ROGÉRIO
G RECO
CURSO DE
DIREITO
PENAL
PARTE ESPECIAL
VOLUME li
ARTIGOS 121 A 154-B
DO CÓDIGO PENAL
ªbiir�
ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA
DE DIREITOS
REPROGRAFICOS
Resreite <.> Jireit<.> aut<.>ra1
ROGÉRIO
G RECO
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CURSO DE
DIREITO
PENAL
PARTE ESPECIAL
VOLUME ll
1 2� edição
Revista e atualizada até 1 º de janeiro de 201 5
Niterói, RJ
2015
© 2 0 1 5 , Ed itora I mp etus Ltda.
Editora Impetus Ltda.
Rua Alexandre Moura, 51 - Gragoatá - Niterói - Rj
CEP: 24210-200 -Telefax: (21) 2621-7007
Editoração Eletrônica: Editora lmpetus Ltda.
Capa: Rodrigo Bressane
Revisão de Português: Tucha
Equipe de Pesquisa: Patrícia Costa de Mello
Thiago Gomes de Carvalho Pinto
Impressão e encadernação: Edelbra Indústria Gráfica Ltda.
G829d
Greco, Rogério.
Curso de Direito Penal: parte especial, volume I I :
introdução à teoria geral d a parte especial: crimes contra a
pessoa / Rogério Greco. 1 1 ed. Niterói, RJ : l mpetus, 2 0 1 5 .
-
680 p. ; 1 7
x
.
2 4 cm.
I S B N : 9 7 8 - 8 5 - 7 6 2 6-8 1 5 -4
1 . D i re ito p enal - Brasil. 2 Crime contra a
pessoa - Brasil. 1. Título. li. Série.
CDD: 345.81
O autor é seu professor; respeite-o: não faça cópia ilegal.
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
-
É proibida a reprodução, salvo pequenos trechos, mencionando-se a fonte. A violação
dos direitos autorais (Lei n' 9.610/1998) é crime (art. 184 do Código Penal). Depósito legal na Biblioteca Nacional,
conforme Decreto n' 1.825, de 20/12/1907.
A Editora lmpetus informa que quaisquer vícios do produto concernentes aos conceitos doutrinários, às concepções
ideológicas, às referências, à originalidade e à atualização da obra são de total responsabilidade do autor/atualizador.
www.impetus.com.br
A os meus pais, jorge e E/ena, que, com simplicidade
e amor, m oldara m meu cará ter.
o AUT O R
Rogério Greco é Procurador de Justiça, tendo ingressado no Ministério Público
de Minas Gerais e m 1 989. Foi vice-presidente da Associação Mineira do M inistério
Público (biênio 1 997 - 1 998) e membro do conselho consultivo daquela entidade
de classe (biênio 2 0 0 0 - 2 0 0 1 ) . É membro fundador do Instituto de Ciências Penais
(!CP) e da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais, e membro
eleito para o Conselho Superior do Ministério Público durante os anos de 2003,
2 0 0 6 e 2 0 08; Professor de Direito Penal do Curso de Pós-Graduação da PUC/BH;
Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal da Fundação Escola Superior
do Ministério Público de M inas Gerais; Assessor Especial do Procurador-Geral de
Justiça j unto ao Tribunal de Justiça de M inas Gerais; Mestre em Ciências Penais
pela Faculdade de D ireito da Universidade Federal de M inas Gerais (UFMG);
Especialista em Direito Penal (Teoria do Delito) pela Universidade de Salamanca
(Espanha); D outor pela Universidade de Burgos (Espanha); Membro Titular
da Banca Examinadora de Di reito Penal do XLVII I Concurso para I ngresso no
Ministério Público de Minas Gerais; palestrante em congressos e universidades em
todo o País. É autor das seguintes obras: Direito Penal (Belo Horizonte: Cultura);
Estrutura jurídica do Crime (Belo Horizonte: Mandamentos); Concurso de Pessoas
(Belo H orizonte: Mandamentos); Direito Penal - Lições (Rio de Janeiro: Impetus);
Curso de Direito Penal - Parte geral e Parte especial (Rio de Janeiro: I mpetus); Código
Penal Comentado - Doutrina e jurisprudência (Rio de Janeiro : I mpetus); A tividade
Policial - Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais (Rio
de Janeiro: lmpetus); Vade Mecum Penal e Processual Penal (coordenador) ; Resumos
Gráficos de Direito Penal - Parte geral e Parte especial (Rio de Janeiro: Impetus); A
Retomada do Complexo do A lemão (Rio de Janeiro: Impetus); Virado do Avesso - Um
romance histórico-teológico sobre a vida do apóstolo Paulo (Rio de Janeiro: Nahgash);
Sistema Prisional - Colapso a tual e soluções alternativas (Rio de Janeiro: I mpetus);
Derechos Humanos, Crisis de la Prisión y Modelo dejusticia Penal (Espanha: Publicia
Editorial). É embaixador de C risto.
Fale d ireto com o autor pelo e-mail:
[email protected]
e pelo site: www. rogeriogreco.com.br
NO TA D O AU T O R
E ra u m final d e tarde. Jesus j á havia feito muitos milagres, quando pediu aos
Seus discípulos que O l evassem p ara a o utra margem do mar da Galiléia. D urante
a travessia, sobreveio uma grande tempestade, e as ondas, enormes, varriam
o barco, j ogando-o de u m lado para o outro. Todos fi caram apavorados com
aquela s ituação, p o i s temiam pela vida, uma vez que lhes parecia que o barco
não resis tiria à tempestade. E nquanto todos se preocupavam com a própria
segurança, Jesus dormia tranquilamente. Nesse m o mento, os discípulos vieram
acordá- Lo, clamando: "Senhor, salva-nos!" Jesus respondeu-lh es : "Por que sois
tímid os, homens de pequena fé?" E, l evantando-se, repreendeu os ventos e o
mar; e fez-se grande bonança. E maravilharam-se os homens, dizendo : "Quem é
este que até os ventos e o mar l h e obedecem?".
Quando medito nessa passagem bíbli ca, fico p ensando: Será que os discípulos
não sabiam com quem eles estavam? Será que, mesmo depois de tantos m ilagres
feitos por Jesus, ainda não conseguiam acreditar ser Ele o Filho de Deus? O Autor
da vida estava com eles naquele barco, e, ainda assim, sentiam-se amedrontados.
Quantas tempestades passam pela nossa vida e nos esquecemos dAquele
que tem poder para trans formá-las e m b o nança. Frequentemente, deparamos
com as tempestades da doença, da i ntolerância, da rej eição, das fraquezas, dos
concursos e m que não conseguimos ser aprovados e tantas outras, e não nos
lembramos d e que basta, si m p lesmente, olhar para o b arco e saber que a Solução
de todos os nossos problemas está bem ao nosso lado, somente aguardando que
peçamos a intervenção d E l e, a fim d e que os ventos e o mar sejam acalmados.
N ã o há dúvida alguma de que o D i reito Penal lida com tempestades.
A in fração penal praticada pelo agente traz uma tempestade para a vítima,
bem como, m uitas vezes, para seus familiares. Vej a-se a h ipótese do crime de
h o m icídio. Podemos imaginar os senti m e ntos que tomam conta da família da
víti ma, que passa a odiar o h o micida, a desprezar o E stado pela sua i mpotência
em evitar os crimes etc. D a mesma forma, podemos também visualizar a
tempestade que toma conta da vida do agente que, após p raticar o delito, vê-se
despojado de sua l i b erdade, s o frendo todas as agruras do cárcere e o repúdio da
sociedade, que o estigmatizará até o fim de sua vida.
N a verdade, de u m modo o u de o utro, a tempestade virá, e, com certeza, não
será o D ireito Penal que trará a b o nança aos nossos corações. A calmari a, a
sensação de p az, e n fim, os ventos e o mar som ente se dobrarão ao Senhor dos
céus e da terra, Jesus Cristo, o filho do D eus vivo que se fez carne entre nós.
A p artir de agora, não s e esqueça d e que a solução para as tempestades está
dentro de você, pois Jesus nos l egou o Espírito Santo, Consolador, a fim de que,
por intermédio d e Seu poder e autoridade, pudéssemos repreendê-las. O barco
é você, e Jesus está d entro dele.
Mais uma vez, não poderia perder a o po rtunidade de alertá-lo, l e itor, sobre
a total incapacidade deste pequeno manual de res olver as mazelas, mesmo
criminais, que e nvolvem a so ciedade. D esde o primeiro h o micídio, cometido
por Caim contra seu irmão Abel, a so ci e dade não cessa de p raticar toda s orte de
infrações penais, criando, ela m es ma, as próprias tempestades.
N o e ntanto, se por algum m o mento você s e encontrar bem n o centro da
to rmenta, não s e esqueça desta m e nsagem: Jesus C risto está com você e Ele tem
poder para acalmar qualquer tempestade, não i mp o rta a fo rça dela.
S e você ainda não conhece Jesus, o Filho de D eus, e se quiser ter u m encontro
pessoal com E l e, faça a o ração a seguir. S e concordar com o que vier a ler, diga
Amém e experime nte o poder que vem dos céus.
Senhor jesus, e u n ão Te vejo, mas creio q ue Tu és o Filho de Deus, que morreu
por mim n aq uele m adeiro pa ra a rem issão dos meus pecados. Recon h eço que Tu
és o ú n ico e suficiente salvador da m in h a alma. Escreva meu nome no livro da vida
e me dê a salvação e tern a. A m ém.
Es pero que você goste d este primeiro volume sobre a Parte E special do
Código Penal. O estudo i n icial, denominado " I ntrodução à Teoria G eral da
Parte Es pecial", fo rnece as ferramentas necessárias para a análise das figu ras
típ icas. Logo em seguida, são analisados todos os tipos penais contidos no Título
correspondente aos "Crimes contra a Pessoa".
Que D eus abençoe você. M a ranata!
Rogério Greco
S U MÁR I O
Capítu l o 1 - I nt rod u ção
à
Te o ri a Ge ral da P a rte Esp ecial . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . ............ .. . . . . . . .... . . . . 1
1.
Esclarecimentos preliminares
2.
Categorias f undamentais para o estudo d a teoria geral d a parte especial
2.1.
A objetividade jurídica
2.1.1.
2.2.
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... ..
................
O princípio da legalidade .
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. ... ................ .....
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. .... ............................... .........
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.. ...... .................. ...... ......... .......
.. ...
...
.
2.2.1.2.
Nullum crimen nu/la poena sine lege scripta
Nullum crimen nu/la poena sine /ege stricta
2 . 2 . 1 .4.
Nullum crimen nu/la poena sine lege certa . . .
.
........ .......
.. .
.. .......
..
A pena necessária
.
.
.
. ..
A pena suficiente
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.
. ...
..
. .... . ........
.. ..
.
21
.
..
.......
.. 32
..
............................................................................................................................................
38
3. 1.
Conceito
Tipicidade penal =tipicidade formal + tipicidade conglobante
. . .
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. .
25
29
36
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.... .. .... . ... . .................. ....
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........
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.. 19
. . 22
.
. .
......... ................ .......... ....... ..
14
. 16
...... .......
.. . .... ...... ..
.
4
.7
............................ ..
. ....................................... .......... ......................
3.2.
.
.
.
............... .. .. .... ................... ............................. ........ .................. ..... ........... .................
3.3.
Fases de evolução do tipo .
. .
3.4.
Classificação dos tipos penais
......... ..........
. ....... ... ...........
..
.
..
.
.
..
.
.
Tipo básico e tipos derivados
3.4.2.
Tipos normais e tipos anormais
3.4.3.
Tipos fechados e tipos abertos .. .
3.4.4.
Tipos congruentes e tipos incongruentes
3.4.5.
Tipo complexo
. . ..
.................. . ..
.
43
.
.
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............. ...... .............. .....
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............... . ....... ............
........................
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........... ........ .. .......... ... ...
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39
.................. . ....... .......... ..................... .............
3.4. 1.
.... ..... .. ...
.
.
.. ...
. .
.
Elementos específicos dos tipos penais
.
.
.
............... ... ......... ...... ........ .........
3.8.
Funções do tipo
Normas penais
.
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........ ...... ..... ..........................................
... ........
..
. .
. ............
. . ..
...... ................. .......... .. .... .. ........ ..... . ...
. ..
... .... . ........ ....... .......... ... ........................................... ...
... .
.
.. .
52
57
Teoria de Binding . .... .
. .
50
51
............................ ......... .......... . ...........................................................................
.
. .
47
56
.
.
47
...........
.
.
45
. . 49
... .....................
Tipicidade direta e tipicidade indireta
45
......................... ...
Elementos que integram o tipo complexo - objetivos e subjetivos .
3.6.
38
. .
....................... .. ....
..... .... ........................ ........ .............. ...... ....... ....
.
3.7.
4.1.
.
....... .......
2 . 2 . 1 .3.
A proporcionalidade das penas .
Do tipo penal
3.5.
..
............ . .......... ....
Nullum crimen nu/la poena sine lege praevia
2.3. 1 . 1 .
4.
.
3
................. ............ .... .... ....... . .. ................ .... .......................................
A sistematização dos tipos . . .
2 .3.1.
3.
.
.
. . ............
2.2. 1 . 1 .
1
... .................
O critério de seleção dos bens jurídico-penais e a criação típica . .
2.2. 1 .
2 .3.
.
...... .....................................................................................................
.. .
. .. .
.
.
..... .........................
.. ............ ... . ... ................ ..............
..
.
..
...........
.
58
. 59
................ ............. .... ..
4.2.
Normas penais incriminadoras e normas penais não incriminadoras
4.3.
Normas penais em branco (primariamente remetidas) .
. .
60
62
Ofensa ao princípio da legalidade pelas normas penais em branco
heterogêneas
5.
.
.. ......... .................... ... ........
4.3.1.
4.4.
..................
.
. .
.
.
.
.
........ .. ............................ .... ........................... ...................... ............ ......
Normas penais incompletas ou imperfeitas (secundariamente remetidas)
65
. 67
..... .
Escusas absolutórias, perdão judicial e ação penal... .............................................................. 6 8
.
68
... ....... . .................... ............ ................. ........................ ................... . ...............
..
69
........................................................................................................................................
72
5.1.
Escusas absolutórias
5.2.
Perdão judicial .
5. 3.
Ação penal
.
.
.
......................... ................. ......................................... ........... .................
..
.
.
.
5.3.1.
Ação penal de iniciativa pública
5.3.2.
Ação penal de iniciativa privada ..
....
..
..
6.
Majorantes e m inorantes
7.
Causas d e justificação e dirimentes .
8.
Rubricas ou indicações marginais
9.
Conflito ou concurso aparente de normas
.
..
.
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............ ...... .. ............. ....
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. ............ ............ ...
. ..
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. 77
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.................. ... ........... ............. ................. ...
1 0 . Classificação doutrinária das infrações penais . . . .
..........................
. .
..
.
.
........ .. ......
.. .
......................
.
... .......... ...... ......... .............
10. 1 .
Crimes e contravenções penais
10. 2 .
Crimes comissivos, crimes omissos (próprios e impróprios) e crimes de
conduta mista
73
74
.
.
79
79
83
. 84
................................................................... ...... ................. ..
.
.
.
.
.
. .
........... ...................................................... ....... .............. ................ ........ ... .........
10.3.
Crime consumado e crime tentado
10.4.
Crimes de ação pública e crimes de ação privada .
.
..
.
........ ...... . ................................................ ....................
.
. ...................... ..................................
10. 5.
Crimes dolosos e crimes culposos . .
10.6.
Crime impossível e crime putativo
..
.
.
.
.
.. ...... . ............. ........... ................. .... ..........................
.
.
.
..
10.7.
Crime material, crime formal e crime de mera conduta
Crime comum, crime próprio e crime de mão própria
10.9.
Crimes hediondos .
.
.
.
. .
. ..
.
. .
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.
.
89
90
91
.
.
88
.
.... ............ ........... .. ................
. .... .... .................... ... ...... ... . ......... ............ ........ .......................................
10.10. Crimes militares próprios e impróprios
86
. .
.............. .. .......... .................
.
85
. 88
.
........ ...... .... ........................... . ................. .... ......... ....
10.8.
.
78
.
............................ ........... ......... ..........................
93
96
10.11. Crimes qualificados pelo resultado (crimes preterdolosos ou
preterintencionais)
10.12. Crime continuado
..
.
.
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..... . . ................... ................. ................ ...
.
.
.
.
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.
. 97
................ ................ ............ . .
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.
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............ ...... ............ .... ...... .................................................... ............... ......
10.13. Crimes multitudinários
.
.
.
.
.
............................. .............. ........................... ........ .......... .................
10.14. Crimes de dano e crimes de perigo (abstrato e concreto)
10.15. Crimes simples e crimes complexos .
.
.......................................
.
.
.
.
... ................... ............ ................. .... ................. ....
10.16. Crimes qualificados e crimes privilegiados
10.17. Crime de bagatela
10.18. Crime falho
.
. 98
.
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....................................................................
.
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.
.
.......... ...... ......... ..................... .... ....................... . ................... ..... ...........
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.
.
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......... ................................................. ........................... .... ................................... ...
99
100
103
103
10 5
105
10. 1 9 . Crimes instantâneos, crimes permanentes e crimes instantâneos de
efeitos permanentes
10.20. Crime a prazo
.
......
.. . .
.
.
.
.
. .. . .
... ... ....... .............. ......... .... ...... ..
.
.
....... ....... ..................... ..................
..
.
. . ............ ...............................
.
. .
.... ....................................... .. .....................
106
107
10.21. Delitos de intenção: crimes de resultado cortado e crimes mutilados
de dois atos
.......................................
.. ..
.
.
..
.
.
. ..
...... ................. . ........... ........ ...... .
. . . 107
...................... .. . .
1 0. 2 2 . Crimes comuns, crimes políticos e crimes de opinião
..........................
1 0 . 2 3 . Crimes a distância, crimes plurilocais e crimes em trânsito . ...
. . ... .
..... . .
. .....
108
...........................
110
................................... ................... . . . .............. .................................................
110
... .
1 0.24. Crimes habituais
..
.
1 0 . 2 5 . Crimes principais e crimes acessórios
.
.
.
111
.. . .
112
.................... .............. .................................... .....
1 0 . 2 6. Infrações penais de menor potencial ofensivo
.
................ ..................................
1 0. 2 7. Crimes monossubjetivos e crimes plurissubjetivos
1 0 . 28. Crimes uniofensivos e crimes pluriofensivos
.. . ....
.
.............................. .....................
.
. . . . . . . . . .............................................. ........
113
114
1 0.29. Crimes d e subjetividade passiva única e crimes d e subjetividade passiva
dupla
..................... ...........................................................................................................................
1 0. 3 0 . Crime de ímpeto
.
..
1 0. 3 2 . Crimes exauridos
............................
.. .. .
...
115
115
.
115
. ....................................................................... . .......
. .. .. .
........................... .
..
. . ......................................................................... .......
1 0. 3 3 . Crimes d e atentado o u d e empreendimento
1 0.34. Crimes vagos
. ..
..
........... ............................................................................................ . .... .. . ....
1 0 . 3 1 . Crime progressivo
.
.
.
....................... .... ... ..................................
. ..
.
. .
.
............................................... ........... ... . ............ ....... ... .... ................................
1 0. 3 5 . Crimes ambientais
.
114
.
.... ..................... ..........................................................................................
116
116
117
1 0 . 36. Crimes unissubsistentes (ou monossubsistentes) e crimes
plurissubsistentes
. .
1 0.38. Crimes conexos
. .
11 7
.
117
............................ .. .... .........................
.
................................... .........................................................
1 0.39. Crimes falimentares
........
...
...............................
1 0.40. Crimes d e responsabilidade
1 0. 4 1 . Crimes subsidiários
1 0.42. Crimes funcionais
.
.............................................. ... ......................................... .... .....................
1 0. 3 7 . Crimes transeuntes e crimes não transeuntes
...
..
.
.... .......................
.
.......................................... ..........................
.
........................... ................... ...................................................
. . .. .
................................ .. .... .............. ............. ..... ...........................................
120
. .
.
.
.
.
1 0.43. Crimes d e ação m(tltipla ou d e conteúdo variado .
. .
.. ..................... .. ............................
1 0.44. Crimes d e forma livre e crimes d e forma vinculada
...................................................
1 0.45. Crimes d e ensaio o u d e experiência (flagrante preparado o u provocado)
1 0.46. Crimes remetidos
.................................................. ........................................ ...........................
123
.
.
.
.
................................ .......................................................................... .........
1 0.48. Crimes internacionais
.
.............................. ..........
.............................
..
..
.
......................... .........................................
1 0 . 5 1 . Crimes d e trânsito
-
125
.
.
.
.
.
. ................................. ........................ ............ .......
126
I nt rodução a o s C 1·imes co nt ra a Pessoa . ....... . . ...... . .. . . . ... . . . ........ . ...... . . ...... 1 2 7
Introdução
Cap ítulo 3
..................... ............. ....................
. .... .. .
........................... .
125
125
.
...
124
.......
..........................................................................
1 0.50. Crimes condicionados e crimes incondicionados
1.
122
123
1 0.49. Crimes emergentes
-
121
.......
1 0.47. Crimes aberrantes
Capítulo 2
119
120
. ............................ ........................................
.... ..
119
......................
........ . .
.
118
.
.
..
.
.
. .
..................................... ........................ ............ . ........... ................ ..... .. .........................
127
H o m i c í d i o .. ..... . . ...... . . . ..... . .. . . . . ....... . ..... . . .. . . ...... . ......... . ............... . ........... . .... . . ...... . 131
1.
O primeiro homicídio
2.
Homicídio simples, privilegiado e qualificado
3.
C lassificação doutrinária .. ....
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
................
..
.. ...
.
..............................
.........
.. . ..... .
. .
..................
...
.....
............
.. . .
....
..................
.
...
. . . ...
. . ............ ................... . . ..
.
.
....... ..................
....................
. ............ .........................................................
... . . .
. . . ..................................
.. .
132
133
.. .... ... 1 34
.
..
..
... .....................................
134
5.
Objeto material e bem juridicamente protegido
................................... ......... ......... ...........
6.
Exame d e corpo d e delito
7.
Elemento subjetivo
8.
Modalidades comissiva e omissiva
9.
Meios de execução
.
.
.
136
.......................................... .....................................................................
138
.
.
.
............................................................................................ ............... ..... ..........
.
.............................................. ...............................................
.
............................ ...........................
..
.
.
.
......... ................................... .................. ...
140
140
141
1 O. Consumação e tentativa ............................................................. ...................................................... 1 4 1
1 1 . Homicídio privilegiado
.....................................................................................................................
1 1. 1 .
Motivo d e relevante valor social ou moral
1 1. 2 .
Sob o domínio d e violenta emoção, logo e m seguida a injusta provocação
da vítima
.
.................................. .....................................................................................................
1 2 . Homicídio qualificado
12.1.
.
....................................................................... ...............................................
...................................................................................... ................
150
.
................... ...
1 54
...........................
157
Fins: para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem
de outro crime
.
.
1 4 . Homicídio culposo
1 5 . Aumento d e pena
1 6 . Perdão judicial
.
.
.................................. .................................. ............ .................................... .....
1 3 . Competência para julgamento d o homicídio doloso
16.1.
148
Modos: à traição, d e emboscada, o u mediante dissimulação o u outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido
1 2 .4.
144
Meios: com emprego d e veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura o u outro
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum
12.3.
143
Motivos: Mediante paga o u promessa de recompensa, o u por outro
motivo torpe; motivo fútil
12.2.
............. .........................................................
142
...........................................................
160
...............................
161
................................................................................................................................
165
.............................................................................................
..
158
.
.................................. ..................................................................................................
Perdão judicial no Código de Trânsito brasileiro
.
.
............ .............. .............................
168
170
1 7. Homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto d e prestação
de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio
1 8 . Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo
1 9 . Destaques
.
.... ...................................................
173
.....................................................
1 78
...............................................................................................................................................
181
19.1.
Homicídio simples considerado como crime hediondo
19.2.
É sustentável a hipótese d e homicídio qualificado-privilegiado?
19.3.
O homicídio qualificado-privilegiado como crime hediondo
1 9.4.
A presença de mais de uma qualificadora
19.5.
Homicídio praticado por policial militar - competência para julgamento
19.2.1.
............................................
.........................
Homicídio qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado?
181
182
..........
184
.................................
184
.......................................................................
185
19.6.
Diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia
19.7.
Transmissão dolosa d o vírus HIV
19.8.
julgamento pelo júri sem a presença do réu
19.9.
Homicídio decorrente d e intervenção policial
.......
............ .......................................
.
..................................... .................................................
............................................... ...................
.
.
............ ............................................. ...
186
187
188
189
190
Capítulo 4
-
I nd u zi m e nt o , I nsti gação ou Auxílio a Su i c í di o .................... ........ ........... 1 9 5
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Sujeito ativo e sujeito passivo
4.
Participação moral e participação material
5.
Objeto material e bem juridicamente protegido
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Consumação e tentativa
9.
Causas d e aumento de pena . .
.....................
.. .
... .....................................
....................................
...................
..
... ..
.
..
. ..
.............. ..
...
.............
.
.
..
...
. ..
....................
.........................
. . .......
.. .
. ..... .... . . ... ...
...... .
..
. ...
.
.
. .
....
...... 1 9 5
.
. . .
.. ..
.
.
..
. ..................................................................
......
......... . .. . ... . .. .. ..
.. .
..............
...
. .
.. .
.. .......
.. ..
..
.. .. .
.
.
. ..
. ......... ..
..........................
. ...
.......... ..
.........
.
.
.............. ...........................................................
. .............
...
. ..
......... ...
. . ..... ..... .
..... . .
.
. ......
.. ....
.
.....
.. .....
.
Suicídio conjunto (Pacto de morte)
Greve d e fome
.
1 1.3.
Testemunhas de Jeová . . . .. . .. .
1 1 .4.
julgamento pelo júri sem a presença do réu
. ..
. .. ...
... .
. ..
203
. . . 205
... . .. .. . ..... . 2 0 7
.. ..
.
.. .
.
207
......... . .. ........... .. .............
209
..................................................................
212
. ......... . ..............
.. . .
. . ....
..
. ..
........
.
207
208
.. ....... ...
..
201
.... ............................
..
... .
200
...........................................................................
.... ................
............................................... .
199
.... . .
...............................................................................................................................................
1 1.2.
197
. 200
................................................... ...................
1 1. 1 .
-
.
..... .
.. . ............
Ca p ítulo 5
.. ... .
... .. . .. .. ... . .. ........ . . .. . ..... ... .... 1 9 7
1 0 . Pena, ação penal e suspensão condicional do processo . .
1 1 . Destaques
.
. .
...... ..... . .. .
.
.....
...... .... .. ................................................................
................... . ........... ............. .
............
........
..... .
.. .
. .
I nfa nticíd io ..... .............. . .......... . ................................ . ................. .......... . ............ 2 1 3
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Sob a influência d o estado puerperal
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Limite temporal
6.
Elemento subjetivo
7.
Consumação e tentativa
8.
Modalidades comissiva e omissiva
9.
Objeto material e bem juridicamente protegido
....................................
1 0 . Prova d a vida
. ..
....... ..
..
........................... . ...................................................
.
................... .........
.......
...........
......
..........
......
........
... .. ..
.
.
..
. .. . 2 1 3
........... ..
.
. .
.
............ .... .........
..
.
.............. . ................................................... ....................
......................
.
.....
......
.. ... ..
...
....
......................... .......... . . . ........
.
. .. .
... ..................................... .
.
.. .....
.
.
. ..
. ...... .... .
.........
....
. . ... .
....... ... .
.
... ..... ....
.
............. .......................
.............
..
.
.......... ....
... ..
..
... ..
.
. ... 2 1 6
....... .
. ... 2 1 7
. ..... ...
. . ..
......... . .
..
.........
. 219
.
..
........................................................................
222
.......
.. .......
..
221
............................................................. .. .................................................. .....................
....... ..
.... .
220
221
.. .
. .....
214
.... ...
.......................................... ........................................................................
....................
214
.............................
. .
1 1 . Pena e ação penal ............
1 2 . Destaques
...
......
...
. . ......
............. . .
. ... .
...... . ... .... .
.
....... .............
.
. ......................................... ......
..
... .
. ......
... . .. . .. .. .. . ... . .... ..... ... .. 2 2 4
. .
.. ..
..
.
... .
. ..
.
..
.
.....................................................................
12.1.
Infanticídio com vida intrauterina
12.2.
Aplicação d o art. 2 0, § 3° (erro sobre a pessoa) a o delito de infanticídio
.
......... ...........................................................................
1 2. 3 .
Concurso de pessoas n o delito d e infanticídio
1 2 .4.
julgamento pelo júri sem a presença da ré
12.5.
Aplicação da circunstância agravante do art. 6 1 , li, e, segunda figura
.........
.
225
225
226
......................................... ....................
226
.....................................................................
230
................
230
Cap ítu l o 6 - Ab o rto .................................................................................................................. 2 3 1
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária ................................................................................................................. 2 3 3
3.
Início e término d a proteção pelo tipo penal do aborto
4.
Espécies de aborto
5.
Sujeito ativo e sujeito passivo
6.
Bem juridicamente protegido e objeto material
7.
Elemento subjetivo
8.
Consumação e tentativa
9.
Modalidades comissiva e omissiva
.............................................................................................................................................
....................................................
234
..................................................................... .......................................................
237
.
.
.
.
.
........................................ .......... .................................... ....... .......
238
............................................................................................................................
239
.
. .
.
............................................................. ........................ ... ....... ................
.
.
..... ....................................... ................................................
.
............................................................................ ............................................................
243
......................................................................................................
.............................................................................
1 4. Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo
244
245
.................................... ......................................................................................................
245
...............................................................................................................................................
251
.
Gestante que perde o filho e m acidente de trânsito
16.2.
Morte d e fetos gêmeos
16.3.
Agressão à mulher sabidamente grávida
................................................................................................
2 54
Gestante que tenta o suicídio
Crime impossível
Aborto econômico
..........................................................
.................................................................. ......................................................
.
..................................................................................... ...............................
1 6.8.
Ordem judicial
1 6.9.
Concurso de pessoas no delito de aborto
........................... ..................................................................................................
........................................................................
1 6 . 1 0. Gestante que morre a o realizar o aborto, sendo que o feto sobrevive
254
255
256
256
257
................
259
............... ......................................
259
............ ............................ ..............................................................
260
1 6 . 1 1 . Majorante nos crimes contra a dignidade sexual...
1 6. 1 2 . Aborto de feto anencéfalo
252
253
Desistência voluntária e arrependimento eficaz
1 6.7.
251
........... . . . .......................... . . . ..............................
1 6.4.
16.6.
...................................................
.............................................................................................................
16.5.
-
243
.....................................................
1 5 . Aborto legal
Capítulo 7
241
242
1 3 . Julgamento pelo Júri, sem a presença d a r é
16.1.
240
...................................... ....................................................................
1 2 . Meios d e realização d o aborto
1 6 . Destaques
238
...................................................................
1 0 . Causas de aumento d e pena
1 1 . Prova d a vida
232
.
Les õ e s Co rp o ra is .. . ............................. ..................... ................ .................. . ...... 2 6 1
1.
Introdução
.
2.
Classificação doutrinária
3.
Sujeito ativo e sujeito passivo
4.
Objeto material e bem juridicamente protegido
5.
Exame d e corpo d e delito
6.
Elemento subjetivo
........................ ....................................................................................................................
.
............................................................... ................................ .................
........................................................................................................
.
265
265
266
............................... ............................................. ..................................
266
..... ......................................................................................................................
267
.
.
...................................................................
262
7.
Modalidades qualificadas
.
.
..... ..................................................................... ....................................
7.1.
Lesões corporais graves
7.2.
Lesões corporais gravíssimas
.
.
.......... ............................. .......... ..... ..... ................................ .............
8.
Lesão corporal seguida de morte
9.
Lesão corporal culposa
.
274
.................................................................................................
278
. . .
.
......... ... ... ............................................................. .....................................
........... .............................................. .......... ... ........ ............. ..........................
1 1 . Diminuição d e pena
....................... ..................................... ..................................... ........ ..............
1 3 . Aumento de pena
14. Perdão judicial
268
......................... .....................................................................
1 0 . Violência doméstica
.
1 2 . Substituição da pena
267
.
.
. .
.
.
.
.
.
283
284
.......... ....... ...................................................................... ......................................
2 85
.
.
.
280
.............. ...........
.............................................................. ..............................
..
.
279
.
.
. 286
................................................................................................. ................................. .
1 5 . Modalidades comissiva e omissiva
1 6 . Consumação e tentativa
.................................... ..........................................................
.
.
.
.
.
............. ............................... ............. .............................. .......... .............
286
287
1 7. Pena, ação penal, transação penal, competência para julgamento e suspensão
condicional do processo .
. . 287
.. .......................................................................................................... ...
1 8 . Destaques .
...................................................................................
..
.
.
1 8. 1 .
Princípio da insignificância, lesões corporais e vias de fato
1 8. 2 .
Consentimento d o ofendido como causa supralegal d e exclusão da
ilicitude
Cap ítulo 8
-
.
.
2.
Momento d e avaliação d o perigo:
3.
Consumação d o crime d e perigo
4.
Perigo individual e perigo coletivo (ou transindividual)
5.
Natureza subsidiária dos crimes de perigo
-
290
290
294
Da P e ricl itação da Vida e da Saú de ......................... . .................................. 297
Conceito e espécies de perigo - concreto e abstrato
Capítulo 9
...................................
............ .................... ....................................... ............. ........................... ..........................
1.
...........................................................
297
ex ante o u ex post.. ......................................................... 3 0 1
.
.
.
.
................ ................... ............... .................................... ........
...................................................
.
................................................. ...........................
302
302
303
P e rigo d e Co nt ágio Ve né re o ......................................................................... 3 0 5
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Sujeito ativo e Sujeito passivo
4.
Objeto material e bem juridicamente protegido
5.
Elemento subjetivo
6.
Consumação e tentativa
7.
Modalidade qualificada
8.
.
.............. ........... ........... ..................
......................................
..
.
. 305
.................................................... ............................................. ..
.
.
.
.
.
.
....... ................... ............. ............................ ..................... .............. .....
.
.
.
............. ...................................... ............................ .....................
307
307
...................................................................
307
............. ..............................................................................................................
308
.
.
.
.
.
310
.
310
...................................................... ...................... ....... ...... ......................
............................................................................................. ......................
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
..................................................................................................................................................
311
9.
Prova pericial
1 0. Destaques
.................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...................................................................................
312
. . . . . . . . . . . . . . . . . ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . ...........................................
313
10.1.
Consentimento d o ofendido
1 0. 2 .
Necessidade de contato pessoal
1 0. 3 .
Efetiva contaminação d a vítima
1 0.4.
.
. . . . ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..........................................
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.
....................... .............................................................. ....
313
3 14
316
Crime impossível - Vítima já contaminada pela mesma doença, ou, ainda,
a hipótese do agente já curado
.
.
. . . . ...................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 0. 5 .
Transmissão d o vírus H I V . .
10.6.
Morte da vítima quando era intenção do agente transmitir-lhe a doença . .
... . .....................................
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
... ...
317
317
318
Cap ítul o 1 0 - Pe rigo de C o n tágio d e M olé stia Grave . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . ..... . . .......... . . . . ... . . . . 3 1 9
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .
321
S.
Elemento subjetivo
. .
.........................................
321
6.
Consumação e tentativa
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
322
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Exame d e corpo d e delito
9.
Pena, ação penal, suspensão condicional d o processo
1 0. Destaques
......................
.
.
...... ............................
319
........ .......................................... .............. ...............................................
320
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.
.
.
.
........ ..........................................................
.
.................... ..
.................... ......
.
.
................................. .......................
..
320
. . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
322
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
322
. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
323
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
323
.
10.1.
Utilização de objeto contaminado que não diga respeito ao agente
1 0. 2 .
Crime impossível
1 0. 3 .
Vítima que morre e m virtude d a doença grave
1 0 .4.
Transmissão do vírus HIV
..
.
..
.
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
....................
..
....................... . ......
.
........................................................ ....
.
.
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
323
323
324
324
Capítulo 1 1 - P e rigo para a Vida o u S a ú d e de Outrem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2 5
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária ................................................................................................................. 3 2 8
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
S.
Modalidades comissiva e omissiva
6.
Consumação e tentativa
7.
Elemento subjetivo
8.
Causa especial de aumento d e pena ........................................................................................... 3 3 0
9.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . ....... . . . . . . . . . ............
...........................................
.
. ...
.
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .....
.
.
329
329
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .
329
. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
329
........ .............. ............ ..........
. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
...................
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
325
.. .
.
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330
Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional do
processo
..................................................................................................................................................
330
1 0 . Destaques
.........................................
.
...........
. . . .
...
...
... ..............
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......
.
.
.......... .......
10.1.
Quando o agente produz perigo a um número determinado de pessoas .
... ......
331
1 0. 2 .
Consentimento d o ofendido
. .
331
1 0. 3 .
Resultado morte ou lesões corporais .
1 0.4.
Possibilidade de desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de
.
................. ............. . . . . . . . . . .. . . . . . ............................. . . ... ....... .. ......
..
.
. ..
... ...................... . ............ ........ ..
morte .
.
.
.
.
.........................
.
.
.. ................................. ............ ........... .............. ............................... ......................... ........
1 0 . 5.
Disparo de arma de fogo em via pública
Capítulo 1 2
-
........................................... . . . . . . ............ . ............
331
332
333
Ab a n d o n o d e I ncapaz . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 3 5
1.
I n trodução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo .
5.
Consumação e tentativa
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
6.
Elemento subjetivo
..
..
7.
Modalidades comissiva e o missiva . .. .
8.
Modalidades qualificadas
9.
Causas d e aumento d e pena
.
...................... ....
.........
.
.......................
335
. . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
337
..........
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......... ....... .. ........... ..................................
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337
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338
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. ...................... ...........
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......
339
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340
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. . . ......
...
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................................
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......
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......
.
. .
. .
339
. . . . ........ .
. ..
.
337
...
.........
.
............
..
1 1 . Destaques .
.
.
..
......
..
. . .
...... ...
........................
.
..
.
.
..... ............................ ............................................................... ........
1 0 . Pena, ação penal e suspensão condicional do processo
..
.....
. . .
...
...
.....
341
.......................
342
........................
342
1 1.2.
Aplicação d a majorante em razão d a união estável
.................. ..................................
343
-
..
......
.
............................................................. .......
.
.
Quando d o abandono sobrevém lesão corporal d e natureza leve
Cap ítulo 13
.
.
................ ........
340
1 1.l.
.
............................. .
Exp os ição ou abandono d e re cém - nasci do
...
.
....
...............
...
.....
..
...... . ................
1.
Introdução
2.
C lassificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
C onsumação e tentativa .
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva .
8.
Modalidades qualificadas .. . .. ..
9.
Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional d o
.
. ..
. 345
.......
345
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .......
34 7
.
.
...
.
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...
......
.
......
.
..
34 7
........... .................................
34 7
.
.
348
. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .
348
........................................................................
348
............................................................. ..........
...........................................................
.................
.......
..........................................................
.......................... . . . . . . ......
.........................................
..
Capítulo 1 4
.
.................................................................... . . . . . . . . . . . . . ................. . . . . . . . . . . . . . . . . ........ . . . . . . .
...
processo
1.
331
. .
..
.
............ .............
....................................
.
.
............
.
..................................................
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
-
349
349
Omissão d e Socorro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 5 1
Introdução
......
.
......
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.
.......................
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.............
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............
...
.
....... ................
. .
...
......
.. .
.
........
. .. .. . 3 5 1
.
.
...
.
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Causas d e aumento d e pena
8.
Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional do
processo
9.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
...................................................................
.
358
. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
360
............................................................................................................................
362
. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
...............................................................................................................................................
9.1.
Agente que não socorre vítima atropelada temendo agravar a situação
9.2.
Concurso d e pessoas nos delitos omissivos
9.3.
Agente que imagina que corre risco, quando na verdade este não existe
9.4.
Obrigação solidária e necessidade de ser evitado o resultado
9.5.
Omissão de socorro no Estatuto do Idoso
9.6.
Omissão de socorro no Código de Trânsito brasileiro
9.7.
Recusa da vítima em deixar-se socorrer .
Capítulo 1 5
-
358
....................................................... ........ ........................................
..................................................................................................................................................
Destaques
357
364
365
366
...........
366
...................................................................
366
.........
368
...............................
369
.......................................................................
369
...............................................
370
.........................................................................
371
C o n d icio n a m e nto d e ate n di m ento m é d ico- hosp itala r
e m erge n ci al . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7 3
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Causa especial d e aumento d e pena
9.
.............................................................................................................................................
.
............. ...................................................................................................
373
377
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
377
. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 78
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............
3 78
............................................................................................................................
3 79
.................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
...........................................................................................
379
3 79
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o
processo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .
1 0. Obrigação d a afixação
10.1.
Destaque
Capítulo 1 6
-
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . .
380
..................................................... ...................................................................................
380
Maus-Tratos
.
3 79
.............. ................. ........................... . ....... . ....... . ......... . ............. . .
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .........
.................................................................................................................
...................................................................
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
381
381
386
386
387
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo ............................................................................................................................ 388
7.
Modalidades comissiva e o missiva
8.
Modalidades qualificadas
9.
Causa de aumento de pena
. .
.
.
. .
. .
. 387
. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
..............................................................................................
.
..................................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........
.............................................................................................................
388
389
390
1 0 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . ...............
1 1 . Destaques
. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .
391
11.l.
Maus-tratos contra idoso - art. 9 9 da Lei n º 1 0 . 7 4 1 / 2 0 0 3 ...................................... 3 9 1
1 1.2.
Maus-tratos e crime d e tortura
............................................................................................
1 2 . Maus-tratos à criança e/ao adolescente
Capítulo 1 7
-
. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......
392
392
Rixa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 9 5
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária .
3.
Objeto material e bem juridica mente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades c omissiva e omissiva .
8.
Modalidade qualificada
9.
390
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.
.
. ........................... ................... ..................................................... .........
.
.
395
398
. . . . . . . .. . . . . . . . ..................................... ............
398
........................................................................................................
399
. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
399
............................................................................................................................
401
.............................................................................................
402
. . . . . .. . . . . . . . . . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
402
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o
processo
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 0 . Destaques
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
10.1.
Inimputáveis e desconhecidos integrantes da rixa
1 0. 2 .
Meios d e cometimento do delito d e rixa
10.3.
Vias de fato e lesão corporal de natureza leve
1 0.4.
Lesão corporal de natureza grave e morte resultantes da rixa
10.5.
403
403
.....................................................
403
..........................................................................
404
............................ ...... ............................
..............................
405
405
Concurso de crimes entre a rixa (simples o u qualificada) e as lesões
corporais leves ou graves, e o homicídio
.........................................................................
406
............................................................................................. ..............................
408
10.6.
Grupos opostos
10.7.
Rixa simulada
1 0.8.
Participação na rixa e participação no crime de rixa
10.9.
Possibilidade de legítima defesa no delito de rixa
Capítulo 1 8
-
.
.
. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
409
.................................................
409
............................. ..........................
410
Dos Crimes co ntra a H o n ra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1 3
1.
Introdução
2.
Meios d e execução n o s crimes contra a honra
.............. ....................... ............................................................... . . . . . . . ..... .............................
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
415
417
3.
4.
Imunidades dos Senadores, Deputados e Vereadores
. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
418
Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria, de competência
do juiz singular
Capítulo 1 9
-
....................................................................................................................................
420
Calúnia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2 1
1.
Introdução .
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Agente que propala ou divulga a calúnia
8.
Calúnia contra os mortos
9.
Exceção d a verdade
.
.......
.
..............................
421
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
424
....................................................................
..............................................
.
.
...............................
.........................................
424
. . . . . . . . . . . .................... . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
424
..
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
42 7
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
428
......... .... ....
. .
......................
. .
.
..
........
429
........................................................
430
. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
430
.........................................................................
........................................................
................... .................
.
.
.
1 0. Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o
processo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .
1 1 . Destaques
.........................................................
436
..........................................................................
436
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . ....................................
437
...... ...............................................................................
1 1.1.
Pessoas desonradas e crime impossível
1 1. 2 .
Calúnia implícita o u equívoca e reflexa
1 1.3.
Exceção d e notoriedade
1 1 .4.
Calúnia proferida no calor de uma discussão .
.
..................
438
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......................................
438
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
1 1.5.
Presença d o ofendido
1 1 .6.
Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa
. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.
..............................
......................................................
1 1 . 7.
Consentimento do ofendido
1 1.8.
Calúnia contra o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal,
Diferença entre calúnia e difamação
1 1. 1 0 . Diferença entre calúnia e injúria
.
-
.
. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
440
440
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
440
. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ............ ..... ....................
441
1 1 . 1 1 . Foro por prerrogativa de função na exceção da verdade
Capítulo 20
438
. 439
..................................................................................................
o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do ST F
1 1.9.
435
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
441
D i famação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 3
1.
Introdução
.................. ..........
443
2.
Classificação doutrinária .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
444
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
......................................
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.......................
...
..................... .............................................
.
444
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
445
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .........
446
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
448
7.
8.
Exceção da verdade
.
448
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
9.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
........................ ............................ ............................ ........................................... .......................
D estaques
..........
.
.
.............. ..................
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9.1.
Consentimento do ofendido
9.2.
Presença do o fendido
9.3.
Difamador sem credibilidade
9.4.
Divulgação ou propalação da difamação
9.5.
Difamação dirigida à vítima
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .....
.
.
.
.
........... ........................ .............. ..................................................... .....
...............................................................................................
.
.
.
.
.
.... .... ................. .... ............... .........................
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9.6.
Vítima que conta os fatos a terceira pessoa
.
9.7.
Agente que escreve fatos o fensivos à honra da vítima em seu diário .
9.8.
Exceção d e notoriedade
-
450
450
450
450
451
451
. 452
. . . . . . . . . . . . . . . . ............................ ..... . . . . . . . . . . . . . . . ..
. . ..............
Capítulo 2 1
449
.
.
.
.
452
. 453
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
I njúria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 5 5
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Meios de execução e formas de expressão da injúria
8.
Perdão judicial
9.
Modalidades qualificadas .
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .
455
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
457
..............................
..............
......
.
.
....... .......................................
............................
457
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
457
.. .......................................................
458
.......................
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .
.
.
..... ..................................................
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.............
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................
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.
......
.
....
.
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .
. .
.. ............. .........................
.
.............. ....................................................................
.
..........................
458
459
461
462
1 0 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o
processo
.
.
....... ...... ................................ ....
465
.......... .................................................. .............................................
466
................................ .................. ..........................................
1 1 . Destaques
.....................................
.
.
.
.
11. l.
Injúria contra pessoa morta
1 1.2.
Contexto da injúria
1 1.3.
Discussão acalorada
1 1 .4.
Caracterização da injúria mesmo diante da veracidade das imputações
1 1 .5.
Injúria coletiva
Capítulo 2 2
-
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................
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.
.
.
.............. ............................................ ............. ........................................
4 67
468
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . . .
468
.
.
.
.
.
.
D i s p o s i çõ es C o m u n s aos C ri m es contra a Ho nra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 469
Causas d e aumento de pena
2.
Exclusão d o crime e da punibilidade
3.
Agente que dá publicidade à difamação ou à injúria, nos casos dos incisos
...............
do art. 142 do Código Penal .
Retratação
467
. . . .......
1.
4.
466
.
..................................
. .
..................................
............ ....................
469
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .
474
...
.
...................
.............................................................
.
.
.
1
e III
.....................................
. .
483
.
483
.. ...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5.
Pedido de explicações .
6.
Lei de imprensa não foi recepcionada pela nova ordem constitucional ...
........
.
.
. .
.
.
.
484
................................ .............. ... ...................... ....... .................. .......
.
486
............ .....
Capítulo 2 3 - Co nstrangi m e n to Ilega l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 8 7
1.
Introdução
.
.
.
487
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa .
6.
Elemento subjetivo ............................................................................................................................ 4 9 1
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Causas de aumento d e pena
9.
Concurso d e crimes
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
.............
489
...................................................................
490
. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
490
..................... ...
...............................................
.
.
..... ...................
.
.
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
.
.
.
. .
.............
49 1
........ ....................
491
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .
492
.
............................ ................................................
.
1 0. Causas que conduzem à a tipicidade d o fato
.
490
............ ..............
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........
................................. ..................
.
.
. .
...
.
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . ....
494
1 1 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
..................................................................................................................................................
1 2 . Destaques
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .
12.1.
Vítima que é constrangida a praticar uma infração penal
1 2. 2 .
Vítima submetida a tortura a fim d e praticar um fato definido como crime
1 2 .3.
Suicídio como comportamento ilícito, porém atípico
1 2 .4.
Consentimento do ofendido
12.5.
Vias d e fato em concurso com o constrangimento ilegal ...
1 2 .6.
Constrangimento exercido para impedir a prática de um crime
1 2 .7.
Constrangimento exercido para satisfazer uma pretensão legítima
Ca p í tul o 24
-
Ameaça
.
................................................
497
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
498
. .
.
.... . . .
.
.. .
.
.........
.
.
... ...
...
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
.
.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido .
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
...............................................
6.
Elemento subjetivo
.................................. .........................................................
......................... .............. ....... ....... .............. ...................................................... ..............
.
.
........................................................................................... ................. ...
.
501
503
505
......................................... ..........................
506
.... ...................
.
......
.
.
501
..........................................
.
.
500
503
.............................................................
.
499
499
............
. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
................
507
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
8.
...................
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.
7.
.
............ ...... ...................
Introdução
.
495
. 496
1.
........
495
.......
....... . . . ....... . . ......... . .
.
.......................................
49 5
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Destaques .
................................
.
.
..
. ................................
.
....
.
.
.
........................... ......................
.
.... ................... ................................................. ...................
8.1.
O mal deve ser futuro?
8.2.
Legítima defesa e o crime de ameaça
.
.
.....
.
........
.
................................ ...................... ............................................. ........
............................................... ......................... ........
508
508
508
510
8.3.
Verossimilhança do mal prometido
................................ ................ ...................................
8.4.
Ameaça supersticiosa
8.5.
Pluralidade de vítimas
8.6.
Ameaça proferida em estado de ira ou cólera
8.7.
Ameaça proferida em estado de embriaguez
.
........................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ..................................
....... ................... ............... . . . ............... ..................................................
513
514
Possibilidade de ação penal por tentativa de ameaça
Ameaça reflexa
................................................
514
............................................................................................................................
515
S e que stro e Cárcere Privado
I ntrodução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Modalidades qualificadas
9.
Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .
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517
518
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
519
........................................................................................................
519
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .
520
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
521
..............................................................................................
522
........................ ........................................................................................
522
.....................................................
527
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
527
10.1.
Consentimento d o ofendido
1 0. 2 .
Subtração d e roupas d a vítima
1 0. 3 .
Participação ou coautoria sucessiva
1 0.4.
517
. ........ . . ....... . . ........ ........ . .................. . ........ .....
1.
1 0 . Destaques
513
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................
8.9.
-
512
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .................................
8.8.
Capítulo 2 5
511
..................................................................................................
.
.
. . . . . . . ...................... . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......................
. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .
.
..........................................................
527
528
529
Sequestro e roubo com pena especialmente agravada pela restrição da
liberdade da vítima
. . . . . . . . . . . ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 0 . 5.
Sequestro e cárcere privado no Estatuto da Criança e do Adolescente
10.6.
Sequestro e cárcere privado na Lei de Segurança Nacional
1 0 .7.
Sequestro e cárcere privado e a novatio legis in pejus
Cap ítulo 2 6
-
R e d u ç ã o a C o n d i ç ã o Análoga
à
de Escravo
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Causa de aumento de pena
8.
Pena e ação penal
529
. . . . . . . . . .....
531
. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
532
....................................... .........
532
533
...... . ...... ..............................
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.................................................................................................................
................. ...............
.
................................
537
. 537
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
538
... .......................
538
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
538
........................................................................................
.
533
.
.............................................................................................................
.
.
........................................................ ................................................................... ...
538
5 39
Capítulo 2 7
-
Violação de Dom icílio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4 1
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária .
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva .............................................................................................. 5 4 8
8.
Modalidade qualificada
9.
Causa d e aumento d e pena
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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.
.
............... . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ......................... . . . . . . .. . . .. . . ............... ............
...................................................................
. .
.
542
545
545
...................................................................................... .. .......... ...
545
. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
546
. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
547
. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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549
550
1 0 . Exclusão d o crime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 5 2
1 1 . Conceito legal d e casa
................... ....................................................................................................
553
1 2 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
. . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..............................
554
1 3 . Destaques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 5 5
13.1.
13.2.
Concurso de crimes
....................................................................................... ............................
Casa vazia ou desabitada e casa habitada, com ausência momentânea do
morador
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
13.3.
Abuso de autoridade, na modalidade violação de domicílio
1 3.4.
A tecnologia como violadora da intimidade
Cap ítulo 2 8
-
Vi o lação de Corresp on d ência
Notas explicativas
2.
Introdução
3.
Classificação doutrinária
4.
Objeto material e bem juridicamente protegido
5.
Sujeito ativo e sujeito passivo
556
......................... ..........
556
...................................................................
557
. . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . .. . . . . . . . .. .. . . . . ... .. . . . . . . . . .. . . . .. .. . . .
1.
6.
555
...............................................................................................................................
.
. . . . . . . . . . . . . ........................................................................................................................ . . . . . . .
.
.
. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .....
.
. . .
.
.............. . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .........................
5 59
559
563
564
565
565
Sonegação o u destruição d e correspondência e violação d e comunicação
telegráfica, radioelétrica ou telefônica
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . ................ . . . . . . . . . . . .
.. 5 6 6
7.
Consumação e tentativa
8.
Modalidade qualificada . ..
. . . . . . ........... . . . . . . ...................... .......................... ................................
568
9.
Causa d e aumento de pena
.............................................................................................................
569
. . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....
570
...................................................................................................................
.. ..
1 0 . Elemento subjetivo
1 1 . Pena e ação penal
1 2 . Destaques
.
. . .
.
.
.
.
567
....................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......................................................
570
...............................................................................................................................................
571
12.1.
Interceptação d e correspondência d e presos
12.2.
Violação d e correspondência entre marido e mulher
12.3.
Crime impossível
Capítulo 2 9
-
. . . . . . . . . . ......................................
.
............................................... .......................................... ..............................
571
573
574
Corre s p o n d ê n cia Comercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 7 7
1.
Introdução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
................................................................
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ..........
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.
.
................ .......................... .... ..................
.
........... . . . . . ........................................ . . .............................................
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577
579
579
579
580
580
580
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o
processo
Capítulo 3 0
. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .......................
-
Divu l gação d e Segredo
. . . . .. . . .. . . . ... . . . . . . . . . . . . . . ....... . .. . . ..... . . . . . . . . . ......... . . . . . ... . . . . .. .
1.
I ntrodução
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Modalidade qualificada
9.
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
.................................................................................................................
586
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
587
......
587
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . .. . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
587
..................... . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . .......... . . . . . . . . . . . . .
.
. . 588
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-
583
586
Divulgação a uma única pessoa
Capítu l o 3 1
583
...................................................................
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ....................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...
1 0 . Destaque
10.1.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
581
.
.
588
590
590
. 590
.. .......................... ......... .................................................. .
Violação de Segredo Profis si o nal
.. . . . . . ........ .. .. . . . . . . ...... . . . . .. . . . . ...... .. . . . . . . . . . . .
1.
I n trodução
.
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bem juridicamente protegido
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo
5.
Consumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
................................... .................................................. ...........................
593
596
........................ . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .........
596
........................................................................................................
596
........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . .. . ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......
597
.
.
593
....................................... ...........................................................
.
........................
598
7.
Modalidades comissiva e omissiva .
8.
Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do
processo
..
.
.............. . ..... ......
.
.
................ ................
.
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . ...
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598
598
Cap ítulo 3 2 - I nvasão d e d i s p o s i tivo i n fo rmático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 9 9
1.
Introdução .
2.
Classificação doutrinária
3.
Objeto material e bens juridicamente protegidos ................................................................ 6 0 9
4.
Sujeito ativo e sujeito passivo . . . .
5.
C onsumação e tentativa
6.
Elemento subjetivo
7.
Modalidades comissiva e omissiva
8.
Modalidade qualificada
9.
Modalidade equiparada
.
................ ................
.
.
.
.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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............
609
.... ....
609
. . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
610
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.
.
......... ......................
611
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
611
.. .......... ...............................................................................
612
.
.
.. .
1 0 . Causas especiais de aumento de pena .
.
.
. 610
.........
....................................................................................
...... ........................... ....................................
....................
... .
.
600
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613
1 1 . Pena, suspensão condicional d o processo, competência para julgamento,
ação penal ............................................. ................................................................... .............................. 6 1 4
1 2 . Destaque
.
.
.
.
Concurso de causas de aumento de pena
1 2.2.
Marco civil d a internet ..
R e fe rê n cias
... . ....... . . ....... . . .....
Í n d ice Remissivo
...... . .
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..
......... .
..
.
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.................................................... ....
615
. . . . . ..... ............... ........... ....................................
615
........... ...................... .... ............................. .................
12.1.
.
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.................... ............. .................... ........
......... .......... . .................. . ..
. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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..... . ......... . ....... . . .
.............
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........... .... .......... .............
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617
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625
......
. ......... ....... ..
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616
................. .
C A P Í T U LO 1
I N T RO D U Ç Ã O À T E O R I A G E RA L D A
P A RT E E S P E C I A L
1.
ESCLARECIM ENTOS P R E L I M I N A R ES
H á algum temp o se discute a necessidade de se formular uma teoria geral da
Parte Especial do C ó d igo Penal.
O C ó digo Penal b rasileiro, da mesma fo rma que a maioria dos Códigos Penais
europeus, a exemplo do alemão, do espanhol e do p o rtuguês, é subdividido em
duas partes, ou seja, possui uma Parte Geral e uma Parte Es pecial.
À Parte Geral com pete estab elecer, conforme l ições de Sérgio de Ol iveira
M é dici, "os princípios fundamentais do D ireito Penal, por meio de um sistema de
regras genéricas relativas à lei penal, à teoria do crime e à comi nação, apli cação
e execução das sanções". 1
Destina-se a Parte Especial, precipuamente, a definir a s i n frações penais,
val e dizer, os comportamentos proibidos ou i mpostos, sob a ameaça de uma
sanção de natureza penal. Entretanto, verifica-se também, na Parte E special,
normas que não possuem essa natureza incriminadora, destinando-se ora a
eliminar a própria infração penal - com a exclusão da tipicidade, ili citude ou
da culpabilidade -, o ra afastando tão somente a punibilidade do agente, ora até
mesmo traduzindo conce itos que serão utilizados quando da interpretação dos
tipos penais, como acontece quando a lei p enal explicita, o que vem a ser casa
para fins d e identificação do delito d e violação de domicílio (art. 1 5 0, § 42-, do CP).
As regras gerais contidas na Parte Geral do Cód igo Penal aplicam-se não
some nte à sua Parte Especial, como também aos fatos incriminados por lei
especial, se esta não dispuser d e modo d iverso, confo rme se percebe da leitura
de seu art. 1 2 .
Assim, devemos nos p erguntar: Tais regras, contidas n a Parte G eral do
Código Penal, são suficientes para possibil itar o estudo e a resolução de todos
os p roblemas inere ntes à sua Parte E special, ou seria razo ável e necessária a
criação de uma teoria geral da Parte Especial, cuja fi nalidade primordial s e ria
M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p. 61 .
1
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
analisar as figuras típicas e m si, cada qual com suas particularidades, fo rnecendo
as orientações e o s i nstrumentos que l h e seriam próprios, mesmo que alguns
deles já tivess e m sido previstos pela Parte Geral d o Código Penal?
A d outrina se divide com relação a esse tema. Há autores que são radicalmente
co ntra a criação de uma teoria geral da Parte E special do C ódigo Penal e outros
que lhe são favoráveis.
M aggiore posici o na-se contrariamente :
"Não cremos que s e possa construir - como o intentou WOLF uma teoria geral da parte especial; se ela fosse possível, fi caria
n ovamente compreendida n a p arte geral, a quem corresponde
fixar o s critérios gerais e os princípios normativos que val e m
para toda classe de delitos. O ú n i c o trabalho reservado a o
criminalista, n e s s e campo, é o de classificar.'' 2
Ainda mais enfaticamente, José Cirilo de Vargas, repudiando a possibilidade
d e criação d e uma teoria geral da Parte Especial, assevera :
"Duas d ificuldades de ordem metodol ógica desafiam quem,
apenas e tão s o me nte, deseja compreender o sign i ficado do
nome atribuído à n ova disciplina. O conceito de 'teoria' é, nada
mais, nada m e nos, que tormentoso. Se especulação p ura, opõe-se
à p raxis, e resvalaríamos para os domínios da Filosofia,
conhecida de maneira i n expressiva e rudimentar pela quase
totali dade dos Alunos da Faculdade de Direito. Além do que
o conteúdo da matéria a ser explanada perderia seu caráter
d e 'j uridici dade', ou, quando nada, a dogmática ficaria de
certo modo compro m etida. S e maneira ou forma de se levar
à descoberta d e n ovos fatos, a teoria, em D i reito (sobretudo
e m um setor onde predominam os tipos penais, como a parte
especial), não pode pretender descobrir fatos novos : os tipos
se reduzem a esquemas d e conceitos.
A segunda d i ficuldade prende-se ao fato de ser 'geral' a
p retendida teoria. O 'geral', na h ipótese dada, é a própria
n egação do sistema da parte especial, ponto de apoio e
referencial n e cessário de uma parte do D ireito Penal que,
exatamente tentando não ser fragmentário (e, por isso,
p leiteando fo ros de C i ência), necessariamente haverá de ser
sistematizado.''3
Em sentido contrário, afirmando a u tilidade, bem como a necessidade de
criação de uma teoria geral da Parte Especial, assim se posiciona Sérgio de
O liveira M édici:
MAG G IORE, Giuseppe. Derecho penal, v. l i , p . 8 .
VARGAS, José Cirilo d e . Introdução a o estudo dos crimes em espécie, p. 8.
2
1 NTRODUÇÃO À TEORIA
GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
"Consideramos pe rfeitamente viável a elaboração de um
estudo teórico da p arte espe cial, p ara evitar que tal atividade
se reduza a mera interpretação dos tipos em espécie. Além
disso, alguns temas desenvolvi dos no estudo da parte geral
integram igualmente a p arte especial, como o princípio da
legalidade (não há crime sem tipo) e o concurso aparente de
n o rmas (o concurso se dá e ntre tip os) .
O sistema penal b rasileiro, como acontece na maioria dos
modernos sistemas penais d a família j urídica romana, exibe-se
tradicionalmente separado em Pa rtes G eral e Especial. Essa
divisão, entretanto, não signi fica que tais Partes revelem a
existência de conjuntos fragmentados, sem qualquer elo. Ao
contrário: quanto maior a i ntegração entre as duas Partes,
mais funcional tornar-se-á a interpretação das normas e
efetiva a atuação do Direito Penal em sua missão de garantia
da segurança i n dividual e coletiva."4
Apesar da co ntrovérsia do utrinária, somos partidários da corrente que
entende como fun damental o estudo de uma teoria geral da Parte Especial,
que pro curará ocupar a função de "p onte" entre as partes Geral e Especial,
preenchendo as lacunas existentes.
Não se pode negar que nem todas as h i p óteses co nstantes da Parte E special
fo ram previstas e cuidadas pela Parte Geral, a exemplo do que ocorre com as
chamadas escusas absolutórias, competindo à teoria geral da Parte E special
utilizar as ferramentas adequadas p ara a i nterpretação das figuras típicas.
Na verdade, o estudo partirá desde a observação dos princípios penais
fundamentais, que deverão servir de norte ao legislador quando da criação dos tipos
penais incriminadores, até a análise de todos os seus elementos informativos, fazendo
-se, por assim dizer, "Raios X" de tudo aquilo que nele possa estar contido, a fim de
que sejam aplicados corretamente aos casos que, supostamente, subsumem-se a eles.
2.
C A T E G O R I A S F U N D A M E N T A I S P A R A O E ST U D O DA T E O R I A
G E R A L DA PARTE E S P EC I A L
Partiremos d a p ro p osta l evada a efeito p o r Sé rgio d e Olivei ra Médici, que
aponta três categorias fu ndamentais para o estudo da teoria geral da Pa rte
Especial:
a) a obj etividade j u rídica;
b) a sistematização dos tipos;
e) a proporcionalidade das p e nas.5
M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial d o direito penal, p. 1 72 .
M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do d i reito penal, p. 1 75.
3
RoG É RJO G REco
VOLUME l l
2 . 1 . A o b j et i v i d a d e j u ríd i c a
D e acordo c o m u m a visão minimalista, o D ireito Penal tem a fi nalidade de
proteger os bens mais i m p ortantes e necessários ao convívio em soci edade, e
essa proteção se dá, j ustamente, por intermédio dos tipos p enais incriminadores
existentes não somente na Parte Especial do C ó digo Penal, como também na
chamada legislação p e n a l extravagante o u extraordinária.
Uma vez eleita e afirmada a fi nalidade do D ireito Penal, outras questões
d evem ser colocadas. Assim, s e a fi nalidade do D ireito Penal, segundo a posição
maj o ritária da doutrina, é p roteger esses bens considerados vitais para a
manutenção da própria socie dade, qual o critério a ser adotado para se chegar a
essa noção de importâ n cia? Sabemos que esse conceito de i m p o rtân cia é relativo
e varia de sociedade para sociedade. Aquilo que pode ser i mportante no B rasil,
por exemplo, pode não ter o mesmo relevo em um país de cultura oriental.
No entanto, não cuidaremos de discussões que i mp o rtem em comparações
d e sistemas (nacional e estrangeiros), mas, s im, p rocuraremos desven dar os
mistérios da criação típica e m nosso o rdenamento j u rídico-penal.
O legislador não é completamente l ivre para criar, ao seu alvedrio, as figuras
típicas, devendo se submeter aos princípios i n formadores do D ireito Penal. Não
b asta querer, segundo sua própria vontade, pr oib ir ou impor comportamentos
sob a ameaça d e uma sanção d e natureza penal, pois, nos dias de hoje, exige-se
algo muito mais além do que o seu próprio "capricho".
O legislador, portanto, possui liberdade limitada pelos princípios penais
fundamentais que devem, obrigatoriamente, ser obs ervados. Pelo menos é o que
se espera, sob pena de se macular o tipo penal por ele criado, tornando-o inválido.
M e rece ser frisado que o legislador não está atrelado a um princípio
penal fundame ntal, mas aos princípios penais fun damen ta is, cada u m deles
repercutindo de fo rma diferente na ó rb ita da criação típ ica.
Assim, por exemplo, o primeiro princípio a ser observado deverá ser o
da in tervenção m ín ima, coração, p o r assim dizer, do chamado Direito Penal
Mín imo. Por meio dele, o l egislador so mente po derá fazer a escolha dos bens
considerados de maior i m p o rtância, d evendo observar, ainda, sua natureza
subsidiária, ou seja, o entendimento e m virtude do qual se chega à conclusão
d e que o D ireito Penal d eve ser sempre a u ltim a ratio, e nunca a p rima o u solo
ratio, uma vez que, se os demais ramos do ordenamento j u rídico forem fortes o
suficiente na proteção de d eterminado b e m j urídico, é preferível que o D ireito
Penal não inte rvenha, p rese rvando-se o status liberta tis do cidadão.
O utros princípios também devem ser observados, a exemplo dos princípios
da ade quação social, lesividade, fragmentariedade etc., que aten derão aos
axiomas penais garantistas, assim fo rmulados : n u /la poena sine crimine; n u llum
crimen sine lege; n u /la /ex (poenalis) sine necessita te; n u/la necessitas sine injuria;
n u /la injuria sine actio n e; n u/la actio sine culpa.
4
I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
N este tópico, daremos ênfase somente ao princípio da intervenção mínima,
como princípio orientador para a seleção dos bens mais importantes e
necessários ao convívio em sociedade, p artindo, p ortanto, dos pressupostos da
chamada teoria do bem ju rídico.
Conforme tivemos oportun idade de esclarecer em nosso Direito Penal do
Eq uilíbrio - Uma visão minim alista do Direito Pena l, 6 se, de acordo com uma
concepção minimalista, a fi nalidade do D ireito Penal é p roteger os bens mais
importantes e necessários ao convívio e m sociedade, a primeira pesquisa a ser
fe ita é a d e, j ustamente, identi ficar a origem da teo ria, b e m como o conceito
de bem j u rídico, para, em m o me nto posterior, analisarmos os seus critérios de
seleção p ara fins d e p roteção p el o D i re ito Penal.
Luiz Regis P rado, almejando traçar uma evolução conceituai do bem j urídico,
afirma que "a ideia de obj eto j urídico d o del ito nasce com o movimento da
ilustração e com o surgimento do D i reito Penal moderno".7
Roxin, a seu turno, colocando em d úvida se a origem da teoria do bem j u rídico
oco rreu, e fetivam ente, no Século da Luzes, aduz:
"A questão d e se o conce ito d e bem j urídico, cuja criação se
atribui a B irnbaum, tinha n a época em que surgiu no século
XIX u m conteúdo liberal e l i mitador da punibilidade, é tão
discutida como a conexão que frequentemente se afirma
que existe entre a teoria do bem j u rídico e o D i reito Penal
do iluminismo, que havia se esforçado para restringir a
punibilidade aos danos so ciais, derivando disto, também, a
exigência de i mpunidade das m eras infrações co ntra a moral." 8
Apesar da discussão existente, foi com base nas ideias iluministas que a teoria
do bem j u rídico s e desenvolveu e se proj etou no D ireito Penal. A passagem de um
Estado Absolutista p ara u m E stado Lib eral fez com que a teoria do bem j u rídico
-penal ganhasse a importância que m erecia, tendo em vista ser uma garantia do
cidadão aceitar a criação d e tipos penais incriminadores pelo E stado s o m ente
quando u m bem j urídico estivesse sendo p o r ele p rotegido.
Isso significa que o tipo penal passaria a exercer função seletiva de bens
j urídicos, necessários à manutenção do corpo social. Contudo, como bem al ertou
Luiz Regis Prado,
"apesar de o postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão
os b ens j u rídicos ter a concordância quase total e pacífica
dos doutrinadores, o mesmo não se pode dizer a respeito do
conce ito de bem j urídico, onde reina grande contrové rsia''.9
G R EGO, Rogério. Direito penal do equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal, p. 72-83.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p . 2 1 .
ROX I N , Claus. Oerecho penal - Parte general, p. 55.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 35-36.
5
RoGÉRJo G REco
VOLUME I I
Günther Jakobs assevera que "um bem é uma situação ou fato valorado
positivamente". 1 º Para Bustos Ramírez e H ormazábal Mal arée, "os bens j urídicos
considerados materialmente são relações sociais con cretas que surgem como
síntese n ormativa dos processos interativos de discussão e confrontação que
têm lugar dentro d e uma sociedade democrática. São dinâmicos, pois estão em
permanente discussão e revisão".11 Zaffaroni, a seu turno, assevera que "bem
j urídico penalme nte tutelado é a relação de disponibilidade de uma pessoa com
um obj eto, p rotegida pelo E stado, que revela seu i nteresse mediante n o rmas
que proíbem d eterminadas condutas que as afetam, as que se expressam com a
tipificação dessas condutas". 1 2 Espe ranza Vaello Esquerdo es clarece que
"os bens j urídicos co nstituem valores o u i nteresses p rotegidos
pelo D i re ito na medida e m que são pressupostos necessários
p ara que as pess oas desenvolvam sua vida s ocial, podendo
ser d e natureza i ndividual (vida, lib erdade, h o n ra etc.) o u
comuni tária (saúde pública, s egurança do E stado, meio
ambiente, dentre o utro s) ." 13
C e rto é que, independentemente do conceito que se adote de bem j urídico, o ra
enfatizando um bem i ndividualme nte considerado, ora levando em consideração
um bem de i nteresse coletivo ou so cial, a escolha deverá recair somente sobre
aqueles que gozarem da importância exigida pelo D i reito Penal, a fim de que o
princípio da intervenção mínima se j a atendido.
O raciocínio aqui desenvolvido é d e tal importância que Ferraj oli, 1 4 comparando
o s crimes com as contravenções penais, advoga a tese da completa revogação
d estas ú ltimas, uma vez que, de acordo com a pena cominada em abstrato, que
d e fine, na verdade, a gravidade da i n fração penal, se às co ntravenções penais
tocam a proteção dos b ens que não são tão im portantes a ponto de serem
p rotegidos pelos tipos penais que p reveem os delitos, melhor seria, em atenção
ao princípio da i ntervenção mínima, que todas fossem abolidas, sendo os bens
nelas p revistos p rotegidos por outros ramos do ordenamento j u rídico, val e
dizer, o civil, o administrativo etc.
Também d everá ser consi derado o fato de que cada sociedade possui
l i berdade para valo rar seus bens de acordo com a sua cultura, não se podendo
generalizá-los o u mesmo l imitá-los. Como veremos mais adiante, existe uma
zo n a de consenso na qual determinados bens possuem o mesmo val or em
qualquer soci e dade. P o r outro lado, também existem as zonas de conflito, ou
seja, s ituações que são tratadas de uma fo rma p o r determ inada s oci edade, e
que recebem tratamento e imp ortância completamente dife rentes de outra. Por
JAKOBS, Günther. Oerecho penal - Parte general, p. 50.
BUSTOS RAM Í R EZ, Juan J . ; HOR MAZÁ BAL MALAR É E, Hernán. Leciones de derecho penal, v. 1 , p. 59.
ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Tratado de derecho penal - Parte gereral, v. I l i , p. 240.
ESQUER DO, Esperanza Vaello. lntroducción ai derecho penal, p. 42.
FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p . 575.
6
INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
exemplo, a vida é um b e m so b re o qual existe consenso de p roteção. Contudo, h á
tipos p enais que, e m tese, protegem a vida, que são previstos em determinada
sociedade e não o são e m outra. Raciocine-se com o delito de aborto, punido
pela legislação brasileira, mas tolerado e m outros ordenamentos j u rídicos.
O critério de p roteção dos bens mais importantes e necessários ao convívio
em sociedade, portanto, não po d erá ser absoluto, rígido, determinado para todo
e qualquer ordenamento j urídico, pois o grau de importância oscilará de cultura
para cultu ra.
2. 1 . 1 .
O c r i t é r i o d e s e l e ç ã o d o s b e n s j u r íd i c o - p e n a i s e a c r i a ç ã o t í p i c a
S e alguém descumpre as regras so c i ai s normatizadas, se desconsidera as
proibições ou i mposições do o rdenamento j u rídico-penal que, pelo menos
em tese, fo ram e ditadas e m b enefício da sociedade, a fim de preservar uma
convivência tranquila e pacífica entre o s cidadãos, a ideia de censurar o ato de
rebeldia ao sistema l ogo nos vem à m e nte.
A censura vem corporificada por m e i o da pena. É ela, inclusive, que i rá ditar
a gravi dade do mal p raticado. M as como c hegar a esse q u a n tu m, como dizer, por
exemplo, que aquele comportamento é mais grave do que este, merecendo, p ois,
maior censura e, consequentemente, pena maior? Como mensurar a censura
do Estado realizada por i ntermédio d a p ena, que deverá, obrigatoriamente, ser
proporcional a o mal praticado pelo agente? Considerando, ainda, as funções
que se atribuem à p e na - reprovar e p revenir os crimes -, como apontar aquela
exata, que consiga cumprir as referidas funções?
Tais p e rguntas, como se p ercebe, não são fáceis de responder. Escl arecer
por que a o delito d e furto s i mples, que tem por finalidade p roteger o nosso
patrimônio, fo i cominada u m a pena p rivativa de l ib erdade que vari a de um a
quatro anos e, no delito de lesão corporal, cuj o escopo é a p roteção de nossa
integridade corp o ral e a saúde, n a sua m o dalidade fundamental, foi p revista, em
abstrato, també m outra pena p rivativa de liberdade que varia de três meses a
um ano, é tarefa de difícil solução.
Outro p onto a s e r debatido diz respeito à pena a ser aplicada a cada infração
penal. I sto é, escolher, dentre as penas p revistas p el a lei penal, aquela que mais
se a dapta ao fato delituoso praticado. D esde uma p equena pena de multa até
a privação da liberdade, se m contar com a possibilidade, também, mesmo que
excepcionalmente, da apli cação da pena de morte, em caso de gue rra decl arada,
nos termos do art. Sº-, XLVII, a, da Constituição Federal .
Podemos to mar como referência de valo res superi o res aqueles inseridos na
Constituição. Considerando uma h i e rarquia de b ens, necessária ao raciocínio
da proporcionalidade, teríamos de, o b rigato riamente, começar pelo estudo
daqueles que, dada sua importância, ganharam foros co nstitucionais.
7
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 [
Laura Zúfíiga Rodriguez adverte:
"O caráter imperativo dos direitos fundamentais, como
val o res superiores do E stado constitucionalmente admitidos,
se expressa e m reconhecer-lhes sua normatividade j urídica
e qualidade prescritiva ética, como contexto fundamentado r
básico de i nterpretação de todo o ordenamento j urídico,
postulados-guias o ri entadores de uma h e rmenêutica
evolutiva da Constituição, e critério de legitimidade das
diversas manifestações d e l egalidade. Os valores superiores
consagrados n a Constituição assim entendidos determinam a
esfera de atuação do legislador ordinário e os marcos em que
se pode mover o intérprete (juiz ou doutrina) .'' 1 5
Contudo, h á outros bens de relevo a p roteger que não possuem status
co nstitucional.
tarefa de selecionar os bens parte, inicialmente, da sua valoração, de acordo
com uma concepção minimal ista, na qual somente aqueles realmente importantes
poderão merecer a proteção do D i reito Penal. Embora nossa opção seja por
um D ireito Penal Mínimo, sabemos que, nem sempre, a sociedade compartilha
essa p ostura ideológica. Na verdade, e como regra, pelo menos em nosso país, a
sociedade, cansada de presenciar atos atrozes que nos causam repugnância, busca,
cada vez mais, a tipificação de comportamentos até então considerados indiferentes
para o Direito Penal. Começa a surgir, portanto, um terrível processo de inflação
legislativa que somente conduz ao descrédito e à desmoralização do Direito Penal.
A
M esmo sabendo que a "mola propulsora" da criação dos tipos penais é a
mobil ização da "o p inião pública", a p olítica cri minal de cada época é que define a
seleção dos comportamentos que devem ser punidos, com a consequente valoração
dos bens j urídicos que devem ser penalmente tutelados. É uma política criminal
d e tensão, haja vista que m ovimentos antagônicos - minimalistas e maximalistas
- se digladiam em busca da vitória de seus ideais: os minimalistas, afi rmando
que a criação exagerada de tipos penais (incri minadores) fará com que o D ireito
Penal se ocupe de proteger bens que não têm a importância necessária por ele
exigida, n ivelando-o aos outros ramos do ordenamento j urídico, mesmo sendo
suas penalidades as mais estigmatizantes; os adeptos das teses maximali stas,
aduzindo que a sociedade deve val er-se desse meio forte de i m posição de terror,
que é o D ireito Penal, a fi m de tentar evitar a p rática de comportamentos em tese
a ela danosos ou p erigosos, não impo rtando o status que goze o b e m que com
ele se quer proteger. Para os m aximalistas, o Direito Penal teria papel educador,
isto é, mediante a i mposição de suas graves sanções, inibiria aquele que não está
acostumado a atender às normas de convivência social a p raticar atos socialmente
i ntole ráveis, mesmo que de pouca ou nenhum a importância.
RODRIG UEZ, Laura Zúniga. Política criminal, p. 55.
8
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
A seleção dos bens j urídicos varia de sociedade para soci e dade. O critério de
seleção será valorativo-cultural, de acordo com a necessidade de cada época, de
cada sociedade. H á uma zona de consenso, comum a toda e qualquer sociedade,
no sentido da proteção de determinados bens, com a criação de certas figuras
típi cas, como é o caso dos delitos de homicídio, roubo etc. Co ntudo, há zonas
de conflito e m que condutas incriminadas em determinada sociedade já não o
são em outras, a exemplo do que ocorre com a punição pelo aborto e com a
homossexualidade.
Co nforme esclarecem J orge de Figueiredo D ias e Manuel da Costa Andrade,
"há crimes - e não caberá aqui enumerá-los - que exprim e m
u m inequívoco consenso de t o d a a colectividade e q u e
despertam n e l a sentimentos de coesão e solidariedade.
Trata-se, além disso, de crimes comuns à generalidade
das sociedades e tendencialmente constantes ao longo da
história. Não faltam, po rém, crimes 'criados' para emprestar
eficácia a uma particular moralidade ou a um determinado
arquétipo de organização econômica, social ou política. Tais
crimes constitu e m sempre, de forma mais ou menos imediata,
afl o ramentos de uma determinada co nfl itualidade, porquanto
a criminalização nesta área pressupõe o exercício do poder no
interesse de uns, mas impondo-se a todos.
Como facilmente se intui, é aqui que o problema da defi nição do
crime se co nverte num problema eminentemente pol ítico". 16
N a nossa opção minimalista, seja partindo da busca de val ores constitucionais,
seja selecionando o utros que não têm sede constitucional, o que importa, na
proteção e na seleção desses bens pelo Direito Penal, é, efetivamente, que
eles possuam a i m portância exigida por esse ramo do ordenamento j u rídico,
considerado o mais grave e radical de todos.
Luiz Flávio Go mes, dissertando sobre os papéis exercidos pelo bem j urídico
na seleção dos comportamentos que se quer proibir ou impor sob a ameaça de
uma sanção penal, diz:
" (a) O primeiro é de natureza indicativa, é dizer, em
decorrência do princípio da exclusiva proteção de bens
j urídicos, hoje se reconhece (indicativamente) que some nte
os bens existenciais (individuais ou s upraindividuais)
mais i mportantes para o ser humano, é dizer, os que são
in dispensá veis para o des envolvimento da sua personalidade,
merecem ser contemplados em uma norma como obj eto de
proteção (e, por conseguinte, da ofensa) penal;
D IAS, Jorge d e Figueiredo; AND RADE, Manuel da Costa. Criminologia
criminógena, p. 89.
-
O homem delinquente e a sociedade
9
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
(b) o segundo é de caráter n egativo, no sentido de que estamos
em condições d e afirmar, com b oa margem de segurança,
ao menos quais bens não podem ser convertidos em obj eto
da tutela (e da o fe nsa) penal: a moral, a ética, a religião, a
ideologia, os valores culturais como tais etc." 1 7
N a tarefa de proteção dos bens vitais e necessários ao convívio em s oci edade, o
legislador, encarregado da seleção desses bens, deve considerar como princípios
norteadores de sua atividade a chamada intervenção mínima do D ireito Penal,
ressaltando sua natureza subsidiária, b e m como a lesividade e a inadequação
social do compo rtamento que se quer proibir ou impor sob a ameaça de uma
sanção.
Embora o bem tenha sido politicamente considerado como rel evante, se outros
ramos do ordenamento j u rídico puderem, com efici ência, fazer sua p roteção,
não haverá necessidade da i ntervenção radical do Direito Penal. Por exemplo,
se o D ireito Administrativo for capaz de inibir comportamentos que ofendem
bens de relevo, em vi rtude do caráter subsidiário do Direito Penal, aquele terá
preferência na defesa do b e m que se quer proteger com a proib ição da conduta.
Não bastasse, ainda deverá o legislador l eva r a efeito o raciocínio da lesividade
do comportamento, isto é, so m ente poderá p roib ir condutas que ultrapassem
a pessoa do agente e que venham a atingir bens pertencentes a terceiros. De
acordo c om esse racio cínio, n ão pode have r proibições de pensamentos, de
formas parti culares de ser (modo de se vesti r, opção sexual, educação etc.),
devendo o D i re ito Penal ser tolerante com as diferenças existentes entre os
seres humanos. Ainda, o comportamento proibido deverá merecer a rep rovação
da socie dade, pois se a co nduta que se quer p roib ir já se encontra assimilada
pelo meio social, querer criminalizá-la seria, na verdade, fomentar a prática de
infrações penais, pois a socie dade, já acostumada com a p rática de determinado
comportamento, não se deixaria i nfluenciar pela proibição.
E n fim, ultrapassados todos os princípios i nfo rmadores da criação dos tipos
penais, abre-se a oportu nidade ao D ireito Penal de colocar o s eu manto p rotetor
sobre d eterminado bem.
Como b e m ressaltou L u i z Flávio Gomes,
"é pressuposto lógico de todo discurso garantista supor que
o legislador, apesar da margem de l i berdade (com que conta)
no exercício da sua atribuição de selecionar os bens j urídicos,
margem essa que deriva da sua posição constitucional e, em
última i nstância, de sua específica legitimidade democrática
[ . . . ] , está vinculado à Constituição e aos princípios político
-criminais que emanam dela". 18
G O M E S , Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p. 55.
GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p . 69.
10
I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECLAL
CAP ÍT U LO 1
O problema maior reside na seguinte indagação: O que é um bem importante,
necessário e vital ao co nvívio em so ci e dade? Sabemos que o conceito de
importância é flu ido, pulverizado de acordo com as opções políticas adotadas
em cada período d e nossa h i stória. Aquilo que era importante para o regime
nacional-socialista de Hitler foi visto como uma atrocidade aos direitos humanos.
E nfim, na seleção dos bens j urídicos, deparamos com outro probl ema, vale dizer,
o da afi rmação da própria i mportância, que depende do período histórico por
que passa a sociedade. 19
O po nto de p artida de nosso raciocínio pode ser dirigido à análise dos
bens apontados e m nossa Constituição, os quais, p elo menos em tese, gozam
de proeminência sobre todos o s demais, em vista da sua enorme importância.
Ainda na esteira de Luiz Flávio Go mes,
"não é co rreto dizer que exclus ivamente os direitos fundamentais
são os merecedores da tutel a penal. Outros bens ou interesses,
particulares ou até mesmo coletivos, ainda que não estejam
conte mplados no texto constitucional, podem ser obj eto da
p roteção penal, sempre que s ejam socialmente relevan tes e
compatíveis com o quadro axiológico-constitucional". 2 0
A observação acima m e rece ser analisada de forma mais aprofundada, haj a
vista a existência de teorias constitucionalistas que autorizam, tão somente, a
criação de tipos penais incriminadores, caso exista abrigo constitucional para
o b e m a ser j uridicamente tutelado pelo D ireito Penal. E ntendem, na verdade,
a C onstituição como u m limite positivo ao D ireito Penal, podendo-se destacar,
conforme as lições de Janaína Conceição Paschoal,2 1 duas vertentes desse
pensamento : a) o D i re ito Penal como po tencia/ espelho da Constituição e b) o
D ireito Penal como i nstrume nto de tutela a direitos fundamentais.
Por intermédio da primei ra vertente, vale dizer, d o D i reito Penal como
potencial espelho da Constituição, s o me nte poderia haver a p roteção de b ens
j urídicos que tivessem p revisão expressa na Constituição. A Lei Maior seria
o l i mite positivo do legislador, no sentido de s o mente p ermiti r, por meio do
D i re ito Penal, a p roteção dos bens constitucionalmente p revistos, estej am eles
ligados o u não aos d i reitos tidos como fundamentais. A segunda vertente, mais
radical do que a primeira, s o me nte p e rmitiria a p roteção penal de bens j urídicos
constitucionalmente previstos desde que fizessem parte do rol dos chamados
direitos fundamentais, afastando-se a possib i l i dade de tutela penal s ob re os
demais, mesmo que se e ncontrassem so b re o ab rigo constitucional.
Atualmente, tem-se sustentado a existência de bens jurídicos penais difusos e coletivos, os quais s e referem à
sociedade como um todo e que, em geral, são tutelados pelos chamados tipos penais de perigo.
GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p . 1 03.
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constítuíção, críminalízação e direito penal mínimo, p. 59-60.
11
VOLUME l l
RoG É RJO G REco
Contudo, j á o dissemos, outros bens h á que podem não ter sido contemplados
em sede constitucional, mas que também gozam da importância exigida pelo
Direito Penal. A sociedade é m utante. Valores até então desconhecidos tornam-se
fundamentais. Pode acontecer, o que não é incomum, que em determinado momento
h istórico em que foi editada a C onstituição não tenha havido a contemplação de
um be m que, tempos depois, verificou-se ser da maior importância.
Co nforme afirmam Paulo César Busato e Sandro M o ntes H uapaya,
[ .. ] o critério de seleção ou hierarquização dos valores e
interesses que o D ireito Penal é chamado a p roteger, de lesões
ou colocações em perigo, não tem uma regra geral i mutável, e
sim depende da estrutura social determinada em um momento
histórico. A d ecisão entre uma e outra postura não depende
das bases val orativas que o próprio Direito Penal elaborou. A
Constituição só constitui uma fo nte de referência, mas tampouco
estabelece os limites à seletividade ou hierarquização, já que a
sociedade evolui de maneira vertiginosa. Com isso a presença
de novos riscos e suas valorações j urídicas e apreciações de
índole ideológicas, éticas ou políticas determinam mudanças no
campo j urídico-penal que não vão, necessariamente, decorrer
de alterações valorativas do campo constitucional". 22
"
.
Em algumas s ituações, a p rópria Co nstituição é que indica a incriminação de
comportamentos atentatórios, por exemplo, à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança, à propriedade, conforme dispõe o capu t do art. SQ, b em como seu inciso
XLI, quando diz que a lei pu nirá qualquer discriminação a tenta tória dos direitos e
liberdades fundamenta is; ou, supostamente, quando determina a incriminação de
comportamentos, por e ntendê-los altamente les ivos a bens j u rídicos de relevo,
como ocorre com a p revisão contida no inciso X L I I do art. SQ de nossa Lei Maior,
que diz que a prática do racismo constitui crime in afiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, n os termos da lei; no inciso XLII I, dizendo que a lei
considerará crimes inafiançá veis e insuscetíveis de graça ou a n istia a p rá tica da
tortura, o tráfico ilícito de en torpecen tes e drogas afins, o terrorismo e os defin idos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandan tes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem; e ainda no inciso XLIV, quando assevera que
constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis o u
militares, con tra a ordem constitucion a l e o Estado Democrático.
Janaína Conceição Paschoal aduz:
doutrina tem interpretado, de forma diversa, as
indicações d e criminalização e as determinações expressas
de criminalização. Defende que, com relação às primeiras,
"A
BU SATO, Paulo César; H UAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal
sistema penal democrático, p . 92.
12
-
Fundamentos para u m
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
o constituinte faz uma análise da dignidade penal dos bens
que reconhece como importantes para uma dada sociedade,
d eixando a avaliação da necessidade para o legislador
ordinário, enquanto, na segunda (determinação expressa
de criminalização), o constituinte já teria feito a avaliação
da dignidade e da necessidade da tutela, não s ob rando ao
l egislador qualquer liberdade para ponderar concretamente a
necessidade desse tipo de p roteção." 2 3
C o m acerto, rebatendo o raciocínio tradicional, a ilustre autora assevera:
"Assumir que o constituinte já avalia o merecimento e a
necessidade da tutela p enal, estando, p o rtanto, o legislador
obrigado a criminalizar, significa voltar as costas ao necessário
caráter material da lei e da própria Constituição, i mportando
ainda a desconsideração dos princípios i n formadores do
D ireito Penal mínimo, que, e m última instância, pauta-se na
necessidade e fetiva e n ão m eramente formal da tutela penal." 2 4
E m sentido contrário, atuando como limite n eg a tivo ao Direito Penal, e m vez
de apontar quais os bens que estão a merecer a tutela do D i reito Penal, pode a
Constituição p roi b i r a incriminação de determinadas condutas. Serve, p ortanto,
como l i mite ao ius puniendi do Estado. É uma b arreira i ntransponível para o
legislador, cab endo ao Poder J u diciário o control e de diplomas legais que o fendam
as proib ições de i ncriminação contidas no texto de nossa norma fundamental.
Pode, ainda, e mb o ra permitindo a incriminação de certos comportamentos,
proibir a cominação de penas que a fetem a dignidade da pessoa h umana, tal
como acontece no art. SQ, i n ciso XLVII, da C onstituição, que diz que não h averá
penas de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; de
caráter p erpétuo; de trabalhos fo rçados; de banimento e cruéis.
Con forme preleciona Alice Bianchini,
"um E stado do tipo democrátic o e de direito deve p roteger, com
exclusividade, os bens conside rados essenciais à existência do
indivíduo em so ci e dade. A d i ficuldade encontra-se, exatamente,
na identi ficação d esta classe d e bens. A determinação do que
seria digno de tutela penal representa uma decisão política do
E stado, que, entretanto, não é arbitrária, mas condicio nada à
sua própria estrutura. E m u m E stado social e democrático de
dire ito, a eleição dos bens j u rídicos h averá de ser realizada
levan do em consideração o s i ndivíduos e suas necessidades
no interior da so ciedade e m que vivem".25
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo, p . 80.
PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo, p . 84.
BIANCH I N I , Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal, p. 4 1 .
13
RoGÉRIO G REco
VOLUME I I
N a verdade, a escolha do bem a ser p rotegido pelo D ireito Penal e,
consequentemente, a criação da figura típica, como já deixamos antever, deverão
obedecer aos princípios penais fundamentais (intervenção mínima, lesividade,
adequação social, fragmentariedade etc.) , que servirão de norte ao legislador, a
fim de depurar sua escolha, não permitindo, p o r exemplo, que, com a desculpa
de proteger certo bem, proíba comportamentos plena mente tolerados pela
sociedade, que não causem danos a terceiros etc.
H á, portanto, liberda de política na escolha dos bens que m erecerão a tutela
do D ireito Penal. Contudo, tal liberdade de escolha se enco ntra limitada pela
obrigatória observância dos princípios penais fundamentais.
2 . 2 . A s i st e m a t i z a ç ã o d o s t i p o s
A segunda categoria fu ndamental à teoria geral da Parte Especial diz respeito
à necessidade de sistematização dos tipos.
Os tipos penais existentes na Parte E special do C ódigo Penal, para que sejam
b em compreendidos, não podem ser analisados isoladamente, como s e cada um
d e l e s estives se em um compartimento estanque, iso lado dos demais.
Conforme ressaltamos, é a teoria do bem j urídico que serve de fundamento
para a criação da figura típica. Assim, se a fi nalidade do D ireito Penal é a
proteção dos bens mais i m p o rtantes e necessários ao convívio em s oci edade e se
o i nstrumento utilizado pelo E stado, na p roteção desses bens, é, precisamente,
o tipo penal, consequentemente, não pode haver criação típica sem que algum
bem esteja sendo por ele protegido. Resumindo, não se pode cogitar de tipos
penais que não con tenh a m um bem juridicamente pro tegido.
Esse é o nosso primeiro raciocínio.
E m seguida à conclusão d e que compete aos tipos penais, mediante suas normas
incriminadoras, p roteger o s bens de maior relevo, devemos compreender que
h á tipos penais que contêm u m mesmo b e m j uridicamente p rotegido, s omente
se diferenciando as figuras típicas em virtude de determinados elementos que
o s tornam especiais comparativame nte aos outros .
A v is ã o que teremos d e adotar, a partir de ago ra, não será tão som ente de
uma estrela (tip o penal), analisada i so ladamente, mas, sim, da co nstelação
onde está inserida (seção, cap ítulo, título) e, num sentido mais amplo, a própria
galáxia (Código Penal, legislação especial), para se compreender o to do, ou seja,
o universo (ordenamento j urídico-penal) .
H á necessidade, portanto, de se l evar a efeito uma classifi cação o rdenada
das infrações penais contidas na Parte E special do Código Penal, considerando,
principalmente, o bem j urídico protegido em cada tipo penal.
Aníbal Bruno, dissertando sobre o tema, esclarece:
14
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
"Todo esse m aterial de tipos penais que s e acumula na
p arte especial tem de ser discriminado e exposto segundo
d eterminada ordem lógica. Não é essa exigência simples
i mperativo de construção l egislativa, sem real interesse
científico, ou mesmo desnecessária, como pareceu a B I N D I NG,
por exemplo. Uma pura questão de técnica não b astaria para
comunicar ao problema a importância que se lh e atribui. É
a ciência que não recebe o m aterial que lhe é oferecido sem
buscar submetê-lo à disciplina de um sistema.
D emais, o p o nto de vista donde se parte para a discriminação
dos fatos puníveis revel a os fundamentos da ordem penal
vigente, a sua estrutura íntim a, e acentua a sua sign i ficação.''26
N o rmalmente, podemos verificar, por meio da ordem colocada na Parte
Especial do Código Penal, o perfil do E stado que o editou, ou seja, se estamos
diante d e um E stado autoritário, de um E stado democrático etc. No B rasil, por
exemplo, tanto o C ó digo Penal do I mpério ( 1 8 3 0) quanto o primeiro Código
Republicano ( 1 89 0 ) iniciavam sua Parte Especial cuidando, respectivamente,
dos crimes contra a existência p o l ítica do I mpério e dos crimes contra a
existência política da República, demonstrando a prioridade desses bens em
detrimento da pessoa in dividualmente considerada. Com o advento do Código
Penal d e 1 9 40, mudou-se o perfil, uma vez que o Título I de sua Parte Es pecial
cuidou, especificamente, dos crimes contra a pessoa.
N ã o é fácil, contudo, eleger uma ordem para os tipos constantes da Parte
Especial do Código Penal. S érgio de Ol ivei ra Médici preleciona:
"A sequência pode observar uma p rogressividade crescen te
ou decrescen te, co nforme maior ou menor relevância do
be m j urídico. E ste foi o sistema adotado pelos Códigos
antigos : primeiro situaram-se os crimes contra o E stado (ou
contra o s detentores do p o der), depois as infrações contra a
religião e, por último, as o fensas aos interesses parti culares,
desenhando-se uma espécie de progressividade decrescente.
Mas, com a ampl itude dos atuais C ódigos, haverá uma
d ificuldade p raticamente i ntransponível na definição de
uma p rogres sividade. Além d i s s o, pode-s e sustentar que a
revelação da maior ou menor importância do b e m jurídico
está mais na qualidade e na quantidade de p ena do que na
localização dos tipos, títulos, capítulos e seções.
Não se pode n egar, entrementes, que a sequência dos bens
jurídicos n a parte especial de u m Código tende a refletir a opção
do legislador quanto à determinação do grau de importância da
' B R U N O , Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 44.
15
VOLUME l i
RoG ÉRJO G REco
pessoa h umana em face do E stado. Trata-se da concepção de
uma progressão descendente." 2 7
O tipo penal, rep etimos, será o instrumento utilizado pelo E stado para que
determinado bem de relevo possa, e fetivamente, ser protegido. É por meio do
tipo penal, po rtanto, que são criadas as i n frações penais, proibindo o u impondo
certas condutas, sob a ameaça de sanção. Para tanto, em atenção ao inciso
XXXIX do art. 52- da Constituição Federal, deverá ser observado, rigorosamente,
o princípio da legalidade, com todas as suas vertentes, que exigem que a lei
penal seja praevia, scrip ta, stricta e certa, confo rme veremos em segu i da, dada a
importância do tema.
2.2. 1 .
O p r i n c í p i o da l eg a l idade
N u m a análise comparativa, p o d e m o s a firmar q u e o princípio da legalidade
ocupa lugar de destaque e m uma concepção m i nimalista, voltada para um D ireito
Penal do Equilíbrio,2 8 enco ntrando abrigo expresso no nosso o rdenamento
j urídico tanto na Constituição Federal - art. 52-, XXXIX (não há crime sem lei
a n terior que o defina, nem pena sem prévia com inação legal) -, quanto em nosso
C ó digo Penal - art. 12- (não h á crime sem lei a n terior que o defina. Não h á pen a
sem p révia com in a ção legal) .
J i m énez d e Asúa resume, com maestria, o princípio d a legalidade:
"Todos têm o di reito d e fazer aquilo que não prejudica a o utro
e ninguém estará obrigado a fazer o que não estiver legalmente
ordenado, nem i m p edido d e executar o que a lei não p roíbe."29
M uitos autores aponta m que a origem do princípio da legalidade está na
chamada M agna Carta i nglesa, cuj a e d i ç ão vei o a lume em 1 2 1 5 , ao tempo do rei
João Sem Terra. Seu art. 39 poss uía a seguinte redação:
3 9 . N enhum homem l ivre s e rá detido, n e m p reso,
nem despojado d e sua propriedade, de suas lib erdades
o u l ivres usos, nem p osto fora da l e i, nem exilado, nem
p ertu rbado d e maneira alguma; e, não poderemos, nem
faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um
j uízo l egal d e seus pares e segundo as leis do País.
Art.
Cobo del Rosal e Vives Antón, discordando desse posicionamento, prelecionam:
"As o rigens d o princípio da legalidade remontam, segundo
alguns, à Magna Carta, mas seria enganoso s ituar nesse
texto sua primeira fo rmulação. E isso, nem tanto pelas
M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p. 1 88.
G R ECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal, p. 1 41 - 1 56.
Jiménez de AS Ú A, Luiz. Princípios de derecho penal - La ley e el delito, p. 96.
16
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL
CAPÍTULO 1
razões deduzidas da natureza feudal do dito documento,
senão porque, historicamente, o princípio da legalidade,
tal e como é entendido no D ireito Penal continental, não
de riva dele. N a M agna Ca rta pode encontrar-se a origem da
chamada rufe of law própria do D i reito anglo-saxão que, se
tem certo pararelo com o princípio da legalidade, não de ixa
de apresentar importantes traços dife renciais. C o m efeito,
enquanto o princípio da legalidade traduz o predomínio da Lei
sobre o s j uízes, a rufe of faw representa, fun damentalmente,
uma garantia j urisdicional. D ita peculiaridade deriva das
características do dese nvolvimento histórico do D i reito
anglo-saxão (perpetuadas no sistema n o rte -americano), no
qual a 'lei da terra', fundada no D ireito natural e aplicada pelos
j u ízes ordinários, chega a estar acima do Dire ito estatutário,
criado pelo Parlame nto. Pode, po is, afirmar-se que o princípio
da legalidade é uma criação do pensamento iluminista, cujas
primeiras mani festações p o sitivas aparecem ulteriormente,
com a Revolução francesa."3 0
I ncontestável a conquista obtida mediante a exigência da legal i dade. Contudo,
hoj e e m dia, não se sustenta u m con ceito de legalidade de cunho meramente
formal, sendo necessário, outrossim, i nvestigar a resp eito de sua compatibilidade
material com o texto que l h e é superior, vale dizer, a Constituição. Não b asta
que o legislador ordinário tenha to mado as cautelas necessárias no sentido
de observar o procedimento legislativo co rreto, a fi m de perm itir a vigência
do diploma legal por ele e ditado. D everá, outrossim, ve rificar se o conteúdo,
a matéria obj eto da l egislação penal, não contradiz os pri ncípios expressos e
impl ícitos constantes de nossa Lei M a i o r.
Ferraj oli, com autoridade, afirma:
"No Estado d e d ireito o princípio da sujeição não s ó formal
como também m aterial da lei (ordinária) à lei (constitucional)
possui u m valo r teórico geral, do qual resulta a diferente
estrutura lógica das i mp licações mediante as quais formulamos
o princípio d e m e ra e o de estrita legalidade. E sta sujeição
substancial concretiza-se nas dife rentes técnicas garantistas
por meio das quais o legislador e os demais po deres públicos
são colocados a serviço, p o r meio de p roib ições ou ob rigações
impostas sob pena d e i nvalidade, da tutela ou satisfação dos
dife rentes dire itos da pessoa."3 1
COBO DEL ROSAL, Manuel; VIVES ANTÓ N , Tomás S. Derecho penal - Parte general, p. 68-69.
FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 307.
17
ROGÉRIO G RECO
VOLUME I I
Co nforme esclarece N i l o B atista, a fórmula latina do princípio da legalidade
"fo i cunhada e i ntroduzida na linguagem j urídica pelo
professor alemão Paulo J o ão Anselmo Feuerbach ( 1 7 7 5 - 1 8 3 3) ,
especialmente e m s e u Tra tado q u e vei o a l u m e em 1 8 0 1 . Ao
contrário do que se difunde frequentemente, das obras de
Feuerbach não consta a fó rmula ampla n u llum crimen n u lla
poena sine lege; nelas se encontra, sim, uma articulação das
fó rmulas n u /la poena sine lege, n ullum crimen sine poena legali
e n u lla poena (lega/is) sine crimine".3 2
D e acordo com a concepção material do princípio da l egalidade, preconizada
por Ferrajoli e chancelada por Nilo B atista, o n u llum crimen n u lla poena sine lege
deverá obs ervar quatro vertentes que l h e são inerentes, a saber:
a) n ullum crimen n u/la poena sine lege praevia;
b) n ullum crimen n ulla poena sine lege scripta;
c) n u llum crimen n ulla poena sine lege stricta;
d) n u llum crimen n ulla poena sine lege certa.
Dada a importância do tema, cada uma dessas vertentes merecerá análise em
tópicos disti ntos, conforme a o rdem acima proposta. Antes, contudo, merece ser
ainda procedida a distinção l evada a efeito por alguns autores entre o p rincípio da
l egal i dade e o princípio da reserva l egal. Para alguns, a exemplo de Flávio Augusto
M onteiro de Barros, o princípio adotado pelo D i reito Penal fo i o da reserva legal, e
não o da legalidade. Isso p orque, segundo explica o renomado autor,
"ambos são princípios de índole constitucional. Distinguem-se,
porém, n itidamente. N o p ri ncípio da legalidade, a expressão
'lei' é tomada e m sentido amplo, abrangendo todas as espécies
normativas do art. 5 9 da CF (leis ordinárias, leis complementares,
leis delegadas, m edidas p rovisórias, decretos legislativos e
resoluções) . Esse p rincípio é consagrado no art. 5Q, I I , da M agna
Carta: 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão e m virtude de lei'.
J á o princíp i o da reserva l egal emana de cláusula co nstitucional
especi ficando que determ inada matéria depende de lei. Aqui
a expressão 'lei' é tomada e m sentido estrito, abrangendo
apenas a lei ordinária e a lei complementar".33
Permissa venia, não entendemos como necessário d i ferenciar legalidade de
rese rva legal. Isso porque, p ara q u e o ordenamento j u rídico-penal seja i novado,
independentemente da escolha nomi n al que s e dê ao princípio, é preciso que o
legislador observe o único procedimento legislativo apto para tanto. Para que
BATISTA, N ilo. Introdução crítica a o direito penal, p. 66.
BAR ROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, p . 46.
18
1 NTRODUÇÃO À TEORIA
G ERAL DA l'ARTE ESPECLAL
CAPÍT U LO 1
a ordem normativa seja modificada, s e rá preciso, em um E stado Constitucional
e Democrático de D i reito, que ambas as Casas do Co ngresso se manifestem
(Câmara dos D eputados e Senado Federal), sendo qu e, ainda, o proj eto deverá
ser submetido ao sistema de fre ios e contrapesos exercido pelo Poder Executivo,
mediante veto ou sanção.
Dessa fo rma, os únicos diplomas legislativos que atendem a essas exigências
são, efetivamente, a lei ordinária e a lei complemen tar, sendo que os demais fogem
a esse procedimento. Assim, entendendo-se por lei tão som ente a lei ordinária,
util izada como regra, e a lei complemen tar, daremos início ao estudo das quatro
vertentes preconizadas pelo b ro cardo n u llum crimen n u/la poena sine lege.34
2.2. 1 . 1 .
Nullum crim e n n u /la p o e n a sin e lege p ra e via
Uma das primeiras conquistas refe re ntes ao princípio da legal idade é a de,
j ustamente, p roib i r a chamada !ex postfactum. N i nguém pode ser surpreendido
pelo D ireito Penal sendo punido pela prática de um comportamento que, ao
tempo da ação ou da omissão, era penalmente indiferente. A própria C onstituição
Federal, impedindo a retroatividade d e lei que, de alguma fo rma, prej udique o
agente, d etermina, em seu art. SQ, inciso X L: A lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu.
A lei penal d eve ser prévia, isto é, anteri or ao fato cometido pelo agente.
Mas o que sign ifica essa an terioridade? Para respondermos a essa indagação,
devemos fo rmular outra, a saber: A lei penal poderá ter apl icação a partir da sua
publicação ou da sua vigência? A resposta co rreta a essa indagação é : Depende.
Depende, na verdade, se a lei penal vier a prej udicar ou a beneficiar o agente.
Qua ndo a lei p enal, de alguma forma, prejudica o agente (criando novos tipos
penais incriminadores, aumentando prazos prescricionais, arrolando novas
circunstâncias agravantes etc.), seu termo inicial absoluto é a vigência, pois é
j ustamente essa a ilação que se deve extrai r do n u llum crimen n u /la poena sine
lege p raevia.
Contudo, n e m sempre a lei penal prejudica. Pode - e é muito comum que
isso aconteça -, de alguma fo rma, b e ne ficiar o age nte (diminuindo pe nas,
criando novas circunstâncias atenuantes, diminuindo p razos prescricionais,
condicionando a ação penal à representação do o fendido etc.) N essa h i pótese,
ou seja, d e criação normativa benéfica (n ova tio legis in mellius), a partir de
quando a le i penal poderá ter apl icação?
Aqui, fo rmaram-se duas co rrentes. A primeira delas, levando em consideração
as disposições contidas no art. 2Q e seu parágra fo único do C ó digo Penal, afi rma
que, por q uestões de economia, a lei penal deverá ser aplicada a parti r da sua
publicação. I s s o p o rque o m encionado art. 2Qe o seu parágrafo único determinam:
Quanto às medidas provisórias, prevalece o entendimento de q u e , após a edição da Emenda Constitucional
nº 32/0 1 , não mais se admite a regulamentação de matéria penal, em virtude de disposição expressa nesse sentido.
19
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
2 !!. N i nguém pode ser punido por fato que lei
posterior deixa d e considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos penais da s entença
cond enatória.
Art.
Parágrafo ú n i co. A lei posterior, que de qualquer modo
favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda
que decididos por sentença condenatória trans itada em
j ulgado.
Como se verifica pela redação acima, se a lei p osterior vier a abolir a infração
penal ou, de alguma outra fo rma, favorecer o agente, deverá ter aplicação mesmo
após o trânsito e m j ulgado d a sentença penal condenatória. Se assim o é, ou seja,
se a lei p enal benéfica deverá, em qualquer hipótese, retroagir, por que razão
seria preciso aplicar a lei anterior, correspondente à lei do fato, sendo que, pouco
tempo depois, o trabalho seria revisto e m virtude da existência da nova tio legis
in mellius? Dessa fo rma, para que não seja d esperdiçado tempo aplicando-se uma
lei que, pouco tempo depois, já estaria revogada e substituída por outra que, de
alguma forma, melhora a situação do agente, deve-se deixar de lado a primeira, a
fim de ser aplicada a segunda, mesmo ainda estando no período de vaca tio legis.
Após a publicação, existe uma expectativa de vigência da nova tio legis, razão
pela qual po d erá ser aplicada, se bené fica, a partir dela.
A segunda corrente afirma, por questão de segurança jurídica, que a lei penal,
mesmo beneficiando, s o me nte poderá ser aplicada após sua entrada em vigor.
Sustentando essa posi ção, trazem em reforço o fatídico C ó digo Penal de 1 9 69,
criado por intermédio d o D ecreto-Lei nQ 1 . 0 0 4, de 21 de outubro de 1 9 69, que
permaneceu por u m período aproximado de nove anos em vacatio legis, sendo
revogado pela Lei n!! 6. 5 7 8, d e 11 d e outubro de 1 9 7 8, antes mesmo de entrar
e m vigor.
Fosse o mencionado Código Penal de 1 9 69 aplicado ainda durante o período
de vaca tio legis, o que aconteceria naquelas h ipóteses, por exemplo, em que
o n ovel diploma repressivo houvesse abolido infrações penais anteriormente
existentes no Código Penal de 1 94 0 que ainda s e enco ntrava em vigor? Uma vez
declarada a extinção da punibilidade, por meio da abolítio criminis, não mais
poderia o Estado rever aquela situação a fim de determinar o prossegui m ento
do feito, tendo e m vista o impedimento da chamada revisão p ro societate.
Co ncluindo, a expressão lei penal pode ser entendida em duas s ituações
distintas: prej udicando ou b en eficiando o agente. Se prej udicar, o termo inicial
de aplicação s erá, sempre, o da data da sua vigência; se beneficiar, podemos
trab alhar com duas corre ntes doutrinárias - a primeira entendendo pela sua
aplicação, por critérios de eco n omia, a partir da sua publicação; a segun da, sob o
argu mento da seg u rança, após sua en trada em vigor.
20
1 NTRODUÇÃO À TEORIA
2.2. 1 .2.
GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Nullum crim e n n u /la p o e n a sin e lege scrip ta
Em virtude dessa vertente do b ro cardo do n u llum crimen n u/la poena síne
lege scripta, verifica-se que o princípio da legalidade proíb e a criação de tipos
penais incriminadores por meio dos costumes.
Co nforme assevera Ni l o Batista, "só a lei escrita, isto é, promulgada de acordo
com as p revisões co nstitucio nais, pode criar crimes e penas: não o costume".35
Contudo, não podemos confundir criação típica por intermédio dos
costumes, com a sua utilização como ferramenta de interpretação dos tipos
penais. N a verdade, sem o conhecimento dos costumes seria imposs ível a real
compreensão d e m uitas infrações penais. A título de exemplo, raciocinemos com
a no rma p revista no § 12 do art. 1 5 5 do C ó d igo Penal, que diz o s eguinte : A pena
aumenta-se de um terço, se o crime é pra ticado dura n te o repouso noturno.
Sem o efetivo conhecimento dos costumes, seria de total inaplicabilidade
o parágrafo e m exame. Isso porque, para que possa ser efetivamente aplicada
a causa especial de aumento de pena relativa ao del ito de furto, faz-se mister,
inicialmente, interpretar o termo repo uso, indispensável à maj o rante.
M e recem destaque as l i ções de H ungria, quando, dissertando sobre os
costumes, com a precisão que l h e é peculiar, afirma:
"Tanto quanto a analogia, o costume não é fonte geradora do
di reito repressivo. Não pode suprir, ab- rogar ou retificar a lei
p e nal. Cumpre, po rém, distinguir entre costume con tra, extra
o u ultra legem e costume in tegra tivo, su bsidiário ou elucida tivo
da norma penal (costum e in tra /egem ) . N esse último caso, o
costume intervém ex vi legis, sem afetar, portanto, o dogma de
que a ún ica fo nte do direito p e nal é a lei. Assim, p o r exemplo,
ao incriminar o 'ultraj e público ao pudor', a lei penal s e
reporta a um costum e social, isto é, à m o ralidade coletiva e m
torno d o s fatos da vida sexual, fi cando subordinada, para o
s e u e ntendimento e aplicação, à variabilidade, no tempo e n o
espaço, desse costume. Não h á caso algum em q u e o costume
con tra o u extra legem possa ter o efeito, já não dizemos de
criar crimes ou p enas, mas d e expungir a criminalidade l egal
d e u m fato".36
Da mesma forma que não se atrib u i poder criador normativo aos costumes,
também deve ser a ele n egado o efeito ah-rogante, ou seja, a possibilidade de os
costumes revogarem a lei penal em vigor. Nesse sentido, afirma B o b b i o : "Nos
ordenamentos e m que o costume é inferior à Lei, não vale o costume ah-rogativo;
a Lei não pode ser revogada por um co stume co ntrário".37
BATISTA, Nilo. Introdução critica ao direito penal, p . 70.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. 1, p. 94-95.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jwidico, p. 94.
21
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
Co ncluindo, o princípio do n u ffum crimen n u /la poena sine fege scripta proíbe
a criação típica por intermédio dos costumes, sendo que o reverso dessa mesma
moeda impede, também pelo mesmo argumento consuetudinário, a revogação
dos ti pos penais existentes.
2.2. 1 .3.
Nul/um c rimen n u /la p o e n a sine lege s tricta
O princípio da legalidade, em sua vertente do n u ffum crimen nu/la poena sine
fege stricta, também proíbe a adoção da chamada analogia in mofam partem,
po is, caso contrário, de nada valeria a existência de uma lei anterior ao fato se
o intérprete pudesse estendê-la a um n úm ero de casos que não foram p revistos
expressamente pelo tipo penal.
Contudo, a questão d eve ser analisada mais detalhadamente. N a verdade,
embora tenhamos a convicção absoluta da proibição da analogia in mofam
partem, seria de todo descartado o uso da analogia em Direito Penal?
A resposta, aqui, merece ser observada sob dois enfoques distinto s : o primeiro,
j á apontado, no que diz respeito à analogia in m atam partem ; o segundo, sob a
óti ca da analogia in bana m partem.
In icialme nte, o que podemos entender por analogia? Quando será possível
o seu recurso? A analogia é considerada uma forma de interpretação e de
autointegração da lei (no nosso caso, a penal), por meio da qual se busca
manter o equilíbrio do o rd e namento j urídico, uma vez que tem por fi nalidade
preservar o princípio da isono mia, segundo o qual os fatos si milares devem
receber o mesmo tratamento. Dessa forma, somente será possível cogitar-se de
analogia quando o intérprete concluir pela lacuna lega l, que conduzirá ao seu
preenchimento mediante esse recurso .
B obbio a conceitua como "o procedimento pelo qual s e atribui a um cas o não
regu lamentado a mesma disciplina que a u m caso regulamentado sem elha n te''.38
E prossegue no seu raciocínio afirmando:
" Para fazer a atribui ção ao caso não regula mentado das mesmas
cons equências j u rídicas atribuídas ao caso regulamentado
semelhante, é preciso que e ntre os dois casos exista não
uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevan te, é
preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a
ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual
ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não o utras
consequências".39
A primeira hipótese, a da analogia in m a Iam partem, encontra -se completamente
proibida em matéria penal, sendo lícito fazer ou deixar de fazer aquilo que não
BOBBIO, Norberto.
BOBBIO, Norberto.
22
Teoria do ordenamento jurídico, p. 1 5 1 .
Teoria do ordenamento jurídico, p . 1 53.
I NT RODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
estiver expressamente proibido ou imposto pelo tipo penal, não podendo o agente,
inclusive, ser prejudicado com a aplicação de agravantes ou causas de aumento de
pena que não abriguem, exatamente, sua situação ou o fato por ele cometido.
Podemos trabalhar, a títul o d e exemplo dessa afirmação, com a causa especial
de aumento de pena p revista n o § 1Q do art. 1 5 5 do Código Penal, que diz: A pen a
aumenta-se de um terço, se o crime é pra ticado dura n te o repouso n o turno.
Ao estudarmos a vertente do princípio da legalidade que proíbe a criação legal
por meio dos costumes, dissemos que, e mbora verdadeira essa afi rmação, os
costumes teriam grande utilidade na i nterpretação dos tipos penais. No exemplo
fornecido, somente poderemos aplicar a causa especial de aumento de pena
se conhecermos o s ignificado da palavra "repouso". Somente os costumes de
determinado l ugar nos dirão se, naquele momento, existe repouso. Há lugares em
que não existe repouso, a exemplo de h ospitais que funcionam ininterruptamente,
com o mesmo movimento, vinte e quatro horas por dia. Em o utros, o repouso
tem início logo ao anoitecer, como ocorre naqueles vilarejos distantes, sem luz
elétrica, sem asfalto, em que a maioria da comunidade trabalha na zona rural,
despertando muito cedo, ainda durante a madrugada, para trabalhar no campo.
Suponha-se que o agente conheça o fato de que a víti ma seja um vigilante
noturno, sendo o seu h o rário de trabalho das 22 h o ras às 6 h o ras da manhã.
Seu h o rário de sono, p o rtanto, é i nvertido, pois dorme durante o dia para po der
trabalhar à noite. S e o agente i ngressar na residência da vítima por volta das 1 2
h oras, h o rário d e "pico" d o seu sono, e d e l á subtrair um aparel h o d e DVD, a pena
para o delito d e furto por ele cometido d everá ser especialmente agravada em
razão d o fato d e tê-lo praticado durante o repouso n oturno? A resposta só pode
ser n egativa, uma vez que, embora aquele fosse o h orário de repouso da vítima,
não era o período da n oite, exigido pela lei. Se o intérprete viesse a também
entender pelo repouso noturno aquela h o ra, pelo fato de ser o h orário de
repouso d a vítima, estaria s e valendo, contrariamente, daquilo que determina o
princípio da legalidade, da analogia in m a lam partem .
Ferraj oli relembra que, ainda no século passado, n o s países q u e adotavam
um regi me totalitário, o emprego da analogia in m alam pa rtem era comum :
" N a Alemanha n azista uma l e i de 2 8 de junho de 1 9 3 5
substituiu o vel h o art. 2 Q d o Código Penal de 1 8 7 1 , que
enunci ava o princípio de l egalidade p enal, pela seguinte
norma: 'será punido quem p ratique um fato que a lei declare
p unível ou que seja merecedor d e punição, segundo o conceito
fundamental de uma lei penal e segundo o são s entimento do
povo. Se, opondo-se ao fato, não ho uver qualquer lei penal de
imed iata aplicab i l idade, o fato punir-se-á sobre a base daquela
lei cuj o conce ito fundamental melhor se aj uste a ele'."4º
FER RAJOLI, Luig i . Direito e razão, p. 309.
23
ROGÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
E m matéria penal admite-se, contudo, o recurso à chamada analogia in
banam partem, desde que o exegeta ch egue à conclusão de que não foi intenção
d a lei deixar de lado determinada h i p ótese, sendo o caso, p o rtanto, de lacuna
i nvolu ntária.
M e rece, nesse po nto, ser l evada a e fe ito a distinção entre lacuna volu ntária e
lacuna i nvoluntária. Para tanto, trazemos à colação as precisas lições de Antônio
José Fabrício Leiria, quando faz seus esclarecimentos, inicialmente, sobre as
lacunas voluntárias, dizendo que elas
"estão representadas pela inexistência de uma vontade no
conteúdo da norma jurídica. Com efeito, poderá o legislador
entender que, frente a uma realidade social vivenciada, um
determinado fato, pela sua escassa relevância jurídica, não
se apresente suficientemente maduro e com relevante carga
axiológica para ser normado. D este modo, ainda que previsto pelo
legislador, este o deixa fora da lei. Pode-se mesmo dizer que, em
tais casos, há um querer negativo, pois a lacuna propositada da
lei não escapa à previsão do legislador. Ela insere-se no conteúdo
da norma como vontade negativa desta. Como se constata, a
lacuna voluntária escapa da previsão da lei, mas se insere no seu
conteúdo, sob forma negativa de vontade da norma j urídica.
Aqui o legislador prevê a h i pótese não contemplada pela
norma, mas, proposi tadamente, de ixa fora de seu âmbito de
incidência, por m otivo de ordem j u rídica, política, econômica,
social, religiosa ou outros. D iante da realidade de um problema
de lacunas da lei, o j uiz desenvolve um trabalho que ultrapassa
a simples interpretação, visto que vai envolver com problemas
de integração do direito".41
E prossegue com suas lições elucidando o conceito de lacunas involuntárias:
"Con figura-se a chamada lacuna involuntária quando o fato,
p osto que revestido de todos os caracteres necessários para
ser regulado, situa-se fora do campo da incidência da lei,
por não haver sido p revisto pelo legislador. N esta hip ótese,
inexiste valoração j urídica, e o espaço vazio escapa à vontade
da norma, por falta de p revisão do legislador. É o inverso do
que se verifica nas lacunas voluntárias.
Comparada a ordem j urídica com uma atmosfe ra que circunda
e envolve a vida so cial, consoante nos fala Ferrara, poderemos
dizer que as lacunas da lei se apresentam como vácuos dessa
mesma atmosfe ra. São vazios do o rdenamento j urídico."42
LEIR IA, Antônio José Fabrício. Teoria e aplicação da lei penal, p. 68-69.
LEIRIA, Antônio José Fabrício. Teoria e aplicação da lei penal, p . 69.
24
I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
D essa forma, em matéria penal p ermite-se o recurso à analogia in banam
partem, desde que o exegeta chegue à conclusão de que o fato se amolda ao
conceito de lacuna i nvoluntária, pois, caso co ntrário, esse recurso estará também
proibido, mesmo que considerado b e néfico ao agente.
Podemos visualizar hipótese impeditiva do recurso à analogia in banam
partem no caso do chamado perdão judicial. O inciso IX do art. 1 0 7 do Código
Penal diz textualmente:
Art. 1 0 7 . Extingue-se a punibilidade:
[ .] ;
..
IX - pelo perdão j udicial, nos casos p revistos em lei.
Isso significa que, inicialmente, quem define as hipóteses de possibilidade
de aplicação de perdão j udicial não é o j u iz, mas, sim, a lei. É a lei que terá a
incumbência de apontar todas as i n frações p enais nas quais será possível o
raciocínio, no caso concreto, da aplicação do perdão j udicial.
Portanto, não poderá o j ulgador, e m casos parecidos com aqueles p revistos
pela l e i penal como de possível aplicação do perdão j udicial, valer-se do recurso
à analogia in banam partem, pois que estaremos diante de lacunas voluntárias
que i mpedem o raciocínio analógico.
2.2. 1 .4.
Nullum crim e n n u/la p o e n a sin e lege c e rta
Não basta que a l e i penal esteja e m vigor anteriormente à p ratica do fato
pelo agente para que possa ser efetivamente aplicada. To dos devem, ainda,
ter a possibilidade de compreender exatamente o conteúdo da proibição, para
que possam se comportar de acordo com a norma. Po rtanto, para que não sej a
ofensiva ao princípio da l egalidade, a l e i penal deve ser certa, clara, precisa e o
mais simples possível, permitindo sua mais exata compreensão.
E m 1 7 64, B eccaria já dizia, n o capítulo V de sua obra marcante, a respeito da
obscuridade das leis:
"Se a interpretação das leis é um mal, claro que a obscuridade,
que a interpretação necessariamente acarreta, é também um
mal, e este mal s e rá grandíssimo se as leis forem escritas
em l íngua estranha ao p ovo, que o ponha na dependência de
uns poucos, sem que possa j ulgar por s i mesmo qual seria o
êxito de sua libe rdade, ou de seus membros, em l íngua que
transformasse um l ivro, solene e público, em outro como que
p rivado e de casa.''43
BECCAR IA, Cesare. Dos delitos e das penas, p . 35.
25
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
11
Manuel Cavale i ro de Ferreira, discorrendo sobre a necessidade da certeza da
lei, aduz:
"A norma legal incriminadora tem de ser certa, isto é, tem de
determinar com suficiente precisão o facto criminoso. A acção
ou om issão e m que o facto consiste não pode ser inferido da
l e i; tem de ser definido pela lei. Não é norma incriminadora
co nstitucionalmente válida aquela cujo teor se apaga numa
cláusula geral que remeta o seu preenchimento para o arbítrio
do j ulgador. A lei penal i ncerta é por si inconstitucional, i sto
é, o princípio impõe-se ao l egislador como ao j uiz, que a não
d eve aplicar.''44
Por intermédio da vertente do n u llum crimen n u /la poena sine lege certa,
extrai-se a conclusão de que a lei penal deve ser taxativa. A própria Constituição
Federal, ao abrigar expressamente o princípio da legalidade em seu art. SQ,
XXXIX, o traduziu dizendo que "não há cri m e sem lei anterior que o defin a ",
ou seja, a definição da infração penal é um dado indispensável, pertencente ao
conceito de legalidade.
Cláudio do Prado Amaral, dissertando sobre os fundamentos da taxatividade
da lei p enal, afirma:
"Exige-se que a lei p enal seja certa, isto é, que os tipos
p enais sejam elaborados legislativamente de forma clara e
determinada, a fim de que as co ndutas incriminadas sejam
pass íveis d e identificação, sem que se precise recorrer a
extremados exercício s de i nterpretação ou integração da
norma. Quer-se a clareza denotativa dos tipos penais, o
que torna a norma legal pro ntamente inteligível a seus
desti natários e m termos cognitivo s : todos os cidadãos. Se a
norma penal i n criminadora tem como um de seus obj etivos
intimidar para a não realização da co nduta proibida, é preciso
que seja clara a todos, a fim de que saibam e conheçam sem
quaisquer dúvidas o conteúdo da norma legal.
O fundamento d o princípio da taxatividade assenta-se em
dupla base, p o i s : a) a norma penal incriminadora co ntém uma
ordem de abstenção d e conduta ou de realização de conduta;
logo, o destinatário da norma penal precisa compreender
exatamente seu conteúdo, para poder acatar a ordem; sob esse
ângulo, o princípio da taxatividade enco ntra razão de ser na
própria exigência de obs ervância da norma penal; b) sob outro
fundamento, o princípio da taxatividade encontra-se na função
i ntimidadora da norma penal; assim, para que a intimidação
F E R R E I RA, Manuel Cavaleiro d e . Lições de direito penal - Parte geral, p. 55.
26
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
ocorra, é preciso que seu co nteúdo seja claro e preciso, a fim
de que to dos possam atendê-lo - s em compreensão da n o rma,
não haverá intimidação.''45
É muito comum, nos países que adota m o regime totalitário, seja de esquerda,
seja de d ireita, que o ditador s e valha do escudo do D ireito Penal a fi m de dar
uma aparência de legalidade aos seus atos arbitrários e, na verdade, ilegais.
A vertente do n ullum crimen n u /la poena sine lege certa nos ob riga a raciocinar
com a diferença existente entre a legalidade formal e a l egalidade material. Pode o
proj eto de lei ter obedecido a todos os procedimentos p revistos na Constituição :
iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação, publicação e vigência.
Para sua aprovação, obteve-se o q uorum de votação necessário. E nfim, todo
o formalismo fo i cumprido. Contudo, a norma penal será tida por inválida se
sua matéria não se coadunar com o texto de nossa Lei Maior, com os princípios
expressos e imp lícitos nela contidos, destacando-se, dentre eles, o princípio da
l egal i dade.
A criação dos tipos penais, que são dirigidos a todos nós, deve ser a mais
precisa possível, afastando-se toda incerteza e dúvida quanto à sua interpretação.
Tipos penais que co ntêm os chamados co nceitos vagos ou i m p recisos o fendem
ao ditame da l egal i dade m aterial, some nte servindo de j ustifi cativa para abusos,
arbitrariedades, dos detentores do p o d er.
O exemplo do Código Penal alemão, citado por Ferraj oli à época do período
nazista, demonstra clarame nte o perigo de uma norma criada com esse estilo
vago, amplo, incerto, inseguro.
Leia-se novamente o artigo da Lei d e 28 de j unho de 1 9 3 5, que substituiu o
art. 2Q do Código Penal alemão de 1 8 7 1, que dizia:
A rt . Z Q . S erá punido quem pratique um fato que a lei
de clare punível o u que seja merecedor de punição,
segundo o conceito fundamental de uma lei penal
e segundo o são sentimento do p ovo. Se, opondo
se ao fato, não h o uver qualquer l e i penal de imediata
aplicabi l i dade, o fato punir-se-á sobre a base daquela lei
cuj o co nceito fundamental melhor se aj uste a ele.
O que signifi cava o são sen timen to do povo alemão? Obviamente que seria
merecedor de pena aquele que p raticasse qualquer comportamento que,
embora não proibido pela lei penal, incomodasse o ditador, como aconteceu
com o p ovo j udeu durante a S egunda Guerra M undial ( 1 9 3 9- 1 9 4 5 ) , quando,
aproximadamente, 6 milhões d e vidas foram eliminadas.
AMARAL, Cláudio d o Prado. Princípios penais - Da legalidade à culpabilidade, p . 1 1 5- 1 1 6.
27
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
Entendemos, ainda, que a utilização exagerada d e elementos normativos
no tipo pode conduzir, também, à afetação do princípio da legalidade, na
vertente da lege certa. Sendo os elementos normativos aqueles q ue, para sua
compreensão, exigem do intérprete a emissão de um juízo de valor, sabemos que
essa val o ração é pessoal, p odendo, e m muitas situações, conduzir a i nj ustiças
gritantes. U m mesmo fato, valo rado dife rentemente por dois j ulgadores, pode
conduzir a conclusões dife re ntes.
René Ariel D o tti, construindo uma visão crítica a respeito da utilização dos
elementos normativos, esclarece:
"Os elementos normativos se classificam em jurídicos e
cultura is. E l e me ntos normativo s ju rídicos são os que trazem
conceitos próprios do D i re ito ('coisa alheia', 'documento',
'duplicata', 'cheque', warra n t, 'funcionário público', 'esbulho
possessório' etc.). Ele m entos normativos culturais são os
que e nvolvem conceitos próprios de outras disciplinas do
conhecimento, científi cas, artísticas, l iterárias ou técnicas. São
múltiplos os exemplos dessa catego ria: 'ato obsceno', 'pudor',
'mulher honesta',46 'ato l i b i dinoso', 'arte', 'culto religioso',
'esterilização cirúrgi ca', 'fauna silvestre' etc.
Há uma preocupação muito viva entre os estudiosos com
o grande aumento do número de elementos n ormativos,
principalmente
na
l egislação
especial,
gravemente
comprometida p ela i nflação. Assim como oco rre com os
chamados tipos penais a bertos podem se ab r ir grandes
margens de insegurança e m função de uma interpretação que
comprometa o princípio da taxatividade da l e i penal. M a s é
i mpossível suprimi-los d o o rdenamento positivo uma vez que
os tipos l egais d e ilicitude refl etem a natureza e o val o r da
reali dade h u mana e da circunstância que a envolve."47
Concluindo, o princípio da legalidade, analisado sob o enfo que da /ex certa,
proíbe que a lei penal s i rva de instrumento para abusos, p rocurando afastar
as possíveis redações i m p recisas que trariam à população o sentimento de
completa ins egurança, uma ve z que j amais teria a certeza se s uas ações estariam
o u não abrangidas por d eterminado tipo penal. M e rece ser ressalvado, ainda,
o fato de que os chamados elementos normativos do tipo somente devem ser
uti lizados nos casos e m que não haja outra opção, uma vez que, p o r exigirem
u m j uízo de valoração por parte do i ntérprete, a duplicidade de i nterpretações
sobre o mesmo fato também fom entaria a sensação de instabi l idade do d ireito.
A L e i nº 1 1 . 1 06/2005 exclui dos tipos constantes d o Código Penal a expressão "mulher honesta".
DOTII, René Ariel. Curso de direito penal, p. 3 1 3.
28
I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
2 . 3 . A p r o p o rc i o n a l i d a d e d a s p e n a s
N ã o s omente a i n fração penal d eve ter s i d o criada anteriormente ao fato
praticado pelo agente, como també m a resposta do Estado, ou seja, a sanção
penal deve ser proporcional ao mal por ele cometi do.
Sob releva, assim, na Parte Especial do Código Penal, a necessidade de se
apurar a proporcionalidade das pen as, que deverá ser aferida em três planos
distintos, vale dizer, no leg isla tivo, que o corre quando da criação da figura
típica; no judicial, que é l evado a efe ito quando o j u lgador aplica a pena ao caso
concreto; e no momento da execução da pena, quando o agente, efetivamente,
sente os e fe itos da sua condenação.
A discussão a resp eito da i deia d e p ena proporcional não é nova. A partir,
principalmente, do século XVl l l, com d estaque, também, para a ob ra de B eccaria,
as discussões sobre as penas proporcionais vêm sendo travadas com p rogressos
e retrocessos.
Podemos indicar, ainda, o C ó digo d e H a mm u rabi como aquele que,
te cnicamen te, por primeiro nos fo rneceu uma noção inaugural de p ro p o rcio
nalidade, mesmo que não s e pudesse afi rmar, c o m certeza absoluta, que o
princípio "olho p o r o lho, d en te p o r d e n te" cumpria rigorosamente essa função.
O certo é que p enas desproporcionais nos trazem a s ensação de inj ustiça.
Desde criança, raciocinamos com a ideia de castigo proporcional à nossa
desobediência. A ideia d e proporção é i nata ao ser humano. Quando nossos
pais exageravam na correção, o sentimento de revolta tomava co nta de nossos
pensame ntos. N ã o e ra j u sto . A desobediência era mínima, dizíamos, para que
tamanha correção nos fosse aplicada.
C ontudo, u m dos maiores problemas que o Direito Penal enfrenta é,
j ustamente, o de encontrar a pena p rop orcional, p rincipalmente quando se tem
em mira a descoberta de sanções alternativas à pena privativa de liberdade, penas
i ntermediárias que p rocuram dar a resposta ao "mal" praticado pelo agente, mas
com os olhos voltados para o p ri ncípio da d ignidade da pessoa humana.
Não é fácil, p ortanto, a e laboração do raciocínio perfeito que tenha em
conta que a severidade da pena deve ser proporcional à gravidade do delito,
mesmo p o rque, considerando o nível atual de inflação legislativa, o n ú mero
excess ivo de tipos penais i ncriminadores torna cada vez mais d i fícil o raciocínio
da proporcionalidade, uma vez que cada tipo merece rá a sua comparação no
o rdenamento j u rídico-penal.
C on forme destacam Nilo B atista, Zaffaro n i, Alagia e Slokar,
"j á que é impossível demonstrar a racionalidade da pena,
as agências j urídicas d evem, pelo menos, demonstrar que
o custo e m direitos da suspensão do conflito mantém uma
proporcionalidade mínima com o grau da l esão que te nha
29
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
p rovo cado. Tem o s aí o princípio da proporcionalidade m ínima
da pena com a m agn itude da lesão. C o m esse princípio não se
legitim a a pena como retribuição, pois continua sendo uma
intervenção seletiva do poder que se l imita a suspender o
confl ito sem resolvê- l o e, p o r conseguinte, conserva intacta
sua i rracionalidade. Simplesmente se afirma que o direito
penal d eve escolher e ntre i rraci onalidades, deixando passar
as de menor conteúdo; o que ele não pode é admitir que a essa
natureza i rracional do exercício do poder punitivo se agregue
u m dado de máxima i rracionalidade, por meio do qual sejam
afetados bens j u rídicos d e uma pessoa em desproporção
grosseira com a l esão que ela causou".48
Laura Zúfiiga Rodriguez adverte, ainda:
"O p ri n cípio da proporcionalidade é um princípio geral de todo
o ordenamento j urídico [ ... ] que proíbe a intervenção arbitrária
dos poderes públ i cos, i nterdição que deve entender-se como
u m mandato d e u m atuar 'razoável' o u 'proporcionado."'49
S egundo a i l ustre catedrática de D ireito Penal da U nivers idade de Salamanca,
o princíp io da proporcionalidade possui tríplice dimensão, que se fo rmula em
subprincíp ios :
"A i ntervenção restritiva d o s poderes públicos deve s er
necessana, adequada e propo rcio nada. Adequação ou
idoneidade s ignifica que a medida deve ser apta para alcançar
o fim p erseguido. Necessidade, denota que não se podia optar
por outra medida igualmente eficaz, que não gravasse em
menor medida os direitos afetados. E, proporcionalidade estrita
s ignifica que o sacrifício que se impõe ao direito correspondente
d eve guardar uma razoável proporção ou equilíbrio com os
bens j urídicos que se p retende salvaguardar.''5º
Podemos destacar dois m o m e ntos de aferição ob rigató ria da
p ro p o rcionalidade das p enas. I n i ci a l m e nte, o p r i meiro ra ciocínio s e ria l evado
a efeito considerando-se as penas c o mi nadas em abstrato. C o m o p ri ncípi o
i m plícito, p o d e m o s extrai r o princípio da p roporcionalidade do p ri ncípio d a
i n dividualização das p enas. Quando o l egislador c r i a o t i p o p e n a l i ncriminador,
proibindo o u i m p o n d o determinado c o m portamento s o b a ameaça de uma
sanção d e n atureza penal, essa sanção d everá s e r proporcional à gravi dade do
mal praticado p e l o agente c o m a i n fração penal.
+ 6 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro,
1, p. 230-23 1 .
V.
RODRIGU EZ, Laura Zúfiiga. Política criminal, p . 58.
• <, RODRI GUEZ, Laura Zúfiiga. Política criminal, p. 58-59.
30
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Sab emos que o raciocínio da proporcionalidade não é dos mais fáceis, pois
não podemos mensurar, exatamente, quanto vale a vida, a integridade fís ica, a
honra, a liberdade s exual etc. C ontudo, faz-se mister que tal proteção ocorra por
meio d e uma pena entendida como a mais proporcional possível, considerando
se o bem atingido pelo delito.
Luigi Ferraj oli preleciona:
"O fato d e que e ntre a p ena e o del ito não exista nenhuma
relação natural não exim e a primeira de ser adeq uada ao
segundo e m alguma m e d ida. Ao co ntrário, precisamente o
caráter convencional e l egal do nexo retributivo que liga a
sanção ao i lícito penal exige que a eleição da qualidade e da
quantidade d e uma seja realizada pelo legislador e pelo j uiz
em relação à n a tureza e à gravidade do o u tro. "51
Prima facie, deverá o legislador ponderar a importância do b e m j urídico
atacado p elo comportamento d o agente p ara, em raciocínio seguinte, tentar
enco ntrar a pena que possua efeito dissuasório, isto é, que seja capaz de
inibir a p rática daquela cond uta o fensiva. Após o raciocínio correspondente à
importância do b e m j urídico-penal, que d everá m erecer a proteção por meio
de uma pena que, mesmo imperfeita, seja a mais proporcional possível, no
sentid o de dissuadir aqueles que p retendam violar o o rdenamento j urídico,
com ataques aos bens por ele p rotegidos, o legislador deverá proceder a um
estudo comparativo e ntre as figuras típicas, para que, por mais uma vez, seja
realizado o raciocínio da proporcionalidade sob o enfoque de co mparação entre
os d iversos tipos que p rotegem bens j u rídicos diferentes.
S e o legislador é o primeiro responsável p elo raciocínio da p roporcionalidade,
considerando-se abstratamente a i n fração penal por ele criada, o segundo
responsável s e rá o j uiz, agora quando d o co metimento, pelo agente, da infração
penal p revista e m algum diploma repressivo, pois, como b e m observado por
Esperanza Vaello Esq uerdo,
"trata-se de um princípio que tem um duplo destinatário,
pois vai dirigido tanto ao legislador como ao j uiz. O primeiro,
no sentido de exigir-lhe que, ao elaborar as leis, estabeleça
penas proporcionadas, e m abstrato, à gravidade do delito, e ao
segundo, para que n o momento de aplicá-las i mponha sanções
acomodadas à concreta gravi dade do delito executado, fazendo
uso da m argem d e discricionariedade q ue dispõe".5 2
Se o b e m j urídico possui, em tese, d eterminado val o r e s e esse valor é,
por intermédio do D ireito Penal, mensurado p o r uma sanção p reviamente
cominada na l e i, no caso concreto deverá o j ulgador, de acordo com um processo
' FER RAJOLI, Lu igi. Direito e razão, p. 320.
' ESQUER DO, Esperanza Vaello. lntroducción ai derecho penal, p. 43.
31
ROGÉRIO G RECO
VOLUME l i
d e individualização d a pena, enco ntrar aquela proporcional ao mal p raticado
especificamente por determinada pessoa, autora do delito.
São, portanto, d o is os mome ntos d e aferição da proporcionalidade: o
primeiro, por meio das p enas cominadas em abstrato e o segundo, em razão das
penas aplicadas ao caso co ncreto.
As penas, entretanto, d e acordo com a parte fi nal do art. 59 do C ó digo Penal,
devem ser aquelas n ecessárias e suficien tes para a rep rovação e p revenção do
crime, conforme veremos a seguir.
2 . 3 . 1 . A pena necessária
Sob o enfo qu e do princípio d a i ntervenção mínima, tem-se entendido q u e a
fi nalidade do D i reito Penal é a p roteção dos bens mais importantes e necessários
ao co nvívio e m s o ciedade. Extrai-se daí sua natureza subsidiária, ou seja, dada
a gravi dade de suas penas, o D ireito Penal somente poderá intervir quando se
verificar que os o utros ramos do ordenamento j u rídico não são fortes o suficiente
para a proteção de determinado bem. El e deve ser en carado como a ultima ratio,
e não como p rima ratio.
A d rasticidade da pena53 nos o b riga a concluir que a primazia na p roteção dos
b ens deve ser concedida aos outros ramos do ordenamento j urídico, a exemplo
d o D ireito C ivil, d o D i re ito Administrativo, do D i reito Tributário etc. Somente
quando se verificar a insufi c iência dessa proteção é que surge o D i reito Penal
como o mais forte de to dos os ramos do ordenamento j u rídico, visando dar a
p roteção que o b e m m erece, dada sua importância.
O princípio da culpabilidade, por i ntermédio do j uízo de censura que se
produz no plano concreto, d everá servir de norte ao j ulgador para auxiliá-lo a
encontrar a pena que seja necessária à p reve nção e à reprovação do crime.
O in ciso 1 do art. 5 9 do C ó digo Penal diz que o juiz deverá estab elecer as
penas apli cávei s entre as comi nadas, vale dizer, privativa de lib erdade, restritiva
de d ireito ou multa. 5 4
As fu nções de rep rovar e p reven i r a p ráti ca de futuras i n frações penais é que
ditam a necessidade da pena.
Se, no caso concreto, o j u lgador entender que a pena privativa de l ib erdade não
é necessária, dada a culpabilidade d o agente, poderá, se o p receito secundário
do tipo penal in criminador permitir, ou mesmo s e for possível a substituição
Em face da drasticidade das reprimendas, n ã o foram poucas a s críticas desenvolvidas aos critérios d e
prevenção geral e especial. Sobre o tema, vide nosso Curso de direito penal - Parte geral, v . 1 .
O art. 28 da Lei nº 1 1 .343, de 23 de agosto de 2006, que previu o delito de consumo de drogas, sob a
denominação de medidas educativas (conforme se verifica pela leitura do seu § 6°), cominou, além de às penas
de prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, à
pena de advertência sobre os efeitos das drogas, que não se amolda à natureza de nenhuma das penas previstas
pelo art. 32 do Código Penal (privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa).
32
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
de acordo com as regras da Parte Geral do Código Penal, determinar o utra, de
natureza d iversa.
Independentem ente da posição teórica que o intérprete venha a assumir, o
princípio da necessidade d everá, sempre, ser conj ugado com as duas funções
atribuídas à p e na, mencio nadas expressamente na última parte do cap ut do
art. 59 do Código Penal, o u seja, as funções de reprovar e p revenir, que serão
analisadas mais detidamente adiante. Abrindo u m parêntese, parece que a
Lei n2- 1 1 . 3 4 3 , de 2 3 de agosto de 2 0 06, se "esqueceu" de que as finalidades
de rep rovar e p revenir d evem nortear a aplicação da p ena, em virtude da
determinação co nstante do art. 59 do Código Penal. I sso p o rque, em várias de
suas passagens, a exemplo do que ocorre com os arts. 1 Q e 32-, quando se refere ao
usuário ou ao depend ente de d rogas, vale-se tão s o mente da palavra prevenção,
e, quando menciona a produção não autorizada e ao tráfico i l ícito de drogas,
utiliza o termo repressão. O que isso significa? Que quando estivermos diante
de um usuário, p o r exemplo, a pena não terá efeito retrib utivo? Ou, quando
estivermos diante de um traficante d e drogas, não nos preocuparemos com a
prevenção do delito (geral e especial), mas tão somente com sua reprovação? N ão
nos parece razoável esse raciocínio. M e sm o que o legislador tenha enfatizado
cada um deles, cons iderando as d istintas s ituações, as finalidades de rep rovação
e prevenção do delito devem estar p rese ntes em ambos os casos.
O p rincípio da n ecessidade da pena somente diz respeito, ainda, aos agentes tidos
como imputáveis. Somente com relação a eles é que as funções previstas na parte
final do art. 59 do C ódigo Penal poderão ser realizadas. Aos agentes inimputáveis
não cabe a aplicação da pena, pela absol uta falta de necessidade de se reprovar e de
se prevenir a prática de infrações penais, pois que não são passíveis de reprovação,
mas, sim, de ajuda. Não são ainda objeto de prevenção, mas de tratamento, a fim
de que não venham a praticar, no futuro, outros comp ortamentos proibidos pela
lei penal. N ão p oderá ser tomada por i neficaz, no entanto, a vertente da p revenção
geral, pois todos aqueles que tomaram conhecimento da prática da ação típica e
ilícita levada a efeito pelo inimputável também reconhecerão a necessidade de
tratamento, que também corresponde a uma das formas de resposta penal, com
a efetiva aplicação de medida d e segurança, a qual, em muitos casos, se torna até
mais radical que a p rópria apli cação da pena.
Com relação ao princípi o d a necessidade de aplicação da pena com o enfo que
das funções de reprovação e p revenção, vale transcrever a crítica produzida por
Córdoba Roda:
" E m primei ro l ugar, devemos observar que a presunção
conforme a qual p ara to do suj eito n o rmal que comete um
fato p revisto como delito, a pena resulta como necessária
devido às razões de prevenção geral ou especial, expressa
u m j uízo que guarda uma grande discrepância em relação
33
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
ao que sucede n a vida real. Recorde-se, a este respeito, que,
segundo é p e rfeitamente sabido, a aplicação da pena pode ser
absolutamente desnecessária, quando não p rejudicial pelos
seus nefastos efe itos que a privação da liberdade comporta,
para uma grande proporção dos sujeitos 'normais'. A não
execução da pena em tais casos não tem, ademais, porque
diminuir a p retendida e ficácia de p revenção geral, já que
as legítimas exigências resultantes desta podem restar
satisfeitas pela condenação penal d o suj eito. O p o r-se em tais
casos à inexecução da p e na, em atenção ao relaxamento que
isso p o deria supor, comporta, a nosso j uízo, um intole rável
tributo em favor da segurança j urídica.
E m segundo l ugar, ao que se refere aos inimputáveis, não
cremos ser correto afirmar, em termos absolutos, que para
to do suj eito inimputável seja a pena desnecessária."55
Com essa afirmação quer o cated ráti co de Direito Penal da Universidade de
Barcelona dizer que nem sempre será necessária a aplicação da p ena, mesmo
tendo o agente praticado, e m tese, u m fato tido como criminoso. Segundo o
seu raciocínio, se no caso concreto não se conseguir identificar que a aplicação
de uma pena atingirá suas funções d e p reve nção - geral e especial -, deverá o
agente ser absolvido.
In forma, ainda, o renomado autor que até mesmo os adeptos da teoria
absoluta, que p regam a função d e rep rovação da pena, já s e têm rendido aos
argu mentos da desnecessidade d e aplicação da pena, dados os conhecidos
malefícios que sua execução traduz.
Segundo ainda Córdoba Roda,
"pretender que as p e nas privativas de lib erdade sejam
cumpridas em todos os casos em que se verifique o
cometimento de um delito, sem admitir a possibilidade de que
se prescinda da sua imposição o u s e diminua sua duração em
atenção à sua ineficácia, quando não a seus nefastos efeitos,
sofre o intole rável prejuízo da imposição de um castigo i nútil,
ou p rod utor, inclusive, de males irreparáveis".56
M e rece destaque, por o p o rtuno, o alerta de M i chel Foucault quando afirma
que a prisão, "e m vez de devolver à l i b erdade indivíduos corrigidos, espalha na
população delinquentes perigosos". 57
Em nossa legislação p e nal, temos a h ipótese do chamado perdão judicial, que,
e m última análise, corro b o ra a tese d e que nem sempre a pena se faz necessária,
C Ó R DOBA RODA, Juan. Culpabilidad y pena. p. 42.
C Ó R DOBA RODA, Juan. Culpabilidad y pena. p. 54.
,-· FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 221 .
34
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
mesmo diante do fato de ter o agente praticado uma conduta típ ica, ilícita e
culpável. A exemplo do que ocorre nas circunstâncias previstas no § 5Q do art.
1 2 1 do Código Penal, o j u i z po derá deixar de aplicar a pena se as consequências
da infração atingirem o agente de fo rma tão grave que a sanção penal s e torne
desn ecessária. Como se p e rcebe pela l eitura do mencionado parágrafo, a própria
lei penal fez menção à ausência de necessidade de aplicação da pena, uma vez
presentes aquelas h i póteses.
Roxin ainda exemplifica com u m caso con creto, no qual memb ros de um
movimen to pacifista, com a fi nalidade d e p rotestar contra o rearmamento,
i nvadiram um terreno mil itar americano isolado por um alambrado, colocaram
algumas ovelhas para pastar e plantaram uma árvore. Essa ação comove dora
era, lamentavelmente, uma violação de do micílio punível, e por essa violação de
domicílio e o dano ao alambrado os pacifistas foram punidos. Segundo Roxin,
poder-se-ia ter excluído a responsabilidade daquele grupo, pois, mesmo sendo
considerados culpáveis p erante a lei penal, também se moviam n o âmbito
constitucional de p roteção da l i b erdade de opinião e reunião, e, não tendo
ocasionado um dano considerável, podia-se ter- lhes concedido a benevolê ncia.5 8
Talvez o raciocínio do afastamento completo da aplicação da pena ainda
seja por demais vanguardista, daí a necessidade de sua conj ugação com outro
princípio, o da suficiência, que terá o condão de medi-la, partindo do pressuposto
de ser ela necessária a fim de que ao agente seja aplicada pena suficiente para a
reprovação e prevenção do crime.
Tais princípios deverão ser conj ugados, ai nda, com o princípio da humanidade
ou da d ignidade da pessoa humana, que proíbe penas desnecessárias e co ntrárias
ao seu fi m uti litário. As penas devem ser, po rtanto, qualitativa e quantitativamente
necessárias e suficientes à reprovação e à p revenção dos crimes.
Podemos dizer que a q u a lidade está para o princípio da necessidade, assim
como a q u a n tidade está para o princípio da suficiência da pena, que será
analisado a seguir.
Contudo, quando tivermos de analisar o princípio da necessidade, segundo
o en fo que proposto pela parte fi nal do art. 5 9 do Cód igo Penal, não podemos
afastar a aplicação da pena, haja vista que, para tanto, o agente teria de ser
absolvido. A fi nalidade da consignação do princípio da necessidade, no capítulo
correspondente à aplicação da pena, no qual está inserido o mencionado
art. 5 9 , faz com que o raciocínio seja no sentido de que a pena é, efetivamente,
necessária. Entretanto, en tre as penas cominadas, qual delas, qual itativamente,
se e ntenderá como n e cessária aos fins previstos também por este mesmo artigo,
vale dizer, o de reprovar e preve nir a práti ca de infrações p enais?
Apud PARMA, Carlos. Culpabilidad, p. 1 56.
35
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
Assim, concluindo, o princípio da necessidade, inserido no art. 5 9 do C ó digo
Penal, não permite afastar a aplicação da lei penal àquele que tiver p raticado
uma conduta típica, ilícita e cul pável, mas, s im, conduz a escolher a pena
entendida como necessária a atender o s fi ns por ela determinados. D everá o
legislador, po rtanto, de acordo com o critério p redeterminado pela l ei, escolher
a m o dalidade de sanção que mais se adapte ao caso concreto, i sto é, se privativa
de l iberdade, restritiva de di reitos ou multa. Essas s ão, portanto, as penas que
o j ulgador tem à sua disposição a fi m d e atender ao prin cíp io da necessidade.
São escolh idas, assim, em virtude de sua qualidade, pois que a quantidade será
obj eto de apreciação de outro princípio, vale dizer, o da suficiência das penas.
2.3. 1 .1 .
A p e n a suficie nte
A pena, como diz o j a rgão popular, é um mal necessário, mesmo que tal
raciocínio seja d i rigido a um número l i m itado de infrações penais. C o ntudo,
para que sej a tida como j usta, e não como um ato de puro arbítrio, ou, no sentido
contrário, de protecionismo, não p oderá i r além ou aquém da sua necessidade,
devendo, pois, ser aquela suficiente para a rep rovação e p revenção do crime.
Pena sufici ente é aquela que não é excessiva. Nas precisas l i ções de Carrara,
"não deve ultrapassar a proporção com o mal do delito. To do
sofrimento i rrogado ao culpado além do princípio da pena,
que é o de dar ao prece ito uma sanção proporcionada à sua
importância j urídica, e além da necessidade da defesa, que é a
de elidir a força m o ral obj etiva do delito, é um abuso de força,
é ilegítima crueldade".59
De acordo com as lições do mestre italiano, o princípio da suficiência da pena
deverá estar intimamente l igado ao princípio da proporcionalidade. Suficiente é
a pena proporcional ao mal praticado p el o agente.
Não pod erá o j u i z, p ortanto, aplicar uma pena evidentemente rigorosa se o
caso concreto exige uma punição mais b randa, pois que suficiente à rep rovação
e prevenção do crime.
J uarez Tavares, com maestria, assevera :
"Concebida como expressão de poder, a pena, contudo, deve
guardar uma relação proporcional com o dano social produzido
pelo delito. D esde que i nexista essa relação ou se apresente
ela de modo absolutamente inexpressiva, pode-se questio nar
a val idade da norma que i nstituiu a punição, em face de haver
o legislador atuado arb itrariamente na sua confecção".6º
CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal, v. l i , p. 98.
TAVAR ES, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, p. 84.
36
1 NTRODUÇÃO À TEORIA
GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
O inciso I I do art. 5 9 do C ó digo Penal determina, também, que o j ulgador,
o rientado pelas funções da pena - reprovar e prevenir -, deverá estabelecer-lhe a
quantidade nos lim ites previstos, b e m como o regi me inicial de cumprimento da
pena privativa de l i be rdade, co nforme assevera o inciso I I I do mencionado artigo.
Em reforço a este último raciocínio, ou seja, o da suficiência da pena pa ra que
atenda às funções d e rep rovar e p reve n i r o delito, merece ainda registro o fato
de que o § 32 do art. 3 3 do diploma repressivo diz que a determinação do regime
inicial d e cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos
p elo art. 5 9 do Có digo Penal.
I magi nemos, por exemplo, a hip ótese em que a pena p rivativa de lib erdade
tenha sido el e ita como necessária, a fim d e atender às fu nções de rep rovação
e prevenção. Contudo, pode acontecer que o regi me apontado obj etivamente
pela lei como o de início de seu cumprimento não seja suficiente para o caso
concreto, podendo o j u iz, nesta h i pótese, valer-se do § 32 do art. 33 do já referido
estatuto penal, com o escopo d e impor regime mais rigoroso.
Suponhamos que alguém tenha sido condenado a uma pena privativa de
liberdade de oito anos de reclusão. O j uiz, observando a culpabilidade do agente,
ou seja, o j uízo de censura que deverá recair sobre o inj usto por ele cometido,
poderá deixar de lado o regime obj etivamente fixado pela lei, vale dizer, o regime
semiaberto e, j ustificadamente, determinar o início de seu cumprimento em regime
fechado, sob o argumento de que o regime legal, isto é, aquele previsto de forma
objetiva pela lei penal, não é suficiente para fins de atender às funções da pena.
Também preconiza Beccaria:
"Para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra
o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida,
necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias
ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei.''6 1
Pena s u ficiente, portanto, será aquela que, quantitativamente, melhor
representar as fu nções de reprovar e p revenir os crimes, não p odendo, outross im,
ficar além ou mesmo aquém das exigências do fato p raticado p elo agente.
Fe rraj oli, demonstrando sua preocupação com a quanti dade máxima de pena
a ser aplicada, disserta :
"Penso que a duração máxima da pena p rivativa de lib erdade,
qualquer que seja o delito co metido, poderia muito b em
reduzir-se, a curto prazo, a d ez anos e, a médio prazo, a
um tem p o ainda menor; e que uma norma constitucio nal
deveria sancionar u m l i mite máximo, digamos, de dez anos.
Uma redução d este gênero suporia uma atenuação não só
quantitativa, senão também qualitativa da pe na, dado que a
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 1 39.
37
VOLUME I I
ROG ÉRIO G RECO
i deia de retornar à liberdade depois d e um breve e não após
u m l ongo ou u m talvez i nterminável período tornaria sem
dúvida mais tol e rável e menos alienante a reclusão".6 2
Podemos concluir esclarecendo que a pena necessária é aquela que,
qualitativamente, mais atende às funções de reprovar e p revenir o crime, ao
passo que pena suficiente estaria intimamente l igada à q u a n tidade da sanção
aplicada ao agente que p raticou a infração penal.
3.
DO T I P O P E N A L
Dissemos qu e n a Parte Especial d o Có digo Penal estão concentra dos,
precipuamente, o s chamados tipos penais incriminadores, ou seja, aqueles que
têm por finalidade a narração de u m comportamento que se quer p roib ir ou
impor sob a ameaça de uma sanção de natu reza penal.
Cada tipo penal incriminador possui características dife rentes que o tornam
especial comparativamente aos demais, razão pela qual o conflito de no rmas,
caso ocorra, será sempre aparente.
E ste tópico será reservado ao estudo dos tipos penais, buscando entender
todas as suas subd ivisões, bem como os elementos que lhe são característicos,
p ara, logo em seguida, i n iciarmos o estudo das regras que têm o condão de
resolver o conflito de no rmas, o qual, como já observado, será sempre aparente,
pois duas normas não podem regular o mesmo fato.
Como o estudo da teoria do tipo já foi l evado a efeito no primeiro volume
desta obra (Curso de Direito Penal Parte geral), trataremos aqui apenas dos
tó picos d e maior relevo, com algumas m odificações exigidas pelo estudo da
Parte Es pecial. Portanto, embora a visão geral seja similar àquela já produzida,
o utros d etalhes serão inseridos nas discussões.
-
3 . 1 . C o n c e i to
Por imposição do princípio do n ullum crimen sin e lege, o legislador, quando
quer i mpor ou proibir condutas sob a a meaça de sanção, deve, obrigatoriamente,
val er-se de uma lei. Quando a l e i em sentido estrito descreve a conduta (comissiva
ou omis siva) com o fim de p roteger d eterminados bens cuj a tutela mostrou-se
insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo pen al.
Tipo, como a própria denominação nos está a induzir, é o modelo, o padrão
d e conduta que o E stado, por meio d e seu único i nstru m e nto, a lei, visa impedir
que seja p raticada ou d etermina que seja levada a efeito. A palavra tipo, na
l i ção de Cirilo d e Vargas, "constitui uma tradução livre do vocábulo Tatbestan d,
empregada no texto do art. 5 9 do C ó digo Penal alemão de 1 8 7 1, e provinha
FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 332.
38
l NTRODUÇÀO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
da expressão latina corpus delicti. O tipo, portanto, é a descrição precisa do
comportamento h u mano, feita pela l e i p enal".63 É, também, a fattispecie, o fatto
típico ou simplesmente o fa tto do D i re ito Penal italiano, conforme assevera
Sheila Selim.64
N a d efi nição de Zaffaroni, "o tipo penal é um i nstrumento legal, l ogicamente
necessário e d e natureza predominantemente descritiva, que tem por fu nção a
individualização de cond utas humanas p e nalmente relevantes".65
O E stado, v.g., entendendo que d everia p roteger nosso patrimônio, valendo
-se de u m instrumento l egal, criou o tipo existente no art. 1 5 5, cap u t, do C ódigo
Penal, assim redigid o :
Art.
1 5 5 . Subtrair, para s i ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de l (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Com essa redação o Estado des creve, precisamente, o modelo de conduta que
quer proibir, sob pena de quem lhe desobedecer ser punido de acordo com as
sanções previstas em seu preceito secundário. Se alguém, portanto, subtrai, para
si ou para outrem, coisa alheia móvel, terá praticado uma conduta que se adapta
perfeitamente ao modelo em abstrato criado pela lei penal. Quando isso acontecer,
surgi rá outro fenômeno, chamado tipicidade, cuja análise será feita a seguir.
3 .2 . T i p icidade penal = t i p i c idade formal
+
t i p i c i d a d e c o n g l o b a nte
O fato típico é composto pela conduta do agen te, dolosa ou culposa, comissiva
ou omiss iva, p el o resultado, b e m como pelo nexo de ca usalidade entre aquela e
este. Além disso, é preciso que a conduta também se amolde, subsuma-se a um
modelo abstrato p revisto na lei penal, que denominamos tipo.
Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta p raticada
pelo agente ao modelo abstrato p revisto na lei p enal, isto é, a um tipo penal
incriminador, ou, conforme preceitua Mufíoz Conde,
"é a adequação d e um fato cometi do à descrição que dele se
faz na lei penal. P o r imperativo do princípio da l egalidade, em
sua verten te do n u llum crimen sine lege, s ó os fatos tipificados
na lei p enal como delitos podem ser considerados como tal".66
A adequação da conduta do agente ao m o delo ab strato p revisto na lei penal
(tipo) faz s urgir a tipicidade formal ou l egal. Essa adequação deve ser perfeita,
pois, caso contrário, o fato s e rá considerado formalmente atípico.
i
VARGAS, José Cirilo d e . D o tipo penal, p. 1 9 .
SALES, Sheila Jorge Selim de. Dos tipos plurissubsistentes, p. 23.
ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p . 371 .
M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 4 1 .
39
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
li
Qua ndo afirmamos que s ó haverá tipicidade se existir adequação perfeita da
cond uta do agente ao modelo em abstrato previsto na lei penal (tipo), estamos
querendo dizer que, por mais que seja parecida a cond uta praticada pelo agente
com aquela descrita no tipo p enal, se não ho uver um encaixe exato, preciso, não
se pod erá falar e m tipicidade. Assim, a exemplo do art. 1 5 5 do C ódigo Penal,
aquele que simplesmente subtrai coisa alheia m óvel não com o fim de tê-la para
si ou para outrem, mas, si m, com a intenção de usá-la, não comete o crime de
furto, uma vez que no tipo penal e m tela não existe a p revisão dessa conduta,
não sendo punível, portanto, o "furto d e uso".
Fi gurativamente, pod eríamos exemplificar a tipicidade fo rmal valendo-nos
daqueles brinquedos educativos que têm por finalidade ativar a coordenação
m o tora das crianças. Para essas crianças, haveria "tipicidade" quando
conseguissem colocar a figura do retângulo no l ugar que lh e fora reservado no
tab uleiro, da mesma fo rma sucedendo-se com a esfera, a estrela e o triângulo.
S o mente quando a figura m óvel se adaptar ao l o cal a ela destinado n o tabuleiro
é que se pode falar em tipicidade fo rmal; caso contrário, não.
E ntretanto, esse conceito de simples aco modação do comportamento do
agente ao tipo não é suficiente para que possamos concluir p ela tipicidade penal,
uma vez que esta é formada pela conjugação da tipicidade fo rmal (ou l egal) com
a ti p icidade conglobante.
I m aginemos o seguinte exemplo: u m carrasco que tem a ob rigação legal de
executar o condenado e fetua contra ele um di sparo mo rtal, visto que este tinha
sido se ntenciado à mo rte por fuzilame nto. Ra ciocinemos de acordo com o quadro
co rresp ondente à teoria do crime. Como dizia Welzel, cada um dos elementos que
integram o crime, segundo o co nceito analítico, deve ser analisado na seguinte
ordem: fato típico, ilicitude, culpabi l i dade. O fato típico, como já dissemos, é
comp osto pelos seguintes elemento s : conduta dolosa ou culposa, resultado (nos
crimes em que se exige um resultado naturalístico), nexo de causalidade entre
a conduta e o resultado e a tipicidade penal (formada pelas tipicidades formal
e conglo bante) . No exemplo fo rn ecido, o carrasco havia dirigido a sua conduta
finalisticamente no sentido de causar a mo rte do condenado, agindo, portanto,
com dolo. H o uve um resultado - morte do executado. A conduta do carrasco
fo i que produziu o resultado (n exo de causalidade) . Agora, teremos de saber
se o fato praticado é típ ico. O primeiro passo, na ordem q ue foi anunciada, é
co nferir se a conduta do carrasco subsume-se a um modelo abstrato previsto
pela lei penal, a fim de descobrirmos se, no caso concreto, h á tipicidade formal.
E m conclusão, d iremos que existe fo rmalmente adequação típica da cond uta do
carrasco em face do art. 1 2 1 do C ó digo Penal.
E m seguida, faremos a s eguinte i ndagação: Existe tipicidade co nglobante?
Para que se possa falar em tipicidade conglobante, é preciso que:
40
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
a) a conduta do agente seja antin o rmativa;
b) que haj a tipicidade material, ou seja, que oco rra um critério material de
seleção do b e m a ser protegido.
A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a
conduta praticada pelo agente é considerada antino rmativa, isto é, contrária à
norma penal, e não imposta ou fo m entada por ela, b em como o fensiva a bens de
rel evo para o D ireito Penal (tipicidade material ) .
Na l i ç ã o de Zaffaroni e P i e rangeli, n ã o é possível q u e no ordenamento j urídico,
que se entende como pe rfeito, uma norma proíba aquilo que outra imponha ou
fomente. Exemplificam com o caso de u m o ficial de Ju stiça que, cumprindo uma
ordem d e penhora e sequestro de u m quadro, de propriedade de um devedor a
quem se executa em processo regular, por seu legíti mo credor, para a cobrança
de um crédito vencido, nos seguintes termos:
"A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir
o que o d i reito ordena e nem o que ele fomenta. Pode ocorrer
que o tipo l egal pareça incluir estes casos na tipicidade, como
sucede com o do o ficial de j ustiça, e no entanto, quando
penetramos um po uco mais no alcance da norma que está
anteposta ao tipo, nos apercebemos que, interpretada como
parte da ordem normativa, a co nduta que se aj usta ao tipo legal
não pode estar proib i da, porque a própria ordem normativa a
ordena e a incentiva."67
Nesse sentido são as l i ções d e Bobbio, quando asseve ra :
"Um o rdenamento j u rídico constitui um sistema porque
não podem coexistir nele no rm as incompa tíveis. Aqui,
'sistema' equivale a val i dade do princípio, que exclui a
incompatib ilidade das normas. Se num ordenamento vêm a
existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem
ser eli minadas. S e isso é verdade, quer dizer que as normas de
um ordenamento têm um certo relacionamento entre si, e esse
relacionamento é o relacionamento de compatibilidade, que
implica na exclusão da incompatib ilidade."6 8
Portanto, a antinomia existente d everá ser solu cio nada pelo p róprio
ordenamento j urídico.
Com esse conceito de antinormatividade, casos que hoje são tratados quando
da verificação da sua ilicitude podem ser resolvidos j á no estudo do pri meiro
dos elementos da infração penal - o fato típico.
ZAFFARON I , Eugenia Raú l ; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 458.
808810, Norberto. Teoria do ordenamento jwídico, p . 80.
41
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
li
Voltando ao exemplo d o carrasco, teríamos d e raciocinar d a seguinte maneira:
h á uma norma contida no art. 1 2 1 do Código Penal que diz que é proibido
matar. E mbora exista essa norma, a proibição nela contida se dirige a todos, até
mesmo ao carrasco que tem o dever l egal de matar nos casos de pena de m orte?
A resposta só pode ser n egativa. C o m isso queremos afirmar que a proibição
contida no art. 1 2 1 do C ó digo Penal se di rige a todos, à exceção da queles que têm
o dever de matar. N o confronto entre a proibição (norma contida no art. 1 2 1 do
C P) e uma i mposição (norma que d etermina que o carras co execute a sentença
de m o rte), devemos concluir que a proibição de matar, nos casos em que a l e i
p revê, não se dirige ao carrasco. Portanto, s u a conduta não s e r i a antin o rmativa,
contrária à norma, mas, sim, de acordo, imposta pela no rma. Res o lve-se,
portanto, o problema da antinomia, conforme p roposto por Bobbio, pois se
"anti nomia significa o encontro de duas proposições
incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e,
com referência a um si stema de normas, o encontro de duas
normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do
in co nveniente não pode rá consistir em outra coisa senão na
eliminação de uma das duas normas".69
Com o conce ito de anti n o rmatividade esvazia-se um pouco as causas de
exclusão da ilicitude no caso especifi camente do estrito cumprimento de dever
l egal, visto que nessa hip ótese não há m e ra permissão para que o carrasco cause
a m orte do condenado, mas, si m, uma i mposição feita pela lei.
Além dos casos em que houver determinação legal para a p rática de certas
condutas nas quais, formalmente, haveria adequação típica, podem existir
hipóteses em que a lei, embora não impondo,Jomente certas atividades. Podemos
citar, também na esteira de Zaffaroni e Pierangeli, o caso do médico que intervém no
paciente com finalidade terapêutica, curativa. Nesse caso, segundo os renomados
autores, també m não se poderia qualifi car a conduta como antinormativa, visto
que essa atividade, ou sej a, o exercício da medicina terapêutica, é fomentada
pelo Estado. Se o médico realizasse uma i ntervenção cirúrgica com a finalidade
de salvar a vida do paciente, sua conduta seria atípica, visto não ser contrária à
norma (antinormativa), mas, sim, por ela fomentada. Agora, se o profissional da
medicina atuasse com a finalidade de executar uma cirurgia estética, sua atividade
já não mais seria considerada fo mentada pelo E stado, mas tão somente permitida,
tol erada, razão pela qual, neste último caso, embora típica a sua conduta, não seria
ilícita, em virtude da ocorrência da causa de justifi cação prevista na segunda parte
do inciso I I I do art. 23 do Código Penal, vale dizer, o exercício regular do direito.
Para concluir-se pela tipicidade penal é preciso, ainda, verificar a chamada
tipicidade material. Sabemos que a finalidade d o D i reito Penal é proteger os bens
mais importantes existentes na sociedade. O princípio da intervenção mínima,
808810, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 91 .
42
1 NTRODUÇÃO Ã TEORIA
GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
que serve de norte para o legislador na escolha dos bens a serem protegidos pelo
Direito Penal, assevera que nem to do e qualquer bem é passível de ser por ele
protegido, mas somente aqueles que gozem de certa importância. N essa seleção
de bens, o legislador abrigou, com a finalidade de serem tutelados pelo D i reito
Penal, a vida, a integridade física, o patrimônio, a ho nra, a liberdade sexual etc.
E mb ora tenha feito a seleção dos bens que, por meio de um critério político,
reputou como os de maior importância, não podia o legislador, quando da
elaboração dos tipos penais incriminadores, descer a detalhes, cabendo ao
intérprete delimitar o âmb ito de sua abrangência. I maginemos o seguinte :
alguém, de fo rma extremamente i m p rud ente, ao fazer uma manobra em seu
automóvel, acaba por encostá-lo na perna de um pedestre que por ali passava,
causando-lhe um arranhão de meio centímetro. Se analisarmos o fato, chegaremos
à seguinte conclusão: a conduta foi culposa; houve um resultado; existe um
nexo de causalidade entre a conduta e o resu ltado; há tipicidade formal, pois
existe um tipo penal prevendo esse modelo abstrato de conduta. I ngressando
no estudo da tipicidade conglobante, concluiremos, inicialmente, que a conduta
praticada é antinormativa, visto não s e r ela i m p osta ou fom entada pelo Estado.
Contudo, quando iniciarmos o estudo da tipicidade material, verificaremos
que, embora nossa integridade física seja importante a po nto de ser protegida
pelo D ireito Penal, nem toda lesão estará abrangida pelo tipo penal. Somente
as lesões corporais que tenham algum significado, isto é, que gozem de certa
relevância, é que nele estarão previstas. Em virtude do conceito de tipicidade
material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de
bagatela, nos quais tem aplicação o princípio da ins ignificância.
Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do
bem no caso concreto, ou melhor, da relevância do dano, ou perigo de dano,
sofrido pelo bem no caso concreto.
Concl u indo, para que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a
fusão entre a tipicidade formal o u legal e a tipicidade co nglobante (que é
conj ugada pela antinormatividade e p ela tipicidade material) . Só assim o fato
poderá ser considerado penalmente típico.
3 . 3 . Fases d e e v o l u ç ã o d o t i p o
Podemos destacar três fases na evolução do ti po. I nicialmente, o tipo possuía
caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo
tão s o mente para descrever as condutas proibidas (comissivas ou omissivas)
pela lei p enal. Beling, citado p o r Cirilo de Vargas, dissertando sobre a evolução
do con ceito de tipo, diz que, "no primeiro momento, é concebida como descrição
pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de j u ízos de val or".70
VARGAS, José Cirilo de. Do tipo penal, p. 2 1 .
43
ROG ÉRIO G RICO
VOLUME
11
N a lição de Fragoso,
"com a obra de Beling, Die Lehre vom Verbrechen, publicada
e m 1 9 06, o conceito de Ta tbestand, o u seja, o conceito de tipo,
assumiu um significado técnico mais restrito. Para Beling o
tipo não tem qualquer conteúdo val o rativo, sendo meramente
obj etivo e descritivo, representando o lado exterior do delito,
sem qualquer referência à antij u rídicidade e à culpabilidade.
H averia no tipo, tão somente, uma delimitação descritiva de
fatos relevantes penalmente, sem que isto envolvesse uma
valoração j uríd ica dos mesmos".71
Numa segunda fa se, o tipo passou a ter caráter indiciário da ilicitude. Isso
quer dizer que quando o agente pratica u m fato típico, provavel mente, esse fato
ta mbém será antij urídico. A tipicidade de um comporta mento, segundo Mufíoz
Conde, "não implica, pois, a sua antij uríd icidade, senão apenas indício de que
o comportamento pode ser antij urídico (função indiciária do tipo) ''.72 O tipo,
porta nto, exercendo essa fu nção indiciária, é considerado a ratio cog n oscendi da
antij urídicidade. C o n fo rm e p releciona Zaffaroni,
"a tipicidade opera como u m indício de antij urídicidade,
como um desval o r p rovisório, que deve ser configurado
ou desvi rtuado mediante a comprova ção de causas de
j ustificação. Devido a isto é que M ax Ernst M ayer fazia um
gráfico d a relação entre a tipicidade e a antij urídicidade
dizendo que ambas se comportavam como a fu maça e o fogo
respectivamente, quer dizer que a fu maça (tipicidade) s e ria
um indício do fogo (antij uridicidade)".73
Na terceira fase, o tipo passou a ser a própria razão de ser da ilicitude, sua
ratio essendi. N ã o h á que se fa lar e m fato típico se a conduta praticada pelo
agente fo r permitida pelo o rdenamento j urídico. É como se houvesse uma fusão
entre o fato típico e a antij urídicidade, de modo que, se afastássemos a i li citude,
estaríamos acabando com o próprio fato típico.
Fontán Balestra, analisando a teo ri a da ratio essendi, diz que, para M ezger, o
tipo é
"o inj usto descrito con cretamente pela lei em seus divers os
artigos e a c u j a realização va i ligada a sanção penal. E, ao
tratar a tipicidade dentro do estudo da antij urídicidade,
adota M ezger uma posição extrema com respeito à de B eling:
o que atua tipicamente, diz, atua também antij urídicamente,
enquanto não houver uma causa de exclusão do i nj usto.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Conduta punível, p . 1 1 7- 1 1 8.
M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 43.
ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 387.
44
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
O tipo j urídico-penal que descreve dito atuar típico tem,
portanto, a mais alta signifi cação no refe rente a existência da
antij urídicidade penalmente relevante da açã o : é fundamento
real e d e validez (ratio essen di) da antij uridicidade".74
A títul o de exemplo, o art. 1 2 1 do Código Penal, para aqueles que adotam
a teoria da ratio essendi, estaria assim redigid o : " M atar alguém, ilicitamente".
O fato, para essa teoria, ou é típico e a ntij urídico desde a sua origem, em razão
da ausência d e qualquer causa d e exclusão da ilicitude, ou é atípico e l ícito desde
o início, e m face da p resença de uma causa de j ustificação.
3 . 4 . C l a s s i f i c a ç ã o dos t i p o s pe n a i s
O s tipos penais p odem ser clas si ficados d e várias formas, dependendo do
enfoque que se queira lhes dar. Assim, p o r exemplo, quando se analisa o estudo
da figura típica, procurando identificar os elementos constantes no cap ut do
art. 1 2 1, bem como e m seus parágrafos, podem ser subdivididos em tipos básicos
e tipos derivados. Além dessa clas si ficação, os tipos podem ser considerados,
ainda, como n orm a is ou anormais, fechados o u abertos, congruen tes ou
incongruen tes, ou, a in da, complexos.
Para melhor compreensão do tema, fa remos a análise de cada uma dessas
clas sificações isol adamente.
3 . 4 . 1 . Ti p o b á s i co e t i p o s d e r i v a d o s
E ntende-se po r t i p o básico ou fun damental o m o d e l o m a i s
descrição d a conduta proibida o u imposta pela lei p e n a l . Com
forma mais simples, surgem o s chamados tipos derivados, que,
de determinadas ci rcunstâncias, podem diminuir ou aumentar a
p revista no tipo básico.
simples da
b a s e nessa
em virtude
reprimenda
N o homicídio, p o r exemplo, te mos como sua modalidade mais simples a
descrição contida no capu t do art. 1 2 1 do Cód igo Penal. Logo em seguida, mas
ainda no mesmo art. 1 2 1, temos suas formas derivadas.
N o § 12 encontramos o chamado h o m i cídio p rivilegiado, n o qual o legislador,
em consequência de determinados dados, faz com que a p ena aplicada seja
menor do que aquela prevista na modalidade mais simples da infração penal.
J á no § 22 podemos concluir que o legislador, em virtude de algumas si tuações
por ele p revistas, aumentou a pena cominada no cap u t do artigo, qualificando,
dessa fo rma, o delito.
É importante salientar, para que se evitem confusões quando do estudo dos
tipos penais constantes da Parte Especial do C ódigo Penal, que as modalidades
FONTÁ N BALESTRA, Carlos. Misión de garantia dei derecho penal, p . 3 1 -32.
45
VOLUME I I
ROG ÉRIO G RECO
consideradas derivadas estarão semp re ligadas umbilicalmente pelos parágrafos
ao capu t do artigo. Isso significa que não existe, segundo nosso posicionamento,
modalidades derivadas que p ossam ser consideradas como tipos penais a u tônomos.
Tal raciocínio tem reflexões p ro fundas no que diz respeito ao concurso de
pess oas, uma vez que o art. 30 do C ó digo Penal assevera:
3 0. Não se comunicam as circunstâncias e as condições
de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
A rt .
Ao afirmarmos que nenhum tipo d erivado p ode ser considerado um tipo
p enal autônomo, estamos querendo dizer que os fatos que, conj ugados à figura
principal, p revista no cap u t do artigo, os fazem qualificados ou p rivilegiados
devem, todos, ser considerados circunstâncias, razão pela qual não são
comunicados ao coparticipante, se h o uver concurso de pessoas. Ao contrário, se
entendidos como elementares, nos termos do art. 30 do Código Penal, deveriam
sempre ser comunicados aos coparticipantes, se fossem de seu conhecimento.
Para que nosso raciocínio fi que mais claro, é preciso que tracemos a diferença
entre elementares e circunstâncias. Elemen tares são dados indispens áveis à
definição típica, sem os quais oco rre uma situação de a típicidade absoluta, ou
seja, o fato passa a ser compl etamente atípico, ou uma s ituação de a típicidade
relativa, também conhecida p o r desclassificação. Circunstâncias, ao contrário,
são dados periféricos que não i nterferem na definição típ ica em si. São dados
que gravitam ao redor da figura típi ca, fazendo tão s omente com que a pena a
ser aplicada seja aumentada o u diminuída.
Assim, raciocinemos com as seguintes s ituações.
Imagine-se a hipótese e m que uma mãe, logo depois do parto, cause a morte
de seu p róprio filho. N o caso em exame, ela não agiu sob a influência do estado
puerperal, razão pela qual, quando n egamos esse dado fundamental existente
no delito de infanticídio, o fato é desclassi ficado para o crime de homicídio.
Suponha-se, agora, que o agente cause a morte da vítima impelido p or um
motivo fútil, d evendo ser responsabilizado pelo de lito de h omicídio qualificado.
Se, no caso apresentado, não tivesse o age nte agido com essa motiva ção, o fato
deixaria de ser entendido como h o micídio? Obviamente que não, razão pela
qual devemos e ntender que o motivo fútil é um dado peri férico à figura típica,
deven d o ser tratado como uma circunstância, e não como elementar.
Se entendermos assim, chegaremos à conclusão de que o motivo fútil, por ser
considerado uma circunstância, não se comunica ao coparticipante, nos termos do
art. 3 0 do Código Penal. Caso fosse considerado como uma elementar, a conclusão
seria outra, pois ambos deveriam responder pela modalidade qualificada.
Co ncluindo, no tipo básico ou fundamental há a p revisão do modelo mais simples
de cond uta proibida ou imposta pela lei penal. Nos tipos derivados, ao contrário,
46
1 NTRODUÇÃO À
TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL
CAPÍTULO 1
há sempre dados que terão o condão de fazer com que a pena seja aumentada
(tipo qualifi cado) ou mesmo diminuída (tipo p rivilegiado) . Entretanto, tais dados
não podem ser considerados elementares, não permitindo que a infração penal
qualificada ou privilegiada tenha autonomia em relação à modalidade fundamental.
3 . 4 . 2 . Ti p o s n o r m a i s e t i p o s a n o r m a i s
Falava-se em tipos normais e anormais quando p redominava, em nosso
D i reito Penal, a teoria causal, natural, o u mecanicista da ação. D izia-se que tip o
no rmal era aq u e l e q u e continha ap enas elementos obj etivos (descritivos) e
tipo ano rmal aquele que, além dos elementos obj etivos, vinha impregnado de
elementos subjetivos e no rmativos.
Assi m, entendia-se que to dos aqueles tipos penais que continham as
expressões "com o fim de", "com o i ntui to de", "a fim de" etc., a exemplo do
art. 159 do Código Penal (extorsão m e d iante sequestro), eram tipos ano rmais,
haja vi sta que neles se podia vislumbrar o elemento subj etivo do agente. Além
disso, também se entendiam como anormais aqueles tipos em que o julgador,
a fi m de entendê-los, tinha de emitir um j uízo de valor, como acontece com o
termo dign idade, contido no art. 1 4 0 do Cód igo Penal.
Hoje em d i a, perdeu o sentido tal discussão, po is, para aqueles que adotam
a teoria da ação final, dolo e culpa se enco ntram na conduta do agente e esta,
a seu turno, está localizada no fato típ i co. Assim, to do tip o penal co ntém
elementos subj etivos, mesmo que não sejam tão evidentes como acontece com
as expressões acima referidas.
3 . 4 . 3 . T i p o s f e c h ad o s e t i p o s a b e rt o s
Tipos fechados são aqueles q u e p o ssu em a descrição completa da conduta
proibida pela le i penal.
N o art. 1 2 1, cap u t, do C ó digo Penal, p o r exemplo, o legi slador, de fo rma clara e
precisa, descreveu a conduta a que visou p roib ir. Então, aquele que dolosamente
matar alguém terá sua conduta subsumida ao tipo legal referido.
Co ntudo, e m d eterminadas situações, o legislador, p or i m p ossibilidade de
prever e descrever todas as condutas p o ssíveis de acontecer em sociedade, criou
os chamados tipos abertos, nos quais não há a descrição completa e precisa do
modelo de conduta proibida ou imposta. Nesses casos, faz-se necessária sua
complementação pelo i ntérprete. É o que ocorre, v.g., com os d e l itos culposos.
Con forme a precisa lição de Juarez Cirino dos Santos,
"os tipos de imprudência, devido à variabilidade das condições
ou c i rcunstâncias de sua realização, são tipos abertos que
devem ser preenchidos o u completados p or uma valoração
47
VOLUME l i
RoG ÉRJO G REco
judicial e, p o r isso, não apresentam o mesmo rigor de defi n ição
legal dos tipos doloso s".75
N o art. 1 2 1, § 3.Q, o legislador, ao cuidar do crime de h omicídio, fez p revisão
da modalidade culposa, dizendo: Se o hom icídio é culposo: Pen a - detenção, de
um a três anos. Aqui, para ch egarmos à conclusão de que a conduta do agente
foi culposa ou não, é preciso d etectarmos em qual modalidade ela se deu, ou
seja, s e a mo rte da víti ma foi decorre nte da conduta i mprudente, i m p erita ou
mesmo negligente do agente, e m face da inobs e rvância do seu dever de cuidado,
e se o resultado tinha condições d e i ngressar na esfera de p revisibilidade do
agente etc. O artigo que p revê o delito culposo não se satis faz p o r si próprio, não
havendo possibilidade d e compreendê-lo, pura e s implesmente, lendo-o, mas h á
necess idade, o utrossim, d e ser p reenchido pelo intérprete.
D evemos, entretanto, fazer uma observação imp ortante, uma vez que nem
to dos os tipos culposos podem ser considerados abertos, como também nem
todos os tipos dolosos se amoldam ao conceito de tipos fechados.
A título de raciocínio, imagine-se o delito de receptação culposa. Diz o § 3.Q do
art. 1 8 0 do Código Penal:
§ 3.Q Adquirir o u receber coisa que, por sua natureza
ou pela desproporção entre o val o r e o p reço, ou pela
condição d e quem a o ferece, deve presumir-se obtida
por meio criminoso.
Como se percebe, a narração da conduta é precisa, não havendo, basicamente, o
trabalho de adaptação exigido nas hipóteses em que o tipo penal é aberto. Também é
preciso salientar que, quando afirmamos que não é preciso o trabalho de adaptação,
significa que sobre aquela situação em que a lei penal não descreve com p recisão
o comportamento fica isso a cargo do j ulgador, pois, de forma geral, em todo tipo
penal, para se afirmar pela tipicidade do comportamento do agente, também deverá
o j ulgador levar a efeito esse trabalho de subsunção. Contudo, sua operação é
diferente na primeira hipótese, quando o tipo penal é considerado aberto.
Também não p odemos afirmar que todo tipo doloso p revê uma na rração
precisa do comportamento que se quer proibir ou imp or sob a ameaça de sanção
penal, sendo sempre, pois, fechado, haj a vista a existência de tipos dolosos em
que o j ulgador deverá fazer u m trabalho árduo de adaptação do comportamento
do agente à figura típ ica.
Concluindo, nos tipos penais abe rtos, a lei penal não descreve, detalhadamente,
o comportamento que se quer proibir ou imp or, fi cando esse trab alho de
acomo dação e ntregue ao j u lgador; ao contrário, nos tip os p enais fechados, há a
narração perfeita, precisa da conduta típica, não dando margem - ou pelo menos
inibindo - a interpretações diferentes.
SANTOS, J uarez Girino dos. Teoria do crime, p. 23.
48
I NTRODUÇÃO À TEORlA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
3 . 4 . 4 . Ti p o s c o n g r u e n te s e t i p o s i n c o n g r u e n t e s
Fazendo a distinção entre tipos c ongruentes e inco ngruentes, Santiago M i r
Puig assevera :
"Se a parte subjetiva da ação s e corresponde com a pa rte
obj etiva, concorre um tipo congruen te. É o que n o rmalmente
ocorre com os tipos d o losos, em que a vontade alcança a
realização obj etiva do tipo. Quando a parte subj etiva da
ação não se corresponde com a objetiva nos enco ntramos na
p resença de um tipo in congruente."7 6
Maurach77 d es igna p o r congruência a coincidência entre o dolo e o acontecer
objetivo, citando como exemplo de tais tipos os crimes de homicídio, lesões
corporais simples, violação de domicílio etc., ou seja, quando o elemento subj etivo
se esgota, confunde-se com a p rática da conduta descrita no núcleo do tip o.
H á tipos estruturalmente incongruentes, segundo Assis Toledo, quando a lei
"estende o tipo subj etivo além do obj etivo. Isso acontece com o rapto do art. 2 1 9,7 8
para cuja consumação basta que o 'fi m libidinoso' estej a na intenção do agente,
não necessitando, p orém, con cretizar-se em atos no mundo exterior".79 Assis
Toledo, citando Maurach, diz, ainda, que também ocorre o defeito de congruência
"quando a lei restringe o tipo subjetivo frente ao obj etivo
(delitos qualificados pelo resultado, nos quais o dolo vai até
o resultado parcial - o m in us delictum), ou quando, no caso
concreto, falta a coincidência, exigida pelo tipo legal, entre a
parte subj etiva e a obj etiva (caso da tentativa)". 80
Apesar da posição do utrinária no sentido de considerar a co ngruência ou a
incongruência dos tipos penais, não concorda mos, permissa venia, com esse tipo
de distinção. Isso p o rque entendemos que o dolo do agente deve abarcar toda
a d efi n ição típ i ca, não se podendo dizer, com a doutrina maj o ritária, que existe
um eleme nto subj etivo que vai além do dolo, ou seja, que transcende o dolo,
como ocorre nos delitos e m que s e pode visualizar aquilo que é denominado
especial fim de agir.
N a verdade, o que distingue uma i n fração penal da outra é o elemento
subj etivo, ou seja, o dolo, pura e si m p l es mente. Assim, por exemplo, p o demos
raci ocinar com dois tipos penais que contêm a p rivação da l i b erdade como um
de seus eleme ntos. Te mos, p o rtanto, o crime de sequestro, tip ificado no art. 148
do Código Penal, e a extorsão mediante sequestro, com moldura no art. 1 5 9
d a mesma l e i p enal. Pergunta-se: C o m o diferenciar a s duas hipóteses, j á que,
MIR P U I G , Santiago. Derecho penal - Parte general, p. 205.
MAURAC H , Reinhart; Z I P F, Heinz. Oerecho penal - Parte general, v. 1 , p. 355.
O del ito de rapto foi revogado expressamente pela Lei nº 1 1 . 1 06/2005.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 5 1 .
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 5 1 .
49
RoG ÉFUO G REco
VOLUM E
11
em ambas, há a privação da l i be rdade da vítima? A resposta é muito simples:
identificando-se o dolo do agente, auto maticamente, também estará identificada
a infração penal.
D essa forma, se a finalidade da privação da l i b erdade era obter qualquer
vantagem como condição ou p reço do resgate, estaremos diante da extorsão
mediante sequestro; fi nalmente, se era impedir tão somente a l i b erdade
ambu lato rial da vítima, isto é, o seu dire ito de i r, vir ou permanecer, será o crime
de sequestro ou cárcere p rivado.
Não podemos ignorar que, nesses casos, o dolo estará p resente em to dos os
eleme ntos constantes do tipo p e nal. Não há, segundo entendemos, o dolo e, além
dele, outro eleme nto subj etivo que o trans cen da, caracterizado pelo especial fim
de agir do agente, pois ta mbém esse especial fim de agir dirá respeito ao dolo.
3.4.5.
Tipo c o m p l e x o
O t i p o penal, como vimos, tem a incumbência de descrever a con duta q u e se
quer p roi bi r ou i m p o r, sob a ameaça de sanção. Para que p ossamos saber o real
alcance dessa p roibição ou i m p o sição, é p reciso que o tipo contenha elementos
de natureza objetiva.
Quando prevalecia entre nós a teoria causal, o tipo penal se aperfeiçoava tão
somente com a presença de seus elementos obj etivos, uma vez que dolo e culpa
não pertenciam ao fato típi co, mas, sim, à culpabilidade. O inj usto p enal (fato típi co
+ antij urídi cidade), para a teoria causal, era obj etivo e a culpabili dade, subj etiva.
Com base nessa teoria, os eleme ntos subjetivos estavam alocados na
culpabilidade, e não no fato típ ico.
D epois do advento da teoria finalista da ação, implementada por Welzel, dolo e
culpa foram retirados da culpabilidade e trazidos para o fato típico. O injusto, agora,
de puramente obj etivo, passou a ser também subj etivo e a culpabilidade, normativa.
Com a transferência do dolo e da culpa para a conduta típica, o tipo
penal passou a ser i m p regnado não s o mente de elementos obj etivos, mas, e
principalmente, de eleme ntos subj etivos.
Assim, fala-se e m ti p o complexo quando no tipo penal h á o encontro de
elementos obj etivos com elementos de natureza subj etiva.
Na escorreita lição de Zaffaroni,
"conforme o conceito compl exo [ ... ], o tipo doloso ativo p ossui
dois aspectos: um objetivo e outro subj etivo; quer dizer que
a lei, mediante o tipo, i nd ividualiza condutas atendendo a
c ircuntâncias que se dão no mundo exterior e a circunstâncias
que estão localizadas na parte i nterna, no psiquismo do autor". 8 1
ZAFFARONI, Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 395.
50
1 NTRODUÇÃO
À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
N o tipo complexo, p o r exigir a conj ugação dos elementos obj etivo e subjetivo,
quando falta r este último, ou sej a, quando o agente, por exemp lo, não agir com
dolo, por lhe faltar a vontade e a consciência de p raticar a conduta p revista
no tipo penal, e se o fato não fo r punido a título de culpa, a sol ução será pela
atipicidade, e m face da oco rrência d o chama d o erro de tipo, cuj a finalidade
precípua é afastar o d o lo d o agente.
3 . 5 . E l e m e n t o s q u e i n t e g ra m o t i p o c o m p l ex o - o bj e t i v o s e s u bj e t i v os
D e acordo com uma concepção complexa, podemos dividir os elementos que
compõem os tipos p e nais e m duas grandes categorias: elementos obj etivos e
elementos subj etivos.
•
Os elementos obj etivos do tipo, conforme Jesch eck, têm a finalidade de
d es crever "a ação, o obj eto da aç ão e , em sendo o caso, o resultado, as
circunstâncias externas d o fato e a pes soa d o auto r". 82 H á tip os p enais que
descrevem, ainda, o sujeito passivo, como no cas o do cri me de estupro de
vulnerável, p revisto no art. 2 1 7 -A d o C ódigo Penal.
A fi nalidade básica dos eleme ntos obj etivos do tipo é fazer com que o agente
tome conhecimento d e to dos os dados necessários à caracterização d a infração
penal, os quais, necessariame nte, farão p arte de seu dolo.
N a categoria d o s elementos obj etivos, ainda p o demos subdividi-los em
eleme ntos descritivos e elementos normativo s.
- Elementos descritivos são aqueles que têm a fi nal idade de traduzir o
tipo penal, isto é, de evid e nciar aquilo que p o de, com s implicidade, ser
percebido pelo i ntérprete.
- Elementos norm a tivos são aqueles criados e traduzidos p o r uma no rma,
ou q ue, pa ra sua efetiva compreensão, necessitam de val o ração p o r p arte
do intérp rete, ou, na d e fi n ição de Zaffaroni, "são aqueles elementos p ara
cuja compreensão se faz necessário socorrer a uma val o ração ética ou
j uríd ica". 8 3 Conceitos como [ ... ] 'dignidade' e "decoro" (art. 1 4 0 do CP), 'sem
j usta causa' (arts. 1 5 3 , 1 5 4, 244, 246 e 248 d o CP) podem variar de acordo
com a interpretação de cada pessoa ou em virtude do sentido que lhes d á a
norma. São considerados, p o rtanto, elementos normativos, p orque s ob re
eles, necessariamente, d eve ser realizado um j uízo de valor. 8 4
•
O dolo é, p o r excelência, o elemento subj etivo d o tipo. Elemento subj etivo
quer d izer elemento anímico, que di z resp eito à vontade do agente.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal - Parte general, p . 374.
ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 399.
Merece registro o alerta feito por José Cerezo Mir quando afirma que "os elementos normativos implicam um risco
para a segurança jurídica. Há alguns, sem embargo, cujos contornos estão tão definidos, que podem ser apreciados
pelo juiz com grande segurança (por exemplo, o caráter alheio da coisa, o conceito de documento público, oficial ou
mercantil etc.) . O legislador deve evitar a utilização de elementos normativos de caráter impreciso ou indeterminado,
pois do contrário se infringirá o princípio da legalidade" (Curso de derecho penal espaflol - Parte general, v. l i , p. 1 1 8).
51
VOLUME
RoG ÉRJO G Rico
11
Preconiza Cirino dos Santo s :
"O elemento subj etivo dos tip os dolosos é o dolo, que
normalmente preenche todo o tipo subj etivo; às vezes, ao
lado do dolo, aparecem elementos subj etivos especiais, como
i ntenções o u tendências d e ação, ou mesmo motivações
excepcionais, que também integram o tipo subj etivo."85
Há autores que entendem que não so mente o dolo está contido na expressão
eleme n tos subjetivos do tipo, mas também a culpa, a exemplo de Fernando Galvão
da Rocha.86
Como deixou entrever C i rino dos Santos, para grande parte da do utrina,
ao lado do dolo e da culpa existem outros elementos subj etivos que dizem
resp e ito às intenções e às te ndências do agente. G eralmente, visualizamos essas
intenções e tendências p o r meio d e expressões indicativas do especial fim de
a g i r do agente, a exemplo do art. 1 5 9 do Código Penal, as s im redigid o :
Art. 1 5 9 . Sequestrar p e s s o a com o fim de obter, para si
ou para o utrem, qualquer vantagem, como condição ou
p reço do resgate.
No referido tipo pe nal, para esses autores, a finalidade do agente não se
resume à p rivação da l i b erdade da vítima. Aqui existe um dado a mais, qual seja,
a p rivação da li berdade com a fin a lidade de obter a van tagem, com o con dição
ou preço do resgate. Na expressão com o fim de obter p ara si ou p a ra outrem
qualquer vantagem como condição o u preço do resgate é que se visualiza o
chamado "espe cial fim de agir".
Entretanto, como a fi rmamos acima, não concordamos com o raciocm10
segundo o qual essas intenções ou tendências pertencem a outro elemento
subjetivo que não o dolo. Para nós, essa fi nalidade especial demonstra que o
dolo d o agente é d i rigido naquele se ntido e o identi fica dos demais. M as isso não
quer dizer que exista, no tipo penal, mais um elemento subj etivo que vá além do
dolo. O dolo, po rtanto, d eve abra nger todos os elementos contidos no tipo penal.
3 . 6 . E l e m e ntos e s p e c íf i c o s dos t i pos p e n a i s
Con forme ver i ficamos no tópico a nterior, o s tipos penais são compostos p o r
vários elementos. Dissemos que possuem elementos obj etivos (descritivos e
n o rmativos) e subj etivos. Analisaremos de fo rma isolada os s eguintes elemento s :
•
núcleo;
•
suj eito ativo;
•
suj eito passivo;
SANTOS, Juarez Girino dos. Teoria do crime, p . 23.
ROCHA, Fernando Galvão. Noções elementares sobre a teoria do crime, p. 22.
52
( NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
•
m otivos;
•
meios;
CAPÍTULO 1
•
modos;
•
fim especial;
•
ocasião;
•
lugar;
•
obj eto material.
•
Núcleo do tipo é o verbo que des creve a cond uta proibida pela lei penal.
O verbo tem a fi nalidade d e evidenciar a ação que se p rocura evitar ou
impor. To dos o s tipos d evem vir acompanhados de seu núcleo p ara que
possamos saber exatam ente quais são as co ndutas p o r ele abrangidas.
H á tipos penais que possuem um único núcleo (uninucleares), como n o caso do
art. 1 2 1 do Código Penal, e ou tros que possuem vá rios núcleos (pluri nucleares),
també m conhecidos como crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, a
exemplo do art. 3 3 da Lei n!2 1 1 . 3 4 3 , de 2 8 de agosto de 2 0 0 6, que p revê o delito
de tráfico ilícito de d rogas.
•
Sujeito a tivo é aquele que pode p raticar a conduta descrita no tipo. M uitas
vezes o l egislador l i mita a p rática de determinadas infrações penais a
certas pessoas e, para tanto, tom a o cuidado de descrever no tipo penal o
agente que poderá l evar a e feito a conduta nele descrita. Quando estamos
di ante dos chamados crimes comuns, o l egislador não se preocupa em
apontar o sujeito ativo, uma vez que as i n frações dessa natureza podem
ser cometidas p o r qualquer pessoa. Surge essa necessidade quando o
delito é próprio, ou seja, aquele que so mente pode ser p raticado p o r certo
grupo de pessoas em virtude de d eterminadas cond ições pessoais. N esses
casos, quando estivermos diante d e delitos próp rios, o legislador terá de
apo ntar, no tipo penal, o seu sujeito ativo . Como exemplo, p odemos citar o
art. 3 1 2 do Código Penal, no qual o tipo penal i ndica o funcionário público
como o sujeito ativo do crime de peculato. Já n o delito de h omicídio, por
ser considerado um crime comum, isto é, aquele que p ode ser p raticado
por qualquer pessoa, j ustamente pela sua p ró p ria natureza, é que o tipo
não ap onta o sujeito ativo.
Sujeito ativo do crime, ainda, só pode ser a pessoa física.
A pessoa j urídica não comete crime. Quem o p ratica são os seus sócios,
d i retores etc. N u n ca ela p ró p ria, pois societas de/inq uere non p otest. Apesar
da existência da Lei n!2 9 . 6 0 5 /98, não concordamos com a possibilidade de
responsabilidade penal da pessoa j u rídica, uma vez que não existe, para ela,
estrutura j u rídica do crime que nos p e rm ita concluir, seguramente, pela p rática
de uma i n fração p enal pelo en te m oral.
53
ROG ÉRIO G RECO
•
VOLUME
11
O sujeito passivo p o d e ser considerado form al ou material. Sujeito
passivo formal será semp re o E stado, que sofre toda vez que suas leis são
desobedecidas. Suj e ito pass ivo m aterial é o titular do b e m ou interesse
j u ridicamente tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa e que, em
alguns casos, poderá ser ta mbém o Estado.
O s tipos penais, em várias passagens do C ó digo, apo ntam seus sujeitos
p assivos. Tomemos como exemplo o crime de estupro de vulnerável, p revisto
no cap ut do art. 2 1 7-A do C ó d igo Penal. Suj eito passivo será, de acordo com o
novo tipo penal, criado pela Lei nQ 1 2 . 0 1 5, de 7 de agosto de 2 009, o menor de
14 (catorze) anos, seja do sexo masculino ou fe minino.
Já em outras s ituações, o Código Penal, não apontando o suj eito pass ivo,
p e rmitiu que qualquer pessoa pudesse figurar com esse status. Vej amos como
exemplo o delito d e h o m icídio. Qualquer pessoa, como é cediço, pode ser sujeito
passivo desse crime.
Podem figurar como sujei tos passivos, dependendo da natureza da i n fração
penal, tanto as pessoas físicas quanto as pessoas j urídicas.
Não há óbice algum, por exemplo, a que uma pessoa j urídica seja suje ito
passivo de u m crime de furto. O p atrimônio móvel a ela pertencente pode,
p erfe itamente, ser obj eto de subtração. Outras infrações, contudo, pela sua
própria natureza, são incompatívei s com a condição de suje ito passivo da pessoa
j u rídica, a exemplo do crime de i nj úria, uma vez que a pessoa j u rídica não possui
a chamada h o n ra subjetiva.
M erece d estaque, ainda, a diferença entre sujeito passivo, vítima e prejudicado.
B ustos Ramírez e Ho rmazábal Malarée, com p recisão, preleciona m :
"O suj e ito passivo é o destinatá rio do comportamento típ ico
(o titular do d i reito à vida, à saúde, à honra etc.) . Considerando
que nem sempre coincidem em uma mesma pessoa os
conceitos de suj eito passivo e vítima, é necessário definir
esta última como a pessoa sobre a qual recai o atuar concreto
do suj eito ativo (Ped ro, e nfermeiro, subtrai o relógio que se
encontrava com um paciente; co ntudo, tal relógio era de sua
mãe, que havia com ele deixado durante a sua convalescência.
O paciente é a vítima e a mãe é o sujeito passivo) . Também,
pois, como nem sempre h á coincidência na mesma pes soa,
é necessário p recisar o conceito de p rej udicado. É a pessoa
que sofre o detrimento econômico (seguindo o exemplo, se o
relógio estava assegurado co ntra subtração, seria a companhia
d e seguros a p rejudica da) ." 8 7
BUSTOS RAM Í R EZ, J uan. J; HORMAZÁBAL MALAR É E, Hernán. Nuevo sistema de derecho penal, p. 80.
54
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
•
Os motivos em razão dos quais se comete a infração p e nal também podem
vir expressos na figura típica. Eles podem ter reflexos na defi nição do
comp ortamento típ ico, diminuindo ou mesmo aumentando a pena. To me-se,
p o r exemplo, os §§ lQ e 2Q do art. 1 2 1 do C ódigo Penal. Pode o h o m icídio
ter sido cometido por motivo de releva n te valor mora l ou social, devendo
o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço, ou pode ter sido cometido
por u m m o tivo fú til, passando, agora, a ser considerado como qualificado.
•
O tipo penal p ode, ainda, mencionar os meios utilizados na prática da infração
penal. O próprio § 2Q do art. 1 2 1 do Código Penal diz ser qualificado o homicídio
quando cometido com o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.
•
Não é incomum o tipo penal indicar o modo pelo qual o delito pode ser
praticado. O m odo, ao contrário do acima esclarecido, não diz respeito à
natureza do meio e m p regado, mas como a atividade executiva é levada a
e feito. As sim, p o r exemplo, o h o m i cídio é qualificado quando p raticado à
traição, de e mb oscada, ou media nte dissimulação ou outro recurso que
d ificulte ou torne i mpossível a defesa do o fendido.
•
O fim especial narrado no tipo penal faz com que ele se especialize
comparativam ente às demais infrações penais. Por exemp lo, no art. 1 5 9,
que prevê o deli to d e extorsão m ed iante sequestro, tal infração penal é
especial relativam ente ao sequestro ou cárcere p rivado, mesmo que nessa
última ocorra também a privação da l iberdade. O fim especial ou especial
fim de agir fornece o to m de esp ecialidade que distingue aquela infração
penal de to das as outras que com ela se pareçam.
•
Pode o tipo penal fazer menção, também, à ocasião em que o crime é
p raticado, como acontece com o repo uso n o turno, que agrava especialmente
a pena do furto (art. 1 5 5, § lQ, do CP), ou o período da noite que qualifica
a violação de domicílio (art. 1 5 0, § lQ, do C P ).
•
O lugar onde a infração penal é p raticada também repercute no tocante
à pena. Assim, na violação de domicílio, se for cometida em lugar ermo,
haverá a qualificação do delito (art. 1 5 0, § lQ, do C P) ; o ato obsceno (art. 2 3 3
d o C P) deve ser p raticado e m lugar público, aberto o u exposto a o público.
•
Objeto m a terial: é a pessoa o u a coisa contra a qual recai a conduta
criminosa do agente. N o furto, o obj eto do delito será a coisa alheia móvel
subtraída pelo agente; no h o m i cídio, será o corpo humano etc.
M uitas vezes, o sujeito passivo se c on funde com o próprio obj eto material,
como no caso do h o m i cíd io. N ã o podemos confundir, contudo, obj eto material
com obj eto j urídico, ou seja, o bem j uridicamente tutelado pela lei penal. Por
exemplo, n o crime d e estupro de vulnerável, tip i fi cado no cap ut do art. 2 1 7 -A
do C ó digo Penal, o menor de 1 4 anos é o obj eto material do crime, e o obj eto
j urídico é a dignidade sexual.
55
ROG ÉRIO G lliCO
VOLUME
11
Como bem observado p o r Gonzalo D . Fernán dez,
"o obj eto m aterial do deli to é o obj eto da co nduta típica:
aquilo sobre o qual recai o comportamento descrito na figu ra,
e nquanto que o bem j u rídico não aparece descrito no tipo
e d efi ne, sem embargo, o valo r tutelado pela norma penal e
lesionado p e l o i l ícito''. 88
Ressalte-se, ainda, que nem todos o s tipos penais p ossuem obj eto material,
pois, conforme aduz Luiz Regis P rado, 8 9 "o obj eto material não é uma característica
comum a qualquer deli to, pois só tem rel evân cia quando a consumação depende
de uma alteração da realidade fática''.
3 . 7 . T i p i c i d a d e d i reta e t i p i c i d a d e i n d i reta
Quando do estudo da tipicidade penal, dissemos que, de acordo com o
ra ciocínio p roposto p o r Z affaroni, ela e ra o resultado da conj ugação da tipicidade
fo rmal com a chamada tipicidade conglobante ou conglobada.
E m sede de ti picidade conglobante, também concluímos que faziam parte
desse conce ito a tipicidade material, bem como a antinormatividade.
Temos, p o rtanto, como primeiro obstáculo a ser ultrapassado a análise da
tipicidade formal p ara que p ossamos concluir pela tipicidade penal.
A conduta, dessa forma, deverá se amoldar a determinado tipo penal p ara que,
pelo menos fo rmalmente, seja considerada típica, em razão da sua subsunção ao
modelo abstrato p revisto pela lei penal.
Assim, imagine-se a h i pótese do agente que, agindo com a n im us necandi, isto
é, com dolo d e matar, atire contra seu inimigo, causando-lhe a morte. O art. 1 2 1
d o Código Penal, como regra geral, p revê o delito consumado, dizendo: matar
alg uém. D essa forma, o comportam ento p rati cado p elo agente p o deria ser
entendido como fo rmalmente típico, pois se amolda pe rfeitamente à con duta
p revista no referido artigo.
E ntretanto, h á situações em que s erá necessária a utilização de regras,
con hecidas como normas de extensão, p ara efeitos de adequação típica, pois,
caso contrário, o comportamento do agente não s e amoldará à p revisão típica.
Imagine-se, ago ra, que o agente, agindo com dolo de matar, tivesse efetuado
u m disparo contra seu i n im igo, não conseguindo, contudo, acertá-lo. N esse
caso, p ergunta-se: Poderia ele ser responsabilizado penalmente, levando em
consideração o tipo penal p revisto pelo art. 1 2 1 do estatuto repressivo?
A resposta somente p od e ser afirmativa, em virtude da existência da norma
d e extensão constante do art. 1 4, I I , do Código Penal, que amplia os tipos penais
FERN Á NDEZ, Gonzalo D. Bien jurídico y sistema dei delito, p. 96.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p. 1 47.
56
1 NTRODUÇÃO À TEORIA
GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
para que neles sejam compreendidas, também, as tentativas, quando a lei p enal
admitir. Assim, em razão da n o rma de extensão que p revê a tentativa, o tentar
matar alg uém se configurará como um comportamento típico.
D essa fo rma, a tipicidade pode ser subdividida em tipicidade direta e tipicidade
indireta. Então, oco rrerá a chamada tip i c i dade direta nas h i p óteses de adequação
típ ica d e subordinação di reta ou imedi ata, vale dizer, quando a conduta do
agente se amoldar perfeitamente à descrição típica. Por outro lado, haverá a
chamada tipicidade i ndireta quando o c ritério de adequação for considerado de
subordinação indireta ou mediata, isto é, para que o comportamento p ossa ser
entendido como típico será preciso recorrer às chamadas normas de extensão,
cuja fi nalidade é ampliar o tipo penal, a fim de nele co mpreender h ip óteses que
não fo ram previstas expressamente.
Da mesma forma que a regra contida no art. 1 4 , l i , do Código Penal, entende-se,
também, como norma de extensão o art. 29 do mesmo diploma repressivo, que
cuida do chamado concurso de pessoas.
Por meio do termo quem e da expressão de qualquer modo, concorre para o crime,
a lei penal, em sede de concurso de p essoas, faz com que seja responsabilizado
criminalmente não somente o agente que p raticou a conduta núcleo do tipo, como
também aquele que, de qualquer modo, concorreu para sua ocorrência.
Em um homicídio, por exemplo, alguém pode desferir o golpe mortal,
enquanto o outro agente segu ra a vítima. De acordo com a redação do art. 1 2 1
d o C ó digo Penal, não fosse a regra contida n o art. 2 9 d o mesmo diploma legal,
s o mente o autor do golpe é que poderia re sponder pelo delito de h omicídio,
uma vez que o outro não havia matado alguém, mas, s im, segurado alg uém . Por
isso, o art. 2 9 do C ó digo Penal determina que quem, de qualquer modo, concorre
para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
D essa forma, conseguimos visualizar no tip o penal do art. 1 2 1 do Código
Penal não s o mente o autor executor, mas todos aqueles que, de qualquer modo,
conco rreram para o homi cídio e que, também, p or ele deverão responder.
Resumindo, fala-se em tipicidade direta quando o comportamento do agente
se amolda, com p e rfeição, à figura típica; p o r o utro lado, tipicidade indireta seria
a hipótese na qual, para que h ouvesse adequação típi ca, haveria a necessidade
d e utilização das chamadas normas de extensão.
3 . 8 . F u n ç ões d o t i p o
Podemos destacar três i m p ortantes funções do tip o : a) fu nção de garantia (ou
garantidora) ; b) função fundamentadora; e c) função selecionadora de condutas.
Exerce o tipo uma função d e garantia, uma vez que o agente somente poderá
ser pe nalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou
d eixar d e p raticar aquelas impostas pela lei penal. Ressalte-se, aqui, a ideia de
57
RoG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
von L iszt, quando diz que o " Código Penal era a Carta M agna do delinquente".
Isso p orque é lícito fazer tudo aquilo que não for p roibido pela lei penal. O tip o
exerce e s s a função de ga rantia à m e d i d a que temos o direito de, ao analisá-lo,
saber o que nos é permitido fazer. Roxin as severa que "todo cidadão deve ter a
possibilidade, antes de realizar um fato, de saber se sua ação é punível ou não".9 0
Se, p o r um lado, o tipo exerce essa função garantista, também é certo afirmar
que o Estado, po r intermédio do tipo p e nal, fu ndamenta suas decisões, fazendo
valer o seu ius p u n ien di. A relação e ntre essas funções do tip o - garantista e
fundamentad o ra - é como se fosse duas faces de uma mesma moeda: em uma
das faces está o tipo garantista, vedando qualquer responsabilização penal que
não seja por ele expressamente p revi sta; na outra, a função fundamentadora p o r
e l e exercida, abrindo-se a possibilidade ao Estado de exercitar o s eu direito d e
p u n i r sempre q u e o s e u t i p o penal for violado.
Além das funções de garantia e fundamentadora, podemos dizer também que
ao ti po cabe outra, qual seja, a função d e selecionar as condutas que deverão
ser proibidas ou i mpostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. N essa seleção
de cond utas fe ita por intermédio do tipo penal, o legislador, em atenção aos
princípios da intervenção míni ma, da l es ividade e da adequação social, traz para o
âmb ito de p roteção do D ireito Penal some nte aqueles bens de maior importância,
deixando de lado as condutas consideradas s o cialmente adequadas ou que não
atinj am bens d e terceiros. Dessa fo rma, a seleção das con dutas a serem proibidas
ou impostas caberá ao tipo, verdadeiro i nstrumento do D i reito Penal.
4.
N ORMAS PENAIS
Con forme expusemos quando d o estudo d a Parte Geral d o Código Penal,9 1 d e
acordo com o p rincípio d a reserva l egal, e m matéria penal, pelo fato de lidarmos
com o dire ito d e liberdade dos cidadãos, p o de-se fazer tudo aquilo que não
esteja expressamente p roibido e m lei, uma vez que, segundo o inciso XXXIX do
art. 52. da Constituição Fed e ral e o art. 12- do C ó digo Penal, não h á crime sem lei
anterior que o defi na, nem pena sem p révia com inação legal.
I s s o quer dizer que, embora a conduta do agente possa até ser reprovável
s o cialmente, se não houver um tipo p enal incriminador proibindo-a, ele poderá
p raticá-la sem que lhe seja aplicada qualquer sanção de caráter p enal. O fato
de cruzarmos com nossos vizinhos sem cumprimentá-los, ou mesmo de não
cuidarmos de nossa higiene pessoal, não nos levará a receber uma sanção penal
pelo Estado. A sanção que nos é reservada não é aquela de cunho p e nal, mas,
s i m, d e natureza social. A reprovação vem da p róp ria sociedade, mas nunca do
D ireito Penal. O p rincípio da inte rve n ção mínima, que limita as atividades do
ROX I N , Claus. Teoria dei tipo penal, p. 1 70.
G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 20-29.
58
I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍT U LO 1
legislador, pro íb e que o D i reito Penal i nterfira nas relações, p rotegendo bens
que não sejam vitais e necessários à m an utenção da sociedade. A lei, p ortanto,
é a bandeira maior do D i re ito Penal. S e m ela, p roibindo ou impondo condutas,
tudo é p e rmitido.
A proibição e o mandamento que vêm inseridos na lei são reconhecidos
como n ormas p e nais, espécies do gênero norma j u rídica que, na definição de
Bobbio,92 são aquelas "cuj a execução é garantida p or uma sanção externa e
i nstitucionalizada''.
4 . 1 . Teo r i a d e B i n d i n g
Analisando o s tipos penais incriminadores p revistos n a Parte Especial do
Código Penal, podemos perceber que nosso legislador utiliza um meio peculiar
para fazer chegar até nós a p roibição de determinadas condutas. Pela leitura do
art. 1 2 1 , cap u t, d o Código Penal, podemos verificar que o legislador descreveu
uma cond uta que, se p raticada, nos l evará a uma condenação correspondente à
pena prevista para aquela infração penal. A redação do mencionado art. 1 2 1 é a
seguinte : Matar a lg uém - Pena : reclusão, de 6 (seis) a 20 (vin te) a n os.
Conforme preleciona Luiz Regis Prado,
"a n o rm a j u rídico-penal te m a n atureza i m p e rativa e
endereça-se a todos os cidadãos genericame nte consi derados,
através d e mandados (imp erativo p o sitivo) o u p ro ib ições
( impe rativo n egativo) i m p l ícita e p reviamente fo rmulados,
vi sto que a l e i penal modernamente não contém o rd e m d i reta
(v.g. , não deixar de; não matar; não ofender a integridade
corporal), mas sim ve dação i n direta, na qual se descreve
o c o m po rtam ento humano p ressup osto da consequência
j u rídi ca".93
Essa técnica d e redação fez com que B inding chegasse à conclusão de que o
criminoso, na verdade, quando p raticava a conduta descrita no núcleo do tipo
(que é o seu verbo), não infringia a lei - pois o seu comportamento se amoldava
perfeitamente ao tipo penal incriminador -, m as, s im, a norma penal que se
enco ntrava contida n a lei e que dizia não m a tarás, como no citado exemplo do
art. 1 2 1 do Código Penal.94
808810, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 27.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p . 90-9 1 .
Conforme Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, "em sua obra mais importante, 8inding desenvolveu com mais
amplitude sua famosa teoria das normas [ . . . ] Ao definir aquelas como proibições ou mandados de ação, ele afirmava
que o del ito se choca com tais proibições e mandados, mas não com a lei penal . Normas são, por exemplo, as do
Decálogo, mas estas não pertencem à lei penal nem ali se encontram. Elas são extraídas dos modelos legais, isto
é, da lei penal : se se pune o furto, deduzimos que há uma proibição de furtar; se se pune a omissão de socorro,
deduzimos que há um mandado de socorrer. Porém, nem a proibição nem o mandado (as normas) estão na lei. Daí
concluir 8inding que aquele que furta ou omite socorro não viola a lei, mas sim a cumpre, violando a norma, que se
acha fora da lei penal, conhecida por nós através dela" ( Direito penal brasileiro, v. 1 , p. 584).
59
VOLUME I I
RoGÉRJO G REco
N orma j urídica e lei, conforme d estaca Luiz Regis P rado, "são conceitos
d iversos. A p rim e i ra vem a ser o prius lógico da l ei, sendo esta o revestimento
formal daquela".95
Dis cordando do raciocínio construído p or B inding e na esteira de Luiz Regis
P rado, assim preleciona Damásio:
" E ntre lei e norma l egal, p orém, não h á esta diferença
encontrada por B inding. M ais correto é afirmar que a lei é a
fonte da norma p e nal. A norma é conteúdo da lei penal. Como
diz E d uardo C o rreia, a norma p roíb e ou impõe concretamente
a respectiva c o nduta que des creve. A regra j u rídica que
define um comportamento e determina uma p enali dade como
consequência, está proibindo a con duta. Assim, o fundamento
da lei é um princípio de comportamento, uma norma. A lei
penal contém uma norma, que é a proibição da conduta por
ela descrita. E m 'matar alguém', tal pena, está contida a norma
proibi tiva 'não m atarás'."96
Finalizando, a lei, segundo Binding, teria caráter descritivo da conduta proibida
ou imp osta, tendo a no rma, por sua vez, caráter p roibitivo ou mandamental.
4 . 2 . N o r m a s p e n a i s i n c r i m i n a d o r a s e n o r m a s p e n a i s não i n c r i m i n a d o r a s
A s normas p enais existentes no C ó d igo não têm c o m o finalidade única e
exclusiva punir aqueles que p raticam as condutas descritas nos chamados tipos
p enais incriminadores. Existem normas que, e m vez de conterem p roibições ou
mandamentos os quais, s e i nfringidos, l evarão à p unição do agente, possuem um
conteúdo explicativo ou, mesmo, t ê m a finalidade de excluir o cri m e ou is entar
o réu d e pena. São as chamadas n ormas penais não incrim inadoras. D essa forma,
podemos destacar dois grup o s de normas:
a) normas p enais incriminadoras;
b) normas penais não i n criminadoras.
A) À s normas penais i n criminadoras é reservada a fu nção de definir as
infrações penais, p roibindo o u impondo condutas, sob a ameaça de pena.
É a norma p e nal p o r excelência, visto que, quando s e fala em norma penal,
pensa-se, imediatamente, naquela que proíbe ou impõe co ndutas sob a
ameaça de sanção.
São elas, por isso, consideradas n orm as penais em sentido estrito, proibitivas
ou mandamentais.
Nas chamadas n ormas penais incriminadoras p roibitivas, o tipo penal
p revê um comportamento p o sitivo do agente que, se p raticado, ensej ará sua
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p . 89.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal
60
-
Parte geral, p. 1 3.
f NTRODUÇÀO
À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
res p onsabilidade p enal. Assim, p o r exe m p lo, o art. 1 6 3 do Código Penal possui
a seguinte re dação : Destruir, inu tilizar o u deteriorar coisa a lheia. A lei p enal, no
caso em exame, está narrando o comportamento que quer p roibir, vale dizer, a
destruição, a inutilização o u a d eterioração de coisa alheia. Pune-se o agente
porque fez aquilo que a norma p roibia.
Ao co ntrário, nas normas penais consideradas incriminadoras mandamentais,
a lei penal res ponsabiliza aquele que deixa de p raticar a conduta determinada
pelo tipo penal. A n o rma possui, p o rtanto, um mandamento, uma ordem para
que o agente faça aquilo que está p revisto no tipo. I magine-se a h i p ótese do
art. 1 3 5 do Código Penal, cuja redação diz ass i m : Deixar de p restar assistên cia,
quando possível fazê-lo sem risco pessoa l, à criança abandonada ou extra viada,
ou à pessoa invá lida ou ferida, a o desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
não pedir, nesses casos, o socorro da a u toridade p ú blica.
Percebe-se, com clareza, que, nesse caso, o agente será responsabilizado
não porque fez alguma coisa, mas, sim, p o rque deixou de fazer o que a norma
determinava. Por essa razão, tais normas são consideradas mandamentais.
E xiste o utra norma, l igada aos crimes omissivos de forma geral, sejam eles
p ró p ri o s ou imp ró p rios, chamada n orma preceptiva. A norma de natu reza
p receptiva abrangeria as normas mandamentais, quando estivermos diante
de o m issões próprias, b e m como as normas proib itivas, desde que p raticadas
por omissão, quando o agente viesse a gozar do status de garantidor. Po rtanto,
sempre que estivermos di ante de omissões - próprias ou imp róp rias -, a norma
correspondente, que determina um comportamento do agente, sob pena de
resp o nsabilizá-lo criminalme nte, receberá a denominação de norm a preceptiva.
O núcleo da Parte Especial do C ó d igo Penal é regido pelas normas penais
i ncriminadoras, embora nela também se enco ntrem, mesmo que em menor
número, as normas p e nais não incriminado ras.
•
Preceitos da norma penal incriminadora - Quando analisamos os
chamados tipos penais incriminadores, podemos verificar que existem
dois preceitos:
a) preceito p rimário;
b) p rece ito secundário.
O p rimeiro deles, conhecido como preceito pri mário (precep tum iuris), é o
encarregado de fazer a descrição detalhada e perfeita da conduta que se p rocura
proibir ou impor; ao segundo, chamado p receito secundário (sa nctio iuris), cabe
a tarefa d e individualizar a pena, cominando-a em abstrato.
Assim, no preceito primário do art. 1 5 5 do Cód igo Penal, temos a seguinte
redaçã o :
Art. 1 5 5 . Subtrair, para s i ou para outrem, coisa alheia
móvel.
61
VOLUME l i
ROGÉRIO G RECO
Logo e m s eguida, vem o p receito secundári o :
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Então, aquele que p raticar a conduta descrita no preceito p rimário do
art. 1 5 5, capu t, do Código Penal terá como consequência a aplicação da pena
p revista no p receito secundário.
8) As normas p e nais não i n crim i nadoras, ao contrário, possuem as seguintes
finalidades:
a) tornar l ícitas d eterminadas condutas;
b) afastar a culpabilidade do agente, erigindo causas de isenção de pena;
e) esclarecer determinados conce itos;
d} fo rnecer princípios gerais para a aplicação da lei penal.
Também como regra, as normas p e nais não incriminadoras formam o núcleo
da Parte Geral d o Cód igo Penal, podendo ser encontradas, co ntudo, também em
menor número, na Parte Especial.
Po rtanto, p odem ser as normas penais não incriminadoras subdivididas em:
a) p e rmissivas;
b) explicativas;
e) complementares.
As normas penais permissivas podem ser, ainda:
1
- permissivas justifican tes, quando têm por fi nalidade afastar a ilicitude
(antij uridicidade) da conduta do agente, como aquelas p revistas nos arts.
2 3 , 24 e 25 do Código Penal;
II - perm issivas exculpan tes, quando se destinam a eli minar a culpabilidade,
isentando o agente d e p ena, como nos casos dos arts. 2 6, cap u t, e 28, § lQ,
d o Código Penal.
N ormas penais explicativas são aquelas que visam esclarecer ou explicitar
conceitos, a exemplo daquelas previstas nos arts. 3 2 7 e 1 5 0, § 4Q, do C ódigo Penal.
N ormas penais complementares são as que fornecem princípios gerais para a
aplicação da lei penal, tal como a existe nte no art. 5 9 do C ódigo Penal.
4 . 3 . N o r m a s p e n a i s em b ra n c o ( p r i m a r i a m e n t e r e m e t i d a s )
N o rmas penais em b ranco ou primariamente remetidas s ã o aquelas e m
q u e há necessidade de complementação para q u e se p ossa compreender o
âmb ito de aplicação de seu p receito primário. Isso significa que, embora haja
uma descrição da conduta p roibida, essa descrição requer, ob rigatoriamente,
um complemento extraído d e um o utro diploma - leis, decretos, regulamentos
etc. - p ara que po ssam, efetivamente, ser entendidos os limites da proibição ou
62
( NTRODUÇÀO À TEORIA G ERAL DA l'ARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
i mp o s ição feitos pela lei p enal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se
impossível sua aplicação.
Suponhamos que João, armado com um revólver, atire em Pedro, desej ando
matá-lo, vindo a alcançar o resultado por ele pretendido. Analisando o art. 1 2 1 ,
cap ut, do Código Penal, verificamos que em seu p receito p rimário está descrita
a seguinte conduta : matar a lguém . O comportamento de João, como se p e rcebe,
amolda-se pe rfeitamente àquele descrito no art. 1 2 1 , não havendo necessidade
de recorrer a qualquer o utro diploma l egal para compreendê-lo e aplicar, p o r
conseguinte, a sanção prevista p ara o crime por ele cometido. Agora, i maginemos
que Augusto estej a trazendo consigo certa quantidade de maconha, para seu
uso, quando é surpreendido p o r alguns p oliciais. O art. 28, da Lei nu 1 1 . 3 43, de
23 de ago sto de 2 0 0 6, possui a seguinte redaçã o :
Art. 2 8 . Q u e m adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas:
I
II
-
advertência sobre os efeitos das drogas;
-
p restação de serviços à comunidade;
III medida educativa de comparecimento a programa
ou curso educativo.
-
N o caso de Augusto, como podemos concluir que ele praticou a cond uta
descrita no art. 2 8 da Lei nu 1 1 .3 4 3 / 2 0 0 6 se não está expressamente escrito
em seu texto quais são as drogas não autorizadas ou que se encontram em
desacordo com determinação l egal o u regulamentar? O álcool e o cigarro, como
se sabe, causam dependência. Será que s e fumarmos um cigarro ou i ngerirmos
certa quantidade de bebida alcoólica estaremos cometendo a i n fração p revista
n o art. 2 8 da Lei Antidrogas? A partir do momento que tivermos de nos fazer
essa p e rgunta, ou seja, a p artir do i nstante que necessitarmos buscar um
complemento em o utro diploma para sabermos o exato alcance daquela no rma
que almejamos i nterpretar, estaremos diante de uma norma p e nal em branco.
D i z-se em branco a norma penal porque seu p rece ito primário não é completo.
Para que se consiga compreender o âmbito de sua aplicação, é preciso que
ele seja complementado por o utro diploma, ou, na defi nição de Assis To ledo,
normas penais em branco "são aquelas que estabelecem a cominação p enal, ou
seja, a sanção penal, mas remetem a complementação da descrição da conduta
proibida para outras normas legais, regulamentares o u administrativas".97
TOLEDO, Francisco de Assis. Prin cípios básicos de direito penal. p . 42.
63
VOLUME
RoG ÉRJo G REco
11
N o caso do a rt. 2 8 da Lei nº 1 1 . 3 4 3 / 2 0 06, s o mente após a l eitura da P ortaria
expedida pela Agência Nacional d e Vigilância Sanitária (ANVISA),98 autarquia
sob regime especial vinculada ao M i n istéri o da Saúde, é que poderemos saber
se esta o u aquela substância é tida como e ntorpecente, para fi ns de aplicação do
mencionado artigo.
M u itas vezes, esse complemento d e que necessita a norma penal em b ranco
é fo rnecido por outra lei, ou, como vimos acima, no caso do art. 28 da Lei
nº 1 1 . 3 4 3 / 2 0 0 6, p o r outro diploma que não uma lei em sentido estrito. Por essa
razão, a doutrina d ivide as no rmas penais em branco em dois grupo s :
a) n o rmas penais em branco h o mo gêneas (em sentido a m p l o ou h o mólogas) ;
b) normas p enais em b ranco heterogêneas (em sentido estrito ou heterólogas).
Diz-se h o mogênea, e m sentido amplo ou h omóloga, a norma penal em b ranco
quando o seu complemento é oriundo da mesma fonte legislativa que ed itou a
norma que necessita desse complemento. Assim, no art. 2 3 7 do Código Penal,
temos a seguinte redaçã o :
Art. 2 3 7 . C o ntrair casamento, conhecendo a existência
de i mpedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Para respo nder pela prática do aludido delito, é preciso saber quais são os
impedimentos que levam à decretação de nulidade absoluta do casamento.
E quais são eles? O art. 2 3 7 não esclarece. Temos, porta nto, de nos valer do
art. 1 . 5 2 1, incisos 1 a VI I, do C ó digo Civil (Lei nº 1 0 .406/2 0 0 2 ) para que a referida
no rma penal venha a ser complementada e, som ente depois disso, concluirmos
s e a conduta praticada pelo agente é típica ou não.
Assim, como o art. 2 3 7 do Código Penal requer um complemento, pois não
basta p o r si próprio, dizemos que h á uma norma penal em branco. Agora, parti ndo
do princípio d e que no art. 2 3 7 do Código Penal se enco ntra uma norma penal
em b ranco, d evemos, outross im, formular outra pergunta : Essa norma penal em
b ranco é h o m ogênea ou h eterogênea? H o m ogênea, porque a fonte de produção
do Có digo Civil, de onde extraímos o complemento, é a mesma que produziu o
Cód igo Penal, onde reside a norma penal que necess ita ser complementada, ou
seja, ambas foram produzidas pelo C o ngresso Nacional.
A norma penal em b ranco homogênea, também conhecida como homóloga,
ainda se divide e m : a) homovitelina; e b) heterovitelina. C onforme preleciona o
M i n . Felix Fischer, em voto proferido n o Recurso O rdinário em Habeas Corp us
nº 9 . 8 3 4/SP ( 2 0 0 0 / 0 0 2 9 1 2 8 -5) :
A Lei nº 9.782. de 26 de janeiro de 1 999, definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
64
J NTRODUÇÃO
À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
"As normas penais em branco de complementação homóloga
homovitelina são aquelas cuja norma complementar é do
mesmo ramo do direito que a principal, ou seja, a l e i penal
será complementada por outra lei penal. Exemplo desse tipo
é o art. 3 3 8 do C P ( Re ingresso d e extrangeiro expulso), que é
compleme ntado pelo art. 511, § 1 ", do CP (d efine a extensão do
territó rio nacional p ara efe itos penais) .
As n ormas penais em branco de complementação homóloga
heterovitelina têm suas respectivas normas complementares
oriundas de outro ramo do d ireito. É o caso, por exemplo, do
art. 1 7 8 do C P ( E m issão i rregular de conhecimento de depósito
ou warrant) , que é complementado pelas normas (com erciais)
disciplinadoras desse título de crédito".
Diz-se h eterogênea, em sentido estrito ou heteróloga, a norma penal em b ranco
quando o seu complemento é oriundo de fonte diversa daquela que a editou. No
caso do art. 2 8 da Lei Antidrogas, por exemplo, estamos diante de uma norma
penal e m b ranco heterogênea, uma vez que o complemento necessário ao referido
artigo foi p roduzido por uma autarquia (ANVI SA) vinculada ao M inistério da Saúde
(Poder Executivo), que integra o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas (SISNAD) - art. 1 4, 1 , do D ecreto n" 5.9 1 2, de 2 7 de setembro de 2 0 0 6 -,
e a Lei n" 1 1 . 3 4 3 / 2 0 0 6 foi editada pelo C ongresso N acional (Poder Legislativo) .
Assim, p ara que possamos saber se u m a norma penal e m branco é considerada
homogênea ou heterogênea, é preciso que conheçamos, sempre, sua fo nte de
produção. Se for a mesma, ela será considerada homogênea; se diversa, será
reconhecida como heterogênea.
4.3. 1 .
Ofe n s a a o p r i n c í p i o d a l e g a l i d ad e p e l a s n o r m a s p e n a i s e m b ra n c o
h et e r o g ê n e as
D i ssemos que as normas penais em b ranco h eterogêneas são aquelas cuj os
complementos provêm de fonte d iversa daquela que editou a norma que
necessita ser complementada. A questão que se col oca, ago ra, é a seguinte:
Como o compleme nto da norma penal e m b ranco h eterogênea pode ser o riundo
de outra fo nte que não a lei em sentido estrito, esta espécie de norma penal
ofenderia o princípio da legalidade?
Entendemos que sim, visto que o conteúdo da norma penal po derá ser
modificado sem que haj a uma discussão amadurecida da s ociedade a seu
respeito, como acontece quando os p roj etos de lei são submetidos à apreciação
de ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo levada em consideração a
vontade do povo, representado pelos seus deputados, b em como a dos E stados,
representados pelos seus senadores, além do necessário controle exercido pelo
Poder Executivo, que realiza o sistema d e freios e contrapesos.
65
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
11
I magi ne-se o que possa acontecer com a seleção das drogas que causem
dependê ncia, p revistas no art. 2 8 da Lei nº- 1 1 . 3 43 / 2 0 0 6 . Fará parte desse rol,
ou mesmo será excluída dele, aquela substância que assim entender a cúpula de
d i reção da ANVISA, autarquia vinculada ao M i nistério da Saúde que detém esse
poder. O que, na verdade, estamos querendo esclarecer é que não haverá, seja
na in clusão de novas substâncias (criminalização), seja na exclusão daquelas
j á existentes (descri m inalização) , qualquer discussão por parte do Poder
com petente para legislar em matéria penal, que é a União, nos termos do art. 2 2 ,
1 , d a Constituição Federal.99
M e recem destaque as l i ções de N i l o Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, quando
asseveram:
" [ ... ] n ão é simples demonstrar que a lei penal em b ranco não
co nfigura uma delegação legislativa constitucionalmente
proibida. Argumenta-se que há delegação legislativa indevida
quando a norma complementar p rovém de um órgão sem
autoridade constitucional legiferante penal, ao passo que
quando tanto a lei penal em b ranco quanto sua complementação
emergem da fo nte geradora constitucionalmente legítima não
se faz outra coisa senão respeitar a distribuição da potestade
legislativa estabalecida nas normas fundamentais. O argumento
é válido, mas não resolve o problema. Quando assim se teorizou,
as leis penais e m branco eram escassas e insignificantes: hoje,
sua presença é considerável e tende a sup erar as demais leis
penais, como fruto de uma b analização e administrativização
da lei penal. A massificação provoca uma mudança qualitativa:
através das leis penais em b ranco o legislador penal está
renunciando à sua função programadora de criminalização
primária, assim transferida a funcionários e órgãos do Poder
Executivo, e in correndo, ao mesmo tempo, na abdicação da
cláusula da u ltim a ratio, própria do estado de direito.'' 10 0
Tem prevalecido, no entanto, posição doutrinária que enten de não haver
ofensa ao princípio da legalidade quando a norma penal em b ranco p revê aquilo
que se denomina n úcleo essen cial da conduta . Nesse sentido, são as lições de
Carbonell M ateu, quando aduz:
"A técnica das leis penais em branco pode ser indesejável, mas
não se pode ignorar que é absolutamente necessária em nossos
dias. A amplitude das regulamentações j urídicas que dizem
respeito sobre as mais diversas matérias, sobre as que pode e
deve pronunciar-se o D ireito Penal, impossibilita manter o grau
Nesse sentido COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito, p . 1 80.
V.
BATISTA, Nilo; ZAFFARON I , Eugenia Raú l ; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro,
1 , p. 205-206.
66
I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
de exigência de l egalidade que se podia contemplar no século
passado ou inclusive a princípio do presente. H oj e, cabe dizer
que, desgraçada mas necessariamente, temos de nos conformar
com que a lei contemple o núcleo essencial da conduta." 1 º 1
4 . 4 . N o r m a s p e n a i s i n c o m p l etas o u i m p e rf e i t a s ( s e c u n d a r i a m ente
remetidas)
N ormas penais incompletas ou imperfeitas (também conhecidas como
secundariamente remetidas) são aquelas e m que, para sabermos a sanção imposta
pela transgressão de seu preceito primário, o legislador nos remete a outro texto
de lei. Assim, pela leitura do tipo penal incriminador, verifica-se o conteúdo da
proibição ou do mandamento, mas para saber a consequência j u rídica é preciso
deslocar-se para outro ti po penal. Na definição de Luiz Regi s Prado, "a lei penal
estruturalmente incompleta, ta mbém conhecida como lei penal imperfeita, é
aquela em que se encontra prevista tão somente a hipótese fática (preceito
incri minador), sendo que a consequência j urídica localiza-se em outro dispositivo
da própria lei ou em diferente texto legal". 1 º 2 São exemplos de normas pe nais
incompletas aquelas previstas na Lei n2 2 .8 89 /56, que define e pune o crime de
gen ocídio. O seu art. lQ, para melhor visualização, vem assim redigido:
Art. 12. Quem, com a intenção de destru ir, no todo ou em
pa rte, grupo nacional, étnico, ra cial ou religioso, como tal :
a ) matar membros do grupo;
b) [ ... ] ;
c) [ ... ] ;
d) [ . . ] ;
.
e) [ ... ] .
Será punido :
com as penas do art. 1 2 1, § 22, do Cód igo Penal, no caso
da letra a.
O artigo, portanto, nos remete a o utro dispositivo penal para que s e possa
aferir a sanctio iu ris, razão pela qual se diz que tal norma penal é incompleta ou
i mperfeita.
O art. 3 0 4 do Cód igo Penal é considerado uma no rma penal em b ranco, bem
como uma norma incompleta ou imperfeita, pois seu preceito primário re mete
o intérprete a outros tipos penais a fi m de saber quais são os papéis fals ificados
ou alterados a que se refere o mencionado artigo, além de também encaminhar
o exegeta a outro tipo penal com o escopo d e apurar as penas com inadas em seu
MATEU, Juan Carlos Carbonell. Derecho penal - Concepto y principias constitucionales, p. 1 24.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p. 94.
67
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
preceito secundário. As sim, é considerado em b ranco e m seu p receito primário
e i ncompleto, em seu preceito secundário.
5. E S C U SAS A B S O L U T Ó R IA S , P E R D Ã O J U D I C I A L E AÇ Ã O P E N A L
H á outras no rmas que possuem fi nalidades diferentes daquelas citadas que
se amoldam ao co nceito de normas penais não incriminadoras, haj a vista que
não fo ram criadas para n arrar compo rtamentos proibidos ou impostos sob a
ameaça de uma sanção de natu reza penal.
N es te tópico, cuidaremos das escusas absolutórias, do perdão judicial, b em
como da ação penal.
5 . 1 . E s c u s a s a bs o l u t ó r i a s
A s chamadas escusas absolutórias s ã o imunidades penais de caráter pessoal
que não podem ser renunciadas pelo agente, tampouco desconside radas ou
mesmo val oradas pelo Estado, para fin s de sua aplicação.
Têm por finalidade afastar a possibilidade de punib i l i dade, por questões de
po lítica criminal, mantendo, outrossim, i ntactos os elementos que compõem a
infra ção penal, ou seja, tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Fernando Galvão, diss ertando sobre o tema, aduz:
"A deficiência da sistematização teórica sobre a operatividade
da coerção penal possibilitou grande variação te rminológica
para a categoria j uríd ica que prete nde agrupar tais situações.
Escusas absolutórias, causas pessoais de isenção de p ena,
imu ni dades p enais de caráter pess oal, causas de não
responsab i l i dade em sentido estrito são expressões que a
doutrina utiliza para denominar tal categoria j u rídica. D iante
da dificuldade teórica, chega-se a sustentar até que a expressão
'é isento de p ena' significa ausência de culpabilidade. C o m
certeza, a situação não é s i mples. Resta claro que o C ódigo
não observou qualquer técnica, ao utilizar a expressão 'é
isento de pena'. A expressão é utilizada não some nte nos casos
de exculpação (arts. 2 1 , 26 e 2 8 ) , como também em muitos
outros, nos quais se quer opor obstáculos à coerção penal.
Isto evi dencia que a culpabilidade não é o único e defi nitivo
pressuposto da pena. A tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade
constituem pressupostos da aplicação da pena. Mas não os
únicos. A operatividade da coerção exige a satisfação de uma
série d e condições, d entre as quais a inexistência de causas
pessoais d e ise nção de pena." 1 03
GALV ÃO, Fernando. Direito penal - Parte geral, p . 9 1 2 .
68
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Apesar da discussão doutrinária so b re a melhor denominação, certo é que
as escusas absolutórias não dizem respeito a qualquer das características que
integram a infração penal, confo rme ale rtado acima, mas, sim, têm por finalidade
afastar a punibilidade do agente que, e m tese, p raticou a infração penal.
Raciocinemos com a hip ótese contida n o art. 1 8 1 do Código Penal, que diz:
Art. 1 8 1 . É isento de pena quem comete qualquer dos
crimes p revistos n este título, em prejuízo :
1
-
do cônj uge, na co nstância da s ociedade conjugal;
I I - d e ascendente ou descendente, seja o parentesco
l egíti mo ou i l egítimo, seja civil ou natural.
O títul o a que se refere o art. 1 8 1 do C ó digo Penal é aquele que diz respeito
aos crimes contra o patri mônio, não se aplicando a escusa absolutória nos casos
elencados pelo art. 183 do mesmo diploma legal, vale dizer: 1 - se o crime é de
ro ubo o u de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou
violência à pessoa; II - ao estran ho que p articipa do crime; I l i - se o crime é
praticado co ntra pessoa com idade igual o u superior a 60 (sessenta) anos.
I m agi ne-se, p ortanto, o exemplo e m que um fi lho, apaixonado, p retenda
levar sua namorada ao melhor restaurante da cidade. Pelo fato de não trabalhar
e, consequ entemente, não ter como p agar a conta que seria altíssi ma, subtrai
de seu pai, que co ntava com menos de 60 anos de idade, a i mportância de
R$ 5 0 0, 0 0 (quinhentos reais) . S e analisássemos o seu compo rtamento perante
a lei p enal, chegaríamos à co nclusão de que sua conduta era típ ica, ilícita e
culpável. H avia, dessa fo rma, crime. E n tretanto, o Cód igo Penal, por questões
de po lítica criminal, preferiu imunizar aquelas pessoas que se encontram nessa
l inha d e p arentesco, ou seja, ascendentes e descendentes, desde que não oco rra
qualquer das hip óteses previstas pelo art. 1 8 3 do Código Penal.
A escusa absol utó ria, como se p e rcebe, não terá o condão de el iminar
qualquer dos elementos que integram a i n fração penal - tipicidade, ilicitude e
culpabilidade -, mas tão s o me nte impedir a punição d o agente.
5.2. Perdão j u d icial
O perdão judicial é uma causa d e extinção d a punibilidade prevista n o inciso
IX do art. 1 0 7 do Código Penal, que diz:
Art. 1 0 7 . Extingue-se a punibilidade:
[ ... ] ;
IX - pelo perdão j u dicial, nos casos previstos e m lei.
69
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
Pela redação d o inciso acima transcrito, podemos concluir que somente haverá
possibilidade d e concessão do perdão j u d icial nos casos previstos expressa men te
em lei. Is s o sign i fica que, inicialmente, é a lei que determina as infrações p enais
nas quais será possível, no caso concreto, o raciocínio do perdão j u d i cial.
Assim, se não ho uver p revisão l egal expressa nesse senti d o, torna-se
impossível a apli cação do p erdão j u dicial, não havendo possib ilidade, aqui, de
ser levado a efeito o raciocínio da chamada analogia i n banam partem .
H avendo p revisão l egal, poderá o j u lgador, dependendo do caso concreto,
concedê-lo ou não. Na verdade, e m determinadas situações, confo rme veremos
a seguir, a doutrina tem se posicionado no sentido de entender o perdão j udicial
como um direito subj etivo do acusado; em outras, como faculdade do julgador.
Assim, raciocinemos com a hipótese contida no § SQ do art. 1 2 1 do Código
Penal, que diz:
§ SQ N a h i p ótese de h omicídio culposo, o juiz p oderá
deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração
atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal s e torne desnecessária.
I m agine-se, por exemplo, a s ituação na qual um policial, ao chegar em casa,
retira a arma da sua cintura e a coloca e m cima da mesa da sala. Logo em seguida,
vai até a cozinha, oportu n i dade e m que escuta um estampido. Volta correndo
para a sala e percebe seu fil h o, já m o rto, caído ao lado da sua pistola.
Analisando o exemplo fo rnecido, ch egaríamos à conclusão de que aquele
p o licial, pai da vítim a, teria p raticado u m d el ito de homicídio culposo. E ntretanto,
p ergunta-se: S erá que p a ra ele seria possível, ou m esmo obrigatória, a concessão
do p e rdão j u d icial? Imagine a dor desse pai, que terá de conviver, até o fim de sua
vida, com a angústia d e ter causado a m orte d o próprio filh o. Será que have ria,
no caso em exame, necessidade de aplicação da pena, ou, confo rme diz a redação
do perdão j udicial, as consequências da infração atingiram o agente de forma
tão grave que a sanção pena l s e to rnou desnecessária?
N esses casos, quando h o uver uma relação de parentesco p róximo, a exemplo
do que ocorre com os ascende ntes, descendentes, cônjuge o u irmão, a doutrina
tem s e posicionado no sentido de ser o perdão j udicial um direito subjetivo do
age n te. Nas d e mais hipóteses, seria uma faculdade do julgador.
Outro ponto que merece destaque com relação ao perdão j udicial diz respeito
ao fato de que também em infrações p enais dolosas é possível sua concessão.
N ormalmente, ligamos o perdão j udicial às infrações de natureza culposa, a
exemplo do homicídio e das l esões corporais culposos. No entanto, conforme já
frisado acima, é a lei penal que decide quando se poderá conceder o perdão judicial.
70
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Assim, no § lQ do art. 1 4 0, ao cuidar do crime de injúria, diz a lei penal:
§ lQ O j u i z pode deixar de aplicar a pena:
1 quando o o fendido, de fo rma reprovável, p rovocou
d i retamente a i nj ú ria;
-
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra
injúria.
Como se percebe pela redação do p arágrafo acima transcrito, não estamos
diante d e uma infração penal de natureza culposa, mas, s im, dolosa. N esse
caso, entendeu por b e m a lei penal p e rm itir a concessão do perdão j udicial,
mesmo tratando-se d e um crime doloso. Isso ratifica o raciocínio inicial quando
dissemos que comp ete à l e i, inicialme nte, apontar todas as infrações penais nos
casos e m que fo r possível a aplicação do perdão j udicial, não podendo o j ulgador
concedê-lo à sua l ivre escolha.
Da mesma fo rma, ao cuidar da colaboração p remiada, o art. 4Q da Lei nQ
1 2 . 8 5 0, de 2 de agosto de 2 0 1 3 , que definiu organização criminosa e dis pôs,
dentre outros, sobre a i nvestigação criminal e os meios de obtenção da p rova,
assevera que o juiz poderá, a re querimento das partes, conceder perdão j u d icial,
re duzir e m até 2 / 3 (dois terços) a pena privativa de l i b erdade ou substituí-la por
restritiva d e d ireitos daquele que ten h a colaborado efetiva e voluntariamente
com a i nvestigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração
adve nha u m ou mais dos resultados elencados nos i ncisos 1 a V do referido artigo.
Assim, poderá o agente colabo rador, mesmo tendo praticado um crime de
natureza dolosa, vale dizer, tip i ficado no art. 2Q da Lei nQ 1 2 . 8 5 0, de 2 de ago sto
de 2 0 1 3 , que pune com reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem p rej uízo
das penas correspond entes às demais i n frações penais praticadas, aquele que
promove, co nstitui, fi nancia ou i ntegra, pess oalmente ou p o r interposta pess oa,
o rganização criminosa, ser b e n eficiado com o perdão j udicial.
N o e ntanto, frisamos, é a lei que aponta, mesmo nesses casos, as h ipóteses
onde será poss ível sua concessão.
Também é comum a lei penal apontar expressamente a hip ótese de perdão
j u dicial sem que, contudo, faça constar essa denominação em sua rubrica. Assim,
por exemplo, no § 52 do art. 1 2 1 do C ó digo Penal, embora nele estej a consignado
expressamente o perdão j u dicial, não enco ntramos registrada essa expressão,
pois nesse parágrafo nem sequer existe rubrica.
D essa fo rma, como saber que estamos diante de uma h ipótese de perdão
j u dicial? É regra geral que a lei penal utilize a expressão o juiz poderá deixar de
aplicar a pena, ou alguma coisa com ela p arecida, quando quiser se referir ao
perdão j u d icial, mesmo que não exista rubrica expressa nesse sentido.
71
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
Fi nalmente, a última discussão q u e entendemos relevante diz respeito à
natureza j urídica da sentença concessiva d o perdão j udicial. N esse ponto,
fo rmaram-se quatro corre ntes, que chegaram às seguintes conclusões :
a) a sentença que concede o perdão j udicial é absolutório;
b) possui natureza d e sentença cond enatória, subsistindo os seus efeitos
secundários;
c) é uma se ntença condenató ria, sem a produção de seus efeitos naturais;
d) é declaratória de extinção da punibilidade.
Ultimamente, tem p revalecido e ntre nós a última posição, fi rmada pelo STJ
p o r intermédio da Súmula nº- 1 8, que d i z :
Súmula n º- 1 8. A sen tença concessiva d o perdão ju dicial é
declaratória da extinção da pu nib ilidade, nã o subsistindo q u alquer
efeito con dena tório.
5. 3 . Ação penal
A ação penal é tratada no Título V I I d a Parte G eral do C ódigo Penal.
Paulo Rangel, dissertando sobre o conceito e as características do direito de
ação, o defin e como
"um d ireito subj etivo de se i nvocar do Estado a prestação
j u risdicional, pois, havendo o Estado monopolizado a
administração da Justiça, deve dar a cada um o que lhe é devido.
A ação é, po is, um di reito subjetivo (posto que inerente a cada
ind ivíduo), a u tônomo (pois não se confunde com o direito
subj etivo material, que irá s e deduzir em juízo), abstrato (pois
independe do autor ter ou não razão ao fi nal do processo),
instrumental (serve d e meio para se alcançar um fim que é
a sati sfação da p retensão i nsatisfeita ou resistida) e p úb lico
(porque se d irige contra o E stado e em face do réu)". 1 º4
O Código Penal e a legislação processual penal preveem duas espécies de
ação penal, a saber: ação penal pública e ação penal privada. A regra p revista no
art. 100 do Cód igo Penal diz que to da ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido.
N a verdade, todas as ações p e nais, sejam elas quais fo rem, têm natureza
pública, conforme se verifica nas l ições de Paulo Rangel. C ontudo, na área penal,
especifi camente, a sua iniciativa é que se biparte em pública e p rivada. Assim,
teremos ações penais de iniciativa pública e ações penais de i n iciativa privada.
As ações penais de iniciativa pública são p ro m ovidas pelo órgão o fi cial, ou
seja, pelo M inistério Público, sendo que as de i niciativa priva da são, ab in itio,
1 0 4 RANG EL, Paulo. Direito processual penal, p. 2 1 4.
72
INTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
levadas a efeito m ed iante queixa pelo o fendido ou por quem tenha qualidade
para representá-lo.
Faremos, a seguir, a análise individual das duas espécies de ação penal,
apontando suas subdivisões e características.
5.3. 1 .
Ação p e n a l de i n i c i at i va p ú b l i c a
A ação p enal de iniciativa pública pode ser: a) inco ndicionada o u bJ condicionada
à representação do ofendido ou à requisição do M inistro da Justiça.
Ação penal de iniciativa pública i n co ndicionada
D iz-se incondicionada a ação penal de iniciativa pública quando, para que
o M i n i stério Público possa in iciá-la ou, mesmo, requisitar a instauração de
inquérito policial, não se exige qualquer condição. É a regra geral das infrações
penais, uma vez que o art. 1 0 0 do C ó digo Penal assevera que a ação penal é
pública, salvo q u an do a lei expressa men te a declara p rivativa do ofendido.
Pelo fato d e não existir qualquer condição que impossibilite o i nício das
investigações pela polícia ou que i mpeça o M inistério Público de dar início à
ação penal pelo o ferecimento de denúncia, é que o art. 2 7 do C ódigo de Processo
Penal diz que q u alquer pessoa do povo poderá p rovocar a iniciativa do Min istério
Público, n os casos em q u e caiba a ação p ú blica, fornecendo-lhe, por escrito,
informações sobre o fa to e a a u toria e indicando o tempo, o lugar e os elemen tos
de convicção, apresentando-lhe, po is, sua n o titia criminis.
Ação p enal de iniciativa pública condicio nada à representação do o fendido
o u à requisição d o Ministro da Justiça
Pode acontecer, contudo, que a l egislação penal exij a, em determinadas
infrações penais, a conj ugação da vontade da víti ma o u de seu representante
l egal, a fi m de que o Ministério Público possa aduzir em j uízo sua p retensão penal,
condicionando o in ício das i nvestigações p o liciais e o oferecimento de denúncia
à apresentação de sua representação. Ressalte-se que a representação do
ofendido ou de seu representante legal não precisa co nter gran des formalis mos .
Nela, o ofendido ou seu representante l egal simplesmente declara, esclarece sua
vontade no sentido d e possibilitar ao M i n i stério Público a ap uração dos fato s
narrados, a fi m de fo rmar sua convicção pessoal para, se for o caso, dar início à
ação penal pelo o ferecimento de denúncia.
Além da represe ntação do ofendido, a lei penal fala também em requisição
do M i n istro da Justiça. D a mesma fo rma que a representação do o fendido, a
requisição do M i nistro da J ustiça também tem a natureza j u rídica de condição
de procedibilidade, permitindo ao M i n istério Público i niciar a ação penal, uma
vez preenchida essa condição. Em ambas as hip óteses - representação do
73
ROGÉRIO G RECO
VOLUME l i
ofendido o u requisição d o M i nistro d a Justiça - , o M i nistério Público não está
obrigado a dar início à ação penal, p o i s tem total l ib erdade para p ugnar pelo
arquivamento do i nquérito policial o u das peças de informação depois de emitir,
fundame ntadamente, sua opinio delicti. Tais condições, p o rtanto, uma vez
preenchidas, não i mpõem ao Mi n istério Público o dever de o ferecer denúncia,
mas permitem que ele assim p ro ce da, caso conclua pela sua necessidade.
5.3.2.
A ç ã o p e n a l d e i n i c i at i v a p r i v a d a
N a precisa l ição d e Frederico Marques,
"ação penal privada é aquela em que o direito de acusar
p ertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao o fendido ou a
quem tenha qualidade p ara representá-lo. Ela s e denomina
ação priva da, p o rque seu titular é um particular, em
contraposição à a ç ão p enal pública, em que o titular do ius
actionis é u m ó rgão estata l : o M i n i stério Público".105
As ações penais de i n i ci ativa privada classificam-se em: a) p rivada
propriamente d ita; b) p rivada subsidiária da púb lica; e e) p rivada personalíssima.
Privada p ropriamente dita
As ações de i n i ci ativa privada propriamente ditas são aquelas promovidas
mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para rep resentá-lo.
E m d eterminadas infrações p e nais, a l e i penal p referiu que o início da persecu tio
crim inis ficasse a cargo do p arti cular. Embora o E stado sempre sofra com a
p rática de uma infração p enal, pois se u cometimento abala a ordem j u rídica e
coloca em risco a paz social, existem s ituações que interessam mais i ntimamente
ao particular do que propriam ente ao E stado. D essa forma, como veremos
mais adiante, os princíp ios que regem as ações penais de i niciativa p rivada
d i ferenciam-se daqueles que são reitores das ações penais de i n iciativa pública,
uma vez que o interesse do p articular se sobrepujará ao interesse do E stado.
No caso de m o rte do o fendido o u de ter sido declarado ausente por decisão
j ud icial, sendo a ação penal d e iniciativa p rivada propriamente dita, o direito de
oferecer queixa ou de prosseguir n a a ç ão penal passa ao cônj uge, ascendente,
descendente ou irmão, nos termos do § 4Q do art. 1 0 0 do Código Penal e d o
art. 3 1 do Có digo de Processo Penal.
Privada subsidiária da pública
As ações penais de iniciativa p rivada subsidiárias da pública encontram
resp aldo não somente na l egislação penal (art. 1 0 0, § 3Q, do C P e art. 29 do CPP),
: MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, v. 1 , p. 321 .
74
f NTRODUÇÀO À
TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
como também no texto da C o nstituição Federal (art. SQ, LIX) , que diz que será
adm itida ação p rivada nos crimes de ação p ú blica, se esta n ão for i ntentada n o
prazo legal. C o m essa disposi ção, quis o legislador constituinte, a exemplo d o
que faze m o Código Penal e o C ó digo Processual Penal, permitir a o particular,
víti ma de determinada infração penal, que acompanhasse as investigações, bem
como o trabalho do órgão o ficial e ncarregado da persecução penal. E m razão
desses dispositivos l egais, se o M i nistério Públi co, por desídia própria, deixar
de o ferecer denúncia no p razo legal, abre-se ao particular a possibilidade de,
substituindo-o, o ferecer sua que ixa-crime, dando, assim, início à ação penal.
Ressalte-se que som ente caberá ao p articular i ntentar a ação penal de iniciativa
privada subsidiária da pública quando o Ministério Público, deixando decorrer in
a/bis o p razo legal para o oferecimento da denúncia, não der início à ação penal.
Isso quer dizer que o direito d e dar início à ação penal que, o riginalmente, é de
iniciativa pública, somente se transfere ao particular se houver desídia, inércia
do M i nistério Público. Mesmo que tal i nércia seja j ustificada, como em vi rtude
de acúmulo de serviço, o particular pode o ferecer sua queixa-crime. Contudo, se
em vez de oferecer a denúncia o Ministério Público solicitar o arquivamento do
inquérito policial o u requerer a devolução dos autos à delegacia de p o lícia para
que sejam levadas a efe ito algumas diligências consideradas indispensáveis
ao o fe recimento da denúnci a, não poderá o particular intentar a sua ação de
natureza subsidiária.
No s e ntido específico do pedido de arquivamento pelo M i nistério P ú blico,
este é o entendime nto de Ro meu de Almeida Salles Jú nior:
"Como titular da ação penal, pode o M inistério Público
apreciar l ivremente os elementos do inquérito po licial ou
de quaisquer peças de i n fo rmação. Formada a convicção no
sentido de que não h o uve crime, requer o arquivamento,
fundamentando o seu entendimento. O máxi mo que pode rá
ocorrer é a discordância do Poder Judiciário, que exerce o
controle de tais p e d idos, nos term os do art. 2 8 do Código
de Processo Penal. Se, p o rventura, o J udiciário discordar
do pedido do M i nistério P ú bl i co, não po derá determinar ao
Promotor de Justiça que o fe reça denúncia. Não tem poderes
para violar sua consciência. D everá, en tão, remeter os autos
ao Procurador-Geral de Justi ça, chefe da I nstituição, e este
procederá ao competente exame. Se entender que o órgão
do M i nistério Público se manifestou correta mente, insi stirá
no pedido de arquiva mento, que deverá ser aceito pelo j uiz
(art. 2 8, in fine)." 1 0 6
SALLES J Ú NIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal, p. 263.
75
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
E m s entido contrário é o posicioname nto d e H é l i o To rnaghi, quando aduz:
"Há quem p retenda não caber ação privada subsidiária no
caso em que o M i n istério Público pede o arquivamento porque
aí, diz-se, o M i n istério Público agiu, não ficou ine rte, inativo,
e o que a lei quer é apenas permitir a ação subsidiária do
o fendido na h i pótese de negligência do órgão estadual. Mas
o argumento não encontra amparo nem na letra da l e i nem
nas razões p o l íticas que a i nspiram. O art. 2 9 não diz que a
ação privada será admitida nos crimes de ação pública se o
M i nistério Público não p raticar ato algum no prazo legal, mas,
sim, a firma: 'será admitida ação privada nos crimes de ação
públi ca, se esta não fo r intentada n o prazo legal'. E é claro
que se o M i n istério Público pede o arquivamento, durante o
p razo da denúncia ou depois dele, pouco importa, não intenta
a ação penal no p razo da l e i . E é isso que a lei quer dizer, não
há dúvida: o Estado que chamou a s i o exercício da ação penal,
retirando-o do ofendido, d eve restituir- lho quando entende
de não a promover. Nen h u m prejuízo há nesta restituição,
n e sta d evolução, sem a qual a publicização do ius persequendi
p od eria, em certos casos, ser verda deiro esbulho e com a qual
se permite ao o fendido trazer ao conhecim ento do Judiciário
fatos que, a seu ver, exigem punição." 10 7
Se for intentada ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, o
M in istério Público poderá aditar a queixa, repudiá-la ou oferecer denúncia
substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de
prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal (art. 29 do CPP). Isso porque a ação penal
é originalmente de iniciativa pública e, uma vez intentada pelo particular, será
regida pelos p rincípios que a o rientam. Enquanto o particular estiver à frente dessa
ação penal, o M inistério Público funcionará, obrigatoriamente, como fiscal da lei,
assumindo a posição original de parte nos casos de negligência do querelante.
Privada personalíssima
As ações p enais de iniciativa privada tidas como personalíssimas são aquelas
em que somente o ofendido, e mais n inguém, pode propô-las. E m virtude da
natureza da infração penal praticada, entendeu por bem a lei penal que tal infração
atinge a vítima de fo rma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá em itir
o seu j uízo de pertinência a respeito da propositura ou não dessa ação penal.
Como exemplo d e ação penal de iniciativa privada personalíssima, podemos citar
aquela correspondente ao delito previsto no art. 2 3 6, que cuida do induzimento
TOR N AG H I , Hélio. Compêndio de processo penal, v. li, p. 490-49 1 .
76
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
a erro essencial e o cultação de impedimento. O parágrafo único do mencionado
artigo assevera que a ação penal depende de queixa do contraente engan ado e não
pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sen tença q ue, por m o tivo
de erro ou impedimento, a n u le o casam en to, afastando-se, com essa redação,
qualquer possibilidade de ser transferida às pessoas elencadas no art. 1 0 0, § 4-º-,
do Código Penal, haj a vista que, em virtude de sua natureza personalíssima, como
bem d estacou M i rabete, "só podem ser intentadas ú nica e exclusivamente pelo
ofendido, não havendo, portanto, sucessão por morte ou ausência". 108
6.
M AJ O R A N T E S E M I N O R A N T E S
Chamam-se maj o rantes a s causas co ntidas nas partes G eral e Especial d o
Código Penal, q u e têm p o r finalidade aumentar a pena aplicada ao agente.
Em sentido oposto, são consideradas m i n orantes aquelas causas que, também
previstas na Parte Ge ral o u na Parte E s p ecial do C ódigo Penal, são aplicadas
para fins de diminuição da p ena.
Dependendo do lugar em que se encontrem no Có digo Penal, as maj orantes e
minorantes serão reconhecidas como causas gerais ou especiais de aumento ou
diminuição de pena. Assim, se consignada na Parte Geral do Código Penal, será
entendida como causa geral de aumen to ou de diminuição de pena; se na parte
especial, será denom inada de causa especial de aumento ou de dimin uição de pena.
M erece destaque o fato d e que toda vez que estivermos diante de uma
maj o rante ou m i no rante, ou seja, d ia nte de uma causa de aumento ou de
diminuição de p ena, seja na Parte Geral, seja na Parte Especial do Código Penal,
esse aumento o u essa diminuição virá sempre e m /rações.
Assim, a títul o de raciocínio, o parágrafo único d o art. 1 4 do C ó digo Penal, ao
cuidar da p ena correspondente ao delito tentado, diz:
Parágrafo ú ni co. Salvo disposição em contrário, pune
-se a tentativa com a pena correspondente ao crime
consumado, diminuída de um a dois terços.
Como s e percebe, a diminuição da p ena, em virtude de a infração penal ter
permanecido na fase da tentativa, será de um a dois terços. O Código Penal,
portanto, nos fo rneceu essa diminuição e m frações, razão pela qual podemos
afirmar que estamos diante d e uma m i n o rante, ou seja, uma causa geral de
diminuição de p ena.
O § 1-º- do art. 1 5 5 do Código Penal, a seu turno, determi na o aumento da pena
e m u m terço se o crime é p raticado d urante o repouso noturno.
M I RABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 78.
77
VOLUME I I
RoG É RlO G RECO
N esse caso, estaríam o s diante de uma maj o rante, vale dizer, uma causa
especial d e aumento de pena, uma vez que o m encionado parágrafo determinou
que o aumento fosse realizado e m u m terço.
N o primeiro exemplo, quando nos referimos à diminuição pela tentativa,
dissemos, além da expressão m inora n te, que estávamos diante de uma causa
geral d e diminuição d e pena. I sso p o rque o parágrafo único do art. 14 se encontra
na Parte Geral do Código Penal. Ao co ntrário, quando cuidamos do aumento
relativo ao repouso noturno, além da expressão maj o rante, dissemos que havia
ali uma causa especial de aumento d e pena, uma vez que tal aumento, relativo
ao furto p raticado durante o rep ouso noturno, se encontra na Parte E special do
C ó digo Penal.
D etalhe i mportante p ara fins de apli cação das maj orantes e m i norantes é
que, estejam elas na Parte Geral ou na Parte Es pecial do Código Penal, serão
consideradas, sempre, no terceiro m o mento do critério trifásico de apli cação da
p ena, previsto n o art. 68 do C ó digo Penal, que diz:
Art. 6 8 . A p ena-base será fixada atendendo-se ao critério
do art. 5 9 d este C ó digo; em seguida serão consideradas
as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último,
as causas de diminuição e de aumento.
A aplicação das maj o rantes e m i n o rantes será realizada em cascata, o u seja,
pena sobre pena. Assim, após o j ulgador ter fixado a pena-base e s ob re ela ter
aplicado as circunstâncias agravantes e atenuantes, sobre esse subtotal, vamos
dizer assim, é que i n ci d i rão as maj o rantes e minorantes, chegando-se, após esse
último lançamento, à chamada pena fin a l ou pena justa.
D everá, no e ntanto, ser observado o p arágrafo único do art. 68, que diz: No
concurso de causas de a u m e n to ou de dimin uição previstas n a p a rte especial, pode
o juiz limitar-se a um só a u m e n to o u a u m a só dimi nuição, prevalecendo, todavia,
a causa que m a is a umen te ou dim inua.
Assim, por exe mplo, s e tivermos duas causas de aumento de pena, constantes
da Parte Especial do Código Penal, que, e m tese, p oderiam ser aplicadas ao caso
concreto, o j u i z se limitará à escolha d e uma delas, prevalecendo aquela que
tiver p ercentual maior d e aumento.
7.
CAUSAS D E J USTI FICAÇÃO E D I R I M E NTES
A s ca usas de justificação s ã o aquelas que têm p o r finalidade afastar a ilicitude
do fato, a exemplo do que ocorre com a l egítima defesa, o estado de necessidade,
o estrito cumprimento de d ever l egal e o exercício regular de direito.
78
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
As chamadas dirim en tes, a seu turno, eliminam a culpabilidade, por
exemplo, nas h ipóteses em que o agente for inimputável por doença m e ntal ou
desenvolvimento i ncompleto ou retardado, tiver atuado em virtu de de um erro
de p roib ição invencível etc.
8. R U B R I CAS O U I N D I C A Ç Õ E S M A R G I N A I S
As rub ricas o u indicações marginais estão pos icionadas anteriormente à
na rração contida no tipo penal e têm por finalidade anunciar aquilo que será
obj eto de estudo no artigo.
As rub ricas encontram-se consignadas tanto na Parte Geral quanto na Parte
Especial do Có digo Penal, sendo que, n esta última, como regra, indicam o nomen
juris da infração penal em exame.
Confo rme ressalta Sérgio de Oliveira M édici, as rubricas
"são as anotações marginais d e cada artigo e, às vezes, dos
parágrafos e incisos. Trata-se de inovação do C ódigo de
1 940, à semelhança de seus modelos, que ta mbém surge em
dispositivos da parte geral.
Com a rubrica, o legislador atribui denominação ao crime,
bem como especifi ca as formas si mples, p rivilegiadas e
qualificadas de alguns deli to s". 10 9
9.
CON FLITO O U CONCU RSO APARENTE DE N O R MAS
N ã o é incomum que, aparentemente, sobre u m mesmo fato possam existir
duas o u mais normas que, e m tese, procuram regulá-lo. Quando isso acontecer,
estaremos diante do chamado concurso o u confli to aparente de normas. A
denominação aparente demonstra que a situação de conflito ou concurso de
normas e fetivamente não existe, uma vez que som ente uma delas será aplicada
ao caso concreto.
Na precisa co nceituação d e Frederico M a rques,
"o concurso d e no rmas tem l ugar sempre que uma conduta
delituosa pode enquadrar-s e em diversas disposições da
lei p e nal. Diz-se, porém, que esse co nflito é tão só aparente,
porque se duas ou mais disposições se mostram aplicávei s a
um dado caso, só uma dessas normas, na realidade, é que o
disciplina".11 0
O conflito, p o rque apare nte, deverá ser resolvi do com a análise dos seguintes
princípios:
M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p . 1 20.
MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal, v. li, p . 457.
79
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
a) princípio da especialidade;
b} princípio da subsidiariedade;
c) princíp io da consunção;
d) princíp io da alternatividade.
Pelo p rincíp io da especialidade, a norma especial afasta a aplicação da
norma geral. É a regra expressa pelo b ro cardo /ex specialis derrog a t generali.
Em d eterminados tipos penais incriminadores, há elementos que os tornam
especiais em relação a outros, fazendo com que, em razão dessa especificidade,
a regra contida no tipo especial se amolde de forma mais adequada ao caso
con creto, afastando, dessa fo rma, a aplicação da norma geral. N a lição de Assis
Toledo, "há, p ois, e m a norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que
sutilmente a d istingue da norma geral". 1 1 1
Como exemplo podemos fazer uma co mparação entre os crimes d e h o micídio
e infanticídio. Fala-se e m homicídio quando o agente produz a morte de
um homem. No infanticídio, embora também oco rra a morte de uma pessoa,
determin adas elementares fazem com q ue, se p resentes, o fato de ixe de se
amoldar ao art. 1 2 1 do Código Penal para fazê-lo, com perfeição, ao tipo do
art. 1 2 3 do mesmo diploma l egal . Se uma parturiente, ao dar à luz um filho,
sem qualquer p erturbação psíquica originária de sua especial condição, desejar,
p u ra e s implesmente, causar-lhe a morte, responderá pelo crime de hom icídio.
Agora, se durante o parto o u l ogo depois, sob a influência do estado p uerpera/,
causar a morte do próprio filho, já não mais responderá pela infração a título
d e homi cídio, mas, sim, p o r infanticídio, uma vez que as elementares contidas
n esta última figura delitiva a tornam especial em relação ao homicídio.
Pelo princíp io da subsidiariedade, a norma dita subsidiária é considerada,
na expressão de H u ngria, como um "so ldado de reserva", isto é, na ausência ou
impossibilidade de aplicação da norma principal mais grave, aplica-se a norma
subsidiária menos grave. É a aplicação do b rocardo /ex primaria derrogat legi
subsidia ria e.
A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita.
D iz-se expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz a sua ressalva,
deixando transparecer seu caráter subsidiário. Assim, nos termos do preceito
secundário do art. 1 3 2 do C ó digo Penal, somente se aplica a pena p revista para
o delito de perigo para a vida ou a saúde de outrem se o fato não co nstituir
c r i m e mais grave. C rime d e p erigo é a q u e l e em que h á probabilidade de dano.
Se houver o dano, que não foi possível ser evitado com a punição do crime de
perigo, n ã o se fala em cometimento d este ú ltimo. São tamb ém exemplos de
subsi diariedade expressa o s delitos tipificados nos arts. 2 3 8, 2 3 9 , 249 e 3 0 7,
todos do Código Penal.
TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 5 1 .
80
J NTRODUÇÀO À TEORIA
GERAL DA PARTE ESPEClAL
CAPÍTULO 1
Fala-se em subsidiariedade tácita ou implícita quando o artigo, embora não
se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, somente tem aplicação
nas hipóteses de não ocorrência de um delito mais grave que, neste caso, afasta a
aplicação da norma subsidiária. Como exemplo, podemos citar o art. 3 1 1 do Código
de Trânsito brasileiro, que proíbe a conduta de trafegar em velocidade incompatível
com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque
e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde houver grande
movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano. Se o agente,
deixando de observar o seu exigido dever de cuidado, imprimindo velocidade
excessiva ao seu veículo, próximo a um dos lugares acima referidos, vier atropelar
alguém, causando-lhe a morte, não será responsabilizado pelo citado art. 3 1 1, mas,
sim, pelo art. 3 0 2 do mesmo Código, que prevê o delito de homicídio culposo na
direção de veículo automotor. O crime de dano afastará, portanto, o crime de perigo.
Na lição de H u ngria,
"a diferença que existe e ntre especialidade e subsidiariedade
é que, n esta, ao co ntrário do que oco rre naquela, os fatos
previstos em u ma e outra norma não estão em relação de
espécie a gênero, e se a pena do tipo p rincipal (sempre mais
grave que a do tipo subsidiá rio) é excluída por qualquer causa,
a pena do tipo su bsidiário pode apresentar-se como 'soldado
de reserva' e aplicar-se pelo residuum". 1 1 2
Na verdade, não possui utilidade o princípio da subsidiariedade, haja vista
que problemas dessa o rdem podem perfe itamente ser resolvidos pelo princípio
da especialidade. Se uma norma for especial em relação a ou tra, como vimos,
terá ela aplicação ao caso concreto. Se a norma dita subsidiária foi aplicada, é
sinal de que nenhuma outra mais gravo sa poderia ter aplicação. Isso não deixa
de ser especialidad e .
P o d e m o s falar em princípio d a consunção1 13 n a s seguintes hipótes es:
a] quando u m crime é meio necessário ou n o rmal fase de p reparação ou de
execução de outro crime;
b} nos casos de antefato e pós-fato i m p uníveis.
Os fatos, segundo Hu ngria, "não s e acham em relação de species a gen us,
mas de minus a p lus, de parte a todo, de meio a fim". 114 Assim, a consu mação
absorve a tentativa e esta absorve o i n criminado ato preparató rio; o crime de
lesão absorve o correspondente cri me de perigo; o homicídio absorve a lesão
corporal; o furto em casa habitada absorve a violação de domicílio etc.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. 1 , p . 1 39.
"A controvérsia atual sobre o critério da consunção é i rreversível e a tendência parece ser sua própria
consunção por outros critérios, especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pós-fato copunidos:
a literatura contemporânea oscila entre posições de aceitação reticente e de rejeição absoluta do critério da
consunção" (SANTOS, Juarez Girino dos. A moderna teoria do fato punivel, p. 348-349).
H U N G R IA , Nélson. Comentários ao código penal, v. 1, t. 1, p . 1 40.
81
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
Antefato impunível seria a situação antecedente praticada pelo agente a
fim de conseguir l evar a e fe ito o crime p o r ele p retendido inicialmente e que,
sem aquele, não seri a possível. Para p raticar um estelionato com cheque que o
agente e ncontrou na rua, é preciso que ele com eta um delito de falso, ou seja, é
preciso que o agente o preencha e o assine. O preenchimento e a falsa assi natura
aposta no cheque são considerados antefatos impuníveis, necessários para que
o agente cometesse o delito -fim, isto é, o estelionato. D e ixando tra nsparecer a
sua posi ção com relação aos crimes de falso e estelionato, o STJ editou a Súmula
n2- 17, com a seguinte redaçã o : Quando o fa lso se exaure no esteliona to, sem mais
poten cialidade lesiva, é por este absorvido.
O pós-fato impunível pode ser considerado um exaurimento do crime
principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Na
lição d e Fragoso,
"os fatos posteriores que significam um aproveitamento e
por isso ocorrem regu larmente depois do fato anterior são
por este consumidos. É o que ocorre nos crimes de intenção,
e m que aparece o especial fi m de agir. A venda pelo ladrão
da coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se
o agente falsifica m o e d a e d e pois a introduz em circulação
p ratica apenas o crime d e moeda falsa (art. 2 89, C P)".1 1 5
Com relação à venda da coisa furtada pelo autor da subtração, entende Ass is
Toledo que o agente deverá responder pelo estelionato, em concurso material,
uma vez que empreendeu "nova lesão autônoma contra víti ma diferente,
através de conduta não compreendida como consequência natural e necessária
da primei ra". 11 6 E ntendemos que, no c a so em estudo, a melhor pos ição é a de
Fragoso. Isso p o rque, na verdade, o autor da subtração p ratica essa conduta,
algumas vezes, com a fi nalidade de transformar o obj eto furtado em dinheiro.
N ã o lhe i nteressa, por exemplo, utilizar o televisor ou o aparelho de som, mas,
s i m, subtraí-lo, pelo valor que eles representam. Dessa forma, o fato de ve nder
a res furtiva a terceiro de boa-fé, como se fosse de sua propriedade, deverá
ser considerado m e ro exaurimento do crime de furto, não podendo o agente,
p o rtanto, ser por ele responsabilizado criminalmente.
Embora os três princípios sejam os indicados para a solução do conflito
aparente de normas, val e mencionar, a inda, a existência de outro, conhecido
como p rincípio da altern a tividade. Tal princípio terá aplicação quando estive rmos
d iante d e crimes tidos como d e ação m últipla ou de con teúdo variado, ou seja,
crimes plurinucleares, nos quais o tipo penal p revê mais de uma conduta em
seus vári os núcleos. Exemplo clássico de tais tipos penais é aquele previsto no
art. 33 da Lei n2- 1 1 . 3 4 3 / 2 00 6, assim redigi d o :
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte geral, p . 360.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 54.
82
1 NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Art. 3 3 . I m p o rtar, exportar, remeter, preparar, produzir,
fabricar, adquirir, vender, expor à venda, o ferecer,
ter em depósi to, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas ainda que gratuitamente, s em autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento
de 5 0 0 (quinhentos) a 1 . 5 0 0 (mil e quinhentos) dias-multa.
Suponhamos que o agente adquira, tenha e m depósito e venda a d roga,
praticando, dessa fo rma, três entre as condutas previstas pelo mencionado
artigo. N o caso e m tela, não poderá ser punido como se tivesse cometido o
delito, por exemplo, em concurso material, mas, s im, uma ú nica vez, s em que se
possa falar em concurso de infrações penais. N esse sentido, a lição de M i rabete,
quando assevera que "o princípio da alternatividade indica que o agente só
será punido por uma das modalidades ins critas nos chamados crimes de ação
múltipla, embora possa p raticar duas ou mais co ndutas do mesmo tip o penal".117
A rigor, o princípio da alternatividade não diz respeito à hip ótese de co nflito
aparente de normas, u ma vez que, como podemos observar pelo exemplo p roposto,
ou seja, pelo delito tipificado no art. 3 3 da Lei n!21 1 . 3 43/20 06, não existem duas
normas que, supostamente, dispõem sobre o mesmo fato, mas, sim, vários núcleos,
constantes do mesmo tipo penal, que po deriam ser imputados ao agente.
1 O.
C LASSIFICAÇÃO DOUTRINÁR I A DAS I N FRAÇÕ ES P E N AIS
Sempre que procuramos dissecar d eterminado tipo penal apontando o s
elementos considerados como i ndispensáveis à s u a configuração, não podemos
fugir à sua classifi cação doutrinária.
Classificar doutrinariamente um tipo penal significa o mesmo que apontar
sua natureza j u rídica. Uma vez detectada a natureza jurídica de uma i n fração
pe nal, o trabalho do intérprete fica extremamente facilitado no sentido de
conhecer os vários aspectos que lhe são relevantes, como o seu momento de
consumação, s e é possível a tentativa etc.
Também devem o s observar que uma i n fração penal pode gozar de várias
naturezas j u rídicas, que lhe fornecem o seu conto rno exato. Assim, por exemplo,
no cri m e de hom icídio, podemos a firmar tratar-se de um crime m a terial,
ou seja, uma i n fração penal que exige que a conduta do agente produza um
resultado n aturalístico. Além disso, o crime de h o micídio tam b é m é de natureza
plurissubsistente, isto é, aquele cujos atos co nstantes do iter criminis podem ser
fracio nados, razão pela qual é possível l evar a efeito o raciocínio correspondente
à tentativa etc.
M I RABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 1 1 6.
83
VOLUME [ [
RoG ÉRJO G REco
Passamos, a seguir, a catalogar as denominações mais importantes, com
as suas respectivas defi nições, a fim d e que possam ser utilizadas quando do
estudo da Parte Especial, principalmente dos delitos em espécie.
1 0. 1 . Cri mes e contravenções p e n a i s
A o contrário d e alguns países d a Europa, a exemplo d a França e d a Alemanha,
que adotam uma d ivisão tripartida quando existem os crimes, os delitos e as
contravenções penais (ou faltas) , n o B rasil adotamos uma postura b i partida.
Assim, temos, d e u m lado, como expressões sinôn imas, os crimes e os delitos e,
do o utro, as contravenções penais.
O art. lQ da Lei de Introdução ao Código Penal (D ecreto - Lei nQ 3 . 9 1 4, de 9 de
dezembro de 1 9 4 1 ) , diz o seguinte :
Art. l Q. Considera-se crime a infração penal a que
a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer
isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente
com a pena de m ulta; contravenção, a infração penal a
que a lei comi na, isoladamente, pena de prisão simples
o u d e multa, o u ambas, alternativa ou cumulativamente.
Como se p e rcebe pela l eitura do mencionado artigo, a Lei de I ntro dução ao
C ó digo Penal não d efiniu o conceito d e crime o u mesmo de contravenção penal,
trazendo, unicame nte, u m critério d e distinção entre ambos. Podemos extrair do
texto legal, entretanto, que a infração penal é o gênero, do qual são suas espécies
os crimes e as contravenções penais.
E ntretanto, é por meio da pena comi nada em abstrato ao tipo penal
i ncriminador que chegamos à conclusão se estamos diante de um crime ou de
uma co ntravenção penal.
Como se verifica no art. lQ da Lei d e I ntro dução do C ódigo Penal, aos crimes
(ou delitos) são destinadas as penas mais graves, uma vez que se procura, p o r
intermédio deles, p roteger os b e n s m a i s importantes e necessários ao co nvívio
em sociedade; às contravenções p e nais, ao contrário, são cominadas penas
mais b randas, haja vista que, por meio delas, procura-se p roteger b ens que não
possuem a dignidade penal exigida pelos tipos penais que preveem os crimes. 118
Embora esse tenha sido o critério d e distinção adotado pelo legislador penal, o u seja, somente mediante análise
do preceito secundário do tipo penal incriminador é que podemos concluir se estaremos diante de um crime ou de
uma contravenção penal, o art. 28 da Lei nº 1 1 .343/2006 adotou uma posição sui generis, uma vez que não comina
penas privativas de liberdade, seja de reclusão, seja de detenção, ou mesmo de prisão simples, tampouco a pena de
multa. Por isso, pergunta-se : O tipo penal do mencionado art. 28 prevê um delito ou uma contravenção penal? Pela
análise das penas comi nadas, não se pode chegar a qualquer conclusão, pois que foge à regra constante do art. 1 °
d a citada Lei de I ntrodução ao Código Penal. Contudo, podemos afirmar que se trata d e u m crime, e m virtude da sua
situação topográfica na Lei nº 1 1 .343/2006. Isso porque o art. 28 está inserido no Capítulo I l i do Título I l i do novo
estatuto Antidrogas, que cuida dos crimes e das penas, razão pela qual, diante da disposição expressa constante do
mencionado Capítulo I l i , podemos afirmar que o consumo de drogas encontra-se no rol dos crimes previstos pela Lei nº
1 1 .343/2006, não se tratando, outrossim, de contravenção penal, mesmo que em seu preceito secundário não conste
as penas de reclusão ou mesmo de detenção, conforme o disposto no art. 1 ° da Lei de Introdução ao Código Penal.
84
( NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
1 0 . 2 . C r i m e s c o m i s s i v o s , c r i m e s o m i s s o s ( p r ó p r i o s e i m p ró p r i o s ) e
c r i m e s d e c o n d uta m i sta
O s tipos incriminadores podem p ro i b i r ou impor condutas sob a ameaça de
uma sanção de n atureza penal.
Quando proíbem condutas, estamos diante de normas proib itivas, existentes
nos chamados crimes comissivos. Ne l es, existe a previsão de um comportamento
positivo que, se realizado, importará, em tese, na co nfiguração do tip o penal.
Assim, por exemplo, no art. 1 2 1 do Código Penal, que diz m a tar alg uém, o tipo
penal prevê u m comportamento posi tivo, comissivo, isto é, o ato de matar.
Por outro lado, pode o tipo penal conter mandamentos, imposições, ou
seja, determinações de cond utas que, s e não realizadas, caracterizarão uma
infração p enal. As no rmas, portanto, existentes nesses tipos penais que contêm
imposições de comportamentos são chamadas m a n damentais, características
dos crimes omissivos próprios. Vej a-se o exemplo do art. 2 6 9, que p revê o
delito de omissão de notificação de doença, assim redigid o : Deixar o médico
de den u n ciar à a u toridade p ública doença cuja notificação é compulsória. Pela
análise da referida figura típica, conseguimos entender que a lei penal, nesse
caso, está determinando que o médico traga ao conheci mento da autoridade
pública doença cuja noti ficação é compulsória, sob pena de, não o fazendo, ser
responsabilizado criminalme nte. N esse caso, a norma está determ inando um
comportamento, está manda n do q u e o age nte faça alguma coisa (denunciar à
autori dade pública do ença cuja notificação é compulsória) . Caso não obedeça ao
comando legal, será resp onsabilizado criminalmente.
Te mos, nesse p onto, de abrir um parêntese, a fim de levar a efeito a distinção
entre os crimes om issivos próprios e o s crimes omissivos impróprios, pois as
normas que regem essas figuras típicas possuem naturezas diferentes.
Podemos dizer que em todos os crimes omis sivos, sejam eles próprios, sejam
impróprios, há uma norma d e natureza preceptiva, ou seja, h á um comando para
que o agente faça aquilo que l h e é i mposto pela lei.
E ntretanto, analisando isoladam ente os dois grupos de crimes omissivos,
perceb emos que cada um deles possui uma norma de natureza diferente.
Assim, nos crimes omissivos próprios, a norma contida nos tipos penais
que p revee m essa modalidade de omissão será sempre m a n damento/. O tipo
penal narrará u m comportamento que, s e for deixado de lado, importará na
res p onsabilidade p e nal daquele que estava obrigado, pelo tipo penal, a fazer
alguma coisa, a exemplo do que oco rre com o art. 1 3 5 do C ó digo Penal, que
diz: Deixar de p restar assistência, q u a n do possível fazê-lo, sem risco pessoal, à
criança abandonada o u extravia da, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo
ou em grave e imin e n te perigo; o u não pedir, nesses casos, o socorro da a u toridade
p ública. D essa forma, aquele que podendo prestar o s ocorro, sem risco pess oal,
85
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
se om ite, responderá pelo delito de o m i ssão de socorro. Não fez, portanto, aquilo
que a norma impunha que fizesse.
Por outro lado, temos o s crimes omissivos i m p róprios, também chamados
d e comis sivos por omissão ou omis sivos qualificados. N eles, a norma constante
do tipo penal é de natureza proibitiva, ou sej a, contém uma proibição, prevê um
comportamento comissivo. Entretanto, e m virtude de o agente gozar do status
de garantidor, aplica-se a norma de extensão prevista no § 22 do art. 1 3 do Código
Penal, respondendo o agente pela sua i nação, como se tivesse fe ito alguma coisa.
Por essa razão, o crime é também reconhecido como comissivo por o missão. O
tipo penal, p ortanto, prevê um comportamento comissivo que será equiparado
à omissão do agente em virtude da sua posição de garantidor, com a aplicação
da norma de extensão.
I magine-se a hipótese da mãe que, querendo causar a morte de seu filho, deixe
de alimentá-lo por período suficiente que possa conduzi-lo à morte, o que vem
efetivamente a acontecer. O tipo penal do art. 1 2 1 do Có digo Penal diz "matar
alguém" pressupondo um comp ortamento pos itivo. Essa mãe poderia ter causado
a morte do seu próprio fi lho de outro modo, por exemplo, estrangulando-o,
oportunidade e m que se amoldaria ao comportamento comissivo p revisto no
art. 1 2 1 do Código Penal. Entretanto, preferiu deixar de ministrar-lhe a alimentação
necessária à sua subsistência a estrangulá-lo, causando-lhe, também, a morte.
Sua conduta, portanto, foi omissiva. Como gozava do status de garantidora, sua
omissão será equiparada à comissão prevista no tipo.
Dessa forma, podemos concluir que as normas existentes nas omissões
próprias são de natureza manda m en ta l, sendo que as normas constantes nos
tipos penais que prevee m as o missões impróprias serão sempre proib itivas.
Podemos falar, ainda, em crimes de conduta m ista, na h ipótes e em que o
agente, in icialmente, pratica uma conduta comissiva e, posteriormente, uma
cond uta omis siva, a exemplo do que ocorre com o crime de apropriação de
c o i s a achada, tipificado no art. 1 69, parágrafo úni co, I I, d o Código P enal. N a
i n fração penal s u b examen, o agente acha coisa alheia perdida e dela s e apropria
(comportamento com issivo), total ou parcialmente, deixando de restituí-la
(comportamento o missivo) ao dono ou l egítimo possuidor ou de entregá-la à
autoridade comp etente, dentro do p razo de 1 5 (quinze) dias.
1 0.3 . Crime consumado e crime tentado
O art. 1 4 do Có d igo Penal, por intermédio de s e u s incisos, traduz os co nceitos
dos crimes consumado e tentado dizendo:
Art. 1 4 . Diz-se o cri m e :
1
consumado, quando nele se reúnem todos os
eleme ntos d e sua defi nição lega l;
-
86
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL
CAPÍTULO 1
I I tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma
por circunstâncias alheias à vontade do agente.
-
M e rece ser destacado o fato de que a lei penal exige, para fins de consumação
do delito, a presença de todos os elementos de sua definição legal, não se
contentando, para e fe ito d e reconhecime nto da consumação, com a presença
tão s o me nte de a lg u ns.
Tal ilação nos facilitará quando do estudo do momento consumativo das
diversas i n frações penais contidas na Parte Esp ecial, uma vez que, se chegarmos
à conclusão de que o agente não realizou por inteiro a figura típica, seu delito
restará tentado, e não consumado.
Por isso, não concordamos com o posicionamento assumido pela Súmula
nQ 6 1 0 do STF, quando diz:
Súm ula nQ 6 1 0. Há crime de la trocín io, quando o hom icídio se
consuma, a in da que não rea lize o agen te a subtração de bens da
vítima.
Isso significa que o l atrocínio, em razão de sua natureza, é formado pela
conjugação de duas figuras típicas, sendo, portanto, um crime considerado
complexo. As s im, para que s e con figure o delito em estudo, será preciso a
conj ugação da subtração (relativa aos crimes contra o patrimônio), com o
resultado mo rte (característico dos crimes contra a vida) . O patrimônio, no
l atrocínio, é o bem precipuamente considerado pelo § 3Q do art. 1 5 7 do C ódigo
Penal. D essa fo rma, não podemos considerar como consumado o latrocínio
com a ocorrência do resultado morte sem que tenha havido a subtração, pois
não estaríamos l evando e m consideração, para esse fim, todos os elementos
de sua d efi nição legal, mas tão some nte a lg u ns, o que contraria frontalmente a
determinação contida no inciso 1 do art. 1 4 do C ódigo Penal.
O crime tentado está p revisto no inciso II do m e ncionado art. 14. Para tanto,
ou seja, p ara que se reconheça a tentativa, nas hip óteses em que o tipo penal
permitir, haverá necessidade d e se apontar o momento em que foi iniciada a
execução, pois a l e i penal não pode punir, em virtude da adoção do princípio da
lesividade, os atos p reparató rios e a m era cogitação.
C o m o regra, os delitos chamados de unissubsistentes, nos quais há uma
con centração d e atos, não permitem o raciocínio da tentativa. Assim, por
exemplo, não é possível a tentativa na injúria verbal. Ao contrário, ta mbém
como regra, nos crimes plurissubs istentes é admitida a tentativa, a exemplo do
que oco rre com o furto, e m que podemos visualizar o fracionamento dos vários
atos que compõem o iter crim in is.
Com relação às contravenções penais, há regra expressa nesse senti do, não
permitindo o reconhecime nto da tentativa, conforme as seve ra o art. 4Q da Lei
das Co ntravenções Penais, verbis: Não é p u n ível a tentativa de con tra venção.
87
VOLUME
ROG ÉRIO G RECO
li
1 0 . 4 . C r i m e s d e a ç ã o p ú b l i ca e c r i m e s d e a ç ã o p r i v a d a
H á crimes e m q u e o E stado assume o início da persecu tio criminis i n judicio,
independentem ente da vontade do ofendido, e o utros em que, por questões de
p o l ítica criminal, faculta-se à vítim a i ngressar em j uízo com a ação penal.
Dessa forma, podem o s crimes ser d ivididos em crimes de ação pública e
crimes de ação privada.
Con forme analisamos e m tó pico próprio, a ação penal p o d e ser de iniciativa
p ública i ncondicionada ou condicionada à representação do o fendido ou p o r
requisição do M i n i stro da Justiça. A regra contida n o art. 1 0 0 do C ódigo Penal
é de que toda ação penal é p ú b lica, salvo q u a n do a lei expressamente a declara
p riva tiva do ofendido.
D essa forma, quando a lei penal se o mite com relação à natureza da ação
penal que terá a fi nalidade d e dar início à persecução com o escopo de apurar
a ocorrência de determinada infração penal, devemos ente ndê-la como de
i n i ciativa pública incondicionada.
Tod a vez que a lei penal exigir a representação do ofendido para o início da
ação p enal, d everá fazê-lo expressamente, da mesma forma quando entregar ao
p arti cular a faculdade d e i ngres sar e m j uízo, a fim de ap urar a ocorrência de
i n frações penai s que l h e i nteressam mais de perto.
Dessa forma, as ações penais de iniciativa privada p o dem ser sub divididas
em: a) privadas propriamente ditas; b) privadas personalíssi m as; e c) privadas
subsidiárias da pública. N este último caso, ou seja, nas ações privadas
subsidiárias da pública, o tipo p enal não a indicará, pois a natureza da ação
penal, originária, é de i n i ciativa pública. E ntretanto, dada a inércia do órgão
o ficial encarregado da p e rsecução p enal, abre-se a possibil i dade ao particular
para dar início à ação penal.
1 0 . 5 . C r i m e s d o l o s os e c r i m e s c u l p o s o s
O s in cisos I e I I do art. 1 8 do Código Penal traduzem os conceitos de crime
doloso e crime culposo dizendo:
Art. 1 8 . D iz-se o cri m e :
Crime doloso
I doloso, quando o agente quis o resultado o u assumiu
o risco de produzi-lo;
-
Crime culposo
II culposo, quando o agente deu causa ao resultado por
i m p rudência, n egligência ou imperícia.
-
88
I NTRODUÇÃO Ã TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
A regra constante do parágrafo único do art. 1 8 d o Código Penal é a seguinte :
Parágra fo único. Salvo os casos expressos em lei,
n i nguém pode ser p unido por fato p revisto como crime,
senão quando o p ratica dolosamente.
Tal regra, p ortanto, nos l eva a concluir que todo o crime é doloso; s o mente
haverá infração penal de n atureza culposa quando h ouver uma ressalva expressa
na lei.
O artigo que admitir a m o dalidade culposa deverá, nos termos exigidos pelo
mencionado parágrafo único, fazê-lo expressamente, narrando o comportamento
culposo. Caso contrário, deverá ser presumida a i nadmissi b i l i dade da figura
típica culposa.
Assim, imagine-se a hip ótese do art. 1 6 3 do Código Penal, que prevê o crime
de dano, por meio da seguinte redaçã o : Destruir, i nutilizar ou deteriorar coisa
alheia. Como não há previsão p ara a m o dalidade culposa de dano, devemos
i nterpretar o tipo p e nal l evando em consi deração, sempre, o comportamento
doloso do agente.
Por essa razão, aquele que, e m virtud e de uma conduta distraída, imprudente,
vier a quebrar um vaso extremamente precioso em um museu não poderá ser
respo nsab ilizado pelo crime de dano, p o d endo, entretanto, fo rmulando outro
raciocínio, responder na esfe ra cível pelos p rejuízos causados.
1 0 . 6 . C r i m e i m p o s s ív e l e c r i m e p u t a t i v o
O art. 1 7 define o c r i m e impossível, dizendo:
Art. 1 7 . N ão s e pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta i m p ropriedade do
obj eto, é impossível consumar-se o crime.
Assim, por mais que o agente quisesse p raticar a infração penal, esta j amais
aconteceria em virtude da absol uta ineficácia do meio por ele utilizado na
execução do crime, o u também em razão d a abs oluta impro p ri e dade do obj eto
co ntra o qual recaía sua conduta.
I magine-se a hipótese daquele que, p retendendo matar seu desafeto, contra ele
aponte o revólver e comece a p uxar o gatilho. Mesmo que, i nicialmente, estivesse
agindo com anim us n ecandi, ou sej a, o dolo correspondente à vontade de matar
alguém, j amais conseguiria alcançar o resultado m o rte, uma vez que o revólver
por ele utilizado encontrava-se sem m u ni ção, ou sej a, totalmente descarregado.
Aqui, o delito seria impossível e m razão da absoluta ineficácia do meio.
89
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
Por outro lado, imagine-se a h i pótese daquela mulher que, e m decorrência
d e seu atraso menstrual, supondo-se grávida, ingerisse substância de efeitos
abortivo s, sendo que, posteriormente, viesse a saber que, na verdade, não havia
concebido. N esse caso, estaríamos d iante de um crime impossível, em virtude da
abso luta impropriedade do obj eto.
Embora tanto no crime impossível como no crime putativo a conduta do
agente seja dirigida ao cometimento de uma infração penal, h á diferença entre
os dois institutos.
N o primeiro, ou seja, no crime impossível, existe p revisão em nosso
o rdenamento j u rídico da infração penal que o agente pretende p raticar. C ontudo,
por absoluta in eficácia do meio ou por absoluta impropriedade do obj eto, é
i mpossível consumar-se o crime.
J á no crime p u ta tivo a s ituação é diversa, pois o agente almeja p raticar uma
i n fração que não enco ntra moldura e m nossa legislação. O fato por ele praticado
é atípico. É considerado, po rtanto, um indi ferente penal.
Na precisa distinção fe ita por M aggio re, no delito putativo,
"o agente crê haver e fetuado uma ação delituosa que existe
somente em sua fantasia; e m outras palavras, j ulga punível um
fato que não m e rece castigo. No delito impossível o agente crê
atuar de modo a ocasionar u m resultado que, pelo contrário,
não pode ocorrer, ou p o rque falta o objeto, ou porque a
co n duta não foi de todo idônea''. 1 1 9
1 0.7 . C r i me materia l , cri me formal e crime de mera cond uta
H á tipos penais q u e dependem da produção de resultados naturalísti cos
para que possam se consumar; o utros, emb ora p revendo tal resultado, não o
exigem, bastando que o agente pratique a conduta descrita no núcleo do tipo;
além desses, há infrações penais que não p reveem qualquer resultado, narrando
tão s o mente o comp ortamento que se quer p roib ir ou impor, sob a ameaça de
uma sanção p e nal.
Por isso, surge a necessidade de i d entificar as i n frações penais, distinguindo
os crimes em: material, fo rmal e d e m e ra conduta.
Assim, nos termos do relatado i n i cialmente, crime material é aquele cuja
consu mação depende da produção naturalística de determinado resultado,
p revisto express amente pelo tipo penal, a exemplo do que ocorre com os
arts. 1 2 1 e 1 6 3 do Código Penal. D essa forma, som ente haverá a consumação do
delito d e homicídio com o resultado m o rte da vítima, constante do tipo p enal em
questão; da mesma forma, s o mente p o d e m os falar em dano consumado quando
MAG G IORE, G i useppe. Derecho penal, v . 1 , p . 545-546.
90
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE E SPECIAL
CAPÍTULO 1
h o uver a destruição, deterioração ou inutilização da coisa alheia, confo rme
preconiza o art. 163 d o Código Penal.
Por outro lado, h á infrações penais que preveem um resultado naturalístico, mas
não exigem sua oco rrência para efeitos de reconhecimento da consumação. São os
chamados crimes forma is, também conhecidos doutrinariamente como delitos de
resultado cortado ou crimes de consumação a n tecipada. Nessas infrações penais, o
l egislador antecipa a punição, não exigindo a produção naturalística do resultado
previsto pelo tipo penal, a exemplo do que ocorre com o delito tipificado no art.
1 5 9 do Código Penal, que p revê o crime d e extorsão mediante sequestro, dizendo:
Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para o u trem, qualq uer van tagem,
como condição ou preço do resgate. Nesse caso, b asta que tenha havi do a privação
da liberdade, não importando que o agente tenha, com isso, conseguido a obtenção
da vantagem. A p rática, portanto, da conduta descrita no núcleo do tipo já possui
o condão de fazer com que a infração p enal se consume, independentemente da
produção natural ística do resultado por ele previsto expressamente (obtenção da
vantagem, como condição ou preço do resgate) .
O crime de mera con d u ta (ou de simples a tividade), como a própria
denominação d iz, não prevê qualquer produção naturalística de resultado no
tipo penal. Narra, tão some nte, o compo rtamento que se quer proibir ou i mpor,
não fazendo menção ao resultado m aterial, tampouco exigindo sua produção,
a exemplo do que ocorre com a violação de domicílio, tipificada no art. 1 5 0 do
Código Penal.
Essa particularidade do crime de mera conduta não nos permite concluir que,
nele, não existe qualquer resultado . O resultado que se exige para a diferenciação
entre os crimes material, fo rmal e de mera conduta é tão somente o naturalístico,
ou seja, aquele que causa uma modificação perceptível no mundo exterior.
E ntretanto, s e nos p erguntássemos: To do crim e possui resultado? A respo sta,
certamente, deveria ser p o sitiva, uma vez que toda infração penal possui um
resultado j u rídico, que significa a l esão ou o p e rigo de lesão ao b em j uridicam ente
p rotegido pelo tipo. Contudo, nem todo crime possui resultado material (ou
naturalístico), perceptível por meio dos nossos s entidos.
1 0 . 8 . C r i m e c o m u m , c r i m e p ró p r i o e c r i m e d e m ã o p r ó p r i a
Crime comum é aquele q u e pode ser praticado p o r qualquer pessoa, não exigindo
o tipo penal nenhuma qualidade especial para que se p ossa apontar o suj eito ativo.
A qualidade de comum também p oderá ser considerada levando-se em consideração
o suj eito passivo. Isso quer dizer que pode ocorrer, em algumas situações, que
o crime, por exemplo, seja comum com relação ao sujeito ativo e não o seja com
relação ao sujeito passivo, cuja qualidade especial é exigida pelo tipo.
91
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l l
Como regra geral, o delito de lesões corporais amolda-se ao conceito de
crime comum, tanto no que diz respeito ao suj eito ativo quanto ao suj eito
passivo. Qualquer pessoa pode praticar o delito tipificado no art. 1 2 9, cap u t, do
Código Penal, bem como figurar como seu sujeito passivo, s o frendo, assim, com
a co nduta levada a e feito pelo agente.
Entretanto, a exemplo do que ocorre com a modalidade qualificada prevista
no inciso V do § 2º- do art. 1 2 9 do C ó digo Penal, somente a gestante pode figurar
como suj eito passivo do del ito em questão, uma vez que só pode ser vítima da
lesão corporal quali ficada pelo resultado abo rto a mulher grávida. Assim, nesse
caso, a l esão corporal quali ficada pelo resultado aborto poderia ser considerada
u m crime comum quanto ao suj eito ativo e próprio, como veremos melhor a
seguir, no que diz respeito ao suje ito passivo.
Crim e próprio, a seu turno, é aquele cuj o tipo penal exige uma qualidade ou
condição especial dos sujeitos ativos ou passivos. Veja-se, p o r exemplo, o que
ocorre com o delito de infanticídio, p revisto no art. 1 2 3 do C ódigo Penal. A lei
penal indica o suj eito ativo, o u seja, a mãe, que atua infl uenciada pelo estado
p u erperal, bem como o sujeito passivo, vale dizer, seu próprio filh o . Em alguns
países da Europa, como é o caso da Espanha, os crimes próprios são chamados
de crimes especiais e se subdividem em crimes especiais próprios e crimes
especiais impróprios. Segundo Mufioz Conde, considera-se como crime especial
impróprio "aquele que tem uma correspondência com um delito comum, quer
dizer, existe u m d el ito comum que castiga a mesma conduta p revista no delito
especial, mas sem exigir a qualidade pessoal requerida por este". 12 0 N o Brasil,
podemos citar o peculato - fu rto, tipificado no art. 3 1 2, § 1º-, do C ó digo Penal,
como exemplo de crime especial i mpróprio, pois, se o agente não gozar do status
de fu ncionário público, o crime pod erá encontrar moldura no art. 1 5 5 do Código
Penal. Crime especial próprio, a seu turno, seria aquele cuja prática so mente
seria possível por alguém que gozasse de uma qualidade ou condição especial
p revista pelo tipo, não have ndo qualquer correspondê ncia, na ausência dessa
qualidade especial, com um delito comum. Vej a-se, por exemplo, o crime de
corrupção passiva, previsto no art. 3 1 7 do C ódigo Penal. Se quem solicita ou
recebe, para si ou para o utrem, e m razão de sua função, vantagem i ndevida, é
um fu ncionário públ i co, nos moldes determinados pelo art. 3 2 7 do C ó digo Penal,
será re sponsabilizado a título de corrupção passiva. Contudo, se tal vantagem é
soli citada p o r um pa rti cular, o fato é atípico.
D e acordo com as lições de André Stefam, podemos falar, ainda, em
crime bipróprio quando a lei exigir qualidade especial tan to do
sujeito ativo quanto do sujeito passivo. É o caso do crime de maus
-tratos, do art. 1 3 6 do CP, e m que o agente deve ser uma pessoa
legalmente qualificada como detentora de autoridade, guarda
M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria general dei delito, p. 240.
92
J NTRODUÇÂO À TEORIA
GERAL DA PARTE ESPECLAL
CAPÍTU LO 1
ou vigilância sobre o suj eito passivo. E ste, por óbvio, somente
poderá ser a pessoa que, segundo a lei, figurar na condição de
indivíduo sujeito à autoridade etc. do autor do fato". 12 1
Crim e de m ão própria, como sugere sua própria denomi nação, é aquele
cuj a execução é i ntransferível, indelegável, devendo ser levado a efeito pelo
próprio agente, isto é, "com as próprias mãos", para entendermos l iteralmente
o seu sign ificado. São infrações penais consideradas person alíssimas, as quais
somente determinada pessoa, e mais n i nguém, pode praticá-las. C o m o regra,
nos crimes de mão própria não se p e rm ite o raciocínio da a u toria media ta,
dife rentemente d o que o c o rre com o s crimes próprios, nos quais, emb ora o
suj eito ativo, por exemplo, d eva gozar das qualidades ou condições exigidas pelo
tipo, permite-se o raci ocínio da autoria m ediata, quando se val e de interposta
pessoa para fins de execução da figura típica. I magine-se a hipótese da mãe
que, logo após o p arto, sob a i n fluência do estado puerperal, querendo causar a
morte de seu próprio filho, coloque determinada quantidade de veneno em uma
"chuquinha" e, logo e m seguida, pede à e nfermeira que a o fereça a seu fi lho,
argumentando que havia acabado de retirar o leite de seu peito e que, naquele
mom ento, não se encontrava e m condições de, ela própria, amamentá-lo.
A enfermeira, acreditando que o conteúdo daquela mamadeira fosse, realmente,
l eite materno, o ferece-o ao recém-nascido que, depois de ingeri-lo, m o rre em
virtud e dos efe itos do veneno. N esse caso, p ergunta-s e: o infanticídio é um crime
próprio ou de mão própria? Como vimos acima, o infanticídio encontra-se no rol
daqueles considerados como próprios, uma vez que, conforme demonstramos
no exemplo anterior, é p erfe itamente possível a delegação de sua execução,
podendo-se cogitar, in casu, da chamada a utoria mediata.
São exemplos de crimes de mão própria o falso teste munho, a prevaricação,
a deserção etc.
1 0.9. C r i mes hed iondos
A Constituição Federal, promulgada e m 5 de outubro de 1 9 8 8, exercendo sua
função l i mitadora posi tiva, ass everou n o inciso XLI I I do seu art. SQ:
XLI I I - a lei considerará crimes i nafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a p rática da tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e d rogas afins, o
terro rismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os qu e,
podendo evitá-los, se omitirem;
1 2 1 STEFAM, André. Direito penal - Parte geral, v . 1 , p. 95.
93
RoG ÉRlO G REco
VOLUME
li
Aproximadamente dois anos depois d a promulgação d a C onstitu i ção Federal,
visando regulam entá-la, s urgiu a Lei nQ 8 . 0 7 2 , de 2 5 de j ul h o de 1 9 9 0 , dispondo
sobre os crimes hediondos.
Alberto S ilva Franco, uma das maiores autoridades s ob re o assunto,
apo ntando as origens e as m o tivações que deram ensejo à criação legislativa,
b em como os critérios, ou mesmo a falta deles, para a indicação das infrações
penais que p assaram a gozar d o status de hedion das, esclarece:
"Sob o impacto dos meios de comunicação de massa,
mobilizados e m face d e extorsões mediante sequestro, que
tinham vitimizado figuras importantes da el ite econômica
e s ocial do país (caso M artinez, caso Salles, caso D iniz, caso
M edina etc.), u m medo difuso e i rracio nal, acompanhado de
uma desconfiança para com os ó rgãos oficiais de controle
social, tomou conta da população, atuando como um
mecanismo d e pressão ao q u a l o legislador não soube resistir.
Na linha de p ensame nto da Law a n d Order, surgiu a Lei
nQ 8 . 0 72 / 9 0 que é, sem dúvida, um exemplo significativo de
uma p o si ç ão político-criminal que expressa, ao m esmo tempo,
radicalismo e passionalidade.
O texto legal pecou, antes d e mais nada, por sua indefinição
a respeito d a l o cução 'crime hediondo', contida na regra
constituci onal. Em vez d e fornecer uma noção, tanto quanto
explícita, do que entendia ser a hediondez do crime - o
p roj eto de l e i e nviado ao Congresso Nacional s ugeria uma
defi nição a esse respeito -, o legislador p referiu adotar um
sistema b e m m a i s s imples, ou seja, o de etiquetar, com a
expressão 'hediondo', tipos j á des critos n o C ódigo Penal
ou em leis especiais. Dessa fo rma, não é 'hediondo' o del ito
que se mostre 'repugnante, asqueroso, sórdido, depravado,
abj ecto, h o rroroso, h o rrível', por sua gravidade objetiva, ou
p o r seu modo ou meio de execução, ou pela finalidade que
presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de
qualquer critério vál i do, mas sim aquele cr ime que, p o r um
verdadei ro processo de colagem, fo i rotulado como tal pel o
legislador. A i n su ficiência do critério é manifesta e dá azo a
d istorções sumamente i nj ustas, a partir da seleção, feita pelo
legislador, das figuras criminosas o u da forma, extremamente
abrangente, de sua aplicação pelo j uiz. A predeterminação de
tip os delitivos, se m fixação conceituai de hediondez, p rovoca
u m certo grau d e rigidez n a aplicação tipológica." 1 22
2 � FRANCO, Alberto S i lva. Crimes hediondos, p. 90-95.
94
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Confo rme os lúcidos esclarecimentos de Alberto Silva Franco, não há um
critério j u rídico-doutrinário p ara fins de conceituação do que venha a ser "crime
hediondo", sendo, o utrossim, tal critério p uramente legal. Isso significa que a lei
será e ncarregada d e apontar as i nfrações p enais que entende que devam gozar
dessa qualidade d e h ediondas, havendo, aí, u m n ítido processo de etiquetamento,
ou seja, de rotulação característico da teoria do labeling appro ach. 12 3
Assim, nos termos do art. 12- da Lei n2- 8 . 0 7 2 /9 0 , são considerados hediondos
os s eguintes crimes, consumados ou tentados:
I - h o micídio (art. 1 2 1 ), quando p raticado em atividade
típica d e grupo d e extermínio, ainda que cometido p o r
u m só agente, e homicídio qualificado (art. 1 2 1, § 22-, I ,
I I, I I I, IV e V) ;
I I - latrocínio (art. 1 5 7, § 32-, in fine);
I I I - extorsão qualificada pela morte (art. 1 5 8, § 22-) ;
IV - extorsão mediante s equestro e na forma qualificada
(art. 1 5 9, capu t e § § 12-, 22- e 32-) ;
V - estupro (art. 2 1 3 , cap u t e §§ 12- e 2 2-) ;
V I - estupro d e vulnerável ( art. 2 1 7-A, cap ut e § § 12-, 22-,
32- e 42-) ; 1 24
VII - e p i demia c o m resultado morte (art. 2 67, § 12-) ;
VI I -A - (vetado);
Vl i - B - falsifi cação, corrupção, adulteração ou alteração
de produto destinado a fins terapêuticos ou m e dicinais
(art. 2 73 , cap u t, e § 12, § 12 A, § 12- B, com a redação dada
pela Lei n2 9 . 6 7 7, de 2 / 7 / 1 99 8 ) .
V I I I - favorecimento da p rostituição o u de outra fo rma
de exploração sexual de criança o u adolescente ou de
vulnerável (art. 2 1 8 - B, cap u t, e §§ 1 u e 2u) . (Incluído pela
Lei nu 1 2. 9 78, de 21/5/2014.)
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime
de genocídio previsto nos arts . 12, 22 e 32 da Lei n2 2 . 889, de
12- de outubro de 1 9 5 6, tentado ou consumado.
M e rece ser registrado o fato d e que, após a edição da Lei n2 1 1 .4 6 4, de 28 de
março d e 2 0 0 7, que modifi c o u a Lei n2 8 . 0 7 2 /90, será possível a p rogressão de
regim e nos crimes hediondos ( e afins), após o cumprimento de 2/5 (dois quintos)
da p ena, se o apenado for primário, e de 3 / 5 (três quintos), se reincidente.
' ' Para mais detalhes sobre a teoria do etiquetamento ou teoria do labeling approach, c f . nosso Direito penal do
equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal. Rio de Janeiro: lmpetus.
''• Embora conste o § 2° do art. 2 1 7-A do Código Penal, foi ele objeto de veto presidencial, não figurando, portanto,
como um dos parágrafos do del ito de estupro de vulnerável, criado pela Lei nº 1 2. 0 1 5 , de 7 de agosto de 2009.
95
VOLUME I I
ROG ÉRIO G RECO
N o que diz respeito aos fatos praticados anteri o rmente à entrada em vigor da
Lei n Q 1 1.464/ 2 0 0 7, o STF editou a S ú mula Vinculante nQ 2 6, publicada no Dje de
23 d e dezembro d e 2 0 0 9, que diz:
Súm ula Vin cula n te nº 26. Para efeito de p rogressão de regime
no cumprime n to de pena por crime hediondo, ou equiparado, o
juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º
da Lei nº 8. 0 72, de 25 de julho de 1 9 90, sem prejuízo de a valiar
se o condena do preenche, ou não, os req uisitos objetivos e
subjetivos do benefício, podendo determinar, para ta/fim, de modo
fundamen tado, a realização de exame criminológico.
No mesmo sentido, assevera a Súmula nQ 4 7 1 , do STJ, publicada no Dje de 2 8
d e fevere iro d e 2 0 1 1 :
Súm u la 4 71 . Os condenados por crimes hediondos ou
assemelhados cometidos a n tes d a vigência da Lei nº 1 1 . 464/2007
sujeitam -se ao disposto n o art. 1 1 2 da Lei nº 7.2 1 0/1 984 (Lei de
Execução Pena l) para a progressão de regime p rision a l.
1 0 . 1 O . C r i m e s m i l ita r e s p r ó p r i o s e i m p r ó p r i o s
O s crimes m ilita res são aqueles p revistos p ela legislação castrense, vale dizer,
o Có digo Penal M il itar ( Decreto - Le i nQ 1 . 0 0 1, de 2 1 de outubro de 1 9 6 9 ) . Podem
ser subdivididos e m crimes militares próprios e crimes m ilitares impróprios. São
próprios os crimes mili tares quando a p revisão do comportamento i ncriminado
s o me nte encontra mold ura no C ó digo Penal M i litar, não havendo p revisão de
punição do mesmo comportamento e m outras leis penais (Código Penal ou
legislação p enal extravagante) . Assim, p o r exemplo, o art. 203 do Código Penal
M i litar p revê o delito d e dormir em serviço dizendo :
Art. 2 0 3 . Dormir o militar, quando em serviço, como
oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente,
ou, não sendo o ficial, em serviço de sentinela, vigia,
plantão às m áqu inas, ao le me, de ronda ou em qualquer
s erviço d e natureza s emelhante :
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Por o utro lado, h á i n frações penais m i litares, p revistas na legislação castrense,
que também s e encontram no Código Penal ou em leis especiais, a exemplo do
que ocorre com o s delitos d e furto, roubo, lesão corporal, h o micídio etc., razão
pela qual são reconhecidas como crimes m ilitares impróprios.
96
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
1 0 . 1 1 . C r i m e s q u a l i f i c a d o s p e l o res u l t a d o ( c r i m e s p rete r d o l o s o s o u
p rete r i n te n c i o n a i s )
O art. 1 9 do Código Penal regula a matéria n o que diz respeito aos crimes
qualificados pelo resultado, verbis:
Art. 1 9 . Pelo resultado que agrava especialmente a
pena, só responde o agente que o h o uver causado ao
menos culposame nte.
Na Exposição de M otivos da nova Parte Geral do Código Penal, o legislador deixou
transparecer sua preocupação em tentar extirpar de nosso ordenamento j urídico a
chamada responsabilidade penal obj etiva, assim se manifestando no item 1 6 :
Retoma o Projeto, n o art. 1 9 , o princípio da culpabilidade,
nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o
Código vigente submeteu à injustificada responsabilidade
objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento
situadas no desdobramento causal da ação.
C o n forme tivemos oportunidade de salientar quando do estudo da Parte
Geral, 125 o Código de 1 9 4 0 não contin h a disposição similar à do atual art. 1 9 .
P o r essa razão, naquela época, antes da reforma de 1 9 84, fo rmaram-se duas
corre ntes que tinham por finalidade responsabilizar ou não o agente pelo
resultado agravador da infração penal, a saber:
a) o resultado agravador som ente podia ser i mputado quando proveniente
de dolo ou culpa;
b) atri buía- se o resultado agravador ao agente tão s o mente pela sua
ocorrência, não se i m p o rtando e m verificar se este, pelo menos, e ra
p revisível. E ra a consagração da resp onsabilidade penal obj etiva ou
responsab i lidade p enal sem culpa.
Na perfeita lição d e Alberto S ilva Franco,
"o legislador de 84 tomou partido na disputa doutrinária e, fiel
à ideia-fo rça que comandou a reforma da parte geral do Código
Penal - o princípio de que não há pena sem culpabilidade -,
estatuiu no art. 19 que ninguém poderá responder pelo resultado
mais grave se não o tiver causado ao menos culposamente. I sto
significa que não há mais cogitar da imposição de pena com base
no reconhecimento puro e simples de um nexo de causalidade,
entre a conduta do agente e o resultado qualificador". 126
G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, capítulo XXX.
FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial - Parte geral, p. 305.
97
VOLUME I I
ROG ÉRIO G RECO
Confo rme p releciona Roxin, " historicamente, os delitos qualifi cados pelo
resultado procedem da teoria, elab o rada pelo Direito Canônico, do chamado
versari in re illicita [ . ], conforme a qual qualquer pessoa responderá, ainda que
não tenha culpa, por todas as consequências que derivem de sua ação proibida".127
.
.
Atualmente, ocorre o crime q u a lificado pelo resultado quando o agente
atua com dolo na cond uta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo
na conduta e culpa no que diz respe ito ao resultado qualificador. Daí dizer-se
que todo crime p reterdoloso é crime quali ficado pelo resultado, mas nem todo
crime qualificado pelo resultado é crime preterdoloso. O crime qualificado pelo
resultado é o gênero, do qual são suas espécies: dolo e dolo, o u dolo e culpa.
Como exemplo do primeiro caso temos a lesão corporal qualificada pela
perda ou inutilização d e membro, sentido ou função. N esse caso, o agente dirige
sua conduta a, conscientemente, fazer com que a vítima sofra esse tipo de lesão
gravíssima. O resultado, isto é, a perda ou a i nutilização de m e mbro, sentido ou
função, é que faz com que seja agravada a pena cominada ao agente.
C o m o exemplo de crime preterdoloso p o deríamos mencionar a lesão
corporal qualificada pelo resultado ab o rto. Para que tal resultado qualificador
possa ser imputado ao agente é preciso que ele não o tenha querido diretamente
nem assumido o risco de produzi-lo, pois, caso contrário, res ponderá pelo
crime de aborto, e não pelo de lesão corporal gravíssima; em segundo lugar,
faz-se n e cessária que a gravidez da vítima ingres se na esfera de conhecimento
do agente, devendo este saber, obrigatoriamente, que a vítima s e enco ntrava
grávi da, para que, agindo com o dolo de causar-lhe lesão, o resultado qualificador
(abo rto) possa s e r-lhe atribuído.
É preciso, portanto, que o agente conheça a gravidez para que lhe seja
imputada a lesão corporal qualificada pelo resultado aborto, pois, caso contrário,
responderá apenas pela lesão que i ntencionava cometer, excluindo-se o resultado
qualificador. Se não fosse assim, o agente seria resp onsabilizado obj etivamente
pelo resultado.
1 0 . 1 2. Crime conti n uado
O art. 7 1 do C ó digo Penal defi n e a h ip ótese de crime conti nuad o :
Art. 7 1 . Quando o agente, mediante mais de uma ação
ou o missão, p ratica dois ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo, l ugar, maneira de
execução e outras semelh antes, devem os subsequentes
ser havidos como continuação d o primeiro, aplica-se
-lhe a pena de u m só dos crimes, se i dênticas, ou a mais
grave, se d iversas, aumentada, em qualquer caso, de um
s exto a dois terços.
ROX I N , Claus. Oerecho penal - Parte general, p. 335.
98
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Parágrafo ú n i co . Nos crimes dolosos, co ntra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça
à pessoa, poderá o j u iz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a con duta social e a personalidade
do agente, b e m como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a
mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras
do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
O art. 71 do Código Penal elenca o s requisitos necessários à caracterização
do crime continuado, bem como suas consequências, a saber:
Requisitos:
a) mais de uma ação ou omissão;
b ) prática de dois o u mais crimes, da mesma espécie;
c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e
outras semelhantes;
d) os crimes subs equentes devem ser havidos como
continuação do primeiro.
Consequências :
a) aplicação da pena de um só dos crimes, se i dênticas,
aumentada de u m sexto a dois terços;
b) aplicação da mais grave das penas, se diversas,
au m entada d e u m sexto a dois terços;
c) nos crimes dolosos, co ntra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,
aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas,
aumentada até o triplo;
d) nos crimes dolosos, co ntra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,
aplicação da mais grave das penas, se diversas,
aumentada até o tripl o.128
1 0. 1 3 . C r i mes m u ltitu d i n á r i os
Crimes multitudinários são aqueles cometidos por uma multidão delinquente,
geralmente, numa s ituação de tumulto.
Vale o registro da magistral passagem d e Aníbal Bruno, quando descreve a
multidão criminosa. D i z o mestre pernambucano:
Para mais detalhes sobre o crime continuado, inclusive n o q u e d i z respeito à s suas discussões doutrinárias e
j u risprudenciais, remetemos o leitor ao nosso Curso de direito penal - Parte geral.
99
RoG ÉRJO G REco
VOLUME I I
"As multidões são agregados humanos, informes, inorgânicos,
que se criam espontaneamente e espontaneamente se
dissolvem, co nstruídos e animados sempre segundo uma
psicologia parti cular, que torna i naplicáveis aos seus feitos
criminosos as regras comuns da participação. Quando uma
multidão se toma de u m desses m ovimentos paroxísticos,
inflamada pelo ód io, pela cólera, pelo desespero, forma-se,
por assim d izer, uma alma nova, que não é a simples soma
das almas que a constituem, mas sobretudo do que nelas
existe de subterrâneo e primário, e esse novo espírito é que
entra a infl u i r a manifestações de tão inaudita violência e
crueldade, que espantarão mais tarde aqueles mesmos que
dele faziam parte. Nesses mo mentos decisivos do destino
das multidões, s u rgem inesperadamente seres que se podem
dizer mais próximos da animalidade primitiva e to mam a
dianteira, fazendo-se os arautos e inspiradores da multidão
e m tumulto. O h omem subterrân eo, que se esconde no mais
profundo do psiquismo, desperta a esse apelo, para i nspirar
as façanhas mais imprevistas de força e fero cidade. É uma
arrancada de animais enfurecidos, levados pelos meneurs,
mas esses mesmos, arrastados por esse espírito da multidão
amotinada, j á então difícil de dominar. Cria-se uma moral
de agressão, que sufoca a habitual h ierarquia de valores e
subverte a vigilância da consciência ético-j urídica comum e
que contamina p o r sugestão todos os que se encontram em
presença do tumulto .'' 129
1 0 . 1 4 . C r i m e s de d a n o e c r i m e s de pe r i g o ( a bstrato e c o n c reto)
Crim es de dan o são aqueles que, p ara a sua cons umação, deve haver a efetiva
lesão ao be m j uridi camente protegido pelo tipo. A con duta do agente, portanto,
é d irigida fi nalisticamente a produzir o resultado, acarretando dano ou lesão
para o bem protegido pelo tipo penal, a exemplo d o que o co rre com os crimes
de homicídio e lesão corporal.
Por outro lado, pode o compo rtamento do agente não estar dirigido
fi nalisticamente a produzir dano ou lesão ao b em j uridicamente protegido pelo
tipo, causando-lhe, contudo, uma situação de perigo.
Cria-se uma infração penal de perigo para que seja levada a efeito a punição
do age nte antes que seu comportamento perigoso venha, efetivamente, causar
dano ou lesão ao bem j u ri d icamente p rotegido. D essa forma, os crimes de perigo
são, e m geral, de natureza subsidiária, sendo absorvidos pelos crimes de dano
quando estes vierem a acontecer.
BRUNO, Aníbal. Direito penal, t. l i , p. 285-286.
100
f NTRODUÇÀO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
Os crimes de perigo subdividem-se e m : crimes de perigo abstrato e crimes
de perigo concreto. D i z-se abstrato o perigo quando o tipo penal incriminador
entende como suficiente, para fins d e caracterização do perigo, a p rática do
comportamento - comis sivo ou omissivo - por ele previsto. Assim, os crimes
de p e rigo abstrato são reconhecidos como de perigo presumido. A visão, para a
conclusão da situação de p e rigo criada pela prática do comportamento típico, é
realizada ex an te, independentemente da comprovação, no caso concreto, de que
a con duta do agente tenha produzido, e fetivamente ou não, a situação de perigo
que o tipo p rocu ra evitar. A d o utrina apo nta como exemplo dessa infração penal
o crime d e omissão d e soco rro, p revisto pelo art. 1 3 5 do Código Penal, raciocínio
com o qual não comp arti l hamos. Para a doutrina maj o ritária, o simples fato de
deixar d e p restar assi stência, quando possível fazê-lo, sem risco pess oal, nas
s ituações por ele elencadas, já s e configuraria no delito de o missão de socorro.
J á os chamados crimes de perigo concreto são aqueles cuja situação de perigo
supostamente criada pela conduta do agente p recisa ser demonstrada no caso
concreto. A sua visão, ao contrário daquela realizada nos crimes de perigo
abstrato, é sempre ex post, ou seja, analisa-se o comportamento p raticado pelo
agente, depois da sua realização, a fim d e se concluir se, no caso concreto, trouxe
ou não p erigo ao bem j uridicamente protegido pelo tipo. Como exemplo de crime
de pe rigo concreto podemos destacar o crime de perigo para a vida ou saúde de
outrem, previsto pelo art. 1 3 2 do Código Penal. Aqui, para que se possa levar a
e feito a responsabilidade penal do agente, será preciso demonstrar que, com o
seu comportamento, expôs a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.
Atualmente, os crimes de perigo abstrato têm sido combatidos pela doutrina,
uma vez que não se verifica, no caso concreto, a potencialidade de dano existente
no comportamento do agente, o que seria ofensivo ao prin cíp io da lesividade.
O Código de Trânsito b rasileiro atendeu aos reclamos doutrinários e, nas
hipóteses e m que p reviu crimes de perigo,13 0 exigiu a sua concreção, afastando
hipóteses antigas, p revistas na Lei d e Contravenções Penais, que, em diversas
s ituações, presumiam como perigoso o comportamento levado a efeito pelo
agente. Assim, comparativam ente, o art. 32 da Lei de Contravenções Penais, cuja
primeira parte fo i revogada 1 3 1 pelo C ó digo de Trânsito b rasilei ro, dizia:
Art. 3 2 . D i rigir, se m a devida habilitação, veículo na via
pública, ou emb arcação a motor em águas públicas:
Pena - multa.
1 30 À exceção do seu art. 306, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei n° 1 2.760, de 20 de dezembro de 2012.
1 3 1 O S u premo Tribunal Federal, liqu idando com as discussões sobre a revogação da primeira parte do art. 32
da Lei das Contravenções Penais pelo art. 309 do Código de Trãnsito brasi leiro, editou a Súmula n° 720, que diz:
Súmula nº 720 - O art. 309 do Código de Trânsito brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou
o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.
101
VOLUME 1 1
ROGÉRIO G RECO
Portanto, presumia como perigosa a con duta daquele que era surpreendido
e m via pública dirigindo sem habilitação, não importando se o agente, mesmo
não ten d o a exigida carteira de habilitação, conduzia com todas as cautelas
necessárias.
H oj e, tal hipótese está prevista n o art. 3 0 9 da Lei nQ 9 . 5 0 3 / 9 7 que, como
dissemos, revogou a primeira p arte do tipo penal correspondente à mencionada
co ntravenção p enal, verbis:
Art. 3 09 . D i rigir veículo automotor, em via pública, sem
a devida Permissão para D i rigir ou Hab ilitação ou, ainda,
se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou
multa.
Como se percebe pela redação final do citado art. 3 0 9 , para que se possa
co n figurar a infração penal por ele p revista, h á necessidade ab soluta de se
comp rovar, no caso concreto, que a condução de veículo automotor pelo
agente trouxe risco à vida o u à saúde d e outrem, pois, caso contrário, o fato
será considerado um indiferente penal, p odendo, entretanto, sofrer sanções de
natureza administrativa.
Ass i m, i m agine-se a h i p ótese daquele que, ao ser interceptado em uma b litz
pol icial de rotina, confesse ao policial que o abordou que não possui a cartei ra
de habilitação. E mbora o fato possa desencadear a apreensão do veículo, além
de outras sanções administrativas, não tem relevo para fi ns de aplicação da lei
penal, p ois não foi comp rovada que sua i nabilitação na condução do veícu lo
tro uxe p erigo à vida ou à saúde de o utrem.
Agora, suponha-se que o agente, querendo aprender a dirigir por conta
própria, seja s u rpreendido fazendo manobras arriscadas, imprudentes, não
conseguindo sequer traçar uma linha reta com s eu automóvel, interceptado por
esse motivo após quase atropelar várias pessoas. Nesse caso, sua inabilitação
na direção do veículo trouxe p e rigo concreto à vida ou à saúde das pessoas,
p o dendo, agora, ser responsabilizado criminalmente.
Concluindo, a visão do perigo d e natureza abstrata, considerado como
presumido, é sempre feita ex a n te, bastando a prática do comportamento
comissivo ou omissivo p revisto pelo tipo para que se entenda como criada a
situação de p e rigo. Ao co ntrário, o crime de perigo concreto exige sempre
um raciocínio ex post, ou seja, é preciso demonstrar que a conduta do agente,
analisada no caso con creto, criou, efetivamente, u ma situação de risco para os
bens j urídicos de terceiros, p ois, caso contrário, o fato será considerado atípico.
102
1 NTRODUÇÃO À TE ORLA G ERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
1 0. 1 5. Crimes s i m p les e cri mes c o m plexos
Crime simples é aquele e m que, medi ante a análise d a figura típ ica, s omente
conseguimos visualizar uma única infração penal, que é j ustamente aquela por
ela própria criada, a exemplo do que oco rre com o delito de h omicídio.
E ntende-se por complexo o crime e m cuja figura típica existe a fusão de duas
ou mais infrações penais, ou seja, essa fusão faz surgir uma terceira, denominada
complexa, como é o caso do delito d e roubo, em que se verifica a existência da
subtração (art. 1 5 5 do CP), conj ugada com o emprego da violência (art. 1 2 9 do
C P) ou da grave ameaça (art. 1 4 7 do C P) .
O crime complexo, para parte da doutrina, pode ser entendido e m sentido
amplo ou em sentido estrito, posição com a qual não concordamos. D amásio de
Jesus, dissertando so b re o tema, cita Francesco Antolisei, que esclarece:
" H á o delito complexo e m sentido amplo quando 'um crime,
em todas ou algumas das h i póteses contempladas na norma
incriminadora, contém e m si outro delito menos grave,
necessariamente'. O legislador acrescenta à definição de
um crime fatos que, por si mesmos, não constituem delito.
Ex.: denunciação caluniosa ( C P, art. 3 3 9), i ntegrada da calúnia
(CP, art. 1 3 8) e da denunciação, que por s i mesma não é crime.
O crime complexo em sentido amplo, nos termos dos que
aceitam sua existênci a, não se condiciona à presença de dois
ou mais delitos. B asta u m a que se acrescentam elementos
típicos que, i so ladamente, c onfiguram indiferente penal.
Neste caso, o delito de maior gravidade absorve o de menor
intensidade penal. Assim, a denunciação absorve a calúnia.
O delito complexo e m sentido estrito (ou composto) é formado
da reunião de dois o u mais tipos penais. O legislador apanha
a d efi nição legal d e crimes e as reúne, formando uma terceira
unidade delituosa (subsidiariedade implícita) .'' 132
1 0 . 1 6 . C r i m e s q u a l i f i c a d os e c r i m e s p r i v i l e g i a d o s
Crimes qualificados e crimes privilegiados s ã o modalidades de infrações
penais existentes nos chamados tipos penais derivados. Os tipos penais derivados
são espécies de infrações penais que estão l igadas, umb ilicalmente, ao cap ut do
artigo, ou seja, à sua m o dalidade fundamental, por intermédio de seus parágrafos.
Isso quer dizer que os tipos de rivados, sejam eles qualificados ou privilegiados,
não possuem vida a u tônoma, sendo considerados, portanto, circunstâncias que
permitem maior ou menor punição do agente. Tal raciocínio será de extrema
i mportância quando da aplicação do art. 30 do Código Penal, que diz:
JESUS, Damásio E. d e . Direito penal - Parte geral, p. 1 73-1 74.
103
VOLUME 1 1
ROG ÉRIO G RECO
Art. 3 0 . Não se comunicam as circunstâncias e as
condições d e caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
Assim, considera-se q u a lificado o crime quando, geralmente, as penas
mínima e máxim a cominadas no parágrafo são superiores àquelas p revistas no
cap u t do artigo. D issemos que os l i m ites mínimo e máximo devem, como reg ra,
ser superiores ao cap u t, uma vez que em algumas infrações penais pode ocorrer
tão somente o aumento ou da pena mínima, o u da pena máxima com inada em
abstrato, sendo, ainda assim, considerado como qualificado.
Vej a-se o exemplo do § 92 do art. 1 2 9 do C ódigo Penal, que diz:
§ 92 Se a lesão for p raticada contra ascendente,
descendente, irmão, cônj uge ou companheiro, ou
com quem co nviva ou tenha convivido, ou, ainda,
prevalecendo-se o agente das relações do mésticas, de
coabitação ou d e hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
O caput do art. 1 2 9, que p revê a sua modalidade fundamental, comina uma pena
de detenção para o crime de l esão corporal simples que varia de 3 (três) meses a 1
(um) ano. Assim, comparativamente, o § 92 do mencionado artigo, de acordo com
as novas penas determinadas p ela Lei n2 1 1 . 3 40, de 7 de agosto de 2 0 0 6, que criou
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, somente
aumenta a pena no seu patamar máximo, elevando-a de 1 (um) ano para 3 (três)
anos, não deixando, contudo, de ser considerado como qualificado.
N o art. 1 2 1 do C ó digo Penal, ao co ntrário, a lei penal, por i nte rmédio do seu
§ 22, criou uma m o dalidade qualificada para o delito de h omicídio, cominando as
penas mínima e máxima e m quantidades superiores àquelas previstas no capu t.
Por outro lado, considera-se como privileg iado o delito quando as penas
p revistas no parágrafo são i n feriores àquelas comi nadas no cap ut do artigo.
E m b o ra some nte pudesse ser considerado como privilegiado quando
as penas mínima e máxima (ou pelo menos uma delas) fossem inferiores
àquelas cominadas no cap u t, a do utrina, maj o ritariamente, também considera
p rivilegiado o del ito na h i pótese de aplicação de causas de redução de pena.
É o que ocorre, por exemplo, com o § 12 do art. 1 2 1 do C ódigo Penal, que diz:
§ 12 Se o agente com ete o crime impelido por motivo
de rel evante valor social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a inj usta p rovocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
1 04
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
C o m o se percebe pela redação do parágrafo acima transcrito, não foram
determinados os l i m ites mínimo e máximo em quantidades i n feriores ao cap u t do
art. 1 2 1 do Código Penal, ten d o a lei p e nal, tão s o mente, possibilitado a redução
da pena de u m sexto a u m terço. N o entanto, quando o h omicídio é p raticado
nessas condições, fala-se e m homicídio p rivilegiado, passando, p ortanto, a
também gozar do status de p rivilégio as causas de dim i nuição de pena.
1 0. 1 7. Cri me de bagatela
A expressão crime d e bag a tela é característica da hipótese na qual s e afirma
a necessidade d e aplicação do princípio da insignificância. São fatos que não
se amoldam ao conceito de tipicidade material, necessário à configuração da
tipicidade penal.
Apesar de sua aceitação pela doutrina, entendemos ser equivocada a
exp ressão crime de bagatela. I sso porque, quando concluímos que o fato não
reún e as condições exigidas para que seja considerado materialmente típico,
estamos afastando a tipicidade p enal e, consequentemente, eliminando a
infração penal, razão pela qual não podemos chamar aquele fato penalmente
indiferente de crime de bag a tela, senão, no máximo, uma situação de bagatela.
No entanto, é assim que, m aj o ritariamente, se reconhece a apli cação do princípio
da insignificância, cons iderando suas h i póteses como as de crime de b agatela.
1 0 . 1 8 . C r i m e fa l h o
Entende-se como crime falho as h i p óteses da chamada tentativa perfeita ou
acab ada, e m que o agente, d e acordo com a sua concepção, esgota tudo aquilo
que entendia como n e cessário e sufici ente à consumação da i n fração penal, que
some nte não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.
Assim, imagine-se o exemplo em que o agente, querendo produzir a morte da
vítima, aponte sua arma contra ela e efetue dois disparos, acertando-a na região do
tórax. Ao perceber a vítima caída, sangrando, o agente diz a si mesmo: "Vai morrer".
Com base nessa certeza, deixa de efetuar os demais disparos que lhe seriam ainda
possíveis e vai embora. Pouco tempo depois, para a sorte da vítima, uma viatura
policial passa pelo local e leva a efeito o seu socorro, conseguindo salvá-la.
Nesse caso, o agente esgotou tudo aquilo que, de acordo com sua concepção,
entendia como necessário a fim de chegar à consumação do delito, que somente
não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, razão pela qual sua tentativa
será considerada perfeita, acabada, sendo ainda reconhecida como um crime falho.
105
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
li
1 0 . 1 9 . C r i m es i n stantâ neos, crim es permane ntes e c r i mes i n stantâneos
de efeitos permanentes
Considerando-se o m o me nto d e sua consumação, os crimes p o dem ser
entendidos como insta n tân eos, perm a n e n tes ou, ainda, insta n tâneos de efeitos
permanentes.
C o nforme esclarece Assis To ledo,
"são i nstantâneos os crimes que possuem como obj eto j urídico
bens destrutívei s ; permanentes, aqueles cuj a consumação,
pela natureza do bem j urídico o fendido, pode protrair-se no
tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado
antij urídico por ele realizado. D entro dessa concepção,
poder-se-á concluir que, n o delito i nstantâneo (furto, injúria
etc.) , a consumação ocorre e m um m o mento certo, definido;
no permanente, o m o mento consumativo é uma situação
duradoura, cujo início não coincide com o de sua cessação
(sequestro, cárcere privado, usurpação de função pública etc.)
Denominam-se crimes instantâneos de efeitos permanentes
aqueles e m que não a conduta do agente, mas apenas o resultado
da ação é p ermanente. Isso ocorre no homicídio (exemplo
de B ettiol), cuj o resultado (a mo rte) é irreversível, portanto
p ermanente, mas seguramente marcado por um momento
consumativo certo - aquele em que a vítima deixa de viver".133
Tais definições são de extrema impo rtância, principalmente para que
possamos levar a e feito os raciocínios, por exemplo, da prisão em flagrante, ou
mesmo da possibilidade de concurso d e pess oas, nos casos em que ocorre a
chamada coautoria sucessiva, em que o agente ingressa no plano criminoso após
terem sido iniciados os atos de execução.
N o crime p e rmanente, a exemplo do que ocorre com o delito de extorsão
mediante sequestro, tipificado no art. 1 5 9 do C ó digo Penal, enquanto a vítima
estiver privada de sua l i b e rdade, encontrando-se, por exemplo, no cativeiro,
po derá outra pessoa i ngressar no grupo, cooperando com os demais na
m anutenção d e s sa situação, até o e fetivo pagamento do resgate.
M erece ser destacada, ai nda, mais uma diferença existente entre o crime
p e rman ente e o crime instantâneo d e efeitos permanentes. É que, nos crimes
permanentes, a manutenção da situação de permanência depende da vontade do
próprio agente, a exemplo do que o co rre com o crime de sequestro, em que a vítima
poderá ser libertada, desde que o agente que a privou da liberdade atue nesse
sentido. Ao contrário, nos chamados crimes instantâneos de efeitos permanentes,
o retorno à situação anterior fo ge à alçada do agente, como é o caso do homicídio.
TOLEDO, Francisco de Assis. Prin cípios básicos de direito penal, p . 1 46- 1 47 .
106
I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECLAL
CAPÍTULO 1
No que diz resp e ito ao crime permanente, merece ser destacada a Súmula
7 1 1 do STF:
Súm ula n11 71 1 . A lei penal mais grave aplica-se ao crime
con ti n uado ou ao crime permanen te, se a sua vigên cia é a n terior à
cessação da con tinu idade ou da perm a n ência.
1 0 . 2 0 . C r i m e a p razo
D e n omina-se crime a prazo aquele e m que o tipo penal exige, para sua
configuração, o decurso de certo espaço de tempo, a exemplo do que ocorre
com a modalidade qualificada d e lesão corporal, p revista no inciso 1 do § lQ do
art. 1 2 9 d o Có digo Penal, que so mente terá aplicação nos casos em que resulte
para a vítima incapacidade para suas ocupações habituais por m a is de 3 0 dias.
No crime de apropriação de coisa achada, previsto pelo inciso I I do art. 1 6 9 do
Código Penal, se o agente, no p razo d e 15 dias, a restitui ao dono ou ao legíti mo
possuidor, ou a entrega à auto ridade competente, sequer será consi derado típico
o seu comportamento. Aqui, mais do que na s ituação anteriormente citada,
o decurso do p razo é fundamental para que o comportamento tenha alguma
relevância para o D i re ito Penal.
D essa forma, nos crimes a prazo, o tempo previsto no tipo penal poderá fazer
com que s e configure ou não uma i n fração penal, ou mesmo agravar a situação
daquela já existente.
1 0 . 2 1 . D e l i t o s d e i n t e n ç ã o : c r i m e s de res u l t a d o c o rtado e c r i m e s
m u t i l a d os d e d o i s atos
Assis Toledo, dissertando sobre o tema, aponta o delito de intenção como
gênero, do qual são suas espécies o crime de resultado cortado e o crime m u tilado
de dois a tos:
"Denominam-se delitos de in tenção (ou de tendência interna
transcendente) aqueles e m que o agente quer e persegue
um resultado que não necessita ser alcançado de fato para
a consumação do crime (tipos incongruentes ) . D ividem-se
e m delitos de res ultado cortado e delitos mutilados de dois
atos. N o s primeiros, o agente espera que o resultado externo,
querido e perseguido - e que se situa fora do tipo - se produza
sem a sua intervenção d ireta (exemplo: extorsão mediante
sequestro - art. 1 5 9 - crime no qual a vantagem desejada
não precisa concretizar-se, mas se vier a concretizar-se será
por ato de outrem). Nos últimos, o agente quer alcançar, p o r
ato próprio, o resultado fo ra do tipo (exemplo: a falsificação
que supõe a intenção de uso ou de
de moeda - art. 2 8 9
introdução na ci rculação do dinheiro falsificado)". 134
-
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 1 5 1 .
aa
1 07
VOLUM E l i
ROG ÉRIO G RECO
1 0 . 2 2 . C r i m e s c o m u n s , c r i m e s p o l ít i cos e c r i m e s d e o p i n i ã o
A Constituição Federal, e m várias passagens, demonstrou que h á diferença
a ser apontada p ela doutrina n o que diz respeito aos crimes comuns, p ol íticos
e d e o p inião, variando até mesmo a comp etência para j ulgamento de cada um
deles, dizendo, d e acordo com a o rd e m d e seus artigos:
Art. 5Q Todos são iguais perante a l e i, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos b rasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a invi olabilidade do
d i reito à vi da, à liberdade, à igualdade, à segu rança e à
proprie dade, nos termos seguintes :
[ . . .] ;
L I I não será concedida a extradição d e estrangeiro p o r
c r i m e p o l ítico ou de opinião.
-
Art. 1 0 2 . Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo- lh e:
I
[ . . .] ;
-
II
j ulgar, e m recurso ordinário;
-
a) [ . ] ;
..
b ) o crime pol ítico.
[ . . .]
Art. 1 0 5 . Comp ete ao Superior Trib unal de Justiça:
I
-
processar e j u l gar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os G overnadores dos E stados e
do D istrito Fed e ral, e, nestes e nos de responsabilidade,
os desemb argadores dos Trib unais de Justiça dos
E stados e do D istrito Federal, os m e mb ros dos Tribunais
de Contas dos E stados e do D istrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
E le itorais e d o Trabalho, os m e mb ros dos Conselhos ou
Tribunais de Contas dos M unicípios e os do M i n i stério
Público da Un i ão que o ficiem perante tribunais;
[ . . . ].
Art. 1 0 9 . Aos j uízes federais compete p rocessar e j ulgar:
I
[ ];
-
II
...
-
III
-
[ . . .] ;
[ . .] ;
.
IV o s crimes p ol íticos e a s i n frações penais p raticadas
e m d etri m ento d e bens, serviços ou interesse da União
-
108
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça M i l itar e da Justiça E leitoral;
[ .. . ] .
I n icialmente, devemos destacar o fato de que, quando l evamos a efeito a
diferença entre crimes comuns e crimes po l íticos, a palavra com um é uti l izada no
sentido de que não há nenhuma i ntenção especial, de natureza política, exigida
por aquela determinada infração penal. Dessa fo rma, Hungria, traduzindo a
diferença entre crimes comuns, aqui entendidos e m seu s entido extensivo, e os
cri mes p olíticos, di z :
" Enquanto os primeiros atacam os b ens o u interesses j urídicos
do i nd ivíduo, da família e da sociedade, penalmente p rotegidos
pelo E stado, os crimes p o l íticos agridem a própria segurança
interna o u externa do Estado o u são dirigidos contra a própria
personalidade deste." 1 35
A Lei d e S egurança Nacional (Lei nQ 7 . 1 70, de 14 de dezembro de 1 9 8 3 )
defi n iu os crimes co ntra a s egurança nacion al, a o r d e m política e social, dizendo,
em seus arts. 1Q e 2Q:
Art. 1Q E sta Lei p revê os crimes que lesam ou expõem a
perigo de lesão:
1
- a i ntegridade territo rial e a sob erania nacional;
II - o regime representativo e democrático, a Federação
e o E stado d e D i re ito;
I I I - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Art. 2Q Quando o fato estiver também p revisto como
crime n o Cód igo Penal, no C ó digo Penal M ilitar ou em
leis especiais, l evar-se-ão em conta, para aplicação
desta L e i :
1
-
a motivação e o s obj etivos do agente;
II - a lesão real ou potencial aos bens j u rídi cos
menci o nados n o artigo anterior.
Entende-se p o r crime de opin ião aquele que importa em abuso na liberdade
da manifestação do pensamento, podendo ser p raticado por qualquer meio que
tenha a possibilidade de d i fundir as i deias do agente - por exemplo, mediante
palavras, d ivulgação n a imprensa, l ivros, artigos, revistas etc.
H U NG R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. li, p. 57.
109
ROG É RIO G RECO
VOLUM E I I
O inciso IV do art. SQ da Constituição Fe deral, emb ora assegu rando a
l i berdade da manifestação de pensamento, vedando o anonimato, não permite
o abuso, devendo ser responsabilizado criminalmente aquele que, sob a falsa
argumentação da l i berdade d e manifestação do pensamento, produzir dano, por
exemplo, à honra d e terceiros.
1 0 . 2 3 . C r i m e s a d i stâ n c i a , c r i m e s p l u r i l o c a i s e c r i m e s e m t râ n s it o
Flávio Augusto M onteiro d e Barros traduz a d iferença entre os crimes a
distância, plurilocais e em trânsito:
"Segundo o l ugar do evento, os crimes podem ser:
a) À distância: quando a conduta e o resultado se desenvolvem
e m dois ou mais países. O ass unto está relacionado ao
problema d a lei penal n o espaço;
b) Plurilocal: quando a conduta e o resultado se desenvolvem
e m duas ou mais co marcas, dentro do mesmo país. Exemplo:
a vítima é ferida n a c i d a d e d e Piraj u, mas m o rre e m B aur u. A
questão é relevante no tema da competência territorial (art.
70 do CPP).
c) Em trânsito : quando uma parcela da conduta se realiza
num p aís, sem lesar ou pôr em perigo bem j urídico de seus
cidadãos. Exemp l o : '/:\, do Paraguai, envia, para o Japão, uma
carta o fendendo 'B', sendo que essa carta tem uma ligeira
passagem pelo correio brasileiro, até prosseguir o seu rumo
ao Japão." 136
1 0.24. C r i mes habitua is
Considera-se h a bitua l o delito e m vi rtude do qual se exige do agente um
comportamento reiterado, n ecessário à sua configuração. Assim, nos crimes
habitu ais, o u o agente pratica a cadeia d e condutas indispensáveis à caracterização
da infração p enal, consumando-a, ou, como regra, o fato será atípico.
Vej a-se o exemplo do crime de curandeirismo, p revisto n o art. 2 8 4 do Código
Penal, e m que o núcleo do tipo e m estudo é o verbo exercer. I sto é, somente
quem exerce, ou seja, p ratica o curandeirismo, "prescrevendo, ministrando
ou aplicando, habitualm e nte, qualquer s ubstância; usando gestos, palavras ou
qualquer outro meio; fazendo diagnósticos" é que deverá ser responsabi l izado
criminalme nte por esse deli to . Assim, se o agente, sem a habitualidade exigida
pelo tipo, prescreveu a u m amigo o uso d e d eterminada substância, enaltecendo
o seu poder curativo, não p od erá responder pelo delito em estudo.
BAR ROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, p. 92.
110
I NTRODUÇÃO À TEORIA G E RA L DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
D is cute-se a possibilidade de tentativa nos delitos habituais. N ormalmente,
entende-se que ou o agente pratica os atos reiterados exigidos pelo tipo,
consumando a infração penal, ou o fato será atípico. Entretanto, não podemos
descartar a h i p ótese de tentativa. Isso porque pod erá o agente ter dado início
à cadeia dos atos que, sabidamente, seriam habituais, quando é impedido de
continuar a exercer o comportamento proibido pelo tipo, p o r circunstâncias
alheias à sua vontade.
M i rabete, com precisão, afi rma que, como regra,
"o crime habitual não admite tentativa, pois ou há re iteração
de atos e consumação, ou não há essa habitualidade e os atos
são penalmente indiferentes. N ão há que se negar, porém,
que, se o suj eito, sem ser médico, i nstala um consultório e é
deti do quando de sua primeira 'consulta', há caracterização da
tentativa do crime previsto n o art. 2 8 2 ". 137
1 0 . 2 5 . C r i m e s p r i n c i pa i s e c r i m e s a c e s s ó r i o s
H á crimes que, para s u a existência, estão íntima e ne cessariamente ligados à
prática de outros, surgi ndo entre eles a relação entre prin cipal e acessório.
To memos como exemplo o delito de receptação. Diz o cap ut do art. 1 8 0 do
Código Penal:
Art. 1 8 0 . Adquirir, receber, transportar, conduzir ou
o cultar, em p roveito próprio ou alheio, coisa que sabe
ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de
boa-fé, a adquira, receba ou oculte.
Como se percebe pela redação do mencionado artigo, s omente haverá
receptação se a coisa que o agente adquiriu, por exemplo, fo r p roduto de crime.
Para que ocorra a receptação, po rtanto, d everá ter havido um delito principal furto, roubo etc. -, havendo entre eles uma relação de principal e acessório.
O mesmo acontece com o delito de favo recimento real, tipificado n o art. 3 49
do C ó d igo Penal, que diz:
Art. 349. Prestar a criminoso, fo ra dos casos de co
autoria o u d e receptação, auxílio destinado a tornar
seguro o proveito do crime;
[. . .] .
S e não houver a p ráti ca d e u m crime anterior (principal), não h averá o
favorecime nto real, razão pela qual podemos afirmar a natureza acessória desse
d el ito.
7
M I RABETE, Júlio Fabbri ni. Manual de direito penal, v. 1 , p. 1 6 1 .
111
VOLUME
ROG ÉRIO G RECO
li
Aos crimes acessórios incide o disposto no art. 1 0 8 do C ódigo Penal, verbis:
Art. 1 0 8 . A extinção da punibilidade de crime que é
pressuposto, elemento constitutivo o u ci rcunstância
agravante d e o utro não se estende a este. Nos crimes
conexos, a extinção da punibilidade de u m deles
não impede, quanto aos o utros, a agravação da pena
resultante da conexão.
1 0 . 2 6 . I n f r a ç õ e s pe n a i s d e m e n o r pote n c i a l ofen s i v o
Atendendo ao disposto no inciso X do art. 2 4 da C o nstituição Fe deral, foi
e ditada a Lei nQ 9.099, de 2 6 de sete m b ro de 1 9 9 5, dispondo sobre os J uizados
E s peciais Cíve is e Criminais.
O art. 6 1 da mencionada lei, e m sua redação original, definiu o conceito de
i n fração p e n al d e menor potencial ofensivo dizendo, verbis:
Art. 6 1 . Consideram-se i n frações penais de menor
potencial ofensivo, para os efe itos desta Lei, as
contravenções penais e os crimes a que a l e i comine
pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os
casos em que a l e i preveja p rocedimento especial.
Aproximadamente seis anos após a edição da Lei nQ 9 . 0 9 9 /95, surgi u a Lei
nQ 1 0 . 2 5 9, d e 12 d e julho d e 2 0 0 1 , dispondo s ob re a instituição dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais no âmbito d a Justiça Federal, trazendo, n o parágrafo
único do seu art. 2Q, novo conce ito de i n fração penal de menor potencial ofensivo :
Pa rágrafo ú ni co. Consideram-se infrações penais de
menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os
crimes a que a lei comine p ena máxima não superior a 2
(dois) anos, ou multa. 1 38
Con forme se verifica p o r meio de um estudo comparado dos artigos nos
quais h o uve a definição d e i n fração p enal de menor potencial o fensivo, a Lei
nQ l 0 . 2 5 9/ 2 0 0 1 ampliou p ara dois anos o máximo da pena com inada em ab strato
p ara que a infração penal passe a gozar desse status.
Em virtude disso, surgiu a controvérsia doutrinária, h avendo autores que se
posicionaram no sentido d e que tal aumento do l imite para o reconhecimento
1 ,
O referido art. 2° e parágrafo único foram também modificados pela Lei nº 1 1 .31 3/2006, sendo esta sua
redação atual:
Art. 22. Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça
Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião dos processos, perante ojuízo comum ou o trib unal do júri, decorrente da aplicação das
regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
112
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
da infração penal de menor p otencial o fens ivo s o mente dizia respeito aos
crimes de competência do J u izado Especial Criminal Federal. Outros, com razão,
entendiam que, a partir da edição da Lei n 2-l 0 . 2 5 9 / 2 0 0 1 , não se justifi cava um
tratamento d iferenciado para o s crimes de competência da J ustiça E stadual,
em que somente po diam ser considerados como de menor potencial o fensivo
aqueles cuj a pena máxima não excedesse a 1 (um) ano, enquanto nos J uizados
Especiais Criminais da Justiça Federal tal l im ite seria de 2 (dois) anos.
H oj e, após a edição da Lei n2. 1 1 . 3 1 3 , d e 28 de j unho de 2 0 0 6, a discussão
perdeu o sentido, tendo e m vista a nova redação do art. 61 da Lei n2. 9 . 0 9 9 / 9 5 ,
q u e diz, verbis:
Art. 6 1 . Consideram-se infrações penais de menor
potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as
contravenções penais e os crimes a que a lei comine
pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou
não com multa.
A nova redação l egal revogou, ainda, a última parte da redação original
do mencionado art. 61, que afastava do conceito de infração penal de menor
potencial o fens ivo as infrações penais para as quais fosse p revisto um
procedimento especial. H oj e, p o rtanto, concluindo, a infração penal de menor
potencial o fensivo é reconhecida como aquela cuj a pena máxima cominada não
seja superior a 2 (dois) anos.
1 0 . 2 7 . C r i m e s m o n o s s u bj e t i v os e c r i m e s p l u r i s s u bj e t i v o s
D en o m inam-se monossu bjetivos, u n issubjetivos ou de concurso even tua l o s
crimes cuj a cond uta núcleo p o d e s e r p raticada por u m a única pess oa, a exemplo
do que ocorre com o homicídio, furto, l esão corp o ral etc.
Plurissubjetivos, ao contrário, são aqueles nos quais o tip o penal exige a
presença de duas o u mais pessoas, se m as quais o crime não se configura, como
é o caso d a associação crim in osa, d a rixa etc. São também reconhecidos como
crimes de concurso necessário.
Nos crimes plurissubj etivos, podemos ainda l evar a efeito a seguinte distinção:
a) crimes b ilaterais ou d e e ncontro;
bJ crimes coletivos ou d e co nvergência.
Crimes bila terais o u de encon tro são aqueles em que as condutas p raticadas
pelos agentes tendem a se enco ntrar, como oco rre com o crime de bigamia,
p revisto no art. 2 3 5, § lQ, do C ó digo Penal.
113
RoG ÉRlO G REco
VOLUME I I
Crimes de convergência, na definição de M ufíoz Conde, são aqueles "em
que o tipo penal exige que várias pessoas conco rram uniformemente para a
consecução do mesmo obj etivo". 1 39
Essa convergência pode ocorrer:
a) quando as con du tas s ã o con trapostas, isto é, quando os agentes atuam uns
contra os outros, como ocorre com o delito de rixa, p revisto no art. 1 3 7 do
Código Penal;
b) ou quando as con d u tas são pa ra lelas, vale dizer, quando os esforços de
todos os agentes são co ncentrados n o sucesso de uma infração penal
comum, a exemplo d o crime de associação criminosa, tipificado no art.
2 8 8 do Código Penal, nos termos da redação que l h e foi conferida pela Lei
n2 1 2 . 8 5 0, de 2 de agosto de 2 0 1 3 .
Pode ocorrer, a inda, a h i p ótese n a qual um crime, originariamente
m o nossubj etivo, venha a se tornar coletivo, como acontece nos casos em que
ocorre o concurso de pessoas no crime d e furto, p revisto pelo inciso IV do § 4Q
do art. 1 5 5 do Código Penal.
1 0 . 2 8 . C r i m e s u n i of e n s i v o s e c r i m e s p l u r i ofe n s i vos
Consideram-se u n iofensivos os crimes nos quais s o mente se p rotege um
único be m j urídico, como é o caso do art. 1 5 5 do Código Penal, em que se leva
a efeito a proteção do patrimônio, ou no crime de h o micídio, em que se p rotege
tão s o mente a vida.
Ao contrário, há outros crimes em que se consegue visualizar a proteção de dois
ou mais bens j urídicos, mesmo que haja precipuidade entre eles, razão pela qual
são reconhecidos como p luriofensivos. Assim, no crime de latrocínio, por exemplo,
p rotege-se p recipuamente o patrimônio, sem descartar a proteção da vida.
1 0 . 2 9 . C r i m e s de s u bj e t i v i d a d e p a s s i v a ú n i ca e c r i m e s de s u bj e t i v i d a d e
passiva d u p la
Crimes de subjetividade passiva ú n ica são aqueles nos quais o tipo penal
p revê somente u m único suj e ito passivo. Assim, n o h o m i cídio, por exemplo,
há some nte uma única vítim a, isto é, aquela que foi alvo da conduta criminosa
p raticada pelo agente.
E ntretanto, há o utras i n frações p e nais em que se atinge mais de uma pessoa
(subj etividade passiva) , ou seja, duas o u mais pessoas podem conside rar-se
víti mas da infração penal l evada a e fe ito pelo age nte, como ocorre com o delito
de aborto p rovocado sem o consentimento da gestante, em que a gestante e
o feto podem ser considerados vítimas do delito em questão. N a violação de
correspondência, tipi ficada no art. 1 5 1 do Código Penal, da mesma forma, são
consideradas vítimas do delito o remetente e o destinatário.
M U N OZ CON DE, Francisco. Teoria general dei delito, p. 239.
114
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTU LO 1
1 0 . 3 0 . C r i m e d e ím peto
N o rmalmente, chama-se crime de ímpeto a i n fração penal em que o agente
pratica a conduta nele prevista de forma impensada, explosiva, emocionada,
sem que, para tanto, tenha tempo para refletir a respeito do seu compo rtam ento
criminoso.
O § lQ do art. 1 2 1 do C ó digo Penal pode traduzir uma dessas s ituações quando
aponta a possibilidade d e o h o m i cídio ser cometido sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida à i nj usta p rovocação da vítima.
1 0 . 3 1 . C r i m e p r o g re s s i v o
Crime p rogressivo, n a d efinição d e H ungria,
"ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de
crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro
tipo de crime, de que aquele é etapa necessária ou elemento
constitutivo (reconhecida a unidade j urídica, segundo a regra
do u b i m ajor, m inar cessat) ".14º
Dessa fo rma, para se c hegar ao h o micídio, o u seja, para que o agente alcance
o resultado morte, d everá produzir na vítima, numa relação de anterioridade,
lesões corp o rais, razão pela qual o crime a ser absorvido é conhecido como
delito de passagem.
1 0 . 3 2 . C r i m e s ex a u r i d o s
Considera-se c o m o exa urido o deli to quando h á um esgotamento completo
da figura típica.
O iter crim inis, vale dizer, o caminho a ser percorrido pelo agente a fim de que
possa ser responsabilizado criminalm ente, é composto pelas seguintes fases:
cogitação, preparação, execução, consumação e exau rimen to.
Há infrações penais em que pode ocorrer sua consu mação, s em que,
entretanto, restem exauridas. I magi ne-se a h i p ótese do delito de extorsão
mediante sequestro, tipificado no art. 1 5 9 do C ó digo Penal, que diz: Seq uestrar
pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, q ualquer van tagem, como
condição ou preço do resgate.
N esse delito, basta que o agente p rive a víti ma de sua l ib erdade, com o fim
de obter qualquer van tagem, como condição ou preço do resgate, para que se
conclua pela sua consumação. N ão h á necessidade, para fi ns de consumação
do delito em estudo, que o agente obtenha a vantagem p revista no tipo.
Entretanto, caso venha e fetivam ente a o btê-la, tal s ituação será considerada
mero exaurimento do cri me.
H U N G R I A , Nélson. Comentários a o código penal, v . 1 , t. l i , p. 48-49.
115
VOLUME I I
RoG ÉRJO G REco
Entendemos que é importante d istinguir crime consumado e aquele
considerado exaurido, principalmente para efeitos de aplicação da pena,
confo rm e orientação contida no art. 5 9 do C ódigo Penal, ensejando punição
maior na hipótese d e ter sido esgotada completamente a figura típica.
1 0 . 3 3 . C r i m es d e ate n t a d o o u d e e m p r e e n d i m e n t o
A regra, considerando-se o princípio da proporcionalidade, é de que a
tentativa seja punida menos s everamente do que o crime consumado, conforme
s e dessume do parágrafo único d o art. 14 do C ó digo Penal, que diz: Salvo
disposição em con trário, p u ne-se a tentativa com a pena correspondente ao crim e
consumado, dim in u ída de um a dois terços.
Extrai-se, p o rtanto, do p arágrafo transcrito que a regra é a d i minuição.
E ntretanto, essa regra sofre exceções, que se amoldam à redação contida em sua
primeira parte, quando diz sa lvo disposição em con trário.
-
N essa disposição em contrário é que residem os chamados crimes de a tentado
ou de empreendimento, nos quais a tentativa é elevada ao mesmo status do delito
consumado, não h avendo possibilidade d e redução da pena, tendo em vista sua
p revisão expressa no tipo p enal.
Assim, o art. 3 5 2 do C ódigo Penal, cuidando do delito de evasão median te
violência con tra a pessoa, assevera :
Art. 3 5 2 . Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o
i ndivíduo submetido a medida de s egurança detentiva,
usando de violência co ntra a pessoa;
[ ... ] .
D essa for ma, como a tentativa foi p revista expressamente no tipo penal, não
h avendo necessidade da utilização da no rma de extensão p revista n o inciso II
do art. 14 do Código Penal, deverá receber as penas correspondentes ao delito
consumado, s e m qualquer diminuição, sendo, nesse caso, reconhecido como
crime d e atentado ou d e empreendimento.
1 0.34. C r i m es vagos
Crimes vagos, na defi n ição de D amásio de Jesus, " s ã o os que t ê m p o r suje ito
passivo entidades sem personalidade j urídica, como a família, o público ou a
s o ci e dade. Ex.: ato obsceno ( C P, art. 2 3 3 ) ". 1 4 1
JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 1 84 .
116
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍT U LO 1
1 0 . 3 5 . C r i m e s a m b i e nta i s
O legislador constituinte, preocupado com o nosso meio ambiente, fez inserir
um capítulo e m nossa Lei Maior cuidando especificamente desse tema. D essa
fo rma, o cap u t do art. 2 2 5 da C o nstituição Federal assevera:
Art. 2 2 5 . To dos têm direito ao meio ambie nte
ecologicamente equilibrado, b em de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à co letividade o dever de defendê-lo
e pres ervá-lo para as p resentes e futuras gerações.
Crimes ambien tais, portanto, são aqueles que atingem o nosso meio ambiente,
cau sando dano ou, m esmo, perigo de lesão à nossa fauna, flora etc. Buscando
dar maior efetividade à p roteção ambiental, nos moldes determinados pela
Co nstituição Fe deral, foi edi tada a Lei nQ 9 . 6 0 5 , de 12 de fevereiro de 1 9 98,
que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente.
1 0 . 3 6 . C r i m e s u n i s s u b s i st e n t e s ( o u m o n o s s u b s i st e n t e s ) e c r i m e s
p l u r i s s u b s i stentes
A diferença entre os crimes unissubsistentes e os consi derados
plurissubsistentes reside na possibilidade ou não de ser fracionado o iter criminis.
Assim, crimes unissubsisten tes são aqueles nos quais ocorre uma concentração
de atos, não sendo possível o raciocínio e m termos do fracio namento do iter
criminis, a exemplo do que oco rre com a injúria ou mesmo a ameaça verbal.
Nesses casos, o u o agente profere as palavras i nj u riosas ou ameaçadoras e os
crimes respectivos se consum am, ou não as profere, cons iderando-se o seu
pensamento u m indife rente penal.
Ao contrário, nos chamados crimes p/urissubsistentes existe possibilidade real
de se percorrer, "passo a passo", o caminho do crime. O agente cogita, prepara-se
e executa a infração penal em momentos distintos e visualizáveis, tal como ocorre
com os chamados crimes materiais, como é o caso do furto, das lesões corporais etc.
A importância da distinção reside no fato de que, como regra, os
crimes unissubsiste ntes não admitem a tentativa, ao passo que nos crimes
plurissubsi stentes ela é p erfe itamente admissível .
1 0 . 3 7 . C r i m e s t r a n s e u ntes e c r i m es n ã o t r a n s e u ntes
A d iferença entre crimes transeuntes e não transeuntes reside n o fato de a
i nfração penal d eixar ou não vestígios.
117
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
Assim, crime transe u n te seria aquele cuj a p rática, em decorrência de seu
modo de execução, não deixa vestígios, a exemplo d o que ocorre com todas as
i n frações penais que são l evadas a efe ito por i ntermédio da palavra verbal, como
oco rre com a calúnia, a difamação, a inj úria, a ameaça etc.
Por outro lado, se o crime deixa vestígios, podendo ser obj eto de exame de
corpo d e delito, estamos d iante de u m crime não transe u n te. C o nforme obs erva
James Tubench lak, "nos crimes não transeun tes (delicta facti permanenti)
p e rmanecem s inais materiais alvo de serem periciados". 142
1 0 . 3 8 . C r i m e s co n e x o s
Con exão, na d efinição de Paulo Rangel, "significa união, nexo, ligação, relação
entre u m fato e outro". 143 D essa forma, crimes conexos seriam aqueles que, de
alguma forma, pudessem ser entendidos como interligados, unidos.
O Código d e Processo Penal determina a competência pela conexão em seu
art. 7 6 :
Art. 7 6 . A competência será determinada pela conexã o :
s e , ocorrendo duas ou mais infrações, h ouverem
sido p raticadas, ao mesmo tempo, por várias pess oas
reunidas, o u por várias pessoas em concurso, embora
d iverso o tem p o e o lugar, ou por várias pessoas, umas
co ntra as outras;
1
-
II se, no mesmo caso, houverem sido umas p raticadas
para facilitar o u ocultar as outras, o u para conseguir
impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
-
III
quando a p rova de uma infração ou de qualquer
de suas circunstâncias elementares i nfl uir na p rova de
outra infração.
-
E m virtude da redação dos mencionados incisos, podemos ap ontar três
diferentes espécies de conexão :
a) co nexão i ntersubj etiva ( p o r si multaneidade, concursai ou p o r
reciprocidade), p revista no inciso I do art. 7 6 do C ódigo de Processo Penal;
b) co nexão obj etiva o u lógica, p revista no inciso I I do art. 76 do Código de
Processo Penal;
c) co nexão instrumental ou probató ria, elencada no inciso I I I do art. 76 do
Código de Processo Penal.
TUBENCHLAK, James. Teoria do crime, p . 200.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p. 340.
118
INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
1 0 . 3 9 . C r i m e s fa l i m e n t a r e s
São aqueles p revistos pelos arts. 1 6 8 a 1 7 8 da Lei de Falências (Lei nq l . 1 0 1 ,
de 9 d e fevereiro de 2 0 0 5 ) .
1 0 . 40 . C r i m e s d e res p o n s a b i l i d a d e
A Co nstituição Federal, e m várias p assagens, faz menção ao chamado crime
de responsabilidade, conforme se verifica nos arts. 2 9 -A, § 2º- e § 3º-; 50, § 2º-; 5 2 ,
I e I I ; 8 5 e s e u parágrafo único; 1 0 2, I , c.
D a mesma fo rma, são vário s os diplomas legais que regulam os chamados
crimes d e responsabilidade, a saber: Lei nº- 1 . 079, de 10 de abril de 1 9 5 0 (define
os crimes de responsabilidade e regula o resp ectivo processo de j ulgamento) ;
Lei nº- 4 . 5 1 1 , de 1º- de dezembro de 1 9 64 (dispõe sobre o m e i o circulante, e dá
outras providências); Decreto-Lei nº- 20 1 , de 27 de fevereiro de 1967 (dispõe
sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, e dá outras providências) ;
Lei nº- 7 . 1 0 6, de 2 8 de j unho de 1 9 8 3 (defi n e os crimes de responsabilidade do
governador do D istrito Fed e ral, dos governadores dos Territórios Federais e
de seus respectivos secretários, e dá o utras p rovidências); Lei Complementar
nº- 1 0 1 , de 4 de maio d e 2 0 0 0 (estab e lece normas de finanças públicas voltadas
para a responsab i lidade n a gestão fiscal e dá outras p rovidências) ; dentre outras.
O STF, por intermédio da Súmula nº- 7 2 2 , posicionou-se no seguinte sentido:
Súm ula nª 722. São d a competência leg isla tiva d a Un ião a
defin ição dos crimes de responsabilidade e o esta belecime n to das
respectivas n orm as de processo e julgamen to.
Pelo que se p ercebe p o r i ntermé d i o das sanções previstas nos d i p l o mas
legais que cuidam d o crime d e responsabi l i dade, emb ora possuam essa
d e n omi n ação, não s e i nfligem sanções d e n atureza p enal, mas, sim, aquelas de
cunho p o lítico-administrativo, conduzindo à aplicação de sanções p o líticas, a
exe mp lo da p e rd a d o cargo, a i nabilitação por u m período predeterminado etc.
Por essa razão, o s crimes de responsabilidade, nos termos preconizados por
Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. E lias Rosa e M arisa F. Santos,
"correspondem a i nfrações político-administrativas cujas
sanções importam a vacância d o cargo, a desinvestidura do
agente e sua inabilitação por período de tempo certo para o
exercício de funções públicas. Consistem, assim, em sanções
não p e nais (art. 52, parágrafo único, da C F / 19 8 8 ) , e podem
ser apli cadas se m prejuízo destas". 144
C H I MENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio F. Elias; SANTOS, Marisa F. Curso de direito
constitucional, p . 271 .
1 19
VOLUME I I
ROG É RI O G RECO
1 0.4 1 . Crimes s u bs i d i á ri os
Crimes subsidiários s ã o aqueles cuj a aplicação depende de s e r afastada a
infração penal principal. São considerados, na expressão de H ungria, "soldados
de reserva". 145
A subsidiariedade p o de ser expressa ou tácita.
D iz-se expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz sua ressalva,
d eixando transparecer seu caráter subsidiário. Assim, nos termos do p receito
secundário do art. 1 3 2 do Código Penal, somente se aplica a pena p revista para
o delito de perigo para a vida ou a saúde de outrem s e o fato não constituir
crime mais grave. Crime d e p erigo é aquele em que há u ma p robabilidade de
dano. S e houver o dano, que não foi possível ser evitado com a punição do crime
d e p erigo, não se fala e m com etimento deste último. São também exemplos de
subs idiariedade expressa os delitos tipificados nos arts. 2 3 8, 2 3 9, 249 e 3 0 7,
to dos do Código Penal.
Fala-se e m subsidiariedade tácita ou impl ícita quando o artigo, emb ora não
se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, s o mente tem aplicação
nas hip óteses d e não oco rrência d e u m delito mais grave, que, neste caso, afasta
a aplicação da norma subsidiária. C o m o exemplo, podemos citar o art. 3 1 1 do
C ó digo d e Trânsito b rasi l e i ro, que proíbe a conduta de trafegar em velocidade
incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, h ospitais, estações
d e embarque e desembarque de p assageiros, l ogradouros estreitos, ou onde haja
grande movimentação o u concentração de pessoas, gerando perigo de dano. Se
o agente, deixando de observar o se u exigido dever de cuidado, imprimindo
vel o cidade excessiva e m seu veículo, p róximo a um dos l ugares acima referidos,
atropelar alguém, causando-lhe a m orte, não será responsabilizado p el o
citado art. 3 1 1, mas, si m, pelo art. 3 0 2 do m e s m o Cód igo, q u e prevê o delito d e
h o m i cídio culposo n a direção de veículo automotor. O crime de d a n o afastará,
p ortanto, o crime de perigo.
1 0 . 42 . C r i m e s f u n c i o n a i s
Crimes funcio n a is são aqueles que só podem ser p raticados por quem exerce
cargo, e mp rego ou função p ú b lica.
O art. 3 2 7 do C ó digo Penal defi n i u o conceito de funcionário p úb lico, que
deverá ser aplicado p ara fins de reconhecimento dos crimes funcionais, dizendo:
Art. 3 2 7 . Considera-se funcionário público, para os
e fe itos penais, quem, embora transitoriamente ou sem
remuneração, exerce cargo, emprego o u função pública.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . 1 , t. l i , p . 1 39.
120
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
§ 12 Equipara-se a funcionário público quem exerce
cargo, e mprego ou função em entidade paraestatal, e
quem trabalha para empresa p restadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade
típica da Ad m i nistração Pública.
O s crimes funcionais subdividem-se e m :
a) próprios;
b) imprópri os.
Crimes funcionais próprios são aqueles e m que a ausência da qualidade de
funcionário do agente to rna o fato u m i n di ferente penal, vale dizer, o fato passa
a ser completamente atípico, como acontece com o delito de prevaricação,
tipificado no art. 3 1 9 do C ó digo Penal.
Ao contrário, nos chamados crimes fun cion ais impróprios, uma vez afastada
a condição de funcionário público, o fato é desclas s ificado para outra i n fração
penal, a exemplo do que ocorre com o p eculato furto, p revisto pelo § 1 2 d o art. 3 1 2
do Código Penal. Aquele que, p o r exemplo, não gozando do status de funcionário
público, subtrai u m bem m óvel p ertencente à Administração Pública, deverá ser
responsabilizado p el o delito de furto.
1 0 . 4 3 . C r i m e s de a ç ã o m ú l t i p l a ou de c o n te ú d o v a r i a d o
S ã o conhecidos como de ação múltipla ou de con teúdo variado o s crimes que
p revee m uma m u ltiplicidade d e comportamentos nucleares, sendo que a p rática
de vá rios deles pelo agente não i m p o rta, consequentemente, também numa
multiplicidade de crimes.
N os crimes d e ação múltipla ou d e conteúdo variado, mesmo que o agente
p ratique várias condutas previstas n o tipo, deverá ser responsabilizado por
som ente uma i n fração penal.
Vej a-se, por exemplo, o art. 1 2 2 d o C ó digo Penal. Aquele que induz ou
instiga alguém a suicidar-se ou presta-l h e auxílio para que o faça, mesmo que,
hipoteticamente, tenha conseguido l evar a efeito os três comportamentos
p revi stos pelo tipo p enal, somente responderá por um único delito. Também é a
hip ótese do art. 3 3 da Lei n2 1 1 . 3 43 / 2 0 0 6, que diz:
Art . 3 3 . I mportar, exportar, remeter, preparar, produzir,
fab ricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer,
ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, m i n istrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas ainda que gratuitamente, sem autorização o u em
desacordo com d eterminação legal o u regulamentar.
121
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME [ [
Se o agente, p o r exemplo, além d e adquirir, tiver em depósito a droga para
fi ns de tráfico ilícito, some nte será responsabilizado por um único crime.
A doutrina, e ntretanto, ainda l eva a efeito uma diferença entre os crimes de
ação múltipla ou de conteúdo variado, dividindo os tipos penais que os p reveem
e m : tipo m isto a lternativo e tipo m isto cum ula tivo.
Seguindo as lições d e James Tubench lak,
"no tipo m isto alterna tivo, o agente responderá por um só
crime tanto se p e rfizer uma conduta dentre as enunciadas
alte rnativame nte quanto na hip ótese de vu lnerar mais de um
núcleo. Exe mp l o s: os t i p o s dos arts. 1 2 2 C P ('induzir', 'instigar'
ou 'auxiliar'), 1 5 0 C P ('e ntrar'ou 'permanecer') [ ... ] .
N o tipo m isto cumula tivo, onde igualm e nte existe mais d e um
n ú c le o , to rna-se obrigatória a multiplicidade de co ndutas por
pa rte do agente para que o delito se tenha p o r consumado.
Exemplos: art. 242 C P ('ocultar [ ... ] suprimindo ou alterando')
e art. 243 CP ('deixar [ ... ] o cultando-lhe [ ... ] ou atribuindo
-lhe') . Assim, na hip ótese referida de supressão ou alteração
de d i reito i nere nte ao estado civil de recém-nascidos, o crime
permanecerá em fas e de tentativa, se o agente, depois de
ocultar o neonato, não l ograr a alteração ou supressão de
di reito inerente ao estado civil". 146
1 0 . 4 4 . C r i m e s de f o r m a l i v re e c r i m e s de f o r m a v i n c u l a d a
Consideram-se de forma livre os crimes cuja redação típica não exige u m
comportamento especial, p reviamente definido, para fins de s u a caracterização,
a exemplo do que acontece com os delitos de h o micídio e lesão corporal. Pode
o agente causar a morte da vítima e fetuando um disparo contra ela o u mesmo a
impedindo de respirar, pela asfixia. O mesmo acontece com as lesões corporais,
em que a forma de sua comissão não veio predeterminada na lei penal.
Existe m, entretanto, outras infrações penais em que os tipos nos quais estão
p revistas determinam o modo como o delito deve ser praticado, vinculando-lhes
a forma de cometimento. São, po rtanto, delitos defo rma vin culada, como aco ntece
n a hip ótese de curandeirismo, e m que o art. 2 84 do Código Penal esclarece que o
exerce quem prescreve, ministra ou aplica, habitualmente, qualquer substância;
usa gestos, palavras ou qualquer outro meio; faz diagnósticos.
Damásio de Jesus ainda subdivide os crimes de forma vinculada e m :
a ) cumula tiva; e b) alterna tiva :
"O crime é de fo rma vinculada cumulativa quando o tipo p revê
várias ações do suj eito, como oco rre no caso do art. 1 5 1 , § 1Q, 1
TUBENCHLAK, James. Teoria do crime, p. 34-35.
1 22
I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL
CAPÍTULO 1
( Decreto- Lei nQ 2 9 . 1 5 1, de 1 7 - 1 - 1 9 5 1, art. 3 5 4, § lQ) , p osto que
não b asta o simples apossamento de correspondência alheia,
exigindo-se sua sonegação ou d estruição.
O crime é d e forma vinculada alternativa quando o tipo
prevê mais d e u m núcleo, e mp regando a disjuntiva 'ou', como
acontece nos arts. 1 5 0, capu t, 1 6 0, 1 6 1 , 1 64 etc." 1 47
1 0 . 4 5 . C r i m e s de e n s a i o o u de e x p e r i ê n c i a ( f l a g ra n te p re p a r a d o o u
provocado)
N élson H ungria atribui a denominação crimes d e ensaio o u de experiên cia
às hip óteses do chamado flagrante p reparado ou provo cado quando alguém
provoca, estimula o agente a p raticar a infração penal e, simultaneamente, toma
todas as providências necessárias para prendê-lo em flagrante delito.
Afirma N éls on Hungria:
"Somente na aparência é que o corre um crime exteriormente
perfeito. Na realidade, o seu autor é apenas o protagonista
inconsciente de uma comédia. O elemento subj etivo do
crime existe, é certo, em toda a sua plenitude; mas, sob o
aspecto obj etivo, não h á violação da lei penal, senão uma
inciente cooperação para a ardilosa averiguação da autoria
de crimes anteriores, ou uma simulação, embora ignorada
do agente, da exterioridade de um crime. O desprevenido
sujeito a tivo opera dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a
vigilância da autoridade policial ou do suposto paciente torna
impraticável a real consumação do crime. Um crime que, além
de astuciosamente s ugerido e ensejado ao agente, tem suas
consequências frustradas por m edidas tomadas de antemão,
não passa de u m crime i maginário. Não h á lesão, nem efetiva
exposição a perigo de qualquer i nteresse público ou privado." 148
1 0.46. C r i mes remetidos
D iz-se remetido o crime quando o t i p o penal remete o intérprete a outra
figura típica, para que ele possa ser entendido e aplicado, como aco ntece, por
exemplo, n a hipótese prevista pelo art. 304 do C ódigo Penal, que diz:
Art. 3 04 . Faze r uso de qualquer dos papéis fals ificados
ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 3 0 2 :
Pena - a cominada à falsificação o u à alteração.
J ESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 1 87.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. l i , p. 1 05-106.
123
VOLUME l i
ROGÉRIO G RECO
O art. 3 0 4 d o Código Penal, po rtanto, nos remete a outra infração penal, a
fim de que ele possa ser compreendido, não sendo, assim, autoss ufi ciente sua
redação.
O crime pode ser considerado como primariamente remetido na h ipótese da
chamada norma penal e m b ranco, n a qual a remessa é levada a efeito no p receito
primário do ti po penal incriminador, como ocorre no citado art. 3 0 4 do diploma
repressivo.
Também pod erá ser entendido como secundariamente remetido quando
a remessa disser respeito ao prece ito secundário da norma penal, como é o
caso, por exemplo, das normas penais incompletas ou imperfeitas, a exemplo
do transcrito art. 3 0 4 d o Código Penal, que diz ser a pena aquela cominada à
falsificação ou à alteração.
1 0 . 4 7 . C r i m e s a b e r r a n te s
D enominam-se crimes a berran tes a s três h ipótes es nas quais pode s e r levado
a efeito o raciocínio correspondente às aberratio, vale dizer: aberratio ictus,
aberratio criminis e, ainda, a berratio causae.
As duas primeiras encontram p revisão no Código Penal, sendo a última delas
definida pela doutrina.
A aberra tio ictus, que quer dizer d esvio no golpe ou aberração no ataque, veio
prevista no art. 73 do C ó d igo Penal que, sob a rubrica do e rro na execução, diz:
Art. 7 3 . Quando por acidente o u erro no uso dos meios
de execução, o agente, ao invés de atingir a p essoa que
pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como
se tivesse praticado o crime co ntra aquela, atendendo
-se ao disposto no § 3 º d o art. 20 deste Código. N o caso
d e ser também atingida a pessoa que o agente pretendia
o fender, aplica-se a regra do art. 70 deste C ódigo.
A aberratio crim inis ou a berratio delicti encontra guarida no art. 74 do Código
Penal que, discorrendo sobre o resultado diverso do p retendido, determinou :
Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando,
por acidente ou erro na execução do crime, s ob revé m
resultado d iverso do pretendido, o agente responde p o r
culpa, se o fato é previsto c o m o c r i m e culposo; s e ocorre
também o resultado p retendido, aplica-se a regra do
art. 70 deste Código.
124
I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE
ESPECIAL
CAPÍTULO 1
A últimahipótese dos crimes ab errante s d i z respeito à chamadaaberratíoca usae,
podendo-se concluir, por m ei o dela, que o resultado pretendido inicialmente
pelo agente pode ter advindo d e uma causa que p o r ele não h avia sido cogitada, a
exemplo daquele que, após e fetuar vários disparos contra a vítima, acreditando
que esta já havia morrido, j o ga o seu corpo e m um rio, oportunidade em que vem,
realmente, a morrer por afogamento, e não em virtude dos disparos s ofri dos.
A vítima, como se p ercebe, segundo a concepção do agente, devia ter m o rrido
em razão dos ferime ntos causados pelos d i sparos, e não por afogamento, sendo
este últi m o considerado, pois, como resultado aberrante.
1 0. 48. C r i mes i ntern a c i o n a i s
S ã o aqueles que dizem respeito à violação d e uma norma penal internacional
p revista e m tratado o u convenção i nternacional, suj eita à j u risdição do Tribunal
Penal I nternacional.
A E menda nQ 45, d e 8 de dezembro de 2 0 04, acrescentou os §§ 3Q e 4Q ao
art. S Q da Constitu ição Federal, assim redigidos, verbis:
§ 3Q Os tratados e convenções i nternacionais sobre
dire itos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do C ongresso Naci o nal, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às e m endas constitucionais.
§ 4Q O B rasil se submete à j urisdição de Tribunal Penal
Internacional a cuj a criação tenha manifestado adesão.
1 0 . 4 9 . C r i me s e m e r g e n t e s
São reconhecidos c o m o crimes emergentes aqueles que são fruto de uma
sociedade considerada como pós-moderna, a exemplo dos delitos cibernéticos,
os crimes ambientais, novas modalidades de extorsão mediante sequestro,
tráfico de drogas, de armas e de pess oas, lavagem de dinheiro, terro rismo,
crime organizado etc. São delitos que vão s urgindo à medida que a s o ciedade
vai s e "des envolvendo", criando novas reali dades, l evando, muitas vezes, o seu
combate e m nível i nternacional.
1 0 . 5 0 . C r i m e s c o n d i c i o n a d o s e c r i m e s i n c o n d i c i o n ad o s
A maioria d o s crimes n ã o exige qualquer condição externa para q u e possam
se configurar, razão pela qual são reconhecidos como crimes incondicionados,
a exemplo do que ocorre com o homicídio. Existem outras infrações pe nais,
contudo, que exigem a realização d e uma condição externa para restem
125
ROGÉRIO G RECO
VOLUME
li
caracterizadas, razão p el a qual são reconhecidos como crimes condicionados,
como é o caso, segundo as lições d e André Estefam, dos
"crimes fal i me ntares o u fal itários, cuja punibilidade depende
da superveniência da sentença que decreta a falência, concede
a recuperação j u dicial o u concede a recuperação extraj udicial
(art. 180 da Lei n" 1 1 . 1 0 1 / 0 5 ) . São também crimes
condici o nados aqueles p revistos n o art. 7", I I, do C P (casos de
extraterrito rialidade condicionada da lei penal brasileira) ". 149
1 0 . 5 1 . C r i m e s de t râ n s i t o
São todos aqueles praticados na direção de veículo automotor, em que terão
i n c idência os tipos penais p revistos n o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n"
9 . 5 0 3 / 9 7) , a exemplo do que ocorre com o s arts. 3 0 2 e 3 0 3 do aludido diploma
l egal, que preveem, respectivamente, o homicídio culposo e a lesão corp o ral
culposa, praticados na direção de veículo auto motor.
Caso o veículo automotor, por exemplo, seja utilizado como instrumento
p ara a p rática d e crime d e h om i cídio doloso o u m esmo de uma lesão corporal
também dolosa, não estaremos d iante d e u m verdadeiro crime de trânsito, mas,
s i m, d e infrações penais tipifi cadas no C ó digo Penal.
STEFAM, André. Direito penal - Parte geral, v . 1 , p . 1 02.
126
C A P ÍTU LO 2
I N T RO D U ÇÃ O A O S C R I M E S
C O N T RA A P E S S O A
1.
INTRODUÇÃO
Ao i niciarmos o estudo da Parte Esp ecial do C ó digo Penal, podemos p erceber
a preocupação do legislador no que diz respeito à proteção de diversos bens
j u rídicos. São 1 1 os títulos existentes que traduzem os bens que foram obj eto
de tutela pela lei penal, títulos esses que, por sua vez, fo ram subdivididos em
cap ítulos, individualizando, ainda mais, os bens j u ridicamente protegidos pelos
tipos penais incriminadores.
N o Título I, cuidou o Código Penal dos crimes co ntra a pessoa; no Título II,
dos crimes co ntra o patrimônio; no Títu l o I I I , dos crimes contra a propriedade
imaterial; n o Título IV, dos crimes co ntra a organização do trabalho; no Título
V, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos m o rtos; no
Título VI, dos crimes contra a dignidade sexual 1 ; no Título VII, dos crimes contra
a família; no Título V I I I, dos crimes contra a incolumidade púb lica; no Título IX,
dos crimes contra a p az pública; no Título X, dos crimes contra a fé públ i ca; e,
fi nalmente, no Título XI, dos crimes c ontra a Administração Pública.
A fi nalidade com este trabalho é tentar, ao máximo possível, trazer ao
conhecimento do público as questões mais dis cutidas e co ntrovertidas
con cernentes a cada tipo penal. A meta é dissecar cada infração penal, apontando
todos seus elementos.
M erece ser destacado, por oportuno, que a Parte Especial do Código P enal
( Decreto-Lei nu 2 . 848, de 7 de dezembro de 1 9 40) foi publicada no D iá rio
Oficial da União em 3 1 de dezembro de 1 940, j á tendo se passado, p o rtanto,
mais d e seis décadas desde então, motivo s ufi ciente para que seja estudada com
olhos críticos, visto que a sociedade, decorridos aproximadamente sessenta
anos, mudou radicalmente. Bens que, n o passado, eram tidos como de extrema
i mp o rtância, h oj e já perderam o seu val o r, razão pela qual ressaltamos a
importância da análise dos princípios penais fundamentais, que terão por
A Lei n ° 1 2. 0 1 5 , d e 7 d e agosto d e 2009, alterou o Título V I da Parte Especial d o Código Penal , que antes previa
os crimes contra os costumes, passando a dispor sobre os crimes contra a dignidade sexual.
127
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I l
fi nalidade apo ntar as debilidades daquelas i nfrações penais que j á não s e fazem
mais necessárias.
Sabemos tam b é m que, e m bo ra sendo datada de 1940, a Parte Es pecial do
Código Penal foi sendo, ao l o ngo dos anos, modi ficada por meio de refo rmas
po ntuais. N ovos artigos fo ram criados, o utros m odificados, enfim, embora antiga,
a P arte Especial do Código Penal sofreu p ro fundas modificações que tiveram o
condão de, em algumas s ituações, fornecer-lhe uma aparência j ovial, cuidando
d e temas que não mereceram a atenção do legislador o riginal, a exemplo da
i nserção do capítulo correspondente aos crimes contra as finanças públicas,
i nserido no Título XI, relativo aos crimes contra a Administração Pública, feita
pela Lei n" 1 0 . 0 2 8 , de 1 9 de o utubro de 2 0 0 0 ; ou, ainda mais recentemente, a
m o d ificação do art. 1 49, p o r intermédio da Lei nº- 1 0 . 8 0 3 , de 1 1 de dezembro
d e 2 0 0 3 , que p revê o delito d e redução à condição análoga à de escravo; sem
falar n a Lei nº- 1 0. 886, d e 17 d e junho d e 2 0 04, que criou o delito de violência
dom éstica, inserindo dois parágrafos (9º- e 1 0º-) ao a rt. 1 2 9 do C ó digo P e nal; além
das modificações feitas pela Lei nº- 1 1 . 3 40, de 7 de agosto de 2 0 0 6, que criou
mecanismos p ara coibir a violência d om éstica e familiar contra a mulher; pela
Lei nº- 1 1 .464, d e 28 d e março de 2 0 0 7 , que deu n ova redação ao art. 2º- da Lei
nº- 8 . 0 7 2 /9 0 ; pela Lei nº- 1 1 .4 6 6, d e 28 d e março de 2 0 0 7 , que alterou a Lei de
Execução Penal, bem como inseriu o art. 3 1 9 -A no Có digo Penal e pela Lei n"
1 2 . 0 1 5 , de 7 d e agosto de 2 0 09, que modificou o Títul o VI do C ódigo Penal,
fazendo menção, agora, aos chamados crimes contra a dignidade sexual etc.
O p roj eto original que culminou com o Código P enal de 1940 foi elaborado,
inicialmente, pelo D r. Alcântara M achado, professor da Faculdade de D ireito de
São Paulo, tendo sido entregue ao Governo Federal em 1 9 3 8 . O M inistro da Justi ça,
Dr. Francisco Campos, ao receber o aludido proj eto, entendeu por bem submetê
-lo a revisão, assim se manifestando e m sua Exposição de M otivos, item 1 :
1 . A matéria i m punha, entretanto, pela sua delicadeza e
p o r suas notórias dificuldades, um exame demorado e
m i nucioso. Sem desmerecer o valor do trabalho de que
se desincumbi ra o P rofessor Alcântara Machado, j ulguei
de bom aviso submeter o p roj eto a uma demorada
rev1sao, convocando para isso técnicos, que se
h ouvessem d istinguido não somente na teoria do delito,
como tam b é m na p rática da aplicação da l e i penal.
Assim, co nstituí a Comissão revisora com os ilustres
magistrados Vieira B raga, N élson H ungria e N a rcélio de
Queiroz e com um ilustre representante do M i ni stério
Público, o D r. Roberto Lira.
D urante mais de um ano a C o missão dedicou-se
quotidianamente ao trabalho de revisão, cuj os primeiros
128
l NTRODUÇÃO AOS CRJM ES CONTRA A P ESSOA
CAPÍTULO 2
resultados co muniquei ao eminente Dr. Alcântara
Machado, que, diante deles, remodelou seu proj eto,
dando-lhe uma nova edição. Não se achava, po rém,
ainda, acabado o trabalho de revisão. Prosseguiram com
a minha assistência e colaboração até que me parecesse
o projeto em condições de ser submetido à apreciação
de Vossa Excelência.
Dos trabalhos da Comissão revisora resultou este proj eto.
Emb ora da revisão houvessem advindo modificações
à estrutura e ao plano sistemático, não h á dúvida que o
projeto Alcântara M achado representou, em relação aos
anteriores, um grande passo no sentido da reforma da
nossa legislação penal. Cumpre-me deixar aqui consignado
o nosso louvor à obra do eminente patrício, cuj o valioso
subsídio ao atual projeto, nem eu, nem os ilustres membros
da Comissão revisora deixamos de reconhecer.
O importante, n este m o m e nto, é buscar reinterpretar os tipos penais da
Parte Especial do C ó digo Penal que foram recepcionados pelo texto de nossa
Lei Maior, permitindo, com isso, uma visão garantista, protetora dos direitos de
liberdade de to dos os cidadãos, merecendo sempre ser lembrada a máxima de
von Liszt quando dizia ser o Código a "Carta M agna do delinquente".
Interpretar os tipos penais incriminadores requer, portanto, uma visão libertária,
entendendo-se o tipo penal como garantia, e não como carrasco do cidadão.
M erece ser d estacado o fato d e que, ao longo de todos esses anos de vigência
da Parte E special do C ó digo Penal, várias modificações foram sendo realizadas,
como dissemos, por meio de reformas p o n tuais. Percebeu-se, a exemplo daquilo
que aconteceu com o Código Civil, h oj e e m vigor, e com o proj eto de Código de
Processo Penal, que ainda se encontra "guardado" no Congresso Nacional por
algum parlamentar, que introduzir no ordenamento j urídico um novo Código
seria missão quase i mpossível, uma vez q ue, dada a sua particularidade, ou
seja, ao fato de possuir centenas de artigos, caso um congressista não viesse a
concordar com a redação de tão some nte u m deles, p ediria vista para sua análise
e, consequ entemente, comprom eteria a discussão de todo o p roj eto.
O recurso às reformas p o ntuais, p ortanto, foi visto como uma alternativa que
teria o condão de atualizar a legislação e m vigor, i nserindo novos tipos penais,
ou mesmo retirando aqueles que fugissem à nossa realidade.
A Parte Especial do Código Penal está dividida em títulos, capítulos e seções,
ordenados s istematicamente, l evando e m consideração o bem j uridicamente
p rotegido. Sérgio de Ol iveira M édici, dissertando s ob re o tema, preleciona:
129
VOLUME l l
RoG ÉRJO G REco
"Quando se adota como critério de classificação o b e m
j urídico, deve-se entender n o sentido de q u e m e s m o q u e a s
características d e concreção próprias da parte especial afetam
em primeiro l ugar a a ntij uridicidade tipificada, esta é que h á
de servir d e base para a formação d o s grupos e subgrupos.
O be m j urídico adquire i mportância como critério regente
enquanto constitui a essência da antij uridicidade, porém não
é u m módulo exclusivo. O obj eto s ob re o qual recai a conduta,
o m e i o emp regado para cometer o delito e todas as demais
m o dalidades do tipo que transcendem a antij uridicidade
da conduta aqui também i n fluem. N a realidade, nenhuma
classifi cação das que p artem do b em j u rídico deixa de levar
em conta as aludidas m odalidades. P o r si só, o bem j urídico
é insuficiente para uma classificação exaustiva, pois existem
numerosos delitos que apresentam o mesmo obj eto de ataque,
por exemplo furto e roubo (a propriedade representada p elas
coisa móveis), o h o m i cídio, o i nfanticídio (vida h u mana) .
A p arte especial de um C ó d igo Penal não pode, p o rtanto,
apresentar uma sequência desordenada de normas
incriminadoras. Os tipos d evem ser nela dispostos de acordo
com u m critério l ógico e que propicie a melhor adequação
legislativa aos interesses da sociedade".2
Foi somente a partir do C ó digo Penal de 1 9 4 0 que a Parte E special teve
início com os chamados Crimes contra a Pess oa, ressaltando-se, dessa fo rma,
sua i mportância. Os C ó d igos que o a ntecederam, vale dizer, o Código Criminal
do I mp é rio do B rasil ( 1 8 3 0) e o primeiro C ódigo Penal p ublicado durante o
período republicano, denom inado C ó digo Penal dos Estados Unidos do Brasil
( 1 8 9 0 ) , iniciavam sua Parte Especial com os crimes co ntra a existência p olítica
do I mp é ri o e os crimes contra a existência política da Repúb lica, demonstrando,
com isso, a preponderância do Estado sobre o cidadão.
O Código Penal de 1 9 40 rompeu com essa regra, iniciando sua P arte Especial
com o Título I, relativo aos Crimes co ntra a Pessoa, que é comp osto pelos
seguintes capítulos e seções: Capítul o I - Dos Crimes contra a Vida; Capítul o
I I - D a s Lesões C o rporais; Capítu l o I I I - Da Periclitação da Vida e da Saúde;
Capítul o IV - D a Rixa; Capítulo V - Dos Crimes contra a H o n ra; Capítulo VI - Dos
Crimes co ntra a Liberdade I n dividual: Seção I - Dos Crimes contra a Liberdade
Pessoal; Seção II Dos Crimes contra a I nviolab i l i dade do D o m icílio; Seção III Dos Crimes contra a Inviolabilidade de C o rrespondência; Seção I V - D o s Crimes
contra a Inviolabilidade dos S egredos.
-
N os próximos capítulos, faremos a análise pormenorizada dos crimes contra
a pessoa.
M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais, p . 1 52-1 53.
1 30
C A P ÍT U LO 3
H OMI C Í D IO
H o micídio s i mples
Art. 1 2 1 . M atar algu é m :
P e n a - reclusão, de 6 (seis) a 2 O (vinte) anos.
Caso de diminuição d e pena
§ 1 " Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo
em seguida a inj usta provocação da vítima, o j uiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.
H o m icíd io qual ificad o
§ 2" Se o h o micídio é cometido :
1 - mediante paga ou promessa de re compensa, ou p o r outro
motivo torpe;
II - por motivo fútil;
I I I - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou d e que possa resultar perigo
comum;
IV à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do o fendido;
-
V - para assegurar a execução, a o cultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime :
Pena - reclusão, de 1 2 (doze) a 3 0 (trinta) anos.
H o micídio culpo so
§ 3° Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aume nto de pena
§ 4" N o homicídio culposo, a pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) ,
se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão,
arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à
131
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
vítima, não procura d i minuir as consequências do seu ato, ou foge
para evitar a prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a
pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) se o crime é praticado contra
pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
§ 5u N a hipótese d e homicídio culposo, o juiz poderá deixar
d e aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o
próprio agente de fo rma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária.
§ 6º A pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) até a metade se o crime
for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de
serviço de segurança, ou por grupo de extermínio (incluído pela
Lei nª 1 2. 720, de 27 de setembro de 2012).
1.
O P R I M E I R O H O M I C ÍD I O
D e todas a s infrações penais, o homicídio é aquela que, efetivamente,
desperta mais i nteresse. O homicídio reúne uma mistura de sentimentos ódio, ranco r, invej a, paixão etc. - que o torna um crime especial, dife rente dos
demais. N ormalme nte, quando não estamos diante de criminosos p ro fissionais,
o homicida é autor de u m único crime do qual, normalmente, se arrepende.
A Bíblia nos relata a h istória do primeiro homicídio, cometido por Caim
co ntra seu irmão Abel, em Gênesis, Capítulo 4, versículo 8 . Caim agiu impelido
por u m sentime nto de i nveja, pois D eus havia se agradado da o ferta trazida pelo
seu irmão Abel e rej eitado a dele. Dessa fo rma, Caim chamou Abel para com ele
ir ao campo e, lá, o matou.
Pelo fato de ter causado a morte de seu irmão, Deus puniu Caim amaldiçoando-o,
fazendo com que passasse a ser um fugitivo e errante pela Terra. Caim, prevendo
que ta mbém seri a mo rto como vingança pelo crime por ele praticado, disse a
D eus, em Gênesis 4, versículos 1 3 a 1 6 :
" É tamanh o o meu castigo, que j á não posso suportá-lo. Eis
que hoje m e lanças da face da Terra, e da tua presença h ei de
esconder-me; s e rei fugitivo e errante pela Terra; quem comigo
se encontrar m e matará. O S E N H O R, porém, lhe disse: Assim
qualquer que matar Caim será vingado sete vezes. E pôs o
S E N H O R um sinal em Caim para que o não fe risse de morte
quem quer que o enco ntrasse. Retirou-se Caim da presença
do S E N H O R e habitou na terra de N ode, ao oriente do É den."
Como regra, no instante imediatamente segui nte ao do crime p raticado,
o homicida percebe as consequências de seu ato. É tomado, então, por um
sentimento de medo, incerteza, i nsegurança, fragilidade ... A partir daquele
in stante, ele se tornará um fugitivo de s i mesmo.
1 32
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
A Bíblia ainda faz a distinção entre o h o m icídio doloso e aquele p raticado
culposamente. Para este último, foram criadas as cidades de refúgio, de stinadas
a aco lhe r o agente que, d e maneira culposa, causou a mo rte de alguém, a fim de
não ser morto, também, pelo vingador d e sangue. Aquele que passasse a viver
nessas cidades de refúgio estaria a salvo da vingança privada. Se, entretanto,
o h o micídio fosse d o loso, não i mportando o lugar onde estivesse o agente, ele
seria entregue nas mãos do mencionado vingador para que morresse. 1
Há, também, criminosos frios, que se ntem p razer ao ver o s o frimento
da víti ma, que p raticam atro cidades inomináveis, como temos presenciado
nos meios de comunicação. Val o res são deixados de lado, para darem lugar a
sentimentos desprezíveis. Filhos causando a morte de seus pais, com a fi nalidade
de h e rdar-lhes os b ens, maridos matando suas esposas para fi carem com suas
amantes, enfim, o delito de h o m i cídio, dentre todas as i nfra ções penais, é aquele
que requer estudo mais detalhado, dada a sua complexidade.
2.
H O M I C ÍD I O S I M P L E S , P R I V I L E G I A D O E Q U A L I F I C A D O
O homicídio simp les, previsto n o capu t d o art. 1 2 1 d o Código Penal, cuja pena
de reclusão varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, possui a redação mais compacta de
todos os tipos penais incriminadores, que diz: matar alguém. É composto, portanto,
pelo n úcleo matar e pelo elemento obj etivo alguém. Matar tem o significado de tirar
a vida; alguém, a seu turno, diz respeito ao ser vivo, nascido de mulher. Somente
o ser humano vivo pode ser vítima do delito de homicídio. Assim, o ato de matar
alguém tem o sentido de ocisão da vida de um homem por outro homem.
D essa fo rma, podemos i d entificar, com clareza, nesse tipo penal, o núcleo
do tipo, o sujeito ativo, o suj eito passivo, o obj eto material, b em como o bem
j u ri d icam ente p rotegido.
O § 1u do art. 1 2 1 do Código Penal p revê o chamado h omicídio privilegiado.
Na verdade, a expressão hom icídio privilegiado, embora largamente utilizada
pela doutrina e pela j u risprudência, nada mais é do que uma ca usa especial de
redução de pena, tendo influência no terceiro momento da sua aplicação. Para
que pudesse, efetivam ente, usufruir o status de p rivilegiado, as penas mínima e
máxima p revistas n o mencionado parágrafo deveriam ser menores do que as do
cap u t. Como isso não acontece, existe ali, tão somente, uma minorante, ou seja,
uma causa de redução de pena, tal como informa a sua rubrica, cuj os elementos
serão vistos em tópico próprio.
Localizado após as causas d e diminuição de pena encontra-se o h o micídio
qualificado, cominando uma pena de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos,
para aquele que causar a morte de algué m : 1
mediante paga ou promessa
de recompensa, ou por outro motivo torpe; II
por motivo fútil; I I I
com
-
-
-
B Í BLIA SAGRADA. A. T. Deuteronômio 1 9 : 1 - 1 3 .
133
VOLUME l i
ROG É RIO G RECO
e mp rego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, to rtura o u outro meio insidioso o u
cruel, ou de q u e possa resultar p e rigo comum; IV à traição, d e embo scada,
ou mediante dissimulação ou o utro recurso que dificulte o u torne imposs ível a
defesa do ofendido; V para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime. Sendo qualificado o h omicídio, deverá o j u lgador, após
concluir que o fato praticado pelo agente era típico, ilícito e culpável, levando
e m consideração o critério trifásico do art. 6 8 do Código Penal, fixar a pena
-base nos limites nele p revistos. Cada uma das qualificadoras também m erecerá
análise individualizada mais a diante.
-
-
3.
C LA S S I F I CA Ç Ã O D O U T R I N Á R I A
Crime comum, tanto n o que diz respeito ao sujeito ativo, quanto a o sujeito
passivo; simples; de forma l ivre (como regra, pois existem m odalidades
qualifi cadas que indicam o s meios e modos para a p rática do delito, como
oco rre nas hipóteses dos i ncisos I I I e IV) , podendo ser cometido dolosa ou
culposamente, comiss iva ou omissivamente (nos casos de om issão i m p rópria,
quando o agente possuir sta tus de garantidor) ; de dano; material; instantâneo
d e e fe itos p ermanentes; não trans eunte; monos subj etivo; plurissubsistente;
podendo figurar, também, a hip ótese de crime de ímpeto (como no caso da
viol enta emoção, logo e m seguida à inj usta p rovocação da vítima).
4.
S U J E I T O ATIVO E S U J E IT O P A S S I V O
Sujeito a tivo do delito d e homicídio pode s e r qualquer pessoa, haja vista
tratar-se de um delito comum, uma vez que o tipo penal não delimita sua prática
por determinado grupo de pess oas que possua alguma qualidade especial.
Sujeito passivo, da mesma fo rma, também pode ser qualquer pess oa, em face da
ausência de qualquer especificidade constante do tipo penal. É, portanto, o ser
vivo, nascido d e mulher.
O importante é que o matar alguém seja entendido como a morte de um homem,
produzida por outro homem, afastando-se, portanto, por absurdo e atípico, o
folclore que se escuta no meio forense de casos em que j á h ouve denúncia em face
de alguém que provocou a morte de uma vaca, um cacho rro etc.
Também s o me nte h ave rá homicídio se, ao tempo da ação ou da omis são,
a vítima se encontrava com vida, pois, caso co ntrário, estaremos diante da
h i pótese d e crime impossível, em razão da absol uta impropriedade do obj eto.
S ituação que merece análise mais apro fundada, mesmo que incomum, é a
do hom icídio p raticado p o r xifópagos, ou irmãos siameses. Se ambos, de comum
acordo, resolverem matar alguém, serão condenados pelo delito de h omicídio,
se não houver qualquer causa que exclua a ilicitude ou afaste a culpabilidade,
devendo, po rtanto, se for o caso, cumprir as penas a eles aplicadas.
134
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
A partir do momento do i n ício do cumprimento da pe na, ou no caso em
que não agiam unidos pelo vínculo p si co lógico, na h ipótese em que um deles
não queria causar a morte da víti m a, o raciocínio s e torna mais interessante,
mesmo que tão s o mente acadêmico, pois, até o momento, nunca ouvimos falar
de "xifópagos hom icidas".
C o ntudo, as soluções seriam as seguintes: como os irmãos siameses possuem,
cada qual, sua personalidade d istinta da do outro, no momento de fixação da
p ena, l evando em consideração, principalmente, o art. 59 do Código Penal,
podem receber, ao final do cálculo relativo ao critério trifásico previsto pelo
art. 6 8 do Código Penal, penas diferentes, sendo um deles, por exemplo,
punido mais s everamente do que o o utro. O que fazer na h ipótese, quase que
inimaginável, d e u m dos irmãos siameses j á ter conquistado o tempo para que
possa ser colocado em liberdade, enquanto o outro, não? N esse caso, sendo
impossível a sep aração cirúrgi ca, a m b os devem ser colocados em liberdade, sob
pena d e se tornar ilegal a prisão daquele que havia alcançado esse direito.
C o m o segunda h i p ótese, colocamos o caso de homicídio praticado por um
dos xifó pagos, sem que tenha havi do o acordo de vontade do outro, o u seja,
sem que se possa falar e m concurso d e pessoas. N esse caso, como professa
Bento d e Faria, "a decisão deve ser proferida em favor da liberdade,"2 razão
pela qual o irmão siamês que não desejava o resultado m o rte não p o derá ser
punido, reflexamente, em virtud e do comportamento do outro irmão, sendo que
a solução será a impunidade do fato.
Podem os siameses, contudo, ser vítimas, também, do delito de homicídio. Se
o agente queria a mo rte de ambos, a questão é relativamente s imples, devendo
responder por dois crimes d e h o micídio, em concurso formal i mpróprio, uma vez
que, p o r exemplo, ao atirar contra os xifópagos, agia com desígnios autônomos,
almej ando a mo rte de ambos, d evendo, outrossim, de acordo com a parte final
do art. 7 0 do Código Penal, ser aplicadas cumulativamente as penas.
O que fazer, e ntretanto, na h i pótese e m que o agente era, por exemplo, amigo
de A e inimigo de B, e queria tão some nte causar a morte deste último, m esmo
sabendo que e ram siameses i nsep aráveis cirurgicamente? Hungria, com o
auxílio de Manzini, responde a essa i ndagação dizendo:
" N o caso dos in divíduos duplos ou xifópagos, ter-se-á sempre
um duplo homicídio doloso, ainda que a ação imediata do
criminoso tenha atingido u m só dos seres unidos. É o que
observa Manzi n i : 'se o c ri minoso queria matar ambos os
irmãos siam eses, é claro que responde por dois h o micídios
dolosos, em concurso material; se sua ação era determinada
pelo propósito de matar um só, implicava, por necessidade
FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado, p . 8.
135
RoG É RJO G REco
VOLUME l i
lógica e bioló gica, a vontade de matar ambos, de vez que a
mo rte de um d etermina, n o rmalmente, também a morte do
outro, e, assim, q uanto a esta, subsiste o dolo eventual'. No caso
excepcio nalíssimo, em que uma pro nta e e fi caz i ntervenção
cirú rgica logre salvar a vida de um deles, o réu responderá
por h o micídio consumado e tentativa de homicídio.''3
Ousamos discordar, perm issa ven ia, somente da conclusão relativa ao
elemento subj etivo do agente que dirige sua conduta co ntra um dos irmãos
siameses. Se o resultado com relação a ambos seria certo, mesmo que o agente
quisesse a mo rte somente de um deles, atuaria com dolo direto de primeiro
grau com relação à vítima cuja morte queria causar, e dolo direto de segundo
grau com relação ao siamês, cuj o resultado não p retendia inicial mente, mas que,
e m razã o da s ituação, seria certo de acontecer, visto que são inseparáveis. Se,
por u m milagre, o irmão siamês so b reviver, agora s im, inevitavelmente, deverá
responder pelo homicídio consumado, em concurso com a tentativa de h omicídio,
uma vez que, tratando-se d e dolo eventual, não admiti mos tal possibilidade.
D essa forma, será tão s o mente admitida a tentativa nas hi póteses de dolo
direto, sendo ele de pri m e i ro o u segundo grau, não s e admitindo tal possibilidade
quando o dolo for eventual, conforme j á discorremos no estudo correspondente
à Parte G eral do C ó d igo Penal, para onde remetemos o leitor.
A Lei de S egurança Naci onal (Lei nu 7 . 1 7 0 / 8 3 ) especializou o h omicídio
no que diz respeito ao seu suj e ito pas sivo, cominando pena de reclusão, de
1 5 (quinze) a 3 0 (trinta) a n o s, n a s hip óteses de s er em vítimas de h omicídio
o Presidente da Repúbl i ca, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da
C âmara dos D e putados ou o do Supremo Tri bunal Fed eral, conforme se verifica
da l e itura d e seu art. 2 9 .
5 . O B J ET O M A T E R I A L E B E M J U R I D I CA M E N T E P R OT E G I D O
Objeto m a terial do delito é a pessoa contra a qual recai a conduta p raticada
pelo agente. Bem juridicam e n te pro tegido é a vida e, num sentido mais amplo,
a pess oa, haja vi sta que o delito de h o m i cídio encontra-se inserido no capítulo
corresp ondente aos crimes co ntra a vida, no Título 1 do C ódigo Penal, que prevê
os crimes contra a pessoa.
O caput do art. 5"- de nossa Co nstituição Federal assevera que todos são ig uais
perante a lei, sem distinção de qualquer n atu reza, garan tindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residen tes no País a inviolabilidade do direito à vida [ ... ] . Embora a
Lei Maior nos tenha assegurado esse di reito, a vida pode ser considerada como um
direito absoluto do cidadão? A resposta a essa indagação só pode ser negativa. Isso
porque, mesmo sendo o mais importante de to dos, o direito à vida não é absoluto,
3
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p . 37.
136
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
pois a Constituição da República, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena
de morte, nos casos de guerra d eclarada, nos termos do seu art. 84, XIX.
Se não bastasse, ainda existem e m favor do agente que elimina a vida de seu
semelhante as causas de j ustifi cação, a exemplo do estado de necessidade e da
l egítima d efesa, como ainda algumas dirimentes, como aco ntece nas h i póteses
em que era i nexigível um outro comportamento do agente.
I ndependentemen te das exceções que têm p o r finalidade j u stificar a regra, a
p roteção da vida, p o r intermédio do a rt. 1 2 1 do Código Penal, começa a p artir
do início do p arto, encerrando-se com a morte da vítima. I s s o quer dizer que,
uma vez i niciado o trabalho d e parto, com a dilatação do colo do útero ou com
o rompimento da membrana amnióti ca, sendo o parto n ormal, ou a p artir das
incisões das camadas ab dominais, n o parto cesariana, até a morte do ser humano,
que ocorre com a morte encefálica, n o s termos do art. 3.u da Lei nº 9 . 4 3 4/97,
m e s mo que haja v i d a i ntrauterina, p o d e rá ocorrer o delito em estudo.
A prova da vida, p ortanto, é indispensável à caracterização do h omicídio.
H ungria afirma:
"Somente pode ser suj eito passivo do h o micídio o ser humano
com vida. Mas o que é vida? Ou, mais precisamente : como ou
quando começa a vida? Dizia Gasper: 'viver é respirar; não ter
respirado é não ter vivido'. Formulado assim i rrestritamente,
não é exato o conceito, ainda m esmo que se considerasse vida
so mente a que se apresenta de modo autônomo, per se stan te,
j á inteiramente destacado o feto do útero materno. A respiração
é uma prova, ou melhor, a i n falível p rova da vida; mas não é
a imp rescindível condição desta, nem a sua única p rova. O
neonato apnéico ou asfíxico não deixa de estar vivo pelo fato de
não respirar. Mesmo sem respiração, a vida pode manifestar
-se por outros sinais, como sejam o movimento circulatório,
as p ulsações do coração etc. É de n otar-se, além disso, que a
própria destruição da vida b iológica do feto, no início do parto
(com o rompimento do saco amniótico) , já constitui homicídio,
embora eventualmente assuma o título de infan ticídio".4
Como se pode perceber pelas l ições de H ungria, in iciado o parto (normal ou
cesárea) , comprovada a vitali dade do nascente, ou seja, aquele que está nascendo,
ou do neo nato, isto é, o que acabou d e nascer, já p odemos p e nsar, em termos de
crimes co ntra a vida, no delito de h o m i cídio, ou, caso tenha sido p raticado p ela
gestante, sob a i n fluência do estado puerperal, n o crime de in fanticídi o .
N o que d i z respeito à possibilidade d e ocorrência do delito de h omicídio,
ainda h avendo vida i ntrauterina, mesmo depois de já ter sido i niciado o parto,
há divergência em nossa doutrina.
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V , p. 37-38.
1 37
VOLUME l i
ROGÉRIO G RECO
Cezar Roberto B itencourt, com precisão, esclarece:
"A vida começa com o início do parto, com o rompimento
do saco amniótico; é sufi c iente a vida, sendo i n diferente a
capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de
aborto. Assim, a si m p l e s d estruição da v ida b iológica do feto,
no início do parto, já constitui o crime de homicídio."5
E m s e ntido contrário, N ey M oura Teles afirma que "homicídio é a destruição
da vid a humana extrauterina, praticada por outro ser humano''.6
Acreditamos não haver necessidade de vida extra uterina para que se possa falar
em homicídio. O início do parto encerra, na verdade, a possibilidade de prática do
delito de aborto e dá início ao raciocínio dos crimes de homicídio e infanticídio.
D eve ser destacado, por op o rtuno, que a inviab ilidade de o feto permanecer
vivo depois do rompimento do cordão umbilical não afasta a ocorrência do delito
de homicídio. Assim, suponhamos a h ipótese de feto anencéfalo, cuj a s ob revi da
será quase que nenhuma após o rompim ento do cordão umbilical. Se alguém
vier a causar a sua morte, mesmo que essa fosse ocorrer poucos m in utos após
a conduta do agente, sendo, portanto, u m fato inevitável, ainda assim deverá
responder pelo crime d e h o m icídio.7
C om a morte e ncerra-se a proteção pelo art. 1 2 1 do Código Penal. A Lei
nº 9 . 4 3 4/ 9 7, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante e tratamento, esp ecificando o m o mento em
que se considera extinta a vida, diz e m seu art. 3º:
Art. 3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou
p artes do corpo humano destinados a transplante ou
tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte
encefálica, constatada e registrada por dois médicos não
participantes das equipes de remoção e transplante,
mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos
definidos por resolução do Conselho Federal de M edicina.
6.
E XA M E D E C O R P O D E D E L I T O
Tratando-se de crime material, i n fração penal q u e deixa vestígios, o h omicídio,
para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame
de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 1 5 8 e 1 6 7
d o C ódigo d e Processo Penal, verbis:
BITENCOU RT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2, p. 3 1 .
TELES, Ney Moura. Direito penal, v. 1 1 , p . 50.
Para aqueles que adotam a teoria da imputação objetiva, talvez fosse possível o raciocínio pertinente à vertente
relativa ao incremento do risco, fazendo com que o agente não respondesse pela morte do nascente ou neonato a
título de homicídio, uma vez que o resultado, com ou sem o seu comportamento, certamente ocorreria. Para mais
detalhes, cf. nosso Curso de direito penal - Parte geral.
138
H üMICiDIO
CAPÍTULO 3
Art. 1 5 8. Quando a infração deixar vestígios, será
indispe nsável o exame de corpo de delito, direto ou
i n direto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 1 6 7 . Não sendo possível o exame de corpo de
delito, por haverem desaparecido os vestígios, a p rova
testemunhal p o d erá suprir-lhe a falta.
Con forme esclarece Eugênio Pacelli d e Ol ivei ra,
"deixando vestígios a infração, a materialidade do del ito e/ou
a extensão de suas consequ ências deverão ser obj eto de prova
pericial, a ser realizada diretamen te sobre o obj eto material
d o crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo
desaparecimento i n evitável do vestígio, de modo in direto.
O exam e indireto será feito também por meio de peritos, s ó
que a partir de informações p restadas por testemunhas o u
p e l o exame de do cumentos relativos a o s fatos cuja existência
se quiser provar, quando então se exercerá e se obterá apenas
u m conhecimento técnico por dedução".8
Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo
de delito, seja ele direto, seja indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe
a falta, nos termos preconizados pelo art. 1 6 7 do Código de Processo Penal.
D everão os expertus, po rta nto, confeccionar o necessário laudo pericial com
base no exame direto no corpo da vítim a, ou, ainda, por meio de i nfo rmações
(documentos, materiais, testemunhos etc.) que lhes façam concluir pela sua
mo rte, narrando, precisamente, os motivos pelos quais são levados a acreditar
na sua efetiva oco rrência.
S omente não havendo possibilidade d e confeccionar o laudo pericial é que a
prova testemunhal poderá ser considerada, em substituição a ele.9
Estamos com Cezar Roberto B itencourt quando preleciona:
"Uma coisa é afirmarem as testemunhas que viram tais ou
quais asp ectos o u vestígios, e outra é os pe ritos concl uírem
através da análise realizada pela existência da materialidade
do crime. Todos recordam a fatídica perda do saudoso Ulysses
Guimarães, em 1 99 2 , com a queda do helicóptero no mar.
Aquela si tuação poderia dar l ugar ao exame indireto do corpo
de delito ou, dependendo das circunstâncias, ser este suprido
pela p rova testemunhal. Se tivessem sido encontrados no
fundo do mar vestígios da queda do helicó ptero, com pertences
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal, p . 421 .
Quanto ao procedimento de registro civil sem que haja a localização do corpo, a Lei nº 6.01 5/73 prevê, em seu
art. 88, a possibilidade de justificação de óbito.
139
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l l
d a vítima, destroços com peças d e seu vestuário o u até partes
d e seu o rganismo, caberia o exame indireto de corpo de delito,
a ser realizado p elos peritos. Contudo, se nada disso fo sse
enco ntrado, o exame indireto seria i mpossível, mas poderia
ser suprido pela p rova testemunhal, inquirindo-se alguém
que tivesse presenciado o e m barque na aeronave, o sobrevoo
do mar com dificuldades de s ustentação e a própria queda no
mar; estar-se-ia diante da hip ótese do art. 1 6 7 do C P P." 1º
7.
E L E M E N TO S U BJ E T I V O
O elemento subj etivo constante do cap u t do art. 1 2 1 do Código Penal é o
dolo, ou seja, a vontade l ivre e consciente de matar alguém. O agente atua com o
chamado a n im us n ecandi ou a n im us occidendi. A conduta do agente, portanto, é
dirigida finalisticamente a causar a m o rte de um homem.
Admite-se que o d el ito seja cometido a título de dolo direto quando o agente
quer, e fetivamente, a produção do resultado mo rte, ou quando assume o ri sco de
produzi-lo, atuando, outrossim, com dolo eve ntual.
Pode ocorrer, portanto, o h o m i cídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de
primeiro ou de segundo grau, como eventual.
8 . M O DA L I D A D E S C O M I S S I V A E O M I S S I VA
Pode o delito ser p raticado comissivamente quando o agente dirige sua
conduta com o fim de causar a morte da vítima, ou omissivamente, quando de ixa
de fazer aquilo a que estava o b rigado em vi rtude da sua qualidade de garantidor
(crime omissivo impróprio), conforme preconizado pelo art. 1 3, § 2.u, alíneas a,
b, e e, do Código Penal, agindo dolosamente em ambas as situações.
Isso significa que o agente pode causar a morte de seu desafeto ati ran do
co ntra ele, ou, como no caso da mãe que, na qualidade de garantid o ra de seu
filho recém-nascido, almejando a sua morte, não lhe fornece a alimentação
necessária à sua s o b revivência.
A redação contida no art. 1 2 1 do Cód igo Penal, po rtanto, prevê um
comportamento comissivo, que poderá, entretanto, ser praticado v ia o missão,
e m virtude da posição d e garante ocupada pelo agente.
BITENCOU RT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2, p. 40.
1 40
H OMICÍDIO
9.
CAPÍTULO 3
M E I O S D E E X E C U Ç ÃO
D e lito de fo rma livre, o homicídio pode ser praticado me diante diversos
meios, que podem ser subdivididos em: a) diretos; b) indiretos; e) materiais;
d) morais.
Podemos citar como exemplos de meios diretos na p rática do h omicídio
o disparo de arma de fogo, a esganadura etc.; indiretos, o ataque de animais
açulados pelo dono, loucos estimulados; os meios m a teriais podem ser
mecânicos, químicos, patológicos; o s meios mora is são, p o r exemplo, o su sto, o
medo, a emoção violenta.
1 0.
C O N S U M AÇÃO E T E NTATIVA
A consumação do delito d e h o m icídio oco rre c o m o resultado m o rte, j á
mencio nado, sendo, i n casu, perfeitamente admissível a tentativa, tendo em
vista tratar-se d e crime material e plurissubsistente, sendo possível a h ipótese
de fracionamento do iter criminis.
O agente, portanto, deverá agir com a n im us necandi, dirigindo fi nalisticamente
sua conduta no sentido de causar a m o rte da vítima.
Apesar da possibilidade de o resultado morte ocorrer até mesmo dias,
ou meses após a p rática da conduta l evada a efeito pelo agente, para fins de
aplicação da lei penal, consi dera-se p raticado o crime, nos termos do art. 4u
do Código Penal, no m o mento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o
m o mento do resultado.
Entretanto, com o obj etivo de apontar o termo i nicial da prescrição,
conforme determina os incisos 1 e II do art. 1 1 1 do C ódigo Penal, levaremos em
consideração : I o dia em que o crime se consumou, vale dizer, no caso do delito
de homicídio, quando ocorrer, e fetivam ente, a morte da vítima; I I no caso de
tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa.
-
-
Após o advento da Lei nu 9 . 4 3 4/ 9 7, que dispôs so bre a remoção de órgãos,
tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, adotou
-se a m orte encefálica como momento d e cessação da vida, devendo, pois, nos
termos do art. 3u do mencionado diploma l egal, para efeitos das finalidades por
ela previstas, ser constatada e registrada por dois médicos não participantes
das equipes de re moção e transplante, m e diante a utilização de critérios clínicos
e tecno lógicos definidos por resolução do Conselho Federal de M edicina.
141
ROGÉRIO G RECO
11.
VOLUME I I
H O M I C ÍD I O P R I V I L E G I A D O
O § 10· do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal cuida do chamado h om icídio p rivilegiado.
N a verdade, como já dissemos, trata-se d e uma causa especial de diminuição de
pena, 1 1 aplicada às hipóteses nele p revistas.
O mencionado parágrafo cuida d e duas situações distintas. Na sua primeira
parte, a minorante s erá aplicada quando o agente comete o crime i mp elido por
m o tivo de releva n te valor social ou m ora l. N a segunda parte, j á não se tem que
perquirir a relevância so cial o u m o ral que motivou o agente a atuar, causando a
morte da vítima. Agora, numa situação disti nta da anterior, age sob o domín io de
viole n ta emoção, logo em seg u ida a injusta provocação da vítima.
Como se p ercebe, para que se possa erigir em favor do agente a diminuição de
pena relativa ao motivo d e relevante val o r social ou moral, não há necessidade
que tenha sido injustamente p rovocado pela vítima. São, p ortanto, situações
distintas que importam e m redução da pena.
Na qualidade de minorante ou causa de diminui ção de pena, deverá ser
aplicada a redução d e u m s exto a u m terço no terceiro momento p revisto pelo
art. 68 do Código Penal.
E mb o ra a lei diga que o j u i z pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do
j ulgador, senão direito subjetivo do agente em ver d i mi nuída sua pena, quando
seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas s ituações elencadas
pelo parágrafo.
Luiz Regis Prado, analisando o dispositivo em questão, esclarece:
"A redução de pena expressamente consignada no citado
dispositivo seria ob rigatória o u meramente facultativa? Trata
-se de questão assaz conflitiva, cuj a solução não é unitária. Parte
da doutrina d ivisa que a dimi nuição da sanção penal imposta
é facultativa, j á que a própria Exposição de M otivos (Decreto
- Le i no. 2 . 848/40) se pronunci ava nesse sentido. De outro lado,
defende-se a obrigatoriedade da atenuação da pena, com
lastro na soberania do j ú ri, constitucionalmente reconhecida
(art. su, XXXVI I I, C F) . Com e feito, sendo o homicídio delito de
comp etência do Tribunal d o Júri, ter- se-ia manifesta violação
da s ob erani a dos veredictos na hipótese de não realização
Interessante a colocação de George Fletcher quando diz: "A percepção refinada de como os homicidas
interagem com suas vítimas distingue o homicidio de outros crimes. Em outras áreas da lei penal, onde as vítimas
contribuem para o seu próprio prejuízo, resistimos em diminuir a severidade do crime trasferindo para ela parte da
culpa. Não há mitigação no furto de veículo se o proprietário descuidadamente deixar as chaves no carro, como
tampouco atenua um ataqu e a um turista que estivesse andando à noite pelo parque, e tampouco há mitigação
legal do estupro se a vítima desenvolve uma conduta sexualmente provocativa. Ao contrário, cabe uma atenuação
do homicídio sobre a base das ações da vítima junto ao homicida" (Las víctimas ante e/ jurado, p. 42-43). No
Brasil, no entanto, o comportamento da vítima será levado em consideração no momento da fixação da pena-base,
conforme determina o art. 59 do Código Penal, ou, ainda, como circunstância atenuante, a exemplo do que ocorre
com o art. 65, I l i , c, do mesmo estatuto repressivo.
142
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
pelo j uiz da atenuação p revista, se reconhecido o privilégio
ínsito no § 1"- do art. 1 2 1 .
O entendimento mais acertado é o de que a redução é imperativa."1 2
Assim, p rese ntes todos os eleme ntos constantes do § 1-"- do art. 1 2 1 do Código
Penal, reconhecida a causa d e diminuição pelo Tribunal do Júri, i m p o rta ao
j ulgador tão somente a fixação do q u a n tum da redução, não podendo levar a
efeito qualquer j u ízo sobre a possibilidade ou não de sua aplicação.
1 1 . 1 . M o t i vo de re l e v a n t e v a l o r s o c i a l ou m o r a l
Os elementos que integram a primeira parte do § 1-"- d o art. 1 2 1 d o Código Penal
são os seguintes: motivo de relevante valor social e motivo de relevante valor moral.
Como se depreende da leitura da primeira parte do aludido parágrafo,
inicialmente, o motivo que i mpeliu o agente a p raticar o homicídio deve ser
releva n te. O primeiro raci ocínio a ser feito, portanto, diz respeito à comprovação
da relevância. Caso não seja rel evante, isto é, não goze de certa importância,
coletiva o u individual, mesmo que tenha val o r s ocial o u m oral, não poderá s ervir
como causa de d im inuição d e pena.
Relevante valor social é aquele m otivo que atende aos interesses da
coletividade. N ão i nteressa tão somente ao agente, mas, sim, ao corpo s ocial.
A mo rte de u m traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina, atenderia
à coletividade, encaixando-se n o conce ito de val o r social. Podemos traçar um
pararelo com a m o rte d e u m político corrupto por um agente revoltado com a
situação de impunidade n o p aís, em que o D ireito Penal, de acordo com sua
característica de seletividade, escolhe somente a classe mais baixa, miserável, a
fim de fazer valer a sua força.
Relevan te valor m oral é aquele que, embora importante, é considerado
l evando-se e m co nta os i nteresses d o agente. Seria, por assim dizer, um m o tivo
ego istica mente considerado, a exemplo do pai que mata o estuprador de sua filha.
As hipóteses de euta n ásia também s e amoldam à primeira parte do § 1-"- do
art. 1 2 1 do Código Penal. N as p recisas l i ções de Fernando Capez, eutanásia
"significa boa morte. É o antônimo de distanásia. Consiste
em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de dificílimo
prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou
presumido, com a fin alidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca
-se, a pedido do ofendido, u m doloroso p rolongamento de sua
existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua
aflição física. Pode ser praticada mediante um comp ortamento
comissivo (eutanásia ativa) ou omissivo (forma passiva)". 1 3
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte especial, v.2, p. 50-51 .
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2, p. 34.
143
ROGÉRIO G RECO
VOLUME l i
Quando o agente causa a m orte do paciente j á em estado terminal, que não
suporta mais as dores impostas pela do ença a qual está acometido, impelido p o r
e s s e sentimento de compaixão, deve ser considerado um m otivo de relevante
val or m oral, impondo-se a redução ob rigatória da pena.
M e rece ressaltar que, e m ambas as h i p ótes es, a dim inuição deve ser aplicada,
em decorrência do m enor juízo de censura que recai sobre a conduta do agente
que atua amparado por uma d essas motivações.
1 1 . 2 . Sob o d o m í n i o d e v i o l e n t a e m o ç ã o , l o g o em s e g u i d a a i n j u sta
p r o v o c a ç ã o d a v ít i m a
A segunda p arte d o § 1º- d o art. 1 2 1 d o Código Penal também determina a
redução da p ena quando o agente atua sob o dom ín io de violen ta emoção, logo
em seg uida a injusta provocação da vítima.
São vários, portanto, os elementos que devem se fazer p resentes para que o
agente possa ter o d ireito subjetivo de ver diminuída sua pena, a saber: a) sob o
domínio; b) violenta emoção; c) logo em seguida; d) inj usta p rovocação da vítima.
a) Quando a l e i penal usa a expressão sob o domín io, isso significa que o
agente d eve estar completa m e n te dominado pela situação. Caso contrário,
se s omente agiu i nfluenciado, a h i pótese não será de redução de pena em
virtude d a aplicação da minora nte, mas tão somente de atenuação, em
face da existência da circunstância prevista na alínea c do inciso I I I do
art. 6 5 do C ódigo Penal (sob a influência de violenta emoção, p ro vocada
por a to injusto da vítima) . I sso sign i fica que a i nj usta provo cação levada
a efeito pela vítim a fez com que o agente perdesse a sua capacidade de
autocontrole, l evando-o a praticar o ato extremo.
b) Emoção, na lição d e H ungria,
"é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado p o r
uma viva excitação do sentim ento. É uma forte e transitória
p erturbação da e fetividade, a que estão l igadas certas
variações somáticas ou m o d i ficações particulares das funções
da vida orgânica (pulsar p recípite do coração, alterações
térmicas, aumento da i rrigação cerebral, aceleração do ritmo
respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez ou
intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alteração das
secreções, suor, l ágrimas etc.)". 14
A punição daquele que atua sob o domínio de violen ta emoção compatibiliza
com a regra contida no inciso I do art. 28 do Código Penal, que diz não excluir a
i mputabilidade penal a emoção ou a p aixão. A mensagem que se depreende do
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v _ V, P- 1 3 1 _
144
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
mencionado in ciso é a de que a legislação penal não adota a emoção ou a paixão,
mesmo que violentas, como causas que conduzem à exclusão da culpabilidade
do agente.
Nos j ulgamentos realizados pelo Júri, embora não devam ser admitidos os
chamados crimes passionais, como os jurados, em geral, se colocam no lugar daquele
que praticou a infração penal, absolvem, muitas vezes, o agente de fatos que, de
acordo com a lei penal, ensejariam condenações. Daí por que exclamava Roberto
Lyra, alertando: "A absolvição dos homicidas passionais, quando são condenados os
passionais que apenas ferem ou injuriam, é conselho para o crime máximo''.15
e) A expressão logo em seg u ida denota relação de imediatidade, de
proximidade com a p rovocação inj usta a que fo i submetido o agente. Isso
não signifi ca, contudo, que logo em seguida não permita qualquer espaço
d e tempo. O que a lei busca evitar, com a utilização dessa expressão, é
que o agente que, provocado injustamente, possa fi car "ruminando" a sua
vingança, sendo, ainda assim, beneficiado com a diminuição da pena. Não
elimina, contudo, a hip ótese daquele que, inj ustamente provocado, vai
até a sua casa em busca do instrumento do crime, para com ele produzir
o homicídio. D evemos entender a expressão logo em seguida utilizando
u m critério de razoabi l i dade. Guilherme de Souza N u cci, analisando a
expressão em estudo, preleciona:
" O aspecto temporal logo em seguida deve ser analisado
com critério e obj etividade, constituindo algo imediato,
insta n tâ n eo. E m b o ra se admita o decurso de alguns minutos,
não se pode estender o conceito para h o ras, quiçá dias. Um
maior espaço de tempo e ntre a inj usta p rovocação e a reação
do agente deve ser encaixado na hip ótese da atenuante, mas
jamais do privilégio." 16
-
-
d) Finalmente, merece destaque, também, a l o cução injusta provocação.
Prima facie, deve mos d istingui r o que vem a ser inj usta p rovo cação, que
permite a redução d e p ena, da chamada injusta agressão, que conduzirá
ao completo afastamento da infração penal, em virtu de da existência de
u ma causa de j ustifi cação, vale dizer, a legíti ma defesa.
J á tivemos oportunidade d e salientar, quando do estudo da legítima defesa,
que é i mportantíssi ma a disti n ção e ntre agressão inj usta e p rovocação. I sso
porque se considerarmos o fato como i nj usta agressão caberá a arguição da
legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal
por aquele que se defende nessa condição; caso contrário, se entendermos como
uma simples provocação, co ntra ela não pod erá ser al egada a excludente em
benefício do agente, e ele terá que responder penalmente pela sua conduta.
LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar, p. 99.
N UCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p . 387.
145
ROGÉRIO G RECO
VOLUM E l i
N o escólio d e Assis Toledo, é preciso
"não confundir, como se tem feito p o r vezes, 'provocação' não
intencional com ' agressão'. E mb ora a agressão possa ser uma
p rovocação (um tapa, u m e mpurrão) nem toda p rovocação
constitui verdadei ra agressão (pilhérias, desafios, ins ultos) .
N esta última h i p ótese é que não se deve supervalorizar a
p rovocação p ara p ermitir-se, a despeito dela, a legíti ma
d efes a quando o revide do p rovocado ultrapassar o m e s m o
n ível e grau d a p ri meira. E m outras palavras: uma p rovo cação
verbal p o de ser razoave l m e nte rep e l i da com expressões
verbais, não com u m tiro, uma facada ou coisa parecida. Se
o p rovocado chega a estes extremos, não h á como n egar
ao p rovocador a possibilidade de defesa, com as ressalvas
inicialmente feitas". 1 7
N a verdade, o i l ustre M i n i stro, quando faz a distinção entre agressão e
provocação, utiliza os critérios da necessidade dos meios e da proporcionalidade
da repulsa, os quais são pertinentes quando estamos diante de uma agressão
inj usta, n a qual l evamos e m conta, para s e concluir pela necessidade dos
meios utilizados, a proporção e ntre a repulsa e a o fensa ao bem protegido. Tais
critérios, contudo, segundo entendemos, não resolvem o problema da distinção
e ntre agressão e p rovocação.
O que para alguns poderá ser considerado mera provocação, para outros
terá o cunho de agressão. A distinção é extremamente subj etiva em algumas
situações.
I maginemos que determinado agente, sensível a qualquer tipo de b rincadeira
que atinj a os seus b rios, estej a caminhando em direção à sua residência quando,
de repente, percebe que u m de seus vizinhos, sabendo dos seus l i mites,
começa a enviar-lhe beijos j o cosos. O agente, não sup ortando aquela situação e
entendendo que sua honra estava sendo agredida, vai ao encontro daquele que,
segundo o seu entendimento, o atingia m o ralmente e o agride, querendo, com
isso, fazer cessar a suposta agressão co ntra a sua h onra. Do exemplo fornecido
podem surgir d uas consequências: a) o ato d e e nviar beijos pode ser considerado
mera p rovocação e, como tanto, não p ermite ao agente atuar em legítima defesa,
servindo, tão somente, como circunstância atenuante (art. 6 5 , I I I , e) , em caso
d e ser ele condenado por ter p raticado o delito tipificado no art. 1 2 9 do C ó digo
Penal, pois o fato pode ser considerado típico, antij urídico e culpável; b) se
consi derarmos que os beijos e nviados ao agente consistiam numa agressão à
sua h o n ra subj etiva, terá ele atuado em l egíti ma defesa e, assim, a sua conduta,
e m bora típica, não poderá ser considerada ilícita, devendo s e r absolvido por
não ter cometido i n fração penal alguma.
TOLEDO, Francisco de Assis. Ilicitude penal e causas de sua exclusão, p . 77-78.
146
H OMICÍDIO
CAP ÍTU LO
3
Como consequência desse raciocínio, devemos concluir que aquele que
provoca alguém sem o i ntuito de agredi-lo pode agir na defesa da sua pessoa,
caso o p rovocado parta p ara o ataque, não sendo permitida essa possibilidade
àquele que comete inj usta agressão.
O próprio Código Penal faz m enção, mesmo que implicitamente, à provocação,
distinguindo-a da agressão, a exemp l o dos arts. 59 (comportamento da vítima),
65, I I I, e (sob a influência d e violenta emoção, provocada por ato inj usto da
vítima), e 1 2 1, § 1ª (logo em seguida a inj usta p rovocação da víti ma) . Tomemos
o exemplo contido n o § 1ª do art. 1 2 1 do Código Penal, que p revê o crime de
h o micídio privilegiado. A segunda p arte do § 1 ª diz que s e o agente comete o
crime sob o do m ín io de violen ta emoção, logo em seg uida a injusta p rovocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Ora, se o que
oco rre é mera causa de redução d e pena, é sinal de que se o agente reage a
uma provocação e causa a morte do p rovocador, p ratica uma conduta típica,
antij urídica e culpável. Numa de suas brilhantes passagens, dissertando sobre
o h o m icídio privilegiado, mais especificamente sobre a inj ustiça da p rovocação,
assim se posiciona N é lson H u ngria:
"A inj ustiça da p rovocação deve ser apreciada objetivamente,
isto é, não segundo a opinião de quem reage, mas segundo a
opinião geral, se m se perder de vista, entretanto, a qualidade ou
condição das pessoas dos contendores, seu nível de educação,
seus legítimos melindres. Uma palavra que pode o fender a um
homem d e bem já não terá o mesmo efeito quando dirigida a
um desclassificado. Por o utro lado, não j ustifica o estado de
ira a h i perestes ia se ntimental dos alfenins e mimosos. Faltará
a objetividade da p rovocação, se esta não é suscetível de
provo car a indignação de uma pessoa normal e de boa-fé.
É bem d e ver que a p rovocação inj usta deve ser tal que co ntra
ela não haja necessidade de defesa, pois, de outro modo, se
teria de i d enti ficar na reação a legítima defesa, que é causa
excludente de crim e". 18
C o ncluindo, somente a agressão i nj usta abre a possibil idade ao agredido de
se defender legitimamente nos lim ites l egais, o mesmo não acontecendo com
aquele que reage a uma provocação, pois responderá pelo seu dolo, não havendo
exclusão da ilicitude de sua conduta. 1 9
Assim, uma vez comprovado que o agente atuou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a inj usta provocação da vítima, deverá o j ulgador
reduzir a sua pena d e um sexto a u m terço, percentual que variará de acordo
com a maior ou menor intensidade da situação em que estava envolvido, sendo,
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t . li, p. 289.
1
G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 378-38 1 .
147
VOLUME 1 1
ROG ÉRIO G RECO
portanto, direito subjetivo d o autor d a infração penal ver aplicada a minorante,
e não mera faculdade do j uiz, como poderia dar a entender a redação do § 1°
do art. 1 2 1 do Código Penal, mesmo p o rque, como j á frisamos, reconhecida a
causa de diminuição de pena pelo Tribunal do J ú ri, não poderia o j u lgador, na
qualidade de aplicador da pena, d eixar de apreciá-la no terceiro m o mento do
critério tri fásico p revisto p el o art. 68 do C ó digo Penal.
1 2.
HOMICÍDIO QUALI FICADO
O § 2 ° d o art. 1 2 1 d o Cód igo Penal cuidou d o chamado h o micídio qualificado.
As qualifi cadoras estão d ivididas e m q uatro grupos em razão dos quais a pena
relativa ao crime d e h o m i cídio passa a ser a de reclusão, de 1 2 (doze) a 3 0
(trinta) anos, a saber:
a) motivo s;
b) meios;
c) modos;
d) fi ns.
As qualifi cadoras que correspondem aos m otivos estão elencadas nos incisos
e II do § 2 ° do art. 1 2 1 , val e dizer, a paga ou a promessa de recompensa, ou
outro m o tivo torpe, e o m o tivo fú til.
1
No inciso I I I, diz a l e i p e nal que qualifica o h o m icídio o emprego de veneno,
fogo, explosivo, asfixia, tortura o u o utro meio insidioso ou cruel, ou de que
possa resultar perigo comum, apo ntando, assim, os meios utilizados na p rática
da i n fração penal.
No inciso IV, o C ó digo Penal arrol o u, a título de quali ficadoras, os m odos como
a infração p e nal é cometida, val e dizer, à traição, de emboscada ou mediante
dissimulação ou outro recurso que difi culte ou torne i mpossível a defesa do
ofendido.
Por ú ltimo, no inciso V, o homicídio é q ualificado pelos fins quando for levado
a efeito para assegurar a execução, a o cultação, a impunidade ou a vantagem de
outro crime.
É importante frisar, nesta oportunidade, que o § 2° d o art. 1 2 1 do Código
Penal prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Isso significa que
todas as qualifi cadoras devem ser consideradas como circu nstân cias, e não
como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 3 0
do Código Penal determina:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as
condições d e caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
148
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
D essa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado
a mo rte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um
motivo fútil, não comunicável ao coparticipante, enquanto o o utro poderá, por
exemplo, responder pela infração penal com a redução de pena relativa ao § 1 º
do mencionado artigo, visto ter agi do impelido por um mo tivo de relevante
val o r moral.
São precisas as l i ções d e Damásio de Jesus quando aduz:
"Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que,
agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a
pena. Não interferem na qualidade d o crime, mas s i m afetam a
sua gravidade ( q u a n titas delicti) .
Podem ser:
a) objetivas ( materiais o u reais);
b) subj etivas (ou pessoais).
Circunstâncias obj etivas são as que s e relacionam com os
meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar,
obj eto material e qualidades da vítima.
C i rcunstâncias subj etivas (de caráter pessoal) são as que s ó
d ize m resp eito à pessoa do p arti cipante, sem qualquer relação
com a materialidade do delito, como os motivos determinantes,
suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima
ou com o utros concorrentes.
Observando-se que a partici pação de cada conco rrente adere
à conduta e não à pessoa dos outros participantes, devemos
estabelecer as seguintes regras quanto às circunstâncias do
homi cídio, aplicáveis à coautoria:
ia) não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal (de
natureza subj etiva);
2ª) a circunstância obj etiva não pode ser considerada no fato
do partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento." 2 º
E ntendemos que toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos
seus parágrafos estaremos sempre d iante dos chamados tipos derivados, e não
de delitos autôn omos.
Analisaremos, a partir d e agora, cada uma das qualifi cadoras elencadas pelos
cinco i ncisos do § 2 º do art. 1 2 1 do Código Penal.
JESUS, Damásio E. d e . Direito penal, v . 2, p. 59-60.
149
RoG É RJ O G REco
VOLUME I I
1 2 . 1 . M o t i v o s : M e d i a n te p a g a o u p ro m e s s a d e r e c o m pe n s a , o u p o r
o u t r o m o t i vo t o r p e ; m o t i vo f ú t i l
O inciso 1 do § z u d o art. 1 2 1 do C ó digo Penal prevê a m odalidade qualifi cada
do h o micídio cometido m edian te paga o u promessa de recompensa, ou por o u tro
motivo torpe.
Ab in itio, deve ser ressaltado que a l e i penal, usando o recurso da in terpretação
a n a lógica, aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são
consideradas motivos torpes.
Torpe é o m otivo abj eto que causa repugnância, noj o, sensação de repulsa
pelo fato praticado pelo agente. Aníbal Bruno, com p recisão, afirma:
"Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso
ético comum e faz do agente u m ser à pa rte no mundo social
-j urídico e m que vivemos. Entram nessa categoria, por
exemplo, a cobiça, o egoísmo inconsi derado, a depravação dos
instintos. Assim, a ambição d e lucro de quem pratica homicídio
para receber u m prêmio d e seguro ou apressar a posse de uma
h erança, ou eliminar u m coerdeiro, ou fazer desaparecer um
credor ino portuno; o propós ito de dar morte ao marido para
abrir caminho aos amores com a esposa; o prazer de matar,
a libido de sang u in e, dos velhos práticos, essa rara e absurda
satisfação que o agente enco ntra na destruição da vida de
outrem e que ve m muitas vezes asso ciada a fatos de natureza
sexual ou co nstitui expansão do sentimento monstruoso de
ódio aos outros homens; o impulso m ó rbido de las cívia que
conduz o agente a atos de n e crofilia".2 1
D entre esses motivos abj etos, o C ó d igo Penal apontou, expressamente, a paga
e a prom essa de recompensa.
A p aga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza
patr imonial, recebida a n tecipada men te, para que o age nte leve a efeito a
empre itada criminosa. Já na promessa de recompensa, como a própria expressão
está a demonstrar, o agente não recebe antecipadamente, mas, s im, existe uma
promessa de pagamento futuro.
Alguns detalhes merecem ser destacados com relação a essa qualificadora.
I n icialmente, afi rmamos que a paga e a promessa de re compensa não necessitam
possuir natureza patrimonial. Podem até, na verdade, e o que é mais comum,
consubstanciar-se em vantagens p atrimoniais, a exemplo do pagamento em
dinheiro. Contudo, isso não é indispensável ao reconhecimento da qualificadora,
embora parte da doutrina se posicione contrariamente a esse entendimento,
como veremos adiante.
B R UNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p . 77.
150
H OM ICÍDIO
CAPÍTULO 3
Tal ilação faz-se necessana considerando-se uma interpretação s istêmica
do Cód igo Penal. Os tipos penais d evem ser analisados de acordo com os seus
capítulos e títulos, buscando-se, outrossim, chegar a uma interpretação mais
coerente com o sistema no qual está inserido. Assim, as qualificadoras da paga
e da promessa de recompensa p ertencem ao delito de homi cídio, que, por sua
vez, enco ntra-se inserido no capítul o co rrespondente aos crimes co n tra a vida,
ta mbém contid o no Título relativo aos crimes con tra a pessoa.
Não há, po rtanto, nenhuma l imitação i nterpretativa a ele correspondente,
como acontece com aquela que devemos l evar a efeito quando do estudo do
art. 1 5 9 do Código Penal, assim redigi d o :
Art. 1 5 9 . Sequestrar pessoa c o m o fim de obter, para si
ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate :
[ ... ] .
Que vantagem seria essa mencionada pelo art. 1 5 9 do Código Penal?
Poderia ter qualquer natureza, ou som ente aquela de natureza patrimonial?
I nterpretando sistemicamente o mencionado artigo, ve rificamos que ele está
inserido no capítulo correspondente aos crimes de roubo e extorsão, que, por
sua vez, e ncontram-se no Título I I , concernente aos crimes con tra o p atrim ônio.
Aqui, portanto, d e acordo com essa i nterpretação, a va ntagem exigida pelo
art. 1 5 9 do Código Penal só pode ser aquela de natureza patrimonial, ao co ntrá rio
do art. 1 2 1 , que não l i mita ao patrimônio o seu bem j u ridicamente protegido.
E m sentido co ntrário, trazemos à colação as lições de Luiz Regis P rado:
"Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição
de ordem econômica ou s e o legislador também albergou, no
presente dispositivo, a contraprestação sem val or patrimonial.
Sustenta-se, p o r um lado, que a qualifi cadora em análise
engloba inclusive a re compensa destituída de valor econômico,
isto é, considera-se que a expressão 'promessa de recompensa'
comporta motivos outros que, embora não econômicos,
possam ser equiparados a estes (v.g., promessa de casamento,
promessa de obtenção d e cargo político etc.) . Todavia,
predomina o en te ndimento segundo o qual a recompensa
deve ter, para a co nfiguração da qualificadora, conteúdo
econômico. Embora não se negue que motivos não econômicos
possam perfeitamente figurar como móvil do delito, não foram
estes i n cl u ídos no âmbito da qualificadora. O fu ndamento de
maior rep rovabilidade reside na desval oração do motivo, de
forma que a admissão de m o tivos não econô micos implicaria
a necessidade d e determinação, em cada caso, da especial
151
RoG ÉRJO G REco
VOLUME l i
reprovabilidade dos mesmos, o que criaria grande i nsegurança
j urídica. D everia ser analisado, concretamente, se a promessa
de u m cargo público, de matrimônio ou de um favor sexual,
por exemplo, configuraria ou não motivos torpes e, por isso,
particularmente reprováveis. Por essa razão, acertada a
posição dominante que considera que a paga o u a promessa
d e recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o j uiz,
porém, avaliar o m otivo não econômico quando da fixação da
pena-base (art. 59. C P)". 22
Apesar da fo rça do raciocínio anterior, entendemos que tanto a paga quanto
a promessa d e recompensa não d evem possuir, necessariamente, natureza
patrimonial, d iferenciando-se apenas n o que diz respeito ao m o mento em
que são realizadas. A paga deve ser entendida como a entrega antecipada da
vantagem para a prática do homicídio; a promessa de recompensa deve ser
futura, após a p rática do d e lito extrem o . Não estamos, como já afirmamos,
no Título correspondente aos crimes contra o patrimônio, mas, sim, naquele
que diz respeito aos crimes co ntra a pessoa. Não podemos, in casu, l i mitar a
interpretação, sob pena de fugirmos ao sistema do Cód igo Penal.
Ainda com relação à p romessa de recompensa, merece destaque o fato de que
o agente responderá por esse delito mesmo que não a receba após o cometimento
do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde o início, de cumpri
-la. Isso porque o que qualifica o h o micídio, nesse inciso 1, é o motivo pelo qual o
agente atuou. Se o que determinou sua motivação foi o receb imento de vantagem
pro metida, pouco importa se, após o delito, a recebeu ou não. A raiz do homicídio
está na motivação, razão pela qual, ainda assim, o delito será qualificado.
Outro raciocínio que devemos trazer à tona neste momento é o seguinte : se
existiu a paga ou a promessa de recompens a, é si nal de que alguém pagou ou
pro m eteu a vantagem para que outra pessoa p raticasse o homicídio. Existem,
p ortanto, sempre dois personagens pelo menos: mandante e executor.
A indagação que se faz, agora, é a segui nte : D everá o mandante responder,
também, pelo h o micídio qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem
para que alguém o p raticasse? E ntendemos que não. Isso porque, como j á
esclarecemos acima, todas a s q u a lificadoras devem ser consideradas com o
circu nstân cias. Aquele que recebe a paga o u ace ita a promessa de recebimento
da vantagem para que p ratique o h o micídio o faz p o r u m motivo torpe. Pode ser,
inclusive, que o m andante possuísse um motivo de relevante val o r m o ral, que
não s e confundirá com aquele que m otivou o executor a cometer o h o micídio.
I magine a hipótese na qual um pai d e família, trabalhador, h onesto, cumpridor
d e seus deveres, em virtude de sua s ituação econômica ruim, tenha de residir
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 5 1 -52.
152
HOMICÍDIO
CAPÍTU LO 3
em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua fil ha, de apenas 1 5 anos de
idade, fo i estuprada pelo traficante que dominava aquela região. Quando soube
da n otícia, não tendo coragem de, por s i mesmo, causar a m o rte do traficante,
contrato u u m j usticeiro, que "executou o serviço''. O mandante, isto é, o pai da
menina estuprada, deverá responder pelo del ito de hom icídio simples, ainda com
a diminu ição d e pena relativa ao motivo d e rel evante valor m o ral. Já o j usti ceiro,
autor do homicídio mercenário, responderá pela modal idade qualificada.
O inciso II d o § 2Q do art. 1 2 1 do Código Penal prevê, também, a qualificadora
do m o tivo fú til. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comp ortamento
do agente seja desproporcional. Segundo H eleno Fragoso, "é aquele que se
apresenta, como antecedente psicol ógico, desproporcionado com a gravidade
da reação homicida, tendo-se e m vista a sensibilidade moral média".23
São exemplos clássicos de motivação fútil, apontados pela doutrina, o cliente que
mata o garçom por entregar-lhe o troco errado, ou daquele que mata seu devedor
que não havia quitado, no tempo prometido, sua dívida de R$ 1,00 (um real).
E n fi m, mo tivo fútil é aquele no qual h á um abismo entre a mo tivação e o
comportamento extremo l evado a efe ito pelo agente.
A doutrina aponta, ainda, para o fato de que crim e sem motivo não s e configura
motivo fútil. N esse sentido, afirma Damásio de J es us :
"O m otivo fútil não se confunde com a ausência de motivo .
Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide
a quali ficadora, nada i mpedindo que responda por outra,
como é o caso do m otivo torpe."24
Com a devida ven ia das posições e m contrário, não podemos compreender
a coerência desse raciocínio . Assim, a título de ilustração, se o agente p ratica
o homicídio valendo-se de um motivo i nsignifica nte, qualifica-se o crime; se
não tem qualquer motivo, ou seja, menos ainda que o m otivo insignificante,
o homi cídio é simples. N ão consegu i mos, portanto, entender o tratame nto
diferenciado. Tal fato não passou despercebido por Fernando Capez, quando
afirmou que "matar alguém se m nenhum motivo é ainda pior que matar por
mesquinharia, estando, po rtanto, incluído no conceito de fútil". 2 5
O que não podemos confundir é o fato de não sabermos o motivo e, sem mais,
qualificar o homicídio, com o crime d e m orte sabidamente sem m o tivo, ou s eja,
matar p o r matar, que d ifi cilmente ocorre. Pelo fato de não sabermos o m otivo
do hom icídio não podemos reputá-lo como qualificado; ao contrário, aquele que
mata alguém sem qualquer motivo, u m min us, ainda, com relação ao h omicídio
fútil, deve merecer a qualificadora.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições d e direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p . 53.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2 , p. 67.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2 , p. 48.
153
ROG ÉRIO
G RECO
VOLUME l i
Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, como veremos
mais à frente, poderá qualquer uma delas servir para qualifi car a infração penal,
sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo
mom ento de aplicação da p ena, determinado pelo art. 68 do C ódigo Penal.
As circunstâncias agravantes relativas aos motivos fútil e torpe estão previstas
pela alínea a do i n ciso II do art. 6 1 do diploma rep ressivo.
1 2 .2 . M e i o s : com e m p rego d e v e n e n o , fo g o , e x p l o s i v o , a s f i x i a , tortu ra ou
o ut ro m e io i n s i d i oso ou c r u e l , ou de q u e possa res u lta r pe r i g o c o m u m
O in ciso I I I do § 2º do art. 1 2 1 do Código Penal prevê o h o micídio qualificado
pelos meios uti lizados pelo agente na prática do delito . Por mais uma vez,
utilizou a l e i p enal o recurso da interpretação analógi ca, vale dizer, a uma
fórmula casuística - ve neno, fogo, expl o sivo, asfixia, tortura -, o legislador fez
seguir uma fórmula genérica - ou o utro meio insidioso ou cruel, ou de que possa
resultar p erigo comum.
Tal recurso visa preservar, n a verdade, o princípio da isono mia, no qual
situações idênticas merecerão o mesmo tratam e nto p ela lei penal. Ou seja,
tudo aquilo que for considerado m e i o insidioso, cruel ou de que possa resultar
perigo comum qualificará o homicídio, a exemplo das h ipóteses menci onadas
expressamente pelo inciso I I I (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura) .
O item 3 8 da Exposição de M otivo s ao Código Penal traduz o que vem a ser
meio insidioso o u c ruel, dizendo ser aquele o m eio dissim ula do na sua eficiên cia
m aléfica, e este, ou seja, o cruel, o que a u m e n ta in utilmen te o sofrimen to da vítim a,
ou revela uma bru talidade fora do com um o u em con traste com o m a is elementar
sen tim ento de p iedade. A expressão perigo com u m significa que o meio utilizado
pelo age nte, além de causar dano à vítima, traz perigo a outras pessoas.
Veneno, segundo os conceitos, respectivamente, de Almeida Júnior, Taylor e
Fonzes Diacon, é
" a) toda substância que, atuando química ou bioquimicamente
sobre o o rganismo, lesa a i ntegridade corp o ral ou a saúde
do i n d ivíduo ou lhe produz a morte; b) toda substância,
que, i ntro d uzida, por abso rção, no sangue, é capaz de afetar
seriamente a saúde ou d estruir a vida; c) u m a substância
química definida que, i ntroduzida n o organismo, age, até a
dose tóxica, proporcionalmente à massa e ocasiona desordens,
podendo acarretar a m o rte". 2 6
A primeira observação a ser feita diz respeito à qualifi cadora do veneno.
I magine-se a hi pótese e m que o agente, querendo causar a morte da vítima,
Apud DOUGLAS, William; CALHAU, Lélio Braga; KRYMCHANTOWS KY, Abouch V. ; DUQUE, Flávio Granado.
Medicina legal, p . 1 25 .
154
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
fazendo-a saber que trazia consigo certa quantidade de veneno, p o r ser
fisicamente mais forte, a subj uga, abrindo-lhe a boca, para, logo em seguida,
deitar-lhe o veneno "goela abaixo". A vítima, no caso em exame, sabia que fa ria
a ingestão do ve neno l etal. Pergunta-se: D everá o auto r do hom icídio responder
pelo delito com a qualificadora do emprego de veneno?
D e acordo com a interpretação que se faz do mencionado inciso I l i, devemos
responder negativamente. Isso porque, na segunda parte do aludido inciso,
quando a lei faz menção à sua fórmula genérica, usa, inicialmente, a expressão
meio insidioso, dando a entender que o veneno, para que qualifique o delito
medi ante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima
perceba que faz a sua ingestão. Caso contrário, ou seja, caso a víti ma venha a saber
que morrerá pelo veneno, que é fo rçada a ingerir, o agente deverá responder
pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel.
Aníbal Bruno, com precisão, afirma:
"O uso do veneno é u m dos meios de dar morte com dissimulação,
entregue a vítima indefesa à atuação do criminoso, porque
inconsciente da manobra que vai tirar-lhe a vida. É pela insídia
característica dessa maneira de matar, que dela se faz uma
causa de qualificação do homicídio. Se a vítima sabe que se
trata de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é
substituída pela crueldade e a qualificação persiste." 2 7
Insidioso, portanto, é o meio utilizado pelo agente sem que a vítima dele to me
conhecimento; cruel, a seu turno, é aquele que causa um sofrimento excessivo,
desnecessário à vítima enq uanto viva, obviamente, pois a crueldade p raticada
após a sua morte não qualifica o delito. E squartej ar uma pessoa ainda viva se
configura e m meio cruel à execução do homicídio; esquartej á-la após a sua
morte j á não induz a ocorrência da qualifi cad ora.
A utilização de fogo também qualifica o homi cídio, uma vez que se trata de
meio extremamente cruel à sua execução. I n felizmente, a mídia tem noticiado,
com certa fre quência, a utilização de fogo em mo rtes de mendigos, índios, enfim,
d e pessoas excluídas pela sociedade, que vivem e mbaixo de viadutos, em praças
públicas etc. Também é comum a veiculação de informações de traficantes que
se valem desse meio cruel a fi m de causar a morte de suas víti mas, normalmente
prendendo-as e ntre pneus de caminhão para, logo em seguida, embebidas em
combustível, atear-lhes fogo no corpo, fazendo, assim, uma fogueira humana.
Exp losivo é o meio utilizado pelo agente que traz perigo, também, a um
número in determinado de pessoas. M atar a vítima arremessando co ntra ela
uma granada qualifica o homicídio pelo uso d e explosivo. Segundo H ungria,
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 79-80.
155
RoG ÉRJO G RECO
VOLUME 1 1
"na sua decomposição brus ca, o explosivo opera a violenta
deslocação e d estruição de matérias circunj acentes. Não
há que distinguir entre substâncias e aparelhos o u engenhos
explosivos. E ntre os explosivos mais conhecidos, podem
ser citados os derivados da nitroglicerina (dina m ite),
da n itrobenzina (belite), do nitrocresol (cresolite), da
nitronaftalina (sch neiderite, chedite), do nitrotolueno (trotil
ou tolite), do trinitofenol ou ácido pícrico (melinite, lidite), o
algodão-pólvo ra (explosivo me diante choque), os fulminatos,
os explosivos com base d e a r líq uido etc".28
Asfixia é a supressão da respiração. C o nforme lições de H ungria,
"o texto legal não distingue entre asfixia mecân ica e asfixia
tóxica (pro duzida por gases deletérios, como o óxido de
carbono, o gás de iluminação, o cloro, o bromo etc.). A
asfixia mecânica pode ocorrer: a) p o r oclusão dos orifícios
respiratórios (nariz e boca) ou sufocação di reta; b) por
oclusão das vias aéreas (glote, laringe, traqueia, brônquios) ;
c) p o r compressão da caixa torácica (sufocação indireta) ;
d) p o r supressão funcional do campo respiratório.
Os processos de p rovocação da asfixia mecân ica são o
enforcamen to, o imprensamen to, o estrang ulamen to, o
afoga m en to, a submersão, a esganadura''. 2 9
A tortura, também, e n co ntra - se no rol dos meios cons iderados cruéis, que
tem p o r finalidade qualifi car o h o micídio. I m p o rta ressaltar que a tortu ra,
qualificadora do h o m icídio, não se confunde com aquela prevista pela Lei
nl1 9 . 4 5 5 , d e 7 de abril d e 1 9 9 7 . 3 0 O a rt. 1 l1 da m encio nada l e i d e fi n e o crime
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V, p. 1 63-1 64.
H U N G R IA, Nelson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 64 .
Art. 1 ° Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
li - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso
sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 1° Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimeno físico ou
mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2° Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena
de detenção de 1 (um) a 4 (quarto) anos.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos;
se resulta morte, a reclusão é de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos.
§ 4" Aumenta-se a pena de 116 (um sexto) até 113 (um terço):
I - se o crime é cometido por agente público;
li- se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos,
Ili - se o crime é cometido mediante sequestro.
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo
dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7° O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
156
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
de tortura, sendo que o se u § 3 u comina uma pena de reclusão, que varia de
8 (o i to) e 16 (dezesseis) anos, se d a prática da tortu ra sobrevier a m o rte da
vítima3 1 .
Qual é a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do
delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nu 9.455/97?
A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 1 2 1, é tão somente um meio
para o cometimento do homicídio. É u m meio cruel de que se utiliza o agente,
com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei nu 9 . 4 5 5 /9 7, a tortura é um fim
em si m esmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente p oderá qualifi car
a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualifi cada pelo resultado
morte é u m delito eminentemente preterdoloso. O agente não pode, dessa forma,
para que se aplique a lei de tortura, pretender a morte do agente, pois, caso
contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo C ódigo Penal.
Concluindo o raciocínio, n o art. 1 2 1 , a tortura é um meio cruel, utilizado p elo
agente na p rática do h om i cídio; na Lei nu 9 . 4 5 5 / 9 7, ela é um fim em si mesmo e,
caso oco rra a m o rte da vítim a, terá o condão de qualifi car o delito, que possui o
sta tus de crime p reterdoloso.
1 2 . 3 . M o d o s : à t r a i ç ã o , d e e m bo s c a d a , ou m e d i a n te d i s s i m u l a ç ã o ou
o u t r o rec u rs o q u e d i f i c u lte o u t o r n e i m p o s s ív e l a d ef e s a d o ofe n d i d o
O i nciso I V do § 2u do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal, também se val endo do recurso
da i nterpretação analógica, ass evera que a traição, a emboscada a dissimulação
ou qualquer outro recurso que d ifi culte ou torne impossível a defesa do ofendido
também qualifi carão o h o micídio.
Os m odos pelos quais são praticados o h omicídio, portanto, também têm o
condão de qualificá-lo.
A primeira qualifi cadora diz respeito à traição. Segundo as lições de Guilherme
d e So uza N ucci,
"trair signi fica enganar, ser i n fi e l, de modo que, no contexto
do h om i cídio, é a ação do agente que colhe a vítima por trás,
desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O
ataque súbito, pela frente, pode constituir surp resa, mas não
traição". 3 2
H á dife rença, para fins d e identificação da traição, entre o g olpe efetuado
nas costas da vítima e aquele p raticado pelas costas. Pelas costas configura-se a
traição, quando o agente ataca a vítim a p o r trás, s em que ela possa percebê-lo.
3 1 Vide L e i n Q 1 2 .847, de 2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura;
criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura, além de adotar outras providências.
32 N UCCI, G u i l herme de Souza. Código penal comentado, p. 392.
157
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l l
Golpe n as costas identifica a região do corpo onde o golpe fo i produzido. M uitas
vezes, o golpe é aplicado nas costas, mas não se configura traição. Suponhamos
que a vítima estivesse sendo subj ugada pelo agente, fisicamente mais forte do
que e la, e, com u m punhal, l h e aplicasse o golpe nas costas. Não h o uve traição.
Não conseguimos visualizar, aqui, o golpe pelas costas, mas tão s o mente nas
costas da vítima, não qualificando, assim, o h omicídio.
A emboscada pode s e r entendida como uma espécie de traição. N ela, contudo,
o agente se coloca esco ndido, de tocaia, aguardando a vítima passar, para que o
ataque tenha sucesso.
Dissim ular tem o s ignificado d e o cultar a intenção h o micida, fazendo-se
passar por amigo, conselheiro, enfim, dando falsas m ostras de amizade, a fim de
facilitar o cometi m e nto do d e lito.
A fórmula genérica contida na parte final do inciso I V em estudo faz menção
à utilização d e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.
Dificultar, como se percebe, é um m in us e m relação ao tornar impossível a defesa
do o fendido. Naquele, a vítima tem alguma possibilidade de defesa, mesmo
que d i fi cultada p o r causa da ação do agente. O tornar impossível é eliminar,
completamente, qualquer possibilidade de defesa p o r parte da vítima, a exemplo
da hipótese e m que esta é m orta enquanto d o rm i a.
D eve ser ressaltado que, quando do o ferecimento da denúncia, o Promotor
d e Justiça deverá determinar, com precisão, s e a conduta do agente dificultou
ou tornou impossível a defesa do o fendido, não podendo consignar a parte
final do aludido inciso IV como se fosse uma fórmula de aplicação geral. Se
s o me nte d ificultou, deverá n arrar o s fatos que fizeram com que concluísse seu
raciocínio nesse sentido; s e tornou i mpossível, da mesma forma, deverá apontar
o comportamento do agente que fez com que a vítima não tivesse qualquer
possibilidade d e defesa. O que não se pode tolerar é o uso i n discriminado da
fó rmula genérica, c o m o s e fossem expressões sinônimas as duas h ipóteses.
O j uiz, da mesma fo rma, ao pronunciar o réu, deverá esclarecer se sua conduta
tão s o mente d i fi culto u ou i nviabilizou completamente a defesa do o fendido,
haja vista que o acusado se d efende d e fatos, e são fatos dife rentes o d i fi cultar e
o tornar impossível a defesa.
1 2 . 4 . F i n s : p a ra a s s e g u ra r a exec u ç ã o , a o c u l t a ç ã o , a i m p u n i d a d e o u
a vantagem de o utro c ri m e
A última das m o dalidades qualifi cadas diz respe ito ao h omicídio para fins de
ass egurar a execução, a ocultação, a i mpunidade o u vantagem de o utro crime.
Isso signific a que, toda vez que for apli cada a qualifi cadora em estudo, o
h o micídio d everá ter relação com o utro crime, havendo, outrossim, a chamada
con exão.
158
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
Júlio Fabbrini M i rabete, com precisão, assevera :
" Essas circunstâncias, que configurariam a rigor motivo torpe,
originam casos d e conexão teleológica ou consequencial. A
con exão teleológica oco rre quando o h o m icídio é perpetrado
como m eio para executar o utro crime (homicídio para poder
p rovocar u m i ncêndio) . A conexão consequencial ocorre
quando é praticado ou para ocu ltar a p rática de outro delito
(homicídio contra o perito que vai apu rar apropriação indébita
do agente), ou para assegurar a imp unidade dele (homicídio
da testemunha que pode identi ficar o agente como autor de
um r oub o ) , o u para fugir à prisão em flagrante (RT 4 3 4/ 3 5 8 ) ,
ou para garantir a van tagem do produto, preço ou proveito
de crime (homicídio co ntra o coautor de roubo ou furto para
apossar-se da res furtiva) ."33
D iz-se teleológica a conexão quando se l eva em consideração o fim em virtude
do qual é praticado o h omicídio. No caso da qualificadora do inciso V, será
considerada teleológica a conexão quando o h o m i cídio é cometido com o fim de
assegurar a execução de outro crime. Por exemplo, matar o vigilante da agência
bancária n o dia anterior à p rática do crime de roubo. Ressalte-se que, neste
caso, o homicídio é cometido para ass egurar a execução de um crime futuro.
Consequencial é a conexão e m que o h o micídio é cometido com a finalidade
de assegurar a ocultação o u a vantagem d e o utro crime. Ao contrário da s ituação
anterior, aqui o delito de h o m i cídio é p raticado com vistas a ocultar, assegurar a
impunidade ou a vantagem de um crime j á cometido.
Quando se b usca assegurar a ocultação, o que se pretende, na verdade,
é manter desconhecida a infração penal p raticada, a exemplo do marido que
mata a ún ica testemunha que o viu e nterrar o corpo de sua mulher, também
mo rta por ele. Já quando o agente visa ass egurar a impun idade, a infração penal
é conhecida, mas sua autoria ainda se encontra ignorada, a exemplo da h ipótese
do agente que mata també m a única testemunha que presenciou o h o m icídio
cuj o corpo fora deixado e m u m local público. Quanto à van tagem de ou tro crime,
conforme esclarece H ungria, "o propósito do agente é garantir a fruição de
qualquer vantagem, patrim o nial ou não, d i reta ou indireta, res ultante de outro
crime",34 como no caso daquele que mata o seu companheiro de roubo, para que
fi que, sozinho, com o p roduto do crime.
C o m relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser
ressaltadas as seguintes i n dagações:
. M I RABETE, Jú lio Fabbrini. Manual de direito penal, p . 74.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 69.
159
VOLUME I I
RoG É RlO G REco
1 ) S e o agente co mete o h om i cídio com o fim d e assegurar a execução de
o utro crime que, por u m motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda
d eve subsistir a qualificadora? S i m, h aja vista a maior censurabilidade do
comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade.
2 ) S e o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a
i m punidade de um delito j á prescrito, também subsiste a qualifi cadora?
S i m, p elas mesmas razões apontadas acima.
3 ) S e o agente p ratica o h o m icídio p ara assegurar, em tese, a impunidade de
u m crime i mpossível, n a h ipótese, por exemplo, em que mata a testemunha
que o viu apunhalar a suposta vítima, que j á estava m o rta? Segundo
Damásio, "a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior
culpabilidade do sujeito, revelada e m sua conduta subjetiva".35
4) E se o h om icídio é cometido com o fim de ass egurar a execução, a ocultação,
a impunidade ou a vantagem d e uma con travenção penal? Em virtude da
proibição da analogia in ma Iam pa rtem, não se pode ampliar a qualificadora
a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser
violado o princípio da legalidade e m sua vertente do n u llum crimen n u /la
poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da
hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo m otivo torpe ou fútil.
1 3.
C O M P ET Ê N C I A P A R A J U LG A M E NTO DO H O M I C ÍD I O D O LO SO
O in ciso XXXVI I I do art. 5" da C onstitu i ção Federal diz:
XXXVI I I - reconhecida a instituição do j úri, com a
o rganização que lhe der a lei, assegurados:
a) a p l enitu de d e defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o j ulgamento dos crimes dolosos
contra a vida:
[ ... ] .
Pelo que s e verifica p o r m e i o d a alínea d d o m e ncionado inciso, o Tribunal do
J ú ri é o competente para j ulgar o s crimes dolosos contra a vida, destacando-se
dentre eles o h o m icídio, e m todas as suas modalidades - simples, p rivilegiada e
qualifi cada.
Questão importante a ser observada é a que diz respeito ao fato de não
ser o latro cínio j ulgado pelo Júri, mesmo que a m orte da vítima seja dolosa.
I maginemos a seguinte situação: A, p e rcebendo que a víti ma trazia consigo
i 5 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 7 1 .
160
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
um val ioso relógio, objetivando sua s ubtração, nela desfere um tiro na cabeça,
cau sando-lhe a m o rte. O agente, po rta nto, atirou para matar, a fim de subtrai r
da vítima o m e ncionado relógio. A mo rte foi dol osa, sendo, contudo, l evada a
efeito para fins de subtração. Numa outra hipótese, A percebe que seu maior
inimigo está caminhando descontraidamente, sem se dar co nta da sua p resença.
Querendo causar-lhe a mo rte, vai ao encontro dele e, sem que a vítima perceba,
aponta-lhe uma arma e puxa o gatil h o, acertando-a mortalmente na cabeça.
Quando a vítima, já morta, estava caída, o agente percebe que ela trazia consigo
um valioso relógio e o subtrai.
Na p ri meira hip ótese, teremos a prática de um crime de latrocínio, pois o agente,
dolosamente, matou a vítima para roubar-lhe. A finalidade era a subtração. No
segundo caso, teremos um crime de ho micídio doloso, seguido de furto. Pergunta-se:
Considerando-se que em ambas as hipóteses o agente causou, dolosamente, a
mo rte da vítima, os dois casos serão submetidos a j ulgamento pelo Tribunal
do Júri? A resp osta, aqui, só pode ser negativa, uma vez que, interpretando-se
sistemicamente o § 3° do art. 1 5 7 do Código Penal, verificamos que o latrocínio
encontra-se no Título correspondente aos crimes co ntra o patrimônio, sendo
que o Tribunal do J úri, de acordo com a competência que lhe é atribuída pela
Co nstituição Federal, j ulga os crimes dolosos con tra a vida.
O STF, por meio da Súmula nº 6 0 3 , firmou seu entendimento dizendo:
Súmula n11 603. A competência para o processo e julgamento
de la trocínio é do juiz sing ular e não do Trib u n a l do jú ri.
M e rece observar que a Constituição Federal não impediu que outras i n frações
penais fossem submetidas a j ulgamento pelo Tribunal do Júri, mas tão s o mente
garantiu que os crimes dolosos co ntra a vida fizessem, sempre, parte desse rol,
podendo o legislador infraconstitucional agregar-lhe outros delitos, ampliando
-se, po rtanto, sua competência. Como bem observado por E lder Lisboa Ferreira
da Costa,
"a nossa atual carta constitucional atribui ao tribunal do j úri
competência para o j ulgamento dos crimes dolosos contra a
vida. Trata-se, a bem da verdade, de uma competên cia mín im a .
N a d a i mpede q u e o legislador o rdinário remeta à apreciação
do j úri matérias de natureza diversa".36
1 4.
H O M I C ÍD I O C U L P O S O
Em sede d e crimes culposos, vige o princípio d a excepcionalidade, ou seja, a
regra é que todo crime seja doloso, som ente sendo punido a título de culpa se
houve r p revisão expressa nesse sentido, como é o caso do § 3° do art. 1 2 1 do
Código Penal, que diz: Se o hom icídio é culp oso.
COSTA, Elder Lisboa Ferreira da. Compêndio teórico e prático do trib unal do júri, p. 89-90.
1 61
VOLUME 1 1
ROG ÉRIO G RECO
O pa rágrafo único do art. 1 8 do diploma repressivo, confirmando a regra da
excepcionalidade do crime culposo, d etermina:
Pa rágrafo único. Salvo os casos expressos em lei,
ninguém pode ser punido por fato previsto como crime,
senão quando o pratica dolosamente.
Percebe-se que, no crime culposo, estamos diante da hip ótese, como regra,
do chamado tipo aberto. Nas precisas l ições de Assis Toledo,
"na criação dos tipos p enais, pode o legislador adotar dois
critérios. O primeiro consiste na descrição co mpleta do
modelo de conduta proibida, sem deixar ao intérprete, para
verificação da ilicitude, outra tarefa além da constatação da
correspondência entre a conduta concreta e a descrição típi ca,
be m como a i nexistência de causas de justificação. Tal critério
conduz à co nstrução dos denominados 'tipos fe chados', do
qual seria exemplo o h o micídio do art. 1 2 1 do Código Penal.
A descrição 'matar alguém', por ser completa, não exigiria do
intérprete qualquer trabalho de complemen tação do tipo. A
imensa variedade da ação de matar um ser humano cairia
facilmente sob o domínio desse tipo; a ilicitude resultaria da
simples incidência de ignorar no rmas permissivas. O segundo
critério consiste na descrição inco mpleta do modelo de
conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o encargo
de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações
nele próprio contidas. São os denominados 'tipos ab ertos',
como se dá em geral nos delitos culposos que precisam ser
completados pela no rma geral que impõe a observância do
dever de cuidado".37
Além do trabalho de adequação a ser realizado pelo j ulgador, que deverá aferir
se, n o caso concreto, o agente deixou de observar o dever obj etivo de cuidado
que lhe competia, para que s e possa configurar o delito culposo h á necessidade
inafastável de verificar se a conduta do agente produziu algum resultado. Por
mais que o agente tenha deixado de observa r seu dever de cuidado, se dessa
inobservância não advier qualquer resultado les ivo, o fato não s e amo ldará à
figura do delito culposo.
Assim, imagine-se a hipótese em que o age nte, pai de uma criança de 3 anos
de idade, morador do 1 4!! andar d e u m prédio de apartamentos, deixe de colocar
o necessário dispositivo d e segurança em suas janelas e varanda (rede de
proteção) . S e u fi lho, que por um instante n ã o estava sendo observado, debruça-se
no parapeito da j anela e cai, morrendo com a queda.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 36.
1 62
H üMICiDIO
CAPÍTULO 3
N o caso em exame, o pai d eixou de observar o seu dever obj etivo de cuidado,
não tendo a preocupação necessária d e colocar as redes de p roteção, devendo
responder, portanto, pela morte de seu fil h o, a título de culpa, independentemente
do raciocínio que se possa realizar a respeito da possibilidade de aplicação do
perdão j u dicial, que veremos mais ad iante.
E ntretanto, imaginemos h i pótese diferente em que esse mesmo pai, antes que
a criança caísse do apartamento, vi esse retirá-la do parape ito da janela, quando
nele já estava debruçada. O fato de não colocar as redes de segurança nas j anelas
e na varanda do apartamento, bem como o de não tê-la vigiado cuidadosamente,
configura-se numa inobservância ao d ever obj etivo de cuidado. Contudo, será
que nesse caso o pai deveria responder por algum delito culposo? Obviamente
que não, pois, sem a oco rrência do resultado, descarta-se a i n fração penal de
natureza culposa.
Outra característica fundamental para a co nfiguração do delito culposo
é a aferição da previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua
previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribu ído, mas, sim, ao caso fo rtuito
ou à força maior.
Re spondendo à sua própria indagação do que seria previsibilidade como
conce ito j urídico-penal, H u ngria diz:
" Existe p revi sibi lidade quando o agente, nas circunstâncias
e m que se encontrou, po dia, segundo a experiência geral,
ter-se representado, como possíveis, as consequências do
seu ato. Previsível é o fato cuj a possível superveniência não
escapa à perspicácia comum. Por outras palavras : é previsível
o fato, sob o prisma penal, quando a p revisão do seu advento,
no caso concreto, podia ser exigida do homem no rmal, do
homo m edius, do tipo comum d e sensibilidade ético-social."3 8
A previsibilidade condiciona o dever de cuidado : "Quem não pode p rever não
tem a seu cargo o d ever de cuidado e não pode violá-lo."39
Faz a doutrina distinção, ainda, entre a p revisibilidade objetiva e a
previsibilidade subjetiva. P revisibilidade obj etiva seria aquela, conceituada
por H ungria, e m que o agente, no caso con creto, deve ser substituído pelo
chamado "homem médio, de prudência normal". Se, uma vez levada a efeito
essa substituição h i potética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que
o fato havia escapado ao seu âmb ito de p revisibilidade, porque dele não se
exigia nada além da capacidade normal dos homens. Não é imposta ao agente
uma p revi s ib i lidade extremamente l arga que, de acordo com a imaginação do
aplicador da l ei, pod erá ser i m po sta e m todos os casos.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . 1 , t. l i , p. 1 88.
ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 435.
163
RoG É RIO G REco
VOLUME L I
Exemplificand o : Suponhamos que determinado agente, dirigindo em
velocidade excessiva seu veículo p róxim o a uma escola, no h o rário de saída
dos alunos, atropele u m dos estudantes, causando-lhe a m o rte. Verifica-se,
pelo exemplo fo rnecido, que, voluntariamente, o agente (um ser humano),
dirigindo o seu automóvel e m velocidade excessiva (infração ao seu dever de
cuidado obj etivo) , atropelou e causou a m o rte (resultado naturalístico e nexo de
causalidade) d e um estudante que, naquele l o cal e horário, acabava de sair da
escola (previsibilidade no que diz respeito ao fato de que, naquele local e naquela
h ora, muitas pessoas p o deriam estar tentando efetuar a travessia da rua) . Se
substituirmos o agente (o motorista que atropelou o estudante) por um homem
médio, de prudência norm al, este último teria tido u m a conduta diferente daquela
que fo ra realizada pelo agente, deixando de i mp ri mi r vel oci dade excessiva ao
seu automóvel p róximo a uma escola. S e o homem médio estivesse no l ugar do
agente, teria atuado de maneira diferente e, portanto, o resultado, e m tese, teria
sido evitado. Essa substituição em busca da modifi cação do resultado é que dá
origem à chamada previsibilidade objetiva.
Além da p revisibilidade obj etiva, existe a previsibilidade subjetiva. Vimos que
para haver a previsibilidade obj etiva deve-se fazer a substituição do agente p o r
u m homem m é d i o . S e o h o m e m médio, naquelas ci rcunstâncias em que atuou o
agente, tivesse agido de fo rma dife re nte a fim de evitar o resultado, é s inal de
que este era p revisível. S e mesmo com a substituição do agente pelo homem
médio o resultado ainda assim persisti r, devemos concluir que o fato escapou ao
âmbito normal d e p revisibilidade e, p ortanto, não lhe pode ser atribuído.
Na p revisibilidade s ubj etiva não existe essa s ubstituição hip otética; não
h á a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava o u não
à sua p revis ibilidade. Aqui, na previsibilidade subj etiva, o que é levado em
consideração são as condições pessoais do agente, quer dizer, considera-se, na
p revisibilidade subj etiva, as l im itações e as experiências daquela pes s oa cuj a
p revisibilidade está se aferindo em um caso concreto.
N a precisa lição de Damásio,
"nos termos do critério s ubj etivo, deve ser aferida tendo
e m vista as condições pessoais do suj eito, i. e. , a questão de
o resultado ser o u não p revisível é resolvida com base nas
circunstâncias a ntecedentes à sua produção. Não s e pergunta
o que o homem p rudente deveria fazer naquele momento, mas
s im o que era exigível do suj e ito nas circunstâncias em que se
viu e nvolvido".40
Rep elindo o critério subj etivo de aferição da p revisibilidade, assim se
manifesta H ungria:
J E S U S , Damásio E. d e . Comentários ao código penal, v . 1 , p. 256.
164
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
"É de rejeitar-se, porém, a opinião segundo a qual a previsibilidade
deve ser referida à individualidade subj etiva do agente, e não ao
tipo psicológico médio. O que d ecide não é a atenção habitual do
agente ou a diligência que ele costuma empregar in rebus suis,
mas a atenção e dil igência próprias do comum dos h omens; não
é a p revisibilidade individual, mas a medida obj etiva média de
precaução imposta ou reclamada pela vida social .''4 1
D is co rdando da posição de H ungria, preleciona Zaffaro n i :
"A p revi sib i lidade d eve estab elecer-se conforme a capacidade de
p revisão de cada indivíduo, se m que para is s o pos s a socorrer
-se a nenhum 'homem médio' ou critério de normalidade.
Um técnico e m eletricidade pode prever com maior precisão
do que um leigo o risco que i mplica um cab o solto, e quem
tem u m dispositivo em seu automóvel que lhe permite p rever
acidentes que sem esse dispositivo seriam imprevisíveis, tem
um maior dever de cuidado do que quem não possui este
dispositivo, ainda que s o me nte um em 999 mil o possua."42
Assim, para aqueles que e ntendem possível a aferição da previsibilidade
subj etiva, em que são consideradas as condições pessoais do agente, tais fatos
poderão ser obj eto de análise por ocasião do estudo da culpabilidade, quando
se perquirirá se era exigível do agente, nas circunstâncias em que se encontrava,
agir de outro modo. Após a verifi cação das circunstâncias que envolvem o agente,
bem como das suas condições pessoais, chega-se à conclusão de que não l h e era
exigível outra conduta. E mb o ra o fato seja típ ico, não será culpável e, p ortanto,
não será obj eto de reprovação p e la l e i p enal.
1 5.
A U M E N TO DE P E N A
O § 4l)_ do art. 1 2 1 d o Código Penal prevê o aumento d e 1 / 3 (um terço) d a pena
nas seguintes hip óteses:
1 ) h o micídio culposo:
a) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de pro fissão, arte
ou ofício;
b) se o agente deixa de p restar i m e diato socorro à vítima, não p rocura
diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em
flagrante.
2) h o micídio doloso:
a) se o crime é cometido contra p essoa menor de 14 (quatorze) o u maior
de 60 (sessenta) anos.
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . 1 , t. l i , p. 1 88.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p . 435.
165
ROGÉRIO G RECO
VOLUME I I
N o homicídio culposo, a inobservância de regra técnica faz com que a pena
aplicada ao agente seja maj orada em u m terço. Esse substancial aumento se deve
ao fato de que o agente, mesmo tendo os conhecimentos das técnicas exigidas
ao exercício de sua p rofissão, arte ou ofício, não os utiliza por leviandade, sendo
maior, p o rtanto, o j uízo de reprovação que deve recair s obre o seu comportamento.
C on fo rme alerta Fragoso,
"tal dispositivo só se aplica quando s e trata de u m profissional,
pois som ente em tal caso se acresce à medida do dever de
cuidado a rep rovabilidade da falta de atenção, diligência
o u cautela exigíveis. S e não se trata de u m p ro fissio nal, o
componente da culpabi l i dade não excede o que regularmente
se requer para a configuração do crime culposo em sua
hipótese típica bás ica, d e modo que o re conhecimento da
agravante signi ficaria uma dupla val oração i nadmissível .
S e alguém constrói u m m u ro divisório d e seu terreno e s e tal
muro vem a ruir causando m o rte, por ter sido edificado com
inobservância d e regras técnicas, parece evidente que uma
culpa agravada só poderia ter um técnico na construção de
muros. Quem, não sendo técnico, s e lançasse à co nstrução de
u m m uro, se ri a apenas culpado da imprudência elementar ao
c r ime culposo".43
O ale rta feito p o r Fragoso nos faz refl etir s ob re dois p ontos importantes. O
primeiro deles é o fato de que a m aj o ra nte s o mente poderá incidir nos casos
que diss ere m respeito às condutas p raticadas mediante imperícia. O segundo
é que, embora possa o agente ter atuado com i m pe rícia, não necessariamente
d everá incidir a maj o rante, p o is po derá, no caso concreto, ter observado as
regras técnicas necessárias ao ato que estava p raticando, não tendo, contudo,
agido com a habilidade necessária.
Imagine-se a hipótes e e m que u m médico, durante a realização de uma
videolaparoscopia, venha perfurar algum órgão da vítima, mesmo uti l izando
técnicas exigidas no caso concreto. E mb o ra possa, em tese, ser considerado
imperito, não necessariame nte deverá incidir a causa especial de aumento.
A pena ainda é aumentada e m u m terço no homicídio culposo quando o
agente d eixa de p restar o imediato so co rro à vítima, não p rocura d i m i nuir as
consequências do seu ato o u foge para evitar a prisão em flagrante.
Na primeira hipótese, o agente demonstra sua insensibilidade para com o
s ofri m ento alheio, cuja auto ri a l h e é atrib u ída. Aquele que, culposamente, ofende,
i nicialmente, a i ntegridade corporal o u a saúde de alguém deve fazer o possível
p ara evitar a produção do resultado mais gravoso, vale dizer, a morte da vítima.
A n egação do s oco rro demonstra a maior reprovabilidade do comportamento,
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p. 64.
166
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
que m erecerá, consequentemente, maior j uízo de rep rovação, com a aplicação
do p ercentual de aumento de pena.
A omissão d e socorro, quando não punida de forma autô noma, como acontece
na h i pótese do art. 1 3 5 do C ó digo Penal, funciona, geralmente, como causa de
aumento de pena, a exemplo das i nfrações penais previstas nos arts. 3 0 2 e 3 0 3
do Cód igo d e Trânsito b ras ileiro, que p reveem, respectivamente, o s delitos de
homicídio e lesões corporais culposas na direção de veículo automotor.
Aqui merece destaque o fato de que, se outras pessoas j á estiverem efetuado
o s o corro da vítima, não po d erá ser aplicado o aumento de pena ao agente, visto
que o que se p retende com a maj o rante é fazer com que a vítima não fique ao
desamparo. S e o utras p essoas prestavam o socorro, seria inimaginável que o
agente tivesse de com elas brigar p ara que, ele próprio, pudesse socorrer a
vítima. Se não h o uve recusa de sua p arte em levar a efeito o s ocorro que fora
realizado por terceiros, nenhuma j ustificativa existe para o aumento de pena.
D a m esma forma, não se fala em o m i ssão de socorro quando a vítima tiver,
por exemplo, m o rte instantânea. O p arágrafo não exige que se s oco rra um
cadáver. H á casos, como é cediço, que percebemos, a toda p rova, a morte da
vítima. N essas hipóteses também não h á falar em omissão de socorro, como
aquela absurda s ituação criada pelo já citado Código de Trânsito brasileiro que,
no parágrafo único do seu art. 3 0 4, exige a prestação do socorro ainda que se
trate d e vítima com mo rte instantânea, verbis:
Art. 3 04 . D eixar o condutor do veículo, na ocasião do
acidente, de p restar imediato socorro à vítima, ou, não
podendo fazê-lo diretamente, por j usta causa, deixar de
solicitar auxíl i o da auto ridade pública:
Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa,
se o fato não constituir elemento de crime mais grave.
Parágrafo ú n i co. Incide nas penas p revistas neste
artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão
seja suprida por terceiros ou que s e trate de vítima com
m o rte i nstantânea ou com ferimentos leves.
D a mesma forma, aumenta-se a pena aplicada quando o agente não procura
dimin uir as consequências de seu ato, quer d izer, segundo H ungria, que não tenta,
"na medida do possível, atenuar o dano ocasionado por sua culpa, como quando,
por exemplo, deixa de transportar a malferida vítima ao primeiro posto hospitalar
ou a uma farmácia, ou omite qualquer p rovidência indi cada pela necessidade do
seu urgente tratamento",44 a exemplo daquele que sabendo que a vítima não possui
condições financeiras para arcar com o custo do tratamento e medicamentos não
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 88.
167
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
a auxilia materialmente nesse sentido, deixando-a à própria sorte, ou também
naquele caso em que o agente, ameaçado de ser linchado pela população revoltada
com o seu compo rtamento, não busca socorro nas autoridades.
A última das m aj o rantes aplicáveis ao homicídio culposo diz respeito ao
fato do agente que foge para evitar sua prisão em flagrante. Ab in itio deve ser
destacado o fato de que se a vida do agente correr perigo, como acontece quando
o seu linchamento é iminente, tendo e m vista a manifestação de populares que
se encontravam no local do acidente, não se lhe pode exigir que permaneça no
local dos fatos, afastando-se, o utro ssi m, a maj orante.
I n dependentemente da situação anterior, tem-se questionado a val i dade
dessa causa d e aum ento de pena e m virtude do fato de ter o art. 3 0 1 do C ó digo
de Trânsito brasileiro d eterminado que ao condutor de veículo, n os casos de
aciden tes de trânsito de que resulta vítima, não se imporá a prisão em flagran te,
nem se exigirá fia nça, se prestar pro n to e in tegra l socorro àqu ela, esti mulando,
assim, a presença do motorista atro p elador n o local do acidente, uma vez que,
se ali permanecer, não poderá ser conduzido preso.
D essa forma, aplicando-se, por analogia, o mencionado dispositivo, devemos
afastar, também, a prisão e m flagrante delito nas hipóteses de homicídio culposo
do Código Penal, uma vez que são idênticas as razões de política criminal.
Até o advento da Lei n" 8 . 0 69, d e 1 3 de j ul h o de 1 9 9 0 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), todas as maj o rantes do § 4" do art. 1 2 1 d o Código Penal
eram d estinadas ao delito de homicídio culposo. Após a sua edição, foi inserida
a maj o rante dirigida exclusivame nte ao h omicídio doloso, quando p raticado
contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.
Recentemen te, mais uma i ntrodução foi procedida no mencionado parágrafo,
agora por intermédio da Lei n" 1 0 . 7 4 1 , de 1" de o utubro de 2 0 0 3 (Estatuto do
Idoso), que também determinou o aume nto de um terço quando o del ito for
praticado co ntra pessoa maior de 6 0 (sess enta) anos.
As duas maj o rantes podem ser aplicadas a todas as modalidades de homicídio
doloso - simples, privilegiado e qualificado, devendo, contudo, ser demonstrada a
idade das vítimas por meio de documento hábil, conforme preconiza o parágrafo
único do art. 1 5 5 do Código de Processo Penal, de acordo com a nova redação que
lhe foi dada pela Lei n" 1 1 .690, de 9 de j unho de 2 0 08, que diz que somente quanto
ao estado das p essoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
1 6.
P E R DÃ O J U D I C I A L
In icialmente, é preciso destacar que o perdão j udicial não s e dirige a toda e
qualquer infração penal, mas, sim, àquelas p reviamente determinadas pela lei.
Assim, não cabe ao j ulgador aplicar o perdão j u d icial nas h ipóteses em que bem
entender, mas tão som ente nos cas o s p redeterminados pela l e i penal .
168
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
C o m esse raciocínio, pelo menos ab in itio, torna-se i mpossível a aplicação
da analogia in banam partem quando se tratar de ampliação das h ipóteses de
perdão j udicial. I sso porque a lei penal afirmou categoricamente que o perdão
j udicial somente seria concedido nos casos por ela previstos, afastando-se,
po rtanto, qualquer o utra i nterpretação.
M uito se discutiu sobre a natureza j urídica da s entença que concede o perdão
judicial, sendo que as opiniões se d ividiam no sentido de que seria absolutória,
condenatória ou meramente declaratória de extinção da punibilidade. O STJ,
por intermédio da Súmula nll 1 8, posicionou-se nesse último sentido, afirmando
que a sen tença concessiva do perdão ju dicial é declara tória da extinção da
p u n ib ilidade, não subsistindo qualquer efeito co nden a tório, devendo ser realizada
uma releitura do art. 1 2 0 do C ó digo Penal.
A fo rma como o perdão j u dicial n ormalmente vem p revisto, a fim de ser
aplicado a determinada i n fração p enal, d eixa dúvida se ele é uma fa culdade do
juiz o u u m direito subjetivo do agente. O § Sll do art. 1 2 1 do Código Penal diz que,
na h ipótese de hom icídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
consequências da infração a tingirem o próprio agente de form a tão grave que a
sa n ção penal se torne desn ecessária.
Suponhamos que um pai, que possua porte legal de arma, chegue em casa
apressado e, negligentemente, retire a arma da cintura e a coloque sobre a mesa
da sala, indo, logo em segu ida, ao banheiro. Seu filho menor, ao avistar a arma,
começa a brincar com ela. A arma dispara, atingindo-o mortalmente. O pai ainda
se encontrava no banhei ro quando escutou o estampido. Desesperado, lembrou
-se de que havia deixado a arma ao alcance do seu filho, mas, ao sair do banheiro,
já o encontrou morto. Pergunta-se: S erá que esse pai, que, em razão de ter deixado
de observar o seu dever obj etivo de cuidado, culposamente causou a morte de seu
próprio filho, necessita de mais alguma sanção? Acreditamos que não, devendo,
pois, ser-lhe concedido o perdão judicial. Em casos como esse, indaga-se: O perdão
judicial continua a ser uma faculdade do j uiz ou é um direito subj etivo do agente?
Respondendo à indagação formulada, D amásio de Jesus afirma tratar-se de
"um direito p enal público s ubj etivo de liberdade. Não é um
favor concedido pelo j uiz. É u m direito do réu. Se presentes as
circunstâncias exigidas pelo tipo, o j uiz não pode, segundo puro
arbítrio, deixar d e aplicá-lo. A expressão 'pode' em pregada
pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão j udicial,
de acordo com a m o derna doutrina penal, perdeu a natureza
de s i mples faculdade j u d i cial, no sentido de o juiz poder,
s e m fundamentação, aplicar ou não o p rivi légio. Satis feitos
os pressupostos exigidos pela norma, está o j u i z obrigado a
deixar de aplicar a pena".45
JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, v. 1 , p . 597.
169
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
E ntendemos, permissa venia, que o p e rdão j udicial pode ser entendido sob
os dois asp ectos, ou sej a, como u m d ireito subjetivo do acusado ou como uma
faculdade do j ulgador. Isso dependerá da hip ótese e das pessoas envolvidas.
Assim, sendo o caso de crime cometido por ascendente, descendente, cônj uge,
companheiro ou i rm ão, o perdão j udicial deverá ser encarado como um d ireito
subj etivo do agente, pois, nesses casos, presume-se que a infração penal atinge
o agente d e fo rma tão grave que a sanção penal se torna desnecessária.
Por outro lado, h á situações em que o j ulgador deverá, caso a caso, verifi car a
viabilidade ou não da aplicação do perdão judicial. I magine-se a hipótese daquele
que, querendo mostrar sua arma ao seu melhor amigo, acidentalmente, faz com
que ela dispare, causando-lhe a morte. Seria aplicável, aqui, o perdão j udicial, uma
vez que o agente que causou a morte de seu melhor amigo ficou tremendamente
abalado ps icologicamente, pensando, inclusive, em dar cabo da própria vida, em
razão da sua imp ru dência? A resposta virá, como dissemos, no caso concreto,
não se podendo generalizar, como nas hipóteses em que houver uma relação de
parentesco próximo entre o agente e a vítima, conforme destacamos.
1 6 . 1 . P e r d ã o j u d i c i a l no C ó d i g o de T r â n s i to b r a s i l e i ro
D issemos que o p erdão j u dicial s o me nte pode ser concedido nas h ipóteses
determinadas expressamente em lei, sendo, inicialmente, uma escolha do
legislador para, posteriorme nte, ficar a critério do j uiz a sua aplicação ao caso
con creto, se presentes o s seus re quisitos. Assim, quando não h ouver p revisão
expressa em lei, o j u lgado r estará i mpossibilitado de conceder perdão j u dicial,
sendo vedada, nesse caso, a analogia in banam partem.
Anteriormente ao advento da Lei nil 9 . 5 0 3 /9 7, a sociedade mobilizou-se n o
sentido d e q u e h ouvesse m a i o r recrudescimento d a s penas correspondentes
aos delitos d e h o micídio e lesões corporais culposas praticados no trânsito, fato
que culminou com a edição do Código de Trân s ito b rasileiro.
Antes do novo Có digo de Trânsito, quando os m otoristas, na direção de seus
veículos, causavam mortes o u lesões culposas, respondiam, respectivam ente,
pelas sanções p revistas nos arts. 1 2 1, § 3il e 1 2 9, § 6il, todos do Código Penal.
Para essas i nfrações penais havia, também, a p revisão do perdão j u dicial
(art. 1 2 1, § Sil, e art. 1 2 9, § 8il, d o C P ) .
,
O Código d e Trânsito b rasileiro especializou os delitos de homicídio e lesões
corporais de natureza culposa, criando os tipos dos arts. 302 e 303 que dizem:
-----
----
-- -------
Art. 3 0 2 . P raticar h om icídio culposo na direção de
veículo automotor:
Penas - d etenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e
suspensão o u proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo auto motor.
1 70
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
Art. 3 0 3 . P raticar lesão corporal culposa na direção de
veículo autom o to r:
Penas - detenção, de 6 (s eis ) meses a 2 (dois ) anos e
suspensão o u proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir ve ículo autom otor.
E mb o ra o p roj eto de l e i que disciplinou o Código de Trânsito b rasileiro tivesse
feito p revisão do p erdão j u d icial, em seu art. 3 0 0, nas h ipóteses de h o m icídio
culposo e lesão corp oral culposa, o Presi dente da República entendeu por bem
vetá -lo, sob o s eguinte fundamento :
"O artigo trata do perdão j udicial, j á consagrado pelo D i reito
Penal. D eve ser vetado, p o rém, porque as hipóteses previstas
pelo § S<J. do art. 1 2 1 e § 8<J. do art. 1 2 9 d o C ó digo Penal
disciplinam o instituto de forma mais abrangente."
Apesar dos argumentos exp e n d i d o s no veto pres i d encial, podemos nos
fazer a seguinte i nd agação : Sendo o p e rdão j ud i cial s o m ente apli cável nas
h i p óteses previamente dete rm i nadas e m l ei, pelo fato de não haver, em virtude
do veto presi d e n cial, p revisão expressa do p erdão j udicial no C ó digo de
Trân s ito b rasileiro, p o d e m o s c o n t i n u a r a aplicá-lo nas h i p óteses de h o m i cídio
culposo, bem c o m o d e lesão co rpora l culposa praticados na direção de veículo
automoto r?
Res p ondendo afi rmativam ente à i ndagação, Ariosvaldo de Campos P i res e
Sheila Selim, com maestria, aduzem:
" E m b o ra j usti fi cáveis as razões do veto, parece-nos, com
e feito, que d e melhor técnica seria p rever expressamente
tais h i póteses no Código de Trânsito, ampliando-as como
necessário. O legislador não o fez. Ainda assi m, as hipóteses
de perdão j u d icial p revistas para o h om i cídio culposo e a lesão
corp o ra l culposa, no C ó digo Penal, devem ser aplicadas aos
arts. 302 e 3 0 3 do Código d e Trânsito, seja p o rque o art. 2 9 1
envia o i ntérprete à aplicação das normas gerais d o C ódigo
Penal, seja por força das razões do veto, antes expostas, que se
referem expressamente àquelas h i póteses."46
Luiz Flávi o Gomes47 e D amásio de J esus48 também se pos1c10nam
favo ravel me nte à apli cação do p erdão j udicial aos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó digo de
Trânsito b rasileiro.
P I R E S , Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim d e . Crimes d e trânsito, p . 1 86.
GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal, p . 30.
JESUS, Damásio E. de. Crimes de trânsito, p. 50.
171
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
E m sentido contrário, Rui Stoco, sob o argumento de que
"o § 5u do art. 1 2 1 do C ó d igo Penal contém disposição
assemelhada, com o mesmo obj etivo, cabendo, então, indagar
se essa hipótese d e perdão j udicial aplica-se ao h omicídio
culposo ou lesão corporal culposa decorrente de aci dente
de trânsito. Lamentavelmente, a resposta é negativa. É certo
que o art. 2 9 1 desse Estatuto mandou aplicar aos crimes
cometidos na direção d e veículos autom otores o C ó digo Penal,
o C ó digo de Processo Penal e a Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 . Contudo,
restringiu essa aplicação às normas gerais do C ó digo Penal,
de modo que apenas a p arte geral deste C ódigo é que se aplica
subsidiariamente. E então estamos diante de absurda inj ustiça
o u d esaj uste legal, na medida em que o ordenamento j u rídico
passa a estabelecer critérios d iversos para situações idênticas.
Aquele que vitima u m p arente e co mete h omicídio culposo
na d i reção d e u ma aeronave, de uma composição férrea, no
metrô, na i ntervenção cirú rgica etc., terá possibilidade de
obter o p erdão j u d icial, enquanto a ocorrência do mesmo fato,
nas mesmas circunstâncias, mas na condução de um veícul o
auto motor, n ã o pod erá ensejar a obtenção do b e nefício. N ã o
h avendo c o m o buscar razão lógico-j u rídica o n d e e l a n ã o existe,
só cabe lamentar a impropriedade e falta de sensibilidade
da autoridade, que insiste e m negar vigência à C o nstituição
Federal e escarnecer o princípio da isonomia".49
E mbora não concordemos com o veto presidencial, pois entendemos que as
h i p óteses que possibil itam a aplicação d everão estar expressas, ou seja, deverá
haver p revisão l egal em cada tipo penal e m que seja permitido, pela lei, o perdão
j u di cial, acreditamos, com a corrente maj o ritária, ser possível, por questões de
política criminal, a aplicação do perdão j udicial aos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó digo
de Trânsito brasileiro. Isso p o rque não seria razoável entender que, embora
as razões que fizeram inserir o perdão j udicial para os crimes de h om i cídio
culp oso e lesão corporal culposa tenham sido, s em dúvida, o elevado núme ro de
acidentes de trânsito, agora que foram criadas i n frações p enais específicas para
esse tipo de acidente, o p e rdão j udicial não possa ser aplicado.
Assim, mesmo correndo o risco d e se abrir uma p o rta para outras infrações
penais, excepcionando-se a regra contida no inciso IX do art. 1 0 7 d o C ódigo
Penal, somos pela possibilidade d e aplicação d o perdão j u dicial aos delitos
tipificados nos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó d igo d e Trânsito brasileiro .
. , STOCO. Rui. Código de trânsito brasileiro: disposições penais e suas incongruências. Boletim do IBCCrim,
nº 6 1 , p. 9 .
172
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
1 7.
H O M I C ÍD I O P R AT I C A D O P O R M I L ÍC I A P R I V A DA , S O B O
P R E T E XTO D E P R E ST A Ç Ã O D E S E R V I Ç O D E S E G U R A N ÇA , O U
P O R G R U P O D E E XT E R M ÍN I O
A Lei n" 1 2 . 7 2 0, d e 2 7 d e setembro d e 2 0 1 2 , acrescentou o § 6-" ao art. 1 2 1 do
Código Penal, p revendo mais uma causa especial de aumento de pena, dizendo,
verbis:
§ 6-" A pena é aume ntada de 1 / 3 (um terço) até a metade
se o crime for p raticado por m i lícia privada, sob o
p retexto de prestação de s erviço de s egurança, o u por
grup o d e extermínio.
D efin ir, com p recisão, o conce ito d e m ilícia, não é tarefa fácil. H istoricamente,
voltando à época d o I mpério, os p o rtugueses entendiam como "milícia" as
chamadas tropas de segunda linha, que exerciam uma reserva auxil i ar ao
Exército, considerado de primeira linha. Como a p olícia m ilitar, durante muito
tempo, fo i considerada uma reserva do Exército, passou, em virtude disso, a ser
considerada m i l ícia.
No meio fo rense, não era incomum atribuir-se a denominação "milícia"
quando se queria fazer referência à Policia M i litar. Assim, por exemplo, quando,
na p e ça inicial d e acusação o u da lavratura do auto de pr isão em flagrante, ou
mesmo e m qualquer manifestação escrita nos autos, era comum referir-se aos
policiais militares, que e fetuavam a prisão, como "milicianos".
I nfelizmente, nos dias de hoje, j á não s e pode mais uti lizar essa denominação
sem que, com ela, venha uma forte carga pej o rativa. Existe, na verdade, uma
dificuldade na tradução do termo "m ilícia". Essa dificuldade foi externada,
inclusive, no Relatório Final da Comissão Parlamentar de I nquérito (Resolução
n" 4 3 3 / 2 008 ) , da Assembleia Legislativa d o E stado do Rio de Janeiro, presidida
pelo D e p utado Marcelo Freixo, destinada a i nvestigar a ação dessas novas
"milícias", no âmbito daquele E stado.
Tal d ificuldade d e conceitu ação pode ser vislumbrada j á no início do referido
Relatório (página 3 4) , quando diz que:
"Desde que grupo s de agentes do E stado, utilizando-se de
m étodos violentos p assaram a d ominar comunidades inteiras
nas regiões mais carentes do município do Rio, exercendo
à margem da Lei o papel d e polícia e juiz, o conceito de
m i l ícia consagrado nos d i ci o nários foi superado. A expressão
m ilícias s e incorporou ao vocabulário da segurança p ública
n o E stado do Rio e começou a ser usada frequentemente por
órgãos de i mprensa quando as mesmas tiveram vertiginoso
aumento, a p arti r d e 2 0 04. Ficou ainda mais consolidado após
1 73
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
os atentados ocorridos n o final de dezembro de 2 0 06, tidos
como uma ação de represália d e facções de narcotraficantes à
propagação de milícias na cidade."
E mb o ra d e d ifícil tradução, mas p ara e feitos de apli cação da causa especial
de aume nto d e pena p revista no § 6!.l do art. 1 2 1 do C ódigo Penal, p o demos,
inicialmente, subdivi dir as m i l ícias e m públicas, i sto é, pertencentes, o ficial mente,
ao Poder Público, e privadas, vale dizer, criadas às margens do aludido Poder.
D essa forma, as milícias podem ser consideradas, ainda, militares ou
paramilitares. Militares são as forças p oliciais p ertencentes à Administração
Pública, que envolvem não so mente as Forças Armadas (Exército, Marinha e
Aeronáuti ca) , como também as forças p oliciais (polícia m i litar), que tenham
uma função específica, d eterminada l egal mente pelas autoridades competentes.
Pa ra militares são associações não o ficiais, cuj os m e mbros atuam ilegalmente,
com o e mprego de armas, com estrutura semelhante à militar. E ssas forças
paramilitares utilizam as técnicas e táticas policiais o ficiais p o r elas conhecidas,
a fim d e executarem seus obj etivos anteriormente planej ados. Não é raro ocorrer
e, n a verdade, acontece com frequência, que pessoas pertencentes a grupos
paramilitares também façam parte das forças militares o ficiais d o E stado, a
exemplo de policiais militares, bombeiros, policiais civis e fe derais.
As milícias consideradas criminosas, ou seja, que s e encontram à margem da
lei, eram, inicialmente, formadas por policiais, ex-policiais e também por civis
(entendidos aqui aqueles que nunca fizeram parte de qualquer fo rça p olicial) .
Suas atividades, no começo, cingiam-se à p roteção de comerciantes e
m o radores de determinada região da cidade. Para tanto, cobravam pequenos
valo res i ndividuais, que serviam como renumeração aos serviços de segurança
por elas prestados. Como as m i l ícias eram armadas, havia, normalmente,
o confronto com trafi cantes, que e ram expulsos dos locais ocupados, como
tamb é m os pequenos criminosos (normalmente pessoas que costumavam
praticar crimes co ntra o patrimônio) .
A d i ferença fundamental, naquela oportunidade, entre a milícia e as forças
policiais do E stado e ra que os m i licianos não s o mente expulsavam os traficantes
de d rogas, por exemplo, mas também se mantinham no l o cal, ocupando os
espaços por eles anteriormente do m inados, ao contrário do que ocorria com
as fo rças policiais que, após algum confro nto com criminosos da região, saíam
daquela comunida de, permitindo que a situação voltasse ao sta tu q uo, ou
seja, retornava ao domínio do grupo criminoso que ali imperava. Atualmente,
com a implementação das U n i dades de Polícia Pacifi cadora (UPP), como vem
acontecendo n a cidade do Rio de Janeiro, a polícia vem ocupando os espaços que,
antes, ficavam sob a custódia i legal dos traficantes de drogas, que os mantinham
sob o regime de terror.
174
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
Essa s ituação o riginal da m i lícia a identifi cava como um grupo organizado,
não fo rmalizado, ou sej a, sem a regular co nstituição de empresa, voltado para
a prestação de serviço de segurança em determinada região. Quando havia
empresa constituída, esta e ra purame nte de fachada, ou seja, utilizada para
dar uma aparência de legalidade aos serviços de segurança p restados, que, na
verdade, eram impostos, mediante violência e ameaça à p opulação.
N esses locais é que costumava ocorrer o chamado "bico" por parte dos
integrantes das forças policiais. O "bico" diz respeito à atividade remunerada
do pol icial, quando d eixa seu turno d e serviço, que é proibido em grande parte
dos E stados da federação, e tolerado em outros, permitindo que o p olicial
consiga auferir u m ganh o além do seu soldo ou vencimentos, auxiliando nas
suas despesas pessoais.
N ormalmente, as m ilícias exercem uma vigi lância da comunidade, p o r meio
de pess oas armadas que se revezam e m turnos, i mpedindo, assim, a ação de
outros grupos criminosos.
C o m o passar do tempo, os membros i ntegrantes das m ilícias despe rtaram
para o fato de que, além do serviço de segu rança, podiam também auferir
lucros com o utros servi ços, por eles m o n opolizados, como aconteceu com os
transportes realizados pelas "vans" e motocicletas, com o fo rnecimento de gás,
TV a cabo (vulgarmente conhecido como "gatonet"), internet (ou "gato vel ox",
como é conhecida)
Passaram, outrossim, a exigir que os m oradores de determinada região somente
adquirissem seus produtos e serviços m ediante a imposição do regime de terror. A
violência, inicialmente voltada co ntra os traficantes e outros criminos os, passou a
ser dirigida, também, contra a população em geral, que se via compelida a aceitar
o comando da mil ícia e suas determinações. Para elas não havia concorrência,
ou seja, ninguém, além dos integrantes da m ilícia, podia explorar os serviços ou
mesmo o comércio de bens por eles monopolizado. Em caso de desobediência,
eram j ulgados e imediatamente executados, sofrendo em seus corpos a punição
determinada pela m ilícia (normalmente l esões corp orais ou mesmo a morte) .
O § 6º do art. 1 2 1 do Có digo Penal diz que a pena é aumentada de 1 / 3 (um
terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o p retexto
de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. Ao se referir à
milícia privada, está dizendo respeito àquela de natureza paramilitar, isto é, a uma
organização não estatal, que atua ilegalmente, mediante o emprego da força, com
a utilização de armas, impondo seu regime de terror em determinada localidade.
Podemos tomar como parâmetro, p ara e feitos de definição de milícia p rivada,
as l i ções do s oci ólogo Ignácio Cano, citado no Relatório Final da C omissão
Parlamentar d e Inquérito d a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
(pág. 3 6) , quando aponta as seguintes características que lh e são peculiares:
175
VOLUME l i
ROG É RI O G RECO
1 . controle de u m território e d a população que nele habita por parte de um
grupo armado i rregular;
2 . o caráter coativo desse co ntrol e ;
3 . o ânimo de lucro i n dividual c o m o m otivação central;
4. um discurso de l egitimação referido à p roteção dos moradores e à
instauração de uma ordem;
5 . a participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado.
S e o homicídio, portanto, for p raticado p o r algum membro integrante de
m i lícia privada, sob o pretexto de p restação de serviço de s egurança, a pena
deverá ser especialmente aum entada d e 1/3 (um terço) até a metade. Assim,
por exemplo, imagine-se a h i pótese e m que um integrante da milícia, agindo
de acordo com a ordem emanada do grupo, mate alguém p o rque se atribuía à
vitima a prática frequente de crimes co ntra o patrimônio naquela região, ou
mesmo que a milícia determine a morte de um traficante que, anteriormente,
ocup ava o local no qual levava a e feito o tráfico ilícito de d rogas. As m o rtes,
portanto, são produzidas sob o falso argumento de se estar levando a efeito a
segurança do l o cal, com a eliminação de criminosos.
Nesses casos, todos aqueles que compõem a milícia devem responder pelo
delito d e homicídio, com a pena especialmente agravada, uma vez que seus
i ntegrantes atuam em concurso de p essoas, e a execução do crime p raticada por
um deles é considerada uma simples d ivisão de tarefas, de acordo com a teoria
do domínio funcional sobre o fato.
A Lei nº 1 2 . 7 2 0, de 27 de sete mbro de 2 0 1 2 cri ou, ai nda, o delito de constituição
de m ilícia privada, inserindo o art. 2 88-A no Código Penal, dizendo, textualmente:
Art. 2 8 8 -A. Constituir, o rganizar, i ntegrar, manter ou
custear o rganização paramilitar, milícia particular,
grupo ou esquadrão com a finalidade de p raticar
qualquer dos crimes p revistos neste Código:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
Embora não faça parte de uma milícia, com as características acima apontadas,
poderá ocorrer que o homicídio tenha sido praticado por alguém pertencente a um
grupo de extermínio, ou seja, um grupo, geralmente, de "j usticeiros", que procura
eliminar aqueles que, segundo seus conceitos, por algum motivo, merecem
morrer. Podem ser contratados para a empreitada de morte, ou podem cometer,
gratuitamente, os crimes de homicídio de acordo com a "filosofia" do grupo
criminoso, que escolhe suas vitimas para que seja realizada uma "limpeza social".
Con forme esclarecimentos do D ep utado Federal N ilmário M i randa, Presidente
da Com issão de D i re itos Humanos da C âmara Federal:
1 76
HOMICÍDIO
CAPÍTU LO 3
"a ação dos grupos de extermínio consiste numa das principais
fontes de violação dos direitos humanos e de ameaça ao Estado de
direito no país. Essas quadrilhas agem normalmente nas periferias
dos grandes centros urbanos e têm seus correspondentes nos
jagunços do interior. Usam estratégia de ocultar os corpos de
suas vítimas para se furtar à ação da j ustiça, sendo que os mais
ousados chegam a exibir publicamente sua crueldade. Surgem
como decorrência da perda de credibilidade nas instituições
da j ustiça e de segurança pública e da certeza da impunidade,
resultante da incapacidade de organismos competentes em
resolver o problema. Os e mbriões dos grupos de extermínio
nascem quando comerciantes e outros empresários recrutam
matadores de aluguel, frequentemente policiais militares e civis,
para o que chamam 'limpar' o 'seu bairro' ou 'sua cidade'.5 0
Gerson Santana Arrais, dis cordando da possibilidade de se considerar grupo
de extermínio as mortes oco rridas "gratuitamente", e amparado na definição
apontada pelo ilustre D eputado mineiro, assevera:
"As principais características dos grupos de extermínio são
a matança d e pessoas, após aqueles serem recrutados o u
contratados por pessoas do comércio e outras empresas.
Claramente, por óbvio, que esses exterminadores não fazem
esse 'serviço suj o ' sem ô nus, não o fazem 'de graça'. Certamente
são pagos pelos contratantes - os maiores interessados. Assim,
são profissionais do crime que não possuem, em primeiro
plano, uma relação de desa feto com as vítimas do extermínio.
D e tudo isso, não podemos nos furtar em concluir com clareza
e i nquestionável lógica, que esses exterminadores, ao s ilenciar
as suas vítimas, não estão animados por nenhum motivo
de ordem pessoal em relação a elas (frieza e torpeza) ; são
profissionais (recebem pelo que fazem, então alguém os paga) ;
p o r serem frios e receberem por esse vil mister, agem com
futil i dade em relação à causa d e agir; pelo profissionalismo
e destreza que animam o s seus perfis (bons atiradores,
frios, experientes, treinados, profissionais, normalmente
e m bando), estão e m grande condição de superi oridade e m
relação à víti ma ou às vítim as, a s quais, na maioria das vezes,
não têm possibilidade ou o p o rtunidade de defesa.5 1
M I RANDA, N ilmário. A ação dos grupos de extermínio no Brasil. D H net. Disponível em: <HTIP ://www.dhnet.
org.br/direitos/militantes/n ilmario/nilmario_dossieexterminío.html> apud ARRAIS, Gerson Santana. Homicídio
simples praticado a partir de atividade de extermínio considerado como hediondo. Disponível em: <http ://jus.
com . br/revista/texto/1 4 7 1 1 /homicid io-si mples- praticado-a-partir-de-atividade-de-exterm i nio-considerado-como
hediondo#ixzz27t0tXHHg>. Acesso em: 29 set. 201 2 .
A R R A I S , Gerson Santana. Homicídio simples praticado a partir de atividade d e extermínio considerado como
hediondo. Disponível em: <http ://jus.com.br/revista/texto/1 4 7 1 1 /homicidio-simples-praticado-a-partir-de-atividade
de-exterminio-considerado-como-hediondo#íxzz27tOtXH Hg>. Acesso em: 29 set. 201 2 .
1 77
RoG ÉRlO G RECO
VOLUM E l i
O conce ito, no entanto, ainda não se encontra completamente esclarecido,
como dissemos no tópico 1 9 . 1, corresp ondente aos destaques do crime de
hom icídio, para onde remetemos o leito r.
P E N A , A Ç Ã O P E N A L E S U S P E N S Ã O C O N D I C I O N A L DO
P R O C ESSO
1 8.
Para o homicídio simples, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 2 0 (vi nte) anos;
nas formas qualificadas, a pena é de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos; no
homicídio culposo, a pena é d e detenção, d e 1 (um) a 3 (três) anos.
A ação penal no d elito d e h o micídio, seja ele doloso ou culposo, é de i n i ciativa
pública i ncondicionada.
O instituto da suspensão condicional do processo foi introduzido em nosso
ordenamento j u rídico por intermédio da Lei nl! 9 . 0 9 9, de 26 de setembro de
1 9 9 5, que, em seu art. 89, d etermi n o u :
----- --- ·--
A rt. 89 . No s crimes em que a pena mínima cominada fo r
igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não por
esta Lei, o M i nistério Público, ao o ferecer a denúncia,
po d erá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a
4 (quatro) anos, desde que o acusado não estej a sendo
processado ou não tenha sido condenado p o r o utro
crime, p resentes os demais requisitos que autorizariam
a suspensão condicional da pena (art. 77 do C ó digo
Penal) .
M e dida de natureza despenalizadora, a suspensão condicional do processo
tem por finalidade evitar, presentes determinados requisitos, em infrações
penais cuja pena mínima fo r igual ou inferior a 1 (um) ano, a chamada persecutio
cri minis in judicio, com todas as características que lh e são inerentes, consistindo,
segundo as l ições de Geraldo P rado e Luis Gustavo Grandinetti C . de Carvalho,
"em o M i nistério Público formular p roposta ao réu, visando
obter dele determinados comportamentos positivos e
negativos ao lo ngo de um tempo preciso, de modo a ver
declarada extinta a punibilidade do acusado pelo crime que
funda a causa d e pedir da ação penal. Para que a extinção
da p unibilidade se concretize, é necessário que o acusado,
orientado por seu defensor, aceite a proposta e o j u i z a
h o mologue. P rovas não serão produzidas e o acordo somente
será válido se aperfeiçoado depois de recebida a denúncia,
com a constatação da existência de j usta causa para a ação
penal. Finalmente, a medida só é cabível para determinado
178
H OM ICÍDIO
CAPÍTULO 3
grupo de infrações penais, originando-se a extinção da
punibilidade na hipótese de consu mação do período de p rova
s e m revogação''.52
Pouco temp o depois, mais precisamente em 1 2 de j ulho de 2 0 0 1 , surgiu a
Lei no. 1 0 . 2 5 9 , regulando os J uizados Esp eciais C íveis e Criminais n o âmbito da
Justiça Federal. O mencionado estatuto, ao contrário da Lei no. 9 . 0 9 9 /95, que
dispunha sobre o conce ito d e infração penal de menor potencial ofensivo,
elegendo, para esse fim, as contravenções penais e os crimes a que a l e i cominava
pena máxima não superio r a l (um) ano, aumentou para 2 (dois) anos o tempo
de pena máxima cominada abstratam ente aos crimes, revogando parcialmente
o art. 6 1 da referida Lei nº 9 . 0 9 9 / 9 5 .
C o m e s s a mod i fi cação surgiu a discussão no sentido de q u e também teria
ocorrido modifi cação quanto ao tem p o mínimo de pena cominada nos tipos
penais para e fe ito d e raciocínio so b re a suspensão condicional do processo,
passando-se, ago ra, também para 2 (dois) anos.
Embora houvesse sido levantada inicial m ente a dúvida e com ela as discussões
perti nentes, entende-se, atualmente, d e forma maj oritária, que não houve
modificação no que diz respei to ao tempo de pena mínima cominada para efeito
de possibilitar a p rop osta de transação p rocessual, deven do esta, p ortanto, ser
igual ou inferior a 1 (um) ano.
Co rroborando o raciocínio aci ma, a firmam Tourinho N eto e Joel D ias Figueira
Júnior:
" Para fixar a comp etência do Juizado Especial, leva-se em
consideração a pena máxima de dois anos. Cuidando-se de
suspensão processual, deve-se atentar para a pena mínima de
u m ano. Portanto, s e ao c ri m e fo r cominada pena m áxima não
s u p e r i o r a dois a n o s, a comp etência será do Juizado Especial,
e se a pena m ín im a cominada for igual ou inferior a um ano,
p oder-se-á, sati sfe itos o s demais requisitos, conceder ao
acusado a suspensão do processo; se superior, não."53
M e recem, ainda, registro as l ições precisas de G eral do P rado e Luís Gustavo
Grandinetti C. de Carvalh o que, com segura nça, afirmam:
"Convém lembrar que o Superior Tribunal de Justiça chegou a
definir a pena mínima de dois anos de prisão como patamar
para o cabimento da suspensão condicional do processo.
Partia-se de suposta si metria, inexistente é verdade, com a
pena máxima de dois anos que a Lei nU l 0 . 2 59/2 0 0 1 fixou para
definir infrações de menor p otencial o fensivo. Com a devida
.. PRADO, Geraldo; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais, p. 259.
TOU R I N H O NETO, Fernando da Costa; F IG U E I RA J Ú NIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e
crim inais, p. 723.
179
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
vênia dos que entendem de modo dife rente, não h á qualquer
correspondência entre dois anos de pena máxima para definir
infrações de menor potencial ofensivo e dois anos de pena
m ínima para cabimento da suspensão condicional do processo.
Como frisado, a suspensão condicional do processo é categoria,
geral, que deveria vir regulada no C ódigo de Processo Penal, mas
que terminou sendo disciplinada na Lei dos Juizados Especiais
para se aproveitar uma situação excepcional de política
legislativa, apenas por esse motivo. P revista para incidir em
caso de crime com pena mínima de até dois anos de p risão, por
opção do Congresso Nacional foi limitada a crimes com pena
mínima de um ano. Trata-se de liberdade de conformação do
legislador, e exclusivamente dele, nos termos do art. 5º-, inciso
XXXIX, da Co nstitu ição da República, de modo que somente
outra lei pode alterar o referido patamar. A circunstância de
estar prevista na Lei nº- 9 . 0 99/95 não muda isso.'' 5 4
O art. 6 1 da Lei nº- 9 . 0 9 9 / 9 5 teve sua redação modificada pela Lei nº-1 1 . 3 1 3 ,
d e 2 8 d e j ulho d e 2 0 0 6, que passou a considerar como infração penal d e menor
potencial ofensivo as co ntravenções penais e os crimes a que a lei comine pena
máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. A referida
lei não fez qualquer menção à suspensão condicional do processo, quando, se
fosse intenção do legislador aumentar o seu l i mite para 2 (dois) anos, poderia
tê-lo feito expressamente, afastando, dessa forma, qualquer dúvida. Assim,
entendemos que prevalece a regra constante do art. 89 da Lei nº- 9 . 0 9 9 / 9 5 .
Analisando a pena m í n i m a cominada ao delito de h o micídio culposo,
percebemos que ela não é superior a 1 (um) ano, razão pela qual será possível
a confe cção de p roposta de suspensão condicional d o processo pelo M inistério
Públi co, com todas as i mpl icações que l h e são inerentes.
M e rece ser frisado, co ntudo, que o concurso de crimes, em quaisquer das
suas mo dalidades (concurso material, concurs o formal ou continuidade
delitiva), de acordo com a Súmula nº- 243 d o Superior Tribunal de J ustiça, afasta
a possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo, tendo o
Supremo Tribunal Federal também e ditado a Súmula nº- 7 2 3 não admitindo a
transação processual nas h i póteses de crime continuado, verbis:
benefício da suspensão do processo não é
aplicável em relação às infrações pena is cometidas em concurso
m aterial, concurso fo rma l ou con tin u idade de/itiva, quando a pena
m ín im a cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da
m ajoran te, u ltrapassar o lim ite de um (01) a n o.
Súm ula nª 243. O
PRADO, Geraldo; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais, p. 276.
180
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
Súm ula 11" 723. Não se adm ite a suspensão condicion a l do
p rocesso por crime con tin uado, se a som a da pena m ín im a da
infração m a is grave com o a u m e n to mín im o de um sexto fo r
superior a um a n o;
[. . .].
Pode ocorrer, p o r exemplo, que alguém, descuidadamente, fazendo a limpeza
de sua arma, efetue um disparo, atingindo fatalmente duas pessoas. Teremos,
aqui, dois homicídios culposos, praticados em concurso formal. Assim, em que
pese a p e na mínima para essa infração p enal permitir o raciocínio, pelo menos
inicialmente, sobre a possibil idade d e aplicação da suspensão condicional do
processo, esta será i nviabil izada e m decorrência do concurso de crimes.
1 9 . D E STAQ U E S
1 9 . 1 . H o m i c íd i o s i m p l e s c o n s i d e r a d o c o m o c r i m e h e d i o n d o
Relembra Alberto Silva Franco:
"As chacinas da Candelária e de Vigário G eral, n o Rio de
Janeiro, aliadas ao assassi nato da artista de televisão, Daniela
Perez, deram o pano de fundo necessário para que os meios de
comunicação so cial iniciassem u m a ampla e intensa campanha
com o obj etivo de incluir o d el ito de homicídio n o rol dos
crimes hediondos". 55
A m íd ia, mobilizando as massas p o p ulares, fez com que fosse ampliado
o elenco das infrações consideradas h e diondas para nele inserir o delito de
homicídio, o que foi e fetivam ente concretizado p o r intermédio da Lei nu 8.9 30,
de 6 de s etembro de 1 9 94, que deu nova redação ao inciso I do art. 1 u da Lei
nu 8 . 0 7 2 /9 0 .
O mencionado i n ciso I do art. iu d a Lei n u 8 . 0 7 2 / 9 0 passou a ter a seguinte
re dação :
Art. 1 u. São cons iderados hediondos os seguintes
crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nu 2 .84 8, de
7 de dezembro d e 1 9 4 0 - C ódigo Penal, consumados ou
tentados:
I - h o m i c ídio (art. 1 2 1 ) , quando p raticado em atividade
típica de gru p o d e extermínio, ainda que cometido por
u m só agente, e h o micídio qualificado (art. 1 2 1, § 2u, I,
II, I l i, IV e V) ;
[ ... ] .
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos, p. 1 0 1 .
181
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
I nterpretando a redação d o inciso I d o mencionado artigo, podemos concluir
que o h omicídio simples também passou a gozar do status de crime h ediondo desde que p raticado em atividade típica de grup o de extermínio -, mesmo que
cometido por uma só pessoa.
Desde a inovação trazida para o bojo da Lei no. 8 . 0 7 2/90, a doutrina vem s e
perguntando, i ncessantemente, o q u e v e m a s e r a tividade típ ica d e grupo de
extermín io.
Antôn io Lopes M o nteiro, buscando resolver essa vexata quaestio, destaca:
"Quererá, talvez, o legislador referir-se ao famigerado
'esquadrão da m o rte', quiçá aos atuais 'justiceiros' ou a
pessoas pagas para 'ap agar' pequenos delinquentes? Tem o s
nos sas d úvidas, até porque, se a um ou a outro s e quisesse
reportar a lei, inútil destacar esta figura como h edionda, já
que h om icídi o s assim p raticados qualificam-se p elo motivo
torpe (art. 1 2 1 , § 20., I) ou p o r emboscada, ou outro recurso
que d i ficulte o u torne impossível a defesa do ofendido (inciso
IV), ou até, na pior das h i póteses, por motivo fútil (inciso I I) .
É p o r isso que não entendemos a finalidade desta inclusão."56
Ainda poderíamos adicionar, j á que não há consenso sobre o que seja a tividade
típ ica de grupo de extermín io, aqueles comportamentos dirigidos a destruir os
grupos apontados pela Lei no. 2 . 8 8 9 / 5 6, que defi ne e pune o crime de genocídio,
a saber, grupo nacional, étnico, racial o u rel igioso.
E n fi m, apesar da previsão contida na Lei no. 8.0 72/90, inserindo n o rol das
infrações hediondas o h o micídio simples, confo rm e destacado, se a conduta do
agente, mesmo não agindo e m concurso, se caracterizar como a tividade típ ica
de grupo de extermínio, dificilmente não encontraremos uma qualificadora para
essa motivação.
Podemos, assim, concluir com Guilherme de Souza N u cci que "a atividade
típica d e grupo d e extermínio sempre foi considerada pela nossa j urisprudência
amplamente majoritária u m crime cometido por motivo to rpe",57 razão pela
qual se torna impossível a ocorrência de homicídio s imples, p raticado por conta
dessa motivação.
1 9 . 2 . É s u ste n t á v e l a h i pótese d e h o m i c íd i o q u a l i f i c a d o - p r i v i l e g i a d o ?
I nterpretando sistem icamente o s §§ 1 0. e 2" do art. 1 2 1 do C ódigo Penal,
chegaríamos à conclusão de que não seri a possível a existência de um h o m icídio
quali ficado-privilegiado. Se fosse a i ntenção da lei apli car a causa de redução
de pena constante do § 1 0. do art. 1 2 1 às suas modalidades qualificadas, o
MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos, p. 24.
N UCCI, G u ilherme de Souza. Código penal comentado, p. 381 .
1 82
H OMICÍDIO
CAP ÍTU LO 3
mencionado parágrafo d everia estar l o calizado posteriormente ao elenco das
qualificadoras, haj a vista ser princípio de hermenêutica aplicar o parágrafo
somente às hip óteses que l h e são antecede ntes.
Assim, como a causa d e diminuição d e pena está localizada, no art. 1 2 1 do
Código Penal, anteriormente às modalidades qualificadas do delito de h o m icídio,
a conclusão de tal raciocínio seria pela impossibilidade da existência de um
homicídio qualificado-privi l egiado.
Nesse sentido, ensina M agal hães N o ronha:
"Veja-se primeiram ente a disposição técnica do Código.
D epois d e definir o homicídio simples, no artigo, passa no § 1 º
a que ele denomina Caso de dim i nuição de pena a tratar de
m itigação p e n a l . Qual será, entretanto, a pena? Evi dentemente
a com inada a n tes, ou seja, a do artigo, ou do h o micídio simples.
Ele mentar conhecimento de técnica legislativa levaria o
legislador, se quisesse estender o privilégio ao homicídio
qualifi cado, a definir este em primeiro lugar, isto é, antes
da causa de diminuição que, e ntão, vindo depois dele e do
homicídio simples, indicaria que a pena era tanto a de um
como a d e outro."58
-
-
C o ntudo, maj o ritariamente, a do utrina, por que stões de política criminal,
pos1c10na-se favoravelmente à aplicação das minorantes ao h o micídio
qualificado, desde que as qualificadoras sejam de natureza obj etiva, a fi m de
que oco rra compati bilidade e ntre elas.
D essa fo rma, poderia haver, por exemplo, um homi cídio praticado m ediante
emboscada (qualificadora de natureza o bj etiva), te ndo o agente atuado impelido
por u m m otivo d e relevante valor m o ral (minorante de natureza subj etiva) .
O que se torna i nviável, no caso concreto, é a concom itância de uma
qualificad ora de natureza subj etiva, com o chamado, equivocadamente,
privilégio, visto serem incompatíveis, a exemplo daquele que mata o seu desafeto
por um m otivo fútil e ao mesmo te mpo de rel evante valor m o ral. São situações
excludentes entre si.59
N esse sentido, p releciona Cezar Roberto Bitencourt, em comentári os às
causas de redução de pena p revistas pelo § 1 º do art. 1 2 1 do C ódigo Penal :
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p. 26.
No que diz respeito à possibilidade de coexistência entre a circunstãncia atenuante relativa à violenta emoção
(art. 65, I l i , e, in fine) e à qualificadora do motivo fútil no homicídio, já decidiu o STJ, por intermédio da sua 5ª Turma,
no RE 1 992/0009657-3, tendo como relator o Min. Assis Toledo: "A qualificadora do motivo fútil pode coexistir com
a aten uante da influência de violenta emoção. Não vai contra a experiência cotidiana o deparar-se com indivíduos
portadores de uma sensibilidade à flor da pele que, por razões insignificantes, são impelidos à prática de crimes,
quando provocados. Não se deve confundir a circunstância atenuante em foco ('sob influência de violenta emoção')
com a causa de diminuição de pena do art. 1 21 , § 1° ('sob o domínio de violenta emoção'). Só esta última apresenta
real incompatibilidade com a qual ificadora do modo fútil."
1 83
RoG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
" Essas privilegiadoras não podem concorrer com as
qualifi cadoras subj etivas, por absoluta i ncompatibilidade.
Respondendo-se positivam e nte aos quesitos das privile
giadoras, fi cam prej udicados os quesitos referentes às
qualifi cadoras subj etivas. N o entanto, nada impede que as
privilegiadoras concorram com as qualificadoras obj etivas".60
1 9.2. 1 .
H o m i c í d i o q u a l i f i c ad o - p r i v i l e g i ad o o u p r i v i l e g i a d o - q u a l i f i c ad o ?
É importante consignar que, embora a do utrina use a s duas expressões qualificado-privil egiado e privi legiado-qualificado -, não podemos considerá
-las, ambas, como co rretas, mas tão s o me nte uma delas, vale dizer, a que intitula
o h omicídio d e q u alificado-privileg ia do .
I s s o porque devemos atender n ã o à ordem constante d o s parágrafos
do art. 1 2 1 do C ód igo Penal, que nos conduziria, fatalmente, à expressão
privilegiado-qualificado, haja vista que as causas de diminuição de pena estão
cons ignadas anteriorme nte às quali ficadoras.
O raciocínio, na verdade, deve ser outro. Estamos di ante, como se verifica com
clareza, de u m homicídio qualificado que não perdeu essa natureza pelo fato de
existirem algumas causas que têm por finalidade diminuir a pena aplicada nos
m o mentos anteriores, determinados p el o art. 68 do Código Penal.
D essa forma, o h o m i cídio, por ser qualificado, deverá ass im ser reconhecido,
para, e m mome nto posterior, ser adjetivado de privilegiado, razão pela qual,
tecnicame nte, estaremos, sempre, diante de um h om i cídio q ualificado
-privileg iado, e não privilegiado - q u alificado.
1 9 . 3 . O h o m i c íd i o q u a l i f i c a d o- p r i v i l eg i a d o c o m o c r i m e h e d i o n d o
A segunda parte d o i n ciso 1 d o art. 10. da L e i n o. 8 . 0 7 2 / 9 0 aponta o h o m icídio
qualifi cado, e m todas as suas modalidades (art. 1 2 1, § 20., 1, I I, I I I, I V e V), como
infração de natureza hedionda.
Admitindo-se, como o faz maj oritariamente nossa doutrina, a possibilidade
d e coexistência d e um h o m icídio qualificado-privilegiado, o privilégio teria o
condão de afastar a natureza hedionda das qualificadoras?
Te cnicamente, a resposta teria d e ser negativa, pois a Lei no. 8 . 0 7 2 / 9 0
n ã o faz qualquer tipo de ressalva q u e nos permita tal ilação. Na verdade, d i z
textualmente q u e o homicídio quali ficado goza do status de infração penal d e
natureza hedionda. O chamado privilégio n ã o é, n a d a mais, d o q u e uma simples
causa d e redução de pena, a ser analisada n o terceiro momento do critério
trifásico, previsto pelo art. 68 do Código Penal.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2 , p . 64.
1 84
H OMICÍ DIO
CAPÍTULO 3
Assim, sendo reconhecido o homicídio qualificado, deverá o j ulgador fixar a
pena-base levando em conta as balizas mínima ( 1 2 anos) e máxima ( 3 0 anos)
p revistas no § 2ª do art. 1 2 1 do estatuto repressivo. Somente n o terceiro
mom ento, quando da aplicação das causas de diminuição de pena, é que fará
incidir o p ercentual de redução de um sexto a um terço.
Como se p ercebe, a i n fração penal não deixa de ser qualificada em razão da
existência de uma m inora nte (privilégi o ) .
C o ntudo, maj o ritariamente, a doutrina repele a natureza hedionda do
homicídio qualificado-privilegiado, haja vista que - é o argumento - não
se compatibiliza a essência do delito obj etivam ente qualifi cado, tido como
hediondo, com o p rivilégio d e natureza subj etiva.61
N esse sentido, assevera Fernando Capez:
"Reconhecida a figura h íbrida do h om icídio privilegiado
-qualifi cado, fi ca afastada a qualifi cação de hediondo
do h o micídio qualificado, p ois, no concurso entre as
circunstâncias obj etivas (qualificadoras que convivem com
o p rivilégio) e as subjetivas (privilegiadoras), estas últimas
serão preponderantes, nos termos d o art. 67 do C P, pois dizem
resp eito aos motivos determinantes d o crime." 62
Guilherme d e Souza N ucci compleme nta o raciocínio anterior dizendo:
"Não d eixa de ser estranha a qualificação de hediondo
(repugnante, vil, reles) a u m delito cometido, por exemplo, por
motivo de relevante valor moral ou social. Ainda que possa
ser praticado com crueldade e qualificadora obj etiva, que diz
resp eito ao modo de execução), a motivação nobre permite
que se considere delito comum e não hediondo, afinal, acima
de tudo, devem-se considerar o s motivos (finalidade) do agente
para a consecução do crime e não simplesmente seus atos.''63
1 9 . 4 . A p re s e n ç a d e m a i s de u m a q u a l i f i c a d o ra
Não raro, acontecem fatos em que se atribui ao age nte a prática de um del ito
de h o micídio dupla ou mesmo triplamente qualificado. O que fazer diante dessa
s ituação, p ara fins d e aplicação da p e na, quando estiver presente mais de uma
qualificadora?
O STJ já decidiu reiteradas vezes pelo não reconhecimento da natureza hedionda do homicídio qualificado
privilegiado, conforme se verifica nas transcrições parciais das ementas que se seguem: "Por incompatibilidade
axiológica e por falta de previsão legal, o homicídio qualificado-privilegiado não integra o rol dos denomi nados
crimes hediondos" (HC 1 53728/SP, Habeas Corpus 2009/022391 7-8, Rei. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 1 3/4/20 1 0) ;
"O homicídio qualificado-privilegiado é estranho ao elenco dos crimes hediondos" (HC 2002/0082726-5, Rei. Min.
Hamilton Carvalhido, 6ª T. , j . 3/2/2004).
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2, p . 42.
NUCCI, G u i l herme de Souza. Código penal comentado, p. 389.
185
ROGÉRIO G RECO
VOLUME I I
A doutrina também se d ivi de nessa questão.
Uma corrente entende que todas as qualificadoras devem ser analisadas no
momento da fixação da p ena-base. Se a pena cominada à modalidade qualificada
do h o micídio varia de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, o julgador, uma
vez reconhecidas duas o u três qualificadoras, poderia, sob esse fun damento,
considerando-se as circunstâncias j udiciais elencadas no art. 59 do Código Penal,
fixar uma pena-base, e m tese, maior d o que aplicaria em face da existência de
uma única qualificadora.
E m sentido contrário, ten d o e m vista que todas as quali ficadoras fazem parte
do elenco constante do art. 61 do Código Penal, à exceção da qualificadora relativa
à asfixia, tem-se entendido, de forma m aj oritária, que o j u l gador deverá, quando
da fixação da p ena-base, l evar em consideração tão some nte uma qualificadora,
servindo as demais para fins de agravação da pena, no segundo momento do
critério trifás ico. Assim, seria afastada a possibilidade de o j ulgador fixar a
p e na-base em patamar m u ito superior ao mínimo l egal, pois não mais poderia
fundamentar sua decisão na multi p l icidade de qualifi cad oras. Por outro lado,
some nte poderia, de acordo com o melhor posicionamento doutrinário, agravar
em até um sexto a pena-base dada a existência de circunstâncias agravantes, o
que, p ol ítico-criminalmente, atenderia melhor aos i nteresses do acusado, que
não receberia uma pena excessivamente l o nga.
O STJ vem decidindo reiteradamente no s eguinte senti d o :
A Quinta Turma d esta C orte j á se manifesto u no sentido de que,
d iante do reconhecimento d e mais de uma qualificadora, somente
uma ensej a o tipo qualifi cado, e nquanto as o utras devem ser
consideradas circunstâncias agravantes, na h ipótese de previsão
l egal, ou, d e fo rma residual, como circunstância j udicial do art. 59
do Código Penal. (STJ, HC 2 0 5. 6 7 7 / D F, Reiª M inª Laurita Vaz, 5ª T.,
Dje 2 1 / 5 / 2 0 1 3 )
Consoante iterativa j u risprudência desta Casa de J usti ça, have ndo
multi p licidade de qualificadoras, nada i m p ede que uma delas
s irva p ara caracterizar o tipo especial, enquanto as demais sejam
utilizadas na primeira (circunstância j udicial desfavorável) o u
s egunda (agravante genérica) etapas do critério trifásico. (STJ,
HC 1 1 8 89 0 / M G, Rei. M i n . Og Fernandes, 6ª T., D]e 3/8/2 0 1 1)
1 9 . 5 . H o m i c í d i o p r a t i c a d o p o r p o l i c i a l m i l i t a r - c o m petê n c i a p a r a
j u lga mento
A Le i n ª 9 . 2 9 9, d e 7 d e agosto de 1 9 9 6, d e u nova redação ao cap u t do art. 8 2
do C ó digo d e Processo Penal M i l i tar, b e m como incluiu o § 2ª, q u e possuem a
segu inte redação:
186
HüMICiDIO
CAP ÍTU LO 3
Art. 8 2 . O fo ro militar é especial, e, exceto nos crimes
dolosos co ntra a vida praticados co ntra civil, a ele estão
suj eitos, em tempo de paz:
§ 1 º [ ... ] .
§ 2 º N o s cri mes dolosos co ntra a vida, praticados contra
civil, a Justiça M i l itar encaminhará os autos do inquérito
pol icial militar à Justiça comum.
Dessa forma, a partir das modificações trazidas pela Lei nº 9.299 / 9 6, se
um militar vie r a causar a m o rte de u m civil, a com petência para o processo e
julgamento será do Tribunal do Júri.
A E menda nº 45, de 8 de dezembro de 2 0 04, dando nova redação ao § 4º
do art. 1 2 5 da Constituição Federal, ratificando o posicionamento anterior,
assevero u :
§ 4 º Compete à J ustiça M i litar estadual processar e julgar
os militares dos E stados, nos crimes militares defi nidos
e m lei e as ações j u diciais contra atos disciplinares,
ressalvada a comp etência do Júri quando a vítima for
civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação
das p raças.
- -
-----
1 9 . 6 . D i f e r e n ç a e n t re e u ta n á s i a , d i st a n á s i a e o rtota n á s i a
A eutanásia d i z respeito à prática do chamado hom icídio p iedoso, no qual o
age nte antecipa a m o rte da víti ma, acometida de uma doe nça incurável, com a
fi nalidade, quase sempre, de abreviar-lhe algum tipo de s ofrimento. E m geral,
a eutanásia é p raticada a pedido ou com o consentimento da própria vítima. A
eutan ásia também tem sido traduzida como "morte seren a, boa morte, morte
sem sofrimento".
A dista n ásia i m p o rta em uma m o rte lenta, prolo ngada, com muito
sofrimento, a exe m p l o daqueles pacientes que são mantidos vivos por meio
de aparelhos, s e m qualquer chance d e s o b revi da caso esses aparelhos venham
a ser des l igados. Como b e m o b servad o por Léo Pessini, "trata-se da atitude
m édica qu e, visando salva r a vida do paciente terminal, s u bmete-o a grande
s o fri m ento. N e s ta cond uta não se prolonga a vida propria mente dita, mas o
processo de morrer".64
PESS I N I , Léo. Distanásia: até quando investir sem agredir. D isponível em: http;//www.cfm.org. br/revista/
4 1 1 996/dist.htm.
187
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
Ortotanásia65, d e acordo com as l ições d e Genival Veloso d e França, diz respeito
à "suspensão de m eios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente
em coma irreversível e cons iderado em 'morte encefálica', quando há grave
com prometimento da coorde nação da vida vegetativa e da vida de relação". 66
1 9 . 7 . T ra n s m i s s ã o d o l o s a do v í r u s H I V67
Pode ocorrer a hipótese em que o agente, sabendo-se portador do vírus da Aids,
o H IV, queira, dolosamente, transmiti-lo a outra pess oa, mediante, por exemplo,
RESOLUÇ ÃO C F M N° 1 .805/2006 (DOU, 2 8 nov. 2006, Seção 1 , p. 1 69)
"Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico l i mitar ou suspender procedi mentos
e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas
que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu
representante legal.
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1 957,
alterada pela Lei nº 1 1 .000, de 1 5 de dezembro de 2004, reg ulamentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de ju lho
de 1 958, e
CONSI DERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e discipli nadores da classe
médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da
Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente;
CONSIDERANDO o art. 1 °, inciso I l i , da Constituição Federal, q ue elegeu o princípio da dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil;
CONSI DERANDO o art. 5°, inciso I l i , da Constituição Federal, que estabelece que 'ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante';
CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes;
CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM nº 1 .493, de 2015198, determina ao diretor cl ínico adotar as
providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a
i nternação até a alta;
CONSIDERANDO que incu mbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal;
CONSIDERANDO, final mente, o decidido em reunião plenária de 9/1 1 /2006,
R ESOLVE:
Art. 1° É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente
em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1° O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas
adequadas para cada situação.
§ 2° A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3° É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.
Art. 2° O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento,
assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito
da alta hospitalar.
Art. 3° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as d isposições em contrário.
Brasília, 9 de novembro de 2006
EDSON DE OLIVEIRA AN DRADE
Presidente
L Í VIA BARROS GARÇ ÃO
Secretária-Geral"
FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos de medicina legal, p. 200.
Conforme Informativo nº 584, do STF, "a Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o portador
do vírus HIV que, tendo ciência da doença e deliberadamente a ocultando de seus parceiros, pratica tentativa de
homicídio ao manter relações sexuais sem preservativo. Trata-se de writ impetrado contra o indeferimento, pelo STJ, de
liminar em idêntica medida na qual se reitera o pleito de revogação do decreto de prisão preventiva e de desclassificação
do delito para o de perigo de contágio de moléstia grave (CP: 'Art. 1 3 1 Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia
grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: [ . . . ]'). Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator,
salientando a existência de sentença de pronúncia e aduzindo que, em prol de uma boa política judiciária, a situação em
tela estaria a ensejar a manifestação do STF, conheceu do writ. No mérito, concedeu, em parte, a ordem para imprimir
a desclassificação do crime e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns
do Estado-membro. Em interpretação sistemática, reputou descabido cogitar-se de tentativa de homicídio, porquanto
haveria crime específico, considerada a imputação. Registrou, relativamente ao tipo subjetivo, que se teria no art. 1 3 1
do CP a presença do dolo de dano, enquanto que no art. 1 21 do CP verificar-se-ia a vontade consciente de matar ou a
assunção do risco de provocar a morte. Afirmou não ser possível potencializar este último tipo a ponto de afastar, tendo
em conta certas doenças, o que disposto no aludido art. 1 31 do CP. Após os votos dos Ministros Dias Tofloli e Cármen
Lúcia acompanhando o relator, pediu vista o Min. Ayres Britto" (HC 9871 2/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 27/4/20 1 0) .
1 88
H OMICÍDIO
CAPÍTULO 3
a p rática de relações sexuais, ou, como ocorre em algumas peni tenciárias, retira
o próprio sangue, colocando-o em uma seringa, para ser aplicado na víti ma.
Nesse caso, se, e fetivamente, vier a oco rrer a trans missão, ou, pelo menos, a
tentativa de transmissão, qual seri a a i n fração penal praticada?
E ntendemos que, nessa h i pó tese, como não existe, ainda, a cura definitiva
para os p o rtadores de Aids, mesmo que o "coquetel de medicamentos" permita,
atualmente, consideráve l sob revida, o fato deverá se amoldar ao tipo do art. 1 2 1
d o C ó digo Penal, consumado (se a vítima vier a falecer como consequência da
síndrome adquirida) ou tentado (se, mesmo depois de contaminada, ainda não
tiver morrido) .
N esse sentido, decidiu o STJ :
" E m havendo dolo de matar, a relação sexual fo rçada e dirigida à
trasmissão do vírus da AI OS é i dônea para a caracterização da tentativa
d e homicídio" (HC 9 3 7 8/RS, Habeas Corpus 1 9 9 9 / 0 0 40 3 1 4- 2 ,
Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, 6ª T. , j . 1 8 / 1 0 / 1 999, D} 2 3 / 1 0 / 2 0 0 0,
p. 1 8 6).
O agente somente poderá ser resp o nsabilizado pela transmissão dolosa ou
culposa do vírus H I V, pois, conforme preleciona Luiz Carlos Furquim Vieira
Segundo,
"caso o sujeito não saiba que tem a doen ça, sendo total mente
imprevisível que era portador da mesma (exemplo : sujeito
que se contamina ao esp etar o pé em seringa que estava
j ogada no meio da areia da p raia, achando que pisou em
concha), n ão h á que se falar e m h omicídio culpos o ou lesão
corp o ral culposa caso este venha a manter relação s exual com
outra pessoa e oco rra a contaminação desta, pois em Direito
Penal não há responsab i l idade obj etiva, sendo assim, só pode
ser responsabilizado o sujeito que atuou com dolo ou culpa
(responsabilidade subj etiva) .1168
1 9 . 8 . J u l g a m e n to p e l o j ú r i s e m a p re s e n ç a d o r é u
D a d a s a s alterações l evadas a efe ito n o Cód igo de Processo Penal, não mais
se exige a presença do réu e m plenário do Júri para que possa ser realizado o
seu j ulgamento. O art. 4 5 7 e parágrafos, com a redação determinada pela Lei
nº 1 1 .6 89, de 9 d e j u nho d e 2 0 08, dizem, verbis:
-----· ------
Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não
comparecimento do acusado s o lto, do assistente ou do
advogado do quere lan te, que tiver sido regularmente
i ntimado.
S E G U N DO, L u i z Carlos Furquim Vieira. Crimes contra a vida , p . 25.
1 89
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
§ 1 ll. O s pedidos d e adiamento e a s j ustificações d e não
comparecime nto d everão ser, salvo comprovado motivo
de fo rça maior, p reviamente submetidos à apreciação do
j uiz p residente do Tribunal do J úri.
§ 2ll. S e o acusado p reso não for conduzido, o j ulgamento
será adiado para o primeiro dia desimpedido da
mesma reunião, salvo se h o uver pedido de dispensa de
com parecimento subscrito por ele e seu defensor.
Andrey Borges de M endonça esclarece, com precisão:
"Embora seja fa cultado ao acusado, em princípio, ausentar
-se da sessão d e j ulgamento, tal disposição não deve ser
considerada absoluta. E m determinadas situações, será
necessária a p resença do réu em plenário, mesmo co ntra
a sua vontade. Caso o juiz entenda, por exemplo, que
h á necessidade de reconhecimento pessoal do acusado,
especial mente nas s ituações em que h á dúvida sobre a
autoria delitiva, p oderá d eterminar a condução coercitiva do
acusado, se não comparecer à sessão. D o contrário, os j urados
seriam impossibilitados d e conhecer a verdade dos fatos,
especialmente no tocante à autoria delitiva.
No caso de réu p reso, a regra é a do comparecimento, devendo
a autoridade providenciar a sua apresentação. Se não tiver sido
conduzido, p o r qualquer m otivo, deve haver adiamento para
o primei ro dia desimpedido. No entanto, é possível a dispensa
da presença do acusado p reso em plenário, se h ouver pedido
de dispensa de co mparecimento subscrito pelo acusado e por
s e d efensor (não basta, p o rtanto, a assi natura de um deles) .''69
1 9 . 9 . H o m i c íd i o d e c o r r e n t e de i n t e rv e n ç ã o p o l i c i a l
N ã o é incomum que, durante confrontos policiais, o suposto autor d e
d eterminada i n fração p enal, o u mesmo alguém contra quem tenha sido expedido
mandado de prisão, possa vir a m o rrer. A p ol ícia, nesses casos, ao narrar o
aludido con fronto, normalmente fazia menção à resistência o ferecida pelo
agente, que colocava e m risco a vida ou mesmo a integridade física dos policiais
que participavam daquela diligência. Assim, convencionou-se formalizar essa
narrativa e m u m docume nto chamado a u to de resistência, onde se i n formava
que o agente havia sido mo rto dada a resistência ativa por ele e mpregada.
N esses casos, os p o liciais relatavam uma situação de agressão inj usta, que lhes
permitia agir e m l egítima defesa.
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal, p. 76.
190
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
C o m o o número d e autos de resistência aumentou sensivelmente ao l ongo
dos a n os, a Secretaria Especial d e D ireitos H umanos, da Presidência da
República entendeu p o r b e m e m regulamentar essas hip óteses fazendo editar
a Resolução n<:> 8, de 20 de d e zembro d e 2 0 1 2 , que, após algumas considerações,
assevera:
Art. 1 <l. As autoridades p o l iciais devem deixar de usar
e m registros policiais, b oletins de oco rrência, inquéritos
policiais e notícias de crimes designações genéricas
como " autos d e resistência", "resistência s egu ida de
m o rte", promovendo o registro, com o nome técnico
de "lesão corp o ral deco rrente de intervenção policial"
ou "homicídio d ecorrente de intervenção p olicial",
conforme o caso.
Art. 2<:>. Os ó rgãos e i nstitu ições estatais que, no
exercício de suas atribuições, se confrontarem com
fatos classificados como "lesão corporal decorrente
de i ntervenção policial" ou " homicídio decorrente de
intervenção policial" devem observar, em sua atuação,
o segu i nte:
1 os fatos serão noticiados imediatam ente a Delegacia
de C rimes co ntra a Pessoa ou a repartição de polícia
judiciári a, fe deral o u civil, com atribuição assemelhada,
nos termos do art. 1 44 da C onstituição, que deverá :
-
a) instaurar, inquérito policial para investigação de
homicídio ou de lesão corporal;
b) comunicar nos termos da lei, o ocorrido ao M i nistério
Público.
II
a perícia técnica especializada será realizada
de imediato em todos os armamentos, veículos e
maquinários, envolvidos em ação policial com resu ltado
morte ou lesão corporal, assim como no local em que a
ação te nha ocorrido, com preservação da cena do crime,
das cápsulas e proj eteis até que a perícia compareça ao
local, confo rm e o dispo sto no art. 6<:>, incisos 1 e II; art.
1 5 9 ; art. 1 60 ; art. 1 6 4 e art. 1 8 1 , do C ódigo de P rocesso
Penal;
-
Ili
é vedada a remoção do corpo do local da m o rte ou
de onde tenha sido encontrado sem que antes se proceda
ao devido exame pericial da cena, a teor do p revisto no
art. 6<:>, incisos 1 e I I, do C ó digo de Processo Penal;
-
191
VOLUME 1 1
RoG ÉRlO G RECO
IV cumpre garantir que nenhum inquérito p olicial seja
sobrestado o u arquivado s em que tenha sido j u ntado o
respectivo laudo necroscópico ou cadavérico subscrito
por peritos criminais i ndependentes e imparciais, não
subordinados às autoridades investigadas;
-
V todas as testemunhas presenciais serão identifi cadas
e sua inquirição será realizada com devida p roteção,
para que possam relatar o ocorrido em segurança e sem
temor;
-
VI cumpre garantir, nas investigações e nos processos
penais relativos a hom icídios ocorridos em confrontos
pol iciais, que seja ob servado o disposto na Resolução
1 9 8 9 /65 do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas ( EC OS OC ) .
-
VII
o M i n istéri o P úb lico requisitará diligências
complementares caso algum dos requisitos constantes
dos i ncisos I a V não tenha s ido preenchido;
-
no âmb ito do M i n i stério Púb lico, o inquérito
VI I I
policial será d istrib uído a membro com atribuição
d e atuar j unto ao Tribunal do J úri, salvo quando for
h i p ótese de "l esão corporal deco rrente de i ntervenção
policial";
-
IX as C orregedorias de Pol ícia determinarão a imediata
i nstauração de processos administrativos para apurar
a regularidade da ação pol icial de que tenha resultado
m o rte, adotando prioridade em sua tramitação;
-
X sem prej uízo da investigação crim inal e do processo
administrativo disciplinar, cumpre à Ouvidoria de
Polícia, quando h ouver, m onitorar, registrar, info rmar,
de fo rma independente e imparcial, possíveis abusos
cometidos por agentes de segurança pública em ações
d e que resultem lesão corporal o u morte;
-
XI o s Coman dantes das Polícias M i l i tares nos Estados
e nvidarão esforços no sentido de coibir a realização
d e i nvestigações pelo Serviço Reservado ( P - 2 ) em
h i p óteses não relacionadas com a p rática de i n frações
penais militares;
-
XII até que se esclareçam as circunstâncias do fato e
as responsabi l i dades, os policiais envolvidos em ação
policial com resultado de morte:
-
1 92
HOMICÍDIO
CAPÍTULO 3
a) serão afastados de im ediato dos serviços de
p ol iciamento oste nsivo ou de missões externas,
ordi nárias ou especiais; e
b) não participarão de processo de promoção por
mereci mento ou p o r bravura.
XIII
cumpre às Secretarias de Segurança Pública
ou pastas estaduais assemelhadas abolir, quando
existentes, políticas de p romoção fu ncional que tenham
por fu ndamento o encoraj amento de confrontos en tre
policiais e pessoas supostame nte envolvidas em p ráticas
criminosas, bem como absterem-se de promoções
fundamentadas em ações de b ravura decorrentes da
morte dessas pess oas;
-
XIV será d ivulgado, trimestralmente, no Diário O ficial
da unidade fed erada, relató rio de estatísticas criminais
que regi stre o número de casos de mo rte ou lesões
corporais decorrentes de atos praticados por p o liciais
civis e militares, bem como dados referentes a vítimas,
classificadas por gênero, faixa etária, raça e cor;
-
XV será assegurada a inclusão de conteúdos de Direitos
H u manos nos concursos para p rovimento de cargos e
nos cursos de formação de agentes de segurança pública,
membros do Poder Judiciário, do M i nistério Público e
da D e fensoria Pública, com en foque historicame nte
fu ndamentado sobre a necessidade de ações e processos
assecuratórios d e política de segurança baseada na
cidadania e nos d i re itos humanos;
-
XVI serão i nstaladas câmeras de vídeo e equipam entos
de geolocalização (G PS) em todas as viaturas p oliciais;
-
XVI I é vedado o uso, em fardamentos e veículos oficiais
das polícias, d e símbolos e expressões com conteúdo
intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e
jargões em músicas ou j i ngles de treinamento que façam
apologia ao crime e à violência;
-
XVI I I
o acompanhamento psicológico cons tante será
assegurado a p o liciais envolvidos em conflitos com
resultado morte e facultado a fam iliares de vítimas de
agentes do Estado;
-
XIX
cumpre garantir a devida reparação às vítimas
e a familiares das pessoas mortas em decorrência de
intervenções p o liciais;
-
1 93
VOLUME l i
ROG ÉRIO G RECO
XX será assegurada reparação a fam i liares dos policiais
m o rtos e m decorrência de sua atuação profissional
l egítima;
-
XXI cumpre condicionar o repasse de verbas federais
ao cumprime nto de metas públicas de redução de:
-
a) m ortes d ecorrentes de i ntervenção policial em
s ituações d e alegado confronto;
b) h o micídios com suspeitas de ação de grupo de
extermínio com a parti cipação de agentes públicos; e
c) d esaparecimentos forçados registrados com suspeita
de p articipação d e agentes públicos.
XXII
cumpre criar unidades de apoio especializadas
no â mbito dos M i n istérios Públicos para, em casos
d e h o m i cídios decorrentes de intervenção policial,
p restarem devida colaboração ao promotor natural
p revisto e m lei, com conhecimentos e recursos humanos
e financeiros n e cessários para a investigação adequada
e o processo p enal eficaz.
-
Art. 3 º. Cumpre ao M i nistério Público assegurar, p o r
meio de s u a atuação no controle externo da atividade
p o li c ial, a i nvestigação isenta e i mparcial de homicídios
d ecorrentes d e ação policial, s em prejuízo de sua
própria i n i ci ativa investigatória, quando necessária
p ara instruir a eventual propos itura de ação penal, bem
como zelar, e m conformidade com suas competências,
pela tramitação prioritária dos respectivos processos
admini strativos disciplinares instaurados no âmbito
das C o rregedorias de P o l ícia.
Art. 4º. O Conselho de D e fesa dos D ireitos da Pessoa
Hu mana oficiará os ó rgãos federais e estaduais com
atrib u i ções afetas às recomendações constantes desta
Resolução dando-lhes ciência de s eu inteiro teor.
Art. 5º. E sta Resolução entra em vigor na data de sua
publ icação.
194
C A P ÍT U LO 4
I N D U Z I M E N T O , I N S T I GAÇÃO O U
AU X Í L I O A S U I C Í D I O
I n duzim ento, instigação o u auxíli o a s u i c í d i o
Art. 1 2 2 . I nduzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
auxíli o para que o faça:
Pena - reclusão, d e 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o sui cídio se
consuma; ou reclusão, d e 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa
d e suicíd io resulta lesão corporal de natureza grave.
Pa rágrafo único . A p e na é duplicada:
Aumento de pena
I - se o crime é p raticado por motivo egoísti co;
I I - se a vítima é menor ou t e m d i mi nuída, p or qualquer causa, a
capacidade de resistência.
1.
INTRODUÇÃO
Que motivos levariam alguém a eliminar a p rópria vida? Ato de covardia o u de
extrema co ragem? O suicídio, também denominado pela medicina de a u tocídio ou
a u toquiria, é u m dos e nigmas que envolvem a humanidade. A falta de esperança, a
ausência completa de qualquer resposta aos seus problemas, o desconhecimento
da pessoa de Deus podem levar alguém a eliminar a p rópria vida. O sui cida, em
virtude do desespero de que é acometido, pratica o ato extremo de matar-se,
entendendo-o como única e última resposta a tudo que enfrenta. 1
De acordo com a lições de Emiliano Borja Jiménez, "o suicídio, que pode ser definido como a morte voluntária,
querida e desejada, de u ma pessoa com capacidade de agi r, é uma conduta propriamente h u mana, e praticamente
desconhecida pelo resto dos seres vivos. Quando uma pessoa chega á convicção de que sua existência já não
tem sentido, de que o sofrimento apaga todos seus projetos, desejos e prazeres, e decide q u itar a própria vida, o
Direito não pode intervir proibindo esse comportamento, e menos ainda sancioná-lo. Pois se o suicida conseguiu
seu objetivo, nada nem ninguém pode atuar j u ridicamente contra ele. E se não logrou seu propósito, o único que
poderia conseguir a imposição de uma sanção era justamente um efeito contrário ao que se perseg ue: que o sujeito
volte a tentar acabar com sua vida por conta do sofrimento adicional que derivaria de seus novos problemas com a
administração da justiça" ( Curso de política criminal, p. 1 26).
195
RoGÉ RJ O GREco
VOLUME l i
C o m o s e percebe pela l eitura d o art. 1 2 2 d o Código Penal, não s e pune aquele
que tentou co ntra a própria vida e escapou da morte, mas tão somente aquele
que o i nduziu, in stigou ou auxiliou m aterialmente para esse fi m.
Vários raciocínios i mpedem a p u n ição daquele que queria se matar e não
conseguiu. D entre eles, podemos citar u m argumento, de ordem l ógica, no
sentido de que se a vítima - e é ass i m que devemos chamá-la - tentou contra
a própria vida por não suportar alguns momentos tormentosos pelos quais
pas sava ainda quando estava e m l i be rdade, que dirá se for colocada no cárcere.
Lá, então, com todo o tratamento i n digno que receberá, s e sentirá infi nitamente
mais estimulada a tentar novamente o suicídio. M erece ser frisado, ainda,
tam b é m como argumento contrário à p unição do sobrevivente à tentativa de
suicídio, que se punir tal comportamento ofenderia o princípio da lesividade.
Para que o legislador possa criar os tipos penais incriminadores, numa visão
garantista-constitucional do D i reito Penal, deverá observar todos os princípios
que lhe servirão de norte, a exemplo da intervenção mínima, l esividade,
adequação s o cial, proporcionalidade etc.
D e acordo com o enfo que do princípio da lesividade, podemos trabalhar,
segundo N ilo Batista, 2 com quatro vertentes que lh e são fundamentais, a saber:
a) proibição de incriminações que digam respeito a uma atitude interna do
agente;
b) proibição de incriminações d e comportamentos que não excedam ao
â mb ito do próprio autor;
c) proibição de incriminações de simples estados ou condições existenciais;
d) proibição de incriminações de co ndutas desviadas que não afetem
qualquer bem j urídico.
N a verdade, podemos resumir todas as vertentes anunciadas por Nilo Batista
em um único raciocín i o : o D i reito Penal só pode, de acordo com o princípio
da lesividade, proibir comportamentos que extrapolem o âmbito do próprio
agente, que venham a atingir bens de terceiros, atendendo-se, pois, ao b rocardo
n u/la !ex poenalis sine injuria.
Ass i m, por mais que a vida seja u m bem que mereça a proteção d o E stado,
dada sua evidente importância, tal p roteção não poderá ser realizada por
intermédio do D i reito P e nal na hipótese daquele que procura eliminar a própria
vida. Is so porque tal comportamento não atinge bens de terceiros, senão os
do p róprio agente, da mesma forma que não pode o Estado punir, também
por intermédio do D i reito Penal, as automutilações. O raciocínio é idêntico.
A i ntegridade corporal é um bem de relevo que merece a proteção estatal.
Contudo, o fato de se automutilar d eve ficar afastado do D i reito Penal, uma vez
que tal comportamento não u ltrapassa a esfera do próprio agente.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica a o direito penal, p . 92-94.
1 96
I N DUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTU LO 4
Para nós, p ortanto, resumindo, os fundamentos principais da proib ição de
incriminação da tentativa d e suicídio são: a falta de logicidade de tal punição,
haja vista que aquele que p ro curar tirar a própria vida enquanto estava em
liberdade não hesitará em fazê-lo quando estiver no cárcere, b em como o fato
de que a conduta de tentar e l i minar a própria vida não se amolda às exigências
do princípio da lesividade.
Entretanto, embora seja atípica a conduta daquele que sobreviveu ao ato
extremo, tem-se entendido pela il icitude de tal comportamento, uma vez que
o Código Penal afirma não se confi gurar o delito de constrangimento i legal a
coação exercida para impedir suicídio, ao contrário de outros atos cons iderados
m eramente imorais, a exemplo da p ro stituição.
Nesse sentido, afirma H ungria:
"Qu e o suicídio não é u m fato j uridicamente lícito, de modo
a tornar i legítima a incriminação da participação nele, está a
demonstrá-lo, indiretamente, o art. 1 46, § 3u, nu l i, do nosso atual
Código, que declara não constituir crime de constrangime n to
ileg al 'a coação exercida para impedir suicídio"'.3
Assim, se alguém, mediante violência ou grave ameaça, mes mo q ue no intuito
de ajudar a vítima, a impede de prostitu ir-se, estaria praticando a infração penal
tipifi cada no art. 146 do estatuto repressivo, vale dizer, o delito de constrangimento
ilegal. Ao contrário, se o agente, por exem plo, mediante o em prego de violência,
impede que a vítima extermine a própria vida, não pratica qualquer delito, pois,
nesse caso, a própria lei penal entendeu por bem afastar a tipicidade desse
comportamento, deixando antever, portanto, como afirmado por Hungria, a
ilicitude da conduta l evada a efeito por aquele que tentou contra sua vida.
2.
C LA S S I F I C A Ç Ã O D O U T R I N Á R I A
Crime comum; simples; de forma l ivre; doloso (pois o tipo penal não fez
previsão expressa da modalidade culposa); comissivo (podendo, entretanto, ser
praticado omissivamente nos casos d e omissão i mprópria, quando o agente gozar
do status de garantidor) ; de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes
(em caso de morte da vítima); não transe unte; monossubjetivo; plurissub s istente;
de conteúdo variado (crimes de ação m últipla, podendo o agente levar a efeito os
vários comportamentos previstos no tipo - i nduzir, instigar ou auxiliar -, devendo
responder, tão somente, por uma única i nfração penal) .
3.
S U J E I TO AT I V O E S U J E IT O P A S S I V O
O d e lito d e induzimen to, i n stigação o u auxíli o ao suicídio pode s e r p raticado
por qualquer pessoa, uma vez que o tipo penal não especifi ca o suj eito ativo.
·1 H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 222.
1 97
ROGÉRIO G RECO
VOLUME l i
O sujeito passivo, da mesma forma, p od erá s e r qualquer pessoa, desde que a
víti ma tenha capacidade de discern imento, de a u todeterminação, pois, caso
contrário, estaremos diante d o delito de homicídio.
Tem-se discutido a respeito dessa capacidade de discernimento. Os
inimputáveis p o r doença m ental, de fo rma geral, não a pos s uem. As s im, aquele
que in duz um portador d e doença m ental a se matar não responde pelo delito
de induzimento ao suicídio, mas, sim, pelo crime de h omicídio. N o que diz
respeito aos menores, tem-se raciocinado com o lim ite de 1 4 anos, fazendo-se
um paralelo, atualmente, com a idade constante do cap u t do art. 2 1 7 -A, que
prevê o chamado estupro d e vulneráve l .
Pode ocorrer, ainda, que a víti ma s e enco ntre numa situação em virtude da
qual não tenha condições de resisti r ao comportamento p raticado pelo agente,
como acontece nas hip óteses de hipnose. A vítima hipnotizada não possui
controle sobre seus atos, não tendo, p o rtanto, capacidade de autodeterminação,
razão pela qual se induzida a ati rar, por exemplo, contra a própria cabeça, o
agente d everá responder pelo delito de homicídio.
Tais s ituações decorrem do fato d e que a víti ma deve, efetivamente, querer
praticar o ato extremo d e s e matar. É fundamental que sua vontade não seja
viciada, que conheça a magnitude do ato que está prestes a praticar.
Nas precisas l i ções de Luiz Regis Prado,
"caracterizado estará o delito de h o micídio (art. 1 2 1, C P)
caso a víti ma não realize, de fo rma voluntária e consciente,
a supressão da própria vida. Assim, nas hi póteses de coação
física ou m o ral, debilidade m ental, erro provocado por
terceiro, punível será o agente como autor mediato do crime
de ho m i cídio".4
Con fo rme se p e rcebe pela citação acima, aquele que induz, instiga ou auxilia
materialmente alguém que não possua capacidade de discernimento deve ser
considerado a u tor m ediato do delito d e homicídio. A víti ma, na verdade, deve
ser encarada como um instrumen to con tra si própria, em face da ausência da
possibilidade de conhecimento da gravidade de seu comportamento.
Também me rece destaque o fato d e que o suj eito passivo deve ser
determin ado, po dendo, contudo, tratar-se de mais de uma pessoa ou, m esmo um
grupo considerável de pessoas. Recorde-se o fato acontecido na selva tropical
da Guiana, no dia 18 de novembro d e 1 9 78, em que o líder espiritual Jim Jones
i n duziu, aproximadamente, 900 fi éis a cometer suicídio, tomando uma mis tura
de suco de frutas, cianu reto, analgés icos e tranquilizantes.
Ao contrário, conclamações genéricas do tipo todos devemos morrer em sinal
de pro testo à negligência do governo não se prestam para fi ns de reconhecimento
PRADO, Luiz Regis. Curso de direiro penal brasileiro, v. 2 , p. 67.
1 98
I N DUZIMENTO, I N STIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTULO 4
da infração penal em estudo. Se alguém se sentir estimulado pelo discurso
entusiasmado do fanático o rador, este não responderá pelo delito do art. 1 2 2
d o Có d igo Penal, pois a s vítimas devem s e r determinadas, o u pelo menos
determináveis, como é o caso dos grupos.
4.
PARTICI PAÇÃO M O R A L E PARTICI PAÇÃO MATE RIAL
A redação contida n o capu t d o art. 1 2 2 d o C ódigo Penal nos permite concluir
pelas m o dalidades de partici pação m ora l e m a terial no mencionado delito.
Embora uti l izemos as expressões participação moral e participação m a terial,
as hipóteses não são as de participação em sentido estrito, como oco rre no
concurso de pessoas. O termo e mpregado denota, na verdade, formas diferentes
de realização do tipo. São, outrossim, meios de execução da infração penal.
Esclarecido esse ponto, que poderia nos levar a conclusões equivocadas sobre
a natureza do comportamento praticado por aquele que induz, instiga ou auxilia a
vítima a dar cabo da própria vida, sendo este, portanto, considerado verdadeiramente
autor, e não partícipe, tem-se entendido subdividir o comportamento do agente,
intitulando-o de participação m oral e participação material.
Ocorre a participação moral nas h i p óteses de induzimento ou instigação ao
suicídio. Induzir significa fazer n ascer, criar a ideia suicida na vítima. Instigar, a
seu turno, demonstra que a ideia de eliminar a própria vida j á existia, sendo que
o agente, dessa forma, refo rça, estimula essa ideia j á preconcebida.
N a p articipação m a terial o agente auxilia materialmente a vítima a conseguir
o seu intento, fornecendo, por exemplo, o i ns trumento que será utilizado
na execução do autocídio (revó lver, faca, corda para a fo rca etc.), ou mesmo
simplesmente esclarecendo como usá-lo. M e rece ser registrado que em toda
participação material encontra-se i mp lícita uma dose de i nstigação. Aquele
que fornece, por exemplo, uma p istola para que a víti ma atire co ntra a própria
cabe ça, ao entregar-lhe a arma, está, com isso, aprovando e estimulando a
prática do ato de autoextermínio.
C o m base n o raciocínio anterior, devemos analisar a hipótese em que a víti ma,
auxiliada materialmente pelo agente, d eixa de lado o instrumento que lhe fora
fo rnecido. I magine-se o fato e m que o agente empresta uma pistola à víti ma para
que com ela seja levado a efeito o suicídio. Se a vítima, deixando de lado a arma
de fogo que lhe fora entregue pelo agente, vier a sui cidar-se de outro modo, por
exemplo, fazendo a ingestão d e veneno, o agente deverá responder pelo delito
em estudo? Acreditamos que o agente som ente responderá pelo delito se o fato
de emprestar-lhe a arma contribuiu, decisivamente, para a prática do suicídio,
considerando-o tam b ém como uma in stigação.
Pode acontecer, por exemplo, que a vítima peça a arma emp restada ao
agente, confessando sua intenção suicida, sendo que este, mesmo anuindo ao
199
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
pedido, diz-lhe para "pensar b e m no que vai fazer". E mb ora tenha aqui, a toda
evidência, u m auxíli o material, uma vez que o agente sabia da vontade da vítima
e m e liminar a própria vida com a arma por ele cedida, po demos, neste caso,
des cartar a infração penal caso o suicídio tenha sido cometido por outros m eios,
como o caso já citado do veneno.
Assim, como regra geral, m antendo a linha do raciocínio anterio r, podemos
visualizar uma instigação na prestação de auxílios materiais, ressalvando a
possibil i dade de ser excepcio nada, como no exemplo citado anteriormente.
A conduta levada a e fe ito pelo agente deve, ai nda, l i mitar-se a induzir,
instigar ou a auxiliar materialmente aquele que p rocu ra eliminar a própria vida.
Com isso estamos querendo afi rmar que se o agente vier a p raticar qualquer a to
de execução deverá respo nder pelo deli to de h omicídio, conforme analisaremos
mais adiante ao estudarmo s algumas situações específicas, como na h ipótese do
suicídio conj unto.
Sendo considerado u m crime de conteúdo múltiplo, aquele que, após fazer
nascer a ideia suicida na vítim a, a i nstiga e também a auxilia materialmente,
resp onderá por um único delito.
5.
O B J ETO M AT E R I A L E B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I DO
A vida é o bem j uridicamente p rotegido pelo tipo do art. 1 2 2 do C ó digo
Penal, sendo que a pessoa co ntra a qual é dirigida a conduta do agente é o obj eto
material do crime d e induzime nto, i nstigação ou auxílio ao suicídio.
6.
E L E M E N TO S U B J E T I V O
O delito d e induzimento, i nstigação ou auxílio a o suicídio somente pode
ser p raticado dolosamen te, seja o dolo direto ou even tual, ficando afastada sua
punição mediante a modalidade culposa.
Assim, o agente d eve d irigir finalisticamente seu comportamento no
s entido d e criar a i deia suicida na vítima, ou mesmo esti mulá-la ou auxiliá-la
materialmente a esse fim .
Ce zar Roberto B itencourt afirma:
"Nada impede que o dolo o ri entador da conduta do agente
co n figure-se e m sua fo rma eventual. A doutrina procura citar
alguns exemplos que, para i l ustrar, invocaremos : o pai que
expulsa de casa a filha 'desonrada', havendo fortes razões para
acreditar que ela se suicid ará, o marido que sevicia a esp osa,
conhecendo a i ntenção desta de vir a suicidar-se, rei te ra as
agressões". 5
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2 , p . 1 24-1 25.
200
I NDUZIMENTO, I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTULO 4
A conduta do agente d eve, de alguma fo rma, exercer i nfluência na vontade
da víti ma e m suicidar-se, bem como d everá ser idônea a este fim, não se
configurando o delito quando o agente atua com a n im us jocandi, simplesmente
com o intuito de com ela b rincar.
N ã o existe p revisão l egal para a responsabilidade penal do agente que,
culposamente, contribui para o suicídio praticado pela vítima. Assim,
i magine-se a hip ótese daquele que, sabendo das i ntenções s uicidas da vítima,
negligentemente, esquece-se de guardar sua arma em l ocal seguro, permitindo
que esta a utilize n a p rática do auto extermínio. N esse caso, o fato p raticado
pelo agente seria atípico, tendo e m vista a ausência de p revisão legal para a
modalidade culposa do delito em exame.
7.
M ODALIDADES C O M I SSIVA E OM ISSIVA
A redação do art. 1 2 2 do C ó digo Penal permite visualizar q u e tal i n fração
penal d everá ser p raticada comissivamente, i sto é, o agente pratica algum
comportame nto di rigido a i n fluenciar diretamente o âni m o da vítima no sentido
de p raticar o suicídio.
Questão controvertida, que vale ser de stacada, diz respeito à possibilidade de
o delito e m te la ser p raticado via o m i ssão. Será que a inação do agente p o deria
ser considerada parte i ntegrante do tipo penal?
I n i cialmente, mesmo q u e a resposta i mporte em alguma discussão, s o mente
po deríamos, in casu, entender como relevante a omissão do agente que gozasse
do sta tus de garantidor, uma vez que não tendo sido p revista expressamente
qualquer modalidade omissiva no tipo penal, a única omissão cabível na espécie
seria a d e natureza imprópria (comissiva-o missiva) .
A b in itio, devemos destacar as três s ituações que i mportam na p rática do delito
em estudo, vale dizer, instigação, in duzimento e a uxílio m a terial ao suicídio. As
duas primeiras sugerem sempre um fazer, isto é, um comportamento positivo
dirigido a criar a i deia su i cida ou, pelo menos, reforçar aquela já existente. N o
que diz respeito à prestação d e auxílios materiais, sua p rática, via inação do
agente, não pode s e r de todo descartada. Vej amos algumas posições.
Luiz Regis Prado, admitindo tal possibi l idade, aduz:
"Em verdade, o auxíli o a su i cídio p o r omissão é, em tese,
admitido, se o o mitente ocupa posição de garante. E ntretanto,
esta não existe ou desaparece a partir do momento em que o
suicida recusa a aj uda para impedir o ato suicida o u manifesta
sua vontade nesse senti d o . Se irrelevante a vontade do
suicida p o r não ter discernimento o u maturidade suficientes
para compreender e assumir plenamente as consequências
201
ROGÉRIO G RECO
VOLUM E I I
do ato suicida, o comportamento omissivo con figuraria, em
princípio, o delito d e h o micídio com issivo por omissão".6
Apesar da força do raciocínio acima, e ntendemos que se o agente possui o
status de garantidor, não será a vontade expressa da vítima em se matar que
terá o condão de a fastar a sua responsabilidade penal se, no caso concreto,
podia agir fi sicamente a fim d e evitar o resultado. E mbora devendo agir, pois
considerado garantidor, se no caso concreto encontrava-se impossibilitado
fisicamente para tanto, e l i minada será a sua responsabilidade penal.
Sheila B ierrenbach, com a lucidez que lhe é peculiar, assevera:
" Gravado na sede dos sujeitos especiais dos delitos omissivos
impróprios, o poder d e agir constitui-se em pressuposto do
dever de agir. Há d e ser i nterpretado como a capacidade por
parte do o mitente de agir com êxito para conj urar o perigo
que paira sobre o b e m, salvando-o e, em consequência,
afastando a ocorrência do evento típico. N este sentido, o
dever de agir, que deflui das posições de garantia elencadas
nas alíneas d o art. 1 3, § 2ª, não prescinde da possibilidade real,
física, de atuar do garante. Vale dizer, de sua presença física,
quando o perigo se instala ou está na i minência de i nstalar-se
sobre o b e m j urídico, b e m como a p ossibilidade de salvá-lo,
con venien temen te". 7
São p erfeitas as l i ções de Aníbal B ru n o quando diz:
"O auxílio pode tomar a fo rma de ação o u omissão.
Por omissão pode-se p restar auxíli o a suicídio, se o sujeito, em
virtude da relação de D ireito que crie a obrigação de custódia
e assistência e m face do su icida, tinha o dever j urídico de
imp e d i - l o . A ssi m , a mãe d a j ovem apaixonada e desiludida nos
seus amores, cuj o propósito d e sui cidar-se ela p ercebe, tem o
dever de impedi-lo. De igual modo, ao enfermeiro que tem a
seu cargo um doe nte deprimido, o u extremamente possuído
de dores, que, como ele conh ece, pensa em matar-se, corre
a obrigação de evitar que venham ao seu alcance meios de
realizar esse i ntento. Se o j ovem, com i ntenção suicida, entra
no quarto e abre a torn e i ra de gás, o pai que chega em seguida
tem o d ever j u rídico d e impedir a morte e responde, e m caso
de o missão, por p articipação e m suicídio".ª
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. li, p. 70.
BIERRENBACH, Sheila. Crimes omissivos impróprios, p. 93.
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 40.
202
I N DUZIMENTO. I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTULO 4
E conclui seus ensinamentos dizendo:
"Aquele que conscientemente o mite a ação a que estava
obrigado pela sua situação d e garantidor, a fim de evitar a
lesão de um b e m que ele garante, favorece o ato danoso que
lhe cumpre i m p ed ir, presta a este um auxílio no mesmo grau
que aquele que o faz de maneira posi tiva e material".9
Em sentido contrário, trazemos à colação os argumentos de Frederico M arques:
"N ã o há a uxílio por om issão, como querem ilus tres mes tres
e d outri nadores do Direito Penal. Prestar auxílio é sempre
cond uta comissiva. A expressão usada no núcleo do tipo
(prestar- lhe auxílio para que o faça) d o art. 1 2 2 impede a
admissão de auxílio omissivo. Como disse PAC H ECO, p restar
a uxilio es algo más que esse silencio, que esa o m isión. Eso es
abstenerse, no h acer nada, y qu ien nada h ace, quien se abstiene,
p resta a uxilio a n ing ún i n te n to. " 1 0
Entendemos, como a maior parte da doutrina, ser admissível a p restação
de a uxílio por om issão, desde que o agente se encontre na pos ição de garante,
quando, no caso concreto, devia e podia agir para evitar o resultado, razão pela
qual pode rá respond er, de acordo com a norma de extensão prevista no § 2u
do art. 13 do C ódigo Penal, pelo delito tipificado n o art. 1 2 2 do mencionado
diploma repressivo, se com a sua omissão dolosa co ntribuiu para a ocorrência
do resultado morte da víti ma.
8.
C O N S U MAÇÃO E T E NTATIVA
O prece ito secundário do art. 1 2 2 do Cód igo Penal d i z q u e a pena é de reclusão,
de 2 (dois) a 6 e seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 e um) a
3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta l esão corporal de natureza
grave.
D essa redação, podemos concluir que o delito de induzimento, instigação ou
auxíli o ao suicídio se consuma quando ocorre, primeiramente, a morte da vítima
ou, ainda, quando esta, mesmo sobrevivendo, s o fre lesões corporais de natureza
grave, ou seja, aquelas p revistas nos §§ 1 u e 2u do art. 1 2 9 do Código Penal.
Se, e ntretanto, ainda que i nduzida, i nstigada ou auxiliada materialmente
pelo agente, a vítima, tentando co ntra a própria vida, não conseguir produzir
qualquer dano à sua saúde o u i ntegridade fís ica, ou sendo as lesões corporais de
natureza leve, d everá o agente ser responsab ilizado pela tentativa de suicídio?
A resposta, aqui, só pode ser negativa, pois a lei penal determinou um mínimo
de lesão p ara que o agente pudesse responder p ela i n fração penal em estudo.
BR UNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p . 1 40.
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 1 63-1 64.
203
RoG ÉRJo G REco
VOLUME l i
Assim, ou a vítima sofre, no mínimo, lesões corporais de natureza grave,
e o agente responde pelo delito, a título de consumação, ou o fato de tê-la
induzido, instigado ou auxiliado materialmente ao suicídio será considerado
um indiferente penal, não se po dendo i mputá-lo ao agente a título de tentativa.
D i scute-se, p o rtanto, a respeito da n atureza j u rídica do resultado existente
no tipo, que teria o condão de eliminar a possib lidade de tentativa, caso não
fosse realizado. D u as correntes se formaram. Ilustrativamente, podemos citar,
de um lado, a corrente esposada p o r N élson H ungria, defendendo a natureza
j urídica d e con dição objetiva de pu n ib ilidade, dizendo:
"Por vezes, a lei p enal, ao incriminar um fato e cominar
a pena correspondente, condiciona a imposição desta a
um d eterminado acontecimento. Chama-se este condição
de p u n ibilidade (Bedingung der Strafbarkeit) . O crim e s e
consuma c o m a ação o u o m i ssão descrita no preceito l egal,
mas a punição fica subordinada ao advento (conco mitante
ou sucessivo) de u m certo resultado de dano, ou a um quid
p lu ris extrínseco (como, p o r exemplo, a queixa nos cri mes de
açã o privada) . É o que acontece com o cr ime de participação
em suicídi o : embora o crime se apresente consumado com
o simples induzime nto, i nstigação ou prestação de auxílio, a
punição está condicionada à superveniente consumação do
suicídio ou, no caso d e mera tentativa, à produção de lesão
corp ora l de n a tureza grave na pessoa do frustrado desertor da
vida. Se não se segue, sequer, a tentativa, ou esta não produz
lesão alguma o u apenas ocasione uma lesão de natureza l eve,
a p articipação ficará impune".1 1
Por outro lado , D a m ási o de J esus advoga a tes e da a típicidade do
comportamento que não produza l esão corporal grave ou a m orte da vítima,
considerando-os, portanto, como elemen tos do tipo, assim se manifestand o :
" N ã o existe tentativa d e p articipação em suicídio. Trata-se
d e hipótese e m que o legislador condiciona a i mposição de
pena à produção d o resultado, que n o caso pode ser a m orte
ou a lesão corp o ral d e natureza grave. A s i mples conduta
de induzir, i nstigar ou p restar auxíli o para que alguém se
suicide, não vindo a ocorrer o resultado morte ou lesão
corporal de natureza grave, não constitui delito. C uida-se de
delito m aterial, d e conduta e resultado, em q ue o legislador
condici o na a imposição da pena à p rodução do res ultado
p or ele exigido. S e não h á ocorrência de morte ou de lesão
corporal de natureza grave, o fato é atípico". 12
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V , p. 230.
J ESUS, Damásio E . de. Direito penal, v. l i , p. 1 01 .
204
I NDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A S U ICÍDIO
CAPÍTULO 4
E ntendemos ser melhor a posição de H ungria. Na verdade, a conduta
praticada pelo agente que i n d uz, instiga ou auxilia o agente é típi ca, ficando,
contudo, condicionada sua punição som ente às h ipóteses de ocorrência de lesão
corporal de n atureza grave o u morte da vítima.
Não podemos d eixar d e mencionar, a inda, a expressão contida na s egunda
parte do prece ito secundário do art. 1 2 2 do Código Penal, quando diz: Se da
ten ta tiva de suicídio resu lta lesão corp oral de n a tureza grave. Quando a lei penal
fala e m tentativa d e suicídio, o bviamente, pela ilação que se faz do artigo, está
se referindo à vítim a que tentou contra a própria vida e sobreviveu, e não ao
comportamento p raticado p el o agente.
A expressão se da ten ta tiva de suicídio tem um destinatário certo : a vítima
que tentou s e matar, e não aquele que a induziu, instigou o u auxil i o u n o ato
frustrado.
O que se quer reconhecer nessa h i pótese, como também em o utras passagens
do C ó d igo Penal, a exemplo d o que ocorre com o art. 3 5 2 (evasão mediante
violência contra a pessoa), é que, embora, à primeira vista, possamos raciocinar
em termos de tentativa, não terá aplicação a norma contida no parágrafo único
do art. 14 do C ó digo Penal. Isso significa que a lei penal elevou ao sta tus d o crime
consumado u m comportam ento que, à primeira vista, conduziria tão somente à
uma infração p enal tentada.
Para o Código Penal, portanto, existe, sim, a tentativa de suicídio, praticada
pela vítima, e não a tentativa da infração penal atribuída ao agente, pois não lhe
será aplicada a redução de pena constante do parágrafo único do art. 1 4.
CAU SAS D E A U M E NTO D E P E N A
9.
Preconizam o s incisos l e l i d o parágrafo único d o art. 1 2 2 d o Código Penal
que a pena será duplicada: l
se o crime é praticado por motivo egoístico;
li se a vítima é menor ou tem d i m in uída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência.
-
-
I n icialmente, d evemos salientar que o parágrafo único do mencionado
art. 1 2 2 contém causas especiais d e aumento de pena (ou maj o rantes), e não
qualificadoras, como afirmam alguns autores, a exemplo de Frederico Marques. 1 3
Assim, some nte no terceiro momento do critério trifásico de apli cação da
pena é que será considerada a maj o ra nte, duplicando-se a pena que tiver sido
encontrada até aquela fase.
I magine-se a h i p ótese e m que o j ulgador, após condenar o agente pela prática
do delito em tela, comece o raciocínio correspondente à aplicação da pena.
Suponhamos que todas as circunstâncias j udiciais lh e sejam favoráveis, razão
MARQUES, José Frederico. Tratado d e direito penal, v . IV, p. 1 67 .
205
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
pela qual, tendo e m vista que a vítim a, efetivamente, viera a falecer, fixa a p ena
-base no mínimo l egal, vale dizer, e m 2 (dois) anos. N o momento seguinte, o u seja,
quando da anális e das circunstâncias atenuantes ou agravantes, o juiz p ercebe a
existência de uma certidão de nascimento nos autos comprovando que o agente
era menor de 2 1 anos à épo ca, devendo, portanto, nos termos do art. 6 5, 1, do
Código Penal, atenuar a pena-base que l h e fora aplicada. Suponhamos que a
redução tenha sido de 2 (dois) meses, ficando, agora, a pena em 1 (um) ano e
1 0 (dez) meses de reclusão. N o terceiro momento, o juiz verifi ca, mediante a
análise do conj u nto probatório, que o réu praticou o delito i mpelido por um
motivo egoístico, e duplica a p e na até então encontrada, que passa a perfazer o
total de 3 (três) anos e 8 (oito) meses.
Entendidas como causas especiais d e aumento de pena, vamos à análise de
cada uma delas, individualmente:
a) Motivo ego ístico. Por motivo egoístico entende-se o m otivo mesquinho,
torpe, que cause certa repugnância, a exemplo da h i pótese e m que o
agente induz seu irmão a cometer o suicídio a fim de herdar, sozinho, o
p atrimônio deixado pelos seus pais. Guilherme de Souza N ucci ainda o
d efine dizendo tratar-se "do excessivo apego a si mesmo, o que evidencia
o desprezo pela vida alheia, desde que algum b enefício concreto advenha
ao agente. Logicamente merece maior punição". 1 4
b) Vítima menor. Quand o a lei p enal fala em vítima menor, está s e referindo
àquela menor de 18 anos, data e m que se i n icia a maturidade penal, e
maior de 1 4 (catorze) anos. Caso a vítima não tenha, ainda, completado
14 (catorze) anos, haverá uma presunção no senti d o da sua incapacidade
de discernimento, o que conduzirá ao reconhecimento do h omicídio,
afastando-se, portanto, o delito d o art. 1 2 2 do Código Penal.
N ão é demais lembrar que tal presunção é relativa, podendo, no caso
concreto, ser a vítim a menor d e 14 (catorze) anos de idade e não se configurar o
h o m ic íd io, devendo, po rtanto, nessa h i pótese, ser a pena dupli cada.
c) Vítima que tem diminuída, por qualq uer causa, a capacidade de resistência.
A lei fala e m dimin u ição da capacidade de resistência e não em eliminação
dessa capacidade. S e a vítima tem eliminada a capacidade de resistir, o
delito será de homicídio; se a sua capacidade está diminuída, o crime será
o do art. 1 2 2 do Código Penal, tendo o agente a pena duplicada. Podem
ser citados como exemplos d e d i m i nuição de capacidade o fato de estar a
víti ma embriagada, sob o e fe ito de substâncias entorpecentes, deprimida,
angustiada, com algum tipo d e e nfermidade grave etc.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 401 .
206
I N DUZIMENTO, I N STIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTULO 4
PENA, AÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO P ROCESSO
1 O.
S e o s uicídio se consuma, a pena é d e reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos; se
da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de
reclusão d e 1 (um) a 3 (três) anos.
Em ambas as h i p óteses a ação penal é d e iniciativa pública incondicionada.
O correndo lesão corporal de natureza grave, permite-se, presentes os
requisitos contidos no art. 8 9 da Lei n" 9 . 0 9 9 / 1 9 9 5 , seja levada a efeito proposta
de suspensão condicional do processo pelo M inistério Público, fi cando afastada
tal possibilidade na hipótese em que o crime for cometido por motivo egoístico,
bem como quando a vítim a é menor o u tem diminuída, por qualquer causa, a
capacidade de resistência, uma vez que, nesses casos, a pena será duplicada, nos
termos do parágrafo único do art. 1 2 2 .
11.
D E STA Q U E S
1 1 . 1 . S u i c íd i o c o n j u n to ( P a cto d e m o rte)
I m possível discorrer so bre o cri me d e induzimento, instigação ou auxíli o ao
suicídio sem fazer menção ao chamado suicídio conjunto ou pacto de morte.
Assim, no exemplo em que dois namorados, contrariados porque ambas as
famílias não permitem o romance, resolvem suicidar-se, devemos sempre ter
em fo co o comportamento d e cada u m deles, n o sentido de conseguirem sucesso
no plano d e morte.
Isso p orque, conforme afirmamos, para que responda pelo delito do
art. 1 2 2 do Código Penal, o agente não pode ter praticado qualquer ato de
execução característico do delito de h o m icídio, po is, caso contrário, deverá ser
respo nsabilizado p o r esse delito.
I magine-se a h i p ótese daquele casal de namorados que, após decidirem que
eliminariam a vida, resolvam fazê-lo com o emprego de um revólver. Como
a menina não tinha força suficiente p ara apertar o gatilho, seu namorado,
"gentilmente", aponta-lhe a arma em d i reção à cabeça e puxa o gatilho, causando
-lhe a morte. Ele, logo em seguida, faz o mesmo, atirando co ntra a própria cabeça.
Co ntudo, embora fe rido gravemente, consegue sobreviver.
Teria o namorado sob revivente cometido o delito do art. 1 2 2 do C ódigo
Penal? A resposta, aqui, só pode ser n egativa, uma vez que, tendo executado
comportamento característico do crime de h o micídio, deverá por este responder.
Se cada um dos namorados, cada qual com sua própria arma, tivesse atirado
co ntra a cabe ça, o sob revivente responderia pelo delito de induzimento,
i nstigação ou auxíli o ao suicídio.
Podemos citar, ainda, o exemplo trazido à colação por Hungria, quando os
namorados pactuados em morrer j untos optam por fazê-lo por asfixia de gás
207
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
carbônico, "e enquanto u m abria o b ico de gás, o outro calafetava as frinchas do
compartimento. Se qualquer deles sobrevive, responderá por homicídio, pois
concorreu materialmente no a to executivo da morte do outro. Se ambos sobrevivem,
responderão por tentativa de h omicídio. No caso em que somente um deles tivesse
calafetado as frestas e aberto o bico de gás, responderá este, na hipótese de
sobrevivência de ambos, por tentativa de homicídio, enquanto o outro responderá
por instigação a suicídio",15 desde que, acrescentamos à conclusão do grande
penalista brasileiro, neste último caso, ocorra lesão corporal de natureza grave.
1 1 . 2 . G reve de f o m e
Inicialmente, devemos salientar que aqueles que, reivindicando s e r atendidos
em um pedido qualquer, com o obj etivo de sensibilizar os responsáveis, dão início à
chamada "greve de fo me", não atuam no sentido de querer causar a própria morte.
A regra, na verdade, é que nutrem a esp erança de serem atendidos o mais
rápido p ossível, a fim d e que possam sair daquela situação desconfortável.
Em cada caso, d eve mos p ro curar saber quais são os agentes que, em razão
d e sua particular condição, a exemplo do médico, carcereiro etc., gozam do
sta tus de garantidor, com a finalidade d e poder-lhes atribuir eventual resultado
(morte ou lesões).
Contudo, podem existir s ituações e m que os grevistas se encontrem realmente
dispostos a morrer pela causa que d efendem. A greve se transforma, muitas
vezes, e m u m p rotesto, que pode ter consequências funestas. Não é incomum,
nos dias de hoje, os canais d e televisão mostrarem cenas estarrecedoras de
pessoas q u e lançam fogo co ntra o p ró p r i o corpo, transformando-se em tochas
h u manas, para que as demais pessoas, vendo-as morrer, também se sensibilizem
com a causa e m razão da qual entregaram a vida.
Nesse caso, a exemplo daquilo que discorremos no item anterior, se a greve
de fo me se transforma em um p rotesto m o rtal, o caso será resolvido como sendo
o de p acto de mo rte, e voltaremos ao que dissemos acima. Se dois manifestantes,
d e comum acordo, resolvem incendiar o próprio corpo, um agindo estimulado
pelo outro, teremos aqui, mais uma vez, o pacto de morte, com os raciocínios
que lhe são inerentes.
Nesse caso, se u m dos manifestantes risca o fósforo e o arremessa ao corpo
do outro, já totalmente embebido d e combustível, responderá pelo h omicídio,
tentado ou consumado, se sob reviver. Agora, se ambos os manifestantes praticam
todos os atos destinados a produzir-lhes a morte, o u seja, cada um deles j oga em
s i mesmo o combustíve l e risca o fós foro, o sob revivente responderá pelo delito
de induzimento, i nstigação ou auxíli o ao suicídio se ocorrer a morte do outro, ou
se, pelo menos, resultar e m lesão corporal de natureza grave.
H U N G R I A , Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 232.
208
I N DUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTULO 4
1 1 . 3 . Teste m u n h a s d e J e ová
A se ita Testemunhas de Jeová foi fundada, em 1 8 7 2 , por Charles Taze Russel
e tem como u m de seus d ogmas não ace itar a transfusão de sangue, sob o
argumento, perm issa ven ia, e quivocado, de que intro duzir sangue n o corpo pela
boca ou pelas veias viola as leis de Deus.
O que fazer di ante d e uma situação em que um adepto da seita das
Testemunhas de J eová, depois de ferir-se gravemente em um acidente de
trâns ito, necessitando realizar uma transfusão de sangue, recusa-se a fazê-lo
sob o argumento d e que prefere morrer a ser contaminado com o sangue de
outra pessoa, que p assará a co rrer e m suas veias?
I magine-se a s ituação e m que, sem a transfusão de sangue, a morte da víti ma
sej a certa. Dessa forma, temos de observar os seguintes detalhes:
a) o próprio agente, maior e capaz, recusa-se term inantemente a receber o
sangue;
b) seus pais, dada a falta de consciência do paciente, não permitem a
transfusão;
c) a responsabilidade do médico diante dessa h i p ótese.
Entendemos que, no caso d e ser imprescindível a transfusão de sangue,
mesmo sendo a vítima maior e capaz, tal comportamento deverá ser encarado
como uma tentativa de suicídio, podendo o médico intervir, inclusive sem o seu
consentimento, uma vez que atuaria amparado pelo inciso 1 do § 3° do art. 146 do
Cód igo Penal, que diz não se configurar constrangimento ilegal a "i ntervenção
médica o u cirú rgi ca, sem o consenti m e nto do paciente ou de seu rep resentante
l egal, se justificada p o r i m i ne nte perigo de vida".
Os pais daquele que não p o ssui capacidade para consentir são, conforme
determina o § 2 ° do art. 13 do C ó digo Penal, cons iderados garantidores, tendo
de levar a efe ito tudo o que esteja ao alcance deles, a fim de evitar a produção
do resultado lesivo. S e o paciente, por exemplo, necessitava de transfusão de
sangue, s ob risco i m in ente d e mo rte, também p oderá o médico, deixando de lado
a orientação dos pais que seguem a seita das Testemunhas de J eová, realizar a
transfusão de sangue, com fun damento no mencionado parágrafo do art. 1 4 6 do
Código Penal.
Ago ra, o que fazer com o s pais que não autorizam a necessária transfusão de
sangue, retirando até mesmo seu fil h o do h os pital, o qual, em razão disso, vem
a falecer? Embora a C o nstituição Fed eral, no i nciso VI do seu art. 5°, diga ser
in violável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos relig iosos e gara n tida, n a forma d a lei, a p roteção a o s locais d e culto e
as suas liturgias, entendemos que, nesse caso, deverão os pais responder pelo
delito d e homicídio, uma vez que gozam do status de garantidores, não podendo
e rigir e m s e u benefício a diri m ente relativa à inexigibil idade de conduta diversa.
209
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
S e p e rm itíssemos esse ra ciocínio, outras seitas que ap regoam o sacrifício
de seres humanos, até mesmo med iante sua vontade expressa nesse s entido,
ta mbém agiriam acobertadas por essa excludente da culpabilidade.
N o que diz respeito à posição ocupada pelo médico, também acreditamos
que, e nquanto o p aciente estiver sob o s seus cuidados, deverá levar a efeito
to dos os procedimentos que estejam ao seu alcance, aí incluída a transfus ão de
sangue, no sentido d e salvá-lo, pois que também é considerado garantidor.
E m artigo específico sobre o tema, onde analisa a coexistência de p ri ncípios
constitucionais, E lo b erg B ezerra de Andrade apo nta a existência de tratamentos
alternativos à transfusão de sangue, o que p erm itiria respeitar a crença do
pacien te sem colocar em risco a sua vida, aduzindo que:
" N o decorrer dos anos a medicina desenvolveu alternativas
as transfusões d e sangue, comumente denominadas de
'gerenciamento e conservação de sangue'. Essas estratégias
terapêuticas se resumem e m quatro p rincíp i o s : reduzir a
perda de sangue; preservar glóbulos vermelhos; estimular a
p rodução de sangue; recuperar o sangue perdido.
Como meio de prevenir a perda de sangue, o cirurgião pode
utilizar i nstrumentos cirúrgicos que na medida em que cortam
os tecidos, cauterizam os vasos sanguíneos, como é o caso do
eletrocautério. Se durante a cirurgia ocorrer uma hemorragia
no local que está sendo o p erado, é pos sível uti lizar o feixe de
gás argônio como coagulador. Há também a cola de fibrina
que estimula a coagulação por co ntato.
Para a p reservação dos gl óbulos vermelhos, que são essenciais
para o transp o rte de gases e nutrientes, a equipe médica pode
empregar o uso da hemodiluição, técnica que, por meio de um
circuito fechado e m co ntato com o corpo do paciente o sangue
é desviado para bolsas e e m seguida são inj etados fluidos
que a umentam o volume resultando em sangue diluído. Em
caso d e sangramento, a p e rda de glóbulos vermelhos será
reduzida. Seria como m isturar 2 litros de leite com 5 l itros de
água, obtendo 7 l itros e m volume. D esse m o do, mesmo que
se retire 1 l itro desse volume à perda de leite não s e rá tão
d rástica.
Conforme citado anteriormente, a produção de sangue p ode
ser estimulada p o r meio d e drogas como a eritoproetina,
i nterleucina e o aranesp. Para recup erar o sangue perdido
d urante a cirurgia podem ser utilizados equipamentos como
o Cell Saver."
210
(N OUZIMENTO, I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
CAPÍTU LO 4
E continua seu raci ocínio citando a revista Time:
"Em outubro de 1 9 9 7 a revista Time publicou o artigo
'Bloodless Surgery' explicando os avanços da medicina sem
sangue. Logo na introdução a matéria comenta o caso de um
home m de 3 2 a n o s chamado Henry Jackson. Ele havia sofrido
uma forte hemorragia i nterna, perdendo 90% do seu sangue.
Seu nível de hemoglobina (que são vitais para o transporte de
oxigênio) havia caído de 1 3g/dl para 1 , 7 . Seu quadro clínico
era considerado extremamente crítico já que em um nível 6g/
dl d e hemoglobina a transfusão de sangue é recomendada. O
hospital de New J ersey havia recebido H enry Jackson e a equipe
médica que o atendia estava determinada a transfundir sangue.
Mas a esposa do paciente que era Testemunha de Jeová estava
dividida entre a vida do seu marido e sua crença religiosa.
O paciente foi transferido para o H o spital Englewo od sob os
cuidados da equipe do Dr. Aryeh Shander. A primeira medida
que eles tomaram foi aplicar medicamentos no paciente para
reduzir o consumo de oxigênio pelos músculos, cérebro e
pulmões. Em seguida o pacie nte recebeu doses de suplementos
de alto teor de ferro e d e vitam inas. Por fim, o paciente
recebeu doses maciças de eriproetina e fl uidos intravenosos
para manter a circulação. D epois de quatro dias o seu nível de
he moglobina estava estabilizado. Curiosamente, o primeiro
hospital havia ligado para saber s e Henry Jackson havia
morrido. Sem disfarçar a satisfação o D r. Shander respondeu:
'Ele não só está vivo, mas está b em e pro nto para receber alta,
e em pouco tem p o voltará às suas atividades normais'.
O e mp rego das alternativas às transfusões de sangue
permitem ao m é d ico tratar o paciente respeitando suas
convicções pessoais ou religiosas. Toda a comunidade médica
compreende que o corpo do paciente não é um mero obj eto
nas mãos de um médico, mas que o paciente tem o direito de
optar pelo tratamento que considera necessário. A relação
entre médico e paciente deve ser pautada pela cooperação,
não pela imposiçã o . " 1 6
D essa forma, sendo possível o tratamento alternativo, j á não mais poderemos
imputar a p rática de qualquer i n fração penal aos respo nsáveis pelo paciente que,
supo stamente, necessitava da transfusão d e sangue, fi cando, agora, os médicos
obrigados a optar pela alternativa que não agrida suas crenças religiosas.
ANDRADE, Eloberg Bezerra. Coexistência de princípios constitucionais. Revista d a Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Uberlândia.
211
VOLUM E l i
ROGÉRIO G RECO
1 1 . 4 . J u l g a m e n to p e l o j ú r i s e m a p re s e n ç a d o réu
Dadas as alterações levadas a e fe ito n o Código de Processo Penal, não mais
se exige a presença do réu e m plenário d o J úri para que possa ser realizado o
seu j ulgamento. O art. 4 5 7 e parágrafos, com a redação determinada pela Lei
nu 1 1 .689, de 9 de j unho de 2 0 08, dizem, verbis:
Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não
comparecimento do acusado solto, do assistente ou do
advogado do querelante, que tiver sido regularm ente
intimado.
§ 1 u Os pedidos de adiamento e as j ustificações de não
comparecime nto d everão s er, salvo comprovado motivo
d e força maior, previamente submetidos à apreciação
do juiz presidente do Tribunal do J úri.
§ zu S e o acusado preso não for conduzido, o j ulgamento
será adiado p ara o primeiro dia desimpedido da
mesma reunião, salvo s e h o uver pedido de dispensa de
comparecime nto subscrito por ele e seu defensor.
212
C A P Í T U LO 5
I N FA N T I C Í D I O
Infa nticíd i o
Art. 1 2 3 . Matar, sob a i nfluência do estado puerperal, o próprio
fi lho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, d e 2 (dois) a 6 (seis) anos.
1.
I NTRODU ÇÃO
Relemb ra N oronha:
"O infanticídio teve, através das épocas, considerações diversas.
Em Roma, como se vê das l nstitutas de Justi niano (Liv. IV,
Tít. XVI I I , § 6u), foi punido com pena atroz, pois o condenado
era cosido em um saco com u m cão, um galo, uma víbora e
uma macaca, e lançado ao mar ou ao rio. No direito medieval,
a Carolina (Ordenação de Carlos V), art. 1 3 1, impunha o
sepultamento em vida, o afogamento, o empalamento ou a
dilaceração com tenazes ardentes. Foi no século XVI I I , sobretudo,
que o delito passou a ser considerado mais b randamente, e
hoje, não obstante vozes em contrário, é o rientação comum das
legislações e também a seguida pelos C ódigos pátrios."1
Analisando a figura típica do infa nticídio, percebe-se que s e trata, na
verdade, d e uma modalidade especial d e h om icídio, que é cometido levando-se
em consideração determinadas condições particulares do s uj eito ativo, que atua
influenciado pelo estado puerperal, em m e io a certo espaço de tempo, pois o
delito deve ser praticado durante o parto o u logo após.
O ideal seria, como veremos mais adiante, que o delito de infanticídio fosse
tratado como uma espécie d e homicídio p rivilegiado, fi cando, dessa fo rma,
umbilicalmente ligado ao cap u t do art. 1 2 1 do C ódigo Penal por meio de um
parágrafo, coisa que não acontece atualmente, fazendo com que seja entendido
como uma infração penal autô n oma.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p . 40.
2 13
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME 1 1
Seus traços marcantes e i nafastávei s são, po rtanto, o s seguintes :
a) que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal;
b) que tenha como o bj eto o próprio filho da parturiente;
c) que seja cometido dura n te o pa rto ou, pelo menos, logo após.
C LA S S I F I C A ÇÃO D O U T R I N Á R I A
2.
Crime próprio (pois s o mente pode ser cometido pela mãe, que atua
influenciada pelo estado puerp eral) ; simples; de forma livre; doloso, comissivo e
o missivo i mpróprio ( u ma vez que o suj e i to ativo goza do status de garantidor); de
d a n o; material; plurissubsistente; m o n ossubj etivo; não transeunte; instantâneo
d e e feitos permanentes.
S O B A I N F L U Ê N C I A DO E S T A D O P U E R P E R A L
3.
A b initio, d eve s e r determinado u m conceito de estado puerperal, a fim de
que se possa i n i ciar o raciocínio do delito de infanticídio.
J orge de Rezende, traduzindo u m conceito médico de puerpério, esclarece:
"Puerpério, sobreparto oupós-parto, é o período cronologicamente
variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam
todas as manifestações i nvolutivas e de recuperação da genitália
materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente,
importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do
organismo às condições vigentes antes da prenhez. A relevância
e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das
transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente
subordinadas à duração da gravidez." 2
Apesar da defi n ição médica trazida à colação, tem-se entendido que o
chamado estado puerperal não é tão somente aquele que se des envolve após o
parto, incluindo-se nesse raciocínio o período do parto e também o sobreparto.3
Durante esse período, a parturiente s o fre abalos de natureza psicológica que a
i nfl uenciam para que decida causar a m o rte do próprio filho. Paulo J os é da Co sta
J ú nior, analisando o estado puerp eral, diz:
"A mulher, abalada pela dor obstétrica, fatigada, sacudida pela
emoção, sofre um colapso do senso moral, uma liberação de
instintos perversos, vindo a matar o próprio fi lh o."4
A lei penal exige, p o rtanto, para reconhecimento do i n fanticídio, que a
parturiente atue sob a influência do estado p uerperal. Dessa fo rma, imagine-se
REZENDE, Jorge de. O puerpério. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 373.
Conforme Hungria (Comentários ao código penal, v. V, p. 239).
COSTA J Ú NIOR, Paulo José da. Curso de direito penal, v. 2, p. 1 8.
214
I N FANTICÍDIO
CAPÍTULO 5
a h i pótese em que uma mulher, l ogo após o parto, em estado p uerperal, vá até
ao b e rçário e cause a morte do seu próprio fil h o . I ndaga-s e : Qual infração penal
teria cometido a parturiente?
À primeira vista, somos quase que i mpulsionados a responder pelo delito de
infanticídio. Contudo, a resposta correta para a questão apresentada, da fo rma
como foi elaborada, seri a, n a verdade, o delito de h o micídio.
I s s o p o rque, conforme i ns e rimos n o exemplo fo rmulado, a mãe, realmente,
havia causado a m o rte do próprio fil h o, l ogo após o parto, en contrando-se,
ain da, em estado p uerperal. Entretanto, p ara que s e caracterize o i n fanticídio,
exige a lei penal mais d o que a existência do estado puerperal, comum em
quase todas as p arturientes, algumas e m menor e o utras em maior grau. O que
o C ó d igo Penal requer, de fo rma clara, é que a parturiente atue influenciada por
esse estado p uerperal.
Assim, o critério adotado não foi o p uramente b iológio, fís ico, mas, s im, uma
fusão desse critério com o utro, de n atureza psicológi ca, surgindo daí o critério
chamado fisiopsíq u ico ou b iopsíqu ico.
Podemos, a títul o d e i lustração, identi ficar três níveis de estado puerperal, a
saber: mínimo, médio, máxim o .
S e a parturiente, embora e m estado p uerperal, considerado de grau mínimo,
não atuar, por essa razão, i n fl uenciada por ele, e vier a causar a morte de seu
fil h o, durante ou logo após o p arto, deverá responder pelo delito de h o micídio.
Em sentido diametral m e nte oposto, se a parturiente, completamente
perturbada psicologicamente, dada a intensidade do seu estado p uerperal,
considerado aqui como d e n ível máximo, p rovocar a morte de seu fil h o durante
o parto ou logo após, d everá ser tratada como inimputável, afastando-se,
outrossim, a sua culpabilidade e, consequentemente, a própria i n fração penal.
N esse sentido, concluindo p el o afastame nto da culpabilidade em decorrência
ao estado puerperal da parturiente, pos iciona-se Frederico M arques :
"Quando a parturiente é u m a doente m e ntal e comete o crime
sob a i n fluência d o estado puerperal, s em qualquer poder de
autodeterminação, impunível é o seu ato hom icida, p o r tratar
se de p essoa inimputável. E o mesmo se dá quando ocorrem
psicoses o u doe nças m entais causadas pelo p uerpério, com
completa anulação do poder d e autodeterminação, cabendo,
então, apli car-se o que dispõe o art. 26 do Código Penal."5
Numa s ituação i ntermediária encontra- se a gestante que atua influenciada
pelo estado puerpera l e, ass i m, vem a dar causa à m o rte de s eu filho durante o
p arto o u logo após, sendo o seu estado p u erperal considerado de grau médio.
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . IV, p . 1 80 .
215
VOLUME I I
ROGÉRIO G RECO
E ste, p ara nós, é o que h avia sido adotado pelo Cód igo Penal e que caracteriza,
efetivamente, o del ito de i n fanti cídio.
A p rópria Exposição d e M otivos d a Parte E special do Código Penal, em seu
item 40, esclarece:
O infa n ticídio é considerado um delictum exceptum
quando p raticado pela parturiente sob a influência
do estado p uerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não
quer significar que o puerpério acarrete sempre uma
perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter
esta realmente sob revindo em consequência daquele,
de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou
de autoinibição da parturiente. Fora daí, não h á por que
distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando
ocorra honoris causa [ ... ], a pena aplicável é a de h omicídio.
Ainda temos d e resolver uma última in dagação. Afirmamos, com base nas
lições d e Frederico Marques, que s e a p arturiente estiver abalada de tal maneira
que seja i nteiramente incapaz de entender a ilicitude do fato por ela praticado,
ou d e determinar-se d e acordo com esse entendimento, s erá tratada como
inimputável, afastando-se, consequentemente, sua culpabilidade, b e m como a
própria infração p enal, u m a vez que a característica da culpabilidade é um dos
eleme ntos que integram o conceito analítico de crime.
C ontudo, pode ser que a gestante, e m decorrência de suas p erturbações
psicológicas originárias d e seu estado p uerperal, não seja totalm e nte i ncapaz
de entender o caráter i lícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. N esse caso, p o deríamos aplicar-lhe a diminuição de pena contida
n o parágrafo único do art. 26 do Có digo Penal?
Embora não s ej a pacífico o tema, a maioria de nossos doutrinadores admite
tal possibilidade, a exemplo de H ungria, que diz que "não h á incompatibilidade
alguma entre o reconhecimento da influência do estado puerperal e, a seguir, o da
irresponsabilidade ou da responsabilidade diminuída, segundo a regra geral;"6 ou,
ainda, Luiz Regis Prado afirmando ser p ossível "o reco nhecimento da influência
do estado puerp eral e também da inimputabilidade (art. 2 6, cap ut) ou da
semi-imputabilidade da parturiente (art. 2 6, parágrafo único), conforme o cas o".7
4.
S U J E ITO A T I V O E S U J E IT O P A S S I V O
O infanticídio é u m d el i to próprio, u m a vez q u e o tipo penal do art. 1 2 3 d o
Có digo Penal indicou tanto o s e u suj eito ativo c o m o o suj eito passivo.
H U NG R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . V , p. 246.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p . 85.
216
I N FANTICÍDIO
CAPÍTULO 5
Assim, pela redação da figura típica, so m ente a mãe pode s e r sujeito ativo da
mencionada i n fração pe nal, tendo como suj e ito passivo o próprio filh o.
Tratando-se d e c ri m e próprio, c o m o veremos a s eguir, o i n fanticídio admite
as duas espécies de concurso de pess oas, vale dize r, a coautoria e a participação.
No que diz respeito ao suj e ito passivo, a l e i penal aponta como infanticídio
o fato d e causar a m o rte, so b a i n fluência do estado puerperal, do próprio filho,
dura n te o parto ou logo após, podendo-se visualizar, p o r meio dessas duas
últimas expressões, que o delito pode ser cometido tanto contra o n ascen te, i sto
é, aquele que está nascendo, que ainda se enco ntra no p rocesso de expulsão,
quanto co ntra o n eo n a to, o u seja, aquele que acabo u de nascer, já se encontrando
desprendido da mãe.
5. L I M I T E T E M P O R A L
O C ódigo Penal d etermina u m limite temporal para que s e possa caracterizar o
delito de infanticídio. Além de exigir que o fato seja cometido pela mãe, que atua
infl uenciada pelo estado puerperal, causando a morte do próprio fil ho, determina
que esse comportamento seja l evado a e feito dura n te o parto ou logo após.
A expressão dura n te o pa rto indica o m o mento a partir do qual o fato deixa
de ser considerado como abo rto e passa a ser entendido como i n fanticídio.
D essa forma, o marco inicial para o raci ocínio correspondente à figura típica do
i nfanticídio é, e fetivam ente, o início do pa rto.
A m e dicina visualiza formas d iferentes de início do parto, dependendo da
natureza que este assuma. Temos d e trabalhar, p ortanto, com duas espécies
d iferentes de p arto, que poss uem, consequentemente, dois momentos distintos
d e i nício.
E xiste, inicialme nte, o p arto considerado n orm a l o u n a tural. Conforme
esclarece J o rge de Rezende,
"clin icamente, o estudo do p a rto compreende três fases
principais (dilatação, expulsão, secundamento), p recedidas
de estágio preliminar, o p eríodo premunitório.
[ .. . ] .
É o período premunitório caracterizado, precipuamente, pela
descida do fun d o uterino". 8
E continua o professor emérito da Faculdade de M edicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro dizendo que as fases do parto podem ser classificadas em:
"a) Dilatação, o u 1 º período;
b) Expu lsão, o u 2º p eríodo;
c) Secundamen to, o u 3 º período.
REZENDE, Jorge d e . O parto. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 326.
217
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME
li
I nicia-se a fase d e dilatação, ou primeiro p eríodo, no prevalente
conceito dos tratad istas, e, ostensivamente, com as primeiras
contrações uterinas dolorosas, que c o meçam de modificar a
cérvi ce, e termina quando a sua dilatação está completa" .9
A s s im, com a dilatação d o c o l o d o útero o u com as contrações uterinas já
podemos concluir pelo i n í c i o d o p arto normal.
Por outro lado, também ocorre, e com m uita frequência, principalmente no Brasil,
o parto denominado cesariana, cesárea ou tomotocia, que se entende, de acordo
com os ensinamentos de Jorge de Rezende, como o "ato cirúrgico consistente em
incisar o abdome e a parede do útero para libertar o concepto aí desenvolvido".1º
Dessa forma, uma vez l evadas a efeito as i ncisões nas camadas abdominais,
podemos entender como já i niciado o parto por meio dessa modalidade.
A doutrina tem afirmado, portanto, que o início do parto pode ocorrer,
considerando-se os dados acima, e m três momentos, a saber: a) com a dilatação
do colo do útero,11 b) com o rompime nto da membrana am nióti ca, 12 e) com a
incisão das camadas abdominais, n o parto cesariana.
U ma vez i n iciado o parto, não mais se poderá racioci n ar em termos de
delito de ab orto, passando a i n fração penal a s e configurar em homicídio ou em
i n fanticídio, presentes t o d o s o s seus elementos.
Por outro lado, o que devemos entender pela expressão logo após o parto?
M agalhães N oronha posiciona-se no sentido de que esse período acha-se
"delim itado pela influência do estado puerp eral, isto é,
aquele estado d e angústi a, p erturbações etc., que j ustificam
o delictum exceptum. A lei não fixou prazo, como outrora
alguns códigos faziam, p o rém não se lhe pode dar uma
interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranj a
o variável p eríodo d o choque puerperal. É ess encial que a
parturiente não haja e ntrado ainda na fase da b onança, em
que predomina o i nstinto materno. Trata-se de circunstância
de fato a ser averiguada pelos peritos médicos e mediante
p rova i ndireta" . 1 3
L u iz Regis Prado, na mesma l inha d e raciocínio de N o ronha, afirma que a
expressão logo após "implica a realização imediata e s em intervalo da conduta
delituosa. O impo rtante, porém, é que a parturiente não tenha ingressado na
fase de quietação, isto é, no p eríodo em que se afirma o instinto m aternal".14
R EZENDE, Jorge d e . O parto. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord.) . Obstetrícia, p. 326.
R EZENDE, Jorge de. Operação cesariana. ln: R EZENDE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 1 . 1 73.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p. 43.
NUCC I , Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 403.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p . 44.
P RADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 84.
218
1 NFANTICÍDIO
CAPÍTULO 5
Apesar da autoridade dos autores citados, entendemos que a expressão logo
após o parto d eve ser entendida à luz do princíp io da razoa bilidade. A m e dicina
aponta o período de seis a oito semanas como o tempo de duração normal do
puerpério.15 Como seria possível, então, entender como infanticídio a m o rte do
filho produzida pela própria mãe, ainda i nfl uenciada pelo estado puerperal,
dois meses e meio após o parto?
Não nos parece razoável tal entendim ento, uma vez que a lei penal usa,
expressamente, a expressão logo após o parto, e não s o mente após o parto.
Fosse intenção da lei reconhecer o delito de infanticídio a partir do início do
parto, agindo a gestante i n fluenciada pelo estado puerperal, teria afirmado
expressamente isso. Não foi o que aconteceu.
Assim, a parturiente somente será b e n e ficiada com o reconhecimento do
infanticídio se, e ntre o início do parto e a morte do seu próprio filho h o uver
uma relação de p roximidade, a ser analisada sob o enfoque do princípio da
razoabilidade.
N ão estamos, aqui, almejando determinar o tempo máximo para a ocorrência
do i nfanticídio, mas tão somente afastar s ituações que, por abe rrantes, fugiriam
por completo à ilação da expressão logo após, contida no art. 1 2 3 do Código
Penal.
A medicina nos informa que o estado puerperal pode durar, como regra, de
seis a oito semanas. S e a parturiente, contudo, vier a causar a mo rte de seu
próprio fil h o, dado o estado prolongado do puerpério, cinco meses após o pa rto,
por mais que queiramos entender como infanticídio, a expressão logo após,
adotada razoavelm e nte, nos conduziria ao reconhecimento do h omicídio.
M e rece ser frisado, ainda, que para o i nfanticídio ser reconhecido haverá
necessidade, também, de prova pericial, a fim de que fique evi denciado que, ao
tempo da ação o u da omissão, a parturiente encontrava-se sob a influência do
estado p uerperal, pois, caso c o ntrário, o crime por ela praticado se amoldará à
figura do art. 1 2 1 do C ó digo Penal.
6. E L E M E N TO S U B J ET I V O
N ã o tendo sido prevista a m o dalidade culposa no art. 1 2 3 do Código Penal,
o crime d e infanticídio somente pode ser cometido dolosamente, seja o dolo
d i reto ou, mesmo, eventual.
Assim, a parturiente, durante o parto ou logo após, infl uenciada pelo estado
p uerperal, d everá agir finalisticamente no sentido de produzir a m o rte do
p róprio fil h o, agindo com vontade livre e consciente a esse fi m.
REZENDE, Jorge de. O puerpério. ln: R EZENDE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia , p . 373.
219
RoG ÉRJO G RKO
VOLUME 1 1
A p arturiente, p o rtanto, d eve querer a m o rte d o filho agindo, outrossim, com
dolo d ireto ou, pelo menos, não se importando com a ocorrência desse resultado,
que lhe é indiferente, atuando, ago ra, com dolo eventual.
S e a morte d o nas cente ou neonato decorrer da inobs ervância do dever
obj etivo de cuidado que era devido à parturiente, deverá ser responsabilizada
pelo delito d e ho m icídio culposo, não se j ustificando, perm issa venia, a posição
d e Damásio d e J esus, que advoga a tese da atípicidade do fato dizendo:
"Não h á infanticídio culposo, uma vez que no art. 1 2 3 d o CP
o legislador não se refere à modalidade culposa ( C P, art. 1 8,
parágrafo único). Se a mulher vem a matar o próprio fi lho,
sob a i nfl uência d o estado puerperal, de fo rma culposa, não
responde por deli to algum (nem h om icídio, nem i n fanticídio) .
A mulher, porém, pode vir a matar a criança, não se encontrando
sob a i nfluência do estado puerperal, agindo culposamente.
H averá, neste caso, h o micídio culposo, descrito no art. 1 2 1,
§ 3ll, do C P . " 16
Pelo que se verifica da expos1çao feita pelo renomado tratad ista, tenta-se
afastar a responsabilidade pelo delito culposo erigindo-se a existência do estado
p uerperal, o que, segundo entendemos, não se j ustifica. Pode a parturie nte,
ainda que i n fluenciada pelo estado puerp eral, cuj a ocorrência é comum, mesmo
não querendo a morte d e seu fil h o, deixar de tomar os cuidados necessários à
manutenção de sua vida, agindo, pois, culposamente, caso a inobs e rvância ao
seu d ever obj etivo de cuidado venha a produzir a morte de seu próprio filho.
E m suma, a influência do estado p uerperal não tem o condão de afastar a
tipicidade do comportamento praticado pela parturiente que se amolda, em tese,
ao delito de homicídio culposo, embora tal fato deva influenciar o j ulgador no
momento da fixação da pena-base, quando da análise das ci rcunstâncias j udiciais.
7.
C O N S U M A ÇÃO E T E N T A T I V A
Crime material, o deli to de in fanticídio se consuma c o m a morte do nascente
ou d o neonato, daí a necessidade d e ser produzida prova no senti do de verificar
se, durante os atos de execução, estava vivo o nascente ou neonato, pois, caso
contrário, estaremos diante da h i p ótese de crime impossível, em razão da
absol uta i mpropriedade do objeto.
Tratando-se de crime material que permite o fracionamento do iter criminis, a
parturiente, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal, pode
ter dirigido finalisticamente sua conduta no sentido de causar a morte do nascente
ou neonato, somente não produzindo o resultado por ci rcunstâncias alheias à sua
vontade, podendo-se concluir, portanto, pela possibilidade da tentativa.
J ESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2 , p . 1 09.
220
INFANTICÍDIO
8.
CAPÍTULO 5
M O DA L I D A D E S C O M I S S I V A E O M I S S I VA
O deli to de infanticídio pode ser p raticado comis siva o u omiss ivamente.
O núcleo contido n o tipo do art. 1 2 3 do Código Penal é o verbo matar, que
pressupõe uma conduta comis siva, dirigida à produção do resultado m orte.
A parturiente, i n fluenciada pelo estado puerperal, durante o parto ou l ogo
após, pode realizar um comportamento p o sitivo, dirigido a produzir a morte do
próprio fil h o, p or exemplo, a fo gando-o em uma banheira.
No e ntanto, embora não prevista expressamente a modalidade omissiva, a
parturiente, na qualidade de gara n te, pode também, influenciada pelo estado
puerperal, causar a morte do próprio filho, deixando de fazer o que é necessário
à sobrevivência dele, por exemplo, não l h e o ferecendo o alimento indispensável
(leite materno o u de outra natureza) .
Chegamos a essa conclusão em decorrência da natureza j urídica do § 2Q do
art. 13 do Código Penal, considerado norma de extensão cuja função é alargar
o tipo p e nal, fazendo-se nele e nxergar hipóteses que não foram previstas
expressamente pelo legislador, assegurando-se, assim, o princípio da legalidade.
Como o verbo matar pressupõe u m comportamento comissivo, a parturiente,
com a sua inação, somente poderá res ponder pelo delito em qu estão em virtude
da sua qualidade especial d e garantidora, que lhe foi atribuída pela alínea a do
§ 2Q do art. 13 do C ó digo Penal, que diz q u e a omissão é penalmente relevante
quando o omitente d evia e podia agir p ara evitar o resultado, atribuindo esse
d ever d e agir a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância,
como é o caso da mãe com relação ao seu filho.
C o ncluindo, o ato d e a mãe matar o próprio fil h o, durante o parto ou logo
após, i n fluenciada pelo estado puerperal pode ser entendido tanto comis siva
quanto omissivamente.
9. O B J ETO M AT E R I A L E B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I D O
O infanticídio encontra -se no rol daqueles delitos que têm por finalidade
proteger a vida h um a n a . O b e m j uridicamente protegido, portanto, é a vida do
nascente ou do neonato.
Se a vida é o bem j u ridicamente p rotegido pelo delito de i nfanticídio, o
nasce nte e o neonato são os obj etos do delito em estudo, pois a conduta da
partu riente é dirigida fi nalisticamente contra eles.
Flamínio Fávero, discorrendo sobre o objeto material do delito de infanticídio,
aponta a distinção e ntre os termo s n ascen te e n eo n a to :
" N ã o importa q u e a vítima s e j a viável o u não. A mons truosidade
també m pode ser o bjeto d e infanticídio. Exclui-se, apenas,
a m o la, que é u m ovo d egen erado, à qual não assiste
221
VOLUME I I
RocÉRJO G REco
possibilidade d e ter vida fora do ventre materno e, menos
ai n da, d e se desenvolver como ente humano.
Vítim a do i n fanticídio, pode ser não s ó o verdadeiro recém
-nascido, isto é, o feto já nascido, já fora do álveo materno,
malgrado conti nue preso pelo cordão umbilical, mas tamb ém
o feto nascendo o u nascente, e m plena expulsão embora ainda
não tenha respirado. N este caso, haveria rigorosamente a
figura do feticídio que o Código l o uvavelmente equipara ao
i nfanticídio" . 1 7
1 O.
P R OVA DA V I D A
Para que a parturiente responda pelo delito d e infanticídio é fundamental
a comprovação d e que o nasce nte o u o neonato encontrava-se vivo, pois, caso
contrário, como já dissemos, estaríam o s diante d o chamado crime impossível,
e m razão da absol uta i mpropriedade do objeto.
A p rova da vida do nascente ou do neo nato é, portanto, crucial. Existem
exames que são produzidos p ara comprovar se h ouve vida n o nascente, o u seja,
aquele que ainda se encontrava n o processo de expulsão do útero materno, b e m
como do neonato, isto é , aquele q u e acabara de nascer.
Odon Ramos M aranhão, com precisão, aponta duas provas de vida que dizem
respeito ao nascente, a saber: a) tumor de parto e b) reação vital. Assim, explica
o renomado p ro fessor:
"a) Tumor de pa rto as compressões s o fridas p ela porção do
organismo fetal que primei ro alcança as aberturas genitais
da parturiente p rovocam edema local, que constitui tumor
de parto . Geralmente se s itua na cabeça, que chega a assumir
aspecto assimétrico. Essa saliência s e deve ao fato de h aver
circulação n o o rgani sm o fetal.
-
No feto morto a ntes do nascimento não há tumor de parto .
b ) Reação vital se a m o rte do feto nascente foi provocada,
é claro que no início da p arturição este estava vivo. Logo, as
l esões encontradas no feto terão sido produzidas intra vita m .
O p erito, ao examinar o cadáver do feto, deverá c o l h e r material
para fazer u ma reação vital, pelas técnicas usuais (Verderaux,
F. Fávero, Orsós etc.) ." 1 8
-
Quanto ao n e onato ou recém-nascido, normalmente são utilizadas as provas
que p rocuram demonstrar ter havi do respiração, sendo essas provas chamadas
d e docimasias respiratórias.
'
F ÁVERO, Flamínio. Medicina legal, v. 2, p. 759-760.
MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 97-1 98.
222
l N FANTICÍDIO
CAPÍTULO 5
As docimasias respira tórias, segundo ainda as lições de Odon Ramos
Maranhão, podem ser divididas em diretas e indiretas.
As provas diretas podem acontecer por meio de cinco modalidades:
a) radiográfica; b) diafragm á tica; e) visu al; d) h idrostática; e e) epim icroscopia.
As provas indiretas são duas : gastroin testinal e a u ricular.
São essas as d efinições do conce ituado autor:
D i reta s :
"Radiográfica (B o rdas) . Radiografa-se o pulmão depois de
extraído do organismo (durante a necroscopia) . Pode-se
també m radiografar antes d e s e abrir o tórax (Ottolenghi) .
Serve para documentar. Estuda-se a transparência do
parênquima pulmonar, que s e estabelece no que respirou e
está ause nte na h i p ótese co ntrária.
Diafragm ática (Casper) . Estuda-se a relação entre a curva
diafragmática e a arcada costal. Se houver respiração, o
diafragma se movimentou e a inspiração o fez subir ao su
espaço i ntercostal ; isto não ocorrendo, inexistiu respiração.
Visual (Bouchut) . Basta se estudar o pulmão a olho nu ou com
auxílio d e aumento ótico. O pulmão que respirou s e mostra
rosado, expandido, ves iculado, o que não ocorre caso não
tenha havido vida extrauterina.
Hidrostática (Galena) . Possivelmente é a mais conhecida
e p raticada. O p u l mão fetal não se expandiu, mostra-se
comp acto e tem uma densidade de 1 ,09, en quanto que o que
recebeu ar e se infl o u mostra-se com cavidades pn eumáticas
e consequente densidade mais b aixa (0,9). Por isso se
col ocarmos u m fragmento o u mesmo o pulmão todo em
vasilha com água (densidade = 1,0) p o deremos observar que
o primeiro vai ao fu ndo e o segundo flutua.
Epimicroscopia (Veiga d e Carvalho). São duas provas:
epimicroscopia
pneumo-arquitetônica
histológica.
São
exatamente feitos por visualização estereoscópica para
verificar se os alvéolos p u l mo nares se disten deram ou não." 1 9
Indiretas :
" Gastroin testinal ( B reslav) . Consiste em verificar presença de
ar no aparelho d igestivo. Quando se dá a inspiração inicial,
passa ar para o aparelho digestivo, o que serve de base para
essa prova. O método de realização é semelhante ao galênico.
É p rova indireta.
MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 98-1 99.
223
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
A u ricular (Wred en -Wendt) . Após o i n ício da respiração
passa ar no ouvido médio. Por isso, se for feita trepanação
na mem brana do tímpano dentro de recipiente com água,
o aparecimento de bolha gasosa indicará presença de ar
e consequente respiração . É prova delicada e difícil. Tem
interesse quando se dispõe som ente da cabeça do recém
-nascido para exame." 2 º
Além das docimasias respiratórias, também são utilizadas as docimasias não
resp ira tórias, que, segundo a lição d e H ungria, podem ser assim divididas:
"a a limenta r (pesquisa microscópica, macroscópica, ou química
de traços de alimentos o u outras substâncias absorvidas
pelo n e onato), a siálica (pesquisa de saliva n o estômago do
feto) , a ren a l (averiguação de infartos úricos nos rins do
feto), a bacteriológica (constatação do ba cterium co/i n o tubo
gastroentérico), a vascular (pesquisa de mudanças anatômicas
no coração e si stema artéria-venoso do neonato), a do n ervo
óptico ( fundada na mielini zação das fib ras ne rvosas do nervo
óptico), a b u lbar (exame histológico do desenvolvimento e
caracteres dos centros respiratórios bulhares), a umbilical
(exames das alterações que sofre o coto do cordão umbi l ical
até o momento d e sua queda) . "21
Com t od o esse arsenal d e exames à disposição, pode acontecer a h ipótese
em que nenhum deles tenha sido e fetivamente realizado. Poderá a parturiente,
ainda assim, responder pelo delito de infanticídio, sem que se tenha à disposição
um exame pericial comprovando a vida d o nascente ou do neonato?
A resposta só pode ser afi rmativa. Embora exista a necessária segurança
nas provas periciais, sua ausência não implicará, necessariamente, a
des caracterização do delito em estudo. É preciso, sim, comprovar que h ouve
vida, para que se possa imputar à parturiente, que agira i n fluenciada pelo estado
puerpe ral, a morte do seu filho, d urante o parto o u l ogo após.
N esses casos, podemos nos socorrer subsidiariamente da prova testemunhal,
uma vez que o art. 167 do Código d e Processo Penal aduz que, não sendo possível
o exame de corpo de delito, por h a verem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal po derá suprir-lhe a falta.
11.
P E N A E AÇÃO P E N A L
A pena cominada a o delito d e infanticídio é a d e detenção d e 2 (dois) a 6 (seis)
anos, sendo incabível, de acordo com a posição maj oritária de nossa doutrina,
MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p . 1 99.
-
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 256.
224
( N FANTICÍDIO
CAPÍTULO s
proposta de suspensão condicional do processo, uma vez que a alteração
trazida pela Lei nu 1 0 . 2 5 9 , d e 12 de julho de 2 0 0 1 , que regulamentou os J uizados
Especiais Cívei s e Criminais no âmbito d a J ustiça Federal, embo ra tenha ampliado
o conceito de infração penal de menor potencial o fensivo, aumentando para
2 (dois) anos o tempo de pena máxima cominada abstratamente aos crimes,
revogando parcialmente o art. 61 da Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 , não alargou também para
2 (dois) anos o tempo de pena mínima comi nada para fi ns de confecção de
proposta de suspensão condicional do processo, posição confirmada através da
Lei nu l l . 3 1 3 , de 28 d e junho de 2 0 06, que, modificando a redação do art. 6 1 da
Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 , ampliou para 2 (dois) anos a pena máxima com inada para efeito
de reconhecime nto da i n fração penal de menor p otencial ofen sivo, não sendo
m o dificado o art. 89 da referida lei, quando p odia tê-lo feito expressamente,
se fo sse intenção do legislador ampliar o limite para efeito de concessão de
suspensão condicional do processo.
A ação pe nal relativa ao crime d e i n fanticídio é de iniciativa pública
i ncondicionada.
1 2.
D E STAQ U E S
1 2 . 1 . I n f a n t i c íd i o c o m v i d a i n t ra u t e r i n a
D issemos q u e o início do parto o co rre c o m a dilatação do colo do útero, c o m o
rompimento da membrana amniótica ou com a incisão das camadas abdominais.
Pode ser que, uma vez iniciado o p arto, por exemplo, com o rompimento
da membrana amniótica, a parturiente, i n fluenciada pelo estado puerperal,
pratique manobra no sentido d e causar a m orte de seu próprio fi lho, ainda em
seu útero. Pergunta-se: N esse caso, estaríamos diante do delito de infanticídio
ou d o crime de aborto?
Para que possamos manter a coerência do raciocínio, não imp orta se a vida
seja intra ou extrauterina. Para nós, o divisor de águas entre o crime de aborto
e o de infanticídio é, e fetivam ente, o i n ício do parto, e não se a vida era intra
ou extra uterina, embora exista co ntrovérsia doutrinária e j u risprudencial nesse
sentido.
M e rece destaque a extraordinária lição de H ungria, quando assevera :
"O Código atual ampl iou o conceito do infanticídi o : o suj eito
passivo deste j á não é apenas o recém-nascido, mas também
o feto n ascen te. Fi cou, assim, diri m ida a dúvida que se
apresentava no regime do Código anterior, quando o crime se
realizava in ipso partu, isto é, na parte de transição da vida
uterina para a vida extrauterina. Já não há mais identificar-se,
em tal h i pótese, o simples a borto solução que, em face do
Cód igo de 9 0, era aconselhada p elo princípio do in dubio pro
-
225
VOLUME l i
RoGÉRJO G RECO
reo : o crime é infanticídio. D eixou d e ser condição necessária
do i nfanticídio a vida a u tônoma do fruto da concepção. O feto
vindo à luz já representa, do po nto de vista b iológico, antes
mesmo de totalm ente desligado do corpo materno, uma vida
h u m a n a . Sob o prisma j u rídico penal, é, assim, antecipado
o início da person alidade. Remonta esta ao início do parto,
isto é, à apresentação do feto no o rifício do útero. Já então o
feto passa a ser uma u n idade social. Não se pode negar que o
feto nascente seja um s e r vivo, embora não possua todas as
atividades vitais." 22
1 2 . 2 . A p l i c a ç ã o d o a rt . 2 0 , § 3 º ( e r ro s o b re a p e s s o a ) a o d e l ito de
i n fa n t i c íd i o
Imagine-se a h i pótese e m q u e a parturiente, influenciada pelo estado
puerp eral, vá até o berçário, logo após o parto, e, querendo causar a m o rte do
próprio filho, p o r e rro, acabe estrangulando o filho de sua colega de enfe rmaria,
causando-lhe a m o rte.
A parturiente, portanto, matou o filho de tercei ra pess oa, supondo-o seu.
Pergunta-se: No caso em questão, deverá a partu rie nte responder pelo delito de
h o micídio ou pelo infanticídio?
Preconiza o § 3u do art. 20 do Código Penal :
§ 3u O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é
p raticado não isenta de pena. Não se consideram, neste
caso, as condições ou qualidades da víti ma, senão as da
pessoa contra quem o agente queria p rati car o crime.
Cons iderando-se que a parturiente almejava causar a mo rte do próprio fi lho
e, p o r erro, acabou matando o filho d e sua colega de quarto, aplica-se a regra
correspondente ao erro sobre a pessoa, devendo ser responsabilizada pelo
infanticídio.
1 2 . 3 . C o n c u r s o d e p e s s o a s no d e l ito d e i n f a n t i c íd i o
Dissemos que o delito d e i n fanticídio é , n a verdade, um homicídio especializado
p o r vários elementos, sendo um deles a influência do estado puerperal. Dessa
forma, comparativamente, o infanticídio é menos severamente punido do que o
h o m i cídio, mesmo que em sua modalidade fundamental.
Por essa razão, ou seja, em virtude dos vários elementos que tornam o
i nfa nticídio especial em relação ao h o micídio, pe rgu nta-s e: Será possível o
concurso de pessoas n o crime de i n fanticídio?
H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V, p. 250-25 1 .
226
CAPÍTULO 5
I N FANTICÍDIO
O fato deverá ser desdobrado em várias situações para que melhor se possa
compreendê-lo. E ntretanto, e m nosso raciocínio, partiremos do pressuposto de
que o terceiro que, em companhia da parturie nte, de alguma forma, concorre
para a m o rte do recém-nascido ou do nascente, é conhecedor de que aq uela
atua influenciada pelo estado p uerperal, po is, caso contrário, perderia sentido a
discussão, haja vista que se tal fato não fo sse do conhecim ento do terceiro, que
de alguma fo rma concorreu para o resultado m o rte, teria ele que responder,
sempre, pelo homicídio.
Assim, vej amos as hipóteses possíveis:
a) a parturiente e o terceiro executam a co nduta núcleo do tipo do art. 1 2 3 ,
ou seja, ambos praticam comportamentos no sentido de causar a morte do
recém-nascido;
b) s o mente a parturiente executa a conduta de matar o próprio fil h o, com a
participação do terce iro;
e) s o mente o terceiro executa a co n duta de matar o filho da parturiente,
contando com o auxíli o d esta.
Para que as hipóteses sejam resolvidas corretamente, mister se faz alertar
para a determ inação contida nos arts. 29 e 3 0 do Código Penal, que dizem,
respectivamente:
Art. 2 9 . Quem, de qualquer modo, concorre para o
crime incide nas penas a este cominadas, na medida de
s ua culpabilidade.
Art. 3 0 . Não se comunicam as ci rcunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
O primeiro raci ocínio que d everíamos fazer seria no sentido de que a condição
de parturiente e a i nfl uência do estado p u erperal sobre o a n im us são condições
de caráter pessoal. A regra geral determina, assim, que não se comuniquem ao
coparticipante, salvo nos casos em que figurarem como elementos do tipo.
P o r elementos ou elementares devemos considerar todos aqueles dados
indispensáveis à defi n ição típica, sem o s quais o fato se torna atípico ou h á, no
mínimo, desclassificação. Se, por exemplo, a parturiente mata o próprio fi lho,
l ogo após o parto, sem que tenha agido i n fluenciada pelo estado puerperal, a
ausência dessa eleme ntar (sob a i n fluência d o estado puerperal) fará com que seja
responsabilizada pelo resultado mo rte a título de hom icídio. H averá, p o rtanto,
uma desclassificação do delito de infanticídio para o crime de h o micídio.
Percebe-se, pois, a importância de se concluir pela existência de uma elementar.
227
RoGÉ RJO GREco
VOLUME I I
As ci rcunstâncias, ao co ntrário, são dados periféricos à definição típica. Não
interferem na figura típica em si, som e nte tendo a finalidade de fazer com que a
pena seja aumentada ou diminuída. Nada mais.
N o caso em exame, como j á deixamos antever, a influência do estado p uerpera/
não pode ser considerada m e ra circunstância, mas, sim, elementar do tipo do
art. 1 2 3, que tem vida autô noma comparativamente ao delito do art. 1 2 1 .
E m razão disso, nos termos do art. 3 0 do Código Penal, se for do conhecimento
do terceiro que, de alguma forma, concorre para o cri me, deverá a ele se comunicar.
Partindo desses pressupostos, vamos trabalhar com as hipóteses apresentadas.
I n i cialmente, parturiente e terceiro praticam a cond uta núcleo do art. 1 2 3,
que é o verbo matar. Ambos, portanto, p raticam atos de execução no sentido de
causar a morte, por exemplo, do recém-nasci d o .
A gestante, n ã o temos dúvida, q u e atua influenciada p e l o estado puerperal,
causando a morte do próprio filho logo após o parto, deverá ser responsabilizada
pelo infanticídio. O tercei ro, que também executa a ação de matar, da mesma forma,
deverá responder pelo mesmo delito, conforme determina o art. 30 do Código Penal.
Fragoso diz ser inadmissível o concurso de pess oas no crime de i n fanticídio,
argu mentando que "o privilégio se funda numa d iminuição da imputabilidade,
que não é possível estender aos partícipes. N a h ipótese de coautoria (realização
de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evid ente que o crime
deste será o de h o micídio".23
E m defesa d e nosso posic ioname nto, trazemos à colação os ensinamentos de
N oronha qu e , com particular lucidez, afirma:
"Não h á dúvida algum a de que o estado p uerperal é
circunstân cia (isto é, estado, condi ção, particularidade etc.)
pessoal e que, sendo elem entar do delito, comunica-se, ex vi do
art. 3 0, aos copartícipes. Só mediante texto express o tal regra
poderia ser d errogada."24
E conclui o renomado autor:
"A não-comunicação ao corréu só seria compreensível se o
infanticídio fosse mero caso de a ten uação do h o micídio e não
um tipo inteiramente à parte, comp l etamente autônomo em
nossa lei." 2 5
As obs ervações feitas p o r Noronha são precisas. O infanticídio, ao contrário
do que afirma a doutrina, perm issa venia, não é modalidade de h o m icídio
privilegiado. Seria se figurasse como u m parágrafo do art. 1 2 1 do Código Penal.
Cui da-se, portanto, de verdadeiro deli to autô nomo, razão pela qual tudo aquilo
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p. 80.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p . 47.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p. 48.
228
( N FANTICÍDIO
CAPÍTULO 5
que estiver contido em seu tipo s erá conside rado elementar, e não circunstância,
devendo, pois, nos termos da d eterminação contida no art. 3 0 do Código Penal,
ser comunicado ao coparti cipante, desde que todos os elementos sejam de seu
conhecimento.
Fosse o delito d e infanticídio p revisto simplesme nte como um parágrafo
do art. 1 2 1 do Có d igo Penal, deveria ser reconhecido como modalidade de
homicídio privilegiado e, consequentemente, seus dados seriam considerados
circunstâncias, de ixando, a partir de e ntão, de acordo com a mesma regra já
apontada no art. 30 do diploma repressivo, de s e comunicar aos coparticipantes.
Não tendo sido essa a opção da lei p enal, todos aqueles que, j u ntamente
com a parturiente, p raticarem atos de execução tend entes a produzir a morte
do recém-nascido ou do nascente, se conhecerem o fato de que aquela atua
infl uenciada pelo estado puerperal, deverão ser, infelizme nte, beneficiados com
o reconhecimento do infanticídio.
Quando é a própria parturiente que, sozinha, causa a morte do recém-nascido,
mas com a participação de te rceiro que, por exemplo, a auxilia materialmente,
fornecendo-lhe o i nstrumento do crime, ou orientando-a como utilizá-lo, ambos,
da mesma fo rma, responderão pelo i nfanticídio, j á que a parturiente atuava
influenciada pelo estado puerp eral e o terceiro que a auxiliou conhecia essa
particular condição, concorrendo, p ortanto, para o sucesso do infanticídio.
A última hipótese seria aquela em q u e som ente o terceiro praticasse os atos
de execução, com o auxílio e a mando da p artu riente, que atua influenciada pelo
estado puerperal. Damásio, com precisão, a lerta:
"Se o terceiro mata a criança, a mando da mãe, qual o fato
principal determinado pelo induzimento? Homicídio ou
infanticídio? Não pode ser homicídio, uma vez que, se assim
fosse, haveria outra incongruência: se a mãe matasse a criança,
responderia por d elito menos grave (infanticídio); se induzisse
ou instigasse o terceiro a executar a morte do suj eito passivo,
responderia por delito mais grave (coautoria no homicídio) .
Segundo entendemos, o terceiro deveria respo nder por delito
de homicídio. En tretanto, d iante da formulação típica desse
cri me em nossa legislação, não h á fugir à regra d o art. 30: como
a influência do estado puerp eral e a relação de parentesco
são elementos do tipo, comunicam-se en tre os fatos dos
participantes. D i ante disso, o terceiro responde por delito
de infanti cídio. Não deveria ser assim. O cri me de terceiro
deveria ser h o micídio. Para nós, a solução do problema está
em transformar o delito de infanticídio em tipo privilegiado
de hom icídi o." 2 6
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 1 1 3.
229
VOLUME
RoG É RJo G REco
ll
E m suma, s e o terceiro acede à vontade da parturiente que, i n fluenciada
pelo estado p u erpe ral, dirige fi nalisticam ente sua co nduta n o sentido de causar,
durante o parto ou logo após, a morte do recém-nascido o u nascente, em qualquer
das modalidades de concurso de p essoas, de acordo com a regra contida no
art. 30 do Código Penal, d everá ser responsabilizado pelo delito de i n fanticídio.
1 2 . 4 . J u l g a m e n to p e l o J ú r i s e m a p re s e n ç a d a ré
O art. 45 7 e parágrafos do Código de Processo Penal, com a n ova redação
que lhe fo i conferida pela Lei n" 1 1 .6 89, de 9 de j unho de 2 008, cuidou do
comparecimento d o (a) acusado (a) à sessão de j ulgamento pelo Tribunal do Júri
dizendo:
Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não
comparecimento do acusado solto, do ass istente ou do
advogado do querelante, que tiver sido regularmente
intimado.
§ 1" Os pedidos de adiamento e as j us tificações de não
compareci m ento deverão ser, salvo comprovado m otivo
de força maior, previamente submetidos à apreciação
d o j uiz presidente do Tribunal do J úri.
§ 2" S e o acusado preso não for conduzido, o j u lgamento
será adiado p ara o primeiro dia desimpedido da
mesma reunião, salvo s e h ouver p edido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu defensor.
1 2. 5 . A p l icação da c i rc u n stâ ncia a g rava nte do a rt. 6 1 , 1 1 ,
e,
seg u n d a fi g u ra
Tratando-se de crime de infanticídio, como o fato narrado no tipo penal
diz respeito à conduta da mãe que, i n fluenciada pelo estado puerperal, causa
a morte do p róprio filho, durante o parto ou logo após, caberia a aplicação da
circunstância agravante p revista no art. 6 1, I I , e, segunda figura (ter cometido o
crime contra descendente) ?
Não, pois, caso contrário, estaríamos fazendo uso do chamado bis in idem,
uma vez que a própria redação contida no cap u t do art. 61 do Código Penal diz
serem "circunstâncias que s e mpre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime".
N a infração penal e m estudo, a condição de filho é elementar constitutiva
do delito de infanticídio, razão pela qual a pena não poderá ser agravada no
segundo momento do critério trifásico p revisto pelo art. 68 do Código Penal.
230
C A P ÍTU LO 6
A B O RT O
Ab orto p rovocado p el a gestan te o u com seu consenti mento
Art. 1 2 4 . P rovocar abo rto em si mesma ou consentir que outrem
lho provoque:
Pena - d etenção, d e 1 ( um) a 3 (três) anos.
Ab orto p rovocado p o r terceiro
Art. 12 5 . P rovocar aborto, sem o consentimento da gestante :
Pena - reclusão, de 3 (três) a 1 0 ( dez) anos.
Art. 1 2 6 . P rovocar aborto com o consentimento da gestante :
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo ú n i co. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante
não é maior d e 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou déb il mental,
ou se o consentimento é obti d o mediante fraude, grave ameaça
ou violência.
Forma q ualificada
Art. 1 2 7 . As penas cominadas nos dois artigos anteriores são
aumentadas de um terço, se, em consequência do ab orto o u
dos m e i o s empregados p ara provocá-lo, a gestante sofre lesão
corporal de n atureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, l h e sobrevém a m o rte.
Art. 1 2 8 . Não se pune o aborto p raticado por médico:
Ab orto necessário
1 - se não h á outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.
231
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME I I
I NTRODUÇÃO
1.
Talvez o aborto seja u m a d a s infrações penais mais controvertidas atualmente.
N os s o Código Penal não define claramente o aborto, usando tão som ente a
expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e da j urisprudência o
esclarecimento dessa expressão.
Aníbal Bruno preleciona:
"Segundo se admite geralm ente, provocar aborto é interromper
o processo fisi o lógico da gestação, com a consequente m o rte
do feto.
Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou como a expulsão
p re matura do feto, ou como a interrupção do processo
d e gestação. Mas nem u m nem outro desses fatos b astará
isoladamente para caracterizá-lo.'' 1
Ou, ainda, na definição proposta p o r Frederico Marques:
"Para o Di reito Penal e do po nto de vi sta médico-legal, o
aborto é a i nterrupção voluntária da gravidez, com a morte do
produto da concepção." 2
A todo instante são travadas discussões que ora giram em torno da sua
revogação, ora da sua manutenção no nosso Cód igo Penal.
Um dos argumentos principais daqueles que p retendem suprimir a
incriminação do aborto é j ustamente o fato de que, emb ora proibido pela
lei penal, sua realização é frequente e constante e, o que é pior, em clínicas
clandestinas que colocam e m risco também a vida da gestante.
Por outro lado, h á os d efenso res da vida, p rincipal mente a do ser que está
em fo rmação. Quando a gestante e ngravi da, uma nova vida começa a crescer em
seu útero.
N o livro de Jeremias, constante do Antigo Testamento, percebemos, pela Palavra
de Deus, que Ele já nos conhecia antes mesmo de haver a fecundação do óvulo
materno, pelo espermatozoide do homem. Quando o Senhor constituiu Jeremias
como profeta, Ele o tinha feito antes mesmo do seu nascimento. Na verdade, antes
mesmo que se tivesse formado no ventre materno. Vejamos, literalmente, o que
diz esta passagem no livro de Jeremias, Capítulo 1, versículos 5 e 6:
"Antes que eu te fo rmasse no ventre materno, eu te conheci, e,
antes que saísses da madre, te consagrei, e te co nstitui profeta
às nações."3
B R U N O , Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 60.
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 1 83 .
B Í BLIA DE ESTUDOS G ENEBRA, p . 861 .
232
ABORTO
CAPÍTULO 6
I s s o significa que, embora não saibamos, D eus tem um propósito na vida
de cada u m d e nós, razão pela qual, a não ser por s ituações excepcionais, não
podemos tirar a vida de um semelhante, não importando o seu tamanho.
Ainda o livro de Salmos, no Capítulo 1 3 9, o salmista Davi, no versículo 1 6, diz:
"O s teus olhos m e viram a substância ainda info rme, e n o teu
l ivro foram escritos todos o s meus dias, cada u m deles escrito
e determinado quando nem u m deles havia ainda".4
O problema n o delito de aborto é que não percebemos a dor s ofrida pelo óvulo,
pelo emb rião o u mesmo pelo feto. Como não presenciamos, não enxergamos,
não ouvimos o seu sofri m e nto, aceitamos a m o rte dele com tranquilidade.
A vida, independentemente do se u tempo, deve s e r protegida. Qual a diferença
entre causar a m orte de um ser que possui apenas 10 dias de vida, mesmo que
no útero materno, e matar o utro que já co nta com 10 anos de idade? Nenhuma,
pois vida é vida, não importando sua quantidade de tempo.
O Cód igo Penal, quebrando a regra trazida pela teoria monista, que será
analisada mais adiante, p une, de fo rma d iversa, dois personagens que estão
envolvidos d iretamente no aborto, vale dizer, a gestante e o terceiro que nela
realiza as manobras abortivas.
Caso a própria gestante execute as manobras tendentes à expulsão do feto,
praticará o crime de autoaborto. Se for um terceiro que o realiza, devemos
observar se o seu comportamento se deu com o u sem o consentimento da
gestante, pois as penas são diferentes para cada uma dessas situações.
H o uve, também, previsão p ara as h i póteses em que a gestante sofre lesão
corp o ral de n atureza grave, ou ocorre sua mo rte, havendo, outrossim, uma causa
especial d e aumento de pena para cada u m desses resultados agravadores.
Também a lei penal fez p revisão expressa da possibilidade de realização
do aborto nos casos e m que a vida da gestante correr risco com a manutenção
da gravidez, o u quando esta for resulta nte de estupro, desde que o aborto seja
precedido de seu consentimento ou, quando incapaz, de seu representante legal.
2.
CLASSIFI CAÇÃO DOUTR I NÁ R IA
Crime de mão própria, quando realizado pela própria gestante (autoaborto),
sendo comum nas d e mais h i p óteses quanto ao suj eito ativo; considera-se próprio
quanto ao suj e ito passivo, pois somente o feto e a mulher grávida podem figurar
nessa condição; pode ser comissivo ou omis sivo (desde que a omissão seja
imprópria); doloso; de dano; material; i nstantâneo de efeitos permanentes (caso
ocorra a morte do feto, consumando o aborto) ; não transeunte; mono ssubj etivo;
plurissubsistente; de fo rma l ivre.
B Í BLIA DE ESTUDOS G E N EBRA, p . 7 1 6.
233
ROG ÉRIO G RECO
3.
VOLUME l i
I N ÍCIO E T É R M I NO DA P ROTEÇÃO P E LO TIPO P ENAL DO ABO RTO
Se por intermédio da incrimi nação do aborto procura-se proteger a vida, temos
de saber, com p recisão, a partir de quando se tem início tal proteção. Na verdade,
em alguns casos, como no del ito de aborto provocado sem o consentimento da
gestante, se precip uamente se protege a vida do feto, também se quer tutelar a
vida e a integridade fís ica da gestante, como analisaremos em tópico próprio.
Assim, nosso p o nto d e p artida será d etectar quando surge a vida para fins de
p roteção por meio d a lei penal.
A vida tem início a partir d a concepção ou fecundação, i sto é, desde o m omento
e m que o óvulo fem i nino é fecundado pelo espermatozoide masculino. C ontudo,
para fins d e p roteção por intermédio da lei penal, a vida s ó terá relevância após a
nidação, que diz respeito à impla n tação do óvulo já fecundado no ú tero m a tern o,
o que ocorre 14 (catorze) dias após a fecundação.
Assim, en quanto não houver a n idação não haverá possibilidade de p roteção
a ser realizada por meio da lei penal. D essa fo rma, afastamos de nosso raciocínio
inúmeras discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam
consideradas abortivas, mas que não têm o condão de repercutir j uridicam ente,
pelo fato de não p ermitirem, j ustamente, a implantação do óvulo j á fecundado
no útero materno.
Fragoso, com precisão, ressalta a controvérsia antes referida:
"O aborto consiste na i nterrupção da gravidez com a morte do
feto. Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é o estado de gestação,
que, p ara efe itos l egais, inicia-se com a implantação do ovo na
cavidade uterina. Do ponto de vista médico, a gestação se inicia
com a fecundação, ou seja, quando o ovo se forma na trompa,
pela união dos gametas masculino e feminino. I nicia-se então a
marcha do óvulo fecundado para o útero, com a duração média
de três a seis dias, dando-se a implantação no endométrio. Daí
por diante é possível o aborto.
A matéria tem sido obj eto de debate em face dos efeitos dos
anovulatórios o rais ou 'pílulas anticoncepcionais', bem como
do dispositivo intrauterino (DIU). Certas pílulas impedem
a ovulação ou o acesso do espermatozoide ao óvulo, pelas
transfo rmações que causam no muco cervical. Em tal caso,
impede-se a concepção. O utras pílulas, no entanto, atuam após
a concepção, impedindo a implantação do ovo no endométrio.
O mesm o ocorre c o m os dispositivos intrauterinas, cuja ação,
para m uitos, ainda não está perfeitamente explicada: é certo, no
entanto, que não impedem a concepção, mas sim a implantação
do ovo ou o seu desenvolvim ento, p rovocando a sua expulsão
precoce. É fácil compreender que as pílulas da segunda espécie
234
ABORTO
CAPÍTULO 6
e os D I U, que não impedem a concepção, seriam abortivos (e
não anticoncepcionais), se por aborto se entende a interrupção
da gravidez e esta se inicia com a concepção.
Todavia, a lei não especifica o que se deva entender p o r
aborto, que deve ser d efinido com critérios normativos,
tendo-se prese nte a valoração social que recai s obre o fato e
que conduz a restringir o crime ao período da gravidez que
se segue à n i dação. Aborto é, pois, a i nterrupção do processo
fisiológico da gravidez desde a i m plantação do ovo no útero
materno até o i n ício do p arto."5
D essa fo rma, temos a n idação como termo i n i cial para a proteção da vida,
por intermédio do tipo p e nal do aborto. P o rtanto, uma vez implantado o ovo no
útero materno, qualquer comportamento dirigido finalisticamente no sentido
de i nterromper a gravid ez, pelo menos à p ri m eir a vista, s e rá considerado aborto
(consumado ou tentado) .
I ss o nos leva também a elaborar outro raciocínio. Suponhamos que o óvulo j á
fecundado não consiga chegar ao útero, mas s e desenvolva fora dele. Temos aqui
o que a medicina denomina de gravidez ectópica que, segundo a definição contida
no Man ual Merck de Medicina, seria a "gestação na qual a implantação ocorre em
outro local que não o endométrio ou a cavidade endometrial; isto é, na cérvix,
no tub o uterino, no ovário, nas cavidades abdominais ou pélvica''.6 Ou, ainda, na
definição de J o rge de Rezende, "é a prenhez ectópica (P E) quando o ovo se aninha
fora do útero. Assim conceituada é sinônimo de p renhez extrauterina [ .. .]". 7
N ã o é incomum ouvirmos falar na chamada gravidez tubária, em que o ovo
se des e nvolve nas trompas d e Falópio. N esse caso, realizando-se a retirada do
óvulo já fecundado, estaríamos diante do delito de aborto? N ão, uma vez que,
j uridicamente, s o me nte nas h ipóteses de gravidez intrauterina é que s e pode
configurar o delito em estudo.
Nesse senti do, trazemos à colação as l ições de Ney M oura Teles, quando afirma:
"A interrupção de gravidez des envolvida fora do útero,
ovárica ou tubárica, quando o óvulo se i nstala na parede
das trom pas, onde passa a des envolver-se, e a da gravidez
m o lar, com a formação degenerativa do évulo fecundado, não
constitui aborto. A falta d e espaço impede que o feto cresça
normalmente e a gravidez é i nterrompida. Quando o óvulo se
aloja e m outros ó rgãos, como nas trompas de Falópio, ovários
e até n o abdome, a gravidez é caracterizada como e ctópica''. 8
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 1 1 5- 1 1 6 .
MANUAL Merck de medicina, p. 1 .850.
REZENDE, Jorge de. Prenhez ectópica. ln: REZEN DE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia, p . 7 1 7 .
TELES, Ney Moura. Direito penal, v . 2, p . 1 74.
235
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
Por o utro lado, até quando é possível o raciocínio correspondente ao delito
de aborto?
Se a vi da, para fin s de p roteção pelo tip o p enal que p revê o delito de aborto,
tem in ício a partir da nidação, o termo ad quem para essa específica proteção se
encerra com o início do parto.
P ortanto, o in ício do p arto faz com que seja encerrada a possibilidade de
realização do aborto, passando a morte d o nascente a ser considerada hom icídio
ou infa n ticídio, dependendo do caso concreto.
O parto, como já dissemos, tem i n ício com : a) dilatação do colo do útero,
b) com o rompimento da m e mbrana amniótica ou, e) tratando-se de parto
cesariana, com a i n cisão das camadas abdominais.
M e rece destaque, por opo rtuno, que a Lei nfr 1 1 . 1 0 5, de 24 de março de 2 0 05,
revogan d o expressamente a Lei n fr 8 . 9 7 4, de 5 de j aneiro de 1 9 9 5 , estabeleceu
normas d e segurança e m e canismos d e fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente m o di ficados ( OGM) e seus derivados, punindo, com
pena d e detenção d e 1 (um) a 3 (três) anos, e m ulta, a utilização de embrião
em desacordo com o dispo sto no seu a rt. 5ll, bem como a p rática de engenharia
genética em célula germinal h u mana, zigoto humano ou embrião humano e
a l i b e ração e o descarte de o rganis mos geneticamente modificados no meio
ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela C T N B i o e p elos
órgãos e entidades de registro e fi scalização. N essas duas últimas h i póteses,
o agente será punido com p ena d e reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa, conforme se verifi ca, respectivamente, pela l eitura dos arts. 2 5 e 2 6 do
mencionado diploma l egal.
D essa forma, s e houver manipulação do ovo já fecundado antes de sua
n idação, d everá ser aplicado o mencionado diploma l egal.
Ass i m, concluindo com H ungria,
"o C ó digo, ao incriminar o ab o rto, não d istingue entre óvulo
fecundado, e m b ri ão ou feto: i nterrompida a gravidez antes
do seu termo no rmal, há crim e de aborto. Qualquer que seja
a fase da gravidez (desde a concepção9 até o início do parto,
isto é, o rompime nto da m e m b rana amniótica), p rovocar sua
i nterrupção é cometer o crime de aborto. A ocisão do feto
(alheio à sua i m aturidade ou ao emprego dos meios abortivos),
depois d e i n iciado o processo do parto, é i n fanticídio, e não
aborto criminoso". 1º
Para nós, desde a nidação até o i n ício do parto.
H UN G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 28 1 .
236
ABORTO
CAPÍTULO 6
4. E S P É C I E S D E ABO RTO
Podem ocorrer duas espécies de aborto, a saber:
a) natural ou espontâneo;
b) p rovocado (dolosa o u culposamente) .
Ocorre o chamado aborto n a tural ou esp o n tâneo quando o próprio organismo
materno se e ncarrega d e expulsar o produto da concepção.
O d on Ramos M a ranhão salie nta que o s abortos "espontâneos são atribuídos
a causas mórbi das de várias categorias, que p rovo cam a m o rte fetal e expulsão
do produto da concepção". 1 1
J orge d e Rezende, Carlos Antônio B arbosa M o ntenegro e José Mar ia Barcellos
advertem, ainda:
"Até p ouco tempo, ao abortamento e ram i mputadas,
principalmente, causas decorrentes do ambiente, e.g. do
sistema genital feminino (meio intrauterino) . N o s últimos
anos, com o s urgimento d e té cnicas mais apuradas de
análise cro mossomial (bandeamen to), observo u-se que
parte expressiva d as mortes embrionárias é consequente
a anomalias cromossomiais (trissarnias, tri p o i d ias, 45 XO,
tetraploidias, translocações, mosaico etc.) ."1 2
P ara fins de aplicação da l e i p enal, não nos i nteressa o chamado aborto
natural o u espo ntâneo, haja vista que o próprio organismo, de acordo com um
critério natural, se e n carrega d e l evar a efeito a seleção dos óvulos fecundados
que terão chances de vingar.
Por outro lado, temos o a borto provoca do, sendo esta p rovocação subdividida
em: dolosa e culposa, também reconhecida como acidental.
As espécies d o l osas são aquelas p revistas nos arts. 1 2 4 (autoaborto ou
ab o rto p rovocado com o cons entime nto da gestante), 1 2 5 (aborto p rovocado
por terceiro sem o consentime nto da gestante) e 1 2 6 (aborto provocado por
terce i ro com o conse ntimento d a gestante) .
Não houve p revisão l egal para a m o dalidade de provo cação culposa do
ab o rto, razão pela qual, como veremos adiante, se uma gestante, com seu
comportamento culposo, vier a dar causa à expulsão do feto, o fato será
consi derado u m indiferente penal.
MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 87.
;
REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos Antônio Barbosa; BARCELLOS, José Maria. Abortamento. ln:
REZENDE, Jorge de et ai. (Coord . ) Obstetrícia, p. 691 .
·
237
ROG É RIO G RECO
VOLUME l i
5 . S U J E I TO A T I V O E S U J E I T O P A S S I V O
Para que se possa identifi car, c o m precisão, o suj eito ativo e o suj eito passivo
do aborto, faz-se mi ster uma análise i ndividualizada de cada figura típica
constante dos arts. 1 24, 1 2 5 e 1 2 6 do C ó digo Penal.
O art. 1 2 4 fez a previsão do aborto provocado pela gesta n te (a utoaborto) ou
o aborto p rovocado c o m s e u consen timen to . N o autoaborto, por ser um cr ime de
mão própria, temos some nte a gestante como sujeito ativo d o crime, sendo o
óvulo fecundado, embrião ou feto, o u seja, o produto da concepção, protegido
e m suas várias etapas de desenvolvimento.
Já no art. 1 2 5, que prevê o delito d e aborto p rovocado por terceiro, sem o
consentimento da gestante, tem-se entendido que qualquer p essoa pode ser
suj eito ativo dessa modalidade de abo rto, uma vez que o tipo penal não exige
nenhuma quali dade especial, sendo o sujeito passivo, de fo rma precípua, o
produto da concepção e, de maneira secundária, a própria gestante. C o nforme
preconiza Cezar Roberto B itencourt, "nessa espécie de aborto, h á dupla
subjetividade passiva : o feto e a gestante". 1 3
A última m o dalidade diz respeito ao aborto p rovocado p o r terceiro, com o
consentimento da gestante. Aqui també m qualquer pessoa poderá ser sujeito
ativo do crime. Quanto ao sujeito p assivo, entendemos que somente o fruto da
concepção (óvulo fecundado, embrião ou feto) é que poderá gozar desse status,
pois q ue, se a gestante permitir que com ela sejam p raticadas as manobras
abo rtivas, as lesões de natureza leve po rventura s o fridas não a conduzirão a
tam b é m assumir o status de suj eito passivo, dado o seu consentimento. C ontudo,
sendo graves as lesões ou ocorrendo a m o rte da gestante, esta também figurará
como sujeito passivo, mesmo que secundariamente, haj a vista a inval idade de
seu consentimento, em decorrência da gravidade dos resultados.
6 . B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I D O E O BJ ETO M A T E R I A L
O delito d e aborto encontra-se n o Capítulo 1 d o Título 1 d o Có digo P enal,
correspo n dente aos crimes contra a vida, razão pela qual, de acordo com a
sua própria situação topográfi ca, o b e m j uridicamente protegido, de fo rma
precípua, por meio dos três tipos penais incriminadores, é a vida h u m a n a em
desenvolvimento.
Luiz Regis Prado alerta que, de modo geral,
"no aborto p rovocado por terceiro (com o u sem o
cons entimento da gestante) tutelam-se também - ao lado da
vida humana depen dente (do embrião ou do feto) - a vida e
a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. Todavia,
apenas é possível vislum b rar a liberdade ou a i ntegridade
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, p. 1 59.
238
ABORTO
CAPÍTULO 6
pessoal como b e n s j urídicos secundariamente p rotegidos
e m s e tratando d e aborto não consentido (art. 1 2 5, C P) ou
qualificado pelo resultado (art. 1 2 7, C P ) " .14
O obj eto material do delito d e abo rto p o de ser o óvulo fecundado, o emb rião
ou o feto, razão pela qual o aborto p o derá ser considerado ovular (se cometido
até os dois primeiros meses da gravidez), embrion á rio (praticado no terceiro ou
quarto mê s d e gravid ez) e, por últi m o, fetal (quando o produto da concepção j á
atingiu o s cinco meses d e vida i ntrauterina e daí em diante) .
7.
E L E M E NT O S U B J E TI V O
Os crimes de autoabo rto, aborto p rovocado p o r terceiro s em o consentimento
da gestante e aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante
somente podem ser praticados a títul o de dolo, seja ele direto ou eventual,
isto é, ou o agente d i rige fi nalisticam e nte sua conduta no sentido de causar a
m o rte do óvulo, embrião o u feto, ou, embora não realizando u m comportamento
diretamente a este fim, atua não se i m p o rtando com a ocorrência do resultado.
Assim, por exemplo, n o caso daquele que agride uma mulher sabidam ente
grávi da, p rovocando o ab o rto e a consequente m orte do feto, tem-se que verificar
o seu elemento subj etivo, a fim d e que se possa i mputar-lhe corretamente o
resultado por ele produzido. N o caso e m estudo, agia-se com dolo de causar lesão
na gestante, p o r exemplo, agredindo-a n o rosto, se esta vie r a abortar em virtude
do comportamento l evado a e feito pelo agente, este terá de ser responsabilizado
pelo delito de lesão corporal qualificada pelo resultado aborto (art. 1 2 9, § 2l1, V,
do CP), p o is, sabendo da gravid ez, era-lhe p revisível que, agredindo uma mulher
naquele estado, ela poderia abortar. Sua conduta, p o rtanto, era dirigida a tão
some nte causar lesão na gestante, sendo-lhe p revisível o resultado ab orto, que
efetivam e nte ocorreu e que terá o condão de qualificar o seu comportamento
inicial. D eve ser ressaltado, p o r oportuno, que há dolo quanto às lesões corporais,
e culpa n o que diz respeito ao resultado agravador (aborto), caracterizando-se
u m delito n itidamente preterdoloso.
Pode acontecer, contudo, que a conduta do agente seja dirigida,
especificamente, a produzir o aborto n a gestante, sem o consentimento desta,
razão pela qual responderá pelo delito de aborto, tipificado no art. 1 2 5 do
Código Pe nal, agindo, outrossim, com dolo direto.
Também p oderá o agente atuar com dolo even tual, uma vez que, ao agredir
uma mulher sabidamente grávida, não se importou que esta viesse a abortar,
o que realmente aconteceu. N essa h i pótese, deverá responder p elas lesões
corp o rais produzidas na gestante e m concurso formal i mpróprio com o delito
de aborto, pois agia com desígnios autônomos, aplicando-se-lhe, no caso em
exame, a regra d o cúmulo m aterial d e p e nas.
P PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 94.
239
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
N ã o houve p revisão da modalidade culposa para o delito de aborto. Assim,
se a gestante, que conhecia a sua gravid ez, resolve p raticar um esporte radical,
por exemplo, descendo um rio turbulento dentro de um caiaque, se em virtude
da sua conduta imprud ente vier a abo rtar, não p oderá ser responsabilizada
criminalmente, haj a vista som ente ter havido p revisão para as m odalidades
dolosas d e aborto. Da mesma fo rma, s e o agente que se encontrava em uma
fi la d e banco, ao ser chamado pelo painel eletrônico, dirige-se abruptamente ao
caixa, esbarrando na barriga da gestante que se encontrava imediatamente atrás
dele e, que, e m razão do impacto recebido, vem a abortar, somente responderá
pelas lesões corporais culposas produzidas com a expulsão do feto.
8.
C O N S U M AÇ Ã O E T E N TA T I V A
Crime material, o delito d e abo rto se consuma c o m a efetiva m orte do pro duto
da conce pção. Não há necessidade d e que o óvulo fecundado, embrião ou o feto
seja expulso, podendo, inclusive, ocorrer sua petrificação no útero materno.
N a brilhante explicação d e N o ro nh a,
consuma-se o crime com a morte do feto, resultante da
interrupção da gravidez. Pode ocorrer dentro do útero
materno como s e r subsequente à expulsão prematura.
Carece de razão Logoz quando escreve que 'o delito está
consumado pela expulsão do foetus'. N ã o é esse o momento
consumativo. Pode haver expulsão sem existir aborto, quando,
no p a rto acelerado, o feto continua a viver, embora com vida
precária ou d efi ciente; pode ser expulso, já tendo, entretanto,
sido morto no ventre m aterno; pode ser m o rto aí, e não se
dar a expulsão, e pode ser m orto j untamente com a mãe, s em
ser expulso. Em todas e ssa s hipóteses, é a morte d o feto que
caracteriza o m o mento cons umativo".15
Fundamental é a prova de que o feto estava vivo no momento da ação ou da
omissão do agente, d i rigida no sentido de causar-lhe a morte, pois, caso contrário,
já estando morto o feto no momento da p rática da conduta pelo agente, o caso
será o d e crime impossível, e m virtud e d a absoluta impro priedade do obj eto.
Não exige a doutrina, para fins d e caracterização do aborto, que o feto seja
viável, o u seja, que possua capacidade de desenvolvimento que o conduza à
maturação. H ungria posiciona-se nesse senti do, afirmand o :
"Para a existência do aborto, n ã o é necessária a prova da
vitalidade do feto. Co n forme adverte H afte r, pouco i m p o rta
se o feto era ou não vital, desde que o objeto da proteção
penal é, aqui, antes de tudo, a vida do feto, a vida humana em
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, p. 52.
240
ABORTO
CAPÍTULO 6
germe [ ... ] . Averiguado o estado fisiológico da gestação em
curso, i st o é , provado que o feto estava vivo, e não er a u m
pro d uto pato lógico (como no caso de gravi dez extrauterina),
não h á i ndagar d a sua vitalidade b iol ógica ou capacidade de
atingir a maturação. D o mesmo mo do, é indiferente o grau de
maturidade do feto : em qualquer fase da v ida intrauterina, a
eliminação d esta é aborto. " 1 6
N a qualidade de crim e material, p o d endo-se fracionar o iter crimin is, é
p erfeitamente admissível a tentativa de aborto. Se o agente j á tiver dado início
aos atos de execução e, p o r circunstâncias alheias à sua vontade, a exemplo
de ter sido s u rpreendido por policiais dentro da sala cirúrgica, não conseguir
consumar a in fração penal, d everá ser responsabilizado pelo aborto tentado,
como també m na h i p ótese daquele que, executando todas as manobras
necessárias à expulsão do feto, este, mesmo tendo sido efetivamente expulso,
consegue sob reviver.
Deverá, no caso concreto, ser apontado o início da execução, distinguindo-o
dos atos meramente preparatórios, que são i mp uníveis de acordo com a regra
prevista no inciso II do art. 14 do C ódigo Penal. I magine-se a situação em que
a gestante é surpreendida na sala de espera de uma clínica que, sabidamente,
apenas tinha p o r finalidade p raticar abortos. Aquele local já estava sendo obj eto
de i nvestigação há algum tempo, sendo que os pol iciais concluíram que ali não
se fazia outra coisa a não ser realizar abo rtos. P e rgunta-se: A gestante que fora
surpreendida na sala de espera p o deria responder pela tentativa de aborto? A
pergunta requer uma resposta mais elaborada, pois diversas teorias procuram
levar a efeito a distinção e ntre u m ato p reparatório impun ível de um ato de
execução punível. Para nós, o fato seria atípico, pois estar aguardando para ser
atendid a, mesmo que para realização d e um aborto, não s e configura início de
execução, mas ato d e mera preparação.
9.
M O D A L I D A D E S C O M I S S I VA E O M I S S I V A
A s normas existe ntes n o s tipos p e nais d o s a rts. 1 2 4, 1 2 5 e 1 2 6 são de natureza
proibitiva, isto é, proíbe-se o comportamento p revisto naquelas figuras típicas,
que é o d e provocar aborto. As condutas p revistas expressamente são, p o rtanto,
comissivas.
E ntretanto, seria possível a p rática d o crime de aborto por omissão? S i m,
desde que o agente goze o sta tus de garantidor. I magine-se a h ipótese em que a
gestante perceba um sangramento vaginal. Almej ando o abo rto, não s e d irige ao
po sto d e saúde próximo à sua casa, a fim d e verificar o p o rquê do sangramento,
que acaba culminando com a expulsão do feto, o que teria sido evitado se a
S H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 293.
241
VOLUME 1 1
ROGÉRIO G RECO
gestante tivesse sido orientada e m edicada corretamente. E mbora não tenha
praticado qualquer manobra abortiva, d everá a gestante responder pelo crime
de aborto, dada sua particular condição d e gara n te.
Suponhamos, agora, que um m édico, percebendo que uma gestante sofria
i ntensas dores, demore a p restar-lhe o socorro, sendo, p o rtanto, negligente no
atendimento, e, em virtude dessa demora, a gestante venha a abortar. Pergunta-se:
O médico goza o status de garantidor? Nas condições em que s e encontrava, isto
é, dentro de um h osp ital, tendo a o brigação de atender os pacientes que foram
ao seu encontro, sim. Sendo garantidor, deverá responder pelo ab orto doloso?
Acreditamos que não, p o i s, no exem p l o fornecido, o médico não desejava que a
gestante abortasse. Con tudo, foi n eglige nte no atendimento, agindo com culpa.
Como não existe a modalidade culposa d e aborto, deverá o m é dico responder
pelas lesões corporais d e natureza culposa s ofridas pela gestante decorrentes
da expulsão do feto.
1 O.
C A U S A S D E A U M E N TO D E P E N A
P o r uma imp ropriedade técnica, a rubrica constante d o art. 1 2 7 d o C ó digo
Penal anuncia: forma qu alificada. N a verdade, p ercebe-se que no m e ncionado
artigo não existem qualifi cadoras, m as, si m, causas especiais de aumento de
pena, ou maj orantes, conforme se verifica na sua redação, que diz:
Art. 1 2 7 . As p enas cominadas nos dois artigos anteriores
são aumentadas de um terço, se, em consequência do
aborto ou dos m eios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, p o r qualquer dessas causas l h e s ob revém
a m o rte.
D essa forma, somente no terceiro m o mento do critério trifásico de aplicação
da pena é que o j ulgador, verifi cadas as lesões corporais graves ou a morte da
gestante, fará incidir o aume nto d e u m terço, ou m esmo duplicar a p ena até
então encontrada.
Ainda merece destaque, na redação contida no art. 1 2 7 do C ód igo Penal, o fato
de que s omente terá aplicação a maj orante nas h ipóteses de aborto p rovocado
por terceiro, com ou sem o consentime nto da gestante. C o m o a autolesão não
é punível, à gestante que, realizando o autoaborto, vier a causar em s i mesma
lesão corporal d e natureza grave, não se aplicará a causa de aumento de pena.
O s resultados apontados n o art. 1 2 7 do Código Penal lesão corpora l grave
e m orte somente podem ter sido produzidos culposamente tratando-se, na
espécie, de crime p reterdoloso, ou seja, o dolo do agente era o de p roduzir
tão somente o aborto e, além da m orte do feto, produz lesão corporal grave
-
-
242
ABORTO
CAPÍTULO 6
na gestante ou lhe causa a m o rte. Assim, as lesões corporais graves e a m orte
som ente podem s e r imputadas ao agente a títul o de culpa. Se ele queria, com o
seu comportamento inicial, d i rigido à realização do aborto, produzir na gestante
lesão corporal grave ou mesmo a sua mo rte, responderá pelos dois delitos
(abo rto + lesão corporal grave ou aborto + h omicídio) em concurso fo rmal
impróprio, posto que atua com desígnios autônomos, aplicando-se a regra do
cúmulo material de penas.
Frederico M arques ressalta :
"Só se opera a majoração da pena se o evento qualificador
tiver ocorrido por culpa do agente. D esde que o resultado,
que agrava a p ena, se originar de caso fortu ito, não s e tem
crime qualificado pelo resultado; e se o evento foi querido,
haverá concurso de crimes: aborto e h omicídio, o u aborto em
concurso com lesão corporal grave.
Como no abo rto está sempre inserta a prática de lesão da
pessoa da gestante [ . . . ] , será lesão corp oral grave, qualificadora,
a que apres ente caráter de excepcionalidade, ou a que não
represe nte uma consequência normal do processo abortivo
ou dos meios empregados, como os distúrbios próprios
do puerpério, a p erfuração do saco amniótico etc. N o utras
palavras
deverá tratar-se de lesão que represen te um quid
extraordinário, decorre n te dos meios abortivos usados ou do
próprio fa to do aborto." 1 7
-
11.
P R OVA D A V I DA
O aborto é um crime que deixa vestígios. Nesse caso, nos termos do art. 1 5 8 do
Código d e Processo Penal, qu a n do a infração deixar vestíg ios, será in dispensável
o exam e de corpo de delito, direto ou indireto, não p odendo supri-lo a confissão
do a cusado.
Contudo, também de acordo com o art. 1 67 do diploma processual penal, não
sendo p ossível o exam e de corpo de delito, por h a verem desaparecido os vestíg ios,
a prova teste munh a l poderá suprir- lhe a falta.
1 2.
M E I O S DE R E A L I ZA Ç Ã O D O A B O R T O
O aborto p o d e ser realizado c o m a utilização de diversos meios. M i rabete o s
sintetiza, dizend o :
"Os processos utilizados p o dem ser químicos, orgânicos, fís icos
o u psíquicos. São sub stâncias que p rovocam a intoxicação
d o organismo da gestante e o consequente aborto : o fós foro,
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 2 1 0-21 1 .
243
ROG É RIO G RECO
VOLUME l i
o chumbo, o m e rcúrio, o arsênico (quím icos), e a quinina, a
estricnina, o ópio, a beladona etc. (orgân icos) . Os meios físicos
são os m ecân icos (traumatismo do ovo com punção, dilatação
do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos
(bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque
elétrico por máquina estática) . Os meios psíq u icos ou morais
são os que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestão,
susto, terror, choque m o ral etc) ."18
Assim, tanto pode produzir a morte do feto, p o r exemplo, aquele que i ntroduz
instrumento co rtante no útero da gestante, como aquele que, conhecedor de que
a gestante sofre da chamada "síndrome do pânico", cria-lhe s ituação de terror
insuportável.
1 3.
J U LG A M E N TO P E L O J Ú R I , S E M A P R E S E N Ç A DA R É
O crime de aborto, nas suas três m o dalidades - autoaborto, aborto p rovocado
por terceiro, sem o consentimento da gestante e aborto p rovocado por terceiro,
com o consentimento da gestante -, d eve ser submetido a j ulgamento pelo
Tribunal do J ú ri, uma vez que a vida é o bem j u rídico por ele p rotegido.
O art. 457 e p arágrafos do Código d e Processo Penal, com a nova redação
que lhes foi conferida pela Lei nll 1 1 .689, de 9 de j unho de 2 0 08, cuidou do
comparecimento do( a) acusado( a) à sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri,
dizendo :
Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado p elo não
comparecime nto do acusado solto, do assistente ou do
advogado do querelante, que tiver sido regularm ente
i ntimado.
§ 1 ll Os pedidos d e adiamento e as j ustificações de não
comparecimento d everão ser, salvo comprovado motivo
de fo rça maior, p reviamente submetidos à apreciação
do j uiz presid ente do Tribunal d o Júri.
§ 2ll S e o acusado preso não for conduzido, o j ulgamento
será adiado para o primeiro dia desimpedido da
mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subs crito por ele e seu defensor.
M I RABETE, Júlio Fabbrin i . Manual de direito penal, p. 95.
244
ABORTO
CAPÍTULO 6
1 4. PENA, AÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CON DICIONAL DO PROCESSO
Ao crime de autoaborto, ou mesmo na h ipótese de a gestante cons entir
que nela seja realizado o aborto (art. 1 2 4 do CP), foi cominada uma pena de
detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Nos casos de aborto p rovocado por terceiro,
para aqueles que o realizam sem o consen time n to da gesta n te a pena será de
reclusão, de 3 (três) a 1 0 (dez) a n o s; se o d elito é cometido c om o consen timento
da gestan te, a pena será de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Tanto no delito de autoaborto (ou mesmo quando a gestante consente
que nela sej a realizado o aborto por terceiro) como no de aborto p rovocado
por terceiro, com o consentimento da gestante, em virtude da pena mínima
cominada a essas duas infrações penais, tip i ficadas nos arts. 1 2 4 e 1 2 6 do
diploma repressivo, será permitida a p roposta de suspensão condicional do
processo, presentes seus requisitos l egais. Entretanto, no delito de aborto
provocado por terceiro, com o consentimento da gestante, tal p rop osta restará
inviab ilizada se houver a produção d e lesões corporais de natureza grave ou a
morte da gestante, pois serão aplicadas as maj orantes previstas no art. 1 2 7 do
Código Penal, ultrapassando, assim, o l imite de 1 (um) ano p revisto para a pena
mínima cominada à infração penal, determinado pelo art. 89 da Lei n" 9 . 0 9 9 / 9 5 .
A a ç ã o penal, em todas as modalidades de abo rto, é de iniciativa pública
incondic ionada.
1 5 . A B O RTO L E G A L
O art. 1 2 8 d o Có d igo Penal prevê duas modalidades d e aborto legal, o u seja, o
aborto que pode ser realizado em virtude de autorização da l e i p enal: a) aborto
terapêutico (cu rativo) ou profi láti co (preventivo) ; e b) aborto sentimental,
humanitário ou ético.
A pri meira indagação que devemos nos fazer é a seguinte : Qual a natureza
j u rídica d essas duas modalidades d e a utorização legal para fins de realização
do abo rto?
Essa indagação requer uma resposta mais detalhada.
Ab in itio, diz a lei penal o seguinte:
Art. 1 2 8 . Não se pune o aborto praticado por médico:
Abo rto necessário
1
-
se não h á o utro meio de salvar a vida da gestante;
Abo rto no caso de gravidez res u l ta nte de estupro
li
se a gravidez resulta de estupro e o aborto é
precedido de consentimento da gestante ou, quando
i ncapaz, de se u representante legal.
-
245
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
N o caso d e aborto necessário, também conhecido p o r aborto terapêutico
ou profi lático, não temos d úvida e m afirmar que se trata de uma causa de
j ustificação correspondente ao estado de necessidade.
Fragoso, analisando o inciso e m questão, diz: "A primeira hipótese é a do
chamado aborto n ecessário o u terapêutico, que, segundo a opinião dominante,
co nstitui caso especial d e estado d e necessidade." 1 9
Frederico Marques, no mesmo sentido, afirma: "Ao aborto terapêutico, dá o
Código Penal, na epígrafe d o art. 1 2 8, n-ª 1, o nomen juris de aborto necessário,
talvez p ara ressaltar a ratio essendi da i mpunidade, que outra não é que o estado
de necessidade."2º
De maneira ainda mais enfáti ca, Paulo José da C osta Júnior aduz: "Des picienda
a referência à presente causa de exclusão da antij uridicidade, di ante d o p receito
ge nérico do art. 24 (estado de necessidade)". 21
N ã o h á como deixar d e lado o raciocínio relativo ao estado de necessidade
no chamado aborto necessário. Isso p o rque, segundo se dessume da redação do
inciso 1 do art. 1 2 8 do Código Penal, entre a vida da gestante e a vida do feto, a
lei optou por aquela. No caso, ambos os bens (vi da da gestante e vida do feto)
são j uridicamente p rotegidos. Um deve perecer para que o outro subsista. A lei
penal, p ortanto, escolheu a vida da gestante ao invés da vida do feto. Quando
estamos d iante do confronto de bens p rotegidos pela lei penal, estamos também,
como regra, diante da situação de estado de necessidade, desde que p resentes
to dos os seus requisitos, elencados no art. 24 do C ódigo Penal.
A discussão, na verdade, diz respeito à natureza j u rídica da segunda
modalidade de aborto l egal, vale d izer, o chamado aborto sen tim en ta l ou
humanitário, qu a n d o a gravidez é resultante de estupro.
Afirma Aníbal B ru n o :
" Em verdade, a questão aí está muito aquém do caso em q ue
se trata de preservar a vida da mulher. Dificilmente se poderia
reduzir a hipótese a um estado de necessidade. Mas razões
de ordem ética ou emocional que o legislador considerou
extremamente ponderáveis têm introduzido essa descriminante
em algumas l egislações, atitude incentivada por episódios
graves que realmente reclamavam medidas de exceção." 22
E continua o grande penalista:
"N o curso das duas grandes guerras, os inúmeros atos de violência
sexual praticados por soldados inimigos nos países invadidos,
com a consequência de numerosas concepções ilegítimas,
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60, CP), p. 1 24 .
�' ' MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . 2, p. 2 1 3 .
COSTA J Ú NIOR, Paulo José d a . Curso de direito penal, v . 2, p. 23.
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 73 .
246
ABORTO
CAPÍTULO 6
deram ao problema uma d imensão particular, fazendo-o sair
do domínio do interesse privado para o do interesse público,
político, suscitando, sobretudo depois da primeira guerra,
ardorosos debates. Foi então legitimada a intervenção abortiva
nos casos de concepção resultante de violência."23
A maioria d e nossos doutri nadores e ntende que, na hipótese de gravi dez
resultante de estupro, o aborto realizado pela gestante não será considerado
antij urídico.
Frederico Marques diz que, "nos termos em que o situou o Código Penal, no art.
1 2 8, nll I I, trata-se de fato típico penalmente lícito. Afasta a lei a antijuridicidade
da ação de provocar a borto, por entender que a gravidez, no caso, p roduz dano
altamente afrontoso para a pessoa da mulher, o que significa que é o estado de
necessidade a ratio essendi da impunidade do fato típico". 2 4 Essa é também a
posição de Fragoso.25 H ungria, cuidando do aborto sentimental, assevera que "nada
j ustifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que
dê vida a u m ser que lhe recordará perpetuamente o ho rrível episódio da violência
sofrida. Segundo Binding, seria profundamente iníqua a terrível exigência do
direito de que a mulher suporte o fruto d e sua involuntária desonra". 26
E m bora seja esse o pensamento d e Hu n gria, em seu texto não fica evidenciada
sua posição quanto à natureza j u rídica d o inciso II do art. 1 2 8 do Código Penal, ao
contrári o da sua conclusão quanto à natureza j urídica do inciso 1 do mencionado
artigo, que cuida do chamado aborto terapêutico ou profilático. Ali, diz um dos
maiores penalistas que o Brasil j á conheceu, "trata-se de um caso especialmente
destacado de estado de n ecessidade" . 2 7
Para que pudéssemos concordar com a maioria de nossos autores, seria
preciso amoldar, com precisão, a hip ótese previ sta no inciso II do art. 1 2 8 do
Código Penal a uma das causas legais d e exclusão da ilicitude elencadas no
art. 2 3 do Código Penal, vale dizer: estado de necessidade, legítima defesa,
estrito cumpri me nto de dever l egal e exercício regular de direito.
Já tivemos oportunidade d e salientar, quando do estudo da Parte Geral do
Código Pen al, que, para que s e possa falar em estado de necessidade, é preciso
que haj a um confronto de bens igualmente protegidos pelo orde namento j u rídico.
Duas são as teorias que disputam o tratamento do estado de necessidade:
teoria unitária e teoria diferenciadora. Para a teoria un itária, adotada pelo
nosso Código Pe nal, todo estado de necessidade é j ustificante, isto é, afasta a
i licitude da conduta típica l evada a e fe ito pelo agente. A teoria diferenciadora,
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 73 .
MARQUES, José Frederico. Tratado d e direito penal, v . 2 , p. 2 1 8 .
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 21 a 1 60, CP), p . 1 24.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 304.
H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 304.
247
RoG ÉRJo G RECO
VOLUME l i
a seu turno, traça uma distinção e ntre o estado d e necessidade j ustificante (que
exclui a ilicitude do fato) e o estado de necessidade exculpante (que afeta a
culpabilidade) . Para essa teori a, se o b e m que se quer preservar for de val or
s u pe r ior à qu e le co ntra o q u a l se d i rige a conduta do agente, estaremos diante
d e u m estado d e necessidade j ustificante; se o bem que se quer preservar for
de valor inferior ao agredido, o estado de necessidade será exculpante; se os
bens fo rem d e valor idêntico existe controvérsia doutrinária e j urisprudencial,
sendo que uma corrente o pta pelo estado de necessidade justificante e outra,
pelo exculpante.
E n fim, no inciso II do art. 1 2 8 do C ó d igo Penal h á dois bens em confronto :
de um lado, a vida do feto, tutelada pelo nosso ordenamento j u rídico desde a
concepção; do o utro, como s ugere Frederico M arques, a honra da mulher víti ma
de estupro, ou a dor p e l a recordação dos mom entos terríveis pelos q uais passou
nas mãos do estuprador. Adotando-se a teoria unitária ou a diferenciadora, a
solução para este caso seri a a mes ma. Pela redação do art. 2 4 do C ódigo Penal,
somente s e pode alegar o estado d e necessidade quando o sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se. O ra, h á uma vida em crescimento
no útero materno, uma vida concebida por D eus. Não entendemos razo ável no
confronto entre a vida do ser humano e a h onra da gestante estuprada optar
por esse último bem, razão pela qual, mesmo adotando-se a teoria unitária, não
pode ríamos falar e m estado d e necessi dade. Com relação à teoria diferenciadora,
o tema fica mais evidente. Se o b e m vida é de valor superior ao b e m honra,
para ela o problema se resolve não em sede de ilicitude, mas, sim, no terreno
da culpabilidade, afastando-se a rep rovab ilidade da conduta da gestante que
pratica o aborto.
Da mesma forma não conseguimos visualizar a aplicação das demais causas
excludentes da ilicitude ao i n ciso II do art. 1 2 8 do C ódigo Penal. Não se trata de
l egítima defesa, pois o feto não está agredindo inj ustamente a gestante; não é o
caso de estrito cumprimento de d ever l egal, haj a vista a inexistência do dever
l egal d e matar, a não ser nos casos excepcionais, p revistos no art. 8 4, XIX, da
C o nstituição Federal, cuja si nistra função caberá àquele que exercer o papel de
carrasco; e muito menos s e pode argumentar com o exercício regular de direito,
uma vez que o ordenamento j u rídico quer, na verdade, é a pres ervação da vida,
e não a sua d estru i ção.
E ntendemos, com a devida ven ia das posições em contrário, que, n o inciso II do
art. 1 2 8 do Cód igo Penal, o legislador cuidou de uma hi pótese de i n exigibilidade
de conduta diversa, não s e podendo exigir da gestante que sofreu a violência
s exual a manutenção da sua gravid ez, razão pela qual, optando-se pelo aborto, o
fato será típico e i l ícito, mas deixará de ser culpável.28
G R EGO. Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 460-461 .
248
ABORTO
CAPÍTULO 6
Outros aspectos merecem ainda ser analisados no que diz respeito às
hipóteses de aborto l egal, a saber:
a) possibilidade d e analogia in banam pa rtem quando o aborto não for
realizado p o r médico;
b) representante l egal da i ncapaz que cons ente na realização d o abo rto,
contrariamente à vo ntade da gestante.
A) O cap ut do art. 1 2 8 do C ódigo Penal determina que não é punível o aborto
p raticado por m édico nas h ipóteses dos seus incisos 1 e I I . No primeiro caso,
se a gestante correr risco de morrer com a manutenção da gravidez, poderia
outra pessoa, que não gozasse da qualidade de médico, a exemplo do que
ocorre com as parteiras, nela realizar o aborto com o fim de salvar-lhe a
vida? Entendemos que a resposta, l evando em consideração a natureza
j urídica do inciso 1 do art. 1 2 8 do C ódigo Penal, s ó pode ser positiva.
E staria o agente, que atua no l ugar do médico, agindo em estado de
n e cessidade d e terceiro.
Contudo, q uestão mais tormentosa se enco ntra no inciso II do mencionado
artigo. Isso porque sua natureza é d iversa daquela consignada no inciso
1 do art. 1 2 8 do diploma repress ivo, cuidando-se de uma causa legal de
exclusão da culpabilidade pela i n exigibilidade de conduta diversa.
Frederico Marques posiciona-se radicalmente co ntra a possibilidade de
realização do aborto por outra p essoa que não o médico :
"Aceita q u e fo i, porém, a i mp unidade dessa forma de abo rto,
deve-se aplicar a l e i, no q u e diz respeito às exigências nela
contidas, com o mais absoluto rigor, s ó admitindo a l icitude da
ação, quando preenchidos, irrestritamente, os pressupostos
exarados na norma permissiva.
Em primeiro lugar, nem a gestante, e muito menos partei ras
ou pessoas sem habil itação profiss ional, podem p rovocar o
abo rto para interromper gestação oriunda de estupro. E m
segundo l ugar, indeclinável é o consentimento da gestante
ou d e seu representante l egal, como antecedente ou p rius
da op e ração abo rtiva. Por fim, indispensável é que o médico
tenha elementos seguros so b re a existência do estupro.
Faltando um desses requisitos, que seja, o aborto será criminoso." 29
Luiz Regis Prado, por seu turno, fun dam enta a i mpossibilidade do recurso
da analogia in banam partem, assim se manifestando :
"A regra do art. 1 2 8, I I , do C ó d igo Penal é norma penal não
incriminadora excepcional o u singular em relação à norma
não i n criminadora geral (art. 2 3 , CP). D e conseguinte, como
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . IV, p . 2 1 9 .
249
RoG ÉRJo GREco
VOLUME 1 1
se trata de jus sing ulare, e m princípio, não é d e ser aplicado o
p rocedimento analógico, ainda que in banam partem."3º
Apesar da fo rça dos argum entos exp en didos, não entendemos ser essa
a melhor conclusão. I n icialmente, somente devemos afastar o recurso
da chamada analogia in banam partem quando tivermos a convicção de
que foi intenção da lei deixar d e lado determinada h i p ótese. D o contrário,
quando houver necessidade d e preservar o tratamento isonômi co, o
recurso a ela se fa rá necessário.
I magine-se a seguinte hipótese: uma mulher que reside em uma aldeia de
difícil acesso, no interior da flo resta amazônica, por exemplo, é vítima de
u m delito de estupro. Não tendo condições de sair de sua aldeia, tampouco
existindo p ossibilidade de receber, em sua residência, a visita de um médico,
solicita à parteira da região que realize o aborto, depois de narrar-lhe os fatos
que a motivaram ao ato extremo. Pergunta-se: Não estaria também a parteira
acobertada pelo inciso II do art. 1 2 8 do Código Penal, ou, em decorrência do
fato de não haver médicos disponíveis na região, a gestante, por esse motivo,
deveria levar sua gravidez a termo, contrariamente à sua vontade?
Entendemos, aqui, p e rfe itamente admissível a analogia in banam partem,
i s entando a parte i ra de qualquer responsabilidade p enal.
B) Para que seja realizado o aborto há necessidade i m p eriosa de que a
gestante consinta a sua realização.
Pode ocorrer, e não raro acontece, que a gestante, mesmo tendo sido
viole ntada, l eve a termo a sua gravidez e dê à luz ao seu filho. N o rmalmente,
após o nascimento da criança, a mãe apaga da sua mente a violência p o r
e l a sofrida, p o i s o a m o r p e l o filho sobreleva todas as coisas.
Entretanto, também não é incomum que a gestante, por outro lado, queira
se submeter ao aborto, nos casos de gravidez que tenha sido fruto de
violência sexual. P a ra tanto, deverá emitir seu consentimento de maneira
i nequívoca, sem o qual se torna impo ssível a realização do aborto.
O que fazer, então, d iante da divergência de opiniões entre a gestante
incapaz e seu representante legal. Suponha-se que o representante legal
da gestante, que co ntava com apenas 14 anos de idade, queira que ela se
submeta ao abo rto, ao passo que ela próp ria, mesmo tendo sido violentada,
deseje dar a luz ao seu filho?
E ntendemos que, havendo d ivergência de posições, deve p revalecer o
raciocínio pela vida do feto, não i m p ortando a incapacidade da gestante.
O suprimento d e seu co nsenti mento pelo de seu representante l egal só
deve ser entendido no sentido de corroborar a sua decisão na eliminação
do produto da concepção. Caso contrário, s e deseja levar a gravi dez a
termo, sua vontade d everá ser atendida.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 1 08.
250
ABORTO
CAPÍTU LO 6
Em 1 o. de agosto de 2 0 1 3, foi edi tada a Lei nª 1 2 .845, que dispôs s ob re o
atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual,
considerando como tal aquelas, para e feitos da mencionada lei, que tenham sido
víti mas de atividade sexual não consentida, como é o caso do delito de estupro,
que tenha resultado em gravidez.3 1
Antecedendo o referido diploma l egal, em 1 3 de março de 2 0 1 3 , foi publicado
o D e creto nª 7 . 9 5 8, que estabeleceu d i retrizes para o atendimento humanizado
às vitimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede
de atendimento do Sistema Ú nico de Saúde.
1 6.
D E STAQ U E S
1 6 . 1 . G esta n te q u e p e r d e o f i l h o e m a c i d e n te de t râ n s i to
Pode acontecer que a própria gestante, estando na direção de seu veículo
automotor, ven ha, por exemplo, culposamente, a colidir com um poste, causando,
em virtude do impacto so frido, o aborto.
N esse caso, não deverá ser resp onsabilizada criminalmente, haj a vista a
in existência de p revisão l egal para a m o dalidade culposa de aborto.
D e outro lado, pode ser que a gestante tenha sido vítima de acidente de
trânsito, tendo sido seu veículo atingido por terceiro que, agindo de forma
imprude nte, dirigindo em velocidade excessiva, com ela colidiu, causando-lhe,
também, em virtude do im pacto, o aborto.
LEI Nº 1 2.845, DE 1 ° DE AGOSTO DE 2013
A PRESI DENTA DA REPÚ BLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei :
Art. 1 ° O s hospitais devem oferecer à s vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e
multidiscipli nar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência
sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Art. 2° Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.
Art. 3° O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os
seguintes serviços:
1 - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas;
l i - amparo médico, psicológico e social imediatos;
1 1 1 - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas
com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;
IV - profilaxia da gravidez;
V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;
VI - coleta de material para realização do exame de H I V para posterior acompanhamento e terapia;
VI 1 - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
§ 1° Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitarem.
§ 2" No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal.
§ 3° Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do agressor.
Art. 4° Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publ icação oficial.
Brasília, 1° de agosto de 20 1 3 ; 1 92º da Independência e 1 25° da República.
D I LMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Alexandre Rocha Santos Padilha
Eleonora Menicucci de Oliveira
Maria do Rosário Nunes
251
ROG ÉRIO G RECO
VOLUME l i
Aqui, ao co ntrário do raciocínio anterior, o agente causador do aborto,
embora não possa ser responsabilizado p enalmente por esse resultado, poderá
responder pelas lesões corporais de natureza culposa pro duzidas na gestante
em virtude da expulsão p re matura do p roduto da concepção.
Como o acidente ocorreu na direção de veícul o autom otor, sua cond uta, em
tese, se amoldará ao art. 3 0 3 da Lei nll 9 . 5 0 3 / 9 7 (Código de Trânsito brasileiro),
que diz:
Art. 3 0 3 . P raticar lesão corporal culposa na direção de
veículo automotor:
Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e
suspensão o u proib ição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor.
1 6 . 2 . M o rte de fetos g ê m e os
Suponha-se que o agente coloque substância química abortiva na refeição da
gestante, almej ando a i nterrupção da gravidez que, de antemão, era sabi damente
gemelar.
O agente, portanto, além de conhecer o estado gravídico da gestante, sabia
que a gestação e ra de fetos gêmeos.
Ocorrendo a morte dos produtos da concepção, quais seriam os crimes por
ele praticados?
N o caso em exame, aplica-se a regra do concurso fo rmal impróprio de crimes,
contida na segunda parte do art. 70, capu t, do C ó digo Penal, haja vista que com
a sua conduta única o agente produziu dois resultados que faziam parte do seu
dolo, agindo, po rtanto, com desígnios autônomos com relação a eles.
N esse primeiro exemplo não existe qualquer dificuldade de raciocínio.
I magine- se, agora, entretanto, que o agente queria produzir o resultado aborto
na gestante, acreditando que a sua gravidez era simples, quando, na verdade,
havia concebido fetos gêmeos, ca usando a m o rte de ambos.
Pergunta-s e : D everá o agente responder pelo aborto em concurso fo rmal, da
mesma forma que no exemplo anterior?
Aqui, entendemos que não. E mb o ra tenha atuado n o sentido de p raticar o
aborto, mini strando à gestante substância química abortiva, somente pode rá
responder subjetivamente pelos resultad os produzidos. Se não conh ecia a
gravidez ge melar, segundo entendemos, não lhe poderá ser aplicada a regra do
concurso fo rmal impróprio, d evendo responder por um único aborto.
Podemos raciocinar, ain da, com uma terceira h ipótese. Suponha-se agora que
a gestante, al mejando p raticar o aborto, vá até uma clínica que realize esse tipo
d e serviço. N o início d e sua curetagem, o "médico" percebe que sua gravi dez era
252
ABORTO
CAPÍTULO 6
gemelar, o que não e ra de seu conhecimento. O médico, sem comunicar tal fato à
gestante, interrompe a gravi dez com a retirada de ambos os fetos, que m o rrem.
Pergunta-se: Quais os d elitos p raticados pelo médico que realizou o aborto com
o consentimento da gestante, e pela gestante que a ele se sub meteu volitivamente?
Entendemos que o médico deverá ser responsabil izado pelos dois abortos,
aplicando-se a regra do concurso fo rmal impróprio, vale dizer, embora conduta
única, pro dutora de dois resultados, pelo fato de ter agido com desígnios
autônom os, ser-lhe-á aplicado o cúmulo material, devendo ser somadas as
penas dos dois abortos.
Já a gestante, como desconhecia a gravidez gemelar, somente pod erá
responder por um único delito de aborto, afastando o concurso de crimes.
1 6 . 3 . A g r e s s ã o à m u l h e r s a b i d a m e n te g rá v i d a
Vamos trabalhar com o s egui nte exe m p l o : Assim q u e o agente chega e m casa,
tem início uma discussão com sua mulher, que se encontra grávida. D urante
a discussão, o marido se desco ntrola e a agride, fazendo com que a gestante
aborte. Pergunta-se: Qual o crime que ele cometeu? Lesão corporal qualificada
pelo resultado aborto ou o del ito de aborto?
Essa resposta, como sabemos, vai depender do elemento subj etivo com que
atuava o agente. Se sua cond uta foi dirigida finalisticamente a causar lesão
corporal e m sua esposa e desse comportamento adveio o resultado abo rto, que
lhe era p revisível, ela se amoldará ao tipo penal p revisto pelo art. 1 2 9, § 2Q, V,
do d iploma repressivo, ou seja, lesão corp o ral qualificada pelo resultado aborto.
Ago ra, se ao agredir a sua esposa pretendia a interrupção da gravidez, terá
cometido o delito d e aborto.
Se o réu se calar, valendo-se do seu d i re ito ao silêncio constitucionalmente
assegurado (art. SQ, LXl l l , da CF), como saber a que se dirigia fi nalisticamente seu
comportamento? N a verdade, o s fatos falarão por si. Se agrediu sua esposa, por
exemplo, desferindo-lhe um violento soco no rosto, o seu dolo, ao que parece,
não era o de produzir o aborto. Contudo, se das agressões praticadas contra sua
esposa, que sabidamente se encontrava grávida, sobrevém o resultado abo rto,
será responsabilizado pelas lesões corporais gravíssimas, isto é, qual ificada pelo
resultado aborto, uma vez que este último lhe era previsível. Agora, se agride
sua esposa desferindo-lhe um po ntapé na barriga, obviamente que o seu dolo
era o de abortar o produto da concepção.
Na dúvida, e ntretanto, esta deverá pender em seu benefício, uma vez que in
dubio p ro reo, devendo o agente ser responsabilizado pela infração penal menos
grave, no caso a lesão corporal qualificada pelo resultado aborto.
Se, agindo com dolo de lesão, agred i r uma mulher grávida que, contudo, não
vier a abortar, ao age nte será aplicada a circunstância agravante p revista no
253
RoGÉRJO G RECO
VOLUME I I
art. 6 1 , II, h, última figura, d o Có d igo Penal, o u seja, agrava-se a p ena por ter
cometido o crime contra m ulher grávida.
Ocorrendo o aborto como resultado qualificador das lesões corporais por ele
p raticadas, ou mesmo na h i p ótese e m que o dolo do agente era o de i nterromper
a gravidez, isto é, o dolo de aborto, não será poss ível a aplicação da circunstância
agravante acima mencionada, pois tais circunstâncias, co nfo rme determina o
cap u t do art. 6 1 do Código Penal, some nte podem agravar a pena quando não
c onstituem ou qualificam o crime.
1 6 . 4 . G e s t a n t e q u e tenta o s u i c íd i o
A tentativa de suicídio, p o r si mesma, como vimos, não é punível, mas, s im, o
comportamento daquele que i nduz, i nstiga o u auxilia materialmente alguém a
cometer o ato extremo.
C o ntudo, pode ocorrer que a gestante queira eliminar a própria vida e realize
um comp ortam ento d i rigido a esse fim, por exemplo, fazendo a i ngestão de
v e n e n o ou atirando co ntra si mesma.
Ela sabe que, assim agindo, causará não s o mente a morte dela, mas também
a do feto que carrega e m seu útero. P ergunta-se: Caso a gestante s obreviva
ao atentado contra a própria vida, não ocorrendo, também, a interrupção da
gravi d ez, será responsabilizada por alguma i n fração penal? Acreditamos que
sim. D everá ser i mputado à gestante o d el ito de tentativa de aborto, uma vez
que, almej ando eliminar a própria vida, consequentemente, produziria a morte
do feto, razão pela qual, se sobreviver, não ocorrendo a m o rte do feto, deverá
ser responsabilizada pelo con a tus.
Caso haja a m o rte do feto, terá co m etido o delito de aborto consumado.
1 6 . 5 . D e s i stê n c i a vo l u n t á r i a e a r re p e n d i m e n to e f i c az
Os institutos da desistência voluntária e d o arrependimento eficaz são
perfe itamente apli cáveis ao delito de aborto, e m todas as suas modalidades.
N o crime d e autoaborto, se a gestante dá início às manobras abortivas, mas
as interrompe durante sua execução, teremos aqui a aplicação da desistência
voluntá ria, sendo atípicos os atos por ela eventualmente realizados que, de
alguma fo rma, vieram a produzir-lhe lesões corp o rais, uma vez que não se pune
a autolesão. Também pode ocorrer que, após esgotado tudo aquilo que tinha
ao seu alcance no sentido de realizar o aborto, por exemplo, fazendo uso de
substâncias