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Curso de direito penal voII -Rogério Greco

ROGÉRIO G RECO CURSO DE DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL VOLUME li ARTIGOS 121 A 154-B DO CÓDIGO PENAL ªbiir� ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRAFICOS Resreite <.> Jireit<.> aut<.>ra1 ROGÉRIO G RECO f; . . ·' {' CURSO DE DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL VOLUME ll 1 2� edição Revista e atualizada até 1 º de janeiro de 201 5 Niterói, RJ 2015 © 2 0 1 5 , Ed itora I mp etus Ltda. Editora Impetus Ltda. Rua Alexandre Moura, 51 - Gragoatá - Niterói - Rj CEP: 24210-200 -Telefax: (21) 2621-7007 Editoração Eletrônica: Editora lmpetus Ltda. Capa: Rodrigo Bressane Revisão de Português: Tucha Equipe de Pesquisa: Patrícia Costa de Mello Thiago Gomes de Carvalho Pinto Impressão e encadernação: Edelbra Indústria Gráfica Ltda. G829d Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume I I : introdução à teoria geral d a parte especial: crimes contra a pessoa / Rogério Greco. 1 1 ed. Niterói, RJ : l mpetus, 2 0 1 5 . - 680 p. ; 1 7 x . 2 4 cm. I S B N : 9 7 8 - 8 5 - 7 6 2 6-8 1 5 -4 1 . D i re ito p enal - Brasil. 2 Crime contra a pessoa - Brasil. 1. Título. li. Série. CDD: 345.81 O autor é seu professor; respeite-o: não faça cópia ilegal. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução, salvo pequenos trechos, mencionando-se a fonte. A violação dos direitos autorais (Lei n' 9.610/1998) é crime (art. 184 do Código Penal). Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n' 1.825, de 20/12/1907. A Editora lmpetus informa que quaisquer vícios do produto concernentes aos conceitos doutrinários, às concepções ideológicas, às referências, à originalidade e à atualização da obra são de total responsabilidade do autor/atualizador. www.impetus.com.br A os meus pais, jorge e E/ena, que, com simplicidade e amor, m oldara m meu cará ter. o AUT O R Rogério Greco é Procurador de Justiça, tendo ingressado no Ministério Público de Minas Gerais e m 1 989. Foi vice-presidente da Associação Mineira do M inistério Público (biênio 1 997 - 1 998) e membro do conselho consultivo daquela entidade de classe (biênio 2 0 0 0 - 2 0 0 1 ) . É membro fundador do Instituto de Ciências Penais (!CP) e da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais, e membro eleito para o Conselho Superior do Ministério Público durante os anos de 2003, 2 0 0 6 e 2 0 08; Professor de Direito Penal do Curso de Pós-Graduação da PUC/BH; Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de M inas Gerais; Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça j unto ao Tribunal de Justiça de M inas Gerais; Mestre em Ciências Penais pela Faculdade de D ireito da Universidade Federal de M inas Gerais (UFMG); Especialista em Direito Penal (Teoria do Delito) pela Universidade de Salamanca (Espanha); D outor pela Universidade de Burgos (Espanha); Membro Titular da Banca Examinadora de Di reito Penal do XLVII I Concurso para I ngresso no Ministério Público de Minas Gerais; palestrante em congressos e universidades em todo o País. É autor das seguintes obras: Direito Penal (Belo Horizonte: Cultura); Estrutura jurídica do Crime (Belo Horizonte: Mandamentos); Concurso de Pessoas (Belo H orizonte: Mandamentos); Direito Penal - Lições (Rio de Janeiro: Impetus); Curso de Direito Penal - Parte geral e Parte especial (Rio de Janeiro: I mpetus); Código Penal Comentado - Doutrina e jurisprudência (Rio de Janeiro : I mpetus); A tividade Policial - Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais (Rio de Janeiro: lmpetus); Vade Mecum Penal e Processual Penal (coordenador) ; Resumos Gráficos de Direito Penal - Parte geral e Parte especial (Rio de Janeiro: Impetus); A Retomada do Complexo do A lemão (Rio de Janeiro: Impetus); Virado do Avesso - Um romance histórico-teológico sobre a vida do apóstolo Paulo (Rio de Janeiro: Nahgash); Sistema Prisional - Colapso a tual e soluções alternativas (Rio de Janeiro: I mpetus); Derechos Humanos, Crisis de la Prisión y Modelo dejusticia Penal (Espanha: Publicia Editorial). É embaixador de C risto. Fale d ireto com o autor pelo e-mail: [email protected] e pelo site: www. rogeriogreco.com.br NO TA D O AU T O R E ra u m final d e tarde. Jesus j á havia feito muitos milagres, quando pediu aos Seus discípulos que O l evassem p ara a o utra margem do mar da Galiléia. D urante a travessia, sobreveio uma grande tempestade, e as ondas, enormes, varriam o barco, j ogando-o de u m lado para o outro. Todos fi caram apavorados com aquela s ituação, p o i s temiam pela vida, uma vez que lhes parecia que o barco não resis tiria à tempestade. E nquanto todos se preocupavam com a própria segurança, Jesus dormia tranquilamente. Nesse m o mento, os discípulos vieram acordá- Lo, clamando: "Senhor, salva-nos!" Jesus respondeu-lh es : "Por que sois tímid os, homens de pequena fé?" E, l evantando-se, repreendeu os ventos e o mar; e fez-se grande bonança. E maravilharam-se os homens, dizendo : "Quem é este que até os ventos e o mar l h e obedecem?". Quando medito nessa passagem bíbli ca, fico p ensando: Será que os discípulos não sabiam com quem eles estavam? Será que, mesmo depois de tantos m ilagres feitos por Jesus, ainda não conseguiam acreditar ser Ele o Filho de Deus? O Autor da vida estava com eles naquele barco, e, ainda assim, sentiam-se amedrontados. Quantas tempestades passam pela nossa vida e nos esquecemos dAquele que tem poder para trans formá-las e m b o nança. Frequentemente, deparamos com as tempestades da doença, da i ntolerância, da rej eição, das fraquezas, dos concursos e m que não conseguimos ser aprovados e tantas outras, e não nos lembramos d e que basta, si m p lesmente, olhar para o b arco e saber que a Solução de todos os nossos problemas está bem ao nosso lado, somente aguardando que peçamos a intervenção d E l e, a fim d e que os ventos e o mar sejam acalmados. N ã o há dúvida alguma de que o D i reito Penal lida com tempestades. A in fração penal praticada pelo agente traz uma tempestade para a vítima, bem como, m uitas vezes, para seus familiares. Vej a-se a h ipótese do crime de h o m icídio. Podemos imaginar os senti m e ntos que tomam conta da família da víti ma, que passa a odiar o h o micida, a desprezar o E stado pela sua i mpotência em evitar os crimes etc. D a mesma forma, podemos também visualizar a tempestade que toma conta da vida do agente que, após p raticar o delito, vê-se despojado de sua l i b erdade, s o frendo todas as agruras do cárcere e o repúdio da sociedade, que o estigmatizará até o fim de sua vida. N a verdade, de u m modo o u de o utro, a tempestade virá, e, com certeza, não será o D ireito Penal que trará a b o nança aos nossos corações. A calmari a, a sensação de p az, e n fim, os ventos e o mar som ente se dobrarão ao Senhor dos céus e da terra, Jesus Cristo, o filho do D eus vivo que se fez carne entre nós. A p artir de agora, não s e esqueça d e que a solução para as tempestades está dentro de você, pois Jesus nos l egou o Espírito Santo, Consolador, a fim de que, por intermédio d e Seu poder e autoridade, pudéssemos repreendê-las. O barco é você, e Jesus está d entro dele. Mais uma vez, não poderia perder a o po rtunidade de alertá-lo, l e itor, sobre a total incapacidade deste pequeno manual de res olver as mazelas, mesmo criminais, que e nvolvem a so ciedade. D esde o primeiro h o micídio, cometido por Caim contra seu irmão Abel, a so ci e dade não cessa de p raticar toda s orte de infrações penais, criando, ela m es ma, as próprias tempestades. N o e ntanto, se por algum m o mento você s e encontrar bem n o centro da to rmenta, não s e esqueça desta m e nsagem: Jesus C risto está com você e Ele tem poder para acalmar qualquer tempestade, não i mp o rta a fo rça dela. S e você ainda não conhece Jesus, o Filho de D eus, e se quiser ter u m encontro pessoal com E l e, faça a o ração a seguir. S e concordar com o que vier a ler, diga Amém e experime nte o poder que vem dos céus. Senhor jesus, e u n ão Te vejo, mas creio q ue Tu és o Filho de Deus, que morreu por mim n aq uele m adeiro pa ra a rem issão dos meus pecados. Recon h eço que Tu és o ú n ico e suficiente salvador da m in h a alma. Escreva meu nome no livro da vida e me dê a salvação e tern a. A m ém. Es pero que você goste d este primeiro volume sobre a Parte E special do Código Penal. O estudo i n icial, denominado " I ntrodução à Teoria G eral da Parte Es pecial", fo rnece as ferramentas necessárias para a análise das figu ras típ icas. Logo em seguida, são analisados todos os tipos penais contidos no Título correspondente aos "Crimes contra a Pessoa". Que D eus abençoe você. M a ranata! Rogério Greco S U MÁR I O Capítu l o 1 - I nt rod u ção à Te o ri a Ge ral da P a rte Esp ecial . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . ............ .. . . . . . . .... . . . . 1 1. Esclarecimentos preliminares 2. Categorias f undamentais para o estudo d a teoria geral d a parte especial 2.1. A objetividade jurídica 2.1.1. 2.2. . ... .. ................ O princípio da legalidade . . .. . . . .. . . . . ... ................ ..... . . .. . . . . .... ............................... ......... . . .. ...... .................. ...... ......... ....... .. ... ... . 2.2.1.2. Nullum crimen nu/la poena sine lege scripta Nullum crimen nu/la poena sine /ege stricta 2 . 2 . 1 .4. Nullum crimen nu/la poena sine lege certa . . . . ........ ....... .. . .. ....... .. A pena necessária . . . . .. A pena suficiente ... . . ... .. . .... . ........ .. .. . 21 . .. ....... .. 32 .. ............................................................................................................................................ 38 3. 1. Conceito Tipicidade penal =tipicidade formal + tipicidade conglobante . . . . . . . . . . 25 29 36 ... ........... . . ..... ....... .. . .... .. .... . ... . .................. .... . . .......... .... ....... .............. .. ....... ....... ........ .. . .. 19 . . 22 . . . ......... ................ .......... ....... .. 14 . 16 ...... ....... .. . .... ...... .. . 4 .7 ............................ .. . ....................................... .......... ...................... 3.2. . . . ............... .. .. .... ................... ............................. ........ .................. ..... ........... ................. 3.3. Fases de evolução do tipo . . . 3.4. Classificação dos tipos penais ......... .......... . ....... ... ........... .. . .. . . .. . . Tipo básico e tipos derivados 3.4.2. Tipos normais e tipos anormais 3.4.3. Tipos fechados e tipos abertos .. . 3.4.4. Tipos congruentes e tipos incongruentes 3.4.5. Tipo complexo . . .. .................. . .. . 43 . . . . ............. ...... .............. ..... . . . . . . .. ... ... .... ........ . . .. . .. . .. ............ . . . . .. . .. . ..... . ... . ... . .... .......... . . ...... .. . . . .. .. . ...... .. .. .... ........ ............ ............... . ....... ............ ........................ . . .. . . ........... ........ .. .......... ... ... .. . 39 .................. . ....... .......... ..................... ............. 3.4. 1. .... ..... .. ... . . .. ... . . . Elementos específicos dos tipos penais . . . ............... ... ......... ...... ........ ......... 3.8. Funções do tipo Normas penais . .. . . . ........ ...... ..... .......................................... ... ........ .. . . . ............ . . .. ...... ................. .......... .. .... .. ........ ..... . ... . .. ... .... . ........ ....... .......... ... ........................................... ... ... . . .. . 52 57 Teoria de Binding . .... . . . 50 51 ............................ ......... .......... . ........................................................................... . . . 47 56 . . 47 ........... . . 45 . . 49 ... ..................... Tipicidade direta e tipicidade indireta 45 ......................... ... Elementos que integram o tipo complexo - objetivos e subjetivos . 3.6. 38 . . ....................... .. .... ..... .... ........................ ........ .............. ...... ....... .... . 3.7. 4.1. . ....... ....... 2 . 2 . 1 .3. A proporcionalidade das penas . Do tipo penal 3.5. .. ............ . .......... .... Nullum crimen nu/la poena sine lege praevia 2.3. 1 . 1 . 4. . 3 ................. ............ .... .... ....... . .. ................ .... ....................................... A sistematização dos tipos . . . 2 .3.1. 3. . . . . ............ 2.2. 1 . 1 . 1 ... ................. O critério de seleção dos bens jurídico-penais e a criação típica . . 2.2. 1 . 2 .3. . ...... ..................................................................................................... .. . . .. . . . ..... ......................... .. ............ ... . ... ................ .............. .. . .. ........... . 58 . 59 ................ ............. .... .. 4.2. Normas penais incriminadoras e normas penais não incriminadoras 4.3. Normas penais em branco (primariamente remetidas) . . . 60 62 Ofensa ao princípio da legalidade pelas normas penais em branco heterogêneas 5. . .. ......... .................... ... ........ 4.3.1. 4.4. .................. . . . . . . . ........ .. ............................ .... ........................... ...................... ............ ...... Normas penais incompletas ou imperfeitas (secundariamente remetidas) 65 . 67 ..... . Escusas absolutórias, perdão judicial e ação penal... .............................................................. 6 8 . 68 ... ....... . .................... ............ ................. ........................ ................... . ............... .. 69 ........................................................................................................................................ 72 5.1. Escusas absolutórias 5.2. Perdão judicial . 5. 3. Ação penal . . . ......................... ................. ......................................... ........... ................. .. . . . 5.3.1. Ação penal de iniciativa pública 5.3.2. Ação penal de iniciativa privada .. .... .. .. 6. Majorantes e m inorantes 7. Causas d e justificação e dirimentes . 8. Rubricas ou indicações marginais 9. Conflito ou concurso aparente de normas . .. . . . . . . ............ ...... .. ............. .... . .. . . . ............ ............ ... . .. . . . ...................... ............. ... . ..... .. ........... ...... . . . . . ... . . . 77 .... .... . .... ...... .......................................................... . . .. ........ .............. .. . . . . .... .. ................ ................ ........ ......... .. . . . . . . .. ........ . . . . .. . ............... .... ... .. . . .. .. .. ...... ......... . . ...... ........... ..... ........ .................. ... ........... ............. ................. ... 1 0 . Classificação doutrinária das infrações penais . . . . .......................... . . .. . . ........ .. ...... .. . ...................... . ... .......... ...... ......... ............. 10. 1 . Crimes e contravenções penais 10. 2 . Crimes comissivos, crimes omissos (próprios e impróprios) e crimes de conduta mista 73 74 . . 79 79 83 . 84 ................................................................... ...... ................. .. . . . . . . . ........... ...................................................... ....... .............. ................ ........ ... ......... 10.3. Crime consumado e crime tentado 10.4. Crimes de ação pública e crimes de ação privada . . .. . ........ ...... . ................................................ .................... . . ...................... .................................. 10. 5. Crimes dolosos e crimes culposos . . 10.6. Crime impossível e crime putativo .. . . . . .. ...... . ............. ........... ................. .... .......................... . . . .. 10.7. Crime material, crime formal e crime de mera conduta Crime comum, crime próprio e crime de mão própria 10.9. Crimes hediondos . . . . . . . .. . . . . . . 89 90 91 . . 88 . .... ............ ........... .. ................ . .... .... .................... ... ...... ... . ......... ............ ........ ....................................... 10.10. Crimes militares próprios e impróprios 86 . . .............. .. .......... ................. . 85 . 88 . ........ ...... .... ........................... . ................. .... ......... .... 10.8. . 78 . ............................ ........... ......... .......................... 93 96 10.11. Crimes qualificados pelo resultado (crimes preterdolosos ou preterintencionais) 10.12. Crime continuado .. . . . .. ..... . . ................... ................. ................ ... . . . . . . . 97 ................ ................ ............ . . . . . ............ ...... ............ .... ...... .................................................... ............... ...... 10.13. Crimes multitudinários . . . . . ............................. .............. ........................... ........ .......... ................. 10.14. Crimes de dano e crimes de perigo (abstrato e concreto) 10.15. Crimes simples e crimes complexos . . ....................................... . . . . ... ................... ............ ................. .... ................. .... 10.16. Crimes qualificados e crimes privilegiados 10.17. Crime de bagatela 10.18. Crime falho . . 98 . . .................................................................... . . .. . . .......... ...... ......... ..................... .... ....................... . ................... ..... ........... . . . . . ......... ................................................. ........................... .... ................................... ... 99 100 103 103 10 5 105 10. 1 9 . Crimes instantâneos, crimes permanentes e crimes instantâneos de efeitos permanentes 10.20. Crime a prazo . ...... .. . . . . . . . .. . . ... ... ....... .............. ......... .... ...... .. . . ....... ....... ..................... .................. .. . . . ............ ............................... . . . .... ....................................... .. ..................... 106 107 10.21. Delitos de intenção: crimes de resultado cortado e crimes mutilados de dois atos ....................................... .. .. . . .. . . . .. ...... ................. . ........... ........ ...... . . . . 107 ...................... .. . . 1 0. 2 2 . Crimes comuns, crimes políticos e crimes de opinião .......................... 1 0 . 2 3 . Crimes a distância, crimes plurilocais e crimes em trânsito . ... . . ... . ..... . . . ..... 108 ........................... 110 ................................... ................... . . . .............. ................................................. 110 ... . 1 0.24. Crimes habituais .. . 1 0 . 2 5 . Crimes principais e crimes acessórios . . . 111 .. . . 112 .................... .............. .................................... ..... 1 0 . 2 6. Infrações penais de menor potencial ofensivo . ................ .................................. 1 0. 2 7. Crimes monossubjetivos e crimes plurissubjetivos 1 0 . 28. Crimes uniofensivos e crimes pluriofensivos .. . .... . .............................. ..................... . . . . . . . . . . .............................................. ........ 113 114 1 0.29. Crimes d e subjetividade passiva única e crimes d e subjetividade passiva dupla ..................... ........................................................................................................................... 1 0. 3 0 . Crime de ímpeto . .. 1 0. 3 2 . Crimes exauridos ............................ .. .. . ... 115 115 . 115 . ....................................................................... . ....... . .. .. . ........................... . .. . . ......................................................................... ....... 1 0. 3 3 . Crimes d e atentado o u d e empreendimento 1 0.34. Crimes vagos . .. .. ........... ............................................................................................ . .... .. . .... 1 0 . 3 1 . Crime progressivo . . . ....................... .... ... .................................. . .. . . . . ............................................... ........... ... . ............ ....... ... .... ................................ 1 0. 3 5 . Crimes ambientais . 114 . .... ..................... .......................................................................................... 116 116 117 1 0 . 36. Crimes unissubsistentes (ou monossubsistentes) e crimes plurissubsistentes . . 1 0.38. Crimes conexos . . 11 7 . 117 ............................ .. .... ......................... . ................................... ......................................................... 1 0.39. Crimes falimentares ........ ... ............................... 1 0.40. Crimes d e responsabilidade 1 0. 4 1 . Crimes subsidiários 1 0.42. Crimes funcionais . .............................................. ... ......................................... .... ..................... 1 0. 3 7 . Crimes transeuntes e crimes não transeuntes ... .. . .... ....................... . .......................................... .......................... . ........................... ................... ................................................... . . .. . ................................ .. .... .............. ............. ..... ........................................... 120 . . . . . . 1 0.43. Crimes d e ação m(tltipla ou d e conteúdo variado . . . .. ..................... .. ............................ 1 0.44. Crimes d e forma livre e crimes d e forma vinculada ................................................... 1 0.45. Crimes d e ensaio o u d e experiência (flagrante preparado o u provocado) 1 0.46. Crimes remetidos .................................................. ........................................ ........................... 123 . . . . ................................ .......................................................................... ......... 1 0.48. Crimes internacionais . .............................. .......... ............................. .. .. . ......................... ......................................... 1 0 . 5 1 . Crimes d e trânsito - 125 . . . . . . ................................. ........................ ............ ....... 126 I nt rodução a o s C 1·imes co nt ra a Pessoa . ....... . . ...... . .. . . . ... . . . ........ . ...... . . ...... 1 2 7 Introdução Cap ítulo 3 ..................... ............. .................... . .... .. . ........................... . 125 125 . ... 124 ....... .......................................................................... 1 0.50. Crimes condicionados e crimes incondicionados 1. 122 123 1 0.49. Crimes emergentes - 121 ....... 1 0.47. Crimes aberrantes Capítulo 2 119 120 . ............................ ........................................ .... .. 119 ...................... ........ . . . 118 . . .. . . . . ..................................... ........................ ............ . ........... ................ ..... .. ......................... 127 H o m i c í d i o .. ..... . . ...... . . . ..... . .. . . . . ....... . ..... . . .. . . ...... . ......... . ............... . ........... . .... . . ...... . 131 1. O primeiro homicídio 2. Homicídio simples, privilegiado e qualificado 3. C lassificação doutrinária .. .... 4. Sujeito ativo e sujeito passivo ................ .. .. ... . .............................. ......... .. . ..... . . . .................. ... ..... ............ .. . . .... .................. . ... . . . ... . . ............ ................... . . .. . . ....... .................. .................... . ............ ......................................................... ... . . . . . . .................................. .. . 132 133 .. .... ... 1 34 . .. .. ... ..................................... 134 5. Objeto material e bem juridicamente protegido ................................... ......... ......... ........... 6. Exame d e corpo d e delito 7. Elemento subjetivo 8. Modalidades comissiva e omissiva 9. Meios de execução . . . 136 .......................................... ..................................................................... 138 . . . ............................................................................................ ............... ..... .......... . .............................................. ............................................... . ............................ ........................... .. . . . ......... ................................... .................. ... 140 140 141 1 O. Consumação e tentativa ............................................................. ...................................................... 1 4 1 1 1 . Homicídio privilegiado ..................................................................................................................... 1 1. 1 . Motivo d e relevante valor social ou moral 1 1. 2 . Sob o domínio d e violenta emoção, logo e m seguida a injusta provocação da vítima . .................................. ..................................................................................................... 1 2 . Homicídio qualificado 12.1. . ....................................................................... ............................................... ...................................................................................... ................ 150 . ................... ... 1 54 ........................... 157 Fins: para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime . . 1 4 . Homicídio culposo 1 5 . Aumento d e pena 1 6 . Perdão judicial . . .................................. .................................. ............ .................................... ..... 1 3 . Competência para julgamento d o homicídio doloso 16.1. 148 Modos: à traição, d e emboscada, o u mediante dissimulação o u outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido 1 2 .4. 144 Meios: com emprego d e veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura o u outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum 12.3. 143 Motivos: Mediante paga o u promessa de recompensa, o u por outro motivo torpe; motivo fútil 12.2. ............. ......................................................... 142 ........................................................... 160 ............................... 161 ................................................................................................................................ 165 ............................................................................................. .. 158 . .................................. .................................................................................................. Perdão judicial no Código de Trânsito brasileiro . . ............ .............. ............................. 168 170 1 7. Homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto d e prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio 1 8 . Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo 1 9 . Destaques . .... ................................................... 173 ..................................................... 1 78 ............................................................................................................................................... 181 19.1. Homicídio simples considerado como crime hediondo 19.2. É sustentável a hipótese d e homicídio qualificado-privilegiado? 19.3. O homicídio qualificado-privilegiado como crime hediondo 1 9.4. A presença de mais de uma qualificadora 19.5. Homicídio praticado por policial militar - competência para julgamento 19.2.1. ............................................ ......................... Homicídio qualificado-privilegiado ou privilegiado-qualificado? 181 182 .......... 184 ................................. 184 ....................................................................... 185 19.6. Diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia 19.7. Transmissão dolosa d o vírus HIV 19.8. julgamento pelo júri sem a presença do réu 19.9. Homicídio decorrente d e intervenção policial ....... ............ ....................................... . ..................................... ................................................. ............................................... ................... . . ............ ............................................. ... 186 187 188 189 190 Capítulo 4 - I nd u zi m e nt o , I nsti gação ou Auxílio a Su i c í di o .................... ........ ........... 1 9 5 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Sujeito ativo e sujeito passivo 4. Participação moral e participação material 5. Objeto material e bem juridicamente protegido 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Consumação e tentativa 9. Causas d e aumento de pena . . ..................... .. . ... ..................................... .................................... ................... .. ... .. . .. . .. .............. .. ... ............. . . .. ... . .. .................... ......................... . . ....... .. . . ..... .... . . ... ... ...... . .. . ... . . . . .... ...... 1 9 5 . . . . .. .. . . .. . .................................................................. ...... ......... . .. . ... . .. .. .. .. . .............. ... . . .. . .. ....... .. .. .. .. .. . . . . .. . ......... .. .......................... . ... .......... .. ......... . . .............. ........................................................... . ............. ... . .. ......... ... . . ..... ..... . ..... . . . . ...... .. .... . ..... .. ..... . Suicídio conjunto (Pacto de morte) Greve d e fome . 1 1.3. Testemunhas de Jeová . . . .. . .. . 1 1 .4. julgamento pelo júri sem a presença do réu . .. . .. ... ... . . .. 203 . . . 205 ... . .. .. . ..... . 2 0 7 .. .. . .. . . 207 ......... . .. ........... .. ............. 209 .................................................................. 212 . ......... . .............. .. . . . . .... .. . .. ........ . 207 208 .. ....... ... .. 201 .... ............................ .. ... . 200 ........................................................................... .... ................ ............................................... . 199 .... . . ............................................................................................................................................... 1 1.2. 197 . 200 ................................................... ................... 1 1. 1 . - . ..... . .. . ............ Ca p ítulo 5 .. ... . ... .. . .. .. ... . .. ........ . . .. . ..... ... .... 1 9 7 1 0 . Pena, ação penal e suspensão condicional do processo . . 1 1 . Destaques . . . ...... ..... . .. . . ..... ...... .... .. ................................................................ ................... . ........... ............. . ............ ........ ..... . .. . . . I nfa nticíd io ..... .............. . .......... . ................................ . ................. .......... . ............ 2 1 3 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Sob a influência d o estado puerperal 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Limite temporal 6. Elemento subjetivo 7. Consumação e tentativa 8. Modalidades comissiva e omissiva 9. Objeto material e bem juridicamente protegido .................................... 1 0 . Prova d a vida . .. ....... .. .. ........................... . ................................................... . ................... ......... ....... ........... ...... .......... ...... ........ ... .. .. . . .. . .. . 2 1 3 ........... .. . . . . ............ .... ......... .. . .............. . ................................................... .................... ...................... . ..... ...... .. ... .. ... .... ......................... .......... . . . ........ . . .. . ... ..................................... . . .. ..... . . . .. . ...... .... . ......... .... . . ... . ....... ... . . ... ..... .... . ............. ....................... ............. .. . .......... .... ... .. .. ... .. . . ... 2 1 6 ....... . . ... 2 1 7 . ..... ... . . .. ......... . . .. ......... . 219 . .. ........................................................................ 222 ....... .. ....... .. 221 ............................................................. .. .................................................. ..................... ....... .. .... . 220 221 .. . . ..... 214 .... ... .......................................... ........................................................................ .................... 214 ............................. . . 1 1 . Pena e ação penal ............ 1 2 . Destaques ... ...... ... . . ...... ............. . . . ... . ...... . ... .... . . ....... ............. . . ......................................... ...... .. ... . . ...... ... . .. . .. .. .. . ... . .... ..... ... .. 2 2 4 . . .. .. .. . ... . . .. . .. . ..................................................................... 12.1. Infanticídio com vida intrauterina 12.2. Aplicação d o art. 2 0, § 3° (erro sobre a pessoa) a o delito de infanticídio . ......... ........................................................................... 1 2. 3 . Concurso de pessoas n o delito d e infanticídio 1 2 .4. julgamento pelo júri sem a presença da ré 12.5. Aplicação da circunstância agravante do art. 6 1 , li, e, segunda figura ......... . 225 225 226 ......................................... .................... 226 ..................................................................... 230 ................ 230 Cap ítu l o 6 - Ab o rto .................................................................................................................. 2 3 1 1. Introdução 2. Classificação doutrinária ................................................................................................................. 2 3 3 3. Início e término d a proteção pelo tipo penal do aborto 4. Espécies de aborto 5. Sujeito ativo e sujeito passivo 6. Bem juridicamente protegido e objeto material 7. Elemento subjetivo 8. Consumação e tentativa 9. Modalidades comissiva e omissiva ............................................................................................................................................. .................................................... 234 ..................................................................... ....................................................... 237 . . . . . ........................................ .......... .................................... ....... ....... 238 ............................................................................................................................ 239 . . . . ............................................................. ........................ ... ....... ................ . . ..... ....................................... ................................................ . ............................................................................ ............................................................ 243 ...................................................................................................... ............................................................................. 1 4. Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo 244 245 .................................... ...................................................................................................... 245 ............................................................................................................................................... 251 . Gestante que perde o filho e m acidente de trânsito 16.2. Morte d e fetos gêmeos 16.3. Agressão à mulher sabidamente grávida ................................................................................................ 2 54 Gestante que tenta o suicídio Crime impossível Aborto econômico .......................................................... .................................................................. ...................................................... . ..................................................................................... ............................... 1 6.8. Ordem judicial 1 6.9. Concurso de pessoas no delito de aborto ........................... .................................................................................................. ........................................................................ 1 6 . 1 0. Gestante que morre a o realizar o aborto, sendo que o feto sobrevive 254 255 256 256 257 ................ 259 ............... ...................................... 259 ............ ............................ .............................................................. 260 1 6 . 1 1 . Majorante nos crimes contra a dignidade sexual... 1 6. 1 2 . Aborto de feto anencéfalo 252 253 Desistência voluntária e arrependimento eficaz 1 6.7. 251 ........... . . . .......................... . . . .............................. 1 6.4. 16.6. ................................................... ............................................................................................................. 16.5. - 243 ..................................................... 1 5 . Aborto legal Capítulo 7 241 242 1 3 . Julgamento pelo Júri, sem a presença d a r é 16.1. 240 ...................................... .................................................................... 1 2 . Meios d e realização d o aborto 1 6 . Destaques 238 ................................................................... 1 0 . Causas de aumento d e pena 1 1 . Prova d a vida 232 . Les õ e s Co rp o ra is .. . ............................. ..................... ................ .................. . ...... 2 6 1 1. Introdução . 2. Classificação doutrinária 3. Sujeito ativo e sujeito passivo 4. Objeto material e bem juridicamente protegido 5. Exame d e corpo d e delito 6. Elemento subjetivo ........................ .................................................................................................................... . ............................................................... ................................ ................. ........................................................................................................ . 265 265 266 ............................... ............................................. .................................. 266 ..... ...................................................................................................................... 267 . . ................................................................... 262 7. Modalidades qualificadas . . ..... ..................................................................... .................................... 7.1. Lesões corporais graves 7.2. Lesões corporais gravíssimas . . .......... ............................. .......... ..... ..... ................................ ............. 8. Lesão corporal seguida de morte 9. Lesão corporal culposa . 274 ................................................................................................. 278 . . . . ......... ... ... ............................................................. ..................................... ........... .............................................. .......... ... ........ ............. .......................... 1 1 . Diminuição d e pena ....................... ..................................... ..................................... ........ .............. 1 3 . Aumento de pena 14. Perdão judicial 268 ......................... ..................................................................... 1 0 . Violência doméstica . 1 2 . Substituição da pena 267 . . . . . . . . . 283 284 .......... ....... ...................................................................... ...................................... 2 85 . . . 280 .............. ........... .............................................................. .............................. .. . 279 . . . 286 ................................................................................................. ................................. . 1 5 . Modalidades comissiva e omissiva 1 6 . Consumação e tentativa .................................... .......................................................... . . . . . ............. ............................... ............. .............................. .......... ............. 286 287 1 7. Pena, ação penal, transação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo . . . 287 .. .......................................................................................................... ... 1 8 . Destaques . ................................................................................... .. . . 1 8. 1 . Princípio da insignificância, lesões corporais e vias de fato 1 8. 2 . Consentimento d o ofendido como causa supralegal d e exclusão da ilicitude Cap ítulo 8 - . . 2. Momento d e avaliação d o perigo: 3. Consumação d o crime d e perigo 4. Perigo individual e perigo coletivo (ou transindividual) 5. Natureza subsidiária dos crimes de perigo - 290 290 294 Da P e ricl itação da Vida e da Saú de ......................... . .................................. 297 Conceito e espécies de perigo - concreto e abstrato Capítulo 9 ................................... ............ .................... ....................................... ............. ........................... .......................... 1. ........................................................... 297 ex ante o u ex post.. ......................................................... 3 0 1 . . . . ................ ................... ............... .................................... ........ ................................................... . ................................................. ........................... 302 302 303 P e rigo d e Co nt ágio Ve né re o ......................................................................... 3 0 5 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Sujeito ativo e Sujeito passivo 4. Objeto material e bem juridicamente protegido 5. Elemento subjetivo 6. Consumação e tentativa 7. Modalidade qualificada 8. . .............. ........... ........... .................. ...................................... .. . . 305 .................................................... ............................................. .. . . . . . . ....... ................... ............. ............................ ..................... .............. ..... . . . ............. ...................................... ............................ ..................... 307 307 ................................................................... 307 ............. .............................................................................................................. 308 . . . . . 310 . 310 ...................................................... ...................... ....... ...... ...................... ............................................................................................. ...................... Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo .................................................................................................................................................. 311 9. Prova pericial 1 0. Destaques .................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................................................................................... 312 . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . ........................................... 313 10.1. Consentimento d o ofendido 1 0. 2 . Necessidade de contato pessoal 1 0. 3 . Efetiva contaminação d a vítima 1 0.4. . . . . . ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .......................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................... .............................................................. .... 313 3 14 316 Crime impossível - Vítima já contaminada pela mesma doença, ou, ainda, a hipótese do agente já curado . . . . . . ...................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0. 5 . Transmissão d o vírus H I V . . 10.6. Morte da vítima quando era intenção do agente transmitir-lhe a doença . . ... . ..................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ... 317 317 318 Cap ítul o 1 0 - Pe rigo de C o n tágio d e M olé stia Grave . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . ..... . . .......... . . . . ... . . . . 3 1 9 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 321 S. Elemento subjetivo . . ......................................... 321 6. Consumação e tentativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Exame d e corpo d e delito 9. Pena, ação penal, suspensão condicional d o processo 1 0. Destaques ...................... . . ...... ............................ 319 ........ .......................................... .............. ............................................... 320 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ .......................................................... . .................... .. .................... ...... . . ................................. ....................... .. 320 . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 . 10.1. Utilização de objeto contaminado que não diga respeito ao agente 1 0. 2 . Crime impossível 1 0. 3 . Vítima que morre e m virtude d a doença grave 1 0 .4. Transmissão do vírus HIV .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... .. ....................... . ...... . ........................................................ .... . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 323 324 324 Capítulo 1 1 - P e rigo para a Vida o u S a ú d e de Outrem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2 5 1. Introdução 2. Classificação doutrinária ................................................................................................................. 3 2 8 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo S. Modalidades comissiva e omissiva 6. Consumação e tentativa 7. Elemento subjetivo 8. Causa especial de aumento d e pena ........................................................................................... 3 3 0 9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . ....... . . . . . . . . . ............ ........................................... . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . 329 329 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . 329 . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329 ........ .............. ............ .......... . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325 .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330 Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional do processo .................................................................................................................................................. 330 1 0 . Destaques ......................................... . ........... . . . . ... ... ... .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . . .......... ....... 10.1. Quando o agente produz perigo a um número determinado de pessoas . ... ...... 331 1 0. 2 . Consentimento d o ofendido . . 331 1 0. 3 . Resultado morte ou lesões corporais . 1 0.4. Possibilidade de desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de . ................. ............. . . . . . . . . . .. . . . . . ............................. . . ... ....... .. ...... .. . . .. ... ...................... . ............ ........ .. morte . . . . . ......................... . . .. ................................. ............ ........... .............. ............................... ......................... ........ 1 0 . 5. Disparo de arma de fogo em via pública Capítulo 1 2 - ........................................... . . . . . . ............ . ............ 331 332 333 Ab a n d o n o d e I ncapaz . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 3 5 1. I n trodução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo . 5. Consumação e tentativa . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6. Elemento subjetivo .. .. 7. Modalidades comissiva e o missiva . .. . 8. Modalidades qualificadas 9. Causas d e aumento d e pena . ...................... .... ......... . ....................... 335 . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337 .......... .. ...... . .. . ... . . . . . . .. . . . .. ........... .. ............. . ........... ............ . .. . .. . ...... .. . . ........... . .. .. . ... . . . ......... ....... .. ........... .................................. .. . . .......... ........ 337 ................................................................ 338 .. . ...................... ........... ... . ...... 339 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340 .. .. .. .. .. ....... . . . ...... ... ............ . ................................ .. . . .. .. .. .. . . . . ...... .. ...... . . . . . 339 . . . . ........ . . .. . 337 ... ......... . ............ .. 1 1 . Destaques . . . .. ...... .. . . . ...... ... ........................ . .. . . ..... ............................ ............................................................... ........ 1 0 . Pena, ação penal e suspensão condicional do processo .. ..... . . . ... ... ..... 341 ....................... 342 ........................ 342 1 1.2. Aplicação d a majorante em razão d a união estável .................. .................................. 343 - .. ...... . ............................................................. ....... . . Quando d o abandono sobrevém lesão corporal d e natureza leve Cap ítulo 13 . . ................ ........ 340 1 1.l. . ............................. . Exp os ição ou abandono d e re cém - nasci do ... . .... ............... ... ..... .. ...... . ................ 1. Introdução 2. C lassificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. C onsumação e tentativa . 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva . 8. Modalidades qualificadas .. . .. .. 9. Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional d o . . .. . 345 ....... 345 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . ....... 34 7 . . ... . ........... . . . .. ... ...... . ...... . .. 34 7 ........... ................................. 34 7 . . 348 . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 348 ........................................................................ 348 ............................................................. .......... ........................................................... ................. ....... .......................................................... .......................... . . . . . . ...... ......................................... .. Capítulo 1 4 . .................................................................... . . . . . . . . . . . . . ................. . . . . . . . . . . . . . . . . ........ . . . . . . . ... processo 1. 331 . . .. . ............ ............. .................................... . . ............ . .................................................. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . - 349 349 Omissão d e Socorro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 5 1 Introdução ...... . ...... . . .. ....... . ....................... . . .. ............. .. ............ ... . ....... ................ . . ... ...... .. . . ........ . .. .. . 3 5 1 . . ... . 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Causas d e aumento d e pena 8. Pena, ação penal, compet Ê ncia para julgamento e suspensão condicional do processo 9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ................................................................... . 358 . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360 ............................................................................................................................ 362 . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................................................................................................................... 9.1. Agente que não socorre vítima atropelada temendo agravar a situação 9.2. Concurso d e pessoas nos delitos omissivos 9.3. Agente que imagina que corre risco, quando na verdade este não existe 9.4. Obrigação solidária e necessidade de ser evitado o resultado 9.5. Omissão de socorro no Estatuto do Idoso 9.6. Omissão de socorro no Código de Trânsito brasileiro 9.7. Recusa da vítima em deixar-se socorrer . Capítulo 1 5 - 358 ....................................................... ........ ........................................ .................................................................................................................................................. Destaques 357 364 365 366 ........... 366 ................................................................... 366 ......... 368 ............................... 369 ....................................................................... 369 ............................................... 370 ......................................................................... 371 C o n d icio n a m e nto d e ate n di m ento m é d ico- hosp itala r e m erge n ci al . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7 3 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Causa especial d e aumento d e pena 9. ............................................................................................................................................. . ............. ................................................................................................... 373 377 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377 . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 78 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............ 3 78 ............................................................................................................................ 3 79 .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........................................................................................... 379 3 79 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . 1 0. Obrigação d a afixação 10.1. Destaque Capítulo 1 6 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . 380 ..................................................... ................................................................................... 380 Maus-Tratos . 3 79 .............. ................. ........................... . ....... . ....... . ......... . ............. . . 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... ................................................................................................................. ................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 381 386 386 387 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo ............................................................................................................................ 388 7. Modalidades comissiva e o missiva 8. Modalidades qualificadas 9. Causa de aumento de pena . . . . . . . . . 387 . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............................................................................................. . ..................................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ ............................................................................................................. 388 389 390 1 0 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . ............... 1 1 . Destaques . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . 391 11.l. Maus-tratos contra idoso - art. 9 9 da Lei n º 1 0 . 7 4 1 / 2 0 0 3 ...................................... 3 9 1 1 1.2. Maus-tratos e crime d e tortura ............................................................................................ 1 2 . Maus-tratos à criança e/ao adolescente Capítulo 1 7 - . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... 392 392 Rixa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 9 5 1. Introdução 2. Classificação doutrinária . 3. Objeto material e bem juridica mente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades c omissiva e omissiva . 8. Modalidade qualificada 9. 390 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........................... ................... ..................................................... ......... . . 395 398 . . . . . . . .. . . . . . . . ..................................... ............ 398 ........................................................................................................ 399 . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399 ............................................................................................................................ 401 ............................................................................................. 402 . . . . . .. . . . . . . . . . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 . Destaques . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10.1. Inimputáveis e desconhecidos integrantes da rixa 1 0. 2 . Meios d e cometimento do delito d e rixa 10.3. Vias de fato e lesão corporal de natureza leve 1 0.4. Lesão corporal de natureza grave e morte resultantes da rixa 10.5. 403 403 ..................................................... 403 .......................................................................... 404 ............................ ...... ............................ .............................. 405 405 Concurso de crimes entre a rixa (simples o u qualificada) e as lesões corporais leves ou graves, e o homicídio ......................................................................... 406 ............................................................................................. .............................. 408 10.6. Grupos opostos 10.7. Rixa simulada 1 0.8. Participação na rixa e participação no crime de rixa 10.9. Possibilidade de legítima defesa no delito de rixa Capítulo 1 8 - . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409 ................................................. 409 ............................. .......................... 410 Dos Crimes co ntra a H o n ra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1 3 1. Introdução 2. Meios d e execução n o s crimes contra a honra .............. ....................... ............................................................... . . . . . . . ..... ............................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415 417 3. 4. Imunidades dos Senadores, Deputados e Vereadores . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 418 Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria, de competência do juiz singular Capítulo 1 9 - .................................................................................................................................... 420 Calúnia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2 1 1. Introdução . 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Agente que propala ou divulga a calúnia 8. Calúnia contra os mortos 9. Exceção d a verdade . ....... . .............................. 421 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424 .................................................................... .............................................. . . ............................... ......................................... 424 . . . . . . . . . . . .................... . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424 .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 428 ......... .... .... . . ...................... . . . .. ........ 429 ........................................................ 430 . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 430 ......................................................................... ........................................................ ................... ................. . . . 1 0. Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 1 1 . Destaques ......................................................... 436 .......................................................................... 436 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .................................... 437 ...... ............................................................................... 1 1.1. Pessoas desonradas e crime impossível 1 1. 2 . Calúnia implícita o u equívoca e reflexa 1 1.3. Exceção d e notoriedade 1 1 .4. Calúnia proferida no calor de uma discussão . . .................. 438 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................................... 438 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.5. Presença d o ofendido 1 1 .6. Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............................. ...................................................... 1 1 . 7. Consentimento do ofendido 1 1.8. Calúnia contra o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, Diferença entre calúnia e difamação 1 1. 1 0 . Diferença entre calúnia e injúria . - . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440 440 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 440 . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ............ ..... .................... 441 1 1 . 1 1 . Foro por prerrogativa de função na exceção da verdade Capítulo 20 438 . 439 .................................................................................................. o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do ST F 1 1.9. 435 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 441 D i famação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 3 1. Introdução .................. .......... 443 2. Classificação doutrinária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 444 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo ...................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................... ... ..................... ............................................. . 444 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 445 . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ......... 446 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448 7. 8. Exceção da verdade . 448 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo 9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........................ ............................ ............................ ........................................... ....................... D estaques .......... . . .............. .................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.1. Consentimento do ofendido 9.2. Presença do o fendido 9.3. Difamador sem credibilidade 9.4. Divulgação ou propalação da difamação 9.5. Difamação dirigida à vítima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . ........... ........................ .............. ..................................................... ..... ............................................................................................... . . . . . .... .... ................. .... ............... ......................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9.6. Vítima que conta os fatos a terceira pessoa . 9.7. Agente que escreve fatos o fensivos à honra da vítima em seu diário . 9.8. Exceção d e notoriedade - 450 450 450 450 451 451 . 452 . . . . . . . . . . . . . . . . ............................ ..... . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .............. Capítulo 2 1 449 . . . . 452 . 453 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. I njúria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 5 5 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Meios de execução e formas de expressão da injúria 8. Perdão judicial 9. Modalidades qualificadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 455 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457 .............................. .............. ...... . . ....... ....................................... ............................ 457 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457 .. ....................................................... 458 ....................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . ..... .................................................. . .. ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............. .......... . . ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. ............. ......................... . .............. .................................................................... . .......................... 458 459 461 462 1 0 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o processo . . ....... ...... ................................ .... 465 .......... .................................................. ............................................. 466 ................................ .................. .......................................... 1 1 . Destaques ..................................... . . . . 11. l. Injúria contra pessoa morta 1 1.2. Contexto da injúria 1 1.3. Discussão acalorada 1 1 .4. Caracterização da injúria mesmo diante da veracidade das imputações 1 1 .5. Injúria coletiva Capítulo 2 2 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............. ............................................ ............. ........................................ 4 67 468 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . . . 468 . . . . . . D i s p o s i çõ es C o m u n s aos C ri m es contra a Ho nra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 469 Causas d e aumento de pena 2. Exclusão d o crime e da punibilidade 3. Agente que dá publicidade à difamação ou à injúria, nos casos dos incisos ............... do art. 142 do Código Penal . Retratação 467 . . . ....... 1. 4. 466 . .................................. . . .................................. ............ .................... 469 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 474 ... . ................... ............................................................. . . . 1 e III ..................................... . . 483 . 483 .. ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5. Pedido de explicações . 6. Lei de imprensa não foi recepcionada pela nova ordem constitucional ... ........ . . . . . . . 484 ................................ .............. ... ...................... ....... .................. ....... . 486 ............ ..... Capítulo 2 3 - Co nstrangi m e n to Ilega l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 8 7 1. Introdução . . . 487 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa . 6. Elemento subjetivo ............................................................................................................................ 4 9 1 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Causas de aumento d e pena 9. Concurso d e crimes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. 489 ................................................................... 490 . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 490 ..................... ... ............................................... . . ..... ................... . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............. 49 1 ........ .................... 491 . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 492 . ............................ ................................................ . 1 0. Causas que conduzem à a tipicidade d o fato . 490 ............ .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ ................................. .................. . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . . .... 494 1 1 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo .................................................................................................................................................. 1 2 . Destaques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 12.1. Vítima que é constrangida a praticar uma infração penal 1 2. 2 . Vítima submetida a tortura a fim d e praticar um fato definido como crime 1 2 .3. Suicídio como comportamento ilícito, porém atípico 1 2 .4. Consentimento do ofendido 12.5. Vias d e fato em concurso com o constrangimento ilegal ... 1 2 .6. Constrangimento exercido para impedir a prática de um crime 1 2 .7. Constrangimento exercido para satisfazer uma pretensão legítima Ca p í tul o 24 - Ameaça . ................................................ 497 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 498 . . . .... . . . . .. . . ......... . . ... ... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido . 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa ............................................... 6. Elemento subjetivo .................................. ......................................................... ......................... .............. ....... ....... .............. ...................................................... .............. . . ........................................................................................... ................. ... . 501 503 505 ......................................... .......................... 506 .... ................... . ...... . . 501 .......................................... . . 500 503 ............................................................. . 499 499 ............ . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ 507 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo 8. ................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. 7. . ............ ...... ................... Introdução . 495 . 496 1. ........ 495 ....... ....... . . . ....... . . ......... . . . ....................................... 49 5 . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Destaques . ................................ . . .. . ................................ . .... . . . ........................... ...................... . .... ................... ................................................. ................... 8.1. O mal deve ser futuro? 8.2. Legítima defesa e o crime de ameaça . . ..... . ........ . ................................ ...................... ............................................. ........ ............................................... ......................... ........ 508 508 508 510 8.3. Verossimilhança do mal prometido ................................ ................ ................................... 8.4. Ameaça supersticiosa 8.5. Pluralidade de vítimas 8.6. Ameaça proferida em estado de ira ou cólera 8.7. Ameaça proferida em estado de embriaguez . ........................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .................................. ....... ................... ............... . . . ............... .................................................. 513 514 Possibilidade de ação penal por tentativa de ameaça Ameaça reflexa ................................................ 514 ............................................................................................................................ 515 S e que stro e Cárcere Privado I ntrodução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Modalidades qualificadas 9. Pena, ação penal e suspensão condicional d o processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517 518 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519 ........................................................................................................ 519 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 520 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 521 .............................................................................................. 522 ........................ ........................................................................................ 522 ..................................................... 527 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 527 10.1. Consentimento d o ofendido 1 0. 2 . Subtração d e roupas d a vítima 1 0. 3 . Participação ou coautoria sucessiva 1 0.4. 517 . ........ . . ....... . . ........ ........ . .................. . ........ ..... 1. 1 0 . Destaques 513 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............................................ 8.9. - 512 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . ................................. 8.8. Capítulo 2 5 511 .................................................................................................. . . . . . . . . . ...................... . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................... . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .......................................................... 527 528 529 Sequestro e roubo com pena especialmente agravada pela restrição da liberdade da vítima . . . . . . . . . . . ........................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 . 5. Sequestro e cárcere privado no Estatuto da Criança e do Adolescente 10.6. Sequestro e cárcere privado na Lei de Segurança Nacional 1 0 .7. Sequestro e cárcere privado e a novatio legis in pejus Cap ítulo 2 6 - R e d u ç ã o a C o n d i ç ã o Análoga à de Escravo 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Causa de aumento de pena 8. Pena e ação penal 529 . . . . . . . . . ..... 531 . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 532 ....................................... ......... 532 533 ...... . ...... .............................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................................................................................................................. ................. ............... . ................................ 537 . 537 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 538 ... ....................... 538 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 538 ........................................................................................ . 533 . ............................................................................................................. . . ........................................................ ................................................................... ... 538 5 39 Capítulo 2 7 - Violação de Dom icílio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4 1 1. Introdução 2. Classificação doutrinária . 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva .............................................................................................. 5 4 8 8. Modalidade qualificada 9. Causa d e aumento d e pena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ............... . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ......................... . . . . . . .. . . .. . . ............... ............ ................................................................... . . . 542 545 545 ...................................................................................... .. .......... ... 545 . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 546 . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 547 . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . ................ 549 550 1 0 . Exclusão d o crime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 5 2 1 1 . Conceito legal d e casa ................... .................................................................................................... 553 1 2 . Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............................. 554 1 3 . Destaques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 5 5 13.1. 13.2. Concurso de crimes ....................................................................................... ............................ Casa vazia ou desabitada e casa habitada, com ausência momentânea do morador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13.3. Abuso de autoridade, na modalidade violação de domicílio 1 3.4. A tecnologia como violadora da intimidade Cap ítulo 2 8 - Vi o lação de Corresp on d ência Notas explicativas 2. Introdução 3. Classificação doutrinária 4. Objeto material e bem juridicamente protegido 5. Sujeito ativo e sujeito passivo 556 ......................... .......... 556 ................................................................... 557 . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . .. . . . . . . . .. .. . . . . ... .. . . . . . . . . .. . . . .. .. . . . 1. 6. 555 ............................................................................................................................... . . . . . . . . . . . . . . ........................................................................................................................ . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . .............. . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......................... 5 59 559 563 564 565 565 Sonegação o u destruição d e correspondência e violação d e comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . ................ . . . . . . . . . . . . .. 5 6 6 7. Consumação e tentativa 8. Modalidade qualificada . .. . . . . . . ........... . . . . . . ...................... .......................... ................................ 568 9. Causa d e aumento de pena ............................................................................................................. 569 . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... 570 ................................................................................................................... .. .. 1 0 . Elemento subjetivo 1 1 . Pena e ação penal 1 2 . Destaques . . . . . . . . 567 ....................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................................................... 570 ............................................................................................................................................... 571 12.1. Interceptação d e correspondência d e presos 12.2. Violação d e correspondência entre marido e mulher 12.3. Crime impossível Capítulo 2 9 - . . . . . . . . . . ...................................... . ............................................... .......................................... .............................. 571 573 574 Corre s p o n d ê n cia Comercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 7 7 1. Introdução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. ................................................................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ .......................... .... .................. . ........... . . . . . ........................................ . . ............................................. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . ....................... 577 579 579 579 580 580 580 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional d o processo Capítulo 3 0 . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ....................... - Divu l gação d e Segredo . . . . .. . . .. . . . ... . . . . . . . . . . . . . . ....... . .. . . ..... . . . . . . . . . ......... . . . . . ... . . . . .. . 1. I ntrodução 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Modalidade qualificada 9. Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo ................................................................................................................. 586 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 587 ...... 587 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . .. . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 587 ..................... . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . .......... . . . . . . . . . . . . . . . . 588 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . - 583 586 Divulgação a uma única pessoa Capítu l o 3 1 583 ................................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . ....................................................... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 1 0 . Destaque 10.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 581 . . 588 590 590 . 590 .. .......................... ......... .................................................. . Violação de Segredo Profis si o nal .. . . . . . ........ .. .. . . . . . . ...... . . . . .. . . . . ...... .. . . . . . . . . . . . 1. I n trodução . 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bem juridicamente protegido 4. Sujeito ativo e sujeito passivo 5. Consumação e tentativa 6. Elemento subjetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................................... .................................................. ........................... 593 596 ........................ . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... 596 ........................................................................................................ 596 ........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . ........ . . . . . . . . . . . . . . . . .. . ....... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...... 597 . . 593 ....................................... ........................................................... . ........................ 598 7. Modalidades comissiva e omissiva . 8. Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo .. . .............. . ..... ...... . . ................ ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . ... . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 598 598 Cap ítulo 3 2 - I nvasão d e d i s p o s i tivo i n fo rmático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 9 9 1. Introdução . 2. Classificação doutrinária 3. Objeto material e bens juridicamente protegidos ................................................................ 6 0 9 4. Sujeito ativo e sujeito passivo . . . . 5. C onsumação e tentativa 6. Elemento subjetivo 7. Modalidades comissiva e omissiva 8. Modalidade qualificada 9. Modalidade equiparada . ................ ................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . ............ 609 .... .... 609 . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 610 ... . .. ...... ........ ....... .......... ............ ..................... .... .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . ................ . . ......... ...................... 611 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 611 .. .......... ............................................................................... 612 . . .. . 1 0 . Causas especiais de aumento de pena . . . . 610 ......... .................................................................................... ...... ........................... .................................... .................... ... . . 600 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . . . 613 1 1 . Pena, suspensão condicional d o processo, competência para julgamento, ação penal ............................................. ................................................................... .............................. 6 1 4 1 2 . Destaque . . . . Concurso de causas de aumento de pena 1 2.2. Marco civil d a internet .. R e fe rê n cias ... . ....... . . ....... . . ..... Í n d ice Remissivo ...... . . . . . .. ......... . .. . . . .................................................... .... 615 . . . . . ..... ............... ........... .................................... 615 ........... ...................... .... ............................. ................. 12.1. . . .................... ............. .................... ........ ......... .......... . .................. . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ..... . ......... . ....... . . . ............. . . . . . . ........... .... .......... ............. . . . .. 617 ....................... 625 ...... . ......... ....... .. . 616 ................. . C A P Í T U LO 1 I N T RO D U Ç Ã O À T E O R I A G E RA L D A P A RT E E S P E C I A L 1. ESCLARECIM ENTOS P R E L I M I N A R ES H á algum temp o se discute a necessidade de se formular uma teoria geral da Parte Especial do C ó d igo Penal. O C ó digo Penal b rasileiro, da mesma fo rma que a maioria dos Códigos Penais europeus, a exemplo do alemão, do espanhol e do p o rtuguês, é subdividido em duas partes, ou seja, possui uma Parte Geral e uma Parte Es pecial. À Parte Geral com pete estab elecer, conforme l ições de Sérgio de Ol iveira M é dici, "os princípios fundamentais do D ireito Penal, por meio de um sistema de regras genéricas relativas à lei penal, à teoria do crime e à comi nação, apli cação e execução das sanções". 1 Destina-se a Parte Especial, precipuamente, a definir a s i n frações penais, val e dizer, os comportamentos proibidos ou i mpostos, sob a ameaça de uma sanção de natureza penal. Entretanto, verifica-se também, na Parte E special, normas que não possuem essa natureza incriminadora, destinando-se ora a eliminar a própria infração penal - com a exclusão da tipicidade, ili citude ou da culpabilidade -, o ra afastando tão somente a punibilidade do agente, ora até mesmo traduzindo conce itos que serão utilizados quando da interpretação dos tipos penais, como acontece quando a lei p enal explicita, o que vem a ser casa para fins d e identificação do delito d e violação de domicílio (art. 1 5 0, § 42-, do CP). As regras gerais contidas na Parte Geral do Cód igo Penal aplicam-se não some nte à sua Parte Especial, como também aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser d e modo d iverso, confo rme se percebe da leitura de seu art. 1 2 . Assim, devemos nos p erguntar: Tais regras, contidas n a Parte G eral do Código Penal, são suficientes para possibil itar o estudo e a resolução de todos os p roblemas inere ntes à sua Parte E special, ou seria razo ável e necessária a criação de uma teoria geral da Parte Especial, cuja fi nalidade primordial s e ria M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p. 61 . 1 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i analisar as figuras típicas e m si, cada qual com suas particularidades, fo rnecendo as orientações e o s i nstrumentos que l h e seriam próprios, mesmo que alguns deles já tivess e m sido previstos pela Parte Geral d o Código Penal? A d outrina se divide com relação a esse tema. Há autores que são radicalmente co ntra a criação de uma teoria geral da Parte E special do C ódigo Penal e outros que lhe são favoráveis. M aggiore posici o na-se contrariamente : "Não cremos que s e possa construir - como o intentou WOLF uma teoria geral da parte especial; se ela fosse possível, fi caria n ovamente compreendida n a p arte geral, a quem corresponde fixar o s critérios gerais e os princípios normativos que val e m para toda classe de delitos. O ú n i c o trabalho reservado a o criminalista, n e s s e campo, é o de classificar.'' 2 Ainda mais enfaticamente, José Cirilo de Vargas, repudiando a possibilidade d e criação d e uma teoria geral da Parte Especial, assevera : "Duas d ificuldades de ordem metodol ógica desafiam quem, apenas e tão s o me nte, deseja compreender o sign i ficado do nome atribuído à n ova disciplina. O conceito de 'teoria' é, nada mais, nada m e nos, que tormentoso. Se especulação p ura, opõe-se à p raxis, e resvalaríamos para os domínios da Filosofia, conhecida de maneira i n expressiva e rudimentar pela quase totali dade dos Alunos da Faculdade de Direito. Além do que o conteúdo da matéria a ser explanada perderia seu caráter d e 'j uridici dade', ou, quando nada, a dogmática ficaria de certo modo compro m etida. S e maneira ou forma de se levar à descoberta d e n ovos fatos, a teoria, em D i reito (sobretudo e m um setor onde predominam os tipos penais, como a parte especial), não pode pretender descobrir fatos novos : os tipos se reduzem a esquemas d e conceitos. A segunda d i ficuldade prende-se ao fato de ser 'geral' a p retendida teoria. O 'geral', na h ipótese dada, é a própria n egação do sistema da parte especial, ponto de apoio e referencial n e cessário de uma parte do D ireito Penal que, exatamente tentando não ser fragmentário (e, por isso, p leiteando fo ros de C i ência), necessariamente haverá de ser sistematizado.''3 Em sentido contrário, afirmando a u tilidade, bem como a necessidade de criação de uma teoria geral da Parte Especial, assim se posiciona Sérgio de O liveira M édici: MAG G IORE, Giuseppe. Derecho penal, v. l i , p . 8 . VARGAS, José Cirilo d e . Introdução a o estudo dos crimes em espécie, p. 8. 2 1 NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 "Consideramos pe rfeitamente viável a elaboração de um estudo teórico da p arte espe cial, p ara evitar que tal atividade se reduza a mera interpretação dos tipos em espécie. Além disso, alguns temas desenvolvi dos no estudo da parte geral integram igualmente a p arte especial, como o princípio da legalidade (não há crime sem tipo) e o concurso aparente de n o rmas (o concurso se dá e ntre tip os) . O sistema penal b rasileiro, como acontece na maioria dos modernos sistemas penais d a família j urídica romana, exibe-se tradicionalmente separado em Pa rtes G eral e Especial. Essa divisão, entretanto, não signi fica que tais Partes revelem a existência de conjuntos fragmentados, sem qualquer elo. Ao contrário: quanto maior a i ntegração entre as duas Partes, mais funcional tornar-se-á a interpretação das normas e efetiva a atuação do Direito Penal em sua missão de garantia da segurança i n dividual e coletiva."4 Apesar da co ntrovérsia do utrinária, somos partidários da corrente que entende como fun damental o estudo de uma teoria geral da Parte Especial, que pro curará ocupar a função de "p onte" entre as partes Geral e Especial, preenchendo as lacunas existentes. Não se pode negar que nem todas as h i p óteses co nstantes da Parte E special fo ram previstas e cuidadas pela Parte Geral, a exemplo do que ocorre com as chamadas escusas absolutórias, competindo à teoria geral da Parte E special utilizar as ferramentas adequadas p ara a i nterpretação das figuras típicas. Na verdade, o estudo partirá desde a observação dos princípios penais fundamentais, que deverão servir de norte ao legislador quando da criação dos tipos penais incriminadores, até a análise de todos os seus elementos informativos, fazendo­ -se, por assim dizer, "Raios X" de tudo aquilo que nele possa estar contido, a fim de que sejam aplicados corretamente aos casos que, supostamente, subsumem-se a eles. 2. C A T E G O R I A S F U N D A M E N T A I S P A R A O E ST U D O DA T E O R I A G E R A L DA PARTE E S P EC I A L Partiremos d a p ro p osta l evada a efeito p o r Sé rgio d e Olivei ra Médici, que aponta três categorias fu ndamentais para o estudo da teoria geral da Pa rte Especial: a) a obj etividade j u rídica; b) a sistematização dos tipos; e) a proporcionalidade das p e nas.5 M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial d o direito penal, p. 1 72 . M É DICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do d i reito penal, p. 1 75. 3 RoG É RJO G REco VOLUME l l 2 . 1 . A o b j et i v i d a d e j u ríd i c a D e acordo c o m u m a visão minimalista, o D ireito Penal tem a fi nalidade de proteger os bens mais i m p ortantes e necessários ao convívio em soci edade, e essa proteção se dá, j ustamente, por intermédio dos tipos p enais incriminadores existentes não somente na Parte Especial do C ó digo Penal, como também na chamada legislação p e n a l extravagante o u extraordinária. Uma vez eleita e afirmada a fi nalidade do D ireito Penal, outras questões d evem ser colocadas. Assim, s e a fi nalidade do D ireito Penal, segundo a posição maj o ritária da doutrina, é p roteger esses bens considerados vitais para a manutenção da própria socie dade, qual o critério a ser adotado para se chegar a essa noção de importâ n cia? Sabemos que esse conceito de i m p o rtân cia é relativo e varia de sociedade para sociedade. Aquilo que pode ser i mportante no B rasil, por exemplo, pode não ter o mesmo relevo em um país de cultura oriental. No entanto, não cuidaremos de discussões que i mp o rtem em comparações d e sistemas (nacional e estrangeiros), mas, s im, p rocuraremos desven dar os mistérios da criação típica e m nosso o rdenamento j u rídico-penal. O legislador não é completamente l ivre para criar, ao seu alvedrio, as figuras típicas, devendo se submeter aos princípios i n formadores do D ireito Penal. Não b asta querer, segundo sua própria vontade, pr oib ir ou impor comportamentos sob a ameaça d e uma sanção d e natureza penal, pois, nos dias de hoje, exige-se algo muito mais além do que o seu próprio "capricho". O legislador, portanto, possui liberdade limitada pelos princípios penais fundamentais que devem, obrigatoriamente, ser obs ervados. Pelo menos é o que se espera, sob pena de se macular o tipo penal por ele criado, tornando-o inválido. M e rece ser frisado que o legislador não está atrelado a um princípio penal fundame ntal, mas aos princípios penais fun damen ta is, cada u m deles repercutindo de fo rma diferente na ó rb ita da criação típ ica. Assim, por exemplo, o primeiro princípio a ser observado deverá ser o da in tervenção m ín ima, coração, p o r assim dizer, do chamado Direito Penal Mín imo. Por meio dele, o l egislador so mente po derá fazer a escolha dos bens considerados de maior i m p o rtância, d evendo observar, ainda, sua natureza subsidiária, ou seja, o entendimento e m virtude do qual se chega à conclusão d e que o D ireito Penal d eve ser sempre a u ltim a ratio, e nunca a p rima o u solo ratio, uma vez que, se os demais ramos do ordenamento j u rídico forem fortes o suficiente na proteção de d eterminado b e m j urídico, é preferível que o D ireito Penal não inte rvenha, p rese rvando-se o status liberta tis do cidadão. O utros princípios também devem ser observados, a exemplo dos princípios da ade quação social, lesividade, fragmentariedade etc., que aten derão aos axiomas penais garantistas, assim fo rmulados : n u /la poena sine crimine; n u llum crimen sine lege; n u /la /ex (poenalis) sine necessita te; n u/la necessitas sine injuria; n u /la injuria sine actio n e; n u/la actio sine culpa. 4 I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 N este tópico, daremos ênfase somente ao princípio da intervenção mínima, como princípio orientador para a seleção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, p artindo, p ortanto, dos pressupostos da chamada teoria do bem ju rídico. Conforme tivemos oportun idade de esclarecer em nosso Direito Penal do Eq uilíbrio - Uma visão minim alista do Direito Pena l, 6 se, de acordo com uma concepção minimalista, a fi nalidade do D ireito Penal é p roteger os bens mais importantes e necessários ao convívio e m sociedade, a primeira pesquisa a ser fe ita é a d e, j ustamente, identi ficar a origem da teo ria, b e m como o conceito de bem j u rídico, para, em m o me nto posterior, analisarmos os seus critérios de seleção p ara fins d e p roteção p el o D i re ito Penal. Luiz Regis P rado, almejando traçar uma evolução conceituai do bem j urídico, afirma que "a ideia de obj eto j urídico d o del ito nasce com o movimento da ilustração e com o surgimento do D i reito Penal moderno".7 Roxin, a seu turno, colocando em d úvida se a origem da teoria do bem j u rídico oco rreu, e fetivam ente, no Século da Luzes, aduz: "A questão d e se o conce ito d e bem j urídico, cuja criação se atribui a B irnbaum, tinha n a época em que surgiu no século XIX u m conteúdo liberal e l i mitador da punibilidade, é tão discutida como a conexão que frequentemente se afirma que existe entre a teoria do bem j u rídico e o D i reito Penal do iluminismo, que havia se esforçado para restringir a punibilidade aos danos so ciais, derivando disto, também, a exigência de i mpunidade das m eras infrações co ntra a moral." 8 Apesar da discussão existente, foi com base nas ideias iluministas que a teoria do bem j u rídico s e desenvolveu e se proj etou no D ireito Penal. A passagem de um Estado Absolutista p ara u m E stado Lib eral fez com que a teoria do bem j u rídico­ -penal ganhasse a importância que m erecia, tendo em vista ser uma garantia do cidadão aceitar a criação d e tipos penais incriminadores pelo E stado s o m ente quando u m bem j urídico estivesse sendo p o r ele p rotegido. Isso significa que o tipo penal passaria a exercer função seletiva de bens j urídicos, necessários à manutenção do corpo social. Contudo, como bem al ertou Luiz Regis Prado, "apesar de o postulado de que o delito lesa ou ameaça de lesão os b ens j u rídicos ter a concordância quase total e pacífica dos doutrinadores, o mesmo não se pode dizer a respeito do conce ito de bem j urídico, onde reina grande contrové rsia''.9 G R EGO, Rogério. Direito penal do equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal, p. 72-83. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p . 2 1 . ROX I N , Claus. Oerecho penal - Parte general, p. 55. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 35-36. 5 RoGÉRJo G REco VOLUME I I Günther Jakobs assevera que "um bem é uma situação ou fato valorado positivamente". 1 º Para Bustos Ramírez e H ormazábal Mal arée, "os bens j urídicos considerados materialmente são relações sociais con cretas que surgem como síntese n ormativa dos processos interativos de discussão e confrontação que têm lugar dentro d e uma sociedade democrática. São dinâmicos, pois estão em permanente discussão e revisão".11 Zaffaroni, a seu turno, assevera que "bem j urídico penalme nte tutelado é a relação de disponibilidade de uma pessoa com um obj eto, p rotegida pelo E stado, que revela seu i nteresse mediante n o rmas que proíbem d eterminadas condutas que as afetam, as que se expressam com a tipificação dessas condutas". 1 2 Espe ranza Vaello Esquerdo es clarece que "os bens j urídicos co nstituem valores o u i nteresses p rotegidos pelo D i re ito na medida e m que são pressupostos necessários p ara que as pess oas desenvolvam sua vida s ocial, podendo ser d e natureza i ndividual (vida, lib erdade, h o n ra etc.) o u comuni tária (saúde pública, s egurança do E stado, meio ambiente, dentre o utro s) ." 13 C e rto é que, independentemente do conceito que se adote de bem j urídico, o ra enfatizando um bem i ndividualme nte considerado, ora levando em consideração um bem de i nteresse coletivo ou so cial, a escolha deverá recair somente sobre aqueles que gozarem da importância exigida pelo D i reito Penal, a fim de que o princípio da intervenção mínima se j a atendido. O raciocínio aqui desenvolvido é d e tal importância que Ferraj oli, 1 4 comparando o s crimes com as contravenções penais, advoga a tese da completa revogação d estas ú ltimas, uma vez que, de acordo com a pena cominada em abstrato, que d e fine, na verdade, a gravidade da i n fração penal, se às co ntravenções penais tocam a proteção dos b ens que não são tão im portantes a ponto de serem p rotegidos pelos tipos penais que p reveem os delitos, melhor seria, em atenção ao princípio da i ntervenção mínima, que todas fossem abolidas, sendo os bens nelas p revistos p rotegidos por outros ramos do ordenamento j u rídico, val e dizer, o civil, o administrativo etc. Também d everá ser consi derado o fato de que cada sociedade possui l i berdade para valo rar seus bens de acordo com a sua cultura, não se podendo generalizá-los o u mesmo l imitá-los. Como veremos mais adiante, existe uma zo n a de consenso na qual determinados bens possuem o mesmo val or em qualquer soci e dade. P o r outro lado, também existem as zonas de conflito, ou seja, s ituações que são tratadas de uma fo rma p o r determ inada s oci edade, e que recebem tratamento e imp ortância completamente dife rentes de outra. Por JAKOBS, Günther. Oerecho penal - Parte general, p. 50. BUSTOS RAM Í R EZ, Juan J . ; HOR MAZÁ BAL MALAR É E, Hernán. Leciones de derecho penal, v. 1 , p. 59. ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Tratado de derecho penal - Parte gereral, v. I l i , p. 240. ESQUER DO, Esperanza Vaello. lntroducción ai derecho penal, p. 42. FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p . 575. 6 INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 exemplo, a vida é um b e m so b re o qual existe consenso de p roteção. Contudo, h á tipos p enais que, e m tese, protegem a vida, que são previstos em determinada sociedade e não o são e m outra. Raciocine-se com o delito de aborto, punido pela legislação brasileira, mas tolerado e m outros ordenamentos j u rídicos. O critério de p roteção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, portanto, não po d erá ser absoluto, rígido, determinado para todo e qualquer ordenamento j urídico, pois o grau de importância oscilará de cultura para cultu ra. 2. 1 . 1 . O c r i t é r i o d e s e l e ç ã o d o s b e n s j u r íd i c o - p e n a i s e a c r i a ç ã o t í p i c a S e alguém descumpre as regras so c i ai s normatizadas, se desconsidera as proibições ou i mposições do o rdenamento j u rídico-penal que, pelo menos em tese, fo ram e ditadas e m b enefício da sociedade, a fim de preservar uma convivência tranquila e pacífica entre o s cidadãos, a ideia de censurar o ato de rebeldia ao sistema l ogo nos vem à m e nte. A censura vem corporificada por m e i o da pena. É ela, inclusive, que i rá ditar a gravi dade do mal p raticado. M as como c hegar a esse q u a n tu m, como dizer, por exemplo, que aquele comportamento é mais grave do que este, merecendo, p ois, maior censura e, consequentemente, pena maior? Como mensurar a censura do Estado realizada por i ntermédio d a p ena, que deverá, obrigatoriamente, ser proporcional a o mal praticado pelo agente? Considerando, ainda, as funções que se atribuem à p e na - reprovar e p revenir os crimes -, como apontar aquela exata, que consiga cumprir as referidas funções? Tais p e rguntas, como se p ercebe, não são fáceis de responder. Escl arecer por que a o delito d e furto s i mples, que tem por finalidade p roteger o nosso patrimônio, fo i cominada u m a pena p rivativa de l ib erdade que vari a de um a quatro anos e, no delito de lesão corporal, cuj o escopo é a p roteção de nossa integridade corp o ral e a saúde, n a sua m o dalidade fundamental, foi p revista, em abstrato, també m outra pena p rivativa de liberdade que varia de três meses a um ano, é tarefa de difícil solução. Outro p onto a s e r debatido diz respeito à pena a ser aplicada a cada infração penal. I sto é, escolher, dentre as penas p revistas p el a lei penal, aquela que mais se a dapta ao fato delituoso praticado. D esde uma p equena pena de multa até a privação da liberdade, se m contar com a possibilidade, também, mesmo que excepcionalmente, da apli cação da pena de morte, em caso de gue rra decl arada, nos termos do art. Sº-, XLVII, a, da Constituição Federal . Podemos to mar como referência de valo res superi o res aqueles inseridos na Constituição. Considerando uma h i e rarquia de b ens, necessária ao raciocínio da proporcionalidade, teríamos de, o b rigato riamente, começar pelo estudo daqueles que, dada sua importância, ganharam foros co nstitucionais. 7 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 [ Laura Zúfíiga Rodriguez adverte: "O caráter imperativo dos direitos fundamentais, como val o res superiores do E stado constitucionalmente admitidos, se expressa e m reconhecer-lhes sua normatividade j urídica e qualidade prescritiva ética, como contexto fundamentado r básico de i nterpretação de todo o ordenamento j urídico, postulados-guias o ri entadores de uma h e rmenêutica evolutiva da Constituição, e critério de legitimidade das diversas manifestações d e l egalidade. Os valores superiores consagrados n a Constituição assim entendidos determinam a esfera de atuação do legislador ordinário e os marcos em que se pode mover o intérprete (juiz ou doutrina) .'' 1 5 Contudo, h á outros bens de relevo a p roteger que não possuem status co nstitucional. tarefa de selecionar os bens parte, inicialmente, da sua valoração, de acordo com uma concepção minimal ista, na qual somente aqueles realmente importantes poderão merecer a proteção do D i reito Penal. Embora nossa opção seja por um D ireito Penal Mínimo, sabemos que, nem sempre, a sociedade compartilha essa p ostura ideológica. Na verdade, e como regra, pelo menos em nosso país, a sociedade, cansada de presenciar atos atrozes que nos causam repugnância, busca, cada vez mais, a tipificação de comportamentos até então considerados indiferentes para o Direito Penal. Começa a surgir, portanto, um terrível processo de inflação legislativa que somente conduz ao descrédito e à desmoralização do Direito Penal. A M esmo sabendo que a "mola propulsora" da criação dos tipos penais é a mobil ização da "o p inião pública", a p olítica cri minal de cada época é que define a seleção dos comportamentos que devem ser punidos, com a consequente valoração dos bens j urídicos que devem ser penalmente tutelados. É uma política criminal d e tensão, haja vista que m ovimentos antagônicos - minimalistas e maximalistas - se digladiam em busca da vitória de seus ideais: os minimalistas, afi rmando que a criação exagerada de tipos penais (incri minadores) fará com que o D ireito Penal se ocupe de proteger bens que não têm a importância necessária por ele exigida, n ivelando-o aos outros ramos do ordenamento j urídico, mesmo sendo suas penalidades as mais estigmatizantes; os adeptos das teses maximali stas, aduzindo que a sociedade deve val er-se desse meio forte de i m posição de terror, que é o D ireito Penal, a fi m de tentar evitar a p rática de comportamentos em tese a ela danosos ou p erigosos, não impo rtando o status que goze o b e m que com ele se quer proteger. Para os m aximalistas, o Direito Penal teria papel educador, isto é, mediante a i mposição de suas graves sanções, inibiria aquele que não está acostumado a atender às normas de convivência social a p raticar atos socialmente i ntole ráveis, mesmo que de pouca ou nenhum a importância. RODRIG UEZ, Laura Zúniga. Política criminal, p. 55. 8 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 A seleção dos bens j urídicos varia de sociedade para soci e dade. O critério de seleção será valorativo-cultural, de acordo com a necessidade de cada época, de cada sociedade. H á uma zona de consenso, comum a toda e qualquer sociedade, no sentido da proteção de determinados bens, com a criação de certas figuras típi cas, como é o caso dos delitos de homicídio, roubo etc. Co ntudo, há zonas de conflito e m que condutas incriminadas em determinada sociedade já não o são em outras, a exemplo do que ocorre com a punição pelo aborto e com a homossexualidade. Co nforme esclarecem J orge de Figueiredo D ias e Manuel da Costa Andrade, "há crimes - e não caberá aqui enumerá-los - que exprim e m u m inequívoco consenso de t o d a a colectividade e q u e despertam n e l a sentimentos de coesão e solidariedade. Trata-se, além disso, de crimes comuns à generalidade das sociedades e tendencialmente constantes ao longo da história. Não faltam, po rém, crimes 'criados' para emprestar eficácia a uma particular moralidade ou a um determinado arquétipo de organização econômica, social ou política. Tais crimes constitu e m sempre, de forma mais ou menos imediata, afl o ramentos de uma determinada co nfl itualidade, porquanto a criminalização nesta área pressupõe o exercício do poder no interesse de uns, mas impondo-se a todos. Como facilmente se intui, é aqui que o problema da defi nição do crime se co nverte num problema eminentemente pol ítico". 16 N a nossa opção minimalista, seja partindo da busca de val ores constitucionais, seja selecionando o utros que não têm sede constitucional, o que importa, na proteção e na seleção desses bens pelo Direito Penal, é, efetivamente, que eles possuam a i m portância exigida por esse ramo do ordenamento j u rídico, considerado o mais grave e radical de todos. Luiz Flávio Go mes, dissertando sobre os papéis exercidos pelo bem j urídico na seleção dos comportamentos que se quer proibir ou impor sob a ameaça de uma sanção penal, diz: " (a) O primeiro é de natureza indicativa, é dizer, em decorrência do princípio da exclusiva proteção de bens j urídicos, hoje se reconhece (indicativamente) que some nte os bens existenciais (individuais ou s upraindividuais) mais i mportantes para o ser humano, é dizer, os que são in dispensá veis para o des envolvimento da sua personalidade, merecem ser contemplados em uma norma como obj eto de proteção (e, por conseguinte, da ofensa) penal; D IAS, Jorge d e Figueiredo; AND RADE, Manuel da Costa. Criminologia criminógena, p. 89. - O homem delinquente e a sociedade 9 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i (b) o segundo é de caráter n egativo, no sentido de que estamos em condições d e afirmar, com b oa margem de segurança, ao menos quais bens não podem ser convertidos em obj eto da tutela (e da o fe nsa) penal: a moral, a ética, a religião, a ideologia, os valores culturais como tais etc." 1 7 N a tarefa de proteção dos bens vitais e necessários ao convívio em s oci edade, o legislador, encarregado da seleção desses bens, deve considerar como princípios norteadores de sua atividade a chamada intervenção mínima do D ireito Penal, ressaltando sua natureza subsidiária, b e m como a lesividade e a inadequação social do compo rtamento que se quer proibir ou impor sob a ameaça de uma sanção. Embora o bem tenha sido politicamente considerado como rel evante, se outros ramos do ordenamento j u rídico puderem, com efici ência, fazer sua p roteção, não haverá necessidade da i ntervenção radical do Direito Penal. Por exemplo, se o D ireito Administrativo for capaz de inibir comportamentos que ofendem bens de relevo, em vi rtude do caráter subsidiário do Direito Penal, aquele terá preferência na defesa do b e m que se quer proteger com a proib ição da conduta. Não bastasse, ainda deverá o legislador l eva r a efeito o raciocínio da lesividade do comportamento, isto é, so m ente poderá p roib ir condutas que ultrapassem a pessoa do agente e que venham a atingir bens pertencentes a terceiros. De acordo c om esse racio cínio, n ão pode have r proibições de pensamentos, de formas parti culares de ser (modo de se vesti r, opção sexual, educação etc.), devendo o D i re ito Penal ser tolerante com as diferenças existentes entre os seres humanos. Ainda, o comportamento proibido deverá merecer a rep rovação da socie dade, pois se a co nduta que se quer p roib ir já se encontra assimilada pelo meio social, querer criminalizá-la seria, na verdade, fomentar a prática de infrações penais, pois a socie dade, já acostumada com a p rática de determinado comportamento, não se deixaria i nfluenciar pela proibição. E n fim, ultrapassados todos os princípios i nfo rmadores da criação dos tipos penais, abre-se a oportu nidade ao D ireito Penal de colocar o s eu manto p rotetor sobre d eterminado bem. Como b e m ressaltou L u i z Flávio Gomes, "é pressuposto lógico de todo discurso garantista supor que o legislador, apesar da margem de l i berdade (com que conta) no exercício da sua atribuição de selecionar os bens j urídicos, margem essa que deriva da sua posição constitucional e, em última i nstância, de sua específica legitimidade democrática [ . . . ] , está vinculado à Constituição e aos princípios político­ -criminais que emanam dela". 18 G O M E S , Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p. 55. GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p . 69. 10 I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECLAL CAP ÍT U LO 1 O problema maior reside na seguinte indagação: O que é um bem importante, necessário e vital ao co nvívio em so ci e dade? Sabemos que o conceito de importância é flu ido, pulverizado de acordo com as opções políticas adotadas em cada período d e nossa h i stória. Aquilo que era importante para o regime nacional-socialista de Hitler foi visto como uma atrocidade aos direitos humanos. E nfim, na seleção dos bens j urídicos, deparamos com outro probl ema, vale dizer, o da afi rmação da própria i mportância, que depende do período histórico por que passa a sociedade. 19 O po nto de p artida de nosso raciocínio pode ser dirigido à análise dos bens apontados e m nossa Constituição, os quais, p elo menos em tese, gozam de proeminência sobre todos o s demais, em vista da sua enorme importância. Ainda na esteira de Luiz Flávio Go mes, "não é co rreto dizer que exclus ivamente os direitos fundamentais são os merecedores da tutel a penal. Outros bens ou interesses, particulares ou até mesmo coletivos, ainda que não estejam conte mplados no texto constitucional, podem ser obj eto da p roteção penal, sempre que s ejam socialmente relevan tes e compatíveis com o quadro axiológico-constitucional". 2 0 A observação acima m e rece ser analisada de forma mais aprofundada, haj a vista a existência de teorias constitucionalistas que autorizam, tão somente, a criação de tipos penais incriminadores, caso exista abrigo constitucional para o b e m a ser j uridicamente tutelado pelo D ireito Penal. E ntendem, na verdade, a C onstituição como u m limite positivo ao D ireito Penal, podendo-se destacar, conforme as lições de Janaína Conceição Paschoal,2 1 duas vertentes desse pensamento : a) o D i re ito Penal como po tencia/ espelho da Constituição e b) o D ireito Penal como i nstrume nto de tutela a direitos fundamentais. Por intermédio da primei ra vertente, vale dizer, d o D i reito Penal como potencial espelho da Constituição, s o me nte poderia haver a p roteção de b ens j urídicos que tivessem p revisão expressa na Constituição. A Lei Maior seria o l i mite positivo do legislador, no sentido de s o mente p ermiti r, por meio do D i re ito Penal, a p roteção dos bens constitucionalmente p revistos, estej am eles ligados o u não aos d i reitos tidos como fundamentais. A segunda vertente, mais radical do que a primeira, s o me nte p e rmitiria a p roteção penal de bens j urídicos constitucionalmente previstos desde que fizessem parte do rol dos chamados direitos fundamentais, afastando-se a possib i l i dade de tutela penal s ob re os demais, mesmo que se e ncontrassem so b re o ab rigo constitucional. Atualmente, tem-se sustentado a existência de bens jurídicos penais difusos e coletivos, os quais s e referem à sociedade como um todo e que, em geral, são tutelados pelos chamados tipos penais de perigo. GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal, p . 1 03. PASCHOAL, Janaína Conceição. Constítuíção, críminalízação e direito penal mínimo, p. 59-60. 11 VOLUME l l RoG É RJO G REco Contudo, j á o dissemos, outros bens h á que podem não ter sido contemplados em sede constitucional, mas que também gozam da importância exigida pelo Direito Penal. A sociedade é m utante. Valores até então desconhecidos tornam-se fundamentais. Pode acontecer, o que não é incomum, que em determinado momento h istórico em que foi editada a C onstituição não tenha havido a contemplação de um be m que, tempos depois, verificou-se ser da maior importância. Co nforme afirmam Paulo César Busato e Sandro M o ntes H uapaya, [ .. ] o critério de seleção ou hierarquização dos valores e interesses que o D ireito Penal é chamado a p roteger, de lesões ou colocações em perigo, não tem uma regra geral i mutável, e sim depende da estrutura social determinada em um momento histórico. A d ecisão entre uma e outra postura não depende das bases val orativas que o próprio Direito Penal elaborou. A Constituição só constitui uma fo nte de referência, mas tampouco estabelece os limites à seletividade ou hierarquização, já que a sociedade evolui de maneira vertiginosa. Com isso a presença de novos riscos e suas valorações j urídicas e apreciações de índole ideológicas, éticas ou políticas determinam mudanças no campo j urídico-penal que não vão, necessariamente, decorrer de alterações valorativas do campo constitucional". 22 " . Em algumas s ituações, a p rópria Co nstituição é que indica a incriminação de comportamentos atentatórios, por exemplo, à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, conforme dispõe o capu t do art. SQ, b em como seu inciso XLI, quando diz que a lei pu nirá qualquer discriminação a tenta tória dos direitos e liberdades fundamenta is; ou, supostamente, quando determina a incriminação de comportamentos, por e ntendê-los altamente les ivos a bens j u rídicos de relevo, como ocorre com a p revisão contida no inciso X L I I do art. SQ de nossa Lei Maior, que diz que a prática do racismo constitui crime in afiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, n os termos da lei; no inciso XLII I, dizendo que a lei considerará crimes inafiançá veis e insuscetíveis de graça ou a n istia a p rá tica da tortura, o tráfico ilícito de en torpecen tes e drogas afins, o terrorismo e os defin idos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandan tes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; e ainda no inciso XLIV, quando assevera que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis o u militares, con tra a ordem constitucion a l e o Estado Democrático. Janaína Conceição Paschoal aduz: doutrina tem interpretado, de forma diversa, as indicações d e criminalização e as determinações expressas de criminalização. Defende que, com relação às primeiras, "A BU SATO, Paulo César; H UAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal sistema penal democrático, p . 92. 12 - Fundamentos para u m I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 o constituinte faz uma análise da dignidade penal dos bens que reconhece como importantes para uma dada sociedade, d eixando a avaliação da necessidade para o legislador ordinário, enquanto, na segunda (determinação expressa de criminalização), o constituinte já teria feito a avaliação da dignidade e da necessidade da tutela, não s ob rando ao l egislador qualquer liberdade para ponderar concretamente a necessidade desse tipo de p roteção." 2 3 C o m acerto, rebatendo o raciocínio tradicional, a ilustre autora assevera: "Assumir que o constituinte já avalia o merecimento e a necessidade da tutela p enal, estando, p o rtanto, o legislador obrigado a criminalizar, significa voltar as costas ao necessário caráter material da lei e da própria Constituição, i mportando ainda a desconsideração dos princípios i n formadores do D ireito Penal mínimo, que, e m última instância, pauta-se na necessidade e fetiva e n ão m eramente formal da tutela penal." 2 4 E m sentido contrário, atuando como limite n eg a tivo ao Direito Penal, e m vez de apontar quais os bens que estão a merecer a tutela do D i reito Penal, pode a Constituição p roi b i r a incriminação de determinadas condutas. Serve, p ortanto, como l i mite ao ius puniendi do Estado. É uma b arreira i ntransponível para o legislador, cab endo ao Poder J u diciário o control e de diplomas legais que o fendam as proib ições de i ncriminação contidas no texto de nossa norma fundamental. Pode, ainda, e mb o ra permitindo a incriminação de certos comportamentos, proibir a cominação de penas que a fetem a dignidade da pessoa h umana, tal como acontece no art. SQ, i n ciso XLVII, da C onstituição, que diz que não h averá penas de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; de caráter p erpétuo; de trabalhos fo rçados; de banimento e cruéis. Con forme preleciona Alice Bianchini, "um E stado do tipo democrátic o e de direito deve p roteger, com exclusividade, os bens conside rados essenciais à existência do indivíduo em so ci e dade. A d i ficuldade encontra-se, exatamente, na identi ficação d esta classe d e bens. A determinação do que seria digno de tutela penal representa uma decisão política do E stado, que, entretanto, não é arbitrária, mas condicio nada à sua própria estrutura. E m u m E stado social e democrático de dire ito, a eleição dos bens j u rídicos h averá de ser realizada levan do em consideração o s i ndivíduos e suas necessidades no interior da so ciedade e m que vivem".25 PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo, p . 80. PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo, p . 84. BIANCH I N I , Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal, p. 4 1 . 13 RoGÉRIO G REco VOLUME I I N a verdade, a escolha do bem a ser p rotegido pelo D ireito Penal e, consequentemente, a criação da figura típica, como já deixamos antever, deverão obedecer aos princípios penais fundamentais (intervenção mínima, lesividade, adequação social, fragmentariedade etc.) , que servirão de norte ao legislador, a fim de depurar sua escolha, não permitindo, p o r exemplo, que, com a desculpa de proteger certo bem, proíba comportamentos plena mente tolerados pela sociedade, que não causem danos a terceiros etc. H á, portanto, liberda de política na escolha dos bens que m erecerão a tutela do D ireito Penal. Contudo, tal liberdade de escolha se enco ntra limitada pela obrigatória observância dos princípios penais fundamentais. 2 . 2 . A s i st e m a t i z a ç ã o d o s t i p o s A segunda categoria fu ndamental à teoria geral da Parte Especial diz respeito à necessidade de sistematização dos tipos. Os tipos penais existentes na Parte E special do C ódigo Penal, para que sejam b em compreendidos, não podem ser analisados isoladamente, como s e cada um d e l e s estives se em um compartimento estanque, iso lado dos demais. Conforme ressaltamos, é a teoria do bem j urídico que serve de fundamento para a criação da figura típica. Assim, se a fi nalidade do D ireito Penal é a proteção dos bens mais i m p o rtantes e necessários ao convívio em s oci edade e se o i nstrumento utilizado pelo E stado, na p roteção desses bens, é, precisamente, o tipo penal, consequentemente, não pode haver criação típica sem que algum bem esteja sendo por ele protegido. Resumindo, não se pode cogitar de tipos penais que não con tenh a m um bem juridicamente pro tegido. Esse é o nosso primeiro raciocínio. E m seguida à conclusão d e que compete aos tipos penais, mediante suas normas incriminadoras, p roteger o s bens de maior relevo, devemos compreender que h á tipos penais que contêm u m mesmo b e m j uridicamente p rotegido, s omente se diferenciando as figuras típicas em virtude de determinados elementos que o s tornam especiais comparativame nte aos outros . A v is ã o que teremos d e adotar, a partir de ago ra, não será tão som ente de uma estrela (tip o penal), analisada i so ladamente, mas, sim, da co nstelação onde está inserida (seção, cap ítulo, título) e, num sentido mais amplo, a própria galáxia (Código Penal, legislação especial), para se compreender o to do, ou seja, o universo (ordenamento j urídico-penal) . H á necessidade, portanto, de se l evar a efeito uma classifi cação o rdenada das infrações penais contidas na Parte E special do Código Penal, considerando, principalmente, o bem j urídico protegido em cada tipo penal. Aníbal Bruno, dissertando sobre o tema, esclarece: 14 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 "Todo esse m aterial de tipos penais que s e acumula na p arte especial tem de ser discriminado e exposto segundo d eterminada ordem lógica. Não é essa exigência simples i mperativo de construção l egislativa, sem real interesse científico, ou mesmo desnecessária, como pareceu a B I N D I NG, por exemplo. Uma pura questão de técnica não b astaria para comunicar ao problema a importância que se lh e atribui. É a ciência que não recebe o m aterial que lhe é oferecido sem buscar submetê-lo à disciplina de um sistema. D emais, o p o nto de vista donde se parte para a discriminação dos fatos puníveis revel a os fundamentos da ordem penal vigente, a sua estrutura íntim a, e acentua a sua sign i ficação.''26 N o rmalmente, podemos verificar, por meio da ordem colocada na Parte Especial do Código Penal, o perfil do E stado que o editou, ou seja, se estamos diante d e um E stado autoritário, de um E stado democrático etc. No B rasil, por exemplo, tanto o C ó digo Penal do I mpério ( 1 8 3 0) quanto o primeiro Código Republicano ( 1 89 0 ) iniciavam sua Parte Especial cuidando, respectivamente, dos crimes contra a existência p o l ítica do I mpério e dos crimes contra a existência política da República, demonstrando a prioridade desses bens em detrimento da pessoa in dividualmente considerada. Com o advento do Código Penal d e 1 9 40, mudou-se o perfil, uma vez que o Título I de sua Parte Es pecial cuidou, especificamente, dos crimes contra a pessoa. N ã o é fácil, contudo, eleger uma ordem para os tipos constantes da Parte Especial do Código Penal. S érgio de Ol ivei ra Médici preleciona: "A sequência pode observar uma p rogressividade crescen te ou decrescen te, co nforme maior ou menor relevância do be m j urídico. E ste foi o sistema adotado pelos Códigos antigos : primeiro situaram-se os crimes contra o E stado (ou contra o s detentores do p o der), depois as infrações contra a religião e, por último, as o fensas aos interesses parti culares, desenhando-se uma espécie de progressividade decrescente. Mas, com a ampl itude dos atuais C ódigos, haverá uma d ificuldade p raticamente i ntransponível na definição de uma p rogres sividade. Além d i s s o, pode-s e sustentar que a revelação da maior ou menor importância do b e m jurídico está mais na qualidade e na quantidade de p ena do que na localização dos tipos, títulos, capítulos e seções. Não se pode n egar, entrementes, que a sequência dos bens jurídicos n a parte especial de u m Código tende a refletir a opção do legislador quanto à determinação do grau de importância da ' B R U N O , Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 44. 15 VOLUME l i RoG ÉRJO G REco pessoa h umana em face do E stado. Trata-se da concepção de uma progressão descendente." 2 7 O tipo penal, rep etimos, será o instrumento utilizado pelo E stado para que determinado bem de relevo possa, e fetivamente, ser protegido. É por meio do tipo penal, po rtanto, que são criadas as i n frações penais, proibindo o u impondo certas condutas, sob a ameaça de sanção. Para tanto, em atenção ao inciso XXXIX do art. 52- da Constituição Federal, deverá ser observado, rigorosamente, o princípio da legalidade, com todas as suas vertentes, que exigem que a lei penal seja praevia, scrip ta, stricta e certa, confo rme veremos em segu i da, dada a importância do tema. 2.2. 1 . O p r i n c í p i o da l eg a l idade N u m a análise comparativa, p o d e m o s a firmar q u e o princípio da legalidade ocupa lugar de destaque e m uma concepção m i nimalista, voltada para um D ireito Penal do Equilíbrio,2 8 enco ntrando abrigo expresso no nosso o rdenamento j urídico tanto na Constituição Federal - art. 52-, XXXIX (não há crime sem lei a n terior que o defina, nem pena sem prévia com inação legal) -, quanto em nosso C ó digo Penal - art. 12- (não h á crime sem lei a n terior que o defina. Não h á pen a sem p révia com in a ção legal) . J i m énez d e Asúa resume, com maestria, o princípio d a legalidade: "Todos têm o di reito d e fazer aquilo que não prejudica a o utro e ninguém estará obrigado a fazer o que não estiver legalmente ordenado, nem i m p edido d e executar o que a lei não p roíbe."29 M uitos autores aponta m que a origem do princípio da legalidade está na chamada M agna Carta i nglesa, cuj a e d i ç ão vei o a lume em 1 2 1 5 , ao tempo do rei João Sem Terra. Seu art. 39 poss uía a seguinte redação: 3 9 . N enhum homem l ivre s e rá detido, n e m p reso, nem despojado d e sua propriedade, de suas lib erdades o u l ivres usos, nem p osto fora da l e i, nem exilado, nem p ertu rbado d e maneira alguma; e, não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um j uízo l egal d e seus pares e segundo as leis do País. Art. Cobo del Rosal e Vives Antón, discordando desse posicionamento, prelecionam: "As o rigens d o princípio da legalidade remontam, segundo alguns, à Magna Carta, mas seria enganoso s ituar nesse texto sua primeira fo rmulação. E isso, nem tanto pelas M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p. 1 88. G R ECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal, p. 1 41 - 1 56. Jiménez de AS Ú A, Luiz. Princípios de derecho penal - La ley e el delito, p. 96. 16 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL CAPÍTULO 1 razões deduzidas da natureza feudal do dito documento, senão porque, historicamente, o princípio da legalidade, tal e como é entendido no D ireito Penal continental, não de riva dele. N a M agna Ca rta pode encontrar-se a origem da chamada rufe of law própria do D i reito anglo-saxão que, se tem certo pararelo com o princípio da legalidade, não de ixa de apresentar importantes traços dife renciais. C o m efeito, enquanto o princípio da legalidade traduz o predomínio da Lei sobre o s j uízes, a rufe of faw representa, fun damentalmente, uma garantia j urisdicional. D ita peculiaridade deriva das características do dese nvolvimento histórico do D i reito anglo-saxão (perpetuadas no sistema n o rte -americano), no qual a 'lei da terra', fundada no D ireito natural e aplicada pelos j u ízes ordinários, chega a estar acima do Dire ito estatutário, criado pelo Parlame nto. Pode, po is, afirmar-se que o princípio da legalidade é uma criação do pensamento iluminista, cujas primeiras mani festações p o sitivas aparecem ulteriormente, com a Revolução francesa."3 0 I ncontestável a conquista obtida mediante a exigência da legal i dade. Contudo, hoj e e m dia, não se sustenta u m con ceito de legalidade de cunho meramente formal, sendo necessário, outrossim, i nvestigar a resp eito de sua compatibilidade material com o texto que l h e é superior, vale dizer, a Constituição. Não b asta que o legislador ordinário tenha to mado as cautelas necessárias no sentido de observar o procedimento legislativo co rreto, a fi m de perm itir a vigência do diploma legal por ele e ditado. D everá, outrossim, ve rificar se o conteúdo, a matéria obj eto da l egislação penal, não contradiz os pri ncípios expressos e impl ícitos constantes de nossa Lei M a i o r. Ferraj oli, com autoridade, afirma: "No Estado d e d ireito o princípio da sujeição não s ó formal como também m aterial da lei (ordinária) à lei (constitucional) possui u m valo r teórico geral, do qual resulta a diferente estrutura lógica das i mp licações mediante as quais formulamos o princípio d e m e ra e o de estrita legalidade. E sta sujeição substancial concretiza-se nas dife rentes técnicas garantistas por meio das quais o legislador e os demais po deres públicos são colocados a serviço, p o r meio de p roib ições ou ob rigações impostas sob pena d e i nvalidade, da tutela ou satisfação dos dife rentes dire itos da pessoa."3 1 COBO DEL ROSAL, Manuel; VIVES ANTÓ N , Tomás S. Derecho penal - Parte general, p. 68-69. FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 307. 17 ROGÉRIO G RECO VOLUME I I Co nforme esclarece N i l o B atista, a fórmula latina do princípio da legalidade "fo i cunhada e i ntroduzida na linguagem j urídica pelo professor alemão Paulo J o ão Anselmo Feuerbach ( 1 7 7 5 - 1 8 3 3) , especialmente e m s e u Tra tado q u e vei o a l u m e em 1 8 0 1 . Ao contrário do que se difunde frequentemente, das obras de Feuerbach não consta a fó rmula ampla n u llum crimen n u lla poena sine lege; nelas se encontra, sim, uma articulação das fó rmulas n u /la poena sine lege, n ullum crimen sine poena legali e n u lla poena (lega/is) sine crimine".3 2 D e acordo com a concepção material do princípio da l egalidade, preconizada por Ferrajoli e chancelada por Nilo B atista, o n u llum crimen n u lla poena sine lege deverá obs ervar quatro vertentes que l h e são inerentes, a saber: a) n ullum crimen n u/la poena sine lege praevia; b) n ullum crimen n ulla poena sine lege scripta; c) n u llum crimen n ulla poena sine lege stricta; d) n u llum crimen n ulla poena sine lege certa. Dada a importância do tema, cada uma dessas vertentes merecerá análise em tópicos disti ntos, conforme a o rdem acima proposta. Antes, contudo, merece ser ainda procedida a distinção l evada a efeito por alguns autores entre o p rincípio da l egal i dade e o princípio da reserva l egal. Para alguns, a exemplo de Flávio Augusto M onteiro de Barros, o princípio adotado pelo D i reito Penal fo i o da reserva legal, e não o da legalidade. Isso p orque, segundo explica o renomado autor, "ambos são princípios de índole constitucional. Distinguem-se, porém, n itidamente. N o p ri ncípio da legalidade, a expressão 'lei' é tomada e m sentido amplo, abrangendo todas as espécies normativas do art. 5 9 da CF (leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, m edidas p rovisórias, decretos legislativos e resoluções) . Esse p rincípio é consagrado no art. 5Q, I I , da M agna Carta: 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão e m virtude de lei'. J á o princíp i o da reserva l egal emana de cláusula co nstitucional especi ficando que determ inada matéria depende de lei. Aqui a expressão 'lei' é tomada e m sentido estrito, abrangendo apenas a lei ordinária e a lei complementar".33 Permissa venia, não entendemos como necessário d i ferenciar legalidade de rese rva legal. Isso porque, p ara q u e o ordenamento j u rídico-penal seja i novado, independentemente da escolha nomi n al que s e dê ao princípio, é preciso que o legislador observe o único procedimento legislativo apto para tanto. Para que BATISTA, N ilo. Introdução crítica a o direito penal, p. 66. BAR ROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, p . 46. 18 1 NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA l'ARTE ESPECLAL CAPÍT U LO 1 a ordem normativa seja modificada, s e rá preciso, em um E stado Constitucional e Democrático de D i reito, que ambas as Casas do Co ngresso se manifestem (Câmara dos D eputados e Senado Federal), sendo qu e, ainda, o proj eto deverá ser submetido ao sistema de fre ios e contrapesos exercido pelo Poder Executivo, mediante veto ou sanção. Dessa fo rma, os únicos diplomas legislativos que atendem a essas exigências são, efetivamente, a lei ordinária e a lei complemen tar, sendo que os demais fogem a esse procedimento. Assim, entendendo-se por lei tão som ente a lei ordinária, util izada como regra, e a lei complemen tar, daremos início ao estudo das quatro vertentes preconizadas pelo b ro cardo n u llum crimen n u/la poena sine lege.34 2.2. 1 . 1 . Nullum crim e n n u /la p o e n a sin e lege p ra e via Uma das primeiras conquistas refe re ntes ao princípio da legal idade é a de, j ustamente, p roib i r a chamada !ex postfactum. N i nguém pode ser surpreendido pelo D ireito Penal sendo punido pela prática de um comportamento que, ao tempo da ação ou da omissão, era penalmente indiferente. A própria C onstituição Federal, impedindo a retroatividade d e lei que, de alguma fo rma, prej udique o agente, d etermina, em seu art. SQ, inciso X L: A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. A lei penal d eve ser prévia, isto é, anteri or ao fato cometido pelo agente. Mas o que sign ifica essa an terioridade? Para respondermos a essa indagação, devemos fo rmular outra, a saber: A lei penal poderá ter apl icação a partir da sua publicação ou da sua vigência? A resposta co rreta a essa indagação é : Depende. Depende, na verdade, se a lei penal vier a prej udicar ou a beneficiar o agente. Qua ndo a lei p enal, de alguma forma, prejudica o agente (criando novos tipos penais incriminadores, aumentando prazos prescricionais, arrolando novas circunstâncias agravantes etc.), seu termo inicial absoluto é a vigência, pois é j ustamente essa a ilação que se deve extrai r do n u llum crimen n u /la poena sine lege p raevia. Contudo, n e m sempre a lei penal prejudica. Pode - e é muito comum que isso aconteça -, de alguma fo rma, b e ne ficiar o age nte (diminuindo pe nas, criando novas circunstâncias atenuantes, diminuindo p razos prescricionais, condicionando a ação penal à representação do o fendido etc.) N essa h i pótese, ou seja, d e criação normativa benéfica (n ova tio legis in mellius), a partir de quando a le i penal poderá ter apl icação? Aqui, fo rmaram-se duas co rrentes. A primeira delas, levando em consideração as disposições contidas no art. 2Q e seu parágra fo único do C ó digo Penal, afi rma que, por q uestões de economia, a lei penal deverá ser aplicada a parti r da sua publicação. I s s o p o rque o m encionado art. 2Qe o seu parágrafo único determinam: Quanto às medidas provisórias, prevalece o entendimento de q u e , após a edição da Emenda Constitucional nº 32/0 1 , não mais se admite a regulamentação de matéria penal, em virtude de disposição expressa nesse sentido. 19 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO 2 !!. N i nguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa d e considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da s entença cond enatória. Art. Parágrafo ú n i co. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória trans itada em j ulgado. Como se verifica pela redação acima, se a lei p osterior vier a abolir a infração penal ou, de alguma outra fo rma, favorecer o agente, deverá ter aplicação mesmo após o trânsito e m j ulgado d a sentença penal condenatória. Se assim o é, ou seja, se a lei p enal benéfica deverá, em qualquer hipótese, retroagir, por que razão seria preciso aplicar a lei anterior, correspondente à lei do fato, sendo que, pouco tempo depois, o trabalho seria revisto e m virtude da existência da nova tio legis in mellius? Dessa fo rma, para que não seja d esperdiçado tempo aplicando-se uma lei que, pouco tempo depois, já estaria revogada e substituída por outra que, de alguma forma, melhora a situação do agente, deve-se deixar de lado a primeira, a fim de ser aplicada a segunda, mesmo ainda estando no período de vaca tio legis. Após a publicação, existe uma expectativa de vigência da nova tio legis, razão pela qual po d erá ser aplicada, se bené fica, a partir dela. A segunda corrente afirma, por questão de segurança jurídica, que a lei penal, mesmo beneficiando, s o me nte poderá ser aplicada após sua entrada em vigor. Sustentando essa posi ção, trazem em reforço o fatídico C ó digo Penal de 1 9 69, criado por intermédio d o D ecreto-Lei nQ 1 . 0 0 4, de 21 de outubro de 1 9 69, que permaneceu por u m período aproximado de nove anos em vacatio legis, sendo revogado pela Lei n!! 6. 5 7 8, d e 11 d e outubro de 1 9 7 8, antes mesmo de entrar e m vigor. Fosse o mencionado Código Penal de 1 9 69 aplicado ainda durante o período de vaca tio legis, o que aconteceria naquelas h ipóteses, por exemplo, em que o n ovel diploma repressivo houvesse abolido infrações penais anteriormente existentes no Código Penal de 1 94 0 que ainda s e enco ntrava em vigor? Uma vez declarada a extinção da punibilidade, por meio da abolítio criminis, não mais poderia o Estado rever aquela situação a fim de determinar o prossegui m ento do feito, tendo e m vista o impedimento da chamada revisão p ro societate. Co ncluindo, a expressão lei penal pode ser entendida em duas s ituações distintas: prej udicando ou b en eficiando o agente. Se prej udicar, o termo inicial de aplicação s erá, sempre, o da data da sua vigência; se beneficiar, podemos trab alhar com duas corre ntes doutrinárias - a primeira entendendo pela sua aplicação, por critérios de eco n omia, a partir da sua publicação; a segun da, sob o argu mento da seg u rança, após sua en trada em vigor. 20 1 NTRODUÇÃO À TEORIA 2.2. 1 .2. GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Nullum crim e n n u /la p o e n a sin e lege scrip ta Em virtude dessa vertente do b ro cardo do n u llum crimen n u/la poena síne lege scripta, verifica-se que o princípio da legalidade proíb e a criação de tipos penais incriminadores por meio dos costumes. Co nforme assevera Ni l o Batista, "só a lei escrita, isto é, promulgada de acordo com as p revisões co nstitucio nais, pode criar crimes e penas: não o costume".35 Contudo, não podemos confundir criação típica por intermédio dos costumes, com a sua utilização como ferramenta de interpretação dos tipos penais. N a verdade, sem o conhecimento dos costumes seria imposs ível a real compreensão d e m uitas infrações penais. A título de exemplo, raciocinemos com a no rma p revista no § 12 do art. 1 5 5 do C ó d igo Penal, que diz o s eguinte : A pena aumenta-se de um terço, se o crime é pra ticado dura n te o repouso noturno. Sem o efetivo conhecimento dos costumes, seria de total inaplicabilidade o parágrafo e m exame. Isso porque, para que possa ser efetivamente aplicada a causa especial de aumento de pena relativa ao del ito de furto, faz-se mister, inicialmente, interpretar o termo repo uso, indispensável à maj o rante. M e recem destaque as l i ções de H ungria, quando, dissertando sobre os costumes, com a precisão que l h e é peculiar, afirma: "Tanto quanto a analogia, o costume não é fonte geradora do di reito repressivo. Não pode suprir, ab- rogar ou retificar a lei p e nal. Cumpre, po rém, distinguir entre costume con tra, extra o u ultra legem e costume in tegra tivo, su bsidiário ou elucida tivo da norma penal (costum e in tra /egem ) . N esse último caso, o costume intervém ex vi legis, sem afetar, portanto, o dogma de que a ún ica fo nte do direito p e nal é a lei. Assim, p o r exemplo, ao incriminar o 'ultraj e público ao pudor', a lei penal s e reporta a um costum e social, isto é, à m o ralidade coletiva e m torno d o s fatos da vida sexual, fi cando subordinada, para o s e u e ntendimento e aplicação, à variabilidade, no tempo e n o espaço, desse costume. Não h á caso algum em q u e o costume con tra o u extra legem possa ter o efeito, já não dizemos de criar crimes ou p enas, mas d e expungir a criminalidade l egal d e u m fato".36 Da mesma forma que não se atrib u i poder criador normativo aos costumes, também deve ser a ele n egado o efeito ah-rogante, ou seja, a possibilidade de os costumes revogarem a lei penal em vigor. Nesse sentido, afirma B o b b i o : "Nos ordenamentos e m que o costume é inferior à Lei, não vale o costume ah-rogativo; a Lei não pode ser revogada por um co stume co ntrário".37 BATISTA, Nilo. Introdução critica ao direito penal, p . 70. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. 1, p. 94-95. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jwidico, p. 94. 21 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO Co ncluindo, o princípio do n u ffum crimen n u /la poena sine fege scripta proíbe a criação típica por intermédio dos costumes, sendo que o reverso dessa mesma moeda impede, também pelo mesmo argumento consuetudinário, a revogação dos ti pos penais existentes. 2.2. 1 .3. Nul/um c rimen n u /la p o e n a sine lege s tricta O princípio da legalidade, em sua vertente do n u ffum crimen nu/la poena sine fege stricta, também proíbe a adoção da chamada analogia in mofam partem, po is, caso contrário, de nada valeria a existência de uma lei anterior ao fato se o intérprete pudesse estendê-la a um n úm ero de casos que não foram p revistos expressamente pelo tipo penal. Contudo, a questão d eve ser analisada mais detalhadamente. N a verdade, embora tenhamos a convicção absoluta da proibição da analogia in mofam partem, seria de todo descartado o uso da analogia em Direito Penal? A resposta, aqui, merece ser observada sob dois enfoques distinto s : o primeiro, j á apontado, no que diz respeito à analogia in m atam partem ; o segundo, sob a óti ca da analogia in bana m partem. In icialme nte, o que podemos entender por analogia? Quando será possível o seu recurso? A analogia é considerada uma forma de interpretação e de autointegração da lei (no nosso caso, a penal), por meio da qual se busca manter o equilíbrio do o rd e namento j urídico, uma vez que tem por fi nalidade preservar o princípio da isono mia, segundo o qual os fatos si milares devem receber o mesmo tratamento. Dessa forma, somente será possível cogitar-se de analogia quando o intérprete concluir pela lacuna lega l, que conduzirá ao seu preenchimento mediante esse recurso . B obbio a conceitua como "o procedimento pelo qual s e atribui a um cas o não regu lamentado a mesma disciplina que a u m caso regulamentado sem elha n te''.38 E prossegue no seu raciocínio afirmando: " Para fazer a atribui ção ao caso não regula mentado das mesmas cons equências j u rídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que e ntre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevan te, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não o utras consequências".39 A primeira hipótese, a da analogia in m a Iam partem, encontra -se completamente proibida em matéria penal, sendo lícito fazer ou deixar de fazer aquilo que não BOBBIO, Norberto. BOBBIO, Norberto. 22 Teoria do ordenamento jurídico, p. 1 5 1 . Teoria do ordenamento jurídico, p . 1 53. I NT RODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 estiver expressamente proibido ou imposto pelo tipo penal, não podendo o agente, inclusive, ser prejudicado com a aplicação de agravantes ou causas de aumento de pena que não abriguem, exatamente, sua situação ou o fato por ele cometido. Podemos trabalhar, a títul o d e exemplo dessa afirmação, com a causa especial de aumento de pena p revista n o § 1Q do art. 1 5 5 do Código Penal, que diz: A pen a aumenta-se de um terço, se o crime é pra ticado dura n te o repouso n o turno. Ao estudarmos a vertente do princípio da legalidade que proíbe a criação legal por meio dos costumes, dissemos que, e mbora verdadeira essa afi rmação, os costumes teriam grande utilidade na i nterpretação dos tipos penais. No exemplo fornecido, somente poderemos aplicar a causa especial de aumento de pena se conhecermos o s ignificado da palavra "repouso". Somente os costumes de determinado l ugar nos dirão se, naquele momento, existe repouso. Há lugares em que não existe repouso, a exemplo de h ospitais que funcionam ininterruptamente, com o mesmo movimento, vinte e quatro horas por dia. Em o utros, o repouso tem início logo ao anoitecer, como ocorre naqueles vilarejos distantes, sem luz elétrica, sem asfalto, em que a maioria da comunidade trabalha na zona rural, despertando muito cedo, ainda durante a madrugada, para trabalhar no campo. Suponha-se que o agente conheça o fato de que a víti ma seja um vigilante noturno, sendo o seu h o rário de trabalho das 22 h o ras às 6 h o ras da manhã. Seu h o rário de sono, p o rtanto, é i nvertido, pois dorme durante o dia para po der trabalhar à noite. S e o agente i ngressar na residência da vítima por volta das 1 2 h oras, h o rário d e "pico" d o seu sono, e d e l á subtrair um aparel h o d e DVD, a pena para o delito d e furto por ele cometido d everá ser especialmente agravada em razão d o fato d e tê-lo praticado durante o repouso n oturno? A resposta só pode ser n egativa, uma vez que, embora aquele fosse o h orário de repouso da vítima, não era o período da n oite, exigido pela lei. Se o intérprete viesse a também entender pelo repouso noturno aquela h o ra, pelo fato de ser o h orário de repouso d a vítima, estaria s e valendo, contrariamente, daquilo que determina o princípio da legalidade, da analogia in m a lam partem . Ferraj oli relembra que, ainda no século passado, n o s países q u e adotavam um regi me totalitário, o emprego da analogia in m alam pa rtem era comum : " N a Alemanha n azista uma l e i de 2 8 de junho de 1 9 3 5 substituiu o vel h o art. 2 Q d o Código Penal de 1 8 7 1 , que enunci ava o princípio de l egalidade p enal, pela seguinte norma: 'será punido quem p ratique um fato que a lei declare p unível ou que seja merecedor d e punição, segundo o conceito fundamental de uma lei penal e segundo o são s entimento do povo. Se, opondo-se ao fato, não ho uver qualquer lei penal de imed iata aplicab i l idade, o fato punir-se-á sobre a base daquela lei cuj o conce ito fundamental melhor se aj uste a ele'."4º FER RAJOLI, Luig i . Direito e razão, p. 309. 23 ROGÉRIO G RECO VOLUME 1 1 E m matéria penal admite-se, contudo, o recurso à chamada analogia in banam partem, desde que o exegeta ch egue à conclusão de que não foi intenção d a lei deixar de lado determinada h i p ótese, sendo o caso, p o rtanto, de lacuna i nvolu ntária. M e rece, nesse po nto, ser l evada a e fe ito a distinção entre lacuna volu ntária e lacuna i nvoluntária. Para tanto, trazemos à colação as precisas lições de Antônio José Fabrício Leiria, quando faz seus esclarecimentos, inicialmente, sobre as lacunas voluntárias, dizendo que elas "estão representadas pela inexistência de uma vontade no conteúdo da norma jurídica. Com efeito, poderá o legislador entender que, frente a uma realidade social vivenciada, um determinado fato, pela sua escassa relevância jurídica, não se apresente suficientemente maduro e com relevante carga axiológica para ser normado. D este modo, ainda que previsto pelo legislador, este o deixa fora da lei. Pode-se mesmo dizer que, em tais casos, há um querer negativo, pois a lacuna propositada da lei não escapa à previsão do legislador. Ela insere-se no conteúdo da norma como vontade negativa desta. Como se constata, a lacuna voluntária escapa da previsão da lei, mas se insere no seu conteúdo, sob forma negativa de vontade da norma j urídica. Aqui o legislador prevê a h i pótese não contemplada pela norma, mas, proposi tadamente, de ixa fora de seu âmbito de incidência, por m otivo de ordem j u rídica, política, econômica, social, religiosa ou outros. D iante da realidade de um problema de lacunas da lei, o j uiz desenvolve um trabalho que ultrapassa a simples interpretação, visto que vai envolver com problemas de integração do direito".41 E prossegue com suas lições elucidando o conceito de lacunas involuntárias: "Con figura-se a chamada lacuna involuntária quando o fato, p osto que revestido de todos os caracteres necessários para ser regulado, situa-se fora do campo da incidência da lei, por não haver sido p revisto pelo legislador. N esta hip ótese, inexiste valoração j urídica, e o espaço vazio escapa à vontade da norma, por falta de p revisão do legislador. É o inverso do que se verifica nas lacunas voluntárias. Comparada a ordem j urídica com uma atmosfe ra que circunda e envolve a vida so cial, consoante nos fala Ferrara, poderemos dizer que as lacunas da lei se apresentam como vácuos dessa mesma atmosfe ra. São vazios do o rdenamento j urídico."42 LEIR IA, Antônio José Fabrício. Teoria e aplicação da lei penal, p. 68-69. LEIRIA, Antônio José Fabrício. Teoria e aplicação da lei penal, p . 69. 24 I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 D essa forma, em matéria penal p ermite-se o recurso à analogia in banam partem, desde que o exegeta chegue à conclusão de que o fato se amolda ao conceito de lacuna i nvoluntária, pois, caso co ntrário, esse recurso estará também proibido, mesmo que considerado b e néfico ao agente. Podemos visualizar hipótese impeditiva do recurso à analogia in banam partem no caso do chamado perdão judicial. O inciso IX do art. 1 0 7 do Código Penal diz textualmente: Art. 1 0 7 . Extingue-se a punibilidade: [ .] ; .. IX - pelo perdão j udicial, nos casos p revistos em lei. Isso significa que, inicialmente, quem define as hipóteses de possibilidade de aplicação de perdão j udicial não é o j u iz, mas, sim, a lei. É a lei que terá a incumbência de apontar todas as i n frações p enais nas quais será possível o raciocínio, no caso concreto, da aplicação do perdão j udicial. Portanto, não poderá o j ulgador, e m casos parecidos com aqueles p revistos pela l e i penal como de possível aplicação do perdão j udicial, valer-se do recurso à analogia in banam partem, pois que estaremos diante de lacunas voluntárias que i mpedem o raciocínio analógico. 2.2. 1 .4. Nullum crim e n n u/la p o e n a sin e lege c e rta Não basta que a l e i penal esteja e m vigor anteriormente à p ratica do fato pelo agente para que possa ser efetivamente aplicada. To dos devem, ainda, ter a possibilidade de compreender exatamente o conteúdo da proibição, para que possam se comportar de acordo com a norma. Po rtanto, para que não sej a ofensiva ao princípio da l egalidade, a l e i penal deve ser certa, clara, precisa e o mais simples possível, permitindo sua mais exata compreensão. E m 1 7 64, B eccaria já dizia, n o capítulo V de sua obra marcante, a respeito da obscuridade das leis: "Se a interpretação das leis é um mal, claro que a obscuridade, que a interpretação necessariamente acarreta, é também um mal, e este mal s e rá grandíssimo se as leis forem escritas em l íngua estranha ao p ovo, que o ponha na dependência de uns poucos, sem que possa j ulgar por s i mesmo qual seria o êxito de sua libe rdade, ou de seus membros, em l íngua que transformasse um l ivro, solene e público, em outro como que p rivado e de casa.''43 BECCAR IA, Cesare. Dos delitos e das penas, p . 35. 25 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 11 Manuel Cavale i ro de Ferreira, discorrendo sobre a necessidade da certeza da lei, aduz: "A norma legal incriminadora tem de ser certa, isto é, tem de determinar com suficiente precisão o facto criminoso. A acção ou om issão e m que o facto consiste não pode ser inferido da l e i; tem de ser definido pela lei. Não é norma incriminadora co nstitucionalmente válida aquela cujo teor se apaga numa cláusula geral que remeta o seu preenchimento para o arbítrio do j ulgador. A lei penal i ncerta é por si inconstitucional, i sto é, o princípio impõe-se ao l egislador como ao j uiz, que a não d eve aplicar.''44 Por intermédio da vertente do n u llum crimen n u /la poena sine lege certa, extrai-se a conclusão de que a lei penal deve ser taxativa. A própria Constituição Federal, ao abrigar expressamente o princípio da legalidade em seu art. SQ, XXXIX, o traduziu dizendo que "não há cri m e sem lei anterior que o defin a ", ou seja, a definição da infração penal é um dado indispensável, pertencente ao conceito de legalidade. Cláudio do Prado Amaral, dissertando sobre os fundamentos da taxatividade da lei p enal, afirma: "Exige-se que a lei p enal seja certa, isto é, que os tipos p enais sejam elaborados legislativamente de forma clara e determinada, a fim de que as co ndutas incriminadas sejam pass íveis d e identificação, sem que se precise recorrer a extremados exercício s de i nterpretação ou integração da norma. Quer-se a clareza denotativa dos tipos penais, o que torna a norma legal pro ntamente inteligível a seus desti natários e m termos cognitivo s : todos os cidadãos. Se a norma penal i n criminadora tem como um de seus obj etivos intimidar para a não realização da co nduta proibida, é preciso que seja clara a todos, a fim de que saibam e conheçam sem quaisquer dúvidas o conteúdo da norma legal. O fundamento d o princípio da taxatividade assenta-se em dupla base, p o i s : a) a norma penal incriminadora co ntém uma ordem de abstenção d e conduta ou de realização de conduta; logo, o destinatário da norma penal precisa compreender exatamente seu conteúdo, para poder acatar a ordem; sob esse ângulo, o princípio da taxatividade enco ntra razão de ser na própria exigência de obs ervância da norma penal; b) sob outro fundamento, o princípio da taxatividade encontra-se na função i ntimidadora da norma penal; assim, para que a intimidação F E R R E I RA, Manuel Cavaleiro d e . Lições de direito penal - Parte geral, p. 55. 26 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 ocorra, é preciso que seu co nteúdo seja claro e preciso, a fim de que to dos possam atendê-lo - s em compreensão da n o rma, não haverá intimidação.''45 É muito comum, nos países que adota m o regime totalitário, seja de esquerda, seja de d ireita, que o ditador s e valha do escudo do D ireito Penal a fi m de dar uma aparência de legalidade aos seus atos arbitrários e, na verdade, ilegais. A vertente do n ullum crimen n u /la poena sine lege certa nos ob riga a raciocinar com a diferença existente entre a legalidade formal e a l egalidade material. Pode o proj eto de lei ter obedecido a todos os procedimentos p revistos na Constituição : iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação, publicação e vigência. Para sua aprovação, obteve-se o q uorum de votação necessário. E nfim, todo o formalismo fo i cumprido. Contudo, a norma penal será tida por inválida se sua matéria não se coadunar com o texto de nossa Lei Maior, com os princípios expressos e imp lícitos nela contidos, destacando-se, dentre eles, o princípio da l egal i dade. A criação dos tipos penais, que são dirigidos a todos nós, deve ser a mais precisa possível, afastando-se toda incerteza e dúvida quanto à sua interpretação. Tipos penais que co ntêm os chamados co nceitos vagos ou i m p recisos o fendem ao ditame da l egal i dade m aterial, some nte servindo de j ustifi cativa para abusos, arbitrariedades, dos detentores do p o d er. O exemplo do Código Penal alemão, citado por Ferraj oli à época do período nazista, demonstra clarame nte o perigo de uma norma criada com esse estilo vago, amplo, incerto, inseguro. Leia-se novamente o artigo da Lei d e 28 de j unho de 1 9 3 5, que substituiu o art. 2Q do Código Penal alemão de 1 8 7 1, que dizia: A rt . Z Q . S erá punido quem pratique um fato que a lei de clare punível o u que seja merecedor de punição, segundo o conceito fundamental de uma lei penal e segundo o são sentimento do p ovo. Se, opondo­ se ao fato, não h o uver qualquer l e i penal de imediata aplicabi l i dade, o fato punir-se-á sobre a base daquela lei cuj o co nceito fundamental melhor se aj uste a ele. O que signifi cava o são sen timen to do povo alemão? Obviamente que seria merecedor de pena aquele que p raticasse qualquer comportamento que, embora não proibido pela lei penal, incomodasse o ditador, como aconteceu com o p ovo j udeu durante a S egunda Guerra M undial ( 1 9 3 9- 1 9 4 5 ) , quando, aproximadamente, 6 milhões d e vidas foram eliminadas. AMARAL, Cláudio d o Prado. Princípios penais - Da legalidade à culpabilidade, p . 1 1 5- 1 1 6. 27 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 Entendemos, ainda, que a utilização exagerada d e elementos normativos no tipo pode conduzir, também, à afetação do princípio da legalidade, na vertente da lege certa. Sendo os elementos normativos aqueles q ue, para sua compreensão, exigem do intérprete a emissão de um juízo de valor, sabemos que essa val o ração é pessoal, p odendo, e m muitas situações, conduzir a i nj ustiças gritantes. U m mesmo fato, valo rado dife rentemente por dois j ulgadores, pode conduzir a conclusões dife re ntes. René Ariel D o tti, construindo uma visão crítica a respeito da utilização dos elementos normativos, esclarece: "Os elementos normativos se classificam em jurídicos e cultura is. E l e me ntos normativo s ju rídicos são os que trazem conceitos próprios do D i re ito ('coisa alheia', 'documento', 'duplicata', 'cheque', warra n t, 'funcionário público', 'esbulho possessório' etc.). Ele m entos normativos culturais são os que e nvolvem conceitos próprios de outras disciplinas do conhecimento, científi cas, artísticas, l iterárias ou técnicas. São múltiplos os exemplos dessa catego ria: 'ato obsceno', 'pudor', 'mulher honesta',46 'ato l i b i dinoso', 'arte', 'culto religioso', 'esterilização cirúrgi ca', 'fauna silvestre' etc. Há uma preocupação muito viva entre os estudiosos com o grande aumento do número de elementos n ormativos, principalmente na l egislação especial, gravemente comprometida p ela i nflação. Assim como oco rre com os chamados tipos penais a bertos podem se ab r ir grandes margens de insegurança e m função de uma interpretação que comprometa o princípio da taxatividade da l e i penal. M a s é i mpossível suprimi-los d o o rdenamento positivo uma vez que os tipos l egais d e ilicitude refl etem a natureza e o val o r da reali dade h u mana e da circunstância que a envolve."47 Concluindo, o princípio da legalidade, analisado sob o enfo que da /ex certa, proíbe que a lei penal s i rva de instrumento para abusos, p rocurando afastar as possíveis redações i m p recisas que trariam à população o sentimento de completa ins egurança, uma ve z que j amais teria a certeza se s uas ações estariam o u não abrangidas por d eterminado tipo penal. M e rece ser ressalvado, ainda, o fato de que os chamados elementos normativos do tipo somente devem ser uti lizados nos casos e m que não haja outra opção, uma vez que, p o r exigirem u m j uízo de valoração por parte do i ntérprete, a duplicidade de i nterpretações sobre o mesmo fato também fom entaria a sensação de instabi l idade do d ireito. A L e i nº 1 1 . 1 06/2005 exclui dos tipos constantes d o Código Penal a expressão "mulher honesta". DOTII, René Ariel. Curso de direito penal, p. 3 1 3. 28 I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 2 . 3 . A p r o p o rc i o n a l i d a d e d a s p e n a s N ã o s omente a i n fração penal d eve ter s i d o criada anteriormente ao fato praticado pelo agente, como també m a resposta do Estado, ou seja, a sanção penal deve ser proporcional ao mal por ele cometi do. Sob releva, assim, na Parte Especial do Código Penal, a necessidade de se apurar a proporcionalidade das pen as, que deverá ser aferida em três planos distintos, vale dizer, no leg isla tivo, que o corre quando da criação da figura típica; no judicial, que é l evado a efe ito quando o j u lgador aplica a pena ao caso concreto; e no momento da execução da pena, quando o agente, efetivamente, sente os e fe itos da sua condenação. A discussão a resp eito da i deia d e p ena proporcional não é nova. A partir, principalmente, do século XVl l l, com d estaque, também, para a ob ra de B eccaria, as discussões sobre as penas proporcionais vêm sendo travadas com p rogressos e retrocessos. Podemos indicar, ainda, o C ó digo d e H a mm u rabi como aquele que, te cnicamen te, por primeiro nos fo rneceu uma noção inaugural de p ro p o rcio­ nalidade, mesmo que não s e pudesse afi rmar, c o m certeza absoluta, que o princípio "olho p o r o lho, d en te p o r d e n te" cumpria rigorosamente essa função. O certo é que p enas desproporcionais nos trazem a s ensação de inj ustiça. Desde criança, raciocinamos com a ideia de castigo proporcional à nossa desobediência. A ideia d e proporção é i nata ao ser humano. Quando nossos pais exageravam na correção, o sentimento de revolta tomava co nta de nossos pensame ntos. N ã o e ra j u sto . A desobediência era mínima, dizíamos, para que tamanha correção nos fosse aplicada. C ontudo, u m dos maiores problemas que o Direito Penal enfrenta é, j ustamente, o de encontrar a pena p rop orcional, p rincipalmente quando se tem em mira a descoberta de sanções alternativas à pena privativa de liberdade, penas i ntermediárias que p rocuram dar a resposta ao "mal" praticado pelo agente, mas com os olhos voltados para o p ri ncípio da d ignidade da pessoa humana. Não é fácil, p ortanto, a e laboração do raciocínio perfeito que tenha em conta que a severidade da pena deve ser proporcional à gravidade do delito, mesmo p o rque, considerando o nível atual de inflação legislativa, o n ú mero excess ivo de tipos penais i ncriminadores torna cada vez mais d i fícil o raciocínio da proporcionalidade, uma vez que cada tipo merece rá a sua comparação no o rdenamento j u rídico-penal. C on forme destacam Nilo B atista, Zaffaro n i, Alagia e Slokar, "j á que é impossível demonstrar a racionalidade da pena, as agências j urídicas d evem, pelo menos, demonstrar que o custo e m direitos da suspensão do conflito mantém uma proporcionalidade mínima com o grau da l esão que te nha 29 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i p rovo cado. Tem o s aí o princípio da proporcionalidade m ínima da pena com a m agn itude da lesão. C o m esse princípio não se legitim a a pena como retribuição, pois continua sendo uma intervenção seletiva do poder que se l imita a suspender o confl ito sem resolvê- l o e, p o r conseguinte, conserva intacta sua i rracionalidade. Simplesmente se afirma que o direito penal d eve escolher e ntre i rraci onalidades, deixando passar as de menor conteúdo; o que ele não pode é admitir que a essa natureza i rracional do exercício do poder punitivo se agregue u m dado de máxima i rracionalidade, por meio do qual sejam afetados bens j u rídicos d e uma pessoa em desproporção grosseira com a l esão que ela causou".48 Laura Zúfiiga Rodriguez adverte, ainda: "O p ri n cípio da proporcionalidade é um princípio geral de todo o ordenamento j urídico [ ... ] que proíbe a intervenção arbitrária dos poderes públ i cos, i nterdição que deve entender-se como u m mandato d e u m atuar 'razoável' o u 'proporcionado."'49 S egundo a i l ustre catedrática de D ireito Penal da U nivers idade de Salamanca, o princíp io da proporcionalidade possui tríplice dimensão, que se fo rmula em subprincíp ios : "A i ntervenção restritiva d o s poderes públicos deve s er necessana, adequada e propo rcio nada. Adequação ou idoneidade s ignifica que a medida deve ser apta para alcançar o fim p erseguido. Necessidade, denota que não se podia optar por outra medida igualmente eficaz, que não gravasse em menor medida os direitos afetados. E, proporcionalidade estrita s ignifica que o sacrifício que se impõe ao direito correspondente d eve guardar uma razoável proporção ou equilíbrio com os bens j urídicos que se p retende salvaguardar.''5º Podemos destacar dois m o m e ntos de aferição ob rigató ria da p ro p o rcionalidade das p enas. I n i ci a l m e nte, o p r i meiro ra ciocínio s e ria l evado a efeito considerando-se as penas c o mi nadas em abstrato. C o m o p ri ncípi o i m plícito, p o d e m o s extrai r o princípio da p roporcionalidade do p ri ncípio d a i n dividualização das p enas. Quando o l egislador c r i a o t i p o p e n a l i ncriminador, proibindo o u i m p o n d o determinado c o m portamento s o b a ameaça de uma sanção d e n atureza penal, essa sanção d everá s e r proporcional à gravi dade do mal praticado p e l o agente c o m a i n fração penal. + 6 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, 1, p. 230-23 1 . V. RODRIGU EZ, Laura Zúfiiga. Política criminal, p . 58. • <, RODRI GUEZ, Laura Zúfiiga. Política criminal, p. 58-59. 30 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Sab emos que o raciocínio da proporcionalidade não é dos mais fáceis, pois não podemos mensurar, exatamente, quanto vale a vida, a integridade fís ica, a honra, a liberdade s exual etc. C ontudo, faz-se mister que tal proteção ocorra por meio d e uma pena entendida como a mais proporcional possível, considerando­ se o bem atingido pelo delito. Luigi Ferraj oli preleciona: "O fato d e que e ntre a p ena e o del ito não exista nenhuma relação natural não exim e a primeira de ser adeq uada ao segundo e m alguma m e d ida. Ao co ntrário, precisamente o caráter convencional e l egal do nexo retributivo que liga a sanção ao i lícito penal exige que a eleição da qualidade e da quantidade d e uma seja realizada pelo legislador e pelo j uiz em relação à n a tureza e à gravidade do o u tro. "51 Prima facie, deverá o legislador ponderar a importância do b e m j urídico atacado p elo comportamento d o agente p ara, em raciocínio seguinte, tentar enco ntrar a pena que possua efeito dissuasório, isto é, que seja capaz de inibir a p rática daquela cond uta o fensiva. Após o raciocínio correspondente à importância do b e m j urídico-penal, que d everá m erecer a proteção por meio de uma pena que, mesmo imperfeita, seja a mais proporcional possível, no sentid o de dissuadir aqueles que p retendam violar o o rdenamento j urídico, com ataques aos bens por ele p rotegidos, o legislador deverá proceder a um estudo comparativo e ntre as figuras típicas, para que, por mais uma vez, seja realizado o raciocínio da proporcionalidade sob o enfoque de co mparação entre os d iversos tipos que p rotegem bens j u rídicos diferentes. S e o legislador é o primeiro responsável p elo raciocínio da p roporcionalidade, considerando-se abstratamente a i n fração penal por ele criada, o segundo responsável s e rá o j uiz, agora quando d o co metimento, pelo agente, da infração penal p revista e m algum diploma repressivo, pois, como b e m observado por Esperanza Vaello Esq uerdo, "trata-se de um princípio que tem um duplo destinatário, pois vai dirigido tanto ao legislador como ao j uiz. O primeiro, no sentido de exigir-lhe que, ao elaborar as leis, estabeleça penas proporcionadas, e m abstrato, à gravidade do delito, e ao segundo, para que n o momento de aplicá-las i mponha sanções acomodadas à concreta gravi dade do delito executado, fazendo uso da m argem d e discricionariedade q ue dispõe".5 2 Se o b e m j urídico possui, em tese, d eterminado val o r e s e esse valor é, por intermédio do D ireito Penal, mensurado p o r uma sanção p reviamente cominada na l e i, no caso concreto deverá o j ulgador, de acordo com um processo ' FER RAJOLI, Lu igi. Direito e razão, p. 320. ' ESQUER DO, Esperanza Vaello. lntroducción ai derecho penal, p. 43. 31 ROGÉRIO G RECO VOLUME l i d e individualização d a pena, enco ntrar aquela proporcional ao mal p raticado especificamente por determinada pessoa, autora do delito. São, portanto, d o is os mome ntos d e aferição da proporcionalidade: o primeiro, por meio das p enas cominadas em abstrato e o segundo, em razão das penas aplicadas ao caso co ncreto. As penas, entretanto, d e acordo com a parte fi nal do art. 59 do C ó digo Penal, devem ser aquelas n ecessárias e suficien tes para a rep rovação e p revenção do crime, conforme veremos a seguir. 2 . 3 . 1 . A pena necessária Sob o enfo qu e do princípio d a i ntervenção mínima, tem-se entendido q u e a fi nalidade do D i reito Penal é a p roteção dos bens mais importantes e necessários ao co nvívio e m s o ciedade. Extrai-se daí sua natureza subsidiária, ou seja, dada a gravi dade de suas penas, o D ireito Penal somente poderá intervir quando se verificar que os o utros ramos do ordenamento j u rídico não são fortes o suficiente para a proteção de determinado bem. El e deve ser en carado como a ultima ratio, e não como p rima ratio. A d rasticidade da pena53 nos o b riga a concluir que a primazia na p roteção dos b ens deve ser concedida aos outros ramos do ordenamento j urídico, a exemplo d o D ireito C ivil, d o D i re ito Administrativo, do D i reito Tributário etc. Somente quando se verificar a insufi c iência dessa proteção é que surge o D i reito Penal como o mais forte de to dos os ramos do ordenamento j u rídico, visando dar a p roteção que o b e m m erece, dada sua importância. O princípio da culpabilidade, por i ntermédio do j uízo de censura que se produz no plano concreto, d everá servir de norte ao j ulgador para auxiliá-lo a encontrar a pena que seja necessária à p reve nção e à reprovação do crime. O in ciso 1 do art. 5 9 do C ó digo Penal diz que o juiz deverá estab elecer as penas apli cávei s entre as comi nadas, vale dizer, privativa de lib erdade, restritiva de d ireito ou multa. 5 4 As fu nções de rep rovar e p reven i r a p ráti ca de futuras i n frações penais é que ditam a necessidade da pena. Se, no caso concreto, o j u lgador entender que a pena privativa de l ib erdade não é necessária, dada a culpabilidade d o agente, poderá, se o p receito secundário do tipo penal in criminador permitir, ou mesmo s e for possível a substituição Em face da drasticidade das reprimendas, n ã o foram poucas a s críticas desenvolvidas aos critérios d e prevenção geral e especial. Sobre o tema, vide nosso Curso de direito penal - Parte geral, v . 1 . O art. 28 da Lei nº 1 1 .343, de 23 de agosto de 2006, que previu o delito de consumo de drogas, sob a denominação de medidas educativas (conforme se verifica pela leitura do seu § 6°), cominou, além de às penas de prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, que não se amolda à natureza de nenhuma das penas previstas pelo art. 32 do Código Penal (privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa). 32 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 de acordo com as regras da Parte Geral do Código Penal, determinar o utra, de natureza d iversa. Independentem ente da posição teórica que o intérprete venha a assumir, o princípio da necessidade d everá, sempre, ser conj ugado com as duas funções atribuídas à p e na, mencio nadas expressamente na última parte do cap ut do art. 59 do Código Penal, o u seja, as funções de reprovar e p revenir, que serão analisadas mais detidamente adiante. Abrindo u m parêntese, parece que a Lei n2- 1 1 . 3 4 3 , de 2 3 de agosto de 2 0 06, se "esqueceu" de que as finalidades de rep rovar e p revenir d evem nortear a aplicação da p ena, em virtude da determinação co nstante do art. 59 do Código Penal. I sso p o rque, em várias de suas passagens, a exemplo do que ocorre com os arts. 1 Q e 32-, quando se refere ao usuário ou ao depend ente de d rogas, vale-se tão s o mente da palavra prevenção, e, quando menciona a produção não autorizada e ao tráfico i l ícito de drogas, utiliza o termo repressão. O que isso significa? Que quando estivermos diante de um usuário, p o r exemplo, a pena não terá efeito retrib utivo? Ou, quando estivermos diante de um traficante d e drogas, não nos preocuparemos com a prevenção do delito (geral e especial), mas tão somente com sua reprovação? N ão nos parece razoável esse raciocínio. M e sm o que o legislador tenha enfatizado cada um deles, cons iderando as d istintas s ituações, as finalidades de rep rovação e prevenção do delito devem estar p rese ntes em ambos os casos. O p rincípio da n ecessidade da pena somente diz respeito, ainda, aos agentes tidos como imputáveis. Somente com relação a eles é que as funções previstas na parte final do art. 59 do C ódigo Penal poderão ser realizadas. Aos agentes inimputáveis não cabe a aplicação da pena, pela absol uta falta de necessidade de se reprovar e de se prevenir a prática de infrações penais, pois que não são passíveis de reprovação, mas, sim, de ajuda. Não são ainda objeto de prevenção, mas de tratamento, a fim de que não venham a praticar, no futuro, outros comp ortamentos proibidos pela lei penal. N ão p oderá ser tomada por i neficaz, no entanto, a vertente da p revenção geral, pois todos aqueles que tomaram conhecimento da prática da ação típica e ilícita levada a efeito pelo inimputável também reconhecerão a necessidade de tratamento, que também corresponde a uma das formas de resposta penal, com a efetiva aplicação de medida d e segurança, a qual, em muitos casos, se torna até mais radical que a p rópria apli cação da pena. Com relação ao princípi o d a necessidade de aplicação da pena com o enfo que das funções de reprovação e p revenção, vale transcrever a crítica produzida por Córdoba Roda: " E m primei ro l ugar, devemos observar que a presunção conforme a qual p ara to do suj eito n o rmal que comete um fato p revisto como delito, a pena resulta como necessária devido às razões de prevenção geral ou especial, expressa u m j uízo que guarda uma grande discrepância em relação 33 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I ao que sucede n a vida real. Recorde-se, a este respeito, que, segundo é p e rfeitamente sabido, a aplicação da pena pode ser absolutamente desnecessária, quando não p rejudicial pelos seus nefastos efe itos que a privação da liberdade comporta, para uma grande proporção dos sujeitos 'normais'. A não execução da pena em tais casos não tem, ademais, porque diminuir a p retendida e ficácia de p revenção geral, já que as legítimas exigências resultantes desta podem restar satisfeitas pela condenação penal d o suj eito. O p o r-se em tais casos à inexecução da p e na, em atenção ao relaxamento que isso p o deria supor, comporta, a nosso j uízo, um intole rável tributo em favor da segurança j urídica. E m segundo l ugar, ao que se refere aos inimputáveis, não cremos ser correto afirmar, em termos absolutos, que para to do suj eito inimputável seja a pena desnecessária."55 Com essa afirmação quer o cated ráti co de Direito Penal da Universidade de Barcelona dizer que nem sempre será necessária a aplicação da p ena, mesmo tendo o agente praticado, e m tese, u m fato tido como criminoso. Segundo o seu raciocínio, se no caso concreto não se conseguir identificar que a aplicação de uma pena atingirá suas funções d e p reve nção - geral e especial -, deverá o agente ser absolvido. In forma, ainda, o renomado autor que até mesmo os adeptos da teoria absoluta, que p regam a função d e rep rovação da pena, já s e têm rendido aos argu mentos da desnecessidade d e aplicação da pena, dados os conhecidos malefícios que sua execução traduz. Segundo ainda Córdoba Roda, "pretender que as p e nas privativas de lib erdade sejam cumpridas em todos os casos em que se verifique o cometimento de um delito, sem admitir a possibilidade de que se prescinda da sua imposição o u s e diminua sua duração em atenção à sua ineficácia, quando não a seus nefastos efeitos, sofre o intole rável prejuízo da imposição de um castigo i nútil, ou p rod utor, inclusive, de males irreparáveis".56 M e rece destaque, por o p o rtuno, o alerta de M i chel Foucault quando afirma que a prisão, "e m vez de devolver à l i b erdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinquentes perigosos". 57 Em nossa legislação p e nal, temos a h ipótese do chamado perdão judicial, que, e m última análise, corro b o ra a tese d e que nem sempre a pena se faz necessária, C Ó R DOBA RODA, Juan. Culpabilidad y pena. p. 42. C Ó R DOBA RODA, Juan. Culpabilidad y pena. p. 54. ,-· FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 221 . 34 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 mesmo diante do fato de ter o agente praticado uma conduta típ ica, ilícita e culpável. A exemplo do que ocorre nas circunstâncias previstas no § 5Q do art. 1 2 1 do Código Penal, o j u i z po derá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o agente de fo rma tão grave que a sanção penal s e torne desn ecessária. Como se p e rcebe pela l eitura do mencionado parágrafo, a própria lei penal fez menção à ausência de necessidade de aplicação da pena, uma vez presentes aquelas h i póteses. Roxin ainda exemplifica com u m caso con creto, no qual memb ros de um movimen to pacifista, com a fi nalidade d e p rotestar contra o rearmamento, i nvadiram um terreno mil itar americano isolado por um alambrado, colocaram algumas ovelhas para pastar e plantaram uma árvore. Essa ação comove dora era, lamentavelmente, uma violação de do micílio punível, e por essa violação de domicílio e o dano ao alambrado os pacifistas foram punidos. Segundo Roxin, poder-se-ia ter excluído a responsabilidade daquele grupo, pois, mesmo sendo considerados culpáveis p erante a lei penal, também se moviam n o âmbito constitucional de p roteção da l i b erdade de opinião e reunião, e, não tendo ocasionado um dano considerável, podia-se ter- lhes concedido a benevolê ncia.5 8 Talvez o raciocínio do afastamento completo da aplicação da pena ainda seja por demais vanguardista, daí a necessidade de sua conj ugação com outro princípio, o da suficiência, que terá o condão de medi-la, partindo do pressuposto de ser ela necessária a fim de que ao agente seja aplicada pena suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Tais princípios deverão ser conj ugados, ai nda, com o princípio da humanidade ou da d ignidade da pessoa humana, que proíbe penas desnecessárias e co ntrárias ao seu fi m uti litário. As penas devem ser, po rtanto, qualitativa e quantitativamente necessárias e suficientes à reprovação e à p revenção dos crimes. Podemos dizer que a q u a lidade está para o princípio da necessidade, assim como a q u a n tidade está para o princípio da suficiência da pena, que será analisado a seguir. Contudo, quando tivermos de analisar o princípio da necessidade, segundo o en fo que proposto pela parte fi nal do art. 5 9 do Cód igo Penal, não podemos afastar a aplicação da pena, haja vista que, para tanto, o agente teria de ser absolvido. A fi nalidade da consignação do princípio da necessidade, no capítulo correspondente à aplicação da pena, no qual está inserido o mencionado art. 5 9 , faz com que o raciocínio seja no sentido de que a pena é, efetivamente, necessária. Entretanto, en tre as penas cominadas, qual delas, qual itativamente, se e ntenderá como n e cessária aos fins previstos também por este mesmo artigo, vale dizer, o de reprovar e preve nir a práti ca de infrações p enais? Apud PARMA, Carlos. Culpabilidad, p. 1 56. 35 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I Assim, concluindo, o princípio da necessidade, inserido no art. 5 9 do C ó digo Penal, não permite afastar a aplicação da lei penal àquele que tiver p raticado uma conduta típica, ilícita e cul pável, mas, s im, conduz a escolher a pena entendida como necessária a atender o s fi ns por ela determinados. D everá o legislador, po rtanto, de acordo com o critério p redeterminado pela l ei, escolher a m o dalidade de sanção que mais se adapte ao caso concreto, i sto é, se privativa de l iberdade, restritiva de di reitos ou multa. Essas s ão, portanto, as penas que o j ulgador tem à sua disposição a fi m d e atender ao prin cíp io da necessidade. São escolh idas, assim, em virtude de sua qualidade, pois que a quantidade será obj eto de apreciação de outro princípio, vale dizer, o da suficiência das penas. 2.3. 1 .1 . A p e n a suficie nte A pena, como diz o j a rgão popular, é um mal necessário, mesmo que tal raciocínio seja d i rigido a um número l i m itado de infrações penais. C o ntudo, para que sej a tida como j usta, e não como um ato de puro arbítrio, ou, no sentido contrário, de protecionismo, não p oderá i r além ou aquém da sua necessidade, devendo, pois, ser aquela suficiente para a rep rovação e p revenção do crime. Pena sufici ente é aquela que não é excessiva. Nas precisas l i ções de Carrara, "não deve ultrapassar a proporção com o mal do delito. To do sofrimento i rrogado ao culpado além do princípio da pena, que é o de dar ao prece ito uma sanção proporcionada à sua importância j urídica, e além da necessidade da defesa, que é a de elidir a força m o ral obj etiva do delito, é um abuso de força, é ilegítima crueldade".59 De acordo com as lições do mestre italiano, o princípio da suficiência da pena deverá estar intimamente l igado ao princípio da proporcionalidade. Suficiente é a pena proporcional ao mal praticado p el o agente. Não pod erá o j u i z, p ortanto, aplicar uma pena evidentemente rigorosa se o caso concreto exige uma punição mais b randa, pois que suficiente à rep rovação e prevenção do crime. J uarez Tavares, com maestria, assevera : "Concebida como expressão de poder, a pena, contudo, deve guardar uma relação proporcional com o dano social produzido pelo delito. D esde que i nexista essa relação ou se apresente ela de modo absolutamente inexpressiva, pode-se questio nar a val idade da norma que i nstituiu a punição, em face de haver o legislador atuado arb itrariamente na sua confecção".6º CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal, v. l i , p. 98. TAVAR ES, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 84. 36 1 NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 O inciso I I do art. 5 9 do C ó digo Penal determina, também, que o j ulgador, o rientado pelas funções da pena - reprovar e prevenir -, deverá estabelecer-lhe a quantidade nos lim ites previstos, b e m como o regi me inicial de cumprimento da pena privativa de l i be rdade, co nforme assevera o inciso I I I do mencionado artigo. Em reforço a este último raciocínio, ou seja, o da suficiência da pena pa ra que atenda às funções d e rep rovar e p reve n i r o delito, merece ainda registro o fato de que o § 32 do art. 3 3 do diploma repressivo diz que a determinação do regime inicial d e cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos p elo art. 5 9 do Có digo Penal. I magi nemos, por exemplo, a hip ótese em que a pena p rivativa de lib erdade tenha sido el e ita como necessária, a fim d e atender às fu nções de rep rovação e prevenção. Contudo, pode acontecer que o regi me apontado obj etivamente pela lei como o de início de seu cumprimento não seja suficiente para o caso concreto, podendo o j u iz, nesta h i pótese, valer-se do § 32 do art. 33 do já referido estatuto penal, com o escopo d e impor regime mais rigoroso. Suponhamos que alguém tenha sido condenado a uma pena privativa de liberdade de oito anos de reclusão. O j uiz, observando a culpabilidade do agente, ou seja, o j uízo de censura que deverá recair sobre o inj usto por ele cometido, poderá deixar de lado o regime obj etivamente fixado pela lei, vale dizer, o regime semiaberto e, j ustificadamente, determinar o início de seu cumprimento em regime fechado, sob o argumento de que o regime legal, isto é, aquele previsto de forma objetiva pela lei penal, não é suficiente para fins de atender às funções da pena. Também preconiza Beccaria: "Para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei.''6 1 Pena s u ficiente, portanto, será aquela que, quantitativamente, melhor representar as fu nções de reprovar e p revenir os crimes, não p odendo, outross im, ficar além ou mesmo aquém das exigências do fato p raticado p elo agente. Fe rraj oli, demonstrando sua preocupação com a quanti dade máxima de pena a ser aplicada, disserta : "Penso que a duração máxima da pena p rivativa de lib erdade, qualquer que seja o delito co metido, poderia muito b em reduzir-se, a curto prazo, a d ez anos e, a médio prazo, a um tem p o ainda menor; e que uma norma constitucio nal deveria sancionar u m l i mite máximo, digamos, de dez anos. Uma redução d este gênero suporia uma atenuação não só quantitativa, senão também qualitativa da pe na, dado que a BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 1 39. 37 VOLUME I I ROG ÉRIO G RECO i deia de retornar à liberdade depois d e um breve e não após u m l ongo ou u m talvez i nterminável período tornaria sem dúvida mais tol e rável e menos alienante a reclusão".6 2 Podemos concluir esclarecendo que a pena necessária é aquela que, qualitativamente, mais atende às funções de reprovar e p revenir o crime, ao passo que pena suficiente estaria intimamente l igada à q u a n tidade da sanção aplicada ao agente que p raticou a infração penal. 3. DO T I P O P E N A L Dissemos qu e n a Parte Especial d o Có digo Penal estão concentra dos, precipuamente, o s chamados tipos penais incriminadores, ou seja, aqueles que têm por finalidade a narração de u m comportamento que se quer p roib ir ou impor sob a ameaça de uma sanção de natu reza penal. Cada tipo penal incriminador possui características dife rentes que o tornam especial comparativamente aos demais, razão pela qual o conflito de no rmas, caso ocorra, será sempre aparente. E ste tópico será reservado ao estudo dos tipos penais, buscando entender todas as suas subd ivisões, bem como os elementos que lhe são característicos, p ara, logo em seguida, i n iciarmos o estudo das regras que têm o condão de resolver o conflito de no rmas, o qual, como já observado, será sempre aparente, pois duas normas não podem regular o mesmo fato. Como o estudo da teoria do tipo já foi l evado a efeito no primeiro volume desta obra (Curso de Direito Penal Parte geral), trataremos aqui apenas dos tó picos d e maior relevo, com algumas m odificações exigidas pelo estudo da Parte Es pecial. Portanto, embora a visão geral seja similar àquela já produzida, o utros d etalhes serão inseridos nas discussões. - 3 . 1 . C o n c e i to Por imposição do princípio do n ullum crimen sin e lege, o legislador, quando quer i mpor ou proibir condutas sob a a meaça de sanção, deve, obrigatoriamente, val er-se de uma lei. Quando a l e i em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omis siva) com o fim de p roteger d eterminados bens cuj a tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo pen al. Tipo, como a própria denominação nos está a induzir, é o modelo, o padrão d e conduta que o E stado, por meio d e seu único i nstru m e nto, a lei, visa impedir que seja p raticada ou d etermina que seja levada a efeito. A palavra tipo, na l i ção de Cirilo d e Vargas, "constitui uma tradução livre do vocábulo Tatbestan d, empregada no texto do art. 5 9 do C ó digo Penal alemão de 1 8 7 1, e provinha FER RAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 332. 38 l NTRODUÇÀO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 da expressão latina corpus delicti. O tipo, portanto, é a descrição precisa do comportamento h u mano, feita pela l e i p enal".63 É, também, a fattispecie, o fatto típico ou simplesmente o fa tto do D i re ito Penal italiano, conforme assevera Sheila Selim.64 N a d efi nição de Zaffaroni, "o tipo penal é um i nstrumento legal, l ogicamente necessário e d e natureza predominantemente descritiva, que tem por fu nção a individualização de cond utas humanas p e nalmente relevantes".65 O E stado, v.g., entendendo que d everia p roteger nosso patrimônio, valendo­ -se de u m instrumento l egal, criou o tipo existente no art. 1 5 5, cap u t, do C ódigo Penal, assim redigid o : Art. 1 5 5 . Subtrair, para s i ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de l (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Com essa redação o Estado des creve, precisamente, o modelo de conduta que quer proibir, sob pena de quem lhe desobedecer ser punido de acordo com as sanções previstas em seu preceito secundário. Se alguém, portanto, subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, terá praticado uma conduta que se adapta perfeitamente ao modelo em abstrato criado pela lei penal. Quando isso acontecer, surgi rá outro fenômeno, chamado tipicidade, cuja análise será feita a seguir. 3 .2 . T i p icidade penal = t i p i c idade formal + t i p i c i d a d e c o n g l o b a nte O fato típico é composto pela conduta do agen te, dolosa ou culposa, comissiva ou omiss iva, p el o resultado, b e m como pelo nexo de ca usalidade entre aquela e este. Além disso, é preciso que a conduta também se amolde, subsuma-se a um modelo abstrato p revisto na lei penal, que denominamos tipo. Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta p raticada pelo agente ao modelo abstrato p revisto na lei p enal, isto é, a um tipo penal incriminador, ou, conforme preceitua Mufíoz Conde, "é a adequação d e um fato cometi do à descrição que dele se faz na lei penal. P o r imperativo do princípio da l egalidade, em sua verten te do n u llum crimen sine lege, s ó os fatos tipificados na lei p enal como delitos podem ser considerados como tal".66 A adequação da conduta do agente ao m o delo ab strato p revisto na lei penal (tipo) faz s urgir a tipicidade formal ou l egal. Essa adequação deve ser perfeita, pois, caso contrário, o fato s e rá considerado formalmente atípico. i VARGAS, José Cirilo d e . D o tipo penal, p. 1 9 . SALES, Sheila Jorge Selim de. Dos tipos plurissubsistentes, p. 23. ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p . 371 . M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 4 1 . 39 ROG ÉRIO G RECO VOLUME li Qua ndo afirmamos que s ó haverá tipicidade se existir adequação perfeita da cond uta do agente ao modelo em abstrato previsto na lei penal (tipo), estamos querendo dizer que, por mais que seja parecida a cond uta praticada pelo agente com aquela descrita no tipo p enal, se não ho uver um encaixe exato, preciso, não se pod erá falar e m tipicidade. Assim, a exemplo do art. 1 5 5 do C ódigo Penal, aquele que simplesmente subtrai coisa alheia m óvel não com o fim de tê-la para si ou para outrem, mas, si m, com a intenção de usá-la, não comete o crime de furto, uma vez que no tipo penal e m tela não existe a p revisão dessa conduta, não sendo punível, portanto, o "furto d e uso". Fi gurativamente, pod eríamos exemplificar a tipicidade fo rmal valendo-nos daqueles brinquedos educativos que têm por finalidade ativar a coordenação m o tora das crianças. Para essas crianças, haveria "tipicidade" quando conseguissem colocar a figura do retângulo no l ugar que lh e fora reservado no tab uleiro, da mesma fo rma sucedendo-se com a esfera, a estrela e o triângulo. S o mente quando a figura m óvel se adaptar ao l o cal a ela destinado n o tabuleiro é que se pode falar em tipicidade fo rmal; caso contrário, não. E ntretanto, esse conceito de simples aco modação do comportamento do agente ao tipo não é suficiente para que possamos concluir p ela tipicidade penal, uma vez que esta é formada pela conjugação da tipicidade fo rmal (ou l egal) com a ti p icidade conglobante. I m aginemos o seguinte exemplo: u m carrasco que tem a ob rigação legal de executar o condenado e fetua contra ele um di sparo mo rtal, visto que este tinha sido se ntenciado à mo rte por fuzilame nto. Ra ciocinemos de acordo com o quadro co rresp ondente à teoria do crime. Como dizia Welzel, cada um dos elementos que integram o crime, segundo o co nceito analítico, deve ser analisado na seguinte ordem: fato típico, ilicitude, culpabi l i dade. O fato típico, como já dissemos, é comp osto pelos seguintes elemento s : conduta dolosa ou culposa, resultado (nos crimes em que se exige um resultado naturalístico), nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a tipicidade penal (formada pelas tipicidades formal e conglo bante) . No exemplo fo rn ecido, o carrasco havia dirigido a sua conduta finalisticamente no sentido de causar a mo rte do condenado, agindo, portanto, com dolo. H o uve um resultado - morte do executado. A conduta do carrasco fo i que produziu o resultado (n exo de causalidade) . Agora, teremos de saber se o fato praticado é típ ico. O primeiro passo, na ordem q ue foi anunciada, é co nferir se a conduta do carrasco subsume-se a um modelo abstrato previsto pela lei penal, a fim de descobrirmos se, no caso concreto, h á tipicidade formal. E m conclusão, d iremos que existe fo rmalmente adequação típica da cond uta do carrasco em face do art. 1 2 1 do C ó digo Penal. E m seguida, faremos a s eguinte i ndagação: Existe tipicidade co nglobante? Para que se possa falar em tipicidade conglobante, é preciso que: 40 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 a) a conduta do agente seja antin o rmativa; b) que haj a tipicidade material, ou seja, que oco rra um critério material de seleção do b e m a ser protegido. A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antino rmativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fo m entada por ela, b em como o fensiva a bens de rel evo para o D ireito Penal (tipicidade material ) . Na l i ç ã o de Zaffaroni e P i e rangeli, n ã o é possível q u e no ordenamento j urídico, que se entende como pe rfeito, uma norma proíba aquilo que outra imponha ou fomente. Exemplificam com o caso de u m o ficial de Ju stiça que, cumprindo uma ordem d e penhora e sequestro de u m quadro, de propriedade de um devedor a quem se executa em processo regular, por seu legíti mo credor, para a cobrança de um crédito vencido, nos seguintes termos: "A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o d i reito ordena e nem o que ele fomenta. Pode ocorrer que o tipo l egal pareça incluir estes casos na tipicidade, como sucede com o do o ficial de j ustiça, e no entanto, quando penetramos um po uco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, nos apercebemos que, interpretada como parte da ordem normativa, a co nduta que se aj usta ao tipo legal não pode estar proib i da, porque a própria ordem normativa a ordena e a incentiva."67 Nesse sentido são as l i ções d e Bobbio, quando asseve ra : "Um o rdenamento j u rídico constitui um sistema porque não podem coexistir nele no rm as incompa tíveis. Aqui, 'sistema' equivale a val i dade do princípio, que exclui a incompatib ilidade das normas. Se num ordenamento vêm a existir normas incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eli minadas. S e isso é verdade, quer dizer que as normas de um ordenamento têm um certo relacionamento entre si, e esse relacionamento é o relacionamento de compatibilidade, que implica na exclusão da incompatib ilidade."6 8 Portanto, a antinomia existente d everá ser solu cio nada pelo p róprio ordenamento j urídico. Com esse conceito de antinormatividade, casos que hoje são tratados quando da verificação da sua ilicitude podem ser resolvidos j á no estudo do pri meiro dos elementos da infração penal - o fato típico. ZAFFARON I , Eugenia Raú l ; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 458. 808810, Norberto. Teoria do ordenamento jwídico, p . 80. 41 ROG ÉRIO G RECO VOLUME li Voltando ao exemplo d o carrasco, teríamos d e raciocinar d a seguinte maneira: h á uma norma contida no art. 1 2 1 do Código Penal que diz que é proibido matar. E mbora exista essa norma, a proibição nela contida se dirige a todos, até mesmo ao carrasco que tem o dever l egal de matar nos casos de pena de m orte? A resposta só pode ser n egativa. C o m isso queremos afirmar que a proibição contida no art. 1 2 1 do C ó digo Penal se di rige a todos, à exceção da queles que têm o dever de matar. N o confronto entre a proibição (norma contida no art. 1 2 1 do C P) e uma i mposição (norma que d etermina que o carras co execute a sentença de m o rte), devemos concluir que a proibição de matar, nos casos em que a l e i p revê, não se dirige ao carrasco. Portanto, s u a conduta não s e r i a antin o rmativa, contrária à norma, mas, sim, de acordo, imposta pela no rma. Res o lve-se, portanto, o problema da antinomia, conforme p roposto por Bobbio, pois se "anti nomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um si stema de normas, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do in co nveniente não pode rá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma das duas normas".69 Com o conce ito de anti n o rmatividade esvazia-se um pouco as causas de exclusão da ilicitude no caso especifi camente do estrito cumprimento de dever l egal, visto que nessa hip ótese não há m e ra permissão para que o carrasco cause a m orte do condenado, mas, si m, uma i mposição feita pela lei. Além dos casos em que houver determinação legal para a p rática de certas condutas nas quais, formalmente, haveria adequação típica, podem existir hipóteses em que a lei, embora não impondo,Jomente certas atividades. Podemos citar, também na esteira de Zaffaroni e Pierangeli, o caso do médico que intervém no paciente com finalidade terapêutica, curativa. Nesse caso, segundo os renomados autores, també m não se poderia qualifi car a conduta como antinormativa, visto que essa atividade, ou sej a, o exercício da medicina terapêutica, é fomentada pelo Estado. Se o médico realizasse uma i ntervenção cirúrgica com a finalidade de salvar a vida do paciente, sua conduta seria atípica, visto não ser contrária à norma (antinormativa), mas, sim, por ela fomentada. Agora, se o profissional da medicina atuasse com a finalidade de executar uma cirurgia estética, sua atividade já não mais seria considerada fo mentada pelo E stado, mas tão somente permitida, tol erada, razão pela qual, neste último caso, embora típica a sua conduta, não seria ilícita, em virtude da ocorrência da causa de justifi cação prevista na segunda parte do inciso I I I do art. 23 do Código Penal, vale dizer, o exercício regular do direito. Para concluir-se pela tipicidade penal é preciso, ainda, verificar a chamada tipicidade material. Sabemos que a finalidade d o D i reito Penal é proteger os bens mais importantes existentes na sociedade. O princípio da intervenção mínima, 808810, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 91 . 42 1 NTRODUÇÃO à TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 que serve de norte para o legislador na escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal, assevera que nem to do e qualquer bem é passível de ser por ele protegido, mas somente aqueles que gozem de certa importância. N essa seleção de bens, o legislador abrigou, com a finalidade de serem tutelados pelo D i reito Penal, a vida, a integridade física, o patrimônio, a ho nra, a liberdade sexual etc. E mb ora tenha feito a seleção dos bens que, por meio de um critério político, reputou como os de maior importância, não podia o legislador, quando da elaboração dos tipos penais incriminadores, descer a detalhes, cabendo ao intérprete delimitar o âmb ito de sua abrangência. I maginemos o seguinte : alguém, de fo rma extremamente i m p rud ente, ao fazer uma manobra em seu automóvel, acaba por encostá-lo na perna de um pedestre que por ali passava, causando-lhe um arranhão de meio centímetro. Se analisarmos o fato, chegaremos à seguinte conclusão: a conduta foi culposa; houve um resultado; existe um nexo de causalidade entre a conduta e o resu ltado; há tipicidade formal, pois existe um tipo penal prevendo esse modelo abstrato de conduta. I ngressando no estudo da tipicidade conglobante, concluiremos, inicialmente, que a conduta praticada é antinormativa, visto não s e r ela i m p osta ou fom entada pelo Estado. Contudo, quando iniciarmos o estudo da tipicidade material, verificaremos que, embora nossa integridade física seja importante a po nto de ser protegida pelo D ireito Penal, nem toda lesão estará abrangida pelo tipo penal. Somente as lesões corporais que tenham algum significado, isto é, que gozem de certa relevância, é que nele estarão previstas. Em virtude do conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação o princípio da ins ignificância. Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, ou melhor, da relevância do dano, ou perigo de dano, sofrido pelo bem no caso concreto. Concl u indo, para que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão entre a tipicidade formal o u legal e a tipicidade co nglobante (que é conj ugada pela antinormatividade e p ela tipicidade material) . Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico. 3 . 3 . Fases d e e v o l u ç ã o d o t i p o Podemos destacar três fases na evolução do ti po. I nicialmente, o tipo possuía caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo tão s o mente para descrever as condutas proibidas (comissivas ou omissivas) pela lei p enal. Beling, citado p o r Cirilo de Vargas, dissertando sobre a evolução do con ceito de tipo, diz que, "no primeiro momento, é concebida como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de j u ízos de val or".70 VARGAS, José Cirilo de. Do tipo penal, p. 2 1 . 43 ROG ÉRIO G RICO VOLUME 11 N a lição de Fragoso, "com a obra de Beling, Die Lehre vom Verbrechen, publicada e m 1 9 06, o conceito de Ta tbestand, o u seja, o conceito de tipo, assumiu um significado técnico mais restrito. Para Beling o tipo não tem qualquer conteúdo val o rativo, sendo meramente obj etivo e descritivo, representando o lado exterior do delito, sem qualquer referência à antij u rídicidade e à culpabilidade. H averia no tipo, tão somente, uma delimitação descritiva de fatos relevantes penalmente, sem que isto envolvesse uma valoração j uríd ica dos mesmos".71 Numa segunda fa se, o tipo passou a ter caráter indiciário da ilicitude. Isso quer dizer que quando o agente pratica u m fato típico, provavel mente, esse fato ta mbém será antij urídico. A tipicidade de um comporta mento, segundo Mufíoz Conde, "não implica, pois, a sua antij uríd icidade, senão apenas indício de que o comportamento pode ser antij urídico (função indiciária do tipo) ''.72 O tipo, porta nto, exercendo essa fu nção indiciária, é considerado a ratio cog n oscendi da antij urídicidade. C o n fo rm e p releciona Zaffaroni, "a tipicidade opera como u m indício de antij urídicidade, como um desval o r p rovisório, que deve ser configurado ou desvi rtuado mediante a comprova ção de causas de j ustificação. Devido a isto é que M ax Ernst M ayer fazia um gráfico d a relação entre a tipicidade e a antij urídicidade dizendo que ambas se comportavam como a fu maça e o fogo respectivamente, quer dizer que a fu maça (tipicidade) s e ria um indício do fogo (antij uridicidade)".73 Na terceira fase, o tipo passou a ser a própria razão de ser da ilicitude, sua ratio essendi. N ã o h á que se fa lar e m fato típico se a conduta praticada pelo agente fo r permitida pelo o rdenamento j urídico. É como se houvesse uma fusão entre o fato típico e a antij urídicidade, de modo que, se afastássemos a i li citude, estaríamos acabando com o próprio fato típico. Fontán Balestra, analisando a teo ri a da ratio essendi, diz que, para M ezger, o tipo é "o inj usto descrito con cretamente pela lei em seus divers os artigos e a c u j a realização va i ligada a sanção penal. E, ao tratar a tipicidade dentro do estudo da antij urídicidade, adota M ezger uma posição extrema com respeito à de B eling: o que atua tipicamente, diz, atua também antij urídicamente, enquanto não houver uma causa de exclusão do i nj usto. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Conduta punível, p . 1 1 7- 1 1 8. M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 43. ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 387. 44 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 O tipo j urídico-penal que descreve dito atuar típico tem, portanto, a mais alta signifi cação no refe rente a existência da antij urídicidade penalmente relevante da açã o : é fundamento real e d e validez (ratio essen di) da antij uridicidade".74 A títul o de exemplo, o art. 1 2 1 do Código Penal, para aqueles que adotam a teoria da ratio essendi, estaria assim redigid o : " M atar alguém, ilicitamente". O fato, para essa teoria, ou é típico e a ntij urídico desde a sua origem, em razão da ausência d e qualquer causa d e exclusão da ilicitude, ou é atípico e l ícito desde o início, e m face da p resença de uma causa de j ustificação. 3 . 4 . C l a s s i f i c a ç ã o dos t i p o s pe n a i s O s tipos penais p odem ser clas si ficados d e várias formas, dependendo do enfoque que se queira lhes dar. Assim, p o r exemplo, quando se analisa o estudo da figura típica, procurando identificar os elementos constantes no cap ut do art. 1 2 1, bem como e m seus parágrafos, podem ser subdivididos em tipos básicos e tipos derivados. Além dessa clas si ficação, os tipos podem ser considerados, ainda, como n orm a is ou anormais, fechados o u abertos, congruen tes ou incongruen tes, ou, a in da, complexos. Para melhor compreensão do tema, fa remos a análise de cada uma dessas clas sificações isol adamente. 3 . 4 . 1 . Ti p o b á s i co e t i p o s d e r i v a d o s E ntende-se po r t i p o básico ou fun damental o m o d e l o m a i s descrição d a conduta proibida o u imposta pela lei p e n a l . Com forma mais simples, surgem o s chamados tipos derivados, que, de determinadas ci rcunstâncias, podem diminuir ou aumentar a p revista no tipo básico. simples da b a s e nessa em virtude reprimenda N o homicídio, p o r exemplo, te mos como sua modalidade mais simples a descrição contida no capu t do art. 1 2 1 do Cód igo Penal. Logo em seguida, mas ainda no mesmo art. 1 2 1, temos suas formas derivadas. N o § 12 encontramos o chamado h o m i cídio p rivilegiado, n o qual o legislador, em consequência de determinados dados, faz com que a p ena aplicada seja menor do que aquela prevista na modalidade mais simples da infração penal. J á no § 22 podemos concluir que o legislador, em virtude de algumas si tuações por ele p revistas, aumentou a pena cominada no cap u t do artigo, qualificando, dessa fo rma, o delito. É importante salientar, para que se evitem confusões quando do estudo dos tipos penais constantes da Parte Especial do C ódigo Penal, que as modalidades FONTÁ N BALESTRA, Carlos. Misión de garantia dei derecho penal, p . 3 1 -32. 45 VOLUME I I ROG ÉRIO G RECO consideradas derivadas estarão semp re ligadas umbilicalmente pelos parágrafos ao capu t do artigo. Isso significa que não existe, segundo nosso posicionamento, modalidades derivadas que p ossam ser consideradas como tipos penais a u tônomos. Tal raciocínio tem reflexões p ro fundas no que diz respeito ao concurso de pess oas, uma vez que o art. 30 do C ó digo Penal assevera: 3 0. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. A rt . Ao afirmarmos que nenhum tipo d erivado p ode ser considerado um tipo p enal autônomo, estamos querendo dizer que os fatos que, conj ugados à figura principal, p revista no cap u t do artigo, os fazem qualificados ou p rivilegiados devem, todos, ser considerados circunstâncias, razão pela qual não são comunicados ao coparticipante, se h o uver concurso de pessoas. Ao contrário, se entendidos como elementares, nos termos do art. 30 do Código Penal, deveriam sempre ser comunicados aos coparticipantes, se fossem de seu conhecimento. Para que nosso raciocínio fi que mais claro, é preciso que tracemos a diferença entre elementares e circunstâncias. Elemen tares são dados indispens áveis à definição típica, sem os quais oco rre uma situação de a típicidade absoluta, ou seja, o fato passa a ser compl etamente atípico, ou uma s ituação de a típicidade relativa, também conhecida p o r desclassificação. Circunstâncias, ao contrário, são dados periféricos que não i nterferem na definição típ ica em si. São dados que gravitam ao redor da figura típi ca, fazendo tão s omente com que a pena a ser aplicada seja aumentada o u diminuída. Assim, raciocinemos com as seguintes s ituações. Imagine-se a hipótese e m que uma mãe, logo depois do parto, cause a morte de seu p róprio filho. N o caso em exame, ela não agiu sob a influência do estado puerperal, razão pela qual, quando n egamos esse dado fundamental existente no delito de infanticídio, o fato é desclassi ficado para o crime de homicídio. Suponha-se, agora, que o agente cause a morte da vítima impelido p or um motivo fútil, d evendo ser responsabilizado pelo de lito de h omicídio qualificado. Se, no caso apresentado, não tivesse o age nte agido com essa motiva ção, o fato deixaria de ser entendido como h o micídio? Obviamente que não, razão pela qual devemos e ntender que o motivo fútil é um dado peri férico à figura típica, deven d o ser tratado como uma circunstância, e não como elementar. Se entendermos assim, chegaremos à conclusão de que o motivo fútil, por ser considerado uma circunstância, não se comunica ao coparticipante, nos termos do art. 3 0 do Código Penal. Caso fosse considerado como uma elementar, a conclusão seria outra, pois ambos deveriam responder pela modalidade qualificada. Co ncluindo, no tipo básico ou fundamental há a p revisão do modelo mais simples de cond uta proibida ou imposta pela lei penal. Nos tipos derivados, ao contrário, 46 1 NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL CAPÍTULO 1 há sempre dados que terão o condão de fazer com que a pena seja aumentada (tipo qualifi cado) ou mesmo diminuída (tipo p rivilegiado) . Entretanto, tais dados não podem ser considerados elementares, não permitindo que a infração penal qualificada ou privilegiada tenha autonomia em relação à modalidade fundamental. 3 . 4 . 2 . Ti p o s n o r m a i s e t i p o s a n o r m a i s Falava-se em tipos normais e anormais quando p redominava, em nosso D i reito Penal, a teoria causal, natural, o u mecanicista da ação. D izia-se que tip o no rmal era aq u e l e q u e continha ap enas elementos obj etivos (descritivos) e tipo ano rmal aquele que, além dos elementos obj etivos, vinha impregnado de elementos subjetivos e no rmativos. Assi m, entendia-se que to dos aqueles tipos penais que continham as expressões "com o fim de", "com o i ntui to de", "a fim de" etc., a exemplo do art. 159 do Código Penal (extorsão m e d iante sequestro), eram tipos ano rmais, haja vi sta que neles se podia vislumbrar o elemento subj etivo do agente. Além disso, também se entendiam como anormais aqueles tipos em que o julgador, a fi m de entendê-los, tinha de emitir um j uízo de valor, como acontece com o termo dign idade, contido no art. 1 4 0 do Cód igo Penal. Hoje em d i a, perdeu o sentido tal discussão, po is, para aqueles que adotam a teoria da ação final, dolo e culpa se enco ntram na conduta do agente e esta, a seu turno, está localizada no fato típ i co. Assim, to do tip o penal co ntém elementos subj etivos, mesmo que não sejam tão evidentes como acontece com as expressões acima referidas. 3 . 4 . 3 . T i p o s f e c h ad o s e t i p o s a b e rt o s Tipos fechados são aqueles q u e p o ssu em a descrição completa da conduta proibida pela le i penal. N o art. 1 2 1, cap u t, do C ó digo Penal, p o r exemplo, o legi slador, de fo rma clara e precisa, descreveu a conduta a que visou p roib ir. Então, aquele que dolosamente matar alguém terá sua conduta subsumida ao tipo legal referido. Co ntudo, e m d eterminadas situações, o legislador, p or i m p ossibilidade de prever e descrever todas as condutas p o ssíveis de acontecer em sociedade, criou os chamados tipos abertos, nos quais não há a descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta. Nesses casos, faz-se necessária sua complementação pelo i ntérprete. É o que ocorre, v.g., com os d e l itos culposos. Con forme a precisa lição de Juarez Cirino dos Santos, "os tipos de imprudência, devido à variabilidade das condições ou c i rcunstâncias de sua realização, são tipos abertos que devem ser preenchidos o u completados p or uma valoração 47 VOLUME l i RoG ÉRJO G REco judicial e, p o r isso, não apresentam o mesmo rigor de defi n ição legal dos tipos doloso s".75 N o art. 1 2 1, § 3.Q, o legislador, ao cuidar do crime de h omicídio, fez p revisão da modalidade culposa, dizendo: Se o hom icídio é culposo: Pen a - detenção, de um a três anos. Aqui, para ch egarmos à conclusão de que a conduta do agente foi culposa ou não, é preciso d etectarmos em qual modalidade ela se deu, ou seja, s e a mo rte da víti ma foi decorre nte da conduta i mprudente, i m p erita ou mesmo negligente do agente, e m face da inobs e rvância do seu dever de cuidado, e se o resultado tinha condições d e i ngressar na esfera de p revisibilidade do agente etc. O artigo que p revê o delito culposo não se satis faz p o r si próprio, não havendo possibilidade d e compreendê-lo, pura e s implesmente, lendo-o, mas h á necess idade, o utrossim, d e ser p reenchido pelo intérprete. D evemos, entretanto, fazer uma observação imp ortante, uma vez que nem to dos os tipos culposos podem ser considerados abertos, como também nem todos os tipos dolosos se amoldam ao conceito de tipos fechados. A título de raciocínio, imagine-se o delito de receptação culposa. Diz o § 3.Q do art. 1 8 0 do Código Penal: § 3.Q Adquirir o u receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o val o r e o p reço, ou pela condição d e quem a o ferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso. Como se percebe, a narração da conduta é precisa, não havendo, basicamente, o trabalho de adaptação exigido nas hipóteses em que o tipo penal é aberto. Também é preciso salientar que, quando afirmamos que não é preciso o trabalho de adaptação, significa que sobre aquela situação em que a lei penal não descreve com p recisão o comportamento fica isso a cargo do j ulgador, pois, de forma geral, em todo tipo penal, para se afirmar pela tipicidade do comportamento do agente, também deverá o j ulgador levar a efeito esse trabalho de subsunção. Contudo, sua operação é diferente na primeira hipótese, quando o tipo penal é considerado aberto. Também não p odemos afirmar que todo tipo doloso p revê uma na rração precisa do comportamento que se quer proibir ou imp or sob a ameaça de sanção penal, sendo sempre, pois, fechado, haj a vista a existência de tipos dolosos em que o j ulgador deverá fazer u m trabalho árduo de adaptação do comportamento do agente à figura típ ica. Concluindo, nos tipos penais abe rtos, a lei penal não descreve, detalhadamente, o comportamento que se quer proibir ou imp or, fi cando esse trab alho de acomo dação e ntregue ao j u lgador; ao contrário, nos tip os p enais fechados, há a narração perfeita, precisa da conduta típica, não dando margem - ou pelo menos inibindo - a interpretações diferentes. SANTOS, J uarez Girino dos. Teoria do crime, p. 23. 48 I NTRODUÇÃO À TEORlA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 3 . 4 . 4 . Ti p o s c o n g r u e n te s e t i p o s i n c o n g r u e n t e s Fazendo a distinção entre tipos c ongruentes e inco ngruentes, Santiago M i r Puig assevera : "Se a parte subjetiva da ação s e corresponde com a pa rte obj etiva, concorre um tipo congruen te. É o que n o rmalmente ocorre com os tipos d o losos, em que a vontade alcança a realização obj etiva do tipo. Quando a parte subj etiva da ação não se corresponde com a objetiva nos enco ntramos na p resença de um tipo in congruente."7 6 Maurach77 d es igna p o r congruência a coincidência entre o dolo e o acontecer objetivo, citando como exemplo de tais tipos os crimes de homicídio, lesões corporais simples, violação de domicílio etc., ou seja, quando o elemento subj etivo se esgota, confunde-se com a p rática da conduta descrita no núcleo do tip o. H á tipos estruturalmente incongruentes, segundo Assis Toledo, quando a lei "estende o tipo subj etivo além do obj etivo. Isso acontece com o rapto do art. 2 1 9,7 8 para cuja consumação basta que o 'fi m libidinoso' estej a na intenção do agente, não necessitando, p orém, con cretizar-se em atos no mundo exterior".79 Assis Toledo, citando Maurach, diz, ainda, que também ocorre o defeito de congruência "quando a lei restringe o tipo subjetivo frente ao obj etivo (delitos qualificados pelo resultado, nos quais o dolo vai até o resultado parcial - o m in us delictum), ou quando, no caso concreto, falta a coincidência, exigida pelo tipo legal, entre a parte subj etiva e a obj etiva (caso da tentativa)". 80 Apesar da posição do utrinária no sentido de considerar a co ngruência ou a incongruência dos tipos penais, não concorda mos, permissa venia, com esse tipo de distinção. Isso p o rque entendemos que o dolo do agente deve abarcar toda a d efi n ição típ i ca, não se podendo dizer, com a doutrina maj o ritária, que existe um eleme nto subj etivo que vai além do dolo, ou seja, que transcende o dolo, como ocorre nos delitos e m que s e pode visualizar aquilo que é denominado especial fim de agir. N a verdade, o que distingue uma i n fração penal da outra é o elemento subj etivo, ou seja, o dolo, pura e si m p l es mente. Assim, por exemplo, p o demos raci ocinar com dois tipos penais que contêm a p rivação da l i b erdade como um de seus eleme ntos. Te mos, p o rtanto, o crime de sequestro, tip ificado no art. 148 do Código Penal, e a extorsão mediante sequestro, com moldura no art. 1 5 9 d a mesma l e i p enal. Pergunta-se: C o m o diferenciar a s duas hipóteses, j á que, MIR P U I G , Santiago. Derecho penal - Parte general, p. 205. MAURAC H , Reinhart; Z I P F, Heinz. Oerecho penal - Parte general, v. 1 , p. 355. O del ito de rapto foi revogado expressamente pela Lei nº 1 1 . 1 06/2005. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 5 1 . TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 5 1 . 49 RoG ÉFUO G REco VOLUM E 11 em ambas, há a privação da l i be rdade da vítima? A resposta é muito simples: identificando-se o dolo do agente, auto maticamente, também estará identificada a infração penal. D essa forma, se a finalidade da privação da l i b erdade era obter qualquer vantagem como condição ou p reço do resgate, estaremos diante da extorsão mediante sequestro; fi nalmente, se era impedir tão somente a l i b erdade ambu lato rial da vítima, isto é, o seu dire ito de i r, vir ou permanecer, será o crime de sequestro ou cárcere p rivado. Não podemos ignorar que, nesses casos, o dolo estará p resente em to dos os eleme ntos constantes do tipo p e nal. Não há, segundo entendemos, o dolo e, além dele, outro eleme nto subj etivo que o trans cen da, caracterizado pelo especial fim de agir do agente, pois ta mbém esse especial fim de agir dirá respeito ao dolo. 3.4.5. Tipo c o m p l e x o O t i p o penal, como vimos, tem a incumbência de descrever a con duta q u e se quer p roi bi r ou i m p o r, sob a ameaça de sanção. Para que p ossamos saber o real alcance dessa p roibição ou i m p o sição, é p reciso que o tipo contenha elementos de natureza objetiva. Quando prevalecia entre nós a teoria causal, o tipo penal se aperfeiçoava tão somente com a presença de seus elementos obj etivos, uma vez que dolo e culpa não pertenciam ao fato típi co, mas, sim, à culpabilidade. O inj usto p enal (fato típi co + antij urídi cidade), para a teoria causal, era obj etivo e a culpabili dade, subj etiva. Com base nessa teoria, os eleme ntos subjetivos estavam alocados na culpabilidade, e não no fato típ ico. D epois do advento da teoria finalista da ação, implementada por Welzel, dolo e culpa foram retirados da culpabilidade e trazidos para o fato típico. O injusto, agora, de puramente obj etivo, passou a ser também subj etivo e a culpabilidade, normativa. Com a transferência do dolo e da culpa para a conduta típica, o tipo penal passou a ser i m p regnado não s o mente de elementos obj etivos, mas, e principalmente, de eleme ntos subj etivos. Assim, fala-se e m ti p o complexo quando no tipo penal h á o encontro de elementos obj etivos com elementos de natureza subj etiva. Na escorreita lição de Zaffaroni, "conforme o conceito compl exo [ ... ], o tipo doloso ativo p ossui dois aspectos: um objetivo e outro subj etivo; quer dizer que a lei, mediante o tipo, i nd ividualiza condutas atendendo a c ircuntâncias que se dão no mundo exterior e a circunstâncias que estão localizadas na parte i nterna, no psiquismo do autor". 8 1 ZAFFARONI, Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 395. 50 1 NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 N o tipo complexo, p o r exigir a conj ugação dos elementos obj etivo e subjetivo, quando falta r este último, ou sej a, quando o agente, por exemp lo, não agir com dolo, por lhe faltar a vontade e a consciência de p raticar a conduta p revista no tipo penal, e se o fato não fo r punido a título de culpa, a sol ução será pela atipicidade, e m face da oco rrência d o chama d o erro de tipo, cuj a finalidade precípua é afastar o d o lo d o agente. 3 . 5 . E l e m e n t o s q u e i n t e g ra m o t i p o c o m p l ex o - o bj e t i v o s e s u bj e t i v os D e acordo com uma concepção complexa, podemos dividir os elementos que compõem os tipos p e nais e m duas grandes categorias: elementos obj etivos e elementos subj etivos. • Os elementos obj etivos do tipo, conforme Jesch eck, têm a finalidade de d es crever "a ação, o obj eto da aç ão e , em sendo o caso, o resultado, as circunstâncias externas d o fato e a pes soa d o auto r". 82 H á tip os p enais que descrevem, ainda, o sujeito passivo, como no cas o do cri me de estupro de vulnerável, p revisto no art. 2 1 7 -A d o C ódigo Penal. A fi nalidade básica dos eleme ntos obj etivos do tipo é fazer com que o agente tome conhecimento d e to dos os dados necessários à caracterização d a infração penal, os quais, necessariame nte, farão p arte de seu dolo. N a categoria d o s elementos obj etivos, ainda p o demos subdividi-los em eleme ntos descritivos e elementos normativo s. - Elementos descritivos são aqueles que têm a fi nal idade de traduzir o tipo penal, isto é, de evid e nciar aquilo que p o de, com s implicidade, ser percebido pelo i ntérprete. - Elementos norm a tivos são aqueles criados e traduzidos p o r uma no rma, ou q ue, pa ra sua efetiva compreensão, necessitam de val o ração p o r p arte do intérp rete, ou, na d e fi n ição de Zaffaroni, "são aqueles elementos p ara cuja compreensão se faz necessário socorrer a uma val o ração ética ou j uríd ica". 8 3 Conceitos como [ ... ] 'dignidade' e "decoro" (art. 1 4 0 do CP), 'sem j usta causa' (arts. 1 5 3 , 1 5 4, 244, 246 e 248 d o CP) podem variar de acordo com a interpretação de cada pessoa ou em virtude do sentido que lhes d á a norma. São considerados, p o rtanto, elementos normativos, p orque s ob re eles, necessariamente, d eve ser realizado um j uízo de valor. 8 4 • O dolo é, p o r excelência, o elemento subj etivo d o tipo. Elemento subj etivo quer d izer elemento anímico, que di z resp eito à vontade do agente. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal - Parte general, p . 374. ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 399. Merece registro o alerta feito por José Cerezo Mir quando afirma que "os elementos normativos implicam um risco para a segurança jurídica. Há alguns, sem embargo, cujos contornos estão tão definidos, que podem ser apreciados pelo juiz com grande segurança (por exemplo, o caráter alheio da coisa, o conceito de documento público, oficial ou mercantil etc.) . O legislador deve evitar a utilização de elementos normativos de caráter impreciso ou indeterminado, pois do contrário se infringirá o princípio da legalidade" (Curso de derecho penal espaflol - Parte general, v. l i , p. 1 1 8). 51 VOLUME RoG ÉRJO G Rico 11 Preconiza Cirino dos Santo s : "O elemento subj etivo dos tip os dolosos é o dolo, que normalmente preenche todo o tipo subj etivo; às vezes, ao lado do dolo, aparecem elementos subj etivos especiais, como i ntenções o u tendências d e ação, ou mesmo motivações excepcionais, que também integram o tipo subj etivo."85 Há autores que entendem que não so mente o dolo está contido na expressão eleme n tos subjetivos do tipo, mas também a culpa, a exemplo de Fernando Galvão da Rocha.86 Como deixou entrever C i rino dos Santos, para grande parte da do utrina, ao lado do dolo e da culpa existem outros elementos subj etivos que dizem resp e ito às intenções e às te ndências do agente. G eralmente, visualizamos essas intenções e tendências p o r meio d e expressões indicativas do especial fim de a g i r do agente, a exemplo do art. 1 5 9 do Código Penal, as s im redigid o : Art. 1 5 9 . Sequestrar p e s s o a com o fim de obter, para si ou para o utrem, qualquer vantagem, como condição ou p reço do resgate. No referido tipo pe nal, para esses autores, a finalidade do agente não se resume à p rivação da l i b erdade da vítima. Aqui existe um dado a mais, qual seja, a p rivação da li berdade com a fin a lidade de obter a van tagem, com o con dição ou preço do resgate. Na expressão com o fim de obter p ara si ou p a ra outrem qualquer vantagem como condição o u preço do resgate é que se visualiza o chamado "espe cial fim de agir". Entretanto, como a fi rmamos acima, não concordamos com o raciocm10 segundo o qual essas intenções ou tendências pertencem a outro elemento subjetivo que não o dolo. Para nós, essa fi nalidade especial demonstra que o dolo d o agente é d i rigido naquele se ntido e o identi fica dos demais. M as isso não quer dizer que exista, no tipo penal, mais um elemento subj etivo que vá além do dolo. O dolo, po rtanto, d eve abra nger todos os elementos contidos no tipo penal. 3 . 6 . E l e m e ntos e s p e c íf i c o s dos t i pos p e n a i s Con forme ver i ficamos no tópico a nterior, o s tipos penais são compostos p o r vários elementos. Dissemos que possuem elementos obj etivos (descritivos e n o rmativos) e subj etivos. Analisaremos de fo rma isolada os s eguintes elemento s : • núcleo; • suj eito ativo; • suj eito passivo; SANTOS, Juarez Girino dos. Teoria do crime, p . 23. ROCHA, Fernando Galvão. Noções elementares sobre a teoria do crime, p. 22. 52 ( NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL • m otivos; • meios; CAPÍTULO 1 • modos; • fim especial; • ocasião; • lugar; • obj eto material. • Núcleo do tipo é o verbo que des creve a cond uta proibida pela lei penal. O verbo tem a fi nalidade d e evidenciar a ação que se p rocura evitar ou impor. To dos o s tipos d evem vir acompanhados de seu núcleo p ara que possamos saber exatam ente quais são as co ndutas p o r ele abrangidas. H á tipos penais que possuem um único núcleo (uninucleares), como n o caso do art. 1 2 1 do Código Penal, e ou tros que possuem vá rios núcleos (pluri nucleares), també m conhecidos como crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, a exemplo do art. 3 3 da Lei n!2 1 1 . 3 4 3 , de 2 8 de agosto de 2 0 0 6, que p revê o delito de tráfico ilícito de d rogas. • Sujeito a tivo é aquele que pode p raticar a conduta descrita no tipo. M uitas vezes o l egislador l i mita a p rática de determinadas infrações penais a certas pessoas e, para tanto, tom a o cuidado de descrever no tipo penal o agente que poderá l evar a e feito a conduta nele descrita. Quando estamos di ante dos chamados crimes comuns, o l egislador não se preocupa em apontar o sujeito ativo, uma vez que as i n frações dessa natureza podem ser cometidas p o r qualquer pessoa. Surge essa necessidade quando o delito é próprio, ou seja, aquele que so mente pode ser p raticado p o r certo grupo de pessoas em virtude de d eterminadas cond ições pessoais. N esses casos, quando estivermos diante d e delitos próp rios, o legislador terá de apo ntar, no tipo penal, o seu sujeito ativo . Como exemplo, p odemos citar o art. 3 1 2 do Código Penal, no qual o tipo penal i ndica o funcionário público como o sujeito ativo do crime de peculato. Já n o delito de h omicídio, por ser considerado um crime comum, isto é, aquele que p ode ser p raticado por qualquer pessoa, j ustamente pela sua p ró p ria natureza, é que o tipo não ap onta o sujeito ativo. Sujeito ativo do crime, ainda, só pode ser a pessoa física. A pessoa j urídica não comete crime. Quem o p ratica são os seus sócios, d i retores etc. N u n ca ela p ró p ria, pois societas de/inq uere non p otest. Apesar da existência da Lei n!2 9 . 6 0 5 /98, não concordamos com a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa j u rídica, uma vez que não existe, para ela, estrutura j u rídica do crime que nos p e rm ita concluir, seguramente, pela p rática de uma i n fração p enal pelo en te m oral. 53 ROG ÉRIO G RECO • VOLUME 11 O sujeito passivo p o d e ser considerado form al ou material. Sujeito passivo formal será semp re o E stado, que sofre toda vez que suas leis são desobedecidas. Suj e ito pass ivo m aterial é o titular do b e m ou interesse j u ridicamente tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa e que, em alguns casos, poderá ser ta mbém o Estado. O s tipos penais, em várias passagens do C ó digo, apo ntam seus sujeitos p assivos. Tomemos como exemplo o crime de estupro de vulnerável, p revisto no cap ut do art. 2 1 7-A do C ó d igo Penal. Suj eito passivo será, de acordo com o novo tipo penal, criado pela Lei nQ 1 2 . 0 1 5, de 7 de agosto de 2 009, o menor de 14 (catorze) anos, seja do sexo masculino ou fe minino. Já em outras s ituações, o Código Penal, não apontando o suj eito pass ivo, p e rmitiu que qualquer pessoa pudesse figurar com esse status. Vej amos como exemplo o delito d e h o m icídio. Qualquer pessoa, como é cediço, pode ser sujeito passivo desse crime. Podem figurar como sujei tos passivos, dependendo da natureza da i n fração penal, tanto as pessoas físicas quanto as pessoas j urídicas. Não há óbice algum, por exemplo, a que uma pessoa j urídica seja suje ito passivo de u m crime de furto. O p atrimônio móvel a ela pertencente pode, p erfe itamente, ser obj eto de subtração. Outras infrações, contudo, pela sua própria natureza, são incompatívei s com a condição de suje ito passivo da pessoa j u rídica, a exemplo do crime de i nj úria, uma vez que a pessoa j u rídica não possui a chamada h o n ra subjetiva. M erece d estaque, ainda, a diferença entre sujeito passivo, vítima e prejudicado. B ustos Ramírez e Ho rmazábal Malarée, com p recisão, preleciona m : "O suj e ito passivo é o destinatá rio do comportamento típ ico (o titular do d i reito à vida, à saúde, à honra etc.) . Considerando que nem sempre coincidem em uma mesma pessoa os conceitos de suj eito passivo e vítima, é necessário definir esta última como a pessoa sobre a qual recai o atuar concreto do suj eito ativo (Ped ro, e nfermeiro, subtrai o relógio que se encontrava com um paciente; co ntudo, tal relógio era de sua mãe, que havia com ele deixado durante a sua convalescência. O paciente é a vítima e a mãe é o sujeito passivo) . Também, pois, como nem sempre h á coincidência na mesma pes soa, é necessário p recisar o conceito de p rej udicado. É a pessoa que sofre o detrimento econômico (seguindo o exemplo, se o relógio estava assegurado co ntra subtração, seria a companhia d e seguros a p rejudica da) ." 8 7 BUSTOS RAM Í R EZ, J uan. J; HORMAZÁBAL MALAR É E, Hernán. Nuevo sistema de derecho penal, p. 80. 54 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 • Os motivos em razão dos quais se comete a infração p e nal também podem vir expressos na figura típica. Eles podem ter reflexos na defi nição do comp ortamento típ ico, diminuindo ou mesmo aumentando a pena. To me-se, p o r exemplo, os §§ lQ e 2Q do art. 1 2 1 do C ódigo Penal. Pode o h o m icídio ter sido cometido por motivo de releva n te valor mora l ou social, devendo o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço, ou pode ter sido cometido por u m m o tivo fú til, passando, agora, a ser considerado como qualificado. • O tipo penal p ode, ainda, mencionar os meios utilizados na prática da infração penal. O próprio § 2Q do art. 1 2 1 do Código Penal diz ser qualificado o homicídio quando cometido com o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. • Não é incomum o tipo penal indicar o modo pelo qual o delito pode ser praticado. O m odo, ao contrário do acima esclarecido, não diz respeito à natureza do meio e m p regado, mas como a atividade executiva é levada a e feito. As sim, p o r exemplo, o h o m i cídio é qualificado quando p raticado à traição, de e mb oscada, ou media nte dissimulação ou outro recurso que d ificulte ou torne i mpossível a defesa do o fendido. • O fim especial narrado no tipo penal faz com que ele se especialize comparativam ente às demais infrações penais. Por exemp lo, no art. 1 5 9, que prevê o deli to d e extorsão m ed iante sequestro, tal infração penal é especial relativam ente ao sequestro ou cárcere p rivado, mesmo que nessa última ocorra também a privação da l iberdade. O fim especial ou especial fim de agir fornece o to m de esp ecialidade que distingue aquela infração penal de to das as outras que com ela se pareçam. • Pode o tipo penal fazer menção, também, à ocasião em que o crime é p raticado, como acontece com o repo uso n o turno, que agrava especialmente a pena do furto (art. 1 5 5, § lQ, do CP), ou o período da noite que qualifica a violação de domicílio (art. 1 5 0, § lQ, do C P ). • O lugar onde a infração penal é p raticada também repercute no tocante à pena. Assim, na violação de domicílio, se for cometida em lugar ermo, haverá a qualificação do delito (art. 1 5 0, § lQ, do C P) ; o ato obsceno (art. 2 3 3 d o C P) deve ser p raticado e m lugar público, aberto o u exposto a o público. • Objeto m a terial: é a pessoa o u a coisa contra a qual recai a conduta criminosa do agente. N o furto, o obj eto do delito será a coisa alheia móvel subtraída pelo agente; no h o m i cídio, será o corpo humano etc. M uitas vezes, o sujeito passivo se c on funde com o próprio obj eto material, como no caso do h o m i cíd io. N ã o podemos confundir, contudo, obj eto material com obj eto j urídico, ou seja, o bem j uridicamente tutelado pela lei penal. Por exemplo, n o crime d e estupro de vulnerável, tip i fi cado no cap ut do art. 2 1 7 -A do C ó digo Penal, o menor de 1 4 anos é o obj eto material do crime, e o obj eto j urídico é a dignidade sexual. 55 ROG ÉRIO G lliCO VOLUME 11 Como bem observado p o r Gonzalo D . Fernán dez, "o obj eto m aterial do deli to é o obj eto da co nduta típica: aquilo sobre o qual recai o comportamento descrito na figu ra, e nquanto que o bem j u rídico não aparece descrito no tipo e d efi ne, sem embargo, o valo r tutelado pela norma penal e lesionado p e l o i l ícito''. 88 Ressalte-se, ainda, que nem todos o s tipos penais p ossuem obj eto material, pois, conforme aduz Luiz Regis P rado, 8 9 "o obj eto material não é uma característica comum a qualquer deli to, pois só tem rel evân cia quando a consumação depende de uma alteração da realidade fática''. 3 . 7 . T i p i c i d a d e d i reta e t i p i c i d a d e i n d i reta Quando do estudo da tipicidade penal, dissemos que, de acordo com o ra ciocínio p roposto p o r Z affaroni, ela e ra o resultado da conj ugação da tipicidade fo rmal com a chamada tipicidade conglobante ou conglobada. E m sede de ti picidade conglobante, também concluímos que faziam parte desse conce ito a tipicidade material, bem como a antinormatividade. Temos, p o rtanto, como primeiro obstáculo a ser ultrapassado a análise da tipicidade formal p ara que p ossamos concluir pela tipicidade penal. A conduta, dessa forma, deverá se amoldar a determinado tipo penal p ara que, pelo menos fo rmalmente, seja considerada típica, em razão da sua subsunção ao modelo abstrato p revisto pela lei penal. Assim, imagine-se a h i pótese do agente que, agindo com a n im us necandi, isto é, com dolo d e matar, atire contra seu inimigo, causando-lhe a morte. O art. 1 2 1 d o Código Penal, como regra geral, p revê o delito consumado, dizendo: matar alg uém. D essa forma, o comportam ento p rati cado p elo agente p o deria ser entendido como fo rmalmente típico, pois se amolda pe rfeitamente à con duta p revista no referido artigo. E ntretanto, h á situações em que s erá necessária a utilização de regras, con hecidas como normas de extensão, p ara efeitos de adequação típica, pois, caso contrário, o comportamento do agente não s e amoldará à p revisão típica. Imagine-se, ago ra, que o agente, agindo com dolo de matar, tivesse efetuado u m disparo contra seu i n im igo, não conseguindo, contudo, acertá-lo. N esse caso, p ergunta-se: Poderia ele ser responsabilizado penalmente, levando em consideração o tipo penal p revisto pelo art. 1 2 1 do estatuto repressivo? A resposta somente p od e ser afirmativa, em virtude da existência da norma d e extensão constante do art. 1 4, I I , do Código Penal, que amplia os tipos penais FERN Á NDEZ, Gonzalo D. Bien jurídico y sistema dei delito, p. 96. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p. 1 47. 56 1 NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 para que neles sejam compreendidas, também, as tentativas, quando a lei p enal admitir. Assim, em razão da n o rma de extensão que p revê a tentativa, o tentar matar alg uém se configurará como um comportamento típico. D essa fo rma, a tipicidade pode ser subdividida em tipicidade direta e tipicidade indireta. Então, oco rrerá a chamada tip i c i dade direta nas h i p óteses de adequação típ ica d e subordinação di reta ou imedi ata, vale dizer, quando a conduta do agente se amoldar perfeitamente à descrição típica. Por outro lado, haverá a chamada tipicidade i ndireta quando o c ritério de adequação for considerado de subordinação indireta ou mediata, isto é, para que o comportamento p ossa ser entendido como típico será preciso recorrer às chamadas normas de extensão, cuja fi nalidade é ampliar o tipo penal, a fim de nele co mpreender h ip óteses que não fo ram previstas expressamente. Da mesma forma que a regra contida no art. 1 4 , l i , do Código Penal, entende-se, também, como norma de extensão o art. 29 do mesmo diploma repressivo, que cuida do chamado concurso de pessoas. Por meio do termo quem e da expressão de qualquer modo, concorre para o crime, a lei penal, em sede de concurso de p essoas, faz com que seja responsabilizado criminalmente não somente o agente que p raticou a conduta núcleo do tipo, como também aquele que, de qualquer modo, concorreu para sua ocorrência. Em um homicídio, por exemplo, alguém pode desferir o golpe mortal, enquanto o outro agente segu ra a vítima. De acordo com a redação do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal, não fosse a regra contida n o art. 2 9 d o mesmo diploma legal, s o mente o autor do golpe é que poderia re sponder pelo delito de h omicídio, uma vez que o outro não havia matado alguém, mas, s im, segurado alg uém . Por isso, o art. 2 9 do C ó digo Penal determina que quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. D essa forma, conseguimos visualizar no tip o penal do art. 1 2 1 do Código Penal não s o mente o autor executor, mas todos aqueles que, de qualquer modo, conco rreram para o homi cídio e que, também, p or ele deverão responder. Resumindo, fala-se em tipicidade direta quando o comportamento do agente se amolda, com p e rfeição, à figura típica; p o r o utro lado, tipicidade indireta seria a hipótese na qual, para que h ouvesse adequação típi ca, haveria a necessidade d e utilização das chamadas normas de extensão. 3 . 8 . F u n ç ões d o t i p o Podemos destacar três i m p ortantes funções do tip o : a) fu nção de garantia (ou garantidora) ; b) função fundamentadora; e c) função selecionadora de condutas. Exerce o tipo uma função d e garantia, uma vez que o agente somente poderá ser pe nalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou d eixar d e p raticar aquelas impostas pela lei penal. Ressalte-se, aqui, a ideia de 57 RoG ÉRIO G RECO VOLUME l i von L iszt, quando diz que o " Código Penal era a Carta M agna do delinquente". Isso p orque é lícito fazer tudo aquilo que não for p roibido pela lei penal. O tip o exerce e s s a função de ga rantia à m e d i d a que temos o direito de, ao analisá-lo, saber o que nos é permitido fazer. Roxin as severa que "todo cidadão deve ter a possibilidade, antes de realizar um fato, de saber se sua ação é punível ou não".9 0 Se, p o r um lado, o tipo exerce essa função garantista, também é certo afirmar que o Estado, po r intermédio do tipo p e nal, fu ndamenta suas decisões, fazendo valer o seu ius p u n ien di. A relação e ntre essas funções do tip o - garantista e fundamentad o ra - é como se fosse duas faces de uma mesma moeda: em uma das faces está o tipo garantista, vedando qualquer responsabilização penal que não seja por ele expressamente p revi sta; na outra, a função fundamentadora p o r e l e exercida, abrindo-se a possibilidade ao Estado de exercitar o s eu direito d e p u n i r sempre q u e o s e u t i p o penal for violado. Além das funções de garantia e fundamentadora, podemos dizer também que ao ti po cabe outra, qual seja, a função d e selecionar as condutas que deverão ser proibidas ou i mpostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. N essa seleção de cond utas fe ita por intermédio do tipo penal, o legislador, em atenção aos princípios da intervenção míni ma, da l es ividade e da adequação social, traz para o âmb ito de p roteção do D ireito Penal some nte aqueles bens de maior importância, deixando de lado as condutas consideradas s o cialmente adequadas ou que não atinj am bens d e terceiros. Dessa fo rma, a seleção das con dutas a serem proibidas ou impostas caberá ao tipo, verdadeiro i nstrumento do D i reito Penal. 4. N ORMAS PENAIS Con forme expusemos quando d o estudo d a Parte Geral d o Código Penal,9 1 d e acordo com o p rincípio d a reserva l egal, e m matéria penal, pelo fato de lidarmos com o dire ito d e liberdade dos cidadãos, p o de-se fazer tudo aquilo que não esteja expressamente p roibido e m lei, uma vez que, segundo o inciso XXXIX do art. 52. da Constituição Fed e ral e o art. 12- do C ó digo Penal, não h á crime sem lei anterior que o defi na, nem pena sem p révia com inação legal. I s s o quer dizer que, embora a conduta do agente possa até ser reprovável s o cialmente, se não houver um tipo p enal incriminador proibindo-a, ele poderá p raticá-la sem que lhe seja aplicada qualquer sanção de caráter p enal. O fato de cruzarmos com nossos vizinhos sem cumprimentá-los, ou mesmo de não cuidarmos de nossa higiene pessoal, não nos levará a receber uma sanção penal pelo Estado. A sanção que nos é reservada não é aquela de cunho p e nal, mas, s i m, d e natureza social. A reprovação vem da p róp ria sociedade, mas nunca do D ireito Penal. O p rincípio da inte rve n ção mínima, que limita as atividades do ROX I N , Claus. Teoria dei tipo penal, p. 1 70. G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 20-29. 58 I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍT U LO 1 legislador, pro íb e que o D i reito Penal i nterfira nas relações, p rotegendo bens que não sejam vitais e necessários à m an utenção da sociedade. A lei, p ortanto, é a bandeira maior do D i re ito Penal. S e m ela, p roibindo ou impondo condutas, tudo é p e rmitido. A proibição e o mandamento que vêm inseridos na lei são reconhecidos como n ormas p e nais, espécies do gênero norma j u rídica que, na definição de Bobbio,92 são aquelas "cuj a execução é garantida p or uma sanção externa e i nstitucionalizada''. 4 . 1 . Teo r i a d e B i n d i n g Analisando o s tipos penais incriminadores p revistos n a Parte Especial do Código Penal, podemos perceber que nosso legislador utiliza um meio peculiar para fazer chegar até nós a p roibição de determinadas condutas. Pela leitura do art. 1 2 1 , cap u t, d o Código Penal, podemos verificar que o legislador descreveu uma cond uta que, se p raticada, nos l evará a uma condenação correspondente à pena prevista para aquela infração penal. A redação do mencionado art. 1 2 1 é a seguinte : Matar a lg uém - Pena : reclusão, de 6 (seis) a 20 (vin te) a n os. Conforme preleciona Luiz Regis Prado, "a n o rm a j u rídico-penal te m a n atureza i m p e rativa e endereça-se a todos os cidadãos genericame nte consi derados, através d e mandados (imp erativo p o sitivo) o u p ro ib ições ( impe rativo n egativo) i m p l ícita e p reviamente fo rmulados, vi sto que a l e i penal modernamente não contém o rd e m d i reta (v.g. , não deixar de; não matar; não ofender a integridade corporal), mas sim ve dação i n direta, na qual se descreve o c o m po rtam ento humano p ressup osto da consequência j u rídi ca".93 Essa técnica d e redação fez com que B inding chegasse à conclusão de que o criminoso, na verdade, quando p raticava a conduta descrita no núcleo do tipo (que é o seu verbo), não infringia a lei - pois o seu comportamento se amoldava perfeitamente ao tipo penal incriminador -, m as, s im, a norma penal que se enco ntrava contida n a lei e que dizia não m a tarás, como no citado exemplo do art. 1 2 1 do Código Penal.94 808810, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 27. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p . 90-9 1 . Conforme Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, "em sua obra mais importante, 8inding desenvolveu com mais amplitude sua famosa teoria das normas [ . . . ] Ao definir aquelas como proibições ou mandados de ação, ele afirmava que o del ito se choca com tais proibições e mandados, mas não com a lei penal . Normas são, por exemplo, as do Decálogo, mas estas não pertencem à lei penal nem ali se encontram. Elas são extraídas dos modelos legais, isto é, da lei penal : se se pune o furto, deduzimos que há uma proibição de furtar; se se pune a omissão de socorro, deduzimos que há um mandado de socorrer. Porém, nem a proibição nem o mandado (as normas) estão na lei. Daí concluir 8inding que aquele que furta ou omite socorro não viola a lei, mas sim a cumpre, violando a norma, que se acha fora da lei penal, conhecida por nós através dela" ( Direito penal brasileiro, v. 1 , p. 584). 59 VOLUME I I RoGÉRJO G REco N orma j urídica e lei, conforme d estaca Luiz Regis P rado, "são conceitos d iversos. A p rim e i ra vem a ser o prius lógico da l ei, sendo esta o revestimento formal daquela".95 Dis cordando do raciocínio construído p or B inding e na esteira de Luiz Regis P rado, assim preleciona Damásio: " E ntre lei e norma l egal, p orém, não h á esta diferença encontrada por B inding. M ais correto é afirmar que a lei é a fonte da norma p e nal. A norma é conteúdo da lei penal. Como diz E d uardo C o rreia, a norma p roíb e ou impõe concretamente a respectiva c o nduta que des creve. A regra j u rídica que define um comportamento e determina uma p enali dade como consequência, está proibindo a con duta. Assim, o fundamento da lei é um princípio de comportamento, uma norma. A lei penal contém uma norma, que é a proibição da conduta por ela descrita. E m 'matar alguém', tal pena, está contida a norma proibi tiva 'não m atarás'."96 Finalizando, a lei, segundo Binding, teria caráter descritivo da conduta proibida ou imp osta, tendo a no rma, por sua vez, caráter p roibitivo ou mandamental. 4 . 2 . N o r m a s p e n a i s i n c r i m i n a d o r a s e n o r m a s p e n a i s não i n c r i m i n a d o r a s A s normas p enais existentes no C ó d igo não têm c o m o finalidade única e exclusiva punir aqueles que p raticam as condutas descritas nos chamados tipos p enais incriminadores. Existem normas que, e m vez de conterem p roibições ou mandamentos os quais, s e i nfringidos, l evarão à p unição do agente, possuem um conteúdo explicativo ou, mesmo, t ê m a finalidade de excluir o cri m e ou is entar o réu d e pena. São as chamadas n ormas penais não incrim inadoras. D essa forma, podemos destacar dois grup o s de normas: a) normas p enais incriminadoras; b) normas penais não i n criminadoras. A) À s normas penais i n criminadoras é reservada a fu nção de definir as infrações penais, p roibindo o u impondo condutas, sob a ameaça de pena. É a norma p e nal p o r excelência, visto que, quando s e fala em norma penal, pensa-se, imediatamente, naquela que proíbe ou impõe co ndutas sob a ameaça de sanção. São elas, por isso, consideradas n orm as penais em sentido estrito, proibitivas ou mandamentais. Nas chamadas n ormas penais incriminadoras p roibitivas, o tipo penal p revê um comportamento p o sitivo do agente que, se p raticado, ensej ará sua PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p . 89. JESUS, Damásio E. de. Direito penal 60 - Parte geral, p. 1 3. f NTRODUÇÀO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 res p onsabilidade p enal. Assim, p o r exe m p lo, o art. 1 6 3 do Código Penal possui a seguinte re dação : Destruir, inu tilizar o u deteriorar coisa a lheia. A lei p enal, no caso em exame, está narrando o comportamento que quer p roibir, vale dizer, a destruição, a inutilização o u a d eterioração de coisa alheia. Pune-se o agente porque fez aquilo que a norma p roibia. Ao co ntrário, nas normas penais consideradas incriminadoras mandamentais, a lei penal res ponsabiliza aquele que deixa de p raticar a conduta determinada pelo tipo penal. A n o rma possui, p o rtanto, um mandamento, uma ordem para que o agente faça aquilo que está p revisto no tipo. I magine-se a h i p ótese do art. 1 3 5 do Código Penal, cuja redação diz ass i m : Deixar de p restar assistên cia, quando possível fazê-lo sem risco pessoa l, à criança abandonada ou extra viada, ou à pessoa invá lida ou ferida, a o desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da a u toridade p ú blica. Percebe-se, com clareza, que, nesse caso, o agente será responsabilizado não porque fez alguma coisa, mas, sim, p o rque deixou de fazer o que a norma determinava. Por essa razão, tais normas são consideradas mandamentais. E xiste o utra norma, l igada aos crimes omissivos de forma geral, sejam eles p ró p ri o s ou imp ró p rios, chamada n orma preceptiva. A norma de natu reza p receptiva abrangeria as normas mandamentais, quando estivermos diante de o m issões próprias, b e m como as normas proib itivas, desde que p raticadas por omissão, quando o agente viesse a gozar do status de garantidor. Po rtanto, sempre que estivermos di ante de omissões - próprias ou imp róp rias -, a norma correspondente, que determina um comportamento do agente, sob pena de resp o nsabilizá-lo criminalme nte, receberá a denominação de norm a preceptiva. O núcleo da Parte Especial do C ó d igo Penal é regido pelas normas penais i ncriminadoras, embora nela também se enco ntrem, mesmo que em menor número, as normas p e nais não incriminado ras. • Preceitos da norma penal incriminadora - Quando analisamos os chamados tipos penais incriminadores, podemos verificar que existem dois preceitos: a) preceito p rimário; b) p rece ito secundário. O p rimeiro deles, conhecido como preceito pri mário (precep tum iuris), é o encarregado de fazer a descrição detalhada e perfeita da conduta que se p rocura proibir ou impor; ao segundo, chamado p receito secundário (sa nctio iuris), cabe a tarefa d e individualizar a pena, cominando-a em abstrato. Assim, no preceito primário do art. 1 5 5 do Cód igo Penal, temos a seguinte redaçã o : Art. 1 5 5 . Subtrair, para s i ou para outrem, coisa alheia móvel. 61 VOLUME l i ROGÉRIO G RECO Logo e m s eguida, vem o p receito secundári o : Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Então, aquele que p raticar a conduta descrita no preceito p rimário do art. 1 5 5, capu t, do Código Penal terá como consequência a aplicação da pena p revista no p receito secundário. 8) As normas p e nais não i n crim i nadoras, ao contrário, possuem as seguintes finalidades: a) tornar l ícitas d eterminadas condutas; b) afastar a culpabilidade do agente, erigindo causas de isenção de pena; e) esclarecer determinados conce itos; d} fo rnecer princípios gerais para a aplicação da lei penal. Também como regra, as normas p e nais não incriminadoras formam o núcleo da Parte Geral d o Cód igo Penal, podendo ser encontradas, co ntudo, também em menor número, na Parte Especial. Po rtanto, p odem ser as normas penais não incriminadoras subdivididas em: a) p e rmissivas; b) explicativas; e) complementares. As normas penais permissivas podem ser, ainda: 1 - permissivas justifican tes, quando têm por fi nalidade afastar a ilicitude (antij uridicidade) da conduta do agente, como aquelas p revistas nos arts. 2 3 , 24 e 25 do Código Penal; II - perm issivas exculpan tes, quando se destinam a eli minar a culpabilidade, isentando o agente d e p ena, como nos casos dos arts. 2 6, cap u t, e 28, § lQ, d o Código Penal. N ormas penais explicativas são aquelas que visam esclarecer ou explicitar conceitos, a exemplo daquelas previstas nos arts. 3 2 7 e 1 5 0, § 4Q, do C ódigo Penal. N ormas penais complementares são as que fornecem princípios gerais para a aplicação da lei penal, tal como a existe nte no art. 5 9 do C ódigo Penal. 4 . 3 . N o r m a s p e n a i s em b ra n c o ( p r i m a r i a m e n t e r e m e t i d a s ) N o rmas penais em b ranco ou primariamente remetidas s ã o aquelas e m q u e há necessidade de complementação para q u e se p ossa compreender o âmb ito de aplicação de seu p receito primário. Isso significa que, embora haja uma descrição da conduta p roibida, essa descrição requer, ob rigatoriamente, um complemento extraído d e um o utro diploma - leis, decretos, regulamentos etc. - p ara que po ssam, efetivamente, ser entendidos os limites da proibição ou 62 ( NTRODUÇÀO À TEORIA G ERAL DA l'ARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 i mp o s ição feitos pela lei p enal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível sua aplicação. Suponhamos que João, armado com um revólver, atire em Pedro, desej ando matá-lo, vindo a alcançar o resultado por ele pretendido. Analisando o art. 1 2 1 , cap ut, do Código Penal, verificamos que em seu p receito p rimário está descrita a seguinte conduta : matar a lguém . O comportamento de João, como se p e rcebe, amolda-se pe rfeitamente àquele descrito no art. 1 2 1 , não havendo necessidade de recorrer a qualquer o utro diploma l egal para compreendê-lo e aplicar, p o r conseguinte, a sanção prevista p ara o crime por ele cometido. Agora, i maginemos que Augusto estej a trazendo consigo certa quantidade de maconha, para seu uso, quando é surpreendido p o r alguns p oliciais. O art. 28, da Lei nu 1 1 . 3 43, de 23 de ago sto de 2 0 0 6, possui a seguinte redaçã o : Art. 2 8 . Q u e m adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I II - advertência sobre os efeitos das drogas; - p restação de serviços à comunidade; III medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. - N o caso de Augusto, como podemos concluir que ele praticou a cond uta descrita no art. 2 8 da Lei nu 1 1 .3 4 3 / 2 0 0 6 se não está expressamente escrito em seu texto quais são as drogas não autorizadas ou que se encontram em desacordo com determinação l egal o u regulamentar? O álcool e o cigarro, como se sabe, causam dependência. Será que s e fumarmos um cigarro ou i ngerirmos certa quantidade de bebida alcoólica estaremos cometendo a i n fração p revista n o art. 2 8 da Lei Antidrogas? A partir do momento que tivermos de nos fazer essa p e rgunta, ou seja, a p artir do i nstante que necessitarmos buscar um complemento em o utro diploma para sabermos o exato alcance daquela no rma que almejamos i nterpretar, estaremos diante de uma norma p e nal em branco. D i z-se em branco a norma penal porque seu p rece ito primário não é completo. Para que se consiga compreender o âmbito de sua aplicação, é preciso que ele seja complementado por o utro diploma, ou, na defi nição de Assis To ledo, normas penais em branco "são aquelas que estabelecem a cominação p enal, ou seja, a sanção penal, mas remetem a complementação da descrição da conduta proibida para outras normas legais, regulamentares o u administrativas".97 TOLEDO, Francisco de Assis. Prin cípios básicos de direito penal. p . 42. 63 VOLUME RoG ÉRJo G REco 11 N o caso do a rt. 2 8 da Lei nº 1 1 . 3 4 3 / 2 0 06, s o mente após a l eitura da P ortaria expedida pela Agência Nacional d e Vigilância Sanitária (ANVISA),98 autarquia sob regime especial vinculada ao M i n istéri o da Saúde, é que poderemos saber se esta o u aquela substância é tida como e ntorpecente, para fi ns de aplicação do mencionado artigo. M u itas vezes, esse complemento d e que necessita a norma penal em b ranco é fo rnecido por outra lei, ou, como vimos acima, no caso do art. 28 da Lei nº 1 1 . 3 4 3 / 2 0 0 6, p o r outro diploma que não uma lei em sentido estrito. Por essa razão, a doutrina d ivide as no rmas penais em branco em dois grupo s : a) n o rmas penais em branco h o mo gêneas (em sentido a m p l o ou h o mólogas) ; b) normas p enais em b ranco heterogêneas (em sentido estrito ou heterólogas). Diz-se h o mogênea, e m sentido amplo ou h omóloga, a norma penal em b ranco quando o seu complemento é oriundo da mesma fonte legislativa que ed itou a norma que necessita desse complemento. Assim, no art. 2 3 7 do Código Penal, temos a seguinte redaçã o : Art. 2 3 7 . C o ntrair casamento, conhecendo a existência de i mpedimento que lhe cause a nulidade absoluta: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Para respo nder pela prática do aludido delito, é preciso saber quais são os impedimentos que levam à decretação de nulidade absoluta do casamento. E quais são eles? O art. 2 3 7 não esclarece. Temos, porta nto, de nos valer do art. 1 . 5 2 1, incisos 1 a VI I, do C ó digo Civil (Lei nº 1 0 .406/2 0 0 2 ) para que a referida no rma penal venha a ser complementada e, som ente depois disso, concluirmos s e a conduta praticada pelo agente é típica ou não. Assim, como o art. 2 3 7 do Código Penal requer um complemento, pois não basta p o r si próprio, dizemos que h á uma norma penal em branco. Agora, parti ndo do princípio d e que no art. 2 3 7 do Código Penal se enco ntra uma norma penal em b ranco, d evemos, outross im, formular outra pergunta : Essa norma penal em b ranco é h o m ogênea ou h eterogênea? H o m ogênea, porque a fonte de produção do Có digo Civil, de onde extraímos o complemento, é a mesma que produziu o Cód igo Penal, onde reside a norma penal que necess ita ser complementada, ou seja, ambas foram produzidas pelo C o ngresso Nacional. A norma penal em b ranco homogênea, também conhecida como homóloga, ainda se divide e m : a) homovitelina; e b) heterovitelina. C onforme preleciona o M i n . Felix Fischer, em voto proferido n o Recurso O rdinário em Habeas Corp us nº 9 . 8 3 4/SP ( 2 0 0 0 / 0 0 2 9 1 2 8 -5) : A Lei nº 9.782. de 26 de janeiro de 1 999, definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). 64 J NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 "As normas penais em branco de complementação homóloga homovitelina são aquelas cuja norma complementar é do mesmo ramo do direito que a principal, ou seja, a l e i penal será complementada por outra lei penal. Exemplo desse tipo é o art. 3 3 8 do C P ( Re ingresso d e extrangeiro expulso), que é compleme ntado pelo art. 511, § 1 ", do CP (d efine a extensão do territó rio nacional p ara efe itos penais) . As n ormas penais em branco de complementação homóloga heterovitelina têm suas respectivas normas complementares oriundas de outro ramo do d ireito. É o caso, por exemplo, do art. 1 7 8 do C P ( E m issão i rregular de conhecimento de depósito ou warrant) , que é complementado pelas normas (com erciais) disciplinadoras desse título de crédito". Diz-se h eterogênea, em sentido estrito ou heteróloga, a norma penal em b ranco quando o seu complemento é oriundo de fonte diversa daquela que a editou. No caso do art. 2 8 da Lei Antidrogas, por exemplo, estamos diante de uma norma penal e m b ranco heterogênea, uma vez que o complemento necessário ao referido artigo foi p roduzido por uma autarquia (ANVI SA) vinculada ao M inistério da Saúde (Poder Executivo), que integra o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) - art. 1 4, 1 , do D ecreto n" 5.9 1 2, de 2 7 de setembro de 2 0 0 6 -, e a Lei n" 1 1 . 3 4 3 / 2 0 0 6 foi editada pelo C ongresso N acional (Poder Legislativo) . Assim, p ara que possamos saber se u m a norma penal e m branco é considerada homogênea ou heterogênea, é preciso que conheçamos, sempre, sua fo nte de produção. Se for a mesma, ela será considerada homogênea; se diversa, será reconhecida como heterogênea. 4.3. 1 . Ofe n s a a o p r i n c í p i o d a l e g a l i d ad e p e l a s n o r m a s p e n a i s e m b ra n c o h et e r o g ê n e as D i ssemos que as normas penais em b ranco h eterogêneas são aquelas cuj os complementos provêm de fonte d iversa daquela que editou a norma que necessita ser complementada. A questão que se col oca, ago ra, é a seguinte: Como o compleme nto da norma penal e m b ranco h eterogênea pode ser o riundo de outra fo nte que não a lei em sentido estrito, esta espécie de norma penal ofenderia o princípio da legalidade? Entendemos que sim, visto que o conteúdo da norma penal po derá ser modificado sem que haj a uma discussão amadurecida da s ociedade a seu respeito, como acontece quando os p roj etos de lei são submetidos à apreciação de ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo levada em consideração a vontade do povo, representado pelos seus deputados, b em como a dos E stados, representados pelos seus senadores, além do necessário controle exercido pelo Poder Executivo, que realiza o sistema d e freios e contrapesos. 65 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 11 I magi ne-se o que possa acontecer com a seleção das drogas que causem dependê ncia, p revistas no art. 2 8 da Lei nº- 1 1 . 3 43 / 2 0 0 6 . Fará parte desse rol, ou mesmo será excluída dele, aquela substância que assim entender a cúpula de d i reção da ANVISA, autarquia vinculada ao M i nistério da Saúde que detém esse poder. O que, na verdade, estamos querendo esclarecer é que não haverá, seja na in clusão de novas substâncias (criminalização), seja na exclusão daquelas j á existentes (descri m inalização) , qualquer discussão por parte do Poder com petente para legislar em matéria penal, que é a União, nos termos do art. 2 2 , 1 , d a Constituição Federal.99 M e recem destaque as l i ções de N i l o Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, quando asseveram: " [ ... ] n ão é simples demonstrar que a lei penal em b ranco não co nfigura uma delegação legislativa constitucionalmente proibida. Argumenta-se que há delegação legislativa indevida quando a norma complementar p rovém de um órgão sem autoridade constitucional legiferante penal, ao passo que quando tanto a lei penal em b ranco quanto sua complementação emergem da fo nte geradora constitucionalmente legítima não se faz outra coisa senão respeitar a distribuição da potestade legislativa estabalecida nas normas fundamentais. O argumento é válido, mas não resolve o problema. Quando assim se teorizou, as leis penais e m branco eram escassas e insignificantes: hoje, sua presença é considerável e tende a sup erar as demais leis penais, como fruto de uma b analização e administrativização da lei penal. A massificação provoca uma mudança qualitativa: através das leis penais em b ranco o legislador penal está renunciando à sua função programadora de criminalização primária, assim transferida a funcionários e órgãos do Poder Executivo, e in correndo, ao mesmo tempo, na abdicação da cláusula da u ltim a ratio, própria do estado de direito.'' 10 0 Tem prevalecido, no entanto, posição doutrinária que enten de não haver ofensa ao princípio da legalidade quando a norma penal em b ranco p revê aquilo que se denomina n úcleo essen cial da conduta . Nesse sentido, são as lições de Carbonell M ateu, quando aduz: "A técnica das leis penais em branco pode ser indesejável, mas não se pode ignorar que é absolutamente necessária em nossos dias. A amplitude das regulamentações j urídicas que dizem respeito sobre as mais diversas matérias, sobre as que pode e deve pronunciar-se o D ireito Penal, impossibilita manter o grau Nesse sentido COPETTI, André. Direito penal e estado democrático de direito, p . 1 80. V. BATISTA, Nilo; ZAFFARON I , Eugenia Raú l ; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, 1 , p. 205-206. 66 I NTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 de exigência de l egalidade que se podia contemplar no século passado ou inclusive a princípio do presente. H oj e, cabe dizer que, desgraçada mas necessariamente, temos de nos conformar com que a lei contemple o núcleo essencial da conduta." 1 º 1 4 . 4 . N o r m a s p e n a i s i n c o m p l etas o u i m p e rf e i t a s ( s e c u n d a r i a m ente remetidas) N ormas penais incompletas ou imperfeitas (também conhecidas como secundariamente remetidas) são aquelas e m que, para sabermos a sanção imposta pela transgressão de seu preceito primário, o legislador nos remete a outro texto de lei. Assim, pela leitura do tipo penal incriminador, verifica-se o conteúdo da proibição ou do mandamento, mas para saber a consequência j u rídica é preciso deslocar-se para outro ti po penal. Na definição de Luiz Regi s Prado, "a lei penal estruturalmente incompleta, ta mbém conhecida como lei penal imperfeita, é aquela em que se encontra prevista tão somente a hipótese fática (preceito incri minador), sendo que a consequência j urídica localiza-se em outro dispositivo da própria lei ou em diferente texto legal". 1 º 2 São exemplos de normas pe nais incompletas aquelas previstas na Lei n2 2 .8 89 /56, que define e pune o crime de gen ocídio. O seu art. lQ, para melhor visualização, vem assim redigido: Art. 12. Quem, com a intenção de destru ir, no todo ou em pa rte, grupo nacional, étnico, ra cial ou religioso, como tal : a ) matar membros do grupo; b) [ ... ] ; c) [ ... ] ; d) [ . . ] ; . e) [ ... ] . Será punido : com as penas do art. 1 2 1, § 22, do Cód igo Penal, no caso da letra a. O artigo, portanto, nos remete a o utro dispositivo penal para que s e possa aferir a sanctio iu ris, razão pela qual se diz que tal norma penal é incompleta ou i mperfeita. O art. 3 0 4 do Cód igo Penal é considerado uma no rma penal em b ranco, bem como uma norma incompleta ou imperfeita, pois seu preceito primário re mete o intérprete a outros tipos penais a fi m de saber quais são os papéis fals ificados ou alterados a que se refere o mencionado artigo, além de também encaminhar o exegeta a outro tipo penal com o escopo d e apurar as penas com inadas em seu MATEU, Juan Carlos Carbonell. Derecho penal - Concepto y principias constitucionales, p. 1 24. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte geral, p. 94. 67 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I preceito secundário. As sim, é considerado em b ranco e m seu p receito primário e i ncompleto, em seu preceito secundário. 5. E S C U SAS A B S O L U T Ó R IA S , P E R D à O J U D I C I A L E AÇ Ã O P E N A L H á outras no rmas que possuem fi nalidades diferentes daquelas citadas que se amoldam ao co nceito de normas penais não incriminadoras, haj a vista que não fo ram criadas para n arrar compo rtamentos proibidos ou impostos sob a ameaça de uma sanção de natu reza penal. N es te tópico, cuidaremos das escusas absolutórias, do perdão judicial, b em como da ação penal. 5 . 1 . E s c u s a s a bs o l u t ó r i a s A s chamadas escusas absolutórias s ã o imunidades penais de caráter pessoal que não podem ser renunciadas pelo agente, tampouco desconside radas ou mesmo val oradas pelo Estado, para fin s de sua aplicação. Têm por finalidade afastar a possibilidade de punib i l i dade, por questões de po lítica criminal, mantendo, outrossim, i ntactos os elementos que compõem a infra ção penal, ou seja, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Fernando Galvão, diss ertando sobre o tema, aduz: "A deficiência da sistematização teórica sobre a operatividade da coerção penal possibilitou grande variação te rminológica para a categoria j uríd ica que prete nde agrupar tais situações. Escusas absolutórias, causas pessoais de isenção de p ena, imu ni dades p enais de caráter pess oal, causas de não responsab i l i dade em sentido estrito são expressões que a doutrina utiliza para denominar tal categoria j u rídica. D iante da dificuldade teórica, chega-se a sustentar até que a expressão 'é isento de p ena' significa ausência de culpabilidade. C o m certeza, a situação não é s i mples. Resta claro que o C ódigo não observou qualquer técnica, ao utilizar a expressão 'é isento de pena'. A expressão é utilizada não some nte nos casos de exculpação (arts. 2 1 , 26 e 2 8 ) , como também em muitos outros, nos quais se quer opor obstáculos à coerção penal. Isto evi dencia que a culpabilidade não é o único e defi nitivo pressuposto da pena. A tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade constituem pressupostos da aplicação da pena. Mas não os únicos. A operatividade da coerção exige a satisfação de uma série d e condições, d entre as quais a inexistência de causas pessoais d e ise nção de pena." 1 03 GALV ÃO, Fernando. Direito penal - Parte geral, p . 9 1 2 . 68 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Apesar da discussão doutrinária so b re a melhor denominação, certo é que as escusas absolutórias não dizem respeito a qualquer das características que integram a infração penal, confo rme ale rtado acima, mas, sim, têm por finalidade afastar a punibilidade do agente que, e m tese, p raticou a infração penal. Raciocinemos com a hip ótese contida n o art. 1 8 1 do Código Penal, que diz: Art. 1 8 1 . É isento de pena quem comete qualquer dos crimes p revistos n este título, em prejuízo : 1 - do cônj uge, na co nstância da s ociedade conjugal; I I - d e ascendente ou descendente, seja o parentesco l egíti mo ou i l egítimo, seja civil ou natural. O títul o a que se refere o art. 1 8 1 do C ó digo Penal é aquele que diz respeito aos crimes contra o patri mônio, não se aplicando a escusa absolutória nos casos elencados pelo art. 183 do mesmo diploma legal, vale dizer: 1 - se o crime é de ro ubo o u de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; II - ao estran ho que p articipa do crime; I l i - se o crime é praticado co ntra pessoa com idade igual o u superior a 60 (sessenta) anos. I m agi ne-se, p ortanto, o exemplo e m que um fi lho, apaixonado, p retenda levar sua namorada ao melhor restaurante da cidade. Pelo fato de não trabalhar e, consequ entemente, não ter como p agar a conta que seria altíssi ma, subtrai de seu pai, que co ntava com menos de 60 anos de idade, a i mportância de R$ 5 0 0, 0 0 (quinhentos reais) . S e analisássemos o seu compo rtamento perante a lei p enal, chegaríamos à co nclusão de que sua conduta era típ ica, ilícita e culpável. H avia, dessa fo rma, crime. E n tretanto, o Cód igo Penal, por questões de po lítica criminal, preferiu imunizar aquelas pessoas que se encontram nessa l inha d e p arentesco, ou seja, ascendentes e descendentes, desde que não oco rra qualquer das hip óteses previstas pelo art. 1 8 3 do Código Penal. A escusa absol utó ria, como se p e rcebe, não terá o condão de el iminar qualquer dos elementos que integram a i n fração penal - tipicidade, ilicitude e culpabilidade -, mas tão s o me nte impedir a punição d o agente. 5.2. Perdão j u d icial O perdão judicial é uma causa d e extinção d a punibilidade prevista n o inciso IX do art. 1 0 7 do Código Penal, que diz: Art. 1 0 7 . Extingue-se a punibilidade: [ ... ] ; IX - pelo perdão j u dicial, nos casos previstos e m lei. 69 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i Pela redação d o inciso acima transcrito, podemos concluir que somente haverá possibilidade d e concessão do perdão j u d icial nos casos previstos expressa men te em lei. Is s o sign i fica que, inicialmente, é a lei que determina as infrações p enais nas quais será possível, no caso concreto, o raciocínio do perdão j u d i cial. Assim, se não ho uver p revisão l egal expressa nesse senti d o, torna-se impossível a apli cação do p erdão j u dicial, não havendo possib ilidade, aqui, de ser levado a efeito o raciocínio da chamada analogia i n banam partem . H avendo p revisão l egal, poderá o j u lgador, dependendo do caso concreto, concedê-lo ou não. Na verdade, e m determinadas situações, confo rme veremos a seguir, a doutrina tem se posicionado no sentido de entender o perdão j udicial como um direito subj etivo do acusado; em outras, como faculdade do julgador. Assim, raciocinemos com a hipótese contida no § SQ do art. 1 2 1 do Código Penal, que diz: § SQ N a h i p ótese de h omicídio culposo, o juiz p oderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal s e torne desnecessária. I m agine-se, por exemplo, a s ituação na qual um policial, ao chegar em casa, retira a arma da sua cintura e a coloca e m cima da mesa da sala. Logo em seguida, vai até a cozinha, oportu n i dade e m que escuta um estampido. Volta correndo para a sala e percebe seu fil h o, já m o rto, caído ao lado da sua pistola. Analisando o exemplo fo rnecido, ch egaríamos à conclusão de que aquele p o licial, pai da vítim a, teria p raticado u m d el ito de homicídio culposo. E ntretanto, p ergunta-se: S erá que p a ra ele seria possível, ou m esmo obrigatória, a concessão do p e rdão j u d icial? Imagine a dor desse pai, que terá de conviver, até o fim de sua vida, com a angústia d e ter causado a m orte d o próprio filh o. Será que have ria, no caso em exame, necessidade de aplicação da pena, ou, confo rme diz a redação do perdão j udicial, as consequências da infração atingiram o agente de forma tão grave que a sanção pena l s e to rnou desnecessária? N esses casos, quando h o uver uma relação de parentesco p róximo, a exemplo do que ocorre com os ascende ntes, descendentes, cônjuge o u irmão, a doutrina tem s e posicionado no sentido de ser o perdão j udicial um direito subjetivo do age n te. Nas d e mais hipóteses, seria uma faculdade do julgador. Outro ponto que merece destaque com relação ao perdão j udicial diz respeito ao fato de que também em infrações p enais dolosas é possível sua concessão. N ormalmente, ligamos o perdão j udicial às infrações de natureza culposa, a exemplo do homicídio e das l esões corporais culposos. No entanto, conforme já frisado acima, é a lei penal que decide quando se poderá conceder o perdão judicial. 70 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Assim, no § lQ do art. 1 4 0, ao cuidar do crime de injúria, diz a lei penal: § lQ O j u i z pode deixar de aplicar a pena: 1 quando o o fendido, de fo rma reprovável, p rovocou d i retamente a i nj ú ria; - II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Como se percebe pela redação do p arágrafo acima transcrito, não estamos diante d e uma infração penal de natureza culposa, mas, s im, dolosa. N esse caso, entendeu por b e m a lei penal p e rm itir a concessão do perdão j udicial, mesmo tratando-se d e um crime doloso. Isso ratifica o raciocínio inicial quando dissemos que comp ete à l e i, inicialme nte, apontar todas as infrações penais nos casos e m que fo r possível a aplicação do perdão j udicial, não podendo o j ulgador concedê-lo à sua l ivre escolha. Da mesma fo rma, ao cuidar da colaboração p remiada, o art. 4Q da Lei nQ 1 2 . 8 5 0, de 2 de agosto de 2 0 1 3 , que definiu organização criminosa e dis pôs, dentre outros, sobre a i nvestigação criminal e os meios de obtenção da p rova, assevera que o juiz poderá, a re querimento das partes, conceder perdão j u d icial, re duzir e m até 2 / 3 (dois terços) a pena privativa de l i b erdade ou substituí-la por restritiva d e d ireitos daquele que ten h a colaborado efetiva e voluntariamente com a i nvestigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração adve nha u m ou mais dos resultados elencados nos i ncisos 1 a V do referido artigo. Assim, poderá o agente colabo rador, mesmo tendo praticado um crime de natureza dolosa, vale dizer, tip i ficado no art. 2Q da Lei nQ 1 2 . 8 5 0, de 2 de ago sto de 2 0 1 3 , que pune com reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem p rej uízo das penas correspond entes às demais i n frações penais praticadas, aquele que promove, co nstitui, fi nancia ou i ntegra, pess oalmente ou p o r interposta pess oa, o rganização criminosa, ser b e n eficiado com o perdão j udicial. N o e ntanto, frisamos, é a lei que aponta, mesmo nesses casos, as h ipóteses onde será poss ível sua concessão. Também é comum a lei penal apontar expressamente a hip ótese de perdão j u dicial sem que, contudo, faça constar essa denominação em sua rubrica. Assim, por exemplo, no § 52 do art. 1 2 1 do C ó digo Penal, embora nele estej a consignado expressamente o perdão j u dicial, não enco ntramos registrada essa expressão, pois nesse parágrafo nem sequer existe rubrica. D essa fo rma, como saber que estamos diante de uma h ipótese de perdão j u dicial? É regra geral que a lei penal utilize a expressão o juiz poderá deixar de aplicar a pena, ou alguma coisa com ela p arecida, quando quiser se referir ao perdão j u d icial, mesmo que não exista rubrica expressa nesse sentido. 71 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO Fi nalmente, a última discussão q u e entendemos relevante diz respeito à natureza j urídica da sentença concessiva d o perdão j udicial. N esse ponto, fo rmaram-se quatro corre ntes, que chegaram às seguintes conclusões : a) a sentença que concede o perdão j udicial é absolutório; b) possui natureza d e sentença cond enatória, subsistindo os seus efeitos secundários; c) é uma se ntença condenató ria, sem a produção de seus efeitos naturais; d) é declaratória de extinção da punibilidade. Ultimamente, tem p revalecido e ntre nós a última posição, fi rmada pelo STJ p o r intermédio da Súmula nº- 1 8, que d i z : Súmula n º- 1 8. A sen tença concessiva d o perdão ju dicial é declaratória da extinção da pu nib ilidade, nã o subsistindo q u alquer efeito con dena tório. 5. 3 . Ação penal A ação penal é tratada no Título V I I d a Parte G eral do C ódigo Penal. Paulo Rangel, dissertando sobre o conceito e as características do direito de ação, o defin e como "um d ireito subj etivo de se i nvocar do Estado a prestação j u risdicional, pois, havendo o Estado monopolizado a administração da Justiça, deve dar a cada um o que lhe é devido. A ação é, po is, um di reito subjetivo (posto que inerente a cada ind ivíduo), a u tônomo (pois não se confunde com o direito subj etivo material, que irá s e deduzir em juízo), abstrato (pois independe do autor ter ou não razão ao fi nal do processo), instrumental (serve d e meio para se alcançar um fim que é a sati sfação da p retensão i nsatisfeita ou resistida) e p úb lico (porque se d irige contra o E stado e em face do réu)". 1 º4 O Código Penal e a legislação processual penal preveem duas espécies de ação penal, a saber: ação penal pública e ação penal privada. A regra p revista no art. 100 do Cód igo Penal diz que to da ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. N a verdade, todas as ações p e nais, sejam elas quais fo rem, têm natureza pública, conforme se verifica nas l ições de Paulo Rangel. C ontudo, na área penal, especifi camente, a sua iniciativa é que se biparte em pública e p rivada. Assim, teremos ações penais de iniciativa pública e ações penais de i n iciativa privada. As ações penais de iniciativa pública são p ro m ovidas pelo órgão o fi cial, ou seja, pelo M inistério Público, sendo que as de i niciativa priva da são, ab in itio, 1 0 4 RANG EL, Paulo. Direito processual penal, p. 2 1 4. 72 INTRODUÇÃO À TEORJA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 levadas a efeito m ed iante queixa pelo o fendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. Faremos, a seguir, a análise individual das duas espécies de ação penal, apontando suas subdivisões e características. 5.3. 1 . Ação p e n a l de i n i c i at i va p ú b l i c a A ação p enal de iniciativa pública pode ser: a) inco ndicionada o u bJ condicionada à representação do ofendido ou à requisição do M inistro da Justiça. Ação penal de iniciativa pública i n co ndicionada D iz-se incondicionada a ação penal de iniciativa pública quando, para que o M i n i stério Público possa in iciá-la ou, mesmo, requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. É a regra geral das infrações penais, uma vez que o art. 1 0 0 do C ó digo Penal assevera que a ação penal é pública, salvo q u an do a lei expressa men te a declara p rivativa do ofendido. Pelo fato d e não existir qualquer condição que impossibilite o i nício das investigações pela polícia ou que i mpeça o M inistério Público de dar início à ação penal pelo o ferecimento de denúncia, é que o art. 2 7 do C ódigo de Processo Penal diz que q u alquer pessoa do povo poderá p rovocar a iniciativa do Min istério Público, n os casos em q u e caiba a ação p ú blica, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fa to e a a u toria e indicando o tempo, o lugar e os elemen tos de convicção, apresentando-lhe, po is, sua n o titia criminis. Ação p enal de iniciativa pública condicio nada à representação do o fendido o u à requisição d o Ministro da Justiça Pode acontecer, contudo, que a l egislação penal exij a, em determinadas infrações penais, a conj ugação da vontade da víti ma o u de seu representante l egal, a fi m de que o Ministério Público possa aduzir em j uízo sua p retensão penal, condicionando o in ício das i nvestigações p o liciais e o oferecimento de denúncia à apresentação de sua representação. Ressalte-se que a representação do ofendido ou de seu representante legal não precisa co nter gran des formalis mos . Nela, o ofendido ou seu representante l egal simplesmente declara, esclarece sua vontade no sentido d e possibilitar ao M i n i stério Público a ap uração dos fato s narrados, a fi m de fo rmar sua convicção pessoal para, se for o caso, dar início à ação penal pelo o ferecimento de denúncia. Além da represe ntação do ofendido, a lei penal fala também em requisição do M i n istro da Justiça. D a mesma fo rma que a representação do o fendido, a requisição do M i nistro da J ustiça também tem a natureza j u rídica de condição de procedibilidade, permitindo ao M i n istério Público i niciar a ação penal, uma vez preenchida essa condição. Em ambas as hip óteses - representação do 73 ROGÉRIO G RECO VOLUME l i ofendido o u requisição d o M i nistro d a Justiça - , o M i nistério Público não está obrigado a dar início à ação penal, p o i s tem total l ib erdade para p ugnar pelo arquivamento do i nquérito policial o u das peças de informação depois de emitir, fundame ntadamente, sua opinio delicti. Tais condições, p o rtanto, uma vez preenchidas, não i mpõem ao Mi n istério Público o dever de o ferecer denúncia, mas permitem que ele assim p ro ce da, caso conclua pela sua necessidade. 5.3.2. A ç ã o p e n a l d e i n i c i at i v a p r i v a d a N a precisa l ição d e Frederico Marques, "ação penal privada é aquela em que o direito de acusar p ertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao o fendido ou a quem tenha qualidade p ara representá-lo. Ela s e denomina ação priva da, p o rque seu titular é um particular, em contraposição à a ç ão p enal pública, em que o titular do ius actionis é u m ó rgão estata l : o M i n i stério Público".105 As ações penais de i n i ci ativa privada classificam-se em: a) p rivada propriamente d ita; b) p rivada subsidiária da púb lica; e e) p rivada personalíssima. Privada p ropriamente dita As ações de i n i ci ativa privada propriamente ditas são aquelas promovidas mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para rep resentá-lo. E m d eterminadas infrações p e nais, a l e i penal p referiu que o início da persecu tio crim inis ficasse a cargo do p arti cular. Embora o E stado sempre sofra com a p rática de uma infração p enal, pois se u cometimento abala a ordem j u rídica e coloca em risco a paz social, existem s ituações que interessam mais i ntimamente ao particular do que propriam ente ao E stado. D essa forma, como veremos mais adiante, os princíp ios que regem as ações penais de i niciativa p rivada d i ferenciam-se daqueles que são reitores das ações penais de i n iciativa pública, uma vez que o interesse do p articular se sobrepujará ao interesse do E stado. No caso de m o rte do o fendido o u de ter sido declarado ausente por decisão j ud icial, sendo a ação penal d e iniciativa p rivada propriamente dita, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir n a a ç ão penal passa ao cônj uge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 4Q do art. 1 0 0 do Código Penal e d o art. 3 1 do Có digo de Processo Penal. Privada subsidiária da pública As ações penais de iniciativa p rivada subsidiárias da pública encontram resp aldo não somente na l egislação penal (art. 1 0 0, § 3Q, do C P e art. 29 do CPP), : MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, v. 1 , p. 321 . 74 f NTRODUÇÀO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 como também no texto da C o nstituição Federal (art. SQ, LIX) , que diz que será adm itida ação p rivada nos crimes de ação p ú blica, se esta n ão for i ntentada n o prazo legal. C o m essa disposi ção, quis o legislador constituinte, a exemplo d o que faze m o Código Penal e o C ó digo Processual Penal, permitir a o particular, víti ma de determinada infração penal, que acompanhasse as investigações, bem como o trabalho do órgão o ficial e ncarregado da persecução penal. E m razão desses dispositivos l egais, se o M i nistério Públi co, por desídia própria, deixar de o ferecer denúncia no p razo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, substituindo-o, o ferecer sua que ixa-crime, dando, assim, início à ação penal. Ressalte-se que som ente caberá ao p articular i ntentar a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública quando o Ministério Público, deixando decorrer in a/bis o p razo legal para o oferecimento da denúncia, não der início à ação penal. Isso quer dizer que o direito d e dar início à ação penal que, o riginalmente, é de iniciativa pública, somente se transfere ao particular se houver desídia, inércia do M i nistério Público. Mesmo que tal i nércia seja j ustificada, como em vi rtude de acúmulo de serviço, o particular pode o ferecer sua queixa-crime. Contudo, se em vez de oferecer a denúncia o Ministério Público solicitar o arquivamento do inquérito policial o u requerer a devolução dos autos à delegacia de p o lícia para que sejam levadas a efe ito algumas diligências consideradas indispensáveis ao o fe recimento da denúnci a, não poderá o particular intentar a sua ação de natureza subsidiária. No s e ntido específico do pedido de arquivamento pelo M i nistério P ú blico, este é o entendime nto de Ro meu de Almeida Salles Jú nior: "Como titular da ação penal, pode o M inistério Público apreciar l ivremente os elementos do inquérito po licial ou de quaisquer peças de i n fo rmação. Formada a convicção no sentido de que não h o uve crime, requer o arquivamento, fundamentando o seu entendimento. O máxi mo que pode rá ocorrer é a discordância do Poder Judiciário, que exerce o controle de tais p e d idos, nos term os do art. 2 8 do Código de Processo Penal. Se, p o rventura, o J udiciário discordar do pedido do M i nistério P ú bl i co, não po derá determinar ao Promotor de Justiça que o fe reça denúncia. Não tem poderes para violar sua consciência. D everá, en tão, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justi ça, chefe da I nstituição, e este procederá ao competente exame. Se entender que o órgão do M i nistério Público se manifestou correta mente, insi stirá no pedido de arquiva mento, que deverá ser aceito pelo j uiz (art. 2 8, in fine)." 1 0 6 SALLES J Ú NIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal, p. 263. 75 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i E m s entido contrário é o posicioname nto d e H é l i o To rnaghi, quando aduz: "Há quem p retenda não caber ação privada subsidiária no caso em que o M i n istério Público pede o arquivamento porque aí, diz-se, o M i n istério Público agiu, não ficou ine rte, inativo, e o que a lei quer é apenas permitir a ação subsidiária do o fendido na h i pótese de negligência do órgão estadual. Mas o argumento não encontra amparo nem na letra da l e i nem nas razões p o l íticas que a i nspiram. O art. 2 9 não diz que a ação privada será admitida nos crimes de ação pública se o M i nistério Público não p raticar ato algum no prazo legal, mas, sim, a firma: 'será admitida ação privada nos crimes de ação públi ca, se esta não fo r intentada n o prazo legal'. E é claro que se o M i n istério Público pede o arquivamento, durante o p razo da denúncia ou depois dele, pouco importa, não intenta a ação penal no p razo da l e i . E é isso que a lei quer dizer, não há dúvida: o Estado que chamou a s i o exercício da ação penal, retirando-o do ofendido, d eve restituir- lho quando entende de não a promover. Nen h u m prejuízo há nesta restituição, n e sta d evolução, sem a qual a publicização do ius persequendi p od eria, em certos casos, ser verda deiro esbulho e com a qual se permite ao o fendido trazer ao conhecim ento do Judiciário fatos que, a seu ver, exigem punição." 10 7 Se for intentada ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, o M in istério Público poderá aditar a queixa, repudiá-la ou oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal (art. 29 do CPP). Isso porque a ação penal é originalmente de iniciativa pública e, uma vez intentada pelo particular, será regida pelos p rincípios que a o rientam. Enquanto o particular estiver à frente dessa ação penal, o M inistério Público funcionará, obrigatoriamente, como fiscal da lei, assumindo a posição original de parte nos casos de negligência do querelante. Privada personalíssima As ações p enais de iniciativa privada tidas como personalíssimas são aquelas em que somente o ofendido, e mais n inguém, pode propô-las. E m virtude da natureza da infração penal praticada, entendeu por bem a lei penal que tal infração atinge a vítima de fo rma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá em itir o seu j uízo de pertinência a respeito da propositura ou não dessa ação penal. Como exemplo d e ação penal de iniciativa privada personalíssima, podemos citar aquela correspondente ao delito previsto no art. 2 3 6, que cuida do induzimento TOR N AG H I , Hélio. Compêndio de processo penal, v. li, p. 490-49 1 . 76 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 a erro essencial e o cultação de impedimento. O parágrafo único do mencionado artigo assevera que a ação penal depende de queixa do contraente engan ado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sen tença q ue, por m o tivo de erro ou impedimento, a n u le o casam en to, afastando-se, com essa redação, qualquer possibilidade de ser transferida às pessoas elencadas no art. 1 0 0, § 4-º-, do Código Penal, haj a vista que, em virtude de sua natureza personalíssima, como bem d estacou M i rabete, "só podem ser intentadas ú nica e exclusivamente pelo ofendido, não havendo, portanto, sucessão por morte ou ausência". 108 6. M AJ O R A N T E S E M I N O R A N T E S Chamam-se maj o rantes a s causas co ntidas nas partes G eral e Especial d o Código Penal, q u e têm p o r finalidade aumentar a pena aplicada ao agente. Em sentido oposto, são consideradas m i n orantes aquelas causas que, também previstas na Parte Ge ral o u na Parte E s p ecial do C ódigo Penal, são aplicadas para fins de diminuição da p ena. Dependendo do lugar em que se encontrem no Có digo Penal, as maj orantes e minorantes serão reconhecidas como causas gerais ou especiais de aumento ou diminuição de pena. Assim, se consignada na Parte Geral do Código Penal, será entendida como causa geral de aumen to ou de diminuição de pena; se na parte especial, será denom inada de causa especial de aumento ou de dimin uição de pena. M erece destaque o fato d e que toda vez que estivermos diante de uma maj o rante ou m i no rante, ou seja, d ia nte de uma causa de aumento ou de diminuição de p ena, seja na Parte Geral, seja na Parte Especial do Código Penal, esse aumento o u essa diminuição virá sempre e m /rações. Assim, a títul o de raciocínio, o parágrafo único d o art. 1 4 do C ó digo Penal, ao cuidar da p ena correspondente ao delito tentado, diz: Parágrafo ú ni co. Salvo disposição em contrário, pune­ -se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Como s e percebe, a diminuição da p ena, em virtude de a infração penal ter permanecido na fase da tentativa, será de um a dois terços. O Código Penal, portanto, nos fo rneceu essa diminuição e m frações, razão pela qual podemos afirmar que estamos diante d e uma m i n o rante, ou seja, uma causa geral de diminuição de p ena. O § 1-º- do art. 1 5 5 do Código Penal, a seu turno, determi na o aumento da pena e m u m terço se o crime é p raticado d urante o repouso noturno. M I RABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, p. 78. 77 VOLUME I I RoG É RlO G RECO N esse caso, estaríam o s diante de uma maj o rante, vale dizer, uma causa especial d e aumento de pena, uma vez que o m encionado parágrafo determinou que o aumento fosse realizado e m u m terço. N o primeiro exemplo, quando nos referimos à diminuição pela tentativa, dissemos, além da expressão m inora n te, que estávamos diante de uma causa geral d e diminuição d e pena. I sso p o rque o parágrafo único do art. 14 se encontra na Parte Geral do Código Penal. Ao co ntrário, quando cuidamos do aumento relativo ao repouso noturno, além da expressão maj o rante, dissemos que havia ali uma causa especial de aumento d e pena, uma vez que tal aumento, relativo ao furto p raticado durante o rep ouso noturno, se encontra na Parte E special do C ó digo Penal. D etalhe i mportante p ara fins de apli cação das maj orantes e m i norantes é que, estejam elas na Parte Geral ou na Parte Es pecial do Código Penal, serão consideradas, sempre, no terceiro m o mento do critério trifásico de apli cação da p ena, previsto n o art. 68 do C ó digo Penal, que diz: Art. 6 8 . A p ena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 5 9 d este C ó digo; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. A aplicação das maj o rantes e m i n o rantes será realizada em cascata, o u seja, pena sobre pena. Assim, após o j ulgador ter fixado a pena-base e s ob re ela ter aplicado as circunstâncias agravantes e atenuantes, sobre esse subtotal, vamos dizer assim, é que i n ci d i rão as maj o rantes e minorantes, chegando-se, após esse último lançamento, à chamada pena fin a l ou pena justa. D everá, no e ntanto, ser observado o p arágrafo único do art. 68, que diz: No concurso de causas de a u m e n to ou de dimin uição previstas n a p a rte especial, pode o juiz limitar-se a um só a u m e n to o u a u m a só dimi nuição, prevalecendo, todavia, a causa que m a is a umen te ou dim inua. Assim, por exe mplo, s e tivermos duas causas de aumento de pena, constantes da Parte Especial do Código Penal, que, e m tese, p oderiam ser aplicadas ao caso concreto, o j u i z se limitará à escolha d e uma delas, prevalecendo aquela que tiver p ercentual maior d e aumento. 7. CAUSAS D E J USTI FICAÇÃO E D I R I M E NTES A s ca usas de justificação s ã o aquelas que têm p o r finalidade afastar a ilicitude do fato, a exemplo do que ocorre com a l egítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de d ever l egal e o exercício regular de direito. 78 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 As chamadas dirim en tes, a seu turno, eliminam a culpabilidade, por exemplo, nas h ipóteses em que o agente for inimputável por doença m e ntal ou desenvolvimento i ncompleto ou retardado, tiver atuado em virtu de de um erro de p roib ição invencível etc. 8. R U B R I CAS O U I N D I C A Ç Õ E S M A R G I N A I S As rub ricas o u indicações marginais estão pos icionadas anteriormente à na rração contida no tipo penal e têm por finalidade anunciar aquilo que será obj eto de estudo no artigo. As rub ricas encontram-se consignadas tanto na Parte Geral quanto na Parte Especial do Có digo Penal, sendo que, n esta última, como regra, indicam o nomen juris da infração penal em exame. Confo rme ressalta Sérgio de Oliveira M édici, as rubricas "são as anotações marginais d e cada artigo e, às vezes, dos parágrafos e incisos. Trata-se de inovação do C ódigo de 1 940, à semelhança de seus modelos, que ta mbém surge em dispositivos da parte geral. Com a rubrica, o legislador atribui denominação ao crime, bem como especifi ca as formas si mples, p rivilegiadas e qualificadas de alguns deli to s". 10 9 9. CON FLITO O U CONCU RSO APARENTE DE N O R MAS N ã o é incomum que, aparentemente, sobre u m mesmo fato possam existir duas o u mais normas que, e m tese, procuram regulá-lo. Quando isso acontecer, estaremos diante do chamado concurso o u confli to aparente de normas. A denominação aparente demonstra que a situação de conflito ou concurso de normas e fetivamente não existe, uma vez que som ente uma delas será aplicada ao caso concreto. Na precisa co nceituação d e Frederico M a rques, "o concurso d e no rmas tem l ugar sempre que uma conduta delituosa pode enquadrar-s e em diversas disposições da lei p e nal. Diz-se, porém, que esse co nflito é tão só aparente, porque se duas ou mais disposições se mostram aplicávei s a um dado caso, só uma dessas normas, na realidade, é que o disciplina".11 0 O conflito, p o rque apare nte, deverá ser resolvi do com a análise dos seguintes princípios: M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais - Parte especial do direito penal, p . 1 20. MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal, v. li, p . 457. 79 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 a) princípio da especialidade; b} princípio da subsidiariedade; c) princíp io da consunção; d) princíp io da alternatividade. Pelo p rincíp io da especialidade, a norma especial afasta a aplicação da norma geral. É a regra expressa pelo b ro cardo /ex specialis derrog a t generali. Em d eterminados tipos penais incriminadores, há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, em razão dessa especificidade, a regra contida no tipo especial se amolde de forma mais adequada ao caso con creto, afastando, dessa fo rma, a aplicação da norma geral. N a lição de Assis Toledo, "há, p ois, e m a norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a d istingue da norma geral". 1 1 1 Como exemplo podemos fazer uma co mparação entre os crimes d e h o micídio e infanticídio. Fala-se e m homicídio quando o agente produz a morte de um homem. No infanticídio, embora também oco rra a morte de uma pessoa, determin adas elementares fazem com q ue, se p resentes, o fato de ixe de se amoldar ao art. 1 2 1 do Código Penal para fazê-lo, com perfeição, ao tipo do art. 1 2 3 do mesmo diploma l egal . Se uma parturiente, ao dar à luz um filho, sem qualquer p erturbação psíquica originária de sua especial condição, desejar, p u ra e s implesmente, causar-lhe a morte, responderá pelo crime de hom icídio. Agora, se durante o parto o u l ogo depois, sob a influência do estado p uerpera/, causar a morte do próprio filho, já não mais responderá pela infração a título d e homi cídio, mas, sim, p o r infanticídio, uma vez que as elementares contidas n esta última figura delitiva a tornam especial em relação ao homicídio. Pelo princíp io da subsidiariedade, a norma dita subsidiária é considerada, na expressão de H u ngria, como um "so ldado de reserva", isto é, na ausência ou impossibilidade de aplicação da norma principal mais grave, aplica-se a norma subsidiária menos grave. É a aplicação do b rocardo /ex primaria derrogat legi subsidia ria e. A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita. D iz-se expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu caráter subsidiário. Assim, nos termos do preceito secundário do art. 1 3 2 do C ó digo Penal, somente se aplica a pena p revista para o delito de perigo para a vida ou a saúde de outrem se o fato não co nstituir c r i m e mais grave. C rime d e p erigo é a q u e l e em que h á probabilidade de dano. Se houver o dano, que não foi possível ser evitado com a punição do crime de perigo, n ã o se fala em cometimento d este ú ltimo. São tamb ém exemplos de subsi diariedade expressa o s delitos tipificados nos arts. 2 3 8, 2 3 9 , 249 e 3 0 7, todos do Código Penal. TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 5 1 . 80 J NTRODUÇÀO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPEClAL CAPÍTULO 1 Fala-se em subsidiariedade tácita ou implícita quando o artigo, embora não se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, somente tem aplicação nas hipóteses de não ocorrência de um delito mais grave que, neste caso, afasta a aplicação da norma subsidiária. Como exemplo, podemos citar o art. 3 1 1 do Código de Trânsito brasileiro, que proíbe a conduta de trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde houver grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano. Se o agente, deixando de observar o seu exigido dever de cuidado, imprimindo velocidade excessiva ao seu veículo, próximo a um dos lugares acima referidos, vier atropelar alguém, causando-lhe a morte, não será responsabilizado pelo citado art. 3 1 1, mas, sim, pelo art. 3 0 2 do mesmo Código, que prevê o delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor. O crime de dano afastará, portanto, o crime de perigo. Na lição de H u ngria, "a diferença que existe e ntre especialidade e subsidiariedade é que, n esta, ao co ntrário do que oco rre naquela, os fatos previstos em u ma e outra norma não estão em relação de espécie a gênero, e se a pena do tipo p rincipal (sempre mais grave que a do tipo subsidiá rio) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo su bsidiário pode apresentar-se como 'soldado de reserva' e aplicar-se pelo residuum". 1 1 2 Na verdade, não possui utilidade o princípio da subsidiariedade, haja vista que problemas dessa o rdem podem perfe itamente ser resolvidos pelo princípio da especialidade. Se uma norma for especial em relação a ou tra, como vimos, terá ela aplicação ao caso concreto. Se a norma dita subsidiária foi aplicada, é sinal de que nenhuma outra mais gravo sa poderia ter aplicação. Isso não deixa de ser especialidad e . P o d e m o s falar em princípio d a consunção1 13 n a s seguintes hipótes es: a] quando u m crime é meio necessário ou n o rmal fase de p reparação ou de execução de outro crime; b} nos casos de antefato e pós-fato i m p uníveis. Os fatos, segundo Hu ngria, "não s e acham em relação de species a gen us, mas de minus a p lus, de parte a todo, de meio a fim". 114 Assim, a consu mação absorve a tentativa e esta absorve o i n criminado ato preparató rio; o crime de lesão absorve o correspondente cri me de perigo; o homicídio absorve a lesão corporal; o furto em casa habitada absorve a violação de domicílio etc. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. 1 , p . 1 39. "A controvérsia atual sobre o critério da consunção é i rreversível e a tendência parece ser sua própria consunção por outros critérios, especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pós-fato copunidos: a literatura contemporânea oscila entre posições de aceitação reticente e de rejeição absoluta do critério da consunção" (SANTOS, Juarez Girino dos. A moderna teoria do fato punivel, p. 348-349). H U N G R IA , Nélson. Comentários ao código penal, v. 1, t. 1, p . 1 40. 81 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 Antefato impunível seria a situação antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir l evar a e fe ito o crime p o r ele p retendido inicialmente e que, sem aquele, não seri a possível. Para p raticar um estelionato com cheque que o agente e ncontrou na rua, é preciso que ele com eta um delito de falso, ou seja, é preciso que o agente o preencha e o assine. O preenchimento e a falsa assi natura aposta no cheque são considerados antefatos impuníveis, necessários para que o agente cometesse o delito -fim, isto é, o estelionato. D e ixando tra nsparecer a sua posi ção com relação aos crimes de falso e estelionato, o STJ editou a Súmula n2- 17, com a seguinte redaçã o : Quando o fa lso se exaure no esteliona to, sem mais poten cialidade lesiva, é por este absorvido. O pós-fato impunível pode ser considerado um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Na lição d e Fragoso, "os fatos posteriores que significam um aproveitamento e por isso ocorrem regu larmente depois do fato anterior são por este consumidos. É o que ocorre nos crimes de intenção, e m que aparece o especial fi m de agir. A venda pelo ladrão da coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se o agente falsifica m o e d a e d e pois a introduz em circulação p ratica apenas o crime d e moeda falsa (art. 2 89, C P)".1 1 5 Com relação à venda da coisa furtada pelo autor da subtração, entende Ass is Toledo que o agente deverá responder pelo estelionato, em concurso material, uma vez que empreendeu "nova lesão autônoma contra víti ma diferente, através de conduta não compreendida como consequência natural e necessária da primei ra". 11 6 E ntendemos que, no c a so em estudo, a melhor pos ição é a de Fragoso. Isso p o rque, na verdade, o autor da subtração p ratica essa conduta, algumas vezes, com a fi nalidade de transformar o obj eto furtado em dinheiro. N ã o lhe i nteressa, por exemplo, utilizar o televisor ou o aparelho de som, mas, s i m, subtraí-lo, pelo valor que eles representam. Dessa forma, o fato de ve nder a res furtiva a terceiro de boa-fé, como se fosse de sua propriedade, deverá ser considerado m e ro exaurimento do crime de furto, não podendo o agente, p o rtanto, ser por ele responsabilizado criminalmente. Embora os três princípios sejam os indicados para a solução do conflito aparente de normas, val e mencionar, a inda, a existência de outro, conhecido como p rincípio da altern a tividade. Tal princípio terá aplicação quando estive rmos d iante d e crimes tidos como d e ação m últipla ou de con teúdo variado, ou seja, crimes plurinucleares, nos quais o tipo penal p revê mais de uma conduta em seus vári os núcleos. Exemplo clássico de tais tipos penais é aquele previsto no art. 33 da Lei n2- 1 1 . 3 4 3 / 2 00 6, assim redigi d o : FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte geral, p . 360. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 54. 82 1 NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Art. 3 3 . I m p o rtar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, o ferecer, ter em depósi to, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente, s em autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 5 0 0 (quinhentos) a 1 . 5 0 0 (mil e quinhentos) dias-multa. Suponhamos que o agente adquira, tenha e m depósito e venda a d roga, praticando, dessa fo rma, três entre as condutas previstas pelo mencionado artigo. N o caso e m tela, não poderá ser punido como se tivesse cometido o delito, por exemplo, em concurso material, mas, s im, uma ú nica vez, s em que se possa falar em concurso de infrações penais. N esse sentido, a lição de M i rabete, quando assevera que "o princípio da alternatividade indica que o agente só será punido por uma das modalidades ins critas nos chamados crimes de ação múltipla, embora possa p raticar duas ou mais co ndutas do mesmo tip o penal".117 A rigor, o princípio da alternatividade não diz respeito à hip ótese de co nflito aparente de normas, u ma vez que, como podemos observar pelo exemplo p roposto, ou seja, pelo delito tipificado no art. 3 3 da Lei n!21 1 . 3 43/20 06, não existem duas normas que, supostamente, dispõem sobre o mesmo fato, mas, sim, vários núcleos, constantes do mesmo tipo penal, que po deriam ser imputados ao agente. 1 O. C LASSIFICAÇÃO DOUTRINÁR I A DAS I N FRAÇÕ ES P E N AIS Sempre que procuramos dissecar d eterminado tipo penal apontando o s elementos considerados como i ndispensáveis à s u a configuração, não podemos fugir à sua classifi cação doutrinária. Classificar doutrinariamente um tipo penal significa o mesmo que apontar sua natureza j u rídica. Uma vez detectada a natureza jurídica de uma i n fração pe nal, o trabalho do intérprete fica extremamente facilitado no sentido de conhecer os vários aspectos que lhe são relevantes, como o seu momento de consumação, s e é possível a tentativa etc. Também devem o s observar que uma i n fração penal pode gozar de várias naturezas j u rídicas, que lhe fornecem o seu conto rno exato. Assim, por exemplo, no cri m e de hom icídio, podemos a firmar tratar-se de um crime m a terial, ou seja, uma i n fração penal que exige que a conduta do agente produza um resultado n aturalístico. Além disso, o crime de h o micídio tam b é m é de natureza plurissubsistente, isto é, aquele cujos atos co nstantes do iter criminis podem ser fracio nados, razão pela qual é possível l evar a efeito o raciocínio correspondente à tentativa etc. M I RABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal - Parte geral, p. 1 1 6. 83 VOLUME [ [ RoG ÉRJO G REco Passamos, a seguir, a catalogar as denominações mais importantes, com as suas respectivas defi nições, a fim d e que possam ser utilizadas quando do estudo da Parte Especial, principalmente dos delitos em espécie. 1 0. 1 . Cri mes e contravenções p e n a i s A o contrário d e alguns países d a Europa, a exemplo d a França e d a Alemanha, que adotam uma d ivisão tripartida quando existem os crimes, os delitos e as contravenções penais (ou faltas) , n o B rasil adotamos uma postura b i partida. Assim, temos, d e u m lado, como expressões sinôn imas, os crimes e os delitos e, do o utro, as contravenções penais. O art. lQ da Lei de Introdução ao Código Penal (D ecreto - Lei nQ 3 . 9 1 4, de 9 de dezembro de 1 9 4 1 ) , diz o seguinte : Art. l Q. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de m ulta; contravenção, a infração penal a que a lei comi na, isoladamente, pena de prisão simples o u d e multa, o u ambas, alternativa ou cumulativamente. Como se p e rcebe pela l eitura do mencionado artigo, a Lei de I ntro dução ao C ó digo Penal não d efiniu o conceito d e crime o u mesmo de contravenção penal, trazendo, unicame nte, u m critério d e distinção entre ambos. Podemos extrair do texto legal, entretanto, que a infração penal é o gênero, do qual são suas espécies os crimes e as contravenções penais. E ntretanto, é por meio da pena comi nada em abstrato ao tipo penal i ncriminador que chegamos à conclusão se estamos diante de um crime ou de uma co ntravenção penal. Como se verifica no art. lQ da Lei d e I ntro dução do C ódigo Penal, aos crimes (ou delitos) são destinadas as penas mais graves, uma vez que se procura, p o r intermédio deles, p roteger os b e n s m a i s importantes e necessários ao co nvívio em sociedade; às contravenções p e nais, ao contrário, são cominadas penas mais b randas, haja vista que, por meio delas, procura-se p roteger b ens que não possuem a dignidade penal exigida pelos tipos penais que preveem os crimes. 118 Embora esse tenha sido o critério d e distinção adotado pelo legislador penal, o u seja, somente mediante análise do preceito secundário do tipo penal incriminador é que podemos concluir se estaremos diante de um crime ou de uma contravenção penal, o art. 28 da Lei nº 1 1 .343/2006 adotou uma posição sui generis, uma vez que não comina penas privativas de liberdade, seja de reclusão, seja de detenção, ou mesmo de prisão simples, tampouco a pena de multa. Por isso, pergunta-se : O tipo penal do mencionado art. 28 prevê um delito ou uma contravenção penal? Pela análise das penas comi nadas, não se pode chegar a qualquer conclusão, pois que foge à regra constante do art. 1 ° d a citada Lei de I ntrodução ao Código Penal. Contudo, podemos afirmar que se trata d e u m crime, e m virtude da sua situação topográfica na Lei nº 1 1 .343/2006. Isso porque o art. 28 está inserido no Capítulo I l i do Título I l i do novo estatuto Antidrogas, que cuida dos crimes e das penas, razão pela qual, diante da disposição expressa constante do mencionado Capítulo I l i , podemos afirmar que o consumo de drogas encontra-se no rol dos crimes previstos pela Lei nº 1 1 .343/2006, não se tratando, outrossim, de contravenção penal, mesmo que em seu preceito secundário não conste as penas de reclusão ou mesmo de detenção, conforme o disposto no art. 1 ° da Lei de Introdução ao Código Penal. 84 ( NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 1 0 . 2 . C r i m e s c o m i s s i v o s , c r i m e s o m i s s o s ( p r ó p r i o s e i m p ró p r i o s ) e c r i m e s d e c o n d uta m i sta O s tipos incriminadores podem p ro i b i r ou impor condutas sob a ameaça de uma sanção de n atureza penal. Quando proíbem condutas, estamos diante de normas proib itivas, existentes nos chamados crimes comissivos. Ne l es, existe a previsão de um comportamento positivo que, se realizado, importará, em tese, na co nfiguração do tip o penal. Assim, por exemplo, no art. 1 2 1 do Código Penal, que diz m a tar alg uém, o tipo penal prevê u m comportamento posi tivo, comissivo, isto é, o ato de matar. Por outro lado, pode o tipo penal conter mandamentos, imposições, ou seja, determinações de cond utas que, s e não realizadas, caracterizarão uma infração p enal. As no rmas, portanto, existentes nesses tipos penais que contêm imposições de comportamentos são chamadas m a n damentais, características dos crimes omissivos próprios. Vej a-se o exemplo do art. 2 6 9, que p revê o delito de omissão de notificação de doença, assim redigid o : Deixar o médico de den u n ciar à a u toridade p ública doença cuja notificação é compulsória. Pela análise da referida figura típica, conseguimos entender que a lei penal, nesse caso, está determinando que o médico traga ao conheci mento da autoridade pública doença cuja noti ficação é compulsória, sob pena de, não o fazendo, ser responsabilizado criminalme nte. N esse caso, a norma está determ inando um comportamento, está manda n do q u e o age nte faça alguma coisa (denunciar à autori dade pública do ença cuja notificação é compulsória) . Caso não obedeça ao comando legal, será resp onsabilizado criminalmente. Te mos, nesse p onto, de abrir um parêntese, a fim de levar a efeito a distinção entre os crimes om issivos próprios e o s crimes omissivos impróprios, pois as normas que regem essas figuras típicas possuem naturezas diferentes. Podemos dizer que em todos os crimes omis sivos, sejam eles próprios, sejam impróprios, há uma norma d e natureza preceptiva, ou seja, h á um comando para que o agente faça aquilo que l h e é i mposto pela lei. E ntretanto, analisando isoladam ente os dois grupos de crimes omissivos, perceb emos que cada um deles possui uma norma de natureza diferente. Assim, nos crimes omissivos próprios, a norma contida nos tipos penais que p revee m essa modalidade de omissão será sempre m a n damento/. O tipo penal narrará u m comportamento que, s e for deixado de lado, importará na res p onsabilidade p e nal daquele que estava obrigado, pelo tipo penal, a fazer alguma coisa, a exemplo do que oco rre com o art. 1 3 5 do C ó digo Penal, que diz: Deixar de p restar assistência, q u a n do possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança abandonada o u extravia da, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e imin e n te perigo; o u não pedir, nesses casos, o socorro da a u toridade p ública. D essa forma, aquele que podendo prestar o s ocorro, sem risco pess oal, 85 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO se om ite, responderá pelo delito de o m i ssão de socorro. Não fez, portanto, aquilo que a norma impunha que fizesse. Por outro lado, temos o s crimes omissivos i m p róprios, também chamados d e comis sivos por omissão ou omis sivos qualificados. N eles, a norma constante do tipo penal é de natureza proibitiva, ou sej a, contém uma proibição, prevê um comportamento comissivo. Entretanto, e m virtude de o agente gozar do status de garantidor, aplica-se a norma de extensão prevista no § 22 do art. 1 3 do Código Penal, respondendo o agente pela sua i nação, como se tivesse fe ito alguma coisa. Por essa razão, o crime é também reconhecido como comissivo por o missão. O tipo penal, p ortanto, prevê um comportamento comissivo que será equiparado à omissão do agente em virtude da sua posição de garantidor, com a aplicação da norma de extensão. I magine-se a hipótese da mãe que, querendo causar a morte de seu filho, deixe de alimentá-lo por período suficiente que possa conduzi-lo à morte, o que vem efetivamente a acontecer. O tipo penal do art. 1 2 1 do Có digo Penal diz "matar alguém" pressupondo um comp ortamento pos itivo. Essa mãe poderia ter causado a morte do seu próprio fi lho de outro modo, por exemplo, estrangulando-o, oportunidade e m que se amoldaria ao comportamento comissivo p revisto no art. 1 2 1 do Código Penal. Entretanto, preferiu deixar de ministrar-lhe a alimentação necessária à sua subsistência a estrangulá-lo, causando-lhe, também, a morte. Sua conduta, portanto, foi omissiva. Como gozava do status de garantidora, sua omissão será equiparada à comissão prevista no tipo. Dessa forma, podemos concluir que as normas existentes nas omissões próprias são de natureza manda m en ta l, sendo que as normas constantes nos tipos penais que prevee m as o missões impróprias serão sempre proib itivas. Podemos falar, ainda, em crimes de conduta m ista, na h ipótes e em que o agente, in icialmente, pratica uma conduta comissiva e, posteriormente, uma cond uta omis siva, a exemplo do que ocorre com o crime de apropriação de c o i s a achada, tipificado no art. 1 69, parágrafo úni co, I I, d o Código P enal. N a i n fração penal s u b examen, o agente acha coisa alheia perdida e dela s e apropria (comportamento com issivo), total ou parcialmente, deixando de restituí-la (comportamento o missivo) ao dono ou l egítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade comp etente, dentro do p razo de 1 5 (quinze) dias. 1 0.3 . Crime consumado e crime tentado O art. 1 4 do Có d igo Penal, por intermédio de s e u s incisos, traduz os co nceitos dos crimes consumado e tentado dizendo: Art. 1 4 . Diz-se o cri m e : 1 consumado, quando nele se reúnem todos os eleme ntos d e sua defi nição lega l; - 86 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL CAPÍTULO 1 I I tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. - M e rece ser destacado o fato de que a lei penal exige, para fins de consumação do delito, a presença de todos os elementos de sua definição legal, não se contentando, para e fe ito d e reconhecime nto da consumação, com a presença tão s o me nte de a lg u ns. Tal ilação nos facilitará quando do estudo do momento consumativo das diversas i n frações penais contidas na Parte Esp ecial, uma vez que, se chegarmos à conclusão de que o agente não realizou por inteiro a figura típica, seu delito restará tentado, e não consumado. Por isso, não concordamos com o posicionamento assumido pela Súmula nQ 6 1 0 do STF, quando diz: Súm ula nQ 6 1 0. Há crime de la trocín io, quando o hom icídio se consuma, a in da que não rea lize o agen te a subtração de bens da vítima. Isso significa que o l atrocínio, em razão de sua natureza, é formado pela conjugação de duas figuras típicas, sendo, portanto, um crime considerado complexo. As s im, para que s e con figure o delito em estudo, será preciso a conj ugação da subtração (relativa aos crimes contra o patrimônio), com o resultado mo rte (característico dos crimes contra a vida) . O patrimônio, no l atrocínio, é o bem precipuamente considerado pelo § 3Q do art. 1 5 7 do C ódigo Penal. D essa fo rma, não podemos considerar como consumado o latrocínio com a ocorrência do resultado morte sem que tenha havido a subtração, pois não estaríamos l evando e m consideração, para esse fim, todos os elementos de sua d efi nição legal, mas tão some nte a lg u ns, o que contraria frontalmente a determinação contida no inciso 1 do art. 1 4 do C ódigo Penal. O crime tentado está p revisto no inciso II do m e ncionado art. 14. Para tanto, ou seja, p ara que se reconheça a tentativa, nas hip óteses em que o tipo penal permitir, haverá necessidade d e se apontar o momento em que foi iniciada a execução, pois a l e i penal não pode punir, em virtude da adoção do princípio da lesividade, os atos p reparató rios e a m era cogitação. C o m o regra, os delitos chamados de unissubsistentes, nos quais há uma con centração d e atos, não permitem o raciocínio da tentativa. Assim, por exemplo, não é possível a tentativa na injúria verbal. Ao contrário, ta mbém como regra, nos crimes plurissubs istentes é admitida a tentativa, a exemplo do que oco rre com o furto, e m que podemos visualizar o fracionamento dos vários atos que compõem o iter crim in is. Com relação às contravenções penais, há regra expressa nesse senti do, não permitindo o reconhecime nto da tentativa, conforme as seve ra o art. 4Q da Lei das Co ntravenções Penais, verbis: Não é p u n ível a tentativa de con tra venção. 87 VOLUME ROG ÉRIO G RECO li 1 0 . 4 . C r i m e s d e a ç ã o p ú b l i ca e c r i m e s d e a ç ã o p r i v a d a H á crimes e m q u e o E stado assume o início da persecu tio criminis i n judicio, independentem ente da vontade do ofendido, e o utros em que, por questões de p o l ítica criminal, faculta-se à vítim a i ngressar em j uízo com a ação penal. Dessa forma, podem o s crimes ser d ivididos em crimes de ação pública e crimes de ação privada. Con forme analisamos e m tó pico próprio, a ação penal p o d e ser de iniciativa p ública i ncondicionada ou condicionada à representação do o fendido ou p o r requisição do M i n i stro da Justiça. A regra contida n o art. 1 0 0 do C ódigo Penal é de que toda ação penal é p ú b lica, salvo q u a n do a lei expressamente a declara p riva tiva do ofendido. D essa forma, quando a lei penal se o mite com relação à natureza da ação penal que terá a fi nalidade d e dar início à persecução com o escopo de apurar a ocorrência de determinada infração penal, devemos ente ndê-la como de i n i ciativa pública incondicionada. Tod a vez que a lei penal exigir a representação do ofendido para o início da ação p enal, d everá fazê-lo expressamente, da mesma forma quando entregar ao p arti cular a faculdade d e i ngres sar e m j uízo, a fim de ap urar a ocorrência de i n frações penai s que l h e i nteressam mais de perto. Dessa forma, as ações penais de iniciativa privada p o dem ser sub divididas em: a) privadas propriamente ditas; b) privadas personalíssi m as; e c) privadas subsidiárias da pública. N este último caso, ou seja, nas ações privadas subsidiárias da pública, o tipo p enal não a indicará, pois a natureza da ação penal, originária, é de i n i ciativa pública. E ntretanto, dada a inércia do órgão o ficial encarregado da p e rsecução p enal, abre-se a possibil i dade ao particular para dar início à ação penal. 1 0 . 5 . C r i m e s d o l o s os e c r i m e s c u l p o s o s O s in cisos I e I I do art. 1 8 do Código Penal traduzem os conceitos de crime doloso e crime culposo dizendo: Art. 1 8 . D iz-se o cri m e : Crime doloso I doloso, quando o agente quis o resultado o u assumiu o risco de produzi-lo; - Crime culposo II culposo, quando o agente deu causa ao resultado por i m p rudência, n egligência ou imperícia. - 88 I NTRODUÇÃO à TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 A regra constante do parágrafo único do art. 1 8 d o Código Penal é a seguinte : Parágra fo único. Salvo os casos expressos em lei, n i nguém pode ser p unido por fato p revisto como crime, senão quando o p ratica dolosamente. Tal regra, p ortanto, nos l eva a concluir que todo o crime é doloso; s o mente haverá infração penal de n atureza culposa quando h ouver uma ressalva expressa na lei. O artigo que admitir a m o dalidade culposa deverá, nos termos exigidos pelo mencionado parágrafo único, fazê-lo expressamente, narrando o comportamento culposo. Caso contrário, deverá ser presumida a i nadmissi b i l i dade da figura típica culposa. Assim, imagine-se a hip ótese do art. 1 6 3 do Código Penal, que prevê o crime de dano, por meio da seguinte redaçã o : Destruir, i nutilizar ou deteriorar coisa alheia. Como não há previsão p ara a m o dalidade culposa de dano, devemos i nterpretar o tipo p e nal l evando em consi deração, sempre, o comportamento doloso do agente. Por essa razão, aquele que, e m virtud e de uma conduta distraída, imprudente, vier a quebrar um vaso extremamente precioso em um museu não poderá ser respo nsab ilizado pelo crime de dano, p o d endo, entretanto, fo rmulando outro raciocínio, responder na esfe ra cível pelos p rejuízos causados. 1 0 . 6 . C r i m e i m p o s s ív e l e c r i m e p u t a t i v o O art. 1 7 define o c r i m e impossível, dizendo: Art. 1 7 . N ão s e pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta i m p ropriedade do obj eto, é impossível consumar-se o crime. Assim, por mais que o agente quisesse p raticar a infração penal, esta j amais aconteceria em virtude da absol uta ineficácia do meio por ele utilizado na execução do crime, o u também em razão d a abs oluta impro p ri e dade do obj eto co ntra o qual recaía sua conduta. I magine-se a hipótese daquele que, p retendendo matar seu desafeto, contra ele aponte o revólver e comece a p uxar o gatilho. Mesmo que, i nicialmente, estivesse agindo com anim us n ecandi, ou sej a, o dolo correspondente à vontade de matar alguém, j amais conseguiria alcançar o resultado m o rte, uma vez que o revólver por ele utilizado encontrava-se sem m u ni ção, ou sej a, totalmente descarregado. Aqui, o delito seria impossível e m razão da absoluta ineficácia do meio. 89 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 Por outro lado, imagine-se a h i pótese daquela mulher que, e m decorrência d e seu atraso menstrual, supondo-se grávida, ingerisse substância de efeitos abortivo s, sendo que, posteriormente, viesse a saber que, na verdade, não havia concebido. N esse caso, estaríamos d iante de um crime impossível, em virtude da abso luta impropriedade do obj eto. Embora tanto no crime impossível como no crime putativo a conduta do agente seja dirigida ao cometimento de uma infração penal, h á diferença entre os dois institutos. N o primeiro, ou seja, no crime impossível, existe p revisão em nosso o rdenamento j u rídico da infração penal que o agente pretende p raticar. C ontudo, por absoluta in eficácia do meio ou por absoluta impropriedade do obj eto, é i mpossível consumar-se o crime. J á no crime p u ta tivo a s ituação é diversa, pois o agente almeja p raticar uma i n fração que não enco ntra moldura e m nossa legislação. O fato por ele praticado é atípico. É considerado, po rtanto, um indi ferente penal. Na precisa distinção fe ita por M aggio re, no delito putativo, "o agente crê haver e fetuado uma ação delituosa que existe somente em sua fantasia; e m outras palavras, j ulga punível um fato que não m e rece castigo. No delito impossível o agente crê atuar de modo a ocasionar u m resultado que, pelo contrário, não pode ocorrer, ou p o rque falta o objeto, ou porque a co n duta não foi de todo idônea''. 1 1 9 1 0.7 . C r i me materia l , cri me formal e crime de mera cond uta H á tipos penais q u e dependem da produção de resultados naturalísti cos para que possam se consumar; o utros, emb ora p revendo tal resultado, não o exigem, bastando que o agente pratique a conduta descrita no núcleo do tipo; além desses, há infrações penais que não p reveem qualquer resultado, narrando tão s o mente o comp ortamento que se quer p roib ir ou impor, sob a ameaça de uma sanção p e nal. Por isso, surge a necessidade de i d entificar as i n frações penais, distinguindo os crimes em: material, fo rmal e d e m e ra conduta. Assim, nos termos do relatado i n i cialmente, crime material é aquele cuja consu mação depende da produção naturalística de determinado resultado, p revisto express amente pelo tipo penal, a exemplo do que ocorre com os arts. 1 2 1 e 1 6 3 do Código Penal. D essa forma, som ente haverá a consumação do delito d e homicídio com o resultado m o rte da vítima, constante do tipo p enal em questão; da mesma forma, s o mente p o d e m os falar em dano consumado quando MAG G IORE, G i useppe. Derecho penal, v . 1 , p . 545-546. 90 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE E SPECIAL CAPÍTULO 1 h o uver a destruição, deterioração ou inutilização da coisa alheia, confo rme preconiza o art. 163 d o Código Penal. Por outro lado, h á infrações penais que preveem um resultado naturalístico, mas não exigem sua oco rrência para efeitos de reconhecimento da consumação. São os chamados crimes forma is, também conhecidos doutrinariamente como delitos de resultado cortado ou crimes de consumação a n tecipada. Nessas infrações penais, o l egislador antecipa a punição, não exigindo a produção naturalística do resultado previsto pelo tipo penal, a exemplo do que ocorre com o delito tipificado no art. 1 5 9 do Código Penal, que p revê o crime d e extorsão mediante sequestro, dizendo: Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para o u trem, qualq uer van tagem, como condição ou preço do resgate. Nesse caso, b asta que tenha havi do a privação da liberdade, não importando que o agente tenha, com isso, conseguido a obtenção da vantagem. A p rática, portanto, da conduta descrita no núcleo do tipo já possui o condão de fazer com que a infração p enal se consume, independentemente da produção natural ística do resultado por ele previsto expressamente (obtenção da vantagem, como condição ou preço do resgate) . O crime de mera con d u ta (ou de simples a tividade), como a própria denominação d iz, não prevê qualquer produção naturalística de resultado no tipo penal. Narra, tão some nte, o compo rtamento que se quer proibir ou i mpor, não fazendo menção ao resultado m aterial, tampouco exigindo sua produção, a exemplo do que ocorre com a violação de domicílio, tipificada no art. 1 5 0 do Código Penal. Essa particularidade do crime de mera conduta não nos permite concluir que, nele, não existe qualquer resultado . O resultado que se exige para a diferenciação entre os crimes material, fo rmal e de mera conduta é tão somente o naturalístico, ou seja, aquele que causa uma modificação perceptível no mundo exterior. E ntretanto, s e nos p erguntássemos: To do crim e possui resultado? A respo sta, certamente, deveria ser p o sitiva, uma vez que toda infração penal possui um resultado j u rídico, que significa a l esão ou o p e rigo de lesão ao b em j uridicam ente p rotegido pelo tipo. Contudo, nem todo crime possui resultado material (ou naturalístico), perceptível por meio dos nossos s entidos. 1 0 . 8 . C r i m e c o m u m , c r i m e p ró p r i o e c r i m e d e m ã o p r ó p r i a Crime comum é aquele q u e pode ser praticado p o r qualquer pessoa, não exigindo o tipo penal nenhuma qualidade especial para que se p ossa apontar o suj eito ativo. A qualidade de comum também p oderá ser considerada levando-se em consideração o suj eito passivo. Isso quer dizer que pode ocorrer, em algumas situações, que o crime, por exemplo, seja comum com relação ao sujeito ativo e não o seja com relação ao sujeito passivo, cuja qualidade especial é exigida pelo tipo. 91 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l l Como regra geral, o delito de lesões corporais amolda-se ao conceito de crime comum, tanto no que diz respeito ao suj eito ativo quanto ao suj eito passivo. Qualquer pessoa pode praticar o delito tipificado no art. 1 2 9, cap u t, do Código Penal, bem como figurar como seu sujeito passivo, s o frendo, assim, com a co nduta levada a e feito pelo agente. Entretanto, a exemplo do que ocorre com a modalidade qualificada prevista no inciso V do § 2º- do art. 1 2 9 do C ó digo Penal, somente a gestante pode figurar como suj eito passivo do del ito em questão, uma vez que só pode ser vítima da lesão corporal quali ficada pelo resultado abo rto a mulher grávida. Assim, nesse caso, a l esão corporal quali ficada pelo resultado aborto poderia ser considerada u m crime comum quanto ao suj eito ativo e próprio, como veremos melhor a seguir, no que diz respeito ao suje ito passivo. Crim e próprio, a seu turno, é aquele cuj o tipo penal exige uma qualidade ou condição especial dos sujeitos ativos ou passivos. Veja-se, p o r exemplo, o que ocorre com o delito de infanticídio, p revisto no art. 1 2 3 do C ódigo Penal. A lei penal indica o suj eito ativo, o u seja, a mãe, que atua infl uenciada pelo estado p u erperal, bem como o sujeito passivo, vale dizer, seu próprio filh o . Em alguns países da Europa, como é o caso da Espanha, os crimes próprios são chamados de crimes especiais e se subdividem em crimes especiais próprios e crimes especiais impróprios. Segundo Mufioz Conde, considera-se como crime especial impróprio "aquele que tem uma correspondência com um delito comum, quer dizer, existe u m d el ito comum que castiga a mesma conduta p revista no delito especial, mas sem exigir a qualidade pessoal requerida por este". 12 0 N o Brasil, podemos citar o peculato - fu rto, tipificado no art. 3 1 2, § 1º-, do C ó digo Penal, como exemplo de crime especial i mpróprio, pois, se o agente não gozar do status de fu ncionário público, o crime pod erá encontrar moldura no art. 1 5 5 do Código Penal. Crime especial próprio, a seu turno, seria aquele cuja prática so mente seria possível por alguém que gozasse de uma qualidade ou condição especial p revista pelo tipo, não have ndo qualquer correspondê ncia, na ausência dessa qualidade especial, com um delito comum. Vej a-se, por exemplo, o crime de corrupção passiva, previsto no art. 3 1 7 do C ódigo Penal. Se quem solicita ou recebe, para si ou para o utrem, e m razão de sua função, vantagem i ndevida, é um fu ncionário públ i co, nos moldes determinados pelo art. 3 2 7 do C ó digo Penal, será re sponsabilizado a título de corrupção passiva. Contudo, se tal vantagem é soli citada p o r um pa rti cular, o fato é atípico. D e acordo com as lições de André Stefam, podemos falar, ainda, em crime bipróprio quando a lei exigir qualidade especial tan to do sujeito ativo quanto do sujeito passivo. É o caso do crime de maus­ -tratos, do art. 1 3 6 do CP, e m que o agente deve ser uma pessoa legalmente qualificada como detentora de autoridade, guarda M U N OZ CONDE, Francisco. Teoria general dei delito, p. 240. 92 J NTRODUÇÂO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECLAL CAPÍTU LO 1 ou vigilância sobre o suj eito passivo. E ste, por óbvio, somente poderá ser a pessoa que, segundo a lei, figurar na condição de indivíduo sujeito à autoridade etc. do autor do fato". 12 1 Crim e de m ão própria, como sugere sua própria denomi nação, é aquele cuj a execução é i ntransferível, indelegável, devendo ser levado a efeito pelo próprio agente, isto é, "com as próprias mãos", para entendermos l iteralmente o seu sign ificado. São infrações penais consideradas person alíssimas, as quais somente determinada pessoa, e mais n i nguém, pode praticá-las. C o m o regra, nos crimes de mão própria não se p e rm ite o raciocínio da a u toria media ta, dife rentemente d o que o c o rre com o s crimes próprios, nos quais, emb ora o suj eito ativo, por exemplo, d eva gozar das qualidades ou condições exigidas pelo tipo, permite-se o raci ocínio da autoria m ediata, quando se val e de interposta pessoa para fins de execução da figura típica. I magine-se a hipótese da mãe que, logo após o p arto, sob a i n fluência do estado puerperal, querendo causar a morte de seu próprio filho, coloque determinada quantidade de veneno em uma "chuquinha" e, logo e m seguida, pede à e nfermeira que a o fereça a seu fi lho, argumentando que havia acabado de retirar o leite de seu peito e que, naquele mom ento, não se encontrava e m condições de, ela própria, amamentá-lo. A enfermeira, acreditando que o conteúdo daquela mamadeira fosse, realmente, l eite materno, o ferece-o ao recém-nascido que, depois de ingeri-lo, m o rre em virtud e dos efe itos do veneno. N esse caso, p ergunta-s e: o infanticídio é um crime próprio ou de mão própria? Como vimos acima, o infanticídio encontra-se no rol daqueles considerados como próprios, uma vez que, conforme demonstramos no exemplo anterior, é p erfe itamente possível a delegação de sua execução, podendo-se cogitar, in casu, da chamada a utoria mediata. São exemplos de crimes de mão própria o falso teste munho, a prevaricação, a deserção etc. 1 0.9. C r i mes hed iondos A Constituição Federal, promulgada e m 5 de outubro de 1 9 8 8, exercendo sua função l i mitadora posi tiva, ass everou n o inciso XLI I I do seu art. SQ: XLI I I - a lei considerará crimes i nafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a p rática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e d rogas afins, o terro rismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os qu e, podendo evitá-los, se omitirem; 1 2 1 STEFAM, André. Direito penal - Parte geral, v . 1 , p. 95. 93 RoG ÉRlO G REco VOLUME li Aproximadamente dois anos depois d a promulgação d a C onstitu i ção Federal, visando regulam entá-la, s urgiu a Lei nQ 8 . 0 7 2 , de 2 5 de j ul h o de 1 9 9 0 , dispondo sobre os crimes hediondos. Alberto S ilva Franco, uma das maiores autoridades s ob re o assunto, apo ntando as origens e as m o tivações que deram ensejo à criação legislativa, b em como os critérios, ou mesmo a falta deles, para a indicação das infrações penais que p assaram a gozar d o status de hedion das, esclarece: "Sob o impacto dos meios de comunicação de massa, mobilizados e m face d e extorsões mediante sequestro, que tinham vitimizado figuras importantes da el ite econômica e s ocial do país (caso M artinez, caso Salles, caso D iniz, caso M edina etc.), u m medo difuso e i rracio nal, acompanhado de uma desconfiança para com os ó rgãos oficiais de controle social, tomou conta da população, atuando como um mecanismo d e pressão ao q u a l o legislador não soube resistir. Na linha de p ensame nto da Law a n d Order, surgiu a Lei nQ 8 . 0 72 / 9 0 que é, sem dúvida, um exemplo significativo de uma p o si ç ão político-criminal que expressa, ao m esmo tempo, radicalismo e passionalidade. O texto legal pecou, antes d e mais nada, por sua indefinição a respeito d a l o cução 'crime hediondo', contida na regra constituci onal. Em vez d e fornecer uma noção, tanto quanto explícita, do que entendia ser a hediondez do crime - o p roj eto de l e i e nviado ao Congresso Nacional s ugeria uma defi nição a esse respeito -, o legislador p referiu adotar um sistema b e m m a i s s imples, ou seja, o de etiquetar, com a expressão 'hediondo', tipos j á des critos n o C ódigo Penal ou em leis especiais. Dessa fo rma, não é 'hediondo' o del ito que se mostre 'repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abj ecto, h o rroroso, h o rrível', por sua gravidade objetiva, ou p o r seu modo ou meio de execução, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer critério vál i do, mas sim aquele cr ime que, p o r um verdadei ro processo de colagem, fo i rotulado como tal pel o legislador. A i n su ficiência do critério é manifesta e dá azo a d istorções sumamente i nj ustas, a partir da seleção, feita pelo legislador, das figuras criminosas o u da forma, extremamente abrangente, de sua aplicação pelo j uiz. A predeterminação de tip os delitivos, se m fixação conceituai de hediondez, p rovoca u m certo grau d e rigidez n a aplicação tipológica." 1 22 2 � FRANCO, Alberto S i lva. Crimes hediondos, p. 90-95. 94 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Confo rme os lúcidos esclarecimentos de Alberto Silva Franco, não há um critério j u rídico-doutrinário p ara fins de conceituação do que venha a ser "crime hediondo", sendo, o utrossim, tal critério p uramente legal. Isso significa que a lei será e ncarregada d e apontar as i nfrações p enais que entende que devam gozar dessa qualidade d e h ediondas, havendo, aí, u m n ítido processo de etiquetamento, ou seja, de rotulação característico da teoria do labeling appro ach. 12 3 Assim, nos termos do art. 12- da Lei n2- 8 . 0 7 2 /9 0 , são considerados hediondos os s eguintes crimes, consumados ou tentados: I - h o micídio (art. 1 2 1 ), quando p raticado em atividade típica d e grupo d e extermínio, ainda que cometido p o r u m só agente, e homicídio qualificado (art. 1 2 1, § 22-, I , I I, I I I, IV e V) ; I I - latrocínio (art. 1 5 7, § 32-, in fine); I I I - extorsão qualificada pela morte (art. 1 5 8, § 22-) ; IV - extorsão mediante s equestro e na forma qualificada (art. 1 5 9, capu t e § § 12-, 22- e 32-) ; V - estupro (art. 2 1 3 , cap u t e §§ 12- e 2 2-) ; V I - estupro d e vulnerável ( art. 2 1 7-A, cap ut e § § 12-, 22-, 32- e 42-) ; 1 24 VII - e p i demia c o m resultado morte (art. 2 67, § 12-) ; VI I -A - (vetado); Vl i - B - falsifi cação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou m e dicinais (art. 2 73 , cap u t, e § 12, § 12 A, § 12- B, com a redação dada pela Lei n2 9 . 6 7 7, de 2 / 7 / 1 99 8 ) . V I I I - favorecimento da p rostituição o u de outra fo rma de exploração sexual de criança o u adolescente ou de vulnerável (art. 2 1 8 - B, cap u t, e §§ 1 u e 2u) . (Incluído pela Lei nu 1 2. 9 78, de 21/5/2014.) Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts . 12, 22 e 32 da Lei n2 2 . 889, de 12- de outubro de 1 9 5 6, tentado ou consumado. M e rece ser registrado o fato d e que, após a edição da Lei n2 1 1 .4 6 4, de 28 de março d e 2 0 0 7, que modifi c o u a Lei n2 8 . 0 7 2 /90, será possível a p rogressão de regim e nos crimes hediondos ( e afins), após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da p ena, se o apenado for primário, e de 3 / 5 (três quintos), se reincidente. ' ' Para mais detalhes sobre a teoria do etiquetamento ou teoria do labeling approach, c f . nosso Direito penal do equilíbrio - Uma visão minimal ista do direito penal. Rio de Janeiro: lmpetus. ''• Embora conste o § 2° do art. 2 1 7-A do Código Penal, foi ele objeto de veto presidencial, não figurando, portanto, como um dos parágrafos do del ito de estupro de vulnerável, criado pela Lei nº 1 2. 0 1 5 , de 7 de agosto de 2009. 95 VOLUME I I ROG ÉRIO G RECO N o que diz respeito aos fatos praticados anteri o rmente à entrada em vigor da Lei n Q 1 1.464/ 2 0 0 7, o STF editou a S ú mula Vinculante nQ 2 6, publicada no Dje de 23 d e dezembro d e 2 0 0 9, que diz: Súm ula Vin cula n te nº 26. Para efeito de p rogressão de regime no cumprime n to de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8. 0 72, de 25 de julho de 1 9 90, sem prejuízo de a valiar se o condena do preenche, ou não, os req uisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para ta/fim, de modo fundamen tado, a realização de exame criminológico. No mesmo sentido, assevera a Súmula nQ 4 7 1 , do STJ, publicada no Dje de 2 8 d e fevere iro d e 2 0 1 1 : Súm u la 4 71 . Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos a n tes d a vigência da Lei nº 1 1 . 464/2007 sujeitam -se ao disposto n o art. 1 1 2 da Lei nº 7.2 1 0/1 984 (Lei de Execução Pena l) para a progressão de regime p rision a l. 1 0 . 1 O . C r i m e s m i l ita r e s p r ó p r i o s e i m p r ó p r i o s O s crimes m ilita res são aqueles p revistos p ela legislação castrense, vale dizer, o Có digo Penal M il itar ( Decreto - Le i nQ 1 . 0 0 1, de 2 1 de outubro de 1 9 6 9 ) . Podem ser subdivididos e m crimes militares próprios e crimes m ilitares impróprios. São próprios os crimes mili tares quando a p revisão do comportamento i ncriminado s o me nte encontra mold ura no C ó digo Penal M i litar, não havendo p revisão de punição do mesmo comportamento e m outras leis penais (Código Penal ou legislação p enal extravagante) . Assim, p o r exemplo, o art. 203 do Código Penal M i litar p revê o delito d e dormir em serviço dizendo : Art. 2 0 3 . Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou, não sendo o ficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às m áqu inas, ao le me, de ronda ou em qualquer s erviço d e natureza s emelhante : Pena - detenção, de três meses a um ano. Por o utro lado, h á i n frações penais m i litares, p revistas na legislação castrense, que também s e encontram no Código Penal ou em leis especiais, a exemplo do que ocorre com o s delitos d e furto, roubo, lesão corporal, h o micídio etc., razão pela qual são reconhecidas como crimes m ilitares impróprios. 96 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 1 0 . 1 1 . C r i m e s q u a l i f i c a d o s p e l o res u l t a d o ( c r i m e s p rete r d o l o s o s o u p rete r i n te n c i o n a i s ) O art. 1 9 do Código Penal regula a matéria n o que diz respeito aos crimes qualificados pelo resultado, verbis: Art. 1 9 . Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o h o uver causado ao menos culposame nte. Na Exposição de M otivos da nova Parte Geral do Código Penal, o legislador deixou transparecer sua preocupação em tentar extirpar de nosso ordenamento j urídico a chamada responsabilidade penal obj etiva, assim se manifestando no item 1 6 : Retoma o Projeto, n o art. 1 9 , o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu à injustificada responsabilidade objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação. C o n forme tivemos oportunidade de salientar quando do estudo da Parte Geral, 125 o Código de 1 9 4 0 não contin h a disposição similar à do atual art. 1 9 . P o r essa razão, naquela época, antes da reforma de 1 9 84, fo rmaram-se duas corre ntes que tinham por finalidade responsabilizar ou não o agente pelo resultado agravador da infração penal, a saber: a) o resultado agravador som ente podia ser i mputado quando proveniente de dolo ou culpa; b) atri buía- se o resultado agravador ao agente tão s o mente pela sua ocorrência, não se i m p o rtando e m verificar se este, pelo menos, e ra p revisível. E ra a consagração da resp onsabilidade penal obj etiva ou responsab i lidade p enal sem culpa. Na perfeita lição d e Alberto S ilva Franco, "o legislador de 84 tomou partido na disputa doutrinária e, fiel à ideia-fo rça que comandou a reforma da parte geral do Código Penal - o princípio de que não há pena sem culpabilidade -, estatuiu no art. 19 que ninguém poderá responder pelo resultado mais grave se não o tiver causado ao menos culposamente. I sto significa que não há mais cogitar da imposição de pena com base no reconhecimento puro e simples de um nexo de causalidade, entre a conduta do agente e o resultado qualificador". 126 G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, capítulo XXX. FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial - Parte geral, p. 305. 97 VOLUME I I ROG ÉRIO G RECO Confo rme p releciona Roxin, " historicamente, os delitos qualifi cados pelo resultado procedem da teoria, elab o rada pelo Direito Canônico, do chamado versari in re illicita [ . ], conforme a qual qualquer pessoa responderá, ainda que não tenha culpa, por todas as consequências que derivem de sua ação proibida".127 . . Atualmente, ocorre o crime q u a lificado pelo resultado quando o agente atua com dolo na cond uta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respe ito ao resultado qualificador. Daí dizer-se que todo crime p reterdoloso é crime quali ficado pelo resultado, mas nem todo crime qualificado pelo resultado é crime preterdoloso. O crime qualificado pelo resultado é o gênero, do qual são suas espécies: dolo e dolo, o u dolo e culpa. Como exemplo do primeiro caso temos a lesão corporal qualificada pela perda ou inutilização d e membro, sentido ou função. N esse caso, o agente dirige sua conduta a, conscientemente, fazer com que a vítima sofra esse tipo de lesão gravíssima. O resultado, isto é, a perda ou a i nutilização de m e mbro, sentido ou função, é que faz com que seja agravada a pena cominada ao agente. C o m o exemplo de crime preterdoloso p o deríamos mencionar a lesão corporal qualificada pelo resultado ab o rto. Para que tal resultado qualificador possa ser imputado ao agente é preciso que ele não o tenha querido diretamente nem assumido o risco de produzi-lo, pois, caso contrário, res ponderá pelo crime de aborto, e não pelo de lesão corporal gravíssima; em segundo lugar, faz-se n e cessária que a gravidez da vítima ingres se na esfera de conhecimento do agente, devendo este saber, obrigatoriamente, que a vítima s e enco ntrava grávi da, para que, agindo com o dolo de causar-lhe lesão, o resultado qualificador (abo rto) possa s e r-lhe atribuído. É preciso, portanto, que o agente conheça a gravidez para que lhe seja imputada a lesão corporal qualificada pelo resultado aborto, pois, caso contrário, responderá apenas pela lesão que i ntencionava cometer, excluindo-se o resultado qualificador. Se não fosse assim, o agente seria resp onsabilizado obj etivamente pelo resultado. 1 0 . 1 2. Crime conti n uado O art. 7 1 do C ó digo Penal defi n e a h ip ótese de crime conti nuad o : Art. 7 1 . Quando o agente, mediante mais de uma ação ou o missão, p ratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, l ugar, maneira de execução e outras semelh antes, devem os subsequentes ser havidos como continuação d o primeiro, aplica-se­ -lhe a pena de u m só dos crimes, se i dênticas, ou a mais grave, se d iversas, aumentada, em qualquer caso, de um s exto a dois terços. ROX I N , Claus. Oerecho penal - Parte general, p. 335. 98 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Parágrafo ú n i co . Nos crimes dolosos, co ntra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o j u iz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a con duta social e a personalidade do agente, b e m como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. O art. 71 do Código Penal elenca o s requisitos necessários à caracterização do crime continuado, bem como suas consequências, a saber: Requisitos: a) mais de uma ação ou omissão; b ) prática de dois o u mais crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; d) os crimes subs equentes devem ser havidos como continuação do primeiro. Consequências : a) aplicação da pena de um só dos crimes, se i dênticas, aumentada de u m sexto a dois terços; b) aplicação da mais grave das penas, se diversas, au m entada d e u m sexto a dois terços; c) nos crimes dolosos, co ntra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; d) nos crimes dolosos, co ntra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o tripl o.128 1 0. 1 3 . C r i mes m u ltitu d i n á r i os Crimes multitudinários são aqueles cometidos por uma multidão delinquente, geralmente, numa s ituação de tumulto. Vale o registro da magistral passagem d e Aníbal Bruno, quando descreve a multidão criminosa. D i z o mestre pernambucano: Para mais detalhes sobre o crime continuado, inclusive n o q u e d i z respeito à s suas discussões doutrinárias e j u risprudenciais, remetemos o leitor ao nosso Curso de direito penal - Parte geral. 99 RoG ÉRJO G REco VOLUME I I "As multidões são agregados humanos, informes, inorgânicos, que se criam espontaneamente e espontaneamente se dissolvem, co nstruídos e animados sempre segundo uma psicologia parti cular, que torna i naplicáveis aos seus feitos criminosos as regras comuns da participação. Quando uma multidão se toma de u m desses m ovimentos paroxísticos, inflamada pelo ód io, pela cólera, pelo desespero, forma-se, por assim d izer, uma alma nova, que não é a simples soma das almas que a constituem, mas sobretudo do que nelas existe de subterrâneo e primário, e esse novo espírito é que entra a infl u i r a manifestações de tão inaudita violência e crueldade, que espantarão mais tarde aqueles mesmos que dele faziam parte. Nesses mo mentos decisivos do destino das multidões, s u rgem inesperadamente seres que se podem dizer mais próximos da animalidade primitiva e to mam a dianteira, fazendo-se os arautos e inspiradores da multidão e m tumulto. O h omem subterrân eo, que se esconde no mais profundo do psiquismo, desperta a esse apelo, para i nspirar as façanhas mais imprevistas de força e fero cidade. É uma arrancada de animais enfurecidos, levados pelos meneurs, mas esses mesmos, arrastados por esse espírito da multidão amotinada, j á então difícil de dominar. Cria-se uma moral de agressão, que sufoca a habitual h ierarquia de valores e subverte a vigilância da consciência ético-j urídica comum e que contamina p o r sugestão todos os que se encontram em presença do tumulto .'' 129 1 0 . 1 4 . C r i m e s de d a n o e c r i m e s de pe r i g o ( a bstrato e c o n c reto) Crim es de dan o são aqueles que, p ara a sua cons umação, deve haver a efetiva lesão ao be m j uridi camente protegido pelo tipo. A con duta do agente, portanto, é d irigida fi nalisticamente a produzir o resultado, acarretando dano ou lesão para o bem protegido pelo tipo penal, a exemplo d o que o co rre com os crimes de homicídio e lesão corporal. Por outro lado, pode o compo rtamento do agente não estar dirigido fi nalisticamente a produzir dano ou lesão ao b em j uridicamente protegido pelo tipo, causando-lhe, contudo, uma situação de perigo. Cria-se uma infração penal de perigo para que seja levada a efeito a punição do age nte antes que seu comportamento perigoso venha, efetivamente, causar dano ou lesão ao bem j u ri d icamente p rotegido. D essa forma, os crimes de perigo são, e m geral, de natureza subsidiária, sendo absorvidos pelos crimes de dano quando estes vierem a acontecer. BRUNO, Aníbal. Direito penal, t. l i , p. 285-286. 100 f NTRODUÇÀO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 Os crimes de perigo subdividem-se e m : crimes de perigo abstrato e crimes de perigo concreto. D i z-se abstrato o perigo quando o tipo penal incriminador entende como suficiente, para fins d e caracterização do perigo, a p rática do comportamento - comis sivo ou omissivo - por ele previsto. Assim, os crimes de p e rigo abstrato são reconhecidos como de perigo presumido. A visão, para a conclusão da situação de p e rigo criada pela prática do comportamento típico, é realizada ex an te, independentemente da comprovação, no caso concreto, de que a con duta do agente tenha produzido, e fetivamente ou não, a situação de perigo que o tipo p rocu ra evitar. A d o utrina apo nta como exemplo dessa infração penal o crime d e omissão d e soco rro, p revisto pelo art. 1 3 5 do Código Penal, raciocínio com o qual não comp arti l hamos. Para a doutrina maj o ritária, o simples fato de deixar d e p restar assi stência, quando possível fazê-lo, sem risco pess oal, nas s ituações por ele elencadas, já s e configuraria no delito de o missão de socorro. J á os chamados crimes de perigo concreto são aqueles cuja situação de perigo supostamente criada pela conduta do agente p recisa ser demonstrada no caso concreto. A sua visão, ao contrário daquela realizada nos crimes de perigo abstrato, é sempre ex post, ou seja, analisa-se o comportamento p raticado pelo agente, depois da sua realização, a fim d e se concluir se, no caso concreto, trouxe ou não p erigo ao bem j uridicamente protegido pelo tipo. Como exemplo de crime de pe rigo concreto podemos destacar o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem, previsto pelo art. 1 3 2 do Código Penal. Aqui, para que se possa levar a e feito a responsabilidade penal do agente, será preciso demonstrar que, com o seu comportamento, expôs a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Atualmente, os crimes de perigo abstrato têm sido combatidos pela doutrina, uma vez que não se verifica, no caso concreto, a potencialidade de dano existente no comportamento do agente, o que seria ofensivo ao prin cíp io da lesividade. O Código de Trânsito b rasileiro atendeu aos reclamos doutrinários e, nas hipóteses e m que p reviu crimes de perigo,13 0 exigiu a sua concreção, afastando hipóteses antigas, p revistas na Lei d e Contravenções Penais, que, em diversas s ituações, presumiam como perigoso o comportamento levado a efeito pelo agente. Assim, comparativam ente, o art. 32 da Lei de Contravenções Penais, cuja primeira parte fo i revogada 1 3 1 pelo C ó digo de Trânsito b rasilei ro, dizia: Art. 3 2 . D i rigir, se m a devida habilitação, veículo na via pública, ou emb arcação a motor em águas públicas: Pena - multa. 1 30 À exceção do seu art. 306, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei n° 1 2.760, de 20 de dezembro de 2012. 1 3 1 O S u premo Tribunal Federal, liqu idando com as discussões sobre a revogação da primeira parte do art. 32 da Lei das Contravenções Penais pelo art. 309 do Código de Trãnsito brasi leiro, editou a Súmula n° 720, que diz: Súmula nº 720 - O art. 309 do Código de Trânsito brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres. 101 VOLUME 1 1 ROGÉRIO G RECO Portanto, presumia como perigosa a con duta daquele que era surpreendido e m via pública dirigindo sem habilitação, não importando se o agente, mesmo não ten d o a exigida carteira de habilitação, conduzia com todas as cautelas necessárias. H oj e, tal hipótese está prevista n o art. 3 0 9 da Lei nQ 9 . 5 0 3 / 9 7 que, como dissemos, revogou a primeira p arte do tipo penal correspondente à mencionada co ntravenção p enal, verbis: Art. 3 09 . D i rigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para D i rigir ou Hab ilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa. Como se percebe pela redação final do citado art. 3 0 9 , para que se possa co n figurar a infração penal por ele p revista, h á necessidade ab soluta de se comp rovar, no caso concreto, que a condução de veículo automotor pelo agente trouxe risco à vida o u à saúde d e outrem, pois, caso contrário, o fato será considerado um indiferente penal, p odendo, entretanto, sofrer sanções de natureza administrativa. Ass i m, i m agine-se a h i p ótese daquele que, ao ser interceptado em uma b litz pol icial de rotina, confesse ao policial que o abordou que não possui a cartei ra de habilitação. E mbora o fato possa desencadear a apreensão do veículo, além de outras sanções administrativas, não tem relevo para fi ns de aplicação da lei penal, p ois não foi comp rovada que sua i nabilitação na condução do veícu lo tro uxe p erigo à vida ou à saúde de o utrem. Agora, suponha-se que o agente, querendo aprender a dirigir por conta própria, seja s u rpreendido fazendo manobras arriscadas, imprudentes, não conseguindo sequer traçar uma linha reta com s eu automóvel, interceptado por esse motivo após quase atropelar várias pessoas. Nesse caso, sua inabilitação na direção do veículo trouxe p e rigo concreto à vida ou à saúde das pessoas, p o dendo, agora, ser responsabilizado criminalmente. Concluindo, a visão do perigo d e natureza abstrata, considerado como presumido, é sempre feita ex a n te, bastando a prática do comportamento comissivo ou omissivo p revisto pelo tipo para que se entenda como criada a situação de p e rigo. Ao co ntrário, o crime de perigo concreto exige sempre um raciocínio ex post, ou seja, é preciso demonstrar que a conduta do agente, analisada no caso con creto, criou, efetivamente, u ma situação de risco para os bens j urídicos de terceiros, p ois, caso contrário, o fato será considerado atípico. 102 1 NTRODUÇÃO À TE ORLA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 1 0. 1 5. Crimes s i m p les e cri mes c o m plexos Crime simples é aquele e m que, medi ante a análise d a figura típ ica, s omente conseguimos visualizar uma única infração penal, que é j ustamente aquela por ela própria criada, a exemplo do que oco rre com o delito de h omicídio. E ntende-se por complexo o crime e m cuja figura típica existe a fusão de duas ou mais infrações penais, ou seja, essa fusão faz surgir uma terceira, denominada complexa, como é o caso do delito d e roubo, em que se verifica a existência da subtração (art. 1 5 5 do CP), conj ugada com o emprego da violência (art. 1 2 9 do C P) ou da grave ameaça (art. 1 4 7 do C P) . O crime complexo, para parte da doutrina, pode ser entendido e m sentido amplo ou em sentido estrito, posição com a qual não concordamos. D amásio de Jesus, dissertando so b re o tema, cita Francesco Antolisei, que esclarece: " H á o delito complexo e m sentido amplo quando 'um crime, em todas ou algumas das h i póteses contempladas na norma incriminadora, contém e m si outro delito menos grave, necessariamente'. O legislador acrescenta à definição de um crime fatos que, por si mesmos, não constituem delito. Ex.: denunciação caluniosa ( C P, art. 3 3 9), i ntegrada da calúnia (CP, art. 1 3 8) e da denunciação, que por s i mesma não é crime. O crime complexo em sentido amplo, nos termos dos que aceitam sua existênci a, não se condiciona à presença de dois ou mais delitos. B asta u m a que se acrescentam elementos típicos que, i so ladamente, c onfiguram indiferente penal. Neste caso, o delito de maior gravidade absorve o de menor intensidade penal. Assim, a denunciação absorve a calúnia. O delito complexo e m sentido estrito (ou composto) é formado da reunião de dois o u mais tipos penais. O legislador apanha a d efi nição legal d e crimes e as reúne, formando uma terceira unidade delituosa (subsidiariedade implícita) .'' 132 1 0 . 1 6 . C r i m e s q u a l i f i c a d os e c r i m e s p r i v i l e g i a d o s Crimes qualificados e crimes privilegiados s ã o modalidades de infrações penais existentes nos chamados tipos penais derivados. Os tipos penais derivados são espécies de infrações penais que estão l igadas, umb ilicalmente, ao cap ut do artigo, ou seja, à sua m o dalidade fundamental, por intermédio de seus parágrafos. Isso quer dizer que os tipos de rivados, sejam eles qualificados ou privilegiados, não possuem vida a u tônoma, sendo considerados, portanto, circunstâncias que permitem maior ou menor punição do agente. Tal raciocínio será de extrema i mportância quando da aplicação do art. 30 do Código Penal, que diz: JESUS, Damásio E. d e . Direito penal - Parte geral, p. 1 73-1 74. 103 VOLUME 1 1 ROG ÉRIO G RECO Art. 3 0 . Não se comunicam as circunstâncias e as condições d e caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Assim, considera-se q u a lificado o crime quando, geralmente, as penas mínima e máxim a cominadas no parágrafo são superiores àquelas p revistas no cap u t do artigo. D issemos que os l i m ites mínimo e máximo devem, como reg ra, ser superiores ao cap u t, uma vez que em algumas infrações penais pode ocorrer tão somente o aumento ou da pena mínima, o u da pena máxima com inada em abstrato, sendo, ainda assim, considerado como qualificado. Vej a-se o exemplo do § 92 do art. 1 2 9 do C ódigo Penal, que diz: § 92 Se a lesão for p raticada contra ascendente, descendente, irmão, cônj uge ou companheiro, ou com quem co nviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações do mésticas, de coabitação ou d e hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. O caput do art. 1 2 9, que p revê a sua modalidade fundamental, comina uma pena de detenção para o crime de l esão corporal simples que varia de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Assim, comparativamente, o § 92 do mencionado artigo, de acordo com as novas penas determinadas p ela Lei n2 1 1 . 3 40, de 7 de agosto de 2 0 0 6, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, somente aumenta a pena no seu patamar máximo, elevando-a de 1 (um) ano para 3 (três) anos, não deixando, contudo, de ser considerado como qualificado. N o art. 1 2 1 do C ó digo Penal, ao co ntrário, a lei penal, por i nte rmédio do seu § 22, criou uma m o dalidade qualificada para o delito de h omicídio, cominando as penas mínima e máxima e m quantidades superiores àquelas previstas no capu t. Por outro lado, considera-se como privileg iado o delito quando as penas p revistas no parágrafo são i n feriores àquelas comi nadas no cap ut do artigo. E m b o ra some nte pudesse ser considerado como privilegiado quando as penas mínima e máxima (ou pelo menos uma delas) fossem inferiores àquelas cominadas no cap u t, a do utrina, maj o ritariamente, também considera p rivilegiado o del ito na h i pótese de aplicação de causas de redução de pena. É o que ocorre, por exemplo, com o § 12 do art. 1 2 1 do C ódigo Penal, que diz: § 12 Se o agente com ete o crime impelido por motivo de rel evante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a inj usta p rovocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. 1 04 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 C o m o se percebe pela redação do parágrafo acima transcrito, não foram determinados os l i m ites mínimo e máximo em quantidades i n feriores ao cap u t do art. 1 2 1 do Código Penal, ten d o a lei p e nal, tão s o mente, possibilitado a redução da pena de u m sexto a u m terço. N o entanto, quando o h omicídio é p raticado nessas condições, fala-se e m homicídio p rivilegiado, passando, p ortanto, a também gozar do status de p rivilégio as causas de dim i nuição de pena. 1 0. 1 7. Cri me de bagatela A expressão crime d e bag a tela é característica da hipótese na qual s e afirma a necessidade d e aplicação do princípio da insignificância. São fatos que não se amoldam ao conceito de tipicidade material, necessário à configuração da tipicidade penal. Apesar de sua aceitação pela doutrina, entendemos ser equivocada a exp ressão crime de bagatela. I sso porque, quando concluímos que o fato não reún e as condições exigidas para que seja considerado materialmente típico, estamos afastando a tipicidade p enal e, consequentemente, eliminando a infração penal, razão pela qual não podemos chamar aquele fato penalmente indiferente de crime de bag a tela, senão, no máximo, uma situação de bagatela. No entanto, é assim que, m aj o ritariamente, se reconhece a apli cação do princípio da insignificância, cons iderando suas h i póteses como as de crime de b agatela. 1 0 . 1 8 . C r i m e fa l h o Entende-se como crime falho as h i p óteses da chamada tentativa perfeita ou acab ada, e m que o agente, d e acordo com a sua concepção, esgota tudo aquilo que entendia como n e cessário e sufici ente à consumação da i n fração penal, que some nte não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Assim, imagine-se o exemplo em que o agente, querendo produzir a morte da vítima, aponte sua arma contra ela e efetue dois disparos, acertando-a na região do tórax. Ao perceber a vítima caída, sangrando, o agente diz a si mesmo: "Vai morrer". Com base nessa certeza, deixa de efetuar os demais disparos que lhe seriam ainda possíveis e vai embora. Pouco tempo depois, para a sorte da vítima, uma viatura policial passa pelo local e leva a efeito o seu socorro, conseguindo salvá-la. Nesse caso, o agente esgotou tudo aquilo que, de acordo com sua concepção, entendia como necessário a fim de chegar à consumação do delito, que somente não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, razão pela qual sua tentativa será considerada perfeita, acabada, sendo ainda reconhecida como um crime falho. 105 ROG ÉRIO G RECO VOLUME li 1 0 . 1 9 . C r i m es i n stantâ neos, crim es permane ntes e c r i mes i n stantâneos de efeitos permanentes Considerando-se o m o me nto d e sua consumação, os crimes p o dem ser entendidos como insta n tân eos, perm a n e n tes ou, ainda, insta n tâneos de efeitos permanentes. C o nforme esclarece Assis To ledo, "são i nstantâneos os crimes que possuem como obj eto j urídico bens destrutívei s ; permanentes, aqueles cuj a consumação, pela natureza do bem j urídico o fendido, pode protrair-se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antij urídico por ele realizado. D entro dessa concepção, poder-se-á concluir que, n o delito i nstantâneo (furto, injúria etc.) , a consumação ocorre e m um m o mento certo, definido; no permanente, o m o mento consumativo é uma situação duradoura, cujo início não coincide com o de sua cessação (sequestro, cárcere privado, usurpação de função pública etc.) Denominam-se crimes instantâneos de efeitos permanentes aqueles e m que não a conduta do agente, mas apenas o resultado da ação é p ermanente. Isso ocorre no homicídio (exemplo de B ettiol), cuj o resultado (a mo rte) é irreversível, portanto p ermanente, mas seguramente marcado por um momento consumativo certo - aquele em que a vítima deixa de viver".133 Tais definições são de extrema impo rtância, principalmente para que possamos levar a e feito os raciocínios, por exemplo, da prisão em flagrante, ou mesmo da possibilidade de concurso d e pess oas, nos casos em que ocorre a chamada coautoria sucessiva, em que o agente ingressa no plano criminoso após terem sido iniciados os atos de execução. N o crime p e rmanente, a exemplo do que ocorre com o delito de extorsão mediante sequestro, tipificado no art. 1 5 9 do C ó digo Penal, enquanto a vítima estiver privada de sua l i b e rdade, encontrando-se, por exemplo, no cativeiro, po derá outra pessoa i ngressar no grupo, cooperando com os demais na m anutenção d e s sa situação, até o e fetivo pagamento do resgate. M erece ser destacada, ai nda, mais uma diferença existente entre o crime p e rman ente e o crime instantâneo d e efeitos permanentes. É que, nos crimes permanentes, a manutenção da situação de permanência depende da vontade do próprio agente, a exemplo do que o co rre com o crime de sequestro, em que a vítima poderá ser libertada, desde que o agente que a privou da liberdade atue nesse sentido. Ao contrário, nos chamados crimes instantâneos de efeitos permanentes, o retorno à situação anterior fo ge à alçada do agente, como é o caso do homicídio. TOLEDO, Francisco de Assis. Prin cípios básicos de direito penal, p . 1 46- 1 47 . 106 I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECLAL CAPÍTULO 1 No que diz resp e ito ao crime permanente, merece ser destacada a Súmula 7 1 1 do STF: Súm ula n11 71 1 . A lei penal mais grave aplica-se ao crime con ti n uado ou ao crime permanen te, se a sua vigên cia é a n terior à cessação da con tinu idade ou da perm a n ência. 1 0 . 2 0 . C r i m e a p razo D e n omina-se crime a prazo aquele e m que o tipo penal exige, para sua configuração, o decurso de certo espaço de tempo, a exemplo do que ocorre com a modalidade qualificada d e lesão corporal, p revista no inciso 1 do § lQ do art. 1 2 9 d o Có digo Penal, que so mente terá aplicação nos casos em que resulte para a vítima incapacidade para suas ocupações habituais por m a is de 3 0 dias. No crime de apropriação de coisa achada, previsto pelo inciso I I do art. 1 6 9 do Código Penal, se o agente, no p razo d e 15 dias, a restitui ao dono ou ao legíti mo possuidor, ou a entrega à auto ridade competente, sequer será consi derado típico o seu comportamento. Aqui, mais do que na s ituação anteriormente citada, o decurso do p razo é fundamental para que o comportamento tenha alguma relevância para o D i re ito Penal. D essa forma, nos crimes a prazo, o tempo previsto no tipo penal poderá fazer com que s e configure ou não uma i n fração penal, ou mesmo agravar a situação daquela já existente. 1 0 . 2 1 . D e l i t o s d e i n t e n ç ã o : c r i m e s de res u l t a d o c o rtado e c r i m e s m u t i l a d os d e d o i s atos Assis Toledo, dissertando sobre o tema, aponta o delito de intenção como gênero, do qual são suas espécies o crime de resultado cortado e o crime m u tilado de dois a tos: "Denominam-se delitos de in tenção (ou de tendência interna transcendente) aqueles e m que o agente quer e persegue um resultado que não necessita ser alcançado de fato para a consumação do crime (tipos incongruentes ) . D ividem-se e m delitos de res ultado cortado e delitos mutilados de dois atos. N o s primeiros, o agente espera que o resultado externo, querido e perseguido - e que se situa fora do tipo - se produza sem a sua intervenção d ireta (exemplo: extorsão mediante sequestro - art. 1 5 9 - crime no qual a vantagem desejada não precisa concretizar-se, mas se vier a concretizar-se será por ato de outrem). Nos últimos, o agente quer alcançar, p o r ato próprio, o resultado fo ra do tipo (exemplo: a falsificação que supõe a intenção de uso ou de de moeda - art. 2 8 9 introdução na ci rculação do dinheiro falsificado)". 134 - TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 1 5 1 . aa 1 07 VOLUM E l i ROG ÉRIO G RECO 1 0 . 2 2 . C r i m e s c o m u n s , c r i m e s p o l ít i cos e c r i m e s d e o p i n i ã o A Constituição Federal, e m várias passagens, demonstrou que h á diferença a ser apontada p ela doutrina n o que diz respeito aos crimes comuns, p ol íticos e d e o p inião, variando até mesmo a comp etência para j ulgamento de cada um deles, dizendo, d e acordo com a o rd e m d e seus artigos: Art. 5Q Todos são iguais perante a l e i, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos b rasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invi olabilidade do d i reito à vi da, à liberdade, à igualdade, à segu rança e à proprie dade, nos termos seguintes : [ . . .] ; L I I não será concedida a extradição d e estrangeiro p o r c r i m e p o l ítico ou de opinião. - Art. 1 0 2 . Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo- lh e: I [ . . .] ; - II j ulgar, e m recurso ordinário; - a) [ . ] ; .. b ) o crime pol ítico. [ . . .] Art. 1 0 5 . Comp ete ao Superior Trib unal de Justiça: I - processar e j u l gar, originariamente: a) nos crimes comuns, os G overnadores dos E stados e do D istrito Fed e ral, e, nestes e nos de responsabilidade, os desemb argadores dos Trib unais de Justiça dos E stados e do D istrito Federal, os m e mb ros dos Tribunais de Contas dos E stados e do D istrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais E le itorais e d o Trabalho, os m e mb ros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos M unicípios e os do M i n i stério Público da Un i ão que o ficiem perante tribunais; [ . . . ]. Art. 1 0 9 . Aos j uízes federais compete p rocessar e j ulgar: I [ ]; - II ... - III - [ . . .] ; [ . .] ; . IV o s crimes p ol íticos e a s i n frações penais p raticadas e m d etri m ento d e bens, serviços ou interesse da União - 108 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça M i l itar e da Justiça E leitoral; [ .. . ] . I n icialmente, devemos destacar o fato de que, quando l evamos a efeito a diferença entre crimes comuns e crimes po l íticos, a palavra com um é uti l izada no sentido de que não há nenhuma i ntenção especial, de natureza política, exigida por aquela determinada infração penal. Dessa fo rma, Hungria, traduzindo a diferença entre crimes comuns, aqui entendidos e m seu s entido extensivo, e os cri mes p olíticos, di z : " Enquanto os primeiros atacam os b ens o u interesses j urídicos do i nd ivíduo, da família e da sociedade, penalmente p rotegidos pelo E stado, os crimes p o l íticos agridem a própria segurança interna o u externa do Estado o u são dirigidos contra a própria personalidade deste." 1 35 A Lei d e S egurança Nacional (Lei nQ 7 . 1 70, de 14 de dezembro de 1 9 8 3 ) defi n iu os crimes co ntra a s egurança nacion al, a o r d e m política e social, dizendo, em seus arts. 1Q e 2Q: Art. 1Q E sta Lei p revê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: 1 - a i ntegridade territo rial e a sob erania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o E stado d e D i re ito; I I I - a pessoa dos chefes dos Poderes da União. Art. 2Q Quando o fato estiver também p revisto como crime n o Cód igo Penal, no C ó digo Penal M ilitar ou em leis especiais, l evar-se-ão em conta, para aplicação desta L e i : 1 - a motivação e o s obj etivos do agente; II - a lesão real ou potencial aos bens j u rídi cos menci o nados n o artigo anterior. Entende-se p o r crime de opin ião aquele que importa em abuso na liberdade da manifestação do pensamento, podendo ser p raticado por qualquer meio que tenha a possibilidade de d i fundir as i deias do agente - por exemplo, mediante palavras, d ivulgação n a imprensa, l ivros, artigos, revistas etc. H U NG R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. li, p. 57. 109 ROG É RIO G RECO VOLUM E I I O inciso IV do art. SQ da Constituição Fe deral, emb ora assegu rando a l i berdade da manifestação de pensamento, vedando o anonimato, não permite o abuso, devendo ser responsabilizado criminalmente aquele que, sob a falsa argumentação da l i berdade d e manifestação do pensamento, produzir dano, por exemplo, à honra d e terceiros. 1 0 . 2 3 . C r i m e s a d i stâ n c i a , c r i m e s p l u r i l o c a i s e c r i m e s e m t râ n s it o Flávio Augusto M onteiro d e Barros traduz a d iferença entre os crimes a distância, plurilocais e em trânsito: "Segundo o l ugar do evento, os crimes podem ser: a) À distância: quando a conduta e o resultado se desenvolvem e m dois ou mais países. O ass unto está relacionado ao problema d a lei penal n o espaço; b) Plurilocal: quando a conduta e o resultado se desenvolvem e m duas ou mais co marcas, dentro do mesmo país. Exemplo: a vítima é ferida n a c i d a d e d e Piraj u, mas m o rre e m B aur u. A questão é relevante no tema da competência territorial (art. 70 do CPP). c) Em trânsito : quando uma parcela da conduta se realiza num p aís, sem lesar ou pôr em perigo bem j urídico de seus cidadãos. Exemp l o : '/:\, do Paraguai, envia, para o Japão, uma carta o fendendo 'B', sendo que essa carta tem uma ligeira passagem pelo correio brasileiro, até prosseguir o seu rumo ao Japão." 136 1 0.24. C r i mes habitua is Considera-se h a bitua l o delito e m vi rtude do qual se exige do agente um comportamento reiterado, n ecessário à sua configuração. Assim, nos crimes habitu ais, o u o agente pratica a cadeia d e condutas indispensáveis à caracterização da infração p enal, consumando-a, ou, como regra, o fato será atípico. Vej a-se o exemplo do crime de curandeirismo, p revisto n o art. 2 8 4 do Código Penal, e m que o núcleo do tipo e m estudo é o verbo exercer. I sto é, somente quem exerce, ou seja, p ratica o curandeirismo, "prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualm e nte, qualquer s ubstância; usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; fazendo diagnósticos" é que deverá ser responsabi l izado criminalme nte por esse deli to . Assim, se o agente, sem a habitualidade exigida pelo tipo, prescreveu a u m amigo o uso d e d eterminada substância, enaltecendo o seu poder curativo, não p od erá responder pelo delito em estudo. BAR ROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal - Parte geral, p. 92. 110 I NTRODUÇÃO À TEORIA G E RA L DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 D is cute-se a possibilidade de tentativa nos delitos habituais. N ormalmente, entende-se que ou o agente pratica os atos reiterados exigidos pelo tipo, consumando a infração penal, ou o fato será atípico. Entretanto, não podemos descartar a h i p ótese de tentativa. Isso porque pod erá o agente ter dado início à cadeia dos atos que, sabidamente, seriam habituais, quando é impedido de continuar a exercer o comportamento proibido pelo tipo, p o r circunstâncias alheias à sua vontade. M i rabete, com precisão, afi rma que, como regra, "o crime habitual não admite tentativa, pois ou há re iteração de atos e consumação, ou não há essa habitualidade e os atos são penalmente indiferentes. N ão há que se negar, porém, que, se o suj eito, sem ser médico, i nstala um consultório e é deti do quando de sua primeira 'consulta', há caracterização da tentativa do crime previsto n o art. 2 8 2 ". 137 1 0 . 2 5 . C r i m e s p r i n c i pa i s e c r i m e s a c e s s ó r i o s H á crimes que, para s u a existência, estão íntima e ne cessariamente ligados à prática de outros, surgi ndo entre eles a relação entre prin cipal e acessório. To memos como exemplo o delito de receptação. Diz o cap ut do art. 1 8 0 do Código Penal: Art. 1 8 0 . Adquirir, receber, transportar, conduzir ou o cultar, em p roveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. Como se percebe pela redação do mencionado artigo, s omente haverá receptação se a coisa que o agente adquiriu, por exemplo, fo r p roduto de crime. Para que ocorra a receptação, po rtanto, d everá ter havido um delito principal furto, roubo etc. -, havendo entre eles uma relação de principal e acessório. O mesmo acontece com o delito de favo recimento real, tipificado n o art. 3 49 do C ó d igo Penal, que diz: Art. 349. Prestar a criminoso, fo ra dos casos de co­ autoria o u d e receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime; [. . .] . S e não houver a p ráti ca d e u m crime anterior (principal), não h averá o favorecime nto real, razão pela qual podemos afirmar a natureza acessória desse d el ito. 7 M I RABETE, Júlio Fabbri ni. Manual de direito penal, v. 1 , p. 1 6 1 . 111 VOLUME ROG ÉRIO G RECO li Aos crimes acessórios incide o disposto no art. 1 0 8 do C ódigo Penal, verbis: Art. 1 0 8 . A extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo o u ci rcunstância agravante d e o utro não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de u m deles não impede, quanto aos o utros, a agravação da pena resultante da conexão. 1 0 . 2 6 . I n f r a ç õ e s pe n a i s d e m e n o r pote n c i a l ofen s i v o Atendendo ao disposto no inciso X do art. 2 4 da C o nstituição Fe deral, foi e ditada a Lei nQ 9.099, de 2 6 de sete m b ro de 1 9 9 5, dispondo sobre os J uizados E s peciais Cíve is e Criminais. O art. 6 1 da mencionada lei, e m sua redação original, definiu o conceito de i n fração p e n al d e menor potencial ofensivo dizendo, verbis: Art. 6 1 . Consideram-se i n frações penais de menor potencial ofensivo, para os efe itos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a l e i comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a l e i preveja p rocedimento especial. Aproximadamente seis anos após a edição da Lei nQ 9 . 0 9 9 /95, surgi u a Lei nQ 1 0 . 2 5 9, d e 12 d e julho d e 2 0 0 1 , dispondo s ob re a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito d a Justiça Federal, trazendo, n o parágrafo único do seu art. 2Q, novo conce ito de i n fração penal de menor potencial ofensivo : Pa rágrafo ú ni co. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine p ena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa. 1 38 Con forme se verifica p o r meio de um estudo comparado dos artigos nos quais h o uve a definição d e i n fração p enal de menor potencial o fensivo, a Lei nQ l 0 . 2 5 9/ 2 0 0 1 ampliou p ara dois anos o máximo da pena com inada em ab strato p ara que a infração penal passe a gozar desse status. Em virtude disso, surgiu a controvérsia doutrinária, h avendo autores que se posicionaram no sentido d e que tal aumento do l imite para o reconhecimento 1 , O referido art. 2° e parágrafo único foram também modificados pela Lei nº 1 1 .31 3/2006, sendo esta sua redação atual: Art. 22. Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião dos processos, perante ojuízo comum ou o trib unal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. 112 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 da infração penal de menor p otencial o fens ivo s o mente dizia respeito aos crimes de competência do J u izado Especial Criminal Federal. Outros, com razão, entendiam que, a partir da edição da Lei n 2-l 0 . 2 5 9 / 2 0 0 1 , não se justifi cava um tratamento d iferenciado para o s crimes de competência da J ustiça E stadual, em que somente po diam ser considerados como de menor potencial o fensivo aqueles cuj a pena máxima não excedesse a 1 (um) ano, enquanto nos J uizados Especiais Criminais da Justiça Federal tal l im ite seria de 2 (dois) anos. H oj e, após a edição da Lei n2. 1 1 . 3 1 3 , d e 28 de j unho de 2 0 0 6, a discussão perdeu o sentido, tendo e m vista a nova redação do art. 61 da Lei n2. 9 . 0 9 9 / 9 5 , q u e diz, verbis: Art. 6 1 . Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. A nova redação l egal revogou, ainda, a última parte da redação original do mencionado art. 61, que afastava do conceito de infração penal de menor potencial o fens ivo as infrações penais para as quais fosse p revisto um procedimento especial. H oj e, p o rtanto, concluindo, a infração penal de menor potencial o fensivo é reconhecida como aquela cuj a pena máxima cominada não seja superior a 2 (dois) anos. 1 0 . 2 7 . C r i m e s m o n o s s u bj e t i v os e c r i m e s p l u r i s s u bj e t i v o s D en o m inam-se monossu bjetivos, u n issubjetivos ou de concurso even tua l o s crimes cuj a cond uta núcleo p o d e s e r p raticada por u m a única pess oa, a exemplo do que ocorre com o homicídio, furto, l esão corp o ral etc. Plurissubjetivos, ao contrário, são aqueles nos quais o tip o penal exige a presença de duas o u mais pessoas, se m as quais o crime não se configura, como é o caso d a associação crim in osa, d a rixa etc. São também reconhecidos como crimes de concurso necessário. Nos crimes plurissubj etivos, podemos ainda l evar a efeito a seguinte distinção: a) crimes b ilaterais ou d e e ncontro; bJ crimes coletivos ou d e co nvergência. Crimes bila terais o u de encon tro são aqueles em que as condutas p raticadas pelos agentes tendem a se enco ntrar, como oco rre com o crime de bigamia, p revisto no art. 2 3 5, § lQ, do C ó digo Penal. 113 RoG ÉRlO G REco VOLUME I I Crimes de convergência, na definição de M ufíoz Conde, são aqueles "em que o tipo penal exige que várias pessoas conco rram uniformemente para a consecução do mesmo obj etivo". 1 39 Essa convergência pode ocorrer: a) quando as con du tas s ã o con trapostas, isto é, quando os agentes atuam uns contra os outros, como ocorre com o delito de rixa, p revisto no art. 1 3 7 do Código Penal; b) ou quando as con d u tas são pa ra lelas, vale dizer, quando os esforços de todos os agentes são co ncentrados n o sucesso de uma infração penal comum, a exemplo d o crime de associação criminosa, tipificado no art. 2 8 8 do Código Penal, nos termos da redação que l h e foi conferida pela Lei n2 1 2 . 8 5 0, de 2 de agosto de 2 0 1 3 . Pode ocorrer, a inda, a h i p ótese n a qual um crime, originariamente m o nossubj etivo, venha a se tornar coletivo, como acontece nos casos em que ocorre o concurso de pessoas no crime d e furto, p revisto pelo inciso IV do § 4Q do art. 1 5 5 do Código Penal. 1 0 . 2 8 . C r i m e s u n i of e n s i v o s e c r i m e s p l u r i ofe n s i vos Consideram-se u n iofensivos os crimes nos quais s o mente se p rotege um único be m j urídico, como é o caso do art. 1 5 5 do Código Penal, em que se leva a efeito a proteção do patrimônio, ou no crime de h o micídio, em que se p rotege tão s o mente a vida. Ao contrário, há outros crimes em que se consegue visualizar a proteção de dois ou mais bens j urídicos, mesmo que haja precipuidade entre eles, razão pela qual são reconhecidos como p luriofensivos. Assim, no crime de latrocínio, por exemplo, p rotege-se p recipuamente o patrimônio, sem descartar a proteção da vida. 1 0 . 2 9 . C r i m e s de s u bj e t i v i d a d e p a s s i v a ú n i ca e c r i m e s de s u bj e t i v i d a d e passiva d u p la Crimes de subjetividade passiva ú n ica são aqueles nos quais o tipo penal p revê somente u m único suj e ito passivo. Assim, n o h o m i cídio, por exemplo, há some nte uma única vítim a, isto é, aquela que foi alvo da conduta criminosa p raticada pelo agente. E ntretanto, há o utras i n frações p e nais em que se atinge mais de uma pessoa (subj etividade passiva) , ou seja, duas o u mais pessoas podem conside rar-se víti mas da infração penal l evada a e fe ito pelo age nte, como ocorre com o delito de aborto p rovocado sem o consentimento da gestante, em que a gestante e o feto podem ser considerados vítimas do delito em questão. N a violação de correspondência, tipi ficada no art. 1 5 1 do Código Penal, da mesma forma, são consideradas vítimas do delito o remetente e o destinatário. M U N OZ CON DE, Francisco. Teoria general dei delito, p. 239. 114 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTU LO 1 1 0 . 3 0 . C r i m e d e ím peto N o rmalmente, chama-se crime de ímpeto a i n fração penal em que o agente pratica a conduta nele prevista de forma impensada, explosiva, emocionada, sem que, para tanto, tenha tempo para refletir a respeito do seu compo rtam ento criminoso. O § lQ do art. 1 2 1 do C ó digo Penal pode traduzir uma dessas s ituações quando aponta a possibilidade d e o h o m i cídio ser cometido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à i nj usta p rovocação da vítima. 1 0 . 3 1 . C r i m e p r o g re s s i v o Crime p rogressivo, n a d efinição d e H ungria, "ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro tipo de crime, de que aquele é etapa necessária ou elemento constitutivo (reconhecida a unidade j urídica, segundo a regra do u b i m ajor, m inar cessat) ".14º Dessa fo rma, para se c hegar ao h o micídio, o u seja, para que o agente alcance o resultado morte, d everá produzir na vítima, numa relação de anterioridade, lesões corp o rais, razão pela qual o crime a ser absorvido é conhecido como delito de passagem. 1 0 . 3 2 . C r i m e s ex a u r i d o s Considera-se c o m o exa urido o deli to quando h á um esgotamento completo da figura típica. O iter crim inis, vale dizer, o caminho a ser percorrido pelo agente a fim de que possa ser responsabilizado criminalm ente, é composto pelas seguintes fases: cogitação, preparação, execução, consumação e exau rimen to. Há infrações penais em que pode ocorrer sua consu mação, s em que, entretanto, restem exauridas. I magi ne-se a h i p ótese do delito de extorsão mediante sequestro, tipificado no art. 1 5 9 do C ó digo Penal, que diz: Seq uestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, q ualquer van tagem, como condição ou preço do resgate. N esse delito, basta que o agente p rive a víti ma de sua l ib erdade, com o fim de obter qualquer van tagem, como condição ou preço do resgate, para que se conclua pela sua consumação. N ão h á necessidade, para fi ns de consumação do delito em estudo, que o agente obtenha a vantagem p revista no tipo. Entretanto, caso venha e fetivam ente a o btê-la, tal s ituação será considerada mero exaurimento do cri me. H U N G R I A , Nélson. Comentários a o código penal, v . 1 , t. l i , p. 48-49. 115 VOLUME I I RoG ÉRJO G REco Entendemos que é importante d istinguir crime consumado e aquele considerado exaurido, principalmente para efeitos de aplicação da pena, confo rm e orientação contida no art. 5 9 do C ódigo Penal, ensejando punição maior na hipótese d e ter sido esgotada completamente a figura típica. 1 0 . 3 3 . C r i m es d e ate n t a d o o u d e e m p r e e n d i m e n t o A regra, considerando-se o princípio da proporcionalidade, é de que a tentativa seja punida menos s everamente do que o crime consumado, conforme s e dessume do parágrafo único d o art. 14 do C ó digo Penal, que diz: Salvo disposição em con trário, p u ne-se a tentativa com a pena correspondente ao crim e consumado, dim in u ída de um a dois terços. Extrai-se, p o rtanto, do p arágrafo transcrito que a regra é a d i minuição. E ntretanto, essa regra sofre exceções, que se amoldam à redação contida em sua primeira parte, quando diz sa lvo disposição em con trário. - N essa disposição em contrário é que residem os chamados crimes de a tentado ou de empreendimento, nos quais a tentativa é elevada ao mesmo status do delito consumado, não h avendo possibilidade d e redução da pena, tendo em vista sua p revisão expressa no tipo p enal. Assim, o art. 3 5 2 do C ódigo Penal, cuidando do delito de evasão median te violência con tra a pessoa, assevera : Art. 3 5 2 . Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o i ndivíduo submetido a medida de s egurança detentiva, usando de violência co ntra a pessoa; [ ... ] . D essa for ma, como a tentativa foi p revista expressamente no tipo penal, não h avendo necessidade da utilização da no rma de extensão p revista n o inciso II do art. 14 do Código Penal, deverá receber as penas correspondentes ao delito consumado, s e m qualquer diminuição, sendo, nesse caso, reconhecido como crime d e atentado ou d e empreendimento. 1 0.34. C r i m es vagos Crimes vagos, na defi n ição de D amásio de Jesus, " s ã o os que t ê m p o r suje ito passivo entidades sem personalidade j urídica, como a família, o público ou a s o ci e dade. Ex.: ato obsceno ( C P, art. 2 3 3 ) ". 1 4 1 JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 1 84 . 116 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍT U LO 1 1 0 . 3 5 . C r i m e s a m b i e nta i s O legislador constituinte, preocupado com o nosso meio ambiente, fez inserir um capítulo e m nossa Lei Maior cuidando especificamente desse tema. D essa fo rma, o cap u t do art. 2 2 5 da C o nstituição Federal assevera: Art. 2 2 5 . To dos têm direito ao meio ambie nte ecologicamente equilibrado, b em de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à co letividade o dever de defendê-lo e pres ervá-lo para as p resentes e futuras gerações. Crimes ambien tais, portanto, são aqueles que atingem o nosso meio ambiente, cau sando dano ou, m esmo, perigo de lesão à nossa fauna, flora etc. Buscando dar maior efetividade à p roteção ambiental, nos moldes determinados pela Co nstituição Fe deral, foi edi tada a Lei nQ 9 . 6 0 5 , de 12 de fevereiro de 1 9 98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. 1 0 . 3 6 . C r i m e s u n i s s u b s i st e n t e s ( o u m o n o s s u b s i st e n t e s ) e c r i m e s p l u r i s s u b s i stentes A diferença entre os crimes unissubsistentes e os consi derados plurissubsistentes reside na possibilidade ou não de ser fracionado o iter criminis. Assim, crimes unissubsisten tes são aqueles nos quais ocorre uma concentração de atos, não sendo possível o raciocínio e m termos do fracio namento do iter criminis, a exemplo do que oco rre com a injúria ou mesmo a ameaça verbal. Nesses casos, o u o agente profere as palavras i nj u riosas ou ameaçadoras e os crimes respectivos se consum am, ou não as profere, cons iderando-se o seu pensamento u m indife rente penal. Ao contrário, nos chamados crimes p/urissubsistentes existe possibilidade real de se percorrer, "passo a passo", o caminho do crime. O agente cogita, prepara-se e executa a infração penal em momentos distintos e visualizáveis, tal como ocorre com os chamados crimes materiais, como é o caso do furto, das lesões corporais etc. A importância da distinção reside no fato de que, como regra, os crimes unissubsiste ntes não admitem a tentativa, ao passo que nos crimes plurissubsi stentes ela é p erfe itamente admissível . 1 0 . 3 7 . C r i m e s t r a n s e u ntes e c r i m es n ã o t r a n s e u ntes A d iferença entre crimes transeuntes e não transeuntes reside n o fato de a i nfração penal d eixar ou não vestígios. 117 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO Assim, crime transe u n te seria aquele cuj a p rática, em decorrência de seu modo de execução, não deixa vestígios, a exemplo d o que ocorre com todas as i n frações penais que são l evadas a efe ito por i ntermédio da palavra verbal, como oco rre com a calúnia, a difamação, a inj úria, a ameaça etc. Por outro lado, se o crime deixa vestígios, podendo ser obj eto de exame de corpo d e delito, estamos d iante de u m crime não transe u n te. C o nforme obs erva James Tubench lak, "nos crimes não transeun tes (delicta facti permanenti) p e rmanecem s inais materiais alvo de serem periciados". 142 1 0 . 3 8 . C r i m e s co n e x o s Con exão, na d efinição de Paulo Rangel, "significa união, nexo, ligação, relação entre u m fato e outro". 143 D essa forma, crimes conexos seriam aqueles que, de alguma forma, pudessem ser entendidos como interligados, unidos. O Código d e Processo Penal determina a competência pela conexão em seu art. 7 6 : Art. 7 6 . A competência será determinada pela conexã o : s e , ocorrendo duas ou mais infrações, h ouverem sido p raticadas, ao mesmo tempo, por várias pess oas reunidas, o u por várias pessoas em concurso, embora d iverso o tem p o e o lugar, ou por várias pessoas, umas co ntra as outras; 1 - II se, no mesmo caso, houverem sido umas p raticadas para facilitar o u ocultar as outras, o u para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; - III quando a p rova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares i nfl uir na p rova de outra infração. - E m virtude da redação dos mencionados incisos, podemos ap ontar três diferentes espécies de conexão : a) co nexão i ntersubj etiva ( p o r si multaneidade, concursai ou p o r reciprocidade), p revista no inciso I do art. 7 6 do C ódigo de Processo Penal; b) co nexão obj etiva o u lógica, p revista no inciso I I do art. 76 do Código de Processo Penal; c) co nexão instrumental ou probató ria, elencada no inciso I I I do art. 76 do Código de Processo Penal. TUBENCHLAK, James. Teoria do crime, p . 200. RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p. 340. 118 INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 1 0 . 3 9 . C r i m e s fa l i m e n t a r e s São aqueles p revistos pelos arts. 1 6 8 a 1 7 8 da Lei de Falências (Lei nq l . 1 0 1 , de 9 d e fevereiro de 2 0 0 5 ) . 1 0 . 40 . C r i m e s d e res p o n s a b i l i d a d e A Co nstituição Federal, e m várias p assagens, faz menção ao chamado crime de responsabilidade, conforme se verifica nos arts. 2 9 -A, § 2º- e § 3º-; 50, § 2º-; 5 2 , I e I I ; 8 5 e s e u parágrafo único; 1 0 2, I , c. D a mesma fo rma, são vário s os diplomas legais que regulam os chamados crimes d e responsabilidade, a saber: Lei nº- 1 . 079, de 10 de abril de 1 9 5 0 (define os crimes de responsabilidade e regula o resp ectivo processo de j ulgamento) ; Lei nº- 4 . 5 1 1 , de 1º- de dezembro de 1 9 64 (dispõe sobre o m e i o circulante, e dá outras providências); Decreto-Lei nº- 20 1 , de 27 de fevereiro de 1967 (dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, e dá outras providências) ; Lei nº- 7 . 1 0 6, de 2 8 de j unho de 1 9 8 3 (defi n e os crimes de responsabilidade do governador do D istrito Fed e ral, dos governadores dos Territórios Federais e de seus respectivos secretários, e dá o utras p rovidências); Lei Complementar nº- 1 0 1 , de 4 de maio d e 2 0 0 0 (estab e lece normas de finanças públicas voltadas para a responsab i lidade n a gestão fiscal e dá outras p rovidências) ; dentre outras. O STF, por intermédio da Súmula nº- 7 2 2 , posicionou-se no seguinte sentido: Súm ula nª 722. São d a competência leg isla tiva d a Un ião a defin ição dos crimes de responsabilidade e o esta belecime n to das respectivas n orm as de processo e julgamen to. Pelo que se p ercebe p o r i ntermé d i o das sanções previstas nos d i p l o mas legais que cuidam d o crime d e responsabi l i dade, emb ora possuam essa d e n omi n ação, não s e i nfligem sanções d e n atureza p enal, mas, sim, aquelas de cunho p o lítico-administrativo, conduzindo à aplicação de sanções p o líticas, a exe mp lo da p e rd a d o cargo, a i nabilitação por u m período predeterminado etc. Por essa razão, o s crimes de responsabilidade, nos termos preconizados por Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. E lias Rosa e M arisa F. Santos, "correspondem a i nfrações político-administrativas cujas sanções importam a vacância d o cargo, a desinvestidura do agente e sua inabilitação por período de tempo certo para o exercício de funções públicas. Consistem, assim, em sanções não p e nais (art. 52, parágrafo único, da C F / 19 8 8 ) , e podem ser apli cadas se m prejuízo destas". 144 C H I MENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio F. Elias; SANTOS, Marisa F. Curso de direito constitucional, p . 271 . 1 19 VOLUME I I ROG É RI O G RECO 1 0.4 1 . Crimes s u bs i d i á ri os Crimes subsidiários s ã o aqueles cuj a aplicação depende de s e r afastada a infração penal principal. São considerados, na expressão de H ungria, "soldados de reserva". 145 A subsidiariedade p o de ser expressa ou tácita. D iz-se expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz sua ressalva, d eixando transparecer seu caráter subsidiário. Assim, nos termos do p receito secundário do art. 1 3 2 do Código Penal, somente se aplica a pena p revista para o delito de perigo para a vida ou a saúde de outrem s e o fato não constituir crime mais grave. Crime d e p erigo é aquele em que há u ma p robabilidade de dano. S e houver o dano, que não foi possível ser evitado com a punição do crime d e p erigo, não se fala e m com etimento deste último. São também exemplos de subs idiariedade expressa os delitos tipificados nos arts. 2 3 8, 2 3 9, 249 e 3 0 7, to dos do Código Penal. Fala-se e m subsidiariedade tácita ou impl ícita quando o artigo, emb ora não se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, s o mente tem aplicação nas hip óteses d e não oco rrência d e u m delito mais grave, que, neste caso, afasta a aplicação da norma subsidiária. C o m o exemplo, podemos citar o art. 3 1 1 do C ó digo d e Trânsito b rasi l e i ro, que proíbe a conduta de trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, h ospitais, estações d e embarque e desembarque de p assageiros, l ogradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação o u concentração de pessoas, gerando perigo de dano. Se o agente, deixando de observar o se u exigido dever de cuidado, imprimindo vel o cidade excessiva e m seu veículo, p róximo a um dos l ugares acima referidos, atropelar alguém, causando-lhe a m orte, não será responsabilizado p el o citado art. 3 1 1, mas, si m, pelo art. 3 0 2 do m e s m o Cód igo, q u e prevê o delito d e h o m i cídio culposo n a direção de veículo automotor. O crime de d a n o afastará, p ortanto, o crime de perigo. 1 0 . 42 . C r i m e s f u n c i o n a i s Crimes funcio n a is são aqueles que só podem ser p raticados por quem exerce cargo, e mp rego ou função p ú b lica. O art. 3 2 7 do C ó digo Penal defi n i u o conceito de funcionário p úb lico, que deverá ser aplicado p ara fins de reconhecimento dos crimes funcionais, dizendo: Art. 3 2 7 . Considera-se funcionário público, para os e fe itos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego o u função pública. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . 1 , t. l i , p . 1 39. 120 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 § 12 Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, e mprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa p restadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Ad m i nistração Pública. O s crimes funcionais subdividem-se e m : a) próprios; b) imprópri os. Crimes funcionais próprios são aqueles e m que a ausência da qualidade de funcionário do agente to rna o fato u m i n di ferente penal, vale dizer, o fato passa a ser completamente atípico, como acontece com o delito de prevaricação, tipificado no art. 3 1 9 do C ó digo Penal. Ao contrário, nos chamados crimes fun cion ais impróprios, uma vez afastada a condição de funcionário público, o fato é desclas s ificado para outra i n fração penal, a exemplo do que ocorre com o p eculato furto, p revisto pelo § 1 2 d o art. 3 1 2 do Código Penal. Aquele que, p o r exemplo, não gozando do status de funcionário público, subtrai u m bem m óvel p ertencente à Administração Pública, deverá ser responsabilizado p el o delito de furto. 1 0 . 4 3 . C r i m e s de a ç ã o m ú l t i p l a ou de c o n te ú d o v a r i a d o S ã o conhecidos como de ação múltipla ou de con teúdo variado o s crimes que p revee m uma m u ltiplicidade d e comportamentos nucleares, sendo que a p rática de vá rios deles pelo agente não i m p o rta, consequentemente, também numa multiplicidade de crimes. N os crimes d e ação múltipla ou d e conteúdo variado, mesmo que o agente p ratique várias condutas previstas n o tipo, deverá ser responsabilizado por som ente uma i n fração penal. Vej a-se, por exemplo, o art. 1 2 2 d o C ó digo Penal. Aquele que induz ou instiga alguém a suicidar-se ou presta-l h e auxílio para que o faça, mesmo que, hipoteticamente, tenha conseguido l evar a efeito os três comportamentos p revi stos pelo tipo p enal, somente responderá por um único delito. Também é a hip ótese do art. 3 3 da Lei n2 1 1 . 3 43 / 2 0 0 6, que diz: Art . 3 3 . I mportar, exportar, remeter, preparar, produzir, fab ricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, m i n istrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente, sem autorização o u em desacordo com d eterminação legal o u regulamentar. 121 ROG ÉRIO G RECO VOLUME [ [ Se o agente, p o r exemplo, além d e adquirir, tiver em depósito a droga para fi ns de tráfico ilícito, some nte será responsabilizado por um único crime. A doutrina, e ntretanto, ainda l eva a efeito uma diferença entre os crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, dividindo os tipos penais que os p reveem e m : tipo m isto a lternativo e tipo m isto cum ula tivo. Seguindo as lições d e James Tubench lak, "no tipo m isto alterna tivo, o agente responderá por um só crime tanto se p e rfizer uma conduta dentre as enunciadas alte rnativame nte quanto na hip ótese de vu lnerar mais de um núcleo. Exe mp l o s: os t i p o s dos arts. 1 2 2 C P ('induzir', 'instigar' ou 'auxiliar'), 1 5 0 C P ('e ntrar'ou 'permanecer') [ ... ] . N o tipo m isto cumula tivo, onde igualm e nte existe mais d e um n ú c le o , to rna-se obrigatória a multiplicidade de co ndutas por pa rte do agente para que o delito se tenha p o r consumado. Exemplos: art. 242 C P ('ocultar [ ... ] suprimindo ou alterando') e art. 243 CP ('deixar [ ... ] o cultando-lhe [ ... ] ou atribuindo­ -lhe') . Assim, na hip ótese referida de supressão ou alteração de d i reito i nere nte ao estado civil de recém-nascidos, o crime permanecerá em fas e de tentativa, se o agente, depois de ocultar o neonato, não l ograr a alteração ou supressão de di reito inerente ao estado civil". 146 1 0 . 4 4 . C r i m e s de f o r m a l i v re e c r i m e s de f o r m a v i n c u l a d a Consideram-se de forma livre os crimes cuja redação típica não exige u m comportamento especial, p reviamente definido, para fins de s u a caracterização, a exemplo do que acontece com os delitos de h o micídio e lesão corporal. Pode o agente causar a morte da vítima e fetuando um disparo contra ela o u mesmo a impedindo de respirar, pela asfixia. O mesmo acontece com as lesões corporais, em que a forma de sua comissão não veio predeterminada na lei penal. Existe m, entretanto, outras infrações penais em que os tipos nos quais estão p revistas determinam o modo como o delito deve ser praticado, vinculando-lhes a forma de cometimento. São, po rtanto, delitos defo rma vin culada, como aco ntece n a hip ótese de curandeirismo, e m que o art. 2 84 do Código Penal esclarece que o exerce quem prescreve, ministra ou aplica, habitualmente, qualquer substância; usa gestos, palavras ou qualquer outro meio; faz diagnósticos. Damásio de Jesus ainda subdivide os crimes de forma vinculada e m : a ) cumula tiva; e b) alterna tiva : "O crime é de fo rma vinculada cumulativa quando o tipo p revê várias ações do suj eito, como oco rre no caso do art. 1 5 1 , § 1Q, 1 TUBENCHLAK, James. Teoria do crime, p. 34-35. 1 22 I NTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 ( Decreto- Lei nQ 2 9 . 1 5 1, de 1 7 - 1 - 1 9 5 1, art. 3 5 4, § lQ) , p osto que não b asta o simples apossamento de correspondência alheia, exigindo-se sua sonegação ou d estruição. O crime é d e forma vinculada alternativa quando o tipo prevê mais d e u m núcleo, e mp regando a disjuntiva 'ou', como acontece nos arts. 1 5 0, capu t, 1 6 0, 1 6 1 , 1 64 etc." 1 47 1 0 . 4 5 . C r i m e s de e n s a i o o u de e x p e r i ê n c i a ( f l a g ra n te p re p a r a d o o u provocado) N élson H ungria atribui a denominação crimes d e ensaio o u de experiên cia às hip óteses do chamado flagrante p reparado ou provo cado quando alguém provoca, estimula o agente a p raticar a infração penal e, simultaneamente, toma todas as providências necessárias para prendê-lo em flagrante delito. Afirma N éls on Hungria: "Somente na aparência é que o corre um crime exteriormente perfeito. Na realidade, o seu autor é apenas o protagonista inconsciente de uma comédia. O elemento subj etivo do crime existe, é certo, em toda a sua plenitude; mas, sob o aspecto obj etivo, não h á violação da lei penal, senão uma inciente cooperação para a ardilosa averiguação da autoria de crimes anteriores, ou uma simulação, embora ignorada do agente, da exterioridade de um crime. O desprevenido sujeito a tivo opera dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a vigilância da autoridade policial ou do suposto paciente torna impraticável a real consumação do crime. Um crime que, além de astuciosamente s ugerido e ensejado ao agente, tem suas consequências frustradas por m edidas tomadas de antemão, não passa de u m crime i maginário. Não h á lesão, nem efetiva exposição a perigo de qualquer i nteresse público ou privado." 148 1 0.46. C r i mes remetidos D iz-se remetido o crime quando o t i p o penal remete o intérprete a outra figura típica, para que ele possa ser entendido e aplicado, como aco ntece, por exemplo, n a hipótese prevista pelo art. 304 do C ódigo Penal, que diz: Art. 3 04 . Faze r uso de qualquer dos papéis fals ificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 3 0 2 : Pena - a cominada à falsificação o u à alteração. J ESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 1 87. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t. l i , p. 1 05-106. 123 VOLUME l i ROGÉRIO G RECO O art. 3 0 4 d o Código Penal, po rtanto, nos remete a outra infração penal, a fim de que ele possa ser compreendido, não sendo, assim, autoss ufi ciente sua redação. O crime pode ser considerado como primariamente remetido na h ipótese da chamada norma penal e m b ranco, n a qual a remessa é levada a efeito no p receito primário do ti po penal incriminador, como ocorre no citado art. 3 0 4 do diploma repressivo. Também pod erá ser entendido como secundariamente remetido quando a remessa disser respeito ao prece ito secundário da norma penal, como é o caso, por exemplo, das normas penais incompletas ou imperfeitas, a exemplo do transcrito art. 3 0 4 d o Código Penal, que diz ser a pena aquela cominada à falsificação ou à alteração. 1 0 . 4 7 . C r i m e s a b e r r a n te s D enominam-se crimes a berran tes a s três h ipótes es nas quais pode s e r levado a efeito o raciocínio correspondente às aberratio, vale dizer: aberratio ictus, aberratio criminis e, ainda, a berratio causae. As duas primeiras encontram p revisão no Código Penal, sendo a última delas definida pela doutrina. A aberra tio ictus, que quer dizer d esvio no golpe ou aberração no ataque, veio prevista no art. 73 do C ó d igo Penal que, sob a rubrica do e rro na execução, diz: Art. 7 3 . Quando por acidente o u erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a p essoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime co ntra aquela, atendendo­ -se ao disposto no § 3 º d o art. 20 deste Código. N o caso d e ser também atingida a pessoa que o agente pretendia o fender, aplica-se a regra do art. 70 deste C ódigo. A aberratio crim inis ou a berratio delicti encontra guarida no art. 74 do Código Penal que, discorrendo sobre o resultado diverso do p retendido, determinou : Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, s ob revé m resultado d iverso do pretendido, o agente responde p o r culpa, se o fato é previsto c o m o c r i m e culposo; s e ocorre também o resultado p retendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. 124 I NTRODUÇÃO À TEORIA G ERAL DA PARTE ESPECIAL CAPÍTULO 1 A últimahipótese dos crimes ab errante s d i z respeito à chamadaaberratíoca usae, podendo-se concluir, por m ei o dela, que o resultado pretendido inicialmente pelo agente pode ter advindo d e uma causa que p o r ele não h avia sido cogitada, a exemplo daquele que, após e fetuar vários disparos contra a vítima, acreditando que esta já havia morrido, j o ga o seu corpo e m um rio, oportunidade em que vem, realmente, a morrer por afogamento, e não em virtude dos disparos s ofri dos. A vítima, como se p ercebe, segundo a concepção do agente, devia ter m o rrido em razão dos ferime ntos causados pelos d i sparos, e não por afogamento, sendo este últi m o considerado, pois, como resultado aberrante. 1 0. 48. C r i mes i ntern a c i o n a i s S ã o aqueles que dizem respeito à violação d e uma norma penal internacional p revista e m tratado o u convenção i nternacional, suj eita à j u risdição do Tribunal Penal I nternacional. A E menda nQ 45, d e 8 de dezembro de 2 0 04, acrescentou os §§ 3Q e 4Q ao art. S Q da Constitu ição Federal, assim redigidos, verbis: § 3Q Os tratados e convenções i nternacionais sobre dire itos humanos que forem aprovados, em cada Casa do C ongresso Naci o nal, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às e m endas constitucionais. § 4Q O B rasil se submete à j urisdição de Tribunal Penal Internacional a cuj a criação tenha manifestado adesão. 1 0 . 4 9 . C r i me s e m e r g e n t e s São reconhecidos c o m o crimes emergentes aqueles que são fruto de uma sociedade considerada como pós-moderna, a exemplo dos delitos cibernéticos, os crimes ambientais, novas modalidades de extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas, de armas e de pess oas, lavagem de dinheiro, terro rismo, crime organizado etc. São delitos que vão s urgindo à medida que a s o ciedade vai s e "des envolvendo", criando novas reali dades, l evando, muitas vezes, o seu combate e m nível i nternacional. 1 0 . 5 0 . C r i m e s c o n d i c i o n a d o s e c r i m e s i n c o n d i c i o n ad o s A maioria d o s crimes n ã o exige qualquer condição externa para q u e possam se configurar, razão pela qual são reconhecidos como crimes incondicionados, a exemplo do que ocorre com o homicídio. Existem outras infrações pe nais, contudo, que exigem a realização d e uma condição externa para restem 125 ROGÉRIO G RECO VOLUME li caracterizadas, razão p el a qual são reconhecidos como crimes condicionados, como é o caso, segundo as lições d e André Estefam, dos "crimes fal i me ntares o u fal itários, cuja punibilidade depende da superveniência da sentença que decreta a falência, concede a recuperação j u dicial o u concede a recuperação extraj udicial (art. 180 da Lei n" 1 1 . 1 0 1 / 0 5 ) . São também crimes condici o nados aqueles p revistos n o art. 7", I I, do C P (casos de extraterrito rialidade condicionada da lei penal brasileira) ". 149 1 0 . 5 1 . C r i m e s de t râ n s i t o São todos aqueles praticados na direção de veículo automotor, em que terão i n c idência os tipos penais p revistos n o Código de Trânsito Brasileiro (Lei n" 9 . 5 0 3 / 9 7) , a exemplo do que ocorre com o s arts. 3 0 2 e 3 0 3 do aludido diploma l egal, que preveem, respectivamente, o homicídio culposo e a lesão corp o ral culposa, praticados na direção de veículo auto motor. Caso o veículo automotor, por exemplo, seja utilizado como instrumento p ara a p rática d e crime d e h om i cídio doloso o u m esmo de uma lesão corporal também dolosa, não estaremos d iante d e u m verdadeiro crime de trânsito, mas, s i m, d e infrações penais tipifi cadas no C ó digo Penal. STEFAM, André. Direito penal - Parte geral, v . 1 , p . 1 02. 126 C A P ÍTU LO 2 I N T RO D U Çà O A O S C R I M E S C O N T RA A P E S S O A 1. INTRODUÇÃO Ao i niciarmos o estudo da Parte Esp ecial do C ó digo Penal, podemos p erceber a preocupação do legislador no que diz respeito à proteção de diversos bens j u rídicos. São 1 1 os títulos existentes que traduzem os bens que foram obj eto de tutela pela lei penal, títulos esses que, por sua vez, fo ram subdivididos em cap ítulos, individualizando, ainda mais, os bens j u ridicamente protegidos pelos tipos penais incriminadores. N o Título I, cuidou o Código Penal dos crimes co ntra a pessoa; no Título II, dos crimes co ntra o patrimônio; no Títu l o I I I , dos crimes contra a propriedade imaterial; n o Título IV, dos crimes co ntra a organização do trabalho; no Título V, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos m o rtos; no Título VI, dos crimes contra a dignidade sexual 1 ; no Título VII, dos crimes contra a família; no Título V I I I, dos crimes contra a incolumidade púb lica; no Título IX, dos crimes contra a p az pública; no Título X, dos crimes contra a fé públ i ca; e, fi nalmente, no Título XI, dos crimes c ontra a Administração Pública. A fi nalidade com este trabalho é tentar, ao máximo possível, trazer ao conhecimento do público as questões mais dis cutidas e co ntrovertidas con cernentes a cada tipo penal. A meta é dissecar cada infração penal, apontando todos seus elementos. M erece ser destacado, por oportuno, que a Parte Especial do Código P enal ( Decreto-Lei nu 2 . 848, de 7 de dezembro de 1 9 40) foi publicada no D iá rio Oficial da União em 3 1 de dezembro de 1 940, j á tendo se passado, p o rtanto, mais d e seis décadas desde então, motivo s ufi ciente para que seja estudada com olhos críticos, visto que a sociedade, decorridos aproximadamente sessenta anos, mudou radicalmente. Bens que, n o passado, eram tidos como de extrema i mp o rtância, h oj e já perderam o seu val o r, razão pela qual ressaltamos a importância da análise dos princípios penais fundamentais, que terão por A Lei n ° 1 2. 0 1 5 , d e 7 d e agosto d e 2009, alterou o Título V I da Parte Especial d o Código Penal , que antes previa os crimes contra os costumes, passando a dispor sobre os crimes contra a dignidade sexual. 127 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I l fi nalidade apo ntar as debilidades daquelas i nfrações penais que j á não s e fazem mais necessárias. Sabemos tam b é m que, e m bo ra sendo datada de 1940, a Parte Es pecial do Código Penal foi sendo, ao l o ngo dos anos, modi ficada por meio de refo rmas po ntuais. N ovos artigos fo ram criados, o utros m odificados, enfim, embora antiga, a P arte Especial do Código Penal sofreu p ro fundas modificações que tiveram o condão de, em algumas s ituações, fornecer-lhe uma aparência j ovial, cuidando d e temas que não mereceram a atenção do legislador o riginal, a exemplo da i nserção do capítulo correspondente aos crimes contra as finanças públicas, i nserido no Título XI, relativo aos crimes contra a Administração Pública, feita pela Lei n" 1 0 . 0 2 8 , de 1 9 de o utubro de 2 0 0 0 ; ou, ainda mais recentemente, a m o d ificação do art. 1 49, p o r intermédio da Lei nº- 1 0 . 8 0 3 , de 1 1 de dezembro d e 2 0 0 3 , que p revê o delito d e redução à condição análoga à de escravo; sem falar n a Lei nº- 1 0. 886, d e 17 d e junho d e 2 0 04, que criou o delito de violência dom éstica, inserindo dois parágrafos (9º- e 1 0º-) ao a rt. 1 2 9 do C ó digo P e nal; além das modificações feitas pela Lei nº- 1 1 . 3 40, de 7 de agosto de 2 0 0 6, que criou mecanismos p ara coibir a violência d om éstica e familiar contra a mulher; pela Lei nº- 1 1 .464, d e 28 d e março de 2 0 0 7 , que deu n ova redação ao art. 2º- da Lei nº- 8 . 0 7 2 /9 0 ; pela Lei nº- 1 1 .4 6 6, d e 28 d e março de 2 0 0 7 , que alterou a Lei de Execução Penal, bem como inseriu o art. 3 1 9 -A no Có digo Penal e pela Lei n" 1 2 . 0 1 5 , de 7 d e agosto de 2 0 09, que modificou o Títul o VI do C ódigo Penal, fazendo menção, agora, aos chamados crimes contra a dignidade sexual etc. O p roj eto original que culminou com o Código P enal de 1940 foi elaborado, inicialmente, pelo D r. Alcântara M achado, professor da Faculdade de D ireito de São Paulo, tendo sido entregue ao Governo Federal em 1 9 3 8 . O M inistro da Justi ça, Dr. Francisco Campos, ao receber o aludido proj eto, entendeu por bem submetê­ -lo a revisão, assim se manifestando e m sua Exposição de M otivos, item 1 : 1 . A matéria i m punha, entretanto, pela sua delicadeza e p o r suas notórias dificuldades, um exame demorado e m i nucioso. Sem desmerecer o valor do trabalho de que se desincumbi ra o P rofessor Alcântara Machado, j ulguei de bom aviso submeter o p roj eto a uma demorada rev1sao, convocando para isso técnicos, que se h ouvessem d istinguido não somente na teoria do delito, como tam b é m na p rática da aplicação da l e i penal. Assim, co nstituí a Comissão revisora com os ilustres magistrados Vieira B raga, N élson H ungria e N a rcélio de Queiroz e com um ilustre representante do M i ni stério Público, o D r. Roberto Lira. D urante mais de um ano a C o missão dedicou-se quotidianamente ao trabalho de revisão, cuj os primeiros 128 l NTRODUÇÃO AOS CRJM ES CONTRA A P ESSOA CAPÍTULO 2 resultados co muniquei ao eminente Dr. Alcântara Machado, que, diante deles, remodelou seu proj eto, dando-lhe uma nova edição. Não se achava, po rém, ainda, acabado o trabalho de revisão. Prosseguiram com a minha assistência e colaboração até que me parecesse o projeto em condições de ser submetido à apreciação de Vossa Excelência. Dos trabalhos da Comissão revisora resultou este proj eto. Emb ora da revisão houvessem advindo modificações à estrutura e ao plano sistemático, não h á dúvida que o projeto Alcântara M achado representou, em relação aos anteriores, um grande passo no sentido da reforma da nossa legislação penal. Cumpre-me deixar aqui consignado o nosso louvor à obra do eminente patrício, cuj o valioso subsídio ao atual projeto, nem eu, nem os ilustres membros da Comissão revisora deixamos de reconhecer. O importante, n este m o m e nto, é buscar reinterpretar os tipos penais da Parte Especial do C ó digo Penal que foram recepcionados pelo texto de nossa Lei Maior, permitindo, com isso, uma visão garantista, protetora dos direitos de liberdade de to dos os cidadãos, merecendo sempre ser lembrada a máxima de von Liszt quando dizia ser o Código a "Carta M agna do delinquente". Interpretar os tipos penais incriminadores requer, portanto, uma visão libertária, entendendo-se o tipo penal como garantia, e não como carrasco do cidadão. M erece ser d estacado o fato d e que, ao longo de todos esses anos de vigência da Parte E special do C ó digo Penal, várias modificações foram sendo realizadas, como dissemos, por meio de reformas p o n tuais. Percebeu-se, a exemplo daquilo que aconteceu com o Código Civil, h oj e e m vigor, e com o proj eto de Código de Processo Penal, que ainda se encontra "guardado" no Congresso Nacional por algum parlamentar, que introduzir no ordenamento j urídico um novo Código seria missão quase i mpossível, uma vez q ue, dada a sua particularidade, ou seja, ao fato de possuir centenas de artigos, caso um congressista não viesse a concordar com a redação de tão some nte u m deles, p ediria vista para sua análise e, consequ entemente, comprom eteria a discussão de todo o p roj eto. O recurso às reformas p o ntuais, p ortanto, foi visto como uma alternativa que teria o condão de atualizar a legislação e m vigor, i nserindo novos tipos penais, ou mesmo retirando aqueles que fugissem à nossa realidade. A Parte Especial do Código Penal está dividida em títulos, capítulos e seções, ordenados s istematicamente, l evando e m consideração o bem j uridicamente p rotegido. Sérgio de Ol iveira M édici, dissertando s ob re o tema, preleciona: 129 VOLUME l l RoG ÉRJO G REco "Quando se adota como critério de classificação o b e m j urídico, deve-se entender n o sentido de q u e m e s m o q u e a s características d e concreção próprias da parte especial afetam em primeiro l ugar a a ntij uridicidade tipificada, esta é que h á de servir d e base para a formação d o s grupos e subgrupos. O be m j urídico adquire i mportância como critério regente enquanto constitui a essência da antij uridicidade, porém não é u m módulo exclusivo. O obj eto s ob re o qual recai a conduta, o m e i o emp regado para cometer o delito e todas as demais m o dalidades do tipo que transcendem a antij uridicidade da conduta aqui também i n fluem. N a realidade, nenhuma classifi cação das que p artem do b em j u rídico deixa de levar em conta as aludidas m odalidades. P o r si só, o bem j urídico é insuficiente para uma classificação exaustiva, pois existem numerosos delitos que apresentam o mesmo obj eto de ataque, por exemplo furto e roubo (a propriedade representada p elas coisa móveis), o h o m i cídio, o i nfanticídio (vida h u mana) . A p arte especial de um C ó d igo Penal não pode, p o rtanto, apresentar uma sequência desordenada de normas incriminadoras. Os tipos d evem ser nela dispostos de acordo com u m critério l ógico e que propicie a melhor adequação legislativa aos interesses da sociedade".2 Foi somente a partir do C ó digo Penal de 1 9 4 0 que a Parte E special teve início com os chamados Crimes contra a Pess oa, ressaltando-se, dessa fo rma, sua i mportância. Os C ó d igos que o a ntecederam, vale dizer, o Código Criminal do I mp é rio do B rasil ( 1 8 3 0) e o primeiro C ódigo Penal p ublicado durante o período republicano, denom inado C ó digo Penal dos Estados Unidos do Brasil ( 1 8 9 0 ) , iniciavam sua Parte Especial com os crimes co ntra a existência p olítica do I mp é ri o e os crimes contra a existência política da Repúb lica, demonstrando, com isso, a preponderância do Estado sobre o cidadão. O Código Penal de 1 9 40 rompeu com essa regra, iniciando sua P arte Especial com o Título I, relativo aos Crimes co ntra a Pessoa, que é comp osto pelos seguintes capítulos e seções: Capítul o I - Dos Crimes contra a Vida; Capítul o I I - D a s Lesões C o rporais; Capítu l o I I I - Da Periclitação da Vida e da Saúde; Capítul o IV - D a Rixa; Capítulo V - Dos Crimes contra a H o n ra; Capítulo VI - Dos Crimes co ntra a Liberdade I n dividual: Seção I - Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal; Seção II Dos Crimes contra a I nviolab i l i dade do D o m icílio; Seção III Dos Crimes contra a Inviolabilidade de C o rrespondência; Seção I V - D o s Crimes contra a Inviolabilidade dos S egredos. - N os próximos capítulos, faremos a análise pormenorizada dos crimes contra a pessoa. M É D I C I , Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais, p . 1 52-1 53. 1 30 C A P ÍT U LO 3 H OMI C Í D IO H o micídio s i mples Art. 1 2 1 . M atar algu é m : P e n a - reclusão, de 6 (seis) a 2 O (vinte) anos. Caso de diminuição d e pena § 1 " Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a inj usta provocação da vítima, o j uiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. H o m icíd io qual ificad o § 2" Se o h o micídio é cometido : 1 - mediante paga ou promessa de re compensa, ou p o r outro motivo torpe; II - por motivo fútil; I I I - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou d e que possa resultar perigo comum; IV à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do o fendido; - V - para assegurar a execução, a o cultação, a impunidade ou vantagem de outro crime : Pena - reclusão, de 1 2 (doze) a 3 0 (trinta) anos. H o micídio culpo so § 3° Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Aume nto de pena § 4" N o homicídio culposo, a pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) , se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à 131 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 vítima, não procura d i minuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. § 5u N a hipótese d e homicídio culposo, o juiz poderá deixar d e aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de fo rma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. § 6º A pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio (incluído pela Lei nª 1 2. 720, de 27 de setembro de 2012). 1. O P R I M E I R O H O M I C ÍD I O D e todas a s infrações penais, o homicídio é aquela que, efetivamente, desperta mais i nteresse. O homicídio reúne uma mistura de sentimentos ódio, ranco r, invej a, paixão etc. - que o torna um crime especial, dife rente dos demais. N ormalme nte, quando não estamos diante de criminosos p ro fissionais, o homicida é autor de u m único crime do qual, normalmente, se arrepende. A Bíblia nos relata a h istória do primeiro homicídio, cometido por Caim co ntra seu irmão Abel, em Gênesis, Capítulo 4, versículo 8 . Caim agiu impelido por u m sentime nto de i nveja, pois D eus havia se agradado da o ferta trazida pelo seu irmão Abel e rej eitado a dele. Dessa fo rma, Caim chamou Abel para com ele ir ao campo e, lá, o matou. Pelo fato de ter causado a morte de seu irmão, Deus puniu Caim amaldiçoando-o, fazendo com que passasse a ser um fugitivo e errante pela Terra. Caim, prevendo que ta mbém seri a mo rto como vingança pelo crime por ele praticado, disse a D eus, em Gênesis 4, versículos 1 3 a 1 6 : " É tamanh o o meu castigo, que j á não posso suportá-lo. Eis que hoje m e lanças da face da Terra, e da tua presença h ei de esconder-me; s e rei fugitivo e errante pela Terra; quem comigo se encontrar m e matará. O S E N H O R, porém, lhe disse: Assim qualquer que matar Caim será vingado sete vezes. E pôs o S E N H O R um sinal em Caim para que o não fe risse de morte quem quer que o enco ntrasse. Retirou-se Caim da presença do S E N H O R e habitou na terra de N ode, ao oriente do É den." Como regra, no instante imediatamente segui nte ao do crime p raticado, o homicida percebe as consequências de seu ato. É tomado, então, por um sentimento de medo, incerteza, i nsegurança, fragilidade ... A partir daquele in stante, ele se tornará um fugitivo de s i mesmo. 1 32 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 A Bíblia ainda faz a distinção entre o h o m icídio doloso e aquele p raticado culposamente. Para este último, foram criadas as cidades de refúgio, de stinadas a aco lhe r o agente que, d e maneira culposa, causou a mo rte de alguém, a fim de não ser morto, também, pelo vingador d e sangue. Aquele que passasse a viver nessas cidades de refúgio estaria a salvo da vingança privada. Se, entretanto, o h o micídio fosse d o loso, não i mportando o lugar onde estivesse o agente, ele seria entregue nas mãos do mencionado vingador para que morresse. 1 Há, também, criminosos frios, que se ntem p razer ao ver o s o frimento da víti ma, que p raticam atro cidades inomináveis, como temos presenciado nos meios de comunicação. Val o res são deixados de lado, para darem lugar a sentimentos desprezíveis. Filhos causando a morte de seus pais, com a fi nalidade de h e rdar-lhes os b ens, maridos matando suas esposas para fi carem com suas amantes, enfim, o delito de h o m i cídio, dentre todas as i nfra ções penais, é aquele que requer estudo mais detalhado, dada a sua complexidade. 2. H O M I C ÍD I O S I M P L E S , P R I V I L E G I A D O E Q U A L I F I C A D O O homicídio simp les, previsto n o capu t d o art. 1 2 1 d o Código Penal, cuja pena de reclusão varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, possui a redação mais compacta de todos os tipos penais incriminadores, que diz: matar alguém. É composto, portanto, pelo n úcleo matar e pelo elemento obj etivo alguém. Matar tem o significado de tirar a vida; alguém, a seu turno, diz respeito ao ser vivo, nascido de mulher. Somente o ser humano vivo pode ser vítima do delito de homicídio. Assim, o ato de matar alguém tem o sentido de ocisão da vida de um homem por outro homem. D essa fo rma, podemos i d entificar, com clareza, nesse tipo penal, o núcleo do tipo, o sujeito ativo, o suj eito passivo, o obj eto material, b em como o bem j u ri d icam ente p rotegido. O § 1u do art. 1 2 1 do Código Penal p revê o chamado h omicídio privilegiado. Na verdade, a expressão hom icídio privilegiado, embora largamente utilizada pela doutrina e pela j u risprudência, nada mais é do que uma ca usa especial de redução de pena, tendo influência no terceiro momento da sua aplicação. Para que pudesse, efetivam ente, usufruir o status de p rivilegiado, as penas mínima e máxima p revistas n o mencionado parágrafo deveriam ser menores do que as do cap u t. Como isso não acontece, existe ali, tão somente, uma minorante, ou seja, uma causa de redução de pena, tal como informa a sua rubrica, cuj os elementos serão vistos em tópico próprio. Localizado após as causas d e diminuição de pena encontra-se o h o micídio qualificado, cominando uma pena de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, para aquele que causar a morte de algué m : 1 mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II por motivo fútil; I I I com - - - B Í BLIA SAGRADA. A. T. Deuteronômio 1 9 : 1 - 1 3 . 133 VOLUME l i ROG É RIO G RECO e mp rego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, to rtura o u outro meio insidioso o u cruel, ou de q u e possa resultar p e rigo comum; IV à traição, d e embo scada, ou mediante dissimulação ou o utro recurso que dificulte o u torne imposs ível a defesa do ofendido; V para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Sendo qualificado o h omicídio, deverá o j u lgador, após concluir que o fato praticado pelo agente era típico, ilícito e culpável, levando e m consideração o critério trifásico do art. 6 8 do Código Penal, fixar a pena­ -base nos limites nele p revistos. Cada uma das qualificadoras também m erecerá análise individualizada mais a diante. - - 3. C LA S S I F I CA Ç Ã O D O U T R I N Á R I A Crime comum, tanto n o que diz respeito ao sujeito ativo, quanto a o sujeito passivo; simples; de forma l ivre (como regra, pois existem m odalidades qualifi cadas que indicam o s meios e modos para a p rática do delito, como oco rre nas hipóteses dos i ncisos I I I e IV) , podendo ser cometido dolosa ou culposamente, comiss iva ou omissivamente (nos casos de om issão i m p rópria, quando o agente possuir sta tus de garantidor) ; de dano; material; instantâneo d e e fe itos p ermanentes; não trans eunte; monos subj etivo; plurissubsistente; podendo figurar, também, a hip ótese de crime de ímpeto (como no caso da viol enta emoção, logo e m seguida à inj usta p rovocação da vítima). 4. S U J E I T O ATIVO E S U J E IT O P A S S I V O Sujeito a tivo do delito d e homicídio pode s e r qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito comum, uma vez que o tipo penal não delimita sua prática por determinado grupo de pess oas que possua alguma qualidade especial. Sujeito passivo, da mesma fo rma, também pode ser qualquer pess oa, em face da ausência de qualquer especificidade constante do tipo penal. É, portanto, o ser vivo, nascido d e mulher. O importante é que o matar alguém seja entendido como a morte de um homem, produzida por outro homem, afastando-se, portanto, por absurdo e atípico, o folclore que se escuta no meio forense de casos em que j á h ouve denúncia em face de alguém que provocou a morte de uma vaca, um cacho rro etc. Também s o me nte h ave rá homicídio se, ao tempo da ação ou da omis são, a vítima se encontrava com vida, pois, caso co ntrário, estaremos diante da h i pótese d e crime impossível, em razão da absol uta impropriedade do obj eto. S ituação que merece análise mais apro fundada, mesmo que incomum, é a do hom icídio p raticado p o r xifópagos, ou irmãos siameses. Se ambos, de comum acordo, resolverem matar alguém, serão condenados pelo delito de h omicídio, se não houver qualquer causa que exclua a ilicitude ou afaste a culpabilidade, devendo, po rtanto, se for o caso, cumprir as penas a eles aplicadas. 134 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 A partir do momento do i n ício do cumprimento da pe na, ou no caso em que não agiam unidos pelo vínculo p si co lógico, na h ipótese em que um deles não queria causar a morte da víti m a, o raciocínio s e torna mais interessante, mesmo que tão s o mente acadêmico, pois, até o momento, nunca ouvimos falar de "xifópagos hom icidas". C o ntudo, as soluções seriam as seguintes: como os irmãos siameses possuem, cada qual, sua personalidade d istinta da do outro, no momento de fixação da p ena, l evando em consideração, principalmente, o art. 59 do Código Penal, podem receber, ao final do cálculo relativo ao critério trifásico previsto pelo art. 6 8 do Código Penal, penas diferentes, sendo um deles, por exemplo, punido mais s everamente do que o o utro. O que fazer na h ipótese, quase que inimaginável, d e u m dos irmãos siameses j á ter conquistado o tempo para que possa ser colocado em liberdade, enquanto o outro, não? N esse caso, sendo impossível a sep aração cirúrgi ca, a m b os devem ser colocados em liberdade, sob pena d e se tornar ilegal a prisão daquele que havia alcançado esse direito. C o m o segunda h i p ótese, colocamos o caso de homicídio praticado por um dos xifó pagos, sem que tenha havi do o acordo de vontade do outro, o u seja, sem que se possa falar e m concurso d e pessoas. N esse caso, como professa Bento d e Faria, "a decisão deve ser proferida em favor da liberdade,"2 razão pela qual o irmão siamês que não desejava o resultado m o rte não p o derá ser punido, reflexamente, em virtud e do comportamento do outro irmão, sendo que a solução será a impunidade do fato. Podem os siameses, contudo, ser vítimas, também, do delito de homicídio. Se o agente queria a mo rte de ambos, a questão é relativamente s imples, devendo responder por dois crimes d e h o micídio, em concurso formal i mpróprio, uma vez que, p o r exemplo, ao atirar contra os xifópagos, agia com desígnios autônomos, almej ando a mo rte de ambos, d evendo, outrossim, de acordo com a parte final do art. 7 0 do Código Penal, ser aplicadas cumulativamente as penas. O que fazer, e ntretanto, na h i pótese e m que o agente era, por exemplo, amigo de A e inimigo de B, e queria tão some nte causar a morte deste último, m esmo sabendo que e ram siameses i nsep aráveis cirurgicamente? Hungria, com o auxílio de Manzini, responde a essa i ndagação dizendo: " N o caso dos in divíduos duplos ou xifópagos, ter-se-á sempre um duplo homicídio doloso, ainda que a ação imediata do criminoso tenha atingido u m só dos seres unidos. É o que observa Manzi n i : 'se o c ri minoso queria matar ambos os irmãos siam eses, é claro que responde por dois h o micídios dolosos, em concurso material; se sua ação era determinada pelo propósito de matar um só, implicava, por necessidade FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado, p . 8. 135 RoG É RJO G REco VOLUME l i lógica e bioló gica, a vontade de matar ambos, de vez que a mo rte de um d etermina, n o rmalmente, também a morte do outro, e, assim, q uanto a esta, subsiste o dolo eventual'. No caso excepcio nalíssimo, em que uma pro nta e e fi caz i ntervenção cirú rgica logre salvar a vida de um deles, o réu responderá por h o micídio consumado e tentativa de homicídio.''3 Ousamos discordar, perm issa ven ia, somente da conclusão relativa ao elemento subj etivo do agente que dirige sua conduta co ntra um dos irmãos siameses. Se o resultado com relação a ambos seria certo, mesmo que o agente quisesse a mo rte somente de um deles, atuaria com dolo direto de primeiro grau com relação à vítima cuja morte queria causar, e dolo direto de segundo grau com relação ao siamês, cuj o resultado não p retendia inicial mente, mas que, e m razã o da s ituação, seria certo de acontecer, visto que são inseparáveis. Se, por u m milagre, o irmão siamês so b reviver, agora s im, inevitavelmente, deverá responder pelo homicídio consumado, em concurso com a tentativa de h omicídio, uma vez que, tratando-se d e dolo eventual, não admiti mos tal possibilidade. D essa forma, será tão s o mente admitida a tentativa nas hi póteses de dolo direto, sendo ele de pri m e i ro o u segundo grau, não s e admitindo tal possibilidade quando o dolo for eventual, conforme j á discorremos no estudo correspondente à Parte G eral do C ó d igo Penal, para onde remetemos o leitor. A Lei de S egurança Naci onal (Lei nu 7 . 1 7 0 / 8 3 ) especializou o h omicídio no que diz respeito ao seu suj e ito pas sivo, cominando pena de reclusão, de 1 5 (quinze) a 3 0 (trinta) a n o s, n a s hip óteses de s er em vítimas de h omicídio o Presidente da Repúbl i ca, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da C âmara dos D e putados ou o do Supremo Tri bunal Fed eral, conforme se verifica da l e itura d e seu art. 2 9 . 5 . O B J ET O M A T E R I A L E B E M J U R I D I CA M E N T E P R OT E G I D O Objeto m a terial do delito é a pessoa contra a qual recai a conduta p raticada pelo agente. Bem juridicam e n te pro tegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pess oa, haja vi sta que o delito de h o m i cídio encontra-se inserido no capítulo corresp ondente aos crimes co ntra a vida, no Título 1 do C ódigo Penal, que prevê os crimes contra a pessoa. O caput do art. 5"- de nossa Co nstituição Federal assevera que todos são ig uais perante a lei, sem distinção de qualquer n atu reza, garan tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residen tes no País a inviolabilidade do direito à vida [ ... ] . Embora a Lei Maior nos tenha assegurado esse di reito, a vida pode ser considerada como um direito absoluto do cidadão? A resposta a essa indagação só pode ser negativa. Isso porque, mesmo sendo o mais importante de to dos, o direito à vida não é absoluto, 3 H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p . 37. 136 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 pois a Constituição da República, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena de morte, nos casos de guerra d eclarada, nos termos do seu art. 84, XIX. Se não bastasse, ainda existem e m favor do agente que elimina a vida de seu semelhante as causas de j ustifi cação, a exemplo do estado de necessidade e da l egítima d efesa, como ainda algumas dirimentes, como aco ntece nas h i póteses em que era i nexigível um outro comportamento do agente. I ndependentemen te das exceções que têm p o r finalidade j u stificar a regra, a p roteção da vida, p o r intermédio do a rt. 1 2 1 do Código Penal, começa a p artir do início do p arto, encerrando-se com a morte da vítima. I s s o quer dizer que, uma vez i niciado o trabalho d e parto, com a dilatação do colo do útero ou com o rompimento da membrana amnióti ca, sendo o parto n ormal, ou a p artir das incisões das camadas ab dominais, n o parto cesariana, até a morte do ser humano, que ocorre com a morte encefálica, n o s termos do art. 3.u da Lei nº 9 . 4 3 4/97, m e s mo que haja v i d a i ntrauterina, p o d e rá ocorrer o delito em estudo. A prova da vida, p ortanto, é indispensável à caracterização do h omicídio. H ungria afirma: "Somente pode ser suj eito passivo do h o micídio o ser humano com vida. Mas o que é vida? Ou, mais precisamente : como ou quando começa a vida? Dizia Gasper: 'viver é respirar; não ter respirado é não ter vivido'. Formulado assim i rrestritamente, não é exato o conceito, ainda m esmo que se considerasse vida so mente a que se apresenta de modo autônomo, per se stan te, j á inteiramente destacado o feto do útero materno. A respiração é uma prova, ou melhor, a i n falível p rova da vida; mas não é a imp rescindível condição desta, nem a sua única p rova. O neonato apnéico ou asfíxico não deixa de estar vivo pelo fato de não respirar. Mesmo sem respiração, a vida pode manifestar­ -se por outros sinais, como sejam o movimento circulatório, as p ulsações do coração etc. É de n otar-se, além disso, que a própria destruição da vida b iológica do feto, no início do parto (com o rompimento do saco amniótico) , já constitui homicídio, embora eventualmente assuma o título de infan ticídio".4 Como se pode perceber pelas l ições de H ungria, in iciado o parto (normal ou cesárea) , comprovada a vitali dade do nascente, ou seja, aquele que está nascendo, ou do neo nato, isto é, o que acabou d e nascer, já p odemos p e nsar, em termos de crimes co ntra a vida, no delito de h o m i cídio, ou, caso tenha sido p raticado p ela gestante, sob a i n fluência do estado puerperal, n o crime de in fanticídi o . N o que d i z respeito à possibilidade d e ocorrência do delito de h omicídio, ainda h avendo vida i ntrauterina, mesmo depois de já ter sido i niciado o parto, há divergência em nossa doutrina. H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V , p. 37-38. 1 37 VOLUME l i ROGÉRIO G RECO Cezar Roberto B itencourt, com precisão, esclarece: "A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é sufi c iente a vida, sendo i n diferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a si m p l e s d estruição da v ida b iológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio."5 E m s e ntido contrário, N ey M oura Teles afirma que "homicídio é a destruição da vid a humana extrauterina, praticada por outro ser humano''.6 Acreditamos não haver necessidade de vida extra uterina para que se possa falar em homicídio. O início do parto encerra, na verdade, a possibilidade de prática do delito de aborto e dá início ao raciocínio dos crimes de homicídio e infanticídio. D eve ser destacado, por op o rtuno, que a inviab ilidade de o feto permanecer vivo depois do rompimento do cordão umbilical não afasta a ocorrência do delito de homicídio. Assim, suponhamos a h ipótese de feto anencéfalo, cuj a s ob revi da será quase que nenhuma após o rompim ento do cordão umbilical. Se alguém vier a causar a sua morte, mesmo que essa fosse ocorrer poucos m in utos após a conduta do agente, sendo, portanto, u m fato inevitável, ainda assim deverá responder pelo crime d e h o m icídio.7 C om a morte e ncerra-se a proteção pelo art. 1 2 1 do Código Penal. A Lei nº 9 . 4 3 4/ 9 7, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, esp ecificando o m o mento em que se considera extinta a vida, diz e m seu art. 3º: Art. 3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou p artes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de M edicina. 6. E XA M E D E C O R P O D E D E L I T O Tratando-se de crime material, i n fração penal q u e deixa vestígios, o h omicídio, para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 1 5 8 e 1 6 7 d o C ódigo d e Processo Penal, verbis: BITENCOU RT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2, p. 3 1 . TELES, Ney Moura. Direito penal, v. 1 1 , p . 50. Para aqueles que adotam a teoria da imputação objetiva, talvez fosse possível o raciocínio pertinente à vertente relativa ao incremento do risco, fazendo com que o agente não respondesse pela morte do nascente ou neonato a título de homicídio, uma vez que o resultado, com ou sem o seu comportamento, certamente ocorreria. Para mais detalhes, cf. nosso Curso de direito penal - Parte geral. 138 H üMICiDIO CAPÍTULO 3 Art. 1 5 8. Quando a infração deixar vestígios, será indispe nsável o exame de corpo de delito, direto ou i n direto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 1 6 7 . Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a p rova testemunhal p o d erá suprir-lhe a falta. Con forme esclarece Eugênio Pacelli d e Ol ivei ra, "deixando vestígios a infração, a materialidade do del ito e/ou a extensão de suas consequ ências deverão ser obj eto de prova pericial, a ser realizada diretamen te sobre o obj eto material d o crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento i n evitável do vestígio, de modo in direto. O exam e indireto será feito também por meio de peritos, s ó que a partir de informações p restadas por testemunhas o u p e l o exame de do cumentos relativos a o s fatos cuja existência se quiser provar, quando então se exercerá e se obterá apenas u m conhecimento técnico por dedução".8 Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo de delito, seja ele direto, seja indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, nos termos preconizados pelo art. 1 6 7 do Código de Processo Penal. D everão os expertus, po rta nto, confeccionar o necessário laudo pericial com base no exame direto no corpo da vítim a, ou, ainda, por meio de i nfo rmações (documentos, materiais, testemunhos etc.) que lhes façam concluir pela sua mo rte, narrando, precisamente, os motivos pelos quais são levados a acreditar na sua efetiva oco rrência. S omente não havendo possibilidade d e confeccionar o laudo pericial é que a prova testemunhal poderá ser considerada, em substituição a ele.9 Estamos com Cezar Roberto B itencourt quando preleciona: "Uma coisa é afirmarem as testemunhas que viram tais ou quais asp ectos o u vestígios, e outra é os pe ritos concl uírem através da análise realizada pela existência da materialidade do crime. Todos recordam a fatídica perda do saudoso Ulysses Guimarães, em 1 99 2 , com a queda do helicóptero no mar. Aquela si tuação poderia dar l ugar ao exame indireto do corpo de delito ou, dependendo das circunstâncias, ser este suprido pela p rova testemunhal. Se tivessem sido encontrados no fundo do mar vestígios da queda do helicó ptero, com pertences OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal, p . 421 . Quanto ao procedimento de registro civil sem que haja a localização do corpo, a Lei nº 6.01 5/73 prevê, em seu art. 88, a possibilidade de justificação de óbito. 139 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l l d a vítima, destroços com peças d e seu vestuário o u até partes d e seu o rganismo, caberia o exame indireto de corpo de delito, a ser realizado p elos peritos. Contudo, se nada disso fo sse enco ntrado, o exame indireto seria i mpossível, mas poderia ser suprido pela p rova testemunhal, inquirindo-se alguém que tivesse presenciado o e m barque na aeronave, o sobrevoo do mar com dificuldades de s ustentação e a própria queda no mar; estar-se-ia diante da hip ótese do art. 1 6 7 do C P P." 1º 7. E L E M E N TO S U BJ E T I V O O elemento subj etivo constante do cap u t do art. 1 2 1 do Código Penal é o dolo, ou seja, a vontade l ivre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado a n im us n ecandi ou a n im us occidendi. A conduta do agente, portanto, é dirigida finalisticamente a causar a m o rte de um homem. Admite-se que o d el ito seja cometido a título de dolo direto quando o agente quer, e fetivamente, a produção do resultado mo rte, ou quando assume o ri sco de produzi-lo, atuando, outrossim, com dolo eve ntual. Pode ocorrer, portanto, o h o m i cídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau, como eventual. 8 . M O DA L I D A D E S C O M I S S I V A E O M I S S I VA Pode o delito ser p raticado comissivamente quando o agente dirige sua conduta com o fim de causar a morte da vítima, ou omissivamente, quando de ixa de fazer aquilo a que estava o b rigado em vi rtude da sua qualidade de garantidor (crime omissivo impróprio), conforme preconizado pelo art. 1 3, § 2.u, alíneas a, b, e e, do Código Penal, agindo dolosamente em ambas as situações. Isso significa que o agente pode causar a morte de seu desafeto ati ran do co ntra ele, ou, como no caso da mãe que, na qualidade de garantid o ra de seu filho recém-nascido, almejando a sua morte, não lhe fornece a alimentação necessária à sua s o b revivência. A redação contida no art. 1 2 1 do Cód igo Penal, po rtanto, prevê um comportamento comissivo, que poderá, entretanto, ser praticado v ia o missão, e m virtude da posição d e garante ocupada pelo agente. BITENCOU RT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2, p. 40. 1 40 H OMICÍDIO 9. CAPÍTULO 3 M E I O S D E E X E C U Ç ÃO D e lito de fo rma livre, o homicídio pode ser praticado me diante diversos meios, que podem ser subdivididos em: a) diretos; b) indiretos; e) materiais; d) morais. Podemos citar como exemplos de meios diretos na p rática do h omicídio o disparo de arma de fogo, a esganadura etc.; indiretos, o ataque de animais açulados pelo dono, loucos estimulados; os meios m a teriais podem ser mecânicos, químicos, patológicos; o s meios mora is são, p o r exemplo, o su sto, o medo, a emoção violenta. 1 0. C O N S U M AÇÃO E T E NTATIVA A consumação do delito d e h o m icídio oco rre c o m o resultado m o rte, j á mencio nado, sendo, i n casu, perfeitamente admissível a tentativa, tendo em vista tratar-se d e crime material e plurissubsistente, sendo possível a h ipótese de fracionamento do iter criminis. O agente, portanto, deverá agir com a n im us necandi, dirigindo fi nalisticamente sua conduta no sentido de causar a m o rte da vítima. Apesar da possibilidade de o resultado morte ocorrer até mesmo dias, ou meses após a p rática da conduta l evada a efeito pelo agente, para fins de aplicação da lei penal, consi dera-se p raticado o crime, nos termos do art. 4u do Código Penal, no m o mento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o m o mento do resultado. Entretanto, com o obj etivo de apontar o termo i nicial da prescrição, conforme determina os incisos 1 e II do art. 1 1 1 do C ódigo Penal, levaremos em consideração : I o dia em que o crime se consumou, vale dizer, no caso do delito de homicídio, quando ocorrer, e fetivam ente, a morte da vítima; I I no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa. - - Após o advento da Lei nu 9 . 4 3 4/ 9 7, que dispôs so bre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, adotou­ -se a m orte encefálica como momento d e cessação da vida, devendo, pois, nos termos do art. 3u do mencionado diploma l egal, para efeitos das finalidades por ela previstas, ser constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de re moção e transplante, m e diante a utilização de critérios clínicos e tecno lógicos definidos por resolução do Conselho Federal de M edicina. 141 ROGÉRIO G RECO 11. VOLUME I I H O M I C ÍD I O P R I V I L E G I A D O O § 10· do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal cuida do chamado h om icídio p rivilegiado. N a verdade, como já dissemos, trata-se d e uma causa especial de diminuição de pena, 1 1 aplicada às hipóteses nele p revistas. O mencionado parágrafo cuida d e duas situações distintas. Na sua primeira parte, a minorante s erá aplicada quando o agente comete o crime i mp elido por m o tivo de releva n te valor social ou m ora l. N a segunda parte, j á não se tem que perquirir a relevância so cial o u m o ral que motivou o agente a atuar, causando a morte da vítima. Agora, numa situação disti nta da anterior, age sob o domín io de viole n ta emoção, logo em seg u ida a injusta provocação da vítima. Como se p ercebe, para que se possa erigir em favor do agente a diminuição de pena relativa ao motivo d e relevante val o r social ou moral, não há necessidade que tenha sido injustamente p rovocado pela vítima. São, p ortanto, situações distintas que importam e m redução da pena. Na qualidade de minorante ou causa de diminui ção de pena, deverá ser aplicada a redução d e u m s exto a u m terço no terceiro momento p revisto pelo art. 68 do Código Penal. E mb o ra a lei diga que o j u i z pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do j ulgador, senão direito subjetivo do agente em ver d i mi nuída sua pena, quando seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas s ituações elencadas pelo parágrafo. Luiz Regis Prado, analisando o dispositivo em questão, esclarece: "A redução de pena expressamente consignada no citado dispositivo seria ob rigatória o u meramente facultativa? Trata­ -se de questão assaz conflitiva, cuj a solução não é unitária. Parte da doutrina d ivisa que a dimi nuição da sanção penal imposta é facultativa, j á que a própria Exposição de M otivos (Decreto­ - Le i no. 2 . 848/40) se pronunci ava nesse sentido. De outro lado, defende-se a obrigatoriedade da atenuação da pena, com lastro na soberania do j ú ri, constitucionalmente reconhecida (art. su, XXXVI I I, C F) . Com e feito, sendo o homicídio delito de comp etência do Tribunal d o Júri, ter- se-ia manifesta violação da s ob erani a dos veredictos na hipótese de não realização Interessante a colocação de George Fletcher quando diz: "A percepção refinada de como os homicidas interagem com suas vítimas distingue o homicidio de outros crimes. Em outras áreas da lei penal, onde as vítimas contribuem para o seu próprio prejuízo, resistimos em diminuir a severidade do crime trasferindo para ela parte da culpa. Não há mitigação no furto de veículo se o proprietário descuidadamente deixar as chaves no carro, como tampouco atenua um ataqu e a um turista que estivesse andando à noite pelo parque, e tampouco há mitigação legal do estupro se a vítima desenvolve uma conduta sexualmente provocativa. Ao contrário, cabe uma atenuação do homicídio sobre a base das ações da vítima junto ao homicida" (Las víctimas ante e/ jurado, p. 42-43). No Brasil, no entanto, o comportamento da vítima será levado em consideração no momento da fixação da pena-base, conforme determina o art. 59 do Código Penal, ou, ainda, como circunstância atenuante, a exemplo do que ocorre com o art. 65, I l i , c, do mesmo estatuto repressivo. 142 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 pelo j uiz da atenuação p revista, se reconhecido o privilégio ínsito no § 1"- do art. 1 2 1 . O entendimento mais acertado é o de que a redução é imperativa."1 2 Assim, p rese ntes todos os eleme ntos constantes do § 1-"- do art. 1 2 1 do Código Penal, reconhecida a causa d e diminuição pelo Tribunal do Júri, i m p o rta ao j ulgador tão somente a fixação do q u a n tum da redução, não podendo levar a efeito qualquer j u ízo sobre a possibilidade ou não de sua aplicação. 1 1 . 1 . M o t i vo de re l e v a n t e v a l o r s o c i a l ou m o r a l Os elementos que integram a primeira parte do § 1-"- d o art. 1 2 1 d o Código Penal são os seguintes: motivo de relevante valor social e motivo de relevante valor moral. Como se depreende da leitura da primeira parte do aludido parágrafo, inicialmente, o motivo que i mpeliu o agente a p raticar o homicídio deve ser releva n te. O primeiro raci ocínio a ser feito, portanto, diz respeito à comprovação da relevância. Caso não seja rel evante, isto é, não goze de certa importância, coletiva o u individual, mesmo que tenha val o r s ocial o u m oral, não poderá s ervir como causa de d im inuição d e pena. Relevante valor social é aquele m otivo que atende aos interesses da coletividade. N ão i nteressa tão somente ao agente, mas, sim, ao corpo s ocial. A mo rte de u m traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina, atenderia à coletividade, encaixando-se n o conce ito de val o r social. Podemos traçar um pararelo com a m o rte d e u m político corrupto por um agente revoltado com a situação de impunidade n o p aís, em que o D ireito Penal, de acordo com sua característica de seletividade, escolhe somente a classe mais baixa, miserável, a fim de fazer valer a sua força. Relevan te valor m oral é aquele que, embora importante, é considerado l evando-se e m co nta os i nteresses d o agente. Seria, por assim dizer, um m o tivo ego istica mente considerado, a exemplo do pai que mata o estuprador de sua filha. As hipóteses de euta n ásia também s e amoldam à primeira parte do § 1-"- do art. 1 2 1 do Código Penal. N as p recisas l i ções de Fernando Capez, eutanásia "significa boa morte. É o antônimo de distanásia. Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido, com a fin alidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca­ -se, a pedido do ofendido, u m doloroso p rolongamento de sua existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física. Pode ser praticada mediante um comp ortamento comissivo (eutanásia ativa) ou omissivo (forma passiva)". 1 3 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - Parte especial, v.2, p. 50-51 . CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2, p. 34. 143 ROGÉRIO G RECO VOLUME l i Quando o agente causa a m orte do paciente j á em estado terminal, que não suporta mais as dores impostas pela do ença a qual está acometido, impelido p o r e s s e sentimento de compaixão, deve ser considerado um m otivo de relevante val or m oral, impondo-se a redução ob rigatória da pena. M e rece ressaltar que, e m ambas as h i p ótes es, a dim inuição deve ser aplicada, em decorrência do m enor juízo de censura que recai sobre a conduta do agente que atua amparado por uma d essas motivações. 1 1 . 2 . Sob o d o m í n i o d e v i o l e n t a e m o ç ã o , l o g o em s e g u i d a a i n j u sta p r o v o c a ç ã o d a v ít i m a A segunda p arte d o § 1º- d o art. 1 2 1 d o Código Penal também determina a redução da p ena quando o agente atua sob o dom ín io de violen ta emoção, logo em seg uida a injusta provocação da vítima. São vários, portanto, os elementos que devem se fazer p resentes para que o agente possa ter o d ireito subjetivo de ver diminuída sua pena, a saber: a) sob o domínio; b) violenta emoção; c) logo em seguida; d) inj usta p rovocação da vítima. a) Quando a l e i penal usa a expressão sob o domín io, isso significa que o agente d eve estar completa m e n te dominado pela situação. Caso contrário, se s omente agiu i nfluenciado, a h i pótese não será de redução de pena em virtude d a aplicação da minora nte, mas tão somente de atenuação, em face da existência da circunstância prevista na alínea c do inciso I I I do art. 6 5 do C ódigo Penal (sob a influência de violenta emoção, p ro vocada por a to injusto da vítima) . I sso sign i fica que a i nj usta provo cação levada a efeito pela vítim a fez com que o agente perdesse a sua capacidade de autocontrole, l evando-o a praticar o ato extremo. b) Emoção, na lição d e H ungria, "é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado p o r uma viva excitação do sentim ento. É uma forte e transitória p erturbação da e fetividade, a que estão l igadas certas variações somáticas ou m o d i ficações particulares das funções da vida orgânica (pulsar p recípite do coração, alterações térmicas, aumento da i rrigação cerebral, aceleração do ritmo respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, l ágrimas etc.)". 14 A punição daquele que atua sob o domínio de violen ta emoção compatibiliza com a regra contida no inciso I do art. 28 do Código Penal, que diz não excluir a i mputabilidade penal a emoção ou a p aixão. A mensagem que se depreende do H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v _ V, P- 1 3 1 _ 144 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 mencionado in ciso é a de que a legislação penal não adota a emoção ou a paixão, mesmo que violentas, como causas que conduzem à exclusão da culpabilidade do agente. Nos j ulgamentos realizados pelo Júri, embora não devam ser admitidos os chamados crimes passionais, como os jurados, em geral, se colocam no lugar daquele que praticou a infração penal, absolvem, muitas vezes, o agente de fatos que, de acordo com a lei penal, ensejariam condenações. Daí por que exclamava Roberto Lyra, alertando: "A absolvição dos homicidas passionais, quando são condenados os passionais que apenas ferem ou injuriam, é conselho para o crime máximo''.15 e) A expressão logo em seg u ida denota relação de imediatidade, de proximidade com a p rovocação inj usta a que fo i submetido o agente. Isso não signifi ca, contudo, que logo em seguida não permita qualquer espaço d e tempo. O que a lei busca evitar, com a utilização dessa expressão, é que o agente que, provocado injustamente, possa fi car "ruminando" a sua vingança, sendo, ainda assim, beneficiado com a diminuição da pena. Não elimina, contudo, a hip ótese daquele que, inj ustamente provocado, vai até a sua casa em busca do instrumento do crime, para com ele produzir o homicídio. D evemos entender a expressão logo em seguida utilizando u m critério de razoabi l i dade. Guilherme de Souza N u cci, analisando a expressão em estudo, preleciona: " O aspecto temporal logo em seguida deve ser analisado com critério e obj etividade, constituindo algo imediato, insta n tâ n eo. E m b o ra se admita o decurso de alguns minutos, não se pode estender o conceito para h o ras, quiçá dias. Um maior espaço de tempo e ntre a inj usta p rovocação e a reação do agente deve ser encaixado na hip ótese da atenuante, mas jamais do privilégio." 16 - - d) Finalmente, merece destaque, também, a l o cução injusta provocação. Prima facie, deve mos d istingui r o que vem a ser inj usta p rovo cação, que permite a redução d e p ena, da chamada injusta agressão, que conduzirá ao completo afastamento da infração penal, em virtu de da existência de u ma causa de j ustifi cação, vale dizer, a legíti ma defesa. J á tivemos oportunidade d e salientar, quando do estudo da legítima defesa, que é i mportantíssi ma a disti n ção e ntre agressão inj usta e p rovocação. I sso porque se considerarmos o fato como i nj usta agressão caberá a arguição da legítima defesa, não se podendo cogitar da prática de qualquer infração penal por aquele que se defende nessa condição; caso contrário, se entendermos como uma simples provocação, co ntra ela não pod erá ser al egada a excludente em benefício do agente, e ele terá que responder penalmente pela sua conduta. LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar, p. 99. N UCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p . 387. 145 ROGÉRIO G RECO VOLUM E l i N o escólio d e Assis Toledo, é preciso "não confundir, como se tem feito p o r vezes, 'provocação' não intencional com ' agressão'. E mb ora a agressão possa ser uma p rovocação (um tapa, u m e mpurrão) nem toda p rovocação constitui verdadei ra agressão (pilhérias, desafios, ins ultos) . N esta última h i p ótese é que não se deve supervalorizar a p rovocação p ara p ermitir-se, a despeito dela, a legíti ma d efes a quando o revide do p rovocado ultrapassar o m e s m o n ível e grau d a p ri meira. E m outras palavras: uma p rovo cação verbal p o de ser razoave l m e nte rep e l i da com expressões verbais, não com u m tiro, uma facada ou coisa parecida. Se o p rovocado chega a estes extremos, não h á como n egar ao p rovocador a possibilidade de defesa, com as ressalvas inicialmente feitas". 1 7 N a verdade, o i l ustre M i n i stro, quando faz a distinção entre agressão e provocação, utiliza os critérios da necessidade dos meios e da proporcionalidade da repulsa, os quais são pertinentes quando estamos diante de uma agressão inj usta, n a qual l evamos e m conta, para s e concluir pela necessidade dos meios utilizados, a proporção e ntre a repulsa e a o fensa ao bem protegido. Tais critérios, contudo, segundo entendemos, não resolvem o problema da distinção e ntre agressão e p rovocação. O que para alguns poderá ser considerado mera provocação, para outros terá o cunho de agressão. A distinção é extremamente subj etiva em algumas situações. I maginemos que determinado agente, sensível a qualquer tipo de b rincadeira que atinj a os seus b rios, estej a caminhando em direção à sua residência quando, de repente, percebe que u m de seus vizinhos, sabendo dos seus l i mites, começa a enviar-lhe beijos j o cosos. O agente, não sup ortando aquela situação e entendendo que sua honra estava sendo agredida, vai ao encontro daquele que, segundo o seu entendimento, o atingia m o ralmente e o agride, querendo, com isso, fazer cessar a suposta agressão co ntra a sua h onra. Do exemplo fornecido podem surgir d uas consequências: a) o ato d e e nviar beijos pode ser considerado mera p rovocação e, como tanto, não p ermite ao agente atuar em legítima defesa, servindo, tão somente, como circunstância atenuante (art. 6 5 , I I I , e) , em caso d e ser ele condenado por ter p raticado o delito tipificado no art. 1 2 9 do C ó digo Penal, pois o fato pode ser considerado típico, antij urídico e culpável; b) se consi derarmos que os beijos e nviados ao agente consistiam numa agressão à sua h o n ra subj etiva, terá ele atuado em l egíti ma defesa e, assim, a sua conduta, e m bora típica, não poderá ser considerada ilícita, devendo s e r absolvido por não ter cometido i n fração penal alguma. TOLEDO, Francisco de Assis. Ilicitude penal e causas de sua exclusão, p . 77-78. 146 H OMICÍDIO CAP ÍTU LO 3 Como consequência desse raciocínio, devemos concluir que aquele que provoca alguém sem o i ntuito de agredi-lo pode agir na defesa da sua pessoa, caso o p rovocado parta p ara o ataque, não sendo permitida essa possibilidade àquele que comete inj usta agressão. O próprio Código Penal faz m enção, mesmo que implicitamente, à provocação, distinguindo-a da agressão, a exemp l o dos arts. 59 (comportamento da vítima), 65, I I I, e (sob a influência d e violenta emoção, provocada por ato inj usto da vítima), e 1 2 1, § 1ª (logo em seguida a inj usta p rovocação da víti ma) . Tomemos o exemplo contido n o § 1ª do art. 1 2 1 do Código Penal, que p revê o crime de h o micídio privilegiado. A segunda p arte do § 1 ª diz que s e o agente comete o crime sob o do m ín io de violen ta emoção, logo em seg uida a injusta p rovocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Ora, se o que oco rre é mera causa de redução d e pena, é sinal de que se o agente reage a uma provocação e causa a morte do p rovocador, p ratica uma conduta típica, antij urídica e culpável. Numa de suas brilhantes passagens, dissertando sobre o h o m icídio privilegiado, mais especificamente sobre a inj ustiça da p rovocação, assim se posiciona N é lson H u ngria: "A inj ustiça da p rovocação deve ser apreciada objetivamente, isto é, não segundo a opinião de quem reage, mas segundo a opinião geral, se m se perder de vista, entretanto, a qualidade ou condição das pessoas dos contendores, seu nível de educação, seus legítimos melindres. Uma palavra que pode o fender a um homem d e bem já não terá o mesmo efeito quando dirigida a um desclassificado. Por o utro lado, não j ustifica o estado de ira a h i perestes ia se ntimental dos alfenins e mimosos. Faltará a objetividade da p rovocação, se esta não é suscetível de provo car a indignação de uma pessoa normal e de boa-fé. É bem d e ver que a p rovocação inj usta deve ser tal que co ntra ela não haja necessidade de defesa, pois, de outro modo, se teria de i d enti ficar na reação a legítima defesa, que é causa excludente de crim e". 18 C o ncluindo, somente a agressão i nj usta abre a possibil idade ao agredido de se defender legitimamente nos lim ites l egais, o mesmo não acontecendo com aquele que reage a uma provocação, pois responderá pelo seu dolo, não havendo exclusão da ilicitude de sua conduta. 1 9 Assim, uma vez comprovado que o agente atuou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a inj usta provocação da vítima, deverá o j ulgador reduzir a sua pena d e um sexto a u m terço, percentual que variará de acordo com a maior ou menor intensidade da situação em que estava envolvido, sendo, H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. 1 , t . li, p. 289. 1 G R EGO, Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 378-38 1 . 147 VOLUME 1 1 ROG ÉRIO G RECO portanto, direito subjetivo d o autor d a infração penal ver aplicada a minorante, e não mera faculdade do j uiz, como poderia dar a entender a redação do § 1° do art. 1 2 1 do Código Penal, mesmo p o rque, como j á frisamos, reconhecida a causa de diminuição de pena pelo Tribunal do J ú ri, não poderia o j u lgador, na qualidade de aplicador da pena, d eixar de apreciá-la no terceiro m o mento do critério tri fásico p revisto p el o art. 68 do C ó digo Penal. 1 2. HOMICÍDIO QUALI FICADO O § 2 ° d o art. 1 2 1 d o Cód igo Penal cuidou d o chamado h o micídio qualificado. As qualifi cadoras estão d ivididas e m q uatro grupos em razão dos quais a pena relativa ao crime d e h o m i cídio passa a ser a de reclusão, de 1 2 (doze) a 3 0 (trinta) anos, a saber: a) motivo s; b) meios; c) modos; d) fi ns. As qualifi cadoras que correspondem aos m otivos estão elencadas nos incisos e II do § 2 ° do art. 1 2 1 , val e dizer, a paga ou a promessa de recompensa, ou outro m o tivo torpe, e o m o tivo fú til. 1 No inciso I I I, diz a l e i p e nal que qualifica o h o m icídio o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura o u o utro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, apo ntando, assim, os meios utilizados na p rática da i n fração penal. No inciso IV, o C ó digo Penal arrol o u, a título de quali ficadoras, os m odos como a infração p e nal é cometida, val e dizer, à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que difi culte ou torne i mpossível a defesa do ofendido. Por ú ltimo, no inciso V, o homicídio é q ualificado pelos fins quando for levado a efeito para assegurar a execução, a o cultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime. É importante frisar, nesta oportunidade, que o § 2° d o art. 1 2 1 do Código Penal prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Isso significa que todas as qualifi cadoras devem ser consideradas como circu nstân cias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 3 0 do Código Penal determina: Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições d e caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. 148 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 D essa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a mo rte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao coparticipante, enquanto o o utro poderá, por exemplo, responder pela infração penal com a redução de pena relativa ao § 1 º do mencionado artigo, visto ter agi do impelido por um mo tivo de relevante val o r moral. São precisas as l i ções d e Damásio de Jesus quando aduz: "Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade d o crime, mas s i m afetam a sua gravidade ( q u a n titas delicti) . Podem ser: a) objetivas ( materiais o u reais); b) subj etivas (ou pessoais). Circunstâncias obj etivas são as que s e relacionam com os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, obj eto material e qualidades da vítima. C i rcunstâncias subj etivas (de caráter pessoal) são as que s ó d ize m resp eito à pessoa do p arti cipante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com o utros concorrentes. Observando-se que a partici pação de cada conco rrente adere à conduta e não à pessoa dos outros participantes, devemos estabelecer as seguintes regras quanto às circunstâncias do homi cídio, aplicáveis à coautoria: ia) não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal (de natureza subj etiva); 2ª) a circunstância obj etiva não pode ser considerada no fato do partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento." 2 º E ntendemos que toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos seus parágrafos estaremos sempre d iante dos chamados tipos derivados, e não de delitos autôn omos. Analisaremos, a partir d e agora, cada uma das qualifi cadoras elencadas pelos cinco i ncisos do § 2 º do art. 1 2 1 do Código Penal. JESUS, Damásio E. d e . Direito penal, v . 2, p. 59-60. 149 RoG É RJ O G REco VOLUME I I 1 2 . 1 . M o t i v o s : M e d i a n te p a g a o u p ro m e s s a d e r e c o m pe n s a , o u p o r o u t r o m o t i vo t o r p e ; m o t i vo f ú t i l O inciso 1 do § z u d o art. 1 2 1 do C ó digo Penal prevê a m odalidade qualifi cada do h o micídio cometido m edian te paga o u promessa de recompensa, ou por o u tro motivo torpe. Ab in itio, deve ser ressaltado que a l e i penal, usando o recurso da in terpretação a n a lógica, aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são consideradas motivos torpes. Torpe é o m otivo abj eto que causa repugnância, noj o, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente. Aníbal Bruno, com p recisão, afirma: "Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso ético comum e faz do agente u m ser à pa rte no mundo social­ -j urídico e m que vivemos. Entram nessa categoria, por exemplo, a cobiça, o egoísmo inconsi derado, a depravação dos instintos. Assim, a ambição d e lucro de quem pratica homicídio para receber u m prêmio d e seguro ou apressar a posse de uma h erança, ou eliminar u m coerdeiro, ou fazer desaparecer um credor ino portuno; o propós ito de dar morte ao marido para abrir caminho aos amores com a esposa; o prazer de matar, a libido de sang u in e, dos velhos práticos, essa rara e absurda satisfação que o agente enco ntra na destruição da vida de outrem e que ve m muitas vezes asso ciada a fatos de natureza sexual ou co nstitui expansão do sentimento monstruoso de ódio aos outros homens; o impulso m ó rbido de las cívia que conduz o agente a atos de n e crofilia".2 1 D entre esses motivos abj etos, o C ó d igo Penal apontou, expressamente, a paga e a prom essa de recompensa. A p aga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patr imonial, recebida a n tecipada men te, para que o age nte leve a efeito a empre itada criminosa. Já na promessa de recompensa, como a própria expressão está a demonstrar, o agente não recebe antecipadamente, mas, s im, existe uma promessa de pagamento futuro. Alguns detalhes merecem ser destacados com relação a essa qualificadora. I n icialmente, afi rmamos que a paga e a promessa de re compensa não necessitam possuir natureza patrimonial. Podem até, na verdade, e o que é mais comum, consubstanciar-se em vantagens p atrimoniais, a exemplo do pagamento em dinheiro. Contudo, isso não é indispensável ao reconhecimento da qualificadora, embora parte da doutrina se posicione contrariamente a esse entendimento, como veremos adiante. B R UNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p . 77. 150 H OM ICÍDIO CAPÍTULO 3 Tal ilação faz-se necessana considerando-se uma interpretação s istêmica do Cód igo Penal. Os tipos penais d evem ser analisados de acordo com os seus capítulos e títulos, buscando-se, outrossim, chegar a uma interpretação mais coerente com o sistema no qual está inserido. Assim, as qualificadoras da paga e da promessa de recompensa p ertencem ao delito de homi cídio, que, por sua vez, enco ntra-se inserido no capítul o co rrespondente aos crimes co n tra a vida, ta mbém contid o no Título relativo aos crimes con tra a pessoa. Não há, po rtanto, nenhuma l imitação i nterpretativa a ele correspondente, como acontece com aquela que devemos l evar a efeito quando do estudo do art. 1 5 9 do Código Penal, assim redigi d o : Art. 1 5 9 . Sequestrar pessoa c o m o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate : [ ... ] . Que vantagem seria essa mencionada pelo art. 1 5 9 do Código Penal? Poderia ter qualquer natureza, ou som ente aquela de natureza patrimonial? I nterpretando sistemicamente o mencionado artigo, ve rificamos que ele está inserido no capítulo correspondente aos crimes de roubo e extorsão, que, por sua vez, e ncontram-se no Título I I , concernente aos crimes con tra o p atrim ônio. Aqui, portanto, d e acordo com essa i nterpretação, a va ntagem exigida pelo art. 1 5 9 do Código Penal só pode ser aquela de natureza patrimonial, ao co ntrá rio do art. 1 2 1 , que não l i mita ao patrimônio o seu bem j u ridicamente protegido. E m sentido co ntrário, trazemos à colação as lições de Luiz Regis P rado: "Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição de ordem econômica ou s e o legislador também albergou, no presente dispositivo, a contraprestação sem val or patrimonial. Sustenta-se, p o r um lado, que a qualifi cadora em análise engloba inclusive a re compensa destituída de valor econômico, isto é, considera-se que a expressão 'promessa de recompensa' comporta motivos outros que, embora não econômicos, possam ser equiparados a estes (v.g., promessa de casamento, promessa de obtenção d e cargo político etc.) . Todavia, predomina o en te ndimento segundo o qual a recompensa deve ter, para a co nfiguração da qualificadora, conteúdo econômico. Embora não se negue que motivos não econômicos possam perfeitamente figurar como móvil do delito, não foram estes i n cl u ídos no âmbito da qualificadora. O fu ndamento de maior rep rovabilidade reside na desval oração do motivo, de forma que a admissão de m o tivos não econô micos implicaria a necessidade d e determinação, em cada caso, da especial 151 RoG ÉRJO G REco VOLUME l i reprovabilidade dos mesmos, o que criaria grande i nsegurança j urídica. D everia ser analisado, concretamente, se a promessa de u m cargo público, de matrimônio ou de um favor sexual, por exemplo, configuraria ou não motivos torpes e, por isso, particularmente reprováveis. Por essa razão, acertada a posição dominante que considera que a paga o u a promessa d e recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o j uiz, porém, avaliar o m otivo não econômico quando da fixação da pena-base (art. 59. C P)". 22 Apesar da fo rça do raciocínio anterior, entendemos que tanto a paga quanto a promessa d e recompensa não d evem possuir, necessariamente, natureza patrimonial, d iferenciando-se apenas n o que diz respeito ao m o mento em que são realizadas. A paga deve ser entendida como a entrega antecipada da vantagem para a prática do homicídio; a promessa de recompensa deve ser futura, após a p rática do d e lito extrem o . Não estamos, como já afirmamos, no Título correspondente aos crimes contra o patrimônio, mas, sim, naquele que diz respeito aos crimes co ntra a pessoa. Não podemos, in casu, l i mitar a interpretação, sob pena de fugirmos ao sistema do Cód igo Penal. Ainda com relação à p romessa de recompensa, merece destaque o fato de que o agente responderá por esse delito mesmo que não a receba após o cometimento do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde o início, de cumpri­ -la. Isso porque o que qualifica o h o micídio, nesse inciso 1, é o motivo pelo qual o agente atuou. Se o que determinou sua motivação foi o receb imento de vantagem pro metida, pouco importa se, após o delito, a recebeu ou não. A raiz do homicídio está na motivação, razão pela qual, ainda assim, o delito será qualificado. Outro raciocínio que devemos trazer à tona neste momento é o seguinte : se existiu a paga ou a promessa de recompens a, é si nal de que alguém pagou ou pro m eteu a vantagem para que outra pessoa p raticasse o homicídio. Existem, p ortanto, sempre dois personagens pelo menos: mandante e executor. A indagação que se faz, agora, é a segui nte : D everá o mandante responder, também, pelo h o micídio qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem para que alguém o p raticasse? E ntendemos que não. Isso porque, como j á esclarecemos acima, todas a s q u a lificadoras devem ser consideradas com o circu nstân cias. Aquele que recebe a paga o u ace ita a promessa de recebimento da vantagem para que p ratique o h o micídio o faz p o r u m motivo torpe. Pode ser, inclusive, que o m andante possuísse um motivo de relevante val o r m o ral, que não s e confundirá com aquele que m otivou o executor a cometer o h o micídio. I magine a hipótese na qual um pai d e família, trabalhador, h onesto, cumpridor d e seus deveres, em virtude de sua s ituação econômica ruim, tenha de residir PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 5 1 -52. 152 HOMICÍDIO CAPÍTU LO 3 em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua fil ha, de apenas 1 5 anos de idade, fo i estuprada pelo traficante que dominava aquela região. Quando soube da n otícia, não tendo coragem de, por s i mesmo, causar a m o rte do traficante, contrato u u m j usticeiro, que "executou o serviço''. O mandante, isto é, o pai da menina estuprada, deverá responder pelo del ito de hom icídio simples, ainda com a diminu ição d e pena relativa ao motivo d e rel evante valor m o ral. Já o j usti ceiro, autor do homicídio mercenário, responderá pela modal idade qualificada. O inciso II d o § 2Q do art. 1 2 1 do Código Penal prevê, também, a qualificadora do m o tivo fú til. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comp ortamento do agente seja desproporcional. Segundo H eleno Fragoso, "é aquele que se apresenta, como antecedente psicol ógico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se e m vista a sensibilidade moral média".23 São exemplos clássicos de motivação fútil, apontados pela doutrina, o cliente que mata o garçom por entregar-lhe o troco errado, ou daquele que mata seu devedor que não havia quitado, no tempo prometido, sua dívida de R$ 1,00 (um real). E n fi m, mo tivo fútil é aquele no qual h á um abismo entre a mo tivação e o comportamento extremo l evado a efe ito pelo agente. A doutrina aponta, ainda, para o fato de que crim e sem motivo não s e configura motivo fútil. N esse sentido, afirma Damásio de J es us : "O m otivo fútil não se confunde com a ausência de motivo . Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide a quali ficadora, nada i mpedindo que responda por outra, como é o caso do m otivo torpe."24 Com a devida ven ia das posições e m contrário, não podemos compreender a coerência desse raciocínio . Assim, a título de ilustração, se o agente p ratica o homicídio valendo-se de um motivo i nsignifica nte, qualifica-se o crime; se não tem qualquer motivo, ou seja, menos ainda que o m otivo insignificante, o homi cídio é simples. N ão consegu i mos, portanto, entender o tratame nto diferenciado. Tal fato não passou despercebido por Fernando Capez, quando afirmou que "matar alguém se m nenhum motivo é ainda pior que matar por mesquinharia, estando, po rtanto, incluído no conceito de fútil". 2 5 O que não podemos confundir é o fato de não sabermos o motivo e, sem mais, qualificar o homicídio, com o crime d e m orte sabidamente sem m o tivo, ou s eja, matar p o r matar, que d ifi cilmente ocorre. Pelo fato de não sabermos o m otivo do hom icídio não podemos reputá-lo como qualificado; ao contrário, aquele que mata alguém sem qualquer motivo, u m min us, ainda, com relação ao h omicídio fútil, deve merecer a qualificadora. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições d e direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p . 53. JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2 , p. 67. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2 , p. 48. 153 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, como veremos mais à frente, poderá qualquer uma delas servir para qualifi car a infração penal, sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo mom ento de aplicação da p ena, determinado pelo art. 68 do C ódigo Penal. As circunstâncias agravantes relativas aos motivos fútil e torpe estão previstas pela alínea a do i n ciso II do art. 6 1 do diploma rep ressivo. 1 2 .2 . M e i o s : com e m p rego d e v e n e n o , fo g o , e x p l o s i v o , a s f i x i a , tortu ra ou o ut ro m e io i n s i d i oso ou c r u e l , ou de q u e possa res u lta r pe r i g o c o m u m O in ciso I I I do § 2º do art. 1 2 1 do Código Penal prevê o h o micídio qualificado pelos meios uti lizados pelo agente na prática do delito . Por mais uma vez, utilizou a l e i p enal o recurso da interpretação analógi ca, vale dizer, a uma fórmula casuística - ve neno, fogo, expl o sivo, asfixia, tortura -, o legislador fez seguir uma fórmula genérica - ou o utro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar p erigo comum. Tal recurso visa preservar, n a verdade, o princípio da isono mia, no qual situações idênticas merecerão o mesmo tratam e nto p ela lei penal. Ou seja, tudo aquilo que for considerado m e i o insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum qualificará o homicídio, a exemplo das h ipóteses menci onadas expressamente pelo inciso I I I (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura) . O item 3 8 da Exposição de M otivo s ao Código Penal traduz o que vem a ser meio insidioso o u c ruel, dizendo ser aquele o m eio dissim ula do na sua eficiên cia m aléfica, e este, ou seja, o cruel, o que a u m e n ta in utilmen te o sofrimen to da vítim a, ou revela uma bru talidade fora do com um o u em con traste com o m a is elementar sen tim ento de p iedade. A expressão perigo com u m significa que o meio utilizado pelo age nte, além de causar dano à vítima, traz perigo a outras pessoas. Veneno, segundo os conceitos, respectivamente, de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes Diacon, é " a) toda substância que, atuando química ou bioquimicamente sobre o o rganismo, lesa a i ntegridade corp o ral ou a saúde do i n d ivíduo ou lhe produz a morte; b) toda substância, que, i ntro d uzida, por abso rção, no sangue, é capaz de afetar seriamente a saúde ou d estruir a vida; c) u m a substância química definida que, i ntroduzida n o organismo, age, até a dose tóxica, proporcionalmente à massa e ocasiona desordens, podendo acarretar a m o rte". 2 6 A primeira observação a ser feita diz respeito à qualifi cadora do veneno. I magine-se a hi pótese e m que o agente, querendo causar a morte da vítima, Apud DOUGLAS, William; CALHAU, Lélio Braga; KRYMCHANTOWS KY, Abouch V. ; DUQUE, Flávio Granado. Medicina legal, p . 1 25 . 154 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 fazendo-a saber que trazia consigo certa quantidade de veneno, p o r ser fisicamente mais forte, a subj uga, abrindo-lhe a boca, para, logo em seguida, deitar-lhe o veneno "goela abaixo". A vítima, no caso em exame, sabia que fa ria a ingestão do ve neno l etal. Pergunta-se: D everá o auto r do hom icídio responder pelo delito com a qualificadora do emprego de veneno? D e acordo com a interpretação que se faz do mencionado inciso I l i, devemos responder negativamente. Isso porque, na segunda parte do aludido inciso, quando a lei faz menção à sua fórmula genérica, usa, inicialmente, a expressão meio insidioso, dando a entender que o veneno, para que qualifique o delito medi ante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima perceba que faz a sua ingestão. Caso contrário, ou seja, caso a víti ma venha a saber que morrerá pelo veneno, que é fo rçada a ingerir, o agente deverá responder pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel. Aníbal Bruno, com precisão, afirma: "O uso do veneno é u m dos meios de dar morte com dissimulação, entregue a vítima indefesa à atuação do criminoso, porque inconsciente da manobra que vai tirar-lhe a vida. É pela insídia característica dessa maneira de matar, que dela se faz uma causa de qualificação do homicídio. Se a vítima sabe que se trata de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é substituída pela crueldade e a qualificação persiste." 2 7 Insidioso, portanto, é o meio utilizado pelo agente sem que a vítima dele to me conhecimento; cruel, a seu turno, é aquele que causa um sofrimento excessivo, desnecessário à vítima enq uanto viva, obviamente, pois a crueldade p raticada após a sua morte não qualifica o delito. E squartej ar uma pessoa ainda viva se configura e m meio cruel à execução do homicídio; esquartej á-la após a sua morte j á não induz a ocorrência da qualifi cad ora. A utilização de fogo também qualifica o homi cídio, uma vez que se trata de meio extremamente cruel à sua execução. I n felizmente, a mídia tem noticiado, com certa fre quência, a utilização de fogo em mo rtes de mendigos, índios, enfim, d e pessoas excluídas pela sociedade, que vivem e mbaixo de viadutos, em praças públicas etc. Também é comum a veiculação de informações de traficantes que se valem desse meio cruel a fi m de causar a morte de suas víti mas, normalmente prendendo-as e ntre pneus de caminhão para, logo em seguida, embebidas em combustível, atear-lhes fogo no corpo, fazendo, assim, uma fogueira humana. Exp losivo é o meio utilizado pelo agente que traz perigo, também, a um número in determinado de pessoas. M atar a vítima arremessando co ntra ela uma granada qualifica o homicídio pelo uso d e explosivo. Segundo H ungria, BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 79-80. 155 RoG ÉRJO G RECO VOLUME 1 1 "na sua decomposição brus ca, o explosivo opera a violenta deslocação e d estruição de matérias circunj acentes. Não há que distinguir entre substâncias e aparelhos o u engenhos explosivos. E ntre os explosivos mais conhecidos, podem ser citados os derivados da nitroglicerina (dina m ite), da n itrobenzina (belite), do nitrocresol (cresolite), da nitronaftalina (sch neiderite, chedite), do nitrotolueno (trotil ou tolite), do trinitofenol ou ácido pícrico (melinite, lidite), o algodão-pólvo ra (explosivo me diante choque), os fulminatos, os explosivos com base d e a r líq uido etc".28 Asfixia é a supressão da respiração. C o nforme lições de H ungria, "o texto legal não distingue entre asfixia mecân ica e asfixia tóxica (pro duzida por gases deletérios, como o óxido de carbono, o gás de iluminação, o cloro, o bromo etc.). A asfixia mecânica pode ocorrer: a) p o r oclusão dos orifícios respiratórios (nariz e boca) ou sufocação di reta; b) por oclusão das vias aéreas (glote, laringe, traqueia, brônquios) ; c) p o r compressão da caixa torácica (sufocação indireta) ; d) p o r supressão funcional do campo respiratório. Os processos de p rovocação da asfixia mecân ica são o enforcamen to, o imprensamen to, o estrang ulamen to, o afoga m en to, a submersão, a esganadura''. 2 9 A tortura, também, e n co ntra - se no rol dos meios cons iderados cruéis, que tem p o r finalidade qualifi car o h o micídio. I m p o rta ressaltar que a tortu ra, qualificadora do h o m icídio, não se confunde com aquela prevista pela Lei nl1 9 . 4 5 5 , d e 7 de abril d e 1 9 9 7 . 3 0 O a rt. 1 l1 da m encio nada l e i d e fi n e o crime H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V, p. 1 63-1 64. H U N G R IA, Nelson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 64 . Art. 1 ° Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; li - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. § 1° Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimeno físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. § 2° Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quarto) anos. § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos; se resulta morte, a reclusão é de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos. § 4" Aumenta-se a pena de 116 (um sexto) até 113 (um terço): I - se o crime é cometido por agente público; li- se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos, Ili - se o crime é cometido mediante sequestro. § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. § 7° O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. 156 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 de tortura, sendo que o se u § 3 u comina uma pena de reclusão, que varia de 8 (o i to) e 16 (dezesseis) anos, se d a prática da tortu ra sobrevier a m o rte da vítima3 1 . Qual é a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nu 9.455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 1 2 1, é tão somente um meio para o cometimento do homicídio. É u m meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei nu 9 . 4 5 5 /9 7, a tortura é um fim em si m esmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente p oderá qualifi car a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualifi cada pelo resultado morte é u m delito eminentemente preterdoloso. O agente não pode, dessa forma, para que se aplique a lei de tortura, pretender a morte do agente, pois, caso contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo C ódigo Penal. Concluindo o raciocínio, n o art. 1 2 1 , a tortura é um meio cruel, utilizado p elo agente na p rática do h om i cídio; na Lei nu 9 . 4 5 5 / 9 7, ela é um fim em si mesmo e, caso oco rra a m o rte da vítim a, terá o condão de qualifi car o delito, que possui o sta tus de crime p reterdoloso. 1 2 . 3 . M o d o s : à t r a i ç ã o , d e e m bo s c a d a , ou m e d i a n te d i s s i m u l a ç ã o ou o u t r o rec u rs o q u e d i f i c u lte o u t o r n e i m p o s s ív e l a d ef e s a d o ofe n d i d o O i nciso I V do § 2u do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal, também se val endo do recurso da i nterpretação analógica, ass evera que a traição, a emboscada a dissimulação ou qualquer outro recurso que d ifi culte ou torne impossível a defesa do ofendido também qualifi carão o h o micídio. Os m odos pelos quais são praticados o h omicídio, portanto, também têm o condão de qualificá-lo. A primeira qualifi cadora diz respeito à traição. Segundo as lições de Guilherme d e So uza N ucci, "trair signi fica enganar, ser i n fi e l, de modo que, no contexto do h om i cídio, é a ação do agente que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O ataque súbito, pela frente, pode constituir surp resa, mas não traição". 3 2 H á dife rença, para fins d e identificação da traição, entre o g olpe efetuado nas costas da vítima e aquele p raticado pelas costas. Pelas costas configura-se a traição, quando o agente ataca a vítim a p o r trás, s em que ela possa percebê-lo. 3 1 Vide L e i n Q 1 2 .847, de 2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, além de adotar outras providências. 32 N UCCI, G u i l herme de Souza. Código penal comentado, p. 392. 157 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l l Golpe n as costas identifica a região do corpo onde o golpe fo i produzido. M uitas vezes, o golpe é aplicado nas costas, mas não se configura traição. Suponhamos que a vítima estivesse sendo subj ugada pelo agente, fisicamente mais forte do que e la, e, com u m punhal, l h e aplicasse o golpe nas costas. Não h o uve traição. Não conseguimos visualizar, aqui, o golpe pelas costas, mas tão s o mente nas costas da vítima, não qualificando, assim, o h omicídio. A emboscada pode s e r entendida como uma espécie de traição. N ela, contudo, o agente se coloca esco ndido, de tocaia, aguardando a vítima passar, para que o ataque tenha sucesso. Dissim ular tem o s ignificado d e o cultar a intenção h o micida, fazendo-se passar por amigo, conselheiro, enfim, dando falsas m ostras de amizade, a fim de facilitar o cometi m e nto do d e lito. A fórmula genérica contida na parte final do inciso I V em estudo faz menção à utilização d e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Dificultar, como se percebe, é um m in us e m relação ao tornar impossível a defesa do o fendido. Naquele, a vítima tem alguma possibilidade de defesa, mesmo que d i fi cultada p o r causa da ação do agente. O tornar impossível é eliminar, completamente, qualquer possibilidade de defesa p o r parte da vítima, a exemplo da hipótese e m que esta é m orta enquanto d o rm i a. D eve ser ressaltado que, quando do o ferecimento da denúncia, o Promotor d e Justiça deverá determinar, com precisão, s e a conduta do agente dificultou ou tornou impossível a defesa do o fendido, não podendo consignar a parte final do aludido inciso IV como se fosse uma fórmula de aplicação geral. Se s o me nte d ificultou, deverá n arrar o s fatos que fizeram com que concluísse seu raciocínio nesse sentido; s e tornou i mpossível, da mesma forma, deverá apontar o comportamento do agente que fez com que a vítima não tivesse qualquer possibilidade d e defesa. O que não se pode tolerar é o uso i n discriminado da fó rmula genérica, c o m o s e fossem expressões sinônimas as duas h ipóteses. O j uiz, da mesma fo rma, ao pronunciar o réu, deverá esclarecer se sua conduta tão s o mente d i fi culto u ou i nviabilizou completamente a defesa do o fendido, haja vista que o acusado se d efende d e fatos, e são fatos dife rentes o d i fi cultar e o tornar impossível a defesa. 1 2 . 4 . F i n s : p a ra a s s e g u ra r a exec u ç ã o , a o c u l t a ç ã o , a i m p u n i d a d e o u a vantagem de o utro c ri m e A última das m o dalidades qualifi cadas diz respe ito ao h omicídio para fins de ass egurar a execução, a ocultação, a i mpunidade o u vantagem de o utro crime. Isso signific a que, toda vez que for apli cada a qualifi cadora em estudo, o h o micídio d everá ter relação com o utro crime, havendo, outrossim, a chamada con exão. 158 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 Júlio Fabbrini M i rabete, com precisão, assevera : " Essas circunstâncias, que configurariam a rigor motivo torpe, originam casos d e conexão teleológica ou consequencial. A con exão teleológica oco rre quando o h o m icídio é perpetrado como m eio para executar o utro crime (homicídio para poder p rovocar u m i ncêndio) . A conexão consequencial ocorre quando é praticado ou para ocu ltar a p rática de outro delito (homicídio contra o perito que vai apu rar apropriação indébita do agente), ou para assegurar a imp unidade dele (homicídio da testemunha que pode identi ficar o agente como autor de um r oub o ) , o u para fugir à prisão em flagrante (RT 4 3 4/ 3 5 8 ) , ou para garantir a van tagem do produto, preço ou proveito de crime (homicídio co ntra o coautor de roubo ou furto para apossar-se da res furtiva) ."33 D iz-se teleológica a conexão quando se l eva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o h omicídio. No caso da qualificadora do inciso V, será considerada teleológica a conexão quando o h o m i cídio é cometido com o fim de assegurar a execução de outro crime. Por exemplo, matar o vigilante da agência bancária n o dia anterior à p rática do crime de roubo. Ressalte-se que, neste caso, o homicídio é cometido para ass egurar a execução de um crime futuro. Consequencial é a conexão e m que o h o micídio é cometido com a finalidade de assegurar a ocultação o u a vantagem d e o utro crime. Ao contrário da s ituação anterior, aqui o delito de h o m i cídio é p raticado com vistas a ocultar, assegurar a impunidade ou a vantagem de um crime j á cometido. Quando se b usca assegurar a ocultação, o que se pretende, na verdade, é manter desconhecida a infração penal p raticada, a exemplo do marido que mata a ún ica testemunha que o viu e nterrar o corpo de sua mulher, também mo rta por ele. Já quando o agente visa ass egurar a impun idade, a infração penal é conhecida, mas sua autoria ainda se encontra ignorada, a exemplo da h ipótese do agente que mata també m a única testemunha que presenciou o h o m icídio cuj o corpo fora deixado e m u m local público. Quanto à van tagem de ou tro crime, conforme esclarece H ungria, "o propósito do agente é garantir a fruição de qualquer vantagem, patrim o nial ou não, d i reta ou indireta, res ultante de outro crime",34 como no caso daquele que mata o seu companheiro de roubo, para que fi que, sozinho, com o p roduto do crime. C o m relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser ressaltadas as seguintes i n dagações: . M I RABETE, Jú lio Fabbrini. Manual de direito penal, p . 74. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 69. 159 VOLUME I I RoG É RlO G REco 1 ) S e o agente co mete o h om i cídio com o fim d e assegurar a execução de o utro crime que, por u m motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda d eve subsistir a qualificadora? S i m, h aja vista a maior censurabilidade do comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade. 2 ) S e o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a i m punidade de um delito j á prescrito, também subsiste a qualifi cadora? S i m, p elas mesmas razões apontadas acima. 3 ) S e o agente p ratica o h o m icídio p ara assegurar, em tese, a impunidade de u m crime i mpossível, n a h ipótese, por exemplo, em que mata a testemunha que o viu apunhalar a suposta vítima, que j á estava m o rta? Segundo Damásio, "a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do sujeito, revelada e m sua conduta subjetiva".35 4) E se o h om icídio é cometido com o fim de ass egurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem d e uma con travenção penal? Em virtude da proibição da analogia in ma Iam pa rtem, não se pode ampliar a qualificadora a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser violado o princípio da legalidade e m sua vertente do n u llum crimen n u /la poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo m otivo torpe ou fútil. 1 3. C O M P ET Ê N C I A P A R A J U LG A M E NTO DO H O M I C ÍD I O D O LO SO O in ciso XXXVI I I do art. 5" da C onstitu i ção Federal diz: XXXVI I I - reconhecida a instituição do j úri, com a o rganização que lhe der a lei, assegurados: a) a p l enitu de d e defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o j ulgamento dos crimes dolosos contra a vida: [ ... ] . Pelo que s e verifica p o r m e i o d a alínea d d o m e ncionado inciso, o Tribunal do J ú ri é o competente para j ulgar o s crimes dolosos contra a vida, destacando-se dentre eles o h o m icídio, e m todas as suas modalidades - simples, p rivilegiada e qualifi cada. Questão importante a ser observada é a que diz respeito ao fato de não ser o latro cínio j ulgado pelo Júri, mesmo que a m orte da vítima seja dolosa. I maginemos a seguinte situação: A, p e rcebendo que a víti ma trazia consigo i 5 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 7 1 . 160 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 um val ioso relógio, objetivando sua s ubtração, nela desfere um tiro na cabeça, cau sando-lhe a m o rte. O agente, po rta nto, atirou para matar, a fim de subtrai r da vítima o m e ncionado relógio. A mo rte foi dol osa, sendo, contudo, l evada a efeito para fins de subtração. Numa outra hipótese, A percebe que seu maior inimigo está caminhando descontraidamente, sem se dar co nta da sua p resença. Querendo causar-lhe a mo rte, vai ao encontro dele e, sem que a vítima perceba, aponta-lhe uma arma e puxa o gatil h o, acertando-a mortalmente na cabeça. Quando a vítima, já morta, estava caída, o agente percebe que ela trazia consigo um valioso relógio e o subtrai. Na p ri meira hip ótese, teremos a prática de um crime de latrocínio, pois o agente, dolosamente, matou a vítima para roubar-lhe. A finalidade era a subtração. No segundo caso, teremos um crime de ho micídio doloso, seguido de furto. Pergunta-se: Considerando-se que em ambas as hipóteses o agente causou, dolosamente, a mo rte da vítima, os dois casos serão submetidos a j ulgamento pelo Tribunal do Júri? A resp osta, aqui, só pode ser negativa, uma vez que, interpretando-se sistemicamente o § 3° do art. 1 5 7 do Código Penal, verificamos que o latrocínio encontra-se no Título correspondente aos crimes co ntra o patrimônio, sendo que o Tribunal do J úri, de acordo com a competência que lhe é atribuída pela Co nstituição Federal, j ulga os crimes dolosos con tra a vida. O STF, por meio da Súmula nº 6 0 3 , firmou seu entendimento dizendo: Súmula n11 603. A competência para o processo e julgamento de la trocínio é do juiz sing ular e não do Trib u n a l do jú ri. M e rece observar que a Constituição Federal não impediu que outras i n frações penais fossem submetidas a j ulgamento pelo Tribunal do Júri, mas tão s o mente garantiu que os crimes dolosos co ntra a vida fizessem, sempre, parte desse rol, podendo o legislador infraconstitucional agregar-lhe outros delitos, ampliando­ -se, po rtanto, sua competência. Como bem observado por E lder Lisboa Ferreira da Costa, "a nossa atual carta constitucional atribui ao tribunal do j úri competência para o j ulgamento dos crimes dolosos contra a vida. Trata-se, a bem da verdade, de uma competên cia mín im a . N a d a i mpede q u e o legislador o rdinário remeta à apreciação do j úri matérias de natureza diversa".36 1 4. H O M I C ÍD I O C U L P O S O Em sede d e crimes culposos, vige o princípio d a excepcionalidade, ou seja, a regra é que todo crime seja doloso, som ente sendo punido a título de culpa se houve r p revisão expressa nesse sentido, como é o caso do § 3° do art. 1 2 1 do Código Penal, que diz: Se o hom icídio é culp oso. COSTA, Elder Lisboa Ferreira da. Compêndio teórico e prático do trib unal do júri, p. 89-90. 1 61 VOLUME 1 1 ROG ÉRIO G RECO O pa rágrafo único do art. 1 8 do diploma repressivo, confirmando a regra da excepcionalidade do crime culposo, d etermina: Pa rágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Percebe-se que, no crime culposo, estamos diante da hip ótese, como regra, do chamado tipo aberto. Nas precisas l ições de Assis Toledo, "na criação dos tipos p enais, pode o legislador adotar dois critérios. O primeiro consiste na descrição co mpleta do modelo de conduta proibida, sem deixar ao intérprete, para verificação da ilicitude, outra tarefa além da constatação da correspondência entre a conduta concreta e a descrição típi ca, be m como a i nexistência de causas de justificação. Tal critério conduz à co nstrução dos denominados 'tipos fe chados', do qual seria exemplo o h o micídio do art. 1 2 1 do Código Penal. A descrição 'matar alguém', por ser completa, não exigiria do intérprete qualquer trabalho de complemen tação do tipo. A imensa variedade da ação de matar um ser humano cairia facilmente sob o domínio desse tipo; a ilicitude resultaria da simples incidência de ignorar no rmas permissivas. O segundo critério consiste na descrição inco mpleta do modelo de conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o encargo de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidas. São os denominados 'tipos ab ertos', como se dá em geral nos delitos culposos que precisam ser completados pela no rma geral que impõe a observância do dever de cuidado".37 Além do trabalho de adequação a ser realizado pelo j ulgador, que deverá aferir se, n o caso concreto, o agente deixou de observar o dever obj etivo de cuidado que lhe competia, para que s e possa configurar o delito culposo h á necessidade inafastável de verificar se a conduta do agente produziu algum resultado. Por mais que o agente tenha deixado de observa r seu dever de cuidado, se dessa inobservância não advier qualquer resultado les ivo, o fato não s e amo ldará à figura do delito culposo. Assim, imagine-se a hipótese em que o age nte, pai de uma criança de 3 anos de idade, morador do 1 4!! andar d e u m prédio de apartamentos, deixe de colocar o necessário dispositivo d e segurança em suas janelas e varanda (rede de proteção) . S e u fi lho, que por um instante n ã o estava sendo observado, debruça-se no parapeito da j anela e cai, morrendo com a queda. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p . 1 36. 1 62 H üMICiDIO CAPÍTULO 3 N o caso em exame, o pai d eixou de observar o seu dever obj etivo de cuidado, não tendo a preocupação necessária d e colocar as redes de p roteção, devendo responder, portanto, pela morte de seu fil h o, a título de culpa, independentemente do raciocínio que se possa realizar a respeito da possibilidade de aplicação do perdão j u dicial, que veremos mais ad iante. E ntretanto, imaginemos h i pótese diferente em que esse mesmo pai, antes que a criança caísse do apartamento, vi esse retirá-la do parape ito da janela, quando nele já estava debruçada. O fato de não colocar as redes de segurança nas j anelas e na varanda do apartamento, bem como o de não tê-la vigiado cuidadosamente, configura-se numa inobservância ao d ever obj etivo de cuidado. Contudo, será que nesse caso o pai deveria responder por algum delito culposo? Obviamente que não, pois, sem a oco rrência do resultado, descarta-se a i n fração penal de natureza culposa. Outra característica fundamental para a co nfiguração do delito culposo é a aferição da previsibilidade do agente. Se o fato escapar totalmente à sua previsibilidade, o resultado não lhe pode ser atribu ído, mas, sim, ao caso fo rtuito ou à força maior. Re spondendo à sua própria indagação do que seria previsibilidade como conce ito j urídico-penal, H u ngria diz: " Existe p revi sibi lidade quando o agente, nas circunstâncias e m que se encontrou, po dia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as consequências do seu ato. Previsível é o fato cuj a possível superveniência não escapa à perspicácia comum. Por outras palavras : é previsível o fato, sob o prisma penal, quando a p revisão do seu advento, no caso concreto, podia ser exigida do homem no rmal, do homo m edius, do tipo comum d e sensibilidade ético-social."3 8 A previsibilidade condiciona o dever de cuidado : "Quem não pode p rever não tem a seu cargo o d ever de cuidado e não pode violá-lo."39 Faz a doutrina distinção, ainda, entre a p revisibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. P revisibilidade obj etiva seria aquela, conceituada por H ungria, e m que o agente, no caso con creto, deve ser substituído pelo chamado "homem médio, de prudência normal". Se, uma vez levada a efeito essa substituição h i potética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao seu âmb ito de p revisibilidade, porque dele não se exigia nada além da capacidade normal dos homens. Não é imposta ao agente uma p revi s ib i lidade extremamente l arga que, de acordo com a imaginação do aplicador da l ei, pod erá ser i m po sta e m todos os casos. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . 1 , t. l i , p. 1 88. ZAFFARON I , Eugenia Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p. 435. 163 RoG É RIO G REco VOLUME L I Exemplificand o : Suponhamos que determinado agente, dirigindo em velocidade excessiva seu veículo p róxim o a uma escola, no h o rário de saída dos alunos, atropele u m dos estudantes, causando-lhe a m o rte. Verifica-se, pelo exemplo fo rnecido, que, voluntariamente, o agente (um ser humano), dirigindo o seu automóvel e m velocidade excessiva (infração ao seu dever de cuidado obj etivo) , atropelou e causou a m o rte (resultado naturalístico e nexo de causalidade) d e um estudante que, naquele l o cal e horário, acabava de sair da escola (previsibilidade no que diz respeito ao fato de que, naquele local e naquela h ora, muitas pessoas p o deriam estar tentando efetuar a travessia da rua) . Se substituirmos o agente (o motorista que atropelou o estudante) por um homem médio, de prudência norm al, este último teria tido u m a conduta diferente daquela que fo ra realizada pelo agente, deixando de i mp ri mi r vel oci dade excessiva ao seu automóvel p róximo a uma escola. S e o homem médio estivesse no l ugar do agente, teria atuado de maneira diferente e, portanto, o resultado, e m tese, teria sido evitado. Essa substituição em busca da modifi cação do resultado é que dá origem à chamada previsibilidade objetiva. Além da p revisibilidade obj etiva, existe a previsibilidade subjetiva. Vimos que para haver a previsibilidade obj etiva deve-se fazer a substituição do agente p o r u m homem m é d i o . S e o h o m e m médio, naquelas ci rcunstâncias em que atuou o agente, tivesse agido de fo rma dife re nte a fim de evitar o resultado, é s inal de que este era p revisível. S e mesmo com a substituição do agente pelo homem médio o resultado ainda assim persisti r, devemos concluir que o fato escapou ao âmbito normal d e p revisibilidade e, p ortanto, não lhe pode ser atribuído. Na p revisibilidade s ubj etiva não existe essa s ubstituição hip otética; não h á a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava o u não à sua p revis ibilidade. Aqui, na previsibilidade subj etiva, o que é levado em consideração são as condições pessoais do agente, quer dizer, considera-se, na p revisibilidade subj etiva, as l im itações e as experiências daquela pes s oa cuj a p revisibilidade está se aferindo em um caso concreto. N a precisa lição de Damásio, "nos termos do critério s ubj etivo, deve ser aferida tendo e m vista as condições pessoais do suj eito, i. e. , a questão de o resultado ser o u não p revisível é resolvida com base nas circunstâncias a ntecedentes à sua produção. Não s e pergunta o que o homem p rudente deveria fazer naquele momento, mas s im o que era exigível do suj e ito nas circunstâncias em que se viu e nvolvido".40 Rep elindo o critério subj etivo de aferição da p revisibilidade, assim se manifesta H ungria: J E S U S , Damásio E. d e . Comentários ao código penal, v . 1 , p. 256. 164 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 "É de rejeitar-se, porém, a opinião segundo a qual a previsibilidade deve ser referida à individualidade subj etiva do agente, e não ao tipo psicológico médio. O que d ecide não é a atenção habitual do agente ou a diligência que ele costuma empregar in rebus suis, mas a atenção e dil igência próprias do comum dos h omens; não é a p revisibilidade individual, mas a medida obj etiva média de precaução imposta ou reclamada pela vida social .''4 1 D is co rdando da posição de H ungria, preleciona Zaffaro n i : "A p revi sib i lidade d eve estab elecer-se conforme a capacidade de p revisão de cada indivíduo, se m que para is s o pos s a socorrer­ -se a nenhum 'homem médio' ou critério de normalidade. Um técnico e m eletricidade pode prever com maior precisão do que um leigo o risco que i mplica um cab o solto, e quem tem u m dispositivo em seu automóvel que lhe permite p rever acidentes que sem esse dispositivo seriam imprevisíveis, tem um maior dever de cuidado do que quem não possui este dispositivo, ainda que s o me nte um em 999 mil o possua."42 Assim, para aqueles que e ntendem possível a aferição da previsibilidade subj etiva, em que são consideradas as condições pessoais do agente, tais fatos poderão ser obj eto de análise por ocasião do estudo da culpabilidade, quando se perquirirá se era exigível do agente, nas circunstâncias em que se encontrava, agir de outro modo. Após a verifi cação das circunstâncias que envolvem o agente, bem como das suas condições pessoais, chega-se à conclusão de que não l h e era exigível outra conduta. E mb o ra o fato seja típ ico, não será culpável e, p ortanto, não será obj eto de reprovação p e la l e i p enal. 1 5. A U M E N TO DE P E N A O § 4l)_ do art. 1 2 1 d o Código Penal prevê o aumento d e 1 / 3 (um terço) d a pena nas seguintes hip óteses: 1 ) h o micídio culposo: a) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de pro fissão, arte ou ofício; b) se o agente deixa de p restar i m e diato socorro à vítima, não p rocura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante. 2) h o micídio doloso: a) se o crime é cometido contra p essoa menor de 14 (quatorze) o u maior de 60 (sessenta) anos. H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . 1 , t. l i , p. 1 88. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal - Parte general, p . 435. 165 ROGÉRIO G RECO VOLUME I I N o homicídio culposo, a inobservância de regra técnica faz com que a pena aplicada ao agente seja maj orada em u m terço. Esse substancial aumento se deve ao fato de que o agente, mesmo tendo os conhecimentos das técnicas exigidas ao exercício de sua p rofissão, arte ou ofício, não os utiliza por leviandade, sendo maior, p o rtanto, o j uízo de reprovação que deve recair s obre o seu comportamento. C on fo rme alerta Fragoso, "tal dispositivo só se aplica quando s e trata de u m profissional, pois som ente em tal caso se acresce à medida do dever de cuidado a rep rovabilidade da falta de atenção, diligência o u cautela exigíveis. S e não se trata de u m p ro fissio nal, o componente da culpabi l i dade não excede o que regularmente se requer para a configuração do crime culposo em sua hipótese típica bás ica, d e modo que o re conhecimento da agravante signi ficaria uma dupla val oração i nadmissível . S e alguém constrói u m m u ro divisório d e seu terreno e s e tal muro vem a ruir causando m o rte, por ter sido edificado com inobservância d e regras técnicas, parece evidente que uma culpa agravada só poderia ter um técnico na construção de muros. Quem, não sendo técnico, s e lançasse à co nstrução de u m m uro, se ri a apenas culpado da imprudência elementar ao c r ime culposo".43 O ale rta feito p o r Fragoso nos faz refl etir s ob re dois p ontos importantes. O primeiro deles é o fato de que a m aj o ra nte s o mente poderá incidir nos casos que diss ere m respeito às condutas p raticadas mediante imperícia. O segundo é que, embora possa o agente ter atuado com i m pe rícia, não necessariamente d everá incidir a maj o rante, p o is po derá, no caso concreto, ter observado as regras técnicas necessárias ao ato que estava p raticando, não tendo, contudo, agido com a habilidade necessária. Imagine-se a hipótes e e m que u m médico, durante a realização de uma videolaparoscopia, venha perfurar algum órgão da vítima, mesmo uti l izando técnicas exigidas no caso concreto. E mb o ra possa, em tese, ser considerado imperito, não necessariame nte deverá incidir a causa especial de aumento. A pena ainda é aumentada e m u m terço no homicídio culposo quando o agente d eixa de p restar o imediato so co rro à vítima, não p rocura d i m i nuir as consequências do seu ato o u foge para evitar a prisão em flagrante. Na primeira hipótese, o agente demonstra sua insensibilidade para com o s ofri m ento alheio, cuja auto ri a l h e é atrib u ída. Aquele que, culposamente, ofende, i nicialmente, a i ntegridade corporal o u a saúde de alguém deve fazer o possível p ara evitar a produção do resultado mais gravoso, vale dizer, a morte da vítima. A n egação do s oco rro demonstra a maior reprovabilidade do comportamento, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p. 64. 166 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 que m erecerá, consequentemente, maior j uízo de rep rovação, com a aplicação do p ercentual de aumento de pena. A omissão d e socorro, quando não punida de forma autô noma, como acontece na h i pótese do art. 1 3 5 do C ó digo Penal, funciona, geralmente, como causa de aumento de pena, a exemplo das i nfrações penais previstas nos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do Cód igo d e Trânsito b ras ileiro, que p reveem, respectivamente, o s delitos de homicídio e lesões corporais culposas na direção de veículo automotor. Aqui merece destaque o fato de que, se outras pessoas j á estiverem efetuado o s o corro da vítima, não po d erá ser aplicado o aumento de pena ao agente, visto que o que se p retende com a maj o rante é fazer com que a vítima não fique ao desamparo. S e o utras p essoas prestavam o socorro, seria inimaginável que o agente tivesse de com elas brigar p ara que, ele próprio, pudesse socorrer a vítima. Se não h o uve recusa de sua p arte em levar a efeito o s ocorro que fora realizado por terceiros, nenhuma j ustificativa existe para o aumento de pena. D a m esma forma, não se fala em o m i ssão de socorro quando a vítima tiver, por exemplo, m o rte instantânea. O p arágrafo não exige que se s oco rra um cadáver. H á casos, como é cediço, que percebemos, a toda p rova, a morte da vítima. N essas hipóteses também não h á falar em omissão de socorro, como aquela absurda s ituação criada pelo já citado Código de Trânsito brasileiro que, no parágrafo único do seu art. 3 0 4, exige a prestação do socorro ainda que se trate d e vítima com mo rte instantânea, verbis: Art. 3 04 . D eixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de p restar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por j usta causa, deixar de solicitar auxíl i o da auto ridade pública: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. Parágrafo ú n i co. Incide nas penas p revistas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que s e trate de vítima com m o rte i nstantânea ou com ferimentos leves. D a mesma forma, aumenta-se a pena aplicada quando o agente não procura dimin uir as consequências de seu ato, quer d izer, segundo H ungria, que não tenta, "na medida do possível, atenuar o dano ocasionado por sua culpa, como quando, por exemplo, deixa de transportar a malferida vítima ao primeiro posto hospitalar ou a uma farmácia, ou omite qualquer p rovidência indi cada pela necessidade do seu urgente tratamento",44 a exemplo daquele que sabendo que a vítima não possui condições financeiras para arcar com o custo do tratamento e medicamentos não H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 1 88. 167 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 a auxilia materialmente nesse sentido, deixando-a à própria sorte, ou também naquele caso em que o agente, ameaçado de ser linchado pela população revoltada com o seu compo rtamento, não busca socorro nas autoridades. A última das m aj o rantes aplicáveis ao homicídio culposo diz respeito ao fato do agente que foge para evitar sua prisão em flagrante. Ab in itio deve ser destacado o fato de que se a vida do agente correr perigo, como acontece quando o seu linchamento é iminente, tendo e m vista a manifestação de populares que se encontravam no local do acidente, não se lhe pode exigir que permaneça no local dos fatos, afastando-se, o utro ssi m, a maj orante. I n dependentemente da situação anterior, tem-se questionado a val i dade dessa causa d e aum ento de pena e m virtude do fato de ter o art. 3 0 1 do C ó digo de Trânsito brasileiro d eterminado que ao condutor de veículo, n os casos de aciden tes de trânsito de que resulta vítima, não se imporá a prisão em flagran te, nem se exigirá fia nça, se prestar pro n to e in tegra l socorro àqu ela, esti mulando, assim, a presença do motorista atro p elador n o local do acidente, uma vez que, se ali permanecer, não poderá ser conduzido preso. D essa forma, aplicando-se, por analogia, o mencionado dispositivo, devemos afastar, também, a prisão e m flagrante delito nas hipóteses de homicídio culposo do Código Penal, uma vez que são idênticas as razões de política criminal. Até o advento da Lei n" 8 . 0 69, d e 1 3 de j ul h o de 1 9 9 0 (Estatuto da Criança e do Adolescente), todas as maj o rantes do § 4" do art. 1 2 1 d o Código Penal eram d estinadas ao delito de homicídio culposo. Após a sua edição, foi inserida a maj o rante dirigida exclusivame nte ao h omicídio doloso, quando p raticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos. Recentemen te, mais uma i ntrodução foi procedida no mencionado parágrafo, agora por intermédio da Lei n" 1 0 . 7 4 1 , de 1" de o utubro de 2 0 0 3 (Estatuto do Idoso), que também determinou o aume nto de um terço quando o del ito for praticado co ntra pessoa maior de 6 0 (sess enta) anos. As duas maj o rantes podem ser aplicadas a todas as modalidades de homicídio doloso - simples, privilegiado e qualificado, devendo, contudo, ser demonstrada a idade das vítimas por meio de documento hábil, conforme preconiza o parágrafo único do art. 1 5 5 do Código de Processo Penal, de acordo com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n" 1 1 .690, de 9 de j unho de 2 0 08, que diz que somente quanto ao estado das p essoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. 1 6. P E R Dà O J U D I C I A L In icialmente, é preciso destacar que o perdão j udicial não s e dirige a toda e qualquer infração penal, mas, sim, àquelas p reviamente determinadas pela lei. Assim, não cabe ao j ulgador aplicar o perdão j u d icial nas h ipóteses em que bem entender, mas tão som ente nos cas o s p redeterminados pela l e i penal . 168 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 C o m esse raciocínio, pelo menos ab in itio, torna-se i mpossível a aplicação da analogia in banam partem quando se tratar de ampliação das h ipóteses de perdão j udicial. I sso porque a lei penal afirmou categoricamente que o perdão j udicial somente seria concedido nos casos por ela previstos, afastando-se, po rtanto, qualquer o utra i nterpretação. M uito se discutiu sobre a natureza j urídica da s entença que concede o perdão judicial, sendo que as opiniões se d ividiam no sentido de que seria absolutória, condenatória ou meramente declaratória de extinção da punibilidade. O STJ, por intermédio da Súmula nll 1 8, posicionou-se nesse último sentido, afirmando que a sen tença concessiva do perdão ju dicial é declara tória da extinção da p u n ib ilidade, não subsistindo qualquer efeito co nden a tório, devendo ser realizada uma releitura do art. 1 2 0 do C ó digo Penal. A fo rma como o perdão j u dicial n ormalmente vem p revisto, a fim de ser aplicado a determinada i n fração p enal, d eixa dúvida se ele é uma fa culdade do juiz o u u m direito subjetivo do agente. O § Sll do art. 1 2 1 do Código Penal diz que, na h ipótese de hom icídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração a tingirem o próprio agente de form a tão grave que a sa n ção penal se torne desn ecessária. Suponhamos que um pai, que possua porte legal de arma, chegue em casa apressado e, negligentemente, retire a arma da cintura e a coloque sobre a mesa da sala, indo, logo em segu ida, ao banheiro. Seu filho menor, ao avistar a arma, começa a brincar com ela. A arma dispara, atingindo-o mortalmente. O pai ainda se encontrava no banhei ro quando escutou o estampido. Desesperado, lembrou­ -se de que havia deixado a arma ao alcance do seu filho, mas, ao sair do banheiro, já o encontrou morto. Pergunta-se: S erá que esse pai, que, em razão de ter deixado de observar o seu dever obj etivo de cuidado, culposamente causou a morte de seu próprio filho, necessita de mais alguma sanção? Acreditamos que não, devendo, pois, ser-lhe concedido o perdão judicial. Em casos como esse, indaga-se: O perdão judicial continua a ser uma faculdade do j uiz ou é um direito subj etivo do agente? Respondendo à indagação formulada, D amásio de Jesus afirma tratar-se de "um direito p enal público s ubj etivo de liberdade. Não é um favor concedido pelo j uiz. É u m direito do réu. Se presentes as circunstâncias exigidas pelo tipo, o j uiz não pode, segundo puro arbítrio, deixar d e aplicá-lo. A expressão 'pode' em pregada pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão j udicial, de acordo com a m o derna doutrina penal, perdeu a natureza de s i mples faculdade j u d i cial, no sentido de o juiz poder, s e m fundamentação, aplicar ou não o p rivi légio. Satis feitos os pressupostos exigidos pela norma, está o j u i z obrigado a deixar de aplicar a pena".45 JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, v. 1 , p . 597. 169 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 E ntendemos, permissa venia, que o p e rdão j udicial pode ser entendido sob os dois asp ectos, ou sej a, como u m d ireito subjetivo do acusado ou como uma faculdade do j ulgador. Isso dependerá da hip ótese e das pessoas envolvidas. Assim, sendo o caso de crime cometido por ascendente, descendente, cônj uge, companheiro ou i rm ão, o perdão j udicial deverá ser encarado como um d ireito subj etivo do agente, pois, nesses casos, presume-se que a infração penal atinge o agente d e fo rma tão grave que a sanção penal se torna desnecessária. Por outro lado, h á situações em que o j ulgador deverá, caso a caso, verifi car a viabilidade ou não da aplicação do perdão judicial. I magine-se a hipótese daquele que, querendo mostrar sua arma ao seu melhor amigo, acidentalmente, faz com que ela dispare, causando-lhe a morte. Seria aplicável, aqui, o perdão j udicial, uma vez que o agente que causou a morte de seu melhor amigo ficou tremendamente abalado ps icologicamente, pensando, inclusive, em dar cabo da própria vida, em razão da sua imp ru dência? A resposta virá, como dissemos, no caso concreto, não se podendo generalizar, como nas hipóteses em que houver uma relação de parentesco próximo entre o agente e a vítima, conforme destacamos. 1 6 . 1 . P e r d ã o j u d i c i a l no C ó d i g o de T r â n s i to b r a s i l e i ro D issemos que o p erdão j u dicial s o me nte pode ser concedido nas h ipóteses determinadas expressamente em lei, sendo, inicialmente, uma escolha do legislador para, posteriorme nte, ficar a critério do j uiz a sua aplicação ao caso con creto, se presentes o s seus re quisitos. Assim, quando não h ouver p revisão expressa em lei, o j u lgado r estará i mpossibilitado de conceder perdão j u dicial, sendo vedada, nesse caso, a analogia in banam partem. Anteriormente ao advento da Lei nil 9 . 5 0 3 /9 7, a sociedade mobilizou-se n o sentido d e q u e h ouvesse m a i o r recrudescimento d a s penas correspondentes aos delitos d e h o micídio e lesões corporais culposas praticados no trânsito, fato que culminou com a edição do Código de Trân s ito b rasileiro. Antes do novo Có digo de Trânsito, quando os m otoristas, na direção de seus veículos, causavam mortes o u lesões culposas, respondiam, respectivam ente, pelas sanções p revistas nos arts. 1 2 1, § 3il e 1 2 9, § 6il, todos do Código Penal. Para essas i nfrações penais havia, também, a p revisão do perdão j u dicial (art. 1 2 1, § Sil, e art. 1 2 9, § 8il, d o C P ) . , O Código d e Trânsito b rasileiro especializou os delitos de homicídio e lesões corporais de natureza culposa, criando os tipos dos arts. 302 e 303 que dizem: ----- ---- -- ------- Art. 3 0 2 . P raticar h om icídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - d etenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão o u proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo auto motor. 1 70 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 Art. 3 0 3 . P raticar lesão corporal culposa na direção de veículo autom o to r: Penas - detenção, de 6 (s eis ) meses a 2 (dois ) anos e suspensão o u proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir ve ículo autom otor. E mb o ra o p roj eto de l e i que disciplinou o Código de Trânsito b rasileiro tivesse feito p revisão do p erdão j u d icial, em seu art. 3 0 0, nas h ipóteses de h o m icídio culposo e lesão corp oral culposa, o Presi dente da República entendeu por bem vetá -lo, sob o s eguinte fundamento : "O artigo trata do perdão j udicial, j á consagrado pelo D i reito Penal. D eve ser vetado, p o rém, porque as hipóteses previstas pelo § S<J. do art. 1 2 1 e § 8<J. do art. 1 2 9 d o C ó digo Penal disciplinam o instituto de forma mais abrangente." Apesar dos argumentos exp e n d i d o s no veto pres i d encial, podemos nos fazer a seguinte i nd agação : Sendo o p e rdão j ud i cial s o m ente apli cável nas h i p óteses previamente dete rm i nadas e m l ei, pelo fato de não haver, em virtude do veto presi d e n cial, p revisão expressa do p erdão j udicial no C ó digo de Trân s ito b rasileiro, p o d e m o s c o n t i n u a r a aplicá-lo nas h i p óteses de h o m i cídio culposo, bem c o m o d e lesão co rpora l culposa praticados na direção de veículo automoto r? Res p ondendo afi rmativam ente à i ndagação, Ariosvaldo de Campos P i res e Sheila Selim, com maestria, aduzem: " E m b o ra j usti fi cáveis as razões do veto, parece-nos, com e feito, que d e melhor técnica seria p rever expressamente tais h i póteses no Código de Trânsito, ampliando-as como necessário. O legislador não o fez. Ainda assi m, as hipóteses de perdão j u d icial p revistas para o h om i cídio culposo e a lesão corp o ra l culposa, no C ó digo Penal, devem ser aplicadas aos arts. 302 e 3 0 3 do Código d e Trânsito, seja p o rque o art. 2 9 1 envia o i ntérprete à aplicação das normas gerais d o C ódigo Penal, seja por força das razões do veto, antes expostas, que se referem expressamente àquelas h i póteses."46 Luiz Flávi o Gomes47 e D amásio de J esus48 também se pos1c10nam favo ravel me nte à apli cação do p erdão j udicial aos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó digo de Trânsito b rasileiro. P I R E S , Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim d e . Crimes d e trânsito, p . 1 86. GOMES, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal, p . 30. JESUS, Damásio E. de. Crimes de trânsito, p. 50. 171 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i E m sentido contrário, Rui Stoco, sob o argumento de que "o § 5u do art. 1 2 1 do C ó d igo Penal contém disposição assemelhada, com o mesmo obj etivo, cabendo, então, indagar se essa hipótese d e perdão j udicial aplica-se ao h omicídio culposo ou lesão corporal culposa decorrente de aci dente de trânsito. Lamentavelmente, a resposta é negativa. É certo que o art. 2 9 1 desse Estatuto mandou aplicar aos crimes cometidos na direção d e veículos autom otores o C ó digo Penal, o C ó digo de Processo Penal e a Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 . Contudo, restringiu essa aplicação às normas gerais do C ó digo Penal, de modo que apenas a p arte geral deste C ódigo é que se aplica subsidiariamente. E então estamos diante de absurda inj ustiça o u d esaj uste legal, na medida em que o ordenamento j u rídico passa a estabelecer critérios d iversos para situações idênticas. Aquele que vitima u m p arente e co mete h omicídio culposo na d i reção d e u ma aeronave, de uma composição férrea, no metrô, na i ntervenção cirú rgica etc., terá possibilidade de obter o p erdão j u d icial, enquanto a ocorrência do mesmo fato, nas mesmas circunstâncias, mas na condução de um veícul o auto motor, n ã o pod erá ensejar a obtenção do b e nefício. N ã o h avendo c o m o buscar razão lógico-j u rídica o n d e e l a n ã o existe, só cabe lamentar a impropriedade e falta de sensibilidade da autoridade, que insiste e m negar vigência à C o nstituição Federal e escarnecer o princípio da isonomia".49 E mbora não concordemos com o veto presidencial, pois entendemos que as h i p óteses que possibil itam a aplicação d everão estar expressas, ou seja, deverá haver p revisão l egal em cada tipo penal e m que seja permitido, pela lei, o perdão j u di cial, acreditamos, com a corrente maj o ritária, ser possível, por questões de política criminal, a aplicação do perdão j udicial aos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó digo de Trânsito brasileiro. Isso p o rque não seria razoável entender que, embora as razões que fizeram inserir o perdão j udicial para os crimes de h om i cídio culp oso e lesão corporal culposa tenham sido, s em dúvida, o elevado núme ro de acidentes de trânsito, agora que foram criadas i n frações p enais específicas para esse tipo de acidente, o p e rdão j udicial não possa ser aplicado. Assim, mesmo correndo o risco d e se abrir uma p o rta para outras infrações penais, excepcionando-se a regra contida no inciso IX do art. 1 0 7 d o C ódigo Penal, somos pela possibilidade d e aplicação d o perdão j u dicial aos delitos tipificados nos arts. 3 0 2 e 3 0 3 do C ó d igo d e Trânsito brasileiro . . , STOCO. Rui. Código de trânsito brasileiro: disposições penais e suas incongruências. Boletim do IBCCrim, nº 6 1 , p. 9 . 172 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 1 7. H O M I C ÍD I O P R AT I C A D O P O R M I L ÍC I A P R I V A DA , S O B O P R E T E XTO D E P R E ST A Ç Ã O D E S E R V I Ç O D E S E G U R A N ÇA , O U P O R G R U P O D E E XT E R M ÍN I O A Lei n" 1 2 . 7 2 0, d e 2 7 d e setembro d e 2 0 1 2 , acrescentou o § 6-" ao art. 1 2 1 do Código Penal, p revendo mais uma causa especial de aumento de pena, dizendo, verbis: § 6-" A pena é aume ntada de 1 / 3 (um terço) até a metade se o crime for p raticado por m i lícia privada, sob o p retexto de prestação de s erviço de s egurança, o u por grup o d e extermínio. D efin ir, com p recisão, o conce ito d e m ilícia, não é tarefa fácil. H istoricamente, voltando à época d o I mpério, os p o rtugueses entendiam como "milícia" as chamadas tropas de segunda linha, que exerciam uma reserva auxil i ar ao Exército, considerado de primeira linha. Como a p olícia m ilitar, durante muito tempo, fo i considerada uma reserva do Exército, passou, em virtude disso, a ser considerada m i l ícia. No meio fo rense, não era incomum atribuir-se a denominação "milícia" quando se queria fazer referência à Policia M i litar. Assim, por exemplo, quando, na p e ça inicial d e acusação o u da lavratura do auto de pr isão em flagrante, ou mesmo e m qualquer manifestação escrita nos autos, era comum referir-se aos policiais militares, que e fetuavam a prisão, como "milicianos". I nfelizmente, nos dias de hoje, j á não s e pode mais uti lizar essa denominação sem que, com ela, venha uma forte carga pej o rativa. Existe, na verdade, uma dificuldade na tradução do termo "m ilícia". Essa dificuldade foi externada, inclusive, no Relatório Final da Comissão Parlamentar de I nquérito (Resolução n" 4 3 3 / 2 008 ) , da Assembleia Legislativa d o E stado do Rio de Janeiro, presidida pelo D e p utado Marcelo Freixo, destinada a i nvestigar a ação dessas novas "milícias", no âmbito daquele E stado. Tal d ificuldade d e conceitu ação pode ser vislumbrada j á no início do referido Relatório (página 3 4) , quando diz que: "Desde que grupo s de agentes do E stado, utilizando-se de m étodos violentos p assaram a d ominar comunidades inteiras nas regiões mais carentes do município do Rio, exercendo à margem da Lei o papel d e polícia e juiz, o conceito de m i l ícia consagrado nos d i ci o nários foi superado. A expressão m ilícias s e incorporou ao vocabulário da segurança p ública n o E stado do Rio e começou a ser usada frequentemente por órgãos de i mprensa quando as mesmas tiveram vertiginoso aumento, a p arti r d e 2 0 04. Ficou ainda mais consolidado após 1 73 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i os atentados ocorridos n o final de dezembro de 2 0 06, tidos como uma ação de represália d e facções de narcotraficantes à propagação de milícias na cidade." E mb o ra d e d ifícil tradução, mas p ara e feitos de apli cação da causa especial de aume nto d e pena p revista no § 6!.l do art. 1 2 1 do C ódigo Penal, p o demos, inicialmente, subdivi dir as m i l ícias e m públicas, i sto é, pertencentes, o ficial mente, ao Poder Público, e privadas, vale dizer, criadas às margens do aludido Poder. D essa forma, as milícias podem ser consideradas, ainda, militares ou paramilitares. Militares são as forças p oliciais p ertencentes à Administração Pública, que envolvem não so mente as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáuti ca) , como também as forças p oliciais (polícia m i litar), que tenham uma função específica, d eterminada l egal mente pelas autoridades competentes. Pa ra militares são associações não o ficiais, cuj os m e mbros atuam ilegalmente, com o e mprego de armas, com estrutura semelhante à militar. E ssas forças paramilitares utilizam as técnicas e táticas policiais o ficiais p o r elas conhecidas, a fim d e executarem seus obj etivos anteriormente planej ados. Não é raro ocorrer e, n a verdade, acontece com frequência, que pessoas pertencentes a grupos paramilitares também façam parte das forças militares o ficiais d o E stado, a exemplo de policiais militares, bombeiros, policiais civis e fe derais. As milícias consideradas criminosas, ou seja, que s e encontram à margem da lei, eram, inicialmente, formadas por policiais, ex-policiais e também por civis (entendidos aqui aqueles que nunca fizeram parte de qualquer fo rça p olicial) . Suas atividades, no começo, cingiam-se à p roteção de comerciantes e m o radores de determinada região da cidade. Para tanto, cobravam pequenos valo res i ndividuais, que serviam como renumeração aos serviços de segurança por elas prestados. Como as m i l ícias eram armadas, havia, normalmente, o confronto com trafi cantes, que e ram expulsos dos locais ocupados, como tamb é m os pequenos criminosos (normalmente pessoas que costumavam praticar crimes co ntra o patrimônio) . A d i ferença fundamental, naquela oportunidade, entre a milícia e as forças policiais do E stado e ra que os m i licianos não s o mente expulsavam os traficantes de d rogas, por exemplo, mas também se mantinham no l o cal, ocupando os espaços por eles anteriormente do m inados, ao contrário do que ocorria com as fo rças policiais que, após algum confro nto com criminosos da região, saíam daquela comunida de, permitindo que a situação voltasse ao sta tu q uo, ou seja, retornava ao domínio do grupo criminoso que ali imperava. Atualmente, com a implementação das U n i dades de Polícia Pacifi cadora (UPP), como vem acontecendo n a cidade do Rio de Janeiro, a polícia vem ocupando os espaços que, antes, ficavam sob a custódia i legal dos traficantes de drogas, que os mantinham sob o regime de terror. 174 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 Essa s ituação o riginal da m i lícia a identifi cava como um grupo organizado, não fo rmalizado, ou sej a, sem a regular co nstituição de empresa, voltado para a prestação de serviço de segurança em determinada região. Quando havia empresa constituída, esta e ra purame nte de fachada, ou seja, utilizada para dar uma aparência de legalidade aos serviços de segurança p restados, que, na verdade, eram impostos, mediante violência e ameaça à p opulação. N esses locais é que costumava ocorrer o chamado "bico" por parte dos integrantes das forças policiais. O "bico" diz respeito à atividade remunerada do pol icial, quando d eixa seu turno d e serviço, que é proibido em grande parte dos E stados da federação, e tolerado em outros, permitindo que o p olicial consiga auferir u m ganh o além do seu soldo ou vencimentos, auxiliando nas suas despesas pessoais. N ormalmente, as m ilícias exercem uma vigi lância da comunidade, p o r meio de pess oas armadas que se revezam e m turnos, i mpedindo, assim, a ação de outros grupos criminosos. C o m o passar do tempo, os membros i ntegrantes das m ilícias despe rtaram para o fato de que, além do serviço de segu rança, podiam também auferir lucros com o utros servi ços, por eles m o n opolizados, como aconteceu com os transportes realizados pelas "vans" e motocicletas, com o fo rnecimento de gás, TV a cabo (vulgarmente conhecido como "gatonet"), internet (ou "gato vel ox", como é conhecida) Passaram, outrossim, a exigir que os m oradores de determinada região somente adquirissem seus produtos e serviços m ediante a imposição do regime de terror. A violência, inicialmente voltada co ntra os traficantes e outros criminos os, passou a ser dirigida, também, contra a população em geral, que se via compelida a aceitar o comando da mil ícia e suas determinações. Para elas não havia concorrência, ou seja, ninguém, além dos integrantes da m ilícia, podia explorar os serviços ou mesmo o comércio de bens por eles monopolizado. Em caso de desobediência, eram j ulgados e imediatamente executados, sofrendo em seus corpos a punição determinada pela m ilícia (normalmente l esões corp orais ou mesmo a morte) . O § 6º do art. 1 2 1 do Có digo Penal diz que a pena é aumentada de 1 / 3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o p retexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. Ao se referir à milícia privada, está dizendo respeito àquela de natureza paramilitar, isto é, a uma organização não estatal, que atua ilegalmente, mediante o emprego da força, com a utilização de armas, impondo seu regime de terror em determinada localidade. Podemos tomar como parâmetro, p ara e feitos de definição de milícia p rivada, as l i ções do s oci ólogo Ignácio Cano, citado no Relatório Final da C omissão Parlamentar d e Inquérito d a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (pág. 3 6) , quando aponta as seguintes características que lh e são peculiares: 175 VOLUME l i ROG É RI O G RECO 1 . controle de u m território e d a população que nele habita por parte de um grupo armado i rregular; 2 . o caráter coativo desse co ntrol e ; 3 . o ânimo de lucro i n dividual c o m o m otivação central; 4. um discurso de l egitimação referido à p roteção dos moradores e à instauração de uma ordem; 5 . a participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado. S e o homicídio, portanto, for p raticado p o r algum membro integrante de m i lícia privada, sob o pretexto de p restação de serviço de s egurança, a pena deverá ser especialmente aum entada d e 1/3 (um terço) até a metade. Assim, por exemplo, imagine-se a h i pótese e m que um integrante da milícia, agindo de acordo com a ordem emanada do grupo, mate alguém p o rque se atribuía à vitima a prática frequente de crimes co ntra o patrimônio naquela região, ou mesmo que a milícia determine a morte de um traficante que, anteriormente, ocup ava o local no qual levava a e feito o tráfico ilícito de d rogas. As m o rtes, portanto, são produzidas sob o falso argumento de se estar levando a efeito a segurança do l o cal, com a eliminação de criminosos. Nesses casos, todos aqueles que compõem a milícia devem responder pelo delito d e homicídio, com a pena especialmente agravada, uma vez que seus i ntegrantes atuam em concurso de p essoas, e a execução do crime p raticada por um deles é considerada uma simples d ivisão de tarefas, de acordo com a teoria do domínio funcional sobre o fato. A Lei nº 1 2 . 7 2 0, de 27 de sete mbro de 2 0 1 2 cri ou, ai nda, o delito de constituição de m ilícia privada, inserindo o art. 2 88-A no Código Penal, dizendo, textualmente: Art. 2 8 8 -A. Constituir, o rganizar, i ntegrar, manter ou custear o rganização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de p raticar qualquer dos crimes p revistos neste Código: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. Embora não faça parte de uma milícia, com as características acima apontadas, poderá ocorrer que o homicídio tenha sido praticado por alguém pertencente a um grupo de extermínio, ou seja, um grupo, geralmente, de "j usticeiros", que procura eliminar aqueles que, segundo seus conceitos, por algum motivo, merecem morrer. Podem ser contratados para a empreitada de morte, ou podem cometer, gratuitamente, os crimes de homicídio de acordo com a "filosofia" do grupo criminoso, que escolhe suas vitimas para que seja realizada uma "limpeza social". Con forme esclarecimentos do D ep utado Federal N ilmário M i randa, Presidente da Com issão de D i re itos Humanos da C âmara Federal: 1 76 HOMICÍDIO CAPÍTU LO 3 "a ação dos grupos de extermínio consiste numa das principais fontes de violação dos direitos humanos e de ameaça ao Estado de direito no país. Essas quadrilhas agem normalmente nas periferias dos grandes centros urbanos e têm seus correspondentes nos jagunços do interior. Usam estratégia de ocultar os corpos de suas vítimas para se furtar à ação da j ustiça, sendo que os mais ousados chegam a exibir publicamente sua crueldade. Surgem como decorrência da perda de credibilidade nas instituições da j ustiça e de segurança pública e da certeza da impunidade, resultante da incapacidade de organismos competentes em resolver o problema. Os e mbriões dos grupos de extermínio nascem quando comerciantes e outros empresários recrutam matadores de aluguel, frequentemente policiais militares e civis, para o que chamam 'limpar' o 'seu bairro' ou 'sua cidade'.5 0 Gerson Santana Arrais, dis cordando da possibilidade de se considerar grupo de extermínio as mortes oco rridas "gratuitamente", e amparado na definição apontada pelo ilustre D eputado mineiro, assevera: "As principais características dos grupos de extermínio são a matança d e pessoas, após aqueles serem recrutados o u contratados por pessoas do comércio e outras empresas. Claramente, por óbvio, que esses exterminadores não fazem esse 'serviço suj o ' sem ô nus, não o fazem 'de graça'. Certamente são pagos pelos contratantes - os maiores interessados. Assim, são profissionais do crime que não possuem, em primeiro plano, uma relação de desa feto com as vítimas do extermínio. D e tudo isso, não podemos nos furtar em concluir com clareza e i nquestionável lógica, que esses exterminadores, ao s ilenciar as suas vítimas, não estão animados por nenhum motivo de ordem pessoal em relação a elas (frieza e torpeza) ; são profissionais (recebem pelo que fazem, então alguém os paga) ; p o r serem frios e receberem por esse vil mister, agem com futil i dade em relação à causa d e agir; pelo profissionalismo e destreza que animam o s seus perfis (bons atiradores, frios, experientes, treinados, profissionais, normalmente e m bando), estão e m grande condição de superi oridade e m relação à víti ma ou às vítim as, a s quais, na maioria das vezes, não têm possibilidade ou o p o rtunidade de defesa.5 1 M I RANDA, N ilmário. A ação dos grupos de extermínio no Brasil. D H net. Disponível em: <HTIP ://www.dhnet. org.br/direitos/militantes/n ilmario/nilmario_dossieexterminío.html> apud ARRAIS, Gerson Santana. Homicídio simples praticado a partir de atividade de extermínio considerado como hediondo. Disponível em: <http ://jus. com . br/revista/texto/1 4 7 1 1 /homicid io-si mples- praticado-a-partir-de-atividade-de-exterm i nio-considerado-como­ hediondo#ixzz27t0tXHHg>. Acesso em: 29 set. 201 2 . A R R A I S , Gerson Santana. Homicídio simples praticado a partir de atividade d e extermínio considerado como hediondo. Disponível em: <http ://jus.com.br/revista/texto/1 4 7 1 1 /homicidio-simples-praticado-a-partir-de-atividade­ de-exterminio-considerado-como-hediondo#íxzz27tOtXH Hg>. Acesso em: 29 set. 201 2 . 1 77 RoG ÉRlO G RECO VOLUM E l i O conce ito, no entanto, ainda não se encontra completamente esclarecido, como dissemos no tópico 1 9 . 1, corresp ondente aos destaques do crime de hom icídio, para onde remetemos o leito r. P E N A , A Ç Ã O P E N A L E S U S P E N S à O C O N D I C I O N A L DO P R O C ESSO 1 8. Para o homicídio simples, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 2 0 (vi nte) anos; nas formas qualificadas, a pena é de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos; no homicídio culposo, a pena é d e detenção, d e 1 (um) a 3 (três) anos. A ação penal no d elito d e h o micídio, seja ele doloso ou culposo, é de i n i ciativa pública i ncondicionada. O instituto da suspensão condicional do processo foi introduzido em nosso ordenamento j u rídico por intermédio da Lei nl! 9 . 0 9 9, de 26 de setembro de 1 9 9 5, que, em seu art. 89, d etermi n o u : ----- --- ·-- A rt. 89 . No s crimes em que a pena mínima cominada fo r igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não por esta Lei, o M i nistério Público, ao o ferecer a denúncia, po d erá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não estej a sendo processado ou não tenha sido condenado p o r o utro crime, p resentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do C ó digo Penal) . M e dida de natureza despenalizadora, a suspensão condicional do processo tem por finalidade evitar, presentes determinados requisitos, em infrações penais cuja pena mínima fo r igual ou inferior a 1 (um) ano, a chamada persecutio cri minis in judicio, com todas as características que lh e são inerentes, consistindo, segundo as l ições de Geraldo P rado e Luis Gustavo Grandinetti C . de Carvalho, "em o M i nistério Público formular p roposta ao réu, visando obter dele determinados comportamentos positivos e negativos ao lo ngo de um tempo preciso, de modo a ver declarada extinta a punibilidade do acusado pelo crime que funda a causa d e pedir da ação penal. Para que a extinção da p unibilidade se concretize, é necessário que o acusado, orientado por seu defensor, aceite a proposta e o j u i z a h o mologue. P rovas não serão produzidas e o acordo somente será válido se aperfeiçoado depois de recebida a denúncia, com a constatação da existência de j usta causa para a ação penal. Finalmente, a medida só é cabível para determinado 178 H OM ICÍDIO CAPÍTULO 3 grupo de infrações penais, originando-se a extinção da punibilidade na hipótese de consu mação do período de p rova s e m revogação''.52 Pouco temp o depois, mais precisamente em 1 2 de j ulho de 2 0 0 1 , surgiu a Lei no. 1 0 . 2 5 9 , regulando os J uizados Esp eciais C íveis e Criminais n o âmbito da Justiça Federal. O mencionado estatuto, ao contrário da Lei no. 9 . 0 9 9 /95, que dispunha sobre o conce ito d e infração penal de menor potencial ofensivo, elegendo, para esse fim, as contravenções penais e os crimes a que a l e i cominava pena máxima não superio r a l (um) ano, aumentou para 2 (dois) anos o tempo de pena máxima cominada abstratam ente aos crimes, revogando parcialmente o art. 6 1 da referida Lei nº 9 . 0 9 9 / 9 5 . C o m e s s a mod i fi cação surgiu a discussão no sentido de q u e também teria ocorrido modifi cação quanto ao tem p o mínimo de pena cominada nos tipos penais para e fe ito d e raciocínio so b re a suspensão condicional do processo, passando-se, ago ra, também para 2 (dois) anos. Embora houvesse sido levantada inicial m ente a dúvida e com ela as discussões perti nentes, entende-se, atualmente, d e forma maj oritária, que não houve modificação no que diz respei to ao tempo de pena mínima cominada para efeito de possibilitar a p rop osta de transação p rocessual, deven do esta, p ortanto, ser igual ou inferior a 1 (um) ano. Co rroborando o raciocínio aci ma, a firmam Tourinho N eto e Joel D ias Figueira Júnior: " Para fixar a comp etência do Juizado Especial, leva-se em consideração a pena máxima de dois anos. Cuidando-se de suspensão processual, deve-se atentar para a pena mínima de u m ano. Portanto, s e ao c ri m e fo r cominada pena m áxima não s u p e r i o r a dois a n o s, a comp etência será do Juizado Especial, e se a pena m ín im a cominada for igual ou inferior a um ano, p oder-se-á, sati sfe itos o s demais requisitos, conceder ao acusado a suspensão do processo; se superior, não."53 M e recem, ainda, registro as l ições precisas de G eral do P rado e Luís Gustavo Grandinetti C. de Carvalh o que, com segura nça, afirmam: "Convém lembrar que o Superior Tribunal de Justiça chegou a definir a pena mínima de dois anos de prisão como patamar para o cabimento da suspensão condicional do processo. Partia-se de suposta si metria, inexistente é verdade, com a pena máxima de dois anos que a Lei nU l 0 . 2 59/2 0 0 1 fixou para definir infrações de menor p otencial o fensivo. Com a devida .. PRADO, Geraldo; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais, p. 259. TOU R I N H O NETO, Fernando da Costa; F IG U E I RA J Ú NIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e crim inais, p. 723. 179 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO vênia dos que entendem de modo dife rente, não h á qualquer correspondência entre dois anos de pena máxima para definir infrações de menor potencial ofensivo e dois anos de pena m ínima para cabimento da suspensão condicional do processo. Como frisado, a suspensão condicional do processo é categoria, geral, que deveria vir regulada no C ódigo de Processo Penal, mas que terminou sendo disciplinada na Lei dos Juizados Especiais para se aproveitar uma situação excepcional de política legislativa, apenas por esse motivo. P revista para incidir em caso de crime com pena mínima de até dois anos de p risão, por opção do Congresso Nacional foi limitada a crimes com pena mínima de um ano. Trata-se de liberdade de conformação do legislador, e exclusivamente dele, nos termos do art. 5º-, inciso XXXIX, da Co nstitu ição da República, de modo que somente outra lei pode alterar o referido patamar. A circunstância de estar prevista na Lei nº- 9 . 0 99/95 não muda isso.'' 5 4 O art. 6 1 da Lei nº- 9 . 0 9 9 / 9 5 teve sua redação modificada pela Lei nº-1 1 . 3 1 3 , d e 2 8 d e j ulho d e 2 0 0 6, que passou a considerar como infração penal d e menor potencial ofensivo as co ntravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. A referida lei não fez qualquer menção à suspensão condicional do processo, quando, se fosse intenção do legislador aumentar o seu l i mite para 2 (dois) anos, poderia tê-lo feito expressamente, afastando, dessa forma, qualquer dúvida. Assim, entendemos que prevalece a regra constante do art. 89 da Lei nº- 9 . 0 9 9 / 9 5 . Analisando a pena m í n i m a cominada ao delito de h o micídio culposo, percebemos que ela não é superior a 1 (um) ano, razão pela qual será possível a confe cção de p roposta de suspensão condicional d o processo pelo M inistério Públi co, com todas as i mpl icações que l h e são inerentes. M e rece ser frisado, co ntudo, que o concurso de crimes, em quaisquer das suas mo dalidades (concurso material, concurs o formal ou continuidade delitiva), de acordo com a Súmula nº- 243 d o Superior Tribunal de J ustiça, afasta a possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo, tendo o Supremo Tribunal Federal também e ditado a Súmula nº- 7 2 3 não admitindo a transação processual nas h i póteses de crime continuado, verbis: benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações pena is cometidas em concurso m aterial, concurso fo rma l ou con tin u idade de/itiva, quando a pena m ín im a cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da m ajoran te, u ltrapassar o lim ite de um (01) a n o. Súm ula nª 243. O PRADO, Geraldo; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais, p. 276. 180 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 Súm ula 11" 723. Não se adm ite a suspensão condicion a l do p rocesso por crime con tin uado, se a som a da pena m ín im a da infração m a is grave com o a u m e n to mín im o de um sexto fo r superior a um a n o; [. . .]. Pode ocorrer, p o r exemplo, que alguém, descuidadamente, fazendo a limpeza de sua arma, efetue um disparo, atingindo fatalmente duas pessoas. Teremos, aqui, dois homicídios culposos, praticados em concurso formal. Assim, em que pese a p e na mínima para essa infração p enal permitir o raciocínio, pelo menos inicialmente, sobre a possibil idade d e aplicação da suspensão condicional do processo, esta será i nviabil izada e m decorrência do concurso de crimes. 1 9 . D E STAQ U E S 1 9 . 1 . H o m i c íd i o s i m p l e s c o n s i d e r a d o c o m o c r i m e h e d i o n d o Relembra Alberto Silva Franco: "As chacinas da Candelária e de Vigário G eral, n o Rio de Janeiro, aliadas ao assassi nato da artista de televisão, Daniela Perez, deram o pano de fundo necessário para que os meios de comunicação so cial iniciassem u m a ampla e intensa campanha com o obj etivo de incluir o d el ito de homicídio n o rol dos crimes hediondos". 55 A m íd ia, mobilizando as massas p o p ulares, fez com que fosse ampliado o elenco das infrações consideradas h e diondas para nele inserir o delito de homicídio, o que foi e fetivam ente concretizado p o r intermédio da Lei nu 8.9 30, de 6 de s etembro de 1 9 94, que deu nova redação ao inciso I do art. 1 u da Lei nu 8 . 0 7 2 /9 0 . O mencionado i n ciso I do art. iu d a Lei n u 8 . 0 7 2 / 9 0 passou a ter a seguinte re dação : Art. 1 u. São cons iderados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nu 2 .84 8, de 7 de dezembro d e 1 9 4 0 - C ódigo Penal, consumados ou tentados: I - h o m i c ídio (art. 1 2 1 ) , quando p raticado em atividade típica de gru p o d e extermínio, ainda que cometido por u m só agente, e h o micídio qualificado (art. 1 2 1, § 2u, I, II, I l i, IV e V) ; [ ... ] . FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos, p. 1 0 1 . 181 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I I nterpretando a redação d o inciso I d o mencionado artigo, podemos concluir que o h omicídio simples também passou a gozar do status de crime h ediondo desde que p raticado em atividade típica de grup o de extermínio -, mesmo que cometido por uma só pessoa. Desde a inovação trazida para o bojo da Lei no. 8 . 0 7 2/90, a doutrina vem s e perguntando, i ncessantemente, o q u e v e m a s e r a tividade típ ica d e grupo de extermín io. Antôn io Lopes M o nteiro, buscando resolver essa vexata quaestio, destaca: "Quererá, talvez, o legislador referir-se ao famigerado 'esquadrão da m o rte', quiçá aos atuais 'justiceiros' ou a pessoas pagas para 'ap agar' pequenos delinquentes? Tem o s nos sas d úvidas, até porque, se a um ou a outro s e quisesse reportar a lei, inútil destacar esta figura como h edionda, já que h om icídi o s assim p raticados qualificam-se p elo motivo torpe (art. 1 2 1 , § 20., I) ou p o r emboscada, ou outro recurso que d i ficulte o u torne impossível a defesa do ofendido (inciso IV), ou até, na pior das h i póteses, por motivo fútil (inciso I I) . É p o r isso que não entendemos a finalidade desta inclusão."56 Ainda poderíamos adicionar, j á que não há consenso sobre o que seja a tividade típ ica de grupo de extermín io, aqueles comportamentos dirigidos a destruir os grupos apontados pela Lei no. 2 . 8 8 9 / 5 6, que defi ne e pune o crime de genocídio, a saber, grupo nacional, étnico, racial o u rel igioso. E n fi m, apesar da previsão contida na Lei no. 8.0 72/90, inserindo n o rol das infrações hediondas o h o micídio simples, confo rm e destacado, se a conduta do agente, mesmo não agindo e m concurso, se caracterizar como a tividade típ ica de grupo de extermínio, dificilmente não encontraremos uma qualificadora para essa motivação. Podemos, assim, concluir com Guilherme de Souza N u cci que "a atividade típica d e grupo d e extermínio sempre foi considerada pela nossa j urisprudência amplamente majoritária u m crime cometido por motivo to rpe",57 razão pela qual se torna impossível a ocorrência de homicídio s imples, p raticado por conta dessa motivação. 1 9 . 2 . É s u ste n t á v e l a h i pótese d e h o m i c íd i o q u a l i f i c a d o - p r i v i l e g i a d o ? I nterpretando sistem icamente o s §§ 1 0. e 2" do art. 1 2 1 do C ódigo Penal, chegaríamos à conclusão de que não seri a possível a existência de um h o m icídio quali ficado-privilegiado. Se fosse a i ntenção da lei apli car a causa de redução de pena constante do § 1 0. do art. 1 2 1 às suas modalidades qualificadas, o MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos, p. 24. N UCCI, G u ilherme de Souza. Código penal comentado, p. 381 . 1 82 H OMICÍDIO CAP ÍTU LO 3 mencionado parágrafo d everia estar l o calizado posteriormente ao elenco das qualificadoras, haj a vista ser princípio de hermenêutica aplicar o parágrafo somente às hip óteses que l h e são antecede ntes. Assim, como a causa d e diminuição d e pena está localizada, no art. 1 2 1 do Código Penal, anteriormente às modalidades qualificadas do delito de h o m icídio, a conclusão de tal raciocínio seria pela impossibilidade da existência de um homicídio qualificado-privi l egiado. Nesse sentido, ensina M agal hães N o ronha: "Veja-se primeiram ente a disposição técnica do Código. D epois d e definir o homicídio simples, no artigo, passa no § 1 º a que ele denomina Caso de dim i nuição de pena a tratar de m itigação p e n a l . Qual será, entretanto, a pena? Evi dentemente a com inada a n tes, ou seja, a do artigo, ou do h o micídio simples. Ele mentar conhecimento de técnica legislativa levaria o legislador, se quisesse estender o privilégio ao homicídio qualifi cado, a definir este em primeiro lugar, isto é, antes da causa de diminuição que, e ntão, vindo depois dele e do homicídio simples, indicaria que a pena era tanto a de um como a d e outro."58 - - C o ntudo, maj o ritariamente, a do utrina, por que stões de política criminal, pos1c10na-se favoravelmente à aplicação das minorantes ao h o micídio qualificado, desde que as qualificadoras sejam de natureza obj etiva, a fi m de que oco rra compati bilidade e ntre elas. D essa fo rma, poderia haver, por exemplo, um homi cídio praticado m ediante emboscada (qualificadora de natureza o bj etiva), te ndo o agente atuado impelido por u m m otivo d e relevante valor m o ral (minorante de natureza subj etiva) . O que se torna i nviável, no caso concreto, é a concom itância de uma qualificad ora de natureza subj etiva, com o chamado, equivocadamente, privilégio, visto serem incompatíveis, a exemplo daquele que mata o seu desafeto por um m otivo fútil e ao mesmo te mpo de rel evante valor m o ral. São situações excludentes entre si.59 N esse sentido, p releciona Cezar Roberto Bitencourt, em comentári os às causas de redução de pena p revistas pelo § 1 º do art. 1 2 1 do C ódigo Penal : NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p. 26. No que diz respeito à possibilidade de coexistência entre a circunstãncia atenuante relativa à violenta emoção (art. 65, I l i , e, in fine) e à qualificadora do motivo fútil no homicídio, já decidiu o STJ, por intermédio da sua 5ª Turma, no RE 1 992/0009657-3, tendo como relator o Min. Assis Toledo: "A qualificadora do motivo fútil pode coexistir com a aten uante da influência de violenta emoção. Não vai contra a experiência cotidiana o deparar-se com indivíduos portadores de uma sensibilidade à flor da pele que, por razões insignificantes, são impelidos à prática de crimes, quando provocados. Não se deve confundir a circunstância atenuante em foco ('sob influência de violenta emoção') com a causa de diminuição de pena do art. 1 21 , § 1° ('sob o domínio de violenta emoção'). Só esta última apresenta real incompatibilidade com a qual ificadora do modo fútil." 1 83 RoG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 " Essas privilegiadoras não podem concorrer com as qualifi cadoras subj etivas, por absoluta i ncompatibilidade. Respondendo-se positivam e nte aos quesitos das privile­ giadoras, fi cam prej udicados os quesitos referentes às qualifi cadoras subj etivas. N o entanto, nada impede que as privilegiadoras concorram com as qualificadoras obj etivas".60 1 9.2. 1 . H o m i c í d i o q u a l i f i c ad o - p r i v i l e g i ad o o u p r i v i l e g i a d o - q u a l i f i c ad o ? É importante consignar que, embora a do utrina use a s duas expressões qualificado-privil egiado e privi legiado-qualificado -, não podemos considerá­ -las, ambas, como co rretas, mas tão s o me nte uma delas, vale dizer, a que intitula o h omicídio d e q u alificado-privileg ia do . I s s o porque devemos atender n ã o à ordem constante d o s parágrafos do art. 1 2 1 do C ód igo Penal, que nos conduziria, fatalmente, à expressão privilegiado-qualificado, haja vista que as causas de diminuição de pena estão cons ignadas anteriorme nte às quali ficadoras. O raciocínio, na verdade, deve ser outro. Estamos di ante, como se verifica com clareza, de u m homicídio qualificado que não perdeu essa natureza pelo fato de existirem algumas causas que têm por finalidade diminuir a pena aplicada nos m o mentos anteriores, determinados p el o art. 68 do Código Penal. D essa forma, o h o m i cídio, por ser qualificado, deverá ass im ser reconhecido, para, e m mome nto posterior, ser adjetivado de privilegiado, razão pela qual, tecnicame nte, estaremos, sempre, diante de um h om i cídio q ualificado­ -privileg iado, e não privilegiado - q u alificado. 1 9 . 3 . O h o m i c íd i o q u a l i f i c a d o- p r i v i l eg i a d o c o m o c r i m e h e d i o n d o A segunda parte d o i n ciso 1 d o art. 10. da L e i n o. 8 . 0 7 2 / 9 0 aponta o h o m icídio qualifi cado, e m todas as suas modalidades (art. 1 2 1, § 20., 1, I I, I I I, I V e V), como infração de natureza hedionda. Admitindo-se, como o faz maj oritariamente nossa doutrina, a possibilidade d e coexistência d e um h o m icídio qualificado-privilegiado, o privilégio teria o condão de afastar a natureza hedionda das qualificadoras? Te cnicamente, a resposta teria d e ser negativa, pois a Lei no. 8 . 0 7 2 / 9 0 n ã o faz qualquer tipo de ressalva q u e nos permita tal ilação. Na verdade, d i z textualmente q u e o homicídio quali ficado goza do status de infração penal d e natureza hedionda. O chamado privilégio n ã o é, n a d a mais, d o q u e uma simples causa d e redução de pena, a ser analisada n o terceiro momento do critério trifásico, previsto pelo art. 68 do Código Penal. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2 , p . 64. 1 84 H OMICÍ DIO CAPÍTULO 3 Assim, sendo reconhecido o homicídio qualificado, deverá o j ulgador fixar a pena-base levando em conta as balizas mínima ( 1 2 anos) e máxima ( 3 0 anos) p revistas no § 2ª do art. 1 2 1 do estatuto repressivo. Somente n o terceiro mom ento, quando da aplicação das causas de diminuição de pena, é que fará incidir o p ercentual de redução de um sexto a um terço. Como se p ercebe, a i n fração penal não deixa de ser qualificada em razão da existência de uma m inora nte (privilégi o ) . C o ntudo, maj o ritariamente, a doutrina repele a natureza hedionda do homicídio qualificado-privilegiado, haja vista que - é o argumento - não se compatibiliza a essência do delito obj etivam ente qualifi cado, tido como hediondo, com o p rivilégio d e natureza subj etiva.61 N esse sentido, assevera Fernando Capez: "Reconhecida a figura h íbrida do h om icídio privilegiado­ -qualifi cado, fi ca afastada a qualifi cação de hediondo do h o micídio qualificado, p ois, no concurso entre as circunstâncias obj etivas (qualificadoras que convivem com o p rivilégio) e as subjetivas (privilegiadoras), estas últimas serão preponderantes, nos termos d o art. 67 do C P, pois dizem resp eito aos motivos determinantes d o crime." 62 Guilherme d e Souza N ucci compleme nta o raciocínio anterior dizendo: "Não d eixa de ser estranha a qualificação de hediondo (repugnante, vil, reles) a u m delito cometido, por exemplo, por motivo de relevante valor moral ou social. Ainda que possa ser praticado com crueldade e qualificadora obj etiva, que diz resp eito ao modo de execução), a motivação nobre permite que se considere delito comum e não hediondo, afinal, acima de tudo, devem-se considerar o s motivos (finalidade) do agente para a consecução do crime e não simplesmente seus atos.''63 1 9 . 4 . A p re s e n ç a d e m a i s de u m a q u a l i f i c a d o ra Não raro, acontecem fatos em que se atribui ao age nte a prática de um del ito de h o micídio dupla ou mesmo triplamente qualificado. O que fazer diante dessa s ituação, p ara fins d e aplicação da p e na, quando estiver presente mais de uma qualificadora? O STJ já decidiu reiteradas vezes pelo não reconhecimento da natureza hedionda do homicídio qualificado­ privilegiado, conforme se verifica nas transcrições parciais das ementas que se seguem: "Por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal, o homicídio qualificado-privilegiado não integra o rol dos denomi nados crimes hediondos" (HC 1 53728/SP, Habeas Corpus 2009/022391 7-8, Rei. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 1 3/4/20 1 0) ; "O homicídio qualificado-privilegiado é estranho ao elenco dos crimes hediondos" (HC 2002/0082726-5, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T. , j . 3/2/2004). CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2, p . 42. NUCCI, G u i l herme de Souza. Código penal comentado, p. 389. 185 ROGÉRIO G RECO VOLUME I I A doutrina também se d ivi de nessa questão. Uma corrente entende que todas as qualificadoras devem ser analisadas no momento da fixação da p ena-base. Se a pena cominada à modalidade qualificada do h o micídio varia de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, o julgador, uma vez reconhecidas duas o u três qualificadoras, poderia, sob esse fun damento, considerando-se as circunstâncias j udiciais elencadas no art. 59 do Código Penal, fixar uma pena-base, e m tese, maior d o que aplicaria em face da existência de uma única qualificadora. E m sentido contrário, ten d o e m vista que todas as quali ficadoras fazem parte do elenco constante do art. 61 do Código Penal, à exceção da qualificadora relativa à asfixia, tem-se entendido, de forma m aj oritária, que o j u l gador deverá, quando da fixação da p ena-base, l evar em consideração tão some nte uma qualificadora, servindo as demais para fins de agravação da pena, no segundo momento do critério trifás ico. Assim, seria afastada a possibilidade de o j ulgador fixar a p e na-base em patamar m u ito superior ao mínimo l egal, pois não mais poderia fundamentar sua decisão na multi p l icidade de qualifi cad oras. Por outro lado, some nte poderia, de acordo com o melhor posicionamento doutrinário, agravar em até um sexto a pena-base dada a existência de circunstâncias agravantes, o que, p ol ítico-criminalmente, atenderia melhor aos i nteresses do acusado, que não receberia uma pena excessivamente l o nga. O STJ vem decidindo reiteradamente no s eguinte senti d o : A Quinta Turma d esta C orte j á se manifesto u no sentido de que, d iante do reconhecimento d e mais de uma qualificadora, somente uma ensej a o tipo qualifi cado, e nquanto as o utras devem ser consideradas circunstâncias agravantes, na h ipótese de previsão l egal, ou, d e fo rma residual, como circunstância j udicial do art. 59 do Código Penal. (STJ, HC 2 0 5. 6 7 7 / D F, Reiª M inª Laurita Vaz, 5ª T., Dje 2 1 / 5 / 2 0 1 3 ) Consoante iterativa j u risprudência desta Casa de J usti ça, have ndo multi p licidade de qualificadoras, nada i m p ede que uma delas s irva p ara caracterizar o tipo especial, enquanto as demais sejam utilizadas na primeira (circunstância j udicial desfavorável) o u s egunda (agravante genérica) etapas do critério trifásico. (STJ, HC 1 1 8 89 0 / M G, Rei. M i n . Og Fernandes, 6ª T., D]e 3/8/2 0 1 1) 1 9 . 5 . H o m i c í d i o p r a t i c a d o p o r p o l i c i a l m i l i t a r - c o m petê n c i a p a r a j u lga mento A Le i n ª 9 . 2 9 9, d e 7 d e agosto de 1 9 9 6, d e u nova redação ao cap u t do art. 8 2 do C ó digo d e Processo Penal M i l i tar, b e m como incluiu o § 2ª, q u e possuem a segu inte redação: 186 HüMICiDIO CAP ÍTU LO 3 Art. 8 2 . O fo ro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos co ntra a vida praticados co ntra civil, a ele estão suj eitos, em tempo de paz: § 1 º [ ... ] . § 2 º N o s cri mes dolosos co ntra a vida, praticados contra civil, a Justiça M i l itar encaminhará os autos do inquérito pol icial militar à Justiça comum. Dessa forma, a partir das modificações trazidas pela Lei nº 9.299 / 9 6, se um militar vie r a causar a m o rte de u m civil, a com petência para o processo e julgamento será do Tribunal do Júri. A E menda nº 45, de 8 de dezembro de 2 0 04, dando nova redação ao § 4º do art. 1 2 5 da Constituição Federal, ratificando o posicionamento anterior, assevero u : § 4 º Compete à J ustiça M i litar estadual processar e julgar os militares dos E stados, nos crimes militares defi nidos e m lei e as ações j u diciais contra atos disciplinares, ressalvada a comp etência do Júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das p raças. - - ----- 1 9 . 6 . D i f e r e n ç a e n t re e u ta n á s i a , d i st a n á s i a e o rtota n á s i a A eutanásia d i z respeito à prática do chamado hom icídio p iedoso, no qual o age nte antecipa a m o rte da víti ma, acometida de uma doe nça incurável, com a fi nalidade, quase sempre, de abreviar-lhe algum tipo de s ofrimento. E m geral, a eutanásia é p raticada a pedido ou com o consentimento da própria vítima. A eutan ásia também tem sido traduzida como "morte seren a, boa morte, morte sem sofrimento". A dista n ásia i m p o rta em uma m o rte lenta, prolo ngada, com muito sofrimento, a exe m p l o daqueles pacientes que são mantidos vivos por meio de aparelhos, s e m qualquer chance d e s o b revi da caso esses aparelhos venham a ser des l igados. Como b e m o b servad o por Léo Pessini, "trata-se da atitude m édica qu e, visando salva r a vida do paciente terminal, s u bmete-o a grande s o fri m ento. N e s ta cond uta não se prolonga a vida propria mente dita, mas o processo de morrer".64 PESS I N I , Léo. Distanásia: até quando investir sem agredir. D isponível em: http;//www.cfm.org. br/revista/ 4 1 1 996/dist.htm. 187 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 Ortotanásia65, d e acordo com as l ições d e Genival Veloso d e França, diz respeito à "suspensão de m eios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente em coma irreversível e cons iderado em 'morte encefálica', quando há grave com prometimento da coorde nação da vida vegetativa e da vida de relação". 66 1 9 . 7 . T ra n s m i s s ã o d o l o s a do v í r u s H I V67 Pode ocorrer a hipótese em que o agente, sabendo-se portador do vírus da Aids, o H IV, queira, dolosamente, transmiti-lo a outra pess oa, mediante, por exemplo, RESOLUÇ ÃO C F M N° 1 .805/2006 (DOU, 2 8 nov. 2006, Seção 1 , p. 1 69) "Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico l i mitar ou suspender procedi mentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1 957, alterada pela Lei nº 1 1 .000, de 1 5 de dezembro de 2004, reg ulamentada pelo Decreto n° 44.045, de 19 de ju lho de 1 958, e CONSI DERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e discipli nadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente; CONSIDERANDO o art. 1 °, inciso I l i , da Constituição Federal, q ue elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil; CONSI DERANDO o art. 5°, inciso I l i , da Constituição Federal, que estabelece que 'ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante'; CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes; CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM nº 1 .493, de 2015198, determina ao diretor cl ínico adotar as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a i nternação até a alta; CONSIDERANDO que incu mbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal; CONSIDERANDO, final mente, o decidido em reunião plenária de 9/1 1 /2006, R ESOLVE: Art. 1° É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1° O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2° A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3° É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2° O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as d isposições em contrário. Brasília, 9 de novembro de 2006 EDSON DE OLIVEIRA AN DRADE Presidente L Í VIA BARROS GARÇ ÃO Secretária-Geral" FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos de medicina legal, p. 200. Conforme Informativo nº 584, do STF, "a Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o portador do vírus HIV que, tendo ciência da doença e deliberadamente a ocultando de seus parceiros, pratica tentativa de homicídio ao manter relações sexuais sem preservativo. Trata-se de writ impetrado contra o indeferimento, pelo STJ, de liminar em idêntica medida na qual se reitera o pleito de revogação do decreto de prisão preventiva e de desclassificação do delito para o de perigo de contágio de moléstia grave (CP: 'Art. 1 3 1 Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: [ . . . ]'). Preliminarmente, o Min. Marco Aurélio, relator, salientando a existência de sentença de pronúncia e aduzindo que, em prol de uma boa política judiciária, a situação em tela estaria a ensejar a manifestação do STF, conheceu do writ. No mérito, concedeu, em parte, a ordem para imprimir a desclassificação do crime e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns do Estado-membro. Em interpretação sistemática, reputou descabido cogitar-se de tentativa de homicídio, porquanto haveria crime específico, considerada a imputação. Registrou, relativamente ao tipo subjetivo, que se teria no art. 1 3 1 do CP a presença do dolo de dano, enquanto que no art. 1 21 do CP verificar-se-ia a vontade consciente de matar ou a assunção do risco de provocar a morte. Afirmou não ser possível potencializar este último tipo a ponto de afastar, tendo em conta certas doenças, o que disposto no aludido art. 1 31 do CP. Após os votos dos Ministros Dias Tofloli e Cármen Lúcia acompanhando o relator, pediu vista o Min. Ayres Britto" (HC 9871 2/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 27/4/20 1 0) . 1 88 H OMICÍDIO CAPÍTULO 3 a p rática de relações sexuais, ou, como ocorre em algumas peni tenciárias, retira o próprio sangue, colocando-o em uma seringa, para ser aplicado na víti ma. Nesse caso, se, e fetivamente, vier a oco rrer a trans missão, ou, pelo menos, a tentativa de transmissão, qual seri a a i n fração penal praticada? E ntendemos que, nessa h i pó tese, como não existe, ainda, a cura definitiva para os p o rtadores de Aids, mesmo que o "coquetel de medicamentos" permita, atualmente, consideráve l sob revida, o fato deverá se amoldar ao tipo do art. 1 2 1 d o C ó digo Penal, consumado (se a vítima vier a falecer como consequência da síndrome adquirida) ou tentado (se, mesmo depois de contaminada, ainda não tiver morrido) . N esse sentido, decidiu o STJ : " E m havendo dolo de matar, a relação sexual fo rçada e dirigida à trasmissão do vírus da AI OS é i dônea para a caracterização da tentativa d e homicídio" (HC 9 3 7 8/RS, Habeas Corpus 1 9 9 9 / 0 0 40 3 1 4- 2 , Rei. Min. Ham ilton Carvalhido, 6ª T. , j . 1 8 / 1 0 / 1 999, D} 2 3 / 1 0 / 2 0 0 0, p. 1 8 6). O agente somente poderá ser resp o nsabilizado pela transmissão dolosa ou culposa do vírus H I V, pois, conforme preleciona Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo, "caso o sujeito não saiba que tem a doen ça, sendo total mente imprevisível que era portador da mesma (exemplo : sujeito que se contamina ao esp etar o pé em seringa que estava j ogada no meio da areia da p raia, achando que pisou em concha), n ão h á que se falar e m h omicídio culpos o ou lesão corp o ral culposa caso este venha a manter relação s exual com outra pessoa e oco rra a contaminação desta, pois em Direito Penal não há responsab i l idade obj etiva, sendo assim, só pode ser responsabilizado o sujeito que atuou com dolo ou culpa (responsabilidade subj etiva) .1168 1 9 . 8 . J u l g a m e n to p e l o j ú r i s e m a p re s e n ç a d o r é u D a d a s a s alterações l evadas a efe ito n o Cód igo de Processo Penal, não mais se exige a presença do réu e m plenário do Júri para que possa ser realizado o seu j ulgamento. O art. 4 5 7 e parágrafos, com a redação determinada pela Lei nº 1 1 .6 89, de 9 d e j u nho d e 2 0 08, dizem, verbis: -----· ------ Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado s o lto, do assistente ou do advogado do quere lan te, que tiver sido regularmente i ntimado. S E G U N DO, L u i z Carlos Furquim Vieira. Crimes contra a vida , p . 25. 1 89 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I § 1 ll. O s pedidos d e adiamento e a s j ustificações d e não comparecime nto d everão ser, salvo comprovado motivo de fo rça maior, p reviamente submetidos à apreciação do j uiz p residente do Tribunal do J úri. § 2ll. S e o acusado p reso não for conduzido, o j ulgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se h o uver pedido de dispensa de com parecimento subscrito por ele e seu defensor. Andrey Borges de M endonça esclarece, com precisão: "Embora seja fa cultado ao acusado, em princípio, ausentar­ -se da sessão d e j ulgamento, tal disposição não deve ser considerada absoluta. E m determinadas situações, será necessária a p resença do réu em plenário, mesmo co ntra a sua vontade. Caso o juiz entenda, por exemplo, que h á necessidade de reconhecimento pessoal do acusado, especial mente nas s ituações em que h á dúvida sobre a autoria delitiva, p oderá d eterminar a condução coercitiva do acusado, se não comparecer à sessão. D o contrário, os j urados seriam impossibilitados d e conhecer a verdade dos fatos, especialmente no tocante à autoria delitiva. No caso de réu p reso, a regra é a do comparecimento, devendo a autoridade providenciar a sua apresentação. Se não tiver sido conduzido, p o r qualquer m otivo, deve haver adiamento para o primei ro dia desimpedido. No entanto, é possível a dispensa da presença do acusado p reso em plenário, se h ouver pedido de dispensa de co mparecimento subscrito pelo acusado e por s e d efensor (não basta, p o rtanto, a assi natura de um deles) .''69 1 9 . 9 . H o m i c íd i o d e c o r r e n t e de i n t e rv e n ç ã o p o l i c i a l N ã o é incomum que, durante confrontos policiais, o suposto autor d e d eterminada i n fração p enal, o u mesmo alguém contra quem tenha sido expedido mandado de prisão, possa vir a m o rrer. A p ol ícia, nesses casos, ao narrar o aludido con fronto, normalmente fazia menção à resistência o ferecida pelo agente, que colocava e m risco a vida ou mesmo a integridade física dos policiais que participavam daquela diligência. Assim, convencionou-se formalizar essa narrativa e m u m docume nto chamado a u to de resistência, onde se i n formava que o agente havia sido mo rto dada a resistência ativa por ele e mpregada. N esses casos, os p o liciais relatavam uma situação de agressão inj usta, que lhes permitia agir e m l egítima defesa. MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal, p. 76. 190 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 C o m o o número d e autos de resistência aumentou sensivelmente ao l ongo dos a n os, a Secretaria Especial d e D ireitos H umanos, da Presidência da República entendeu p o r b e m e m regulamentar essas hip óteses fazendo editar a Resolução n<:> 8, de 20 de d e zembro d e 2 0 1 2 , que, após algumas considerações, assevera: Art. 1 <l. As autoridades p o l iciais devem deixar de usar e m registros policiais, b oletins de oco rrência, inquéritos policiais e notícias de crimes designações genéricas como " autos d e resistência", "resistência s egu ida de m o rte", promovendo o registro, com o nome técnico de "lesão corp o ral deco rrente de intervenção policial" ou "homicídio d ecorrente de intervenção p olicial", conforme o caso. Art. 2<:>. Os ó rgãos e i nstitu ições estatais que, no exercício de suas atribuições, se confrontarem com fatos classificados como "lesão corporal decorrente de i ntervenção policial" ou " homicídio decorrente de intervenção policial" devem observar, em sua atuação, o segu i nte: 1 os fatos serão noticiados imediatam ente a Delegacia de C rimes co ntra a Pessoa ou a repartição de polícia judiciári a, fe deral o u civil, com atribuição assemelhada, nos termos do art. 1 44 da C onstituição, que deverá : - a) instaurar, inquérito policial para investigação de homicídio ou de lesão corporal; b) comunicar nos termos da lei, o ocorrido ao M i nistério Público. II a perícia técnica especializada será realizada de imediato em todos os armamentos, veículos e maquinários, envolvidos em ação policial com resu ltado morte ou lesão corporal, assim como no local em que a ação te nha ocorrido, com preservação da cena do crime, das cápsulas e proj eteis até que a perícia compareça ao local, confo rm e o dispo sto no art. 6<:>, incisos 1 e II; art. 1 5 9 ; art. 1 60 ; art. 1 6 4 e art. 1 8 1 , do C ódigo de P rocesso Penal; - Ili é vedada a remoção do corpo do local da m o rte ou de onde tenha sido encontrado sem que antes se proceda ao devido exame pericial da cena, a teor do p revisto no art. 6<:>, incisos 1 e I I, do C ó digo de Processo Penal; - 191 VOLUME 1 1 RoG ÉRlO G RECO IV cumpre garantir que nenhum inquérito p olicial seja sobrestado o u arquivado s em que tenha sido j u ntado o respectivo laudo necroscópico ou cadavérico subscrito por peritos criminais i ndependentes e imparciais, não subordinados às autoridades investigadas; - V todas as testemunhas presenciais serão identifi cadas e sua inquirição será realizada com devida p roteção, para que possam relatar o ocorrido em segurança e sem temor; - VI cumpre garantir, nas investigações e nos processos penais relativos a hom icídios ocorridos em confrontos pol iciais, que seja ob servado o disposto na Resolução 1 9 8 9 /65 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ( EC OS OC ) . - VII o M i n istéri o P úb lico requisitará diligências complementares caso algum dos requisitos constantes dos i ncisos I a V não tenha s ido preenchido; - no âmb ito do M i n i stério Púb lico, o inquérito VI I I policial será d istrib uído a membro com atribuição d e atuar j unto ao Tribunal do J úri, salvo quando for h i p ótese de "l esão corporal deco rrente de i ntervenção policial"; - IX as C orregedorias de Pol ícia determinarão a imediata i nstauração de processos administrativos para apurar a regularidade da ação pol icial de que tenha resultado m o rte, adotando prioridade em sua tramitação; - X sem prej uízo da investigação crim inal e do processo administrativo disciplinar, cumpre à Ouvidoria de Polícia, quando h ouver, m onitorar, registrar, info rmar, de fo rma independente e imparcial, possíveis abusos cometidos por agentes de segurança pública em ações d e que resultem lesão corporal o u morte; - XI o s Coman dantes das Polícias M i l i tares nos Estados e nvidarão esforços no sentido de coibir a realização d e i nvestigações pelo Serviço Reservado ( P - 2 ) em h i p óteses não relacionadas com a p rática de i n frações penais militares; - XII até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as responsabi l i dades, os policiais envolvidos em ação policial com resultado de morte: - 1 92 HOMICÍDIO CAPÍTULO 3 a) serão afastados de im ediato dos serviços de p ol iciamento oste nsivo ou de missões externas, ordi nárias ou especiais; e b) não participarão de processo de promoção por mereci mento ou p o r bravura. XIII cumpre às Secretarias de Segurança Pública ou pastas estaduais assemelhadas abolir, quando existentes, políticas de p romoção fu ncional que tenham por fu ndamento o encoraj amento de confrontos en tre policiais e pessoas supostame nte envolvidas em p ráticas criminosas, bem como absterem-se de promoções fundamentadas em ações de b ravura decorrentes da morte dessas pess oas; - XIV será d ivulgado, trimestralmente, no Diário O ficial da unidade fed erada, relató rio de estatísticas criminais que regi stre o número de casos de mo rte ou lesões corporais decorrentes de atos praticados por p o liciais civis e militares, bem como dados referentes a vítimas, classificadas por gênero, faixa etária, raça e cor; - XV será assegurada a inclusão de conteúdos de Direitos H u manos nos concursos para p rovimento de cargos e nos cursos de formação de agentes de segurança pública, membros do Poder Judiciário, do M i nistério Público e da D e fensoria Pública, com en foque historicame nte fu ndamentado sobre a necessidade de ações e processos assecuratórios d e política de segurança baseada na cidadania e nos d i re itos humanos; - XVI serão i nstaladas câmeras de vídeo e equipam entos de geolocalização (G PS) em todas as viaturas p oliciais; - XVI I é vedado o uso, em fardamentos e veículos oficiais das polícias, d e símbolos e expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e jargões em músicas ou j i ngles de treinamento que façam apologia ao crime e à violência; - XVI I I o acompanhamento psicológico cons tante será assegurado a p o liciais envolvidos em conflitos com resultado morte e facultado a fam iliares de vítimas de agentes do Estado; - XIX cumpre garantir a devida reparação às vítimas e a familiares das pessoas mortas em decorrência de intervenções p o liciais; - 1 93 VOLUME l i ROG ÉRIO G RECO XX será assegurada reparação a fam i liares dos policiais m o rtos e m decorrência de sua atuação profissional l egítima; - XXI cumpre condicionar o repasse de verbas federais ao cumprime nto de metas públicas de redução de: - a) m ortes d ecorrentes de i ntervenção policial em s ituações d e alegado confronto; b) h o micídios com suspeitas de ação de grupo de extermínio com a parti cipação de agentes públicos; e c) d esaparecimentos forçados registrados com suspeita de p articipação d e agentes públicos. XXII cumpre criar unidades de apoio especializadas no â mbito dos M i n istérios Públicos para, em casos d e h o m i cídios decorrentes de intervenção policial, p restarem devida colaboração ao promotor natural p revisto e m lei, com conhecimentos e recursos humanos e financeiros n e cessários para a investigação adequada e o processo p enal eficaz. - Art. 3 º. Cumpre ao M i nistério Público assegurar, p o r meio de s u a atuação no controle externo da atividade p o li c ial, a i nvestigação isenta e i mparcial de homicídios d ecorrentes d e ação policial, s em prejuízo de sua própria i n i ci ativa investigatória, quando necessária p ara instruir a eventual propos itura de ação penal, bem como zelar, e m conformidade com suas competências, pela tramitação prioritária dos respectivos processos admini strativos disciplinares instaurados no âmbito das C o rregedorias de P o l ícia. Art. 4º. O Conselho de D e fesa dos D ireitos da Pessoa Hu mana oficiará os ó rgãos federais e estaduais com atrib u i ções afetas às recomendações constantes desta Resolução dando-lhes ciência de s eu inteiro teor. Art. 5º. E sta Resolução entra em vigor na data de sua publ icação. 194 C A P ÍT U LO 4 I N D U Z I M E N T O , I N S T I GAÇÃO O U AU X Í L I O A S U I C Í D I O I n duzim ento, instigação o u auxíli o a s u i c í d i o Art. 1 2 2 . I nduzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxíli o para que o faça: Pena - reclusão, d e 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o sui cídio se consuma; ou reclusão, d e 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa d e suicíd io resulta lesão corporal de natureza grave. Pa rágrafo único . A p e na é duplicada: Aumento de pena I - se o crime é p raticado por motivo egoísti co; I I - se a vítima é menor ou t e m d i mi nuída, p or qualquer causa, a capacidade de resistência. 1. INTRODUÇÃO Que motivos levariam alguém a eliminar a p rópria vida? Ato de covardia o u de extrema co ragem? O suicídio, também denominado pela medicina de a u tocídio ou a u toquiria, é u m dos e nigmas que envolvem a humanidade. A falta de esperança, a ausência completa de qualquer resposta aos seus problemas, o desconhecimento da pessoa de Deus podem levar alguém a eliminar a p rópria vida. O sui cida, em virtude do desespero de que é acometido, pratica o ato extremo de matar-se, entendendo-o como única e última resposta a tudo que enfrenta. 1 De acordo com a lições de Emiliano Borja Jiménez, "o suicídio, que pode ser definido como a morte voluntária, querida e desejada, de u ma pessoa com capacidade de agi r, é uma conduta propriamente h u mana, e praticamente desconhecida pelo resto dos seres vivos. Quando uma pessoa chega á convicção de que sua existência já não tem sentido, de que o sofrimento apaga todos seus projetos, desejos e prazeres, e decide q u itar a própria vida, o Direito não pode intervir proibindo esse comportamento, e menos ainda sancioná-lo. Pois se o suicida conseguiu seu objetivo, nada nem ninguém pode atuar j u ridicamente contra ele. E se não logrou seu propósito, o único que poderia conseguir a imposição de uma sanção era justamente um efeito contrário ao que se perseg ue: que o sujeito volte a tentar acabar com sua vida por conta do sofrimento adicional que derivaria de seus novos problemas com a administração da justiça" ( Curso de política criminal, p. 1 26). 195 RoGÉ RJ O GREco VOLUME l i C o m o s e percebe pela l eitura d o art. 1 2 2 d o Código Penal, não s e pune aquele que tentou co ntra a própria vida e escapou da morte, mas tão somente aquele que o i nduziu, in stigou ou auxiliou m aterialmente para esse fi m. Vários raciocínios i mpedem a p u n ição daquele que queria se matar e não conseguiu. D entre eles, podemos citar u m argumento, de ordem l ógica, no sentido de que se a vítima - e é ass i m que devemos chamá-la - tentou contra a própria vida por não suportar alguns momentos tormentosos pelos quais pas sava ainda quando estava e m l i be rdade, que dirá se for colocada no cárcere. Lá, então, com todo o tratamento i n digno que receberá, s e sentirá infi nitamente mais estimulada a tentar novamente o suicídio. M erece ser frisado, ainda, tam b é m como argumento contrário à p unição do sobrevivente à tentativa de suicídio, que se punir tal comportamento ofenderia o princípio da lesividade. Para que o legislador possa criar os tipos penais incriminadores, numa visão garantista-constitucional do D i reito Penal, deverá observar todos os princípios que lhe servirão de norte, a exemplo da intervenção mínima, l esividade, adequação s o cial, proporcionalidade etc. D e acordo com o enfo que do princípio da lesividade, podemos trabalhar, segundo N ilo Batista, 2 com quatro vertentes que lh e são fundamentais, a saber: a) proibição de incriminações que digam respeito a uma atitude interna do agente; b) proibição de incriminações d e comportamentos que não excedam ao â mb ito do próprio autor; c) proibição de incriminações de simples estados ou condições existenciais; d) proibição de incriminações de co ndutas desviadas que não afetem qualquer bem j urídico. N a verdade, podemos resumir todas as vertentes anunciadas por Nilo Batista em um único raciocín i o : o D i reito Penal só pode, de acordo com o princípio da lesividade, proibir comportamentos que extrapolem o âmbito do próprio agente, que venham a atingir bens de terceiros, atendendo-se, pois, ao b rocardo n u/la !ex poenalis sine injuria. Ass i m, por mais que a vida seja u m bem que mereça a proteção d o E stado, dada sua evidente importância, tal p roteção não poderá ser realizada por intermédio do D i reito P e nal na hipótese daquele que procura eliminar a própria vida. Is so porque tal comportamento não atinge bens de terceiros, senão os do p róprio agente, da mesma forma que não pode o Estado punir, também por intermédio do D i reito Penal, as automutilações. O raciocínio é idêntico. A i ntegridade corporal é um bem de relevo que merece a proteção estatal. Contudo, o fato de se automutilar d eve ficar afastado do D i reito Penal, uma vez que tal comportamento não u ltrapassa a esfera do próprio agente. BATISTA, Nilo. Introdução crítica a o direito penal, p . 92-94. 1 96 I N DUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTU LO 4 Para nós, p ortanto, resumindo, os fundamentos principais da proib ição de incriminação da tentativa d e suicídio são: a falta de logicidade de tal punição, haja vista que aquele que p ro curar tirar a própria vida enquanto estava em liberdade não hesitará em fazê-lo quando estiver no cárcere, b em como o fato de que a conduta de tentar e l i minar a própria vida não se amolda às exigências do princípio da lesividade. Entretanto, embora seja atípica a conduta daquele que sobreviveu ao ato extremo, tem-se entendido pela il icitude de tal comportamento, uma vez que o Código Penal afirma não se confi gurar o delito de constrangimento i legal a coação exercida para impedir suicídio, ao contrário de outros atos cons iderados m eramente imorais, a exemplo da p ro stituição. Nesse sentido, afirma H ungria: "Qu e o suicídio não é u m fato j uridicamente lícito, de modo a tornar i legítima a incriminação da participação nele, está a demonstrá-lo, indiretamente, o art. 1 46, § 3u, nu l i, do nosso atual Código, que declara não constituir crime de constrangime n to ileg al 'a coação exercida para impedir suicídio"'.3 Assim, se alguém, mediante violência ou grave ameaça, mes mo q ue no intuito de ajudar a vítima, a impede de prostitu ir-se, estaria praticando a infração penal tipifi cada no art. 146 do estatuto repressivo, vale dizer, o delito de constrangimento ilegal. Ao contrário, se o agente, por exem plo, mediante o em prego de violência, impede que a vítima extermine a própria vida, não pratica qualquer delito, pois, nesse caso, a própria lei penal entendeu por bem afastar a tipicidade desse comportamento, deixando antever, portanto, como afirmado por Hungria, a ilicitude da conduta l evada a efeito por aquele que tentou contra sua vida. 2. C LA S S I F I C A Ç Ã O D O U T R I N Á R I A Crime comum; simples; de forma l ivre; doloso (pois o tipo penal não fez previsão expressa da modalidade culposa); comissivo (podendo, entretanto, ser praticado omissivamente nos casos d e omissão i mprópria, quando o agente gozar do status de garantidor) ; de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes (em caso de morte da vítima); não transe unte; monossubjetivo; plurissub s istente; de conteúdo variado (crimes de ação m últipla, podendo o agente levar a efeito os vários comportamentos previstos no tipo - i nduzir, instigar ou auxiliar -, devendo responder, tão somente, por uma única i nfração penal) . 3. S U J E I TO AT I V O E S U J E IT O P A S S I V O O d e lito d e induzimen to, i n stigação o u auxíli o ao suicídio pode s e r p raticado por qualquer pessoa, uma vez que o tipo penal não especifi ca o suj eito ativo. ·1 H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 222. 1 97 ROGÉRIO G RECO VOLUME l i O sujeito passivo, da mesma forma, p od erá s e r qualquer pessoa, desde que a víti ma tenha capacidade de discern imento, de a u todeterminação, pois, caso contrário, estaremos diante d o delito de homicídio. Tem-se discutido a respeito dessa capacidade de discernimento. Os inimputáveis p o r doença m ental, de fo rma geral, não a pos s uem. As s im, aquele que in duz um portador d e doença m ental a se matar não responde pelo delito de induzimento ao suicídio, mas, sim, pelo crime de h omicídio. N o que diz respeito aos menores, tem-se raciocinado com o lim ite de 1 4 anos, fazendo-se um paralelo, atualmente, com a idade constante do cap u t do art. 2 1 7 -A, que prevê o chamado estupro d e vulneráve l . Pode ocorrer, ainda, que a víti ma s e enco ntre numa situação em virtude da qual não tenha condições de resisti r ao comportamento p raticado pelo agente, como acontece nas hip óteses de hipnose. A vítima hipnotizada não possui controle sobre seus atos, não tendo, p o rtanto, capacidade de autodeterminação, razão pela qual se induzida a ati rar, por exemplo, contra a própria cabeça, o agente d everá responder pelo delito de homicídio. Tais s ituações decorrem do fato d e que a víti ma deve, efetivamente, querer praticar o ato extremo d e s e matar. É fundamental que sua vontade não seja viciada, que conheça a magnitude do ato que está prestes a praticar. Nas precisas l i ções de Luiz Regis Prado, "caracterizado estará o delito de h o micídio (art. 1 2 1, C P) caso a víti ma não realize, de fo rma voluntária e consciente, a supressão da própria vida. Assim, nas hi póteses de coação física ou m o ral, debilidade m ental, erro provocado por terceiro, punível será o agente como autor mediato do crime de ho m i cídio".4 Con fo rme se p e rcebe pela citação acima, aquele que induz, instiga ou auxilia materialmente alguém que não possua capacidade de discernimento deve ser considerado a u tor m ediato do delito d e homicídio. A víti ma, na verdade, deve ser encarada como um instrumen to con tra si própria, em face da ausência da possibilidade de conhecimento da gravidade de seu comportamento. Também me rece destaque o fato d e que o suj eito passivo deve ser determin ado, po dendo, contudo, tratar-se de mais de uma pessoa ou, m esmo um grupo considerável de pessoas. Recorde-se o fato acontecido na selva tropical da Guiana, no dia 18 de novembro d e 1 9 78, em que o líder espiritual Jim Jones i n duziu, aproximadamente, 900 fi éis a cometer suicídio, tomando uma mis tura de suco de frutas, cianu reto, analgés icos e tranquilizantes. Ao contrário, conclamações genéricas do tipo todos devemos morrer em sinal de pro testo à negligência do governo não se prestam para fi ns de reconhecimento PRADO, Luiz Regis. Curso de direiro penal brasileiro, v. 2 , p. 67. 1 98 I N DUZIMENTO, I N STIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTULO 4 da infração penal em estudo. Se alguém se sentir estimulado pelo discurso entusiasmado do fanático o rador, este não responderá pelo delito do art. 1 2 2 d o Có d igo Penal, pois a s vítimas devem s e r determinadas, o u pelo menos determináveis, como é o caso dos grupos. 4. PARTICI PAÇÃO M O R A L E PARTICI PAÇÃO MATE RIAL A redação contida n o capu t d o art. 1 2 2 d o C ódigo Penal nos permite concluir pelas m o dalidades de partici pação m ora l e m a terial no mencionado delito. Embora uti l izemos as expressões participação moral e participação m a terial, as hipóteses não são as de participação em sentido estrito, como oco rre no concurso de pessoas. O termo e mpregado denota, na verdade, formas diferentes de realização do tipo. São, outrossim, meios de execução da infração penal. Esclarecido esse ponto, que poderia nos levar a conclusões equivocadas sobre a natureza do comportamento praticado por aquele que induz, instiga ou auxilia a vítima a dar cabo da própria vida, sendo este, portanto, considerado verdadeiramente autor, e não partícipe, tem-se entendido subdividir o comportamento do agente, intitulando-o de participação m oral e participação material. Ocorre a participação moral nas h i p óteses de induzimento ou instigação ao suicídio. Induzir significa fazer n ascer, criar a ideia suicida na vítima. Instigar, a seu turno, demonstra que a ideia de eliminar a própria vida j á existia, sendo que o agente, dessa forma, refo rça, estimula essa ideia j á preconcebida. N a p articipação m a terial o agente auxilia materialmente a vítima a conseguir o seu intento, fornecendo, por exemplo, o i ns trumento que será utilizado na execução do autocídio (revó lver, faca, corda para a fo rca etc.), ou mesmo simplesmente esclarecendo como usá-lo. M e rece ser registrado que em toda participação material encontra-se i mp lícita uma dose de i nstigação. Aquele que fornece, por exemplo, uma p istola para que a víti ma atire co ntra a própria cabe ça, ao entregar-lhe a arma, está, com isso, aprovando e estimulando a prática do ato de autoextermínio. C o m base n o raciocínio anterior, devemos analisar a hipótese em que a víti ma, auxiliada materialmente pelo agente, d eixa de lado o instrumento que lhe fora fo rnecido. I magine-se o fato e m que o agente empresta uma pistola à víti ma para que com ela seja levado a efeito o suicídio. Se a vítima, deixando de lado a arma de fogo que lhe fora entregue pelo agente, vier a sui cidar-se de outro modo, por exemplo, fazendo a ingestão d e veneno, o agente deverá responder pelo delito em estudo? Acreditamos que o agente som ente responderá pelo delito se o fato de emprestar-lhe a arma contribuiu, decisivamente, para a prática do suicídio, considerando-o tam b ém como uma in stigação. Pode acontecer, por exemplo, que a vítima peça a arma emp restada ao agente, confessando sua intenção suicida, sendo que este, mesmo anuindo ao 199 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i pedido, diz-lhe para "pensar b e m no que vai fazer". E mb ora tenha aqui, a toda evidência, u m auxíli o material, uma vez que o agente sabia da vontade da vítima e m e liminar a própria vida com a arma por ele cedida, po demos, neste caso, des cartar a infração penal caso o suicídio tenha sido cometido por outros m eios, como o caso já citado do veneno. Assim, como regra geral, m antendo a linha do raciocínio anterio r, podemos visualizar uma instigação na prestação de auxílios materiais, ressalvando a possibil i dade de ser excepcio nada, como no exemplo citado anteriormente. A conduta levada a e fe ito pelo agente deve, ai nda, l i mitar-se a induzir, instigar ou a auxiliar materialmente aquele que p rocu ra eliminar a própria vida. Com isso estamos querendo afi rmar que se o agente vier a p raticar qualquer a to de execução deverá respo nder pelo deli to de h omicídio, conforme analisaremos mais adiante ao estudarmo s algumas situações específicas, como na h ipótese do suicídio conj unto. Sendo considerado u m crime de conteúdo múltiplo, aquele que, após fazer nascer a ideia suicida na vítim a, a i nstiga e também a auxilia materialmente, resp onderá por um único delito. 5. O B J ETO M AT E R I A L E B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I DO A vida é o bem j uridicamente p rotegido pelo tipo do art. 1 2 2 do C ó digo Penal, sendo que a pessoa co ntra a qual é dirigida a conduta do agente é o obj eto material do crime d e induzime nto, i nstigação ou auxílio ao suicídio. 6. E L E M E N TO S U B J E T I V O O delito d e induzimento, i nstigação ou auxílio a o suicídio somente pode ser p raticado dolosamen te, seja o dolo direto ou even tual, ficando afastada sua punição mediante a modalidade culposa. Assim, o agente d eve d irigir finalisticamente seu comportamento no s entido d e criar a i deia suicida na vítima, ou mesmo esti mulá-la ou auxiliá-la materialmente a esse fim . Ce zar Roberto B itencourt afirma: "Nada impede que o dolo o ri entador da conduta do agente co n figure-se e m sua fo rma eventual. A doutrina procura citar alguns exemplos que, para i l ustrar, invocaremos : o pai que expulsa de casa a filha 'desonrada', havendo fortes razões para acreditar que ela se suicid ará, o marido que sevicia a esp osa, conhecendo a i ntenção desta de vir a suicidar-se, rei te ra as agressões". 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 2 , p . 1 24-1 25. 200 I NDUZIMENTO, I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTULO 4 A conduta do agente d eve, de alguma fo rma, exercer i nfluência na vontade da víti ma e m suicidar-se, bem como d everá ser idônea a este fim, não se configurando o delito quando o agente atua com a n im us jocandi, simplesmente com o intuito de com ela b rincar. N ã o existe p revisão l egal para a responsabilidade penal do agente que, culposamente, contribui para o suicídio praticado pela vítima. Assim, i magine-se a hip ótese daquele que, sabendo das i ntenções s uicidas da vítima, negligentemente, esquece-se de guardar sua arma em l ocal seguro, permitindo que esta a utilize n a p rática do auto extermínio. N esse caso, o fato p raticado pelo agente seria atípico, tendo e m vista a ausência de p revisão legal para a modalidade culposa do delito em exame. 7. M ODALIDADES C O M I SSIVA E OM ISSIVA A redação do art. 1 2 2 do C ó digo Penal permite visualizar q u e tal i n fração penal d everá ser p raticada comissivamente, i sto é, o agente pratica algum comportame nto di rigido a i n fluenciar diretamente o âni m o da vítima no sentido de p raticar o suicídio. Questão controvertida, que vale ser de stacada, diz respeito à possibilidade de o delito e m te la ser p raticado via o m i ssão. Será que a inação do agente p o deria ser considerada parte i ntegrante do tipo penal? I n i cialmente, mesmo q u e a resposta i mporte em alguma discussão, s o mente po deríamos, in casu, entender como relevante a omissão do agente que gozasse do sta tus de garantidor, uma vez que não tendo sido p revista expressamente qualquer modalidade omissiva no tipo penal, a única omissão cabível na espécie seria a d e natureza imprópria (comissiva-o missiva) . A b in itio, devemos destacar as três s ituações que i mportam na p rática do delito em estudo, vale dizer, instigação, in duzimento e a uxílio m a terial ao suicídio. As duas primeiras sugerem sempre um fazer, isto é, um comportamento positivo dirigido a criar a i deia su i cida ou, pelo menos, reforçar aquela já existente. N o que diz respeito à prestação d e auxílios materiais, sua p rática, via inação do agente, não pode s e r de todo descartada. Vej amos algumas posições. Luiz Regis Prado, admitindo tal possibi l idade, aduz: "Em verdade, o auxíli o a su i cídio p o r omissão é, em tese, admitido, se o o mitente ocupa posição de garante. E ntretanto, esta não existe ou desaparece a partir do momento em que o suicida recusa a aj uda para impedir o ato suicida o u manifesta sua vontade nesse senti d o . Se irrelevante a vontade do suicida p o r não ter discernimento o u maturidade suficientes para compreender e assumir plenamente as consequências 201 ROGÉRIO G RECO VOLUM E I I do ato suicida, o comportamento omissivo con figuraria, em princípio, o delito d e h o micídio com issivo por omissão".6 Apesar da força do raciocínio acima, e ntendemos que se o agente possui o status de garantidor, não será a vontade expressa da vítima em se matar que terá o condão de a fastar a sua responsabilidade penal se, no caso concreto, podia agir fi sicamente a fim d e evitar o resultado. E mbora devendo agir, pois considerado garantidor, se no caso concreto encontrava-se impossibilitado fisicamente para tanto, e l i minada será a sua responsabilidade penal. Sheila B ierrenbach, com a lucidez que lhe é peculiar, assevera: " Gravado na sede dos sujeitos especiais dos delitos omissivos impróprios, o poder d e agir constitui-se em pressuposto do dever de agir. Há d e ser i nterpretado como a capacidade por parte do o mitente de agir com êxito para conj urar o perigo que paira sobre o b e m, salvando-o e, em consequência, afastando a ocorrência do evento típico. N este sentido, o dever de agir, que deflui das posições de garantia elencadas nas alíneas d o art. 1 3, § 2ª, não prescinde da possibilidade real, física, de atuar do garante. Vale dizer, de sua presença física, quando o perigo se instala ou está na i minência de i nstalar-se sobre o b e m j urídico, b e m como a p ossibilidade de salvá-lo, con venien temen te". 7 São p erfeitas as l i ções de Aníbal B ru n o quando diz: "O auxílio pode tomar a fo rma de ação o u omissão. Por omissão pode-se p restar auxíli o a suicídio, se o sujeito, em virtude da relação de D ireito que crie a obrigação de custódia e assistência e m face do su icida, tinha o dever j urídico de imp e d i - l o . A ssi m , a mãe d a j ovem apaixonada e desiludida nos seus amores, cuj o propósito d e sui cidar-se ela p ercebe, tem o dever de impedi-lo. De igual modo, ao enfermeiro que tem a seu cargo um doe nte deprimido, o u extremamente possuído de dores, que, como ele conh ece, pensa em matar-se, corre a obrigação de evitar que venham ao seu alcance meios de realizar esse i ntento. Se o j ovem, com i ntenção suicida, entra no quarto e abre a torn e i ra de gás, o pai que chega em seguida tem o d ever j u rídico d e impedir a morte e responde, e m caso de o missão, por p articipação e m suicídio".ª PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. li, p. 70. BIERRENBACH, Sheila. Crimes omissivos impróprios, p. 93. BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 40. 202 I N DUZIMENTO. I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTULO 4 E conclui seus ensinamentos dizendo: "Aquele que conscientemente o mite a ação a que estava obrigado pela sua situação d e garantidor, a fim de evitar a lesão de um b e m que ele garante, favorece o ato danoso que lhe cumpre i m p ed ir, presta a este um auxílio no mesmo grau que aquele que o faz de maneira posi tiva e material".9 Em sentido contrário, trazemos à colação os argumentos de Frederico M arques: "N ã o há a uxílio por om issão, como querem ilus tres mes tres e d outri nadores do Direito Penal. Prestar auxílio é sempre cond uta comissiva. A expressão usada no núcleo do tipo (prestar- lhe auxílio para que o faça) d o art. 1 2 2 impede a admissão de auxílio omissivo. Como disse PAC H ECO, p restar a uxilio es algo más que esse silencio, que esa o m isión. Eso es abstenerse, no h acer nada, y qu ien nada h ace, quien se abstiene, p resta a uxilio a n ing ún i n te n to. " 1 0 Entendemos, como a maior parte da doutrina, ser admissível a p restação de a uxílio por om issão, desde que o agente se encontre na pos ição de garante, quando, no caso concreto, devia e podia agir para evitar o resultado, razão pela qual pode rá respond er, de acordo com a norma de extensão prevista no § 2u do art. 13 do C ódigo Penal, pelo delito tipificado n o art. 1 2 2 do mencionado diploma repressivo, se com a sua omissão dolosa co ntribuiu para a ocorrência do resultado morte da víti ma. 8. C O N S U MAÇÃO E T E NTATIVA O prece ito secundário do art. 1 2 2 do Cód igo Penal d i z q u e a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 e seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 e um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta l esão corporal de natureza grave. D essa redação, podemos concluir que o delito de induzimento, instigação ou auxíli o ao suicídio se consuma quando ocorre, primeiramente, a morte da vítima ou, ainda, quando esta, mesmo sobrevivendo, s o fre lesões corporais de natureza grave, ou seja, aquelas p revistas nos §§ 1 u e 2u do art. 1 2 9 do Código Penal. Se, e ntretanto, ainda que i nduzida, i nstigada ou auxiliada materialmente pelo agente, a vítima, tentando co ntra a própria vida, não conseguir produzir qualquer dano à sua saúde o u i ntegridade fís ica, ou sendo as lesões corporais de natureza leve, d everá o agente ser responsab ilizado pela tentativa de suicídio? A resposta, aqui, só pode ser negativa, pois a lei penal determinou um mínimo de lesão p ara que o agente pudesse responder p ela i n fração penal em estudo. BR UNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p . 1 40. MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 1 63-1 64. 203 RoG ÉRJo G REco VOLUME l i Assim, ou a vítima sofre, no mínimo, lesões corporais de natureza grave, e o agente responde pelo delito, a título de consumação, ou o fato de tê-la induzido, instigado ou auxiliado materialmente ao suicídio será considerado um indiferente penal, não se po dendo i mputá-lo ao agente a título de tentativa. D i scute-se, p o rtanto, a respeito da n atureza j u rídica do resultado existente no tipo, que teria o condão de eliminar a possib lidade de tentativa, caso não fosse realizado. D u as correntes se formaram. Ilustrativamente, podemos citar, de um lado, a corrente esposada p o r N élson H ungria, defendendo a natureza j urídica d e con dição objetiva de pu n ib ilidade, dizendo: "Por vezes, a lei p enal, ao incriminar um fato e cominar a pena correspondente, condiciona a imposição desta a um d eterminado acontecimento. Chama-se este condição de p u n ibilidade (Bedingung der Strafbarkeit) . O crim e s e consuma c o m a ação o u o m i ssão descrita no preceito l egal, mas a punição fica subordinada ao advento (conco mitante ou sucessivo) de u m certo resultado de dano, ou a um quid p lu ris extrínseco (como, p o r exemplo, a queixa nos cri mes de açã o privada) . É o que acontece com o cr ime de participação em suicídi o : embora o crime se apresente consumado com o simples induzime nto, i nstigação ou prestação de auxílio, a punição está condicionada à superveniente consumação do suicídio ou, no caso d e mera tentativa, à produção de lesão corp ora l de n a tureza grave na pessoa do frustrado desertor da vida. Se não se segue, sequer, a tentativa, ou esta não produz lesão alguma o u apenas ocasione uma lesão de natureza l eve, a p articipação ficará impune".1 1 Por outro lado , D a m ási o de J esus advoga a tes e da a típicidade do comportamento que não produza l esão corporal grave ou a m orte da vítima, considerando-os, portanto, como elemen tos do tipo, assim se manifestand o : " N ã o existe tentativa d e p articipação em suicídio. Trata-se d e hipótese e m que o legislador condiciona a i mposição de pena à produção d o resultado, que n o caso pode ser a m orte ou a lesão corp o ral d e natureza grave. A s i mples conduta de induzir, i nstigar ou p restar auxíli o para que alguém se suicide, não vindo a ocorrer o resultado morte ou lesão corporal de natureza grave, não constitui delito. C uida-se de delito m aterial, d e conduta e resultado, em q ue o legislador condici o na a imposição da pena à p rodução do res ultado p or ele exigido. S e não h á ocorrência de morte ou de lesão corporal de natureza grave, o fato é atípico". 12 H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V , p. 230. J ESUS, Damásio E . de. Direito penal, v. l i , p. 1 01 . 204 I NDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A S U ICÍDIO CAPÍTULO 4 E ntendemos ser melhor a posição de H ungria. Na verdade, a conduta praticada pelo agente que i n d uz, instiga ou auxilia o agente é típi ca, ficando, contudo, condicionada sua punição som ente às h ipóteses de ocorrência de lesão corporal de n atureza grave o u morte da vítima. Não podemos d eixar d e mencionar, a inda, a expressão contida na s egunda parte do prece ito secundário do art. 1 2 2 do Código Penal, quando diz: Se da ten ta tiva de suicídio resu lta lesão corp oral de n a tureza grave. Quando a lei penal fala e m tentativa d e suicídio, o bviamente, pela ilação que se faz do artigo, está se referindo à vítim a que tentou contra a própria vida e sobreviveu, e não ao comportamento p raticado p el o agente. A expressão se da ten ta tiva de suicídio tem um destinatário certo : a vítima que tentou s e matar, e não aquele que a induziu, instigou o u auxil i o u n o ato frustrado. O que se quer reconhecer nessa h i pótese, como também em o utras passagens do C ó d igo Penal, a exemplo d o que ocorre com o art. 3 5 2 (evasão mediante violência contra a pessoa), é que, embora, à primeira vista, possamos raciocinar em termos de tentativa, não terá aplicação a norma contida no parágrafo único do art. 14 do C ó digo Penal. Isso significa que a lei penal elevou ao sta tus d o crime consumado u m comportam ento que, à primeira vista, conduziria tão somente à uma infração p enal tentada. Para o Código Penal, portanto, existe, sim, a tentativa de suicídio, praticada pela vítima, e não a tentativa da infração penal atribuída ao agente, pois não lhe será aplicada a redução de pena constante do parágrafo único do art. 1 4. CAU SAS D E A U M E NTO D E P E N A 9. Preconizam o s incisos l e l i d o parágrafo único d o art. 1 2 2 d o Código Penal que a pena será duplicada: l se o crime é praticado por motivo egoístico; li se a vítima é menor ou tem d i m in uída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. - - I n icialmente, d evemos salientar que o parágrafo único do mencionado art. 1 2 2 contém causas especiais d e aumento de pena (ou maj o rantes), e não qualificadoras, como afirmam alguns autores, a exemplo de Frederico Marques. 1 3 Assim, some nte no terceiro momento do critério trifásico de apli cação da pena é que será considerada a maj o ra nte, duplicando-se a pena que tiver sido encontrada até aquela fase. I magine-se a h i p ótese e m que o j ulgador, após condenar o agente pela prática do delito em tela, comece o raciocínio correspondente à aplicação da pena. Suponhamos que todas as circunstâncias j udiciais lh e sejam favoráveis, razão MARQUES, José Frederico. Tratado d e direito penal, v . IV, p. 1 67 . 205 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I pela qual, tendo e m vista que a vítim a, efetivamente, viera a falecer, fixa a p ena­ -base no mínimo l egal, vale dizer, e m 2 (dois) anos. N o momento seguinte, o u seja, quando da anális e das circunstâncias atenuantes ou agravantes, o juiz p ercebe a existência de uma certidão de nascimento nos autos comprovando que o agente era menor de 2 1 anos à épo ca, devendo, portanto, nos termos do art. 6 5, 1, do Código Penal, atenuar a pena-base que l h e fora aplicada. Suponhamos que a redução tenha sido de 2 (dois) meses, ficando, agora, a pena em 1 (um) ano e 1 0 (dez) meses de reclusão. N o terceiro momento, o juiz verifi ca, mediante a análise do conj u nto probatório, que o réu praticou o delito i mpelido por um motivo egoístico, e duplica a p e na até então encontrada, que passa a perfazer o total de 3 (três) anos e 8 (oito) meses. Entendidas como causas especiais d e aumento de pena, vamos à análise de cada uma delas, individualmente: a) Motivo ego ístico. Por motivo egoístico entende-se o m otivo mesquinho, torpe, que cause certa repugnância, a exemplo da h i pótese e m que o agente induz seu irmão a cometer o suicídio a fim de herdar, sozinho, o p atrimônio deixado pelos seus pais. Guilherme de Souza N ucci ainda o d efine dizendo tratar-se "do excessivo apego a si mesmo, o que evidencia o desprezo pela vida alheia, desde que algum b enefício concreto advenha ao agente. Logicamente merece maior punição". 1 4 b) Vítima menor. Quand o a lei p enal fala em vítima menor, está s e referindo àquela menor de 18 anos, data e m que se i n icia a maturidade penal, e maior de 1 4 (catorze) anos. Caso a vítima não tenha, ainda, completado 14 (catorze) anos, haverá uma presunção no senti d o da sua incapacidade de discernimento, o que conduzirá ao reconhecimento do h omicídio, afastando-se, portanto, o delito d o art. 1 2 2 do Código Penal. N ão é demais lembrar que tal presunção é relativa, podendo, no caso concreto, ser a vítim a menor d e 14 (catorze) anos de idade e não se configurar o h o m ic íd io, devendo, po rtanto, nessa h i pótese, ser a pena dupli cada. c) Vítima que tem diminuída, por qualq uer causa, a capacidade de resistência. A lei fala e m dimin u ição da capacidade de resistência e não em eliminação dessa capacidade. S e a vítima tem eliminada a capacidade de resistir, o delito será de homicídio; se a sua capacidade está diminuída, o crime será o do art. 1 2 2 do Código Penal, tendo o agente a pena duplicada. Podem ser citados como exemplos d e d i m i nuição de capacidade o fato de estar a víti ma embriagada, sob o e fe ito de substâncias entorpecentes, deprimida, angustiada, com algum tipo d e e nfermidade grave etc. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 401 . 206 I N DUZIMENTO, I N STIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTULO 4 PENA, AÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO P ROCESSO 1 O. S e o s uicídio se consuma, a pena é d e reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos; se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão d e 1 (um) a 3 (três) anos. Em ambas as h i p óteses a ação penal é d e iniciativa pública incondicionada. O correndo lesão corporal de natureza grave, permite-se, presentes os requisitos contidos no art. 8 9 da Lei n" 9 . 0 9 9 / 1 9 9 5 , seja levada a efeito proposta de suspensão condicional do processo pelo M inistério Público, fi cando afastada tal possibilidade na hipótese em que o crime for cometido por motivo egoístico, bem como quando a vítim a é menor o u tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência, uma vez que, nesses casos, a pena será duplicada, nos termos do parágrafo único do art. 1 2 2 . 11. D E STA Q U E S 1 1 . 1 . S u i c íd i o c o n j u n to ( P a cto d e m o rte) I m possível discorrer so bre o cri me d e induzimento, instigação ou auxíli o ao suicídio sem fazer menção ao chamado suicídio conjunto ou pacto de morte. Assim, no exemplo em que dois namorados, contrariados porque ambas as famílias não permitem o romance, resolvem suicidar-se, devemos sempre ter em fo co o comportamento d e cada u m deles, n o sentido de conseguirem sucesso no plano d e morte. Isso p orque, conforme afirmamos, para que responda pelo delito do art. 1 2 2 do Código Penal, o agente não pode ter praticado qualquer ato de execução característico do delito de h o m icídio, po is, caso contrário, deverá ser respo nsabilizado p o r esse delito. I magine-se a h i p ótese daquele casal de namorados que, após decidirem que eliminariam a vida, resolvam fazê-lo com o emprego de um revólver. Como a menina não tinha força suficiente p ara apertar o gatilho, seu namorado, "gentilmente", aponta-lhe a arma em d i reção à cabeça e puxa o gatilho, causando­ -lhe a morte. Ele, logo em seguida, faz o mesmo, atirando co ntra a própria cabeça. Co ntudo, embora fe rido gravemente, consegue sobreviver. Teria o namorado sob revivente cometido o delito do art. 1 2 2 do C ódigo Penal? A resposta, aqui, só pode ser n egativa, uma vez que, tendo executado comportamento característico do crime de h o micídio, deverá por este responder. Se cada um dos namorados, cada qual com sua própria arma, tivesse atirado co ntra a cabe ça, o sob revivente responderia pelo delito de induzimento, i nstigação ou auxíli o ao suicídio. Podemos citar, ainda, o exemplo trazido à colação por Hungria, quando os namorados pactuados em morrer j untos optam por fazê-lo por asfixia de gás 207 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I carbônico, "e enquanto u m abria o b ico de gás, o outro calafetava as frinchas do compartimento. Se qualquer deles sobrevive, responderá por homicídio, pois concorreu materialmente no a to executivo da morte do outro. Se ambos sobrevivem, responderão por tentativa de h omicídio. No caso em que somente um deles tivesse calafetado as frestas e aberto o bico de gás, responderá este, na hipótese de sobrevivência de ambos, por tentativa de homicídio, enquanto o outro responderá por instigação a suicídio",15 desde que, acrescentamos à conclusão do grande penalista brasileiro, neste último caso, ocorra lesão corporal de natureza grave. 1 1 . 2 . G reve de f o m e Inicialmente, devemos salientar que aqueles que, reivindicando s e r atendidos em um pedido qualquer, com o obj etivo de sensibilizar os responsáveis, dão início à chamada "greve de fo me", não atuam no sentido de querer causar a própria morte. A regra, na verdade, é que nutrem a esp erança de serem atendidos o mais rápido p ossível, a fim d e que possam sair daquela situação desconfortável. Em cada caso, d eve mos p ro curar saber quais são os agentes que, em razão d e sua particular condição, a exemplo do médico, carcereiro etc., gozam do sta tus de garantidor, com a finalidade d e poder-lhes atribuir eventual resultado (morte ou lesões). Contudo, podem existir s ituações e m que os grevistas se encontrem realmente dispostos a morrer pela causa que d efendem. A greve se transforma, muitas vezes, e m u m p rotesto, que pode ter consequências funestas. Não é incomum, nos dias de hoje, os canais d e televisão mostrarem cenas estarrecedoras de pessoas q u e lançam fogo co ntra o p ró p r i o corpo, transformando-se em tochas h u manas, para que as demais pessoas, vendo-as morrer, também se sensibilizem com a causa e m razão da qual entregaram a vida. Nesse caso, a exemplo daquilo que discorremos no item anterior, se a greve de fo me se transforma em um p rotesto m o rtal, o caso será resolvido como sendo o de p acto de mo rte, e voltaremos ao que dissemos acima. Se dois manifestantes, d e comum acordo, resolvem incendiar o próprio corpo, um agindo estimulado pelo outro, teremos aqui, mais uma vez, o pacto de morte, com os raciocínios que lhe são inerentes. Nesse caso, se u m dos manifestantes risca o fósforo e o arremessa ao corpo do outro, já totalmente embebido d e combustível, responderá pelo h omicídio, tentado ou consumado, se sob reviver. Agora, se ambos os manifestantes praticam todos os atos destinados a produzir-lhes a morte, o u seja, cada um deles j oga em s i mesmo o combustíve l e risca o fós foro, o sob revivente responderá pelo delito de induzimento, i nstigação ou auxíli o ao suicídio se ocorrer a morte do outro, ou se, pelo menos, resultar e m lesão corporal de natureza grave. H U N G R I A , Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 232. 208 I N DUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTULO 4 1 1 . 3 . Teste m u n h a s d e J e ová A se ita Testemunhas de Jeová foi fundada, em 1 8 7 2 , por Charles Taze Russel e tem como u m de seus d ogmas não ace itar a transfusão de sangue, sob o argumento, perm issa ven ia, e quivocado, de que intro duzir sangue n o corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus. O que fazer di ante d e uma situação em que um adepto da seita das Testemunhas de J eová, depois de ferir-se gravemente em um acidente de trâns ito, necessitando realizar uma transfusão de sangue, recusa-se a fazê-lo sob o argumento d e que prefere morrer a ser contaminado com o sangue de outra pessoa, que p assará a co rrer e m suas veias? I magine-se a s ituação e m que, sem a transfusão de sangue, a morte da víti ma sej a certa. Dessa forma, temos de observar os seguintes detalhes: a) o próprio agente, maior e capaz, recusa-se term inantemente a receber o sangue; b) seus pais, dada a falta de consciência do paciente, não permitem a transfusão; c) a responsabilidade do médico diante dessa h i p ótese. Entendemos que, no caso d e ser imprescindível a transfusão de sangue, mesmo sendo a vítima maior e capaz, tal comportamento deverá ser encarado como uma tentativa de suicídio, podendo o médico intervir, inclusive sem o seu consentimento, uma vez que atuaria amparado pelo inciso 1 do § 3° do art. 146 do Cód igo Penal, que diz não se configurar constrangimento ilegal a "i ntervenção médica o u cirú rgi ca, sem o consenti m e nto do paciente ou de seu rep resentante l egal, se justificada p o r i m i ne nte perigo de vida". Os pais daquele que não p o ssui capacidade para consentir são, conforme determina o § 2 ° do art. 13 do C ó digo Penal, cons iderados garantidores, tendo de levar a efe ito tudo o que esteja ao alcance deles, a fim de evitar a produção do resultado lesivo. S e o paciente, por exemplo, necessitava de transfusão de sangue, s ob risco i m in ente d e mo rte, também p oderá o médico, deixando de lado a orientação dos pais que seguem a seita das Testemunhas de J eová, realizar a transfusão de sangue, com fun damento no mencionado parágrafo do art. 1 4 6 do Código Penal. Ago ra, o que fazer com o s pais que não autorizam a necessária transfusão de sangue, retirando até mesmo seu fil h o do h os pital, o qual, em razão disso, vem a falecer? Embora a C o nstituição Fed eral, no i nciso VI do seu art. 5°, diga ser in violável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos relig iosos e gara n tida, n a forma d a lei, a p roteção a o s locais d e culto e as suas liturgias, entendemos que, nesse caso, deverão os pais responder pelo delito d e homicídio, uma vez que gozam do status de garantidores, não podendo e rigir e m s e u benefício a diri m ente relativa à inexigibil idade de conduta diversa. 209 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i S e p e rm itíssemos esse ra ciocínio, outras seitas que ap regoam o sacrifício de seres humanos, até mesmo med iante sua vontade expressa nesse s entido, ta mbém agiriam acobertadas por essa excludente da culpabilidade. N o que diz respeito à posição ocupada pelo médico, também acreditamos que, e nquanto o p aciente estiver sob o s seus cuidados, deverá levar a efeito to dos os procedimentos que estejam ao seu alcance, aí incluída a transfus ão de sangue, no sentido d e salvá-lo, pois que também é considerado garantidor. E m artigo específico sobre o tema, onde analisa a coexistência de p ri ncípios constitucionais, E lo b erg B ezerra de Andrade apo nta a existência de tratamentos alternativos à transfusão de sangue, o que p erm itiria respeitar a crença do pacien te sem colocar em risco a sua vida, aduzindo que: " N o decorrer dos anos a medicina desenvolveu alternativas as transfusões d e sangue, comumente denominadas de 'gerenciamento e conservação de sangue'. Essas estratégias terapêuticas se resumem e m quatro p rincíp i o s : reduzir a perda de sangue; preservar glóbulos vermelhos; estimular a p rodução de sangue; recuperar o sangue perdido. Como meio de prevenir a perda de sangue, o cirurgião pode utilizar i nstrumentos cirúrgicos que na medida em que cortam os tecidos, cauterizam os vasos sanguíneos, como é o caso do eletrocautério. Se durante a cirurgia ocorrer uma hemorragia no local que está sendo o p erado, é pos sível uti lizar o feixe de gás argônio como coagulador. Há também a cola de fibrina que estimula a coagulação por co ntato. Para a p reservação dos gl óbulos vermelhos, que são essenciais para o transp o rte de gases e nutrientes, a equipe médica pode empregar o uso da hemodiluição, técnica que, por meio de um circuito fechado e m co ntato com o corpo do paciente o sangue é desviado para bolsas e e m seguida são inj etados fluidos que a umentam o volume resultando em sangue diluído. Em caso d e sangramento, a p e rda de glóbulos vermelhos será reduzida. Seria como m isturar 2 litros de leite com 5 l itros de água, obtendo 7 l itros e m volume. D esse m o do, mesmo que se retire 1 l itro desse volume à perda de leite não s e rá tão d rástica. Conforme citado anteriormente, a produção de sangue p ode ser estimulada p o r meio d e drogas como a eritoproetina, i nterleucina e o aranesp. Para recup erar o sangue perdido d urante a cirurgia podem ser utilizados equipamentos como o Cell Saver." 210 (N OUZIMENTO, I NSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO CAPÍTU LO 4 E continua seu raci ocínio citando a revista Time: "Em outubro de 1 9 9 7 a revista Time publicou o artigo 'Bloodless Surgery' explicando os avanços da medicina sem sangue. Logo na introdução a matéria comenta o caso de um home m de 3 2 a n o s chamado Henry Jackson. Ele havia sofrido uma forte hemorragia i nterna, perdendo 90% do seu sangue. Seu nível de hemoglobina (que são vitais para o transporte de oxigênio) havia caído de 1 3g/dl para 1 , 7 . Seu quadro clínico era considerado extremamente crítico já que em um nível 6g/ dl d e hemoglobina a transfusão de sangue é recomendada. O hospital de New J ersey havia recebido H enry Jackson e a equipe médica que o atendia estava determinada a transfundir sangue. Mas a esposa do paciente que era Testemunha de Jeová estava dividida entre a vida do seu marido e sua crença religiosa. O paciente foi transferido para o H o spital Englewo od sob os cuidados da equipe do Dr. Aryeh Shander. A primeira medida que eles tomaram foi aplicar medicamentos no paciente para reduzir o consumo de oxigênio pelos músculos, cérebro e pulmões. Em seguida o pacie nte recebeu doses de suplementos de alto teor de ferro e d e vitam inas. Por fim, o paciente recebeu doses maciças de eriproetina e fl uidos intravenosos para manter a circulação. D epois de quatro dias o seu nível de he moglobina estava estabilizado. Curiosamente, o primeiro hospital havia ligado para saber s e Henry Jackson havia morrido. Sem disfarçar a satisfação o D r. Shander respondeu: 'Ele não só está vivo, mas está b em e pro nto para receber alta, e em pouco tem p o voltará às suas atividades normais'. O e mp rego das alternativas às transfusões de sangue permitem ao m é d ico tratar o paciente respeitando suas convicções pessoais ou religiosas. Toda a comunidade médica compreende que o corpo do paciente não é um mero obj eto nas mãos de um médico, mas que o paciente tem o direito de optar pelo tratamento que considera necessário. A relação entre médico e paciente deve ser pautada pela cooperação, não pela imposiçã o . " 1 6 D essa forma, sendo possível o tratamento alternativo, j á não mais poderemos imputar a p rática de qualquer i n fração penal aos respo nsáveis pelo paciente que, supo stamente, necessitava da transfusão d e sangue, fi cando, agora, os médicos obrigados a optar pela alternativa que não agrida suas crenças religiosas. ANDRADE, Eloberg Bezerra. Coexistência de princípios constitucionais. Revista d a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. 211 VOLUM E l i ROGÉRIO G RECO 1 1 . 4 . J u l g a m e n to p e l o j ú r i s e m a p re s e n ç a d o réu Dadas as alterações levadas a e fe ito n o Código de Processo Penal, não mais se exige a presença do réu e m plenário d o J úri para que possa ser realizado o seu j ulgamento. O art. 4 5 7 e parágrafos, com a redação determinada pela Lei nu 1 1 .689, de 9 de j unho de 2 0 08, dizem, verbis: Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularm ente intimado. § 1 u Os pedidos de adiamento e as j ustificações de não comparecime nto d everão s er, salvo comprovado motivo d e força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do J úri. § zu S e o acusado preso não for conduzido, o j ulgamento será adiado p ara o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo s e h o uver pedido de dispensa de comparecime nto subscrito por ele e seu defensor. 212 C A P Í T U LO 5 I N FA N T I C Í D I O Infa nticíd i o Art. 1 2 3 . Matar, sob a i nfluência do estado puerperal, o próprio fi lho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, d e 2 (dois) a 6 (seis) anos. 1. I NTRODU ÇÃO Relemb ra N oronha: "O infanticídio teve, através das épocas, considerações diversas. Em Roma, como se vê das l nstitutas de Justi niano (Liv. IV, Tít. XVI I I , § 6u), foi punido com pena atroz, pois o condenado era cosido em um saco com u m cão, um galo, uma víbora e uma macaca, e lançado ao mar ou ao rio. No direito medieval, a Carolina (Ordenação de Carlos V), art. 1 3 1, impunha o sepultamento em vida, o afogamento, o empalamento ou a dilaceração com tenazes ardentes. Foi no século XVI I I , sobretudo, que o delito passou a ser considerado mais b randamente, e hoje, não obstante vozes em contrário, é o rientação comum das legislações e também a seguida pelos C ódigos pátrios."1 Analisando a figura típica do infa nticídio, percebe-se que s e trata, na verdade, d e uma modalidade especial d e h om icídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do s uj eito ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em m e io a certo espaço de tempo, pois o delito deve ser praticado durante o parto o u logo após. O ideal seria, como veremos mais adiante, que o delito de infanticídio fosse tratado como uma espécie d e homicídio p rivilegiado, fi cando, dessa fo rma, umbilicalmente ligado ao cap u t do art. 1 2 1 do C ódigo Penal por meio de um parágrafo, coisa que não acontece atualmente, fazendo com que seja entendido como uma infração penal autô n oma. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p . 40. 2 13 ROG ÉRIO G RECO VOLUME 1 1 Seus traços marcantes e i nafastávei s são, po rtanto, o s seguintes : a) que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal; b) que tenha como o bj eto o próprio filho da parturiente; c) que seja cometido dura n te o pa rto ou, pelo menos, logo após. C LA S S I F I C A ÇÃO D O U T R I N Á R I A 2. Crime próprio (pois s o mente pode ser cometido pela mãe, que atua influenciada pelo estado puerp eral) ; simples; de forma livre; doloso, comissivo e o missivo i mpróprio ( u ma vez que o suj e i to ativo goza do status de garantidor); de d a n o; material; plurissubsistente; m o n ossubj etivo; não transeunte; instantâneo d e e feitos permanentes. S O B A I N F L U Ê N C I A DO E S T A D O P U E R P E R A L 3. A b initio, d eve s e r determinado u m conceito de estado puerperal, a fim de que se possa i n i ciar o raciocínio do delito de infanticídio. J orge de Rezende, traduzindo u m conceito médico de puerpério, esclarece: "Puerpério, sobreparto oupós-parto, é o período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações i nvolutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente, importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo às condições vigentes antes da prenhez. A relevância e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente subordinadas à duração da gravidez." 2 Apesar da defi n ição médica trazida à colação, tem-se entendido que o chamado estado puerperal não é tão somente aquele que se des envolve após o parto, incluindo-se nesse raciocínio o período do parto e também o sobreparto.3 Durante esse período, a parturiente s o fre abalos de natureza psicológica que a i nfl uenciam para que decida causar a m o rte do próprio filho. Paulo J os é da Co sta J ú nior, analisando o estado puerp eral, diz: "A mulher, abalada pela dor obstétrica, fatigada, sacudida pela emoção, sofre um colapso do senso moral, uma liberação de instintos perversos, vindo a matar o próprio fi lh o."4 A lei penal exige, p o rtanto, para reconhecimento do i n fanticídio, que a parturiente atue sob a influência do estado p uerperal. Dessa fo rma, imagine-se REZENDE, Jorge de. O puerpério. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 373. Conforme Hungria (Comentários ao código penal, v. V, p. 239). COSTA J Ú NIOR, Paulo José da. Curso de direito penal, v. 2, p. 1 8. 214 I N FANTICÍDIO CAPÍTULO 5 a h i pótese em que uma mulher, l ogo após o parto, em estado p uerperal, vá até ao b e rçário e cause a morte do seu próprio fil h o . I ndaga-s e : Qual infração penal teria cometido a parturiente? À primeira vista, somos quase que i mpulsionados a responder pelo delito de infanticídio. Contudo, a resposta correta para a questão apresentada, da fo rma como foi elaborada, seri a, n a verdade, o delito de h o micídio. I s s o p o rque, conforme i ns e rimos n o exemplo fo rmulado, a mãe, realmente, havia causado a m o rte do próprio fil h o, l ogo após o parto, en contrando-se, ain da, em estado p uerperal. Entretanto, p ara que s e caracterize o i n fanticídio, exige a lei penal mais d o que a existência do estado puerperal, comum em quase todas as p arturientes, algumas e m menor e o utras em maior grau. O que o C ó d igo Penal requer, de fo rma clara, é que a parturiente atue influenciada por esse estado p uerperal. Assim, o critério adotado não foi o p uramente b iológio, fís ico, mas, s im, uma fusão desse critério com o utro, de n atureza psicológi ca, surgindo daí o critério chamado fisiopsíq u ico ou b iopsíqu ico. Podemos, a títul o d e i lustração, identi ficar três níveis de estado puerperal, a saber: mínimo, médio, máxim o . S e a parturiente, embora e m estado p uerperal, considerado de grau mínimo, não atuar, por essa razão, i n fl uenciada por ele, e vier a causar a morte de seu fil h o, durante ou logo após o p arto, deverá responder pelo delito de h o micídio. Em sentido diametral m e nte oposto, se a parturiente, completamente perturbada psicologicamente, dada a intensidade do seu estado p uerperal, considerado aqui como d e n ível máximo, p rovocar a morte de seu fil h o durante o parto ou logo após, d everá ser tratada como inimputável, afastando-se, outrossim, a sua culpabilidade e, consequentemente, a própria i n fração penal. N esse sentido, concluindo p el o afastame nto da culpabilidade em decorrência ao estado puerperal da parturiente, pos iciona-se Frederico M arques : "Quando a parturiente é u m a doente m e ntal e comete o crime sob a i n fluência d o estado puerperal, s em qualquer poder de autodeterminação, impunível é o seu ato hom icida, p o r tratar­ se de p essoa inimputável. E o mesmo se dá quando ocorrem psicoses o u doe nças m entais causadas pelo p uerpério, com completa anulação do poder d e autodeterminação, cabendo, então, apli car-se o que dispõe o art. 26 do Código Penal."5 Numa s ituação i ntermediária encontra- se a gestante que atua influenciada pelo estado puerpera l e, ass i m, vem a dar causa à m o rte de s eu filho durante o p arto o u logo após, sendo o seu estado p u erperal considerado de grau médio. MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . IV, p . 1 80 . 215 VOLUME I I ROGÉRIO G RECO E ste, p ara nós, é o que h avia sido adotado pelo Cód igo Penal e que caracteriza, efetivamente, o del ito de i n fanti cídio. A p rópria Exposição d e M otivos d a Parte E special do Código Penal, em seu item 40, esclarece: O infa n ticídio é considerado um delictum exceptum quando p raticado pela parturiente sob a influência do estado p uerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sob revindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de autoinibição da parturiente. Fora daí, não h á por que distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra honoris causa [ ... ], a pena aplicável é a de h omicídio. Ainda temos d e resolver uma última in dagação. Afirmamos, com base nas lições d e Frederico Marques, que s e a p arturiente estiver abalada de tal maneira que seja i nteiramente incapaz de entender a ilicitude do fato por ela praticado, ou d e determinar-se d e acordo com esse entendimento, s erá tratada como inimputável, afastando-se, consequentemente, sua culpabilidade, b e m como a própria infração p enal, u m a vez que a característica da culpabilidade é um dos eleme ntos que integram o conceito analítico de crime. C ontudo, pode ser que a gestante, e m decorrência de suas p erturbações psicológicas originárias d e seu estado p uerperal, não seja totalm e nte i ncapaz de entender o caráter i lícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. N esse caso, p o deríamos aplicar-lhe a diminuição de pena contida n o parágrafo único do art. 26 do Có digo Penal? Embora não s ej a pacífico o tema, a maioria de nossos doutrinadores admite tal possibilidade, a exemplo de H ungria, que diz que "não h á incompatibilidade alguma entre o reconhecimento da influência do estado puerperal e, a seguir, o da irresponsabilidade ou da responsabilidade diminuída, segundo a regra geral;"6 ou, ainda, Luiz Regis Prado afirmando ser p ossível "o reco nhecimento da influência do estado puerp eral e também da inimputabilidade (art. 2 6, cap ut) ou da semi-imputabilidade da parturiente (art. 2 6, parágrafo único), conforme o cas o".7 4. S U J E ITO A T I V O E S U J E IT O P A S S I V O O infanticídio é u m d el i to próprio, u m a vez q u e o tipo penal do art. 1 2 3 d o Có digo Penal indicou tanto o s e u suj eito ativo c o m o o suj eito passivo. H U NG R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v . V , p. 246. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p . 85. 216 I N FANTICÍDIO CAPÍTULO 5 Assim, pela redação da figura típica, so m ente a mãe pode s e r sujeito ativo da mencionada i n fração pe nal, tendo como suj e ito passivo o próprio filh o. Tratando-se d e c ri m e próprio, c o m o veremos a s eguir, o i n fanticídio admite as duas espécies de concurso de pess oas, vale dize r, a coautoria e a participação. No que diz respeito ao suj e ito passivo, a l e i penal aponta como infanticídio o fato d e causar a m o rte, so b a i n fluência do estado puerperal, do próprio filho, dura n te o parto ou logo após, podendo-se visualizar, p o r meio dessas duas últimas expressões, que o delito pode ser cometido tanto contra o n ascen te, i sto é, aquele que está nascendo, que ainda se enco ntra no p rocesso de expulsão, quanto co ntra o n eo n a to, o u seja, aquele que acabo u de nascer, já se encontrando desprendido da mãe. 5. L I M I T E T E M P O R A L O C ódigo Penal d etermina u m limite temporal para que s e possa caracterizar o delito de infanticídio. Além de exigir que o fato seja cometido pela mãe, que atua infl uenciada pelo estado puerperal, causando a morte do próprio fil ho, determina que esse comportamento seja l evado a e feito dura n te o parto ou logo após. A expressão dura n te o pa rto indica o m o mento a partir do qual o fato deixa de ser considerado como abo rto e passa a ser entendido como i n fanticídio. D essa forma, o marco inicial para o raci ocínio correspondente à figura típica do i nfanticídio é, e fetivam ente, o início do pa rto. A m e dicina visualiza formas d iferentes de início do parto, dependendo da natureza que este assuma. Temos d e trabalhar, p ortanto, com duas espécies d iferentes de p arto, que poss uem, consequentemente, dois momentos distintos d e i nício. E xiste, inicialme nte, o p arto considerado n orm a l o u n a tural. Conforme esclarece J o rge de Rezende, "clin icamente, o estudo do p a rto compreende três fases principais (dilatação, expulsão, secundamento), p recedidas de estágio preliminar, o p eríodo premunitório. [ .. . ] . É o período premunitório caracterizado, precipuamente, pela descida do fun d o uterino". 8 E continua o professor emérito da Faculdade de M edicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro dizendo que as fases do parto podem ser classificadas em: "a) Dilatação, o u 1 º período; b) Expu lsão, o u 2º p eríodo; c) Secundamen to, o u 3 º período. REZENDE, Jorge d e . O parto. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 326. 217 ROG ÉRIO G RECO VOLUME li I nicia-se a fase d e dilatação, ou primeiro p eríodo, no prevalente conceito dos tratad istas, e, ostensivamente, com as primeiras contrações uterinas dolorosas, que c o meçam de modificar a cérvi ce, e termina quando a sua dilatação está completa" .9 A s s im, com a dilatação d o c o l o d o útero o u com as contrações uterinas já podemos concluir pelo i n í c i o d o p arto normal. Por outro lado, também ocorre, e com m uita frequência, principalmente no Brasil, o parto denominado cesariana, cesárea ou tomotocia, que se entende, de acordo com os ensinamentos de Jorge de Rezende, como o "ato cirúrgico consistente em incisar o abdome e a parede do útero para libertar o concepto aí desenvolvido".1º Dessa forma, uma vez l evadas a efeito as i ncisões nas camadas abdominais, podemos entender como já i niciado o parto por meio dessa modalidade. A doutrina tem afirmado, portanto, que o início do parto pode ocorrer, considerando-se os dados acima, e m três momentos, a saber: a) com a dilatação do colo do útero,11 b) com o rompime nto da membrana am nióti ca, 12 e) com a incisão das camadas abdominais, n o parto cesariana. U ma vez i n iciado o parto, não mais se poderá racioci n ar em termos de delito de ab orto, passando a i n fração penal a s e configurar em homicídio ou em i n fanticídio, presentes t o d o s o s seus elementos. Por outro lado, o que devemos entender pela expressão logo após o parto? M agalhães N oronha posiciona-se no sentido de que esse período acha-se "delim itado pela influência do estado puerp eral, isto é, aquele estado d e angústi a, p erturbações etc., que j ustificam o delictum exceptum. A lei não fixou prazo, como outrora alguns códigos faziam, p o rém não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranj a o variável p eríodo d o choque puerperal. É ess encial que a parturiente não haja e ntrado ainda na fase da b onança, em que predomina o i nstinto materno. Trata-se de circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos médicos e mediante p rova i ndireta" . 1 3 L u iz Regis Prado, na mesma l inha d e raciocínio de N o ronha, afirma que a expressão logo após "implica a realização imediata e s em intervalo da conduta delituosa. O impo rtante, porém, é que a parturiente não tenha ingressado na fase de quietação, isto é, no p eríodo em que se afirma o instinto m aternal".14 R EZENDE, Jorge d e . O parto. ln: REZENDE, Jorge de e t ai. (Coord.) . Obstetrícia, p. 326. R EZENDE, Jorge de. Operação cesariana. ln: R EZENDE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia, p. 1 . 1 73. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p. 43. NUCC I , Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 403. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p . 44. P RADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 84. 218 1 NFANTICÍDIO CAPÍTULO 5 Apesar da autoridade dos autores citados, entendemos que a expressão logo após o parto d eve ser entendida à luz do princíp io da razoa bilidade. A m e dicina aponta o período de seis a oito semanas como o tempo de duração normal do puerpério.15 Como seria possível, então, entender como infanticídio a m o rte do filho produzida pela própria mãe, ainda i nfl uenciada pelo estado puerperal, dois meses e meio após o parto? Não nos parece razoável tal entendim ento, uma vez que a lei penal usa, expressamente, a expressão logo após o parto, e não s o mente após o parto. Fosse intenção da lei reconhecer o delito de infanticídio a partir do início do parto, agindo a gestante i n fluenciada pelo estado puerperal, teria afirmado expressamente isso. Não foi o que aconteceu. Assim, a parturiente somente será b e n e ficiada com o reconhecimento do infanticídio se, e ntre o início do parto e a morte do seu próprio filho h o uver uma relação de p roximidade, a ser analisada sob o enfoque do princípio da razoabilidade. N ão estamos, aqui, almejando determinar o tempo máximo para a ocorrência do i nfanticídio, mas tão somente afastar s ituações que, por abe rrantes, fugiriam por completo à ilação da expressão logo após, contida no art. 1 2 3 do Código Penal. A medicina nos informa que o estado puerperal pode durar, como regra, de seis a oito semanas. S e a parturiente, contudo, vier a causar a mo rte de seu próprio fil h o, dado o estado prolongado do puerpério, cinco meses após o pa rto, por mais que queiramos entender como infanticídio, a expressão logo após, adotada razoavelm e nte, nos conduziria ao reconhecimento do h omicídio. M e rece ser frisado, ainda, que para o i nfanticídio ser reconhecido haverá necessidade, também, de prova pericial, a fim de que fique evi denciado que, ao tempo da ação o u da omissão, a parturiente encontrava-se sob a influência do estado p uerperal, pois, caso c o ntrário, o crime por ela praticado se amoldará à figura do art. 1 2 1 do C ó digo Penal. 6. E L E M E N TO S U B J ET I V O N ã o tendo sido prevista a m o dalidade culposa no art. 1 2 3 do Código Penal, o crime d e infanticídio somente pode ser cometido dolosamente, seja o dolo d i reto ou, mesmo, eventual. Assim, a parturiente, durante o parto ou logo após, infl uenciada pelo estado p uerperal, d everá agir finalisticamente no sentido de produzir a m o rte do p róprio fil h o, agindo com vontade livre e consciente a esse fi m. REZENDE, Jorge de. O puerpério. ln: R EZENDE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia , p . 373. 219 RoG ÉRJO G RKO VOLUME 1 1 A p arturiente, p o rtanto, d eve querer a m o rte d o filho agindo, outrossim, com dolo d ireto ou, pelo menos, não se importando com a ocorrência desse resultado, que lhe é indiferente, atuando, ago ra, com dolo eventual. S e a morte d o nas cente ou neonato decorrer da inobs ervância do dever obj etivo de cuidado que era devido à parturiente, deverá ser responsabilizada pelo delito d e ho m icídio culposo, não se j ustificando, perm issa venia, a posição d e Damásio d e J esus, que advoga a tese da atípicidade do fato dizendo: "Não h á infanticídio culposo, uma vez que no art. 1 2 3 d o CP o legislador não se refere à modalidade culposa ( C P, art. 1 8, parágrafo único). Se a mulher vem a matar o próprio fi lho, sob a i nfl uência d o estado puerperal, de fo rma culposa, não responde por deli to algum (nem h om icídio, nem i n fanticídio) . A mulher, porém, pode vir a matar a criança, não se encontrando sob a i nfluência do estado puerperal, agindo culposamente. H averá, neste caso, h o micídio culposo, descrito no art. 1 2 1, § 3ll, do C P . " 16 Pelo que se verifica da expos1çao feita pelo renomado tratad ista, tenta-se afastar a responsabilidade pelo delito culposo erigindo-se a existência do estado p uerperal, o que, segundo entendemos, não se j ustifica. Pode a parturie nte, ainda que i n fluenciada pelo estado puerp eral, cuj a ocorrência é comum, mesmo não querendo a morte d e seu fil h o, deixar de tomar os cuidados necessários à manutenção de sua vida, agindo, pois, culposamente, caso a inobs e rvância ao seu d ever obj etivo de cuidado venha a produzir a morte de seu próprio filho. E m suma, a influência do estado p uerperal não tem o condão de afastar a tipicidade do comportamento praticado pela parturiente que se amolda, em tese, ao delito de homicídio culposo, embora tal fato deva influenciar o j ulgador no momento da fixação da pena-base, quando da análise das ci rcunstâncias j udiciais. 7. C O N S U M A ÇÃO E T E N T A T I V A Crime material, o deli to de in fanticídio se consuma c o m a morte do nascente ou d o neonato, daí a necessidade d e ser produzida prova no senti do de verificar se, durante os atos de execução, estava vivo o nascente ou neonato, pois, caso contrário, estaremos diante da h i p ótese de crime impossível, em razão da absol uta i mpropriedade do objeto. Tratando-se de crime material que permite o fracionamento do iter criminis, a parturiente, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal, pode ter dirigido finalisticamente sua conduta no sentido de causar a morte do nascente ou neonato, somente não produzindo o resultado por ci rcunstâncias alheias à sua vontade, podendo-se concluir, portanto, pela possibilidade da tentativa. J ESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2 , p . 1 09. 220 INFANTICÍDIO 8. CAPÍTULO 5 M O DA L I D A D E S C O M I S S I V A E O M I S S I VA O deli to de infanticídio pode ser p raticado comis siva o u omiss ivamente. O núcleo contido n o tipo do art. 1 2 3 do Código Penal é o verbo matar, que pressupõe uma conduta comis siva, dirigida à produção do resultado m orte. A parturiente, i n fluenciada pelo estado puerperal, durante o parto ou l ogo após, pode realizar um comportamento p o sitivo, dirigido a produzir a morte do próprio fil h o, p or exemplo, a fo gando-o em uma banheira. No e ntanto, embora não prevista expressamente a modalidade omissiva, a parturiente, na qualidade de gara n te, pode também, influenciada pelo estado puerperal, causar a morte do próprio filho, deixando de fazer o que é necessário à sobrevivência dele, por exemplo, não l h e o ferecendo o alimento indispensável (leite materno o u de outra natureza) . Chegamos a essa conclusão em decorrência da natureza j urídica do § 2Q do art. 13 do Código Penal, considerado norma de extensão cuja função é alargar o tipo p e nal, fazendo-se nele e nxergar hipóteses que não foram previstas expressamente pelo legislador, assegurando-se, assim, o princípio da legalidade. Como o verbo matar pressupõe u m comportamento comissivo, a parturiente, com a sua inação, somente poderá res ponder pelo delito em qu estão em virtude da sua qualidade especial d e garantidora, que lhe foi atribuída pela alínea a do § 2Q do art. 13 do C ó digo Penal, que diz q u e a omissão é penalmente relevante quando o omitente d evia e podia agir p ara evitar o resultado, atribuindo esse d ever d e agir a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, como é o caso da mãe com relação ao seu filho. C o ncluindo, o ato d e a mãe matar o próprio fil h o, durante o parto ou logo após, i n fluenciada pelo estado puerperal pode ser entendido tanto comis siva quanto omissivamente. 9. O B J ETO M AT E R I A L E B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I D O O infanticídio encontra -se no rol daqueles delitos que têm por finalidade proteger a vida h um a n a . O b e m j uridicamente protegido, portanto, é a vida do nascente ou do neonato. Se a vida é o bem j u ridicamente p rotegido pelo delito de i nfanticídio, o nasce nte e o neonato são os obj etos do delito em estudo, pois a conduta da partu riente é dirigida fi nalisticamente contra eles. Flamínio Fávero, discorrendo sobre o objeto material do delito de infanticídio, aponta a distinção e ntre os termo s n ascen te e n eo n a to : " N ã o importa q u e a vítima s e j a viável o u não. A mons truosidade també m pode ser o bjeto d e infanticídio. Exclui-se, apenas, a m o la, que é u m ovo d egen erado, à qual não assiste 221 VOLUME I I RocÉRJO G REco possibilidade d e ter vida fora do ventre materno e, menos ai n da, d e se desenvolver como ente humano. Vítim a do i n fanticídio, pode ser não s ó o verdadeiro recém­ -nascido, isto é, o feto já nascido, já fora do álveo materno, malgrado conti nue preso pelo cordão umbilical, mas tamb ém o feto nascendo o u nascente, e m plena expulsão embora ainda não tenha respirado. N este caso, haveria rigorosamente a figura do feticídio que o Código l o uvavelmente equipara ao i nfanticídio" . 1 7 1 O. P R OVA DA V I D A Para que a parturiente responda pelo delito d e infanticídio é fundamental a comprovação d e que o nasce nte o u o neonato encontrava-se vivo, pois, caso contrário, como já dissemos, estaríam o s diante d o chamado crime impossível, e m razão da absol uta i mpropriedade do objeto. A p rova da vida do nascente ou do neo nato é, portanto, crucial. Existem exames que são produzidos p ara comprovar se h ouve vida n o nascente, o u seja, aquele que ainda se encontrava n o processo de expulsão do útero materno, b e m como do neonato, isto é , aquele q u e acabara de nascer. Odon Ramos M aranhão, com precisão, aponta duas provas de vida que dizem respeito ao nascente, a saber: a) tumor de parto e b) reação vital. Assim, explica o renomado p ro fessor: "a) Tumor de pa rto as compressões s o fridas p ela porção do organismo fetal que primei ro alcança as aberturas genitais da parturiente p rovocam edema local, que constitui tumor de parto . Geralmente se s itua na cabeça, que chega a assumir aspecto assimétrico. Essa saliência s e deve ao fato de h aver circulação n o o rgani sm o fetal. - No feto morto a ntes do nascimento não há tumor de parto . b ) Reação vital se a m o rte do feto nascente foi provocada, é claro que no início da p arturição este estava vivo. Logo, as l esões encontradas no feto terão sido produzidas intra vita m . O p erito, ao examinar o cadáver do feto, deverá c o l h e r material para fazer u ma reação vital, pelas técnicas usuais (Verderaux, F. Fávero, Orsós etc.) ." 1 8 - Quanto ao n e onato ou recém-nascido, normalmente são utilizadas as provas que p rocuram demonstrar ter havi do respiração, sendo essas provas chamadas d e docimasias respiratórias. ' F ÁVERO, Flamínio. Medicina legal, v. 2, p. 759-760. MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 97-1 98. 222 l N FANTICÍDIO CAPÍTULO 5 As docimasias respira tórias, segundo ainda as lições de Odon Ramos Maranhão, podem ser divididas em diretas e indiretas. As provas diretas podem acontecer por meio de cinco modalidades: a) radiográfica; b) diafragm á tica; e) visu al; d) h idrostática; e e) epim icroscopia. As provas indiretas são duas : gastroin testinal e a u ricular. São essas as d efinições do conce ituado autor: D i reta s : "Radiográfica (B o rdas) . Radiografa-se o pulmão depois de extraído do organismo (durante a necroscopia) . Pode-se també m radiografar antes d e s e abrir o tórax (Ottolenghi) . Serve para documentar. Estuda-se a transparência do parênquima pulmonar, que s e estabelece no que respirou e está ause nte na h i p ótese co ntrária. Diafragm ática (Casper) . Estuda-se a relação entre a curva diafragmática e a arcada costal. Se houver respiração, o diafragma se movimentou e a inspiração o fez subir ao su espaço i ntercostal ; isto não ocorrendo, inexistiu respiração. Visual (Bouchut) . Basta se estudar o pulmão a olho nu ou com auxílio d e aumento ótico. O pulmão que respirou s e mostra rosado, expandido, ves iculado, o que não ocorre caso não tenha havido vida extrauterina. Hidrostática (Galena) . Possivelmente é a mais conhecida e p raticada. O p u l mão fetal não se expandiu, mostra-se comp acto e tem uma densidade de 1 ,09, en quanto que o que recebeu ar e se infl o u mostra-se com cavidades pn eumáticas e consequente densidade mais b aixa (0,9). Por isso se col ocarmos u m fragmento o u mesmo o pulmão todo em vasilha com água (densidade = 1,0) p o deremos observar que o primeiro vai ao fu ndo e o segundo flutua. Epimicroscopia (Veiga d e Carvalho). São duas provas: epimicroscopia pneumo-arquitetônica histológica. São exatamente feitos por visualização estereoscópica para verificar se os alvéolos p u l mo nares se disten deram ou não." 1 9 Indiretas : " Gastroin testinal ( B reslav) . Consiste em verificar presença de ar no aparelho d igestivo. Quando se dá a inspiração inicial, passa ar para o aparelho digestivo, o que serve de base para essa prova. O método de realização é semelhante ao galênico. É p rova indireta. MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 98-1 99. 223 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i A u ricular (Wred en -Wendt) . Após o i n ício da respiração passa ar no ouvido médio. Por isso, se for feita trepanação na mem brana do tímpano dentro de recipiente com água, o aparecimento de bolha gasosa indicará presença de ar e consequente respiração . É prova delicada e difícil. Tem interesse quando se dispõe som ente da cabeça do recém­ -nascido para exame." 2 º Além das docimasias respiratórias, também são utilizadas as docimasias não resp ira tórias, que, segundo a lição d e H ungria, podem ser assim divididas: "a a limenta r (pesquisa microscópica, macroscópica, ou química de traços de alimentos o u outras substâncias absorvidas pelo n e onato), a siálica (pesquisa de saliva n o estômago do feto) , a ren a l (averiguação de infartos úricos nos rins do feto), a bacteriológica (constatação do ba cterium co/i n o tubo gastroentérico), a vascular (pesquisa de mudanças anatômicas no coração e si stema artéria-venoso do neonato), a do n ervo óptico ( fundada na mielini zação das fib ras ne rvosas do nervo óptico), a b u lbar (exame histológico do desenvolvimento e caracteres dos centros respiratórios bulhares), a umbilical (exames das alterações que sofre o coto do cordão umbi l ical até o momento d e sua queda) . "21 Com t od o esse arsenal d e exames à disposição, pode acontecer a h ipótese em que nenhum deles tenha sido e fetivamente realizado. Poderá a parturiente, ainda assim, responder pelo delito de infanticídio, sem que se tenha à disposição um exame pericial comprovando a vida d o nascente ou do neonato? A resposta só pode ser afi rmativa. Embora exista a necessária segurança nas provas periciais, sua ausência não implicará, necessariamente, a des caracterização do delito em estudo. É preciso, sim, comprovar que h ouve vida, para que se possa imputar à parturiente, que agira i n fluenciada pelo estado puerpe ral, a morte do seu filho, d urante o parto o u l ogo após. N esses casos, podemos nos socorrer subsidiariamente da prova testemunhal, uma vez que o art. 167 do Código d e Processo Penal aduz que, não sendo possível o exame de corpo de delito, por h a verem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal po derá suprir-lhe a falta. 11. P E N A E AÇÃO P E N A L A pena cominada a o delito d e infanticídio é a d e detenção d e 2 (dois) a 6 (seis) anos, sendo incabível, de acordo com a posição maj oritária de nossa doutrina, MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p . 1 99. - H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 256. 224 ( N FANTICÍDIO CAPÍTULO s proposta de suspensão condicional do processo, uma vez que a alteração trazida pela Lei nu 1 0 . 2 5 9 , d e 12 de julho de 2 0 0 1 , que regulamentou os J uizados Especiais Cívei s e Criminais no âmbito d a J ustiça Federal, embo ra tenha ampliado o conceito de infração penal de menor potencial o fensivo, aumentando para 2 (dois) anos o tempo de pena máxima cominada abstratamente aos crimes, revogando parcialmente o art. 61 da Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 , não alargou também para 2 (dois) anos o tempo de pena mínima comi nada para fi ns de confecção de proposta de suspensão condicional do processo, posição confirmada através da Lei nu l l . 3 1 3 , de 28 d e junho de 2 0 06, que, modificando a redação do art. 6 1 da Lei nu 9 . 0 9 9 / 9 5 , ampliou para 2 (dois) anos a pena máxima com inada para efeito de reconhecime nto da i n fração penal de menor p otencial ofen sivo, não sendo m o dificado o art. 89 da referida lei, quando p odia tê-lo feito expressamente, se fo sse intenção do legislador ampliar o limite para efeito de concessão de suspensão condicional do processo. A ação pe nal relativa ao crime d e i n fanticídio é de iniciativa pública i ncondicionada. 1 2. D E STAQ U E S 1 2 . 1 . I n f a n t i c íd i o c o m v i d a i n t ra u t e r i n a D issemos q u e o início do parto o co rre c o m a dilatação do colo do útero, c o m o rompimento da membrana amniótica ou com a incisão das camadas abdominais. Pode ser que, uma vez iniciado o p arto, por exemplo, com o rompimento da membrana amniótica, a parturiente, i n fluenciada pelo estado puerperal, pratique manobra no sentido d e causar a m orte de seu próprio fi lho, ainda em seu útero. Pergunta-se: N esse caso, estaríamos diante do delito de infanticídio ou d o crime de aborto? Para que possamos manter a coerência do raciocínio, não imp orta se a vida seja intra ou extrauterina. Para nós, o divisor de águas entre o crime de aborto e o de infanticídio é, e fetivam ente, o i n ício do parto, e não se a vida era intra ou extra uterina, embora exista co ntrovérsia doutrinária e j u risprudencial nesse sentido. M e rece destaque a extraordinária lição de H ungria, quando assevera : "O Código atual ampl iou o conceito do infanticídi o : o suj eito passivo deste j á não é apenas o recém-nascido, mas também o feto n ascen te. Fi cou, assim, diri m ida a dúvida que se apresentava no regime do Código anterior, quando o crime se realizava in ipso partu, isto é, na parte de transição da vida uterina para a vida extrauterina. Já não há mais identificar-se, em tal h i pótese, o simples a borto solução que, em face do Cód igo de 9 0, era aconselhada p elo princípio do in dubio pro - 225 VOLUME l i RoGÉRJO G RECO reo : o crime é infanticídio. D eixou d e ser condição necessária do i nfanticídio a vida a u tônoma do fruto da concepção. O feto vindo à luz já representa, do po nto de vista b iológico, antes mesmo de totalm ente desligado do corpo materno, uma vida h u m a n a . Sob o prisma j u rídico penal, é, assim, antecipado o início da person alidade. Remonta esta ao início do parto, isto é, à apresentação do feto no o rifício do útero. Já então o feto passa a ser uma u n idade social. Não se pode negar que o feto nascente seja um s e r vivo, embora não possua todas as atividades vitais." 22 1 2 . 2 . A p l i c a ç ã o d o a rt . 2 0 , § 3 º ( e r ro s o b re a p e s s o a ) a o d e l ito de i n fa n t i c íd i o Imagine-se a h i pótese e m q u e a parturiente, influenciada pelo estado puerp eral, vá até o berçário, logo após o parto, e, querendo causar a m o rte do próprio filho, p o r e rro, acabe estrangulando o filho de sua colega de enfe rmaria, causando-lhe a m o rte. A parturiente, portanto, matou o filho de tercei ra pess oa, supondo-o seu. Pergunta-se: No caso em questão, deverá a partu rie nte responder pelo delito de h o micídio ou pelo infanticídio? Preconiza o § 3u do art. 20 do Código Penal : § 3u O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é p raticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da víti ma, senão as da pessoa contra quem o agente queria p rati car o crime. Cons iderando-se que a parturiente almejava causar a mo rte do próprio fi lho e, p o r erro, acabou matando o filho d e sua colega de quarto, aplica-se a regra correspondente ao erro sobre a pessoa, devendo ser responsabilizada pelo infanticídio. 1 2 . 3 . C o n c u r s o d e p e s s o a s no d e l ito d e i n f a n t i c íd i o Dissemos que o delito d e i n fanticídio é , n a verdade, um homicídio especializado p o r vários elementos, sendo um deles a influência do estado puerperal. Dessa forma, comparativamente, o infanticídio é menos severamente punido do que o h o m i cídio, mesmo que em sua modalidade fundamental. Por essa razão, ou seja, em virtude dos vários elementos que tornam o i nfa nticídio especial em relação ao h o micídio, pe rgu nta-s e: Será possível o concurso de pessoas n o crime de i n fanticídio? H U N G R IA, Nélson. Comentários a o código penal, v . V, p. 250-25 1 . 226 CAPÍTULO 5 I N FANTICÍDIO O fato deverá ser desdobrado em várias situações para que melhor se possa compreendê-lo. E ntretanto, e m nosso raciocínio, partiremos do pressuposto de que o terceiro que, em companhia da parturie nte, de alguma forma, concorre para a m o rte do recém-nascido ou do nascente, é conhecedor de que aq uela atua influenciada pelo estado p uerperal, po is, caso contrário, perderia sentido a discussão, haja vista que se tal fato não fo sse do conhecim ento do terceiro, que de alguma fo rma concorreu para o resultado m o rte, teria ele que responder, sempre, pelo homicídio. Assim, vej amos as hipóteses possíveis: a) a parturiente e o terceiro executam a co nduta núcleo do tipo do art. 1 2 3 , ou seja, ambos praticam comportamentos no sentido de causar a morte do recém-nascido; b) s o mente a parturiente executa a conduta de matar o próprio fil h o, com a participação do terce iro; e) s o mente o terceiro executa a co n duta de matar o filho da parturiente, contando com o auxíli o d esta. Para que as hipóteses sejam resolvidas corretamente, mister se faz alertar para a determ inação contida nos arts. 29 e 3 0 do Código Penal, que dizem, respectivamente: Art. 2 9 . Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de s ua culpabilidade. Art. 3 0 . Não se comunicam as ci rcunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. O primeiro raci ocínio que d everíamos fazer seria no sentido de que a condição de parturiente e a i nfl uência do estado p u erperal sobre o a n im us são condições de caráter pessoal. A regra geral determina, assim, que não se comuniquem ao coparticipante, salvo nos casos em que figurarem como elementos do tipo. P o r elementos ou elementares devemos considerar todos aqueles dados indispensáveis à defi n ição típica, sem o s quais o fato se torna atípico ou h á, no mínimo, desclassificação. Se, por exemplo, a parturiente mata o próprio fi lho, l ogo após o parto, sem que tenha agido i n fluenciada pelo estado puerperal, a ausência dessa eleme ntar (sob a i n fluência d o estado puerperal) fará com que seja responsabilizada pelo resultado mo rte a título de hom icídio. H averá, p o rtanto, uma desclassificação do delito de infanticídio para o crime de h o micídio. Percebe-se, pois, a importância de se concluir pela existência de uma elementar. 227 RoGÉ RJO GREco VOLUME I I As ci rcunstâncias, ao co ntrário, são dados periféricos à definição típica. Não interferem na figura típica em si, som e nte tendo a finalidade de fazer com que a pena seja aumentada ou diminuída. Nada mais. N o caso em exame, como j á deixamos antever, a influência do estado p uerpera/ não pode ser considerada m e ra circunstância, mas, sim, elementar do tipo do art. 1 2 3, que tem vida autô noma comparativamente ao delito do art. 1 2 1 . E m razão disso, nos termos do art. 3 0 do Código Penal, se for do conhecimento do terceiro que, de alguma forma, concorre para o cri me, deverá a ele se comunicar. Partindo desses pressupostos, vamos trabalhar com as hipóteses apresentadas. I n i cialmente, parturiente e terceiro praticam a cond uta núcleo do art. 1 2 3, que é o verbo matar. Ambos, portanto, p raticam atos de execução no sentido de causar a morte, por exemplo, do recém-nasci d o . A gestante, n ã o temos dúvida, q u e atua influenciada p e l o estado puerperal, causando a morte do próprio filho logo após o parto, deverá ser responsabilizada pelo infanticídio. O tercei ro, que também executa a ação de matar, da mesma forma, deverá responder pelo mesmo delito, conforme determina o art. 30 do Código Penal. Fragoso diz ser inadmissível o concurso de pess oas no crime de i n fanticídio, argu mentando que "o privilégio se funda numa d iminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. N a h ipótese de coautoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evid ente que o crime deste será o de h o micídio".23 E m defesa d e nosso posic ioname nto, trazemos à colação os ensinamentos de N oronha qu e , com particular lucidez, afirma: "Não h á dúvida algum a de que o estado p uerperal é circunstân cia (isto é, estado, condi ção, particularidade etc.) pessoal e que, sendo elem entar do delito, comunica-se, ex vi do art. 3 0, aos copartícipes. Só mediante texto express o tal regra poderia ser d errogada."24 E conclui o renomado autor: "A não-comunicação ao corréu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de a ten uação do h o micídio e não um tipo inteiramente à parte, comp l etamente autônomo em nossa lei." 2 5 As obs ervações feitas p o r Noronha são precisas. O infanticídio, ao contrário do que afirma a doutrina, perm issa venia, não é modalidade de h o m icídio privilegiado. Seria se figurasse como u m parágrafo do art. 1 2 1 do Código Penal. Cui da-se, portanto, de verdadeiro deli to autô nomo, razão pela qual tudo aquilo FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60), p. 80. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2 , p . 47. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, v. 2, p. 48. 228 ( N FANTICÍDIO CAPÍTULO 5 que estiver contido em seu tipo s erá conside rado elementar, e não circunstância, devendo, pois, nos termos da d eterminação contida no art. 3 0 do Código Penal, ser comunicado ao coparti cipante, desde que todos os elementos sejam de seu conhecimento. Fosse o delito d e infanticídio p revisto simplesme nte como um parágrafo do art. 1 2 1 do Có d igo Penal, deveria ser reconhecido como modalidade de homicídio privilegiado e, consequentemente, seus dados seriam considerados circunstâncias, de ixando, a partir de e ntão, de acordo com a mesma regra já apontada no art. 30 do diploma repressivo, de s e comunicar aos coparticipantes. Não tendo sido essa a opção da lei p enal, todos aqueles que, j u ntamente com a parturiente, p raticarem atos de execução tend entes a produzir a morte do recém-nascido ou do nascente, se conhecerem o fato de que aquela atua infl uenciada pelo estado puerperal, deverão ser, infelizme nte, beneficiados com o reconhecimento do infanticídio. Quando é a própria parturiente que, sozinha, causa a morte do recém-nascido, mas com a participação de te rceiro que, por exemplo, a auxilia materialmente, fornecendo-lhe o i nstrumento do crime, ou orientando-a como utilizá-lo, ambos, da mesma fo rma, responderão pelo i nfanticídio, j á que a parturiente atuava influenciada pelo estado puerp eral e o terceiro que a auxiliou conhecia essa particular condição, concorrendo, p ortanto, para o sucesso do infanticídio. A última hipótese seria aquela em q u e som ente o terceiro praticasse os atos de execução, com o auxílio e a mando da p artu riente, que atua influenciada pelo estado puerperal. Damásio, com precisão, a lerta: "Se o terceiro mata a criança, a mando da mãe, qual o fato principal determinado pelo induzimento? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser homicídio, uma vez que, se assim fosse, haveria outra incongruência: se a mãe matasse a criança, responderia por d elito menos grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a executar a morte do suj eito passivo, responderia por delito mais grave (coautoria no homicídio) . Segundo entendemos, o terceiro deveria respo nder por delito de homicídio. En tretanto, d iante da formulação típica desse cri me em nossa legislação, não h á fugir à regra d o art. 30: como a influência do estado puerp eral e a relação de parentesco são elementos do tipo, comunicam-se en tre os fatos dos participantes. D i ante disso, o terceiro responde por delito de infanti cídio. Não deveria ser assim. O cri me de terceiro deveria ser h o micídio. Para nós, a solução do problema está em transformar o delito de infanticídio em tipo privilegiado de hom icídi o." 2 6 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 1 1 3. 229 VOLUME RoG É RJo G REco ll E m suma, s e o terceiro acede à vontade da parturiente que, i n fluenciada pelo estado p u erpe ral, dirige fi nalisticam ente sua co nduta n o sentido de causar, durante o parto ou logo após, a morte do recém-nascido o u nascente, em qualquer das modalidades de concurso de p essoas, de acordo com a regra contida no art. 30 do Código Penal, d everá ser responsabilizado pelo delito de i n fanticídio. 1 2 . 4 . J u l g a m e n to p e l o J ú r i s e m a p re s e n ç a d a ré O art. 45 7 e parágrafos do Código de Processo Penal, com a n ova redação que lhe fo i conferida pela Lei n" 1 1 .6 89, de 9 de j unho de 2 008, cuidou do comparecimento d o (a) acusado (a) à sessão de j ulgamento pelo Tribunal do Júri dizendo: Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do ass istente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. § 1" Os pedidos de adiamento e as j us tificações de não compareci m ento deverão ser, salvo comprovado m otivo de força maior, previamente submetidos à apreciação d o j uiz presidente do Tribunal do J úri. § 2" S e o acusado preso não for conduzido, o j u lgamento será adiado p ara o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo s e h ouver p edido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor. 1 2. 5 . A p l icação da c i rc u n stâ ncia a g rava nte do a rt. 6 1 , 1 1 , e, seg u n d a fi g u ra Tratando-se de crime de infanticídio, como o fato narrado no tipo penal diz respeito à conduta da mãe que, i n fluenciada pelo estado puerperal, causa a morte do p róprio filho, durante o parto ou logo após, caberia a aplicação da circunstância agravante p revista no art. 6 1, I I , e, segunda figura (ter cometido o crime contra descendente) ? Não, pois, caso contrário, estaríamos fazendo uso do chamado bis in idem, uma vez que a própria redação contida no cap u t do art. 61 do Código Penal diz serem "circunstâncias que s e mpre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime". N a infração penal e m estudo, a condição de filho é elementar constitutiva do delito de infanticídio, razão pela qual a pena não poderá ser agravada no segundo momento do critério trifásico p revisto pelo art. 68 do Código Penal. 230 C A P ÍTU LO 6 A B O RT O Ab orto p rovocado p el a gestan te o u com seu consenti mento Art. 1 2 4 . P rovocar abo rto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - d etenção, d e 1 ( um) a 3 (três) anos. Ab orto p rovocado p o r terceiro Art. 12 5 . P rovocar aborto, sem o consentimento da gestante : Pena - reclusão, de 3 (três) a 1 0 ( dez) anos. Art. 1 2 6 . P rovocar aborto com o consentimento da gestante : Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo ú n i co. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior d e 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou déb il mental, ou se o consentimento é obti d o mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma q ualificada Art. 1 2 7 . As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do ab orto o u dos m e i o s empregados p ara provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de n atureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, l h e sobrevém a m o rte. Art. 1 2 8 . Não se pune o aborto p raticado por médico: Ab orto necessário 1 - se não h á outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 231 ROG ÉRIO G RECO VOLUME I I I NTRODUÇÃO 1. Talvez o aborto seja u m a d a s infrações penais mais controvertidas atualmente. N os s o Código Penal não define claramente o aborto, usando tão som ente a expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e da j urisprudência o esclarecimento dessa expressão. Aníbal Bruno preleciona: "Segundo se admite geralm ente, provocar aborto é interromper o processo fisi o lógico da gestação, com a consequente m o rte do feto. Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou como a expulsão p re matura do feto, ou como a interrupção do processo d e gestação. Mas nem u m nem outro desses fatos b astará isoladamente para caracterizá-lo.'' 1 Ou, ainda, na definição proposta p o r Frederico Marques: "Para o Di reito Penal e do po nto de vi sta médico-legal, o aborto é a i nterrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção." 2 A todo instante são travadas discussões que ora giram em torno da sua revogação, ora da sua manutenção no nosso Cód igo Penal. Um dos argumentos principais daqueles que p retendem suprimir a incriminação do aborto é j ustamente o fato de que, emb ora proibido pela lei penal, sua realização é frequente e constante e, o que é pior, em clínicas clandestinas que colocam e m risco também a vida da gestante. Por outro lado, h á os d efenso res da vida, p rincipal mente a do ser que está em fo rmação. Quando a gestante e ngravi da, uma nova vida começa a crescer em seu útero. N o livro de Jeremias, constante do Antigo Testamento, percebemos, pela Palavra de Deus, que Ele já nos conhecia antes mesmo de haver a fecundação do óvulo materno, pelo espermatozoide do homem. Quando o Senhor constituiu Jeremias como profeta, Ele o tinha feito antes mesmo do seu nascimento. Na verdade, antes mesmo que se tivesse formado no ventre materno. Vejamos, literalmente, o que diz esta passagem no livro de Jeremias, Capítulo 1, versículos 5 e 6: "Antes que eu te fo rmasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te co nstitui profeta às nações."3 B R U N O , Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 60. MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 1 83 . B Í BLIA DE ESTUDOS G ENEBRA, p . 861 . 232 ABORTO CAPÍTULO 6 I s s o significa que, embora não saibamos, D eus tem um propósito na vida de cada u m d e nós, razão pela qual, a não ser por s ituações excepcionais, não podemos tirar a vida de um semelhante, não importando o seu tamanho. Ainda o livro de Salmos, no Capítulo 1 3 9, o salmista Davi, no versículo 1 6, diz: "O s teus olhos m e viram a substância ainda info rme, e n o teu l ivro foram escritos todos o s meus dias, cada u m deles escrito e determinado quando nem u m deles havia ainda".4 O problema n o delito de aborto é que não percebemos a dor s ofrida pelo óvulo, pelo emb rião o u mesmo pelo feto. Como não presenciamos, não enxergamos, não ouvimos o seu sofri m e nto, aceitamos a m o rte dele com tranquilidade. A vida, independentemente do se u tempo, deve s e r protegida. Qual a diferença entre causar a m orte de um ser que possui apenas 10 dias de vida, mesmo que no útero materno, e matar o utro que já co nta com 10 anos de idade? Nenhuma, pois vida é vida, não importando sua quantidade de tempo. O Cód igo Penal, quebrando a regra trazida pela teoria monista, que será analisada mais adiante, p une, de fo rma d iversa, dois personagens que estão envolvidos d iretamente no aborto, vale dizer, a gestante e o terceiro que nela realiza as manobras abortivas. Caso a própria gestante execute as manobras tendentes à expulsão do feto, praticará o crime de autoaborto. Se for um terceiro que o realiza, devemos observar se o seu comportamento se deu com o u sem o consentimento da gestante, pois as penas são diferentes para cada uma dessas situações. H o uve, também, previsão p ara as h i póteses em que a gestante sofre lesão corp o ral de n atureza grave, ou ocorre sua mo rte, havendo, outrossim, uma causa especial d e aumento de pena para cada u m desses resultados agravadores. Também a lei penal fez p revisão expressa da possibilidade de realização do aborto nos casos e m que a vida da gestante correr risco com a manutenção da gravidez, o u quando esta for resulta nte de estupro, desde que o aborto seja precedido de seu consentimento ou, quando incapaz, de seu representante legal. 2. CLASSIFI CAÇÃO DOUTR I NÁ R IA Crime de mão própria, quando realizado pela própria gestante (autoaborto), sendo comum nas d e mais h i p óteses quanto ao suj eito ativo; considera-se próprio quanto ao suj e ito passivo, pois somente o feto e a mulher grávida podem figurar nessa condição; pode ser comissivo ou omis sivo (desde que a omissão seja imprópria); doloso; de dano; material; i nstantâneo de efeitos permanentes (caso ocorra a morte do feto, consumando o aborto) ; não transeunte; mono ssubj etivo; plurissubsistente; de fo rma l ivre. B Í BLIA DE ESTUDOS G E N EBRA, p . 7 1 6. 233 ROG ÉRIO G RECO 3. VOLUME l i I N ÍCIO E T É R M I NO DA P ROTEÇÃO P E LO TIPO P ENAL DO ABO RTO Se por intermédio da incrimi nação do aborto procura-se proteger a vida, temos de saber, com p recisão, a partir de quando se tem início tal proteção. Na verdade, em alguns casos, como no del ito de aborto provocado sem o consentimento da gestante, se precip uamente se protege a vida do feto, também se quer tutelar a vida e a integridade fís ica da gestante, como analisaremos em tópico próprio. Assim, nosso p o nto d e p artida será d etectar quando surge a vida para fins de p roteção por meio d a lei penal. A vida tem início a partir d a concepção ou fecundação, i sto é, desde o m omento e m que o óvulo fem i nino é fecundado pelo espermatozoide masculino. C ontudo, para fins d e p roteção por intermédio da lei penal, a vida s ó terá relevância após a nidação, que diz respeito à impla n tação do óvulo já fecundado no ú tero m a tern o, o que ocorre 14 (catorze) dias após a fecundação. Assim, en quanto não houver a n idação não haverá possibilidade de p roteção a ser realizada por meio da lei penal. D essa fo rma, afastamos de nosso raciocínio inúmeras discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas abortivas, mas que não têm o condão de repercutir j uridicam ente, pelo fato de não p ermitirem, j ustamente, a implantação do óvulo j á fecundado no útero materno. Fragoso, com precisão, ressalta a controvérsia antes referida: "O aborto consiste na i nterrupção da gravidez com a morte do feto. Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é o estado de gestação, que, p ara efe itos l egais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina. Do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a fecundação, ou seja, quando o ovo se forma na trompa, pela união dos gametas masculino e feminino. I nicia-se então a marcha do óvulo fecundado para o útero, com a duração média de três a seis dias, dando-se a implantação no endométrio. Daí por diante é possível o aborto. A matéria tem sido obj eto de debate em face dos efeitos dos anovulatórios o rais ou 'pílulas anticoncepcionais', bem como do dispositivo intrauterino (DIU). Certas pílulas impedem a ovulação ou o acesso do espermatozoide ao óvulo, pelas transfo rmações que causam no muco cervical. Em tal caso, impede-se a concepção. O utras pílulas, no entanto, atuam após a concepção, impedindo a implantação do ovo no endométrio. O mesm o ocorre c o m os dispositivos intrauterinas, cuja ação, para m uitos, ainda não está perfeitamente explicada: é certo, no entanto, que não impedem a concepção, mas sim a implantação do ovo ou o seu desenvolvim ento, p rovocando a sua expulsão precoce. É fácil compreender que as pílulas da segunda espécie 234 ABORTO CAPÍTULO 6 e os D I U, que não impedem a concepção, seriam abortivos (e não anticoncepcionais), se por aborto se entende a interrupção da gravidez e esta se inicia com a concepção. Todavia, a lei não especifica o que se deva entender p o r aborto, que deve ser d efinido com critérios normativos, tendo-se prese nte a valoração social que recai s obre o fato e que conduz a restringir o crime ao período da gravidez que se segue à n i dação. Aborto é, pois, a i nterrupção do processo fisiológico da gravidez desde a i m plantação do ovo no útero materno até o i n ício do p arto."5 D essa fo rma, temos a n idação como termo i n i cial para a proteção da vida, por intermédio do tipo p e nal do aborto. P o rtanto, uma vez implantado o ovo no útero materno, qualquer comportamento dirigido finalisticamente no sentido de i nterromper a gravid ez, pelo menos à p ri m eir a vista, s e rá considerado aborto (consumado ou tentado) . I ss o nos leva também a elaborar outro raciocínio. Suponhamos que o óvulo j á fecundado não consiga chegar ao útero, mas s e desenvolva fora dele. Temos aqui o que a medicina denomina de gravidez ectópica que, segundo a definição contida no Man ual Merck de Medicina, seria a "gestação na qual a implantação ocorre em outro local que não o endométrio ou a cavidade endometrial; isto é, na cérvix, no tub o uterino, no ovário, nas cavidades abdominais ou pélvica''.6 Ou, ainda, na definição de J o rge de Rezende, "é a prenhez ectópica (P E) quando o ovo se aninha fora do útero. Assim conceituada é sinônimo de p renhez extrauterina [ .. .]". 7 N ã o é incomum ouvirmos falar na chamada gravidez tubária, em que o ovo se des e nvolve nas trompas d e Falópio. N esse caso, realizando-se a retirada do óvulo já fecundado, estaríamos diante do delito de aborto? N ão, uma vez que, j uridicamente, s o me nte nas h ipóteses de gravidez intrauterina é que s e pode configurar o delito em estudo. Nesse senti do, trazemos à colação as l ições de Ney M oura Teles, quando afirma: "A interrupção de gravidez des envolvida fora do útero, ovárica ou tubárica, quando o óvulo se i nstala na parede das trom pas, onde passa a des envolver-se, e a da gravidez m o lar, com a formação degenerativa do évulo fecundado, não constitui aborto. A falta d e espaço impede que o feto cresça normalmente e a gravidez é i nterrompida. Quando o óvulo se aloja e m outros ó rgãos, como nas trompas de Falópio, ovários e até n o abdome, a gravidez é caracterizada como e ctópica''. 8 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 1 1 5- 1 1 6 . MANUAL Merck de medicina, p. 1 .850. REZENDE, Jorge de. Prenhez ectópica. ln: REZEN DE, Jorge de et ai. (Coord .). Obstetrícia, p . 7 1 7 . TELES, Ney Moura. Direito penal, v . 2, p . 1 74. 235 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i Por o utro lado, até quando é possível o raciocínio correspondente ao delito de aborto? Se a vi da, para fin s de p roteção pelo tip o p enal que p revê o delito de aborto, tem in ício a partir da nidação, o termo ad quem para essa específica proteção se encerra com o início do parto. P ortanto, o in ício do p arto faz com que seja encerrada a possibilidade de realização do aborto, passando a morte d o nascente a ser considerada hom icídio ou infa n ticídio, dependendo do caso concreto. O parto, como já dissemos, tem i n ício com : a) dilatação do colo do útero, b) com o rompimento da m e mbrana amniótica ou, e) tratando-se de parto cesariana, com a i n cisão das camadas abdominais. M e rece destaque, por opo rtuno, que a Lei nfr 1 1 . 1 0 5, de 24 de março de 2 0 05, revogan d o expressamente a Lei n fr 8 . 9 7 4, de 5 de j aneiro de 1 9 9 5 , estabeleceu normas d e segurança e m e canismos d e fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente m o di ficados ( OGM) e seus derivados, punindo, com pena d e detenção d e 1 (um) a 3 (três) anos, e m ulta, a utilização de embrião em desacordo com o dispo sto no seu a rt. 5ll, bem como a p rática de engenharia genética em célula germinal h u mana, zigoto humano ou embrião humano e a l i b e ração e o descarte de o rganis mos geneticamente modificados no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela C T N B i o e p elos órgãos e entidades de registro e fi scalização. N essas duas últimas h i póteses, o agente será punido com p ena d e reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, conforme se verifi ca, respectivamente, pela l eitura dos arts. 2 5 e 2 6 do mencionado diploma l egal. D essa forma, s e houver manipulação do ovo já fecundado antes de sua n idação, d everá ser aplicado o mencionado diploma l egal. Ass i m, concluindo com H ungria, "o C ó digo, ao incriminar o ab o rto, não d istingue entre óvulo fecundado, e m b ri ão ou feto: i nterrompida a gravidez antes do seu termo no rmal, há crim e de aborto. Qualquer que seja a fase da gravidez (desde a concepção9 até o início do parto, isto é, o rompime nto da m e m b rana amniótica), p rovocar sua i nterrupção é cometer o crime de aborto. A ocisão do feto (alheio à sua i m aturidade ou ao emprego dos meios abortivos), depois d e i n iciado o processo do parto, é i n fanticídio, e não aborto criminoso". 1º Para nós, desde a nidação até o i n ício do parto. H UN G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 28 1 . 236 ABORTO CAPÍTULO 6 4. E S P É C I E S D E ABO RTO Podem ocorrer duas espécies de aborto, a saber: a) natural ou espontâneo; b) p rovocado (dolosa o u culposamente) . Ocorre o chamado aborto n a tural ou esp o n tâneo quando o próprio organismo materno se e ncarrega d e expulsar o produto da concepção. O d on Ramos M a ranhão salie nta que o s abortos "espontâneos são atribuídos a causas mórbi das de várias categorias, que p rovo cam a m o rte fetal e expulsão do produto da concepção". 1 1 J orge d e Rezende, Carlos Antônio B arbosa M o ntenegro e José Mar ia Barcellos advertem, ainda: "Até p ouco tempo, ao abortamento e ram i mputadas, principalmente, causas decorrentes do ambiente, e.g. do sistema genital feminino (meio intrauterino) . N o s últimos anos, com o s urgimento d e té cnicas mais apuradas de análise cro mossomial (bandeamen to), observo u-se que parte expressiva d as mortes embrionárias é consequente a anomalias cromossomiais (trissarnias, tri p o i d ias, 45 XO, tetraploidias, translocações, mosaico etc.) ."1 2 P ara fins de aplicação da l e i p enal, não nos i nteressa o chamado aborto natural o u espo ntâneo, haja vista que o próprio organismo, de acordo com um critério natural, se e n carrega d e l evar a efeito a seleção dos óvulos fecundados que terão chances de vingar. Por outro lado, temos o a borto provoca do, sendo esta p rovocação subdividida em: dolosa e culposa, também reconhecida como acidental. As espécies d o l osas são aquelas p revistas nos arts. 1 2 4 (autoaborto ou ab o rto p rovocado com o cons entime nto da gestante), 1 2 5 (aborto p rovocado por terceiro sem o consentime nto da gestante) e 1 2 6 (aborto provocado por terce i ro com o conse ntimento d a gestante) . Não houve p revisão l egal para a m o dalidade de provo cação culposa do ab o rto, razão pela qual, como veremos adiante, se uma gestante, com seu comportamento culposo, vier a dar causa à expulsão do feto, o fato será consi derado u m indiferente penal. MARANH ÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal, p. 1 87. ; REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, Carlos Antônio Barbosa; BARCELLOS, José Maria. Abortamento. ln: REZENDE, Jorge de et ai. (Coord . ) Obstetrícia, p. 691 . · 237 ROG É RIO G RECO VOLUME l i 5 . S U J E I TO A T I V O E S U J E I T O P A S S I V O Para que se possa identifi car, c o m precisão, o suj eito ativo e o suj eito passivo do aborto, faz-se mi ster uma análise i ndividualizada de cada figura típica constante dos arts. 1 24, 1 2 5 e 1 2 6 do C ó digo Penal. O art. 1 2 4 fez a previsão do aborto provocado pela gesta n te (a utoaborto) ou o aborto p rovocado c o m s e u consen timen to . N o autoaborto, por ser um cr ime de mão própria, temos some nte a gestante como sujeito ativo d o crime, sendo o óvulo fecundado, embrião ou feto, o u seja, o produto da concepção, protegido e m suas várias etapas de desenvolvimento. Já no art. 1 2 5, que prevê o delito d e aborto p rovocado por terceiro, sem o consentimento da gestante, tem-se entendido que qualquer p essoa pode ser suj eito ativo dessa modalidade de abo rto, uma vez que o tipo penal não exige nenhuma quali dade especial, sendo o sujeito passivo, de fo rma precípua, o produto da concepção e, de maneira secundária, a própria gestante. C o nforme preconiza Cezar Roberto B itencourt, "nessa espécie de aborto, h á dupla subjetividade passiva : o feto e a gestante". 1 3 A última m o dalidade diz respeito ao aborto p rovocado p o r terceiro, com o consentimento da gestante. Aqui també m qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo do crime. Quanto ao sujeito p assivo, entendemos que somente o fruto da concepção (óvulo fecundado, embrião ou feto) é que poderá gozar desse status, pois q ue, se a gestante permitir que com ela sejam p raticadas as manobras abo rtivas, as lesões de natureza leve po rventura s o fridas não a conduzirão a tam b é m assumir o status de suj eito passivo, dado o seu consentimento. C ontudo, sendo graves as lesões ou ocorrendo a m o rte da gestante, esta também figurará como sujeito passivo, mesmo que secundariamente, haj a vista a inval idade de seu consentimento, em decorrência da gravidade dos resultados. 6 . B E M J U R I D I C A M E N T E P R OT E G I D O E O BJ ETO M A T E R I A L O delito d e aborto encontra-se n o Capítulo 1 d o Título 1 d o Có digo P enal, correspo n dente aos crimes contra a vida, razão pela qual, de acordo com a sua própria situação topográfi ca, o b e m j uridicamente protegido, de fo rma precípua, por meio dos três tipos penais incriminadores, é a vida h u m a n a em desenvolvimento. Luiz Regis Prado alerta que, de modo geral, "no aborto p rovocado por terceiro (com o u sem o cons entimento da gestante) tutelam-se também - ao lado da vida humana depen dente (do embrião ou do feto) - a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. Todavia, apenas é possível vislum b rar a liberdade ou a i ntegridade BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, p. 1 59. 238 ABORTO CAPÍTULO 6 pessoal como b e n s j urídicos secundariamente p rotegidos e m s e tratando d e aborto não consentido (art. 1 2 5, C P) ou qualificado pelo resultado (art. 1 2 7, C P ) " .14 O obj eto material do delito d e abo rto p o de ser o óvulo fecundado, o emb rião ou o feto, razão pela qual o aborto p o derá ser considerado ovular (se cometido até os dois primeiros meses da gravidez), embrion á rio (praticado no terceiro ou quarto mê s d e gravid ez) e, por últi m o, fetal (quando o produto da concepção j á atingiu o s cinco meses d e vida i ntrauterina e daí em diante) . 7. E L E M E NT O S U B J E TI V O Os crimes de autoabo rto, aborto p rovocado p o r terceiro s em o consentimento da gestante e aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante somente podem ser praticados a títul o de dolo, seja ele direto ou eventual, isto é, ou o agente d i rige fi nalisticam e nte sua conduta no sentido de causar a m o rte do óvulo, embrião o u feto, ou, embora não realizando u m comportamento diretamente a este fim, atua não se i m p o rtando com a ocorrência do resultado. Assim, por exemplo, n o caso daquele que agride uma mulher sabidam ente grávi da, p rovocando o ab o rto e a consequente m orte do feto, tem-se que verificar o seu elemento subj etivo, a fim d e que se possa i mputar-lhe corretamente o resultado por ele produzido. N o caso e m estudo, agia-se com dolo de causar lesão na gestante, p o r exemplo, agredindo-a n o rosto, se esta vie r a abortar em virtude do comportamento l evado a e feito pelo agente, este terá de ser responsabilizado pelo delito de lesão corporal qualificada pelo resultado aborto (art. 1 2 9, § 2l1, V, do CP), p o is, sabendo da gravid ez, era-lhe p revisível que, agredindo uma mulher naquele estado, ela poderia abortar. Sua conduta, p o rtanto, era dirigida a tão some nte causar lesão na gestante, sendo-lhe p revisível o resultado ab orto, que efetivam e nte ocorreu e que terá o condão de qualificar o seu comportamento inicial. D eve ser ressaltado, p o r oportuno, que há dolo quanto às lesões corporais, e culpa n o que diz respeito ao resultado agravador (aborto), caracterizando-se u m delito n itidamente preterdoloso. Pode acontecer, contudo, que a conduta do agente seja dirigida, especificamente, a produzir o aborto n a gestante, sem o consentimento desta, razão pela qual responderá pelo delito de aborto, tipificado no art. 1 2 5 do Código Pe nal, agindo, outrossim, com dolo direto. Também p oderá o agente atuar com dolo even tual, uma vez que, ao agredir uma mulher sabidamente grávida, não se importou que esta viesse a abortar, o que realmente aconteceu. N essa h i pótese, deverá responder p elas lesões corp o rais produzidas na gestante e m concurso formal i mpróprio com o delito de aborto, pois agia com desígnios autônomos, aplicando-se-lhe, no caso em exame, a regra d o cúmulo m aterial d e p e nas. P PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 94. 239 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i N ã o houve p revisão da modalidade culposa para o delito de aborto. Assim, se a gestante, que conhecia a sua gravid ez, resolve p raticar um esporte radical, por exemplo, descendo um rio turbulento dentro de um caiaque, se em virtude da sua conduta imprud ente vier a abo rtar, não p oderá ser responsabilizada criminalmente, haj a vista som ente ter havido p revisão para as m odalidades dolosas d e aborto. Da mesma fo rma, s e o agente que se encontrava em uma fi la d e banco, ao ser chamado pelo painel eletrônico, dirige-se abruptamente ao caixa, esbarrando na barriga da gestante que se encontrava imediatamente atrás dele e, que, e m razão do impacto recebido, vem a abortar, somente responderá pelas lesões corporais culposas produzidas com a expulsão do feto. 8. C O N S U M AÇ Ã O E T E N TA T I V A Crime material, o delito d e abo rto se consuma c o m a efetiva m orte do pro duto da conce pção. Não há necessidade d e que o óvulo fecundado, embrião ou o feto seja expulso, podendo, inclusive, ocorrer sua petrificação no útero materno. N a brilhante explicação d e N o ro nh a, consuma-se o crime com a morte do feto, resultante da interrupção da gravidez. Pode ocorrer dentro do útero materno como s e r subsequente à expulsão prematura. Carece de razão Logoz quando escreve que 'o delito está consumado pela expulsão do foetus'. N ã o é esse o momento consumativo. Pode haver expulsão sem existir aborto, quando, no p a rto acelerado, o feto continua a viver, embora com vida precária ou d efi ciente; pode ser expulso, já tendo, entretanto, sido morto no ventre m aterno; pode ser m o rto aí, e não se dar a expulsão, e pode ser m orto j untamente com a mãe, s em ser expulso. Em todas e ssa s hipóteses, é a morte d o feto que caracteriza o m o mento cons umativo".15 Fundamental é a prova de que o feto estava vivo no momento da ação ou da omissão do agente, d i rigida no sentido de causar-lhe a morte, pois, caso contrário, já estando morto o feto no momento da p rática da conduta pelo agente, o caso será o d e crime impossível, e m virtud e d a absoluta impro priedade do obj eto. Não exige a doutrina, para fins d e caracterização do aborto, que o feto seja viável, o u seja, que possua capacidade de desenvolvimento que o conduza à maturação. H ungria posiciona-se nesse senti do, afirmand o : "Para a existência do aborto, n ã o é necessária a prova da vitalidade do feto. Co n forme adverte H afte r, pouco i m p o rta se o feto era ou não vital, desde que o objeto da proteção penal é, aqui, antes de tudo, a vida do feto, a vida humana em NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal, p. 52. 240 ABORTO CAPÍTULO 6 germe [ ... ] . Averiguado o estado fisiológico da gestação em curso, i st o é , provado que o feto estava vivo, e não er a u m pro d uto pato lógico (como no caso de gravi dez extrauterina), não h á i ndagar d a sua vitalidade b iol ógica ou capacidade de atingir a maturação. D o mesmo mo do, é indiferente o grau de maturidade do feto : em qualquer fase da v ida intrauterina, a eliminação d esta é aborto. " 1 6 N a qualidade de crim e material, p o d endo-se fracionar o iter crimin is, é p erfeitamente admissível a tentativa de aborto. Se o agente j á tiver dado início aos atos de execução e, p o r circunstâncias alheias à sua vontade, a exemplo de ter sido s u rpreendido por policiais dentro da sala cirúrgica, não conseguir consumar a in fração penal, d everá ser responsabilizado pelo aborto tentado, como també m na h i p ótese daquele que, executando todas as manobras necessárias à expulsão do feto, este, mesmo tendo sido efetivamente expulso, consegue sob reviver. Deverá, no caso concreto, ser apontado o início da execução, distinguindo-o dos atos meramente preparatórios, que são i mp uníveis de acordo com a regra prevista no inciso II do art. 14 do C ódigo Penal. I magine-se a situação em que a gestante é surpreendida na sala de espera de uma clínica que, sabidamente, apenas tinha p o r finalidade p raticar abortos. Aquele local já estava sendo obj eto de i nvestigação há algum tempo, sendo que os pol iciais concluíram que ali não se fazia outra coisa a não ser realizar abo rtos. P e rgunta-se: A gestante que fora surpreendida na sala de espera p o deria responder pela tentativa de aborto? A pergunta requer uma resposta mais elaborada, pois diversas teorias procuram levar a efeito a distinção e ntre u m ato p reparatório impun ível de um ato de execução punível. Para nós, o fato seria atípico, pois estar aguardando para ser atendid a, mesmo que para realização d e um aborto, não s e configura início de execução, mas ato d e mera preparação. 9. M O D A L I D A D E S C O M I S S I VA E O M I S S I V A A s normas existe ntes n o s tipos p e nais d o s a rts. 1 2 4, 1 2 5 e 1 2 6 são de natureza proibitiva, isto é, proíbe-se o comportamento p revisto naquelas figuras típicas, que é o d e provocar aborto. As condutas p revistas expressamente são, p o rtanto, comissivas. E ntretanto, seria possível a p rática d o crime de aborto por omissão? S i m, desde que o agente goze o sta tus de garantidor. I magine-se a h ipótese em que a gestante perceba um sangramento vaginal. Almej ando o abo rto, não s e d irige ao po sto d e saúde próximo à sua casa, a fim d e verificar o p o rquê do sangramento, que acaba culminando com a expulsão do feto, o que teria sido evitado se a S H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 293. 241 VOLUME 1 1 ROGÉRIO G RECO gestante tivesse sido orientada e m edicada corretamente. E mbora não tenha praticado qualquer manobra abortiva, d everá a gestante responder pelo crime de aborto, dada sua particular condição d e gara n te. Suponhamos, agora, que um m édico, percebendo que uma gestante sofria i ntensas dores, demore a p restar-lhe o socorro, sendo, p o rtanto, negligente no atendimento, e, em virtude dessa demora, a gestante venha a abortar. Pergunta-se: O médico goza o status de garantidor? Nas condições em que s e encontrava, isto é, dentro de um h osp ital, tendo a o brigação de atender os pacientes que foram ao seu encontro, sim. Sendo garantidor, deverá responder pelo ab orto doloso? Acreditamos que não, p o i s, no exem p l o fornecido, o médico não desejava que a gestante abortasse. Con tudo, foi n eglige nte no atendimento, agindo com culpa. Como não existe a modalidade culposa d e aborto, deverá o m é dico responder pelas lesões corporais d e natureza culposa s ofridas pela gestante decorrentes da expulsão do feto. 1 O. C A U S A S D E A U M E N TO D E P E N A P o r uma imp ropriedade técnica, a rubrica constante d o art. 1 2 7 d o C ó digo Penal anuncia: forma qu alificada. N a verdade, p ercebe-se que no m e ncionado artigo não existem qualifi cadoras, m as, si m, causas especiais de aumento de pena, ou maj orantes, conforme se verifica na sua redação, que diz: Art. 1 2 7 . As p enas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos m eios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, p o r qualquer dessas causas l h e s ob revém a m o rte. D essa forma, somente no terceiro m o mento do critério trifásico de aplicação da pena é que o j ulgador, verifi cadas as lesões corporais graves ou a morte da gestante, fará incidir o aume nto d e u m terço, ou m esmo duplicar a p ena até então encontrada. Ainda merece destaque, na redação contida no art. 1 2 7 do C ód igo Penal, o fato de que s omente terá aplicação a maj orante nas h ipóteses de aborto p rovocado por terceiro, com ou sem o consentime nto da gestante. C o m o a autolesão não é punível, à gestante que, realizando o autoaborto, vier a causar em s i mesma lesão corporal d e natureza grave, não se aplicará a causa de aumento de pena. O s resultados apontados n o art. 1 2 7 do Código Penal lesão corpora l grave e m orte somente podem ter sido produzidos culposamente tratando-se, na espécie, de crime p reterdoloso, ou seja, o dolo do agente era o de p roduzir tão somente o aborto e, além da m orte do feto, produz lesão corporal grave - - 242 ABORTO CAPÍTULO 6 na gestante ou lhe causa a m o rte. Assim, as lesões corporais graves e a m orte som ente podem s e r imputadas ao agente a títul o de culpa. Se ele queria, com o seu comportamento inicial, d i rigido à realização do aborto, produzir na gestante lesão corporal grave ou mesmo a sua mo rte, responderá pelos dois delitos (abo rto + lesão corporal grave ou aborto + h omicídio) em concurso fo rmal impróprio, posto que atua com desígnios autônomos, aplicando-se a regra do cúmulo material de penas. Frederico M arques ressalta : "Só se opera a majoração da pena se o evento qualificador tiver ocorrido por culpa do agente. D esde que o resultado, que agrava a p ena, se originar de caso fortu ito, não s e tem crime qualificado pelo resultado; e se o evento foi querido, haverá concurso de crimes: aborto e h omicídio, o u aborto em concurso com lesão corporal grave. Como no abo rto está sempre inserta a prática de lesão da pessoa da gestante [ . . . ] , será lesão corp oral grave, qualificadora, a que apres ente caráter de excepcionalidade, ou a que não represe nte uma consequência normal do processo abortivo ou dos meios empregados, como os distúrbios próprios do puerpério, a p erfuração do saco amniótico etc. N o utras palavras deverá tratar-se de lesão que represen te um quid extraordinário, decorre n te dos meios abortivos usados ou do próprio fa to do aborto." 1 7 - 11. P R OVA D A V I DA O aborto é um crime que deixa vestígios. Nesse caso, nos termos do art. 1 5 8 do Código d e Processo Penal, qu a n do a infração deixar vestíg ios, será in dispensável o exam e de corpo de delito, direto ou indireto, não p odendo supri-lo a confissão do a cusado. Contudo, também de acordo com o art. 1 67 do diploma processual penal, não sendo p ossível o exam e de corpo de delito, por h a verem desaparecido os vestíg ios, a prova teste munh a l poderá suprir- lhe a falta. 1 2. M E I O S DE R E A L I ZA Ç Ã O D O A B O R T O O aborto p o d e ser realizado c o m a utilização de diversos meios. M i rabete o s sintetiza, dizend o : "Os processos utilizados p o dem ser químicos, orgânicos, fís icos o u psíquicos. São sub stâncias que p rovocam a intoxicação d o organismo da gestante e o consequente aborto : o fós foro, MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. IV, p. 2 1 0-21 1 . 243 ROG É RIO G RECO VOLUME l i o chumbo, o m e rcúrio, o arsênico (quím icos), e a quinina, a estricnina, o ópio, a beladona etc. (orgân icos) . Os meios físicos são os m ecân icos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por máquina estática) . Os meios psíq u icos ou morais são os que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestão, susto, terror, choque m o ral etc) ."18 Assim, tanto pode produzir a morte do feto, p o r exemplo, aquele que i ntroduz instrumento co rtante no útero da gestante, como aquele que, conhecedor de que a gestante sofre da chamada "síndrome do pânico", cria-lhe s ituação de terror insuportável. 1 3. J U LG A M E N TO P E L O J Ú R I , S E M A P R E S E N Ç A DA R É O crime de aborto, nas suas três m o dalidades - autoaborto, aborto p rovocado por terceiro, sem o consentimento da gestante e aborto p rovocado por terceiro, com o consentimento da gestante -, d eve ser submetido a j ulgamento pelo Tribunal do J ú ri, uma vez que a vida é o bem j u rídico por ele p rotegido. O art. 457 e p arágrafos do Código d e Processo Penal, com a nova redação que lhes foi conferida pela Lei nll 1 1 .689, de 9 de j unho de 2 0 08, cuidou do comparecimento do( a) acusado( a) à sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, dizendo : Art. 4 5 7 . O j ulgamento não será adiado p elo não comparecime nto do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularm ente i ntimado. § 1 ll Os pedidos d e adiamento e as j ustificações de não comparecimento d everão ser, salvo comprovado motivo de fo rça maior, p reviamente submetidos à apreciação do j uiz presid ente do Tribunal d o Júri. § 2ll S e o acusado preso não for conduzido, o j ulgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subs crito por ele e seu defensor. M I RABETE, Júlio Fabbrin i . Manual de direito penal, p. 95. 244 ABORTO CAPÍTULO 6 1 4. PENA, AÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CON DICIONAL DO PROCESSO Ao crime de autoaborto, ou mesmo na h ipótese de a gestante cons entir que nela seja realizado o aborto (art. 1 2 4 do CP), foi cominada uma pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Nos casos de aborto p rovocado por terceiro, para aqueles que o realizam sem o consen time n to da gesta n te a pena será de reclusão, de 3 (três) a 1 0 (dez) a n o s; se o d elito é cometido c om o consen timento da gestan te, a pena será de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Tanto no delito de autoaborto (ou mesmo quando a gestante consente que nela sej a realizado o aborto por terceiro) como no de aborto p rovocado por terceiro, com o consentimento da gestante, em virtude da pena mínima cominada a essas duas infrações penais, tip i ficadas nos arts. 1 2 4 e 1 2 6 do diploma repressivo, será permitida a p roposta de suspensão condicional do processo, presentes seus requisitos l egais. Entretanto, no delito de aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante, tal p rop osta restará inviab ilizada se houver a produção d e lesões corporais de natureza grave ou a morte da gestante, pois serão aplicadas as maj orantes previstas no art. 1 2 7 do Código Penal, ultrapassando, assim, o l imite de 1 (um) ano p revisto para a pena mínima cominada à infração penal, determinado pelo art. 89 da Lei n" 9 . 0 9 9 / 9 5 . A a ç ã o penal, em todas as modalidades de abo rto, é de iniciativa pública incondic ionada. 1 5 . A B O RTO L E G A L O art. 1 2 8 d o Có d igo Penal prevê duas modalidades d e aborto legal, o u seja, o aborto que pode ser realizado em virtude de autorização da l e i p enal: a) aborto terapêutico (cu rativo) ou profi láti co (preventivo) ; e b) aborto sentimental, humanitário ou ético. A pri meira indagação que devemos nos fazer é a seguinte : Qual a natureza j u rídica d essas duas modalidades d e a utorização legal para fins de realização do abo rto? Essa indagação requer uma resposta mais detalhada. Ab in itio, diz a lei penal o seguinte: Art. 1 2 8 . Não se pune o aborto praticado por médico: Abo rto necessário 1 - se não h á o utro meio de salvar a vida da gestante; Abo rto no caso de gravidez res u l ta nte de estupro li se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando i ncapaz, de se u representante legal. - 245 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i N o caso d e aborto necessário, também conhecido p o r aborto terapêutico ou profi lático, não temos d úvida e m afirmar que se trata de uma causa de j ustificação correspondente ao estado de necessidade. Fragoso, analisando o inciso e m questão, diz: "A primeira hipótese é a do chamado aborto n ecessário o u terapêutico, que, segundo a opinião dominante, co nstitui caso especial d e estado d e necessidade." 1 9 Frederico Marques, no mesmo sentido, afirma: "Ao aborto terapêutico, dá o Código Penal, na epígrafe d o art. 1 2 8, n-ª 1, o nomen juris de aborto necessário, talvez p ara ressaltar a ratio essendi da i mpunidade, que outra não é que o estado de necessidade."2º De maneira ainda mais enfáti ca, Paulo José da C osta Júnior aduz: "Des picienda a referência à presente causa de exclusão da antij uridicidade, di ante d o p receito ge nérico do art. 24 (estado de necessidade)". 21 N ã o h á como deixar d e lado o raciocínio relativo ao estado de necessidade no chamado aborto necessário. Isso p o rque, segundo se dessume da redação do inciso 1 do art. 1 2 8 do Código Penal, entre a vida da gestante e a vida do feto, a lei optou por aquela. No caso, ambos os bens (vi da da gestante e vida do feto) são j uridicamente p rotegidos. Um deve perecer para que o outro subsista. A lei penal, p ortanto, escolheu a vida da gestante ao invés da vida do feto. Quando estamos d iante do confronto de bens p rotegidos pela lei penal, estamos também, como regra, diante da situação de estado de necessidade, desde que p resentes to dos os seus requisitos, elencados no art. 24 do C ódigo Penal. A discussão, na verdade, diz respeito à natureza j u rídica da segunda modalidade de aborto l egal, vale d izer, o chamado aborto sen tim en ta l ou humanitário, qu a n d o a gravidez é resultante de estupro. Afirma Aníbal B ru n o : " Em verdade, a questão aí está muito aquém do caso em q ue se trata de preservar a vida da mulher. Dificilmente se poderia reduzir a hipótese a um estado de necessidade. Mas razões de ordem ética ou emocional que o legislador considerou extremamente ponderáveis têm introduzido essa descriminante em algumas l egislações, atitude incentivada por episódios graves que realmente reclamavam medidas de exceção." 22 E continua o grande penalista: "N o curso das duas grandes guerras, os inúmeros atos de violência sexual praticados por soldados inimigos nos países invadidos, com a consequência de numerosas concepções ilegítimas, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 2 1 a 1 60, CP), p. 1 24 . �' ' MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . 2, p. 2 1 3 . COSTA J Ú NIOR, Paulo José d a . Curso de direito penal, v . 2, p. 23. BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 73 . 246 ABORTO CAPÍTULO 6 deram ao problema uma d imensão particular, fazendo-o sair do domínio do interesse privado para o do interesse público, político, suscitando, sobretudo depois da primeira guerra, ardorosos debates. Foi então legitimada a intervenção abortiva nos casos de concepção resultante de violência."23 A maioria d e nossos doutri nadores e ntende que, na hipótese de gravi dez resultante de estupro, o aborto realizado pela gestante não será considerado antij urídico. Frederico Marques diz que, "nos termos em que o situou o Código Penal, no art. 1 2 8, nll I I, trata-se de fato típico penalmente lícito. Afasta a lei a antijuridicidade da ação de provocar a borto, por entender que a gravidez, no caso, p roduz dano altamente afrontoso para a pessoa da mulher, o que significa que é o estado de necessidade a ratio essendi da impunidade do fato típico". 2 4 Essa é também a posição de Fragoso.25 H ungria, cuidando do aborto sentimental, assevera que "nada j ustifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a u m ser que lhe recordará perpetuamente o ho rrível episódio da violência sofrida. Segundo Binding, seria profundamente iníqua a terrível exigência do direito de que a mulher suporte o fruto d e sua involuntária desonra". 26 E m bora seja esse o pensamento d e Hu n gria, em seu texto não fica evidenciada sua posição quanto à natureza j u rídica d o inciso II do art. 1 2 8 do Código Penal, ao contrári o da sua conclusão quanto à natureza j urídica do inciso 1 do mencionado artigo, que cuida do chamado aborto terapêutico ou profilático. Ali, diz um dos maiores penalistas que o Brasil j á conheceu, "trata-se de um caso especialmente destacado de estado de n ecessidade" . 2 7 Para que pudéssemos concordar com a maioria de nossos autores, seria preciso amoldar, com precisão, a hip ótese previ sta no inciso II do art. 1 2 8 do Código Penal a uma das causas legais d e exclusão da ilicitude elencadas no art. 2 3 do Código Penal, vale dizer: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumpri me nto de dever l egal e exercício regular de direito. Já tivemos oportunidade d e salientar, quando do estudo da Parte Geral do Código Pen al, que, para que s e possa falar em estado de necessidade, é preciso que haj a um confronto de bens igualmente protegidos pelo orde namento j u rídico. Duas são as teorias que disputam o tratamento do estado de necessidade: teoria unitária e teoria diferenciadora. Para a teoria un itária, adotada pelo nosso Código Pe nal, todo estado de necessidade é j ustificante, isto é, afasta a i licitude da conduta típica l evada a e fe ito pelo agente. A teoria diferenciadora, BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa, p. 1 73 . MARQUES, José Frederico. Tratado d e direito penal, v . 2 , p. 2 1 8 . FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial (arts. 1 21 a 1 60, CP), p . 1 24. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 304. H U N G R IA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 304. 247 RoG ÉRJo G RECO VOLUME l i a seu turno, traça uma distinção e ntre o estado d e necessidade j ustificante (que exclui a ilicitude do fato) e o estado de necessidade exculpante (que afeta a culpabilidade) . Para essa teori a, se o b e m que se quer preservar for de val or s u pe r ior à qu e le co ntra o q u a l se d i rige a conduta do agente, estaremos diante d e u m estado d e necessidade j ustificante; se o bem que se quer preservar for de valor inferior ao agredido, o estado de necessidade será exculpante; se os bens fo rem d e valor idêntico existe controvérsia doutrinária e j urisprudencial, sendo que uma corrente o pta pelo estado de necessidade justificante e outra, pelo exculpante. E n fim, no inciso II do art. 1 2 8 do C ó d igo Penal h á dois bens em confronto : de um lado, a vida do feto, tutelada pelo nosso ordenamento j u rídico desde a concepção; do o utro, como s ugere Frederico M arques, a honra da mulher víti ma de estupro, ou a dor p e l a recordação dos mom entos terríveis pelos q uais passou nas mãos do estuprador. Adotando-se a teoria unitária ou a diferenciadora, a solução para este caso seri a a mes ma. Pela redação do art. 2 4 do C ódigo Penal, somente s e pode alegar o estado d e necessidade quando o sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. O ra, h á uma vida em crescimento no útero materno, uma vida concebida por D eus. Não entendemos razo ável no confronto entre a vida do ser humano e a h onra da gestante estuprada optar por esse último bem, razão pela qual, mesmo adotando-se a teoria unitária, não pode ríamos falar e m estado d e necessi dade. Com relação à teoria diferenciadora, o tema fica mais evidente. Se o b e m vida é de valor superior ao b e m honra, para ela o problema se resolve não em sede de ilicitude, mas, sim, no terreno da culpabilidade, afastando-se a rep rovab ilidade da conduta da gestante que pratica o aborto. Da mesma forma não conseguimos visualizar a aplicação das demais causas excludentes da ilicitude ao i n ciso II do art. 1 2 8 do C ódigo Penal. Não se trata de l egítima defesa, pois o feto não está agredindo inj ustamente a gestante; não é o caso de estrito cumprimento de d ever l egal, haj a vista a inexistência do dever l egal d e matar, a não ser nos casos excepcionais, p revistos no art. 8 4, XIX, da C o nstituição Federal, cuja si nistra função caberá àquele que exercer o papel de carrasco; e muito menos s e pode argumentar com o exercício regular de direito, uma vez que o ordenamento j u rídico quer, na verdade, é a pres ervação da vida, e não a sua d estru i ção. E ntendemos, com a devida ven ia das posições em contrário, que, n o inciso II do art. 1 2 8 do Cód igo Penal, o legislador cuidou de uma hi pótese de i n exigibilidade de conduta diversa, não s e podendo exigir da gestante que sofreu a violência s exual a manutenção da sua gravid ez, razão pela qual, optando-se pelo aborto, o fato será típico e i l ícito, mas deixará de ser culpável.28 G R EGO. Rogério. Curso de direito penal - Parte geral, p. 460-461 . 248 ABORTO CAPÍTULO 6 Outros aspectos merecem ainda ser analisados no que diz respeito às hipóteses de aborto l egal, a saber: a) possibilidade d e analogia in banam pa rtem quando o aborto não for realizado p o r médico; b) representante l egal da i ncapaz que cons ente na realização d o abo rto, contrariamente à vo ntade da gestante. A) O cap ut do art. 1 2 8 do C ódigo Penal determina que não é punível o aborto p raticado por m édico nas h ipóteses dos seus incisos 1 e I I . No primeiro caso, se a gestante correr risco de morrer com a manutenção da gravidez, poderia outra pessoa, que não gozasse da qualidade de médico, a exemplo do que ocorre com as parteiras, nela realizar o aborto com o fim de salvar-lhe a vida? Entendemos que a resposta, l evando em consideração a natureza j urídica do inciso 1 do art. 1 2 8 do C ódigo Penal, s ó pode ser positiva. E staria o agente, que atua no l ugar do médico, agindo em estado de n e cessidade d e terceiro. Contudo, q uestão mais tormentosa se enco ntra no inciso II do mencionado artigo. Isso porque sua natureza é d iversa daquela consignada no inciso 1 do art. 1 2 8 do diploma repress ivo, cuidando-se de uma causa legal de exclusão da culpabilidade pela i n exigibilidade de conduta diversa. Frederico Marques posiciona-se radicalmente co ntra a possibilidade de realização do aborto por outra p essoa que não o médico : "Aceita q u e fo i, porém, a i mp unidade dessa forma de abo rto, deve-se aplicar a l e i, no q u e diz respeito às exigências nela contidas, com o mais absoluto rigor, s ó admitindo a l icitude da ação, quando preenchidos, irrestritamente, os pressupostos exarados na norma permissiva. Em primeiro lugar, nem a gestante, e muito menos partei ras ou pessoas sem habil itação profiss ional, podem p rovocar o abo rto para interromper gestação oriunda de estupro. E m segundo l ugar, indeclinável é o consentimento da gestante ou d e seu representante l egal, como antecedente ou p rius da op e ração abo rtiva. Por fim, indispensável é que o médico tenha elementos seguros so b re a existência do estupro. Faltando um desses requisitos, que seja, o aborto será criminoso." 29 Luiz Regis Prado, por seu turno, fun dam enta a i mpossibilidade do recurso da analogia in banam partem, assim se manifestando : "A regra do art. 1 2 8, I I , do C ó d igo Penal é norma penal não incriminadora excepcional o u singular em relação à norma não i n criminadora geral (art. 2 3 , CP). D e conseguinte, como MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v . IV, p . 2 1 9 . 249 RoG ÉRJo GREco VOLUME 1 1 se trata de jus sing ulare, e m princípio, não é d e ser aplicado o p rocedimento analógico, ainda que in banam partem."3º Apesar da fo rça dos argum entos exp en didos, não entendemos ser essa a melhor conclusão. I n icialmente, somente devemos afastar o recurso da chamada analogia in banam partem quando tivermos a convicção de que foi intenção da lei deixar d e lado determinada h i p ótese. D o contrário, quando houver necessidade d e preservar o tratamento isonômi co, o recurso a ela se fa rá necessário. I magine-se a seguinte hipótese: uma mulher que reside em uma aldeia de difícil acesso, no interior da flo resta amazônica, por exemplo, é vítima de u m delito de estupro. Não tendo condições de sair de sua aldeia, tampouco existindo p ossibilidade de receber, em sua residência, a visita de um médico, solicita à parteira da região que realize o aborto, depois de narrar-lhe os fatos que a motivaram ao ato extremo. Pergunta-se: Não estaria também a parteira acobertada pelo inciso II do art. 1 2 8 do Código Penal, ou, em decorrência do fato de não haver médicos disponíveis na região, a gestante, por esse motivo, deveria levar sua gravidez a termo, contrariamente à sua vontade? Entendemos, aqui, p e rfe itamente admissível a analogia in banam partem, i s entando a parte i ra de qualquer responsabilidade p enal. B) Para que seja realizado o aborto há necessidade i m p eriosa de que a gestante consinta a sua realização. Pode ocorrer, e não raro acontece, que a gestante, mesmo tendo sido viole ntada, l eve a termo a sua gravidez e dê à luz ao seu filho. N o rmalmente, após o nascimento da criança, a mãe apaga da sua mente a violência p o r e l a sofrida, p o i s o a m o r p e l o filho sobreleva todas as coisas. Entretanto, também não é incomum que a gestante, por outro lado, queira se submeter ao aborto, nos casos de gravidez que tenha sido fruto de violência sexual. P a ra tanto, deverá emitir seu consentimento de maneira i nequívoca, sem o qual se torna impo ssível a realização do aborto. O que fazer, então, d iante da divergência de opiniões entre a gestante incapaz e seu representante legal. Suponha-se que o representante legal da gestante, que co ntava com apenas 14 anos de idade, queira que ela se submeta ao abo rto, ao passo que ela próp ria, mesmo tendo sido violentada, deseje dar a luz ao seu filho? E ntendemos que, havendo d ivergência de posições, deve p revalecer o raciocínio pela vida do feto, não i m p ortando a incapacidade da gestante. O suprimento d e seu co nsenti mento pelo de seu representante l egal só deve ser entendido no sentido de corroborar a sua decisão na eliminação do produto da concepção. Caso contrário, s e deseja levar a gravi dez a termo, sua vontade d everá ser atendida. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p. 1 08. 250 ABORTO CAPÍTU LO 6 Em 1 o. de agosto de 2 0 1 3, foi edi tada a Lei nª 1 2 .845, que dispôs s ob re o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, considerando como tal aquelas, para e feitos da mencionada lei, que tenham sido víti mas de atividade sexual não consentida, como é o caso do delito de estupro, que tenha resultado em gravidez.3 1 Antecedendo o referido diploma l egal, em 1 3 de março de 2 0 1 3 , foi publicado o D e creto nª 7 . 9 5 8, que estabeleceu d i retrizes para o atendimento humanizado às vitimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Ú nico de Saúde. 1 6. D E STAQ U E S 1 6 . 1 . G esta n te q u e p e r d e o f i l h o e m a c i d e n te de t râ n s i to Pode acontecer que a própria gestante, estando na direção de seu veículo automotor, ven ha, por exemplo, culposamente, a colidir com um poste, causando, em virtude do impacto so frido, o aborto. N esse caso, não deverá ser resp onsabilizada criminalmente, haj a vista a in existência de p revisão l egal para a m o dalidade culposa de aborto. D e outro lado, pode ser que a gestante tenha sido vítima de acidente de trânsito, tendo sido seu veículo atingido por terceiro que, agindo de forma imprude nte, dirigindo em velocidade excessiva, com ela colidiu, causando-lhe, também, em virtude do im pacto, o aborto. LEI Nº 1 2.845, DE 1 ° DE AGOSTO DE 2013 A PRESI DENTA DA REPÚ BLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei : Art. 1 ° O s hospitais devem oferecer à s vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidiscipli nar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social. Art. 2° Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida. Art. 3° O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços: 1 - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas; l i - amparo médico, psicológico e social imediatos; 1 1 1 - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual; IV - profilaxia da gravidez; V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST; VI - coleta de material para realização do exame de H I V para posterior acompanhamento e terapia; VI 1 - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis. § 1° Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitarem. § 2" No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal. § 3° Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do agressor. Art. 4° Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publ icação oficial. Brasília, 1° de agosto de 20 1 3 ; 1 92º da Independência e 1 25° da República. D I LMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Alexandre Rocha Santos Padilha Eleonora Menicucci de Oliveira Maria do Rosário Nunes 251 ROG ÉRIO G RECO VOLUME l i Aqui, ao co ntrário do raciocínio anterior, o agente causador do aborto, embora não possa ser responsabilizado p enalmente por esse resultado, poderá responder pelas lesões corporais de natureza culposa pro duzidas na gestante em virtude da expulsão p re matura do p roduto da concepção. Como o acidente ocorreu na direção de veícul o autom otor, sua cond uta, em tese, se amoldará ao art. 3 0 3 da Lei nll 9 . 5 0 3 / 9 7 (Código de Trânsito brasileiro), que diz: Art. 3 0 3 . P raticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e suspensão o u proib ição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 1 6 . 2 . M o rte de fetos g ê m e os Suponha-se que o agente coloque substância química abortiva na refeição da gestante, almej ando a i nterrupção da gravidez que, de antemão, era sabi damente gemelar. O agente, portanto, além de conhecer o estado gravídico da gestante, sabia que a gestação e ra de fetos gêmeos. Ocorrendo a morte dos produtos da concepção, quais seriam os crimes por ele praticados? N o caso em exame, aplica-se a regra do concurso fo rmal impróprio de crimes, contida na segunda parte do art. 70, capu t, do C ó digo Penal, haja vista que com a sua conduta única o agente produziu dois resultados que faziam parte do seu dolo, agindo, po rtanto, com desígnios autônomos com relação a eles. N esse primeiro exemplo não existe qualquer dificuldade de raciocínio. I magine- se, agora, entretanto, que o agente queria produzir o resultado aborto na gestante, acreditando que a sua gravidez era simples, quando, na verdade, havia concebido fetos gêmeos, ca usando a m o rte de ambos. Pergunta-s e : D everá o agente responder pelo aborto em concurso fo rmal, da mesma forma que no exemplo anterior? Aqui, entendemos que não. E mb o ra tenha atuado n o sentido de p raticar o aborto, mini strando à gestante substância química abortiva, somente pode rá responder subjetivamente pelos resultad os produzidos. Se não conh ecia a gravidez ge melar, segundo entendemos, não lhe poderá ser aplicada a regra do concurso fo rmal impróprio, d evendo responder por um único aborto. Podemos raciocinar, ain da, com uma terceira h ipótese. Suponha-se agora que a gestante, al mejando p raticar o aborto, vá até uma clínica que realize esse tipo d e serviço. N o início d e sua curetagem, o "médico" percebe que sua gravi dez era 252 ABORTO CAPÍTULO 6 gemelar, o que não e ra de seu conhecimento. O médico, sem comunicar tal fato à gestante, interrompe a gravi dez com a retirada de ambos os fetos, que m o rrem. Pergunta-se: Quais os d elitos p raticados pelo médico que realizou o aborto com o consentimento da gestante, e pela gestante que a ele se sub meteu volitivamente? Entendemos que o médico deverá ser responsabil izado pelos dois abortos, aplicando-se a regra do concurso fo rmal impróprio, vale dizer, embora conduta única, pro dutora de dois resultados, pelo fato de ter agido com desígnios autônom os, ser-lhe-á aplicado o cúmulo material, devendo ser somadas as penas dos dois abortos. Já a gestante, como desconhecia a gravidez gemelar, somente pod erá responder por um único delito de aborto, afastando o concurso de crimes. 1 6 . 3 . A g r e s s ã o à m u l h e r s a b i d a m e n te g rá v i d a Vamos trabalhar com o s egui nte exe m p l o : Assim q u e o agente chega e m casa, tem início uma discussão com sua mulher, que se encontra grávida. D urante a discussão, o marido se desco ntrola e a agride, fazendo com que a gestante aborte. Pergunta-se: Qual o crime que ele cometeu? Lesão corporal qualificada pelo resultado aborto ou o del ito de aborto? Essa resposta, como sabemos, vai depender do elemento subj etivo com que atuava o agente. Se sua cond uta foi dirigida finalisticamente a causar lesão corporal e m sua esposa e desse comportamento adveio o resultado abo rto, que lhe era p revisível, ela se amoldará ao tipo penal p revisto pelo art. 1 2 9, § 2Q, V, do d iploma repressivo, ou seja, lesão corp o ral qualificada pelo resultado aborto. Ago ra, se ao agredir a sua esposa pretendia a interrupção da gravidez, terá cometido o delito d e aborto. Se o réu se calar, valendo-se do seu d i re ito ao silêncio constitucionalmente assegurado (art. SQ, LXl l l , da CF), como saber a que se dirigia fi nalisticamente seu comportamento? N a verdade, o s fatos falarão por si. Se agrediu sua esposa, por exemplo, desferindo-lhe um violento soco no rosto, o seu dolo, ao que parece, não era o de produzir o aborto. Contudo, se das agressões praticadas contra sua esposa, que sabidamente se encontrava grávida, sobrevém o resultado abo rto, será responsabilizado pelas lesões corporais gravíssimas, isto é, qual ificada pelo resultado aborto, uma vez que este último lhe era previsível. Agora, se agride sua esposa desferindo-lhe um po ntapé na barriga, obviamente que o seu dolo era o de abortar o produto da concepção. Na dúvida, e ntretanto, esta deverá pender em seu benefício, uma vez que in dubio p ro reo, devendo o agente ser responsabilizado pela infração penal menos grave, no caso a lesão corporal qualificada pelo resultado aborto. Se, agindo com dolo de lesão, agred i r uma mulher grávida que, contudo, não vier a abortar, ao age nte será aplicada a circunstância agravante p revista no 253 RoGÉRJO G RECO VOLUME I I art. 6 1 , II, h, última figura, d o Có d igo Penal, o u seja, agrava-se a p ena por ter cometido o crime contra m ulher grávida. Ocorrendo o aborto como resultado qualificador das lesões corporais por ele p raticadas, ou mesmo na h i p ótese e m que o dolo do agente era o de i nterromper a gravidez, isto é, o dolo de aborto, não será poss ível a aplicação da circunstância agravante acima mencionada, pois tais circunstâncias, co nfo rme determina o cap u t do art. 6 1 do Código Penal, some nte podem agravar a pena quando não c onstituem ou qualificam o crime. 1 6 . 4 . G e s t a n t e q u e tenta o s u i c íd i o A tentativa de suicídio, p o r si mesma, como vimos, não é punível, mas, s im, o comportamento daquele que i nduz, i nstiga o u auxilia materialmente alguém a cometer o ato extremo. C o ntudo, pode ocorrer que a gestante queira eliminar a própria vida e realize um comp ortam ento d i rigido a esse fim, por exemplo, fazendo a i ngestão de v e n e n o ou atirando co ntra si mesma. Ela sabe que, assim agindo, causará não s o mente a morte dela, mas também a do feto que carrega e m seu útero. P ergunta-se: Caso a gestante s obreviva ao atentado contra a própria vida, não ocorrendo, também, a interrupção da gravi d ez, será responsabilizada por alguma i n fração penal? Acreditamos que sim. D everá ser i mputado à gestante o d el ito de tentativa de aborto, uma vez que, almej ando eliminar a própria vida, consequentemente, produziria a morte do feto, razão pela qual, se sobreviver, não ocorrendo a m o rte do feto, deverá ser responsabilizada pelo con a tus. Caso haja a m o rte do feto, terá co m etido o delito de aborto consumado. 1 6 . 5 . D e s i stê n c i a vo l u n t á r i a e a r re p e n d i m e n to e f i c az Os institutos da desistência voluntária e d o arrependimento eficaz são perfe itamente apli cáveis ao delito de aborto, e m todas as suas modalidades. N o crime d e autoaborto, se a gestante dá início às manobras abortivas, mas as interrompe durante sua execução, teremos aqui a aplicação da desistência voluntá ria, sendo atípicos os atos por ela eventualmente realizados que, de alguma fo rma, vieram a produzir-lhe lesões corp o rais, uma vez que não se pune a autolesão. Também pode ocorrer que, após esgotado tudo aquilo que tinha ao seu alcance no sentido de realizar o aborto, por exemplo, fazendo uso de substâncias