CURSO DIREITO
1º Semestre
Disciplina: CIÊNCIAS POLÍTICAS E TEORIA GERAL DO ESTADO
Professor: JONES LUIZ OTTO
Autor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT
Apostila 06
TEORIA GERAL DO ESTADO
Sumário:
9. Formas de Estado.
9.1 Estado Unitário.
9.2 Estado Composto.
9.3 Federação.
9.3.1 Federação: origem.
9.3.2 Federação: atualmente.
9.4 Confederação.
10) Regimes de governo e democracia.
10.1 Classificação dos regimes políticos.
10.2 Democracia.
9. FORMAS DE ESTADO.
9.1 Estado Unitário
Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, até final do século XVIII,
não se conheceu senão o Estado Unitário. É dizer, aquele em que há um único centro irradiador de
decisões políticas expressas em lei.
O poder de editar normas genéricas era exercido por um único pólo sobre todo o
território do Estado. Para que essas decisões fossem mais eficazes desconcentrava-se, tãosomente, a administração, dividia-se o país em circunscrições administrativas subordinadas
hierarquicamente à administração central, que desta forma se tornava mais próxima do
administrado. O Estado unitário é a forma mais singela de Estado. Nele, os órgãos que exercem a
soberania nacional são unos para todo o território.
9.2) Estado Composto
Diferentemente do Estado simples, em que há a formação de um único Estado,
no qual há um governo central como sendo a única expressão do Poder Público, no Estado
composto há uma união de dois ou mais Estados, portanto, há mais de uma manifestação do
Poder Público, estando todos eles submetidos a um regime especial.
São consideradas formas compostas de Estado:
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a) as Uniões (pessoal, real e incorporada);
b) as Confederações;
c) as Federações.
Obs: Alem dessas, há outras formações políticas, como a Comunidade Britânica
de Nações.
a) As Uniões: estas foram próprias do período monárquico, e, com o
enfraquecimento deste, já não oferecem interesse. As uniões originaram-se das circunstâncias
políticas e sociais então vigentes, e, desapareceram.
A União Pessoal: apresenta um único monarca. Estados gozam de autonomia no
plano interno e externo Representam uma situação
temporária Ex: Portugal e Espanha sob Felipe II, Felipe III
e Felipe IV
A União Real:
embora cada Estado continue tendo autonomia interna, a
vida internacional é comum, sob o poder de um só
monarca. Ex: Suécia e a Noruega, Áustria e a Hungria
durante muitos anos.
A União Incorporada: Estados desaparecem para constituir um terceiro, o que
significa a criação de um novo Estado. Os antigos reinos
da Inglaterra, Escócia e Irlanda, eram independentes,
passando posteriormente a formar a monarquia britânica.
b) As Federações;
c) As Confederações.
9.3 Federação
Estado Federal
É aquele que se divide em províncias politicamente autônomas, possuindo duas
fontes paralelas de Direito Público, uma Nacional e outra Provincial.
Exemplos: Brasil, EUA, México, Argentina são estados federais.
Caracterização Do Estado Federal
O fato de se exercer harmônica e simultaneamente sobre o mesmo território e
sobre as mesmas pessoas a ação pública de dois governos distintos (federal e estadual) é o que
justamente caracteriza o Estado Federal. QUEIROZ LIMA: define o Estado Federal como um estado
formado pela União de vários estados; "É um Estado de Estados".
Esta definição se ajusta a um conceito de Direito Público interno, o qual tem por
objetivo o estudo das unidades estatais na sua estrutura intima. Devemos ressaltar que o Estado
Federal se projeta como Unidade não como Pluralidade.
O Prof. PINTO FERREIRA formulou a seguinte definição: "O Estado Federal é uma
organização formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e
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os governos Estaduais, de sorte que a União tenha supremacia sobre os Estados-Membros e estes
sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma União".
A forma federativa moderna se estruturou sobre bases de uma experiência bem
sucedida norte-americana e não sobre bases teóricas.
Características Essenciais
São características fundamentais do sistema federativo, segundo o modelo
norte-americano:
a) Distribuição do poder do governo em dois planos harmônicos (federal e
provincial).
O governo federal exerce todos os poderes que expressamente lhe foram
reservados na Constituição Federal, poderes esses que dizem respeito às
relações internacionais da União ou aos interesses comuns das Unidades
Federadas. Os Estados-Membros exercem todos os poderes que não foram
expressa ou implicitamente reservados à União, e que não lhes foram vedados
na Constituição Federal. Somente nos casos definidos de poderes concorrentes,
prevalece o principio da superioridade hierárquica do Governo Federal;
b) Sistema Judiciarista, consistente na maior amplitude e competência do
poder judiciário, tendo esse, na sua cúpula, um Supremo Tribunal Federal, que é
órgão de equilíbrio federativo e de segurança da Ordem Constitucional;
c) Composição bicameral do Poder Legislativo, realizando-se a representação
nacional na câmara dos deputados e a representação dos Estados-Membros do
Senado Federal sendo esta última representação rigorosamente igualitária;
d) Constância dos princípios fundamentais da Federação e da Republica, sob as
garantias da imutabilidade desses princípios, da rigidez Constitucional e do
instituto da Intervenção Federal.
9.3.1 Federação: Origem
Em 1787 os representantes de treze Estados americanos, reunidos em Filadélfia,
e movidos pelas preocupações concretas com a realidade dos Estados donde provinham,
elaboraram um texto constitucional que consagrava uma forma inteiramente nova de organizar o
poder político. Esta novidade consistiu na partilha do exercício das prerrogativas próprias da
soberania. Cada um dos Estados representados delegou poderes ou competências com base nas
quais criou-se um novo Estado cujos elementos foram os seguintes: o território era o resultante da
soma dos treze territórios estaduais: a população também era a somatória de todos os cidadãos
vinculados a qualquer um dos Estados preexistentes e a sua organização política foi criada por dita
Constituição, prevendo-se um Poder Legislativo, um Executivo e um Judiciário.
O que é curioso é que não se tratou de uma mera fusão de Estados, como à
primeira vista pode parecer. Pelo contrário, cada um deles manteve a sua individualidade, a sua
organização e as suas competências próprias. Estas eram todas aquelas que não foram delegadas
ao poder central.
Eis, então, criado o modelo federativo de Estado. São múltiplas as definições
que ele comporta. Ensaiemos uma.
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É uma forma de organização do poder que dá lugar, no mínimo, a dois níveis
diferentes de governo: o central e os regionais (estes denominados províncias, Estados, Cantões
ou Landers), cada um com suas competências próprias, segundo uma partilha assegurada pela
própria Constituição Federal. Estão aí os elementos fundamentais de toda a Federação. A divisão
das competências de governo de modo tal a que elas possam ser exercidas autonomamente, vale
dizer, não por graça ou favor de um poder delegante mas de direito próprio.
Dissemos que essa divisão dá lugar, no mínimo, a dois níveis de governo. É que,
por vezes, surge um terceiro patamar, como se dá no Brasil com os Municípios. Embora possível
tal sorte de divisão tricotômica, não há negar-se que a grande maioria das federações hoje
existentes só consagram dois níveis. Além disto, é de mister que o supra referido direito esteja
assegurado por uma Constituição escrita, dotada de um certo grau de rigidez, normalmente
representada pela necessidade de toda a Emenda Constitucional contar com a aprovação dos
próprios Estados-Membros ou dos seus representantes no Poder Legislativo da União. Sobre mais,
quaisquer dúvidas que possam surgir quanto aos poderes das entidades federadas, de um lado, e
os da federal, de outro, é submissível à Suprema Corte do País, que julga a controvérsia em função
de critérios jurídicos e não segundo razões meramente políticas.
São diversos os Estados federais hoje existentes no mundo, Citemos,
exemplificativamente, Canadá, Estados Unidos, México, Brasil, Argentina, Bélgica, Alemanha,
Austrália etc.
O que se poderia indagar é das razões que levam um Estado a adotar a forma
federativa em detrimento da unitária.
De uma maneira muito genérica podemos dizer que é a busca de uma
descentralização territorial acentuada do poder político. Neste sentido há de se reconhecer-se que
as Federações com maior nível de descentralização chegam a esgarçar ao máximo a unidade o
Estado. Além desse ponto já se teria a multiplicidade estadual e a sua União se chamaria
Confederação. Esta nada mais é do que a associação de Estados com fins específicos de interesse
comum, mas que não abrem mão da sua soberania plena. Cada Estado mantém-se no gozo
integral de sua soberania, podendo deixar a Confederação quando lhe aprouver. De outra parte,
os órgãos desta não têm poder de incidir diretamente sobre as populações dos Estados que a
integram. Estes é que se incumbem de dar cumprimento às decisões coletivas.
O que poderíamos sindicar para aprofundar mais esse ponto é porque alguns
Estados procuram descentralizar-se sob a forma federativa. Não há uma única razão. Algumas
Federações têm um fundamento histórico, é dizer, originaram-se de unidades políticas
preexistentes, as quais, num dado momento, resolveram integrar-se por meio de vínculos mais
estritos que os que uma confederação lhes permitia. Estados Unidos e Suíça são exemplos vivos
desse tipo de Estado Federal que assumiu o lugar anteriormente ocupado por uma Confederação.
As Federações assim surgidas responderam à preocupação fundamental dos Estados
preexistentes, que era a de unirem-se sem, contudo, perderem a capacidade política sobre
aquelas matérias que mesmo isoladamente tinham perfeitas condições de discipliná-Ias e executáIas. Era uma forma, portanto, de integração estadual de comunidades políticas que não tinham
ainda atingido uma plena unidade nacional. Mas a Federação responde, também a outros
propósitos. Há Estados que encerram dentro de si heterogeneidades acentuadas, quer do ponto
de vista étnico, racial, quer do cultural ou lingüístico. Nesses casos, o modelo federativo cumpre a
finalidade de permitir que esses grupos cultivem as suas diferenças sem a necessidade de
desintegrarem-se politicamente do todo. Exemplo paradigmático é o da Bélgica, onde reina
grande diversidade entre comunidades lingüísticas e culturalmente muito distintas.
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Problema da Soberania
A Soberania é Nacional e a Nação é uma só. Logo o exercício do poder de
soberania compete ao governo federal e não aos governos regionais.
A federação não resulta de uma simples relação contratual, a exemplo da
Confederação. As Federações são unidades de divisões históricas, geográficas e políticoadministrativas de uma só Nação. Une-se pelo pacto federativo que expressa a vontade nacional
que é permanente e indissolúvel. Nos EUA, a autonomia estadual é ampla, variam nos EstadosMembros Norte- Americanos quanto à forma unicameral ou bicameral.
Federalismo Brasileiro
O Federalismo Brasileiro é diferente; e muito rígido, em um sistema de
federalismo orgânico. O Brasil Império era um Estado juridicamente unitário, mas na realidade era
dividido em províncias. Os primeiros sistemas administrativos adotados por Portugal, foram as
Governadorias Gerais, as Feitorias, as Capitanias, rumos pelos quais a nação brasileira caminharia
fatalmente para a forma federativa, e quando o centralismo artificial do primeiro Império
procurou violentar essa realidade a nação forçou a abdicação de D. Pedro I, impondo a reforma da
Carta Imperial de 1824. Contrariamente ao exemplo norte-americano, o federalismo brasileiro
surgiu como resultado fatal de um movimento de origem natural - histórica e não artificial. Devese a queda do Império, mais ao ideal federativo do que ao ideal republicano. A Constituição de
1891 estruturou o federalismo brasileiro segundo o modelo norte-americano. Ajustou um sistema
jurídico constitucional estrangeiro uma realidade completamente diversa.
O Brasil pelas suas próprias condições geográficas, tem vocação histórica para o
federalismo. País de uma verdadeira imensidão territorial e a diversidade de suas condições
naturais obriga naturalmente a uma descentralização que é à base do federalismo. Tratando-se de
um dos maiores Estados do mundo, com território rico em recursos naturais e quase todos
aproveitáveis, sem desertos nem geleiras. Há, assim uma vocação histórica do Brasil para o Estado
Federal. O grande papel dos estadistas portugueses e da colônia foi manter a unidade territorial
do país. As causas sociais da origem do federalismo brasileiro são, portanto visíveis. É a própria
imensidão territorial obrigando a uma descentralização do governo, a fim de manter a pluralidade
das condições regionais, tudo integrado na unidade nacional.
9.4 Federação: Atualmente
Finalmente, há uma terceira razão e que talvez seja a preponderante nos dias
atuais. É a de que o federalismo é visto como um instrumento de democratização do Estado e de
contenção do poder pelo próprio poder.
A multiplicação de centros decisórios e a maior proximidade destes com os seus
destinatários cria condições de participação e fiscalização do poder pelos administrados que
jamais ocorreriam se o Estado fosse unitário. Assim é que se é verdade que países como os
Estados Unidos tenham criado a Federação por impossibilidade de naquele momento criarem um
Estado Unitário, não é menos certo que eles a mantêm não por falta de uma unidade nacional
subjacente mas por estarem convencidos de que o governo por comunidades menores é um fim
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em si mesmo desejável pelos serviços que presta no propósito de asseguramento da liberdade. A
execução dos serviços públicos, por unidades menores, impede o surgimento de monstros
burocráticos, como se dá no caso da previdência social no Brasil. O controle é mais fácil e
eventuais fraudes são sempre menores do que aquelas que podem ocorrer num sistema de
proporções gigantescas.
De outra parte, é inegável também que o federalismo, ao assegurar, em regra,
uma representação idêntica de todas as unidades federadas numa das Câmaras Legislativas (todos
os Estados Federais são bicamerais), finda por super-representar as unidades menores e subrepresentar as maiores. É uma técnica que pode estar a desserviço de uma representação
eqüitativa do povo, mas que não deixa de ter um aspecto positivo, quando se trata de, por alguma
forma, oferecer garantias a qualquer sorte de minorias, inclusive em razão de seu fraco
desenvolvimento sócio-econômico. A Federação permite, pois, um jogo sutil de equilíbrio de
poderes que pode muito bem apaziguar conflitantes dentro do mesmo Estado, o qual, mantida a
forma unitária de governo, poderia desagregar-se.
As Federações não são estáticas. Elas evoluem no tempo e os diversos exemplos
históricos desse tipo de Estado têm permitido inferir a regra de que há uma tendência crescente
para a centralização do poder. Parece ser uma verdade confirmada pelos fatos esta de que os
poderes da União tendem a agigantar-se, enquanto, os dos estados-membros a definhar-se. A
razão principal disto é a intervenção crescente do Estado em áreas que outrora lhe eram
estranhas, sobretudo no campo sócio-econômico. Quem, por excelência, tem condições para
intervir no domínio econômico é a União, já que em suas mãos se encontram as alavancas
principais da economia. Esta desproporção de poderes tem levado alguns autores a apontar a
existência de Federações puramente formais.
O Brasil seria um país classificável nesta categoria uma vez que são tão poucas as
prerrogativas de que desfrutam os Estados-Membros que não fariam, na verdade, jus à
qualificação de entes autônomos.
Um balanço das críticas feitas ao federalismo conduz-nos à conclusão de que ele
realmente está a passar por mutações. Mesmo nos Estados Unidos, que se enquadram entre as
Federações com bastante substância, ainda se observa o avanço aparentemente inexorável do
papel da União. Isto, contudo, não é o suficiente para afirmar-se a caducidade do próprio instituto.
Os avanços da centralização têm gerado reações e hoje se observa uma
tendência no sentido de revitalizar a margem de autonomia dos Estados-Membros. Portanto,
quer-nos parecer um exagero o afirmar-se que o Estado Federal marcha, necessariamente, no
sentido do Estado unitário. Isto é verdade não só no que diz respeito às Federações já existentes
que, se assim o desejarem os seus povos, saberão revigorar as técnicas do federalismo, mas é
também procedente no que toca a Estados hoje soberanos, mas que se encontram em marcha
acelerada rumo à Constituição de novas Federações. É o que se passa com a União Européia, na
qual muitos já pressentem a estatuição, para breve, de autênticos laços federativos. Em outras
partes do mundo o fenômeno pode repetir-se.
Como já vimos, a Federação cumpriu este papel de resguardar a relação entre
duas ordens jurídico-políticas distintas: a da autonomia dos Estados membros; e da soberania do
Estado, considerado na sua totalidade. Portanto, já nos referimos ao que ocorreu no passado, o
que em nada nos impede (e até há autores que assim profetizaram) em tecer considerações sobre
os rumos a serem dados à Federação nos próximos anos.
No momento em que os diversos países entenderem como necessário unirem os
seus esforços para melhor defender os seus interesses, inevitavelmente a Federação será revivida.
Ela é insubstituível na sua finalidade precípua de assegurar uma sociedade entre Estadosmembros que não querem abdicar da sua essência, da sua cultura e mesmo das implicações
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políticas que isto acarreta. O que se pode vislumbrar é que a Federação seria um meio para a
concretização do processo de globalização.
No que diz respeito à sua dinâmica, em conclusão, temos que se é certo que as
coisas largadas a si mesmas parecem favorecer a centralização e o Estado unitário, não é menos
verdadeiro que o homem, pela sua atividade consciente e deliberada, pode reverter esse
processo. É exagerado, pois, falar-se em leis fatais ou inexoráveis. O futuro é um campo aberto e
não um espaço previamente determinado.
Embora a Federação seja uma técnica de distribuição do poder posta a serviço de
um ideal de descentralização, é de mister, no entanto, reconhecer que não é este o único caminho
pelo qual se atinge uma maior distribuição das competências dentro do Estado.
Na forma unitária de organização estatal vamos encontrar, não raras vezes, o
poder partilhado entre órgãos locais e centrais de uma forma mais acentuada do que em certas
Federações que, esvaziadas de substância, mantêm um caráter eminentemente formal, o que
significa dizer que as coisas se passam como numa federação autêntica com a só diferença de que
a margem de atuação autônoma dos Estados-Membros é muito pequena.
De outro lado os Estados Unitários, valendo-se de uma simples delegação de
poderes feita pelo órgão central, a critério seu, podem, em certos casos, atingir um nível mais
acentuado de descentralização, quer tão-somente dos poderes para executar a lei, como também
dos poderes para editá-la. A esses Estados que provêem Legislativos regionais, mas por disposição
de lei ordinária e não da própria Constituição, dá-se o nome de Estado Unitário Politicamente
Descentralizado.
Vimos, também, que a Federação é útil do ponto de vista democrático. Isto não
significa, da mesma forma, querer identificar na Federação a única forma de se atingir o governo
do povo. É manifesto que muitos Estados Unitários conseguem fazê-lo sem qualquer homenagem
ao princípio federativo. O inverso, no entanto, parece verdadeiro. É dizer, não há autênticas
Federações que consagrem regimes e distribuição do poder estatal que não diz bem com o
autoritarismo. Este é por essência centralizador.
Desconcentração e Descentralização
Os Estados dos mais rudimentares aos mais complexos envolvem sempre um
problema de definição de núcleos de competências. Os poderes nunca podem estar encerrados
nas mãos de um único órgão.
Este não poderia processar toda sorte de demandas que recebe do meio social.
O recurso mais simples às mãos do Estado é o de desconcentrar as suas competências, o que vale
dizer especializar os seus órgãos em razão do espaço ou em razão da matéria.
No primeiro caso tem-se a desconcentração vertical: por exemplo, o aparato
policial do Estado não pode concentrar-se na capital. Ele tem de aproximar-se, tanto quanto
possível, dos focos de criminalidade para o que ele tem de se internar no interior do território
criando circunscrições territoriais cada vez menores, todas unidas por um elo de hierarquia com a
chefia do serviço que se encontra no centro.
Mas o Estado pode preferir a desconcentração horizontal multiplicando, por
exemplo, as secretarias de Estado e entregando a cada uma delas funções cada vez mais
especializadas. Assim é que ao invés de ter uma única secretaria para toda a segurança pública, o
Estado pode preferir ter duas: uma formada por uma polícia civil e outra por uma polícia militar.
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Em alguns autores vamos encontrar a expressão descentralização para significar
o fenômeno acima descrito, mais isso é uma impropriedade. A doutrina mais rigorosa prefere
preservar a palavra descentralização, tão santa, para aquela especialização das funções do Estado
que se dá por meio da criação de novas pessoas jurídicas às quais o Estado confere grande
autonomia, reservando para si as funções de sustentá-las financeiramente, se necessário, e de
fiscalizá-las.
A descentralização também pode assumir uma feição horizontal e uma vertical.
Na horizontal, surge o que se denomina administração indireta, constituída por autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações etc. Na modalidade vertical
aparecem as províncias, as regiões, os departamentos, as comunas, que podem desempenhar
funções meramente administrativas, é dizer, as de aplicar as leis aos casos concretos, como
também as legislativas, quando se tem, então, uma descentralização política.
A Federação é o ponto culminante deste processo de descentralização porque
aos entes locais se confere o máximo de prerrogativas estatais a ponto de se ver nessas próprias
entidades um Estado em si mesmo.
Repartição de Competências entre os entes Federativos
De todo o exposto parece resultar claro que os Estados, não importa se
descentralizados ou centralizados, concentrados ou desconcentrados, terão de se valer de alguma
sorte de organização das suas competências. O que vale dizer, definir certos núcleos de poderes e
deveres a que se dá o nome de cargos. Os cargos não se confundem com os seus ocupantes. Esses,
por alguma razão, algum dia abandonam o cargo, mas este renasce. Além do mais, já vimos que o
Estado, do ponto de vista jurídico, não pode se separar da idéia e pessoa. Desde há muito que o
direito considera como tal não somente os entes humanos, mas as outras coletividades que por
satisfazerem as exigências da ordem jurídica são por ele consideradas como pessoas jurídicas.
Não vem ao caso, aqui discutir a real natureza destas. Se não meras ficções ou se
têm alguma forma de consistência assimilável às pessoas físicas.
Dois pontos muito importantes, todavia, merecem ser destacados. Pela técnica
da personalização o que o direito atinge é uma grande simplificação. Senão vejamos: se mil
pessoas devem mil reais para alguém, nós temos aí tantas relações jurídicas quantos são os
devedores. Se num segundo momento estes se constituem em sociedade civil, a qual assume o
mesmo débito, teremos uma única relação jurídica: de um lado a sociedade e de outro o credor.
A intermediação da pessoa jurídica permitiu uma redução substancial dos
vínculos ou liames jurídicos, mas no fundo, do ponto de vista substancial, os devedores continuam
os mesmos, uma vez que será do esforço, e por vezes do próprio patrimônio, dos associados que
se poderá obter a quantia necessária para resgate de débito.
O Estado é inequivocamente pessoa, como já vimos, mas por não ser física, mas
sim moral ou jurídica a sua personalidade, dependerá ele, sempre, de entes humanos que ocupem
os órgãos que exprimem a sua vontade. Este é um fenômeno eminentemente psicológico do qual
carecem as pessoas jurídicas a menos que se dotem de seres humanos que lhe emprestem a
vontade. Dá-se a esses indivíduos o nome de representantes e as suas vontades se imputam
diretamente como sendo o querer do Estado. Em todo titular de cargo público há sempre dois
momentos diferentes: quando ele atua em nome próprio, caso em que se compromete a si
mesmo; e quando atua em nome do Estado, caso em que se responsabiliza a este.
Para que alguém ganhe esta qualidade de integrar o Estado, no sentido de
exprimir-lhe a vontade, há de, necessariamente, percorrer um desses dois caminhos: ou é tido por
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agente público por força de lei ou ganha essa qualidade em decorrência de ter sido designado por
outrem com capacidade pata tanto.
Dá-se a primeira forma no caso das monarquias hereditárias em que a
transmissão do cargo ocorre de pai para filho na forma do disposto nas leis e nos costumes
vigentes. Todas as demais modalidades implicam um ato de designação ou escolha. Isto significa
dizer que um administrador ou um juiz, por exemplo, pode ser nomeado por indicação livre do
presidente da república ou após classificação num concurso público. São muito variadas as formas
de provimento de cargos públicos e, obviamente, muito variáveis de Estado para Estado. Não seria
o caso, pois, de entrar, aqui, em maiores minúcias.
Há, contudo, uma forma de provimento que merece especial atenção pelas
repercussões que tem no próprio caráter democrático do Estado. Esta se refere à escolha feita
pelos próprios cidadãos através do processo eleitoral.
Soberania da União
É a pessoa jurídica de direito público com capacidade política, dotada no campo
interno de autonomia e no campo externo de soberania. Entende-se por soberania o atributo que
se confere ao poder do Estado em virtude de ser ele juridicamente ilimitado. Já por autonomia
compreende-se a área de competência circunscrita pelo direito.
A União é a exercente do poder central, portanto, não da totalidade dos Poderes
Públicos que ela divide com Estados e Municípios, dado o caráter federativo de um país. Suas
competências são aquelas que os Estados-membros lhe delegam: tudo o que não pertence
expressamente ou implicitamente à União é da alçada dos Estados ou dos Municípios.
No campo externo, no entretanto, a União enfeixa a globalidade dos poderes
próprios do Estado. É dizer, só a União exprime a soberania e representa, na ordem internacional,
o Estado. Os Estados-membros são privados desta personalidade de Direito internacional,
conforme se verá abaixo.
Autonomia dos Estados-Membros
Em todas as federações o poder público apresenta-se dividido em órgãos que
exercem aquela fatia das prerrogativas públicas enfeixadas pelo poder central (União) e as pessoas
jurídicas que enfeixam as competências regionais, denominadas também Estado, ao qual se
acrescenta por vezes a palavra "membro", para diferenciá-lo do Estado no sentido de unidade
política plenamente soberana. O Estado-Membro é tão-somente autônomo, exercendo, com
amplas prerrogativas de discrição, os poderes que lhe são delegados pela Constituição Federal. O
Estado-Membro também possui uma Constituição própria na qual estrutura os seus órgãos
principais: Executivo, Legislativo, Judiciário e regulamenta os aspectos principais da sua estrutura
jurídica, sempre limitado pelo disposto na Constituição Federal.
O Estado-Membro relaciona-se com a União e com os Municípios através de um
laço de coordenação. É dizer, são todas pessoas de direito público, com capacidade política, eis
que possuem legislativos próprios, mas todos de igual nível hierárquico, no sentido de que a lei de
um não prevalece hierarquicamente sobre a lei de outro. Em caso de conflito de leis, prevalece
aquela que for constitucional, uma vez que um conflito propriamente de lei de igual nível não é
possível, uma vez que a Constituição efetua uma distribuição harmoniosa de competências entre
estas pessoas de direito público.
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Os Estados-Membros não são dotados de soberania, que é um atributo do
Estado como um todo, que a exercita, no campo externo, através da União e, no campo interno,
através do povo, no qual a soberania na verdade reside. O Estado-Membro é tão-somente
autônomo.
Autonomia dos Municípios
Pode-se entender por Município a pessoa jurídica de direito público interno,
dotado pela Constituição Federal de 1988 de autonomia asseguradora da sua capacidade e seu
autogovernar, administrar e legislar no âmbito da sua competência (arts. 29 e 30 da CF/88). O
Município é peça estrutural do regime federativo brasileiro, à semelhança da União e dos EstadosMembros. Todavia, o princípio federativo se traduz pela autonomia recíproca e inatacável da
União, Estados-Membros e Municípios. A atual Constituição Federal estabelece uma verdadeira
paridade de tratamento entre o Município e as demais pessoas jurídicas. Inclusive, a autonomia
municipal se confirma pelo disposto no art. 35, que proíbe a intervenção do Estado nos
Municípios, salvo ocorrendo uma das hipóteses autorizadoras.
Na Constituição de 1988 a competência dos Municípios resultou sensivelmente
acrescida. Ganharam eles o poder de editar as suas próprias leis orgânicas. De outra parte,
mantiveram as suas competências clássicas, antes compreendidas sob a rubrica "peculiar interesse
municipal", agora rebatizadas de "assuntos de interesse local". Receberam ainda o poder de
suplementar a legislação federal e estadual no que couber. São horizontes imensos que se abrem
ao Município em áreas que lhe eram absolutamente vedadas. Agora poderão, naquele caso em
que a legislação federal e estadual tiverem uma especial repercussão na esfera do Município,
suplementar a legislação, é dizer, desenvolvê-la sem contrariá-la.
9.4 Confederação
O conceito de confederação não se confunde com o de federação, uma vez que
na confederação os entes confederados não perdem o seu poder de autodeterminação, enquanto
na federação ocorre o surgimento de um terceiro Estado, com a conseqüente perda da soberania
daqueles que se associaram originalmente.
A Confederação é uma união permanente e contratual de Estados
independentes que se ligam para fins de defesa externa e paz interna (JELLINEK)
Na união confederativa os Estados confederados não sofrem qualquer restrição à
sua soberania interna, nem perdem a personalidade jurídica de direito público internacional. A par
dos Estados soberanos, unidos pelos laços da união contratual, surge a Confederação, como
entidade supra-estatal, com as suas instituições e as suas autoridades constituídas. No plano do
Jus Gentium é uma nova unidade, representativa de uma pluralidade de Estados.
Não se limita a União Confederal a determinados casus foederis, mas promove
amplamente todas as medidas conducentes ao alcance do seu duplo objetivo: assegurar a defesa
externa de todos e a paz interna de cada um dos Estados confederados. No que respeita a esses
objetivos de interesse comum, obrigam-se os Estados a não proceder ut singuli: delegam a maior
competência ao supergoverno da união confederal.
Como acentua JELLINEK, citado por QUEIROZ LIMA, "a confederação é uma
forma instável da união política; a união só pode existir enquanto aos Estados componentes
convier; os Estados guardam como corolário natural de sua soberania política a possibilidade de, a
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todo tempo, se desligarem da união, segundo a fórmula os Estados não foram feitos para o
acordo, mas o acordo para os Estados".
Nos tempos antigos, existiram as Confederações dos pequenos Estados gregos
(Alianças pan-helênicas, Ligas Anfitionais, Ligas Hanseáticas etc.) com os objetivos de realizarem
conjuntamente o culto dos deuses ou jogos olímpicos. Tais confederações, porém, eram
provisórias; faltava-Ihes o requisito de durabilidade por tempo indeterminado, que caracteriza os
contratos dessa natureza no direito público atual.
Conquanto fossem as uniões confederativas contratadas em caráter
permanente, eram instáveis, de fato, notadamente pela inconstância dos motivos que
determinavam a união.
A Suíça foi uma das mais antigas Confederações, que se iniciou com um tratado
entre três Cantões, em 1291, tendo passado por várias mudanças, porém conseguindo subsistir,
até que se estabeleceu a União Federal em 1848.
Conserva ainda a denominação histórica de Confederação Helvética, mas evoluiu
para a estrutura federativa. O mesmo fato ocorreu nos Estados Unidos da América do Norte e na
Alemanha, o que vem confirmar que a tendência da Confederação é caminhar para uma
penetração mais íntima, sob a forma federativa, ou dissolver-se.
Segundo RAUL MACHADO HORTA, o conhecimento das formas de Estado
conduz, inevitavelmente, ao estudo do Estado Federal , uma vez que o Estado Unitário e a
Confederação, que constituem as outras formas de Estado, sob o ponto de vista de organização
interna, constituem figuras bem menos expressivas neste contexto.
A Confederação, acentua o professor, “é atualmente uma referência histórica,
pois já encerrou sua trajetória no domínio da organização de Estado, após as experiências
relevantes da Confederação Germânica, da Confederação Suíça e da Confederação NorteAmericana”.
Já o Estado Unitário vem sofrendo gradualmente um processo de ampliação do
grau de descentralização que o está levando, dia após dia, para um tipo intermediário de Estado
que se localiza nas fronteiras do Estado Unitário e do Estado Federal, qual seja, o Estado Regional.
Caracterização da Confederação
a) Formam mediante um Pacto entre Estados (Dieta) e não mediante uma
Constituição;
b) é uma União permanente de Estados Soberanos que não perdem esse
atributo;
c) têm uma assembléia constituída por representantes dos Estados que a
compõe;
d) não se apresenta como um poder subordinante, pois, as decisões de tal
órgão só são válidas quando ratificadas pelos Estados Confederados;
e) cada Estado permanece com sua própria soberania, o que outorga a
Confederação um caráter de instabilidade devido ao Direito de Separação
(secessão).
Além de uma assembléia representativa dos Estados, em que todos se assentam
em condições de igualdade, há quase sempre um poder executivo comum, geralmente um
coordenador militar, dado que o objetivo normal das Confederações é a defesa externa.
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Como a Confederação não possui um aparelho coativo capaz de impor as
próprias decisões, o meio de que se utiliza para coibir os conflitos entre os Estados componentes é
a organização de um sistema de arbitragem, cujos processos variavam imensamente. Em muitos
casos, o membro rebelde da Confederação sofria numerosas represálias, como a pressão
diplomática, o bloqueio militar, o boicote comercial, medidas que podiam chegar a alterações
substanciais na vida interna do país excluído.
10. REGIMES POLÍTICOS:
10.1 Classificação dos regimes políticos.
Autocracia
Monarquia Absoluta ou Monocracia
Ditadura
Tirania
Oligarquia
Democracia
Direta
Semi-direta
Indireta ou Representativa
O Regime Político se caracteriza pela forma com que são investidos os titulares
do poder; pela natureza e extensão do respectivo mando e pelas suas relações com os cidadãos e
os grupos intermediários. JOSEPH FOLLIET classificou os regimes políticos em : autocráticos,
oligárquicos e democráticos.
AUTOCRACIA
A Autocracia provém do Grego: autós, si mesmo, e cratein, governar. É o regime
político em que todas as prerrogativas e todas as responsabilidades estão concentradas nas mãos
de uma só pessoa. Por isso, este regime pode também ser chamado de pessoal ou absoluto.
Historicamente, se subdivide em três formas principais: a monarquia absoluta, ditadura e a
tirania.
A Monarquia absoluta ou Monocracia é o regime em que o soberano exerce o
poder governamental em toda sua plenitude (executivo, legislativo e judiciário), sem depender de
qualquer assembléia. Neste regime o monarca ou rei provém de uma família real. O poder não é
atribuído ao soberano em função de sua pessoa, mas sim de sua linhagem, de sua dinastia. A
história conheceu numerosas formas de monarquia absoluta, como por exemplo: os faraós do
Egito; os grandes reis da Pérsia; os imperadores romanos, depois de Augusto; os imperadores
bizantinos; os tzares da Rússia; as monarquias absolutas dos séculos XVI, XVII e XVIII (na Espanha,
França, Prússia e Áustria). Uma das últimas grandes monarquias absolutas foi a do Japão (Micado).
A monarquia absoluta subsiste ainda em certos Estados Árabes.
O absolutismo monárquico foi sempre mais ou menos temperado: a) pelos
costumes, a que o próprio soberano devia se submeter; b) pelos imperativos morais da religião
sobre a qual o soberano fundamenta o seu poder; c) pelas liberdades ou franquias tradicionais
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concedidas aos grandes grupos sociais: aristocracia, parlamento, Igreja, Estados, províncias e
corporações de ofícios.
Ditadura – A palavra ditador provém do latim dictator, aquele que dita a sua
vontade. Exemplos próximos, nos tempos modernos: Führer (Alemanha), Duce (Itália),
Conducator (Romênia), Caudilho (Espanha), Vodj (Rússia). A ditadura caracteriza-se, como a
monarquia absoluta, pela concentração de todos os poderes numa única pessoa, cuja autoridade é
total e ilimitada. Ao contrário, porém da monarquia absoluta, o poder é outorgado a uma pessoa
em razão mesma da sua pessoa, de suas qualidades, ou porque ela se apoderou do governo pela
força, e não pela razão de direitos familiares ou dinásticos. Motivo pelo qual a grande dificuldade
da ditadura é a sucessão, com a transmissão e outorga de poderes que ela implica. Por isso, na
prática, muitas ditaduras, desde que tendam a estabilizar-se transformam em monarquias
hereditárias ou extinguem-se com a morte do governante.
Entre as principais formas históricas de ditadura, podem ser citadas: a ditadura,
legal e limitada, admitida pelos costumes romanos para os momentos de graves crises; as
ditaduras das comunas italianas na Idade Média e no Renascimento, que se transformaram em
monarquias hereditárias (os Medici em Florença e os Sforza em Milão); as ditaduras napoleônicas,
na França; as ditaduras sul americanas do século XIX (Rosas, na Argentina; López, no Paraguai;
Melgarejo, na Bolívia); as ditaduras totalitárias do século XX: Mussolini e o fascismo na Itália; Hitler
e o nazismo na Alemanha; Stalin e o bolchevismo , na Rússia; as ditaduras comunistas de Mao-Tsé
Tung, na China e de Fidel Castro, em Cuba. Ao contrário da maioria das ditaduras anteriores, estas
últimas são doutrinárias e sistemáticas, isto é, estão baseadas numa filosofia social e política.
Tirania - A origem da tirania está ligada a Grécia antiga (séc. VI a.C.) onde ela
significava a constituição de um Estado ou seu modo de governo, sendo as vezes também
sinônimo de lei. Porém, logo passou-se a utilizar esse termo em seu sentido pejorativo, o qual
significava uma deturpação da monarquia em virtude da corrupção. A tirania surge geralmente
quando o Estado passa por algum tipo de crise em seu sistema de governo.
É um governo que não respeita os princípios constitucionais e portanto também
não respeita os direitos individuais. A tirania também se caracteriza por ser um governo onde
vigora o princípio da hereditariedade e também por se constituir a margem da legalidade. A
respeito da tirania muito bem escreve MARCUS CLÁUDIO ACQUAVIVA: "...em Corinto, Cípselo
confisca as terras aos nobres e as distribui entre as massas desfavorecidas; em Mégara, Teágenes
pura e simplesmente massacra os rebanhos dos ricos, captando a simpatia popular.
Os miseráveis vêem sua revolta e desdita minoradas, pois os grandes
empreendimentos públicos oferecem trabalho e as terras confiscadas lhes propicia a fixação à
terra. Tais situações atendem plenamente aos interesses do tirano, preocupado
permanentemente com a hostilidade potencial dos aristocratas e com a sub-elevação das massas.
Além disso, o tirano utiliza-se, freqüentemente, dos cultos religiosos, os quais,
excelente veículo de propaganda, contribuem para a estratificação do poder pessoal. Na verdade,
à época das tiranias, combatia-se ou pela liberdade ou pela tirania. Liberdade, para o proletariado,
quer dizer governo dos ricos; tirania significava o governo de um líder anti-aristocrático e,
indiretamente, popular.
Segundo o próprio Aristóteles, o tirano não tinha por missão mais do que
proteger o povo contra os ricos, sendo da essência da tirania a guerra à aristocracia. A tirania é
oriunda, em última análise, dos anseios de uma burguesia florescente e, paradoxalmente, da
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miséria das massas e, claro, da audácia de indivíduos sequiosos de poder e decididos a tudo para
triunfar".
Na tirania o poder se encontra concentrado nas mãos de uma única pessoa, que
dele dispõe como bem lhe aprouver. A tirania não respeita os princípios constitucionais, e também
não está baseada na legalidade, portanto o povo dela não participa, ficando a margem das
decisões políticas.
OLIGARQUIA
Oligarquia (do grego: oligos, pequena quantidade, archein, governar) é o regime
político em que o poder é confiado a um número restrito de pessoas. A Oligarquia, governo de um
pequeno número, não deve ser confundida com a aristocracia, que é o governo dos melhores, o
que implica num juízo de valor. Assim, todo governo aristocrático é oligárquico, mas nem todo
governo oligárquico é aristocrático.
Ainda sobre o tema escreve JOSEPH FOLLIET: “Geralmente, é pelo nascimento
que se designam os representantes das oligarquias. Os governos são recrutados entre
determinadas famílias patrícias, por oposição aos plebeus, ou entre os nobres, por oposição aos
comuns. Algumas vezes , é a riqueza que constitui o critério da eleição. É o caso dos regimes
censitários (da palavra census, imposto), onde somente são eleitores e elegíveis os cidadàos que
pagam um montante determinado de contribuições ao Estado. Sob a monarquia, Roma instituiu
um regime censitário com a criação dos cavaleiros romanos, recrutados pela sua
fortuna.”(Iniciacion Cívica, Buenos Aires, 1957, pág.75).
A história registra diversos exemplos de regimes oligárquicos:
a) o governo de Esparta, na Grécia;
b) o Senado Romano, no princípio da República (aliás, todas as repúblicas da
Antiguidade foram, na prática, oligárquicas, por causa da escravidão, embora se julgassem
democráticas);
c) os governos feudais da Europa, na Idade Média; da Etiópia (os negus e o rás); o
Japão no tempo dos shoguns (daimios, samurais e ronins);
d) algumas comunas de Flandres, da Alemanha ou da Itália do Norte
(especialmente Veneza);
e) as monarquias ou as repúblicas censitárias. São evidentes os defeitos e as
falhas dos regimes oligárquicos.
A pluralidade dos chefes determina quase sempre, competições pessoais e
divisões intestinas, muito prejudiciais à segurança do Estado e ao bem-estar do povo. Além disso
as oligarquias tendem, geralmente, a governar o Estado em função do seus próprios interesses em
detrimento dos interesses da coletividade.
É oportuna a máxima de LORD ACTON: “O poder corrompe; o poder absoluto
corrompe de modo absoluto”.
10.2 DEMOCRACIA
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Na acepção clássica de ARISTÓTELES: “é o governo do povo pelo povo”. Aquele
filósofo ao falar de povo, referia-se apenas aos homens livres das cidades gregas e não aos
escravos, que representavam a maioria, mas não possuíam qualquer direito. Aplica-se também a
restrição às democracias modernas que até bem pouco tempo não concediam direito de voto às
mulheres. O mesmo acontecendo com as “democracias populares”, dominadas por partidos
únicos e por governos ditatoriais.
A Democracia autêntica baseia-se na pluralidade dos partidos, no sufrágio
universal para todos os cidadãos e no respeito irrestrito à minoria e sua manifestação de vontade.
Entendendo-se por cidadão o indivíduo que tem capacidade legal para votar e ser votado. “A
democracia é o regime em que o governo é exercido por cidadãos, quer diretamente, quer por
meio de representantes eleitos, por esses mesmos cidadãos”.
Devemos entender a Democracia atual livre das amarras do pensamento e
concepções do século XVIII, quanto à organização e objetivos de um Estado Democrático de
Direito e onde haja equilíbrio entre a supremacia da liberdade e da igualdade, tendo por base o
homem social e os seus direitos fundamentais e inalienáveis de pessoa humana, eliminando a
injusta contradição entre igualdade e liberdade, dirigindo-nos para uma democracia social justa e
pacífica.
PINTO FERREIRA defende: “A democracia não é uma classe, nem uma facção,
nem um privilégio; é a nação proprietária do governo, o direito de escolha dos representantes
populares, o poder organizado da opinião nacional”
Continuando o mestre leciona: “há três concepções sobre o regime democrático,
a saber: a concepção clássica, afirmando que a democracia é o governo do povo; a concepção
liberal, sustentando que ela é o regime realizando uma técnica de liberdade através de uma
expressão pluripartidária; e a concepção de democracia econômica, que endossa a opinião de que
ela é uma técnica da igualdade”. (PINTO FERREIRA, 1998).
10.2.1) Democracia Direta, Semi-direta e Indireta ou Representativa.
Democracia direta
A democracia direta encontra suas origens na antiga Grécia (Atenas de Clístenes
e de Péricles) e Roma. A democracia direta teve como seu principal defensor Rousseau, que
acreditava ser esse o modelo ideal, pois o povo nela exerce a sua vontade integralmente e de
maneira direta sem qualquer tipo de interferência.
Rousseau sempre se mostrou avesso ao sistema de representação política, pois
nele os representantes eleitos pelo próprio povo poderiam a qualquer momento desvirtuar a
vontade popular e seguir apenas aos seus interesses próprios. Nessa linha de raciocínio a
democracia direta é a única capaz de cumprir integralmente o propósito a que se destina, que é o
de fazer prevalecer a vontade geral.
Como já dissemos anteriormente o governo democrático é aquele que tende a
coincidir, cada vez mais, com a vontade popular, embora esta coincidência até os dias atuais não
tenha sido plenamente alcançada. Na Grécia antiga conhecia-se a democracia direta ou
participativa, onde o povo se reunia nas praças públicas para resolver as questões da coletividade,
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da cidade-estado. Essa participação era tão mais possível quanto mais essas comunidades políticas
eram reduzidas, pois não se deve esquecer que nela o povo atua de maneira direta, sem
necessitar de intermediários. No entanto, atualmente só é possível encontrar a democracia direta
em alguns cantões da Suíça, onde os cidadãos se reúnem para votar as questões políticas. Esse
tipo de democracia se tornou inviável nos dias de hoje em razão da grande extensão territorial e
do excesso de população nos Estados modernos.
Democracia semi-direta
Entende-se por democracia semi-direta o sistema de governo em que há
representação política, todavia o povo pode intervir em alguns casos no campo legislativo. O
nosso País também adota o sistema de democracia semi-direta.
O povo exerce essa intervenção através do: veto popular, "referendum",
iniciativa popular, plebiscito e recall. O veto popular ocorre quando após a edição de uma lei
concede-se aos eleitores um prazo, que pode variar de sessenta a noventa dias, para que os
cidadãos a aprovem. Durante o transcurso desse prazo a referida lei fica com a sua vigência
suspensa, e se a vontade do eleitor for no sentido de não aprová-Ia ela ficará suspensa até as
próximas eleições, onde então será decidido se ela entrará em vigor ou não.
Já o referendo é urna das formas de manifestação da democracia direta, exercida
pelo povo sobre a validade ou não de uma lei de interesse público. O referendo se distancia do
plebiscito na exata medida em que versa sobre a aprovação ou rejeição de uma lei, uma
Constituição ou até mesmo um ato normativo. Portanto o referendo é uma consulta feita a
posteriori e não a priori corno ocorre com o plebiscito.
A iniciativa popular consiste na faculdade concedida ao povo de através de um
grupo de eleitores propor leis. Isso significa que por meio da iniciativa popular, um determinado
número de cidadãos, tem a mesma faculdade que os demais agentes públicos dotados de
capacidade para deflagrar o processo legislativo.
É dizer, ela é uma modalidade de exercício da soberania, consistente em propor
um projeto de lei à apreciação do Congresso Nacional. A essência da noção de iniciativa popular; é
a faculdade reservada a um certo número de cidadãos de propor diretamente ao Congresso
Nacional, sem interferência dos seus representantes parlamentares, um projeto de lei que seus
autores desejam ver transformado nessa categoria de norma. Cumpre dizer também que a
iniciativa popular das leis pode também ser adotada pelos Estados-Membros da Federação, sendo
conseqüentemente disciplinada por lei federal.
O plebiscito, por sua vez, nada mais é do que uma consulta a priori que se faz ao
povo para que este se manifeste sobre assuntos de grande interesse nacional, na maioria das
vezes de índole constitucional. O reconhecimento do plebiscito remonta a Antigüidade Clássica.
Ele tem sido empregado em várias ocasiões, em algumas delas de forma
distorcida quando serve para reforçar o poder de um autocrata. Todavia na sua essência é ele uma
das formas possíveis de exercício direto da democracia, uma vez que é o povo quem diretamente
expressa a sua vontade sobre a questão política que lhe é apresentada.
Na tradição do nosso direito constitucional os plebiscitos são, sobretudo,
voltados para a audiência das populações interessadas, por ocasião de mudança dos limites de
municípios e Estados-Membros e mesmo quando da criação de novos. Não faz muito tempo, foi
realizado um plebiscito em nosso País versando sobre a forma de governo a ser escolhida:
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parlamentarismo,
presidencialismo.
presidencialismo
e
monarquia.
Saiu
vitorioso
desse
plebiscito
o
O plebiscito, como já foi dito acima, se distancia do referendo na medida em que
ele trata de obter a vontade do povo a priori sobre um determinado assunto, ou seja, uma
consulta ao povo antes que haja um ato praticado.
O recall tem como objetivo destituir funcionários e juízes eleitos pelo povo,
tendo portanto aplicação local. Ele tem a sua origem ligada ao direito norte-americano
(Roosevelt). O recall é o meio pelo qual o povo pode revogar um mandato político ou reformar
uma decisão judicial tendo como fundamento um fato censurável. Esse instituto também foi muito
utilizado nos Estados Unidos, pois quando um magistrado não aplicava uma determinada lei por
considerá-Ia inconstitucional, mas os eleitores uma vez decididos pela sua constitucionalidade,
obrigavam o magistrado a aceitar a constitucionalidade da respectiva lei.
Em suma a democracia semi-direta é uma forma de democracia representativa
que permite algumas intervenções diretas do povo, através dos institutos do: plebiscito,
referendo, recall, iniciativa popular e veto popular.
Democracia indireta
A democracia representativa ou indireta, consiste na expressão da vontade do
povo através da eleição de representantes, quer dizer, o povo não pode exercê-Ia diretamente
mas apenas através de seus representantes.
Como é sabido a democracia pode ser exercida diretamente ou por
representação. Mas mesmo sendo exercida por meio de prerrogativas próprias da democracia, no
exercício do referendo, da ação popular - na Suíça temos a participação do povo na reforma da
Constituição -, não há negar-se que, ainda nos tempos modernos a democracia é eminentemente
representativa.
O que, segundo Rousseau, a própria negação da democracia, porque para ele
não é possível a representação, o povo só poderia exercer o seu poder de maneira direta. No
entanto, a experiência e a realidade fática, demonstraram que não há condições para esse
exercício direto sobre grande número de questões, tendo que o povo ficar restrito apenas a
algumas manifestações da democracia direta.
Portanto a maioria das decisões políticas são tomadas por representantes eleitos
pelo próprio povo. Na democracia representativa os Poderes Públicos são integrados por órgãos
representantes do povo, como o Senado Federal e a Câmara dos Deputados (Congresso Nacional).
A força do Estado encontra-se aqui na vontade popular, uma vez que é ela quem escolhe tanto a
representação parlamentar, como o Presidente ou o grupo colegial que forma o Executivo.
Vale dizer que uma das características fundamentais do governo democrático é
ser ele respeitador dos direitos individuais e coletivos. Portanto a democracia, nada mais é do que,
a mobilização da vontade popular feita com respeito aos direitos individuais.
Em razão disso há grande coincidência entre as expressões "democracia" e
"Estado de direito". A democracia é eminentemente evolutiva e atualmente tem aberto espaço
não só à procura de fazer valer a vontade popular, como também de não buscar a sua
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representação apenas nos representantes eleitos, mas também nas organizações civis da
sociedade, como as associações de classe, os sindicatos, os partidos políticos.
Trata-se portanto de uma democracia fundada na divisão do poder em três
órgãos diferentes: Legislativo, Executivo e Judiciário, mas com o reconhecimento de diversos
outros poderes dentro da sociedade: os poderes locais, regionais, municipais, dos EstadosMembros, das províncias, das Igrejas, das manifestações de defesa do consumidor, enfim, tudo
aquilo que possa representar a expressão dos diversos segmentos da vontade popular. São esses
interesses setorializados que, no seu conjunto, acabam por traduzir a predominância de uma
vontade única, que é a vontade popular.
ESTADO MODERNO E DEMOCRACIA
A idéia moderna de um Estado Democrático tem suas raízes no século XVIII,
implicando a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência
de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores.
A fixação desse ponto de partida é um dado de fundamental importância, pois as
grandes transformações do Estado e os grandes debates sobre ele, nos dois últimos séculos, têm
sido determinados pela crença naqueles postulados, podendo-se concluir que os sistemas políticos
do século XIX e da primeira metade do século XX não foram mais do que tentativas de realizar as
aspirações do século XVIII. A afirmação desse ponto de partida é indispensável para a
compreensão dos conflitos sobre os objetivos do Estado e a participação popular, explicando
também, em boa medida, a extrema dificuldade que se tem encontrado para ajustar a idéia de
Estado Democrático às exigências da vida contemporânea.
Para a compreensão da idéia de Estado Democrático, inclusive para que se
chegue a uma conclusão quanto à viabilidade de sua realização e à maneira de seu ajustamento às
exigências atuais, será necessária, em primeiro lugar, a fixação dos princípios que estão implícitos
na própria idéia de Estado Democrático, verificando-se, em seguida, quais os meios utilizados na
tentativa de sua aplicação concreta e quais as conseqüências dessas tentativas.
A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de governo do
povo, revelada pela própria etimologia do termo democracia, devendo-se estudar, portanto, como
se chegou à supremacia da preferência pelo governo popular e quais as instituições do Estado
geradas pela afirmação desse governo.
Depois disso, numa complementação necessária, deverá ser feito o estudo do
Estado que se organizou para ser democrático, surgindo aqui a noção de Estado Constitucional,
com todas as teorias que vêm informando as Constituições quanto às formas de Estado e de
governo. Só depois disso é que se poderá chegar à idéia atual de Estado Democrático.
Haverá alguma relação entre a idéia moderna de democracia e aquela que se
encontra na Grécia antiga? A resposta é afirmativa, no que respeita à noção de governo do povo,
havendo, entretanto, uma divergência fundamental quanto à noção do povo que deveria
governar. No livro III de “A Política”, ARISTÔTELES faz a classificação dos governos, dizendo que o
governo pode caber a um só indivíduo, a um grupo, ou a todo o povo. Mas ele próprio já
esclarecera que o nome de cidadão só se deveria dar com propriedade àqueles que tivessem parte
na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária.
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E diz taxativamente que a cidade-modelo não deverá jamais admitir o artesão no
número de seus cidadãos. Isto porque a virtude política, que é a sabedoria para mandar e
obedecer, só pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para viver, não sendo
possível praticar-se a virtude quando se leva a vida de artesão ou de mercenário.
Esclarece, finalmente, que em alguns Estados havia-se adotado orientação mais
liberal, quanto à concessão do título de cidadão, mas que isso fora feito em situações de
emergência, para remediar a falta de verdadeiros e legítimos cidadãos. A regra, entretanto, era a
restrição, que em alguns lugares era bastante rigorosa, como na Cidade de Tebas, onde uma lei
chegou a excluir das funções públicas quem não tivesse cessado, dez anos antes, qualquer
atividade comercial.
Como se vê claramente, essa idéia restrita de povo não poderia estar presente
na concepção de democracia do século XVIII, quando a burguesia, economicamente poderosa,
estava às vésperas de suplantar a monarquia e a nobreza no domínio do poder político.
Assim, pois, o que se pode concluir é que houve influência das idéias gregas, no
sentido da afirmação do governo democrático equivalendo ao governo de todo o povo, neste se
incluindo, porém, uma parcela muito mais ampla dos habitantes do Estado, embora ainda se
mantivessem algumas restrições, como se verá no estudo do sufrágio. A referência à prática da
democracia em algumas cidades gregas, em breves períodos, seria insuficiente para determinar a
preferência pela democracia, que se afirmou a partir do século XVIII em todo o hemisfério
ocidental, atingindo depois o restante do mundo. Foram as circunstâncias históricas que
inspiraram tal preferência, num momento em que a afirmação dos princípios democráticos era o
caminho para o enfraquecimento do absolutismo dos monarcas e para a ascensão política da
burguesia. Este último aspecto, aliás, foi o que levou muitos autores a identificação de Estado
Democrático e Estado burguês.
O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo,
sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. Daí a grande influência
dos jusnaturalistas, como LOCKE e ROUSSEAU, embora estes não tivessem chegado a propor a
adoção de governos democráticos, tendo mesmo ROUSSEAU externado seu descrédito neles. De
fato, após admitir que o governo democrático pudesse convir aos pequenos Estados, mas apenas
a estes, diz que “um povo que governar sempre bem não necessitará de ser governado”,
acrescentando que jamais existiu verdadeira democracia, nem existirá nunca. E sua conclusão é
fulminante: “Se existisse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Tão perfeito
governo não convém aos homens”. Apesar disso tudo, foi considerável a influência de ROUSSEAU
para o desenvolvimento da idéia de Estado Democrático, podendo-se mesmo dizer que estão em
sua obra, claramente expressos, os princípios que iriam ser consagrados como inerentes a
qualquer Estado que se pretenda democrático.
É através de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do
plano teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático: o primeiro
desses movimentos foi o que muitos denominam de Revolução Inglesa, fortemente influenciada
por LOCKE e que teve sua expressão mais significativa no BilI of Rights, de 1689; o segundo foi a
Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze
colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a
virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência direta de ROUSSEAU.
Quanto à Revolução Inglesa, dois pontos básicos podem ser apontados: a
intenção de estabelecer limites ao poder absoluto do monarca e a influência do protestantismo,
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ambos contribuindo para a afirmação dos direitos naturais dos indivíduos, nascidos livres e iguais,
justificando-se, portanto, o governo da maioria, que deveria exercer o poder legislativo
assegurando a liberdade dos cidadãos.
No “Segundo Tratado sobre o Governo” sustentara LOCKE a supremacia do
poder legislativo, que poderia ser exercido por vários órgãos, mas sempre sujeito ao povo. A
comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de se salvaguardar dos propósitos e
atentados de quem quer que seja, mesmo dos legisladores. E quem detiver o poder legislativo ou
o poder supremo de qualquer comunidade obriga-se a governá-la mediante leis estabelecidas,
promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio de decretos que surpreendam o povo.
Procurando caracterizar uma democracia, escreve LOCKE: “Tendo a maioria,
quando de início os homens se reúnem em sociedade, todo o poder da comunidade naturalmente
em si, pode empregá-lo para fazer leis destinadas à comunidade de tempos em tempos, as quais
se executam por meio de funcionários que ela própria nomeia: nesse caso, a forma de governo é
uma perfeita democracia”. Em sua opinião, entretanto, quando os poderes executivo e legislativo
estiverem em mãos diversas, como entendia devesse ocorrer nas monarquias moderadas, o bem
da sociedade exige que várias questões fiquem entregues à discrição de quem dispõe do poder
executivo. Resta, assim, uma esfera de poder discricionário, que ele chama de prerrogativa,
conceituando-a como o poder de fazer o bem público sem se subordinar a regras”.
Essas idéias, expostas no final do século XVII, iriam ganhar uma amplitude maior
nas colônias da América durante o século seguinte, sobretudo porque atendiam plenamente aos
anseios de liberdade dos colonos.
É importante assinalar também que essas afirmações de LOCKE representavam a
sistematização teórica de fatos políticos que estavam transformando a Inglaterra de seu tempo,
tais como a publicação da Declaração Inglesa de Direitos, de 1688, que proclamava os direitos e as
liberdades dos súditos, e a aprovação do documento que se tomou conhecido como Bill of Rights,
através do qual se fez a ratificação daquela Declaração, além de se afirmar a supremacia do
Parlamento.
A luta contra o absolutismo inglês também se desenrolou, em parte, nas colônias
da América do Norte. E, por circunstâncias históricas foi possível, e até mesmo necessário, levar-se
avante a idéia de governo democrático. Realmente, a par dessa posição anti-absolutista e da
influência protestante, os norte-americanos estavam conquistando sua independência e de nada
lhes adiantaria livrarem-se de um governo absoluto inglês para se submeterem a outro,
igualmente absoluto, ainda que norte-americano.
E não existindo, no momento da independência ou da criação dos Estados
Unidos da América, uma nobreza ou um Parlamento que fossem considerados os opositores
naturais do absolutismo, isto influiu para uma afirmação mais vigorosa de governo pelo próprio
povo. Uma síntese perfeita de todas essas influências encontra-se nas frases iniciais da Declaração
da Independência, de 1776, onde assim se proclama: “Consideramos verdades evidentes por si
mesmas que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade; que para proteger tais
direitos são instituídos os governos entre os Homens, emanando seus justos poderes dos
consentimentos dos governados.
Que sempre que uma forma de governo se torna destrutiva, é Direito do Povo
alterá-la ou aboli-la e instituir um novo governo, fundamentado em princípios e organizando seus
poderes da forma que lhe parecer mais capaz de proporcionar segurança e Felicidade”.
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Seguindo essa orientação é que se organizariam, primeiramente, as antigas
colônias e, mais tarde, os Estados Unidos da América, procurando-se garantir sempre a
supremacia da vontade do povo, a liberdade de associação e a possibilidade de manter um
permanente controle sobre o governo.
E, com base na afirmação da igualdade de direitos, afirmou-se, como um dogma,
a supremacia da vontade da maioria. Segundo JEFFERSON, a lex majoris partis constitui lei
fundamental de toda sociedade de indivíduos de iguais direitos, devendo-se considerar a vontade
da sociedade, enunciada pela maioria -ainda que de um único voto -, tão sagrada como se fosse
unânime, sob pena de se cair, inevitavelmente, sob o despotismo militar.
Um aspecto importante a ser evidenciado é que, tendo recebido apenas
malefícios do governo inglês, os norte-americanos associaram as idéias de democracia e nãointervenção do Estado, o que marcaria profundamente a organização e o funcionamento do
Estado norte-americano e dos que o seguiram, sendo muito recente o começo de superação dessa
identificação.
Essa manifestação de JEFFERSON se encontra em carta enviada a ALEXANDRE
HUMBOLDT, em 13 de junho de 1817. O terceiro movimento consagrador das aspirações
democráticas do século XVIII foi a Revolução Francesa. As condições políticas da França eram
diferentes das que existiam na América, resultando disso algumas dessemelhanças entre uma e
outra orientação.
Além de se oporem aos governos absolutos, os líderes franceses enfrentavam o
problema de uma grande instabilidade interna, devendo pensar na unidade dos franceses. Foi isto
que favoreceu o aparecimento da idéia de nação, como centro unificador de vontades e de
interesses. Outro fator importante de diferenciação foi a situação religiosa, uma vez que na França
a Igreja e o Estado eram inimigos, o que influiu para que a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, diversamente do que ocorrera na Inglaterra e nos Estados Unidos da América,
tomasse um cunho mais universal, sem as limitações impostas pelas lutas religiosas locais.
Declara-se, então, que os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos. Como fim da sociedade política aponta-se a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem, que são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão. Nenhuma limitação pode ser imposta ao indivíduo, a não ser por meio da lei, que é a
expressão da vontade geral. E todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou por
seus representantes, para a formação dessa vontade geral. Assim, pois, a base da organização do
Estado deve ser a preservação dessa possibilidade de participação popular no governo, a fim de
que sejam garantidos os direitos naturais.
Foram esses movimentos e essas idéias, expressões dos ideais preponderantes
na Europa do século XVIII, que determinaram as diretrizes na organização do Estado a partir de
então. Consolidou-se a idéia de Estado Democrático como o ideal supremo, chegando-se a um
ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários,
admitem que não sejam democráticos.
Uma síntese dos princípios que passaram a nortear os Estados, como exigências
da democracia, permite-nos indicar três pontos fundamentais: A supremacia da vontade popular,
que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e
dando margem às mais variadas experiências, tanto no tocante a representatividade, quanto à
extensão do direito de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários.
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A preservação da liberdade, entendida sobretudo como o poder de fazer tudo o
que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem
qualquer interferência do Estado.
A igualdade de direitos, entendida como a proibição de distinções no gozo de
direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes sociais.
As transformações do Estado, durante o século XIX e primeira metade do século
XX, seriam determinadas pela busca de realização desses preceitos, os quais se puseram também
como limites a qualquer objetivo político. A preocupação primordial foi sempre a participação do
povo na organização do Estado, na formação e na atuação do governo, por se considerar implícito
que o povo, expressando livremente sua vontade soberana, saberá resguardar a liberdade e a
igualdade.
BIBLIOGRAFIA:
RIBEIRO BASTOS, Celso, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, SP: Celso Bastos Editor, 6ª Ed. 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 26ª Ed. 2007.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 27ª Ed. 2007.
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