO INTERFARMA Carlyn Rodgers, Estagiária, Brazil Institute Fabio Ramazzini Bechara Octávio Nunes WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS Jane Harman, Presidente e Diretora Executiva MEMBROS DO CONSELHO Frederic V. Malek Founder and Chairman, Thayer Lodging Group, a Brookield Property Peter J. Beshar Executive Vice President & General Counsel, Marsh & McLennan Companies, Inc. Professor, Universidade Mackenzie Diretor de comunicação institucional Fernando Limongi Selma Hirai Professor, Universidade de São Paulo Coordenadora Milton Seligman Giselle Marques Visiting Professor, INSPER Analista Carlos Eduardo Lins da Silva Bruno Folli Editor, Política Externa Assessor de imprensa BRAZIL INSTITUTE ADVISORY COUNCIL PROJETO EDITORIAL Edgar Fonseca (Nebraska) PRESIDENTE Embaixador Anthony S. Harrington Chairman of the Managing Board, Albright Stonebridge Group IMPRESSÃO Ativaonline Editora e Serviços Gráicos Leslie Bethell Thelma Duggin Professor Emérito, University of London President, AnBryce Foundation Luis Bitencourt Barry S. Jackson Diretor Emérito, Brazil Institute Managing Director, The Lindsey Group and Strategic Advisor, Brownstein Hyatt Farber Schreck Antônio Britto David Jacobson Ex-Secretário Geral Adjunto, Organização dos Estados Americanos AVISO DE CONFORMIDADE Carlos Eduardo Lisn da Silva De acordo com o Código de Conduta da INTERFARMA | Revisão 2016, esta publicação se caracteriza por: Former U.S. Ambassador to Canada and Vice Chair, BMO Financial Group Nathalie Rayes Vice President of Public Affairs, Grupo Salinas Earl W. Stafford Chief Executive Oficer, The Wentworth Group, LLC Jane Watson Stetson Philanthropist Louis Susman Embaixador Luigi Einaudi Editor, Revista Política Externa Tumas E. Lovejoy Professor, George Mason University Maria Herminia Tavares de Almeida Professor Emeritus, Universidade de São Paulo Ryan Hill Senior Manager for Government Affairs, Amgen Alexandra Valderrama Alex Azar Director of International Government Affairs, Chevron Elisabeth DeVos Secretary, U.S. Department of Education David Ferriero Archivist of the United States Carla D. Hayden Librarian of Congress Jon Parrish Peede Chairman, National Endowment for the Humanities Michael Pompeo INTERFARMA – ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA DE PESQUISA COMITÊ DE GESTÃO Juan Gaona (Abbott) Presidente do Conselho Diretor Bruno Costa Gabriel (Janssen) Vice-presidente do Conselho Diretor Allan Finkel (Novo Nordisk) Secretary, U.S. Department of State Hugo Nisenbom (MSD) David J. Skorton Pius Hornstein (Sanoi) [2] Rolf Hoenger (Roche) Secretary, Smithsonian Institution 300 exemplares Presidente do Conselho Consultivo, INTERFARMA Former U.S. Ambassador to the United Kingdom Secretary, U.S. Department of Health and Human Services TIRAGEM • Ter conteúdo histórico e educacional sobre Saúde Pública e inovação; • Estar disponível na internet sem restrição; • Não ter valor comercial; • Ser distribuída gratuitamente. Novos caminhos para a inovação no Brasil Autora Fernanda De Negri Organizadores Washington (DC) Editora Wilson Center 2018 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) De Negri, Fernanda Novos caminhos para a inovação no Brasil / Autora: Fernanda de Negri, Organizadores: Wilson Center, Interfarma – Washington, DC: Wilson Center, 2018. 159 p. : il., gráfs., maps. Inclui bibliograia. ISBN - 978-1-938027-79-6 1.Inovações. 2. Políticas públicas. 3. Investimentos. 4. Educação. 5. Saúde. 6. Brasil. I. Título. II. Wilson Center. III. Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. CDD 338.064 Ficha catalográica elaborada por Elizabeth Ferreira da Silva – CRB-7/6844. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Wilson Center Brazil Institute ou da Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. [4] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Índice 7 Prefácio 9 Apresentação 11 Introdução 17 O desempenho cientíico e tecnológico brasileiro 17 A produção cientíica 22 Inovação e investimento empresarial 25 Tecnologias protegidas por patentes 28 Exportações de produtos intensivos em tecnologia 30 Utilização de novas tecnologias 33 Síntese 35 Educação e formação de cientistas 36 O acesso ao ensino cresceu, mas a qualidade... 39 Um país com poucos cientistas e engenheiros 44 Internacionalização e diversidade na ciência 54 A interação da ciência com a inovação e com as empresas 63 Infraestrutura 65 Que instituições abrigam as instalações de pesquisa brasileiras? 73 Tamanho e especialização 81 Ambiente 81 Competição, abertura e inovação 89 Custo de capital 92 Burocracia e ambiente de negócios 97 Investimento e políticas públicas 98 Quem inancia a ciência? 107 Políticas para ciência e tecnologia no brasil 111 Estabilidade e diversidade no inanciamento público à C&T [5] 119 Inovação em Saúde 121 Os testes clínicos 125 Infraestrutura de pesquisa 128 Ambiente e regulação 135 Novos caminhos para as políticas de C&T 136 Fortalecimento da base cientíica e das universidades 146 Melhoria das condições institucionais e sistêmicas da inovação 151 Aprimoramento das políticas públicas 155 Referências [6] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Préfacio A inovação, ou seja, a capacidade de agregar valor a produtos e processos derivados de novos conhecimentos gerados por pesquisas cientíicas não depende apenas de inanciamento e de instalações, mas também da existência “de um ambiente estimulante e dinâmico onde as competências existentes possam prosperar e se desenvolver adequadamente”, sem as limitações impostas por políticas inibidoras da eiciência, como tendem a ser as de conteúdo local,“que impedem que o país tenham acesso a tecnologias de ponta.” Esta é a principal conclusão das Missões de Estudos sobre Inovação que o Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars organizou entre 2011 e 2017 em parceria com a INTERFARMA. A importante mensagem que ela contem está detalhada nas páginas a seguir no denso trabalho que a economista Fernanda De Negri, especialista no tema do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), preparou a partir das apresentações e debates ocorridos no Massachusetts Institute of Technology em abril de 2017, envolvendo onze dos mais de sessenta parlamentares brasileiros que participaram das seis missões realizadas em universidades, centros de pesquisas e empresas do setor farmacêutico nos Estados Unidos e na Inglaterra. Em todas elas, empreendedores brasileiros bem sucedidos no ambiente competitivo existente nesses países chamaram atenção para o volume acanhado e a morosidade dos processos de pesquisa em saúde no Brasil, ambos derivados da ausência de um ecosistema de inovação dinâmico e criativo que relete, por sua vez, o baixo grau de abertura da economia do país. Segundo eles, é necessário que o Brasil deixe para trás, como começa a fazer, a tradição das nomeações políticas a cargos de liderança em órgãos técnicos como a Anvisa, e adote, em seu lugar, o método de seleção por comitês de busca de proissionais preparados para exercer tais funções, [7] como já ocorre em instituições vencedoras como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA. Especialmente relevantes para o futuro da inovação no país foram as interações dos parlamentares com jovens pesquisadores brasileiros em universidades e laboratórios de ponta nas várias regiões onde foram realizadas as missões, especialmente em Boston-Cambridge, onde senadores e deputados reuniram-se com uma dúzia de doutorandos brasileiros no MIT. “Todos, ao mesmo tempo que manifestaram seu desejo de voltar ao Brasil e de contribuir para a produção cientíica local, expressaram preocupações sobre seu futuro no país”, escreve Fernanda De Negri. “Todos percebem como muito limitadas as possibilidades de atuação professional de um cientista no Brasil”. Mudar tal percepção, adotando políticas públicas que tornem o Brasil mais atraente aos talentosos cientistas que forma em suas universidades, é o desaio que se apresenta à nação. A missões tiveram o apoio do Brazil Institute do Kings College, em Londres, do Institute of the Americas na Universidade da Califórnia San Diego, do Lemann Center na Universidade de Stanford e do Brazil Program no MIT. O Brasil Institute do Wilson Center manifesta a todos seu reconhecimento e gratidão. Paulo Sotero Diretor, Brazil Institute, Woodrow Wilson International Center for Scholars [8] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Apresentação O Brasil tem uma longa história de maus tratos à inovação. Primeiro, por pensar que não dependeria dela, século após século de economia baseada em matérias-primas. Depois, pela crença mágica nos poderes de um grande mercado interno. Não deve ser apenas um erro de estratégia. Parece, a comprovar, ter a ver com uma generalizada cultura de que aqui o futuro sempre aconteceria sem que o preparássemos e o perseguíssimos. Então, nunca nos atribuímos o dever de construir a nação pela educação. Nunca adotamos o risco e o empreendedorismo como as formas básicas, para não dizer únicas, de chegar ao sucesso empresarial. Desde sempre, o caminho para a maioria absoluta das companhias nacionais passava antes pelos cofres públicos do que pela busca obsessiva por inovar em processos e produtos. Cientistas e pesquisadores, em consequência, nem são idolatrados nem apoiados. Nós os temos como iguras estranhas que nas universidades icam sempre abaixo dos acadêmicos e na vida privada são tratados como representantes de algum ente exótico. O setor público, claro, tem dado enorme contribuição à geração de um ambiente desfavorável. De um lado, não percebe nem atua para que a inovação seja o centro de políticas públicas sérias, continuadas, eicientes. De outro, atrapalha no que puder. Com a criação de mais de uma dúzia de ministérios, secretarias, órgãos dos quais deve depender o inovador. Com uma regulação que obriga o pesquisador a se perguntar o que terá feito para enfrentar tantas diiculdades. Com a falta de incentivos concretos para quem assume o risco em seus empreendimentos econômicos, condição inerente à busca pelo novo. País curioso. Apesar de tudo isso, construímos alguma capacidade para inovar, ainda que em ações isoladas a partir de ilhas de competência e resistência. Mas produzimos papers, exportamos cientistas, somos respeitados internacionalmente em segmentos especíicos da inovação. Ou seja: o pior [9] de nossa falta de inovação é o fato de que ela não decorre de impotência mas de desperdícios. O terrível desperdício de um potencial que, contra todas as circunstancias, nos permitiria avançar razoavelmente se a inovação fosse assumida como projeto e necessidade nacional. Este livro, da conceituada e respeitada Fernanda De Negri, fala dessas duas verdades que se confrontam e convivem. O Brasil que poderíamos ser, com pequenos avanços já registrados e um enorme potencial a aproveitar. E o Brasil que não se organiza nem se assume como um País inovador. A autora conseguiu com didatismo e equilíbrio, viajar pelas condicionantes à inovação mostrando, ao mesmo tempo, nossas diiculdades e nossas possibilidades. Serve-nos um café meio doce, meio amargo na denúncia de nossos erros e na esperança por uma reversão desse quadro. A INTERFARMA, entidade dedicada à ética e à inovação em saúde, registra sua satisfação em contribuir, de forma permanente, por eventos, publicações e missões de estudo ao exterior e ao debate sobre inovação. Espera que esta publicação nos lembre, em tempos de mudança, que a inovação deixou de ser matéria opcional, tema que o Brasil possa tratar ou deixar de tratar sem consequências graves. Não, a inovação nesses tempos de revolução tecnológica, assumiu outra característica: vai deinir nosso futuro, vai escolher que papel queremos ter como país e como sociedade. Que a obra da Fernanda De Negri não nos permita perder a esperança mas nos lembre que para realiza-lá é preciso muito. E já. Antônio Britto Presidente-executivo da INTERFARMA [ 10 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Introdução A redação deste documento foi motivada pelos intensos e profícuos debates realizados no início de abril de 2017, entre parlamentares, empresários, pesquisadores e empreendedores brasileiros atuantes em Boston e Washington, em instituições como o Massachusetts Institute of Technology, Harvard University, George Washington University, entre outras. Esta foi a sexta de uma série de missões organizadas pelo Brazil Institute, do Wilson Center, em parceria com a INTERFARMA, cujo principal objetivo era debater com especialistas brasileiros e estrangeiros, como estimular o processo de inovação no Brasil, identiicando seus principais gargalos e alternativas de superação. A pergunta que guiou os três dias de apresentações e debates foi: o que falta no ecossistema brasileiro de inovação? Foi essa questão que orientou todos os especialistas, pesquisadores e empresários, cujas apresentações buscaram trazer elementos capazes de ajudar a respondê-la. A apresentação inicial é o io condutor deste livro. Ela buscava em experiências internacionais lições que pudessem ser seguidas pelo Brasil sobre como melhorar as condições para a inovação. Nessa apresentação, icavam evidentes os avanços recentes na produção cientíica e tecnológica do país, mas acima de tudo, o quanto ainda é necessário avançar para chegarmos um pouco mais próximo dos países desenvolvidos. Nesse sentido, também foram identiicados, a partir de informações, dados, e literatura especializada, os principais gargalos do nosso sistema de inovação. As demais apresentações seguiram na mesma direção, evidenciando desaios e oportunidades para fazer do Brasil um país mais inovador. Pesquisadores do Industrial Performance Center, do MIT, argumentaram sobre a importância de inserir o Brasil nas cadeias globais de valor e nas redes mundiais de produção de conhecimento. Também mostraram que o Brasil tem um grande potencial e pode desempenhar um papel de liderança na produção de biofármacos. Para isso, seria necessário desenvolver um mer[ 11 ] cado de venture capital mais dinâmico, similar ao que existe nos EUA e, em particular, na região de Boston, um dos principais polos mundiais de pesquisa em saúde. Também seria necessário, segundo eles, reduzir o uso de alguns tipos de políticas que impedem que o país tenha acesso às tecnologias de ponta desenvolvidas em outros países, tais como as políticas de conteúdo local. Empresários argumentaram que inovação não depende apenas de inanciamento e de instalações, mas também de um ambiente estimulante e dinâmico, onde as competências existentes possam prosperar e se desenvolver adequadamente. Segundo eles o Brasil tem competências acadêmicas relevantes em várias áreas, mas a burocracia excessiva e um ambiente de negócios pouco dinâmico diicultam que os novos conhecimentos produzidos nas universidades se transformem em novos produtos. Empreendedores brasileiros também estavam presentes nos debates. Entre eles, um médico brasileiro com experiência em doenças raras e fundador de uma empresa de tecnologia em saúde nos EUA. Ele discorreu sobre o processo de pesquisa em saúde no Brasil e defendeu a necessidade de ampliar o volume de pesquisas clínicas no país para nos integrarmos às redes mundiais de produção de conhecimento no setor. O país, segundo ele, demora muito (um ano ou mais) para aprovar a realização de uma pesquisa clínica, ao passo em que outros países levam dias para fazer isso. Essa demora é fruto de um processo longo e burocrático de aprovação, que depende do trâmite em diversos colegiados diferentes. Além disso, no Brasil existem vários pré-requisitos não existentes em outros países, como a obrigatoriedade de fornecimento perpétuo de medicamentos para os participantes de determinados testes clínicos. Os empresários e empreendedores em saúde advogaram, por im, que órgãos técnicos como a Anvisa precisam que suas lideranças sejam escolhidas por sua capacidade técnica e não por pressão política. Para isso, poderiam ser usados processos adequados, tais como comitês de busca, que procuram reduzir o grau de nomeações puramente políticas para órgãos com função estritamente técnicas. Jovens pesquisadores brasileiros nas Universidades da região de Boston relataram como é fazer pesquisa em laboratórios de ponta. A disponibilidade de equipamentos de última geração, insumos de pesquisa, além do contato com outros pesquisadores das mais diversas formações e nacionalidades foram muitas vezes apontadas como vantagens de estar nessa região. Todos esses pesquisadores, ao mesmo tempo que manifestaram seu desejo de voltar ao Brasil e de contribuir com a produção cientíica local, expres[ 12 ] saram preocupações sobre seu futuro no país. Todos têm a percepção de que as possibilidades de atuação proissional no Brasil são muito limitadas. Todos esses debates se deram em meio a apresentações de pesquisadores locais e a visitas a centros de pesquisa cientíica destacados no MIT, que tornaram ainda mais evidentes os desaios gigantescos e as potencialidades à nossa frente. Entre esses centros, um grupo de pesquisa que explora a possibilidade de utilização de ferramentas de big data para reduzir os custos dos sistemas de saúde e que tem desenvolvido trabalhos relevantes em vários países. Laboratórios como o Media Lab, um centro de pesquisa multidisciplinar vinculado à escola de arquitetura e design do MIT e que faz pesquisas extremamente criativas nas mais diversas áreas do conhecimento foi outro exemplo. Centros de P&D de empresas da região completaram o cenário de um ecossistema de inovação extremamente dinâmico e criativo, cuja existência pode nos ensinar muito sobre como melhorar nosso próprio sistema e ambiente para inovação. Em Washington, foi realizado outro debate com pesquisadores e empreendedores brasileiros atuando em universidades e instituições locais, dessa vez com foco na inovação em saúde. Todos eles com uma longa história e experiência na área e com muitas contribuições a dar na construção de um Brasil mais inovador. Novamente, veio à tona a necessidade de estimular a realização de testes clínicos (em humanos) e pré-clínicos (em animais) no Brasil como uma pré-condição para um melhor desempenho do país nas pesquisas em saúde. Esse estímulo passaria, por exemplo, por uma maior eiciência do processo regulatório, que poderia ser obtido, entre outras coisas, pela participação da agência reguladora em todo o processo de pesquisa de um novo medicamento, desde a pesquisa básica até o seu desenvolvimento. Esse conhecimento da pesquisa possibilitaria aos reguladores decidir mais rapidamente sobre a aprovação ou não de um teste clínico ou pré-clínico. Esse estímulo também passaria, segundo os pesquisadores, pela constituição de uma infra-estrutura adequada para estudos pré-clínicos, tais como centros de toxicologia. Todos esses pesquisadores, sem exceção, ressaltaram a necessidade de agilidade em todas as fases do processo de pesquisa em saúde e a necessidade de reduzir processos burocráticos desnecessários. A maior internacionalização das empresas, da ciência local e até mesmo dos órgãos reguladores, que deveriam estar ainda mais alinhados com os processos regulatórios no resto do mundo, também foram apontados como pontos relevantes. Por im, um ambiente acadêmico mais diversiicado, dinâmico e empreende[ 13 ] dor é visto, pelos pesquisadores e empreendedores, como uma das diferenças mais perceptíveis entre EUA e Brasil. A última etapa da missão incluiu uma série de apresentações e debates com membros de órgãos públicos norte-americanos responsáveis pelas políticas de Ciência e Tecnologia no país. Nos EUA, as políticas para C&T são formuladas e executadas por vários órgãos e ministérios diferentes, o que a torna mais complexa e muito mais diversiicada do que a Brasileira, por exemplo. Existe também uma grande integração entre cientistas e órgãos de governo, sendo comum posições públicas relevantes nas políticas de C&T serem ocupadas por cientistas. Um dos palestrantes era, inclusive, um assessor do Departamento de Estado Norte-Americano para C&T, posição tradicionalmente ocupada por indicação da Academia Norte-Americana de Ciências. Essa é mais uma evidência do papel que a ciência norte-americana tem na formulação de políticas públicas em várias áreas, e não apenas na própria política de C&T. Os interlocutores de governo ressaltaram que, embora os investimentos públicos em P&D sejam elevados naquele país, a tendência histórica é de crescimento da participação empresarial nesses investimentos. Cada vez mais as empresas inanciam os investimentos em tecnologias e, em alguma medida, em pesquisa que possa gerar as bases das suas futuras inovações. Os investimentos, público e privado, se dão de diversas formas, tanto diretamente em instituições de pesquisa e universidades, quanto em empresas nascentes por meio de fundos de venture capital ou de seed money. Esse investimento gerará tanto mais resultados quanto melhores forem as condições para se fazer ciência e tecnologia no país. Alguns dos palestrantes apontaram quais seriam, na sua visão, essas condições. Em primeiro lugar, capital humano. Não se faz ciência sem pessoas. Em segundo lugar, infraestrutura para que esse capital humano possa produzir ciência e tecnologia, o que inclui instalações, equipamentos etc. Um ambiente regulatório luido, com pouca burocracia e propício à translação do conhecimento cientíico para o setor produtivo é, também, extremamente relevante. Além disso, esse mesmo ambiente deve garantir que as leis sejam cumpridas e que o sistema judiciário funcione de maneira eiciente: a chamada “rule of law” é fundamental para garantir a previsibilidade e, portanto, o retorno esperado de investimentos de risco, como são os investimentos em tecnologia. Nesse sentido, um sistema de propriedade intelectual que garanta o retorno do investidor, sem contudo travar o processo de inovação ou o acesso às novas tecnologias, é uma condição essencial. [ 14 ] Por im, um último fator, também relacionado com o ambiente diz respeito à estrutura de mercado. Competição é um motor fundamental da inovação. A inovação é, principalmente, fruto da tentativa das empresas de ampliar fatias de mercado ou de proteger seu mercado de concorrentes, potenciais ou reais. Uma economia fechada, na qual as empresas são protegidas de seus concorrentes, domésticos ou externos, não tem incentivos para produzir inovações. Esses elementos determinam a capacidade de um país de gerar novos conhecimentos e tecnologias e serão abordados, em mais detalhes, ao longo deste texto. A eiciência com a qual o Brasil tem utilizado e produzido novas tecnologias e conhecimentos, que é um fator crucial para o seu desenvolvimento, será investigada na próxima seção. A seção seguinte investiga uma das condições fundamentais para o sucesso inovador de qualquer país, e base de todo o resto. Uma educação de qualidade para todos e capaz, também, de formar muitos e bons cientistas é fundamental para um país produzir tecnologia. Esses cientistas e pesquisadores precisam, no entanto, de condições de trabalho adequadas para produzir novos conhecimentos que, mais tarde, podem se transformar em novas tecnologias. A primeira e mais fundamental dessas condições é infraestrutura. Instalações e equipamentos de pesquisa em instituições capazes de prover condições estimulantes de trabalho são cruciais para o sucesso da empreitada tecnológica. A quarta seção trata desse assunto. Outra condição, tratada na quinta seção, é fundamental para que o conhecimento acumulado pela sociedade se converta em produtos e serviços novos, ou seja, em inovações. A inovação depende de que as empresas sejam compelidas a criar novos produtos e, de alguma forma, premiadas ao fazerem isso. Um ambiente econômico competitivo e estimulante é crucial para incentivar as empresas a inovar. Sem elas, o conhecimento produzido na universidade não se converterá em inovações. Assim, a quinta seção falará sobre como o nosso ambiente econômico poderia ser mais estimulante à inovação. Por im, o Estado e as políticas públicas tem um papel fundamental em pelo menos dois lancos principais. Em primeiro lugar, no mundo todo, o Estado é o grande inanciador do empreendimento cientíico e tecnológico do ser humano, por várias razões que serão abordadas na sexta seção. Em segundo lugar, porque as políticas públicas atuam, direta ou indiretamente, sobre todos os demais fatores, já mencionados, que concorrem para o sucesso tecnológico de um país. Na sétima seção, um breve debate sobre [ 15 ] as especiicidades da inovação na área da saúde. Este documento termina apontando novos caminhos para as políticas de inovação, a partir de propostas que poderiam contribuir para o sucesso tecnológico brasileiro no longo prazo. [ 16 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL O desempenho cientíico e tecnológico Brasileiro O desempenho cientiico e tecnológico do país pode ser analisado a partir de várias dimensões que vão desde a produção cientíica de seus pesquisadores até o desempenho inovativo de suas empresas. Assim, nessa seção, serão apresentados vários indicadores que permitirão traçar um cenário do quanto a ciência e a tecnologia do país avançaram nos últimos anos. Os dados utilizados expressam o volume e a qualidade da produção cientíica nacional, o número de empresas inovadoras, os depósitos de patentes dessas empresas, além de outros indicadores de desempenho empresarial. Esse desempenho é resultante de vários fatores ou forças que, juntas, concorrem para tornar um país mais ou menos avançado do ponto de vista cientíico e tecnológico. É muito difícil imaginar que um país com péssimo sistema educacional – em abrangência ou qualidade – tenha condições de se tornar um país cientiicamente competitivo. Da mesma forma, além de boa qualidade da educação, produzir ciência de qualidade também requer laboratórios e inanciamento adequado e estável. Empresas inovadoras, por sua vez, demandam um ambiente econômico que favoreça seu aparecimento e crescimento, assim como precisam ter acesso a tecnologias de ponta para se tornarem competitivas e ainda mais inovadoras. Todos esses fatores, e até que ponto eles inluenciam a performance do país, serão analisados posteriormente. Nessa seção, o foco é apenas a resultante desse conjunto de forças: o nosso desempenho cientíico e tecnológico. A PRODUÇÃO CIENTÍFICA Há muito tempo o modelo linear – no qual a pesquisa cientíica e a invenção precederiam a inovação – não é o paradigma de análise do processo [ 17 ] inovativo. Sabe-se que a dinâmica da inovação é muito mais complexa, cheia de idas e vindas e nem sempre é precedida de uma descoberta cientíica. No entanto, também é certo que nenhum país do mundo se torna mais inovador e competitivo sem uma base cientíica forte e capaz de produzir, além de cérebros e recursos humanos qualiicados, conhecimento que pode ser utilizado nos processos de inovação. Como está a produção de conhecimento no país e qual a relevância e o impacto do conhecimento produzido por aqui são, portanto, indicadores fundamentais para se avaliar o desempenho brasileiro em Ciência e Tecnologia (C&T). O indicador mais utilizado para se avaliar quantitativamente a produção cientíica de um país é o número de publicações em revistas indexadas internacionalmente. No caso brasileiro, houve um crescimento signiicativo na produção cientíica do país desde meados dos anos 90, com uma tendência de aceleração a partir de meados dos anos 2000. Dois indicadores do Gráico 1 evidenciam esse crescimento. O primeiro indicador é o número de artigos por habitante, onde o Brasil passou de pouco mais de 20 artigos por milhão de habitantes, no início dos anos 90, para 182 em Gráico 1. Número de artigos por milhão de habitantes no Brasil e no Mundo e participação brasileira na produção cientíica mundial (%): 1991 a 2013. Brasil: número de artigos por milhão de habitantes Mundo: número de artigos por milhão de habitantes 3 Participação de artigos brasileiros na produção científica mundial (em %) 160 120 2 80 1 40 0 Fonte: ISI/Web of Science e World Development Indicators. Extraído de Meyer (2016). [ 18 ] 2013 2011 2009 2007 2005 2003 2001 1999 1997 1995 1993 1991 0 Número de artigos por milhão de habitantes Participação de artigos brasileiros na produção científica mundial (%) 200 2013, um crescimento mais rápido do que o do resto do mundo e que fez o Brasil alcançar e ultrapassar a média mundial. Esse crescimento também foi reletido no aumento da participação percentual brasileira nas publicações mundiais, que saltou de 0,7% para quase 3% nesse mesmo período. Algumas áreas se destacam na produção cientíica brasileira. Nelas, a participação brasileira nas publicações mundiais é maior do que a média de 3%, evidenciando uma vantagem comparativa do país em relação a outros países nessas áreas especíicas. Odontologia, por exemplo, embora não represente uma parcela muito expressiva da produção cientíica brasileira (cerca de 2%) ou mundial (0,3%), é uma das áreas nas quais o país mais se destaca em termos comparativos. Nela, o Brasil detém 16% de toda a produção cientíica mundial. Outras áreas nas quais o Brasil detém vantagens comparativas (Gráico 2) são: Veterinária (com 9,4% da produção cientíica mundial); Ciências Biológicas e Agrárias (6,7%); Enfermagem (4,7%) e Imunologia e Microbiologia (3,9%). Gráico 2. Participação Brasileira na produção cientíica mundial, por área de conhecimento: 2012. Ciências sociais Psicologia Física e astronomia Veterinária Geral 18% 16% 14% 12% Farmacologia, toxicologia e farmacêutica Enfermagem 10% 8% 6% Ciências biológicas e agrárias Artes e ciências humanas Bioquímica, genética e biologia molecular Negócios, administração e contabilidade Engenharia química 4% Neurociência Química Medicina Ciência da computação Matemática Ciência da decisão Ciência dos materiais Odontologia Imunologia e microbiologia Ciência da Terra Economia, econometria e finanças Profissões de saúde Meio ambiente Engenharias Energia Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), a partir de dados da SJR SCImago Journal & Country Rank. Disponível em: http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/index.html (tabela 5.7). [ 19 ] Sabe-se que a inluência da pesquisa cientíica na produção de novas tecnologias tem crescido substancialmente ao longo das últimas décadas1. No entanto, algumas áreas são mais relacionadas com as tendências tecnológicas recentes do que outras. Desse ponto de vista, as áreas nas quais um país desenvolve maiores competências cientíicas não são neutras no seu impacto sobre as atividades de inovação. Estudo recente2 de pesquisadores brasileiros mostra isso a partir da análise dos artigos cientíicos citados em patentes depositadas no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO). Os autores desse estudo evidenciam o crescimento da importância de algumas áreas cientíicas – entre as quais a engenharia eletrônica, a química e a engenharia química – nas atividades de patenteamento em vários países. Para o caso brasileiro, o estudo evidencia ainda uma certa desconexão entre as áreas nos quais o país é mais competitivo e aquelas que são mais demandadas pelas atividades de inovação no resto do mundo. O caso mais explícito dessa desconexão talvez seja a pequena participação das engenharias tanto na produção cientíica quanto na formação de recursos humanos no Brasil, em comparação com a relevância que essa área tem na geração de inovações no mundo. No Brasil, as engenharias representam pouco mais de 4% da produção cientíica, em comparação com mais de 10% da produção cientíica mundial. Essa defasagem, que tem sido identiicada por diversos autores3, algumas vezes é atribuída à baixa qualidade do ensino da matemática nos níveis fundamental e médio ou mesmo à baixa demanda por engenheiros no setor produtivo brasileiro4. Uma outra área de fundamental importância que está movendo a fronteira da inovação no mundo contemporâneo é a ciência da informação. Economistas do Massachusetts Institute of Techhnology (MIT)5 comparam os efeitos potenciais dos atuais avanços nas tecnologias de informação com aqueles que a máquina a vapor teve sobre a humanidade. A invenção da máquina a vapor, ao potencializar a força física do ser humano, criou as condições para o surgimento da indústria moderna, para o crescimento populacional e para o aumento da expectativa de vida das pessoas. Segundo os autores, a atual ciência da informação vai potencializar não a força física, mas a força intelectual do ser humano e seus efeitos sobre a humanidade 1. Narin, Hamilton, e Olivastro (1997) já evidenciaram essa relação crescente para os EUA. 2. Ribeiro et al (2010) 3.Ver Frischtak (2015), por exemplo. 4. Brito Cruz (2009) mostra, entre outras coisas, o baixo número de cientistas e engenheiros trabalhando nas empresas brasileiras. 5. Brynjolfsson e McAfee (2014) [ 20 ] podem ser tão ou mais revolucionários do que foram a máquina a vapor e a revolução industrial. De fato, o aumento exponencial da capacidade de processamento dos computadores tem possibilitado o surgimento de novas ferramentas e aplicações usando, por exemplo, inteligência artiicial. Novas tecnologias da informação também prometem automatizar uma série de atividades que hoje ainda dependem de intervenção humana. O uso de robôs nas atividades industriais ainda deve crescer muito nos próximos anos, sendo que a maior restrição para sua difusão não estará nas possibilidades tecnológicas, mas sim no preço desses equipamentos vis a vis os custos da mão-de-obra. A substituição de pessoas por máquinas só será economicamente viável quando o seu preço relativo cair ainda mais em comparação com o preço do trabalho, o que deve acontecer gradualmente e apenas para algumas tecnologias. Apesar de tão relevante para a humanidade, a ciência da computação representa apenas 2,9% da produção cientíica brasileira ao passo que responde por quase 5% da produção mundial. Em países como os Estados Unidos, essa área representa quase 10% de toda a produção cientíica do país. Na China ou na Alemanha, essa participação é ainda maior6. Além da baixa produção cientíica em algumas áreas cruciais, a qualidade e o impacto da ciência produzida por aqui também tem sido uma preocupação levantada por vários estudiosos do assunto. Entretanto, avaliar a produção cientíica do ponto de vista do seu impacto e de sua qualidade é ainda mais difícil do que em termos de volume. Um indicador relevante do impacto acadêmico da produção cientíica é a inluência que um artigo tem sobre outros pesquisadores no país e no exterior, o que pode ser medido pelo número de citações. Quanto mais citado, mais inluente é o trabalho e maior o seu impacto acadêmico, o que também sugere um trabalho de melhor qualidade. Contudo, a evolução qualitativa da ciência brasileira não tem sido tão expressiva quanto seu crescimento quantitativo e o impacto internacional do que produzimos ainda é reduzido7. De fato, o Brasil respondeu, em 2015, por 1,67% das citações de artigos cientíicos8 no mundo, bem menos do que nossa participação na produção cientíica mundial. O crescimento observado entre o início dos anos 90 e 2015 foi de cerca de 3 vezes, embora expressivo, também menor do que o crescimento do número de publicações. 6. http://www.scimagojr.com/countryrank.php?year=2013&area=1700 7. Zago (2011) 8. http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/Producao_Cientiica/Producao_Cientiica_5.6.html [ 21 ] Apesar dessas preocupações e de ter tido melhor desempenho quantitativo, o Brasil não está mal posicionado em termos de citações. Segundo a Scopus, o país ocupa a 23ª posição no índice H. Esse índice foi criado para quantiicar o impacto da produção cientíica de um país ou de um pesquisador e indica o número de artigos com mais citações do que esse mesmo número. Segundo a Scopus, o índice H do Brasil é de 461, ou seja, o país tem 461 artigos com mais de 461 citações, o que o coloca, por exemplo, a frente de todos os demais países latino-americanos. INOVAÇÃO E INVESTIMENTO EMPRESARIAL Inovação é a criação de novos produtos ou processos de produção ou o aprimoramento signiicativo de produtos e processos já existentes. Esse conceito traz vários signiicados implícitos. O mais importante é que a inovação, como produto ou processo produtivo, precisa ser introduzida no mercado para ser uma inovação. Uma invenção ou uma nova tecnologia não é uma inovação até que se torne um produto (ou processo) colocado no mercado por uma empresa. Nesse sentido, portanto, o agente econômico responsável por realizar a inovação é a empresa, e não um indivíduo ou uma instituição de pesquisa. O segundo signiicado implícito importante está relacionado com a novidade. Uma inovação não precisa ser algo completamente novo. Pelo contrário, boa parte das inovações são incrementais: aprimoramentos e melhorias de tecnologias e produtos já existentes. Se do lado da produção cientíica o Brasil obteve alguns avanços signiicativos, do lado da inovação empresarial os resultados dos últimos anos não parecem ser tão expressivos. Dois indicadores são fundamentais para essa análise: o número de empresas que criam novos produtos e processos (que inovam, portanto) e o valor que essas empresas investem para criar essas inovações. Para inovar, empresas investem recursos em pessoas, equipamentos e pesquisas capazes de criar novos produtos ou processos produtivos mais eicientes. O investimento empresarial em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) é, do ponto de vista da empresa, um insumo do processo inovativo. Do ponto de vista do país, contudo, é um bom indicador de resultado das suas políticas. Efetivamente, aumentar o investimento empresarial em P&D tem sido um objetivo de políticas de inovação em vários países, justamente porque esse investimento tem o potencial de gerar mais inovações e com[ 22 ] petitividade para a economia. Além disso, o investimento em P&D por parte das empresas é necessário até mesmo para que elas sejam capazes de absorver tecnologias desenvolvidas externamente. O Brasil investe, somando gastos públicos e empresariais, 1,27% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em P&D9. Isso é bem menos do que a média dos países da OCDE, onde esse investimento representa 2,38% do PIB, mas está acima de países latino-americanos, como México e Argentina e até mesmo de países como Espanha ou Portugal. Esse percentual relete a soma de investimentos realizados pelo governo e pelas empresas e mudar a sua composição talvez seja um dos grandes desaios do país. Se os investimentos totais em P&D do Brasil não são tão baixos, os investimentos empresariais, que deveriam ser estimulados pelas políticas públicas, são menores do que em vários outros países e têm permanecido relativamente estáveis ao longo do tempo. No Brasil, as empresas respondem por pouco menos da metade dos investimentos em P&D realizados no país, o que totalizou aproximadamente 0,6% do PIB em 2014. Essa proporção costuma ser maior nos países desenvolvidos. Tomando a média da OCDE como exemplo, nesses países as empresas são responsáveis por quase 70% do investimento total em P&D, ou cerca de 1,63% do PIB10. Gráico 3. Investimento empresarial em Pesquisa e Desenvolvimento como proporção do Produto Interno Bruto (%) em países selecionados: 2003, 2005, 2008, 2011 e 2013. 2,0 2003 2005 1,5 2008 2011 2014 1,0 0,5 0 Argentina México Portugal Brasil Espanha Canadá França OCDE Alemanha EUA Fontes: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - http://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=MSTI_PUB – e, para o Brasil, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). 9. Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) disponíveis em: http://www.mctic. gov.br/mctic/opencms/indicadores/. O ano de 2017 mudou radicalmente essa situação, em virtude da crise iscal e da queda dos investimentos públicos em C&T. Essa questão será analisada posteriormente. 10. Dados da OCDE disponíveis em: http://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=MSTI_PUB [ 23 ] O Gráico 3 mostra a evolução do investimento empresarial em P&D em vários países entre 2003 e 2014. É possível perceber que, exceto Canada, Argentina e México, todos os demais países, inclusive o Brasil, apresentaram uma tendência de crescimento nesse indicador em todos os anos, exceto em 2011 em virtude dos impactos da crise internacional sobre o nível de investimento em vários países. Assim, apesar de o Brasil ter ampliado o investimento empresarial em P&D nos últimos anos, em termos relativos o país continua aproximadamente no mesmo lugar. Países como Espanha e Portugal, que tinham níveis de investimento empresarial em P&D menores do que o Brasil no início da série obtiveram crescimento expressivo nesse indicador e, atualmente, suas empresas investem um volume muito próximo ao investido pelas empresas brasileiras. Esse investimento está longe de ser desprezível, mas não tem crescido substantivamente no período recente. Também é importante ressaltar que o crescimento do investimento empresarial no Brasil, de 0,54% para 0,6% do PIB entre 2011 e 2014 não é um crescimento sustentado. Na verdade, esse foi um crescimento puramente circunstancial ocasionado pelo aumento dos investimentos em P&D no setor de telecomunicações. Nesse ano, o setor praticamente quadruplicou seus investimentos em P&D, passando de pouco mais de R$1 bi em 2011 para mais de R$4 bi em 2014. Pesquisadores do Ipea11 estimaram que, sem esse acréscimo, o investimento empresarial em P&D teria se mantido constante em 0,54% do PIB. Especialistas em telecomunicações, por sua vez, argumentaram que esse aumento no investimento observado esteve relacionado com a realização da Copa do Mundo em 2014, onde as empresas tiveram que realizar uma série de investimentos na modernização da infraestrutura de telecomunicações do país. Em síntese, dada a sua fonte, o crescimento de 2014 não foi sustentável e o número mais crível para o investimento em P&D das empresas brasileiras em relação ao PIB continua sendo aquele observado em 2011, de 0,54% do PIB. Isso denota uma estabilidade nesse número nos últimos anos, ao contrário do que se veriicou nos dados de produção cientíica. Essas informações são provenientes da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística (IBGE), que é a principal fonte de informações sobre a inovação na economia brasileira. O instituto ouve uma amostra de mais de 17 mil 11. De Negri et al (2016) [ 24 ] empresas, representando toda indústria brasileira e várias atividades dos serviços à procura de informações sobre o investimento em P&D das empresas, se elas inovaram ou não e quais os principais obstáculos e resultados da inovação. Na primeira edição dessa pesquisa, em 2000, 32% das empresas industriais disseram que haviam inovado (isto é, introduzido no mercado novos produtos ou processos) no período de três anos anteriores à pesquisa. Esse número subiu no período 2006-2008 e voltou a cair na última edição da pesquisa, fechando a série em pouco mais de 36%. Esse número representa todas as empresas que criaram ou adotaram novas tecnologias, mesmo que estas já estivessem sendo comercializadas no mercado por outras empresas. Quando, ao invés disso, pergunta-se à empresa se ela foi a responsável por criar uma inovação que ainda não existia no mercado brasileiro, ou seja, uma inovação de fato, esse número cai para menos de 4% e icou estável nos últimos quinze anos. A título de ilustração, a empresa automotiva que, antes das demais, introduziu a câmera de ré em algum modelo de veículo, fez uma inovação para o mercado. As demais empresas que adotaram essa tecnologia posteriormente, também são inovadoras, embora não estejam no grupo restrito de empresas responsáveis por uma inovação não existente no mercado. O fato de apenas 4% das empresas brasileiras terem criado produtos ou processos genuinamente novos no mercado nacional e de que esse indicador se manteve estável é um dos indicadores mais importantes do lento avanço brasileiro em termos de inovação empresarial. Isso não signiica, contudo, que o país não tenha um setor produtivo diversiicado capaz de produzir inovações e realizar investimentos em pesquisa em níveis muito superiores aos demais países latino-americanos e próximos até mesmo a alguns países mais ricos. TECNOLOGIAS PROTEGIDAS POR PATENTES Uma patente não é uma consequência necessária de uma inovação, mas apenas um dos diversos mecanismos adotados pelas empresas para protegerem suas criações. Apesar disso, a evolução do número de patentes está fortemente relacionada com a evolução da produção de novas tecnologias. Em última instância, as empresas inovam e protegem suas criações para obter lucros maiores do que os de seus concorrentes. Esse lucro extraor[ 25 ] dinário é o que faz com que as empresas decidam alocar parte de suas receitas em investimentos em pesquisas para criar novos produtos e explorar novos mercados que ampliem suas receitas no futuro, ou para desenvolver processos produtivos capazes de reduzir seus custos. Se essas inovações não fossem protegidas, imitadores poderiam, rapidamente, começar a produzir o produto criado pela primeira empresa e, dessa forma, abocanhar parte dos seus lucros. Isso, obviamente, reduziria o incentivo das empresas para investir em uma atividade de alto risco e com alta probabilidade de dar errado, como é a inovação. Existe, é claro, um debate intenso sobre qual seria o nível ótimo de proteção que garantiria os melhores retornos para a sociedade (na forma de produtos e serviços melhores e mais baratos, por exemplo). Alguns autores argumentam que proteção demais pode, inclusive, impedir a inovação ao invés de incentivá-la. Apesar desse debate, o fato de que alguma proteção ao inovador é necessária para garantir mais inovação parece ser relativamente consensual entre os especialistas na área. Em alguns mercados, as empresas inovadoras podem optar por proteger suas inovações mantendo seu processo de fabricação em segredo. Esse seria o caso de uma receita ou de um método de produção que não represente um desaio tecnológico relevante, como a receita da Coca-cola por exemplo, ou um algoritmo especíico. Nesses casos, o simples conhecimento do processo permitiria que ele fosse replicado. Como a patente é pública e temporária, esse conhecimento estaria ao alcance de qualquer empresa que quisesse produzi-lo, quando a patente expirasse. Assim, algumas empresas preferem utilizar de segredo para manter o domínio sobre o produto ou o processo por mais tempo. As patentes são, contudo, o método essencial de proteção para a maior parte das inovações. Algumas indústrias, como a farmacêutica, dependem fortemente desse método para proteger suas inovações. O número de patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) subiu de cerca de 20 mil para pouco mais de 30 mil entre 2000 e 201612. Esse crescimento, de cerca 50%, foi menor do que o observado na atividade mundial, onde os pedidos de patentes mais do que duplicaram nesse mesmo período. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, a maior parte (80%) das patentes requeridas ao INPI são provenientes de não-resi- 12. Dados disponíveis em: http://www.inpi.gov.br/noticias/inpi-divulga-material-com-infograicos-sobre-suas-principais-atividades/infograico-inpi-em-numeros.pdf/view [ 26 ] dentes, ou seja, de pessoas que não moram ou de empresas que não estão instaladas no país13. Nos países desenvolvidos, a distribuição das patentes entre residentes e não-residentes tende a ser mais equilibrada e, em muitos casos (como na Alemanha), as patentes de residentes representam a maior parte dos depósitos. Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO)14, mundialmente os residentes respondem por quase dois terços das patentes solicitadas. No Brasil, entre os 20% das patentes que são provenientes de residentes, metade são de pessoas físicas (inventores independentes) e a outra metade são de empresas ou de instituições de pesquisa instaladas no país. É fácil imaginar que depósitos de patentes provenientes de inventores independentes são, muito provavelmente, menos viáveis economicamente do que as patentes depositadas por empresas. No Brasil, entre os 10% de patentes de residentes que não pertencem a inventores independentes, 7% são depositados por empresas e 3% por Universidades e Instituições de Pesquisa. O crescimento da participação dessas organizações na atividade de patenteamento (como veremos na seção sobre a interação da ciência com as empresas, em 2000 elas respondiam por 0,38% das patentes depositadas) talvez seja o movimento mais relevante nas atividades de patenteamento no Brasil, no período recente. O fato de que apenas 7% das patentes sejam solicitadas ao INPI por empresas instaladas no país relete aquela que é uma das principais fraquezas do nosso sistema de inovação: a baixa atividade inovativa e de patenteamento das empresas brasileiras. Do ponto de vista da participação brasileira nas patentes internacionais, não há qualquer mudança signiicativa nos últimos anos. Podemos usar como parâmetro para essa análise o número de patentes depositadas por brasileiros, sejam empresas, instituições ou pessoas físicas, no escritório norte-americano (Gráico 4). O número de patentes brasileiras por lá subiu de perto de 100 para pouco mais de 300 entre 2000 e 2015, crescimento que parece ser expressivo, à primeira vista. Entretanto, nossa participação nas patentes depositadas é desprezível quando compararmos com as quase 10 mil patentes anuais depositadas pela China. 13. Nesse sentido, uma patente solicitada ao INPI por uma subsidiária de empresa estrangeira instalada no Brasil seria considerada uma aplicação de um residente. Por outro lado, se a matriz dessa mesma empresa, instalada no exterior, solicitasse a patente, esta seria considerada uma patente de um não-residente. 14. Wipo (2017). [ 27 ] Gráico 4. Número de patentes concedidas por ano no USPTO, 2002-2015. Países selecionados. Japão Alemanha Coreia do Sul China Brasil 50000 40000 30000 20000 10000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Fonte: United States Patent and Trademark Ofice. Disponível em: https://www.uspto.gov/web/ofices/ac/ido/oeip/taf/cst_all.htm. Mais uma vez, nesse quesito, o Brasil continua em uma posição intermediária. As cerca de 4000 patentes concedidas historicamente pelo USPTO para o Brasil nos colocam numa posição superior a de todos os outros países latino-americanos, de Portugal e de vários países em desenvolvimento. Por outro lado, estávamos no início da década e nos mantivemos atrás dos outros BRICs (incluindo África do Sul) e de países europeus como Irlanda ou Espanha. EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS INTENSIVOS EM TECNOLOGIA Existe uma correlação entre o desenvolvimento tecnológico de um país e exportações mais diversiicadas e intensivas em conhecimento. O desenvolvimento, a produção e a exportação desses produtos – entre os quais estão computadores, eletrônicos, produtos farmacêuticos, aparelhos de comunicação e aviões – é muito dependente da inovação. Dessa forma, a competitividade internacional de um país nesses produtos relete, em alguma medida, sua capacidade de desenvolver novas tecnologias. Isso não signiica que outros setores, como o agropecuário, por exemplo, não necessitem ou não incorporem conhecimento e inovação. Signiica, isto sim, que a intensidade de conhecimento que precisa ser desenvolvida pelo responsável pela produção de um avião é substantivamente maior do que pelo responsável pela produção de soja. Este último, pode ser um usuário intensivo de tecnologias incorporadas em máquinas e equi[ 28 ] pamentos e nos insumos utilizados, mas não precisa ser, ele próprio, um desenvolvedor de tecnologias. Essa correlação também não signiica que todos os países que exportam pouca quantidade de produtos intensivos em tecnologia sejam apenas usuários de tecnologia e incapazes de produzir conhecimento e inovações. Um exemplo é a Austrália, um forte exportador de commodities onde os produtos intensivos em tecnologia representam uma pequena parcela das exportações. Apesar disso, a indústria australiana representa mais de 25% do PIB e o país investe mais de 2% do seu PIB em P&D – dos quais 1,2% é investimento empresarial. Além disso, o país está entre os líderes mundiais no ranking de publicações e citações de artigos cientíicos. Apesar de algumas especiicidades, de modo geral, possuir competências cientíicas e tecnológicas habilita um país a produzir e exportar produtos mais complexos. Por esta razão, a participação de produtos mais complexos na pauta de exportações pode ser considerada uma consequência e um indício do desenvolvimento tecnológico de um país. Nos últimos anos, o aumento no preço de várias commodities minerais e agrícolas reverteu uma tendência anterior de ampliação da participação de produtos de alta intensidade tecnológica nas exportações mundiais. Entre 2000 e 2014, essa participação caiu de 14,6% para 9% do total das exportações. Aconteceu o mesmo com vários países, com algumas exceções entre as quais podemos citar China e Índia (Gráico 5). De modo geral, se observarmos o comportamento desse indicador entre os países, veremos Gráico 5. Exportações de alta tecnologia como proporção das exportações totais em países selecionados (%): 2000 a 2014. 30% 2000 2002 2004 20% 2006 2008 2010 2012 10% 2014 0 Argentina Brasil China Zona Espanha do Euro Índia Coreia do Sul México Portugal Rússia Fonte: Banco Mundial – World Development Indicators (http://databank.worldbank.org/data ) [ 29 ] Mundo África do Sul que ele guarda uma correlação com os demais indicadores de investimento empresarial em P&D, de patenteamento ou mesmo de produção cientíica. Países tecnologicamente mais desenvolvidos tendem a possuir maior proporção de produtos de alta tecnologia nas suas exportações. Mais uma vez, neste quesito o Brasil ocupa uma posição intermediária, nem tão distante dos países avançados e à frende de vários países em desenvolvimento. O país, no entanto, teve uma das quedas mais pronunciadas nesse indicador. As exportações intensivas em tecnologia eram cerca de 9% do total das exportações brasileiras em 2000 e passaram a representar apenas 3% em 2014. O aumento do peso das commodities nas nossas exportações em detrimento de outros produtos como os intensivos em tecnologia relete variações de preço, mas também mostra uma frágil e cadente competitividade do país em produtos que requerem maior esforço tecnológico. UTILIZAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS O efeito das novas tecnologias sobre o crescimento econômico depende, em grande medida, do nível de difusão dessas tecnologias pela sociedade e, em particular, pelos produtores de bens e serviços. As tecnologias básicas necessárias para o telefone celular e para a internet, por exemplo, já existiam muito tempo antes de se tornarem produtos e começarem a ser utilizadas amplamente pelas pessoas. Várias tecnologias que atualmente já existem, como carros autônomos ou alguns tipos de robôs, não são usadas amplamente porque demandam regulação especíica ou porque não são economicamente viáveis, ou ainda porque a sociedade ainda não sabe como utilizá-las de forma produtiva. No caso dos países em desenvolvimento, onde a mão-de-obra é mais barata, novas tecnologias tendem a levar mais tempo para se tornar viáveis economicamente. Nesses países, é mais barato manter trabalhadores fazendo o trabalho que máquinas modernas e caras poderiam fazer. Ao contrário do que podem pensar alguns simpatizantes de teorias neo-ludistas, deixar de utilizar novas tecnologias, contudo, pode até preservar empregos no curto prazo, mas, no longo prazo contribui para manter o atraso tecnológico e de renda em relação aos países mais ricos. Isso porque a velocidade com a qual um país aprende e começa a utilizar tecnologias inovadoras produzidas externamente também é um fator crucial para explicar o crescimento da produtividade e da renda. Não apenas isso, dado que a inovação incremental é o tipo dominante de inovação, [ 30 ] a própria capacidade de inovar depende muito da capacidade de utilizar as tecnologias disponíveis da melhor forma possível. Estudo recente15 mostrou, a partir de informações inéditas sobre a difusão de tecnologias entre países, que a velocidade desta difusão está positivamente relacionada com alguns fatores, entre os quais merecem menção: i) capital humano (educação); ii) grau de abertura de um país e; iii) adoção de tecnologias anteriores. Ou seja, para ser capaz de usar novas tecnologias, um país precisa, em primeiro lugar, ter pessoas qualiicadas para entender o seu funcionamento e operá-las. Em segundo lugar, é preciso estar aberto à aquisição de tecnologias (que muitas vezes estão incorporadas em máquinas e equipamentos) geradas em outros países. Por im, já ter adotado uma tecnologia predecessora, auxilia no processo de adoção da tecnologia mais avançada. Para um país distante da fronteira tecnológica, o acesso à tecnologia de ponta se dá, em grande medida, por meio do licenciamento de tecnologias, da aquisição de bens de capital importados, do pagamento de royalties pelo uso de tecnologias importadas, da aquisição de P&D, assistência técnica etc. Assim como exporta pouca tecnologia incorporada nos seus produtos, o Brasil também é um país muito fechado às importações de bens, de conhecimento e de tecnologias produzidas no exterior. No caso das tecnologias, a prova disso são os luxos de pagamentos e receitas tecnológicas do Brasil com o resto do mundo, que são muito inferiores a diversos outros países, entre os quais Argentina, África do Sul, Rússia e quase todos os países desenvolvidos16. O Gráico 6 mostra um outro indicador das trocas tecnológicas feitas pelo Brasil com o exterior. Nele estão expressos os pagamentos efetuados por empresas brasileiras ao exterior, pelo uso de propriedade intelectual, que representam cerca de 0,3% do PIB. Esse valor está acima de outros países em desenvolvimento como México e China. No entanto, é inferior à média da OCDE e a vários outros países em desenvolvimento. O traço horizontal no gráico, por sua vez, representa o percentual das importações de bens de capital no total das importações do país. Novamente, por esse critério, o Brasil acessa menos tecnologias desenvolvidas externamente que a maior parte dos demais países selecionados. A isto, some-se o fato que o Brasil é um dos países com o menor luxo de comércio em relação ao PIB 15. Comin and Hobijn (2004) 16. Zuniga et al (2016) [ 31 ] Gráico 6. Pagamentos e recebimentos de direitos de propriedade intelectual em relação ao PIB (%) e importação de bens de capital (BK) em relação às importações totais (%) em países selecionados: 2015. Pagamento de direitos de propriedade intelectual / PIB 60 Receitas de propriedade intelectual / PIB Direitos de propriedade intelectual / PIB (%) Importações de BK / importações totais 50 0,6 40 0,4 30 20 0,2 10 0 Argentina Brasil Canadá China França Alemanha Coreia do Sul México África Espanha do Sul EUA Importação de bens de capital / importações totais (%) 0,8 0 Fonte: Banco Mundial – World Development Indicators (http://databank.worldbank.org/data ) e World Integrated Trade Solution (WITS) (http://wits.worldbank.org/Default.aspx?lang=en) entre praticamente todos os países do mundo. Os dados do banco Mundial mostram que o somatório das importações e das exportações do Brasil somam 25% do seu PIB (ver Gráico 12, na seção na seção sobre competição, abertura e inovação), valor próximo ao da Argentina e muito inferior a praticamente todos os demais países do mundo, para os quais o Banco Mundial possui dados17. Ampliar a utilização de tecnologias pode ser um fator a impulsionar a capacidade do país de também produzir tecnologia de ponta. Não há oposição entre essas duas atividades, e sim complementaridades. Em ciência e tecnologia, o isolamento sempre produz um pior resultado do que a integração. Não faz sentido e não é viável tentar produzir sozinho conhecimentos e tecnologias que já estão disponíveis em outros lugares, pois estas tecnologias icarão obsoletas rapidamente. As tecnologias do futuro são aquelas que ainda não foram produzidas e que, em muitos casos, partem do aprimoramento das tecnologias existentes. Se um país não utiliza essas últimas, tem menos chances de produzir as próximas. 17. Isso exclui alguns poucos países como a Coréia do Norte, por exemplo. [ 32 ] SÍNTESE O que esses indicadores mostram, de modo geral, é que o Brasil está longe de ser um país atrasado do ponto de vista cientíico e tecnológico. Esse é a parte meio cheia do copo. O país está em posição intermediária em praticamente todos os indicadores de produção e utilização de conhecimento e de novas tecnologias. Em alguns indicadores, a situação do país é melhor até do que em alguns países europeus como Portugal ou Espanha e, de modo geral, estamos a frente de todos os demais países latino-americanos em praticamente todos esses indicadores. Talvez nosso pior desempenho esteja nos depósitos de patentes, seja no Brasil ou no Exterior. A parte meio vazia do copo, contudo, diz respeito a nossa evolução nos últimos anos. Apesar de ter vivido, nos anos 2000, um período de crescimento econômico relativamente pujante, para os nossos padrões históricos, o país não logrou obter melhorias signiicativas no seu desempenho cientíico e tecnológico. Em termos absolutos eles melhoraram, é claro. Entretanto, do ponto de vista relativo, nossa evolução foi mais lenta que praticamente todos os países relevantes, até mesmo do que a dos países desenvolvidos, dos quais se esperaria uma velocidade de crescimento menor do que a de países em desenvolvimento como o nosso. Por essa razão, perdemos posições relativas para o resto do mundo. Se houve um aspecto do nosso desempenho onde avançamos mais rápido que o resto do mundo, contudo, é o da produção cientíica. Nossos cientistas, hoje, participam mais fortemente nas publicações mundiais do que nos anos 90, sendo que esse crescimento foi sustentado e constante nas últimas duas décadas. Desde então, passamos a nos aproximar e, nos últimos anos, ultrapassamos a média mundial de publicações por habitante. Como uma boa ciência é a base para um país inovador, isso é uma notícia animadora, apesar dos enormes desaios que ainda temos pela frente. [ 33 ] [ 34 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Educação e formação de cientistas A educação é a ferramenta fundamental para o progresso cientíico e tecnológico de um país. Quem produz a ciência e o conhecimento que, em última instância fazem a sociedade mais rica e mais desenvolvida, são as pessoas. A sociedade investe recursos para formar pesquisadores e cientistas que, por sua vez, trabalham para produzir novas tecnologias e novos conhecimentos. O insumo básico do progresso tecnológico é, portanto, humano. Obviamente, cientistas e pesquisadores necessitam equipamentos, recursos, infraestrutura e um ambiente adequado e estimulante. Entretanto, sem pessoas qualiicadas, nenhuma dessas outras condições é suiciente. Além disso, a educação acelera o processo de difusão de novas tecnologias18. Sociedades mais educadas aprendem e utilizam mais rapidamente os conhecimentos e tecnologias desenvolvidos por outros países. O objetivo desta seção é, portanto, discutir como a educação pode alavancar o desempenho cientíico e tecnológico do país, por meio da formação de pessoas qualiicadas para entender e fazer frente aos desaios cientíicos e tecnológicos do nosso tempo. Nesse sentido, o foco será em aspectos que mais diretamente impactam aquele desempenho, o que implica que a educação superior, principalmente a pós-graduação e a produção cientíica, será o objeto central dessa análise. Além disso, o foco também não recairá sobre as virtudes da educação brasileira, mas sim sobre os seus desaios. Longe de ser uma opção por analisar o lado vazio do copo, é uma 18. Nelson e Phelps (1966) [ 35 ] tentativa de propor soluções e caminhos para tornar a educação uma alavanca mais eicaz no desenvolvimento do país. O ACESSO AO ENSINO CRESCEU, MAS A QUALIDADE... Dados os reconhecidos impactos da educação sobre o crescimento econômico, não é por acaso que a universalização do ensino tem sido um objetivo crucial de praticamente todos os países nas últimas décadas, especialmente dos países em desenvolvimento. Um dos objetivos de desenvolvimento do milênio das Nações Unidas era, justamente, que até 2015 todas as crianças tivessem tido acesso ao ensino fundamental completo. O resultado desse esforço, embora não tenha sido a universalização, foi um crescimento no percentual de matrículas no ensino fundamental nos países em desenvolvimento, que passou de cerca de 83% no início dos anos 2000 para 91% em 2015. No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o número médio de anos que o brasileiro estudou cresceu de 6,2 no início da década para 8,7 anos em 201419. Isso signiica que, na média, cada brasileiro tem 2 anos e meio a mais de estudo do que tinha em 2001. Isso signiica uma ampliação muito signiicativa do acesso ao ensino no país, ampliação esta que já vinha acontecendo desde a década de 90, vale dizer. Os índices de alfabetização também cresceram. Dados do Banco Mundial20 mostram que, entre 2000 e 2014, o percentual de adultos alfabetizados no país subiu de 86% para quase 92%. O crescimento é expressivo, mas ainda insuiciente para zerar o analfabetismo, como nos países desenvolvidos, ou mesmo para alcançar outros países em desenvolvimento. No México e na África do Sul, por exemplo, cerca de 94% da população adulta é alfabetizada e na Argentina, esse número já supera os 98%. O acesso ao ensino superior também cresceu. O pesquisador Simon Schwartzman mostrou que, entre 2001 e 2015, o número de matrículas no ensino superior aumentou de 3 para 8 milhões, expansão puxada, principalmente, por instituições privadas. 19. Tafner, P. (2017) 20. https://data.worldbank.org/indicator/SE.ADT.LITR.ZS [ 36 ] Essa ampliação no acesso ao ensino, contudo, não parece ter sido capaz de reduzir a distância que nos separa dos países desenvolvidos. No Brasil, o aumento da escolaridade não parece ter se reletido tão fortemente em maiores níveis de produtividade e de renda vis a vis outros países. Essa aparente ausência de impacto do aumento dos níveis de escolaridade sobre o crescimento pode estar relacionada a uma questão crucial para muitos países: a qualidade do ensino. De fato, estudo recente sobre os impactos da educação no crescimento econômico21 mostra que a qualidade do ensino é mais relevante para explicar o crescimento do que a quantidade de pessoas escolarizadas ou o número de anos de escolaridade da população. Nesse sentido, talvez um dos maiores desaios do país na educação esteja em aumentar a qualidade do ensino fundamental e médio. E o grande problema é que, nos últimos anos, a qualidade não apenas não cresceu como diminuiu. O nível de proiciência dos estudantes brasileiros de ensino fundamental e médio em português e matemática, por exemplo, é mais baixo, hoje, do que era em meados dos anos 90. Os dados do SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) mostram que, em 1995, os alunos que completaram o terceiro ano do ensino médio obtiveram, em média, pontuação de 290 em Português e 285 em Matemática22. Vinte anos depois, em 2015, os alunos do terceiro ano do ensino médio obtiveram nota menor: 267 nas duas disciplinas23. Essa piora acontece em um quadro que já é péssimo do ponto de vista da comparação do Brasil com outros países. O país é um dos últimos colocados entre aqueles que participam do Programa de Avaliação de Estudantes Internacionais (o PISA), da OCDE. Ainda que não sejam todos os países a participar dessa avaliação, a posição brasileira signiica que estamos atrás de vários outros países latino-americanos e muito atrás de todos os países da OCDE. Enquanto a nota dos países desenvolvidos está próxima de 600 pontos, a do Brasil não supera os 400 pontos. Além disso, nosso pior desempenho é, de longe, em matemática, onde apenas 30% dos estudantes brasileiros possuem um desempenho considerado satisfatório, segundo a Organização. 21. Barro (2001) 22. Em um total de 425 em Português e de 475 em Matemática 23. Esses números foram apresentados em Tafner, P. (2017) [ 37 ] Gráico 7. Resultados da Avaliação Internacional de Estudantes em ciências, leitura e matemática para países selecionados: 2015. Ciências Leitura 500 Matemática 400 300 200 100 0 Média OCDE Coreia do Sul Portugal EUA Espanha Chile México Brasil Fonte: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - Programme for International Student Assessment (PISA): http://www. oecd.org/pisa/. O Gráico 7 mostra os resultados do Brasil no Pisa de 2015, em comparação com alguns países selecionados. Esses números, e o que eles signiicam em termos de aprendizado, revelam uma realidade desaiadora: que os nossos estudantes saem do ensino fundamental e médio absorvendo muito pouco daquilo que lêem e entendendo muito pouco de ciências e de matemática, ou seja, de como o mundo funciona. Um estudo realizado em 2015 pelo Círculo da Matemática24 mostrou que 75% dos adultos brasileiros não sabem fazer uma média simples e 60% declararam não gostar de matemática na escola. Essa diiculdade dos estudantes (e adultos) brasileiros com disciplinas quantitativas, especialmente a matemática, ajuda a explicar porque formamos tão poucos engenheiros e cientistas. Mas não apenas isso, essa diiculdade tem impactos na sociedade, independentemente da formação superior futura dos alunos. Cada vez mais, as novas tecnologias demandam das pessoas e dos trabalhadores habilidades relacionadas à resolução de problemas, à lógica e outras tantas que dependem fortemente do aprendizado de ciências e matemática. A crescente necessidade desse tipo de habilidade tem feito com que vários países estimulem precocemente o fortalecimento da educação nas áreas chamadas de STEM (Science, Technology, Enginnering and Mathe- 24. http://veja.abril.com.br/educacao/adultos-brasileiros-nao-sabem-matematica-basica-diz-estudo/ [ 38 ] matics). Uma boa formação nessas áreas “deveria ampliar o entendimento dos estudantes sobre como as coisas funcionam e aprimorar sua capacidade de utilizar as tecnologias”25. A engenharia, em particular, é uma área diretamente envolvida com a resolução de problemas e com a inovação e, por isso mesmo, essencial para países que desejem se tornar mais inovadores. Assim, vários países têm adotado estratégias e políticas explícitas no sentido de atrair o interesse dos jovens nessas áreas bem como de fortalecer o ensino das mesmas. A OCDE26 sintetizou algumas das principais estratégias e políticas adotadas por países do grupo em relação ao ensino desses campos. Algumas delas visam, por exemplo, ampliar a matrícula dos jovens no ensino superior nesses cursos, a partir de bolsas ou outros incentivos inanceiros (como na Argentina, Austrália e Dinamarca) ou a partir de aulas gratuitas para os estudantes com diiculdades (como na Suécia e na Alemanha). Outros tipos de políticas visam melhorar a qualidade do ensino dessas disciplinas na escola básica, a partir do aumento do número de horas de ensino das mesmas (como a Alemanha, a Irlanda ou a Noruega) e a partir de reformulações curriculares (Austrália e Inglaterra, por exemplo). O Brasil também tentou estimular, embora de forma limitada, o ensino dessas áreas na graduação, por meio do programa Ciência sem Fronteiras. Lembremo-nos que, apesar de todos os seus problemas, que discutiremos mais a frente, o programa tinha como objetivo conceder bolsas de estudo no exterior para alunos das ciências, tecnologias, engenharias e matemática. UM PAÍS COM POUCOS CIENTISTAS E ENGENHEIROS A nossa histórica diiculdade com o ensino cientíico e tecnológico no nível básico aliada à baixa qualidade desse ensino e ao fato de nunca termos tido uma política explícita de fortalecimento desses campos, cobra seu preço em algum momento. Esse preço é o baixo número de cientistas e engenheiros no país, que explicita – lembremo-nos que o principal recurso para produzir ciência e tecnologia é o humano – como a sociedade brasileira tem alocado poucos recursos para a inovação. É claro que o Brasil tem bons cientistas, que fazem muito com a infraestrutura disponível no ambiente no qual estão inseridos. Mas, é preciso 25. Bybee (2010) 26. Em material disponível na página da instituição: https://www.oecd.org/sti/outlook/e-Outlook/stipolicyproiles/humanresources/strengtheningeducationforinnovation.htm [ 39 ] reconhecer que o país produz poucos cientistas e engenheiros e que isso limita sobremaneira a sua performance na produção cientíica e tecnológica tanto direta quanto indiretamente. Diretamente porque temos menos pessoas pensando e produzindo ciência e inovação. Indiretamente, porque menos pessoas nessas áreas também signiica também menos competição e menos interação, fatores que tem impactos relevantes sobre a qualidade da produção cientíica e tecnológica. O Observatório da Inovação, da USP, mostrou recentemente27 que o número de engenheiros formados, como proporção da população, é muito menor no Brasil do que em vários outros países. Nós formamos, todos os anos, aproximadamente 50 mil engenheiros (nas diversas áreas da engenharia), o que signiica aproximadamente 6% do total de quase 900 mil graduados no ensino superior. Isso representa cerca de 2,8 novos engenheiros por ano para cada 10 mil habitantes, número muito abaixo de países como Coréia do Sul (19 engenheiros por 10 mil hab.); Espanha (10) e México (8). Nos Estados Unidos, país que forma mais de 5 engenheiros para cada 10 mil habitantes todos os anos, a preocupação com a formação de pessoas nas áreas chamadas de STEM tem aumentado nos últimos anos e ensejado novas políticas públicas para mudar esse quadro. Assim como engenheiros, cientistas e pesquisadores também são escassos por aqui (Gráico 8). O país tem cerca de 700 cientistas para cada milhão de habitantes. Essa quantidade está muito aquém dos países mais desenvolvidos, onde esse número chega a mais de 4 mil cientistas por milhão de habitantes e é menor do que na Argentina e até mesmo que na China, país mais populoso do mundo. O baixo número de cientistas no Brasil já foi registrado pelo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)28, em artigo de 2017, usando esses mesmos dados. Para ele, o crescimento no número de cientistas passa por estimular, nos estudantes do ensino básico, a curiosidade cientíica e o interesse nessas carreiras. Indubitavelmente, esses números mostram que, em termos absolutos, o Brasil possui, sim, poucos engenheiros e cientistas. Mas será que a solução seria apenas formar mais cientistas, pesquisadores e engenheiros, ampliando assim a oferta desses proissionais na economia brasileira? 27. Salerno et al (2012). 28.Ver artigo de Luiz Davidovich (presidente da ABC), no site da entidade: http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=8500 [ 40 ] Gráico 8. Número de pesquisadores por milhão de habitantes em países selecionados: 2010. Índia Chile México Brasil China Argentina Espanha Rússia França Estados Unidos Portugal Alemanha Canadá Coreia do Sul 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 Fonte: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Disponível em http://uis.unesco.org/indicator/sti-rd-hr-res. Nesse ponto, a questão se torna um pouco mais complexa. É preciso, sim, ampliar e melhorar a formação de pessoas nas áreas cientíicas e tecnológicas e é preciso fazer isso desde o ensino básico, haja visto nossos píios resultados no PISA. No entanto, é preciso também que exista, na economia, demanda por esses proissionais. Caso contrário, essas proissões não serão capazes de atrair número maior de jovens do que atraem hoje. Uma pergunta relevante, portanto, é se o mercado de trabalho será capaz de absorver cientistas e engenheiros num nível maior do que atualmente faz. Em outras palavras: quem precisa de mais cientistas e engenheiros? Comecemos por analisar o mercado de trabalho para engenheiros que é muito mais amplo e diversiicado que o mercado para cientistas. Antes da crise, havia um amplo debate nos meios de comunicação sobre a escassez de mão-de-obra qualiicada no país, em especial a de engenheiros. Falava-se em apagão de mão-de-obra e a indústria se ressentia por não conseguir encontrar engenheiros qualiicados no mercado. Títulos como “escassez de mão-de-obra vai estagnar a economia”29 ou “diiculdade de encontrar mão-de-obra qualiicada afeta economia brasileira”30 eram comuns na imprensa brasileira e reletiam a diiculdade do setor produtivo em encontrar proissionais qualiicados. 29. Revista Época, em 15/06/2012 30. Jornal Nacional, em 13/08/2012 [ 41 ] Na economia, contudo, a escassez tem como consequência o aumento nos preços dos bens e serviços escassos. O mesmo vale para a qualiicação proissional. Se há (ou houve) escassez de engenheiros na economia brasileira, a consequência natural seria um aumento nos salários desses proissionais, em virtude de uma demanda superior à oferta. Estudos do Ipea e da USP31 evidenciaram, contudo, que esse aumento salarial não ocorreu no Brasil, a não ser em setores especíicos (petróleo e construção civil, basicamente). Os autores desses estudos mostraram que o salário dos engenheiros é cerca de 4 vezes maior que o do restante da população empregada e quase duas vezes maior que o dos empregados com curso superior. Entretanto, esse diferencial se manteve relativamente estável ao longo dos últimos anos, exceto em setores como construção civil e petróleo. Ou seja, embora a indústria tenha sentido uma redução na disponibilidade de engenheiros no mercado de trabalho, não chegou ao ponto de aumentar o salário desses proissionais de forma generalizada. Além disso, ocorreu, nos anos 2000, um movimento inverso, qual seja: a redução do diferencial salarial entre proissionais com nível superior e os demais trabalhadores32. Ora, em uma sociedade onde a qualiicação ainda representa um gargalo relevante ao desenvolvimento, essa redução do prêmio salarial pela educação não deixa de ser paradoxo, por representar um desincentivo para que os jovens busquem mais escolaridade. A redução do prêmio salarial pode estar associada a diversos fatores que ainda precisam ser melhor explorados. Por um lado, pode estar relacionada com a própria ampliação do acesso ao ensino. De fato, a literatura econômica prevê que, quando se amplia o acesso à educação os diferenciais de salário em prol dos mais qualiicados tende a se reduzir. Por outro, pode ser fruto da baixa qualidade da educação formal oferecida. Nesse caso, um trabalhador pode ter obtido maior qualiicação formal e ainda assim continuar exercendo as mesmas funções, e com o mesmo salário, que exercia anteriormente. O fato é, de toda forma, que a demanda por trabalhadores altamente qualiicados não parece estar crescendo signiicativamente na economia brasileira, ou pelo menos não a ponto de representar um aumento na remuneração desses proissionais. As razões para isso têm relação com o desempenho do setor produtivo do país. Ou seja, talvez as razões para o 31. Uma boa síntese desses estudos pode ser encontrada em: Lins et al. (2014) 32.Ver Davanzo e Ferro (2014), por exemplo. [ 42 ] baixo número de engenheiros e cientistas estejam mais relacionadas com a demanda do que com a oferta de pessoal qualiicado. A discussão a ser feita na seção sobre o ambiente econômico brasileiro, pode jogar um pouco de luz sobre alguns dos pontos que afetam essa demanda. O mercado de trabalho para cientistas é muito mais restrito e especíico do que o mercado para engenheiros. Estudo desenvolvido no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)33 mostra onde trabalham os mestres e doutores formados no país. O estudo identiicou, entre os titulados a partir de 1996, os que estavam empregados no mercado formal de trabalho brasileiro, em 2014. Aqueles que não estão no mercado formal podem não estar desempregados. Eles podem ter aberto sua própria empresa, ter continuado sua formação no doutorado ou pós-doutorado ou ainda podem ter migrado para outros países, mas estes não foram localizados pelo levantamento. Um dos números mais interessantes do levantamento é o que mostra que, entre os cientistas brasileiros, o percentual de mestres e doutores empregados era menor do que a média dos titulados em áreas não cientíicas. Enquanto aproximadamente 80% dos doutores em economia, administração ou engenharia estavam formalmente empregados em 2014, apenas 66% dos doutores em biologia e 74% dos doutores nas ciências exatas, da terra ou na saúde tinham um emprego formal no Brasil. O mesmo fenômeno aconteceu no caso dos mestres. Exceto pela engenharia, os proissionais melhor posicionados no mercado formal de trabalho eram os titulados nas humanidades e nas áreas sociais aplicadas. O que esses números mostram, portanto, é que o mercado de trabalho brasileiro não parece estar absorvendo os cientistas na mesma proporção que absorve os titulados em outras áreas do conhecimento. Outro número interessante para caracterizar a especiicidade do mercado de trabalho dos cientistas é o que mostra que, entre os doutores no mercado formal, mais de 70% estão empregados em instituições públicas (a maior parte federais). É lá também que estão os melhores salários para esses proissionais. Em alguma medida, esses números reletem o que qualquer cientista brasileiro já sabe: que o mercado de trabalho para ele está, preponderantemente, em Universidades públicas (federais ou estaduais). Dado que o ritmo de crescimento das vagas para docentes em universidades públicas 33. CGEE (2016), disponível em: https://www.cgee.org.br/web/rhcti/mestres-e-doutores-2015 [ 43 ] é limitado, o crescimento do mercado para esses proissionais também tende a ser. A menos, é claro, que outros tipos de instituições ou que empresas estivessem ampliando o emprego de cientistas no país, o que não parece ser o caso por enquanto34. Por im e não menos importante, outra questão fundamental para entender o baixo número de cientistas no país diz respeito à sua remuneração. Em 2014, os doutores empregados no mercado formal brasileiro recebiam, em média, pouco menos de R$ 14 mil, ou cerca de 6 vezes o salário médio no emprego formal brasileiro, que era de R$2,5 mil. Esse diferencial, segundo o estudo do CGEE, se manteve constante nos últimos anos, evidenciando que não há uma demanda crescente por esses proissionais no país. A síntese deste debate é que, para ampliar o número de cientistas e engenheiros não basta apenas formar mais pessoas nessas áreas, mas também é preciso criar condições para que eles sejam empregados produtivamente pela sociedade. Nesse sentido, o crescimento do número de cientistas no país deve começar pela valorização desses proissionais no mercado de trabalho. Isso implica criar ou estimular a criação de outros espaços proissionais para os cientistas, além dos tradicionais espaços de docência em universidades públicas. Implica também promover a diversiicação de carreiras nessas e em outras instituições públicas, para que elas possam absorver os cientistas brasileiros e estrangeiros. A diversiicação das instituições de pesquisa no país é fundamental nesse sentido, mas é uma discussão que exige mais fôlego e que, portanto, será abordada na próxima seção. INTERNACIONALIZAÇÃO E DIVERSIDADE NA CIÊNCIA Em 1994, um grupo de pesquisadores35 publicou um livro que teve grande impacto e inluência sobre os estudiosos da educação e da produção cientíica. Eles argumentavam que estaria emergindo, naquele momento, uma nova forma de se produzir conhecimento, que estava transformando o velho paradigma da produção cientíica encapsulada em disciplinas distintas e com pouca comunicação entre elas. Nesse novo modelo, as questões de pesquisa relevantes teriam um componente mais forte de aplicabilidade 34. A seção 4 fará uma discussão sobre as instituições onde os cientistas brasileiros poderiam trabalhar. 35. Gibbons et al. (1994) [ 44 ] e seriam, portanto, mais responsivas às demandas da sociedade como um todo. Esse novo paradigma também seria transdisciplinar e demandaria habilidades mais heterogêneas do que antes. Independentemente do quanto os autores acertaram em suas análises, o fato é que a diversidade de habilidades e a interação entre disciplinas tem, sim, se tornado muito comum nas melhores instituições de pesquisa. Tomemos como exemplo um dos mais criativos e ativos laboratórios de pesquisa do mundo atualmente, o MIT- Media Lab, responsável por uma série de inovações em design e ciência da computação, em áreas como redes sociais, dispositivos eletrônicos que podem ser vestidos, sensores etc. Esse grupo reúne pesquisadores das mais diversas origens, nacionalidades e experiências proissionais entre engenheiros, designers, artistas, cientistas da computação, físicos, matemáticos, médicos, entre outros. Essa diversidade e multidisciplinaridade é reconhecida como uma das grandes forças desse grupo. De fato, diversidade e a interação são valores essenciais para a pesquisa cientíica de qualidade. Dois professores da Northwestern University, argumentaram recentemente na Scientiic American, que a validação em ciência envolve muito mais do que replicabilidade, usar os controles adequados e outros cânones do método cientíico. Ela também tem relação com as escolhas que se faz sobre quais problemas e populações estudar e que diferentes perspectivas e valores são importantes nessas escolhas. Assim, a diversidade de cientistas seria importante para reduzir o viés de algumas escolhas e para proporcionar diferentes maneiras de olhar o mundo36. Uma das fontes mais relevantes de diversidade é a cultural, proveniente do convívio entre pesquisadores de distintas nacionalidades. O caso norteamericano talvez seja um dos mais expressivos de como a imigração de pesquisadores pode fertilizar a produção cientíica de um país. Os EUA é o país que mais recebe estudantes estrangeiros: mais de 700 mil por ano. Andar pelas universidades norte-americanas é ter contato imediato com dezenas de nacionalidades, culturas e etnias distintas. Alguns estão ali só de passagem, outros icam alguns anos enquanto alguns adotam o país como seu e continuam trabalhando e pesquisando por lá. 36. https://www.scientiicamerican.com/article/point-of-view-afects-how-science-is-done/ [ 45 ] Essa é, sem dúvida alguma, uma das grandes forças da ciência americana, segundo duas pesquisadoras37 que se debruçaram sobre o assunto e mostraram como os EUA se beneiciam da atração desses pesquisadores. Elas também mostraram que o impacto cientíico dos imigrantes é maior (em termos de citações e outros indicadores de relevância cientíica) do que seria esperado dada a sua participação na força de trabalho do país. O mesmo tipo de argumento é desenvolvido por Analee Saxenian, em seu livro “The new argonauts”. A autora analisa o grande luxo de pesquisadores estrangeiros de alguns países asiáticos para o Vale do Silício e mostra como, ao voltar para seus países de origem, esses pesquisadores criaram oportunidades tanto para seus colegas nos EUA quanto para uma nova geração de pesquisadores nos seus países. Os canais proissionais e pessoais estabelecidos por eles no tempo em que estiveram no Vale do Silício foram fundamentais nesse sentido. Para esses países, que foram capazes de aproveitar uma geração de proissionais altamente qualiicados, educados em algumas das melhores universidades estadunidentes, o chamado “Brain Drain” deixou de ser um problema para se tornar uma fonte de oportunidades. Não é por acaso que, no período recente, os estudiosos da mobilidade cientíica internacional não falam mais em fuga ou ganho de cérebros (brain drain ou brain gain) mas sim em circulação de cérebros (brain circulation)38. Se ainda restava alguma dúvida sobre os benefícios da mobilidade internacional sobre a produtividade e qualidade da produção cientíica, dois estudos recentes publicados na Nature e repercutidos pela revista The Economist em outubro de 2017 trazem novas e conclusivas evidências.39 O primeiro, feito por pesquisadores da Universidade de Indiana, analisou a produção cientiica de mais de 14 milhões de pesquisadores entre 2008 e 2015. Os cientistas que mudaram de país nesse período, cerca de 4% do total, receberam mais citações do que os que permaneceram no mesmo lugar. Lembremo-nos que o número de citações é um bom indicador de quão inluente é o trabalho citado, o que revela também sua qualidade. Mais interessante ainda é que esse incremento nas citações parece ser maior para países mais distantes da fronteira. Pesquisadores norte-americanos recebe- 37. Stephan & Levin (2001) 38. http://www.nature.com/news/global-mobility-science-on-the-move-1.11602 39. https://www.economist.com/news/science-and-technology/21729977-governments-should-take-note-researchers-who-change-country-produce-more?frsc=dg%7Ce [ 46 ] ram, em média, 10% a mais de citações depois de mudarem de país. Para os pesquisadores da Europa Oriental, esse incremento foi de mais de 170%. O segundo estudo resenhado pela The Economist foi produzido por uma pesquisadora da Universidade do Estado de Ohio em parceria com um pesquisador da Comissão Europeia. Os dois mostraram que esses impactos não se restringem ao indivíduo que muda de país, mas gera efeitos positivos para o país que o recebe. O trabalho deles descobriu que lugares que possuem um maior número de cientistas indo e vindo, tendem a produzir uma ciência de maior impacto. Nesse aspecto, o Brasil não tem sabido aproveitar as oportunidades abertas pela crescente mobilidade internacional de cientistas e pesquisadores. Um bom indicador da internacionalização das instituições acadêmicas brasileiras é o número de estudantes brasileiros no exterior ou estrangeiros no Brasil. Em 2011, o Brasil enviou para estudar no exterior um total de cerca de 28 mil estudantes, com ou sem suporte público (Gráico 9). Nesse mesmo ano o país recebeu apenas pouco mais de 12 mil estudantes internacionais nas suas universidades, a maior parte deles de países de Gráico 9. Número de estudantes enviados para estudar no exterior e número de estudantes internacionais recebidos por países selecionados: 2011 Brasil Brasil Cazaquistão Holanda Vietnam Suiça Malásia África do Sul Arábia Saudita Nova Zelândia Rússia Áustria Estudantes enviados para o exterior Estados Unidos Nigéria Estudantes internacionais recebidos Itália Espanha Irã Rússia Itália Japão Turquia Canadá França Austrália África do Sul França Alemanha Alemanha Índia Reino Unido China Estados Unidos 0 200.000 400.000 600.000 800.000 0 200.000 400.000 600.000 800.000 Fonte: Nuicc – The Ducth Organization for Internationalization of Education. https://www.nufic.nl/en/internationalisation/mobility-statistics/global-degree-mobility/sending-and-receiving-countries [ 47 ] língua portuguesa, entre os quais despontam Angola e Guiné Bissau, ou de países sul-americanos, com destaque para Argentina e Paraguai. Isso é muito menos do que uma série de outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento e não passa nem perto dos mais de 700 mil estudantes recebidos pelos EUA ou dos quase 800 mil enviados ao exterior todos os anos pela China. Em termos percentuais, isso signiica que apenas 0,2% dos estudantes das universidades brasileiras são estrangeiros versus 3,9% nas universidades norte-americanas ou 17,5% de estrangeiros nas universidades britânicas. Entre pouco mais de 100 países classiicados de acordo com esse percentual, o Brasil está na 98ª posição. No caso dos estudantes brasileiros no exterior, eles representam apenas 0,4% do total de matriculados no Brasil, o que também nos deixa em uma das últimas posições no ranking de mobilidade internacional40. Apesar de meritórias iniciativas de algumas universidades e instituições brasileiras no sentido de ampliar a participação de estrangeiros nos seus quadros, professores e pesquisadores estrangeiros ainda são muito raros por aqui. A Unicamp, por exemplo, é uma das melhores universidades brasileiras tanto em termos de produção cientíica quando tecnológica (é a universidade com maior número de patentes registradas no INPI). Ela talvez seja uma das poucas universidades brasileiras com políticas explícitas visando a internacionalização e, ainda assim, tem apenas 5% de seu quadro docente formado por estrangeiros. Entre os estudantes de pós-graduação os estrangeiros representam 7% do total. A Universidade Federal do ABC paulista (UFABC) é uma das mais novas universidades do Brasil e a mais internacionalizada, segundo ranking da Folha de São Paulo, com base em publicações de artigos em parceria com pesquisadores estrangeiros e citações internacionais. Nessa Universidade, cerca de 10% dos docentes são estrangeiros. Esses valores são razoáveis vis a vis outras instituições de excelência no mundo? Se procurarmos essas informações, por exemplo, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das melhores universidades norte-americanas, encontraremos algo entre 30 e 40% de professores estrangeiros em seus quadros, além de 42% de estudantes de pós-graduação provenientes de outros países. Na Universidade de Cambridge, na Ingla- 40. Esses dados (outbound e inbound mobility ratio) estão disponíveis na página do Banco Mundial, em http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?Id=2c670ebf&Report_Name=Tertiary-Education [ 48 ] terra, 33% dos funcionários da instituição são estrangeiros, sendo que 14% são provenientes de países de fora da União Europeia. Entre os estudantes de pós-graduação, mais de 60% dos cerca de 4500 estudantes não são domiciliados no Reino Unido. Além desses dados, outros estudos já mostraram a baixa mobilidade dos cientistas brasileiros. Um estudo publicado em 2012 no National Bureau of Economic Research41 mostrou que o Brasil tinha apenas 7% de pesquisadores estrangeiros trabalhando no país – uma das menores taxas entre 16 países analisados. Por outro lado, apenas 8% dos pesquisadores brasileiros viviam fora do Brasil, também uma das menores taxas naquele grupo de países mostrando, também, que a chamada “fuga de cérebros” não chega a ser uma preocupação relevante. A pouca presença estrangeira nas universidades e instituições de pesquisa brasileiras gera um distanciamento dos outros centros produtores de conhecimento no mundo e um número pequeno de artigos em coautoria com pesquisadores estrangeiros. E é natural que seja assim. As parcerias para a produção de artigos cientíicos, em qualquer área da ciência, emergem a partir de contatos e ainidades pessoais. Professores ou pesquisadores estrangeiros tendem a trazer consigo uma rede de contatos e coautores dos seus países de origem, o que contribui para ampliar a penetração internacional da instituição na qual se encontram. Pesquisadores com pouca vivência internacional tendem a conhecer e, consequentemente, colaborar menos com pesquisadores estrangeiros. Vários estudos empíricos recentes42 tem evidenciado um aumento bastante expressivo na cooperação cientíica internacional nos últimos anos, nas mais diversas áreas. Essa cooperação é expressa principalmente pelos artigos que são produzidos em coautoria por pesquisadores de países distintos. São diversos os fatores que têm impulsionado essa cooperação. As novas tecnologias da informação e comunicação reduziram as distâncias entre os cientistas, o que tem facilitado a maior interação entre eles, de forma menos dependente da localização física. Ainda assim, a maior mobilidade física dos cientistas, que tem ampliado nos últimos anos, continua sendo um fator crucial para estabelecer novos vínculos proissionais e pessoais que ampliam a sua rede de colaboração. Por im, contribui também o cresci- 41. Franzoni, Scellato, and Stephan (2012) 42.Ver, por exemplo, Georghiou (1998) [ 49 ] mento no número de infraestruturas de pesquisas transnacionais, tais como o CERN, o acelerador de partículas gigante localizado na Suíça ou o conjunto de telescópios do Observatório Paranal, no deserto do Atacama, no Chile. Essas instalações de pesquisa atraem pesquisadores do mundo todo, especialmente dos diversos países que inanciaram o empreendimento. Como são infraestruturas muito caras e de utilização muito especíica (no sentido de que existem poucos pesquisadores capazes de utilizá-las), vários países se associam a – ou estabelecem parcerias com – essas instalações, garantindo assim que seus cientistas possam utilizá-las em suas pesquisas. Sendo a mobilidade internacional um dos principais fatores que explicam a colaboração, não é espantoso que a participação brasileira nas redes internacionais de conhecimento não seja tão expressiva. Reportagem recente da revista Pesquisa Fapesp evidenciou o fato de que o percentual de artigos com co-autoria internacional é bem menor no Brasil do em países como Argentina, Espanha e Reino Unido e um pouco abaixo da Coréia do Sul. Ainda assim, o percentual de colaboração é maior do que a média mundial. Entre as instituições brasileiras, a UFABC é, de longe, a mais integrada às redes internacionais de conhecimento, com mais da metade de suas publicações em parceria com pesquisadores estrangeiros.43 Figura 1. Mapa da cooperação cientíica internacional. Fonte: Cunningham, Scott & Kwakkel, Jan. (2011). A complex network perspective on the world science system. 1-17. 10.1109/ACSIP.2011.6064467 43.Ver, por exemplo, a Pesquisa Fapesp de maio/2017: https://goo.gl/f4NG67 e https://goo.gl/P1wBKq [ 50 ] De fato, a igura 1 mostra que a participação brasileira nas redes internacionais de conhecimento, apesar de relativamente pequena, tampouco é irrelevante. Nessa igura, quanto maior a densidade de linhas brancas entre duas regiões maior é o número de artigos cientíicos publicados em conjunto por cientistas residentes em cada uma delas. Ou seja, as linhas brancas medem o número de colaborações cientíicas entre duas regiões diferentes e quanto mais clara uma determinada região do mapa, maior é o número de colaborações internacionais de pesquisadores daquela região. O Brasil, apesar da baixíssima mobilidade de cientistas, ainda é um dos países com destaque no hemisfério sul. Os maiores luxos de colaborações em publicações estão, como era de se esperar, na Europa e na América do Norte. Várias instituições e agências de fomento no Brasil, por identiicar a internacionalização da ciência como um gargalo relevante, têm ampliado seus esforços no sentido de impulsionar as parcerias entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A Fapesp, por exemplo, tem feito acordos de cooperação com algumas das mais importantes agências de fomento ao redor do mundo, possibilitando assim um aumento signiicativo no suporte a projetos de pesquisa em parceria com pesquisadores estrangeiros. Apesar de alguns avanços como esse, ainda existe um longo caminho a trilhar no sentido de colocar o Brasil, de forma mais ativa e permanente, no mapa da produção cientíica internacional. Uma outra face da falta de diversidade, muito mais perniciosa para a qualidade da produção cientíica do que a baixa mobilidade internacional é a endogamia (ou endogenia) acadêmica. Na biologia, a endogamia é deinida como o processo reprodutivo que ocorre entre familiares e indivíduos geneticamente semelhantes. Em populações onde esse tipo de reprodução é frequente, tende a haver uma redução na variância (ou seja, na diversidade) populacional. O conceito de endogamia acadêmica foi inspirado na biologia para caracterizar uma situação na qual as universidades tendem a contratar seus próprios ex-alunos como professores e pesquisadores. Assim como na biologia, o resultado da endogamia é a redução da diversidade, não genética, mas intelectual, já que esse tipo de fenômeno tende a reproduzir conhecimentos, práticas e métodos de pesquisa já existentes na instituição. Ou seja, tendem a criar um ambiente de imobilidade, o que é por deinição pouco compatível com a produção de conhecimento. A preocupação com os efeitos deletérios da endogamia para o ambiente acadêmico não é nova. Já em 1908, o então presidente da Universidade de Harvard, Charles Eliot, escreveu que era natural, mas não sensato, para uma [ 51 ] universidade, contratar seus professores a partir dos seus próprios alunos. Segundo ele, seria natural porque esses graduados seriam bem conhecidos dos responsáveis pela seleção, mas não seria sensato pelos graves perigos que essa escolha traria para a universidade44. De fato, até hoje essa prática não é tão incomum no ambiente acadêmico. Embora seja relativamente conveniente para a Universidade contratar alguém com quem já se tem familiaridade, os especialistas são quase unânimes em apontar as consequências negativas desse tipo de postura. O efeito mais estudado da endogamia é o que se dá sobre a produtividade acadêmica dos indivíduos. E esses estudos mostram que os pesquisadores endógamos têm uma produtividade signiicativamente mais baixa do que os demais. E não apenas isso, a qualidade da produção cientíica desses pesquisadores tende a ser mais baixa. Nesse ponto, os endógamos se aproximam dos pesquisadores aderentes (aqueles que não mudaram de instituição desde a obtenção do seu primeiro emprego acadêmico), evidenciando que tanto a endogamia quanto a falta de mobilidade têm efeitos muito similares.45 Entretanto, mais relevante do que os efeitos sobre a produção individual dos pesquisadores, é o impacto da endogamia sobre a instituição. A literatura constatou que os acadêmicos endógamos tendem a trocar ideias apenas com professores do mesmo departamento e da mesma instituição, ou seja, tendem a colaborar menos com pesquisadores de fora. Isso gera estagnação e pouca renovação de ideias dentro da instituição. Assim, universidades com altas taxas de endogamia tendem a ser mais rígidas a mudanças no ambiente e inertes em relação aos seus desaios e objetivos sociais mais amplos46. Resultados similares também foram obtido para o Brasil, num estudo dos anos 80 que analisou a prática da endogamia nas universidades brasileiras, e observou o alto nível de citação de pesquisadores da mesma universidade47 e, portanto, um baixo nível de renovação. Esse fenômeno está associado com uma certa lealdade institucional dos pesquisadores endógamos, o que obviamente é deletério para a produção cientíica, especialmente quando essa lealdade é maior do que a lealdade à própria ciência. Um cientista deve estar aberto à possibilidade de que suas ideias sejam provadas equivocadas pela utilização de um método cientíico adequado. O apego 44. Eliot (1908) 45. Gorelova e Yudkevich (2015) 46. Horta,Veloso, e Grediaga (2010) 47.Velho e Krige (1984) [ 52 ] Figura 2. Onde os pesquisadores brasileiros trabalham, segundo a distância entre o seu trabalho e o local onde obtiveram a sua graduação. Fonte: Bruno Pierro (Revista Fapesp) >10000 km 5000-10000 km 0,07% 2000-5000 km 2,9% 1000-2000 km 7,8% 500-1000 km 6,9% 200-500 km 9,5% 100-200 km 13,9% 10-100 km 4,7% >10km 8,4% 44,8% [ 53 ] maior a ideias pré-concebidas do que aos resultados do método cientíico não são compatíveis com a boa ciência. Nesse aspecto, pouco parece ter mudado no Brasil desde que esse estudo foi publicado nos anos 80. Estudo recente desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), recentemente divulgado na Revista Fapesp48 mostrou que cerca de 46% dos pesquisadores brasileiros mapeados pelo estudo trabalham a menos de 10 km da instituição onde se formaram (ver igura 2). Isso signiica, basicamente, que a maior parte desses pesquisadores trabalham na mesma instituição onde se formou. É fácil constatar isso por nós mesmos, como um teste sobre o quanto a endogamia é relevante na universidade brasileira. Basta entrar no site de qualquer departamento em qualquer das melhores universidades brasileiras para ver o grande número de professores do departamento formado naquela mesma universidade. Ora, as instituições brasileiras já não proporcionam muita mobilidade entre seus professores. Por razões especíicas das carreiras no serviço público, um professor tende a se aposentar na mesma instituição onde começou sua carreira. Se, além disso, nós ainda formos tolerantes com a prática da endogamia, extremamente comum na universidade brasileira, esse cenário de imobilidade, e suas consequências negativas para a produção cientíica nacional, não se alterará. Na biologia, a depressão endogâmica é um cenário no qual a persistência da endogamia em uma população aumenta o risco de extinção completa de uma espécie. Não é o que desejamos para a ciência brasileira. A INTERAÇÃO DA CIÊNCIA COM A INOVAÇÃO E COM AS EMPRESAS Um dos principais motores do avanço da ciência é a curiosidade humana, descompromissada de resultados concretos e livre de qualquer tipo de tutela ou orientação. A produção cientíica movida simplesmente por essa curiosidade tem sido capaz de abrir novas fronteiras do conhecimento, de nos tornar mais sábios e de, no longo prazo, gerar valor e qualidade de vida para o ser humano. 48. http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2016/01/036-039_Mobilidade_239.pdf [ 54 ] Além da curiosidade humana, outro motor importantíssimo do avanço cientíico é a solução de problemas que aligem a humanidade e a sociedade. Viver mais tempo e com mais saúde, trabalhar menos e ter mais tempo disponível para o lazer, reduzir as distâncias que nos separam de outros seres humanos – seja por meio de mais canais de comunicação ou de melhores meios de transporte – são alguns dos desaios e aspirações humanas para os quais, durante séculos, a ciência e a tecnologia têm contribuído. O caminho entre a produção de conhecimento pela universidade e seu amplo aproveitamento pelas pessoas passa, necessariamente – a não ser que tivéssemos um modo de produção diferente do capitalista – pelo mercado e pelas empresas. Novas tecnologias nada mais são, ainal, do que produtos ou serviços que devem chegar ao mercado para que sejam úteis às pessoas. Não é da universidade, e ela nem tem competência para tanto, a tarefa de transformar o conhecimento em tecnologias e de fazer com que essas tecnologias cheguem ao seu destino: as pessoas. Ainda assim, segmentos importantes da universidade se opõem ao que chamam de “mercantilização” da universidade49, ignorando o quão necessário é que o conhecimento chegue à sociedade ou o fato de que não há outro caminho, a não ser o econômico, para que isso aconteça. A relação que se estabelece entre universidade e empresa é, portanto, particularmente relevante para a inovação e, mais do que isso, para que o progresso da ciência se converta em melhores condições de vida para todos. Um primeiro e mais importante insumo ou “produto” que a universidade entrega à sociedade são proissionais qualiicados que, posteriormente, irão trabalhar nas empresas produzindo bens, serviços e novas tecnologias. Além deles, a universidade pode oferecer uma série de conhecimentos e pesquisas que são úteis para as empresas no seu processo de inovação. Desde muito tempo tem icado evidente, em vários estudos, a crescente importância do conhecimento gerado em universidades e instituições de pesquisa para a inovação empresarial50. Dessa forma, o processo de transferência de tecnologias e conhecimentos da universidade para o setor produtivo é essencial para ampliar o impacto da universidade na sociedade e se dá por vários canais. Alguns desses canais são informais: a própria contratação de ex-alunos das universidades talvez seja uma das principais formas pelas quais o setor 49. http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7813 50.Ver, por exemplo, Narin, Hamilton, and Olivastro (1997) [ 55 ] produtivo absorve conhecimentos da universidade. Além disso, publicações e conferências cientíicas são fontes relevantes além, é claro, de atividades de consultoria exercidas pelos professores e pesquisadores. Entre os canais formais, estão as pesquisas patrocinadas por empresas, contratos de cessão e uso de laboratórios e o licenciamento de tecnologia patenteadas pelas universidades. A literatura51 sobre o tema mostra que os canais ditos informais tendem a ser os meios mais comuns de transferência de conhecimento da universidade para as empresas, no mundo todo. Assim é no Brasil também, como mostra a maior parte da literatura nacional. Estudos para outros países têm avaliado a importância relativa de cada um desses canais. As atividades de consultoria realizadas por cientistas e engenheiros norte-americanos aparecem como sendo o principal canal de transferência de conhecimento para empresas: 18 % dos cientistas e engenheiros entrevistados tendem a se engajar nesse tipo de atividade52. Estudo realizado entre professores e pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), talvez uma das universidades no mundo com maior vocação para a interação com empresas, chegou a resultados parecidos. Lá, as atividades de consultoria são apontadas como o mais importante canal de transferência de tecnologia para empresas por 26% dos professores e pesquisadores ouvidos53. Aparentemente, portanto, são as atividades de consultoria desempenhadas por docentes e pesquisadores, o primeiro canal pelo qual o setor produtivo entra em contato com a expertise cientíica e tecnológica das universidades. Pesquisas patrocinadas por empresas, ao contrário do que se poderia imaginar, não são canais tão expressivos assim. O mesmo pode-se dizer em relação ao patenteamento e licenciamento de tecnologias, que respondem por apenas 7% do total das interações com empresas, segundo esse estudo. No Brasil, existe uma visão relativamente disseminada entre os estudiosos da inovação e, principalmente, entre os formuladores de políticas públicas, de que o nível de articulação entre universidades e empresas é baixo. E de fato, até o começo da década dos 2000, esse era o cenário sugerido pelos dados e pela literatura disponível54. Mesmo no período mais recente, ao analisar o tema, autores relevantes nessa área como Suzigan e Albuquerque55 argumentavam que a interação entre empresas e universidades no 51. Turchi e Rauen (2017) citam vários estudos a esse respeito. 52. Link, Siegel, e Bozeman (2007) 53. Agrawal e Henderson (2002) 54. Sutz (2000) 55. Suzigan e Albuquerque (2011) [ 56 ] Brasil seria um fenômeno localizado em poucas instituições e setores. Esses “pontos de interação”, relativamente isolados, teriam razões históricas e seriam representados pelos clássicos setores de sucesso no Brasil, como aeronáutica, agropecuária e petróleo. Nesses setores, instituições de destaque na pesquisa cientíica e tecnológica no Brasil, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária são as pontas cientíicas de um sistema de inovação que conta, também, com um setor produtivo competitivo. Contudo, no período mais recente, proliferaram novos indicadores e análises que mostram que a situação mudou signiicativamente na última década. Um primeiro indicador relevante é o baseado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq. Lá estão cadastrados todos os quase 30 mil grupos de pesquisa ativos em universidades e instituições de pesquisa brasileiras em todas as áreas do conhecimento. Em 2002, 8% desses grupos declararam ter algum tipo de relacionamento com empresas, número que cresceu para mais de 13% em 2010. Nas engenharias, onde estão as áreas mais propensas a algum tipo de relacionamento com empresas esse percentual chega a 30% e a 26% nas ciências agrárias56. Levantamento recente realizado pelo Ipea, em parceria com o CNPq, sobre os laboratórios e outros tipos de infraestruturas de pesquisa no Brasil mostrou um cenário ainda mais expressivo57. Mais de 43% dos pesquisadores responsáveis por laboratórios em universidades e instituições de pesquisa no Brasil declararam que o seu laboratório presta algum tipo de serviço (testes, análises, ensaios, assessorias ou pesquisas) para empresas. Esses mesmos responsáveis também estimaram qual o percentual dos recursos arrecadados para pesquisa que foram provenientes de empresas em 2012. Em média, pouco mais de 7% dos recursos disponíveis para pesquisa nos mais de 1700 laboratórios pesquisados foram arrecadados com empresas privadas e mais de 20% foram recursos da Petrobras para inanciamento à pesquisa. É verdade que o recorte utilizado no levantamento, cujo foco eram laboratórios (e não grupos de pesquisa) das ciências e tecnologias, é composto por áreas cientíicas com mais propensão a interagir com empresas. Ainda assim, esses números são expressivos. Contudo, sem indicadores comparáveis aos de outros países ainda é difícil dizer se esse nível de interação com empresas no Brasil é alto ou 56. Dados disponíveis no site do CNPq: http://dgp.cnpq.br/planotabular/index.jsp (acesso em outubro/2010) 57. De Negri e Squef (2016) [ 57 ] baixo. Brito Cruz trouxe nova luz a esse debate, ao calcular o percentual de receitas com pesquisa nas universidades do Estado de São Paulo, seguindo metodologia similar à adotada pelas universidades norte-americanas. Ele encontrou que, na Unicamp, USP e Unesp, as receitas provenientes de empresas estão entre 4% e 6% do total das receitas de pesquisa. Esse número é muito próximo à média das universidades norte-americanas embora seja bem menor do que nas universidades de ponta daquele país. Em síntese, nossas universidades não têm tanta interação com empresas como algumas que se destacam no cenário internacional, mas os números recentes estão longe de sugerir que este seria o principal gargalo do nosso sistema de inovação, como muitos têm argumentado. É preciso lembrar, nessa análise, que algumas mudanças recentes na legislação alteraram para melhor o arcabouço que rege a cooperação entre universidades, institutos de pesquisa e empresas no país. Até a promulgação da lei de inovação, em 2004, não havia previsão legal consolidada para que universidades e institutos públicos de pesquisa pudessem celebrar contratos de pesquisa ou de prestação de serviços com empresas privadas, receber por isso e remunerar os pesquisadores que participam desses contratos. Como as instituições públicas, universidades ou centros de pesquisa, representam a maior parte do sistema de pesquisa no Brasil, essa falta de clareza legal era um obstáculo importante para a realização desse tipo de parceria. A lei de inovação preencheu essa lacuna, além de regular e abrir a possibilidade que professores de universidades públicas, mesmo em regime de dedicação exclusiva, possam realizar atividades de consultoria, desde que não prejudiquem suas funções na universidade. Ou seja, desde meados da década de 2000, foram criados uma série de incentivos para uma maior interação entre universidade e setor produtivo. Esses incentivos para que o pesquisador de universidades e instituições públicas de pesquisa busquem realizar contratos de pesquisa ou consultorias para empresas não são, hoje, muito diferentes dos existentes no resto do mundo. De fato, um estudo de caso comparando o MIT e a Unicamp58 mostrou que os incentivos para que os professores e pesquisadores realizem projetos de pesquisa com empresas não são substancialmente diferentes nas duas instituições. As condições para que essas pesquisas, de fato, se realizem é que parece ser diferente. A diiculdade em contratar pesquisadores, o número reduzido de pesquisadores de pós-doutorado, processos internos 58. Reynolds e De Negri (2017) [ 58 ] muito burocráticos e centralização excessiva das decisões dentro da universidade pública brasileira foram apontadas como os principais obstáculos internos para a ampliação dessas parcerias. Os obstáculos externos, por sua vez, estariam associados com o próprio ambiente econômico, que não estimula a demanda das empresas pelo conhecimento gerado nas universidades. A análise feita até aqui, sobre inanciamento à pesquisa oriundo de empresas revela a importância de um dos canais formais de transferência de conhecimento: a pesquisa patrocinada por empresas. Existe, contudo, um outro canal formal bastante relevante, que é o licenciamento de tecnologias. Nesse caso, a universidade ou o instituto de pesquisa pode proteger uma tecnologia desenvolvida nos seus laboratórios por meio de uma patente. Essa patente, uma vez concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é propriedade da universidade e pode ser transferida ou licenciada para uma empresa eventualmente interessada. De modo geral, toda grande universidade de pesquisa ao redor do mundo, especialmente nos países desenvolvidos, possui um escritório de transferência de tecnologia. Esse escritório é a unidade, dentro da universidade ou instituto, responsável pelo registro das patentes da instituição e pela sua negociação com empresas interessadas em adquirir o direito de utilização da tecnologia patenteada (licenciamento) ou em adquirir a própria patente. No Brasil, a lei de inovação obrigou59, em 2004, que toda universidade tivesse um escritório como esse, chamado por aqui de núcleo de transferência de tecnologia. A lei também estabeleceu que o pesquisador inventor, ou seja, o responsável pelo desenvolvimento da tecnologia, pode receber parte dos ganhos econômicos derivados de patentes licenciadas para empresas. Mais uma vez, os incentivos para uma maior produção de tecnologias dentro da universidade foram criados. Sejam as mudanças legais ou até mesmo o crescimento da percepção acerca da importância da universidade na produção de tecnologias, o fato é que os últimos anos presenciaram uma ampliação na produção de patentes pelas universidades brasileiras. Em 2000 as universidades respondiam por 0,38% das patentes depositadas, percentual que cresceu para 3% em 2016. A título de comparação, nos EUA essa participação foi de pouco menos de 2% em 201260 e, na Alemanha, ela é de quase 2,5%61. 59. Este tipo de obrigatoriedade é questionável, mas discutiremos essa questão ao tratar das políticas públicas, na seção 6. 60. https://www.uspto.gov/web/oices/ac/ido/oeip/taf/univ/doc/doc_info_2012.htm 61. Dornbusch e Neuhäusler (2015) [ 59 ] Não por acaso, as universidades iguram todos os anos, entre os residentes no Brasil, no topo do ranking dos maiores depositantes institucionais de patentes no INPI. A Tabela 1 foi extraída do site do INPI e mostra esse ranking para 2015. Nele, entre os 20 maiores depositantes de patentes, encontramos 15 universidades públicas, 4 empresas e uma instituição de pesquisa privada. No instituto norte-americano de patentes, nenhuma universidade igura na lista dos 50 maiores depositantes e, no instituto europeu, há apenas uma instituição pública de pesquisa. A Universidade de Campinas, por exemplo, além de ser uma das melhores universidades do país, tem uma longa tradição em interação com o setor produtivo e é uma das maiores depositantes de patentes no INPI, Tabela 1. Ranking dos vinte maiores depositantes de patentes no Brasil em 2015 (entre os residentes no país). Número de depósitos Instituição ou empresa % do total de depósitos de residentes Whirlpool S.A. 90 1,9 Universidade Federal de Minas Gerais 56 1,2 Universidade de Campinas 52 1,1 Universidade Federal do Paraná 50 1,1 Petróleo brasileiro S.A. – Petrobras 48 1 Universidade de São Paulo 44 0,9 CPQD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações 37 0,8 Universidade do Estado de SP - Júlio De Mesquita Filho 33 0,7 Vale S.A. 32 0,7 Universidade Federal do Rio Grande do Sul 32 0,7 Universidade Federal do Rio Grande do Norte 28 0,6 Universidade Federal de Pernambuco 27 0,6 Universidade Federal do Ceará 25 0,5 OKI Brasil Indústria e Comércio de Produtos e Tecnologia em Automação S.A. 25 0,5 Universidade Federal de Santa Maria 23 0,5 Universidade Federal Tecnológica do Paraná 21 0,5 Universidade Federal da Bahia 19 0,4 Universidade Federal do Pará 19 0,4 Universidade Federal da Paraíba 18 0,4 Universidade Federal de Santa Catarina 18 0,4 Fonte: Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Em: http://www.inpi.gov.br. [ 60 ] com cerca de mil patentes ao longo de sua história. Segundo o relatório anual de 2016 do seu escritório de transferência de tecnologia, a Inova, 87 dessas patentes foram licenciadas para utilização por empresas, ou menos de 9% do total. Os outros 91% representam conhecimento registrado, protegido, mas não utilizado pelo setor produtivo. Apenas como comparação, em 2016, o MIT registrou 314 patentes e licenciou 91. Ou seja, cerca de 30% das patentes registradas pela Universidade americana são licenciadas para empresas62, um percentual muito superior ao da contraparte brasileira. Ora, uma patente serve para proteger uma determinada tecnologia evitando que uma empresa concorrente utilize essa mesma tecnologia na sua produção. Dado que a universidade não produz nem vende produtos e serviços, é fácil imaginar que manter patentes e não as licenciar para nenhuma empresa, o que acontece com a maior parte delas, é inútil e, ao invés de estimular a inovação, pode até mesmo impedi-la. O conhecimento produzido pelas universidades só será útil para a sociedade e para as empresas se ele for transferido e apropriado por elas. Portanto, mais do que buscar patentear suas tecnologias, as universidades deveriam se preocupar com a efetiva transferência dessas tecnologias para a sociedade (nesse caso, as empresas): é aí que está o poder de transformação da ciência. Dois motivos podem explicar porque tantas patentes sem uso são depositadas e mantidas pelas Universidades brasileiras. Primeiro, a capacidade da Universidade em transferir o conhecimento produzido internamente para o conjunto da sociedade não depende só dela. Depende também de um ambiente econômico que propicie a competição entre as empresas e que as estimule a buscar soluções inovadoras dentro das universidades. No MIT, por exemplo, as tecnologias patenteadas pela instituição são, em sua maior parte, licenciadas para startups, muitas vezes dos próprios egressos da universidade63. Grandes empresas, maduras, parecem se interessar menos por essas patentes. Assim, um ambiente que estimule o surgimento de novas empresas de base tecnológica tende a ser mais propício à absorção dos conhecimentos produzidos dentro da universidade. Uma segunda razão pode ser um ativismo exagerado no patenteamento das universidades brasileiras. Esse ativismo pode decorrer da obrigatoriedade de existência dos escritórios de transferência de tecnologia e das poucas condições materiais e humanas para que esses escritórios façam 62. Esse percentual pressupõe que a proporção entre licenciamento e registro de patentes seja parecida em outros anos, o que é bastante plausível segundo informações colhidas na própria instituição. 63. Reynolds e De Negri (2017) [ 61 ] uma triagem das patentes a serem depositadas. Nas universidades de ponta em nível mundial, os escritórios responsáveis pelo patenteamento dispõem de pessoal qualiicado e com experiência de mercado em vários setores. Esse pessoal analisa se a patente a ser depositada é de interesse do mercado e, em caso negativo, ela não é depositada pela universidade. No caso brasileiro, vários escritórios não dispõem dessa análise prévia. De modo geral, é o pesquisador – sem experiência no mercado – que decide se a instituição deve ou não patentear a sua própria descoberta cientíica. O impacto da ciência e da universidade na sociedade depende, portanto, de vários fatores. Um ambiente econômico estimulante e competitivo tende a impelir as empresas a inovar e a buscar o conhecimento produzido pela universidade. Para isso, é importante que as empresas sejam capazes de entender e absorver a ciência de ponta produzida dentro dos muros dessas instituições. Por outro lado, é preciso uma universidade aberta a estabelecer relações diversas com o conjunto da sociedade e consciente de que a maior utilização do conhecimento produzido por ela passa pela transformação desse conhecimento em tecnologias e produtos ou serviços. E que produtos são produzidos por empresas. E que, portanto, empresas são parte essencial do processo de difusão do conhecimento cientíico. Por im, é preciso uma ciência consciente de seu papel na sociedade e consciente dos grandes desaios do seu tempo. Isso não signiica uma ciência subserviente a interesses menores tampouco sem excelência, mas, isto sim, uma ciência conectada com o mundo ao seu redor no qual os cientistas sejam cada vez mais relevantes e inluentes. [ 62 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Infraestrutura A produção de ciência e de tecnologia requer, além de cientistas capazes de fazer pesquisa de ponta, infraestrutura onde esses proissionais possam trabalhar e desenvolver suas habilidades de forma plena. Essa infraestrutura é composta por instalações físicas, equipamentos, instrumentos e insumos de pesquisa. A subutilização dos cientistas decorrente da falta de infraestrutura ou mesmo de instituições que possam abriga-los é, no mínimo, um enorme desperdício dos recursos que a sociedade aplicou, ao longo de décadas, na formação dessas pessoas. Além disso, muitas vezes a falta de infraestrutura adequada impele bons cientistas a procurarem melhores condições de trabalho em outros países. Assim, a infraestrutura de pesquisa é um elemento crítico para o desenvolvimento cientíico e tecnológico de um país. Sua escassez ou baixa qualidade afetam negativamente o trabalho do cientista e reduzem sua qualidade e seu impacto. As diferentes áreas do conhecimento demandam diferentes tipos de infraestrutura e algumas são mais dependentes de equipamentos de grande porte do que outras. Os aceleradores de partículas – como o que o Brasil possui no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas – são instrumentos típicos da pesquisa em física, embora tenham as mais variadas aplicações em outras áreas, como a ciência dos materiais ou a biologia molecular, entre outras. Pesquisas em tecnologias da informação podem demandar supercomputadores, como os disponíveis no Laboratório Nacional de Computação Cientíica (LNCC), em Petrópolis. Pesquisas em biologia demandam, além de equipamentos, como microscópios extremamente precisos, insumos, reagentes e coleções biológicas. Pesquisas ambientais necessitam estações de coleta, tratamento e observação. Embora os preços dos equipamentos e instalações para pesquisa cientíica variem bastante, de modo geral eles são caros. Além disso, boa parte deles não são encontrados prontos no mercado, precisam ser desenvolvidos [ 63 ] e construídos pelos próprios cientistas para desempenhar tarefas especíicas. O acelerador de partículas que está sendo construído atualmente em Campinas, por exemplo, envolveu a produção de uma série de novas tecnologias por pesquisadores e empresas locais e custará algo em torno a R$ 1,5 bilhão. O colisor de partículas localizado na Suíça custou aos países da União Europeia cerca de €5 bilhões (ou quase R$ 19 bilhões) apenas na sua construção, fora os custos de energia e manutenção. Esses custos elevados levam, muitas vezes, a que os países façam consórcios para construir grandes infraestruturas de pesquisa em parceira, a exemplo da União Européia no caso do CERN. Equipamentos caros, como os utilizados em pesquisas de fronteira, demandam manutenção e pessoal capacitado a operá-los. Como muitos deles são importados, tanto a compra como a manutenção exigem uma logística muito mais complexa do que a compra de um equipamento qualquer, por exemplo, de utilização industrial. Muitos desses equipamentos também necessitam instalações especiais para operar adequadamente, o que tem implicações até mesmo nas técnicas de construção empregadas. Laboratórios que utilizam equipamentos soisticados de microscopia eletrônica, como os disponíveis na UFRJ64 e no CNPEM, por exemplo, necessitam que o piso do laboratório seja feito sobre blocos independentes do restante do edifício, uma espécie de super amortecedor para evitar que até as menores vibrações interiram no que está sendo visualizado no microscópio. As instituições que abrigam essas infraestruturas, portanto, precisam estar preparadas para operar instalações de pesquisa complexas como essas e esse também é um ponto relevante. Dado o caráter essencial da infraestrutura de pesquisa, essa seção pretende analisar quais seriam os seus eventuais gargalos, a im de que essa infraestrutura seja uma força propulsora e não um freio à capacidade técnica dos cientistas brasileiros. Muitos dos dados brasileiros mencionados aqui são provenientes de um esforço inédito de levantamento da infraestrutura de pesquisa disponível no Brasil, realizado pelo Ipea e pelo CNPq entre 2012 e 201565. Até então, o Brasil não dispunha de informações sobre o assunto, ao contrário de vários outros países. Essas informações são necessárias, pois a infraestrutura de pesquisa de um país baseia-se, em grande medida, em investimentos públicos, por vezes 64. https://www.tecmundo.com.br/ciencia/86319-ufrj-inaugura-melhor-microscopio-eletronico-brasil.htm 65. Esses resultados foram publicados em De Negri e Squef (2016) [ 64 ] elevados. Em alguns casos, um único projeto de investimento pode levar vários anos para icar pronto. É preciso, portanto, planejamento e priorização e, para tanto, informação. O European Research Forum on Research Infrastructures (Esfri), por exemplo, faz um roadmap a im de selecionar projetos de infraestruturas de pesquisa com capacidade para alavancar a competitividade europeia no longo prazo66. O mesmo acontece na Austrália e na Alemanha67. Nos Estados Unidos, a National Science Foundation (NSF) faz, a cada dois anos, uma pesquisa sobre as instalações de pesquisa e engenharia do país68 a im de subsidiar o Congresso Norte-Americano na elaboração do orçamento para essas iniciativas. Além desse tipo de instalação, existe também, é claro, os laboratórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas, que não serão tratados aqui por se tratarem de bens privados e não públicos, como as instalações de pesquisa cientíica. Vejamos, então, como é e como se distribui nossa infraestrutura de pesquisa cientíica e tecnológica. QUE INSTITUIÇÕES ABRIGAM AS INSTALAÇÕES DE PESQUISA BRASILEIRAS? Quando pensamos em pesquisa cientíica, o primeiro lugar que nos vem à cabeça é a Universidade. De fato, no Brasil, são as universidades, especialmente as públicas, que abrigam a maior parte da infraestrutura cientíica do país. Mas esse não é o único modelo possível. Pesquisador brasileiro sobre educação, Simon Schwartzman69 argumenta que a vinculação do ensino superior com a pesquisa cientíica é uma criação do sistema universitário alemão do século XIX. Essa vinculação coincidiu, historicamente, com o desenvolvimento da química tanto como atividade industrial relevante quanto como área de pesquisa cientíica emergente. Para a primeira, era necessário formar mão de obra qualiicada e, para a segunda, cientistas. Nada mais natural, portanto, do que concentrar essa formação em uma mesma instituição. Outros fatores também ajudam a explicar essa coniguração, mas o fato é que, como o sistema alemão inspirou vários outros, sua inluência ultrapassou suas fronteiras. Entretanto, 66. https://ec.europa.eu/research/infrastructures/pdf/esfri/esfri_roadmap/esfri_roadmap_2016_adopted.pdf 67. Strategic roadmap for Australian research infrastructure e Helmholtz-Roadmap for research infrastructures. 68. https://www.nsf.gov/statistics/srvyfacilities/ 69. Schwartzman (2013) [ 65 ] aponta Schwartzman, mesmo na Alemanha do século XX, a pesquisa de ponta já não cabia no sistema universitário e começava a se deslocar para o Kaiser Wilhelm Gesellschaft, hoje Instituto Max Planck. Uma das principais características do sistema de C&T Alemão é, justamente, a diversidade institucional e a descentralização. Lá, boa parte da pesquisa inanciada pelo Estado é realizada fora das Universidades, em instituições exclusivamente de pesquisa. Entre os mais de 19 bilhões de euros investidos anualmente pelo governo federal alemão em ciência e tecnologia, apenas pouco mais de €3,5 bilhões são destinados à pesquisa nas universidades e hospitais universitários. Em contrapartida, cerca de €9 bilhões vão para instituições de pesquisa privadas sem ins lucrativos, tais como o Max Planck70. Do restante, aproximadamente €2 bilhões são investidos em instituições federais de pesquisa e outros € 2 bilhões em pesquisa nas empresas. A Sociedade Max Planck é, portanto, apenas um dos pilares institucionais do sistema de C&T alemão, que se baseia numa espécie de divisão de trabalho entre as grandes instituições de pesquisa. O Max Planck, por exemplo, é uma das instituições de pesquisa que, embora independentes do governo (privada sem ins lucrativos), recebem dele boa parte do seu orçamento de cerca de 1,8 bilhão de euros. A instituição é, na verdade, uma associação de 83 diferentes institutos de pesquisa relativamente autônomos, que realizam pesquisa básica nas ciências naturais, da vida e nas humanidades (também existem alguns institutos em materiais e tecnologia). Outra instituição fundamental é a Sociedade Fraunhofer que, diferentemente do Max Planck, é voltada para inovação e pesquisa aplicada. Por essa razão, boa parte (86%) do seu orçamento de mais de €2 bilhões vem de contratos de pesquisa inanciados conjuntamente por empresas e governo. A Sociedade é composta por 69 instituições voltadas a diferentes tecnologias em várias regiões da Alemanha e no exterior. Também existe a Associação Leibniz, que conecta 88 instituições independentes de pesquisa básica, voltadas a temas socialmente relevantes. Todas essas instituições de pesquisa realizam pesquisa cientíica e tecnológica internamente, o que signiica que possuem staf de pesquisadores e laboratórios ou instalações de pesquisa próprias. Além delas, contudo, ainda existe uma instituição dedicada a construir, operar e administrar grandes 70. www.datenportal.bmbf.de/ig-11 [ 66 ] infraestruturas de pesquisa, tais como aceleradores de partículas ou navios de pesquisa, entre outros. É a Helmholtz Association, que opera 18 centros de pesquisa, todos eles abertos a pesquisadores de universidades e de diversas instituições alemãs e de outros países. Diversos outros países também contam com instituições devotadas apenas à pesquisa de excelência. Nos Estados Unidos, parte signiicativa da infraestrutura de pesquisa está nos Federally Funded Research and Development Centers (FFRDCs), mais conhecidos como laboratórios nacionais. São mais de 40 instituições espalhadas pelo país, grande parte delas vinculada ao Departamento de Energia, que dispõem de diversos tipos de laboratórios e infraestruturas de pesquisa abertas aos seus próprios pesquisadores e aos pesquisadores de outras instituições e universidades. No resto do mundo, e também no Brasil, uma parcela importante do investimento público em C&T é dedicada à construção e manutenção da infraestrutura e instalações de pesquisa. Nos últimos anos, até 2015 quando desabam os recursos para C&T no país, a infra-estrutura de pesquisa brasileira recebeu recursos substanciais de várias fontes, especialmente do Fundo Setorial de Infraestrutura, também conhecido como CT-Infra. Recursos adicionais também foram fornecidos pela Coordenação para Melhoramento do Pessoal de Ensino Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), e por empresas como a Petrobras. Portanto, é seguro dizer que a infra-estrutura de pesquisa do país é relativamente atualizada. De fato, o estudo realizado pelo Ipea, MCTI e CNPq71 mostra que a maioria dos laboratórios e instalações de pesquisa disponíveis no país começou a operar na década de 2000 e argumenta que esse fato poderia estar relacionado ao aumento dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação a partir de meados dos anos 2000 até 2014 (Tabela 2). Os autores realizaram uma pesquisa com cerca de 2.000 pesquisadores responsáveis por laboratórios de pesquisa em universidades e instituições de pesquisa brasileiras em 2012. Mais de 70% dos entrevistados disseram ter recebido investimentos signiicativos nos cinco anos anteriores à pesquisa, sendo que boa parte deles reportou investimentos signiicativos no ano imediatamente anterior. 71. De Negri e Squef (2016) [ 67 ] Tabela 2. Número de instalações de pesquisa72 no Brasil segundo ano de início de operação. Ano de início de operação Número (%) Pré-1970 50 2,8 1970-1979 110 6,3 1980-1989 193 11,0 1990-1999 410 23,3 2000-2009 654 37,2 343 19,5 1.760 100 2010-2012 Total Fonte: IPEA/CNPq/MCTI – Mapeamento da infraestrutura cientíica e tecnológica no Brasil (2013). Extraído de De Negri e Squeff (2016). Apesar de relativamente atualizada, quase a totalidade da infraestrutura de pesquisa brasileira está, diferentemente de vários outros países, localizada dentro das universidades. Isso signiica que esses laboratórios devem ser utilizados para formar proissionais para o mercado, cientistas e, além disso, realizar pesquisa de ponta. Nem sempre esse conjunto tão amplo de atividades pode ou deve ser realizado simultaneamente. Essa infraestrutura também é bastante concentrada regionalmente, com a maior parte das instituições e instalações de pesquisa sediadas nas regiões Sudeste e Sul. O levantamento realizado pelo Ipea atesta que a região Sudeste concentra em torno de 60% do número de laboratórios e das áreas de pesquisa disponíveis e 45% das instituições abrangidas pelo levantamento. O mesmo ocorre se analisarmos onde estão as principais universidades e instituições de pesquisa brasileiras: preponderantemente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim como a infraestrutura de pesquisa, também cresceu o número de instituições de ensino superior e de universidades no Brasil. Entre 2000 e 2013, o governo federal brasileiro e os Estados criaram 89 novas instituições de ensino superior, principalmente universidades de pesquisa ou técnicas - crescimento de mais de 150 por cento no número de instituições públicas em 15 anos. Entre as mais de 2300 instituições de ensino superior no Brasil, 195 são o que se poderia chamar de universidades de pesquisa, obrigadas a ensinar, fazer pesquisa e extensão universitária. Destas, cerca de 88 são privadas e, embora esse número seja signiicativo, a sua relevância na 72. O termo diz respeito às instalações utilizadas pelos pesquisadores para realizar as atividades de P&D. Isto inclui laboratórios, redes de computadores de alto desempenho, observatórios, telescópios, navios de pesquisa, estações experimentais etc. (De Negri and Squef, 2016: 17). [ 68 ] Gráico 10. Distribuição regional das instalações e instituições de pesquisa brasileiras: 2012. 24% 20% 21% Sul Sudeste Norte 45% 57% Nordeste 66% Centro Oeste 8% 3% 10% 6% 21% 7% 6% 4% Número de infraestruturas Número de instituições Área física (m2) 2% Fonte: IPEA/CNPq/MCTI – Mapeamento da infraestrutura cientíica e tecnológica no Brasil (2013) e De Negri e Squeff (2016). produção cientíica nacional ainda é muito pequena. Na lista das 20 instituições brasileiras com maior número de publicações cientíicas, todas são públicas. A primeira universidade privada está na 23ª colocação no ranking da Simago73. As universidades, principalmente as públicas, são, de fato, proeminentes na produção de ciência no Brasil. São poucas as instituições brasileiras dedicadas apenas, ou prioritariamente, à pesquisa. A Fiocruz e a Embrapa são os exemplos mais evidentes e conhecidos. Além delas, existem também as instituições vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), tais como o Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA), o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) ou o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). As pouco mais de 20 instituições ligadas ao MCTIC, contudo, representam muito pouco do orçamento do Ministério e praticamente nada no total do investimento brasileiro em C&T. Entre elas, uma das maiores é o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que, assim como as demais Organizações Sociais vinculadas ao Ministério, foram inspiradas no bem-sucedido modelo de gestão dos Laboratórios Nacionais Norte-Americanos. Nos EUA, esses laboratórios são instituições inanciadas quase integralmente por recursos 73. http://www.scimagoir.com/index.php [ 69 ] públicos, mas geridas por empresas privadas ou organizações sem ins lucrativos. As organizações sociais são inspiradas nesse tipo de modelo. Foram criadas com o objetivo de dar mais lexibilidade e agilidade à gestão dos recursos em C&T sem, contudo, retirar do Estado a competência de inanciar a pesquisa. Um dos pesquisadores que esteve à frente da implantação do CNPEM, o físico Cylon Gonçalves da Silva, escreveu que “a ambição da equipe que construiu o Laboratório Nacional de Luz Sincroton (LNLS) era a de (...) introduzir um bicho novo na ecologia do sistema de C&T brasileiro: um grande Laboratório Nacional” 74. Segundo ele, eles não queriam mais reproduzir o modelo universitário, de laboratórios individuais “e patrões ou patroas, donatários de equipamentos cientíicos adquiridos com recursos públicos e imediatamente privatizados”. Outrossim, o objetivo dos seus fundadores era inserir no sistema brasileiro um modelo de instalação de pesquisa diferenciado, que ocupasse outros nichos diferentes dos tradicionais laboratórios universitários. Esse talvez seja, até hoje, um ponto crítico para a infraestrutura de pesquisa no Brasil: a pouca diversidade de suas instituições. As instalações de pesquisa brasileiras, ao estarem majoritariamente nos departamentos das universidades públicas do país, são todas muito parecidas. As organizações sociais e as demais instituições mencionadas constituem um modelo diferente, mas ainda são pouco expressivas se comparadas com outros países, onde proliferam os mais diversos modelos de instituições de pesquisa e de suporte à C&T. Diferentes tipos de arranjos público-privados em C&T também são muito mais comuns em outros países do que no Brasil. A gestão de instituições de pesquisa por empresas ou associações privadas sem ins lucrativos é muito comum em países como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, entre outros. Entidades privadas sem ins lucrativos também são muito mais comuns ao redor do mundo do que são no sistema de C&T brasileiro. O MIT, por exemplo, é uma universidade privada sem ins lucrativos, com uma capacidade invejável de produzir bens públicos: novos conhecimentos, tecnologias e mão-de-obra qualiicada. Instituições estritamente públicas ou estatais, ao redor do mundo, nem sempre são tão bem-sucedidas na produção desses bens. 74. http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=3700 [ 70 ] Esta é uma questão extremamente atual e relevante no Brasil, onde as instituições de pesquisa são fortemente afetadas pelo engessamento da gestão no setor público. Como ressalta Glauco Arbix, “a perda de competitividade da pesquisa brasileira não se limita à volatilidade dos recursos, mas está também fortemente ligada ao engessamento dos mecanismos disponíveis na universidade, em contraste lagrante com as práticas existentes nas universidades de ponta, que dominam o cenário mundial da produção de conhecimento e procuram se posicionar como verdadeiros engines of economic growth”75. A burocracia que amarra os processos de compras, assinaturas de contratos e convênios ou de contratações dentro das universidades públicas é uma das principais dimensões desse engessamento. De fato, este aspecto tem sido constantemente apontado como um dos fatores que diicultam a realização de contratos com empresas ou mesmo o recebimento de doações de empresas ou ex-alunos, por exemplo. Um recente estudo utiliza os exemplos do MIT e da UNICAMP, duas universidades de ponta em seus países e com fortes elos com o setor produtivo, para evidenciar algumas das diferenças nos processos de realização de pesquisas patrocinadas por empresas76. Em linhas gerais, o estudo mostra que incentivos à colaboração com empresas existem em ambos os casos, mas que tanto os processos burocráticos internos quanto o ambiente econômico que circunda as universidades são bastante diferentes. Do ponto de vista processual, as universidades públicas brasileiras demandam que um convênio ou contrato seja aprovado por uma miríade de colegiados internos, desde os do departamento até os colegiados superiores da universidade. Nas instituições norte-americanas, exempliicadas pelo MIT, o convênio é automaticamente aprovado caso haja tempo de laboratório disponível e sua utilização seja devidamente remunerada pelo projeto. Não há julgamento de mérito pelos pares pois, segundo pesquisadores ouvidos, a instituição conia nos seus pesquisadores. O engessamento das universidades brasileiras também foi uma das razões citadas pela cientista Suzana Herculano-Houzel para ter trocado a UFRJ por uma universidade norte-americana77. Além da rigidez na carreira, que não permite diferenciar e estimular o pesquisador mais produtivo 75. http://glaucoarbix.org/a-usp-e-os-desaios-para-a-pesquisa-de-excelencia/ 76. Reynolds e De Negri (2017) 77. http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/05/1767938-engessamento-me-fez-deixar-o-pais-diz-a-neurocientista-suzana-herculano.shtml [ 71 ] dos demais, a pesquisadora também menciona o engessamento administrativo e a diiculdade de utilizar os já escassos recursos de pesquisa. Ela usa como exemplo o prêmio em dinheiro que recebeu de uma instituição norte-americana para realizar suas pesquisas e que eram administrados pela UFRJ. A diiculdade em utilizar esses recursos passava pela impossibilidade de contratar um pesquisador, que só poderia ser concursado, até o tempo que se levava para comprar reagentes e insumos de pesquisa. A lexibilidade de gestão propiciada por diferentes arranjos para instituições de pesquisa se expressaria nas mais diversas formas, entre elas na gestão de pessoal. A pesquisa cientíica demanda, muitas vezes, a incorporação de competências muito especíicas por um determinado período de tempo. Contratações temporárias, vinculadas a projetos especíicos de pesquisa, ou mesmo a contratação de pesquisadores estrangeiros, são relativamente limitadas e difíceis em instituições estatais e nas universidades públicas brasileiras. Não por acaso, nos quase 2000 laboratórios de pesquisa mapeados pelo Ipea e pelo CNPq, mais de 60% dos pesquisadores são servidores públicos e apenas 14% possuem vínculos de trabalho baseados na CLT. Os bolsistas de mestrado e doutorado acabam sendo parte signiicativa da “força de trabalho” nesses laboratórios, 17% do total de pesquisadores. Esse é um ponto crítico para a competitividade da ciência produzida nas universidades públicas brasileiras. Nelas, um cientista só pode ocupar uma única carreira: a de professor, cujas características são muito parecidas em todas as universidades, sejam estaduais ou federais. O professor tem por obrigação ensinar, fazer pesquisa, contribuir com os assuntos administrativos da instituição e fazer o que se chama de extensão universitária, que consiste basicamente na realização de serviços ou cursos voltados à comunidade. Não existe, na universidade pública brasileira, uma carreira que contemple apenas a pesquisa ou apenas a docência. Além disso, todos os professores dessas universidades terão, após certo período de tempo, geralmente curto, estabilidade funcional. Nas universidades norte-americanas, por exemplo, apenas uma minoria dos professores atinge o que se chama de tenure, que é a estabilidade funcional e existe uma diversidade enorme de carreiras docentes e de pesquisa na qual um jovem pesquisador poderia se enquadrar. Além disso, boa parte da pesquisa cientíica no país é realizada em instituições inanciadas pelo setor público, mas geridas por organizações privadas, geralmente sem ins lucrativos. Uma das razões para o surgimento desse tipo de arranjo naquele [ 72 ] país foi, justamente, a possiblidade de implementação de uma gestão de pessoal mais lexível. Como o capital humano é parte fundamental do bom funcionamento das instalações de pesquisa, em qualquer país, a capacidade de atrair e reter proissionais altamente qualiicados é uma vantagem crucial para a pesquisa cientíica de ponta. Talvez, as nossas instituições ainda necessitem mais mecanismos para isso. TAMANHO E ESPECIALIZAÇÃO Outro fator crítico para a produtividade e para a qualidade da ciência é o tamanho, seja das instalações, seja das equipes e projetos. Grandes instalações de pesquisa, assim como projetos cientíicos de grande porte possuem algumas vantagens derivadas da escala e da especialização que pequenos projetos e laboratórios nem sempre podem oferecer. Essas vantagens vão desde o acesso facilitado a insumos de pesquisa e a fornecedores especializados, até a disponibilidade de equipamentos de alto custo, passando por uma estrutura de serviços orientada especiicamente a atender os pesquisadores. Elas são similares ao que, na produção de bens, os economistas chamariam de economias de escala. As economias de escala são deinidas como uma redução no custo unitário de um determinado bem (um aumento da eiciência, portanto) que ocorre quando o volume de produção aumenta. Ou seja, ao produzir uma quantidade maior, é possível utilizar menos insumos do que seria necessário para uma produção pequena. As economias de escala decorrem de vários fatores: i) especialização da mão-de-obra; ii) possibilidade de realizar compras de insumos em grandes quantidades com o consequente aumento do poder de barganha junto aos fornecedores; iii) desenvolvimento de serviços ou funções internas que beneiciam toda a organização, entre outros. Embora a natureza da atividade cientíica seja muito diferente, esses fatores encontram algum tipo de paralelo na pesquisa de ponta. Os cientistas precisam comprar insumos, reagentes e equipamentos. O conhecimento cientíico tende a ser cada vez mais especializado. Para serem mais eicientes e se concentrarem na questão central de sua pesquisa, os cientistas podem demandar serviços especializados, tais como testes, ensaios, construção ou adaptação de equipamentos, análises especíicas etc. Assim, é bastante razoável supor que, assim como na produção de bens, possam existir economias de escala na produção de conhecimento capazes de torná-la mais eiciente quando realizada em instalações de grande porte. [ 73 ] Contudo, apesar de muito pouco explorada na literatura, a existência de economias de escala na produção cientíica ainda é controversa78. Estudo de 201379 procurou responder a essa questão, usando dados da produção cientíica, educacional e tecnológica de mais de 1900 unidades de pesquisa da Alemanha em áreas como biotecnologia, nanotecnologia e economia. O estudo conclui que, assim como a produção de bens, a produção cientíica também está sujeita a economias de escala. Outros estudos80 também chegaram a conclusões similares a partir de outras informações e de metodologias variadas. Em seu conjunto, eles reforçam a hipótese de que o tamanho importa, sim, para a qualidade e para a produtividade da ciência. Isso não signiica, é claro, que toda a pesquisa cientíica requeira grandes instalações para ser viável ou de qualidade. Boa parte da pesquisa cientíica mundo afora ainda é realizada em laboratórios de pequeno porte dentro das universidades. Além disso, existem diferenças importantes em como a escala afeta a produtividade nas diversas áreas da ciência. Algumas delas, pela sua própria natureza, demandam mais instalações de grande porte do que outras. A física de partículas, e suas mais diversas aplicações, é uma delas. Os aceleradores de partículas ou as diferentes fontes de luz (tais como a fonte de luz sincroton, existente em Campinas) são muito utilizados em pesquisas sobre energia e sobre características dos materiais, ao redor do mundo. São instalações singulares e gigantescas, cujos custos de construção e de operação são extremamente elevados e que, por isso, só fazem sentido se forem compartilhadas por um grande número de cientistas das mais diversas áreas e instituições. Outros exemplos de instalações de pesquisa de grande porte são os navios de pesquisa, reatores, alguns tipos de salas limpas, telescópios, túneis de vento, centros de supercomputação e de bioinformática etc. Instalações de pesquisa como essas são críticas para a realização de uma série de experimentos cientíicos pioneiros que têm impulsionado a fronteira cientíica mundial. Nesse aspecto, independentemente da existência de ganhos escala em unidades de pesquisa na medida em que elas se tornam maiores, uma coisa parece ser relativamente consensual na literatura: a relevância de instalações de pesquisa de grande porte para o desenvolvimento da ciência nas mais variadas áreas do conhecimento. 78. Bonaccorsi and Daraio (2005), por exemplo, não encontraram evidências empíricas que dessem suporte à existência dessas economias. 79. (Schubert 2014) 80. (Dundar and Lewis 1995; De Groot, McMahon, and Volkwein 1991; Cohn, Rhine, and Santos 1989) [ 74 ] A chamada big science ganhou impulso no pós-segunda guerra mundial, na esteira das descobertas cientíicas que levaram ao desenvolvimento da bomba atômica e que demandaram infraestrutura e equipes de pesquisa gigantescas. Foi no auge da guerra fria que foram criadas várias das instituições de pesquisa e dos laboratórios nacionais que hoje constituem o núcleo do sistema de C&T norte-americano. Os laboratórios nacionais, vinculados ao Departamento de Energia norte-americano, são instituições de pesquisa inanciadas preponderantemente pelo governo norte-americano, onde estão reatores nucleares, aceleradores de partículas, fontes de luz e outros equipamentos de pesquisa grande porte. Foi num desses laboratórios, o laboratório de Los Alamos, que foi desenvolvida a bomba atômica. Ao inal dos anos 60, os EUA contavam com mais de 70 instituições como essa, grande parte construída depois do im da segunda guerra, feito que requereu investimentos públicos substantivos durante um longo período. A literatura aponta vários impactos positivos dessas infraestruturas de larga escala, não apenas em termos cientíicos, mas também do ponto de vista tecnológico e de desenvolvimento econômico. Algumas descobertas e experimentos cientíicos são inviáveis sem a existência de aceleradores de partículas, fontes e luz, reatores ou outras instalações de grande porte. Além de contribuírem para a geração de conhecimento novo, essas instalações também têm contribuído para o aumento da eiciência da pesquisa cientíica, ao estabelecerem padrões de qualidade para a sua utilização que acabam se tornando referência para outros pesquisadores e outras instituições. De modo geral essas infraestruturas também tendem a ser multidisciplinares, pois existem para responder questões complexas, que dependem de uma variedade de conhecimentos e perspectivas cientíicas. Além disso, costumam ser o ponto central de redes de pesquisa mundiais, possibilitando uma ampla troca de conhecimentos e informações entre cientistas de várias áreas. De modo geral, as instalações de pesquisa de grande porte são abertas à utilização de pesquisadores de diversas instituições, por isso são chamadas de multiusuários. Isso signiica que, por meio de processos transparentes de seleção e revisão por outros cientistas, qualquer pesquisador pode apresentar um projeto de pesquisa utilizando-se daquela infraestrutura. Por todas essas razões, essas instituições e seus pesquisadores costumam ser responsáveis por muito do estado da arte da ciência mundial81. 81. Muitos desses argumentos estão detalhados em revisão da literatura preparada pelo grupo Tecnópolis para o Ministério da Educação e da Ciência Inglês e que se encontra disponível em: http://www.technopolis-group.com/report/role-added-value-large-scale-research-facilities/ [ 75 ] Outros efeitos positivos, ressaltados pela literatura, estão associados à formação de capital humano, já que muitos jovens cientistas utilizam esse tipo de instalação para desenvolver suas teses. Os impactos econômicos também são signiicativos. Desde a construção desse tipo de infraestrutura é necessário desenvolver equipamentos e técnicas de construção especíicas para a instalação de pesquisa, o que requer o engajamento de indústrias e produtores locais. Além disso, muitas dessas instalações de pesquisa não são utilizadas apenas por pesquisadores acadêmicos. Empresas e seus pesquisadores costumam se apoiar nessas instalações para desenvolver parte de pesquisas ou de novos produtos utilizando equipamentos que não seriam viáveis de serem adquiridos pela empresa. Um exemplo é o centro de pesquisa em nanotecnologia do National Institute for Standards and Technology (NIST), norte-americano82. A instituição, irmã do nosso Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), criou esse centro em 2007, a im de prover o acesso da indústria, da academia, do próprio NIST e outras agências de governo, à métodos e tecnologias em escala manométrica. O centro possui um laboratório de pesquisa e uma fábrica, onde trabalham mais de 100 funcionários, entre eles servidores federais (o NIST é uma instituição pública), pesquisadores temporários e estudantes de pós-graduação. Não é por acaso, portanto, que nos últimos anos, vários países têm prestado muito mais atenção à construção de infraestruturas de pesquisa de grande porte. Nos últimos 5 a 10 anos, tem crescido o número de países que realizam roadmaps, em parceria com a comunidade cientíica, para deinir quais as infraestruturas de pesquisa são necessárias ao país, quanto custariam e quais deveriam ser priorizadas numa estratégia de desenvolvimento cientíico de longo prazo. O European Research Forum on Research Infrastructures (Esfri), por exemplo, é responsável por preparar esses roadmaps para a União Européia. O objetivo é selecionar projetos de construção ou ampliação de instalações de pesquisa capazes de alavancar a competitividade europeia no longo prazo. A Tabela 3 mostra algumas das instalações de pesquisa que foram inanciadas pela Comunidade Europeia entre 2007 e 2013, no âmbito do sétimo programa (ou plano de ação) para pesquisa e desenvolvimento do bloco83. 82. https://www.nist.gov/cnst 83. Esse programa é conhecido como Framework Program, ou FP7. Ele foi substituído, no período mais recente, por outro programa voltado à P&D, chamado de Horizon 2020, onde também existem metas para investimento em instalações de pesquisa de grande porte. [ 76 ] Nem todas elas são de grande porte, como os reatores nucleares ou aceleradores de partículas, mas mesmo essas instalações menores constituem exemplos que se contrapõem à maior parte da infraestrutura de pesquisa disponível no Brasil. Os investimentos variam muito, mas a maior parte das instalações selecionadas na Tabela 3, e que reletem as demais instalações não selecionadas, custou mais de 50 milhões de euros. Grande parte delas também possuem um número expressivo de pesquisadores contratados. O Brasil, por sua vez, tem se abstido de planejar sua infraestrutura de pesquisa no longo prazo e de inanciar projetos de larga escala. O Sirius, que é a nova fonte de luz Sincroton que está sendo construída em Campinas é uma exceção. É, talvez um dos únicos projetos de investimento em uma infraestrutura de pesquisa de grande escala no Brasil nos últimos anos. Outros projetos, como o reator multipropósito brasileiro ou o veículo lançador de satélites que nunca decolou, parecem estar eternamente no gerúndio: sendo construídos. O reator multipropósito, que produziria isótopos radioativos utilizados, principalmente, em equipamentos médicos e radiofármacos, está nos planos do governo brasileiro desde 2007. Em 2009, a folha de SP publicou um artigo sobre o projeto, cuja estimativa de custo, à época, era de US$ 500 milhões84. Tabela 3. Algumas das instalações de pesquisa apoiadas pela UE nos últimos anos: localização, investimento inicial, custos operacionais anuais e número de pesquisadores de cada uma delas. Nome País Número de pesquisadores efetivos Investimento (€ milhões) Custos operacionais anuais Centre d’Elaboration et d’Etudes Structurales (CEMES - CNRS) França 50 a 100 50-250 M€ 0,25 a 1 M€ Forschungszentrum Rossendorf Alemanha 101-200 250 - 500 M€ > 10 M€ Research Platform on Nanoelectronic Systems Alemanha 1-10 20 M€ - 50 M€ 0.25 M€ - 1 M€ Central Laser Facility Reino Unido 51-100 50 M€ - 250 M€ 1 M€ - 10 M€ Robotics Research Platform Bélgica 1-10 < 20 M€ 0.25 M€ - 1 M€ Plataforma Solar de Almeria Espanha 11-50 50 M€ - 250 M€ 1 M€ - 10 M€ European Bioinformatics Institute (EBI) (European Molecular Biology Laboratory (EMBL) Reino Unido 201-500 50 M€ - 250 M€ > 10 M€ Center for Biomolecular Magnetic Resonance (BMRZ) Alemanha 11-50 50 M€ - 250 M€ 1 M€ - 10 M€ Fonte: European portal on research infrastructures’ services. http://www.riportal.eu. Extraído de (F. De Negri and Squeff 2016). 84. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3005200901.htm [ 77 ] Não há mecanismos de consulta ou diálogo com a comunidade cientíica para realizar um planejamento de longo prazo da nossa infraestrutura cientíica, nem mesmo estudos voltados a isso. Em termos de inanciamento, o principal instrumento seria um dos fundos setoriais voltados para a ampliação da infraestrutura de pesquisa no país, chamado de CT-Infra. Na falta de planejamento, priorização e de um volume relevante de recursos, contudo, o CT-Infra acaba sendo distribuído entre as universidades brasileiras em bases relativamente estáveis. Estas, por sua vez, distribuem esses recursos entre os seus departamentos a im de manter ou construir novos pequenos laboratórios. E assim, continuamos reproduzindo o tipo de infraestrutura de pesquisa que já temos: pequenos laboratórios de pesquisa espalhados pelas várias universidades brasileiras. Evidências sobre a pequena escala das nossas instalações de pesquisa foram obtidas pelo levantamento realizado pelo Ipea, CNPq e MCTIC. Nesse levantamento, perguntou-se aos responsáveis pelas unidades de pesquisa e laboratórios, uma estimativa sobre o valor total do conjunto de equipamentos disponíveis na instalação de pesquisa bem como o valor de toda a infraestrutura (incluindo aí o valor das ediicações). Mais de 40% dos coordenadores de laboratórios informaram que o somatório de seus equipamentos não excedia R$ 250 mil. Apenas 88 infraestruturas, de acordo com estes resultados, possuem um patrimônio de equipamentos superior a R$ 5 milhões, o que equivale a apenas 5% da amostra. O mesmo acontece com o valor total da infraestrutura. Cerca de 60% dos coordenadores declararam que o valor total daquela instalação de pesquisa, incluídas aí ediicações e equipamentos, não atingia R$ 500 mil. Ainda que se saiba da diiculdade em estimar esse conjunto de valores, bem como das eventuais diferenças de compreensão dos conceitos abordados (custos, receitas e valor da infraestrutura), todos esses indicadores apontam, inequivocamente, para a mesma direção: o pequeno porte da grande maioria das nossas instalações de pesquisa. Apenas pouco mais de vinte infraestruturas entre as 1.760 pesquisadas declararam que o va¬lor total das suas instalações físicas e equipamentos supera R$ 20 milhões. A baixa escala das instalações de pesquisa brasileiras também pôde ser percebida nos itens relacionados aos custos e receitas anuais, que raramente superam R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões/ano.Também o número de pesquisadores nas instalações aponta na mesa direção: no conjunto das infraestruturas mapeadas no levantamento, trabalham cerca de 8 mil pesquisadores (apenas em Los Alamos, trabalham mais de 10 mil pessoas), o que signiica que cada uma [ 78 ] tem, em média, 4 pesquisadores. Apesar de algumas ausências importantes no levantamento, ele consiste num retrato bastante idedigno do que é a infraestrutura de pesquisa brasileira e, portanto, de sua pequena escala. Isso não signiica, contudo, que não existam grandes instituições de pesquisa no país, com características mais próximas às instalações de pesquisa de grande porte existentes em vários outros países. Elas são poucas, contudo. As maiores instituições de pesquisa brasileiras são apresentadas na Tabela 4. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, é sem dúvida uma das mais importantes instituições no sistema de inovação brasileiro. É uma empresa pública criada em 1973 sob a administração do Ministério da Agricultura com o objetivo de desenvolver ciência e tecnologia aplicada ao setor agrícola brasileiro. Hoje, tem mais de 9.000 funcionários e cerca de 2.400 pesquisadores trabalhando em mais de 60 unidades em todo o país. A Fundação Oswaldo Cruz é uma instituição de pesquisa pública ligada ao Ministério da Saúde e é responsável por uma série de atividades como P&D, produção de vacinas e drogas, educação e treinamento, serviços de atendimento hospitalar e controle de qualidade de produtos e serviços. A instituição foi criada em 1900 e hoje tem mais de 11 mil funcionários e proissionais de saúde. A maior parte de seus funcionários e do seu orçamento, contudo, não são destinados para atividades de pesquisa mas sim para a produção de medicamentos e de vacinas para o SUS. As atividades de P&D são apenas mais uma das atribuições da instituição. Tabela 4. Orçamento total (não apenas para pesquisa) das maiores instituições de pesquisa brasileiras em 2014. Instituição de Pesquisa Orçamento (R$ mil) Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) – inclui fabricação de medicamentos e vacinas 4.265.978 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) 2.852.532 (1) 1.090.131 (1) Instituto Butantan Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) (2) 168.837 Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) 108.771 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) 108.409 Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) (3) 76.097 Fonte: Portal da transparência (www.transparecia.gov.br) e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), acessado em setembro/2016. (1) Inclui orçamento para fabricação de vacinas e medicamentos e ensino, além do orçamento para pesquisa; (2)Inclui o orçamento básico do Governo do Estado de SP (cerca de 35% do total) e receitas provenientes de serviços tecnológicos (65%); (3)Não inclui o orçamento extraordinário para construção do novo anel de luz Sincroton. [ 79 ] O Instituto Butantan, criado em 1901, está vinculado ao Estado de São Paulo. Hoje, o Instituto é o principal produtor de imunobiológicos no Brasil e responsável por uma grande parcela da produção nacional de vacinas e soros hiperimunes utilizados pelo Ministério da Saúde. Além de produzir imunobiológicos, o Butantan também mantém coleções cientíicas zoológicas e realiza pesquisas básicas e aplicadas sobre animais venenosos e agentes patogênicos e a produção e controle de produtos imunobiológicos. O Instituto está atualmente envolvido na pesquisa e desenvolvimento de uma vacina contra a dengue e o vírus Zika. Por im, oferece cursos de pós-graduação em suas áreas de especialização. O Centro Brasileiro de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social, inanciada com recursos públicos mas com uma administração mais lexível do que instituições puramente públicas. Ela é, muito provavelmente, uma das mais eicientes instituições de pesquisa no Brasil e talvez a única com características de uma instalação de pesquisa de grande porte semelhante aos laboratórios nacionais norte-americanos ou outras instituições similares ao redor do mundo. É uma instituição efetivamente multiusuário, aberta à utilização por pesquisadores de outras instituições e é referência mundial na pesquisa com a luz sincrotron. Está ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) e possui 75 pesquisadores contratados. As instalações do CNPEM foram utilizadas por quase 2.000 pesquisadores em 2014. [ 80 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Ambiente A té agora, entre os fatores críticos para explicar nosso desempenho inovativo, foram analisados preponderantemente os fatores que dizem respeito à produção e à oferta de novos conhecimentos pelos cientistas e pesquisadores para a sociedade. Ou seja, fatores como a educação e a formação de recursos humanos para pesquisa, a atividade dos cientistas, bem como as instalações necessárias para a produção da ciência. Mudanças e aprimoramentos em quaisquer desses fatores poderiam ampliar a oferta de conhecimento na economia, fator indispensável para a inovação. No entanto, para se tornar um país mais inovador e competitivo, não basta apenas produzir conhecimento. Essa é uma condição necessária, mas não suiciente. É preciso, além disso, que esse conhecimento seja transformado em novos produtos e processos produtivos ou seja, em inovações. Quem faz isso são as empresas e não as universidades e instituições de pesquisa ou os cientistas. Para que a inovação aconteça, é preciso que as empresas sintam a necessidade de inovar, invistam em novas ideias e no desenvolvimento de novos produtos e processos e, por im, que sejam capazes de colocar esses novos produtos e processos no mercado. Como não se pode obrigar as empresas a inovar, tampouco inovar por elas, é preciso criar um ambiente econômico que estimule o processo de inovação. É só assim que conseguiremos completar o ciclo da adoção de novas tecnologias e da inovação na economia brasileira. COMPETIÇÃO, ABERTURA E INOVAÇÃO Por que as empresas sentem necessidade de inovar? Qual a motivação que faz com que elas busquem usar novas ferramentas, novos conhecimentos e tecnologias para aprimorar os seus produtos ou processos produtivos? Uma empresa inova para conquistar novos consumidores ou para evitar perdê[ 81 ] -los para outras empresas no mercado ou ainda, para vender seus produtos com uma margem de lucro maior sem ter que dividir sua base de clientes com outras empresas. Ou seja, é a competição, real ou potencial, que induz a inovação. Se uma empresa é capaz de manter altas margens de lucro e uma base iel de consumidores sem promover nenhuma melhoria nos seus produtos, é razoável supor que ela fará exatamente isso. Ainal, investir em novos produtos ou no aprimoramento dos já existentes requer esforço, é custoso e muitas vezes arriscado. A guerra dos smartphones, travada anualmente entre Apple e Samsung é um bom exemplo para ilustrar como a competição pode induzir a inovação. As duas empresas controlam mais de 60% do mercado mundial de smartphones e, todos os anos, fazem um grande evento para anunciar seus lançamentos e conquistar novos consumidores – vindo de aparelhos mais baratos ou dos concorrentes. Em 2017, por exemplo, as duas lançaram seus novos modelos de ponta na mesma época e com vários recursos similares, ambas airmando serem portadoras do futuro da tecnologia no setor85. Um passo errado nessa guerra tecnológica pode ter impactos enormes, como foi o caso das explosões das baterias do Galaxy Note 7, que impactou fortemente a rentabilidade da Samsung nesse segmento de mercado86. A inovação é, portanto, uma das principais ferramentas de competição das empresas. A criação de novos processos produtivos é capaz de reduzir os custos de produção de uma empresa o que pode dar a ela mais clientes ou mais margem de lucro. As inovações em produtos, por sua vez, possibilitam a empresa cobrar mais pelo seu produto sem perder (ou mesmo aumentando) sua base de clientes. Qualquer um desses caminhos dá à empresa mais poder de mercado e mais lucro do que seus concorrentes. Esse lucro maior é o chamado lucro de monopólio que, em termos simpliicados, é um lucro maior do que aquele que a empresa teria caso estivesse atuando em um mercado plenamente competitivo, onde outras empresas pudessem ofertar o mesmo bem. Quando uma empresa cria um produto diferenciado, por exemplo, é como se ela tivesse o monopólio temporário daquele produto especíico. Esse monopólio, e o lucro extraordinário, dura até que outra empresa perceba a oportunidade e consiga imitar a primeira. 85. https://www.economist.com/news/business/21728978-south-korean-irms-galaxy-note-8-takes-iphone-x-rivalry-between-apple-and-samsung 86. http://www.independent.co.uk/news/business/news/samsung-galaxy-note-7-recall-exploding-phones-proits-a7382786.html [ 82 ] Esse monopólio temporário é o que a Apple busca quando faz um telefone com reconhecimento facial, por exemplo, característica só disponível no seu telefone. O preço que a empresa cobra a mais por esse tipo de inovação ou tecnologia incorporada no seu aparelho produz o chamado lucro extraordinário. Ou seja, ao mesmo tempo em que a inovação acontece impulsionada pela competição, ela é uma ferramenta que a empresa utiliza justamente para reduzir o nível de competição. O primeiro economista a escrever e analisar o processo de inovação nas economias capitalistas de um modo mais abrangente e sistematizado foi Joseph Schumpeter. Sua produção inluenciou grande parte da literatura posterior sobre o tema. É dele a constatação de que o que move uma empresa a inovar é a busca pelo lucro de monopólio. Em 194287, ele observou que os setores ou produtos onde o progresso tecnológico era mais evidente eram aqueles onde atuavam os grandes conglomerados, e não onde atuavam as empresas que trabalhavam em condições de livre concorrência. A razão é que tamanho das empresas era um dos elementos lhes possibilitaria assumir os custos e riscos associados às atividades de pesquisa e desenvolvimento necessárias à inovação. Além disso, o tamanho também geraria economias de escala por meio da concentração da pesquisa em grandes laboratórios de P&D. Assim como Schumpeter, muitos economistas começaram a perceber que a relação positiva entre maior concorrência – geralmente medida por menor concentração de mercado – e mais inovação não acontece todo o tempo. Mercados onde há um grande número de produtores – com menor concentração e mais concorrência, portanto – nem sempre são mercados mais inovadores ou de melhor qualidade. A razão para isso é que, em alguns casos, empresas menores em mercados com uma concorrência muita acirrada tem menos incentivos e possibilidades de assumir os riscos e custos associados com a inovação. Em muitos casos, nesses mercados, as empresas utilizam baixo preço e menor qualidade – e não a inovação – como ferramenta de competição. Um bom exemplo para ilustrar esse ponto foi o escândalo da carne de cavalo na Europa em 2013. O escândalo começou quando, em janeiro de 2013, foi descoberto DNA de cavalo em hambúrgueres vendidos na Irlanda e na Inglaterra. O aprofundamento das investigações revelou que mui- 87. Em seu livro: “Capitalismo, socialismo e democracia”. [ 83 ] tas marcas de hambúrgueres em vários países Europeus continham carnes diferentes da carne bovina declarada na embalagem. Este é um exemplo de mercado muito competitivo – onde existem numerosos produtores do mesmo produto – e onde o preço é um fator crítico de sucesso. O que aconteceu ali foi o oposto da inovação: as empresas reduziram seus preços por meio da menor qualidade do produto na tentativa de ganhar maiores fatias de mercado. Não é por acaso, portanto, que a literatura empírica tem encontrado evidências diversas e muitas vezes opostas em relação ao efeito da concorrência sobre a inovação. Alguns estudos encontraram resultados positivos enquanto outros acharam uma relação negativa entre essas variáveis. Uma parte dessa diiculdade está relacionada à forma como os economistas medem a concorrência: por meio da participação das empresas nas vendas de determinado produto – que tende a ser tanto menor quanto maior o número de concorrentes em um determinado mercado. O problema é que nem sempre mercados concentrados são pouco competitivos. O exemplo da Apple e da Samsung já evidenciou isso: um mercado bastante concentrado onde a competição tecnológica é extremamente acirrada. Estudos mais recentes, contudo, tem chegado a um resultado mais sólido em termos de como a concorrência afeta a inovação. Estes estudos têm identiicado que a relação entre inovação e concorrência assume o formato de uma curva em U invertido88. Isso signiica que mercados muito concorrenciais, onde existe um grande número de pequenas empresas e nos quais os produtos tendem a ser mais homogêneos (como os hambúrgueres) tendem a ser menos inovadores. Isso acontece porque as empresas são menores e estão tão pressionadas pela concorrência que a tendência é a de reduzir custos e preços ao invés de aumentar a qualidade e inovar. Em mercados um pouco mais concentrados, onde as empresas são maiores e os produtos diferenciados, existe uma propensão maior a inovar. A competição entre as empresas, nesses mercados, tende a ser mais focada na qualidade e na diferenciação de produto. Contudo, se a concentração de mercado aumenta muito e o nível de competição para as empresas estabelecidas começa a se reduzir demais, novamente os incentivos a inovar desaparecem. O extremo dessa situação é o monopólio, onde a ausência de competição faz com que a empresa não tenha nenhuma razão para assumir os custos ou os riscos da inovação. 88. Eicher (1999) ou Aghion et al. (2005; 2014) [ 84 ] Em síntese, à exceção de mercados extremamente fragmentados, a competição tende a tornar as empresas ou as economias mais inovadoras. Sendo assim, a próxima pergunta é se, no Brasil, a competição tem sido um fator indutor ou se sua ausência tem sido um obstáculo à inovação? Um dos principais canais pelos quais as empresas de um país são expostas à competição é o comércio internacional. A exposição à competição é um dos fatores que faz com que empresas exportadoras sejam mais inovadoras e mais produtivas do que as não exportadoras89. Essa exposição ao mercado internacional pode se dar tanto pela concorrência com produtos importados, dentro do próprio país, quanto pela venda para mercados externos. O Brasil tem um mercado doméstico muito protegido das importações e, por conseguinte, as empresas são menos expostas a concorrentes internacionais mais produtivos e de melhor qualidade. De fato, um dos principais indicadores dessa proteção está nas tarifas médias de importação aplicadas pelo Brasil, que são bastante elevadas em comparação com outros países, como mostra o Gráico 11. Se, ao invés das tarifas de importação, analisarmos outra medida de abertura comercial, o valor dos luxos de comércio em relação ao PIB, Gráico 11. Tarifas de importação efetivamente aplicadas para produtos industriais em países selecionados: média ponderada pelo valor das importações. 9,23 7,71 4,87 4,08 3,47 2,2 1,61 0,94 1,07 Argentina Austrália Brasil China República Tcheca Japão México África do Sul Estados Unidos 2015 2015 2015 2015 2003 2015 2014 2015 2015 Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS) – www.wits.worldbank.org 89. Existem inúmeras evidências empíricas, no Brasil e no mundo, que atestam essa relação. [ 85 ] o resultado não é diferente. No Brasil, os luxos de comércio representam aproximadamente 25% do PIB. Isso é muito pouco, mesmo para um país continental como o nosso. Basta compararmos com outros países de grande população ou território para evidenciar que esse valor é muito pequeno90. Assim como nas tarifas de importação, o país mais parecido com o Brasil em termos da exposição ao comércio internacional é a Argentina. Uma das consequências dessa pequena abertura ao comércio exterior é que as empresas brasileiras têm menos necessidade de buscar ganhos de eiciência e de produtividade, já que contam com uma barreira tarifária à competição que as protege. O mesmo acontece com a inovação. Não por acaso, no Brasil existe uma sobrevida de empresas ineicientes na economia e uma enorme dispersão nos indicadores de produtividade entre elas. Além da pequena exposição à concorrência com empresas estrangeiras, a elevada proteção da economia brasileira também reduz as chances das empresas brasileiras se tornarem mais competitivas por meio da utilização de insumos ou equipamentos importados, de menor preço ou melhor qualidade. Economistas como Canuto e outros tem mostrado o quão curioso é o Brasil desse ponto de vista91. Eles analisaram em que medida os produtos exportados pelo Brasil utilizam insumos importados na sua produção, uma Gráico 12. Fluxos de comércio (importações + exportações) em relação ao PIB (%) em países selecionados: 2015. México 66 África do Sul 64 Canadá 64 França 60 Índia 49 China 46 Austrália 42 Argentina Brasil 28 25 Fonte: Banco Mundial – World Development Indicators (http://databank.worldbank.org/data ) 90. Essa constatação não é nova, veja por exemplo: https://exame.abril.com.br/economia/as-10-economias-mais-fechadas-do-mundo-o-brasil-lidera/ ou, para uma análise mais aprofundada, (Canuto, Fleischhaker, and Schellekens 2015) 91. Canuto, Fleischhaker, and Schellekens (2015) [ 86 ] evidência de integração às cadeias globais de valor. Vis a vis outros países, o Brasil tem muito pouco de insumo importado em suas exportações, o que signiica que ele não está integrado efetivamente à produção mundial. O acesso ao mercado internacional de insumos e equipamentos importados representa, também, acesso a tecnologia de ponta produzida no exterior. Muitas das novas tecnologias utilizadas na produção industrial estão incorporadas em insumos ou em máquinas e equipamentos mais modernos e eicientes. Como já evidenciado anteriormente, uma das formas de absorver essas tecnologias é, justamente, comprando máquinas e equipamentos importados. Ora, como um país pode produzir novas tecnologias se nem ao menos consegue utilizar o estado da arte da tecnologia mundial? É provável que tanto a baixa integração às cadeias globais de valor quanto o próprio fechamento da economia sejam decorrência de uma crença ultrapassada de que a competitividade de um país é tanto maior quanto maior a quantidade de bens produzida domesticamente. Nessa visão, seria necessário produzir internamente todas as partes (ou boa parte) de um determinado produto: insumos, componentes, até o produto inal. Essa ideia de “adensamento” de cadeias produtivas é algo obviamente impensável e impossível no cenário atual da economia mundial. Assim penGráico 13. Migração de trabalhadores com curso superior, como percentual da população total, em países selecionados: 2011. Canadá Reino Unido EUA Espanha França Rússia Alemanha Itália Venezuela Japão Chile Uruguai Argentina Paraguai Bolívia Colômbia Equador Perú México Brasil Índia Emigrações Imigrações 0 2% 4% Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). [ 87 ] 6% 8% 10% sando, protegemos nossas empresas da competição ao mesmo tempo que as impedimos de ser competitivas. Ao supostamente defender a indústria, decretamos sua obsolescência. Historicamente, talvez a reserva de mercado em informática tenha sido o maior exemplo desse equívoco que ainda perdura no país. Durante décadas, icamos alijados das tendências tecnológicas mundiais em microeletrônica e, além disso, impedimos que empresas de outros setores se beneiciassem dos impactos positivos dessas tecnologias sobre a sua produtividade. Nossa cultura insulada não é muito diferente quando analisamos, ao invés dos luxos de comércio, os luxos de pessoas. Do ponto de vista da inovação, interessa principalmente a migração de proissionais altamente qualiicados. Muito embora ainda haja, no Brasil, uma preocupação com a fuga de cérebros92, preocupação agravada pelos cortes no orçamento de C&T, que vem se intensiicando desde 2016, a migração de brasileiros qualiicados para o exterior não é tão expressiva vis a vis outros países93. Entre 2010 e 2011, 295 mil brasileiros com curso superior foram viver e trabalhar em outros países, o que representa 0,15% da população (Gráico 13). Em relação a alguns países selecionados, entre os quais vários países latinos e outros tantos europeus, esse percentual só é menor do que na China, com seus 1.4 bilhão de habitantes. A entrada de pessoal qualiicado no país é ainda menor do que a saída. Entre 2010 e 1011, o número de pessoas com nível superior que vieram para o Brasil foi de cerca de 135 mil, o que representa apenas 0,7% da população brasileira, percentual bem menor do que em vários outros países em desenvolvimento e especialmente menor do que nos países desenvolvidos. Essa questão já foi discutida, quando discutimos a internacionalização da ciência brasileira. A troca de experiências com outras culturas e a absorção de competências de proissionais estrangeiros é importante não apenas para a produção cientíica, mas também para a produção de inovação nas empresas. 92. https://oglobo.globo.com/sociedade/nova-presidente-da-faperj-tenta-estancar-fuga-de-cerebros-21554188 93. Segundo dados de migração internacional produzidos pela OCDE e disponíveis em: http://www.oecd.org/els/mig/dioc.htm [ 88 ] CUSTO DE CAPITAL O Brasil tem sido, há mais de duas décadas, o país com uma das maiores taxas de juros reais no mundo. Obviamente, isso afeta a capacidade de investimento das empresas, tanto pelo custo de captação de empréstimos quanto pelo custo de oportunidade, que é a rentabilidade de rendimentos alternativos. Em termos muito simpliicados, se a rentabilidade esperada de um determinado investimento é menor do que a taxa de juros cobrada pelos bancos ou menor do que investimentos alternativos, aquele investimento não é compensatório. A inovação é ainda mais vulnerável a elevadas taxas de juros do que o investimento em máquinas, equipamentos e construção, pois é um investimento mais arriscado e o risco reduz a rentabilidade esperada do investimento. Não é o foco deste trabalho discutir as razões das altas taxas de juros no Brasil. A literatura enumera razões que vão desde o tamanho e a trajetória da dívida pública – em relação ao PIB e à carga tributária – até questões relativas a regulação e à concorrência no mercado bancário, passando pelo histórico hiperinlacionário do país. É muito provável que todos esses fatores tenham algum peso nessa explicação. O fato que nos interessa aqui, no entanto, é que altas taxas de juros, aliadas a um mercado inanceiro pouco funcional, afetam negativamente a capacidade de investimento da economia e afetam ainda mais fortemente os investimentos em inovação. O impacto nos investimentos em inovação é maior por várias razões, relacionadas com a existência de restrições de inanciamento à inovação mesmo em condições normais de taxas de juros. De fato, a literatura aponta que há uma defasagem entre a taxa de retorno requerida pelo empreendedor investindo recursos próprios em inovação e a taxa requerida por investidores externos94. Em outras palavras, os investidores externos tendem a cobrar taxas de juros mais altas para investir em projetos de inovação do que cobrariam de investimentos convencionais. As razões para isso começam com a incerteza dos projetos de P&D e inovação, cujos resultados e probabilidades de sucesso não podem ser estimados facilmente, especialmente nos estágios iniciais de desenvolvimento de um produto. Nesse momento, por exemplo, diversas empresas farmacêuticas devem estar pesquisando a cura ou tratamentos para o mal 94. Dois estudos recentes fazem uma ótima revisão da literatura sobre o tema: Kerr e Nanda (2015) e Hall e Lerner (2010) [ 89 ] de Alzheimer. Qual das trajetórias tecnológicas que hoje estão emergindo se tornarão efetivamente viáveis é impossível saber no estágio atual. Que novas tecnologias e aplicações podem emergir da possibilidade de edição gênica também ainda é impossível prever, mesmo com toda a informação disponível atualmente. A incerteza torna mais arriscados esses investimentos e aumenta o preço cobrado pelos investidores, que é a taxa de juros. Além disso, existe uma assimetria de informação na qual o inventor frequentemente tem mais informações sobre as possibilidades de sucesso da inovação do que o investidor. Assim, como o investidor tem diiculdade em diferenciar os bons dos maus projetos, ele tende a investir naqueles com risco menor e cobrar de todos uma taxa de juros maior. Ou seja, a assimetria de informação aumenta o custo do investimento em inovação. Além disso, os investimentos em pesquisa dependem muito fortemente de pessoal altamente treinado e qualiicado. Esse tipo de proissional não é facilmente encontrado no mercado, o que faz com que as empresas não desejem se desfazer deles em um momento de baixa do ciclo econômico. Dessa forma, as empresas tendem a suavizar as ampliações e reduções nos investimentos em P&D, o que gera custos de ajustamento maiores do que em projetos de investimento convencionais. O sistema bancário também tende a ser menos propenso a inanciar projetos de inovação em virtude das garantias e colaterais exigidos nos empréstimos, que tendem a ser ativos reais e não intangíveis. Isso reduz as opções de inanciamento disponíveis para os inovadores, que acabam por depender mais de outras fontes de inanciamento, tais como recursos próprios, mercado de capitais ou venture capital. Esses são os motivos pelos quais os investimentos em inovação têm, no mercado, um custo maior do que os investimentos convencionais. Não por acaso, a literatura mostra que esse tipo de investimento tende a ser mais inanciado com recursos próprios do que por outras fontes. Muito embora, vários estudos também mostram que, nos anos recentes, tem crescido a importância do crédito no inanciamento à inovação em vários países, sendo que em alguns casos as patentes têm sido usadas como colaterais dessas operações95. Existem algumas maneiras de corrigir essas falhas de mercado e reduzir o gap de juros para a inovação. Incentivos iscais para investimentos em 95. (Kerr and Nanda 2015) [ 90 ] P&D, por exemplo, tem sido utilizados pelos governos no mundo todo para reduzir o custo de capital para inovação. As empresas menores e startups – as maiores afetadas por essas restrições de inanciamento – não são, contudo, beneiciadas por esse tipo de incentivo. Nesses casos, o principal mecanismo utilizado para o inanciamento de projetos inovadores são os fundos de venture capital. Esses fundos funcionam como intermediários inanceiros especializados em projetos de inovação que, através de constante escrutínio e monitoramento, conseguem reduzir a assimetria de informação entre os investidores (os venture capitalistas, nesse caso) e os empreendedores. De modo geral, esses fundos são voltados para empresas jovens em setores de grande dinamismo tecnológico. O monitoramento e o aconselhamento contínuo dos gestores desse tipo de fundo também inluenciam a governança da empresa e ajudam a melhorar seus resultados. De modo geral, esse tipo de investimento apoia uma ideia logo no seu início, por meio de participação no capital do novo negócio. Tende, portanto, a ser temporário: os investidores vendem sua participação no negócio no momento da abertura de capital da empresa ou mesmo antes, para outro investidor eventualmente interessado ou para o próprio emGráico 14. Investimentos em Venture Capital em países selecionados como proporção do PIB (%): 2015, 2014 (África do Sul) e 2013 (Brasil). 0,38 0,33 0,12 0,10 0,03 Israel Estados Unidos Canadá África do Sul Alemanha 0,01 0,01 Espanha Brasil Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): http://dx.doi.org/10.1787/entrepreneur_aag-2016-graph119-en e, para o Brasil, Cedro Capital (http://www.cedrocapital.com/en/faq/what-is-the-market-for-vc-pe-investments-in-brazil/) e Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). [ 91 ] preendedor. Para que o mercado de venture capital funcione é, portanto, fundamental que os venture capitalistas tenham alternativas de saída do investimento, o que requer a existência de um mercado de capitais relativamente desenvolvido para esse tipo de startups. O Gráico 14 mostra que, além das diiculdades derivadas da alta taxa de juros, ou talvez em alguma medida por causa dela, o mercado de venture capital no Brasil ainda é pouco desenvolvido em comparação com os países líderes nesse segmento. O país líder nesse mercado é Israel, onde esses investimentos representam 0,38% do PIB, seguido pelos Estados Unidos, 0,33%. No Brasil, os investimentos em venture capital são apenas de 0,01% do PIB. Os elevados custos de capital para o investimento no Brasil, aliados com os custos ainda maiores inerentes aos projetos de inovação constituem, portanto, um gargalo importante à inovação no Brasil. Além de taxas de juros mais baixas, é necessário reduzir também a assimetria de informação e outras falhas de mercado que, em última instância, fazem com que o custo do inanciamento à inovação seja maior do que o inanciamento ao investimento convencional. O inanciamento público pode ser uma das alternativas, mas não é suiciente para superar todos esses gargalos. BUROCRACIA E AMBIENTE DE NEGÓCIOS Muito provavelmente, a abertura da economia e o inanciamento da inovação sejam, isoladamente, os principais fatores ambientais a afetar a inovação. Existem, contudo, uma série de outros fatores relacionados ao contexto econômico que fazem dele mais ou menos propício para a inovação. Alguns fatores, de ordem mais gerais, costumam ser analisados pelo Banco Mundial, em uma publicação bastante conhecida, denominada de Doing Business. Existe muita controvérsia em relação a essa publicação que costuma ser confundida com algum tipo de indicador de competitividade. Apesar de diiculdades metodológicas, o que a publicação procura medir é tão somente a facilidade de se fazer negócios em um determinado país. Basicamente, procura-se mensurar que tipo de regulação as empresas precisam seguir e que procedimentos devem adotar para funcionar. Procedimentos como abertura e obtenção de licenças para abrir uma empresa até o pagamento de taxas e impostos, passando por quanto a legislação do país protege os investidores, especialmente minoritários, e o quanto a justiça é ágil para resolver questões relativas à insolvência. [ 92 ] A importância do ambiente de negócios para o desempenho econômico ganhou destaque a partir de um estudo de 200296, onde os autores identiicavam o tempo requerido e os custos associados à abertura de uma empresa em vários países. Eles observaram que processos mais custosos e burocráticos estavam geralmente associados a maior informalidade e maiores níveis de corrupção, além de um número maior de empresas ineicientes na economia. Foi a partir dessa intuição que o Banco Mundial passou a calcular os indicadores mostrados no gráico abaixo, que mostra a posição do Brasil no ranking dos vários indicadores medidos pelo Doing Business. As piores posições do Brasil estão nos indicadores de obtenção de alvarás e abertura de empresas e no pagamento de impostos, onde o Brasil está atrás de mais de 170 países. Mesmo nos indicadores onde o Brasil tem um desempenho melhor, que são obtenção de eletricidade, execução de contratos e proteção a investidores minoritários, estamos atrás de mais de 40 países. Chama a atenção o fato de que vários países estão percebendo que um ambiente de negócios ruim impacta negativamente a atividade empresarial e reduz a eiciência da economia como um todo. Essa percepção tem leGráico 15. Posição do Brasil no ranking do Banco Mundial de facilidade para fazer negócios: 2018. Resolução de insolvência 80 47 Execução de contratos Comércio internacional 139 Pagamento de impostos 184 43 Proteção dos investidores minoritários Obtenção de crédito 105 Registro de propriedades 131 45 Obtenção de eletricidade Obtenção de alvarás de construção 170 Abertura de empresas 176 Global 125 Fonte: Banco Mundial: http://portugues.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil 96. (Djankov et al. 2002) [ 93 ] vado a um movimento de convergência nos indicadores do Doing Business, ou seja, de modo geral os indicadores estão melhorando e todos os países estão se aproximando dos mais eicientes. Isso não tem acontecido com o Brasil, contudo. Nossa posição e nossos indicadores continuam estáveis ou melhoraram muito modestamente, como mostrou recentemente o estudo do Ipea sobre produtividade no Brasil97. O ambiente de negócios afeta a atividade econômica de modo geral, principalmente a atividade inovativa. Boa parte das inovações disruptivas são provenientes de empresas novas, as chamadas startups. Quanto maior a diiculdade dessas empresas em começar a operar mais difícil que algumas inovações cheguem ao mercado. As barreiras à entrada de novas irmas que esse ambiente de negócios impõe reduz a concorrência potencial que, como já vimos, também afeta negativamente a capacidade de inovação do país. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também chamou a atenção, em publicação de 201598, para o quanto as condições de contorno afetam a capacidade de inovação do país, especialmente num cenário de maior mobilidade de capital entre os países. Entre essas condições, um ambiente macroeconômico estável, com inlação baixa e situação iscal equilibrada, reduz a incerteza associada aos novos investimentos e, principalmente, à inovação. O sistema tributário, por exemplo, pode incentivar ou inibir determinados tipos de inovação, como quando provê reduções de impostos para o investimento em pesquisa e desenvolvimento ou quando dá isenção para instituições de pesquisa ou reduções de impostos para produtos inovadores. O governo da Inglaterra, por exemplo, tributa de maneira diferenciada os veículos de acordo com o nível de emissões de CO2 e, além disso, cobra impostos menores para veículos que utilizam combustivos alternativos99. Essa tributação diferenciada, obviamente, incentiva a produção e a comercialização de veículos inovadores, menos poluentes e baseados em tecnologias emergentes, tais como os veículos elétricos. A regulação governamental sobre alguns mercados também tem a capacidade de estimular ou impedir certos tipos de inovação. O Brasil tem um exemplo claríssimo de como a intervenção pública em um mercado pode ser deletéria para a capacidade de inovação do país: o processo produtivo 97. De Negri e Cavalcante (2014) 98. http://www.oecd-ilibrary.org/science-and-technology/the-innovation-imperative/the-business-environment-for-innovation_9789264239814-6-en 99. https://www.gov.uk/vehicle-tax-rate-tables [ 94 ] básico (PPB), que é como uma receita de bolo que as empresas do setor eletrônico precisam seguir para obter reduções de impostos na produção de determinados bens. O processo de produção desses bens deve seguir o que foi estabelecido pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Ora, de modo geral, inovar é ou implica mudanças nos processos produtivos. Se, num setor dinâmico como o eletrônico, para inovar e manter um benefício iscal uma empresa precisa ter seu processo produtivo aprovado pela burocracia estatal, esta é, claramente, uma regulação anti-inovação. Atualmente, um mercado onde a regulação será essencial para permitir avanços tecnológicos é o de carros autônomos. Obviamente, para que essa tecnologia seja introduzida no mercado é preciso que a legislação permita que um carro sem motorista trafegue pelas ruas e que preveja como e a quem aplicar sansões em caso de sinistro ou ainda como avaliar a segurança do veículo. A Califórnia se antecipou nesse processo e aprovou, em fevereiro de 2018, a possibilidade de que carros sem motorista trafeguem pelas ruas do Estado100. Não é difícil imaginar que as empresas pesquisando esse tipo de tecnologia deverão, muito provavelmente, instalar seus centros de pesquisa por lá. Algumas condições de contorno são ainda mais relacionadas com o processo de inovação. Talvez o maior exemplo esteja nos direitos de propriedade intelectual e como eles são regulados e garantidos. A sociedade moderna criou direitos de propriedade intelectual justamente para proteger as novas ideias e seus inventores. O objetivo é dar, ao inovador, a garantia de que ele terá um lucro adicional por um período limitado de tempo, que seja suiciente para remunerar o esforço que ele teve em inovar. Sem essa garantia, uma inovação poderia ser rapidamente copiada pelos concorrentes e, no longo prazo, os inovadores não teriam estímulo nenhum para investir recursos e tempo no desenvolvimento de um novo produto ou processo. O Brasil aprovou sua lei de patentes em 1996, em linha com a legislação aplicada em diversos outros países. Contudo, um dos grandes gargalos no país diz respeito ao tempo que o INPI leva para analisar um pedido de patente, que, no Brasil, pode levar até 11 anos, segundo estudo recente que compara diversos países101. 100. https://www.nytimes.com/2018/02/26/technology/driverless-cars-california-rules.html 101. https://sls.gmu.edu/cpip/wp-content/uploads/sites/31/2016/10/Schultz-Madigan-The-Long-Wait-for-Innovation-The-Global-Patent-Pendency-Problem.pdf [ 95 ] Outros fatores também prejudicam fortemente a pesquisa e a inovação no Brasil. Numa economia tão fechada quanto a nossa, importar equipamentos e insumos de pesquisa pode ser um pesadelo ainda maior do que importar bens e equipamentos convencionais. Instituições de pesquisa e universidades tem menos familiaridade com os procedimentos burocráticos associados com os processos de importação, o que provavelmente agrava a situação. A grande maioria dos equipamentos e boa parte dos insumos de pesquisa precisam ser importados, como evidenciou levantamento realizado por professores da UFRJ102, que mostrou que 99% dos pesquisadores necessitam importar esse tipo de produto. O que é mais grave, contudo, é que 75% dos pesquisadores ouvidos pelo levantamento declararam terem perdido material de pesquisa na alfândega. Em algumas áreas, como as ciências da vida, muito do material de pesquisa importado é perecível, o que exige uma agilidade que os procedimentos alfandegários brasileiros não parecem ter. Uma intervenção pública inteligente em questões como essas ajudaria a criar um ambiente mais propício à inovação. São aspectos dispersos, que passam pela eiciência de alguns órgãos e instituições governamentais ou por diversos instrumentos legais e regulatórios, o que torna mais difícil traçar estratégias consistentes para aprimorar o ambiente de negócios. No entanto, são questões que enrijecem substancialmente o funcionamento das empresas e instituições, fato que impacta fortemente o desempenho das mesmas, especialmente em inovação, onde a agilidade e a lexibilidade são fundamentais. 102. https://pt.scribd.com/document/41403849/Pesquisa-Importacao-07112010 [ 96 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Investimento e políticas públicas A ciência e o conhecimento podem ser consideradas aquilo que os economistas denominam de bem público. Um bem público é um bem cuja utilização por uma pessoa não impede que outras também o utilizem. Assim é o conhecimento. O fato de alguém utilizar determinado tipo de conhecimento – saber que o vírus que causa a Aids é o HIV – não impede que outras pessoas também utilizem esse mesmo conhecimento para diversas inalidades. É diferente de quando utilizamos um carro, uma roupa, ou tomamos um café, pois nosso uso reduz a quantidade daquele bem que está disponível para outras pessoas. O conhecimento não, o conhecimento não diminui quando é utilizado por alguém. Além disso, não é possível que um “consumidor” evite que outras pessoas tenham acesso ao conhecimento cientíico utilizado por ele. Ou seja, o conhecimento, diferentemente de um bem qualquer, não pode ser de uso exclusivo de uma só pessoa. Além dessas características, que deinem um bem público, a ciência também tem outras características importantes que fazem com que seja um objeto particularmente importante de atuação das políticas públicas. A ciência gera externalidades positivas para a sociedade como um todo. Isso signiica que a produção de conhecimento gera benefícios não apenas para quem o produz ou para quem paga pela sua produção, mas para toda a sociedade. Todos nós nos beneiciamos, até hoje, da descoberta da penicilina por Alexander Fleming, não apenas aqueles que inanciaram essa descoberta. Além disso, o benefício social das descobertas cientíicas tende a ser ininitamente superior ao custo das mesmas. Todas essas características, especialmente as externalidades positivas que a ciência gera, fazem com que esse bem seja de extremo interesse da sociedade. Essas mesmas características, no entanto, reduzem o interesse das [ 97 ] empresas privadas em produzi-lo. Qual seria o interesse de uma empresa em investir na produção de um bem que será, ao inal, público? Se não é possível evitar, mediante pagamento, que as pessoas tenham acesso a esse bem e se ele icará disponível para todos, uma empresa jamais terá lucro em produzir esse bem. É por essa razão que, no mundo inteiro, é o estado que, primordialmente, inancia a produção cientíica. As empresas, apesar de em alguns casos também inanciarem a pesquisa básica, inanciam mais fortemente a pesquisa aplicada e o desenvolvimento de produtos. Contudo, a separação entre pesquisa básica e aplicada é cada vez menos clara. Talvez a principal distinção seja, de fato, que as empresas inanciarão a pesquisa que possa produzir bens privados, ou seja, que possa resultar em tecnologias, produtos ou processos cuja rentabilidade possa ser apropriada pelas mesmas. A inovação, por sua vez, embora conte com maior volume de inanciamento do setor privado, também requer suporte público consistente. Em primeiro lugar, porque existem externalidades positivas também aí. A descoberta de um novo medicamento é uma inovação que gera benefícios para a empresa que desenvolveu esse produto, mas ao mesmo tempo, gera benefícios sociais muito maiores. Essas externalidades positivas fazem com que seja do interesse da sociedade inanciar a inovação, mesmo que parcela dos ganhos dessa inovação ainda possa ser apropriada pelos inovadores. Além disso, existem falhas de mercado, como as que vimos anteriormente que fazem com que o investimento em inovação induzido unicamente pelo mercado seja inferior ao socialmente desejável. Dessa forma, além do inanciamento direto à ciência e à inovação, o estado pode intervir sobre os fatores enumerados anteriormente e que afetam a capacidade de inovação do país, a saber: i) educação e formação de cientistas; ii) infraestrutura de pesquisa; iii) um ambiente propício à inovação. Esta seção analisará, portanto, como as políticas públicas potencializam a inovação e quais foram adotadas recentemente pelo Brasil. QUEM FINANCIA A CIÊNCIA? A resposta a essa pergunta é relativamente simples: todos nós. A maior parte do inanciamento da ciência no mundo todo vem do Estado. O que signiica que é a sociedade, com as suas limitações e idiossincrasias, que decide alocar parte da sua renda e dos seus impostos para o inanciamento do empreendimento cientíico. Essa é mais uma razão pela qual os cientistas [ 98 ] deveriam estar constantemente preocupados com os desaios dessa mesma sociedade e com a legitimação dos investimentos realizados na ciência. Ainal, infelizmente nem toda a sociedade percebe os resultados extraordinários obtidos pela humanidade graças à ciência. Nesse momento algumas pessoas estariam se perguntando se, nos países desenvolvidos, não é o setor privado que inancia grande parte da pesquisa cientíica. Como argumentamos acima, essa airmação não é precisa. É verdade que, nos países desenvolvidos, os investimentos em pesquisa do setor privado são maiores e representam parcela maior dos esforços totais em pesquisa do que em países como o Brasil. No entanto, de modo geral, as empresas inanciam as atividades de P&D voltadas a transformar o conhecimento cientíico em novos produtos e serviços, o que é parte essencial da inovação. A produção cientíica, por sua vez, depende fortemente do inanciamento público. Iremos aos números, mas antes disso, convém alguns esclarecimentos. Quando falamos em inanciamento do ensino superior e da pesquisa, existem pelo menos três modelos com dinâmicas bastante distintas. Em primeiro lugar, o ensino destinado unicamente a formar pessoal qualiicado em nível superior e não ocupado em produzir pesquisa. O inanciamento, nesse caso, pode ser feito pelo Estado ou pelos próprios alunos, por meio de mensalidades ou por alguma forma híbrida que reúna diferentes fontes de recursos. A história de cada país, bem como suas opções para garantir acesso para todos a um ensino de qualidade faz variar esses modelos. Essa não é, contudo, a nossa preocupação primordial nessa seção. Existem também as chamadas universidades de pesquisa, atuantes tanto na formação de pessoal quanto na produção de conhecimento. Essas universidades são, no mundo todo, muito mais caras e dependentes de inanciamento público do que as voltadas apenas ao ensino. Embora muitas delas tenham fontes diversiicadas de inanciamento, incluindo mensalidades, essas fontes são menos relevantes do que a pública. Tomemos o exemplo norte-americano, onde muitos acreditam que o inanciamento privado à ciência é o mais importante. A primeira lição a tirar do Gráico 16 é que as fontes de receitas das instituições de ensino superior dos EUA são bastante diversiicadas e variam muito de acordo com o tipo de instituição. As instituições privadas com ins lucrativos são inanciadas principalmente com mensalidades e taxas cobradas dos alunos. São voltadas quase exclusivamente para o ensino (os chamados colleges) e são pouco relevantes [ 99 ] Gráico 16. Fontes de receitas das instituições de ensino superior (IES) norte-americanas, segundo o tipo de instituição: 2015. IES privadas com fins lucrativos 90% 4% 1% IES privadas sem fins lucrativos 47% Universidades de pesquisa privadas sem fins lucrativos 16% IES e Universidades de pesquisa públicas 20% 0 Mensalidades e taxas Investimentos 18% 30% 5% 16% 6% 42% 20 40 60 80 100 % Orçamento público, subvenções e contratos governamentais Fonte: National Center for Education Statistics (NCES). Os dados para as instituições privadas sem ins lucrativos foram elaborados a partir das tabelas disponíveis em: https://nces.ed.gov/programs/digest/2016menu_tables.asp. Para as universidades privadas com ins lucrativos e para as públicas, os dados se referem à 2014 e estão disponíveis na publicação “The Condition of Education”, em: https://nces.ed.gov/programs/coe/pdf/Indicator_CUD/ coe_CUD_2016_05.pdf no sistema norte-americano, além de terem pior desempenho do que as demais instituições. Nessas instituições, os recursos públicos respondem por apenas 4% do total das receitas. Historicamente, entre as instituições privadas, são as sem ins lucrativos as mais relevantes no sistema de ensino e pesquisa norte-americano. No gráico Gráico 16 elas foram divididas entre universidades de pesquisa e demais instituições de ensino superior (IES). As IES privadas sem lucrativos não classiicadas como “de pesquisa” são, de modo geral, mais voltadas ao ensino, embora também possuam alguma atividade de pesquisa e possam também, formar mestres e doutores. Assim como para as instituições com ins lucrativos, o orçamento público para elas representa muito pouco do total das receitas. As instituições classiicadas como universidades de pesquisa são as que possuem alto nível de pesquisa cientíica, segundo o National Center for [ 100 ] Education Statistics (NCES) e são elas que nos interessam aqui103. Harvard, MIT, Columbia, California Institute of Technology (Caltec) e outras renomadas universidades norte-americanas são instituições dessa natureza104. De fato, as universidades de pesquisa americanas tendem a ser públicas ou privadas sem ins lucrativos. Nesse tipo de instituição, a maior fonte de receitas são os rendimentos dos fundos de investimento (fundos de endowment), muitos deles obtidos a partir de doações, que representam cerca de 30% das receitas dessas universidades. As mensalidades são 16%, que é o mesmo que o total arrecadado em recursos públicos para pesquisa. Nas universidades e colleges públicos, por sua vez, a maior fatia de receitas vem dos governos estaduais, locais ou federal, como esperado. No entanto, mesmo nessas instituições existem muitas outras fontes de receitas, o que faz das universidades norte-americanas instituições relativamente sólidas do ponto de vista inanceiro. As outras fontes não apresentadas no gráico incluem receitas de hospitais universitários, de doações, de empresas privadas, de fundações privadas de apoio à pesquisa, de empresas das próprias universidades que prestam serviços (saúde, habitação e outros) para os seus alunos ou mesmo para o público externo, entre outras. Esses números representam o total das receitas das universidades e colleges norte-americanos e são utilizados para cobrir os gastos com ensino, com pesquisa e com outras eventuais atividades desempenhadas pelas instituições. Quando, no entanto, analisamos apenas os gastos com pesquisa dessas universidades, a participação de recursos públicos supera os 60%, como mostra o gráico Gráico 17. Em 2016, as universidades norte-americanas investiram mais de US$ 71 bilhões em pesquisa, dos quais mais de US$42 bilhões foram inanciados pelo governo federal ou por governos locais. Ou seja, ao contrário do senso comum, a ciência feita nas universidades estadunidenses depende fundamentalmente de recursos públicos. Outros 25% são recursos próprios da instituição que, como vimos no caso das universidades sem ins lucrativos, têm nos fundos de endowment e nas mensalidades uma fonte expressiva de receitas. No caso das universidades públicas, são muito provavelmente recursos oriundos de mensalidades ou do próprio orçamento da instituição, que é público. 103. Detalhes sobre o inanciamento das universidades norte-americanas podem ser encontrados em (L. M. Turchi 2014) 104. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_research_universities_in_the_United_States [ 101 ] Gráico 17. Gastos com pesquisa nas universidades norte-americanas, segundo fonte de receitas: 2016. Governo Federal 54% Outras fontes 9% Empresas 6% Governos Estaduais e locais 6% Fundos da Instituição 25% Fonte: National Science Foundation, National Center for Science and Engineering Statistics, Higher Education Research and Development Survey (https:// ncsesdata.nsf.gov/herd/2016/html/HERD2016_DST_01.html). Um exemplo concreto da relevância do inanciamento público para pesquisa está numa das melhores universidades dos EUA e do mundo, o MIT. Lá, os contratos de pesquisa e as subvenções do governo norte-americano são a principal fonte de receitas da instituição: mais de 40% do orçamento total e quase 90% das receitas com pesquisa105. Outros países não fogem a essa regra. Em Oxford, na Inglaterra, cerca de 50% das receitas totais da instituição vêm do governo Inglês. Na Alemanha, onde as Universidades são todas públicas, esse número pode ser ainda maior. Na Universidade Tecnológica de Munique, por exemplo, mais de 60% das receitas correntes são provenientes do governo. Quando se fala apenas do inanciamento à pesquisa, aí sim o Estado é de longe o principal inanciador em todos esses países. Na Inglaterra como um todo, estima-se que 66% dos recursos de pesquisa nas universidades sejam provenientes diretamente do governo inglês e outros 11%, indiretamente, vêm da União Europeia. Ou seja, na Inglaterra cerca de 77% do inanciamento da ciência realizada nas universidades é proveniente de fontes públicas. Importante ressaltar também que, diferentemente do que comumente se acredita, os recursos de empresas privadas para a pesquisa nas universida105. Incluído aí o Lincoln Lab, que é um laboratório sediado no MIT mas que é de uso exclusivo e totalmente inanciado pelo Departamento de Defesa e que representa mais da metade dos dispêndios com pesquisa do The average spending (payout) rate from endowments in 2014 was 4.4%.MIT: http://web.mit.edu/facts/inancial.html [ 102 ] des norte-americanas não são os mais relevantes. De acordo com a National Science Foundation (NSF), no gráico Gráico 17, apenas 6% do total do inanciamento à pesquisa naquelas universidades são provenientes de contratos de pesquisa com empresas privadas. Mesmo em instituições com vocação para a tecnologia, como o MIT, os recursos empresariais para pesquisa não alcançam 10% do orçamento de pesquisa e equivalem a menos de 4% do orçamento total. Exemplos de outros países também apontam na mesma direção. Na Universidade Tecnológica de Munique, as pesquisas patrocinadas por empresas representam cerca de 5% das receitas da instituição, enquanto que, na Universidade de Oxford, pouco mais de 1%. Contudo, como já vimos, existe uma outra fonte relevante de inanciamento das universidades norte-americanas que são os endowments. Eles são fundos de investimento cujos rendimentos são utilizados para a manutenção das universidades, mas também podem ser constituídos por imóveis e outros ativos de propriedade das mesmas. Embora eles representem apenas 6% das receitas das universidades públicas do país, respondem por 30% das receitas das universidades privadas sem ins lucrativos e inanciam parte importante da pesquisa nessas instituições. De modo geral, o endowment de uma universidade é constituído por centenas de fundos individuais. Em Harvard, por exemplo, são mais de 13 mil fundos diferentes administrados por uma empresa sem ins lucrativos criada pela universidade especiicamente para isso: a Harvard Management Company (HMC)106. De modo geral, esses fundos foram constituídos por doações individuais de ex-alunos, empresários ou cidadãos, ao longo dos anos ou, em alguns casos, dos séculos. O primeiro endowment foi criado por Henrique VIII, na Inglaterra, para inanciar as Universidades de Oxford e Cambridge. A Universidade de Harvard tem um fundo de endowment de US$ 36 bilhões, constituído ao longo de quase quatro séculos. Ele é de longe o maior entre todas as universidades americanas e seus rendimentos cobrem cerca de 30% do orçamento anual da instituição. Em Universidades públicas, como a Universidade de Berkeley na Califórnia, os rendimentos desse tipo de fundo signiicam cerca de 5% de suas receitas anuais. Nos EUA, existem uma série de benefícios iscais para estimular esses endowments e as doações a eles. Em primeiro lugar, assim como no Brasil, instituições educacionais privadas sem ins lucrativos não pagam impostos 106. https://www.harvard.edu/about-harvard/harvard-glance/endowment [ 103 ] (no Brasil, elas são objeto de imunidade tributária). Nos EUA, os rendimentos obtidos por fundos de endownment pertencentes a universidades e instituições de pesquisa também são isentos de imposto de renda107. Além disso, as doações feitas para esses fundos podem ser deduzidas da renda sujeita a pagamento de imposto. Dado o tamanho desses fundos, esses incentivos iscais representam bilhões de dólares do governo norte-americano para incentivar fontes alternativas de receita de suas universidades. Estudo108 feito pelo Congressional Research Service dos EUA, mostrou que, em 2014, o valor total dos ativos dos fundos de endowment das universidades americanas somavam mais de US$ 500 bilhões, sendo que 11% das instituições concentravam 74% do total desses ativos. Na média, os fundos obtiveram um rendimento de mais de 15% ao ano, sendo que entre 4% e 5% do valor dos ativos (apenas uma parcela do rendimento, portanto) são investidos nas universidades. O restante ica no fundo aumentando sua dotação inicial. Na França, em 2008, foi aprovada a chamada Lei de Modernização da Economia que, entre outras medidas para melhorar o ambiente de negócios do país, criou a igura jurídica dos fundos de dotação, inspirados no modelo norte-americano de endowments. Esses fundos foram criados como instituições privadas sem ins lucrativos, que recebem e gerenciam propriedades e direitos provenientes de doações e utilizam a rentabilidade desses investimentos para executar missões e tarefas de interesse social109. No Brasil, fundos como esse estão apenas começando. O fundo “amigos da Poli”, associação que apoia projetos no Instituo Politécnico da USP foi um dos primeiros a ser criado, em 2011, e conta atualmente com um patrimônio de pouco mais de 17 milhões. Ainda existem, contudo, vários gargalos jurídicos e culturais no país, já que doações para universidades não são comuns no país. Gestores desses fundos argumentam que a existência de uma igura jurídica especíica para esse tipo de fundo poderia facilitar o seu desenvolvimento e dar mais segurança aos doadores110. Essa poderia ser uma fonte adicional de recursos para as universidades brasileiras, especialmente em face da crise de inanciamento por que passam essas instituições. Houve um crescimento expressivo no número de 107. No inal de 2017, o governo Trump aprovou uma alíquota de 1,4% sobre a rentabilidade dos fundos de endownment cujo valor por aluno ultrapasse US$ 250 mil. Isso foi visto como uma tentativa dos republicanos de enfraquecer os principais centros do pensamento liberal nos EUA. 108. https://fas.org/sgp/crs/misc/R44293.pdf 109. http://ernop.eu/wp-content/uploads/2017/06/Truinet-Endowment-Funds-in-France.pdf 110. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fundos-de-doacoes-avancam-no-pais-imp-,1524740 [ 104 ] instituições de ensino superior e universidades no país, nos últimos anos. Entre 2000 e 2013 os Governos Federal e Estaduais criaram 89 novas instituições de ensino superior, a maioria delas universidades ou centros tecnológicos, um crescimento de mais de 150%. Por um lado, esse crescimento contribuiu para a ampliação do acesso ao ensino superior. Por outro, introduziu uma mudança de patamar no orçamento necessário para manter as Instituições de Ensino Superior públicas do país, o que tem colocado em risco a capacidade de inanciamento das mesmas e, consequentemente, sua qualidade. Até agora, analisamos instituições voltadas preponderantemente ao ensino e universidades de pesquisa. Além delas, existem instituições voltadas prioritariamente ou exclusivamente à pesquisa. Seu modelo de inanciamento varia muito em função do tipo de pesquisa conduzida nas instituições. De modo geral, instituições mais voltadas a produzir pesquisa aplicada ou desenvolvimento de produtos e processos – tais como a Fraunhofer, na Alemanha – contam com um volume maior de recursos privados para se inanciarem. Instituições mais voltadas para a pesquisa básica, como vários dos laboratórios nacionais norte-americanos, por sua vez, são fortemente dependentes de recursos públicos. De modo geral, instituições de pesquisa básica são inanciadas fundamentalmente pelos governos. É assim, por exemplo, no caso dos laboratórios nacionais norte-americanos. Embora a gestão desses laboratórios seja terceirizada para instituições privadas sem ins lucrativos, para empresas ou para universidades, eles são fundamentalmente dependentes de recursos públicos. Em 2016, os chamados FFRDCs (Federally Funded Research and Development Centers) investiram mais de US$ 19 bilhões em pesquisa, 98% desse montante custeado pelo governo federal111, principalmente pelos Departamentos de Energia e Defesa. O mesmo acontece em outros países. O instituto Max Planck, na Alemanha, por exemplo, depende fundamentalmente do orçamento público, do governo federal ou dos governos estaduais, que responde por mais de 90% do total das receitas anuais da instituição112. Os recursos privados entram de modo mais expressivo no inanciamento à ciência e à tecnologia no caso de instituições de pesquisa aplicada ou de instituições tecnológicas. Essas instituições também são conheci- 111. https://ncsesdata.nsf.gov/datatables/frdcrd/2016/html/FFRDCRD2016_DST_1.html 112. https://www.mpg.de/11359014/annual-report-2016.pdf [ 105 ] das como Research and Technology Organizations (RTO’s). A Associação Europeia de Organizações de Pesquisa e Tecnologia (EARTO) deine a missão dessas instituições como a de aproveitar os avanços da ciência e da tecnologia para a inovação, para a melhoria da qualidade de vida e para a construção de competitividade econômica. Exemplos dessas instituições são o Fraunhofer, na Alemanha e os National Research Councils, no Canadá. Mesmo sendo instituições focadas em pesquisa aplicada e em inovação, ainda assim o inanciamento público é crítico. Segundo dados da EARTO, apresentados em estudo recente de pesquisadores do MIT113, cerca de 41% do inanciamento dessas instituições são provenientes de contratos com empresas privadas. Do restante, parte é inanciamento público básico e parte é inanciamento público e privado competitivo – no qual as instituições precisam concorrer para ganhar apoio inanceiro a determinados projetos (Gráico 18). Gráico 18. Fontes de inanciamento das instituições associadas à Associação Europeia de Organizações de Pesquisa e Tecnologia: 2015. Financiamento público básico 29% Contratos com empresas 41% Financiamento competitivo público e privado 30% Fonte: EARTO. Extraído de Martínez-Vela (2016) 113. (Martínez-Vela 2016) [ 106 ] POLÍTICAS PARA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL Ao longo dos últimos 15 a 20 anos, o Brasil empreendeu uma série de medidas destinadas a reforçar a capacidade cientíica, tecnológica e de inovação do país. Essas medidas vão desde o apoio inanceiro direto para investimentos e pesquisa em Universidades, centros de pesquisa e empresas; crédito para investimentos empresariais em P&D; incentivos iscais para investimentos empresariais em P&D; além de medidas regulatórias. Entre as políticas adotadas estão, por exemplo, a criação, em 1999, dos Fundos Setoriais, a Lei de Inovação (Lei nº. 10.973, de dezembro de 2004) e a "Lei do Bem" (Lei nº. 11.196, de novembro de 2005). A Lei de Inovação previu regras para participação de pesquisadores de instituições públicas em projetos com empresas e para a comercialização da propriedade intelectual derivada desse tipo de parceria. Nesse aspecto, a lei incentivou os setores público e privado a compartilhar pessoal, recursos, e instalações, com o objetivo de facilitar a colaboração entre universidades, institutos de pesquisa e empresas privadas. Outro avanço signiicativo da lei de inovação foi a possibilidade de o Estado subvencionar investimentos em P&D nas empresas privadas, o que não era possível no arcabouço legal brasileiro até aquele momento. A Lei do Bem, por sua vez, ampliou a abrangência e facilitou o uso de incentivos iscais para a realização de investimentos privados em P&D114. Todo esse esforço no desenho de novas políticas, juntamente iniciativas pré-existentes (os Fundos Setoriais são apenas um dos exemplos), construiu um arcabouço relativamente abrangente de políticas de inovação no que diz respeito à diversidade de instrumentos. Em outras palavras e apesar da ausência de iniciativas pelo lado da demanda115, atualmente o país conta com muitos dos instrumentos utilizados na maior parte dos países desenvolvidos para fomentar a inovação, tais como: i) crédito subsidiado; ii) incentivos iscais; iii) subvenção para empresas; iv) subvenção para projetos de pesquisa em universidades e ICTs, entre outros. 114. A primeira tentativa de utilização de incentivos iscais no Brasil se deu a partir dos PDTI e PDTA (Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Agropecuário, respectivamente). As exigências para a utilização desses programas (entre as quais ter um projeto aprovado pelo MCT a im de obter o incentivo iscal), no entanto, os tornaram praticamente inócuos. 115. Políticas de inovação pelo lado da demanda têm por objetivo criar condições para o surgimento e incremento da demanda por inovações. Enquanto as políticas que atuam pelo lado da oferta preocupam-se em garantir os recursos materiais e imateriais necessários ao desenvolvimento e introdução de inovações pelas irmas, as políticas pelo lado da demanda preocupam-se em “puxar/direcionar” a oferta para desenvolvimentos tecnológicos especíicos através da criação e/ou direcionamento de necessidades. A faceta mais óbvia dessas das políticas de inovação que atuam pelo lado da demanda diz respeito ao uso do poder de compra do Estado. [ 107 ] Os principais instrumentos/políticas de suporte à C&T e à inovação em nível federal executados no país, atualmente, estão expressos na Tabela 5, que sintetiza as principais políticas públicas brasileiras116 que afetam diretamente a geração de inovações no país. Essas são as principais fontes de recursos para o suporte à inovação e à P&D no país. Alguns dos recursos expressos abaixo não são estritamente públicos e alguns não são recursos orçamentários. Os valores das políticas de crédito, por exemplo, expressam a disponibilidade total de crédito para a inovação no BNDES e na FINEP, e não o custo iscal associado à equalização de taxas de juros nesses programas. Da mesma forma, os recursos associados com os investimentos compulsórios em P&D em setores regulados expressam o total das obrigações de investimento em P&D assumidas pelas empresas reguladas e são, portanto, recursos privados alocados compulsoriamente em P&D. Em 2015, o governo federal mobilizou, entre diferentes instrumentos como isenções iscais, crédito, investimento direto e regulação, mais de R$ Tabela 5. Principais políticas ou instrumentos federais de apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, 2015 (ou último ano disponível). Valores em milhões de reais correntes de 2015 Políticas Instrumentos Isenção iscal(1) Lei de informática (Leis nº 8.248/1991, nº 10.176/2001 e n° Lei 11.077/04) 5.022 Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005) 1.835 PD&I no setor automotivo (Leis n° 12.407/11 e n° 12.715/12 e Decreto n° 7.819/12) 2.850 Outras isenções(2) 877 Crédito subsidiado para a inovação (desembolsos) Operado pela FINEP 2.603 Operado pelo BNDES(3) 4.501 Investimento público em C&T Dispêndios totais do governo federal em C&T 33.845 P&D obrigatório de setores regulados P&D ANEEL 392(4) P&D ANP 1.030 Fontes: Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC); Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP); CGEE (2015); Agência Nacional de Petróleo (ANP). Tabela extraída (atualizada e adaptada) de Zuniga (2016). (1)Estimações feitas pela Receita Federal do Brasil. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-iscal/demonstrativos-dos-gastos-tributarios/arquivos-e-imagens/DGTEfetivo2014FINAL.pdf. (2) Entidades cientíicas sem ins lucrativos, máquinas e equipamentos – CNPQ, PADIS, PATVD, pesquisas cientíicas – AFRMM e TI e TIC. (3) Excluídos os valores repassados para a FINEP. (4) Dados de 2012 disponibilizado por CGEE (2015). 116. Essa tabela foi originalmente publicada em PLUVIA et al. (2016), com dados que iam até 2012. [ 108 ] 50 bilhões117 para serem aplicados em atividades de C&T. Desse montante, o investimento público direto é o mais relevante. O investimento direto, realizado pelo setor público federal em C&T foi de cerca de R$ 33 bilhões. Desse valor, cerca de R$ 10 bilhões não são exatamente investimentos em pesquisa, mas gastos com a manutenção e operação dos cursos de pós-graduação no país, ou seja, gastos com a formação de novos cientistas. Sobram, portanto, aproximadamente R$ 24 bilhões para investimento direto em pesquisa. A distribuição desses recursos entre os diferentes ministérios é, aproximadamente, a que podemos ver no Gráico 19. A maior fatia desse orçamento vai para o Ministério da educação e inancia bolsas de graduação e pós-graduação em universidades brasileiras e estrangeiras: formação de cientistas, portanto. A segunda maior fatia, de quase 30%, vai para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação118. Só depois aparecem os investimentos em C&T dos ministérios da Agricultura e da Saúde. Gráico 19. Distribuição, entre os diferentes ministérios, do orçamento federal em C&T: 2015. Outros 6,7% Indústria e Comércio Exterior 4,2% Planejamento 5,0% Educação 32,8% Saúde 9,2% Agricultura 12,7% Ciência, Tecnologia e Inovação 29,4% Fonte: Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) 117. A ausência de dados atuais referentes ao P&D ANEEL impede uma deinição precisa deste valor. Muito embora, a julgar pelo comportamento desta variável no período 2001-2012, a participação desse grupo no total de recursos mobilizados pelo governo federal continuará sendo marginal e o valor real total dessa mobilização estará muito próximo do que é aqui apresentado. 118. Os dados são de 2015, portanto o Ministério ainda não incluía comunicações. [ 109 ] Essa distribuição já marca uma diferença entre os investimentos em C&T realizados no Brasil e nos EUA, por exemplo. Naquele país, cerca de 80% dos investimentos em P&D são executados pelos Departamentos de Defesa (quase 50%), Saúde (20%) e Energia (10%). Muito embora esses ministérios inanciem muita pesquisa básica, essa distribuição evidencia investimentos em ciência e tecnologia são muito mais orientados a resolver questões tecnológicas complexas de defesa, saúde e energia. Em outras palavras, os investimentos brasileiros em C&T não são o que se chama na literatura119 de investimentos "orientados para a missão", no sentido de que a maioria desses investimentos não está vinculada a ministérios com uma missão especíica como em vários outros países. Investimentos em ciência e em tecnologia voltadas a uma missão especíica aparecem nos investimentos do Ministério da Agricultura, que investiu cerca de R$ 3 bilhões em C&T em 2015, e no Ministério da Saúde, onde foram investidos aproximadamente R$ 2 bilhões. Duas instituições de pesquisa extremamente relevantes são as responsáveis por praticamente todo esse investimento: a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A Embrapa é o núcleo de um sistema nacional de pesquisa agropecuária responsável por desenvolvimentos tecnológicos que permitiram, entre outras coisas, o cultivo da soja em um clima pouco propício para a cultura como é o clima do cerrado. Assim como a Embrapa, a Fiocruz também possui uma missão muito clara, que é a de desenvolver tecnologias para o fortalecimento do SUS e para a promoção de saúde e qualidade de vida da população. A instituição tem um amplo escopo de atuação, desde a educação até a pesquisa básica e aplicada em saúde. Ambas as instituições realizam suas pesquisas internamente, com seus próprios pesquisadores e laboratórios. Historicamente, o Ministério da Ciência e Tecnologia, depois chamado de Ciência, Tecnologia e Inovação e depois fundido com o Ministério das Comunicações, tem sido a principal fonte de inanciamento à pesquisa cientíica e tecnológica no país. O Ministério faz esses investimentos diretamente, por meio de suas unidades de pesquisa ou instituições vinculadas, por meio de bolsas de pesquisa e pós-graduação do CNPq e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientíico e Tecnológico (FNDCT). A 119. (Mowery 2009) [ 110 ] maior parte do orçamento do Ministério está no FNDC, o que o torna a principal fonte de recursos para inanciar as pesquisas de cientistas e pesquisadores brasileiros. Como veremos na próxima seção, esse fundo sofreu redução expressiva nos últimos anos. Em síntese, desde o início dos anos 2000, tanto os recursos disponíveis para a inovação quanto o arcabouço regulatório foram ampliados e aprimorados. Do ponto de vista cientíico, um dos resultados, como vimos, foi o aumento da nossa participação na produção cientíica mundial. Do ponto de vista da inovação, os resultados não foram tão expressivos apesar do crescimento do número de empresas apoiadas por políticas de suporte à inovação e à P&D. De fato, o número de empresas inovadoras que declarou ter recebido algum suporte público para inovar cresceu de 19% em 2003 para cerca de 40% em 2014, segundo dados da pesquisa de inovação tecnológica do IBGE. É preciso considerar, contudo, que a maior parte do suporte público esteve vinculada a programas de inanciamento à máquinas e equipamentos do BNDES, que não são desenhados especiicamente para a inovação. Se contabilizarmos apenas as empresas que declararam terem recebido suporte de políticas públicas voltadas especiicamente para a inovação, esse número também cresceu, mas é muito menor: passou de 4.6% para 8.6% no mesmo período. A despeito da ampliação e consolidação de uma série de políticas públicas para C&T, os mais relevantes indicadores – investimentos privados em P&D, depósitos de patentes, taxa de inovação e exportações de alta tecnologia – mostram efeitos modestos, como vimos no início. Isso sugere que, além dos outros fatores que afetam a capacidade de inovação do país, também as políticas merecem ser aprimoradas e repensadas. ESTABILIDADE E DIVERSIDADE NO FINANCIAMENTO PÚBLICO À C&T Uma das principais características desejáveis do investimento público em ciência e em tecnologia é a previsibilidade. Os resultados do investimento em ciência não acontecem de um dia para outro: requerem tempo e persistência. Projetos cientíicos relevantes são projetos de longo prazo, que requerem colaborações entre diferentes instituições e que, muitas vezes, precisam ser desenvolvidos em etapas. Para isso, são necessários vários anos de investimento estável e previsível. [ 111 ] Um pesquisador que estuda câncer nos Estados Unidos, por exemplo, sabe que o Instituto Nacional do Câncer – um dos National Institutes of Health – tem um orçamento de aproximadamente US$ 5 bilhões por ano e que esse orçamento tem sido o mesmo nos últimos 10 anos e que continuará assim pelos próximos anos. Esse pesquisador pode ter a ousadia de iniciar um projeto de pesquisa de longo prazo porque sabe que, se o projeto for competitivo e seu andamento for satisfatório, nos anos seguintes ele terá grandes chances de ter apoio para uma próxima fase. Algumas pesquisas na área de saúde ou sobre mudanças climáticas são bons exemplos do tempo necessário para se obter resultados importantes. Para estudar como hábitos alimentares inluenciam na qualidade ou na expectativa de vida das pessoas, por exemplo, é preciso seguir grupos de pessoas com hábitos diferentes e monitorar seus indicadores de saúde ao longo do tempo, muitas vezes durante décadas. O projeto Genoma Humano, por exemplo, envolveu pesquisadores do mundo todo, foi previsto para durar 15 anos. Monitoramento geológico de vulcões, estudos sobre o sol, efeitos de fertilizantes sobre a produtividade agrícola constituem alguns exemplos de projetos de pesquisa de longuíssimo prazo, citados em reportagem da revista Nature de 2013120. No Brasil, a estabilidade e previsibilidade nunca foram pontos fortes das políticas de apoio à C&T. Dar à ciência e à tecnologia brasileira uma fonte de recursos estável e previsível foi, a propósito, uma das razões para a criação dos Fundos Setoriais (que vieram a integrar o FNDCT), no inal dos anos 90. Os Fundos seriam compostos a partir de impostos e contribuições de diversos setores de atividade (por isso, setoriais), sendo que parcela dos royalties do petróleo que alimenta os Fundos, viria a constituir, ao longo dos anos, sua principal fonte. Dessa forma, seria possível prever que a arrecadação dos fundos oscilaria levemente, de acordo com o nível de atividade econômica e que, portanto, o inanciamento a projetos de pesquisa cientíica e tecnológica estaria garantido. O que aconteceu ao longo do tempo, contudo, foi que ao passo em que a arrecadação dos fundos setoriais crescia, o governo diminuía o orçamento basal do Ministério da Ciência e Tecnologia. Por essa razão, mesmo nos anos em que o orçamento absoluto cresceu, e ele teve um crescimento signiicativo até 2014, a participação relativa do ministério no orçamento 120. https://www.nature.com/news/long-term-research-slow-science-1.12623 [ 112 ] total do governo federal se manteve estável. Essa foi a conclusão de um estudo realizado pela assessoria de acompanhamento e avaliação daquele Ministério em 2011121. A despeito disso, o orçamento absoluto do ministério cresceu bastante nos anos 2000, até 2014 (Gráico 20), acompanhando a evolução dos gastos públicos. Assim, o fato percebido pela comunidade cientíica foi de um aumento signiicativo no volume de recursos para investimento e para a pesquisa nas universidades e nas instituições de pesquisa cientíica e tecnológica. Embora só tenha sido sentido posteriormente, a grande perda para o orçamento brasileiro de C&T foi a aprovação da lei do petróleo, ainda em 2013 (lei 12.858/2013). A lei destinou para educação e saúde os recursos dos royalties que antes eram destinados ao Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) e que representava a maior parte da arrecadação dos Fundos Setoriais. Em 2013, por exemplo, o CT-Petro representou 31,4% (R$ 1,4 bilhão) de toda a arrecadação dos fundos setoriais. Sua perda signiicou um grande prejuízo para o inanciamento da C&T no Brasil a longo prazo. Não é por acaso, portanto, que em termos absolutos o orçamento do Ministério, bem como seus principais componentes, tem oscilado de maneira muito expressiva, como mostra o Gráico 20 (que incorpora, na linha total, o Ministério das Comunicações). Os dois maiores componentes do orçamento do Ministério para a Ciência e a Tecnologia são o FNDCT e o CNPq. São essas as principais fontes de inanciamento da ciência brasileira. A queda do orçamento previsto pela lei orçamentária para o CNPq em 2018 em relação ao que foi efetivamente executado em 2014 é de mais de 30%. Essa queda deverá ser ainda maior, tendo em vista que a lei orçamentária nunca é gasta na sua integralidade, sendo o valor efetivamente executado sempre menor do que o previsto na Lei, especialmente em períodos de aperto iscal. A queda no FNDCT, contudo, foi ainda maior. O orçamento previsto para 2018 é cerca de 60% menor do que o que foi executado em 2014. Oscilações dessa magnitude no principal fundo de apoio à ciência são incompatíveis com qualquer previsibilidade dos gastos na área e com a manutenção da qualidade da pesquisa cientíica no país. Além dessas oscilações brutais, o orçamento de C&T sofre pela inconstância dos governos e de suas prioridades. Exemplo claro disso foi a utilização do FNDCT no período recente, cujas prioridades e cuja destinação 121. A nota ainda pode ser encontrada no seguinte link: https://contas.tcu.gov.br/etcu/ObterDocumentoSisdoc?seAbrirDocNo Browser=true&codArqCatalogado=7946204 [ 113 ] Gráico 20. Evolução do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações e seus principais componentes: 2008-2018. 3.500 12.000 FNDCT CNPq 3.000 TOTAL 10.000 8.000 2.000 6.000 TOTAL FNDCT e CNPq 2.500 1.500 4.000 1.000 2.000 500 0 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 0 Fonte: Ministério do Planejamento – Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Até 2016, o total é a soma dos orçamentos do Ministérios das Comunicações e de Ciência, Tecnologia e Inovação. Em 2017, o valor já relete a fusão de ambos. dos seus recursos tem se alterado de forma a atender políticas públicas circunstanciais e de curto prazo ou de forma a substituir recursos para programas que deveriam ser inanciados por outras fontes. O Programa Ciência sem Fronteirais, criado em 2011, merece destaque tanto por seus méritos quanto por seus problemas. Seu mérito está no fato de ter sido um passo na direção de uma maior internacionalização da ciência brasileira, em particular nas áreas das ciências, tecnologias, engenharias e matemática. Contudo, uma meta inverossímil de enviar 100 mil estudantes para o exterior acabou comprometendo o programa e ofuscando seus méritos iniciais. O cumprimento da meta se baseou no envio de um número excessivo de estudantes de graduação para o exterior, além do envio de estudantes para universidades de baixa qualidade. Além disso, o programa foi criado sem uma correspondente fonte de inanciamento, o que sobrecarregou o FNDCT. Segundo dados do orçamento de 2014 e 2015, o Ciência sem Fronteiras foi inanciado em grande medida (cerca de 900 milhões em 2014 e R$ 1 bilhão em 2015) pelo orçamento desse fundo, o que retirou recursos das pesquisas e investimentos tradicionalmente inanciados por ele. Além da instabilidade, vale notar a pouca diversidade na forma como apoiamos a Ciência e a produção tecnológica no país. O principal fundo [ 114 ] de apoio à C&T no Brasil, o FNDCT, opera concedendo subvenções (recursos não reembolsáveis) para a pesquisa cientíica nas universidades, com ou sem parceira com empresas, e nas empresas. CNPq e CAPES concedem bolsas e auxílios (na forma de subvenção) para estudantes e, em menor medida, para inanciar projetos de pesquisa. A Finep e o BNDES concedem crédito para empresas inovarem. Além disso, parte do investimento brasileiro em C&T vai diretamente para as instituições públicas de pesquisa vinculadas ao MCTIC, além de Fiocruz e Embrapa. Basicamente, portanto, o modelo de investimento em C&T no Brasil é a concessão de subvenções, crédito ou a execução direta de pesquisa e é bastante centralizado no MCTIC. Recentemente, a criação da Embrapii (Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), organização social vinculada ao MCTIC, marcou a adoção de um modelo um pouco diferente, inspirado na Fundação Fraunhofer. Lá, os projetos também recebem subvenção pública por meio da Embrapii mas, para serem aprovados, precisam de uma contrapartida empresarial e de uma contrapartida da instituição de pesquisa que executa o projeto. Cada uma das três devem entrar com aproximadamente 1/3 do total do projeto. Assim, o setor público reduz o risco para o agente privado e estimula a ampliação dos seus investimentos em inovação. Podemos novamente tomar como exemplo o caso norte-americano, onde a diversidade e a descentralização do sistema de apoio à C&T são características marcantes. O governo norte-americano investe em ciência e tecnologia das mais diversas formas122: a. diretamente, em institutos de pesquisa e laboratórios federais vinculados aos diversos departamentos de Estado, tais como os laboratórios vinculados às forças armadas, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), os laboratórios vinculados à Nasa, entre outros; b. diretamente, nos FFRDCs que, embora sejam laboratórios federais, são operados privadamente, por empresas, universidades, instituições sem ins lucrativos ou consórcios dessas instituições; c. indiretamente, por meio de subvenções (grants) concedidas tanto para pesquisadores como para empresas, em caráter não-reembolsável. Os grants são concedidos por concorrência pública e utilizados como mecanismo de suporte à P&D por várias agências e departa- 122. (F. De Negri and Squef 2014a) [ 115 ] mentos. São instrumentos lexíveis, no qual não se espera do pesquisador a entrega de algum resultado além de, possivelmente, um relatório inal; d. por meio de acordos de cooperação, que é um instrumento intermediário entre a subvenção – onde não se exige uma entrega concreta do pesquisador – e o contrato – onde estão previstos produtos bem deinidos; e e. por meio de contratos de P&D, onde o governo contrata o desenvolvimento tecnológico de produtos ou serviços que serão utilizados pelo país. A contratação de P&D, diferentemente do caso brasileiro, é explicitamente prevista na legislação de compras públicas norte-americana, a Federal Acquisition Regulation (FAR). A FAR estabelece que “the primary purpose of contracted R&D programs is to advance scientiic and technical knowledge and apply that knowledge to the extent necessary to achieve agency and national goals”. Consequentemente, os contratos devem ser utilizados apenas para a aquisição de produtos ou serviços para a administração pública federal. Por outro lado, quando o objetivo principal for estimular ou apoiar a pesquisa e o desenvolvimento, a FAR estabelece que devem ser utilizadas as subvenções ou os acordos de cooperação. Em síntese, existem várias maneiras e mecanismos distintos pelos quais o governo norte-americano realiza seus investimentos em P&D. Além dos pontos abordados anteriormente, existem uma série de outros aspectos que diferenciam a forma como os vários ministérios e agências públicas investem em P&D, o que torna o sistema americano tão complexo e diversiicado. A forma de operação de cada uma delas é muito especíica e muito associada com a missão e como os objetivos inais desses ministérios ou agências. O quadro abaixo sintetiza algumas dessas diferenças e de que forma elas se relacionam com o tipo de pesquisa apoiada e foi extraído de estudo recente do Ipea123. A diversidade nas formas de apoio à Ciência é, portanto, uma maneira de se alcançar diferentes objetivos. De modo geral, o apoio à pesquisa básica que envolve mais risco e menos controle por parte do governo é feito por meio de subvenções. No extremo oposto, quando é necessário o desenvolvimento de produtos, a forma mais utilizada é a de contratação. 123. De Negri and Squef (2014) [ 116 ] Quadro 1. Principais agências e ministérios que investem em P&D nos EUA e suas principais características. Agência/ Departamento Foco Atividade de P&D predominante Departamento de Defesa Muito especíico Desenvolvimento e engenharia Preponderantemente contratação Darpa Especíico Desenvolvimento e pesquisa aplicada Subvenção e contratação Departamento de Energia Amplo Pesquisa básica (preponderante) e aplicada Subvenção e contratação com os FFRDCs Arpa-e Especíico Pesquisa aplicada Subvenção e contratação NIH Amplo Pesquisa básica e aplicada Subvenção Nasa Muito especíico Pesquisa básica e desenvolvimento Contratação NSF Muito amplo Pesquisa básica Subvenção Forma de operação Fonte: (F. De Negri and Squeff 2014b) Esses mecanismos também variam por agências, algumas com foco mais especíico tendem a optar por contratos enquanto agências de fomento mais amplas tendem a optar por subvenção. O desenvolvimento de estratégias mais abrangentes e diversiicadas de apoio à ciência e à tecnologia, no caso do Brasil, poderia ser uma maneira de melhorar a efetividade de suas políticas. [ 117 ] [ 118 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Inovação em Saúde E m linhas gerais, a inovação na área da saúde – seja em medicamentos, dispositivos ou equipamentos médicos – necessita das mesmas condições e é inluenciada pelos mesmos fatores de contorno que qualquer outro setor. Ou seja, para inovar é preciso pessoas qualiicadas, infraestrutura adequada e um ambiente favorável. Entretanto, algumas dessas condições afetam de maneira mais forte a inovação em saúde, em virtude das especiicidades dessa área, o que torna o processo de inovação ainda mais complexo que em outros setores. E quais seriam essas especiicidades? Em primeiro lugar, a inovação em saúde é muito mais intensiva em ciência do que, provavelmente, qualquer outro setor. Vários exemplos citados ao longo desse trabalho evidenciam essa conexão entre a ciência básica e a inovação em saúde. Não é por acaso que dois dos principais polos de pesquisa em saúde do mundo são a região de Boston - onde estão Harvard, MIT e uma série de outras universidades e centros de pesquisa mundialmente destacados na área e a região da Califórnia, também com várias universidades renomadas. Esse tipo de ecossistema atrai todas as grandes empresas farmacêuticas do mundo, que instalam nesses lugares seus centros de pesquisa a im de aproveitar a proximidade com a produção de conhecimento básico. Um segundo aspecto importante é que a inovação em saúde é cara e demorada, diferentemente de setores como software, por exemplo, onde os custos de desenvolvimento são, de modo geral, menores e novos produtos e serviços chegam ao mercado a todo o momento. O processo de inovação em saúde começa com a pesquisa básica realizada nos laboratórios das universidades e instituições de pesquisa, onde se conhece mais sobre o funcionamento das doenças e sobre substâncias que podem agir sobre elas. Essa pesquisa pode levar à descoberta, por exemplo, de uma nova molécula com potencial de atuar sobre determinada doença ou condição. Depois dessa descoberta, o processo de desenvolvimento de um novo medicamen- [ 119 ] to pode se estender por cerca de 10 anos, entre estudos mais aprofundados sobre a molécula, testes pré-clínicos, realizados em tecidos ou em animais, e estudos clínicos, realizados em seres humanos. Um bom exemplo do tempo que se leva para o desenvolvimento de um medicamento é o Captopril, um dos medicamentos mais usados no mundo para o controle da hipertensão arterial e que teve, ademais, participação decisiva da ciência brasileira. Na origem desse medicamento está uma substância existente no veneno da jararaca – a bradicinina –, que foi descoberta por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Maurício Oscar da Rocha e Silva descobriu a substância e seus efeitos hipotensivos ainda nos anos 40. Coube a seu aluno e pesquisador, Sergio Ferreira, a descoberta, nos anos 60, de uma outra substância que potencializava e prolongava os efeitos hipotensivos da bradicinina no organismo, além de descobrir aspectos do seu funcionamento nos tecidos pulmonares. Sergio Ferreira pesquisou esse tema em sua tese de doutorado e, posteriormente, em laboratórios da Inglaterra e dos Estados Unidos. Muitos anos e pesquisas depois, o medicamento Captopril foi inalmente desenvolvido – a partir dessa substância, das pesquisas de Sergio Ferreira e de uma série de outras – por pesquisadores da companhia farmacêutica Bristol-Myers Squibb, nos EUA. O Captopril teve seu uso autorizado como medicamento em 1980 pela Federal Drug Administration dos EUA (FDA), órgão com as mesmas atribuições na nossa Agência de Vigilância Sanitária (ANIVSA). O custo para produzir uma nova droga e introduzi-la no mercado é estimado, pela Tufts Center for the Study of Drug Development124, em mais de US$ 2,7 bilhões e envolve a realização de uma série de estudos pré-clínicos e clínicos necessários para comprovar a eicácia e a segurança de um novo medicamento ou dispositivo em seres humanos. Outro estudo publicado em novembro de 2017125, chegou a um valor bem menor, de pouco mais de US$ 600 milhões para o desenvolvimento de uma nova droga para tratamento do câncer. Apesar desses números serem controversos e das estimativas não serem precisas, o fato é que o desenvolvimento de uma inovação em saúde é mais cara do que na maior parte dos setores de atividade. Estima-se que mais da metade dos gastos com o desenvolvimento de uma nova droga são derivados dos testes clínicos. Esse custo vem 124. Centro de pesquisa da Tufts University, em Boston: http://csdd.tufts.edu/index.php.Ver DiMasi, Grabowski, and Hansen (2016) 125. Prasad e Mailankody (2017) [ 120 ] crescendo nos últimos anos devido à maior complexidade desses testes, a um foco maior da indústria em doenças crônicas e degenerativas além de testes realizados para as seguradoras e planos de saúde em busca de informações comparativas sobre a efetividade das diferentes drogas126. Um terceiro aspecto que diferencia a inovação em saúde da inovação em outros setores é o alto risco. O FDA estima que menos de 6% das drogas que iniciam os testes clínicos chegam a fase inal e são registrados para comercialização127. Essa baixa probabilidade de sucesso é uma das razões para os altos custos da pesquisa em saúde. Isso tem implicações, também, sobre a disponibilidade de inanciamento para a inovação no setor. Se, como vimos, a inovação tem um custo de capital maior do que os investimentos convencionais em virtude do risco elevado, isso é ainda mais problemático para a inovação em saúde. Por im, um quarto elemento distintivo é que a pesquisa em saúde, assim como o mercado de saúde de um modo geral, é uma atividade altamente regulada. É regulada porque é de elevado interesse e impacto social, mas também porque a pesquisa na área envolve questões éticas e potenciais riscos aos pacientes. Por isso, boa parte da pesquisa em saúde requer autorizações e aprovações de diversas agências de governo. Obviamente, esse luxo de autorizações torna o processo de pesquisa mais lento e mais burocrático do que em outras áreas. Embora a regulação seja forte no mundo todo, em diversos países existe um esforço em conectar pesquisadores, instituições de pesquisa, empresas e órgãos responsáveis por essa regulação de modo a reduzir os custos e o tempo requerido para a aprovação das pesquisas. OS TESTES CLÍNICOS Os testes clínicos são a fase inal de um longo processo de pesquisa e desenvolvimento, que começa no laboratório de uma universidade ou centro de pesquisa e passa por testes em tecidos e em animais. São estudos que buscam avaliar se um novo medicamento, tratamento ou dispositivo é eicaz em seres humanos. Eles também devem avaliar a eicácia de tratamentos alternativos, analisar como diferentes grupos de pessoas reagem aos mesmos e também veriicar a existência de efeitos prejudiciais ao organismo. 126. https://www.scientiicamerican.com/article/cost-to-develop-new-pharmaceutical-drug-now-exceeds-2-5b/ 127. https://www.fda.gov/ForPatients/Approvals/Drugs/ucm405622.htm [ 121 ] São necessários porque nem sempre uma abordagem que funciona bem em tecidos ou em animais funciona bem em seres humanos. Esse tipo de teste segue protocolos muito estritos de segurança e de ética, ainal, está se testando o efeito de uma substância desconhecida sobre o organismo, em pacientes reais. Por isso, os testes são escalonados em diferentes fases, onde gradativamente se ampliam tanto o número de pacientes quanto o escopo das perguntas. A primeira fase começa com pequenos grupos de pacientes, onde a dosagem do medicamento vai aumentando gradativamente, a im de descobrir se a nova droga causa algum dano não previsto à saúde. O foco da primeira fase é, portanto, na segurança dos pacientes. Em fases posteriores amplia-se o número de pacientes, de modo a construir grupos de tratamento e de controle: aqueles que recebem o novo tratamento versus os que recebem o tratamento convencional. Também é necessário saber se o tratamento é adequado a todos os subtipos da doença alvo ou a todos os grupos de pessoas portadores da mesma. Essas são as fases II a IV. A descrição de cada uma delas está no quadro abaixo. Embora seja um tema sensível, no estágio atual da ciência ainda não é possível substituir totalmente os testes clínicos com seres humanos tampouco a utilização de animais em fases pré-clínicas. Recentemente, um centro de pesquisa localizado em Boston e vinculado à Harvard, conseguiu desenvolver chips capazes de simular o funcionamento dos órgãos huma- Quadro 2. Fases da pesquisa clínica Probabilidade de a droga ir para a próxima fase Fase Número de pacientes Propósito do estudo Duração da fase I 20 a 100 indivíduos, geralmente saudáveis Segurança e dosagem Meses 70% II Várias centenas de pessoas com a doença ou condição Eicácia e efeitos colaterais Até 2 anos 33% III Milhares de voluntários com a doença ou condição Eicácia, interação com outros medicamentos e reações adversas Até 4 anos 25% IV – após a aprovação Milhares de indivíduos com a doença ou condição Farmacovigilância: monitorar efeitos colaterais e eicácia Indeterminado Droga já aprovada Fonte: Elaboração própria a partir da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp (https://www.fcm.unicamp.br/fcm/cpc-centro-de-pesquisa-clinica/pesquisa-clinica/quais-sao-fases-da-pesquisa-clinica) e do Federal Drug Administration - FDA (https://www.fda.gov/ForPatients/Approvals/ Drugs/ucm405622.htm) [ 122 ] nos128. O projeto, chamado de organs on chip, foi inanciado pela DARPA (sim, a agência de pesquisa em defesa dos EUA) e teve um custo estimado de US$ 37 milhões. No futuro, espera-se que esse tipo de tecnologia possa substituir, pelo menos parcialmente, os testes clínicos em pacientes. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer até que isso seja uma realidade. Por enquanto, os testes clínicos são fundamentais para o desenvolvimento de novos tratamentos, medicamentos e dispositivos. Além de serem necessários para desenvolver novos medicamentos e tratamentos para toda a sociedade, os testes também trazem benefícios para os voluntários que decidem se submeter a eles. De modo geral, essas pessoas não encontraram, nos tratamentos existentes, possibilidades de recuperação ou melhora da sua condição. Por isso, a participação em um teste clínico pode ser a única alternativa de obtenção de um tratamento mais eicaz do que os tratamentos já disponíveis. Além disso, é muito difícil que empresas e instituições de pesquisa de qualquer país participem das redes globais de conhecimento na área de saúde sem participar da realização desses ensaios, que são parte fundamental da pesquisa na área. Gráico 21. Participação Brasileira e Sul Americana nos testes clínicos (fases 0 a IV) iniciados entre janeiro/2000 e janeiro/2018. 7,2% América do Sul Brasil 4,8% 4,2% 2,8% 2,2% 1,4% Fases 0, I e II Fases III e IV Fonte: ClinicalTrials.gov 128. https://wyss.harvard.edu/technology/human-organs-on-chips/ [ 123 ] TOTAL O Brasil participa muito pouco dos testes clínicos realizados no mundo129: apenas 3% dos mais de 130 mil testes realizados nos últimos anos. Os EUA sozinhos respondem por 45% do total, seguidos de longe por Canadá e Alemanha, com menos de 10% cada um. Como se vê, a realização de testes clínicos ainda é muito concentrada nos Estados Unidos, especialmente as fases iniciais (fases 0 a II)130, onde está a maior intensidade de conhecimento. Nestas fases, o Brasil responde por menos de 1,5% do total, como mostra o gráico. Apesar disso, o Brasil é o país da América do Sul onde se realiza o maior número de ensaios (Argentina responde por menos da metade dos testes que o Brasil). Nos últimos anos, com o crescimento dos custos para a realização de testes clínicos, as grandes empresas farmacêuticas têm começado a terceirizar essa atividade, ou parte dela, para os chamados Contract Research Organizations (CROs). CROs são empresas ou instituições especializadas na prestação de serviços de testes clínicos e farmacovigilancia ou, até mesmo, testes pré-clínicos para as empresas farmacêuticas. A empresa farmacêutica pode contratar essas organizações para tarefas ou atividades especíicas, mantendo a condução do processo de desenvolvimento ou até mesmo para realizar todas as etapas necessárias para o registro do produto, terceirizando todo o processo de desenvolvimento131. O desenvolvimento do Captopril é um bom exemplo de como é necessário participar da realização de testes clínicos caso o país deseje ser efetivamente um país inovador em saúde. Apesar da substância que deu origem ao medicamento ter sido descoberta no Brasil, por um cientista brasileiro, o medicamento só foi desenvolvido depois de testes pré-clínicos e clínicos realizados por uma empresa farmacêutica norte-americana. Para entrar no cenário mundial de testes clínicos, contudo, também é preciso ter infraestrutura cientíica e pessoal capacitado, além de um ambiente regulatório favorável. 129. http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2017/04/1878809-brasil-realiza-poucos-testes-clinicos-de-medicamentos-em-humanos.shtml 130. A fase 0 consiste em estudos exploratórios realizados antes de se iniciarem os testes clínicos, com um número muito reduzido de pessoas e destinado apenas a saber como a nova droga afeta o organismo. 131. (Gomes et al. 2012) [ 124 ] INFRAESTRUTURA DE PESQUISA Como em qualquer outra área, na saúde, para inovar é preciso ter uma base cientíica relevante. Não há inovação sem produção de conhecimento e isso é ainda mais relevante em setores, como a saúde, onde a inovação é muito intensiva em ciência. A inovação em saúde começa entendendo melhor as doenças, seus agentes causadores, transmissores e seus efeitos sobre os seres humanos. Tudo isso depende fortemente de pesquisa básica. Atualmente, sabemos as causas de inúmeras doenças, mas até o inal do século XIX ainda não se tinha certeza da sua origem. A teoria microbiana das doenças só foi amplamente aceita pela sociedade e pela comunidade cientíica em ins do século XIX. A descoberta de que muitas doenças são causadas por microorganismos foi, portanto, uma grande revolução cientíica que permitiu o desenvolvimento de vacinas e tratamentos especíicos para várias doenças infecciosas, muitas delas letais até aquele momento. Vale lembrar que até o primeiro quarto do século passado, doenças como pneumonia, tuberculose e diarreia eram as principais causas de morte, responsáveis por quase 30% da mortalidade nos EUA132. Nos anos 1900, as doenças infecciosas matavam entre 700 e 800 a cada 100 mil pessoas, todos os anos. As pessoas morriam por feridas infeccionadas, coisa praticamente impensável nos dias de hoje. Foram os antibióticos, os principais responsáveis pela queda na mortalidade por esse tipo de doença que, atualmente, mata menos de 50 em cada 100 mil habitantes. A produção de antibióticos só começou nos anos 1940, depois que o cientista Alexander Fleming descobriu, em 1928, que a penicilina evitava a reprodução das bactérias causadoras de inúmeras doenças. A humanidade só chegou aos antibióticos, portanto, depois de descobrir as bactérias. A descoberta, em 1983, de que o HIV era o vírus que causava a AIDS é outro exemplo de avanço cientíico que abriu caminhos para o desenvolvimento de medicamentos que, atualmente, tornaram a doença controlável. A pesquisa cientíica de base é, portanto, essencial para o avanço tecnológico na área da saúde. Nos últimos anos, contudo, tem crescido a percepção de que a ciência parece estar avançando mais rápido do que a capacidade da indústria e dos órgãos reguladores em transformar esse conhecimento em novos tratamentos e medicamentos que sejam capazes de beneiciar a toda a sociedade. Por isso, uma das tendências na área é 132. https://www.cdc.gov/Mmwr/preview/mmwrhtml/mm4829a1.htm [ 125 ] a chamada pesquisa translacional. A medicina translacional é um campo multidisciplinar em forte expansão na pesquisa biomédica cujo objetivo é acelerar a descoberta de novos tratamentos e novos diagnósticos a partir de resultados de pesquisa já existentes em universidades e centros de pesquisa. O diagnóstico que norteia a pesquisa translacional é que existem muitos achados em pesquisa básica que ainda não foram utilizados em testes clínicos ou muitos protocolos avaliados positivamente que ainda não se converteram em prática clínica padrão. Ou seja, existe um espaço enorme na pesquisa biomédica relacionado à aplicação de conhecimento já produzido em universidades e centros de pesquisa. “The current drug development pipeline has signiicant bottlenecks, and the movement of basic research into clinical use is slower than desired” (NIH, 2014). Essa constatação tem levado a adoção de estratégias de pesquisa voltadas a aproveitar ao máximo o conhecimento disponível e a acelerar os testes de drogas ou tratamentos recém descobertos. Por essa razão, em 2012 o NIH criou um novo centro de pesquisa, o National Center for Advancing Translational Science (NCATS) para desenvolver soluções voltadas a remover os obstáculos que diicultam a transição da pesquisa básica para o desenvolvimento, acelerando assim a entrega de novas drogas, diagnósticos e dispositivos médicos aos pacientes.133 O NCATS já nasceu com um orçamento superior a US$ 570 mil e, no ano iscal de 2016, seu orçamento foi de quase US$ 700 mil. Essa tendência tem sido perceptível, também, nas estratégias empresariais.Vários pesquisadores ouvidos durante a elaboração desse trabalho relataram que tem se reduzido o volume de recursos empresariais disponíveis para pesquisa básica e crescido para os estágios inais do pipeline de pesquisa. Ao mesmo tempo, tem se tornado muito comum que empresas do setor farmacêutico criem fundos de venture capital para investir em ideias (novas drogas ou tratamentos) inovadoras provenientes de pesquisadores. Esses fundos contribuem para acelerar testes e lançamento no mercado de novas drogas e tratamentos e, do ponto de vista empresarial, são menos onerosos do que investir em pesquisa básica. O Brasil tem uma boa base cientíica na área e uma produção internacionalmente relevante. Em praticamente todas as áreas de pesquisa diretamente relacionadas com a saúde, a participação brasileira na produção 133. https://ncats.nih.gov/about/center [ 126 ] mundial é maior do que a média. Isso signiica, olhando por um outro prisma, que essas áreas do conhecimento são mais expressivas na produção cientíica brasileira do que são no resto do mundo e, portanto, o Brasil é um ator relevante. No comércio internacional, isso é chamado de vantagens comparativas reveladas e é um indício de áreas onde o país tem potencial de se especializar. As áreas do conhecimento de alguma forma relacionadas com a inovação na saúde representam, ao todo, cerca de 54% da produção cientíica brasileira, ao passo que representam 40% da produção mundial. Em algumas áreas, como odontologia, o Brasil responde por mais de 16% de toda a produção cientíica mundial (tabela abaixo). Alguns autores tem ressaltado que essa vantagem do Brasil na área tem, inclusive, crescido nos últimos anos. Evidentemente, isso só é possível pois o país conta com algumas instituições de pesquisa de ponta nessa área. A Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saúde, é uma das maiores instituições de pesquisa do país, muito embora sua atuação não seja apenas na pesquisa, mas também na produção de vacinas e medicamentos. O Instituto Butantã é outro exemplo de instituição de destaque que também, além de pesquisa, é responsável pela produção de Tabela 6. Participação de áreas cientíicas relacionadas à saúde nas publicações brasileiras e mundiais; 2012. Área Participação da área nas publicações brasileiras Participação da área nas publicações mundiais Vantagens comparativas? Participação do Brasil no mundo Ciências biológicas e agrárias 15,6% 5,9% Sim 6,7% Bioquímica, genética e biologia molecular 7,6% 8,5% Odontologia 2,3% 0,3% Sim 16,4% Imunologia e microbiologia 3,5% 2,3% Sim 3,9% Medicina 19,4% 18,7% Sim 2,6% Neurociência 1,6% 1,4% Sim 2,9% Enfermagem 1,6% 0,8% Sim 4,7% Farmacologia, toxicologia e farmacêutica 2,5% 2,2% Sim 2,8% Total 54,1% 40,1% 2,2% 1,8% Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), a partir de dados da SJR SCImago Journal & Country Rank. Disponível em: http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/indicadores/index.html (tabela 5.7) [ 127 ] vacinas. Além deles, o país conta com o Adolfo Luz e o Instituto Biológico, Instituto do Coração (Incor), Instituto Nacional do Câncer (Inca), entre outras instituições com atuação cientíica relevante. O Inca é uma das instituições com atuação signiicativa em pesquisas clínicas. Apesar de possuir instituições de alto nível, também nas áreas relacionadas à saúde, assim como nas demais, a fragmentação da infraestrutura de pesquisa é uma realidade no país. Existem, ademais, alguns gargalos especíicos da saúde. Pesquisadores e empreendedores na área alertam, por exemplo, que o país não dispõe de infraestrutura adequada para realização de pesquisa pré-clínica e falta capacitação em testes toxicológicos. Entre as lacunas estão os biotérios de ponta134, especialmente biotérios de criação. Existem poucos com infraestrutura e recursos humanos apropriados e com as barreiras sanitárias necessárias para a criação de animais com as características desejáveis para a realização de testes de novas drogas. Também inexistem no país biotérios para a criação de animais transgênicos. A necessidade de constituição de uma rede de biotérios mais moderna, compatível com a existente em vários institutos de pesquisa de ponta no mundo tem sido uma constatação de vários estudos recentes135. O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos estimou, em 2003, que seriam necessários investimentos de apenas R$ 60 milhões na constituição desse tipo de infraestrutura, o que é um investimento relativamente modesto para o porte e relevância da ciência brasileira na área. Laboratórios capazes de analisar agentes infecciosos de alto risco, com protocolos elevados de segurança biológica, também são gargalos importantes para a infraestrutura de pesquisa em saúde no país. AMBIENTE E REGULAÇÃO Como em qualquer setor, além da produção cientíica e da infraestrutura, é necessário um ambiente que estimule o processo de inovação. Em saúde, várias das especiicidades inerentes ao seu processo de inovação estão relacionados a desaios ainda maiores na construção desse ambiente e na sua regulação. O alto custo da pesquisa em saúde, aliado ao risco elevado dessa atividade agravam os problemas de inanciamento que são inerentes à atividade 134. https://super.abril.com.br/ciencia/bioterios-quatro-e-cinco-estrelas/ 135.Ver, por exemplo, (Politi et al. 2009) [ 128 ] inovativa de modo geral. No mundo todo, parte substantiva da pesquisa na área é custeada por recursos públicos, especialmente a pesquisa básica nas universidades e instituições de pesquisa e as fases iniciais do desenvolvimento de novas drogas, tratamentos ou dispositivos médicos. Na medida em que se avança no ciclo de desenvolvimento de um novo produto, começam a aparecer outros atores relevantes no inanciamento a essa atividade. Fundos de venture capital são mais comuns nos testes pré-clínicos e nas primeiras fases dos testes clínicos. Os testes clínicos em fases mais avançadas envolvem um número maior de pessoas e custam mais caro e costumam ser patrocinados pelas grandes empresas farmacêuticas. Novamente, os EUA são um bom exemplo da relevância do investimento público no processo de inovação em saúde. Lá, o Departamento de Saúde responde por cerca de 23% do total dos investimentos em P&D do governo federal (mais de US$ 30 bilhões, segundo dados de 2015). Além disso, investimentos em pesquisa na área também são feitos por outras agências e instituições públicas como as vinculadas ao Departamento de Defesa. Os National Institutes of Health (NIH) são instituições vinculadas ao Departamento de Saúde e são os principais executores da política cientíica norte-americana na área. São um conjunto de 27 institutos voltados para agendas de pesquisa muito especíicas, relacionados sempre com alguma enfermidade ou com partes e sistemas do corpo humano. Os institutos possuem infraestrutura de pesquisa própria em seu campus, de 300 hectares e 75 edifícios, localizado em Bethesda, Maryland, onde trabalham mais de 6 mil pesquisadores136. O orçamento dos NIH para 2015 mostra que apenas 17% do investimento total dos institutos é feito intraTabela 7. Orçamento dos NIH segundo a forma pela qual é feito o investimento: 2014. Mecanismo US$ % 20.738 69% 738 2% Contratos de P&D 2.990 10% Pesquisa intramuros 3.374 11% Outros (gestão, suporte, construção e manutenção de instalaçoes) 2.179 7% NIH total 30.019 100% Subvenção a pesquisa Treinamento Fonte: http://oficeofbudget.od.nih.gov/spending_hist.html. Elaboração própria. 136. De Negri e Squef, 2014 [ 129 ] muros. O restante (83%) é realizado por pesquisadores externos ao NIH por meio de subvenções, acordos de cooperação ou contratos de P&D. Esse fato evidencia o caráter mais forte dos NIH, que é o de ser uma espécie de instituição de fomento, reconhecida como um dos maiores inanciadores da pesquisa biomédica no mundo. Segundo o site dos NIH, mais de 300 mil pesquisadores já foram apoiados pelos institutos. Atores privados também são muito relevantes no inanciamento à pesquisa na área. Nos EUA, esses atores vão desde as grandes empresas farmacêuticas passando por fundações privadas e milionários norte-americanos interessados em pesquisas em saúde137. As empresas farmacêuticas investem mais de US$ 46 bilhões ao ano em P&D no país138, um pouco mais, portanto, que o investimento público na área. Esses investimentos são feitos diretamente nos centros de P&D dessas empresas como por meio de contratação de pesquisa nas universidades norte-americanas ou por meio de investimento em empresas nascentes. Entre as fundações privadas de maior destaque no fomento à pesquisa em saúde nos EUA está a Howard Hughes Medical Institute (HHMI) que investe aproximadamente US$ 800 milhões ao ano em pesquisa e educação cientíica na área de saúde. Em 2015, o instituto contabilizou mais de US$ 660 milhões investidos em pesquisas na área biomédica e mais de US$ 80 milhões em educação cientíica. No Brasil, os investimentos públicos em pesquisa na área de saúde são feitos, principalmente, pela Fiocruz e por meio dos Fundos Setoriais. Diferentemente dos NIH, a Fiocruz não possui mecanismos para inanciar pesquisas extramuros mas apenas desenvolve atividades de pesquisa diretamente nos seus laboratórios. Além disso, a Fiocruz também é responsável pela produção de medicamentos e vacinas para o SUS. Outra fonte de inanciamento para a pesquisa em saúde no Brasil são os Fundos Setoriais que, como vimos, tiveram uma redução signiicativa no seu orçamento nos últimos anos. Além da Fiocruz, o Ministério da saúde não possui programas consolidados de investimentos em pesquisa. O principal programa recente do Ministério para a ciência e tecnologia foram as chamadas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). As PDPs foram mais uma política 137. Como exemplo, pode-se citar o Dr. Partrick Soon-Shiong, cientista e empreendedor que lançou seu próprio programa de pesquisa para buscar a cura do câncer (O Cancer MoonShot 2020) 138. Dados disponíveis em Science and Engineering Indicators 2016 (http://www.nsf.gov/statistics/2016/nsb20161/ ). Acesso em setembro/2016 [ 130 ] industrial, vinculada a compras de medicamentos pelo SUS do que propriamente uma política de desenvolvimento cientíico e tecnológico para o setor. Muito embora nas parcerias estivessem previstos alguns mecanismos de transferência de tecnologia das grandes empresas farmacêuticas para laboratórios nacionais, o foco era a produção de fármacos para o SUS. De fato, as PDPs tinham como objetivo prioritário a utilização mais racional do poder de compra do Estado, para ampliar o acesso da população a produtos estratégicos e para reduzir a vulnerabilidade do SUS139. O desenvolvimento tecnológico acabava sendo um objetivo secundário. Além disso, outro ponto polêmico das PDPs foi a ênfase dada na produção de medicamentos por laboratórios públicos, como se estes laboratórios pudessem substituir as empresas privadas na produção de medicamentos. Para as empresas farmacêuticas, contudo, a participação nas PDPs era a chave (a única) para acessar o principal mercado para medicamentos no país: o SUS. Outra fonte de inanciamento relevante para a pesquisa em saúde são os fundos de capital semente e de venture capital. No mundo, eles são os principais agentes de inanciamento da pesquisa no estágio posterior ao laboratório da universidade e antes de entrar nas fases inais de testes clínicos. Embora alguns estudos apontem um crescimento recente desse mercado no país, ele ainda é muito pouco desenvolvido. Um exemplo de novo ator nesse mercado é a Biozeus, fundada em 2012, que investe em ideias de universidades e instituições de pesquisa em estágios preliminares, a im de translacionar essas ideias em produtos comercializáveis140. No entanto, existe um longo caminho para que esse mercado se desenvolva plenamente no país, que envolve principalmente o desenvolvimento de alternativas de saída para os investidores de risco. Do ponto de vista do inanciamento, são muitos os gargalos existentes no país. Embora tenhamos competências cientíicas estabelecidas, a transição dessas competências para novas drogas, tratamentos e dispositivos requer a eliminação desses gargalos. Só assim o país poderá construir uma estratégia de inanciamento consistente, envolvendo atores públicos e privados, em todas as fases do desenvolvimento de produtos. Outra especiicidade do setor que acarreta gargalos relevantes diz respeito ao fato da pesquisa em saúde ser uma atividade altamente regulada. A eiciência do processo regulatório é, portanto, crucial para o desenvolvi- 139. (Varrichio 2017) 140. (Reynolds, Zylberberg, and Del Campo 2016) [ 131 ] mento das pesquisas na área. Em especial, quando se trata de testes clínicos em seres humanos, a regulação é fundamental para garantir a aplicação dos protocolos de pesquisa quanto a ética na pesquisa. Contudo, a regulação também necessita ser ágil de modo a não inviabilizar a participação brasileira em pesquisas feitas, em sua grande maioria, a partir de parcerias internacionais. Em relação a regulação, um dos problemas apontados por estudiosos e especialistas na área diz respeito ao prazo demandado pela Anvisa para aprovar a realização de testes clínicos. Estudo recente do BNDES sobre o tema141 mostra que os prazos para a aprovação de ensaios clínicos no Brasil tendem a ser maiores do que a média internacional, fato corroborado por outros estudos sobre o assunto. Especialistas no setor alertam que, por vezes, essa demora impede o Brasil de fazer parte de estudos realizados em vários países simultaneamente. Uma das razões para a demora na aprovação é a existência de várias instâncias de aprovação. O primeiro passo é a aprovação pelo Conselho de Ética (CEP) da própria instituição de pesquisa. Apesar de a legislação estabelecer um prazo máximo de 30 dias para o posicionamento do CEP, como essas instituições tem autonomia de funcionamento, esse prazo pode se estender bem mais. Além da aprovação do CEP, em casos especiais, o processo precisa ser avaliado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), onde pode icar por até 6 meses142. Além do sistema CEP/Conep, a própria regulamentação dos ensaios clínicos no Brasil depende de uma série de normas infra legais emitidas pela Anvisa – as resoluções da diretoria colegiada (RDCs) – e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Atualmente, encontra-se em discussão na câmara dos deputados, o projeto de lei 7082/2017 (elaborado no Senado sob o PLS 200/2015), que estabelece normas para a pesquisa clínica em seres humanos e cria o sistema nacional de ética em pesquisa. Esse projeto de lei é uma boa oportunidade para aprimorar e concentrar toda a regulação sobre pesquisa clínica, hoje dispersa em várias resoluções diferentes. Outro ponto que reduz a participação brasileira nas pesquisas clínicas mundiais é o custo. Estudos recentes143 assim como empresários ouvidos em Boston e região tem dito que tanto os prazos quanto o alto custo da 141. (Gomes et al. 2012) 142. idem 143. Ver, por exemplo, (Reynolds, Zylberberg, and Del Campo 2016) [ 132 ] pesquisa clínica no Brasil inviabilizam a realização destes testes no país. Algumas empresas apontam a necessidade de fornecimento do medicamento para os participantes dos ensaios clínicos após o término do estudo como um dos fatores que amplia os custos desses testes no país. Isso é tanto mais relevante para pesquisas em medicamentos para doenças raras ou cujo número de pacientes não seja tão expressivo. Por im, é importante ressaltar o INPI como um gargalo importante para a inovação no setor. No setor farmacêutico, muito mais do que em qualquer outro, o que garante ao inovador a remuneração pelo seu empreendedorismo é a patente. Num país onde o prazo de registro de uma patente pode levar até 11 anos, a inovação no setor pode ser profundamente prejudicada. [ 133 ] [ 134 ] NOVOS CAMINHOS PARA A INOVAÇÃO NO BRASIL Novos caminhos para as políticas de C&T 144 C omo vimos ao longo desse trabalho, existem muitos gargalos para que o Brasil se torne um país mais inovador. Esses gargalos vão desde a formação de cientistas e pesquisadores até o fortalecimento da infraestrutura necessária para o pleno desenvolvimento de suas atividades, passando por um ambiente econômico mais propício à inovação. Todos, ou grande parte desses aspectos, podem ser inluenciados ou aprimorados a partir da implementação de políticas públicas adequadas e inteligentes. Essas políticas não devem pretender obrigar as empresas a inovar, pois isso será inócuo, tampouco devem dizer aos cientistas quais devem ser seus objetos de pesquisa, pois os formuladores de políticas e burocratas não têm as competências necessárias para tomar decisões como essas. Devem, portanto, coniar nos cientistas para que estes, sim, apontem os caminhos da ciência e nas empresas para que estas apontem os caminhos da inovação. Contudo, as políticas também devem levar em conta que existem falhas de mercado importantes e que, portanto, os mecanismos e incentivos de mercado não serão suicientes para garantir os necessários investimentos em ciência e em tecnologia. As políticas também podem e devem se apoiar no conhecimento cientíico e no progresso tecnológico para resolver questões críticas que afetam o desenvolvimento do país. Utilizar a ciência para resolver questões de saúde pública, infraestrutura, conectividade entre outras, deve ser um dos objetivos da política de C&T. Assim, além de atuar sobre os demais fatores, as políticas públicas devem, elas próprias, ser repensadas e atualizadas à luz de evidências empíricas sobre seus resultados e das experiências internacionais. Políticas públicas 144. Muitas dessas propostas já foram apresentadas em outros momentos, em documentos produzidos pelo Ipea, tais como De Negri (2015) e De Negri (2017) e De Negri, Rauen, e Squef (2017). [ 135 ] bem informadas e baseadas em evidências concretas são cruciais para que seus objetivos sejam alcançados. O Brasil, infelizmente, não tem sido um bom exemplo em formular políticas com base em conhecimento técnico sólido. O respeito à ciência e ao conhecimento se expressa não apenas na valorização da C&T mas também na utilização de informação qualiicada para a própria formulação de políticas. Para tanto, é necessário planejar. Uma primeira ação nesse sentido é a elaboração de planos de longo prazo para a área. Uma espécie de plano decenal de C&T, com prioridades e diretrizes de longo prazo e que não seja apenas uma colcha de retalhos de demandas particulares. É preciso que esse plano expresse, outrossim, uma visão consistente do que o país espera da sua ciência e da sua tecnologia e de quais os mecanismos para alcançar esses objetivos. O Brasil só será um país mais rico e produtivo na medida em que for capaz de usar o conhecimento cientíico e tecnológico como mola propulsora do seu desenvolvimento e na medida em que entender que esse é o único caminho possível. Para que isso aconteça, é preciso construir consensos ou concertações. É preciso que a concepção de que a ciência e a tecnologia são essenciais para o desenvolvimento esteja disseminada pela sociedade, pelas empresas e pelas pessoas públicas. FORTALECIMENTO DA BASE CIENTÍFICA E DAS UNIVERSIDADES Não há inovação sem conhecimento. Então, o primeiro passo para tornar o país mais inovador é apostar na criação de competências, na formação de capital humano e no fortalecimento da infraestrutura necessária para isso. Isso passa pelo fortalecimento e pela dinamização das universidades e instituições de pesquisa do país. De nada adianta melhorar o ambiente econômico para a inovação, se a matéria-prima essencial para isso – o conhecimento – não estiver sendo produzida no país. 1. Ampliação e aprimoramento dos investimentos na infraestrutura de pesquisa Uma produção cientíica de qualidade necessita de cientistas bem formados e de infraestrutura laboratorial adequada. Como vimos, a infraestrutura de pesquisa cientíica no Brasil, com raras exceções, é composta laboratórios de pequeno porte distribuídos pelos departamentos das universidades [ 136 ] brasileiras. Infraestruturas de grande porte como o Sirius, no CNPEM, ou o Laboratório de Integração e Testes, no INPE, são relativamente escassos por aqui. Algumas áreas de pesquisa demandam escala, infraestruturas de grande porte que sejam multiusuários e abertos à utilização por pesquisadores de todo o país e do exterior. A construção desse tipo infraestrutura, contudo, requer elevados investimentos por vários anos seguidos. É preciso, portanto, planejamento e priorização. Esse tipo de planejamento de longo prazo necessita que a comunidade cientíica se posicione quanto a quais deveriam ser as prioridades no longo prazo e quais as áreas onde os investimentos trariam mais benefícios para a ciência brasileira. O setor empresarial também deveria participar desse trabalho a im de saber em que áreas haveria maior impacto para a competitividade do país. O MCTIC deveria ser um agente catalisador das competências e dos conhecimentos existentes no país sobre quais seriam nossas necessidades mais urgentes em termos de infraestrutura de pesquisa. Algumas diretrizes para a área, baseadas nas melhores experiências internacionais, seriam: 1.1 Elaborar planejamento de longo prazo para o investimento em infraestruturas de pesquisa Elaborar, juntamente com a comunidade cientíica brasileira, um roadmap e um planejamento de longo prazo para o investimento em infraestrutura de pesquisa no Brasil. Esse planejamento poderia ser conduzido pelo MCTIC ou pelo CGEE, e o modelo a ser seguido poderia ser o do European Research Forum on Research Infrastructures (Esfri)145, que faz um roadmap a im de selecionar projetos de infraestruturas de pesquisa com capacidade para alavancar a competitividade europeia no longo prazo. A experiência Australiana na área também poderia servir como modelo. O essencial é que esse planejamento relita uma concertação entre governo, cientistas e, no que interessar, empresas a im de garantir estabilidade e previsibilidade para esses investimentos e que sejam escolhidas as melhores alternativas. 1.2 Investir na criação de infraestruturas abertas e multiusuários, com lexibilidade de gestão O investimento em infraestrutura deveria primar pela criação de grandes laboratórios multiusuários com capacidade de apoiar a produção de 145. https://ec.europa.eu/research/infrastructures/index_en.cfm?pg=esfri [ 137 ] ciência de classe mundial. Essas instituições poderiam ser organizações sociais ou parcerias público/privadas capazes de ter lexibilidade e agilidade operacional, especialmente no que concerne a contratação de pessoal e serviços e à aquisição de materiais. 1.3 Estimular a transformação de alguns laboratórios existentes em multiusuários Em paralelo, é possível estimular que laboratórios de maior escala já existentes se tornem infraestruturas abertas e multiusuário, nos quais existam regras claras e transparência na utilização dos equipamentos. Esse tipo de infraestrutura poderia ser estimulada por meio da concessão de auxílios especíicos ou programas de bolsas para laboratórios que se transformem em infraestruturas multiusuários. 1.4 Reformular e o CT-infra O principal fundo de suporte aos investimentos em infraestrutura no Brasil é o CT-infra, um dos Fundos Setoriais que fazem parte do FNDCT. Esse fundo dependia muito dos royalties do petróleo. É preciso, portanto, reconstituir e ampliar o montante de recursos disponíveis nesse fundo para que seja possível executar as outras diretrizes sugeridas acima. A forma de operação do Fundo também precisa ser revista, de modo a possibilitar investimentos de maior escala e a im de garantir o acompanhamento e a avaliação dos resultados obtidos por esses investimentos. Atualmente, o Fundo opera via chamadas públicas nas quais as universidades apresentam diversos pequenos projetos de investimento dentro de um guarda-chuva institucional. 2. Estimular a internacionalização e a diversidade na ciência brasileira Já vimos anteriormente que fazer parte das redes internacionais de conhecimento é crucial para a qualidade da ciência produzida no país e que as universidades brasileiras ainda são muito pouco internacionalizadas. Existem algumas diiculdades para que essa maior internacionalização ocorra. Em primeiro lugar, embora seja perfeitamente possível e não haja nenhum impedimento legal para tanto, são raras as universidades brasileiras que realizam concurso em outra língua que não o português. Um exemplo é a Universidade Federal Fluminense que, em 2016, regulamentou a realização de concurso e passou a ofertar disciplinas em outros idiomas. No entanto, mesmo nesse caso, a resolução que estabelece essa possibilidade146 também prevê que a aprovação no estágio probatório, do qual depende toda a pro[ 138 ] gressão na carreira do professor recém contratado, dependerá da proiciência em português. Se, de fato as universidades e instituições de pesquisa no Brasil desejam uma maior internacionalização, são necessárias mudanças mais profundas no nosso sistema de C&T. Existem alguns movimentos nesse sentido, como a portaria de meados de 2016 que facilita o processo de validação de diploma estrangeiro ou ainda o anúncio do presidente da CAPES que iria abrir edital especíico para a internacionalização das universidades brasileiras147. As sugestões a seguir também apontam nessa direção. 2.1 Facilitar ainda mais o processo de reconhecimento de diplomas estrangeiros estabelecendo processo automático para cursos e instituições consolidados O reconhecimento do diploma obtido em instituições de ensino no exterior é um gargalo importante para a maior internacionalização da ciência brasileira. Atualmente, esse reconhecimento é feito por universidade pública brasileira credenciada no MEC ou por universidades privadas, no caso de diploma de pós-graduação. Recentemente, o MEC estabeleceu novos procedimentos para esse reconhecimento que simpliicaram o processo e estabeleceram o prazo máximo de 180 dias para o reconhecimento pela universidade brasileira148. Para tanto, o MEC criou uma plataforma (Carolina Bori) onde o estudante pode solicitar a revalidação do diploma por meio eletrônico, selecionar a instituição que fará a análise, anexar os documentos necessários e acompanhar o processo. Embora tenha sido um avanço importante149, pode-se avançar ainda mais a partir da criação de um procedimento automático para reconhecimento de cursos consolidados em instituições de ponta. Um modelo inspirador pode ser o que está sendo adotado na União Européia, chamado de FAIR: Focus on Automatic Institutional Recognition150. Nele, cursos consolidados de algumas universidades estrangeiras seriam habilitados para um processo automático de reconhecimento. 146. http://www.uf.br/sites/default/iles/news/arquivos/res_cepex_447_2015_concurso_idioma_estrangeiro_bs_161-2015.pdf 147. http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/presidente-da-capes-anuncia-edital-para-internacionalizacao-de-universidades-brasileiras/ 148. http://www.capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/8196-novas-regras-vao-facilitar-a-validacao-de-diplomas-emitidos-por-instituicoes-do-exterior 149. http://dapp.fgv.br/revalidacao-e-reconhecimento-de-diplomas-no-brasil-uma-via-crucis-perto-im/ 150. https://www.nuic.nl/en/diploma-recognition/fair [ 139 ] 2.2 Estimular as universidades a ministrarem cursos, especialmente os de pós-graduação, em língua estrangeira As universidades brasileiras não se internacionalizarão de fato se ministrarem cursos apenas em português. Novamente, não há nada na legislação que impeça que essas instituições tenham cursos ministrados em outras línguas. Na graduação, é possível que ainda haja resistências em virtude da eventual restrição de acesso que cursos em línguas estrangeiras possam representar para os alunos que não tiveram oportunidade de aprender outros idiomas. No entanto, é necessário estimular que pelo menos parte dos cursos, especialmente na pós, possa ser ministrada por professores estrangeiros em idiomas que não o português. Sendo assim, o que o poder público pode fazer é estimular esse tipo de atitude por parte das universidades, concedendo mais bolsas para programas de pós-graduação integralmente realizados em idioma estrangeiro, por exemplo. 2.3 Estabelecer incentivos para a contratação de professores e pesquisadores estrangeiros. É preciso incentivar a realização de concursos públicos para Universidades e Instituições Cientíicas e Tecnológicas – ICTs também em língua inglesa. Neste processo de abertura e conexão com o mundo, os concursos públicos de carreiras associadas ao sistema brasileiro de C&T devem permitir a participação efetiva de cientistas estrangeiros. Realizar busca internacional de talentos para trabalhar nas universidades brasileiras deveria ser um processo rotineiro, e não uma exceção como é atualmente 2.4 Facilitar a concessão de vistos de trabalho para estrangeiros, especialmente para proissionais altamente qualiicados Garantir que, além dos próprios pesquisadores, outras categorias proissionais possam ter acesso facilitado ao país. Conselhos proissionais precisam ser internacionalizados ou ter sua inluência circunscrita. Uma medida imediata é facilitar a concessão de vistos de trabalho para trabalhadores altamente qualiicados. 2.5 Ampliar gradativamente o número bolsas de estudo para estudantes de pós-graduação e pesquisadores brasileiros em instituições de ponta no exterior O programa Ciência sem Fronteiras foi mal formulado e executado, mas não se pode negar que a intuição por trás do mesmo era correta: a de que é preciso estimular a internacionalização da ciência brasileira. [ 140 ] Essa internacionalização se dá, em grande medida, pelos contatos dos pesquisadores que passam parte de sua carreira trabalhando e pesquisando no exterior. Assim, aumentar o número de estudantes brasileiros em instituições internacionais é crucial para ampliar a internacionalização da ciência brasileira. 2.6 Estimular programas de promoção da diversidade nas Universidades e penalizar a endogamia excessiva. 3. Promover a diferenciação e especialização das instituições e a excelência acadêmica Em comparação com outros países, as universidades e instituições de pesquisa brasileiras são bastante homogêneas entre si. As universidades, especialmente as públicas, não são estimuladas a se especializarem nas suas áreas de maior expertise ou em atividades para as quais tenham maior vocação. Todas elas desenvolvem uma gama enorme de atividades, entre as quais formação proissional, extensão, pesquisa cientíica, formação acadêmica, atendimento assistencial em hospitais universitários, ensino técnico e ensino à distância. Isso só se faz às custas da qualidade dessas atividades. Não é razoável esperar que todas as universidades brasileiras consigam ser excelentes em todas essas atividades e em todas as áreas do conhecimento. É preciso apostar na diferenciação e na especialização dessas universidades. Além disso, diferentemente de outros países onde parte substantiva da pesquisa cientíica é feita fora da Universidade existem poucas instituições voltadas apenas para pesquisa e, na sua maior parte, são instituições públicas. As instituições privadas sem ins lucrativos, com inanciamento público, têm se mostrado, no mundo todo, um modelo muito mais eiciente e lexível para a realização de pesquisa cientíica de ponta. No Brasil, temos as organizações sociais vinculadas ao MCTIC que seguem aproximadamente esse modelo. Contudo, elas são apenas 6 instituições, entre as quais algumas de reconhecida excelência acadêmica e que prestam serviços públicos inestimáveis ao país, entre os quais o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Apostar na diferenciação das instituições brasileiras, em outras formas de parcerias público-privadas e em novos modelos de governança e de gestão são caminhos que devem ser seguidos. [ 141 ] 3.1 Criar programa de fomento à excelência acadêmica, com recursos adicionais ao orçamento atual das universidades Deinir critérios transparentes de avaliação institucional e vinculá-los ao fornecimento de recursos adicionais a instituições públicas de ensino e pesquisa, com o objetivo de premiar instituições de excelência. Em boa parte das universidades e instituições de pesquisa ao redor do mundo, uma parcela das receitas é proveniente de recursos competitivos, baseados em projetos ou vinculados a critérios especíicos de desempenho. Então, mantidos os níveis atuais de inanciamento basal das universidades, que garantiriam sua manutenção, poder-se-ia criar um fundo com recursos adicionais que seriam distribuídos com base em critérios estritos de excelência acadêmica. Entre esses critérios poderiam estar, por exemplo, o grau de internacionalização das universidades, o impacto de suas pesquisas, o grau de diversidade (e a menor endogeneidade), entre outros. Modelos internacionais que poderiam ser utilizados como inspiração são o modelo de inanciamento das universidades inglesas: o dual support system, no qual uma parte do inanciamento das universidades é orçamentário e garantido e outra parcela é dependente de critérios de desempenho acadêmico151. A Alemanha, cujas Universidades não iguram entre as melhores do mundo, criou recentemente um programa de excelência acadêmica para superar esse gargalo. O programa é chamado de “Excellence Initiative” e visa melhorar a qualidade da Universidade e das Instituições de pesquisa alemãs152. 3.2 Fortalecer e ampliar modelos público-privados de pesquisa cientíica e tecnológica e reforçar o modelo de organizações sociais Reforçar e consolidar modelos diferenciados, tais como as Organizações Sociais, que são exemplos de modelos bem-sucedidos na C&T brasileira. As Organizações Sociais foram inspiradas nos laboratórios nacionais norte-americanos e, por ter uma natureza jurídica diferenciada, são muito mais ágeis do que as instituições de pesquisa puramente públicas. É preciso consolidar esse modelo, garantindo transparência na governança e na utilização dos recursos e mantendo a lexibilidade de sua gestão, sem burocratizar excessivamente sua atuação, como tem acontecido no período recente. Para isso, é preciso um diálogo mais 151. Esse modelo foi descrito em: Squef and De Negri (2016) 152. http://www.dfg.de/en/research_funding/programmes/excellence_initiative/index.html [ 142 ] próximo com os órgãos de controle a im de criar mecanismos de transparência que não impliquem em excesso de rigidez institucional. Além disso, o estímulo ao intercâmbio de pesquisadores e docentes de instituições públicas em outras instituições públicas nacionais, empresas privadas e/ou instituições internacionais pode ser um elemento a fomentar maior qualidade na pesquisa. Os cientistas precisam ser estimulados a circular por entre instituições com culturas, natureza e modelos de gestão distintos. 3.3 Criar novas instituições e centros de pesquisa, com missões especíicas Investir na criação de novas instituições e centros de pesquisa com missões especíicas, como pesquisar determinadas doenças ou energias alternativas entre outras possibilidades. Um bom exemplo recente foi a criação do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). Estas instituições devem ter escala suiciente para operar junto à fronteira cientíica mundial e para possibilitar o surgimento de outros laboratórios especializados em prestar serviços cientíicos (ensaios, testes, análises) para os pesquisadores, gerando ganhos de escala e maior eiciência na produção cientíica. Um exemplo desse tipo de infraestrutura são as Core Facilities apoiadas pelos National Institutes of Health, dos Estados Unidos. Eles são laboratórios compartilhados que fornecem acesso a instrumentos, tecnologias, serviços (inclusive consultas a especialistas) a pesquisadores mediante uma taxa, que é utilizada para a manutenção do laboratório. 3.4 Permitir que as universidades e instituições públicas de pesquisa criem organizações sociais para gerenciar seus principais laboratórios Esse tipo de arranjo signiicaria ter mais lexibilidade na operação e na gestão da pesquisa por parte das universidades e instituições públicas de pesquisa: compras de material e equipamentos para pesquisa ou contratação de pesquisadores temporários, por exemplo. O objetivo seria deixar essas instituições mais ágeis e competitivas para a realização de pesquisa de ponta. 3.5 Reduzir a burocracia e homogeneizar o entendimento jurídico sobre os procedimentos básicos para o funcionamento das universidades e instituições de pesquisa Uma das grandes fontes de criação de procedimentos burocráticos inúteis dentro das universidades e instituições públicas brasileiras é o des[ 143 ] conhecimento da legislação por parte dos gestores dessas instituições. Os próprios membros da Advocacia Geral da União (AGU) – responsáveis pelos pareceres jurídicos referentes a processos básicos nas instituições – possuem entendimentos diferenciados em relação às mesmas questões. Pareceres jurídicos conlitantes entre as instituições ou, por vezes, na própria instituição, são evidência desse problema. A incerteza e o desconhecimento sobre a aplicação da legislação levam os gestores a se protegerem por meio da adoção de procedimentos redundantes e ineicazes. O treinamento dos gestores de instituições de pesquisa e dos advogados atuantes nessas instituições, bem como a elaboração de cartilhas por parte da AGU e dos órgãos de controle poderia mitigar esses problemas. Formação de proissionais, nos órgãos de controle, para atuar especiicamente em C&T por longos períodos também poderia ser uma solução. Atualmente, esses proissionais migram entre diversos órgãos da administração pública e não é incomum que eles mudem completamente sua área de atuação. Um advogado familiarizado com grandes obras de infraestrutura, por exemplo, terá mais diiculdade em se familiarizar com a legislação relativa à C&T e suas especiicidades. Esse esforço de treinamento e certa estabilidade entre os interlocutores da C&T nos órgãos de controle poderia abrir um caminho de diálogo entre eles e as instituições de pesquisa a im de buscar soluções para os problemas burocráticos que diicultam a pesquisa cientíica no Brasil. 4. Criar fontes alternativas de receitas para as universidades e instituições de pesquisa A crise iscal dos Estados e da União e de várias universidades importante tem suscitado um debate sobre modelos de inanciamento da universidade e da pesquisa cientíica no país. O debate é bem-vindo, assim como a proposição de alternativas que possam alavancar a formação das pessoas e a produção de conhecimento no Brasil. De fato, uma característica que emerge da análise de várias universidades de ponta pelo mundo, mesmo públicas, é uma maior diversiicação das fontes de recursos, como já vimos. Essas fontes passam por doações, fundos patrimoniais, mensalidades e receitas de pesquisa. Apesar de o Estado ser o principal inanciador da pesquisa cientíica, outras fontes de receitas pode[ 144 ] riam ser importantes para manter um nível adequado de inanciamento das universidades e instituições de pesquisa. 4.1 Permitir e estimular que as universidades e instituições públicas de pesquisa criem fundos de endowment Os fundos de endowment são bastante signiicativos nas universidades norte-americanas, especialmente nas privadas sem ins lucrativos. Como vimos, nas universidades públicas eles signiicam parcela menor das receitas: apenas 5%. Como o Brasil não tem tradição nesse tipo de doação, a relevância desses fundos para o inanciamento das universidades tende a ser ainda mais reduzida. Portanto, embora não vá resolver os problemas de inanciamento das universidades, é fundamental abrir essa possibilidade, pois ela, no futuro, pode se tornar mais relevante. Segundo os gestores dos fundos que já existem, é preciso dar mais coniança aos doadores153, o que seria possível autorizando as instituições a criarem iguras jurídicas próprias para o endowment. Existe, no Congresso Nacional, um projeto de lei nesse sentido: o PL 4643/2012. É preciso acelerar sua tramitação e ampliar seu escopo também para universidades privadas sem ins lucrativos, para universidades estaduais e para instituições de pesquisa, já que atualmente o projeto prevê essa possibilidade apenas para as instituições federais de ensino superior. 4.2 Conceder incentivos iscais para empresas e pessoas físicas que façam doações a universidades e instituições de pesquisa Permitir que as doações de pessoas físicas ou empresas às universidades e instituições de pesquisa possam usufruir de incentivos iscais. Isso envolve modiicações na legislação que permitam que as instituições (públicas ou privadas) possam ter uma gestão proissional desses recursos além de incentivos iscais que estimulem doações privadas para C&T. No longo prazo, esse tipo de fundo pode vir a representar uma fonte relevante de recursos para as universidades e outras instituições de pesquisa. O modelo norte-americano de incentivo iscal para esse tipo de doação pode ser uma boa inspiração. No Brasil, já izemos coisa parecida para a cultura, a Lei Rouanet. Por que não fazer algo similar, evitando os eventuais equívocos daquela lei, para a ciência? Incentivos iscais, como a eliminação do imposto sobre doação no caso de doações à pesquisa cientíica, também podem ser utilizados para 153. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fundos-de-doacoes-avancam-no-pais-imp-,1524740 [ 145 ] estimular a emergência de instituições privadas de suporte e fomento à ciência, tal como o recentemente criado Instituto Serrapilheira. 4.3. Ampliar o imposto sobre herança e estabelecer redutores no mesmo vinculados à doações para C&T. No Brasil, o imposto sobre herança varia, segundo unidades da federação, de 6% a 8%. Nos EUA esse imposto é de 40% e chega a mais de 60% em alguns países europeus. Existe muito espaço para a ampliação desse imposto, que poderia ser reduzido na medida em que parcela da riqueza tributada fosse doada à instituições de C&T. MELHORIA DAS CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS E SISTÊMICAS DA INOVAÇÃO Produzir conhecimento de ponta nas universidades e instituições se pesquisa não se traduz em inovação se, na outra ponta do sistema, as empresas não tiverem os incentivos adequados para inovar. As empresas são os agentes que irão traduzir o conhecimento acadêmico em novos produtos e processos a serem introduzidos no mercado. A construção de um ambiente econômico onde os custos de capital sejam menores, mais dinâmico, com maior competição e menos burocrático é, portanto, essencial para que o sistema nacional de inovação funcione plenamente. 1. Promover maior integração às cadeias globais de valor: mais abertura, mais competição e mais acesso a tecnologias A economia brasileira passou tempo demais fechada demais. Isso, aliado a uma visão ultrapassada de que é preciso adensar cadeias produtivas, nos alijou de participar das redes globais de produção de bens e de tecnologias. Infelizmente, o Brasil e o Mercosul perderam muitas oportunidades de ampliar a abertura de suas economias em circunstâncias internacionais mais propícias que a atual. Agora, em meio a um movimento mundial de reação à globalização e a uma onda protecionista global, as forças protecionistas brasileiras também tendem a, novamente, se posicionar contra qualquer movimento de abertura. Apesar desse cenário complexo, é preciso ter consciência de que temos sido os grandes derrotados pelo excessivo fechamento da economia [ 146 ] brasileira. É a nossa indústria que não tem acesso aos bens de capital de última geração produzidos no mundo. É ela que não embarcará na chamada Indústria 4.0 por falta de acesso a tecnologias produzidas externamente. Por isso mesmo, é preciso caminhar em direção a uma maior abertura ao comércio internacional, de forma gradual e transparente. 1.1 Estabelecer um cronograma gradual de abertura da economia que objetive alcançar tarifas próximas à média mundial no horizonte de uma década. Talvez um grande erro do processo de abertura promovido pelo governo Collor tenha sido o seu ritmo. Processos de redução de tarifas precisam ser graduais e acompanhados de melhora nas condições econômicas, de modo a que as empresas possam ganhar competitividade gradativamente e se preparar para um nível maior de competição. É preciso, também, começar por segmentos onde os impactos positivos derivados da abertura (ganhos de eiciência derivados do acesso a novas tecnologias incorporadas em BK e/ou barateamento de insumos importados) sejam maiores. Para que esse tipo de agenda seja crível e sobreviva a mudanças de governos, ela precisa ser uma agenda da sociedade. É preciso, portanto, construir uma concertação ou ganhar hegemonia em torno dessas ideias. 1.2 Avaliar e rever as políticas de conteúdo local e de margens de preferência. No período recente, essas políticas foram utilizadas de modo indiscriminado no país, com resultados no mínimo duvidosos. É preciso evitar o uso de margens de preferência nas compras públicas e restringir ao máximo as políticas de conteúdo local, priorizando apenas produtos com elevado conteúdo tecnológico e a partir de avaliações técnicas cuidadosas, ex-ante e ex-post. Políticas de margens de preferência são vantagens, geralmente de preço, dadas a certos grupos de fornecedores, geralmente os locais, em processos de compras públicas. No Brasil, esse tipo de política foi adotado em 2010 e permitia ao poder público pagar até 20% mais caro para produtos fabricados no Brasil em detrimento dos importados. No caso de produtos com tecnologia desenvolvida no Brasil essa margem poderia chegar a 25%. A diiculdade de regulamentar o que é desenvolvimento tecnológico no país fez com que, na prática, nenhum produto intensivo em tecnologia, exceto algumas tecnologias de informação e [ 147 ] comunicação que já dispunham de legislação especíica, se beneiciasse efetivamente da política154. 1.3 Criar mecanismos que facilitem a importação de equipamentos e insumos de pesquisa. É preciso criar mecanismos ágeis, diferenciados e de baixo custo (reduzindo tarifas, quando necessário) para importação de insumos, reagentes, equipamentos de pesquisa e serviços associados e protótipos. O programa importa fácil é um começo, mas, ao que tudo indica, não tem sido suiciente para reduzir a burocracia associada aos processos de importação de insumos para pesquisa. É razoável supor que, na medida em que abrirmos a economia, as importações desse tipo de produto também tendam a ser facilitadas. Contudo, o país não pode esperar tanto tempo. Uma alternativa pode ser a criação de um cadastro positivo de pesquisadores, instituições e empresas de P&D para que essa importação seja mais ágil para esses proissionais previamente habilitados a operar. Outra possibilidade é concentrar as importações em um aeroporto especíico, que funcionaria como um hub onde os proissionais da Receita Federal, Alfândega, Anvisa e outros órgãos teriam treinamento adequado para acelerar o processo de liberação desse tipo de carga. 2. Redução do custo de capital para investimentos em inovação O custo de capital é gargalo importante na economia brasileira como um todo, não apenas para a inovação. A agenda de redução das taxas de juros no país é complexa e envolve uma série de frentes. Num primeiro plano, vem o equacionamento da questão da dívida pública, o combate à inlação e a consequente redução das taxas básicas de juros. Também nessa agenda estão o aumento da concorrência no mercado de crédito – o que poderia estimular a redução dos spreads bancários – além da maior transparência nas informações de crédito com iniciativas como a do cadastro positivo, atualmente em discussão no Congresso Nacional. 154. Uma boa análise das fragilidades dessa política, inclusive das diiculdades em se avaliar de fato seus resultados, está no primeiro capítulo de Rauen (2017) [ 148 ] No que diz respeito à inovação, existem questões adicionais que agravam o quadro do alto custo de capital, que são as falhas de mercado. Por essa razão, políticas públicas voltadas a reduzir o custo de capital são essenciais. 2.1 Avaliar e reforçar políticas de incentivos iscais para P&D, tais como a Lei do Bem Incentivos iscais para o investimento em P&D são uma das maneiras de reduzir o custo de capital associado à inovação. A Lei do Bem, adotada no Brasil em 2006, deduz da renda sujeita ao pagamento de imposto até duas vezes o valor do investimento em P&D realizada pela empresa. Todas as evidências disponíveis até o momento são de que essa lei tem efeitos positivos sobre o investimento em P&D das empresas brasileiras. Sem dúvida alguma, entre todos os incentivos iscais voltados à inovação no Brasil, esta foi a mais efetiva. 2.2 Ampliar o crédito à inovação no BNDES e na Finep Muito embora o crédito, historicamente não tenha sido o principal mecanismo para inanciar investimentos em inovação, nos últimos anos ele tem ampliado sua participação nesse tipo de investimento. Obviamente, o crédito não será utilizado para inovações disruptivas nem por startups (esse tipo de inovação precisa de outras fontes de recursos). Contudo, inovações incrementais, que são a grande maioria delas, ou os custos associados com a introdução de inovações no mercado podem, sim, ser estimulados por meio de mecanismos de crédito. 2.3 Melhorar a regulação a im de estimular o mercado de venture capital no país Venture capital é um dos principais mecanismos de inanciamento de tecnologias disruptivas. No Brasil, esse mercado ainda é muito pouco desenvolvido em virtude de, pelo menos, dois gargalos principais. Um deles é a responsabilidade compartilhada que o investidor terá sobre o novo negócio, o que aumenta demasiadamente o risco desse investimento. No mundo todo, o investidor não é responsável solidário por dívidas da startup como é no caso brasileiro. A Lei Complementar 155/2016 foi um avanço importante nesse sentido, ao possibilitar diferentes mecanismos de “saída” do investimento e ao isentar o investidor-anjo de responder judicialmente por dívidas da startup que recebeu o investimento. Outro gargalo é o desenvolvimento de um mercado de capitais para esse tipo de empresas, o que favoreceria o processo de saída do investimento anjo. [ 149 ] 2.4 Isentar de tributação os ganhos de capital obtidos por fundos de venture capital em investimentos em startups e criar mecanismos de co-investimento público Fomentar fundos privados de venture capital para investimento em empresas de base tecnológica, por meio de incentivos iscais ou de co-investimento público. Fundos públicos de venture capital – tais como os existentes na Finep e no BNDES – podem ter parecerias com fundos privados a im de complementar investimentos desses investidores, diluindo o risco do investimento. Os EUA possuem vários desses incentivos e o modelo adotado por lá pode ser uma fonte de inspiração para as mudanças que precisem ser desenvolvidas no Brasil. 3. Redução da burocracia e melhoria do ambiente de negócios A agenda de melhoria do ambiente de negócios é muito ampla e diversiicada para ser tratada no âmbito desse trabalho. No entanto, como vimos, um ambiente burocrático e rígido como o brasileiro afeta ainda mais fortemente os investimentos em inovação do que os investimentos convencionais. Entretanto, no que diz respeito especiicamente à inovação, alguns aspectos do ambiente de negócios são essenciais. Daí as sugestões abaixo: 3.1 Publicar periodicamente uma agenda de melhoria do ambiente de negócios, que possa ser acompanhada por toda a sociedade. O setor público deveria consolidar e acompanhar uma agenda de melhoria de ambiente de negócios, identiicando exatamente quais são as normas, regulamentos e legislação que poderiam ser modiicados de modo a melhorar o ambiente institucional para a inovação. Essa “agenda” seria publicada anualmente de forma que a sociedade pudesse acompanhar e cobrar a evolução da mesma. A China tem documentos como esse que serve, ademais, para comunicar instituições tais como o Banco Mundial, dos avanços obtidos no ambiente de negócios do país. 3.2 Aprimorar a lei de Inovação e o marco legal para C&T Tornar efetiva a Lei de Inovação (Lei n°10.973/2004, alterada pela Lei n°13.243/16). Essa lei foi criada em 2004 e vários dos seus artigos nunca foram utilizados ou o foram de forma pouco expressiva. Em que [ 150 ] pese a existência da Lei de Inovação e de outras legislações concernentes à C&T, seu emprego prático esbarra em interpretações diversas e por vezes conlitantes. Consultores jurídicos, procuradores federais, advogados da união e juristas independentes tendem a aplicar legislações mais tradicionais que são muitas vezes avessas a mudança técnica, em detrimento de possibilidades abarcadas na Lei de Inovação. 3.3 Facilitar o processo de abertura e fechamento de empresas Rever a legislação que rege a abertura e fechamento de empresas a im de facilitar e agilizar esse processo e estimular o empreendedorismo, bem como o necessário processo de destruição criativa; 3.4 Reduzir a burocracia associada com a P&D, especialmente nas ciências da vida Reduzir a burocracia associada com a P&D, especialmente nas ciências da vida. A lei da biodiversidade foi um avanço nesse sentido, mas necessita ser acompanhada, avaliada e modernizada com frequência. 3.5 Modernizar o INPI e reduzir o tempo para concessão de patentes Esse tópico está há muito tempo na agenda para o aprimoramento da inovação no Brasil. É preciso um diagnóstico mais preciso sobre quais os fatores que realmente emperram o trabalho do INPI a im de reduzir o backlog que é um dos maiores do mundo. APRIMORAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS As políticas públicas que afetam as condições para a inovação, bem como a forma como o Estado investe na produção de ciência e tecnologia são críticos para o desempenho inovador do país. Vimos que, a despeito dos problemas, nos últimos 20 anos o Brasil foi capaz de ampliar o cardápio de políticas de apoio à inovação, o que era absolutamente necessário. Os resultados, contudo, não foram tão promissores como o esperado. Por um lado, como vimos, em virtude de um ambiente econômico pouco indutor da inovação. Por outro lado, as próprias políticas públicas precisam ser constantemente aprimoradas e revisadas e, no caso Brasileiro, ainda existe espaço para aprimoramentos. [ 151 ] 1. Implementar mecanismos rotineiros de avaliação das políticas de C&T Políticas públicas precisam ser bem informadas e baseadas em evidências. Para tanto, são necessários indicadores e transparência na execução das políticas. Infelizmente, as políticas públicas brasileiras (não apenas as políticas de inovação) ainda são muito pouco transparentes e sua formulação quase nunca é baseada em conhecimento técnico sólido. Essas políticas só poderão ser aprimoradas na medida em que forem constantemente avaliadas e monitoradas não apenas pelo governo mas, principalmente, pela sociedade. 1.1 Intensiicar e aprimorar o uso das tecnologias de informação para a coleta e sistematização das informações sobre as políticas de C&T A transparência e a clareza na disponibilização de informações sobre as políticas públicas é fundamental para que a sociedade e a comunidade acadêmica sejam capazes de acompanhar sua execução. Para isso é preciso intensiicar o uso de tecnologias de informação e comunicação na coleta, armazenamento, tratamento e disponibilização de dados sobre inovação. Também é necessário aumentar a compatibilidade entre sistemas públicos de informação: muitas das informações sobre políticas públicas relevantes ainda são armazenadas em planilhas pelos funcionários dos órgãos responsáveis em formatos incompatíveis com os de outras bases públicas. Atualmente, existem ferramentas e tecnologias capazes de melhorar o acesso à informações de relevância social, como são as informações sobre as políticas públicas. 1.2 Provisionar um percentual de cada política pública que deve ser utilizado para a sua avaliação Cada nova intervenção pública na área de inovação deve prever mecanismos de avaliação de sua efetividade. Além disso, cada nova intervenção deveria ser precedida de uma avaliação de impacto potencial. 2. Utilizar a ciência e a tecnologia para a solução de problemas críticos do país O ponto central dessa proposta é aumentar o investimento público em P&D, especialmente aquele orientado a solucionar desaios enfrentados pela sociedade brasileira nas áreas de energia, saúde, defesa, segurança pública entre outros. [ 152 ] Boa parte da pesquisa cientíica mundial é motivada por desaios muito especíicos para os quais os governos nacionais provisionam recursos de pesquisa. Uma das grandes diferenças entre os investimentos públicos em P&D em países como os EUA e o Brasil, como vimos, é que, naquele país, muito dos investimentos públicos em P&D são direcionados a solução de problemas enfrentados nas áreas de defesa, saúde ou energia. 2.1 Ampliar o investimento em P&D nos ministérios da Saúde, Energia, Agricultura, Defesa e Segurança pública Ministérios com missão especíica, como estes tendem a utilizar o investimento em P&D para resolver problemas concretos. Esses investimentos seriam complementares aos realizados em ministérios horizontais, como Educação ou C&T, cuja missão é fomentar a ciência e a educação de forma mais abrangente. Ministérios setoriais poderiam fomentar a P&D, por exemplo, para: i) desenvolver medicamentos e vacinas para o SUS; ii) desenvolver tecnologias para o aumento da eiciência energética ou para redução do consumo de água (a im de amenizar a crise hídrica); iii) criar novas tecnologias de sistemas para telemedicina que possam aumentar a eiciência e reduzir os custos dos sistemas de saúde, entre outros. 2.2 Modiicar a lei de compras de modo a introduzir a possibilidade de aquisição de P&D Introduzir, na lei 8.666/93, mecanismos explícitos e claros de contratação de P&D pelo setor público. O artigo 20 da Lei de Inovação já prevê essa possibilidade, mas precisa ser aprimorado e/ou complementado a im de dar mais segurança jurídica para o gestor público. Por outro lado, a im de tornar as encomendas tecnológicas mais atrativas à iniciativa privada, é fundamental que a lei permita a celebração de contratos de reembolso de custos no caso de desenvolvimento de novos produto, opção não existente na nossa legislação.O exemplo da Federal Acquisition Regulation norte-americana poderia ser utilizado para se aprimorar nossa lei de compras. 2.3 Reforçar políticas como a das plataformas tecnológicas Essa política, lançada em 2014, era voltada à aquisição de P&D para o desenvolvimento de soluções de interesse público. O governo federal, com ajuda de um comitê de especialistas, e ouvida a sociedade, deiniria problemas a serem solucionados para que consórcios público-privados de fornecedores desenvolvessem as soluções. Ao governo caberia, então, a deinição do problema e não a maneira pela qual tais soluções devem [ 153 ] ser desenvolvidas ou quem deveria desenvolvê-las. Como exemplo de desaios possíveis pode-se citar o desenvolvimento e escalonamento de uma vacina contra o Zika vírus e o desenvolvimento e aplicação de ferramentas de governo eletrônico. 3. Criar mecanismos e agências diversiicadas de suporte à C&T no país Além de contratos de compras públicas, também é necessário criar novos mecanismos, ágeis e lexíveis, pelos quais o setor público possa encomendar - ou desenvolver conjuntamente – pesquisa e desenvolvimento de empresas, universidades ou instituições de pesquisa. Exemplos interessantes são os acordos de cooperação realizados pelo governo norte-americano ou mesmo parcerias público-privadas que possibilitem a realização de P&D de interesse público. Criar diferentes modelos de agências para dar suporte à inovação, além de FINEP e BNDES (cujo foco não é inovação, no caso do segundo). A criação recente da Embrapii, agência inspirada no modelo alemão da Sociedade Fraunhofer, é um bom exemplo de diversiicação nas agências públicas responsáveis pela inovação. Por outro lado seria interessante, no sentido de diversiicar o sistema brasileiro, a criação de agências de desenvolvimento tecnológico de fronteira, nos moldes da DARPA e ARPA-E norte-americanas. 4. Aprimorar a governança e ampliar a transparência na seleção de projetos apoiados pelos Fundos Setoriais Aprimorar a governança e os processos de seleção dos fundos setorias, garantindo a competição e a seleção dos melhores projetos, reforçando os objetivos originais dos Fundos Setoriais. Ao longo dos anos boa parte do orçamento dos fundos foi deslocada para as chamadas Ações Transversais, cuja governança e critérios de avaliação de projetos são muito menos transparentes. 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