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Cemiterio de Santo Amaro-SP construído há 160 anos.

Construção, uso, manutenção e ampliações do cemitério de Santo Amaro, construído na época que Santo Amaro era município de São Paulo. Com a anexação de Santo Amaro ao município da capital paulista, o cemitério de Santo Amaro passou a ser a mais antiga necrópole paulistana pública.

1/17 Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Por Profa. Dra. Inez Garbuio Peralta O Cemitério de Santo Amaro contabiliza 160 anos de existência em 2017. Embora tenha sido considerado concluído em 1856, foi no dia cinco de janeiro de 1857 que se registrou oficialmente o primeiro sepultamento no local. No livro de óbitos da Matriz de Santo Amaro, consta que aos i o de janeiro de 1857 faleceu Theresa, menor de anos, filha de Joaquim e de Gabriela, escravos de Antonio Bento de Andrade e seu corpo, envolto em pano rosa foi sepultada o Ce itério pú li o, e sua al a re o e dada . Ao lado esquerdo dessa informação consta Theresa e . Es rª, 1º Esse registro foi feito pelo vigário Jesuíno Antonio de Araujo. Nosso cemitério público recebeu, portanto, sua primeira oradora , uma menina, menor de idade e filha de escravo, o que equivale a dizer que também era escrava. No mesmo Livro consta o último enterro na Igreja Matriz de Santo Amaro1, datado de 23 de dezembro de 1856 e que leva o número 153. Nesse dia faleceu Amaro, de 10 dias, filho de Antonio Rodrigues da Silva e de Antonia Maria. Informa o mesmo vigário que o corpo de um recém-nascido envolto em pano rosa, foi sepultado na Matriz e sua alma recomendada. Os enterros, antes da construção do cemitério, eram feitos no sa to , isto é, nas igrejas católicas ou nos adros das mesmas. a po O pastor Martin Begrich faz em seu livro, um relato de como eram feitos os sepultamentos na igreja de Santo Amaro: ... a antiga igreja de Santo Amaro era uma imponente edificação de taipa, cujo chão era composto de vários retângulos cada um com o comprimento de dois metros. Antes de cada enterro uma placa de madeira era levantada e na área livre era escavado com pás o tumulo e após a cerimônia o morto 1 Livro de Óbito da Matriz de Santo Amaro, 1849 – 1864. ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 2/17 era coberto com a terra removida, que era literalmente socada com um socador (pilão) de madeira para que a placa novamente coubesse na área do hão des o erta .2 O aumento da população de Santo Amaro de, mais ou menos, 2000 habitantes no início do século XIX, para mais de 4000 em 1854, inviabilizava todos os enterros na Igreja Matriz, e, por outro lado, os colonos chegados em Santo Amaro no final da década de 1830, não eram católicos. Uma primeira solução foi a abertura do cemitério da Colônia, na década de 1840. Não só o crescimento da população exigia um novo a po sa to . O aumento da cruzada contra os enterros nas igrejas, também cobrava a edificação de uma cidade para os mortos, fora das igrejas. Realmente, nem sempre era possível esperar-se a deterioração dos corpos para se abrir um túmulo. Por outro lado, muitas vezes, o odor exalado pelos corpos em putrefação e túmulos mal fechados prejudicavam os frequentadores da igreja Matriz. Esses fatores e ainda as recomendações Reais e o cumprimento da legislação em vigor, forçavam os dirigentes de Santo Amaro a acelerarem a construção de um cemitério público. Contudo a concretização dessa obra não foi uma tarefa fácil e rápida. O rei de Portugal, em Carta Régia de 1801, enviada ao vice-rei e capitão general do mar e terra do Estado do Brasil, Dom Fernando José de Portugal, ordenava que se construíssem cemitérios em terrenos que não fossem úmidos e que fossem lavados de ve tos para serem sepultadas, sem exceção, todas as pessoas que falecessem. A Lei de 1º de outubro de 1828 atribuía à Câmara a responsabilidade da construção de cemitérios fora do re i to dos Te plos , de comum acordo com a principal autoridade eclesiástica do lugar. Mas o jovem município nascido em 1832, não tinha recursos para edificar um cemitério. Desde a sessão de 15 de setembro de 1834, a questão da construção de uma necrópole esteve presente em várias sessões. 2 BEGRICH, Martin. Deutschtum und Protestantismus vergangener jahrhunderte in São Paulo. Festschrift zur 25. Wienderkehr des Einweihungstages der Deutschen Evangelischen kirche in São Paulo. Ein Beitrag zur Geschichte des Deustschtums in Sâo Paulo. São Paulo: Typografia Hennies Irmãos. 1933. ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 3/17 Muitas foram as tentativas para se obter verba para a construção da idade dos ortos . Os vereadores pediram para a Província (Estado), para a Irmandade, para a Igreja e para a população. Em 1854 até o vigário, padre Jesuíno, intercedeu junto à Câmara para construir o cemitério. Em 1855 finalmente foi escolhido o local para a edificação da necrópole. O terreno com uma área de 1870 m², foi comprado com 500$000 (quinhentos mil réis) concedidos pela Assembleia Legislativa Provincial. Adolpho Alves Pinheiro de Paiva, então secretário da Câmara, foi escolhido para ser encarregado das obras em junho de 1856. Com verba de várias procedências, o cemitério se tornou uma realidade no final de 1856. Assim os mortos deixariam de serem sepultados nas igrejas e em seus arredores e passariam a ser alojados longe das residências dos vivos. Vencia o partido do discurso médico/higienista, que insistia no perigo das moléstias que a degradação dos corpos poderia causar aos vivos. O cemitério público do município de Santo Amaro ficou concluído antes do cemitério público de São Paulo, que foi inaugurado em 15 de julho de 1858. Essa pequena necrópole de menos de 2000 m², logo foi considerada incapaz de receber todos os mortos que ali deveriam ser enterrados. Menos de 20 anos após a inauguração o espaço revelou-se insuficiente. Em 23 de janeiro de 1871 os vereadores da Câmara de Santo Amaro pediam o aumento desse espaço. Propuseram os edis aumentar-se mais 44 metros de frente por 26,40 metros de fundo. O município, então, contava com cerca de 5600 habitantes. Os anos se passaram e os enterros continuaram sendo nesse pequeno espaço. Nem sempre dava para esperar a decomposição dos corpos para se fazer a exumação. Os administradores reclamaram do perigo que corriam os coveiros ao abrirem sepulturas antes do prazo necessário para consumação dos corpos. Somente após a Proclamação da República o cemitério foi ampliado. ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 4/17 Nesse novo espaço a partir de maio de 1892, foram reservadas três quadras para os católicos e uma para os acatólicos. Em 1903, novamente o cemitério revelou-se saturado. Era preciso aumentar a área ou construir uma nova necrópole. Na sessão de 23 de setembro de 1903, José Zelling apresentou uma proposta para se aumentar mais cinquenta metros no fundo do cemitério, sendo que o fecho deveria ser de taipa. Em 1925, novamente o cemitério foi remodelado, sendo uma pequena área demolida e uma grande área construída, com a compra de novos terrenos do lado da antiga rua General Osório, atual ministro Roberto Cardoso Alves. Mais duas alterações e ampliações em 1936 e 1947, deixaram o cemitério com a configuração atual. A planta a seguir apresentada mostra as várias ampliações/remodelações do cemitério de Santo Amaro. Figura 1: Planta com as ampliações do Cemitério de Santo Amaro, de 1856 a 1936 ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 5/17 Os moradores da idade dos ortos Theresa foi a primeira de uma longa série de escravos, filhos de escravos e de ex-escravos enterrados no cemitério de Santo Amaro. A precária escrituração do cemitério e a perda de parte dos relatórios de administradores dificultam uma exatidão no número de sepultamentos realizados, principalmente nos primeiros anos de funcionamento dessa metrópole. Localizamos em várias fontes e acervos, registros de óbitos de livros de escravos sepultados no cemitério de Santo Amaro. Os registros das inumações feitas no período de 1857 a 1874 eram feitos pelos párocos das matrizes nos Livros de Registro dos Mortos. A média de sepultamentos anuais era de 100 mortos. Após 1874 e até 1890, tanto a Igreja quanto os Cartórios faziam o Registro dos falecidos enterrados no cemitério. Alguns administradores, como por exemplo Innocencio Alves Alvim, deixaram relatórios bem completos sobre os mortos sepultados no cemitério. Alvim fez um relatório do período de sua gestão, de 15 de maio a 31 de dezembro de 1892 e de 1º de abril a 30 de dezembro de 1893, com bastante informações. No primeiro período do ano de 1892, Alvim registrou 107 mortes, sendo 31 homens adultos e 25 homens menores; 26 mulheres adultas e 25 mulheres menores. No segundo período, ano de 1893, Alvim registrou120 mortes, sendo 29 homens adultos e 42 homens menores; 23 mulheres adultas e 26 mulheres menores. Ficamos sabendo ainda por esse relatório, as causas mais frequentes das mortes nesses períodos dos anos de 1892 e 1893 conforme a tabela abaixo. Cemitério de Santo Amaro – 1892 e 1893 Moléstias – Causa Mortis Nº de mortes Inviabilidade Fraqueza congênita Febre verminosa Vermes intestinais Tuberculoses pulmonares Hydropisia Marasmo senil 12 10 08 08 07 06 05 ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 6/17 Cemitério de Santo Amaro – 1892 e 1893 Moléstias – Causa Mortis Nº de mortes Febre perniciosa Febre tifoide Marasmo Opilação 04 04 04 04 Os bairros listados pelo administrador, bem como o número de mortes em cada um são os seguintes: Cemitério de Santo Amaro Mortes por bairro 1892 e 1893 Bairro Nº de mortes Vila Santa Cruz Guerras Guavirituva Ambura Taparuquera Alvarengas Boi Guassu Itahim Itaupú Cordeiro 26 06 06 06 05 05 04 04 04 04 04 No relatório foram elencados 38 bairros e a zona central da Vila. Além dos bairros mencionados na tabela acima, foram citados outros com menor número de mortes. Em cinco desses bairros, o número de mortos foi de 03; em quatro 02 e em dezenove bairros 01. Pela soma de óbitos temos 116 mortos, embora o Relatório apresente um total de 120. No ano de 1893, devido a epidemia de varíola, sepultaram-se 164 cadáveres. E em 1894, o número de enterros, foi de 180. Embora se considere que a gripe de 1918 tenha ceifado poucas vidas em Santo Amaro, constatamos que em três meses ocorreram 59 mortes por gripe entre 21 de setembro e 25 de dezembro de 1918. Morreram de setembro a dezembro de 1918, em Santo Amaro, 140 pessoas, sendo por gripe 59 e por outras moléstias 81 pessoas. Enquanto nesse ano de 1818 morreram e foram enterrados 293 pessoas, no ano seguinte esse número baixou para 282. ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 7/17 De 1818 em diante, até 1935, o número de mortes ora aumentou, ora diminuiu. A população de Santo Amaro cresceu significativamente nas primeiras décadas do século XX, passando de 7.132 habitantes em 1900 para 14.101 em 1920. Em 1934 Santo Amaro já abrigava 26.918 habitantes. A partir de 1935, até 1952, o número de enterros aumentou ano após ano. De 422 inumações registradas em 1935, passou para 1.161 em 1952. Felizmente a abertura de uma nova necrópole de mais de 138 mil metros quadrados, no Campo Grande, aliviou o movimento do que foi o cemitério do município de Santo Amaro, e, com a anexação do município a São Paulo passou a ser a mais antiga necrópole pública da cidade de São Paulo. No cemitério de Santo Amaro foram sepultados os mais ilustres moradores e dirigentes da região que foi município até 1935. Esportistas, artistas, pintores, escultores prefeitos, intendentes, vereadores e outros santamarenses, lá tiveram sua última morada. Figura 2: Casal - Escultura de Júlio Guerra Um personagem marcante das artes plásticas que repousa no cemitério de Santo Amaro é o pintor, escultor e escritor Júlio Guerra. Esse artista plantou suas obras por toda a cidade e também no cemitério. Ali estão duas belíssimas esculturas, uma de Jesus Cristo morto, com Maria Madalena e outra de um homem e uma mulher de mãos dadas e cabeças recostadas suavemente. Os prefeitos de Santo Amaro, Thiago Baptista da Luz Mendes (1894-1898), Antonio Forster (1908-1910), Izaias Branco de Araujo (1917-1928), Ruy ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 8/17 Pinheiro de Amorim Cortez (1930), Luiz Schmidt, Intendente (1899 a 1904) e vários outros, repousam no Cemitério de Santo Amaro. Inúmeros vereadores, presidentes de Câmara, como por exemplo Adolpho Alves Pinheiro de Paiva que presidiu a Câmara de 1877 a 1879, descansam em paz nessa necrópole. José Forster, comandante herói da guerra da Cisplatina, falecido em 1886, também jaz nesse cemitério. Um marco interessante foi levantado no cemitério, atrás da Capela, pela Colônia Italiana. Ali foi erigido um obelisco em homenagem ao rei da Itália, Umberto I, conhecido como o rei o , que foi assassinado. Figura 3: Obelisco em homenagem a Umberto I, no Cemitério de Santo Amaro A seguir, algumas fotos de J. Peralta mostrando um pouco do cemitério de Santo Amaro. ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 9/17 Figura 4: Detalhe da escultura de Júlio Guerra Figura 5: Jesus Cristo morto e Maria Madalena - Escultura de Júlio Guerra ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 10/17 Figura 6: Túmulo de Adolpho Pinheiro Figura 7: Túmulo de José Forster - Comandante da Guerra da Cisplatina ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 11/17 Figura 8: Rua interna do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 12/17 Figura 10: Interior da Capela do Cemitério de Santo Amaro Figura 9: Capela do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 13/17 Figura 11: Caminho da Capela do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 14/17 Figura 12: Panorâmica das ruas do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 15/17 Figura 13: Vista geral do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 16/17 Figura 14: Lápides de Thiago Luz e Manoel Branco de Araujo Mendes Figura 15: Lápide de Bento do Portão - que a população crê que faz milagres e é "santo" ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta 17/17 Figura 16: Portão principal do Cemitério de Santo Amaro ================================================================================== Cemitério de Santo Amaro, inaugurado há 160 anos Inez Garbuio Peralta